2013 - freitas, carlos eduardo - o direito moderno em debate na sociologia
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Embora quase sempre tenha aparecido como um tema secundrio
nos textos dos socilogos clssicos, o Direito tem recebido ateno especial da
Sociologia desde a sua formao enquanto campo cientfico autnomo. mile
Durkheim (1999), por exemplo, investigou o Direito nas sociedades, pois
acreditava que fosse a traduo institucional das formas de solidariedade
social. Max Weber (2004), por sua vez, destacava o papel-chave do Direito na
moderna economia capitalista. J Karl Marx (2005) denunciava a funo
ideolgica e instrumental do Direito na conservao da dominao de classe
das sociedades burguesas. Talvez a exceo tenha sido mesmo Weber, que, de
fato, chegou a ensaiar a definio de um campo especfico de estudos em
Sociologia do Direito. Porm, somente recentemente, observou-se o
desenvolvimento efetivo de uma Sociologia do Direito enquanto rea de
investigao sociolgica com fronteiras mais ou menos bem definidas. O
mrito, nesse casso, deve-se, em particular, aos trabalhos de Jrgen Habermas
(1997) e Niklas Luhmann (1983), preocupados, cada um ao seu modo, com a
sistematicidade do tratamento sociolgico dado ao tema. A partir deles,
assistimos ao crescente desenvolvimento e inovao nas investigaes
sociolgicas sobre o assunto, incorporando novas abordagens e outros autores.
Nesse sentido, o livro Manual de sociologia jurdica, coordenado por
Felipe Gonalves Silva e Jos Rodrigo Rodriguez, uma bela surpresa para
aqueles que se interessam pela discusso sociolgica do papel do Direito nas
sociedades modernas, em especial no contexto brasileiro. Nele, vamos
encontrar um bom quadro do estado da arte em Sociologia do Direito.
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O DIREITO MODERNO
EM DEBATE NA SOCIOLOGIA
SILVA, Felipe Gonalves; RODRIGUEZ, Jos Rodrigo (Org.).
Manual de sociologia jurdica. So Paulo: Saraiva, 2013.
Por Carlos Eduardo Freitas
Socilogo,
Mestre em Cincias Sociais pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
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Divergindo da linguagem hermtica tpica dos manuais tradicionais
de Sociologia do Direito, a obra aqui resenhada investe numa diversidade de
assuntos relacionados ao Direito. De modo geral, o livro est organizado em
duas grandes partes, cada uma estruturada conforme um grande eixo
temtico especfico.
Na Parte I (O Direito na Teoria Social), encontramos oito artigos com
o esforo em comum de apresentar um esboo introdutrio a respeito de como
nomes destacados da Sociologia clssica e contempornea pensaram a
temtica particular do Direito. Assim, no artigo que abre o manual, Crtica da
Ideologia e Emancipao: Marx, direito e democracia (captulo 1), o autor
Rrion Melo se prope a apresentar o posicionamento de Karl Marx sobre o
Direito e a democracia nas sociedades modernas, destacando o seu diagnstico
crtico acerca dos potenciais emancipatrios do Direito e da democracia, em
sua configurao burguesa e capitalista. No artigo de Raquel Weiss,
Sociologia e Direito na Teoria Durkheimiana (captulo 2), encontramos em
destaque a contribuio original de mile Durkheim para o estudo do Direito: a
construo de uma definio sociolgica do Direito; a discusso sobre a pena;
e, finalmente, o tema pelo qual o socilogo francs sempre mais lembrado, o
modo de tratamento sociolgico para a problemtica do crime.
Em seguida, no Formalismo como Conceito Sociolgico: uma
introduo ao conceito weberiano de direito (captulo 3), Samuel Rodrigues
Barbosa, a partir da Sociologia de Max Weber, coloca em relevo, para anlise, o
conceito weberiano de Direito formal e sua gnese e desenvolvimento como
fenmeno social que faz parte do processo mais amplo de racionalizao do
Ocidente. O artigo de Jos Rodrigo Rodriguez e Flvio Marques Prol, Franz L.
Neumann: direito e luta de classes (captulo 4), destaca-se pelo esforo de
recuperar um autor, Franz Neumann, ainda pouco conhecido dentre aqueles
que estudaram ou estudam a Teoria Crtica. Alm disso, a viso de Neumann
acerca do carter emancipatrio do Direito na sociedade moderna de classe
apresenta-se como um interessante contraponto analtico para a interpretao
de Marx, sendo essa ltima temtica, conforme j mencionado, desenvolvida
no artigo de Melo.
Ana Carolina Chasin, em Consideraes sobre o Direito na Sociologia
de Pierre Bourdieu (captulo 5), faz uma excelente sntese do programa de
Sociologia do Direito esboado por Pierre Bourdieu e de sua orientao no
sentido de pensar e analisar o Direito como um campo de foras e de lutas entre
agentes motivados por interesses especficos e dirigidos pela prpria lgica
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interna do campo do Direito: direito de dizer o direito (p. 83). Mrcio Alves da
Fonseca, no artigo Michel Foucault: o direito nos jogos entre a lei e a norma
(captulo 6), aventura-se no universo textual de reflexes polticas de Michel
Foucault e procura extrair do filsofo francs suas consideraes mais
fundamentais sobre a temtica do Direito, destacando a insero deste como
parte da problematizao foucaultiana em torno dos dispositivos de saber-
poder que se constituem na sociedade disciplinar.
Finalmente, nos dois ltimos artigos que fecham a primeira parte do
livro, seus autores realizam um sobrevoo nas ideias daqueles dois socilogos,
que construram de modo mais explcito e sistemtico um programa de
Sociologia do Direito. Assim, em O Direito na Sociologia de Niklas Luhmann
(captulo 7), Guilherme Leite Gonalves e Joo Paulo Bachur apresentam a
abordagem sistmica de Luhmann sobre o lugar, ou melhor, a funo do
Direito no contexto de alta diferenciao funcional, tal como encontrada na
sociedade moderna. Na sequncia, em Habermas e Ambiguidade do Direito
Moderno (captulo 8), Felipe Gonalves Silva coloca em revista a Sociologia do
Direito, tal como foi desenvolvida de modo sistemtico por Habermas. A
respeito desse filsofo e socilogo alemo, Silva procura apresentar a sua
preocupao em problematizar a funo integradora do Direito moderno e os
bloqueios e possibilidades emancipatrias inscritas no Direito democrtico.
Na Parte II (Direito, Sociedade e Estado: temas atuais), encontramos
mais onze artigos, agora com nfase na problematizao da temtica geral do
Direito no Brasil a partir de chaves de leitura bem diversas. Assim como na
primeira parte do livro, a segunda oferece ao leitor uma srie de artigos com
contedos bem fundamentados.
No artigo Pluralismo jurdico: principais ideias e desafios (captulo
9), Marcus Faro de Castro desenvolve uma discusso em torno do pluralismo
jurdico, explorando as condies histricas de sua formao e verbalizao no
Ocidente. Castro reconstri a histria das diferentes formas de elaborao do
Direito na Europa ocidental e destaca os condicionantes polticos e sociais das
diferentes tendncias hegemnicas do Direito (pluralismo jurdico e monismo
jurdico). No que toca, em particular, evoluo e formao de argumentos em
favor da pertinncia do pluralismo jurdico, Castro assinala o papel destacado
das cincias sociais, principalmente dos trabalhos dos antroplogos, no incio
do sculo XX, sobre a diversidade cultural do uso e sentido do Direito nas
sociedades humanas, o que fortaleceu o discurso crtico contra as concepes
jurdicas da tradio monista do Direito. No mesmo artigo, Castro tambm
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expe como o pluralismo jurdico tem servido de ponto de partida para a
produo da crtica ao positivismo jurdico, inclusive no Brasil; as situaes em
que o pluralismo pode ser utilizado na retrica de justificao de relaes
tradicionais de poder; e o potencial do pluralismo jurdico na construo de
novas categorias jurdicas no contexto de interpenetrao entre relaes globais
e locais.
Raphael Neves, em Transformaes da Cidadania e Estado de Direito
no Brasil (captulo 10), faz uma reviso dos pressupostos normativos da noo
de cidadania desde a reflexo de Alfred Marshall para, em seguida, reconstru-
los em novas bases normativas, agora articulando com os paradigmas da
redistribuio, do reconhecimento e da representao, seguindo a chave de
interpretao proposta pela filsofa e cientista poltica Nancy Fraser.
Acrescenta-se a isso uma anlise das transformaes da cidadania no Brasil a
partir das lutas sociais no interior do Estado democrtico de Direito. No captulo
11, Reforma do Judicirio: entre legitimidade e eficincia, Jacqueline
Sinhoretto e Frederico de Almeida tratam do tema da reforma do Judicirio,
particularmente do debate pblico no Brasil que o envolve direta ou
indiretamente, a exemplo da democratizao poltica, da politizao da justia,
da judicializao da poltica etc.
Carmen Silvia Fullin, em seu excelente artigo, intitulado Acesso
Justia (captulo 12), trata do sentido de acesso justia e destaca a sua
constante ressignificao social. Por meio do tratamento histrico, Fullin
(2013, p. 219-220) mostra como o contedo do sentido de acesso justia vai
se modificando ao longo da histria, assinalando os diferentes condicionantes
relacionais dessa mudana de significado, a exemplo da crescente valorizao
do Estado na regulao e mediao institucional de conflitos sociais; da
formao da burocracia estatal; da ampliao do significado do recurso ao
tribunal, que passa a incorporar tambm o sentido de acesso cidadania; do
aumento da diversidade de demandas por justia por parte de uma pluralidade
de segmentos da sociedade civil etc.
No artigo Movimentos Sociais e Direito: o poder judicirio em
disputa (captulo 13), Evorah Lusci Cardoso e Fabiola Fanti abordam a
relao entre movimentos sociais e Direito. Sobre essa relao, as autoras
desenvolvem a discusso com nfase no seguinte fenmeno sociolgico: a
emergncia do Poder Judicirio como arena de disputa para os movimentos
sociais (p. 239). A respeito disso, Cardoso e Fanti destacam o crescente
reconhecimento do sistema jurdico para com as demandas de justia dos
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movimentos sociais; o efeito de condicionamento das aes dos agentes
estatais e dos agentes do judicirio produzido pelas presses dos movimentos
sociais; assim como os efeitos de transformao na prpria organizao
poltica interna dos movimentos, os quais esto, cada vez mais, incorporando
a linguagem dos direitos.
No captulo 14, Como decidem os juzes? Sobre a qualidade da
jurisdio brasileira, Jos Rodrigo Rodriguez e Carolina Cutrupi Ferreira
discutem as investigaes sobre os processos dos juzes. Sobre esse tema, o
modo de tratamento comum dado tanto pela Teoria do Direito quanto pela
Filosofia colocado em destaque, principalmente por sua nfase na construo
e preciso de uma definio ideal do perfil de juiz e o consequente dficit
emprico dessas formas tradicionais de estudo da qualidade jurisdicional. Em
contraposio ao modelo de agente jurdico desengajado daquelas
abordagens, Rodriguez e Cutrupi procuram apresentar pesquisas empricas em
Sociologia jurdica que apontam para o interesse terico em se produzir um
retrato mais realista das decises judiciais no Brasil.
Em Desempenho judicial, o quanto a Sociedade confia e Como avalia
o Poder Judicirio Brasileiro: a importncia das medidas de confiana nas
instituies (captulo 15), Luciana Gross Cunha e Fabiana Luci de Oliveira
propem desenvolver uma discusso sobre a avaliao pblica do desempenho
do Poder Judicirio brasileiro, com foco particular nas medidas de confiana
nas instituies. Dentre as medidas de avaliao do desempenho do judicirio,
as autoras destacam o ndice de Confiana na Justia brasileira (ICJBrasil),
assim como outros instrumentos tcnicos de avaliao e diagnstico
produzidos nas cincias sociais, a fim de apreender melhor a opinio e a
percepo da populao sobre o Poder Judicirio brasileiro. No captulo 16,
Internacionalizao da Advocacia e perfil da profisso no Brasil, Maria da
Gloria Bonelli disserta acerca do fenmeno de internacionalizao da
advocacia e assinala o papel de destaque do Brasil, caracterizado pela
existncia de um modelo hbrido de prticas jurdicas, pela forte presena
feminina na advocacia e pela estratificao profissional. Ainda sobre o artigo de
Bonelli, encontramos uma interessante reconstruo histrica da formao das
sociedades da advocacia no Brasil, assim como do processo de feminizao
da prtica jurdica, acrescendo-se de dados estatsticos atualizados sobre
variveis correlacionadas, a exemplo de formao acadmica, gnero,
tamanho do escritrio etc.
Em seguida, em Violncia, Estado e Sociologia no Brasil (captulo
17), Renato Srgio de Lima e Liana de Paula colocam em discusso o
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tratamento sociolgico acerca da construo da violncia como um problema
social. Os autores chamam ateno para a maneira como o Estado se apropria
do problema social da violncia, destacando a questo da instrumentalidade da
violncia nos escritos de autores diversos, tais como: Max Weber, Hanna Arendt
e Michel Wieviorka. Alm disso, apresentam os conflitos entre diferentes
concepes de ordem e colocam em exame o crescimento recente de pesquisas
no campo das cincias sobre a violncia no Brasil, destacando os avanos
nesse novo campo de estudos sociolgicos. No artigo O Direito Penal capaz
de conter a violncia? (captulo 18), Marta Rodriguez de Assis Machado e
Mara Rocha Machado retomam o assunto da violncia, mas agora em vnculo
temtico com o Direito penal. Ainda, as autoras procuram colocar em
destaque, para exame, a questo fundamental da eficcia prtica do Direito
penal nas estratgias de conteno da violncia.
Finalmente, o artigo intitulado Direito, Diferenas e Desigualdades:
gnero, gerao, classe e raa (captulo 19), de Marcela Beraldo de Oliveira e
Daniela Feriano, fecha a srie de artigos que compem a Parte II e tambm o
livro como um todo. Nele, as autoras tratam do acesso justia, ou melhor, da
questo da distribuio da justia, e destacam as diferentes entradas de
demandas por direitos, conforme clivagens distintas, como as de gnero,
gerao, classe e raa. Alm disso, descrevem o sistema jurdico como um
campo de lutas por acesso justia, as quais podem ser motivadas tanto por
demandas de reconhecimento quanto por disputas em torno do direito de dizer
a verdade.
Apesar da indiscutvel diversidade de temticas, h algumas
ausncias sentidas no manual que mereciam um espao reservado nos artigos,
como, por exemplo, textos de problematizao do possvel campo de ao e
aplicao da Sociologia do Direito, referentes a assuntos polmicos que
envolvem cincia, tecnologia e sociedade e, portanto, de extrema relevncia
atual, a exemplo do crescente uso da biotecnologia na investigao criminal; as
tentativas de regulamentao jurdico-legal do mercado de comrcio e venda
de rgos humanos em alguns pases; e as controvrsias em torno do uso
seletivo da gentica na produo e reproduo biolgica do homem. Esses
assuntos, somados a outros de temtica geral da cincia, tecnologia e
sociedade, tm atrado a ateno de nomes destacados da Sociologia
contempornea, a exemplo de Bruno Latour, Michel Callon, Philippe Steiner e
do prprio Jrgen Habermas. Ainda assim, preciso reconhecer que tais
ausncias temticas no comprometem a qualidade e relevncia acadmica do
manual aqui apresentado.
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Em geral, ao recorrer a uma linguagem clara, didtica e de fcil
entendimento para o pblico mais leigo, o Manual de sociologia jurdica se
apresenta como uma renovao em matria de fonte de consulta
bibliogrfica, no somente para os especialistas da rea da Sociologia
Jurdica, mas para todos aqueles leitores que cultivam o interesse acadmico
e poltico pela temtica das diferentes formas de insero do Direito na
sociedade atual. Certamente, passar a ser leitura obrigatria nos cursos de
Introduo Sociologia do Direito, Antropologia jurdica e Cincia poltica.
Alm disso, o livro se constituir numa fonte de inspirao para futuras
pesquisas cientficas na rea.
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Referncias
DURKHEIM, mile. Da Diviso do Trabalho Social. So Paulo: Martins Fontes, 1999.
HABERMAS, Jrgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997.
LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
SILVA, Felipe Gonalves; RODRIGUEZ, Jos Rodrigo (Org.). Manual de sociologia
jurdica. So Paulo: Saraiva, 2013.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. So Paulo: Imprensa oficial, 2004. (Volume 1).
MARX, Karl. Crtica da filosofia do direito de Hegel. So Paulo: Boitempo, 2005.