2014_camilabatistella

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Universidade de Brasília - UnB Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade - FACE Departamento de Economia - Eco CONSUMO E ENDIVIDAMENTO NA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI. CAMILA BATISTELLA Brasília - DF 2014

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batistela

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  • Universidade de Braslia - UnB

    Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade - FACE

    Departamento de Economia - Eco

    CONSUMO E ENDIVIDAMENTO NA CLASSE MDIA

    BRASILEIRA NO INCIO DO SCULO XXI.

    CAMILA BATISTELLA

    Braslia - DF

    2014

  • ii

    CAMILA BATISTELLA

    CONSUMO E ENDIVIDAMENTO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA NO

    INCIO DO SCULO XXI

    Monografia apresentada ao

    Departamento de Economia da

    Universidade de Braslia como

    requisito parcial obteno do ttulo

    de Bacharel em Cincias

    Econmicas.

    Orientao: Adriana Moreira Amado e Guilherme

    Resende Oliveira.

    Braslia - DF

    2014

  • iii

    CAMILA BATISTELLA

    CONSUMO E ENDIVIDAMENTO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA NO

    INCIO DO SCULO XXI

    Monografia apresentada ao

    Departamento de Economia da

    Universidade de Braslia como

    requisito parcial obteno do ttulo

    de Bacharel em Cincias

    Econmicas.

    Aprovada em de de 2014.

    BANCA EXAMINADORA:

    ____________________________________________

    Profa. Doutora Adriana Moreira Amado

    ____________________________________________

    Prof. Mestre Guilherme Resende Oliveira

    Braslia - DF

    2014

  • iv

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus pelo dom da vida e por todas as oportunidades que

    tive. Agradeo tambm por este passo to importante.

    Agradeo aos meus pais e meus irmos, por sempre estarem presentes

    na minha vida me dando carinho, amor, apoio e incentivo.

    Agradeo aos meus amigos pelos momentos alegres e tambm pelos

    momentos difceis que passamos juntos durante os quatro anos de graduao.

    Agradeo em especial ao amigo Ciro Peixinho Campos que no segundo

    semestre se tornou meu namorado.

    Agradeo aos meus orientadores, professora Adriana Moreira Amado e

    professor Guilherme Resende de Oliveira, pela disponibilidade, pela ateno e

    por todos os comentrios e sugestes.

    Agradeo aos professores pelo aprendizado e pela dedicao ao longo

    do curso.

  • v

    RESUMO

    O objetivo do estudo encontra-se em analisar o consumo da atual classe

    mdia brasileira, apontar quais so as despesas com que essa classe gasta a

    maior proporo da sua renda e observar se essas despesas tambm so a

    causa do endividamento dessa classe. Essa anlise feita por meio de dados

    obtidos de pesquisas domiciliares e pesquisas feitas por rgos que estudam o

    consumo e o endividamento. A partir da anlise observa-se que habitao,

    alimentao e transporte so as despesas com que a classe mdia brasileira

    gasta a maior parte de sua renda, mas pesquisa realizada pelo SPC aponta

    que a despesa com roupas e calados a principal causa do endividamento da

    classe mdia brasileira. O presente estudo contribui com argumentos que

    contestam esse resultado, apontando que despesas com habitao,

    alimentao e transporte podem ser a principal causa do endividamento da

    atual classe mdia brasileira.

    Palavras-chave: classe mdia brasileira, consumo, endividamento, despesas

    de consumo.

  • vi

    ABSTRACT

    The objective of the study is to analyze the consumption of the current

    Brazilian middle class, pointing out which are the expenses which they spent a

    greater proportion of their income and observing whether these expenses are

    also the cause of the debt that class. This analysis is done using data from

    household surveys and research done by agencies that study the consumption

    and debt. From the analysis it is observed that housing, food and transportation

    are the expenses that the Brazilian middle class spends most of his income, but

    research conducted by the SPC indicates that expenditure on clothing and

    footwear is the main cause of debt Brazilian middle class. This study contributes

    to arguments challenging this result, pointing out that expenditure on housing,

    food and transportation can be a major cause of indebtedness of the current

    Brazilian middle class.

    Keywords: Brazilian middle class, consumption, debt, consumer spending.

  • vii

    SUMRIO

    INTRODUO.....................................................................................................1

    1. O CONSUMO NA ECONOMIA BRASILEIRA..................................................3

    1.1 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR.................................................3

    1.2 O CONSUMO DAS FAMLIAS BRASILEIRAS............................................11

    1.2.1 Participao do consumo das famlias no Produto Interno Bruto.........12

    1.2.2 Despesas das famlias brasileiras com consumo.................................17

    2. A CLASSE MDIA BRASILEIRA...................................................................29

    2.1 DEFINIES DE CLASSE MDIA.............................................................29

    2.2 QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA BRASILEIRA...........................36

    2.3 CONSUMO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA..........................................42

    2.3.1 Despesas da classe mdia brasileira com consumo............................46

    3. ENDIVIDAMENTO DA CLASSE MDIA BRASILEIRA.................................52

    3.1 EXPANSO DO CRDITO..........................................................................52

    3.2 ENDIVIDAMENTO DA POPULAO BRASILEIRA...................................57

    3.3 ENDIVIDAMENTO DA CLASSE MDIA BRASILEIRA...............................66

    CONCLUSO....................................................................................................74

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................77

  • 1

    INTRODUO

    A partir dos anos 2000 renasceu o interesse dos estudos brasileiros

    sobre a classe mdia, os quais foram pouco valorizados nos anos de 1980 e

    1990 devido crise econmica do pas. A partir de ento, entram os conceitos

    de renda e poder de compra como variveis definidoras de classe mdia, pois

    nos trabalhos mais antigos, dcadas de 60 e 70, a definio de classe mdia

    era centrada nas discusses sobre a ocupao e a natureza do trabalho.

    Nos ltimos anos a classe C, chamada de classe mdia vem crescendo

    de forma expressiva. De acordo com Neri (2010), 94,9 milhes de brasileiros

    pertenciam classe mdia brasileira em 2009, o que representa 50,45% da

    populao brasileira, enquanto que em 2003 esse percentual era de 37,56%.

    Segundo estimativa da SAE/PR (2012), em 2012 a classe mdia compreendia

    53% da populao brasileira.

    Neri (2010) mostra que a expanso da classe mdia resultado da

    ascenso de pessoas das classes D e E, ascenso esta que foi permitida

    principalmente pela reduo da desigualdade. Desde 2001, o ndice Gini, uma

    das medidas mais tradicionais de desigualdade de renda, vem caindo

    continuadamente, alcanando os menores valores das ltimas trs dcadas.

    Nos ltimos anos, a renda dos mais pobres cresceu de forma substantiva,

    acarretando um declnio dos nveis de pobreza e misria.

    Seja do ponto de vista da distribuio de renda, da diminuio de

    pobreza, do crescimento do emprego, da formalidade no mercado de trabalho

    ou do aumento dos salrios reais, a ltima dcada trouxe melhorias

    significativas para uma grande parte da populao brasileira, aumentando sua

    renda e consequentemente seu poder de consumo.

    De acordo com a SAE/PR (2012) a renda e o consumo da classe mdia

    cresceram mais que a mdia das famlias brasileiras. Em 2009 a classe mdia

    brasileira concentrava 46,24% do poder de compra dos brasileiros, sendo a

    classe dominante do ponto de vista econmico.

    Diante dessa evoluo da classe mdia brasileira surgiram os

    questionamentos que este trabalho busca responder. Primeiro avaliamos como

    o consumo da atual classe mdia brasileira e com quais despesas essa

    classe gasta a maior parte da sua renda. Posteriormente abordamos o

  • 2

    endividamento da classe e quais foram as despesas que acarretaram nessa

    situao de endividamento. Portanto, os principais objetivos deste trabalho so

    observar algumas das caractersticas do consumo e do endividamento da

    classe mdia brasileira e observar se so as mesmas despesas que so

    responsveis pela maior porcentagem dos gastos da classe mdia que causam

    o endividamento dessa classe.

    Para tanto, o presente estudo composto de trs captulos. O primeiro

    captulo traz uma abordagem das teorias microeconmicas e

    macroeconmicas do consumo. Depois tratamos brevemente da Economia

    Comportamental, que uma rea de estudos nova e que busca explicar o

    comportamento dos agentes econmicos pautada em matrias como a

    Psicologia e a Sociologia. Na segunda parte deste captulo analisamos a

    participao do consumo das famlias no PIB e a evoluo do consumo da

    populao brasileira a partir das POFs de 2008-2009 e 2002-2003 e do ENDEF

    de 1974-1975.

    No segundo captulo o estudo se volta para a anlise da classe mdia

    brasileira. Na primeira seo so descritas algumas das diversas definies de

    classe mdia. Na segunda seo discorremos sobre a queda da desigualdade

    de renda brasileira a partir de 2001, um dos principais motivos da ascenso da

    classe mdia. Por fim, na terceira seo, abordamos o consumo da classe

    mdia brasileira.

    O terceiro e ltimo captulo aborda a questo do endividamento. Primeiro

    feita uma breve anlise da expanso do mercado de crdito e mostramos que

    o crdito tem se tornado mais barato e mais acessvel nos ltimos anos. Depois

    descrevemos o endividamento da populao brasileira por meio de dados

    fornecidos por duas pesquisas, uma da CNC (2013) e outra da CNI (2012). A

    ltima seo aborda o endividamento da classe mdia brasileira, por meio de

    dados de pesquisa realizada pelo SPC (2012) em conjunto com a UFMG E

    CNDL, e sugerimos algumas justificativas para que a real causa do

    endividamento da classe mdia no seja a apontada pela pesquisa.

  • 3

    Captulo 1- O CONSUMO NA ECONOMIA BRASILEIRA

    A primeira seo deste captulo aborda o comportamento dos

    consumidores, que considerado pela teoria econmica neoclssica um

    comportamento racional. apresentada a teoria microeconmica da escolha

    do consumidor e as teorias macroeconmicas sobre consumo, como a teoria

    do ciclo de vida e a teoria da renda permanente. Ao final dessa seo

    apresentada a Economia Comportamental, rea de estudo que busca mostrar

    que nem sempre o agente econmico age de forma racional. Na segunda

    seo busca-se mostrar a trajetria do consumo das famlias na economia

    brasileira, primeiro com uma abordagem sobre a influncia desse consumo no

    Produto Interno Bruto (PIB) e nas contas nacionais e em um segundo momento

    trata-se das caractersticas das despesas de consumo da populao a partir de

    dados da Pesquisa de Oramento Familiar (POF).

    1.1 O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

    A teoria econmica neoclssica considera o agente econmico como

    sendo um ser racional que adota o comportamento maximizador, buscando

    maximizar benefcios e minimizar prejuzos. Portanto, a ideia que se passa

    que o homem econmico busca o maior ganho possvel e suas atitudes e

    decises financeiras so voltadas para este fim.

    A teoria da escolha do consumidor baseada em diversos postulados e

    a forma como o consumidor escolhe a cesta tima de consumo representada

    por modelos. Considera-se que o agente econmico toma decises racionais

    diante das escolhas a que submetido e que quando ele comete erros estar

    aprendendo com esses e em uma prxima vez agir com racionalidade e no

    os repetir (FERREIRA, 2008).

    Na prtica sabe-se que as aes dos agentes no derivam apenas da

    busca pelo maior ganho. Os indivduos tomam decises econmicas, como por

    exemplo, a de comprar um bem, porque esto felizes, porque tm crenas e

    por diversos outros tipos de motivao. Portanto, a noo de um homem

    econmico que age sempre racionalmente, buscando seu maior ganho

    individual no o que ocorre de fato, e sendo assim, o comportamento das

  • 4

    pessoas na realidade no igual ao que se espera dos modelos econmicos

    usados para prever o comportamento dos agentes.

    A Economia Comportamental uma rea de estudos nova que surge na

    dcada de 1980 com as insatisfaes de alguns economistas com as

    explicaes da teoria econmica neoclssica para o comportamento do

    consumidor. Esses economistas comearam a buscar em outras disciplinas,

    principalmente na psicologia, explicaes para o comportamento dos

    consumidores observado na prtica. Richard Thaler um dos pioneiros no

    estudo da Economia Comportamental, seguido por George Loewenstein, Matt

    Rabin, Sendhil Mullainathan e David Laibson, um economista comportamental

    especializado em consumo. Em 2002 o Prmio Nobel em Economia foi

    outorgado a dois estudiosos dessa rea, Daniel Kahneman e Amos Tversky, j

    falecido na ocasio da premiao, pelos estudos sobre incerteza e risco a partir

    de crenas e escolhas intuitivas dentro de um contexto de racionalidade

    limitada (FERREIRA, 2008).

    Teoria do Consumidor

    Existem vrias definies para economia e a mais utilizada a de que

    economia a alocao de recursos escassos. Os agentes econmicos

    procuram satisfazer desejos, necessidades e prazeres ilimitados, mas os

    recursos e a renda disponveis so limitados. No existem recursos naturais

    nem tecnologia para produzir todos os bens e servios que so desejados.

    Portanto, o mecanismo de alocao de recursos escassos feito pelos agentes

    a base do estudo da cincia econmica (RESENDE, 2011).

    Para definir a alocao tima de recursos a economia estuda o

    comportamento dos agentes econmicos. Basicamente, existem trs tipos de

    agentes econmicos: consumidores, firmas e o governo. Os consumidores, que

    so os agentes econmicos em foco neste trabalho, representam seus desejos

    e necessidades por intermdio de suas demandas. O objetivo dos

    consumidores atingir a satisfao mxima diante da renda disponvel e dos

    preos dos bens e servios.

    Resende (2011) afirma que existem dois princpios bsicos que

    envolvem a economia neoclssica, que a vertente da economia que

  • 5

    fundamenta a microeconomia. O primeiro o comportamento maximizador dos

    agentes econmicos sujeito a restries. O segundo o princpio de equilbrio.

    A partir desses princpios temos a ideia de racionalidade dos agentes na

    economia. A economia reconhece que o ser humano apresenta um

    comportamento complexo e que as pessoas agem de forma irracional diante de

    vrias circunstncias. No entanto, a hiptese de um agente econmico racional

    simplifica os modelos.

    A ideia de racionalidade em economia defende que os agentes usam as

    informaes disponveis para fazer previses de resultados futuros, sem

    cometerem erros, e obterem o resultado timo em suas decises. Caso os

    agentes cometam erros em suas previses, agiro de forma lgica e racional,

    aprendendo com eles, e no os repetiro (FERREIRA, 2008).

    Na microeconomia o problema do consumidor definido como a

    maximizao de seu bem-estar ou utilidade, dadas as restries que a

    escassez impe sobre suas escolhas. O bem-estar que o consumidor busca

    maximizar definido pelas suas preferncias. A ideia de preferncia se baseia

    no comportamento do consumidor, que sempre que puder escolher, ir optar

    pela cesta de bens que ele acha melhor e que lhe traz maior satisfao

    (VARIAN, 2006).

    Grfico 1.1 - Restrio oramentria e reta oramentria. Fonte: Varian (2006) e Resende (2011). Elaborao: Prpria.

    A escassez no problema do consumidor representada pela restrio

    oramentria. A restrio oramentria representa o quanto de dinheiro que o

    consumidor tem disponvel para gastar em um determinado perodo e o que ele

    consumir de bens e servios no pode exceder esse valor. A reta oramentria

  • 6

    a reta onde o consumidor esgota sua renda, ou seja, toda renda recebida no

    perodo gasta na compra de bens e servios. A restrio oramentria e a

    reta oramentria so apresentadas no grfico 1.1.

    Teorias sobre o consumo

    Desde que a macroeconomia teve incio como uma rea de estudos,

    muitos economistas se dedicaram a escrever sobre o comportamento do

    consumidor, e sugeriram modos alternativos de interpretar dados relacionados

    a consumo e renda. Um dos primeiros economistas a escrever sobre a funo

    do consumo foi John Maynard Keynes, na dcada de 1930, apresentando

    importantes conjecturas sobre a funo do consumo, fundamentadas na

    introspeco e na observao casual.

    A primeira conjectura sobre a propenso marginal a consumir, ou seja,

    a quantidade consumida com uma unidade de moeda corrente adicional na

    renda do consumidor. Para Keynes essa propenso se situa entre zero e um, o

    que significa que quando uma pessoa ganha uma unidade de moeda corrente

    adicional, ela geralmente gasta uma parte e poupa outra. Sua segunda

    conjectura trata da propenso mdia a consumir, proporo entre consumo e

    renda, a qual diminui medida que a renda aumenta. A terceira e ltima

    conjuntura de Keynes diz que a renda atual o determinante principal para o

    consumo.

    Ao serem confrontadas com dados, as conjecturas de Keynes foram

    confirmadas por estudos realizados com dados de domiclios e sries histricas

    de curto prazo. No entanto, estudos com dados de sries histricas de longo

    prazo no apresentaram qualquer tendncia propenso mdia a consumir

    cair medida que a renda aumenta, mas sim de se manter estvel ao longo de

    extensos perodos de tempo (MANKIW, 2010).

    Na dcada de 1950, Franco Modigliani e Milton Friedman propuseram,

    em estudos individuais, explicaes para as contradies da funo de

    consumo keynesiana. Os dois se basearam na teoria do comportamento do

    consumidor proposta por Irving Fisher. Fisher desenvolveu um modelo no qual

    o consumidor racional se preocupa com o futuro e precisa fazer escolhas

    intertemporais, ou seja, escolhas que envolvem diferentes perodos de tempo.

  • 7

    Isso implica que quando o consumidor consome mais hoje, ele estar

    poupando menos, e menor ser o consumo que ele poder desfrutar no futuro,

    j que o que poupado hoje ser consumido amanh. Portanto, ao se deparar

    com essa situao, de consumir menos hoje para poder consumir mais

    amanh, os consumidores devem olhar para a renda que esperam ter ao longo

    de toda a vida, e no apenas para a renda atual, como props Keynes

    (MANKIW, 2010).

    O modelo de Fisher evidencia as restries com as quais se deparam os

    consumidores, as suas preferncias, e o modo como essas restries e

    preferncias, conjuntamente, determinam suas escolhas em relao a

    consumo e poupana. Ao decidir sobre o quanto consumir hoje em oposio a

    quanto poupar para o futuro, os consumidores enfrentam uma restrio

    oramentria intertemporal, que mede os recursos totais disponveis para o

    consumo hoje e no futuro. O modelo de Fisher considera a taxa de juros, j que

    quando se poupa parte da renda de um perodo para o outro so auferidos

    juros sobre a renda poupada como recompensa pela espera.

    Franco Modigliani enfatizou que a renda varia de maneira um tanto

    previsvel e em um padro regular durante a vida de uma pessoa e que os

    consumidores utilizam a poupana e a obteno de emprstimos para manter o

    consumo estvel ao longo da vida. Essa interpretao do comportamento do

    consumidor a base da sua Hiptese do Ciclo de Vida. Segundo essa

    hiptese o consumo depende tanto da renda quanto da riqueza do consumidor

    e a poupana varia durante a vida de uma pessoa. As pessoas desejam

    estabilizar o consumo ao longo de suas vidas e, portanto, os jovens iro poupar

    durante a vida economicamente ativa e quando se aposentarem gastaro essa

    poupana (SACHS E LARRAIN, 2000).

    Milton Friedman props a Hiptese da Renda Permanente para explicar

    o comportamento do consumidor. Essa hiptese complementa a Hiptese do

    Ciclo de Vida e tambm se baseia na teoria de Fisher para argumentar que o

    consumo no depende apenas da renda atual. Diferentemente da hiptese de

    Modigliani, a Hiptese da Renda Permanente enfatiza que as pessoas passam

    por variaes aleatrias e temporrias em suas rendas de ano para ano

    (MANKIW, 2010).

  • 8

    Neste modelo, a renda atual a soma de duas parcelas; a renda

    permanente, que corresponde parcela da renda que as pessoas esperam

    continuar recebendo no futuro e a renda transitria que corresponde a uma

    parcela extraordinria da renda atual e que as pessoas no esperam que

    persista para o futuro. Desse modo as pessoas experimentam oscilaes

    permanentes e oscilaes transitrias em suas rendas. No entanto, o consumo

    deve depender principalmente da renda permanente, uma vez que os

    consumidores utilizam a poupana e emprstimos para manter estvel o seu

    padro de consumo, em resposta a variaes transitrias na renda. Portanto,

    os consumidores gastam as suas rendas permanentes, mas poupam a maior

    parte de sua renda transitria, sendo o consumo proporcional renda

    permanente.

    Pesquisas recentes sobre consumo tm combinado a Hiptese de

    Renda Permanente com o pressuposto de que os consumidores tm

    expectativas racionais. O economista Robert Hall foi o primeiro a projetar as

    implicaes das expectativas racionais para o consumo (MANKIW, 2010).

    Segundo ele, tomando a Hiptese da Renda Permanente como correta e se os

    consumidores tiverem expectativas racionais, as variaes no consumo, ao

    longo do tempo, sero imprevisveis e seguiro um caminho aleatrio.

    O argumento de Hall que segundo a Hiptese da Renda Permanente

    os consumidores se deparam com uma renda oscilante e tentam da melhor

    maneira possvel, manter seu patamar de consumo constante ao longo do

    tempo. Se os consumidores agem de acordo com expectativas racionais, eles

    utilizam de todas as informaes disponveis da melhor maneira possvel e s

    devem ser surpreendidos com eventos que sejam inteiramente imprevisveis.

    Portanto, as variaes em seus patamares de consumo tambm sero

    imprevisveis.

    Economia Comportamental

    Keynes sustentava a ideia de que a funo consumo era uma lei

    psicolgica fundamental. No entanto, as hipteses posteriores sobre o

    comportamento do consumidor no atriburam importncia significativa

    psicologia. A maioria dos estudos pressupe que os consumidores so

  • 9

    maximizadores racionais da utilidade, que esto avaliando suas oportunidades

    a todo o momento no intuito de obter o mais alto nvel de satisfao durante

    suas vidas (MANKIW, 2010).

    Estudos recentes comearam a retornar psicologia. Estes estudos

    sugerem que os consumidores no so o homo economicus racional suposto

    pela teoria econmica neoclssica, mas sim seres humanos reais, cujo

    comportamento pode estar bem distante do racional. Esse novo campo de

    estudo, que introduz a psicologia na economia, chamado de Economia

    Comportamental.

    A Economia Comportamental tem origem na insatisfao de

    economistas com as explicaes oferecidas por sua prpria

    disciplina para os comportamentos econmicos observados na

    prtica. Esses economistas buscaram, ento, contribuies em

    diversas outras disciplinas Psicologia, Sociologia,

    Antropologia, Histria, Biologia (FERREIRA, 2008, p.66).

    Aps a dcada de 40, principalmente aps a Segunda Guerra Mundial, a

    cincia econmica comeou a deixar os aspectos da psicologia e a

    irracionalidade, usados at ento por economistas como Adam Smith, Irving

    Fisher e John Maynard Keynes e se voltou para a racionalidade econmica

    sendo ditada por fatores mais previsveis. O mercado torna-se mais

    concorrente em um contexto de globalizao e de uma maior abertura

    comercial (MACIEL e LUCENA, 2012).

    Por muitos anos o mercado foi considerado racional, j que era

    composto de agentes ditos racionais. No entanto, aps as crises da economia

    mundial, onde pode se observar o comportamento irracional de investidores e

    instituies financeiras, uma nova rea de estudo comeou a se desenvolver.

    a chamada Economia Comportamental (MACIEL e LUCENA, 2012).

    A Economia Comportamental busca representar como os consumidores

    agem na prtica, como o comportamento dos agentes na realidade, e no

    baseado nos modelos da teoria econmica neoclssica. uma rea de estudo

    recente, que incorpora aspectos sociais, cognitivos e emocionais para entender

  • 10

    as decises econmicas de consumidores e agentes financeiros, integrando a

    psicologia e a economia.

    Os modelos econmicos sobre escolha dos consumidores consideram

    os agentes econmicos como racionais. De fato, essa considerao torna os

    modelos e os clculos mais simples. No entanto, a Economia Comportamental

    acredita que com essa hiptese os modelos da teoria econmica neoclssica

    se tornaram incompletos para representar o comportamento real dos agentes

    econmicos.

    Como no possvel satisfazer todas as necessidades, somos

    forados a escolher entre alternativas, o que pode implicar a

    dor de renunciar s vantagens das outras opes. Os modelos

    de tomada de decises formais e complexos que a Economia

    utiliza para explicar e prever o comportamento econmico,

    tomando como ponto de partida um pequeno nmero de

    axiomas sobre a lgica do comportamento humano, no

    costumam levar a Psicologia em considerao, restringindo-se

    a examinar decises sobre a alocao de recursos finitos com

    base na premissa da racionalidade e maximizao de utilidade

    (FERREIRA, 2008, p.43).

    As pessoas, quando devem tomar uma deciso financeira, no tm seu

    comportamento influenciado apenas pela ideia de que devem atingir o maior

    ganho individual possvel. Fatores emocionais, culturais, sociais, entre outros

    tambm influenciam na deciso. por isso que muitas pessoas compram por

    impulso, se endividam ou tomam uma deciso de investimento errnea.

    Segundo Varian (2006) esses erros ocorrem porque as pessoas olham

    apaixonadamente para a situao. por isso que quando buscamos investir

    em aes, por exemplo, e no queremos perder dinheiro, consultamos um

    corretor, que tem uma viso mais desapaixonada da situao e, portanto tem

    menor chance de agir irracionalmente e acabar errando.

    Para Maciel e Lucena (2012), o consumidor antes de tudo um ser

    humano e sendo assim existe a necessidade de se considerar os fatores

    psicolgicos que influenciam na hora da tomada da deciso de compra de bens

    e servios, se fazendo assim uma abordagem comportamental vinculada s

  • 11

    finanas. O vis psicolgico tem um papel fundamental nas decises

    financeiras dos seres humanos, tanto para decises de compra e aquisies de

    bens e servios cotidianos como para compras e aquisies maiores.

    Portanto, a Economia Comportamental surge com o propsito de

    flexibilizar os postulados da teoria econmica neoclssica e inserir fatores

    psicolgicos, sociais, culturais, etc. para explicar o comportamento econmico

    dos agentes de forma que seja semelhante ao comportamento que se espera

    na realidade de um consumidor ou agente financeiro.

    Um dos mais proeminentes economistas comportamentais especializado

    no estudo sobre consumo David Laibson, professor de Harvard. Laibson

    observa que muitos consumidores se consideram tomadores de deciso

    imperfeitos. As pessoas tm um forte desejo de gratificao imediata, por

    exemplo, consumir agora e no esperar pelo amanh onde este consumo

    poderia ser mais vantajoso. Desse modo, os consumidores podem apresentar

    comportamento inconsistente no tempo e acabar poupando menos que

    gostariam (MANKIW, 2010).

    1.2 CONSUMO DAS FAMLIAS BRASILEIRAS

    O Produto Interno Bruto (PIB) de uma economia pode ser calculado por

    trs ticas distintas, sendo uma delas a tica do dispndio. Por este mtodo o

    PIB ser a soma de todas as despesas em que a produo gasta. Nesta tica

    o componente com maior peso no PIB o consumo final, o qual se divide em

    consumo da administrao pblica, consumo das famlias e consumo das

    instituies sem fins de lucro a servio das famlias, sendo o consumo das

    famlias o componente com maior participao no PIB.

    A partir de 1994, aps o Plano Real, a inflao comeou a se estabilizar

    na economia brasileira, a qual havia sofrido com o pesadelo da inflao nos

    anos anteriores. Essa melhora no cenrio econmico possibilitou redues nas

    taxas de juros, redues e isenes em impostos, aumento do crdito, dentre

    outros fatores que contribuem para a expanso do consumo. A estabilizao da

    inflao, a acelerao do crescimento econmico, a melhora na distribuio de

    renda e a ampliao do crdito so alguns dos fatores responsveis pelo

    surgimento de um novo mercado consumidor de massa que composto por

  • 12

    pessoas de classes de renda inferiores que vm observando um aumento do

    seu poder de consumo nos ltimos anos.

    As melhoras no cenrio econmico do pas permitiram que pessoas das

    classes D e E ascendessem para a classe C. Ventura (2010) afirma que de

    acordo com pesquisa realizada pelo instituto Ipsos, de 2005 a 2007 um

    contingente de 23,5 milhes de pessoas passou a fazer parte da classe C e

    que segundo o IBGE, o potencial de consumo da classe C somou R$ 365

    bilhes em 2007, um quarto da capacidade total de compra de todas as

    famlias que moram nas cidades. Segundo Neri (2010), a nova classe mdia

    a classe dominante do ponto de vista econmico. Em 2008 essa classe

    dominava 45,66% do poder de compra dos brasileiros, passando para 46,24%

    em 2009 superando as classes A e B, as quais detinham 44,12% do poder de

    compra em 2009. As classes D e E foram perdendo poder de compra medida

    que pessoas dessas classes ascenderam para a classe C.

    A melhora na distribuio de renda e o aumento do poder de compra

    que permitiram a entrada desses novos consumidores no mercado, com

    padres de consumo diferenciados, merecem especial ateno, mas antes de

    se aprofundar nestes assuntos necessrio entender o papel do consumo das

    famlias na economia brasileira e analisar se o consumo das famlias brasileiras

    de modo geral est seguindo a mesma tendncia que o consumo das famlias

    das classes inferiores.

    1.2.1 Participao do consumo das famlias no Produto Interno Bruto

    O PIB uma medida estatstica da produo global de bens e servios

    finais obtida em territrio nacional em um determinado perodo de tempo. O

    PIB pode ser obtido por trs ticas distintas, e dessa forma seu clculo pode

    ser feito de trs maneiras, todas gerando o mesmo resultado. Portanto, o PIB

    a soma de todas as compras finais da economia, a soma do valor adicionado

    de todas as empresas da economia, ou ainda, a soma de todas as rendas

    dos fatores de produo da economia (SACHS E LARRAIN, 2000).

    Uma das trs formas de calcular o PIB pelo mtodo do dispndio.

    Neste clculo o PIB medido como a soma de todas as demandas finais dos

    produtos e servios na economia, ou seja, a soma das aplicaes em que a

  • 13

    produo total gasta. As contas nacionais dividem o PIB em quatro

    categorias abrangentes para as despesas. Os produtos e servios podem ser

    usados para consumo das famlias (C), consumo do governo (G), investimento

    (I) ou venda lquida para o exterior (X - M), onde X representa as exportaes

    realizadas pelo pas e M as importaes. O investimento, tambm chamado de

    formao bruta de capital, composto pela formao bruta de capital fixo e

    pela variao de estoques da economia. O consumo das famlias somado ao

    consumo do governo e ao consumo das instituies sem fins de lucro a servio

    das famlias resulta no consumo final. Assim, o PIB (Y) obtido atravs da

    seguinte equao:

    Y = C + I + G + (X M) (1)

    Em 2009, o componente do PIB pela tica do dispndio que obteve

    maior crescimento foi o consumo final, apresentando um crescimento de 4,1%

    em volume, conforme a tabela 1.1. O consumo final representou 82,3% do PIB,

    enquanto que em 2008 essa participao foi de 79,1%. Devido ao seu peso no

    consumo final, o principal responsvel por esse aumento foi o consumo das

    famlias que cresceu 4,4% em volume. As despesas da administrao pblica

    com consumo cresceram 3,1% e o consumo das instituies sem fins de lucro

    a servio das famlias cresceu 5,7% (IBGE, 2011).

    Para o IBGE (2011) o aumento do consumo das famlias coerente com

    o aumento de 3,3% na massa salarial real, segundo a Pesquisa Mensal de

    Emprego (PME) e com o aumento de 19,7%, em termos nominais, nas

    operaes de crdito do sistema financeiro para pessoa fsica, segundo dados

    do Banco Central do Brasil.

    A formao bruta de capital fixo totalizou R$ 585,3 bilhes em 2009,

    representando um aumento nominal de 1,0% em relao a 2008, quando este

    componente do PIB correspondeu a R$ 579,5 bilhes. Em termos de volume,

    se observou um declnio de 6,7% em 2009, o nico ano com variao negativa

    de volume entre 2005 e 2009. A participao da formao bruta de capital fixo

    no PIB foi de 17,9% em 2009 contra 18,8% em 2008. Essa queda alterou uma

    sequncia de anos consecutivos em que a participao vinha crescendo: 2005

    (16,2%), 2006 (16,8%) e 2007 (17,6%). Apesar de a participao da formao

  • 14

    bruta de capital fixo ter registrado queda em 2009, segunda maior desde o

    ano 2000. A variao de estoques da economia brasileira registrou uma queda

    de R$ 55 bilhes, passando de uma acumulao de R$ 48 bilhes em 2008

    para uma variao negativa de R$ 7,5 bilhes em 2009 (IBGE, 2011).

    Tabela 1.1- Variao real anual dos componentes do Produto Interno Bruto pela tica da despesa: 2008 2009.

    Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Contas Nacionais.

    Exportaes e importaes desaceleraram seu ritmo de crescimento em

    2009. Em termos de volume as exportaes apresentaram declnio de 9,1% e

    as importaes de 7,6%. Nas exportaes destaca-se a queda em volume de

    bens de capital (-41,5%) e de bens de consumo durveis (-32,0%). J nas

    importaes destaca-se a queda no volume de bens e servios intermedirios

    (-11,9%) e de bens de capital (-8,7%). Contrabalanceando essas quedas as

    importaes de bens e servios de consumo no durveis expandiram em

    22,3% (IBGE, 2011).

    O consumo das famlias, que consiste nos bens e servios comprados

    pelos domiclios, a categoria com maior participao no PIB. No grfico 1.2

    observa-se a evoluo dessa participao. Entre 1990 e 2012, os anos em que

    o consumo das famlias obteve as menores participaes percentuais no PIB

    foram 1990 com 58,3% e 2008 com 58,9%. Os anos que registraram as

    maiores participaes foram 1997 com 64,9% e 1996 e 1999 com 64,7%.

    Durante a dcada de 1990 a taxa de crescimento do PIB apresentou

    variaes significativas. Nos anos anteriores a 1994, a variao do PIB

    brasileiro foi negativa, devido ao cenrio de alta inflao e instabilidade

    econmica.

  • 15

    Grfico 1.2 Despesa de consumo das famlias em relao ao produto interno bruto. Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Coordenao de Contas Nacionais. Elaborao: Prpria. (1) Para os anos de 2010, 2011 e 2012 os resultados preliminares foram obtidos a partir das Contas Nacionais Trimestrais. Para os outros anos foi utilizado o Sistema de Contas Nacionais Anual.

    Em 1994, com a adoo do Plano Real, a economia brasileira comeou

    a se estabilizar, reduzindo os elevados nveis de inflao dos anos anteriores.

    Apesar da melhora no setor interno, a economia brasileira ficou mais frgil no

    setor externo, devido ao aumento da taxa de juros e ao cmbio que estava

    valorizado, fato que limitou o crescimento econmico. De 1993 para 1994 a

    taxa de crescimento do PIB brasileiro passou de 4,9% para 5,9% (RIBEIRO et.

    al., 2010). Esse aumento se deve principalmente reduo dos nveis

    inflacionrios e aos saldos positivos da produo e do consumo.

    De 1994 para 1995 a taxa de crescimento do PIB caiu de 5,9% para

    4,2%, refletindo o cenrio internacional, que estava enfrentando a crise

    mexicana a qual impactou no fluxo de capitais dos pases emergentes,

    incluindo o Brasil. A queda da taxa de inflao a partir da adoo do Plano Real

    teve efeitos expressivos sobre o poder de compra da populao, assim como o

    aumento salarial aliado ao aumento do nvel de emprego. Esses fatores

    estimularam o consumo, e de 1994 para 1995 as vendas de automveis,

    eletrodomsticos da linha branca e outros bens durveis cresceram mais de

    50% (RIBEIRO et. al., 2010). Devido a esse aumento no consumo, o pas

    passou a adotar algumas medidas restritivas, como por exemplo, aumento dos

    emprstimos compulsrios, restrio de crdito, juros altos e desvalorizao

  • 16

    cambial. Essas medidas foram adotadas para se evitar um aumento na inflao

    causado pelo excesso de demanda e para amenizar os dficits na balana

    comercial, e acabaram prejudicando o crescimento econmico do perodo

    (GIAMBIAGI et. al., 2005).

    A economia brasileira foi prejudicada por uma combinao de eventos

    no ano de 2001, como por exemplo, a crise energtica, a crise da Argentina e

    os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos. Nesse

    contexto, o risco pas aumentou refletindo uma menor disponibilidade de

    capitais para o pas e afetando os juros domsticos. Isso comprometeu o

    crescimento econmico, resultando em uma taxa de crescimento real de

    1,42%. A despesa de consumo das famlias cresceu 8,4% em termos nominais

    e 0,70% em termos reais, em relao ao ano anterior. O reduzido crescimento

    do consumo das famlias resultado combinado da poltica monetria restritiva,

    que elevou suas despesas financeiras, e do comportamento da renda do

    trabalho e do nvel de emprego (GIAMBIAGI et. al., 2005).

    Em 2005, o pas apresentou crescimento de 3,2%, desempenho menor

    que o verificado em 2004, que foi de 5,7%, devido desacelerao dos

    investimentos, da indstria de transformao e da agropecuria. Este resultado

    foi puxado pelo consumo das famlias, influenciado principalmente pelo

    aumento do crdito e dos salrios reais (RIBEIRO et. al., 2010).

    No final do ano de 2008 e durante o ano de 2009 a economia brasileira

    sofreu os impactos da crise econmica mundial. Nos trs primeiros trimestres

    de 2008 a atividade econmica brasileira crescia a uma taxa de 6,6%

    comparada do mesmo perodo do ano anterior. No ltimo trimestre essa taxa

    caiu para 0,8%. Nos trs primeiros trimestres de 2009 o PIB brasileiro

    continuou a cair, apresentando uma queda de 1,7% em relao ao mesmo

    perodo do ano anterior. O consumo das famlias foi uma das variveis

    responsveis por impedir que o efeito da crise fosse maior na economia

    brasileira. Nos trs primeiros trimestres de 2009, esse apresentou uma

    variao positiva de 2,8% em relao ao mesmo perodo de 2008. (CONTRI,

    2010).

    No segundo semestre, a economia se recuperou, em funo do bom

    desempenho do mercado interno aquecido pelas sucessivas redues nas

    taxas de juros, as isenes fiscais nos setores de automveis, da construo

  • 17

    civil e da linha branca que estimularam o consumo nesses setores que

    apresentam um elevado efeito multiplicador sobre a renda e o emprego. Essas

    medidas e os programas de polticas sociais, como por exemplo, a ampliao

    do Programa Bolsa Famlia e a extenso do seguro desemprego, mantiveram o

    consumo em patamares sustentveis para um cenrio de crise mundial, e

    desse modo sustentaram o mercado interno brasileiro. (CONTRI, 2010).

    1.2.2 Despesas das famlias brasileiras com consumo

    A Pesquisa de Oramentos Familiares (POF) visa principalmente

    mensurar as estruturas de consumo, dos gastos, dos rendimentos e parte da

    variao patrimonial das famlias (IBGE, 2010). Portanto, a partir da POF

    possvel conhecer quanto da renda familiar despendido para o consumo e

    como se compem e se distribuem as despesas das famlias de acordo com os

    diversos itens disponveis para o consumo.

    A POF 2008-2009 a quinta pesquisa realizada pelo IBGE sobre

    oramentos familiares. As pesquisas anteriores foram o Estudo Nacional de

    Despesa Familiar (ENDEF) realizado em 1974-1975, com abrangncia

    territorial nacional, com exceo das reas rurais das Regies Norte e Centro-

    Oeste e as POFs realizadas nos anos, 1987-1988, 1995-1996 e 2002-2003.

    No ENDEF e nas POFs, para efeito de divulgao de resultados, o termo

    famlia tem sido utilizado para representar o conceito unidade de consumo. A

    POF uma pesquisa realizada por amostragem, na qual so investigados os

    domiclios particulares permanentes. No domiclio, por sua vez, identificada a

    unidade bsica da pesquisa, a unidade de consumo, que compreende um

    nico morador ou conjunto de moradores que compartilham da mesma fonte de

    alimentao ou compartilham as despesas com moradia. O conceito de

    famlia para o IBGE refere-se s pessoas ligadas por laos de parentesco,

    dependncia domstica ou normas de convivncia, sem referncia explcita ao

    consumo ou despesas. Entretanto, na maior parte das situaes, a unidade de

    consumo da POF coincide com a famlia, segundo o conceito adotado pelo

    IBGE (IBGE, 2010).

    Entre os principais objetivos da POF 2008-2009 est a pesquisa de

    todas as despesas, as quais so classificadas como monetrias e no

  • 18

    monetrias. As despesas monetrias so definidas como aquelas efetuadas

    atravs de pagamento, realizado vista ou a prazo, em dinheiro, cheque ou

    por meio do carto de crdito. J as despesas no monetrias so definidas

    como aquelas efetuadas sem pagamento monetrio, ou seja, so obtidas

    atravs de doao, retirada do negcio, troca, produo prpria, pescado,

    caado, e outras formas de obteno sem pagamento monetrio.

    O conceito de despesa total inclui todas as despesas monetrias e

    tambm as despesas no monetrias realizadas pela unidade de consumo.

    Compem a despesa total todas as despesas monetrias e no monetrias

    correntes, que incluem despesas de consumo e outras despesas correntes,

    alm do aumento do ativo e da diminuio do passivo.

    As despesas de consumo correspondem s despesas realizadas pelas

    unidades de consumo com aquisies de bens e servios utilizados para

    atender diretamente s necessidades e desejos pessoais de seus

    componentes no perodo da pesquisa. Esto organizadas segundo os

    seguintes grupamentos: alimentao, habitao, vesturio, transporte, higiene

    e cuidados pessoais, assistncia sade, educao, recreao e cultura,

    fumo, servios pessoais e outras despesas diversas no classificadas

    anteriormente.

    As outras despesas correntes correspondem a despesas com impostos

    pagos, contribuies trabalhistas, servios bancrios, penses, mesadas,

    doaes e previdncia privada.

    O aumento do ativo visto como o aumento do patrimnio familiar.

    Corresponde a despesas com aquisio de imveis, construo e

    melhoramento de imveis prprios e outros investimentos como, por exemplo,

    ttulos de capitalizao, ttulos de clube, aquisio de terrenos para jazigo e

    outras aquisies similares.

    Na diminuio do passivo, esto includas as despesas com pagamentos

    de dbitos, juros e seguros com emprstimos pessoais, inclusive dvidas

    judiciais e carns de mercadorias, e prestao de financiamento de imvel.

    A POF 2008-2009 apresentou o valor de R$ 2.626,31 para a estimativa

    da despesa total mdia mensal familiar no Brasil. A Regio Sudeste foi aquela

    que apresentou o maior valor para a despesa total mdia mensal familiar, R$

    3.135,80; 19,4% maior que a estimativa encontrada para o Brasil. J a regio

  • 19

    com menor valor foi a Regio Nordeste, ficando 35,3% abaixo do valor obtido

    para o Brasil, sendo a sua despesa total mdia mensal familiar estimada em R$

    1.700,26, conforme os dados da tabela 1.2.

    Pela tabela 1.2 observa-se que quando comparados os valores da

    despesa total mdia mensal familiar para as situaes urbana e rural

    apresentam resultados bastante distintos. A situao urbana foi 8,6% maior

    que o resultado obtido para a despesa total mdia nacional. J para a situao

    rural o valor obtido foi 46,8% inferior ao obtido para o Brasil.

    Tabela 1.2 - Despesa monetria e no monetria mdia mensal familiar, por Grandes Regies e a situao do domiclio, segundo os tipos de despesa perodo 2008-2009.

    Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009.

    Na tabela 1.2 tambm apresentada a distribuio percentual da

    despesa total dentre os grandes grupos que a compem, ou seja, despesas

    correntes, aumento do ativo e diminuio do passivo. Essa distribuio feita a

    nvel nacional e para as reas urbana e rural do pas.

    Para o Brasil, a despesa total mdia mensal foi estimada em R$

    2.626,31 sendo que 92,1% desse valor correspondem s despesas correntes,

    81,3% referentes parcela de despesas de consumo e 10,9% referentes s

    outras despesas correntes. O aumento do ativo representa 5,8% da despesa

    total, enquanto a diminuio do passivo tem participao de 2,1%.

  • 20

    As despesas correntes apresentaram valores similares para os trs

    estratos (Brasil, rea urbana e rea rural). No entanto, as despesas que a

    compem, ou seja, as despesas de consumo e outras despesas correntes j

    apresentaram diferenas significativas entre os trs estratos. As despesas de

    consumo apresentaram seu maior valor na rea rural, sendo responsvel por

    87,3% da despesa total, enquanto que na rea urbana essas representam

    80,7%. O grupo representado por outras despesas correntes foi 5,9 pontos

    percentuais menor na rea rural que na rea urbana. Essas diferenas so

    explicadas principalmente por despesas com impostos, contribuies

    trabalhistas e servios bancrios (IBGE, 2010).

    Ainda pela tabela 1.2 possvel analisar a composio da despesa total

    para as cinco Grandes Regies do pas. As despesas correntes apresentam

    poucas variaes em relao mdia nacional de 92,1%, sendo a Regio Sul

    a que mais se distancia desse valor com uma variao de menos 2,2%. No

    entanto, quando se analisa as despesas que compem as despesas correntes,

    observam-se dois valores ao redor dos quais as despesas de consumo das

    Grandes Regies se concentram. As Regies Norte e Nordeste apresentam

    participaes dessa despesa na ordem de 84,0% enquanto as Regies

    Sudeste, Sul e Centro-Oeste na ordem de 80,0%. O mesmo ocorre para as

    outras despesas correntes, onde as Regies Centro-Oeste e Sudeste se

    concentram ao redor do patamar mais elevado, na ordem de 12,0%, enquanto

    as outras trs Regies se concentram ao redor do patamar de 9,0%.

    O grfico 1.3 apresenta uma comparao entre os resultados do Brasil

    obtidos no ENDEF 1974-1975, na POF 2002-2003 e na ltima POF, a de 2008-

    2009, sendo as trs pesquisas de abrangncia nacional. Na comparao dos

    resultados, a POF 2002-2003 apresenta resultados mais prximos aos da POF

    2008-2009 do que o ENDEF 1974-1975. Isso se deve ao intervalo de tempo

    entre as pesquisas, que maior para o ENDEF, s mudanas no modo de vida

    das famlias brasileiras e tambm a oferta crescente de servios e produtos

    que ocorreu de 1974 at 2009 (IBGE, 2010).

  • 21

    Grfico 1.3 - Distribuio das despesas monetria e no monetria mdia mensal familiar, no Estudo Nacional da Pesquisa Familiar - ENDEF e na Pesquisa de Oramentos Familiares - POF, segundo os tipos de despesas - Brasil - perodo 1974/2009. Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Estudo Nacional da Despesa Familiar 1974-1975 e Pesquisa de Oramentos Familiares 2002-2003/2008-2009. (1) Exclusive a rea rural das Regies Norte e Centro-Oeste.

    No grupo das despesas correntes quando se compara o ENDEF 1974-

    1975 com a POF 2008-2009 observa-se um aumento de 12,2 pontos

    percentuais. J quando se compara a POF 2008-2009 com a POF 2002-2003 o

    movimento contrrio, sendo observada uma queda de 1,2 pontos

    percentuais, passando de 93,3% na POF 2002-2003 para 92,1% na POF 2008-

    2009.

    O mesmo movimento das despesas correntes observado para as

    despesas de consumo. Na POF de 2008-2009 essa despesa representava

    81,3% da despesa total, apresentando um aumento de 6,7 pontos percentuais

    quando comparada ao ENDEF 1974-1975 (74,6%). No entanto, quando

    comparada com a POF 2002-2003 (82,4%), as despesas de consumo da POF

    2008-2009 apresentam uma queda de 1, 1 ponto percentual.

    Quando se compara os resultados das trs pesquisas em relao s

    reas urbanas e rurais observamos que as despesas de consumo na POF

    2008-2009 para a rea urbana era de 80,7% apresentando uma queda de 1,1

    ponto percentual quando comparada a POF 2002-2003 (81,8%) e um aumento

  • 22

    de 4,5 pontos percentuais quando comparada ao ENDEF 1974-1975 (76,2%).

    Para a rea rural a POF 2008-2009 (87,3%) apresentou queda de 2,5 pontos

    percentuais nas despesas de consumo quando comparada com a POF 2002-

    2003 (89,8%) e aumento de 2,2 pontos percentuais quando comparada ao

    ENDEF 1974-1975 (85,1%). Observa-se tambm, nas POF 2008-2009 e POF

    2002-2003, que as participaes do grupo despesas de consumo

    apresentaram diferenas de 6,6 pontos percentuais e 8,0 pontos percentuais,

    respectivamente, entre as reas urbana e rural (IBGE, 2010).

    Ao se aprofundar na anlise das despesas de consumo, observa-se que

    elas correspondem ao item mais importante da despesa familiar. Conforme o

    grfico 1.3, as despesas de consumo na POF 2008-2009 corresponderam a

    81,3% da despesa total das famlias brasileiras. Essa porcentagem

    equivalente ao valor mdio mensal de R$ 2.134,77 considerando que a

    despesa total mdia mensal equivale a R$ 2.626,31. O valor mdio das

    despesas de consumo mensais das famlias residentes na rea rural de R$

    1.220,14 correspondendo a 57,2% do valor nacional, enquanto que as famlias

    residentes na rea urbana despendem o valor mdio mensal de R$ 2.303,56

    em despesas de consumo, estando acima da mdia nacional (IBGE, 2010).

    No grfico 1.4 apresentada a distribuio da despesa familiar com

    consumo, para o Brasil, dentre os grupos que compem as despesas de

    consumo. Na tabela 1.3 pode-se ver como essa distribuio ocorre nas

    grandes regies do pas e nas reas urbana e rural. Observa-se que as

    despesas com alimentao, habitao e transporte equivalem a 75,3% da

    despesa de consumo mdia mensal das famlias brasileiras, representando

    61,3% da despesa total mdia familiar.

    A participao das despesas com consumo segundo seus grupamentos

    dentro dos gastos familiares difere bastante entre as reas urbana e rural. Nos

    trs grupamentos que representam mais de 75% das despesas com consumo

    observa-se que enquanto na rea rural a alimentao representa 27,6% dos

    gastos totais com consumo, na rea urbana representa 19,0%. As despesas

    com habitao representam 36,4% das despesas com consumo na rea

    urbana, enquanto que na rea rural representam 30,6%. Dentre os trs

    grupamentos mais significativos, o transporte o que mais se assemelha entre

  • 23

    as duas reas, sendo equivalente a 19,5% na rea urbana e 20,6% na rea

    rural.

    Grfico 1.4 - Distribuio das despesas de consumo monetria e no monetria mdia mensal familiar, por tipos de despesa - Brasil - perodo 2008-2009.

    Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009.

    As despesas com habitao so responsveis pela maior percentagem

    das despesas de consumo tanto em nvel nacional como em nvel regional.

    Para esse grupo, as maiores participaes nos gastos com consumo so

    registradas nas regies Centro-Oeste e Sudeste e a menor participao vista

    na regio Nordeste. J para as despesas com alimentao, as maiores

    participaes so registradas nas regies Norte e Nordeste, enquanto a menor

    participao ocorreu na regio Centro-Oeste. Por fim as maiores participaes

    registradas para as despesas com transporte foram para as regies Sul e

    Centro-Oeste e a menor participao observada na regio Norte.

    Tabela 1.3 - Distribuio das despesas de consumo monetria e no monetria mdia por tipos de despesa, segundo a situao do domiclio e as Grandes Regies - perodo 2008-2009.

  • 24

    Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009.

    Na POF 2008-2009 tambm foi estimada a distribuio da despesa de

    consumo dentre seus grupamentos para classes extremas de rendimentos. As

    classes so definidas como sendo as famlias com rendimentos at R$ 830,00

    pertencentes classe inferior extrema e as famlias com rendimentos acima de

    R$10.375,00 pertencentes classe superior extrema. Os resultados podem ser

    observados na tabela 1.4.

    A diferena entre essas classes na maioria dos grupamentos da

    despesa com consumo expressiva. As despesas com alimentao, por

    exemplo, enquanto que na classe inferior extrema so responsveis por 27,8%

    dos gastos totais, na classe superior extrema equivale a apenas 8,5%. Quanto

    habitao, quando os rendimentos foram os mais baixos, a participao na

    despesa total foi de 37,2% e, na situao oposta, foi de 22,8%. As famlias de

    rendimentos inferiores apresentaram participao mais significativa para os

    gastos com os itens aluguel (17,5% contra 8,8% do grupo com rendimentos

    mais elevados), servios e taxas (8,9% contra 4,5%), mobilirios e artigos para

    o lar; e eletrodomsticos (5,7% contra 2,7%). Nas despesas com transporte, as

    famlias da classe inferior extrema registraram menor participao (9,7%) na

    despesa total que as famlias da classe superior extrema (17,7%). Para as

    famlias de rendimentos mais baixos foi mais importante o item transporte

    urbano (3,8% contra 0,6%) e para as famlias de rendimentos mais elevados o

  • 25

    item mais importante foi aquisio de veculos (9,4% contra 2,4%) (IBGE,

    2010).

    Tabela 1.4 - Distribuio das despesas monetria e no monetria mdia mensal famlia, por classes extremas de rendimento total e variao patrimonial mensal familiar, segundo os tipos de despesas selecionadas Brasil perodo 2008-2009.

    Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Pesquisa de Oramentos Familiares 2008-2009. (1) Inclusive sem rendimento.

    Anteriormente foi feita uma comparao entre os resultados do ENDEF

    1974-1975, da POF 2002-2003 e da POF 2008-2009 abordando os principais

    grupamentos da despesa total. Essa comparao feita para os grupamentos

    da despesa de consumo na tabela 1.5. A comparao feita apenas entre

    alguns dos grupamentos em que se dividem as despesas com consumo,

    devido as diferentes formas de classificao dos itens de consumo nas trs

    pesquisas.

  • 26

    Tabela 1.5 - Participao na despesa de consumo monetria e no monetria mdia mensal familiar, no Estudo Nacional da Despesa Familiar ENDEF e na Pesquisa de Oramentos Familiares POF, por situao do domicilio, segundo os tipos de despesa selecionada Brasil perodo 1974/2009.

    Fontes: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenao de Trabalho e Rendimento, Estudo Nacional da Despesa Familiar 1974-1975 e Pesquisa de Oramentos Familiares 2002-2003/2008-2009. (1) Exclusive a rea rural das Regies Norte e Centro-Oeste.

    Os resultados obtidos para os trs grupos mais expressivos nas

    despesas de consumo sofreram alteraes significativas ao longo do tempo, a

    nvel nacional e nas reas urbana e rural. As despesas com alimentao, que

    na POF 2008-2009, representaram 19,8% do total das despesas de consumo,

    na POF 2002-2003 registraram participao de 20,8% e no ENDEF 1974-1975,

    33,9%. A evoluo dessa participao confirma o comportamento de queda

    que vem sendo observado. Na rea urbana do Brasil, o ENDEF 1974-1975

    registrou participao de 30,1% para esse grupo de despesas, a POF 2002-

    2003 registrou 19,58% e a POF 2008-2009 19%. Na rea rural tambm foi

    observada uma queda na evoluo da participao das despesas com

    alimentao. Os resultados observados foram: ENDEF 1974-1975 (53,2%),

    POF 2002-2003 (34,12%) e POF 2008-2009 (27,6%).

    No grupo de despesas com habitao, os resultados das POFs apontam

    crescimentos significativos em relao ao ENDEF. Para o Brasil, verificou-se

    na POF 2008-2009, participao nas despesas de consumo de 35,9% e na

    POF 2002-2003, de 35,5%, contra 30,4% no ENDEF 1974-1975, indicando

    crescimento continuado. Na situao urbana, a evoluo das participaes nos

    perodo ocorreu em escala mais suave no sentido do crescimento. J na rural,

    o aumento da participao dos gastos com habitao no perodo avaliado foi

  • 27

    mais significativo, tendo registrado 17,8% no ENDEF 1974-1975, 28,66% na

    POF 2002-2003 e 30,6% na POF 2008-2009.

    Quanto s participaes das despesas com transporte verificou-se

    crescimento em sua evoluo nos trs estratos observados. No resultado

    nacional, verificaram-se crescimentos de 7,2 pontos percentuais entre o

    ENDEF 1974-1975 e a POF 2002-2003 e de 1,2 pontos percentuais entre a

    POF 2002-2003 e a POF 2008-2009. Para as famlias residentes em situao

    urbana, o crescimento foi similar ao verificado para o pas. Na rea rural os

    gastos com transporte apresentaram crescimentos mais acentuados. As

    participaes registradas foram: no ENDEF 1974-1975, 7,5%; na POF 2002-

    2003, 17,9%; e na POF 2008-2009, 20,6%.

    Portanto, diante dos dados das trs pesquisas, observa-se que as

    famlias brasileiras despendem a maior parte de sua renda para as despesas

    de consumo. De 1974-1975 para 2008-2009 ocorreu um aumento significativo

    das despesas de consumo, passando de 74,6% para 81,3% das despesas

    totais, o que indica mudanas no modo de vida das pessoas e maior oferta de

    bens e servios.

    As despesas de consumo so maiores na rea rural e nas Regies

    Norte e Nordeste, de onde podemos inferir que as pessoas com rendimentos

    inferiores despendem mais de sua renda com consumo que as pessoas com

    rendimentos mais elevados. Essa inferncia confirmada pela tabela 1.4 que

    mostra que as pessoas da classe inferior extrema tm 93,9% de suas

    despesas destinadas ao consumo, enquanto as pessoas da classe superior

    extrema destinam apenas 67,2% de suas despesas para este fim. Desse

    modo, chega-se a concluso que so as famlias de rendimentos inferiores que

    tm maior participao nas despesas de consumo no pas.

    Quando se compara o ENDEF 1974-1975 com as POFs 2002-2003 e

    2008-2009 observa-se que a composio das despesas com consumo vem

    mudando ao longo dos anos. As despesas com alimentao vm perdendo

    participao nas despesas com consumo enquanto que outros tipos de

    despesas, como habitao e transporte, vm aumentando seu peso. Isso um

    indcio de que os padres de consumo da populao esto mudando e que as

    pessoas esto tendo um acesso maior a bens que antes no podiam ser

    consumidos pelas pessoas pertencentes s classes inferiores por serem

  • 28

    considerados bens de luxo. Um exemplo disso que as despesas com

    aquisio de eletrodomsticos da classe inferior extrema em 2008-2009 foi

    superior a da classe superior extrema, sendo esta despesa correspondente por

    3,2% das despesas totais da classe inferior extrema e apenas 1,3% das

    despesas totais da classe superior extrema (IBGE, 2010).

  • 29

    Captulo 2 - A CLASSE MDIA BRASILEIRA

    No primeiro captulo foram apresentadas caractersticas das despesas

    de consumo para a populao brasileira. Nesse captulo essa anlise se

    concentrar na classe mdia brasileira. Na primeira seo sero apresentadas

    diferentes definies de classe mdia e a definio adotada por este trabalho.

    Na segunda seo abordaremos a queda da concentrao de renda que vem

    ocorrendo no Brasil desde 2001 e um dos principais motivos para a expanso

    da classe mdia brasileira. A ltima seo destaca o consumo da classe mdia

    brasileira, trazendo dados sobre o acesso dessa classe a alguns bens de

    consumo durveis e a alguns servios pblicos. Nessa seo tambm ser

    apresentado o comportamento das despesas de consumo da classe mdia

    brasileira de acordo com a POF 2008-2009.

    2.1 DEFINIES DE CLASSE MDIA

    Os estudos brasileiros produzidos nas dcadas de 1960 e 1970 tinham

    como pano de fundo a discusso sobre o papel poltico da classe mdia e

    analisavam de que lado a classe mdia iria se postar: ao lado do proletariado

    ou ao lado da burguesia ( ALBUQUERQUE, 1977).

    Aps essa primeira fase de pesquisas, verifica-se uma lacuna de

    estudos econmicos sobre este tema durante as dcadas de 1980 e 1990,

    salvo a exceo representada por Quadros (1985 e 1991). Na histria do pas

    estas duas dcadas foram marcadas pelo aprofundamento da crise econmica

    e o tema da classe mdia ficou em segundo plano at a estabilizao

    monetria.

    Nos anos 2000 renasceu o interesse e essa retomada marcada por

    uma transformao metodolgica. Saem de cena as discusses sobre a

    ocupao e a natureza do trabalho como variveis definidoras de classe mdia

    e entram os conceitos de renda e poder de compra.

    O termo classe mdia pode ser entendido como uma referncia s

    pessoas que no se encontram nem na situao de pobreza, mas que tambm

    no atingem os nveis mais altos de renda e, portanto, a classe mdia a

    classe econmica entre a classe baixa e a classe alta. Na literatura no existe

  • 30

    um consenso quanto a como se estimar ou medir a classe mdia. Easterly

    (2001), Barnerjee e Duflo (2007) e Neri (2010) so alguns dos autores que

    definem a classe mdia de forma mais objetiva, isto , em termos da renda e

    da capacidade de consumo dos indivduos. Outros autores buscam definir a

    classe mdia de acordo com caractersticas mais subjetivas, como o caso de

    Scalon e Salata (2012) que buscam uma definio de classe mdia com bases

    em perspectivas sociolgicas dos estudos de classe.

    Banerjee e Duflo (2007) levam em conta que em uma sociedade

    heterognea podem existir diferentes nveis de classe mdia e, portanto, fazem

    a distino entre as famlias cujos gastos dirios per capita, avaliados pela

    paridade do poder de compra, esto entre US$ 2 e US$ 4 e aquelas com

    gastos dirios per capita entre US$ 6 e US$ 10 para uma definio global de

    classe mdia.

    Segundo Neri (2012), o estudo sobre a classe mdia mundial da

    Goldman Sachs (2008), define classe C com o intervalo compreendido entre

    R$ 859 e R$ 4.296 e o Banco Mundial define classe mdia como o intervalo

    compreendido entre R$ 2.435 a R$ 10.025. Segundo o estudo da Goldman

    Sachs (2008) a definio do Banco Mundial encontra-se mais prxima da

    definio de classe mdia em pases desenvolvidos.

    Easterly (2001) define a classe mdia como aqueles que se encontram

    entre o 20 e 80 percentil da distribuio de renda e conclui com base na

    comparao de um grande nmero de pases que os pases que tm uma

    classe mdia maior tendem a crescer mais rpido, pelo menos se eles no so

    muito diferentes etnicamente.

    Portanto, observa-se que a definio de classe mdia em nvel mundial

    varia bastante. Assim como a classe mdia mundial, a classe mdia brasileira

    tambm pode ser definida de diversas maneiras. Sero apresentadas abaixo

    algumas das definies de classe mdia brasileira, como a definio seguida

    pelo Critrio Brasil, em vigor desde 2003, a definio da Secretria de

    Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE/PR) e a definio de

    Neri (2010).

    O Critrio de Classificao Econmica Brasil (CCEB), conhecido como

    Critrio Brasil, elaborado pela Associao Brasileira de Empresas de Pesquisa

    (ABEP) (2003) um instrumento de segmentao que utiliza o levantamento

  • 31

    de caractersticas domiciliares, como a presena e quantidade de alguns itens

    de conforto e grau de escolaridade do chefe de famlia, para diferenciar a

    populao. A funo do Critrio Brasil estimar o poder de compra das

    pessoas e famlias urbanas e abandona a pretenso de classificar a populao

    em termos de classes sociais e, portanto, a diviso de mercado de classes

    econmicas. Esse critrio foi construdo para definir grandes classes que

    atendam s necessidades de segmentao da maioria das empresas.

    Essa classificao feita com base na posse de bens e para cada bem

    possudo h uma pontuao e cada classe definida pela soma dessa

    pontuao. As classes definidas pelo CCEB so A1, A2, B1, B2, C, D e E. A

    renda mdia familiar das classes apresentada na tabela 2.1.

    Tabela 2.1 Renda mdia familiar das classes econmicas segundo a definio do Critrio Brasil.

    Fonte: Associao Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) (2003). Elaborao: Prpria.

    A Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica

    (SAE/PR) (2012) divide a sociedade brasileira em trs grandes grupos em

    termos da renda familiar per capita, a saber: classe baixa, classe mdia e

    classe alta. O critrio que foi seguido para definir essa diviso foi o grau de

    vulnerabilidade, buscando assim gerar grupos homogneos com relao

    vulnerabilidade pobreza. Dessa forma, a classe baixa composta por

    pessoas que tm alta probabilidade de permanecer ou passar a ser pobres no

    futuro prximo, e que vivem em famlias com renda per capita inferior a R$ 291

    por ms. Fazem parte da classe mdia aqueles com baixa probabilidade de

    passarem a ser pobres no futuro prximo e que vivem em famlias com renda

    per capita compreendida entre R$ 291 e R$ 1.019 por ms. As pessoas que

    pertencem classe alta possuem probabilidade mnima de se tornarem pobres

  • 32

    no futuro prximo e vivem em famlias com renda per capita superior a R$

    1.019 por ms.

    A SAE/PR (2012) ainda faz uma diviso dentro da classe mdia,

    definindo trs grupos dentro desta classe: a baixa classe mdia, com renda

    familiar per capita entre R$ 291 e R$ 441, a mdia classe mdia, com renda

    familiar per capita de R$ R$ 441 a R$ 641 e a alta classe mdia, cuja renda

    familiar per capita fica entre R$ 641 e R$ 1.019. De acordo com os percentis da

    distribuio de renda, pela definio da SAE/PR (2012), a classe mdia

    brasileira se encontra entre o 34 e o 82 percentil.

    Segundo a SAE/PR (2012) em 2002 a classe mdia correspondia a 38%

    da populao brasileira e em 2009 esse nmero passou para 48%. A

    estimativa a partir de dados da PNAD era que a classe mdia compreendia

    53% da populao brasileira em 2012, ou seja, 104 milhes de pessoas. As

    estimativas em 2012 para a classe alta eram de 20% da populao (40

    milhes) e 28% (55 milhes) para a classe baixa. A evoluo do tamanho das

    classes econmicas pode ser vista no grfico 2.1.

    Grfico 2.1 Evoluo do tamanho das classes econmicas brasileiras, de acordo com a definio da SAE/PR 2002 a 2012. Fonte: Estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD). Elaborao: SAE/PR (2012)

  • 33

    De 2002 a 2012, em mdia 21% da populao brasileira ascendeu da

    classe baixa para a classe mdia, enquanto que 6% da populao ascenderam

    dessa classe para a classe alta. Portanto, houve um crescimento lquido de

    15% na classe mdia brasileira, j que o tamanho da classe mdia definido

    como o resultado lquido da diferena entre o nmero de pessoas que

    ascenderam da classe baixa para a classe mdia e o nmero de pessoas que

    ascenderam da classe mdia para a alta (SAE/PR, 2012).

    Neri (2010) mensura as classes econmicas atravs da organizao de

    toda a distribuio de renda sob a forma de estratos econmicos. As classes

    econmicas so definidas por suas rendas per capita de todas as fontes. Para

    quantificar as faixas das classes econmicas, calculado a renda domiciliar

    per capita e depois essa expressa em termos equivalentes de renda

    domiciliar total de todas as fontes. Dessa forma, Neri (2010) define que a

    classe C est compreendida entre os que ganham de R$ 1.126 a R$ 4.854,

    conforme a tabela 2.2. A definio de classe mdia de Neri (2010) ser

    adotada por este trabalho por ser determinada em termos da renda domiciliar e

    desse modo torna mais fcil a comparao com os dados da POF 2008-2009.

    Segundo Neri (2010), a classe C aufere em mdia a renda mdia da

    sociedade, sendo a classe mdia no sentido estatstico, representando com

    proximidade a mdia da sociedade brasileira. No entanto, como existe

    desigualdade de renda no Brasil, a renda mdia brasileira acaba se tornando

    alta em relao ao resto da distribuio.

    Tabela 2.2 Definio das classes econmicas de acordo com a renda domiciliar total mensal de todas as fontes.

    Fonte: CPS/FGV a partir do processamento dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Prpria.

    Neri (2010) observa que de acordo com a PNAD 2009, a proporo de

    pessoas pertencentes classe A aumentou em 0,18% em relao a 2008,

  • 34

    percentual equivalente a 106,5 mil novas pessoas pertencentes classe A

    (tabela 2.3). Desde 2003, 3,2 milhes de pessoas ingressaram na classe A. De

    2008 para 2009 a classe B cresceu 3,5% o que significa que 443 mil pessoas

    ascenderam para esta classe. Em 2009, 40,4 milhes de pessoas eram

    classificadas como classe B. As classes A e B foram as que cresceram mais

    em termos relativos de 2003 a 2009, 39,6%, quando 6,6 milhes de brasileiros

    foram incorporados a essas duas classes, que atingiam juntas cerca de 10% da

    populao, 20 milhes de brasileiros. A classe C aumentou de 37,56% em

    2003 para 50,45% da populao brasileira em 2009 (grfico 2.2), ou seja, 94,9

    milhes de brasileiros pertenciam classe mdia em 2009. O crescimento

    acumulado da classe C entre 2003 e 2009 foi de 34,32%, o que significa dizer

    que 29 milhes de brasileiros se tornaram classe mdia durante esse perodo,

    sendo que 3,2 milhes foram entre 2008 e 2009, perodo de crise econmica,

    quando a classe C cresceu mais em termos proporcionais, 2,5% a mais do que

    as demais classes.

    Tabela 2.3 Evoluo das classes econmicas em nmero de pessoas e em porcentagem.

    Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Prpria.

    Em contrapartida ao crescimento das classes A, B e C, as classes D e E

    diminuram, conforme se observa na tabela 2.3. De 2003 para 2009 a classe D

    encolheu 11,63%, ou seja, 2,5 milhes de pessoas deixaram de pertencer

    classe D. De 2008 para 2009 essa classe sofreu reduo de 0,9 milhes de

    pessoas, valor equivalente a 3%. A classe E encolheu em 45,50% de 2003

    para 2009 e 4,32% de 2008 para 2009 representando a sada de 1 milho de

    pessoas da classe de renda mais baixa. A partir do grfico 2.2 possvel notar

    os movimentos de aumento das classes AB e C e de queda na classe DE. Nas

    classes ABC 35,7 milhes de pessoas foram adicionadas entre 2003 e 2009.

    Em contrapartida a base da pirmide econmica, classes DE, foi reduzida de

    96,2 milhes em 2003 para 73,2 milhes em 2009 (NERI, 2010).

  • 35

    Grfico 2.2 Evoluo das classes econmicas (em porcentagem). Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Neri (2010).

    No grfico 2.3 apresentado o movimento de evoluo da classe C a

    partir de 1992, com um pequeno recuo em 1993 em consequncia da crise que

    o pas passava naquela poca e um recuo tambm em 2003 no incio do

    governo Lula. Em 1992 a classe C representava 32,52% da populao

    brasileira, passando para 37,56% em 2003 e atingindo 50,45% da populao

    em 2009.

    Grfico 2.3 Evoluo da classe C (em porcentagem). Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Neri (2010).

    Len (2012) busca uma definio objetiva da classe mdia brasileira,

    levando em conta as caractersticas do pas e do perodo de tempo em que

  • 36

    realizou seu estudo. Sua proposta basear a definio de classe mdia

    apenas em rendimentos provenientes do trabalho. A autora toma como

    referncia em sua definio as subdivises estabelecidas pela PNAD

    (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios), que mostram oito grupos de

    diferentes retornos mensais do trabalho. Estes oito grupos consistem em:

    aqueles cujo retorno mensal do trabalho equivalente metade ou menos do

    salrio mnimo, aqueles cujo retorno mensal est entre mais de metade do

    salrio mnimo e um salrio mnimo, seguido por aqueles cujos retornos so

    entre mais de um a dois salrios mnimos, aqueles entre mais de dois e trs,

    aqueles entre mais de trs e cinco, entre os mais de cinco e dez, entre mais de

    dez e vinte, e, finalmente, aqueles cujos rendimentos mensais do trabalho so

    equivalentes a mais de vinte salrios mnimos.

    De acordo com Len (2012) o salrio mnimo mensal era de R$ 465 em

    2009, o que seria equivalente a US$ 335 por ms pela paridade do poder de

    compra ou US$ 10 por dia. Seguindo o mesmo critrio de determinao dos

    salrios mensais equivalentes para os diferentes grupos, temos: para os

    grupos de trabalho cujo retorno entre a metade do salrio mnimo e dois

    salrios mnimos, o salrio mnimo seria entre 10 $ e 16 $ por dia; e para

    aqueles grupos cujo retorno est entre mais de dois e cinco salrios mnimos, o

    seu salrio seria entre 26 $ e 42 $ por dia. Os primeiros so definidos como

    baixa classe mdia, que tm abaixo deles aqueles que no atingem a metade

    do salrio mnimo, e os segundos como alta classe mdia, que tm sobre eles

    as classes mais ricas cujos salrios so entre 75 $ e 353 $ por dia. De acordo

    com Len (2012) a partir dessa definio possvel fazer subdivises dentro

    da classe mdia e ter em conta alteraes na sua composio de acordo com o

    salrio mnimo.

    2.2 QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA BRASILEIRA

    De acordo com a Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da

    Repblica (SAE/PR) (2012), a expanso da classe mdia brasileira foi

    resultado da combinao entre crescimento econmico e reduo da

    desigualdade. Devido a essa combinao a classe baixa pode obter uma

    reduo acentuada, sendo esta reduo notoriamente maior que a expanso

  • 37

    da classe alta. Para a SAE/PR (2012) se o pas tivesse seguido apenas no

    caminho do crescimento econmico, sem reduo da desigualdade a classe

    mdia no teria crescido tanto nos ltimos anos. Sem reduo da desigualdade

    apenas 9% da populao teria passado de classe baixa para classe mdia,

    enquanto que com o processo de reduo de desigualdade esse nmero foi de

    21% da populao. Da mesma forma, sem reduo na desigualdade 5% da

    populao teria sado da classe mdia para a classe alta, contra 6% com

    queda na desigualdade, diferena significativamente menor que a ascenso da

    classe baixa para a classe mdia. Dessa forma, sem a reduo da

    desigualdade a classe mdia brasileira teria crescido apenas 4% contra os 15%

    efetivamente observados. Portanto, observa-se que o crescimento acentuado

    da classe mdia brasileira nos ltimos anos se deve mais a reduo da

    desigualdade do que ao crescimento econmico, cabendo uma anlise da

    evoluo da desigualdade de renda na economia brasileira das ltimas

    dcadas.

    Ao longo dos anos 1980 e 1990 a proporo de pobres na populao

    brasileira manteve-se relativamente estvel, com redues nos momentos de

    implementao dos Planos Cruzado e Real, quando a porcentagem de pobres

    na populao chegou a 28,2% e a 33,9%, respectivamente. O grau de pobreza

    atingiu seus valores mximos durante a recesso do incio da dcada de 80,

    quando a porcentagem de pobres ultrapassou os 50%, atingindo 51,1% em

    1983 e 50,5% em 1984 (BARROS et. al., 2001).

    O Brasil registrou at o incio dos anos 2000 um nvel alto de

    desigualdade na distribuio de renda e elevados nveis de pobreza, e

    consequentemente parte significativa da populao era excluda do acesso a

    condies mnimas de sobrevivncia. Em 1999, cerca de 14% da populao

    brasileira vivia em famlias com renda inferior linha de indigncia e 34% em

    famlias com renda inferior linha de pobreza. Portanto, aproximadamente 22

    milhes de brasileiros eram classificados como indigentes e 53 milhes como

    pobres (BARROS et. al., 2001).

    Barros et. al. (2001) argumenta que o nvel elevado de pobreza no Brasil

    registrado at 1999 no deve ser associada escassez, absoluta ou relativa,

    de recursos, mas sim a um problema relacionado distribuio dos recursos.

    Dessa forma o alto e estvel grau de desigualdade de renda presente na

  • 38

    economia brasileira at incio dos anos 2000 representa o principal

    determinante da pobreza. Portanto, de acordo com esse pensamento, a

    pobreza brasileira mais sensvel a mudanas na desigualdade de renda do

    que ao crescimento econmico. Logo, as polticas voltadas para reduzir a

    pobreza brasileira devem ter como objetivo a reduo dos nveis de

    desigualdade de renda. No entanto, at 1999 os mecanismos utilizados pelo

    Brasil para reduzir a pobreza eram resultado do crescimento econmico e no

    de polticas pblicas focadas em uma maior equidade da distribuio de renda

    e por isso o pas no obteve resultados satisfatrios em relao reduo da

    pobreza.

    A partir de 2001, o grau de desigualdade de renda no Brasil comea a

    declinar e o pas est prximo de atingir o seu menor nvel de desigualdade de

    renda desde registros iniciados em 1960 (grfico 2.4). O ndice de Gini passou

    de 0,5957 em 2001 para 0,5448 em 2009, conforme o grfico 2.5. De acordo

    com Neri (2010) desde 1960 a desigualdade na economia brasileira nunca caiu

    tanto. As quedas registradas a partir de 2002 em termos percentuais foram: -

    1,2% em 2002; -1% em 2003; -1,9% em 2004; -0,6% em 2005; -1,06% em

    2006; -1,3% em 2007; -1,15% em 2008 e -0,70% em 2009. No entanto, para

    Barros et. al. (2006a) mesmo com esta reduo a desigualdade no pas

    permanece elevada, e mesmo que a desigualdade esteja declinando de forma

    acentuada seriam ainda necessrios mais de 20 anos para que o Brasil

    atingisse nveis similares aos da mdia dos pases com o mesmo grau de

    desenvolvimento.

    Estudos realizados para investigar as causas da queda do grau de

    desigualdade de renda, como por exemplo, Barros et. al. (2006b) e Hoffmann

    (2006), apontam que parte dessa reduo no est relacionada s

    transformaes no mercado de trabalho, mas sim a mudanas na distribuio

    da renda no derivada do trabalho, j que entre 2001 e 2005 a participao da

    renda no derivada do trabalho no oramento familiar aumentou de 22% para

    24% e a proporo de brasileiros que vivem em domiclios em que parte do

    oramento provm de fontes no derivadas do trabalho passou de 42% para

    52%. Em 2005, 24,1% da renda das famlias advinha de outras fontes distintas

    do trabalho, entre as quais as transferncias pblicas e privadas eram as mais

    importantes, representando 88,8% da renda no derivada do trabalho. Quase

  • 39

    90% das transferncias so pblicas, sendo que 95% dessas transferncias

    so formados por penses e aposentadorias. Os benefcios do programa Bolsa

    Famlia representam 2,37% das transferncias pblicas e a participao do

    Benefcio de Prestao Continuada de 2,35% (BARROS et. al., 2007).

    Grfico 2.4 ndice de Gini - 1960 a 2009. # Baseada na variao de renda individual entre Censos de 1960 e 1970 incluindo a populao sem rendimentos de Langoni 1973. Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD, e Censos/IBGE. Elaborao: Neri (2010).

    Grfico 2.5 Evoluo do ndice de Gini. Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE. Elaborao: Neri (2010).

    No decorrer dos anos 2000, a cobertura das polticas de transferncia de

    renda aumentou, inicialmente com a ampliao da implementao de dois

    programas federais, o Benefcio de Prestao Continuada (BCP) e o Programa

    de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI), institudos em 1996. Em 2001 foram

  • 40

    implementados os programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentao, em 2002 o

    programa Auxlio Gs e em 2003 o Carto Alimentao. Em outubro de 2003

    foi criado o programa Bolsa Famlia que unificou esses quatro programas e que

    gradativamente aumentou a cobertura, aumentando o acesso de domiclios

    mais pobres a esses programas de transferncia de renda, que visam o

    combate da pobreza (MONTALI e TAVARES, 2008).

    Hoffmann (2013) avalia que no perodo de 1995-2011 o rendimento de

    aposentadorias e penses pagas pelo sistema de previdncia oficial (do INSS

    ou do regime especial para funcionrios pblicos) contribuiu com 11,7% da

    reduo do ndice de Gini. A estimativa do rendimento de transferncias do

    governo federal, incluindo Bolsa Famlia e Benefcio de Prestao Continuada

    contribui com 16,1% da reduo do ndice de Gini de 2001 a 2011, sendo sua

    participao mdia na renda total declarada inferior a 1,0%. Isto est associado

    grande progressividade das transferncias federais, particularmente s do

    Programa Bolsa Famlia. Hoffmann (2013) afirma que vrios autores j usaram

    procedimentos mais sofisticados e trabalhosos que o usado por ele para

    separar, na PNAD, os rendimentos de transferncias e um desses trabalhos foi

    desenvolvido por Barros et. al. (2007).

    De acordo com Barros et. al. (2007) metade da queda na desigualdade

    de renda entre 2001 e 2005 decorreu de transformaes na renda no derivada

    do trabalho, valor bastante significativo, j que essa fonte representa cerca de

    25% da renda total das famlias. A renda no derivada do trabalho formada

    por ativos e transferncias. Os ativos no apresentaram contribuio

    significativa para a queda da desigualdade, e, portanto, todo o impacto das

    transformaes sobre a renda no derivada do trabalho se devem s

    transferncias. Dentre as transferncias o impacto das transformaes nas

    transferncias privadas foi negativo, ou seja, se essa fosse a nica fonte de

    mudana a desigualdade teria aumentado. Portanto, o impacto das

    transferncias na queda da desigualdade decorre de mudanas nas

    transferncias pblicas, responsveis por 48% da queda recente da

    desigualdade. Dentro das transferncias pblicas as penses e aposentadorias

    foram as que causaram maior impacto na queda da desigualdade (26%). Os

    programas Bolsa Famlia (12%) e o BCP (11%) apresentaram contribuies

    similares.

  • 41

    A maior parte do impacto das transferncias pblicas foi em virtude de

    mudanas na distribuio marginal da fonte, por meio da expanso da

    cobertura da fonte e de alteraes na distribuio entre os que recebem renda

    dessa fonte. O mecanismo principal por meio do qual a renda no derivada do

    trabalho afetou a desigualdade total foi a expanso da cobertura. A

    porcentagem de pessoas em famlias que recebem esse tipo de renda passou

    de 42% para 52% entre 2001 e 2005, fato que respondeu por cerca de 51% da

    queda da desigualdade. No caso das penses e aposentadorias, as mudanas

    na distribuio entre os receptores foram responsveis por 20% da queda da

    desigualdade total. Quanto ao BCP o aumento de 2 pontos percentuais na

    cobertura foi responsvel pela queda de 9% da desigualdade total. A cobertura

    do programa Bolsa Famlia cresceu em torno de 10% entre 2001 e 2005,

    causando uma queda de 12% na desigualdade total.

    Entre 2001 e 2009, a renda per capita dos 10% mais ricos aumentou em

    1,49% ao ano, enquanto a renda per capita dos mais pobres cresceu a taxa de

    6,79% ao ano, de acordo com o grfico 2.6. Em consequncia da manuteno

    do crescimento econmico com reduo da desigualdade a pobreza est

    diminuindo. Em 2003 o nmero de pobres segundo a linha de pobreza da FGV

    era 49 milhes de pessoas, que corresponde na classificao de classes de

    Neri (2010) a classe E. Aps a recesso do primeiro ano de governo Lula at

    2008 19,5 milhes de pessoas saram da pobreza. Entre 2008 e 2009 a taxa de

    pobreza caiu de 16,02% para 15,32%, uma queda de 4,2%, valor elevado

    considerando que nesse perodo o pas passava pela crise de 2008 (NERI,

    2010).

    A SAE/PR (2012) estima que se for mantido o ritmo de crescimento

    econmico e de queda na reduo da desigualdade dos ltimos 10 anos, a

    classe mdia brasileira ir abranger 57% da populao em 2022. Se a queda

    na desigualdade no for mantida a classe mdia continuar no mesmo patamar

    de 2012, abrangendo 53% da populao brasileira.

  • 42

    Grfico 2.6 - Variao per capita da renda mdia por dcimos de renda Brasil 2001 a 2009. Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD. Elaborao: Neri (2010).

    2.3 CONSUMO NA CLASSE MDIA BRASILEIRA

    Da mesma forma que a classe mdia apresenta grande

    representatividade na populao brasileira ela tambm possui participao

    expressiva na renda e no consumo das famlias. A renda da classe mdia

    brasileira cresceu 3,5% ao ano no perodo de 1999 a 2009, ao passo que a

    renda mdia das famli