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MODELAGEM MATEMÁTICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA NA ENGENHARIA Maria Salett Biembengut 1 Nelson Hein 2 Gabriel Schneider Loss 3 Neste artigo apresentamos algumas reflexões sobre a estrutura educacional brasileira que tem permanecido a mesma com currículo pautado em muitas disciplinas, tempo insuficiente para que sejam aprofundadas e cada uma dessas disciplinas sob responsabilidade de um professor; dificultando que mudanças significativas se produzam na formação dos estudantes. E com isso, cada vez mais, estudantes sem interesse e sem perceber qualquer necessidade em adquirir esse conhecimento, continuam apresentando resultados deficitários nos exames e no mercado de trabalho, quando passam a atuar. E o professor nesse contexto, permanece jogando com suas técnicas e estratégias, às vezes levado a fazer algumas tentativas inovadoras apenas pelo seu virtuosismo. Temos nos dedicado a pesquisa em modelagem matemática em cujos vários estudos os dados empíricos foram obtidos através de experiências no ensino em todos os níveis de escolaridade; dentre estes, em várias disciplinas de matemática de cursos de Engenharia. Como exemplo, neste artigo apresentamos uma experiência que realizamos no primeiro semestre de 2009 na disciplina de Pesquisa Operacional. Para fazer uso da modelagem como método de ensino, nós procuramos desenvolver o conteúdo matemático da disciplina de forma a prover os estudantes com questões que deverão lidar futuramente no campo profissional e, especialmente, integrando a diversas disciplinas do curso. Embora não se subestime a importância da modelagem matemática como método de ensino e de aprendizagem, alguns aspectos devem ser verificados para não sublinhar com demasiada ênfase, se esquecendo de limitações que a estrutura educacional produz tanto para o professor quanto para os estudantes. A estrutura educacional com currículo partido em várias disciplinas, cada disciplina sob a responsabilidade de um professor e horários e períodos para cumprir cada fase escolar, sem dúvida, é a principal dificuldade para tornar a modelagem matemática um método de ensino e aprendizagem em sala de aula. Palavras-chave: modelagem matemática, engenharia, estrutura educacional 1 Maria Salett Biembengut é pós-doutora em Educação pela USP e pela University of New Mexico (USA). Atua na Universidade Regional de Blumenau (FURB), desde 1990. [email protected] 2 Nelson Hein é pós-doutor pela Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada. Atua como professor permanente no Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis (PPGCC) da FURB. [email protected] 3 Gabriel Schneider Loss é graduando em Eng. de Telecomunicações na FURB e bolsista de iniciação científica no Centro de Referência em Modelagem Matemática no Ensino (CREMM), na FURB. [email protected] 224

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Modelagem Matemática

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  • MODELAGEM MATEMTICA NO ENSINO DE MATEMTICA NA ENGENHARIA

    Maria Salett Biembengut 1 Nelson Hein 2

    Gabriel Schneider Loss 3

    Neste artigo apresentamos algumas reflexes sobre a estrutura educacional brasileira que tem permanecido a mesma com currculo pautado em muitas disciplinas, tempo insuficiente para que sejam aprofundadas e cada uma dessas disciplinas sob responsabilidade de um professor; dificultando que mudanas significativas se produzam na formao dos estudantes. E com isso, cada vez mais, estudantes sem interesse e sem perceber qualquer necessidade em adquirir esse conhecimento, continuam apresentando resultados deficitrios nos exames e no mercado de trabalho, quando passam a atuar. E o professor nesse contexto, permanece jogando com suas tcnicas e estratgias, s vezes levado a fazer algumas tentativas inovadoras apenas pelo seu virtuosismo. Temos nos dedicado a pesquisa em modelagem matemtica em cujos vrios estudos os dados empricos foram obtidos atravs de experincias no ensino em todos os nveis de escolaridade; dentre estes, em vrias disciplinas de matemtica de cursos de Engenharia. Como exemplo, neste artigo apresentamos uma experincia que realizamos no primeiro semestre de 2009 na disciplina de Pesquisa Operacional. Para fazer uso da modelagem como mtodo de ensino, ns procuramos desenvolver o contedo matemtico da disciplina de forma a prover os estudantes com questes que devero lidar futuramente no campo profissional e, especialmente, integrando a diversas disciplinas do curso. Embora no se subestime a importncia da modelagem matemtica como mtodo de ensino e de aprendizagem, alguns aspectos devem ser verificados para no sublinhar com demasiada nfase, se esquecendo de limitaes que a estrutura educacional produz tanto para o professor quanto para os estudantes. A estrutura educacional com currculo partido em vrias disciplinas, cada disciplina sob a responsabilidade de um professor e horrios e perodos para cumprir cada fase escolar, sem dvida, a principal dificuldade para tornar a modelagem matemtica um mtodo de ensino e aprendizagem em sala de aula.

    Palavras-chave: modelagem matemtica, engenharia, estrutura educacional

    1 Maria Salett Biembengut ps-doutora em Educao pela USP e pela University of New Mexico (USA). Atua

    na Universidade Regional de Blumenau (FURB), desde 1990. [email protected] 2 Nelson Hein ps-doutor pela Associao Instituto Nacional de Matemtica Pura e Aplicada. Atua como

    professor permanente no Programa de Ps-Graduao em Cincias Contbeis (PPGCC) da FURB. [email protected] 3 Gabriel Schneider Loss graduando em Eng. de Telecomunicaes na FURB e bolsista de iniciao cientfica

    no Centro de Referncia em Modelagem Matemtica no Ensino (CREMM), na FURB. [email protected]

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  • 1. Apresentao

    O Brasil possui amplo parque industrial em quase todas as reas, comrcio e servios. A produo brasileira no apenas atende o prprio mercado (180 milhes de habitantes) como tambm, exporta para diversos pases. Colaboram para isso, diversos centros de pesquisas das prprias indstrias ou em parceria com os centros de pesquisas das universidades ou subsidiados pelos governos federal e estaduais. Nesse sistema social e produtivo brasileiro requerido do profissional: conhecimento geral e especfico, habilidade em aplicar este conhecimento e senso aguado na tomada de deciso.

    Faz parte deste conhecimento a matemtica. Isso porque h ntima conexo entre matemtica e indstria, gerando e resolvendo problemas associados com o desenvolvimento da humanidade, econmica e socialmente (DAMLAMIAN; STRBER, 2009, traduo nossa). Entretanto, a maioria destes profissionais torna-se apto para desenvolver suas funes somente a partir da experincia e de treinamentos/cursos promovidos pela empresa que atua. Por isso, significativo nmero de empresrios reclama dos jovens recm formados por no saberem aplicar o conhecimento adquirido na escola. Quais as razes para que a maioria dos estudantes, em particular dos cursos de graduao, aprenda somente quando passa a trabalhar, a despeito do nmero de horas-aula e dos anos de estudos na faculdade? Como mudar esta situao que perdura h dcadas tanto no Brasil como em vrios pases?

    A pesquisa brasileira do setor produtivo to significativa quanto a pesquisa sobre as questes educacionais. Um dos grandes focos de pesquisa na Educao sobre formao de professores. Estudos diversos indicam que o professor deve buscar meios para tornar as aulas mais interessantes, motivadoras aos estudantes; propem estratgias e mtodos para que o professor integre os contedos programticos realidade dos estudantes, faa uso dos recursos tecnolgicos, etc. No que diz respeito ao ensino de matemtica, muitas pesquisas tem sido feitas para encontrar caminhos para fazer os contedos tericos transparentes e comunicativos para os estudantes dispor de uma perspectiva do conhecimento matemtico (HEILIO, 2009, traduo nossa).

    Na Educao Matemtica, mesmo com expressiva pesquisa e reestruturaes curriculares, o ensino de matemtica, salvo experincias isoladas, no propicia ao estudante suficiente habilidade para interpretar e solucionar problemas. Poucas vezes lhes so apresentados situaes-problemas que requerem uma leitura e interpretao e, a seguir, uma formulao e explicao desse contexto. Sem essa vivncia, essa capacidade se perde. A matemtica, em geral, tratada de forma estanque sem qualquer vnculo; nem entre a prpria

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  • matemtica. Qual a dificuldade dos professores em se desvincular desta prtica apesar das criticas recebidas em razo do fraco desempenho dos estudantes?

    Nas duas ltimas dcadas vimos nos dedicando a pesquisa em modelagem matemtica (MM) em Educao cujos dados empricos da maioria destes trabalhos foram obtidos de experincias pedaggicas em todos os nveis de escolaridade: do inicio da Educao Bsica aos cursos de Graduao e Ps-Graduao. Dentre as experincias encontram-se as realizadas em diversas disciplinas de Matemtica nos cursos de Engenharia. Dos diversos aspectos analisados nestas pesquisas, um deles mostra que a MM contribui no apenas para que os estudantes aprendam o contedo matemtico, mas principalmente, a formular, resolver e tomar decises (BIEMBENGUT; HEIN, 2007).

    Embora a MM faa parte de programas curriculares de vrios cursos de Engenharia nas disciplinas especficas e bsicas, pouco se alterou na prtica em sala de aula. De fato, o que mudou nas escolas e universidades foi apenas a estrutura fsica (mobilirio moderno, computadores, internet etc.). Mas, a estrutura educacional permanece a mesma com currculo pautado em muitas disciplinas, tempo insuficiente para que sejam aprofundadas e cada uma dessas disciplinas sob responsabilidade de um professor, dificultando que mudanas significativas se produzam na formao dos estudantes. No se pode afrontar a evidncia que boa parte dos professores procura meios eficazes para que os estudantes aprendam. Os recursos didticos variam de acordo com o assunto que se pretende tratar, empregando um mtodo que se julga adequado para promover aprendizagem. Contudo, nesta estrutura, sem que os professores de disciplinas afins se renam para organizar uma proposta eficiente e cada professor ensinando o contedo sob sua concepo, no contribui para que os estudantes percebam a realidade, se interessem pelas questes do meio, expressem propostas, apresentem uma nova criao. Em que medida ns podemos mudar a estrutura educacional? Estas so algumas questes que esperamos tratar.

    2. Exemplo de modelagem matemtica na Engenharia de Produo

    A fim de justificar o que vimos anunciando h mais de uma dcada - necessidade de mudar a estrutura educacional, apresentamos um dos trabalhos que realizamos no 1 semestre letivo/2009 (fevereiro-julho) na disciplina de Pesquisa Operacional junto a 23 estudantes do curso de Engenharia Produo. Um dos desafios do engenheiro de produo desenvolver e aplicar processos e mtodos que permitam a fabricao de itens de consumo em grande escala, com rapidez e, principalmente, com mnimo impacto natureza.

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  • O curso de Engenharia de Produo da Universidade Regional de Blumenau - FURB tem no mnimo 3762 h/a, subdivididas em quatro reas: comum (formao geral e bsica); profissionalizante (formao especfica comum e especfica por opo); estgio, disciplinas optativas e trabalho de final de curso. As disciplinas da rea comum, de acordo com a especificidade, so de responsabilidade de outros Departamentos, como: Pedagogia, Administrao, Matemtica. As disciplinas de Matemtica, sob responsabilidade do Departamento de Matemtica, ocupam 684 h/a deste curso, distribudas em: Clculo Diferencial Integral (I, II, III), lgebra Linear e Geometria Analtica (I e II), Clculo Numrico, Estatstica Descritiva e Probabilidade, Mtodos Estatsticos, Matemtica Financeira e Anlise de Investimentos e Pesquisa Operacional (I e II).

    Em geral so ministradas por diferentes professores de matemtica; alguns iniciantes, outros j em final de carreira. Isto , diferentes concepes e formaes matemticas. Cada semestre letivo, o Departamento indica os professores que nem sempre atuam nas mesmas turmas nos semestres posteriores. Temos identificado que nestas disciplinas ainda so priorizadas as tcnicas em detrimento as teorias, apesar dos softwares matemticos; e as aplicaes ficam restritas as clssicas que fazem parte dos livros textos; muitas vezes, h dcadas escritas.

    Embora exista neste curso de Engenharia uma disciplina denominada de Modelagem e Simulao (54 h/a), em geral, so reelaborados exemplos dos livros textos tambm. As situaes-problemas que aparecem nestes livros trazem todos os dados requeridos e, ainda, pelo menos uma destas situaes resolvida, como exemplo. Em geral, o professor apresenta os modelos ou exemplos e, em seguida, prope aos estudantes que resolvam questes aplicando os dados ao modelo (frmula matemtica). A aplicao realizada, muitas vezes, de forma mecnica, sem que os estudantes compreendam de fato a questo, tampouco avaliem a validade do resultado. Fazer modelagem supe estudo e interpretao de um assunto de alguma rea do conhecimento, levantamento de questes cujas respostas ou solues requeiram formulao para resolv-las. E para utilizar MM no ensino preciso que o

    professor saiba fazer modelagem e, tambm, saiba adaptar alguns modelos pertinentes ao curso que lhe permita desenvolver os contedos programticos e despertar o interesse dos estudantes para aprender.

    Conforme dito anteriormente, desde 1990 vimos adotando a MM como mtodo de ensino das diversas disciplinas matemticas nos cursos, em particular, de Engenharia da FURB. Nos cursos de Engenharia devido a estrutura vigente (semestralidade, sistema de crditos, disciplinas, horrio) e a dificuldade do professor de Matemtica, em curto espao de

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  • tempo, inteirar-se de um problema da Engenharia cuja matemtica seja instrumento, fizemos alguns re-direcionamentos neste mtodo para o ensino de Matemtica. Este mtodo guia-se pelo desenvolvimento do contedo programtico a partir de modelos matemticos aplicados s reas diversas da respectiva engenharia e, paralelamente, pela orientao dos alunos pesquisa - modelagem. (BIEMBENGUT, 1997; 2007).

    Assim no primeiro semestre letivo de 2009, por exemplo, ao assumir a disciplina de Pesquisa Operacional II do curso de Engenharia de Produo, a fim de desenvolver o contedo programtico, optamos pelo assunto: aquisio de uma rea para a construo de 620 habitaes as pessoas desabrigadas num desastre ambiental que ocorreu na regio da cidade de Blumenau (cidade onde a FURB se situa) em novembro de 2008. Esta tragdia, noticiada internacionalmente, levou a morte centenas de pessoas e milhares desabrigadas. Para desenvolver o contedo programtico da disciplina atuamos em seis etapas, no necessariamente, disjuntas: (1) Exposio do tema, (2) Levantamento de questes e dados, (3) Formulao, (4) Desenvolvimento do contedo matemtico e apresentao de exemplos anlogos, (5) Resoluo das questes propostas e (6) Anlise do modelo. A saber:

    1a Etapa: iniciamos relembrando os estudantes sobre a enchente e deslizamento ocorridos, e melhor explicitando as possveis causas e apresentando o tema a ser modelado.

    A cidade de Blumenau (SC) localizada, no sul do Brasil, geograficamente se posiciona no sentido leste-oeste, sendo cortado pelo Rio Itaja Au, com jusante a leste. As correntes de ar frio vindas do Plo Sul vem em sentido ortogonal ao vale, alem de tornar a regio mida quando encontram com as correntes de ar quente da Amaznia, que rotacionam sobre o Brasil no sentido anti-horrio, causam tragdias, vitimando pessoas e perdas econmicas considerveis. Contribui ainda, a altitude do centro da cidade em relao ao nvel do mar de 14 m o efeito das mars do Oceano Atlntico atuando sobre o fluxo das guas. A todos estes fenmenos climticos, associam-se tambm os efeitos do aquecimento global. As chuvas iniciaram no ms de agosto em volumes no constantes e nos dias 23 e 24 de novembro provocaram enchente e deslizamentos dos morros causando uma tragdia com nmero de mortes superior a uma centena e perdas econmicas superando trs bilhes de dlares. O alto nmero de desabrigados fez que rgos pblicos remanejassem as pessoas. Um problema aos rgos pblicos para localizar uma rea adequada para criar conjuntos habitacionais. Para isso, o setor de obras do governo municipal formou uma equipe composta por engenheiros, gelogos, meteorologistas e tcnicos responsveis pela rea financeira da municipalidade.

    2a Etapa: a fim de levantar a questo-guia, informamos aos estudantes que o problema na escolha da rea a ser adquirida se configura dentro do ambiente das decises multi-critrio discreta: tem-se o conflito entre objetivos, pois se deseja minimizar o custo de aquisio, maximizar a cota de alcance da enchente, minimizar o nmero de ribeires prximos e

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  • minimizar a declividade da rea. Pretende-se adquirir uma rea barata, livre de enchentes, livre de enxurradas e deslizamentos. Assim, qual a rea que melhor atende estes objetivos?

    3a Etapa: para responder a questo, levantamos os dados junto ao setor de obras do governo municipal uma vez que uma equipe j estava tratando do assunto e apresentamos aos estudantes. Segundo dados obtidos, haviam trs propostas para a construo de 620 habitaes. Todas possuam as dimenses mnimas requeridas para o projeto. As reas possveis propostas localizavam-se em regies afastadas do centro, contudo, no totalmente livres de enchentes, enxurradas e deslizamentos. As caractersticas das reas em questo encontram-se no quadro 01, a seguir, que levam em considerao os critrios analisados.

    Critrios Regies Custo (R$) Enchente* (m) Enxurrada**(no) Deslizamento*** () A 2.100.000,00 8,9 3 5 B 1.900.000,00 14,2 0 8 C 1.550.000,00 11,7 5 23

    Quadro 01: Dados tcnicos de cada terreno proposto Fonte: Secretaria de Obras PMB * Cota livre de enchente

    ** Nmero de ribeires prximos

    *** Inclinao mxima do terreno

    4a Etapa: o desenvolvimento do contedo matemtico da disciplina (PO) e a apresentao de exemplos anlogos iniciaram neste momento, mas ocorreram em diversos outros sempre que necessrio. Por exemplo, para buscar uma resposta a esta questo, usamos o Mtodo de Anlise Hierrquica proposto por Saaty (1991). Saaty com sua escala fundamental, parte da matriz de preferncias e da definio dos recprocos. Estabelecida a estrutura hierrquica, realiza-se a comparao par-a-par de cada alternativa dentro de cada critrio do nvel imediatamente superior, isto , para cada critrio so relacionadas as alternativas devidamente aplicadas na escala verbal apresentada. O juzo verbal da equipe de deciso transforma-se em uma escala de valores.

    5 Etapa: a formulao da questo permitiu diversas discusses e sugestes. Comentamos com os estudantes que como os critrios: custo, riscos de enchente, enxurrada e deslizamento no esto numa mesma escala e diretamente proporcionais, devemos estabelecer preferncias, o que divide o problema em nveis hierrquicos: critrio-a-critrio e preferncias, individuais e coletivas, podem ser apresentadas. Assim, vamos estabelecer as preferncias por consenso, seguindo uma escala de 1 at 9, escala que segue o limite psicolgico, segundo o ser humano pode julgar. Conforme quadro 02, a seguir:

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  • Valor Importncia Descrio 1 Igual importncia Alternativas contribuem igualmente para o objetivo

    3 Importncia pequena sobre a outra

    Experincia ou o juzo favorecem uma alternativa em relao outra

    5 Importncia grande ou essencial Experincia ou o juzo favorecem fortemente uma alternativa em relao outra

    7 Importncia muito grande Uma alternativa fortemente favorecida em relao outra. Pode ser mostrada na prtica.

    9 Importncia absoluta Evidncia favorece uma alternativa em relao outra, com alto grau de segurana.

    2, 4, 6, 8

    Valores intermedirios Usadas quando se busca uma condio de compromisso entre duas definies

    Quadro 02: Escala de preferncias Fonte: Dados da pesquisa

    O uso desta escala foi aplicado aos envolvidos pela definio da rea a ser adquirida. Contudo, o uso deste modelo no foi nica ferramenta de deciso que foi utilizada no processo de compra. Ao se avaliar as preferncias quanto aos custos, chegamos a uma matriz de preferncia. O custo de cada terreno comparado a ele mesmo recebe a preferncia 1, denotando mesmo grau de importncia. Desta preferncia o valor de R$ 1.550.000,00 da rea C quatro vezes mais atraente aos R$ 2.100.000,00 da rea A e trs vezes mais importante aos R$ 1.900.000,00 da rea B. Logo, comparando inversamente as preferncias verificamos que a rea A a menos preferida, pois valorada em um tero (1/3) em relao a rea B e um quarto (1/4) em referncia ao terreno C. Por ltimo, a rea C foi avaliada como sendo duas vezes prefervel a rea B, logo o terreno valorado preferencialmente em um meio (1/2) em relao a C. As demais matrizes de preferncia ficaram assim avaliadas:

    Enchente A B C Enxurrada A B C Deslize A B C A 1 1/4 1/6 A 1 1/3 4 A 1 2 8 B 4 1 1/3 B 3 1 1/7 B 1/2 1 6 C 6 3 1 C 1/4 7 1 C 1/8 1/6 1

    Quadro 03: Matrizes de preferncia quanto enchentes, enxurradas e deslizes Fonte: Dados da pesquisa

    Tomando a matriz de preferncias das reas em relao aos deslizamentos, vemos qual terreno foi o melhor avaliado. Mas quanto aos demais? Assim, devemos estabelecer uma nova escala que confirma no somente a posio, mas que tambm avalie a posio de cada rea dentro de cada critrio. Para isso somamos os valores de cada coluna e dividimos cada uma das clulas pela soma obtida na coluna. A rea A possui as melhores valoraes. A mdia aritmtica dos valores de cada linha estabelece o ranking quanto ao critrio avaliado (cf quadro 4). Estes rankings finais para cada critrio esto no quadro 5.

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  • Deslize A B C Mdia A 8/13 12/19 8/15 0,593 B 4/13 6/19 6/15 0,341 C 1/13 1/19 1/15 0,066 Soma 1 1 1 1 Quadro 04: Normalizao e ranking do critrio rea Fonte: Dados da pesquisa

    rea Custo Enchente Enxurrada Deslize A 0,123 0,087 0,265 0,593 B 0,320 0,274 0,655 0,341 C 0,557 0,639 0,080 0,066 Quadro 05: Rankings finais para cada critrio Fonte: Dados da pesquisa

    Nos quesitos de custo e enchente o terreno A obteve a primeira colocao. No quesito enxurrada a rea B e no deslize o melhor colocado foi o terreno A. Utilizando dados tcnicos financeiros quanto ao valor do terreno como, impacto e freqncia que cada catstrofe tem na sociedade, encontramos outra matriz de preferncias quanto aos critrios em avaliao. Assim, o custo do terreno ocupa o topo do ranking com 0,398 pontos, a enchente com 0,085 pontos, a enxurrada com 0,218 pontos e o deslizamento com 0,299 pontos. Multiplicando a matriz de ranking dos terrenos por critrio pela matriz de ranking dos critrios, possvel elaborar o ranking final como auxlio ao julgamento de compra do terreno para a construo das moradias aos desabrigados da catstrofe de novembro de 2008.

    6a Etapa: na anlise da validade do modelo verificamos que a rea B ficou em primeira colocao, seguido pela rea C. Contudo, soubemos que a deciso da equipe do setor de obras da cidade optou pelo terreno de menor valor, dando pouca ateno ao critrio enchente. Isto , mudando a situao, equipe, valores e riscos, pode haver uma reordenao.

    Vale destacar que durante todo o processo esses estudantes participaram ativamente. Mesmo no sendo um problema diretamente da Engenharia de Produo, contudo, esta tragdia afetou a maioria deles, direta ou indiretamente. Direta, aqueles que tiveram algum dano em seu patrimnio fsico, indiretamente pelos problemas acarretados a todas as indstrias e comercio da regio. Setores em que a maioria j atua profissionalmente. Alm de desenvolver o contedo programtico, propomos que eles se reunissem em grupos (trs estudantes cada grupo) e elegessem temas que pudessem desenvolver um trabalho de MM. Os trabalhos realizados por eles no atendeu nossa expectativa. As razes apontadas por eles: (1)

    =

    314,0421,0265,0

    299,0218,0085,0398,0

    066,0080,0639,0557,0341,0655,0274,0320,0593,0265,0087,0123,0

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  • paralelamente, tinham que atender as demais disciplinas que estavam cursando no semestre e (2) o tempo era insuficiente para dar conta das disciplinas e fazer levantamento de dados uma vez que a maioria atua profissionalmente.

    3. Consideraes finais

    Esse trabalho sintetizado acima tem sido uma constante em todas nossas atividades de ensino, em qualquer disciplina. Ao final da disciplina, como disse Morrison (1991), os estudantes vivenciam os elementos fundamentais de uma educao cientfica: fatos, abstraes e a comparao de fatos com abstraes. Eles passam a entender quando fatos so reduzidos a abstraes, as abstraes manipuladas para fazer prognsticos, e os prognsticos comparados com os fatos. Contudo, este tipo de ao pedaggica isolada, mesmo que atenda s expectativas do grupo de estudantes, no suficiente para romper com a formao fragmentada que estes estudantes vem tendo desde os primeiros anos de escolaridade e, portanto, no provoca qualquer alterao no processo de formao desses profissionais. Por exemplo, no ms de agosto/2009, procuramos os estudantes desta turma para saber a opinio deles sobre a disciplina que ministramos. A maioria disse que foi tima e que todos professores deveriam fazer o mesmo; mas no ocorre. Opinies similares temos obtidos desde que passamos a utilizar a modelagem na Educao.

    Ao fazermos uso da modelagem como mtodo de ensino, buscamos conceber uma matemtica que propicie ao estudante a possibilidade de se inteirar com questes que vai lidar futuramente e especialmente, promover a aproximao entre as diversas disciplinas do curso. Embora no se subestime a importncia da modelagem matemtica como mtodo de ensino e de aprendizagem, alguns aspectos devem ser verificados para no sublinhar com demasiada nfase, se esquecendo de limitaes que a estrutura educacional produz tanto para o professor quanto para os estudantes. Por exemplo: o nmero de disciplinas por semestre, aliado a no-continuidade de alguns estudantes na mesma turma e de diferentes professores (da mesma rea), dificulta realizar um trabalho de pesquisa, conjuntamente, a longo prazo; ausncia de interao entre os professores das disciplinas bsicas (lgebra/ Matemtica, Fsica, Qumica) e os das demais disciplinas do curso, impede o professor de conhecer as necessidades especficas de cada rea, o que contribui para a repetio de tpicos e/ou negligncia de alguns essenciais. Na dificuldade momentnea de transformar a estrutura educacional vigente, a proposta convocar professores pesquisadores a buscar por novos caminhos, processos e mtodos necessrios para adquirir conhecimentos necessrios para fazer mudana na estrutura

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  • educacional para trazer necessrio e suficiente conhecimento aos professores e estudantes em qualquer etapa de escolaridade.

    Referncias Bibliogrficas

    BIEMBENGUT, Maria Salett. Qualidade de Ensino de Matemtica na Engenharia: uma proposta metodolgica e curricular. 1997. 175 f. Tese (Doutorado) - Curso de Engenharia de Produo e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 1997.

    BIEMBENGUT, Maria Salett. Mapeamento da Modelagem Matemtica no Ensino Brasileiro. Relatrio de Iniciao Cientfica - Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnolgico Cientfico CNPq, 2007.

    BIEMBENGUT, Maria Salett; HEIN, Nelson. Modelling in Engineering: Advantages and Difficulties. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON THE TEACHING OF MATHEMATICAL MODELLING AND APPLICATIONS, 12., 2007, Londres. Proceedings Chichester: Horwood Publishing, 2007. p. 415-423.

    DAMLAMIAN, Alain; STRER, Rudolf. ICMI Study 20: educational interfaces between mathematics and industry. Berlim/Heidelberg: ZDM, v. 41, n. 4, p. 525-533, ago. 2009.

    HEILIO, Matti. Modelling and the Educational Challenge in Industrial Mathematics. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON THE TEACHING OF MATHEMATICAL MODELLING AND APPLICATIONS, 14., 2009, Hamburgo. Abstracts Hamburgo: ICTMA, 2009. p. 48.

    MORRISON, Foster. The Art of Modeling Dynamic Systems: Forecasting for Chaos, Randomness, and Determinism. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 1991.

    SAATY, Thomas L. Mtodo de Anlise Hierrquica. So Paulo: Makrom Books, 1991.

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