[2012] dissertação_na rua, na praça, na boate
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Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (área de concentração em Antropologia) da Universidade Federal do Pará, em 2012TRANSCRIPT
MILTON RIBEIRO DA SILVA FILHO
Na rua, na praça, na boate
uma etnografia da sociabilidade LGBT no circuito GLS de Belém-PA
Belém-PA 2012
MILTON RIBEIRO DA SILVA FILHO
Na rua, na praça, na boate
uma etnografia da sociabilidade LGBT no circuito GLS de Belém-PA
Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, área de concentração em Antropologia, sob orientação da Profa. Dra. Carmem Izabel Rodrigues
Belém-PA 2012
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca de Pós-Graduação do IFCH/UFPA, Belém-PA)
Silva Filho, Milton Ribeiro da Na rua, na praça, na boate: uma etnografia da sociabilidade LGBT no circuito GLS de Belém-PA / Milton Ribeiro da Silva Filho; orientadora, Carmem Izabel Rodrigues. - 2012. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2012. 1. Homossexuais - Belém (PA). 2. Homossexuais - Socialização - Belém (PA). 3. Orientação sexual. 4. Preconceitos. I. Título.
CDD - 22. ed. 306.766098115
Para a minha família, Maria (mãe), Carol (irmã) e Cleber (irmão), Laura e Lorenna (sobrinhas).
Para tod@s @s interlocutoras/es deste trabalho, sem vocês seria difícil.
Para toda e qualquer pessoa dissidente.
TROCANDO EM MIÚDOS (AGRADECIMENTOS)
À minha orientadora, Carmem Izabel Rodrigues, com quem pude compartilhar conhecimento, principalmente antropológico, momentos de descontração e de seriedade ao longo pesquisa. As conversas, a paciência e a imensa generosidade contribuíram para que os dois anos não fossem difíceis. E por sempre acreditar que este trabalho seria possível.
À banca examinadora da dissertação, Isadora Lins França e Mônica Prates
Conrado, pelas considerações, críticas, avaliações e diálogos sempre oportunos. E à professora Diana Antonaz e ao professor Samuel Veissière que contribuíram muitíssimo, com comentários sempre pertinentes, na banca de qualificação do projeto de dissertação.
Ao querido amigo e companheiro de desventuras e campo, Ramon Reis,
aconteceu quase tudo conosco nestes dois últimos anos. Foram vários os momentos bons, as risadas, os aborrecimentos, os filmes, as músicas, mas no final prevaleceu a amizade. Nem consigo mensurar a admiração e o respeito que sinto por você. Sucesso amigo!
Às amigas de graduação Barbara Silva, Dalila Antero, Daniele Igreja, Juliana
Barroso, Sandra Palheta e Thaize Figueiredo pelos vários incentivos, risadas, fofocas, abraços, beijos, alegrias e tudo mais que amig@s podem fazer quando se encontram. Estaremos sempre junt@s.
À (antiga) coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais, Denise Cardoso, que sempre esteve disposta a ajudar os discentes com palavras de incentivo e apoio institucional.
À coordenadora de área, Diana Antonaz, que acompanhou praticamente
toda a construção deste trabalho. Sou imensamente grato pela disponibilidade e generosidade incondicionais.
@s professor@s Carmem Izabel, Denise Cardoso, Diana Antonaz, Ernani
Chaves, Maurício Costa e Mônica Conrado por terem compartilhado momentos de trocas em suas disciplinas, seja de conhecimentos, seja de afetos e incentivos.
@s amig@s da turma de mestrado, Abraão Moraes, Alexandre Silva, Ana
Paula Vilhena, Ana Luiza Ferreira, Audrei Alencar, Breno Sales, Carlos Eduardo Chaves, Clélio Palheta, Daniele Igreja, Lena Claudia (e Sophia), Luciana Wilm, Ramon Reis, Rodrigo Cabral e Selma Brito, que sem dúvida, foi a melhor turma de Mestrado do PPGCS! As conversas, as risadas, as vozes, os almoços-terapia, as aulas isso tudo ficará gravado na memória, como um dos melhores momentos da minha vida.
Ao Grupo Orquídeas, Ramon Reis, Elane Pantoja, Denise Souza, Priscila Lima, José Luiz Franco, Osmar Reis, Diogo Monteiro, Paula Ramos, Robson Oliveira, Wagner Pinheiro, Vinny Monteiro e Alan Nina, e para os ex-membros Samuel Souza, Franci Quaresma, Lyah Correa e Ton Lobo, obrigado pela possibilidade de crescermos junt@s, por sempre terem uma palavra amiga, pelas risadas e por poder exercitar o bajubá.
@s professor@s coordenador@s do Pet/GT/CS, Samuel Sá, Denise Cardoso
e Wilma Leitão, pelas muitas conversas ao longo desses anos, apoio sempre incondicional e generosidade. E @s petian@s de todas as gerações, Bruna Nepomuceno, Cassiano Simão, Edinelson Sena, Gaby Santos, João Fernando Lima, Kelly Gaia, Kirla Anderson, Luiz Eduardo Nascimento, Francisco Neto, Nilzi Cunha, Sammy Sales, Simone Silva e Willame Santos, pelos almoços no RU, risadas e muitos incentivos.
Às professoras Denise Cardoso e Mônica Conrado, pela oportunidade de
fazer estágio-docente em Cultura Brasileira. À Edna Alencar que possibilitou meu acesso à Antropologia Política. E à Telma Amaral que em Tópicos Temáticos em Antropologia me fez revisitar várias leituras. Obrigado pela imensa generosidade de todas vocês.
À Sandra Mina pela amizade e pela transformação do resumo em abstract.
À Rafael Alves pela amizade e palavras de conforto nos momentos de crise. À Emerson Fonseca e Raquel Alegre que mesmo distantes ainda habitam a casa da minha amizade.
@s amig@s que conquistei e que compartilham momentos da minha vida,
nas tapiocarias e nos cinemas, Deylane Baia, Francisco Neto e Amadeu Lima. @s pesquisador@s do Grupo NOSMULHERES, Mônica Conrado, Denise
Cardoso, Lilian Sales, Alan Ribeiro, Julia Souza, Ramon Reis, Elane Pantoja e Sanmarie Rigaud, pela oportunidade de crescer junt@s, pelas músicas compartilhadas, pelos cinemas de graça, pelas alegrias e gargalhadas nesse quase dois anos.
@s pesquisador@s e estudantes do GEMP, principalmente à Carmem
Izabel e Wilma Leitão, por mais essa troca, de experiências e de conhecimento. @s amig@s paulistan@s responsáveis por apresentar à “Selva de Pedra”,
Márcio Zamboni e Nrish Vallabah. E por me acolherem tão generosamente no apartamento 202, bloco F do CRUSP, Irana Magalhães e Diego Santos. Saudades das conversas entrando pela madrugada. Mas sem esquecer os queridíssimos, Bruno Puccineli, Mayã Martins, Gustavo Saggese e Thales Shu, com quem compartilhei momentos de loucura na Pauliceia Desvairada.
@s professor@s, Laura Moutinho, Heloísa Buarque de Almeida e Julio
Simões, que me acolheram gentilmente em suas disciplinas na USP.
À Rosângela e ao Paulo, secretários do PPGCS, que resolviam todos e quaisquer problemas. Sem o apoio de vocês essa trajetória seria complicada.
À minha família, principalmente, minha mãe Maria que está sempre
comigo, me incentivando, me abençoando, me presenteando, me acalentando com palavras e carinho incondicionais. Serei eternamente grato. Aos meus irmãos Carol e Cleber, pela amizade e carinho, e as minhas sobrinhas Laura e Lorenna, pelas quais sou apaixonado e que alegram os meus dias. E aos meus ti@s e prim@s que sempre me apoiaram e incentivaram, principalmente, Helio, Rosa, Mayara, Heitor, Helton, Helder e Maynara.
Ao CNPq, pela bolsa de mestrado.
(...) [Gallagher & Wilson] É, no fundo, a conclusão à qual você chega quando diz que devemos tentar torna-nos gays e não nos contentar em reafirmar nossa identidade de gays. [Foucault] Sim, é isto. Nós não devemos descobrir que somos homossexuais. [Gallagher & Wilson] Nem descobrir o que isto queria dizer? [Foucault] Exatamente, nós devemos, antes, criar um modo de vida gay. Um tornar-se gay. [Gallagher & Wilson] E é algo sem limites? [Foucault] Sim, claramente. (...)
Michel Foucault em entrevista concedida à B. Gallagher e A. Wilson com o título “Sex, Power and the politics of identity” in The Advocate, nº 400, Aug. 7th, 1984.
SUMÁRIO Resumo 9 Abstract 10 Imagens, Quadros e Foto 11 Introdução: Na rua, na praça, na boate... e na noite 12 Capítulo 1: Uma trajetória dissidente de pesquisa em Belém 16
1. Observações sobre tema e da construção da questão desta pesquisa 17 2. Sobre o quadro referencial e teórico 19
2. 1. Sociabilidade, circuito, e projeto 20 2. 2. Gênero e sexualidade 23 2. 3. Coming out, Teoria Queer, Homofobia 29
3. Do trabalho de campo e recorte empírico 33 4. Das dificuldades e estratégias em campo 38
Capítulo 2: Sexualidades dissidentes sob o signo da noite 41
1. Santa Maria de Belém do Grão-Pará: um breve histórico 42 2. Trajetória de pesquisa: da boate à academia 51 3. De bares, boates, saunas e cinema: Belém e o circuito GLS 54 4. Descrição dos bares e boates 61
4. 1. Malícia Hot 61 4. 2. Lux Dance Pub 65 4. 3. R4 Point 70 4. 4. Vênus 72 4. 5. Rainbow Club 74 4. 6. Hache Club 76 4. 7. Bar Veneza 78 4. 8. Bar Refúgio dos Anjos 80
5. (Ab)usos do “meio”: experiências online e off-line 82 Capítulo 3: Histórias de vida e processos outing 85
1. Digressões sobre as entrevistas e as/os interlocutoras/es 86 2. @s interlocutores/as: breve resumo das histórias de vida 93
2. 1. L. C. 93 2. 2. P. H. 97 2. 3. A. 101 2. 4. D. 105 2. 5. P. 109 2. 6. R. 112 2. 7. DE. 116
3. Dialogando com o “armário” 118
Reflexões finais 124 Referências 129 Apêndice 136
RESUMO
Na rua, na praça, na boate uma etnografia da sociabilidade LGBT no circuito GLS de Belém-PA
Esta dissertação é resultado da etnografia urbana realizada na cidade de Belém, Pará, onde propus tensionar os aspectos relacionados às questões de gênero e sexualidade no interior do circuito GLS. A partir da pesquisa de campo na mancha de sociabilidade e lazer, da observação direta e participante nos bares e boates e das entrevistas, com ênfase nas histórias de vida das/dos interlocutores/as, destaco os aspectos relacionados às formas de sociabilidade, modos e estilos de vida, “modos de viver”, (ab)usos do “meio”, relações com o “armário” e produção de subjetividades. Entendendo que o “armário” age com dispositivo na produção desses sujeitos dissidentes, seja na família, entre amigos e nos espaços destinados aos momentos de lazer. Tendo em vista essas questões, percebi que na luta por visibilidade, pessoas marcadas pelo estigma das sexualidades e gêneros não-(hetero)normativos tendem a manifestar-se através do grito/escândalo ou da reclusão total – manter-se no armário, na reserva/invisibilidade –, que servem como estratégias diferenciadas de proteção e defesa às manifestações de preconceito, discriminação e homo-lesbo-transfobia. No entanto, existem inúmeras maneiras de se construir e vivenciar gêneros e sexualidades dissidentes, seja na vida off-line – partindo das redes de amizade, das vivências nos bares e boates, praças ou em qualquer lugar que possibilite a “pegação” –, seja online, através da internet. Palavras-chave: Sociabilidade LGBT, Circuito GLS, Coming out em Belém.
ABSTRACT
In the street, in the park, in the nightclub ethnography of LGBT sociability in gay-friendly circuit of Belem-PA
This thesis is resulted from an urban ethnography carried out in the city of Belem, Pará, where I considered tensioning the aspects related to the questions of gender and sexuality in the inner side of the gay-friendly circuit. Departing from the field research in the spot of sociability and leisure, the participative and direct observation in bars and nightclubs and the interviews, with emphasis on stories of the lives of the interlocutors, I highlighted the aspects related to the forms of sociability, ways and styles of live, " ways of living" , (ab)uses of " the environment" , relations with "closet" and production of subjectivities. Understanding that "closet" plays a role as a device in the production of these dissident citizens, either in the family, between friends and in the spaces destined to the leisure moments. In view of these questions, I perceived that in the fight for visibility, people marked with stigma of sexuality and non (hetero) normative genders tend to manifest through shouting /scandals or the total reclusion - to maintain themselves in the closet, in the reserve/invisibility -, that serve as differentiated strategies of protection and self-defense to the manifestations of preconception, discrimination and homo-lesbo-transphobia. However, there are innumerable ways of building and living deeply dissident sexualities and genders, either in the off-line life- leaving the nets of friendships, the experiences in bars and nightclubs, parks or any place that makes possible " catching" -, either online, through the Internet. Keyworks: LGBT sociability, Gay-friendly circuit, Coming out in Belém.
FOTO, IMAGENS E QUADROS
Foto 67
Imagem 1 42 Imagem 2 45 Imagem 3 46 Imagem 4 49 Imagem 5 62 Imagem 6 66 Imagem 7 70 Imagem 8 72 Imagem 9 74 Imagem 10 76 Imagem 11 78 Imagem 12 80
Quadro 1 58 Quadro 2 60 Quadro 3 61 Quadro 4 61
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INTRODUÇÃO
Na rua, na praça, na boate... e na noite (...) a rua não é um lugar assexuado, mas é frequentemente considerada um espaço heterossexual por excelência (NUNAN e JABLONSKI, p. 4).
Quando iniciei a pesquisa de campo que resultou nesta dissertação, ainda em
2010, não pensei que reformularia por tantas vezes os destinos deste trabalho, mas já tinha
uma convicção: este ficaria com a marca de um tempo que será impossível reconstruir. Nem
quando eu estiver com vários anos de trabalho de campo e contando com uma excelente
memória será possível recordar de todas as pessoas com quem conversei, todas as
conversas tidas ou todos os caminhos percorridos.
Eu não tinha como interesse, fazer uma etnografia do circuito GLS de Belém, mas
apenas tê-lo como espaço onde eu poderia fazer amigos/amigas e arranjar interlocutores
para a pesquisa anterior, mas este surgiu como uma possibilidade que abracei. Porém,
percebi que, assim como eu consegui ler e dialogar com as poucas fontes sobre
homossexualidade em Belém, podia escrever esse trabalho que também poderá servir para
remontar um passado, principalmente um passado ligado à vivência das homossexualidades.
Assim, optei por não omitir os nomes dos lugares, apenas fazendo isso com as
pessoas entrevistadas, por entender que esse dado não geraria nenhum tipo de ônus para os
donos ou frequentadores. Também marquei nos mapas suas localizações, por entender que
no futuro alguém poderá ter uma curiosidade capaz de ir atrás dessas casas/edificações. Ou
apenas dos lugares onde elas estão localizadas hoje, haja vista a grande rapidez com que se
abrem e fecham lugares comerciais nesta cidade.
Passados os sufocos para explicar, quase como um mantra, o porquê de estar
desenvolvendo pesquisa em bares e boates, que originou esta dissertação – em todos os
lugares em que eu estava e era indagado, seja na UFPA, em casa ou até mesmo nos bares e
boates –, agora é hora de marcá-la no tempo e no lugar de destino. O tempo: o ano de 2012.
O lugar: o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA.
13
Pois para cada pergunta sobre o trabalho que desenvolvia, via em retribuição um
sorriso malicioso esboçado no rosto das pessoas, como se a pesquisa fosse um pretexto para
eu “cair na noite” todos os finais de semana. Não sendo possível que eles mensurassem a
dimensão dos conflitos pelos quais eu passava naquele momento, como no fato de consumir
ou não bebida alcoólica durante o campo ou na delimitação frágil de quando eu estava
fazendo pesquisa e quando eu estava me divertindo. Olhando o resultado disso tudo, vejo
que fiz os dois, pois ao mesmo tempo em que era observador era participante e vice-versa.
Entretanto, quando visualizei o encontro etnográfico puro e simples – nos
moldes descritos por Roberto Cardoso de Oliveira (1998) –, a partir da relação assimétrica
estabelecida entre antropólogo e “nativo”, me vi em processo de constante reflexão. Pois
sendo eu, também, nativo nesta relação, podia e tinha como dever estabelecer uma relação
de igualdade entre minhas/meus interlocutoras/es e mim. Até porque esta relação é
permeada de códigos a serem decifrados e um “nativo” como eu estaria mais apto a
horizontalizar a relação, mas sempre lembrando que esta relação não se dará
harmonicamente, porque a figura da autoridade, mesmo que o pesquisador seja nativo, far-
se-á presente, como nos lembra James Clifford (1998).
Como parte desta reflexão, Eduardo Viveiros de Castro (2002, p. 113-114) diz
que o “antropólogo é alguém que discorre sobre o discurso de um ‘nativo’” e considera
como importante que
(...) o discurso do antropólogo (o ‘observador’) estabeleça uma certa relação com o discurso do nativo (o ‘observado’). Essa relação é uma relação de sentido (...) uma relação de conhecimento. Mas o conhecimento antropológico é imediatamente uma relação social, pois é o efeito das relações que constituem reciprocamente o sujeito que conhece e o sujeito que ele conhece, e a causa de uma transformação (toda relação é uma transformação) na constituição relacional de ambos.
No caso desta pesquisa, a transformação que está causando nos interlocutores é
um pouco difícil de mensurar. No entanto, as possibilidades de reflexão que se tem
descortinado fazem com que eu pense nas minhas condições: de pesquisador negro e de
pesquisador gay. Sendo que a primeira condição é a que me tem feito refletir mais
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detidamente nos últimos anos, enquanto que a segunda, mesmo com alguns percalços, se
mostra mais resolvida, pelo menos atualmente1.
Assim sendo, minha presença em campo era ininteligível, em determinados
momentos, para a maioria das pessoas, a partir de minhas observações: primeiro, por eu ser
negro e estar em ambientes de sociabilidade onde há uma predominância de indivíduos
brancos; e segundo, por me apresentar[em] como estudante de mestrado, ou seja, em um
nível “superior” à maioria dos frequentadores, que possuem apenas o ensino fundamental
ou médio, graduandos e/ou graduados. Por fim, os aspectos que nos “igualam” seriam
apenas a minha prática homoerótica e o modo de vestir, mas até isso renderia uma série de
considerações.
Refletindo a partir de Foucault, evidencio que
(...) Nós devemos ainda dar um passo adiante, penso eu. Eu acredito que um dos fatores de estabilização será a criação de novas formas de vida, de relações, de amizades nas sociedades, a arte, a cultura de novas formas que se instaurassem por meio de nossas escolhas sexuais, éticas e políticas. Devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não somente enquanto identidades, mas enquanto força criativa. (FOUCAULT, 2010, p. 2)
Sobre os capítulos
No primeiro capítulo, procuro demonstrar o percurso da pesquisa desde o
momento da escolha do tema até a escrita desta dissertação. Para isso, estabeleço quais
foram os marcos referenciais e teóricos que ajudaram na construção do problema de
pesquisa, especialmente os trabalhos sócio-antropológicos sobre gênero e sexualidade no
Brasil. Por fim, esboço um breve resumo sobre o recorte empírico e as dificuldades e
estratégias em campo.
No segundo capítulo, apresento a cidade de Belém, numa breve reconstrução
histórica para apresentar a atual mancha de lazer e sociabilidade, com ênfase no circuito
GLS. Os diálogos com outros trabalhos serviram de base para que eu pensasse na mediação
1 Chamo atenção para isso, a partir da consideração de Patricia Collins (1990, p. 222) sobre a rejeição de
abordagens aditivas da opressão quando afirma que os marcadores sociais da diferença (classe, gênero, sexualidade e raça) são parte de sistemas distintos de opressão e como parte de uma estrutura global de dominação. E em como a aproximação com a teoria feminista negra habilita as pessoas a resistir à dominação (p. 227). Ver também Anthias (1998) sobre a articulação entre gênero, raça e outros eixos de diferenciação.
15
entre mercado e “gueto homossexual” no Brasil para, então, articular como isto está posto
em Belém. Com isso, apresento o circuito e faço uma descrição dos espaços pesquisados.
Finalmente, evidencio os (ab)usos do “meio” a partir das vivências online e off-line.
No terceiro capítulo, apresento o quadro de interlocutoras/es com o objetivo de
fornecer um panorama do processo outing. Porém, em primeiro lugar, far-se-á necessária
uma reflexão sobre a técnica de história de vida. Num segundo momento, apresento, a
partir de um resumo global, os/as interlocutores/as desta pesquisa. E, finalmente, o
processo outing será objeto de análise.
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CAPÍTULO 1
Uma pesquisa dissidente em Belém
Esta dissertação, baseada na etnografia urbana desenvolvida na cidade de
Belém, nos anos de 2010 e 2011, insere-se nos atuais estudos de/sobre gênero e
sexualidade. O objetivo deste trabalho é a sociabilidade estabelecida entre lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) no interior do circuito2 GLS (de gays, lésbicas e
simpatizantes) da capital paraense. Com questões relativas às construções identitárias, os
processos outing e os “modos de viver” os gêneros e sexualidades dissidentes face ao
preconceito e discriminação sofridas foram entrevistad@s sete interlocutor@s. O recorte
empírico inclui mulheres e homens LGBTs com idades entre 22 e 30 anos e residentes da
Região Metropolitana de Belém.
O texto que aqui apresento só foi possível a partir da experiência de campo,
dentro de uma perspectiva etnográfica, no campo da Antropologia Urbana e nos atuais
debates sobre Gênero e Sexualidade, nos espaços de sociabilidade LGBT, com inserção
principalmente nos bares e boates do circuito GLS da capital paraense. As entrevistas
somam um total de sete, distribuídas da seguinte maneira: uma mulher transexual, uma
mulher lésbica, um homem bissexual e quatro homens gays; com o intuito de abranger a
maior diversidade sócio-cultural possível. Estas entrevistas tiveram como foco principal a
análise das histórias de vida, com referência às trajetórias afetivo-sexuais e os trajetos
desenvolvidos no interior do circuito na cidade.
Neste capítulo, reconstituo o processo de definição do objeto e o desenho
metodológico desta pesquisa, assim como procuro evidenciar as abordagens teóricas pelas
quais me orientei e refleti sobre o processo da pesquisa de campo. Durante o trabalho de
campo e no processo de construção dessa etnografia as dificuldades e as estratégias
adotadas foram imprescindíveis para pensar a posição deste pesquisador.
2 Circuito tomado “a partir da intervenção investigativa do pesquisador e não como uma realidade detentora
de um significado ‘lógico’ preexistente à observação. A experiência dos atores no circuito só se torna inteligível ao tomarmos como parâmetro a intervenção do pesquisador e sua relação com a vivência em campo” (COSTA, 2009, p. 19).
17
1. Observações sobre a escolha do tema
Uma das propostas deste trabalho é tensionar os aspectos relacionados às
questões de gênero e sexualidade de Belém do Pará, a partir de uma etnografia sobre a
sociabilidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT3) nos bares e boates
no interior do circuito GLS4 da capital paraense.
Com isso, pretendo oferecer a oportunidade de que lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais da capital sejam (re)conhecid@s5 a partir de suas práticas dissidentes,
que se analisem e sejam difundidas as diversas manifestações no modo de ser ou mais
precisamente nos “modos de viver” as homossexualidades, as bissexualidades, as
heterossexualidades e as diversidades ligadas às identidades de gênero, ou seja, para que se
conheçam os modos e estilos de vida experimentados pelos sujeitos interlocutores desta
pesquisa (Foucault, 2001a).
Os espaços de sociabilidades escolhidos para esta pesquisa fazem parte do que
considero como sendo o circuito GLS de Belém, tendo em vista a existência de bares, boates,
saunas e cinema concentrados nos bairros centrais da cidade (exemplo do Reduto e Nazaré,
mas que acabam por se estender em direção aos bairros mais afastados do centro como São
Brás, Guamá, Cremação e Marambaia).
Esses espaços são destinados à frequência do público LGBT e serviu como ponto
de referência para a seleção de interlocutores/as desta pesquisa, com a possibilidade de
identificar os gostos e estilos de vida determinada parcela da população LGBT, assim como
tentar compreender como eles/elas constroem seus trajetos a partir das possibilidades que
se apresentam.
3 Na plenária final da I Conferência Nacional LGBT, realizada em junho de 2008, em Brasília-DF, votou-se pela
mudança na ordem das iniciais da sigla pela qual o movimento era conhecido – GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) – com o propósito de contemplar a questão de gênero, partindo do entendimento de que as lésbicas sofrem uma dupla invisibilidade, por conta de seu gênero e da orientação sexual. 4 De Gay, Lésbica e Simpatizante e refere-se basicamente ao mercado direcionado a esse público e difere da
sigla LGBT (de Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti e Transexual) que é característica da comunidade e/ou população e que tem conotação política maior. 5 A utilização do símbolo “@” como desinência de gênero, em oposição ao binarismo (que privilegia o
masculino) presente na norma culta da língua brasileira, tem como proposta dar visibilidade as categorias de gênero invisibilizadas (de mulheres, travestis, transexuais) histórica e socialmente, pois na tentativa de dar “vez” e “voz” @s sujeit@s preferiu-se por esta configuração; pretendida no texto todo.
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A partir do diálogo com as/os interlocutor@s, além da perspectiva do trânsito
destas pessoas pelo circuito GLS de Belém, formando assim os seus próprios trajetos, anseio
por analisar o coming out6 desses jovens, entendendo que o “armário” age como um
dispositivo na produção de sujeitos LGBTs, mesmo entre aqueles/aquelas que se mantêm no
“armário”. Após os momentos descritos anteriormente, a etnografia do circuito e a análise
das trajetórias e (re)construções das histórias de vida destes objetivando uma reflexão a
partir das interseções entre as relações de gênero e sexualidade.
Portanto, será de extrema necessidade a compreensão das estruturas discursivas
que permitem essa “saída do armário”, pois a “ética do grito e dos bas fonds”7, em
contraposição à “ética da reserva e da invisibilidade”8, possibilita que esses sujeitos sejam
inseridos dentro da heteronormatividade, mas sempre com a possibilidade do escape às
convenções estabelecidas para e entre os gêneros.
Sobre a heteronormatividade, Richard Miskolci e Larissa Pelúcio (2008, p. 16)
dizem que
Hoje, o conceito de heteronormatividade sintetiza o conjunto de normas prescritas, mesmo que não explicitadas, que marcam toda a ordem social e não apenas no que concerne à escolha de parceiro amoroso; alude, também, ao conjunto de instituições, estruturais de compreensão e orientação prática que se apóiam na heterossexualidade (...) É toda esta ordem social que mostra como no par heterossexualidade/homossexualidade não há simetria, pois engloba díades como norma/desvio, regra/exceção, centro/margem. A heterossexualidade só pode existir fixando o periférico e, a partir dele, se definindo como central. Assim, os espaços das bordas não poderiam ser linhas de fuga, mas apenas limites fixados pela norma, desqualificando os que ali são alocados.
E tentando driblar essas díades, algumas pessoas com sexualidades e/ou gêneros
dissidentes agem, como as travestis pesquisadas por Larissa Pelúcio (2007) a partir da
etnografia das manchas travestis em São Paulo, através do grito ou escândalo que servem
como estratégia de defesa, pois el@s pretendem “estender o espaço de sua própria abjeção
àqueles que comumente as recusam, humilham e oprimem9”.
6 Expressão anglo-saxônica sinônima da brasileira “sair do armário”.
7 cf. Paiva (2007, p. 24).
8 Idem, Ibidem.
9 Implica, em seu desdobramento, no que ela vai chamar de “reterritorialização da vergonha” que “tem um
sentido transgressivo, uma vez que a travesti usa o poder de ‘contaminação’ para implicar o ‘bom cidadão’ supostamente ‘de bem’, ‘limpo’, ‘másculo’” (p. 175).
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Na contramão do exposto acima, as pessoas submetidas à “ética da reserva e da
invisibilidade”, que continua limitando e silenciando a livre orientação e expressão das
sexualidades e gêneros dissidentes, numa relação de opressão – também conferida às
mulheres –, padecerão com os crimes de lesbofobia/transfobia/homofobia10 e
exemplificarão a não aceitação das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
pela sociedade heterocentrada.
Pois, de acordo com Miskolci e Pelúcio
O negócio do desejo, em terras brasileiras, torna até mesmo os homo-orientados pessoas quase sempre homofóbicas – diferindo-se apenas pelo grau dessa recusa – que não se dirige exatamente à homossexualidade, mas antes à sua visibilidade. Em suma, a homofobia como dispositivo regulador das relações eróticas tem como alvo qualquer manifestação que ameace a impressão de que a heterossexualidade é universal, natural e única (2008, p. 13-14).
Em vista da breve exposição, esta dissertação tem como proposta não somente
descrever, a partir de uma etnografia, o circuito de lazer GLS da cidade Belém, os trajetos,
trajetórias e histórias de vida de cada interlocutor/a desta pesquisa. Além de entender como
as performances de gênero e orientações de sexualidade podem ser fundamentais no
estabelecimento de formas de sociabilidades.
2. Sobre o quadro referencial e teórico
Para que essa etnografia resultasse num diálogo entre as categorias
antropológicas e “nativas” fez-se necessário fundamentar, a partir de uma escolha teórico-
metodológica, os conceitos/noções e autores balizadores deste trabalho, uma vez que a
intenção seja problematizar e desconstruir conceitos estabilizantes, que permitam outros
olhares acerca das práticas de sociabilidade homoeróticas, isto é, um rompimento com as
abordagens normativas sobre o ethos LGBT em Belém. Para isso, dividirei as perspectivas
teórico-conceituais em sessões, a saber:
10
Neologismos que significam “aversão à lesbianidade, transexualidade e travestilidade, e homossexualidade”, pois não é somente contra @s indivídu@s homossexuais que @s “homofóbic@s” se manifestam, mas a tudo que comporta essas orientações sexuais e performances de gênero: os trejeitos, a fala, o comportamento, etc.
20
2.1. Sociabilidade, circuito e projeto Na discussão sobre sociabilidade LGBT em Belém utilizo a perspectiva de Georg
Simmel (1983) que compreende a sociabilidade como forma de sociação, cujo fim é a própria
relação, ou seja, os laços estabelecidos entre os indivíduos têm uma razão em si mesmos,
visto que em suas manifestações, a sociabilidade não teria propósitos objetivos, conteúdo
ou resultados exteriores. De acordo com ele,
(...) a sociedade propriamente dita é o estar com o outro, para um outro, contra um outro que, através dos veículos, dos impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os conteúdos e os interesses individuais. As formas nas quais resulta esse processo ganham vida própria. São liberadas de todos os laços com os conteúdos; existem por si mesmas e pelo fascínio que difundem pela própria liberação desses laços (p. 168).
Seu alvo é o sucesso do momento sociável. Então, Simmel formula o seguinte
princípio para a sociabilidade: “cada indivíduo deve oferecer o máximo de valores sociais (de
alegria, de realce, de vivacidade, etc.) compatível com o máximo de valores que o próprio
indivíduo recebe” (1983, p. 172).
Assim, a partir de Simmel (1983), considero que estamos num processo de
redefinição das formas de sociabilidade, que se tornaram fluídas, abertas e movediças,
diferentes das formas tradicionais que eram mais estáveis. Sendo que hoje as pessoas
vivenciam diversas experiências, podendo pertencer a uma ou mais coletividades,
simultaneamente ou não.
Onde a vida na metrópole possibilita um afastamento dos indivíduos/pessoas,
como acentua Simmel (1979), exemplificado na atitude blasé, especificando que não
podemos interagir emocionalmente com todas as pessoas, caracterizando o que denomino
como “ética da reserva e da invisibilidade”, utilizo a noção simmeliana de “reserva
psicológica” para caracterizar o ethos relacional homossexual, que Paiva (2007) resume
como uma
[...] recusa de evidência plena, mediante uma rarefação dos regimes de visibilidade do relacionamento e pelo uso de estratégias de restrição de expressividade, que garantem uma “margem” de reserva/distância psicológica, que protegem os
21
relacionamentos de uma visibilidade ostensiva e que impõem um regime de enunciabilidade bastante favorável (PAIVA, 2007, p. 24 – nota de rodapé 1).
No entanto, há o aparecimento, na cena urbana, com suas “fronteiras internas
bem marcadas”, de indivíduos que brinquem com o perigo, que utilizem a ética do grito ou
do bas fonds e que assumam “papéis que podem ser alvos de violenta discriminação em
certos domínios, mas que encontram situações e lugares onde possam ser desempenhados
com relativa segurança”, conforme Gilberto Velho e Luiz Antônio Machado (1977, p. 80).
Na etnografia sobre um network homossexual e homossocial carioca, Carmem Dora Guimarães (2004) diz assim:
Outra possibilidade oferecida pela metrópole é a oferta de espaços sociais legítimos e exclusivos (lugares públicos, como faixas de praia, bares, saunas, boates) para uma clientela de identidade sociossexual estigmatizada (...) nos quais não há maiores sanções ou proibições (p. 65).
Ou seja, viver uma “sexualidade deteriorada” na cidade é possível porque
existem lugares de segurança, lugares onde essas sexualidades possam ser vividas e
visibilizadas sem constrangimentos. E ainda mais, é possível porque existem pessoas que
compartilham das mesmas experiências, com relação à sexualidade
Esses “espaços de segurança” compõem o circuito GLS da cidade, onde englobo
tanto os espaços dos bares, boates e afins. Atualmente, o centro do circuito é o bairro do
Reduto, por que exibe
(...) uma prática ou a oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos, e espaços que não mantêm entre si uma relação de contigüidade espacial, sendo reconhecido em seu conjunto pelos usuários habituais (MAGNANI, 2002, p. 23).
Acreditando, ainda, na distensão do conceito de circuito, destaco a etnografia do
circuito bregueiro de Belém produzida por Antônio Maurício Costa (2009), onde este
visualiza, além do aspecto material do circuito (com as casas de festa e a apresentação das
aparelhagens), quando da oferta de um “serviço fundamentalmente voltado para o lazer”, o
22
(...) universo de sociabilidade que é a festa em si, marcada por códigos (saber dançar, reconhecer as músicas, estar familiarizado com determinada cada de festa, fazer parte de um fã-clube de aparelhagem, etc.), encontros e comunicação (p. 18).
E como parte dos deslocamentos dentro do circuito, considero ser importante
observar os trajetos constituídos pelos interlocutores desta pesquisa, tendo em vista a
escolha que estes sujeitos fazem durante o processo outing de espaços de sociabilidade que
possibilitem visibilidade e relativa proteção de suas orientações de gênero e sexual. Sendo
assim, a categoria analítica será vista sob a perspectiva dos “fluxos recorrentes no espaço
mais abrangente da cidade e no interior das manchas11 urbanas” (MAGNANI, 2002, p. 23).
Um passo importante na visualização das escolhas desses trajetos no interior do
circuito GLS, será dado a partir das (re)construções dos projetos pessoais, que cada um dos
interlocutores construiu para si, de acordo com o campo de possibilidades que se apresenta
ao longo de suas trajetórias (VELHO, 1989, 2003, 2008), com base na perspectiva
metodológica de (re)construção de história de vida (BOURDIEU, 1986; DEBERT, 2004 [1986];
PISCITELLI, 1993).
A sexualidade e a identidade de gênero no processo outing precisam ser
“negociadas” e/ou “agenciadas”, seja na casa ou na rua12, no âmbito do público e do
privado, levando em consideração os espaços de interseção entre as duas categorias e os
dois conceitos13. Refiro-me a esse aspecto por ter percebido em campo a referência que se
faz ao termo êmico “meio14”, ou seja, pertencer ao “meio” é usufruir do circuito GLS
constituído em Belém. Podendo inferir que as três categorias/conceitos, casa/privado,
rua/público e meio, possuem fronteiras fluídas e movediças, pois são espaços discursivos,
11
Não pretendo aqui me exceder na explicação sobre as categorias de análise proposta pelo Magnani (2002), mas para fins de explicação a mancha é “sempre aglutinada em torno de um ou mais estabelecimentos, apresenta uma implantação mais estável tanto na paisagem como no imaginário. As atividades que oferece e as práticas que propicia são o resultado de uma multiplicidade de relações entre equipamentos, edificações e vias de acesso, o que garante uma maior continuidade, transformando-a, assim, em ponto de referência físico, visível e público para um número mais amplo de usuários” (p. 23). Assim sendo, o trajeto ligaria manchas, por meio dos deslocamentos, nos contextos das cidades. 12
Categorias damattianas amplamente referendadas na constituição dos espaços antagonicamente construídos: público e privado; mas que, também, já foram amplamente discutidos: o que possibilitou visões acerca da casa como um espaço público também, exemplo disso é a sala, espaço considerado como o mais público dos espaços restantes da casa. 13
Magnani (1998 e 2002) chamou de “pedaço”. 14
Entre os LGBTs é comum a referência ao “meio”, muito mais do que ao “pedaço”; nas décadas de 1970 e 1980 o termo “gueto” assumiu descritivamente os lugares de sociabilidade GLS.
23
onde os “dispositivos de sexualidade” acharão espaços viáveis para agir na configuração de
uma sociedade disciplinada e regulada (FOUCAULT, 1997).
Na análise que faz de um bairro de Belém, o Jurunas, Carmem Rodrigues (2008b,
p. 273) entende que a partir da sociabilidade festiva e do “grande mercado de trocas de
bens materiais e simbólicos, um espaço de circulação de pessoas, saberes, dádivas e dívidas,
enfim, um espaço de circulação de capital social e simbólico” os sujeitos ribeirinhos (re)criam
possibilidades de sobrevivência e estabelecimento na cidade, assim como da “apropriação
de um espaço próprio, um lugar de sentido e fonte de identidade” onde articulam um
“conjunto de práticas que fazem parte de uma agência cabocla para conquistar a cidade”
(RODRIGUES, 2008a, p. 107).
Consigo, tendo a visão acima como referência, perceber que os sujeitos do
circuito GLS utilizam de diferentes agências para a diluição/ruptura do “meio” utilizando a
fronteira como espaço de transgressão, de confusão que possibilite a criação, a
criatividade15, tornando o indivíduo limítrofe em simpatizante para assim torná-lo suspeito,
como aponta João Silvério Trevisan (2000). Esse caráter lúdico e artístico da sociabilidade
pode ser encontrado no circuito GLS de Belém.
2.2. Gênero e sexualidade Ao propor uma desconstrução da categoria gênero, Joan Scott (1990) afirma que
o gênero deve ser visto como categoria analítica e que, quando aplicada a qualquer objeto,
resulta em uma forma particular de abordagem. Entretanto, existem formas múltiplas de
compreensão desta categoria, mas faz-se urgente considerarmos, como horizonte
metodológico, as análises que implodam as construções hegemônicas, permitindo identificar
o sujeito parcialmente, sem categorias estáveis e fechadas que não possibilitem a
transgressão das construções sócio-culturais.
Assim, o antropólogo português Miguel Vale de Almeida (2000), ao investigar as
questões de masculinidade em Portugal, diz que existem modos distintos de produção da
identidade masculina e suas relações entre os gêneros. Ele afirma que a partir da
15
Um exemplo desta criatividade está no uso e abusos do bajubá: gíria urbana utilizada pel@s LGBTs no intuito de driblar @s “de fora”, serve como código linguístico capaz de congregar @s “de dentro”, ou seja, tod@ e qualquer indivíduo dissidente. Sobre o assunto ver Silva Filho (2010).
24
classificação a hegemonia masculinista se evidenciará, sendo instrumentalizada a partir do
processo ideológico que legitima a dominação do masculino sobre o feminino.
Judith Butler (2003) nos ajuda a compreender o que apontamos aqui como
heteronormatividade ao denunciar a ficção da binaridade do sexo, macho e fêmea, que
aponta para um determinismo biológico (pênis-macho-homem/vagina-fêmea-mulher) e o
mito da completude dos sexos. Esse mito da completude natural dos sexos masculino e
feminino estruturaria como lugares legítimos em nossa sociedade apenas os de homem
heterossexual (viril, forte e ativo) e o de mulher heterossexual (delicada, frágil e passiva),
numa relação de completude unicamente possível entre dois sujeitos de sexos diferentes.
Sendo assim, a proposta conceitual de performatividade de gênero será útil, visto
que propõe a fluidez dos jogos de poder que inscrevem, prescrevem e regulam lugares e
pretendem a não fixidez de construções identitárias, assim como dos dispositivos de
produção de sujeitos LGBT, de acordo com Judith Butler (2003).
Assim, as sexualidades (hetero, homo e bi) e as identidades de gênero (mulher,
homem, transexual, travesti, etc.) assumem características diversas, haja vista que nem
sempre estão em consonância com o estabelecido, ou seja, homens e mulheres
(heterossexuais ou não) nem sempre são regulados pelos padrões ou prescrições culturais
de gênero (SCOTT, 1990).
Fabíola Rohden (2003) analisa as perspectivas médicas que engendraram uma
diferenciação entre os sexos, construídas não só com base nas premissas biológicas, mas
como resultado da percepção social sobre as mulheres, principalmente; quando se tratou de
uma diferenciação crucial, a reprodução foi destacada como a principal característica; no
século XIX, os textos aparecem marcando o caráter natural como o responsável pela
diferença entre homens e mulheres.
Assim, Rohden (2003) define algumas circunstâncias que fizeram com que o
modelo de sexo único, atributo dos gregos, fosse renegociado a partir do Renascimento,
surgindo daí dois sexos distintos; para dar vazão à argumentação, diz que os novos contextos
sociais e culturais foram determinantes para que a nova visão se estabelecesse, sendo que a
ciência (e em particular, a medicina) respaldaria esse viés ideológico renascentista, mas sem
perder de vista o direcionamento moral e valorativo. Porém, outra perspectiva, entre os
séculos XVIII e XX, fazia-se presente: a ideia de que nos corpos de cada indivíduos estariam,
25
dicotomicamente, presentes traços masculinos (representado pela razão e inteligência) e
femininos (representado pela paixão e emoção). Assim, várias teorias estariam sendo
desenvolvidas a fim de pensar o corpo humano, mas já no século XIX as fronteiras deixam de
ser tão permeáveis. Portanto, considerações acerca do caráter constitutivo dos gêneros
começariam a ganhar fôlego, haja vista que faziam parte tanto de uma demanda política
quanto de uma necessidade de resolver tensões internas às ciências médicas. Ao concluir,
explicita que o debate feito, àquela época, e que permanece latente na atualidade, sobre o
par de opostos cultura e natureza, caminhavam como possibilidade, na ideia iluminista de
considerar as relações entre homens e mulheres como algo universal e que, portanto,
maquiariam as variações historicamente construídas.
Na tentativa de entender a urgência dos estudos sobre sexualidade, Marques
Filho e Camargo (2008) dizem que foi “no final do século XIX, *que as+ questões relativas à
sexualidade passa[ram] a ocupar espaço significativo na discussão sobre a constituição do
sujeito moderno”, especialmente
[...] as questões referentes ao corpo, ao desejo, ao gênero e à identidade e, sobretudo, a relação entre gênero e sociedade, de modo a abordar os diversos aspectos, tanto positivos quanto negativos, dessa relação extremamente conflituosa e tensa, na qual verificamos um reflexo de preconceitos enraizados em nossa cultura (MARQUES FILHO e CAMARGO, 2008, p. 79).
E mesmo que, no século XX, a provocação estabelecida pelos “movimentos de
contestação, de liberação sexual, do surgimento de grupos de direitos humanos” tenha
conduzido ao fortalecimento desses estudos e, por conseguinte, a uma “maior visibilidade
dos estudos sobre gênero e sexualidade, ampliando, dessa forma, o campo de atuação e de
subversão da norma heterossexual vigente” (Idem, Ibidem), os homossexuais enfrentam,
ainda, uma certa invisibilidade por parte da sociedade heterossexista, que os desloca para a
margem, tornando-os vítimas de uma “forma particular de dominação simbólica”, conforme
nos demonstra Bourdieu (2007).
Guacira Louro (2001, p. 544) assim diz:
O discurso político e teórico que produz a representação ‘positiva’ da homossexualidade também exerce, é claro, um efeito regulador e disciplinador. Ao afirmar uma posição-de-sujeito, supõe, necessariamente, o estabelecimento de
26
seus contornos, seus limites, suas possibilidades e restrições. Nesse discurso, é a escolha do objeto amoroso que define a identidade sexual e, sendo assim, a identidade gay ou lésbica assenta-se na preferência em manter relações sexuais com alguém do mesmo sexo.
Como parte deste conflito, que se desloca da periferia para o centro –
entendendo aqui a periferia como a parte mais ampla na expressão da sexualidade (ou a
parte normativa desta, ou seja, a “heterossexualidade compulsória”) e o centro como a
subjetividade sexual (expressada, também, pela orientação sexual) – as representações
sociais de senso comum acabam por serem expressas através do binarismo:
natureza/normalidade em oposição a uma anti-natureza/anormalidade, ou seja, haveria
indivíduos “normais” e “anormais” dentro da norma social vigente, de acordo com as
reflexões de Foucault (2001b).
Entretanto, as “sexualidades desviantes” – que fogem à regra desse tipo de
configuração – acabam ressignificando e subvertendo lógicas “inteligíveis” de se pensar a
sexualidade humana, não “armazenando” no processo de subjetivação traços de
“normalidade” – desligando identidade de gênero de orientação sexual e, estas, da conduta
sexual e do objeto de desejo, como diria Butler (2003).
Historicamente, é preciso reconhecer que a perspectiva da valorização da
diversidade sexual tem sua origem particularmente na década de 1960, mais precisamente a
partir da consolidação do movimento feminista – que promoveu um exame crítico e tomada
de posição diante das dissimetrias sociais baseadas na diferenciação sexual – e dos
movimentos gay e lésbico – que, ao lutar por sua visibilidade, exigiram novas reflexões sobre
a sexualidade que passou a ser compreendida também como campo público (ou mais
precisamente de políticas públicas) e como campo do direito.
Nas Histórias da Sexualidade 1, 2 e 3, o autor expõe o problema da
homossexualidade, (re)direcionando o foco, de acordo com os problemas teóricos surgidos
entre uma obra e outra, para a construção do sujeito homossexual. Em “A Vontade de
Saber” ele aborda, no final do livro, o conceito que o tornará famoso postumamente, o
conceito de biopoder; marca das instituições e dos saberes que incidem sobre os corpos e
desejos e que fica como característica principal da sociedade de controle, de indivíduos e
populações, que é a sociedade moderna (século XX). Mas antes, ele tenta engendrar um
pensamento que o encaminhe para essa conclusão, como quando fala sobre o que ele
27
chama de sciencia sexualis, que seria a responsável por criar o homossexual como “espécie”,
como sujeito a ser estudado, “dissecado”, analisado (sua passagem mais famosa e mais
citada, transcrita acima), em oposição ao que se pensa, Foucault deixa claro que na
modernidade, na sociedade capitalista, os sujeitos são incitados a falar de sexo, da sua
sexualidade, sendo esta uma prática que reporta aos séculos anteriores e que será tema dos
outros dois livros.
Em “O Uso dos Prazeres” ele retorna ao problema da homossexualidade na
antiguidade grega clássica, e apesar de ser cauteloso quando falar de uma possível
“bissexualidade” ou “homossexualidade” entre os gregos, sempre usando esses conceitos
entre aspas, afirma que a forma moderna da homossexualidade está longe de ser a vivida
entre os clássicos, pois esta seria regida por uma ética e um tipo particular de moral, de
conduta e, até mesmo, um tipo particular de dietética.
Em “O Cuidado de Si” ele demonstra como a noção sobre o corpo passou por
uma revolução, investigando de que maneira as reflexões morais sobre o sexo, por conta da
moral cristã, incidiram sobre o sujeito em relação ao prazer causando alterações e como isto
ganha assento na privação do sexo, quando se restringe seu uso à procriação e ao
casamento.
Levando em consideração a importância do pensamento de Michel Foucault para
a construção dos estudos sobre sexualidade no Brasil, Sergio Carrara e Julio Simões (2007),
com a intenção de descrever a maneira como as “categorias ou identidades sócio-sexuais”
são tratadas pela academia, desde os anos 1970, referenciam no trabalho de Don Kulick
(2008), como este se posicionou, na sua pesquisa com travestis em Salvador, as relações
estabelecidas entre estas e seus namorados, vistas por ele como assimétricas e que levava
em consideração os valores em que as travestis e seus namorados foram socializados e
aponta que “quando se trata do universo das relações homossexuais ou homoeróticas, o
Brasil em particular e a América Latina em geral têm sido sistematicamente descritos nesse
tipo de literatura como não pertencentes ao mundo ocidental” (p. 67-68).
Esses autores também apontam para o marco que foi/é o texto de Peter Fry
(1982) e os sistemas taxonômicos descritos, no qual ele considerava as variações de classe,
assim: o primeiro modelo colocaria em pólos opostos as representações de gênero, onde o
masculino teria como característica principal a atividade e o feminino estaria ligado à
28
passividade, porém neste modelo as bichas representariam o híbrido composto pelo
masculino e o feminino; o segundo modelo é ligado à perspectiva médica e psicológica e
colocaria o “homem que come” na condição de gay, mas onde a oposição se dá a partir da
referência à anormalidade da conduta homossexual em relação à conduta heterossexual
encarada como normal; e o terceiro modelo é uma variação do segundo e continua
mantendo a disjunção entre orientação sexual e de gênero e, ainda, contesta o estigma
atribuído à homossexualidade. Desta forma, surge o que Fry denominou de modelo
hierárquico (explícito no primeiro sistema) em contraposição ao modelo igualitário (explícito
nos outros dois modelos).
Na esteira, confrontam o trabalho de Edward MacRae (1990) que fez uma
etnografia do Grupo Somos/SP, o primeiro grupo do então nascituro movimento
homossexual brasileiro, e apontam para o problema de “se constituir ou não em torno de
uma identidade homossexual” (p. 73), pois
Havia naquele momento uma grande inquietação quanto à possibilidade de essencialização (ou “reificação”, para usar uma expressão mais comum à época) da oposição hetero/homossexualidade e da conseqüente instituição de novas formas de rotulação, estigmatização e marginalização (p. 73).
Carrara e Simões (2007) ainda citam que as discussões brasileiras sobre
sexualidade já seguiam uma articulação com outros marcadores, isso nos anos 1970, e que
hoje fazem parte dos debates pós-estruturalistas, além de pontuar que as “inquietações
contemporâneas em relação a processos de naturalização das diferenças e a fechamentos
identitários” (p. 75).
E além da contribuição de Foucault eles acham importantes as contribuições
trazidas, como: a de entender o contexto local articulado ao contexto global, na perspectiva
de Richard Parker (2002); as evidências de que no início do século XX as identidades
extrapolavam o binário ativo/passivo na cena urbana brasileira, de acordo com James Green
(2000); e apontam que Jeffrey Weeks, historiador social britânico, ressaltou o papel dos
discursos científicos na produção da “condição homossexual”.
Dentro desta perspectiva, Jeffrey Weeks (2000), a construção do sexo em
disciplinas como a sexologia, psicologia, biologia, antropologia, etc. aponta para o fato de
29
que estas, no século XIX, estavam interessadas em determinar o caráter “instintivo” do sexo.
E, para ele, a sexualidade aparece como uma construção social, uma invenção histórica e
que, portanto, seriam assentadas nas possibilidades do corpo, sendo que os sentidos e o
peso atribuídos ao corpo são partes da composição social. No que tange à sexualidade, o
autor afirma que sua linguagem é masculina, que o modelo dominante é o masculino: onde
os homens aparecem como agentes sexuais ativos e as mulheres, haja vista sua construção
corporal altamente sexualizada, eram apenas reativas. Considera o “sexo” como a
diferenciação anatômica entre “macho” e “fêmea”, construídas sócio-historicamente. E o
“gênero” como a diferenciação social entre “homem” e “mulher” e “sexualidade” como as
crenças, comportamentos, relações e identidades construídas e modeladas histórica e
socialmente a partir dos usos dos corpos e seus prazeres. Ele afirma a regulação dos corpos
femininos, ao mesmo tempo em que se expandia a prostituição; contudo, há uma
preocupação exagerada em designar o papel apropriado para homens e mulheres no seio
familiar, especialmente para elas. Ele, afirma, ainda, que a homossexualidade existia, antes
do século XIX, porém o indivíduo homossexual não, e que somente a partir do século XIX é
que viria a ser constituída uma categoria homossexual distinta das anteriores e uma
identidade baseada nesta distinção; categoria construída agora a partir das ciências médicas,
ou seja, como indivíduo doente.
2.3. Coming out, Teoria Queer, Homofobia
Para Stuart Hall (2006), as velhas identidades (identidades fixas) estão em
declínio, fazendo surgir outras formas de identificação, pautadas na fragmentação do
indivíduo moderno, sendo que essa crise de identidade é um processo amplo de mudanças,
que está deslocando as estruturas e processos centrais da sociedade moderna. E dentro
deste processo de ressignificação da política identitária encontramos na Teoria Queer16, um
desdobramento.
Pois a teoria queer tem o intuito de “complicar a questão da identidade sexual e,
indiretamente, também a questão da identidade cultural e social. Através da ‘estranheza’,
16
Teoria que surge nos países anglo-saxônicos, “como uma espécie de unificação dos estudos gays e lésbicos”, porém o termo significa, também, “de forma não necessariamente relacionada às suas conotações sexuais, ‘estranho’, ‘esquisito’, ‘incomum’, ‘fora do normal’, ‘excêntrico’ (cf. SILVA, 1999, p. 105).
30
quer-se perturbar a tranqüilidade da ‘normalidade’”, de acordo com Tomaz Silva (1999, p.
105). Para isso, o indivíduo queer não “aspira o centro, nem o quer como referência”, mas
utiliza de sua fragmentação identitária para jogar o jogo do desconforto, da ambigüidade,
pois ele é “um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina”, assim coloca
Guacira Louro (2004, p. 8).
O olhar queer de Butler (2003) sobre a experiência de sujeitos que desafiam as
convenções sociais de gênero nos faz compreender como esses arranjos são possíveis e por
meio do seu olhar entendemos como o senso comum constrói uma ideia de sujeito
“inteligível”, quando são associadas três categorias para servirem como forma de
identificação sócio-cultural: sexo biológico, performance de gênero e orientação sexual. Ela
critica a lógica do sujeito cognoscível, que tem por base a estrutura binária, principalmente,
no que diz respeito aos três pilares aqui expostos, que não possibilitaria outras vivências
e/ou experiências, como no caso das drag-queens, travestis e transexuais, que são os
exemplos de rompimento com as estruturas (hetero)normatizantes. No que diz respeito à
sexualidade, Butler contribui de forma singular para pensarmos como a heterossexualidade,
que se firma como padrão social a ser seguido, é uma criação histórica e culturalmente
engendrada assim como a homossexualidade, sendo esta muito mais antiga que a outra.
Aproprio-me destas considerações para pensar sobre a constituição d@s
sujeit@s interlocutor@s desta pesquisa, pois essa forma de “fazer-se” ganhou importância
acentuada na sociedade moderna e ao tornar-se referência na identificação dos sujeitos, de
acordo com Foucault (1997), tenho que considerá-la como perturbadora da norma vigente,
muito mais do que o ato sexual em si mesmo, pois dela surge um “modo de vida
homossexual”, que não está enquadrado em lei e nem mesmo pertence à natureza e que
pode criar outras formas de relacionamento, ou seja, estabelecer um novo paradigma
afetivo (FOUCAULT, 1981).
Eve Sedgwick (2007) afirma que o problema do armário ou “regime do segredo
aberto” é um problema associado não somente à homossexualidade, expondo que outros
marcadores sociais, também, podem criar “armários”, pois este está ligado às estruturas de
poder-saber vigentes na sociedade ocidental moderna, que de certa forma estariam atadas a
determinados valores, principalmente morais e religiosos, que acabariam por borrar a
fronteira entre o público e o privado.
31
E quaisquer divergências em relação a essas combinações impostas como
“naturalmente determinadas” colocam os sujeitos que a expressam em lugar de
desvantagem social. Fry e MacRae (1983) afirmam que a homossexualidade é uma
construção cultural, onde cada sociedade “arruma” de maneira satisfatória os seus
desviantes, algumas, como a sociedade ocidental, não tão satisfatoriamente assim, haja vista
o forte preconceito e discriminação sofrida pelas pessoas homossexuais, apontando que as
convenções de gênero associadas à homossexualidade, que apontam a bicha como a
representação da “identidade deteriorada”, pois ela estaria ligada ao feminino e que, por
isso, seria alvo de discriminação.
Nessa direção, Oscar Guasch (2007) define homofobia como “um dispositivo de
controle social que marca os limites de gênero prescritos, e que estigmatiza a quem não os
alcança e também os que os quebram”. Assim, a homofobia atinge também aos homens e
mulheres de orientação heterossexual, ao estabelecer padrões rígidos de comportamentos,
gostos, pensamentos e até sentimentos legítimos para cada uma das duas categorias
afirmadas como as únicas possíveis: homem ou mulher.
Warren Blumenfeld (1992) compreende a homofobia como mecanismo que
“prende” as pessoas às normas de gênero. Segundo este autor, “a homofobia encadeia
todas as pessoas nas rígidas normas de gênero, inibindo a criatividade e a auto-
expressividade”. Então, a homofobia aparece como uma das facetas do sexismo, que aponta
para a (di)visão do mundo entre o pólo masculino e feminino, fundamental para o
estabelecimento das desigualdades que se constitui como base para violência e
discriminações, baseadas no gênero, constituindo assento na ordem masculinista.
Por conta da “causação17”, da apresentação e da intensificação da afirmação das
identidades LGBTs, promovidas através da expansão das Paradas do Orgulho LGBT pelas
cidades brasileiras e da presença cada vez maior de pessoas à Festa da Chiquita em Belém,
assim como a frequência cada vez mais “tolerada e permitida” em boates, bares, saunas,
cinemas, clubes e festas e do fortalecimento dos contatos e redes sociais (online ou off-line),
há uma intensa manifestação em sentido inverso, também, com o famigerado “bu18”,
operado por indivíduos contrários às manifestações homoeróticas.
17
Ressiginificação do termo “fechação”, agora expandido ao nicho “hetero”, e que tem ampla repercussão em cidades do sul do Brasil, como São Paulo. 18
Expressão nativa entendida pel@s homossexuais como uma expressão depreciativa de sua condição, num
32
No meio deste jogo do armário o processo criativo fica por conta do
estabelecimento de uma linguagem cômica, jocosa e debochada capaz de envolver
performances e ritualizações e que age como “um código lingüístico capaz de proteger” os
que dele se apropriam, permitindo que haja uma identificação entre os falantes, mesmo que
“várias pessoas do meio” o utilizem e não se identifiquem como LGBTs, porém, podemos
observar o caráter transgressor do uso de uma linguagem marginal, como é o caso do
bajubá19 (SOUZA, 1997, p. 231).
Com isso, as formas como as sexualidades são vivenciadas no espaço urbano
belenense, as maneiras das pessoas se sociabilizarem nos “espaços de pegação” GLS e as
formas como as pessoas com gênero e sexualidades dissidentes se percebem/veem e vivem,
em contraposição às teorias científicas que tentam esquadrinhar/taxonomizar a diversidade
que é o processo de subjetivação, serão o foco desta pesquisa.
Assim, na luta por visibilidade, pessoas marcadas pelo estigma das sexualidades
e gêneros dissidentes tendem a manifestar-se através do grito/escândalo ou da reclusão
total (manter-se no armário, na reserva), que servem como estratégias diferenciadas de
proteção e defesa às manifestações de preconceito e discriminação, porém existem
inúmeras maneiras de se construir e vivenciar esses gêneros e as sexualidades seja na vida
off-line, nos bares e boates, banheiros públicos, praças ou em qualquer lugar que possibilite
a “pegação”, seja online, através da internet.
Então, a partir das discussões teóricas, podemos questionar se existe um “modo
de viver” específico presente nos espaços de sociabilidade destinados ao público LGBT que
ajudam na formação de uma identidade diversa da hegemonicamente heterocentrada? E de
que forma esses aspectos proporcionam o estabelecimento de outros ethos LGBT?
Na tentativa de responder às questões acima estabeleci como objetivo geral:
observar como na cidade de Belém os sujeitos de interlocução desta pesquisa – e mais
especificamente os que participam do circuito GLS – configuram as intensas práticas
coletivas que se efetuam a partir de conjuntos de trocas, de arranjos, onde os símbolos e
seus significados serão considerados, e cuja disposição pode vir a ser percebida ou
(re)arranjada com a finalidade de manter uma sociabilidade entre pessoas LGBT. sentido mais amplo age de acordo com o “caçoar” mas que é ressignificado através do cômico. 19
Gíria urbana ligada à comunidade LGBT, uns dizem que nasceu entre @s travestis, porém esta também recebe o nome de pajubá ou batepá; sofre grande influência de palavras do Iorubá-Nagô, entretanto, há palavras que pertencem à língua francesa e/ou inglesa.
33
Os diferentes processos de subjetivação, a priori, deverão pautar as relações
interpessoais nesses ambientes provocadores de performances, sentidos, gostos, hábitos e
gestos diversificados. E como específicos: a) estabelecer como a sociabilidade entre LGBTs
na cidade de Belém ajudam na “saída do armário”, tendo como principal foco as redes
estabelecidas no circuito GLS, uma vez que as mesmas diferenciam-se dos discursos
militantes e criam outras formas de ser/estar e vivenciar o homoerotismo20; b) analisar os
determinantes do processo de (re)construção das trajetórias e projetos de vida dos sujeitos
de interlocução selecionados para esta pesquisa e os diferentes sentidos que estes
processos assumem, atentando para a referência que o sujeito faz de si mesmo na
construção de sua história de vida; e c) compreender quais tipos de experiências são
vivenciadas pelos indivíduos que estão no processo outing, as dificuldades e
responsabilidades advindas deste coming out, as esferas em que esse gênero e/ou
sexualidade dissidente podem ser vivenciados, ainda com a presença de discriminação e
preconceito e o uso de estratégias criativas, evidenciando o uso do bajubá, como um
momento de transgressão/ruptura com a heteronormatividade, com base nos relatos
dos/das interlocutores/as.
3. Do trabalho de campo e recorte empírico
Após um levantamento da literatura produzida sobre as sexualidades no
contexto paraense, particularmente a produção acadêmica da Universidade Federal do Pará,
que vem sendo efetuada há mais de três anos, percebi que Belém assume determinada
centralidade por abrigar a maior universidade pública da região Norte. Para isso, venho
mapeando as produções acadêmicas (artigos, TCCs, monografias, dissertações e teses) que
20
Utilizo esta categoria como sinônima de homossexualidade, mesmo sabendo que ambas se configuraram epistemologicamente em contextos e épocas diferentes. Mas cabe aqui uma reflexão de Jurandir Freire Costa (1992), pois este autor propõe uma substituição dos termos homossexual e homossexualidade por homoerotismo. Ele propõe este termo como uma forma de resistência à ciência e à cultura que engendram nos sujeitos que desejam alguém do mesmo sexo uma carga negativa, que designa os sujeitos por parte de sua existência, de sua privacidade. Chegando até mesmo a afirmar que: “Continuar discutindo ‘homossexualidade’, partindo da premissa de que todos somos ‘por natureza heterossexuais, bissexuais e homossexuais’, significa tornar-se cúmplice de um jogo de linguagem que mostrou-se violento, discriminador, preconceituoso e intolerante, pois levou-nos a crer que pessoas humanas como nós são ‘moralmente inferiores’ só pelo fato de sentirem atração por outras do mesmo sexo biológico” (COSTA, 1994, p 121).
34
tenham as homossexualidades femininas ou masculinas, o movimento LGBT paraense, as
identidades travestis e/ou transexuais e as bissexualidades como tema de pesquisa.
Essa revisão evidencia a escassez de pesquisas acerca do tema fora do eixo Sul-
Sudeste e expõe um campo rico e complexo em que pouc@s pesquisador@s se debruçaram.
De maneira a contribuir com o campo de pesquisa e estudos sobre/de gênero e sexualidade
na Amazônia, esta dissertação visa abordar aspectos singulares do circuito GLS de Belém, em
particular os bares e boates.
E na garantia dos direitos sexuais da população LGBT no Pará, urge que a
produção de informações possam subsidiar a formulação, implementação, monitoramento e
avaliação de políticas públicas segmentadas aos LGBTs, levando em consideração a
diversidade sexual existente e que se faz presente nos espaços de sociabilidade pública,
como as Paradas do Orgulho e a Festa da Chiquita, e nos espaços de sociabilidade mediados
pelo mercado, como bares, boates, saunas e cinemas, ainda pouco investigados na
Amazônia e no Brasil; ainda que pouco compreendidos e abordados no âmbito acadêmico
como espaços de resistência, de reivindicação política.
Pois, desde o final da década de 1960 a sociedade vem sendo marcada pela
expansão dos movimentos sociais, como exemplo temos o movimento feminista e de
mulheres, o movimento negro, o movimento ecológico, o movimento LGBT, etc. As lutas,
que ganham força a partir desse momento histórico, constroem-se aos poucos; em um
primeiro instante, surgem movimentos que pretendem banir as desigualdades entre
mulheres e homens.
O desconforto com a população LGBT torna-se fato, através da discriminação e
do preconceito, manifestados de diversas formas, mais comumente pela agressão física,
moral ou psicológica. Visto que a uma parcela da população são negados direitos,
reconhecimento, e em contrapartida, restringem-se os pensamentos da sociedade,
valorizando seus ideais binários de gênero e a lógica heteronormatizadora do
comportamento erótico-sexual.
A importância de pesquisar o tema na cidade de Belém está no hiato que se
formou desde a pesquisa realizada por Peter Fry (1982), nos idos de 1974, quando veio
pesquisar a participação expressiva de homossexuais nos cultos afro-religiosos em Belém21,
21
Essa pesquisa deu origem a dois artigos do livro Para Inglês Ver (1982): “Homossexualidade masculina e
35
até o trabalho de conclusão de curso de Telma Gonçalves (1989) defendido no curso de
Ciências Sociais, na área de Antropologia, da UFPA.
Com essa etnografia, Fry (1982) construiu um marco nos estudos sobre a
homossexualidade masculina no Brasil, no qual foi seguido depois por vários autores, dentre
eles: James Green (2000), que fez um resgate do homoerotismo na sociedade brasileira;
João Silvério Trevisan (2000), que historicizou as facetas do homoerotismo desde o Brasil
colonial até a contemporaneidade; Don Kulick (2008), que fez uma análise da situação de
mulheres travestis em Salvador; Carmem Dora Guimarães (2004), que contextualizou as
redes homossociais de jovens homossexuais na cidade do Rio de Janeiro; Maria Luiza
Heilborn (2004) que discutiu a noção de igualdade em parcerias homossexuais. Isso sem
esquecer os estudos pioneiros de José Fábio Silva (1959), que lançou mão do arcabouço da
Escola Sociológica de Chicago, principalmente da noção de “região moral”, para escrever o
primeiro artigo sobre a temática nas Ciências Sociais brasileira.
Além dos supracitados, não encontramos referências a trabalhos que analisem
antropologicamente as relações intrínsecas às sexualidades oriundos, principalmente, da
Universidade Federal do Pará, visto que esta é a referência na produção acadêmico-científica
no norte do país. Em outras plataformas de pesquisa, como a Plataforma Lattes do CNPq e o
Scielo, assim como outras fontes de pesquisa on-line, como Google Acadêmico, as
referências também não foram muitas, e para ser mais exato, quando o foram era quase
inexistente a produção nortista a respeito da temática.
Considerando esses aspectos vislumbramos a riqueza e fartura das relações
sociais estabelecidas na cidade de Belém, com suas boates, bares, saunas, cinema e outros
lugares de “freqüência” LGBT, como a Praça da República, por exemplo, nos quais se
pretende enfocar um cenário de formas específicas de expressão das relações contidas tanto
na esfera pública quanto na esfera privada.
As produções amazônicas sobre relações de gênero e sexualidades são partes de
uma interpretação dos/das autores/autoras, levadas a cabo pelos entusiasmos dos
pesquisadores com o tema e não devido à referência de produções acadêmicas que tornem
os pesquisadores da Amazônia referências nos debates nacionais.
cultos afro-brasileiros” e “Da hierarquia à igualdade: a construção histórica da homossexualidade no Brasil”.
36
Portanto, se alguns de seus aspectos já foram submetidos a análises em outros
campos de conhecimento (psicologia, direito e educação), os estudos antropológicos sobre
sexualidades na Amazônia são escassos, e quando estes aparecem é nas interseções de
pesquisas maiores. Esta proposta de trabalho objetiva um olha crítico sobre o discurso
dominante nos estudos sobre sexualidades e relações de gênero, que veem a Amazônia
paraense de forma idílica e idealizada, como berço do tradicionalismo e do atraso, que de
alguma forma o trabalho de Fry (1982) ajudou a reforçar. Valendo-me de um caráter
etnográfico para esse intento, procuro (re)(des)construir categorias analíticas através da
pesquisa de campo e do diálogo com a literatura pertinente, para que o resultado deste
trabalho possa servir a uma análise comparativa das vivências homossexuais em outras
cidades brasileiras.
Para exemplificar que esse quadro ainda não é satisfatório, quando comparado à
produção de núcleos referências nos temas relativos às (homo)sexualidades, e que faz com
que a produção de pesquisas sobre essa temática na Amazônia ganhe, algumas vezes, um ar
de excepcionalidade, desenvolvi os quadros22 presentes no apêndice desta dissertação como
forma de documentar a pesquisa que venho realizando, há pelo menos três anos.
É interessante frisar que de todos os trabalhos catalogados no apêndice23
nenhum se propôs a analisar o circuito GLS belemense, mesmo que em algumas pesquisas o
recrutamento dos interlocutores tenha sido feito nesses espaços de sociabilidade; assim
como, somente em três casos o tema do coming out foi objeto de estudo, a partir de
perspectivas diferentes: Telma Amaral Gonçalves (Quadro 1), Maria das Graças dos Santos
Brito (Quadro 1) e o meu trabalho de conclusão de curso (Quadro 2); e, finalmente, exceto
os trabalhos de Izabela Jatene de Souza, Rubens da Silva Ferreira (ambos no Quadro 6) e
Alan Michel Santiago Nina (Quadro 3), nenhum ainda se propôs a dialogar com o circuito GLS
da cidade, seja ele de sociabilidade ou prostituição, tendo em vista a dinâmica das relações
de gênero e marcadores sociais da diferença na construção de cidadania.
22
É óbvio que existem mais produções, porém a dificuldade de acesso nas Faculdades e a desatualização da plataforma de busca da Biblioteca Central dificultam o meu trabalho, mas soube de mais dois trabalhos desenvolvidos sobre a temática: um na Faculdade de História e outro na Faculdade de Turismo. 23
Dos trabalhos catalogados nos quadros são poucos os que eu não possua cópia e alguns dos mais atuais, mesmo não possuindo cópia, participei como ouvinte da defesa e até daqueles que não vi a defesa e nem possuo cópia consegui em algum momento desta pesquisa lê-los, seja na Biblioteca Central, no Laboratório da Faculdade de Ciências Sociais ou através de contatos com @s autor@s e/ou com amig@s destes.
37
No Estado do Pará, a partir das tensões provocadas pelo Movimento LGBT24,
foram implementadas algumas ações no combate à homofobia e na promoção de dignidade
à diversidade sexual, tanto no âmbito de projetos e programas governamentais, como: a
criação da Coordenadoria de Proteção à Livre Orientação Sexual, na Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos do Estado do Pará, tendo como primeiro coordenador Yvon Cardoso e, em
2011, tendo assumido Samuel Sardinha, ambos membros da militância LGBT do Estado; as
Sessões Especiais nas Casas Legislativas, como a Sessão Especial em homenagem ao Dia de
Combate à Homofobia (17 de maio), instituído por lei no estado, anualmente celebrado na
Assembléia Legislativa paraense; a Sessão Especial em homenagem ao Dia do Orgulho Gay,
instituído por lei no município de Belém, e que acontece na Câmara dos Vereadores de
Belém, na qual eu participei, em 2008, como membro do Grupo Orquídeas.
Na área da educação, o governo petista ganhou notoriedade por atender a
demanda das travestis e dos/das transexuais com relação à sua cidadania, tendo sido
editada a Portaria nº 016/2008 da Secretaria de Educação que estabeleceu a
obrigatoriedade do registro do nome social de travestis e transexuais no ato da matrícula em
todas as unidades escolares da rede pública estadual, ação em que foi pioneira no país.
Com o mesmo objetivo seguiu-se a edição do Decreto Estadual 1.675/2009,
determinando aos órgãos da Administração Direta e Indireta do Estado do Pará o respeito ao
nome público de transexuais e travestis; além da regulamentação das visitas íntimas nos
estabelecimentos prisionais para as pessoas detentas que mantenham relação homoafetiva,
via Portaria nº 1.242/2009 da Superintendência do Sistema Penitenciário (SUSIPE).
Estes marcos regulatórios no Estado do Pará devem ser embasados com mais
pesquisas acadêmicas direcionadas à comunidade LGBT e que manifestem os anseios desta,
partindo de uma perspectiva não-essencialista e de combate a quaisquer forma de opressão
e subalternização.
A partir do exposto, compreendo que a importância deste trabalho visa, além da
etnografia sobre a sociabilidade LGBT no interior do circuito GLS em Belém e da
possibilidade de comparação com outras realidade brasileiras, a visibilidade de sujeitos
sociais construídos historicamente à margem da sociedade belemense e que, tanto 24
O Movimento LGBT paraense conta, na capital, com: Grupo Homossexual do Pará (GHP), Grupo Apollo, Grupo COR, Grupo de Resistência de Travestis da Transamazônica (GRETTA), o Movimento Homossexual de Belém, dentre outros. O Grupo Orquídeas, do qual faço parte, não é filiado ao Movimento, pois não é uma ONG.
38
influenciam na dinâmica da cidade, a partir da criação de territorialidades, espacialidades e
sociabilidades fluídas, quanto ainda são alvos de violências simbólicas e físicas por se
construírem à luz da heteronormatividade.
4. Das dificuldades e estratégias em campo
A construção e delimitação do objeto da pesquisa que originou essa dissertação
e a análise subsequente fundamentaram-se em pressupostos de pesquisa qualitativa
desenvolvidas à luz da antropologia social clássica, onde a proposta investigativa baseou-se
na pesquisa de campo etnográfica e em entrevistas e conversas informais, com a construção
da história de vida como perspectiva metodológica de compreensão do problema deste
trabalho.
O intento deste trabalho é possibilitar que as entrevistas desenvolvidas através
das histórias de vida dos sujeitos de interlocução, com temáticas que privilegiem os
inúmeros aspectos do processo outing relacionados aos trajetos que mantém nos espaços
de sociabilidade LGBT em Belém, componentes do circuito GLS, sejam evidenciadas nos
relatos etnográficos.
Na seleção das/dos interlocutoras/es, após um contato prévio, contei com a
indicação de amigos/as e conhecidos/as que se fazem presentes no circuito GLS em Belém,
para que de alguma forma eu conseguisse estabelecer as intersecções das redes de amizade
presentes nos espaços de sociabilidade, objetivando visualizar os códigos sociais e valores de
mundo (re)(des)construídos nas diferentes narrativas ou nos diferentes momentos da
mesma narrativa e os espaços e formas de sociabilidade ligados aos “modos de viver”,
estilos de vida, projetos e trajetórias de vida.
Do resultado desses depoimentos, de entrevistas com perguntas abertas e
fechadas e de conversas informais, proponho um questionamento dos modelos de coming
out vivenciados pelos interlocutores, com base na análise das histórias de vidas, onde o
texto será “apresentado no feitio de um diálogo com as fontes levantadas em campo, de
modo a oferecer, também, uma visão crítica acerca das próprias percepções e conclusões
construídas”.25
25
Cf. Costa, 2009, p.19.
39
Assim, reiniciei a pesquisa26 , ainda em 2010, quando do início das aulas no curso
de mestrado. Porém, não havia estabelecido um cronograma que orientasse minha entrada
em campo, mas privilegiei os bares e boates por fazerem parte da rotina de lazer que
mantenho com amig@s durante os finais de semana. É importante ressaltar que o retorno
ao campo e a continuação da pesquisa de mestrado aconteceu com a presença de outro
pesquisador, Ramon Reis, que desenvolveu investigação tendo em vista a comparação entre
os tipos de relacionamentos homossexuais em duas boates do circuito GLS de Belém. Com
isso, pude compartilhar, ainda em campo, de impressões, “piscadelas” e curiosidades
etnográficas pela quais fomos assolados constantemente.
Estabeleci uma abordagem diferenciada na seleção dos sujeitos de interlocução,
pois antes de abordá-los e assim convidá-los a fazerem parte desta pesquisa, queria ser
reconhecido no circuito, fazer parte dos “de dentro”. Portanto, fiz-me presente em períodos
alternados a todos os finais de semana nas boates do Reduto, principalmente. Depois de
algum tempo, percebi o quanto era difícil contatar os interlocutores, que não acreditavam
ser possível desenvolver uma pesquisa nas/sobre boates, que era o modo como a maioria
compreendia a minha pesquisa, então, apelei para a minha rede de amizades. Após alguns
contatos ou foram-me indicando amigos ou se disponibilizando para participar da pesquisa.
A frequência em todos os espaços se mostrou impossível desde o começo, uma
vez que alguns espaços, como saunas e o cinema, configuram-se de forma diferente dos
bares e boates, mantendo outros códigos, sendo aqueles espaços voltados prioritariamente
para estabelecimento de relações sexuais, de acordo com as conversas mantidas. Não que
nas boates não aconteçam tais relações, pois uma característica das boates GLS em Belém é
possuir o famigerado dark room27, lugar escuro que propicia contatos sexuais anônimos.
Então, os locais em que fiz campo foram os bares e boates do Reduto, São Brás, Marambaia,
Guamá, Cremação, Campina e Nova Marambaia.
A ida a campo se dava a partir do deslocamento da minha e casa até as boates e
bares, de ônibus, onde conseguia durante o trajeto, identificar algumas pessoas que se
direcionam aos lugares do circuito, algumas vezes chegando a encontrá-las nas boates ou
26
Digo reiniciei, pois já havia selecionado, no circuito GLS de Belém, @s interlocutor@s da pesquisa que desenvolvi para o TCC. 27
A antropóloga colombiana María Elvira Díaz-Benítez (2007) escreveu um artigo no qual descreve os percalços de se fazer uma etnogafia no dark room e como teve que utilizar os outros sentidos para captar os movimentos dentro deste ambiente.
40
bares. Chegando ao local, geralmente, aguardava 30 minutos antes de entrar, com a
intenção de ouvir sobre quais assuntos se conversava e de tentar tornar-me “visível”. Esse
momento de chegada era imprescindível, pois determinava o tipo de abordagem que seria
feito, com vista à seleção dos interlocutores ou de possíveis conversas que servissem de
pistas, pois dependendo da rede de amizades, que se formava antes de entrar, já se
conseguia perceber se seria mais fácil ou mais complicada a abordagem e/ou as conversas
dentro da boate. Uma tática bastante utilizada era pedir a um amigo que conhecia alguém
fora da minha rede de amizades que nos apresentasse. Nesse primeiro momento eu não me
apresentava como pesquisador, a não ser que meu amigo já tivesse feito, e assim poderia
discorrer sobre vários assuntos sem que parecesse que eu estivesse interrogando-o.
As técnicas empregadas para o desenvolvimento desta pesquisa, objetivando o
não constrangimento das pessoas que quiserem participar voluntariamente, foram: a)
conversas informais que marcaram a inclusão ou exclusão dos interlocutores na pesquisa; b)
sete entrevistas temáticas com (re)construção da história de vida dos interlocutores até o
processo outing e a frequentação nos espaços de sociabilidade direcionados a LGBTs, com
pessoas de diferentes faixas etárias e diferentes grupos étnico-raciais, abordados em
diferentes estabecimentos do circuito GLS de Belém; e c) Descrição etnográfica do circuito
GLS de Belém, em caderno de campo, nos moldes da antropologia social clássica. E o
instrumento foi um roteiro composto de questões abertas e fechadas.
***
No capítulo que segue exponho um pouco da história da cidade de Belém para,
em seguida, trazer um pouco do panorama atual da mancha de lazer e sociabilidade na
capital, especialmente da ligada ao GLS, descrevendo etnograficamente os atuais redutos e
mostrando um pouco do (ab)usos encontrados durante a pesquisa.
41
CAPÍTULO 2
Sexualidades dissidentes sob o signo da noite
Neste capítulo objetivo inserir o leitor numa breve história da cidade de Belém,
que possibilite construir um panorama do atual circuito de lazer GLS em Belém, ou seja, com
a ajuda da etnografia possibilitar uma visualização dos espaços de lazer e sociabilidade e dos
(ab)usos que fazem do “meio GLS”. Entendendo, para além de uma categoria êmica, o
“meio” como categoria explicativa que possibilite o entendimento das trajetórias que esses
sujeitos desenvolvem nas manchas de lazer da cidade de Belém.
Portanto, uma breve apresentação da cidade em termos populacionais, faz-se
necessária, pois os dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, em 2010, acerca do total da população do Estado do Pará, afirmou que somos
7.588.078 de habitantes. A grande parte desse número reside em áreas urbanas, ou seja,
5.197.118 de habitantes em relação aos 2.390.960 que habitam as áreas rurais e encontram-
se divididos, a partir do sexo, em 3.825.245 homens e 3.762.833 mulheres (IBGE, 2010).
E a cidade de Belém, capital do Estado, corresponde a uma área de 1.059 km2
(Imagem 2) e congrega a maior população, em relação aos demais municípios, somando um
total de 1.392.031 de habitantes; divididos, a partir do sexo, em 658.188 homens e 733.843
mulheres. Sendo que a população urbana possui um total de 1.380.836 de habitantes,
enquanto 11.195 habitantes residem na área rural da capital paraense (IBGE, 2010).
De posse desses dados é possível observar que a população urbana é maior na
capital paraense, se compararmos com a presença de pessoas na área rural, e a proporção é,
nesta relação, uma das maiores do Estado. Com isso, podemos inferir que a população
urbana da capital paraense está mais próxima dos bens e serviços disponíveis na metrópole,
porém há de se reiterar que nem todos têm acesso aos mesmos, em razão da situação de
empobrecimento a que as pessoas estão submetidas.
A partir de Heitor Frugoli Jr (2001) podemos dizer que a cidade de Belém adquire
características de centro, dentro da Região Amazônica – e quando comparada às capitais
mais ao sul do país adquire característica de centralidade periférica – o que possibilita
42
acesso aos bens e serviços disponíveis na área urbana da cidade, respeitando, é claro, as
situações de classe vivenciada por cada indivíduo.
1. Santa Maria de Belém do Grão-Pará: um breve histórico
Imagem 1: Mapa do Estado do Pará. Fonte: Google Imagens, 2011.
A cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará foi fundada, em 12 de janeiro de
1616, por Francisco Caldeira Castelo Branco, que erigiu a edificação-marco do
desenvolvimento urbano da cidade, o Forte do Presépio – Forte do Castelo28 anteriormente–
, às margens da Baía do Guajará. A escolha para construção deu-se pela localização
privilegiada do terreno, pois este se encontra na foz do Amazonas, “ao sul do estuário
amazônico e protegido do oceano, este forte contribui para a expansão lusa no norte do
Brasil29”, ponto estratégico de combate aos ingleses e holandeses30, e que “desempenhou
um importante papel na ocupação da região31”. Assim,
28
Rodrigues (2008, p. 94) afirma que o Forte do Presépio sofreu inúmeras intempéries sendo “reconstruído e substituído na primeira metade do século XVIII pelo Forte de Castelo do Senhor de Santo Cristo”. 29
Cf. Almeida, 2008, p. 53.
43
[...] o fato de ter como limite a imensa baía de Guajará, formada pelo rio Pará, a vasta área do alagado conhecida (...) como “Pirí de Jussara” e o igarapé (riacho) que ligava esse alagado à baía do Guajará fazia com que o forte ficasse ilhado a maior parte do ano, o que, se por um lado foi um fator extremamente positivo no início da ocupação, pois dificultava o acesso por terra, por outro, tornava-se um empecilho à expansão da área urbana, que aos poucos começava a se conformar através das aglomerações de colonos, que surgiram em torno do forte (SOUZA, 1997, p. 14).
A autora da citação acima, a antropóloga Izabela Jatene de Souza (1997), reflete
sobre a construção de Belém tendo em vista o processo de urbanização pelo qual a cidade
passou desde sua criação, levando em consideração o contexto geopolítico que ocasionou a
fundação da capital paraense e que serviu como discurso, no século XVII, para que
ocorressem os fluxos migratórios para a Amazônia. Passando, também, pela consolidação e
decadência da economia gomífera, no século XIX, que transformou Belém em “metrópole da
Amazônia” (p. 21).
Desde essa época, século XVII, Belém já comportava no espaço da vila uma
multiplicidade de pessoas, com hábitos e costumes bem diferentes, mas foi pela presença
indígena que a cidade se cristalizou no consciente regional e nacional.
Desde o início, índios e caboclos, mestiços e negros constituíram a maior parcela de mão-de-obra economicamente ativa da Amazônia, nas várias atividades agrícolas e extrativas da região. As diversas misturas etno-raciais, levando a mestiçagens progressivas, produziram a feição mestiça da população, na capital e na província. Por aí passaria a dificuldade dos viajantes em classificar a população amazônica e paraense, cujas nuanças não correspondiam a categorias etno-raciais bem definidas: mamelucos, tapuias, cafuzos, mulatos, mestiços; índios cafuzos, mulatos atapuiados (RODRIGUES, 2008, p. 96).
Assim, passamos para a história como uma cidade que é constituída
essencialmente de gentis indígenas, mas as pesquisas historiográficas vêm apontar uma
30
“Nos dois eixos de extensão do sítio inicial (no sentido do Guajará e no sentido do rio Guamá), a expansão se fez tanto por meio de lutas contra os índios que resistiam à ocupação da terra e das águas na ilha grande de Joannes (hoje ilha do Marajó), no Guajará, porta de entrada dos navegadores invasores, assim como nas margens do rio Guamá, onde se localizavam, à época, grupos tupinambás, como também por meio de acordos de paz, trocas e negociações com diversos grupos indígenas que se misturaram, desde então, à população do núcleo que se constituía, como trabalhadores escravizados ou cooptados, ocupando, desde o início, parte do espaço da cidade, especialmente os arrabaldes, que já habitavam antes da chegada dos portugueses.” (RODRIGUES, 2008, p. 94-95). 31
Cf. Souza, 1997, p. 14.
44
nova organização social para aquela época da qual somos descendentes. O historiador
Rafael Chambouleyron (2008), a partir de pesquisa sobre a Belém seiscentista, mostra de
que forma a cidade era organizada socialmente:
O primeiro era composto pelos moradores portugueses e seus descendentes, que se dividiam entre os cidadãos, os “peões” (trabalhadores) e aqueles que eram infames pela raça ou por crimes. O segundo compunha-se dos índios (cristãos e não-cristãos) e dos escravos africanos. O terceiro, de sujeitos resultado da mistura de todos os grupos. E, finalmente, o quarto era composto por estrangeiros, que, apesar de viverem sujeitos a leis especiais, confundiam-se com o que este autor [o historiador, político e jornalista maranhense João Francisco Lisboa] chama de “brancos nacionais” (o primeiro grupo) (CHAMBOULEYRON, 2008, p. 13).
Não pretendo, com essa breve apresentação, fazer uma historiografia da cidade,
pois, como antropólogo, possuo alguns limites com relação ao conhecimento micro-histórico
da construção e desenvolvimento da cidade de Belém. Mas, a partir de outr@s
antropólog@s e historiador@s, consigo apresentar, mesmo que brevemente, o processo
pelo qual a cidade passou desde o século XVII até o presente momento, com alguns saltos
temporais, obviamente.
Assim, ainda na época (século XVII) da expansão da cidade e do consequente
desenvolvimento urbano, a cidade contava com três freguesias: Sé, Campina e Trindade. A
primeira era conhecida à época como Cidade, onde hoje é o bairro da Cidade Velha. A
segunda, na área imediatamente contígua, onde hoje se encontra o, quase extinto, bairro da
Campina. E a terceira nas imediações do que conhecemos hoje como o bairro do Comércio.
Na virada do século XIX para o XX, a cidade agregava mais uma freguesia, a de Nazaré – onde
a referência hoje em dia é a Basílica de Nazaré. Assim a cidade crescia em todas as direções.
A antropóloga Carmem Izabel Rodrigues (2008, p. 98), no texto em que descreve
a formação do bairro do Jurunas, seu objeto de análise, diz que
No início dos oitocentos, um evento importante marcou a expansão da cidade em direção aos bairros hoje denominados Batista Campos, Jurunas, Condor, Cremação e Guamá: o aterramento do igarapé do Piry, um braço do rio Guamá que desaguava na baía do Guajará; a partir de então surgiram novas ruas e avenidas, ligando o centro da cidade aos arrabaldes paralelos ao Guamá. Com o aterramento, a estrada das Mongubeiras (hoje Almirante Tamandaré) ligou o largo do Bagé, no Arsenal de Marinha, ao largo da Pólvora e à estrada de Nazaré, que dava acesso ao único caminho terrestre de saída da cidade.
45
Essa expansão da cidade, para o norte, evidencia o crescimento urbanístico de
Belém, com inúmeras construções sendo erguidas, ruas e bairros sendo criados, estradas
sendo alargadas e um processo de saneamento sendo implementado; isso tudo isso ligado à
economia do ciclo da borracha, do século XIX. E, emergem nesse momento, dois
importantes pontos atuais de sociabilidade: a Doca, no bairro do Reduto, e a Praça da
República.
Imagem 2: Mapa da Região Metropolitana de Belém. Fonte: Google Mapas, 2011.
De acordo com a historiadora Rosana de Fátima Padilha de Sousa (2009), que
teve o Reduto como objeto de estudo, a partir da memória de construção do bairro como
eminentemente operário, diz que
O Reduto, como passou a ser conhecido o bairro onde ficava a referida doca, é uma região contígua ao Centro de Belém, limitada ao norte pelo bairro da Campina, ao sul pelo bairro do Umarizal, a leste pelo bairro de Nazaré e a oeste pela baía do Guajará (p. 30).
46
O bairro do Reduto é formado por três avenidas: Avenida Visconde de Souza Franco, Avenida Assis de Vasconcelos e Avenida Marechal Hermes; quatro travessas: Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa, Benjamim Constant e Piedade; sete ruas: Gaspar Viana, 28 de Setembro, Manoel Barata, Ó de Almeida, Aristides Lobo, Tiradentes e Henrique Gurjão e uma praça: a Praça General Magalhães (p. 31).
Através do sistema de escoamento dos canais de águas pluviais, havia uma
ligação entre o antigo Largo da Pólvora – atual Praça da República – e a Doca do Reduto32 –
hoje Avenida Visconde de Souza Franco – e após a terraplanagem dessa área, em meados do
século XIX, e contando com uma “aprazível localização e seu dinamismo comercial” a cidade
ganhou um novo “cartão-postal” (SOUSA, 2009, p. 32-33).
Imagem 3: Doca. Fonte: Google Maps in Sousa, 2009, p. 31.
32
“A conversão de igarapé do Reduto se iniciou em 1851, mas somente atingiu uma forma mais regular e duradoura em 1859 quando passou a ser chamada de Doca do Imperador, posteriormente, Doca do Reduto.” (SOUSA, 2009, p. 32). “A Doca do Reduto recebia as águas pluviais que vinham do antigo Largo da Pólvora (atual Praça da República) por meio de esgotos laterais construídos a partir do calçamento da Estrada do Paul d’Água. A partir dessa obra e do calçamento de várias ruas do Reduto realizados no final do século XIX o problema de saneamento das terras baixas predominantes na área foi sensivelmente reduzido, porém somente na segunda metade do século XX é que o problema das enchentes no bairro foi parcialmente solucionado, como trataremos mais adiante” (SOUSA, 2009, p. 33).
47
Com todas essas modificações ocorrendo na cidade, em finais do século XIX e
início do XX, o bairro do Reduto passou a ocupar uma característica interessante, pois sua
“localização junto aos terminais de transporte fluvio-marítimo favoreceu o surgimento de
unidades fabris na área central ou em áreas próximas a esta, como era o caso do Reduto”
(SOUSA, 2009, p. 67). Com isso, prédios para servirem de fábricas foram construídos e casas
para abrigar a mão-de-obra operária também foram erguidas.
Algumas ruas do Reduto ficaram marcadas até hoje pela presença de imponentes prédios que abrigaram grandes indústrias, como são os casos da Rua 28 de setembro, da Gaspar Viana e da Municipalidade. Esta última, no inicio do século XX tornou-se foco de interesse do então Intendente Antonio Lemos que se referiu em seu relatório como sendo uma “avenida de grande futuro” e que ela estaria “para a commodidade das classes industriaes e operárias” assim como a Avenida Independência estava “para o recreio e a salubridade das classes chamadas liberaes” (...). Era a visão “economicista” da administração urbana voltada para os interesses capitalistas que se afirmavam cada vez mais naqueles tempos de fausto econômico. Ter um setor destinado à atividade industrial implicava na realização de obras de saneamento e urbanização que vinham ao encontro das aspirações cosmopolitas da elite da época. Essas ruas e suas fábricas fizeram do Reduto um bairro de periferia fabril, característica que vai manter até a segunda metade do século XX e que lhe rendeu uma nova classificação: “bairro operário” (SOUSA, 2009, p. 69).
A partir deste ponto é que pretendo desenvolver algumas das minhas hipóteses,
pois com o processo de estigmatização que ligava o Reduto a uma origem operária, este foi,
a partir da década de 1940, período final da pesquisa de Sousa (2009), perdendo terreno no
mercado imobiliário, porque não tinha para onde se expandir, sendo deixado de lado em
detrimento do bairro vizinho, o Umarizal. Mas esse é um tema que merece mais
investigação, histórica e antropológica. Portanto, acredito que muitas das construções
residenciais e industriais foram abandonadas, o que pode se observado fazendo-se uma
rápida visita pelo bairro e verificando-se o nível de deterioração de algumas edificações, e
num momento posterior foram compradas por empresários que almejavam desenvolver
neste bairro um circuito de lazer.
Na pesquisa desenvolvida pela antropóloga Telma Amaral Gonçalves (1989) com
homossexuais na cidade de Belém na década de 1980, a autora não explicita nenhum lugar
dos lugares de interação e sociabilidade entre os LGBTs; a não ser pelo Bar do Parque, na
Praça da República, que surge com “uma frequência bem expressiva de homossexuais de
48
ambos os sexos sendo que, particularmente à noite, quando o movimento aumenta no local,
pode-se observar, além disso, um número razoável de prostitutas e, também, de travestis
que fazem da prostituição o seu meio de vida.” (p. 7-8).
Souza (1997), que desenvolveu uma pesquisa sobre as “tribos urbanas” da
capital paraense, no contexto chamado por ela de “pós-moderno” – essa pesquisa inclui,
ainda, uma observação sobre a dinâmica das drag-queens –, evidenciou no trabalho alguns
lugares do circuito de sociabilidade juvenil em Belém, na década de 1990. Assim, aparecem,
na etnografia, as boates Athenas e Zeppelin Club, conhecidos clubes mix33 da capital naquela
década; assim como a Praça da República, lugar onde ela fez quase todo o campo. Então, ela
ajuda a reconstituir o panorama deste circuito, a saber:
Atualmente, além dos espaços que anteriormente eram comuns às drags, após 1995, se configurou na cidade uma espécie de território circunscrito, que não se restringia apenas a boates gays. Casas noturnas como o Bar La Nuit (Rua Doutor Moraes, 581), o 407 Night Club (Av. Gentil Bittencourt, 407), o Bar Lual (Trav. Rui Barbosa), a Boate Eqquos (Rua 28 de Setembro) são locais que já existiam como guetos homossexuais e, além de shows de drags queens, neles apresentavam-se também transformistas e travestis. Nesse contexto, até o referido momento podia-se dizer que as drags ficavam muito restritas aos guetos homossexuais, frequentados por “iguais” ou “informados”. Outros bares e boates foram inaugurados e abriram suas portas para apresentações de drag queens, como o atualmente extinto Bar Go Fish (Trav. Rui Barbosa entre Av. Brás de Aguiar e Av. Nazaré), a boate Doctor Dance (Rua Boaventura da Silva entre Trav. Quintino Bocaiúva e Av. Visconde de Souza Franco), a Boate Mix (Trav. Almirante Wandenkolk entre Rua Antônio Barreto e Rua Diogo Móia). (SOUZA, 1997, p. 153)
De acordo com o exposto até agora, fica evidente que o bairro do Reduto e
arredores, assim como a Praça da República (na imagem abaixo), configura[ra][m], pelo
menos nos últimos 20 anos, uma grande mancha de lazer e sociabilidade juvenil.
33
Eram clubes que não faziam diferença de público, podendo congregar homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais, assim como as travestis e transexuais, ou seja, congregavam também as sexualidades e gêneros dissidentes. Todas as boates descritas acima não existem mais.
49
Imagem 4: Praça da República Fonte: Google Earth, 2011.
A Praça da República é um logradouro composto por três áreas distintas, localizado no bairro do Centro. Encontra-se limitada pela Av. Presidente Vargas, Av. Assis de Vasconcelos, Travessa Oswaldo Cruz, Av. Nazaré e Rua Gama Abreu. Sua implantação acompanhou a evolução da cidade de Belém. Por volta do século XVII, aparecia como uma grande clareira aberta na mata, distanciada do núcleo urbano, limitada por um cemitério destinado aos escravos e à população de baixa renda. Com o desenvolvimento da cidade, já no século XVIII, ocorreu a transferência de um depósito de pólvora para essa área, o qual ocupava o Largo da Pólvora, que serviu de denominação para a antiga clareira. No século XIX três fatos marcantes podem ser citados na história deste logradouro. Primeiramente, a mudança do depósito bélico para outra localidade distante do núcleo urbano, que a esta época já se estendia até o Largo, o que propiciou a mudança de sua denominação para “Praça Pedro II”. Nesse momento, Vitorino de Souza Cabral realizou diversos melhoramentos na área, como o arruamento e ajardinamento do conjunto. Além, disso, vale citar novamente a construção do Teatro da Paz, inaugurado em 15 de fevereiro de 1878. (...) com a proclamação da República, a praça passou a denominar-se “Praça da República”, como é conhecida atualmente. (SOUZA, 1997, p. 43-45)
Após esse breve histórico, é possível afirmar que esta praça34 possui coretos,
anfiteatro, um pequeno teatro experimental e um amplo gramado que servem de ponto de
34
Ainda, de acordo com Souza (1997, p. 45): “Deve-se aos intendentes Arthur Índio do Brasil, Barão do Marajó, Dr. Silva Rosado e Antônio José de Lemos, as principais reformas e melhoramentos introduzidos no logradouro, como o calçamento das ruas que o delimitam, a instalação de diversos equipamentos decorativos, o assentamento de monumentos e coretos, e principalmente a conformação de seu aspecto paisagístico, havendo a delimitação de passeios e jardins internos, fazendo com que a Praça ganhasse, em fins do século XIX e início do século XX, os contornos e perfis que hoje a caracterizam”. E continua: “Dentre os monumentos
50
encontros e sociabilidade entre jovens e adultos; abriga ainda, o Bar do Parque, reduto da
boemia da capital paraense nas décadas de 1970 e 1980, e o Teatro da Paz, construção que
data de 1878, símbolo do período da borracha.
Durante muitos anos esta praça recebeu a Parada Militar de 7 de Setembro –
que acontece agora na Aldeia Cabana – e por ela ainda passam a Trasladação e a Procissão
do Círio de N. S. de Nazaré35, a Parada do Orgulho LGBT, sem falar da Festa da Chiquita.
Comumente, é o ponto de chegada, nas manhãs de domingo dos meses de junho e outubro,
do cortejo festivo comandado pelo grupo cultural “Arraial do Pavulagem”. Então, por tudo
isso, a praça continua sendo um ponto de encontro e localização na cidade de Belém.
Acerca dessa grande mancha, posso afirmar que corresponde ao que Néstor
Canclini (2008) chamou de “multifocalidade, policentricidade e polissemia” característica das
grandes cidades, que divide as mesmas em várias áreas, centros e sentidos. Portanto, a
praça e o Reduto carregam esses sentidos variados, principalmente para quem usufrui
desses espaços e nele inscreve seus próprios fluxos, criando fronteiras simbólicas e se
mesclando ao hibridismo possibilitado pelas grandes cidades (HANNERZ, 1997). O trecho
abaixo é capaz de mostrar como essa praça no centro da cidade, pode ser considerada como
um lugar de sociabilidade e de significados:
[P. H.] Em 2006, eu comecei a frequentar a Praça da República. Fui levado lá por um amigo. Eu nunca tinha ouvido que as pessoas iam lá pra paquerar e tal, entendeu?! Foi que ele me contou, mas não tinha visto nada e tal. Aí, eu fiquei com ele, a primeira vez e tal. Aí, tem uma parte, lá no anfiteatro, sabe, da praça. Aí, as pessoas ficavam assim [se ajeita na cadeira e posiciona-se como se estivesse flertando+. E eu perguntei: “o que será isso?”. Ficava um olhando pro outro. Aí, foi que eu percebi que as pessoas se conheciam de lá e ficavam. Tu conheces o “sofá da Hebe”? Tu já ouviu falar? [Mílton] Não. [P. H.] Eu tive um ataque de risos... Tem o anfiteatro, subindo, na praça, no canto tem o anfiteatro. Do teu lado esquerdo ou direito, dependendo da posição que tu está, tem um banco, assim, em meia-lua, aí, tem uma passarela no meio e do outro lado também tem. Pois é, um deles é chamado o “sofá da Hebe” <risos>. [Mílton] <risos> Sofá da Hebe?!
presentes na praça, vale ressaltar o da República, cuja pedra fundamental foi assentada em 15 de novembro de 1890, no governo de Justo Leite Chermont, que desejou comemorar um ano de proclamação da república com a instalação do referido monumento, feito pelo escultor genovês Michele Sansebastiano.” 35
A procissão do Círio acontece no segundo domingo de outubro, pela manhã, e faz o sentido inverso à Trasladação. Enquanto que esta “leva” a imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré até a Catedral Metropolitana de Belém (Igreja da Sé), no sentido Nazaré-Cidade Velha, a primeira faz o contrário, retornando com a imagem para a Basílica de Nazaré, sentido Cidade Velha-Nazaré. A Trasladação acontece nas noites do sábado que antecede ao Círio e o próprio Círio acontece aos domingos pela manhã, sempre no segundo domingo do mês de outubro.
51
[P.H.] Quando eu fiquei sabendo disso eu tive uma crise de risos. [Mílton] O lugar de sentar? [P.H.] Eu fiquei me perguntando: “Quem foi o viado que teve essa ideia genial?”. Porque não é possível uma coisa dessa. Aí, tá. Com o tempo eu percebi que todos os lugares tinha apelido. Um coreto é chamado a “casa da Barbie”. Uma passarela meio grande, que dava acesso pra esse “sofá da Hebe” é chamado “passarela do Big Brother”. Um castelinho que tem lá, esse tu deve saber, né?! [Mílton] Na parte mais alta? [P.H.] É um castelinho que fica no canto da Presidente Vargas. [Mílton] Na parte mais alta da praça? [P. H.] Isso, exatamente. É chamado de “Casa dos artistas”. (Trecho da entrevista com P. H., 27 anos, 24/01/2012).
A Praça da República, que ocupa uma posição central na dinâmica cultural-
político-festiva da cidade, pois é ladeada pela principal rua do centro econômico da cidade, a
Avenida Presidente Vargas, ganhou uma nova dimensão com o trecho acima, pois quem a
conhecia somente como um lugar de passagem pelo centro econômico da capital pôde
perceber a partir da entrevista com P. H. que ela está para além desse único referencial.
Compreendendo assim, que este recanto de descanso para alguns, de passagem para outros
pode tornar-se um ponto de encontro e flerte entre sujeitos dissidentes.
2. Trajetória de pesquisa: da boate à academia
Nesta seção proponho descrever as minhas experiências de campo no circuito
GLS de Belém a partir da memória da primeira vez em que estive numa boate, observando
que a memória é sempre algo construído e que, de acordo com Michael Pollak (1989, p. 3), é
“o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os
sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais”.
Portanto, a primeira vez que estive numa boate foi no terceiro domingo de julho
de 2007, eu tinha nessa época 23 anos, e entrava “tarde” no circuito das boates gays, pois a
partir de conversas com amigos/amigas e interlocutores descobri que essa entrada se dava
muito mais cedo, por volta dos 16 anos. E como Pollak (1989) chama atenção, eu estava
começando a me sentir parte da comunidade LGBT e a partir desse momento começava a
acessar a memória coletiva de grupo de pertencimento.
Para exemplificar esse acesso a uma memória, o que mais me recordo nesta
primeira ida não é das pessoas com quem conversei ou que conheci, é óbvio que fui com
52
amig@s de quem gosto e conversei com pessoas com as quais mantenho contato, mas o
símbolo daquela experiência encontra-se explicitado no símbolo máximo da comunidade
LGBT: a bandeira do arco-íris36.
A antropóloga Isadora Lins França (2007a, p. 299) chama atenção para o
compartilhamento simbólico mantido entre militância e mercado, justamente no que diz
respeito ao uso da bandeira:
Além das mudanças estruturais em relação ao mercado GLS, há também uma transformação considerável na forma como ele se constitui e se apresenta: os espaços de consumo e sociabilidade passam a incorporar, em certa medida, elementos do discurso ativista do orgulho e da visibilidade, explicitando o seu direcionamento a um público de orientação sexual determinada e compartilhando alguns símbolos com o movimento GLBT, como é o caso da bandeira do arco-íris, que passa a ser comum em lugares GLS e em muitas atividades do movimento.
Em vista do exposto acima, observei que a maioria dos lugares ostentava uma
bandeira ou as cores do arco-íris para identificar o lugar como espaço GLS37. Após esse
primeiro contato, passei a frequentar as boates GLS com maior intensidade, até porque já
havia perdido o medo de ser “descoberto”, pois nessa primeira ocasião estive na companhia
de uma prima. Naquela época, em 2007, as boates e bares que mais “bombavam38” eram: a
Lux Club e o Fetiche, no bairro do Reduto; o bar da Ângela, no Guamá; o bar Veneza, na
Cremação; a Vênus, na Marambaia; e a Rainbow, na Rod. Augusto Montenegro. Este último
foi o lugar do meu rito de passagem.
Dos bares e boates descritos acima, com exceção do Fetiche, que depois de um
tempo mudou de nome passando a chamar-se “Paparazzo” – e que durante o período de
campo estivera aberto, mas logo depois encerrou as atividades –, todos os outros continuam
36
Na verdade existe uma diferença entre a bandeira do arco-íris, que muit@s insistem em relacionar ao movimento LGBT, e a bandeira da diversidade (essa uma variação do arco-íris). Enquanto a primeira possui 7 cores (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e roxo), a segunda possui 6 cores (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e roxo). No entanto, o arco-íris permanece como símbolo do Movimento LGBT no Brasil e no Mundo, tendo sido criado para a Parada Gay da Liberdade de São Francisco, em 1978 (cf. Manual de Comunicação LGBT, 2009). 37
França (2007b, p. 238) diz: “Com a popularização da sigla GLS, a distinção entre um estabelecimento gay e “GLS”, se é que um dia foi tão efetiva quanto gostariam os autores da sigla, perdeu-se bastante, e hoje é muito comum a utilização das duas denominações como sinônimos. Mesmo espaços nitidamente segmentados, como saunas gays, podem ser definidas como GLS, indicando que o termo passou a ter significados não previstos originalmente e mesmo em oposição aos quais haviam surgido”. 38
Termo usual no meio GLS que designa um lugar com muita gente e que, provavelmente, possibilite encontros afetivo-sexuais.
53
abertos. No período compreendido entre 2007 e 2010, ainda abriram-se outros: o Malícia
(que já foi Pub, Gold e agora é Hot), o Amnésia Pub (que depois transformou-se no bar
lésbico Moulin Rouge), a Sputinik (que hoje dá lugar a R4 Point), a Hache; além de outras que
encerraram atividades sem que eu conhecesse.
Tendo em vista a dificuldade em determinar o que é bar e o que é boate, recorro
às definições “perigosas39” expostas por Carlos Henning (2008), na etnografia dos bares e
boates em Florianópolis, para assim classificar os lugares de sociabilidade homoerótica em
Belém, pois onde aparece o artigo “a” antes dos lugares objetivo que se leia como “boate” e
quando aparece o artigo “o” tenciono que se leia “bar”:
Bar: quando não há pista de dança e a interação não permanece centrada na dança. Haveria uma tendência das pessoas permanecerem mais sentadas, no consumo de bebidas e conversas entre os presentes. As pessoas viriam mais para conversar, beber e encontrar outras pessoas do que propriamente para dançar. Geralmente os bares têm espaço físico mais reduzido que as boates.
Boate: quando há pista de dança a interação social está centrada nas relações que se estabelecem na pista (danças, conversas, exposição, flertes, etc.). As pessoas também viriam para conversar, beber, encontrar alguém, mas a presença e importância da pista de dança – e o dançar em si - seria muito relevante (HENNING, 2008, p. 46).
Então, hoje, contabilizo na cidade de Belém 6 boates (Malícia, Lux, Hache,
Rainbow, Vênus e R4 Point), 2 bares (Bar da Ângela e Veneza), 4 saunas (Calypso, Paradise,
Reduto e Thermas 21) e 1 cinema (Cine Ópera), sendo que ainda existem outros pontos de
sociabilidade homoerótica, como: o Sex Shop “Comprinhas Quentes” com cabines individuais
de projeção e locação de vídeos pornôs, localizado no Telégrafo; os banheiros dos shopping
centers e das grandes lojas de departamentos, localizadas nos mais diferentes bairros da
cidade; a Doca; e a não menos observável Praça da República, tradicional ponto de
sociabilidade homoerótica, prostituição e michetagem, localizada no centro da cidade, como
descrito acima.
3. De bares, boates, saunas e cinema: Belém e o circuito GLS
39
Digo perigosas porque Henning (2008) afirma que existia um descompasso nas considerações dos proprietários sobre os lugares, se eram bares ou boates, em contrapartida dos frequentadores dos mesmos.
54
Como dito acima, a cidade de Belém comporta inúmeros lugares de sociabilidade
LGBT onde os indivíduos podem compartilhar os códigos do gueto, como o bajubá40, por
exemplo, além de participar do fervo41. Entretanto, é mister fazerem-se as ressalvas quando
ao estabelecimento de gueto gay no Brasil, pois diferente do que aconteceu nos EUA, aqui
não se estabeleceu o que os últimos escritos e entrevistas de Foucault (2009 e 2010)
evocam, quando este percebe a importância da amizade para a configuração de uma
comunidade exclusivamente formada com base na sexualidade. Numa entrevista dada a
uma publicação francesa, Foucault (2009), impressionado com a organização social dos gays
na Califórnia, nos Estados Unidos, afirma que este é
Um modo de vida [que] pode ser partilhado por indivíduos de idade, estatuto e atividade sociais diferentes. Pode dar lugar a relações intensas que não se pareçam com nenhuma daquelas que são institucionalizadas e me parece que um modo de vida pode dar lugar a uma cultura e a uma ética. Acredito que ser gay não seja se identificar aos traços psicológicos e às máscaras visíveis do homossexual, mas buscar definir e desenvolver um modo de vida. (FOUCAULT, 2009, p. 2-3)
Richard Miskolci (2009), no texto onde faz uma relação entre a vida de Michel
Foucault e Oscar Wilde, a partir da estética da existência42, afirma que
Os bairros gays norte-americanos não haviam resultado de um projeto nem tiveram em sua origem a inspiração em modelos pré-existentes ou intelectualizados. Estes espaços de resistência cultural surgiram de práticas fundadas na experiência conjunta do amor por pessoas do mesmo sexo. Eles abriram seu lugar nas cidades em um processo social e político de adensamento em torno da vizinhança, constituição de novas sociabilidades e estilos de vida. O contato e a vivência deste experimento norte-americano levou Foucault a refletir sobre a homossexualidade como uma forma criativa de aceder a um estilo de vida que seria uma reação à psicologização de si mesmo (MISKOLCI, 2009, p. 12).
40
Ver Silva Filho (2010). 41
Categoria êmica que se refere à festa, festejo, mas ao se esgarçar o termo podemos ligá-lo, também, à bagaceira. 42
“A estética da existência consistiria na elaboração de uma relação não-normativa consigo mesmo, a formação de si mesmo como decisão ético-estética. É uma atitude política fundada na resistência às formas impostas de subjetividade, o que Foucault prefigurou na forma como a vida comunitária gay reabilitara a amizade de forma a não a dissociar do sexo. Desde a Antiguidade, a amizade tendia a ser compreendida como uma relação que excluía a sexualidade, mas foi no Cristianismo que sua ‘ambiguidade’ foi resolvida por Santo Agostinho, o qual substituiu a philia pela ágape, ou seja, a amizade pelo amor ao próximo fundado na cáritas cristã. A política da amizade proposta por Foucault não reverte apenas esta ‘dessexualização’. Sua proposta de uma ascese e uma forma de vida gay fundadas na amizade tem como objetivo a constitução de uma comunidade em bases não-identitárias” (MISKOLCI, 2009, p. 15).
55
Enquanto nos EUA desenvolveram-se “gays ghettos”, nos moldes da escola
sociológica de Chicago, tendo Robert Park (1987) como o grande expoente, no Brasil isso
mostrou impossível, uma vez que não foram desenvolvidos os quatros principais critérios
para a configuração do gueto, em seu sentido stricto: concentração institucional,
concentração por “área de cultura”, isolamento social e concentração residencial
(PERLONGHER, 1987, p. 53; FRANÇA, 2006, p. 32).
Portanto, nem as grandes metrópoles brasileiras, como São Paulo,
desenvolveram os ditos guetos gays43, no entanto, construíram-se grandes manchas de
sociabilidade e lazer mediadas pelo mercado44, de prostuição de michês45 e travestis46, de
sociabilidade entre mulheres47 e de clubes de sexo masculinos48 na capital paulistana. No Rio
de Janeiro, Guimarães (2004) esboça o pequeno circuito estabelecido entre os entendidos
pela orla de Copacabana. E, em Santa Catarina, Henning (2008) recompõe parte da mancha
de lazer GLS na ilha de Florianópolis.
Esses espaços, no contexto da segmentação de mercado49, começam a se
consolidar nos anos 1990, no Brasil, mas especialmente em São Paulo, pois de acordo com
França (2007b)
Desde meados da década de 1990, o que se conhecia como o “gueto” homossexual começa a se transformar num mercado mais sólido, expandindo-se de uma base territorial mais ou menos definida para uma pluralidade de iniciativas, que não deixam de comportar um circuito de casas noturnas, mas que também envolve, hoje, o estabelecimento de uma mídia segmentada, festivais de cinema, agências de turismo, livrarias, canais de TV a cabo, inúmeros sites, lojas de roupas, entre outros. Tal expansão vem acompanhada da proliferação de diversas categorias pautadas por estilos de vida – como as barbies
50, ursos
51 e coroas
52 – e de uma crescente
43
Embora Julio Simões e Isadora França (2005, p. 309-310) considerem como “gueto homossexual”: “espaços urbanos públicos ou comerciais – parques, praça, calçadas, quarteirões, estacionamentos, bares, restaurantes, casas noturnas, saunas –, onde as pessoas que compartilham uma vivência homossexual podem se encontrar”. 44
Ver Simões e França (2005) e França (2006, 2007a, 2007b, 2010). 45
Ver Perlongher (1987 e 2005). 46
Pelúcio (2007). 47
Facchini (2008). 48
Braz (2010). 49
França (2006). 50
“Homens de aparência viril, que exibem um corpo musculoso e trabalhado fisicamente” (nota 6, p. 233). 51
“Homens que se identificam com códigos de masculinidade e valorizam atributos como a gordura e os pêlos, em contraposição às barbies” (nota 7, p. 233). 52
“Homens mais velhos, que também se identificam como maduros e frequentam espaços destinados a esse público, assim como sites de encontros e festas em que são valorizados no mercado afetivo-sexual” (nota 8, p.
56
segmentação de espaços de consumo destinados a cada uma delas. A segmentação de espaços destinados ao público homossexual acontece simultaneamente a um processo de multiplicação de identidades no interior do movimento GLBT: além das grandes categorias de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais assumidas pelo movimento homossexual, emergem também subgrupos, incentivados pela proliferação de fóruns e listas de discussão na internet e pertencentes principalmente ao segmento dos gays (grupos de advogados gays, judeus gays, adolescentes gays, surdos gays, etc.) (p. 232). É nesse contexto que surge a categoria GLS. Se a ideia norte-americana de friendly refere-se a espaços frequentados predominantemente por heterossexuais, nos quais homossexuais são bem vindos, a ideia brasileira de GLS segue o caminho inverso: o S da sigla indica “simpatizante”, tendo como ponto de partida espaços frequentados majoritariamente por homossexuais e revelando uma intenção de expandir as fronteiras do “gueto”, quando propõe abarcar também consumidores que não se identificam como homossexuais, mas que de alguma forma participam desse universo (p. 235).
E Belém seguiu os padrões estabelecidos nas outras capitais brasileiras, onde não
existem bairros exclusivamente gays, sendo estes integrados à manchas maiores de lazer e
sociabilidade, e o mercado não se segmentou a tal ponto, sendo comum encontrarmos no
mesmo ambiente: ursos, barbies, coroas, pintosas, travestis, andróginos, lésbicas e “sem
rótulos”. E o circuito GLS está presente dentro da mancha de sociabilidade que existe,
principalmente, nos bairros do Reduto e Umarizal atualmente. Assim, com exceção das
boates Vênus e Rainbow e do bar da Ângela – os dois primeiros localizados na saída de
Belém, nos bairros da Marambaia e Nova Marambaia e o último no bairro do Guamá – as
boates tendem a ser manter nos arredores de outros circuitos festivos possibilitando um
contato de várias pessoas e segmentos (sexuais, sociais, econômicos). Por exemplo, a boate
Lux está, atualmente, próxima a uma das esquinas mais movimentas nos finais de semana,
as da Av. Senador Lemos com a Almirante Wandenkolk; sendo que das quatros esquinas,
três são ocupadas por estabelecimentos de lazer.
França (2007b), ao falar do mercado segmentado paulistano e do salto no
número de estabelecimentos direcionados à LGBTs, expõe um receio, haja vista
A identificação dos espaços de consumo ligados ao público homossexual como GLS sem dúvida impulsionou a expansão desse mercado e possibilitou sua visibilidade para além do “gueto”. Esse processo caminhou junto com a incorporação gradativa da categoria GLS ao cenário de lazer noturno da cidade e GLS passou a ser indicador não mais de uma atitude “moderna”, perdendo os ares de contestação e novidade que a ela se agregaram logo que surgiu e passando a denominar qualquer
233)
57
casa noturna ou iniciativa do mercado dirigida a homossexuais. É importante notar que esse novo mercado GLS também absorveu os antigos espaços de sociabilidade homossexual de forma diferenciada. O seu desenvolvimento é atravessado por relações de poder que empurram “mais gordos”, “mais velhos”, pobres, negros, travestis, michês e “efeminados/masculinizadas” para os espaços marcados por um menor prestígio social e menos integração a circuitos globais. Seu caráter excludente surge com força quando olhamos para as pessoas nas pontas mais marginalizadas socialmente, às quais não é permitido exercer sequer o papel de consumidoras (p. 237).
Durante o campo, pude perceber que os usos e as utilidades que se dão aos
espaços de sociabilidade dependem da maneira como cada indivíduo constrói sua
subjetividade, constrói uma identidade que o levará a frequentar determinado lugar. Por
exemplo, um bar voltado para uma clientela lésbica pode ser um lugar a ser evitado por
gays. O contrário também é verdadeiro. Ouvi algumas menções a isso, como o fato de alguns
gays declararem não gostar do bar Veneza, por exemplo, por ser freqüentado quase que
exclusivamente por mulheres lésbicas e por tocar determinado tipo de música, mais lenta
que as batidas eletrônicas, em geral MPB. Ou na evitação de algumas lésbicas às boates, por
ter um número elevado de homens e um som que impediria uma conversa mais prolongada.
É nesse momento que a sociabilidade aparece como
(...) um dos conceitos que permitem aprofundar a compreensão do modo como se organiza a sociedade através de uma associação básica (...) um tipo ideal entendido como o “social puro”, forma lúdica arquetípica de toda a socialização humana, sem quaisquer propósitos, interesses ou objetivos que a interação em si mesma, vivida em espécies de jogos, nos quais uma das regras implícitas seria atuar como se todos fossem iguais (FRÚGOLI JUNIOR, 2007, p. 9).
E a sociabilidade entre LGBTs no interior do circuito GLS de Belém adquire em
alguns momentos um ar de déja vu por existirem poucos espaços disponíveis para o lazer
sem coerções, conforme demonstrei em capítulo anterior. Durante o campo que realizei em
todas as boates e bares reconhecidamente GLS, era comum o sentimento de que as pessoas
iam sempre para os mesmos lugares. E muitas vezes fui reconhecido pelos/as
frequentadores/as e alguns funcionários/as, por fazer-me presente em quase todos os finais
de semana53.
53
A expressão mais comum nesse tipo de situação é: “Tu já tens a carteirinha daqui, né?”.
58
Entre os anos de 2010 e 2011, desenvolvi o campo sem qualquer tipo de relação
com os proprietários e gerentes dos lugares pesquisados, sendo que era possível usufruir
dos lugares tanto quanto qualquer cliente, apenas mantendo contatos dentro dos bares e
boates com poucos funcionários, com a finalidade de entender algumas práticas e hábitos de
consumo. Outra forma de obter pistas e poder entender o que acontecia nestes ambientes
era por meio das conversas54, seja com amigos/as, conhecidos/as de amigos/as e
interlocutoras/es. Quase sempre, a partir dessas redes, conseguia-se saber os lugares mais
frequentados, os lugares que estavam “bombando55”, os lugares “uó56”, quai os lugares que
as “bichas finas57” freqüentavam e para onde iam as “pererecas58”, além de saber quem
eram as cantoras/es que estavam em evidência nas pistas de dança. E, de acordo com os
quadros abaixo, exponho os lugares onde pessoas homo-orientadas costumam se encontrar
e se (re)conhecer, a começar pelas boates:
BOATE DIAS DE
FUNCIONAMENTO
PÚBLICO PREDOMINANTE
SHOW
MALÍCIA HOT SEXTA E SÁBADO GAYS E LÉSBICAS NÃO
LUX DANCE PUB SEXTA E SÁBADO GAYS, TRAVESTIS,
TRANSEXUAIS, DRAG QUEENS E LÉSBICAS
SIM
R4 POINT QUINTA, SEXTA E
SÁBADO
GAYS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS, DRAG QUEENS E LÉSBICAS
SIM
RAINBOW CLUB DOMINGO GAYS, TRAVESTIS,
TRANSEXUAIS, DRAG QUEENS E LÉSBICAS
SIM
BOATE VÊNUS QUARTA, SEXTA, GAYS E LÉSBICAS NÃO
54
Frúgoli Junior (2007) assim descreve esse procedimento metodológico: “Uma distinção significativa na obra de Simmel, entre forma e conteúdo, clarifica-se noutra modalidade básica de sociabilidade, a conversação (principalmente a despida de fins práticos), cujo conteúdo não é o propósito (embora a conversa não deva ser desinteressante), mas o meio pelo qual o vínculo social se mantém enquanto forma (independente, portanto, das mudanças fáceis e rápidas de assunto). Assim, através das trocas de palavras, os participantes zelam pela relação em curso, por meio de regras de amabilidade e etiqueta voltadas à circunscrição de qualquer exacerbação das individualidades” (p. 10). 55
Categoria êmica para explicar os lugares mais divertidos, animados, agitados, com maior possibilidade de arranjar um encontro amoroso e/ou sexual, os que tocam as músicas mais recentes e que estão fazendo sucesso, etc. 56
Termo êmico, do bajubá, sinônimo de “algo ruim”, “mau”, “podre”, etc. 57
Termo êmico, do bajubá, que qualifica um homossexual de acordo com atributos positivos, sejam eles de raça, classe, performance de gênero, atividade sexual, escolaridade, etc. 58
Termo êmico, do bajubá, que desqualifica um homossexual, de acordo com atributos negativos, sejam eles de raça, classe, performance de gênero, atividade sexual, escolaridade, etc.
59
SÁBADO E DOMINGO
HACHE CLUB SEXTA E SÁBADO GAYS E LÉSBICAS NÃO Quadro 1: Boates. Fonte: Pesquisa de Campo, 2010 e 2011.
A frequência de pessoas hetero-orientadas é visível em quase todo o circuito
GLS, sendo que a grande maioria é composta por mulheres, as fag hags59, acompanhando
seus amigos gays, num fenômeno curioso que poderia ser tema de pesquisa, pois muitas
dessas mulheres acabam “ficando” com gays e lésbicas, após algumas doses extras de
bebidas alcoólicas, como presenciei algumas vezes.
A presença ou não de show, geralmente de drag queens, algumas vezes de go go
boys e pouquíssimas vezes de go go girls, define a lotação da casa. Por exemplo, em dia de
finais de concursos, no estilo concurso de miss ou de beleza, boates como a Lux, Rainbow e
R4 Point e Vênus costumam cobrar mais caro e a lotação chega à beira do insuportável,
tamanha a quantidade de pessoas que vão torcer para @s candidat@s. Sendo que, a boate
Lux é a referência na prática desses concursos (herdeira da antiga Go!), mantendo no seu
calendário anual alguns bastantes disputados, como: o Beleza Negra, o Top Blond, o Miss
Pará Gay.
Em contraposição, os bares, como não possuem pista de dança, são geralmente
compostos por amplos salões com mesas e cadeiras, no entanto, dos dois bares do quadro
abaixo, somente o Veneza mantém shows ao vivo de cantores paraenses, variando no estilo
conforme o dia da semana, tocando de pagode a axé, passando por MPB e sertanejo.
Enquanto, que no Bar da Ângela o som é operado por uma DJ, que dificilmente toca drag
music60, dando preferência para ritmos locais como tecnobrega e tecnomelody, mas
mesclando com axé, samba, pagode e sertanejo.
Um dado interessante de pesquisa é que a frequência de mulheres lésbicas nas
boates é pequena se comparada ao número delas nos bares. Nestes lugares, estão quase
sempre acompanhadas de suas parceiras e quase nunca são vistas sozinhas. As conversas
informais que tive com algumas mulheres lésbicas apontam uma rejeição à batida
59
“Mulheres (que geralmente não se consideravam lésbicas) com laços fortes de amizade com homens gays”. Henning (2008, p. 79) dedica algumas páginas a microgenealogia desta categoria e a relação destas no circuito de Florianópolis. 60
Música eletrônica dançante, que possibilite o chamado “bate-cabelo”, ou seja, uma performance de dança que envolve movimentos corporais enérgicos e frenéticos.
60
eletrônica, tendência nas casas noturnas, preferindo um som com “mais letra”, ou seja, a
preferência por bares é explicada pelo fato delas preferirem escutar MPB, samba ou rock
nacional cantado por cantoras, de preferência ao vivo.
BAR DIAS DE
FUNCIONAMENTO
PÚBLICO PREDOMINANTE
MÚSICA AO VIVO
VENEZA
TERÇA, QUARTA, QUINTA, SEXTA,
SÁBADO E DOMINGOO
LÉSBICAS E GAYS SIM
REFÚGIO DOS ANJOS
BAR EXTERNO: TODOS OS DIAS BAR INTERNO:
SÁBADO E DOMINGO
LÉSBICAS E GAYS NÃO
Quadro 2: Bares. Fonte: Pesquisa de Campo, 2010 e 2011.
Durante a pesquisa, não frequentei as saunas, portanto elas não se encontram
na descrição dos lugares que faço na sessão seguinte. Porém, cheguei a visitar uma sex shop
anexo a uma delas, no qual conheci, além do salão com os mais variados brinquedinhos
eróticos, a videolocadora com filmes pornôs de todos os gêneros. Esta videolocadora
mantém ainda pequenas cabines que podem ser alugadas para encontros sexuais fortuitos.
Nas entrevistas, pude entender um pouco da dinâmica do lugar, assim como das
conversas que tive com amigos que as frequentam, e uma característica marcante nas
saunas de Belém, principalmente as que fazem parte do circuito GLS, é a inexistência de
mulheres (lésbicas, transexuais ou travestis) nos espaços de convivência interno, exceto pela
presença das funcionárias, que mesmo assim, são direcionadas apenas para a recepção.
Então, a presença masculina, como todas as suas variações, é percebida a partir da
circulação do contingente de homens gays e homens que fazem sexo com homens61 entre as
cabines, chuveiros, salas de vapor e bar. Dessa forma, as saunas abaixo compõem também
este circuito de sociabilidade:
61
“Homens que fazem sexo com homens” ou HSH é um termo utilizado pelo Ministério da Saúde, dentro da política de prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis e ao HIV-AIDS (ISTs/HIV-AIDS), para caracterizar homens que não se consideram gays mas que mantêm práticas homoeróticas.
61
SAUNA DIAS DE
FUNCIONAMENTO
PÚBLICO PREDOMINANTE
POSSÊIDON TODOS OS DIAS GAYS E HSH
PARADISE TODOS OS DIAS GAYS E HSH
REDUTO TODOS OS DIAS GAYS E HSH
THERMAS 21 TODOS OS DIAS GAYS E HSH Quadro 3: Saunas. Fonte: Pesquisa de Campo, 2010 e 2011.
Com uma configuração distinta as saunas, temos em Belém um único “cinema de
pegação” em que os contatos homocorporais são permitidos, pois é também o único cinema
com exibição de filmes pornôs HT62 da cidade (quadro abaixo). É localizado na Av. Nazaré,
em frente ao Centro Arquitetônico de Nazaré. O CAN, como é mais conhecido, é uma praça
em frente à Basílica de Nazaré, de onde parte o Círio de Nazaré. Há alguns anos era
avizinhado de outras duas salas de cinema, mas ambas acabaram fechando.
CINEMA DIAS DE
FUNCIONAMENTO
PÚBLICO PREDOMINANTE
ÓPERA TODOS OS DIAS GAYS, HSH e TRAVESTIS Quadro 4: Cinema. Fonte: Pesquisa de Campo, 2010 e 2011.
O público deste lugar é composto basicamente por gays, HSH e travestis.
Durante as minhas conversas, quase sempre escutava uma menção ao Ópera, como lugar
propício ao contato sexual, pois a demanda erótico-sexual é facilitada pelo clima à meia-luz
do cinema, sendo referendado como um lugar propício à transa ocasional, pois já foi mais
famoso e vistoso na paisagem da cidade, mas que agora é retratado como um lugar de
decadência.
4. Descrição dos bares e boates 4.1. Malícia Hot
62
De heterossexual e refere-se à classificação da indústria de entretenimento adulta, na qual os filmes são classificados de várias maneiras, mas que para esse momento não é importante explicitar.
62
a) mapa e localização
Imagem 5: Boates Lux e Malícia. Fonte: Google Mapas, 2011.
A boate Malícia Hot fica localizada na Rua Rui Barbosa, entre as Ruas Senador
Manoel Barata e 28 de Setembro. A maneira mais comum de se chegar nela, para quem não
possui carro próprio, é descer do ônibus na Avenida Visconde de Souza Franco, a Doca, em
frente à sede do SESC, que fica na esquina Manoel Barata, e descer duas ruas até a Rui
Barbosa. Eventualmente, durante o campo, fazia esse trajeto, a não ser quando ia de táxi
com amigos.
b) funcionamento
Na sexta e sábado, a partir das 22h até amanhecer. Excepcionalmente, pode
ocorrer um evento na quarta-feira. Mas, geralmente, são as noites de sexta e sábado os dias
de maior fluxo, sendo as noites de sábado o horário em que a boate está mais cheia, onde é
quase impossível trafegar sem esbarrar em alguém. Durante o período de campo foi mais
frequente a minha presença nas noites de sábado. O preço da entrada varia de r$ 20, a r$
40,.
63
c) descrição do ambiente
A fachada da boate mudou desde o início da pesquisa, em 2010, quando ainda
era possível diferenciar o antigo bar Stand By, contíguo à boate, da fachada do Malícia – que
tinha o nome de Malícia Pub, depois mudou para Malícia Gold e agora se chama Malícia Hot
– mas que mantinha uma separação interna estrutural. Após uma reforma, o bar – de dois
pavimentos, onde funcionavam bilhares – foi anexado à boate e formou-se uma única
fachada. A fachada não diferencia muito das fachadas das outras casas do bairro, a não ser
pela intensa circulação de pessoas, nos finais de semana, por um discreto número de
seguranças à porta, e uma bilheteria aberta para rua. E também pela placa anunciando que
ali é uma boate.
Ao entrar é possível ver, do lado esquerdo, um bar com dois ou três atendentes,
que fazem o preenchimento da comanda, que não inclui o preço da entrada, dependendo do
dia e da atração. Nesta comanda serão anotados os gastos no interior da boate, seja com
bebida e/ou lanches. Do lado direito é possível avistar, por outro ângulo, a bilheteria, que se
reserva agora a fazer o papel inverso: o de cobrar a comanda e liberar o passe para saída da
boate. Essa primeira parte é separada dos ambientes internos por uma porta de vidro e
alguns degraus, sendo a porta manuseada por um segurança.
Após a passagem da porta de vidro, é possível visualizar o primeiro ambiente da
casa, com um bar à esquerda e uma pequena pista de dança, separada por alguns degraus e
paredes abertas, dando um clima de uma casa em construção – parecido com a arquitetura
d’A Lôca, em São Paulo63 –, porém as paredes são pintadas e não deixadas no reboco como
na boate paulistana. Esse primeiro ambiente possui três pequenas pistas, sendo uma do lado
direito, acessada por dois degraus abaixo, e uma em frente, que possui a escada que leva
aos ambientes superiores e um pequeno palco que serve de sofá para os mais cansados ou
para os casais.
O segundo ambiente do piso térreo é acessado à direita do primeiro,
ultrapassando-se apenas uma porta. Lá a música, invariavelmente, é outra. Após a entrada, é
possível ver que o ambiente mudou, não por conta apenas da música, mas porque é um
ambiente mais escuro que o primeiro. À direita da entrada fica uma pista de dança e à
63
Entre os meses de agosto e setembro de 2011 fui à São Paulo e conheci um pouco do circuito GLS da cidade. Conheci as boates A Lôca e Blue Space, assim como o shopping Frei Caneca, o bar d’A Lôca e alguns outros pontos da região da Paulista.
64
esquerda um bar e um corredor. Este corredor também liga os dois ambientes, por meio de
outro corredor, e dá acesso a uma pequena sala em frente a um dos banheiros da casa. Um
outro banheiro é localizado atrás da pista que contém a escada e o corredor que dá acesso a
ele também da acesso a um jardim de inverno, que dá acesso ao dark room.
No pavimento superior, assim que se saia das escadas, é possível visualizar o
lounge da boate. Uma televisão passa videoclipes durante as horas de funcionamento da
boate. Neste lounge existe um grande sofá e alguns puffs onde é possível descansar e/ou
namorar tranquilamente, pois é um ambiente, geralmente com poucas pessoas e tem um ar
mais intimista propiciado pela iluminação. À esquerda do lounge existe um bar que vende
bebidas e lanches. E mais à esquerda do bar, a área aberta do bar. Neste local é possível
fumar, o que é proibido no resto da boate, e conversar mais à vontade, além de poder se
alimentar. Durante o campo, esse lugar servia para repassar as anotações do diário e/ou
conversar com os amigos sobre as impressões da noite.
d) público e hábitos de consumo
O público no Malícia é definido como o das “bichas-finas64”, onde é possível ver
uma quantidade grande de pessoas com nível universitário em formação ou concluído.
Durante o campo, em todas as vezes que estive na boate, reconheci pessoas ou grupos de
pessoas que encontrava na universidade durante a semana. Assim, como há uma grande
preocupação com a aparência, evidenciadas nos usos que fazem das marcas e grifes
consideradas “finas”, como Calvin Klein, Colcci, Fórum e outras. A percepção desses
produtos se faz pela visualização dos logotipos presentes nas cuecas à mostra ou
estampados nas camisetas e calças ou pelo uso de perfumes considerados caros. Onde o
uniforme para os meninos é calça jeans, camiseta/camisa e sapato e para as meninas vestido
ou jeans e camisa, todos em consonância com as últimas coleções das passarelas de moda.
Com relação ao consumo de bebidas é mais frequente neste espaço o uso do ice65 em
detrimento à cerveja, não que esta última seja descartada, até porque a casa proporciona
64
Categoria êmica encontrada pelo pesquisador e amigo de campo Ramon Reis (2010), que desenvolvia uma pesquisa comparando os tipos de contatos homoeróticos masculinos, com perspectiva ou não de namoro, interação erótico-sexual e amizade, que se desenvolviam nas boates Lux e Malícia. 65
Bebida alcoólica composta de uma fração pequena de vodka ou cachaça misturada a suco artificial e gasificado.
65
uma variedade de drinques, mas porque, como foi dito numa conversa, é “símbolo da
riqueza”.
A música apresentada nos ambientes é sempre eletrônica, sendo compostas por
sucessos atuais e remixes de música antigas, como é o caso da música Wannabe, sucesso na
década de 1990, da banda Spice Girls. É comum, conforme conversa com produtor e DJ de
boates GLS de Belém, os DJs residentes e convidados acessarem sites especializados em
música eletrônica, como o Ômega Hitz, para estarem atualizados sobre as músicas mais
tocadas nas boates do eixo sul-sudeste. Durante a pesquisa, utilizei principalmente o Twitter
para me manter conectado a algumas redes de DJs do sul-sudeste, como Katylene e Las
Bibas From Vizcaya, a fim de identificar depois em campo os hits da temporada. Esse foi o
caso do sucesso “Eu sou rica66”, que rendia gritos exagerados dos ouvintes nas pistas das
boates que frequentei durante o campo.
Nesta boate era pouco frequente o trânsito de travestis, transexuais e
andróginos67 no interior e arredores da casa. Até o trânsito de mulheres era pouco, tendo
crescido nos últimos meses, mas sempre acompanhadas de grupo misto de amigos.
4.2. Lux Dance Pub a) mapa e localização
66
Essa era uma frase da personagem Norma, vivida pela atriz global Carolina Ferraz, na novela “Beleza pura”. A personagem era rica e mau caráter e proferiu a frase num momento em que estava sendo acusada de vários crimes e que poderia vir a ser presa. A frase inteira é: “Sabe por que eu não vou acabar presa? Porque eu sou rica, eu sou rica!”. 67
É o modo como alguns garotos estão sendo chamados. Eles se vestem com roupas femininas e as misturam com peças masculinas, mas não se reconhecem como travestis. Talvez desconheçam a categoria cross-dresser. Durante o campo, era muito frequente encontrá-los nas muretas da Doca, conversando com amig@s. Depois desse aquecimento, era costumeiro encontrá-los na Lux.
66
Imagem 6: Boates Lux e Malícia. Fonte: Google Mapas, 2011.
Quando comecei a fazer a pesquisa, a Lux ficava na Rua Rui Barbosa, quase de
esquina com a Rua Municipalidade. Em 16 de janeiro de 2011, encerrou suas atividades
neste local e mudou-se para o atual endereço: Avenida Senador Lemos, próximo a Avenida
Almirante Wandenkolk. Nessa localização a boate se encontra num dos cruzamentos mais
movimentados nos finais de semana, pois em três das quatro esquinas, estão localizados
bares, boates e restaurantes movimentados, como, por exemplo o bar Trânsito, o
restaurante Roxy e a boate Woodhouse.
A mudança para esse ponto deu uma nova dinâmica para os frequentadores,
pois no antigo lugar era comum a presença de menores de idade, praticamente, a noite toda
em frente à casa, pois o lugar era “mais escondido”, estando num local menos
movimentado. Agora, com a nova localização, é pouco frequente a permanência dos
mesmos em frente à boate, por ter um fluxo maior de carros, ônibus e pessoas, o que pode
ocasionar uma “descoberta” deste freqüentador, que só tem duas opções: ou entram – com
identidades falsas –, para manterem seguras suas identidades, ou passam rápido, não mais
permanecendo nas imediações da casa.
b) funcionamento
67
Durante o campo, a casa funcionava às sextas e sábados e, excepcionalmente, às
quartas, das 21h até o amanhecer. As sextas-feiras são os dias mais movimentados, pois, no
início da pesquisa, havia nesse dia uma temática particular, que barateava os custos da
entrada e fazia promoção de bebidas, ela ficou conhecida como “Sexta Bagaço”. Nesses dias
o preço da entrada eram r$ 5,. E os dois ambientes da boate eram tomados por músicas
menos consideradas por alguns DJs residentes, mas que faziam sucesso com o público, como
o tecnobrega, forró, pagode e outros gêneros musicais considerados de péssima qualidade.
Então, quando a boate mudou de lugar a festa temática às sextas-feiras acabou, porém
mantiveram os preços baixos e promoções de bebidas.
c) descrição do ambiente
A antiga boate possuía uma fachada na cor preta, com uma placa no alto onde se
podia visualizar o nome da boate em letras pretas sobre a bandeira da diversidade sexual,
símbolo do movimento LGBT, conforme foto abaixo. A nova boate possui uma fachada
semelhante, mas contém uma pérgula que, eventualmente, protege os frequentadores das
chuvas.
Foto 1: Fachada da Boate Lux. Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.
68
A antiga boate possuía 3 ambientes de pistas, um dark room, além dos banheiros
e do bar. A entrada que dava para a rua possuía uma bilheteria à direita e a entrada, que era
um curto corredor, à esquerda. Assim que se entrava, era possível visualizar, à frente e a
esquerda, o bar – que tomava um terço do espaço da parede esquerda, ligando
internamente as duas pistas –, e à direita a bilheteria e o banheiro unissex. Este primeiro
ambiente era um lounge, com vários puffs, onde era possível sentar e conversar. Mas a
música, já nesse ambiente, era alta. No final e à direita deste ambiente estava a entrada
para a pista de dança, onde havia a outra metade do bar, um palco grande, onde aconteciam
as apresentações, com um camarim atrás, os banheiros, um mezanino e o dark room. O
mezanino, localizado no fundo da pista de dança, também era o local do DJ, e possuía puffs,
onde as pessoas poderiam descansar e namorar olhando a pista. Contava ainda com uma
pequena sala, onde existiam sofás e as pessoas poderiam namorar às escondidas.
Ocasionalmente, esse espaço era reservado para convidados VIPs, quando ocorria uma
programação menos usual, como no caso das apresentações de DJs do eixo sul-sudeste e/ou
internacionais ou concursos de beleza, como, por exemplo, o Beleza Negra e Miss Pará Gay.
Embaixo deste estava o dark room. O palco e camarim eram localizados à esquerda da
entrada, assim como o acesso ao banheiro. Do lado direito da pista de dança, nos altos
estavam localizadas duas pequenas plataformas, que eram acessadas por escadas presas à
parede, nos quais os frequentadores podiam subir e dançar. Ou serviam de “palco” para os
go go boys da boate.
A boate nova é menor que a primeira e possui apenas uma pista de dança, bar,
banheiros e dark room. À entrada da boate é possível visualizar a bilheteria à esquerda da
única porta de acesso ao interior da casa. Na entrada, eventualmente, há uma hostess
recepcionando os frequentadores. Quase sempre é uma travesti, mas já houve momentos
em que era um dos funcionários da boate. A partir da porta o acesso se dá por um pequeno
degrau para baixo. Logo em seguida, uma equipe de seguranças faz a revista. O acesso para
a pista pode dar-se pelo lado direito ou esquerdo, não sendo possível visualizá-la antes de
passar pelas cortinas. Esse espaço, na parte de cima, é ocupado pelo DJ. Assim que se entra
é possível ver, do lado esquerdo, um palco que ocupa quase que totalmente a parede. No
entanto, diferente do antigo palco, este é mais baixo e pode servir como sofá, nos
69
momentos em que não há show. Não havia móveis, durante o período de campo, na pista de
dança, sendo possível acessar apenas o balcão do bar para descansar, quando a casa estava
cheia. E o balcão está localizado aos fundos da pista de dança, sendo necessário atravessá-la
toda para poder comprar bebidas. Neste local, ao fundo da boate, estão o dark room e os
banheiros, sendo acessados pela entrada à direita e passando por uma pia e espelhos, que
servem de lavabo. O dark room é minúsculo, apenas um quadrado, e é ponto de encontro de
quem sai do banheiro, porque passa por ele também. O banheiro possui duas partes e é
unissex: uma com mictório e outra com vasos, onde é possível observar movimentos
“estranhos”68 durante a noite.
d) público e hábitos de consumo
A boate ficou conhecida como “bagaceira69” pelos freqüentadores, pois possuía
uma festa que assim era denominada, a “Sexta Bagaço”. E a fama pegou. Era frequente,
durante o campo, quando pessoas conhecidas não sabiam que eu fazia campo na boate,
referirem-se a ela como lugar de gente desqualificada, por comportar pessoas, estilos e
corpos mais dissidentes entre os dissidentes. Era comum, por exemplo, ver pessoas de
bermuda e chinelos, coisa impensável no Malícia, por exemplo. Eu mesmo uma vez fui de
chinelos e bermuda e não fui alvo de quaisquer olhares ou recriminações, mesmo havendo
um cartaz que proibia a entrada de pessoas nestes trajes. É comum o trânsito de travestis e
transexuais, assim como dos andróginos. Talvez seja o ambiente em que, durante a
pesquisa, eu tenha presenciado o maior tráfego dess@s sujeit@s.
Então, como os preços variam entre r$ 5, e r$ 10, sendo possível ainda entrar de
graça, com a aquisição do flyer distribuído ao amanhecer para os que ainda se encontram no
interior da boate – pode ser a noite mais barata do circuito GLS70, comparável ao bar da
Ângela, no Guamá, que cobra uma entrada de r$ 5, e onde o preço da cerveja é em conta
também71.
68
Como o consumo de drogas, por exemplo. 69
Categoria êmica que está ligada a qualquer coisa ou lugar de baixa qualidade ou mal freqüentado. É comum a referência a essa boate por comportar os sujeitos mais marginais entre os dissidentes: mais femininos, mais feios, mais gordos, mais magros, mais masculinas, mais pobres, menos escolarizados, etc. Para mais ver Reis (2011). 70
Existe uma promoção de quatro cervejas em lata por r$ 10, o que barateia em muito o consumo de bebidas alcoólicas no interior da boate. 71
Em geral, uma cerveja em garrafa de 600ml custa r$ 3,.
70
O modo de se vestir não varia muito em comparação com os outros lugares,
sendo mais frequente o uso de roupas de departamento, do tipo C&A, Riachuelo e Express.
Mas o modo de usá-las não se diferencia em nada dos outros lugares. Durante o campo, a
modas era, para os meninos, camisetas com gola em “v”, então, era comum vê-los usando
camisetas deste tipo. Mesmo com os baixos recursos de alguns era possível visualizar uma
semelhança com os gostos dos frequentadores do Malícia, por exemplo.
As músicas eram as mesmas das outras boates, com ênfase na eletrônica, mas
como a boate anterior possuía dois ambientes, era comum tocarem gêneros completamente
diferentes nos dois espaços. Mas com a passagem dela para o novo espaço, a ênfase voltou
a ser os sucessos eletrônicos do momento, como Ke$ha, Ketty Perry, Rihanna e outr@s.
4.3. R4 Point a) mapa e localização
Imagem 7: Boate R4 Point. Fonte: Google Mapas, 2011.
Esta boate fica localizada na Avenida Conselheiro Furtado, no bairro de São Bráz,
quase na esquina com a Travessa Castelo Branco. Possuía outro nome, Sputinik, e ficou
71
famosa nos noticiários locais por abrigar um contingente enorme de menores de idade, que
ocasionou uma batida policial e do conselho tutelar, e na apreensão de vários menores
consumindo bebidas alcoólicas e drogas. Fechou e depois de alguns meses reabriu com
nome novo, R4 Point. Passou a não ser mais alvo da polícia, por fazer uma fiscalização mais
rigorosa dos documentos na entrada.
b) funcionamento
Com a nova denominação passou a funcionar principalmente nas noites das
quintas-feiras, mas abrindo as sextas e aos sábados. Funciona das 22h até o amanhecer. E o
preço da entrada varia conforme o dia – de r$ 5, a r$ 20, –, sendo mais comum cobrarem o
preço mais caro às quintas, por ser a única que abria nestes dias.
c) descrição do ambiente
A boate resume-se a um pequeno espaço, composto por bilheteria, uma pista de
dança com um pequeno palco, um pequeno bar, banheiros e a cabine do DJ. A interação
maior se dava mesmo na pista de dança, onde era possível observar, a partir da entrada,
ainda da bilheteria, a movimentação d@s freqüentador@s. Não possuía móveis na pista de
dança. E as interações afetivas e eróticas se davam com as pessoas encostadas às paredes.
Ao entrar, era possível observar o pequeno palco à esquerda, assim como o pequeno bar e
os banheiros ao fundo, à direita, sendo possível observar quase que a totalidade do
ambiente já à porta da boate. O ambiente era pintando em preto e possuía uma
luminosidade que permitia enxergar a tod@s. Fui pouca vezes a esta boate e nas conversas
com as pessoas era comum escutar que o lugar não proporcionava uma maior intimidade,
por ser muito pequeno.
d) público e hábitos de consumo
As pessoas vestiam-se como as da Lux. Geralmente, com roupas que revelavam
um baixo poder aquisitivo. Invariavelmente, eram pessoas que também frequentavam a Lux,
o que tornava seus públicos muito semelhantes com relação aos gostos e estilos. São, em
sua maioria, moradores de áreas periféricas, assim como os da Lux, que se diferem quase
que totalmente dos que frequentam o Malícia ou a Hache. Por se encontrar numa área de
72
trânsito intenso de linhas de ônibus, que ligam o centro da cidade à áreas mais periféricas,
era comum encontrar as mesmas pessoas que via na Lux, na sexta ou no sábado.
Dificilmente, encontrava alguém da universidade.
A cerveja, assim como na Lux, tem um lugar privilegiado, por conta do preço barato. Ali,
também, era mais comum ver pessoas fumando. E as vestimentas comportavam um estilo
parecido ao encontrado na Lux. E a música eletrônica abria espaço para ritmos como o
tecnobrega, pagode, forró, axé e outros gêneros.
4.4. Vênus a) mapa e localização
Imagem 8: Boate Vênus. Fonte: Google Mapas, 2011.
A Vênus está localizada na Avenida Pedro Álvares Cabral, no bairro da
Marambaia. A forma mais comum de se chegar – para quem se deslocava de ônibus do
Guamá até lá, como eu – é ir até a Almirante Barroso, descer próximo ao Cidade Folia e
percorrer a pé o resto do caminho por uma das passagens que ligam a Pedro Álvares Cabral
e a Almirante Barroso.
73
b) funcionamento
Quando comecei a frequentar a boate, em 2007, seu funcionamento era apenas
nas noites de quarta. Depois, no período do campo, a partir de 2010, ela já abria às quartas,
sextas, sábados e domingos. Cobra uma entrada que varia de r$ 5, a r$ 20, de acordo com a
atração e/ou show.
c) descrição do ambiente
A fachada da boate não a distingue das outras casas da rua, exceto pela grande
movimentação de pessoas às noites de funcionamento, sendo visíveis os seguranças e
hostess da casa, e uma luminosidade diferente que surge de dentro. Já na entrada a luz é
baixa, sendo possível ver a bilheteria à esquerda. A entrada se dá pela direita, através de
uma porta de vidro, para um ambiente refrigerado. Quando comecei a frequentar, ainda em
2007, o ambiente era muito diferente, sendo que a estrutura era de uma casa adaptada para
funcionar uma boate. Agora, depois da entrada é possível ver um pequeno palco à esquerda
e uma pequena pista de dança. Essa parte é separada da área do bar por outra porta de
vidro. E o bar é localizado na parte de trás da boate de frente para o que seria o quintal da
casa, que fora adaptado como um lounge e com um pequeno quiosque, que também serve
de bar, mas para preparação de drinques. Nesta área aberta ficam algumas mesas e
cadeiras, que permitem um descanso para @s frequentador@s. Existem dois banheiros na
boate: um localizado ao lado do bar e outro nos fundos do quintal. Não existe dark room.
d) público e hábitos de consumo
O público majoritariamente é composto por homens. Mas foi perceptível,
durante o campo, um crescente aumento de mulheres, quase sempre acompanhadas por
suas parceiras ou por grupos mistos de amig@s. Assim como na Lux e na R4, é possível
observar a presença de pessoas com menor poder aquisitivo, que transparecia tanto no que
diz respeito a pouca preocupação com as vestimentas, quanto no fluxo intenso de pessoas
que freqüentavam o local por conta da cerveja, vendida em lata, e que chegava a custar r$ 1,
50 a unidade. Esse fator, dentre outros, como o fato de estar localizada próximo ao
Entroncamento, proporciona a frequência de pessoas mais pobres, que residem nas áreas
74
mais distantes do centro da cidade. Dificilmente, encontrava alguém da universidade e
muitas vezes esse lugar era desconhecido pela rede da qual faço parte e que está ligada à
universidade. Além do consumo de cerveja, era muito comum o uso de cigarro,
principalmente na área aberta, destinada a essa prática.
Com relação à música, é um ambiente tão eclético quanto a Lux e R4, tocando
vários tipos de gênero musical, dando ênfase no tecnobrega e pagode. Os sucessos da
música eletrônica tendem a chegar mais atrasados, pois a preferência é por músicas em que
se pode dançar a dois.
4. 5. Rainbow Club a) mapa e localização
Imagem 9: Boate Rainbow. Fonte: Google Mapas, 2011.
A Rainbow está localizada na Rua Carlos Santos, no bairro da Nova Marambaia. O
acesso mais comum durante a pesquisa de campo, entre 2010 e 2011, era por meio de
ônibus até a Rodovia Augusto Montenegro. Existe uma parada de ônibus próximo à entrada
da rua e a boate fica a uns 20 metros da rodovia, do lado direito da rua.
75
b) funcionamento
Apenas aos domingos. E excepcionalmente para festas particulares. A entrada
varia entre r$ 10, e r$ 20, dependendo da atração. Conheci ainda em 2007, mas era
localizada no terreno à frente de onde se encontra agora. E sempre funcionou somente aos
domingos.
c) descrição do ambiente
É o maior espaço GLS de Belém. Agora a fachada é um muro comprido e alto que
comporta apenas uma entrada, um amplo portão preto. Na entrada, existe um segurança
controlando a entrada e a saída d@s frequentador@s. Após o portão há uma bilheteria. A
entrada se faz pela direita, através de uma roleta. A área é de um clube e possui à esquerda,
logo na entrada, uma quadra e uma piscina e na frente um balanço. Dobrando-se a esquerda
são visíveis os fundos da casa, onde ficam localizados: a pista de dança, ao centro; o palco, à
esquerda; e o dark room, à direita. A ampla área que vai da quadra e da piscina até a pista de
dança é aberta. E nessa área estão distribuídas mesas e cadeiras. Os banheiros estão
localizados do lado esquerdo, ao lado de um dos bares e de uma pequena lanchonete. Do
lado direito, mais um bar e uma churrasqueira. Nestas áreas dos bares, tanto à direita
quanto à esquerda, existem telhados que protegem as mesas e cadeiras em caso de chuva. A
pista de dança é ampla e faz parte do térreo de um prédio de dois pavimentos. A parte de
cima deste pavimento não funciona.
d) público e hábitos de consumo
O público que frequenta a Rainbow se assemelha em muitos pontos aos
frequentadores da Lux, da Vênus e da R4. Por ser um espaço localizado fora da área central
da cidade acaba não proporcionando a participação de pessoas que moram em bairros da
periferia de Belém, como eu, por concorrer em dia (domingo) com o bar da Ângela, que fica
no Guamá. Acaba agregando pessoas que moram em Marituba, Ananindeua, Icoaraci e
bairros mais afastados do centro, por estar na rodovia que liga o centro de Belém a alguns
distritos e bairros mais afastados do circuito do Reduto/Umarizal. E o complicador maior,
pelo menos para mim, durante campo, era o transporte, uma vez que a casa só funciona aos
76
domingos à noite e o acesso torna-se mais difícil. Durante a pesquisa, encontrava pessoas da
universidade e do movimento, invariavelmente, e outras que eu avistava nos espaços GLS do
centro, o que pode indicar uma heterogeneidade do lugar.
4. 6. Hache Club a) mapa e localização
Imagem 10: Hache Club. Fonte: Google Mapas, 2011.
A boate fica localizada na Boulevard Castilhos França, no bairro da Campina. Está
próxima a dois pontos turísticos da cidade: Ver-o-Peso e Estação das Docas. Numa área
pouco movimentada a noite, mas com fluxo intenso de pessoas durante o dia. De fácil
acesso, tanto por ônibus quanto por carro.
b) funcionamento
Quando do início da pesquisa, no início de 2010, a boate não existia, tendo
surgido uns meses mais tarde. Funcionava somente nas sextas e nos sábados. Agora
funciona às quartas também. O valor do ingresso está em torno de r$ 20, a r$ 40,.
77
c) descrição do ambiente
É um espaço retangular, decorado com muita sofisticação, num estilo pub. Mas
possui uma pista de dança e um pequeno palco, além do bar, banheiros e um espaço em
lounge. A iluminação é baixa, sendo bastante iluminados os espaços próximos às paredes ou
onde existem objetos de decoração. Possui alguns espelhos dispostos em lugares
estratégicos, por exemplo, próximo à entrada, de onde é possível observar o movimento
mesmo antes de adentrar por completo o espaço. O bar fica à esquerda de quem entra,
assim como o palco e pista de dança. O pequeno lounge, fica à direita. E os banheiros
seguem no corredor, também à direita.
d) público e hábitos de consumo
É considerado, atualmente, o que o Malícia foi no “passado”, ou seja, a boate
mais luxuosa e cara do circuito GLS. Pois com preços que variam de r$ 20, a r$ 40, acabam
selecionando mais o público. E ainda os preços da consumação com bebidas e aperitivos
fazem aumentar ainda mais os gastos lá dentro. Em uma noite “normal” não se gasta menos
que r$ 50,. Em noites mais badaladas, como na apresentação de um DJ reconhecido no
circuito de música eletrônica nacional e internacionalmente, os gastos podem chegar a r$
100, facilmente. Então, é apontado como um lugar “fino”, um lugar de/da “elite”. Sendo
muito comum encontrar pessoas com nível universitário, e que são facilmente encontrados
nos corredores da universidade, ou profissionais liberais, dentre outros. Os estilos e gostos
das pessos que vão à Hache assemelham-se com os gostos e estilos d@s frequentador@s do
Malícia, onde os usos de marcas famosas, nacional e internacionalmente, são a moda. Calvin
Klein, por exemplo, é uma constante nas cuecas a mostra dos rapazes que circulam por lá.
O consumo de cerveja é menor, em comparação com boates no padrão da Lux, pois além de
ser um demarcador social que estigmatiza quem bebe, “está na moda” beber destilados,
principalmente, uísque, como ouvi numa fila, durante o campo. O uso do cigarro é pouco
usual no interior da boate.
4. 7. Bar Veneza a) mapa e localização
78
Imagem 11: Bar Veneza. Fonte: Google Mapas, 2011.
O Veneza está localizado na esquina da Rua dos Mundurucus com a Travessa 3
de Maio, no bairro da Cremação. Está num ponto movimentado do bairro, que possui
inúmeros bares e botecos. Só neste cruzamento existem três bares, um em cada esquina.
Em frente ao bar, existe um ponto de ônibus e o tráfego de veículos é intenso, sendo
possível ver quem está no bar de dentro dos automóveis.
b) funcionamento
Com exceção das segundas-feiras funciona diariamente. Nos dias de semana
funciona de 18h a 0h, as sextas e domingos até as 2h, nos sábados até as 3h. Durante o
campo, utilizava o bar como esquenta72, por começar mais cedo e ser uma possibilidade de
conhecer pessoas antes de ir pra boate.
c) descrição do ambiente
O bar possui dois ambientes, um interno e outro externo e ambos são
conectados por portas e janelas de vidro. As mesas e cadeiras tomam as calçadas da 3 de
72
Termo que significa uma pré-balada ou pré-night, de acordo com Almeida e Tracy (2007).
79
Maio e da Mundurucus, na parte externa. Na parte interna, existe um salão tomado por
mesas e cadeiras, um pequeno palco, um bar, um balcão-caixa no qual são feitos os
pagamentos. A localização se dá assim: a partir da entrada, o palco fica de frente para a
porta; o bar e o balcão à esquerda; assim como o corredor que leva aos banheiros, também
à esquerda. O espaço interno é separado do externo por grandes janelas de vidro, porém o
som alcança a área externa. Os shows são feitos no palco e, geralmente, contam com a
presença de uma banda tocando ao vivo. As músicas eletrônicas não têm vez neste lugar,
sendo o espaço dominado por gêneros como mpb, mpp73 e samba. Em geral, quando há
shows mais animados, as mesas e cadeiras do ambiente interno são dobradas e afastadas
para os lados, e o que antes era um bar ganha ares de pista de dança, mas em vez de música
eletrônica o que se houve é samba. Nos intervalos entre as apresentações ao vivo são
exibidos na parede, através de um projetor, shows de vários cantores/cantores de mpb.
d) público e hábitos de consumo
O estilo mais visto entre @s frequentador@s do bar, aproxima-@s d@s que
frequentam o Malícia e a Hache. Sendo possível estabelecer uma conexão entre os
freqüentador@s dos três lugares. Durante o campo, era frequente encontrar alguém que
estava no Veneza e depois encontrar a mesma pessoa no Malícia, mostrando que o bar serve
como ponto de encontro e/ou esquenta antes do local principal, a boate. Os homens quase
sempre estavam vestindo jeans e camiseta e as mulheres variando entre jeans e camiseta,
vestidos e outras roupas, sempre com uma aparência que conotava uma preocupação com o
visual. Nos dias de maior movimento, onde o fluxo na parte interna do bar se torna quase
impossível, a área próxima ao bar fica abarrotada de gente, o que ocasionalmente torna
possível um contato corporal com outras pessoas, e transforma-se num lugar privilegiado
para quem quer encontrar alguém. Era frequente encontrar pessoas ou grupos de pessoas
que eu encontrava ordinariamente na universidade, sendo mais um marcador que revela
uma diferença dos gostos associados ao consumo pelas pessoas frequentadoras desse lugar.
4. 8. Bar Refúgio dos Anjos a) mapa e localização 73
Música Popular Paraense.
80
Imagem 12: Bar Refúgio dos Anjos (ou Bar da Ângela). Fonte: Google Mapas, 2011.
O bar Refúgio dos Anjos, ou bar da Ângela, como é mais conhecido, está
localizado na Rua Barão de Igarapé-Miri, no bairro do Guamá. O ponto de localização para
quem quer chegar até lá é a única praça do bairro, a Praça Dalcídio Jurandir, localizada na
mesma rua e vizinha ao bar. Existem algumas linhas de ônibus que passam pela rua em que
fica o bar, não sendo difícil chegar e localizar o estabelecimento, também por conta de ficar
na área referente à feira do bairro, próxima à Avenida José Bonifácio.
b) funcionamento
É o espaço GLS mais antigo e em atividade da cidade de Belém, contando com
mais de 15 anos de funcionamento. É composto por duas estruturas: o bar externo, que
funciona todos os dias, mas há dias em que aparece fechado, excepcionalmente,
dependendo da vontade da dona; e o bar interno, que funciona somente aos sábados e
domingos, das 19h às 1h. E o preço cobrado para entrar no bar interno é r$ 5,.
c) descrição do ambiente
81
O bar externo é um quadrado, com mesas dispostas pelo salão e um balcão aos
fundos. Não se diferencia em nada de outros bares da periferia de Belém. O bar interno é
acessado através de um portão vermelho do lado esquerdo do bar externo. Assim que se
passa pelo portão, existe um corredor no qual ficam uma ou duas pessoas cobrando a
entrada, pois não existe bilheteria. Com alguns passos é possível acessar o primeiro
ambiente da casa: um lounge à direita, que é a adaptação dos fundos do bar externo. Essa
área é composta por dois grandes espelhos, um do lado esquerdo e outro na parede às
costas de quem entra, uma televisão, que exibe videoclipes, alguns puffs, onde é possível
sentar, conversar e namorar mais intimamente, dois balcões, um do lado direito que vende
lanches e um do lado esquerdo que vende somente drinques. No meio deles há um pequeno
banheiro, com mictórios e vasos. No corredor que dá acesso a esse ao lounge à direita, é
possível ver alguns puffs disponíveis e na parede do lado direito, quase no final do corredor
chegando à área aberta, existe um espelho enorme. Saindo do corredor chega-se à área
aberta do bar. À direita existe um bar e o caixa, nos fundos à esquerda outro bar e nos
fundos à direita um pequeno prédio de dois pavimentos: na parte de baixo funcionam
quatro banheiros e na parte de cima a cabine da DJ, acessada por uma escada fixada na
parede. A área aberta é ladeada por partes, à frente e à esquerda de quem entra, cobertas
por um pequeno telhado, onde é possível se guardar em dias de chuvas fracas. A maioria das
interações ocorre na parte descoberta, que é a própria pista de dança. Em dias de grande
movimento passar de uma extremidade a outra, em qualquer sentido, torna-se uma tarefa
inglória.
d) público e hábitos de consumo
É o local em que as pessoas vão mais despojadas, sendo comum o uso de
bermudas e chinelos entre os frequentadores, não existindo uma preocupação maior com a
aparência, do tipo que encontrei nos espaços GLS do centro. O público mais usual é
composto por pessoas do próprio bairro e, como eu sou morador dele, era comum
encontrar algum conhecido por lá. Mas também era comum encontrar pessoas e/ou grupos
de pessoas que encontrava diariamente na universidade ou outros lugares do circuito, pois
no domingo é comum as boates – do centro – não abrirem e os bares serem a única opção.
82
O consumo de cerveja é destacadamente o maior neste bar, em comparação com outros
lugares. Poucas vezes vi alguém beber algo diferente. O uso do cigarro também é uma
constante, pelo fato de ser uma área aberta, apesar das placas indicando a proibição de
fumar no lugar, chegando ao cômico caso de estampar em letras luminosas verdes e
vermelhas os seguintes dizeres: “No fumar”74.
A ênfase dada pela DJ está em tocar os ritmos locais, como tecnobrega,
tecnomelody e demais variantes da música brega. Mas o pagode, o samba, o axé, o funk e a
mpb também aparecem no repertório da casa. E uma música não pode faltar no seu
repertório: a música “Acabou”, de Ricardo Chaves; pois é com essa música que a DJ anuncia
o término da festa na madrugada de segunda.
5. (Ab)usos do “meio”: experiências online e off-line
Nesta seção evidencio algumas das primeiras experiências das/dos
interlocutoras/es no circuito GLS, mostrando que fronteiras simbólicas erigidas
anteriormente no quadro referencial de suas trajetórias foram rompidas e novas
identificações foram constituídas com o “meio”, no intuito de considerar a proposta de
França (2007b, p. 252), que enxerga “a dimensão de agência dos sujeitos dada pelo próprio
processo de subjetivação” e da “existência como potencialidade, mesmo que mais ou menos
delimitada por determinadas relações sociais e pelos constrangimentos daí advindos”. Isto é,
identifico que os sujeitos escolhem a partir das possibilidades (im)postas formas de ser/estar
e compartilhar experiências com iguais. Como na experiência descrita por P.:
A primeira experiência que eu me lembro... muito interessante porque é algo marcante pra mim até hoje. Que foi exatamente nesse momento que eu te falei, com 15 pra 16 anos. Foi onde a maioria das coisas aconteceu. Eu brinco as vezes com esse meu amigo: “ah, tudo aconteceu com os 16”... os meus 16 anos! E foi, inclusive, com ele. A gente saiu. Há muito tempo a gente queria sair e ir pra um lugar GLS. Querendo sair, se sentir mais a vontade, paquerar, ficar com as pessoas e também pra se sentir bem, né?! Num ambiente que a gente sabia que as outras pessoas eram iguais a nós. E a gente já tinha saído pra boates hetero, mas a gente queria ir pra uma boate GLS. E a gente ficou sabendo no jornal, uma propagando, algo assim. E aí, a gente marcou. Eu e ele. A gente marcou de sair: “a gente vai, não sei o quê”. Uma semana antes estávamos ansiosos. Foi muito engraçado. Aí, a gente escolheu a melhor roupa e tal. Foi muito engraçado. E aí, eu lembro que a
74
Numa combinação de inglês e português que me causaram um acesso de riso na primeira vez que vi.
83
gente foi... era, nem existe mais, a Cats. Que era uma boate que tinha ali no Comércio, dentro do Comércio, assim. Numa daquelas casas antigas. E a gente chegou e tinha uma fila enorme pra entrar na boate. A gente fez assim: “meu deus”. Não... E a primeira cena assim. A gente chegou, saiu do táxi e tinha uma filona, né?! A maioria homens, uma filona e uma drag no meio da rua com um megafone. A gente ficou: “ai, não acredito!”. E a gente começou a rir. Ela mexia com todo mundo. Parava os carros, ficava passando. A gente acho aquilo maravilhoso. “Égua, que isso, sabe?!”. “Caramba”. Tudo que a gente queria. Aí, a gente foi, entrou. E aí, eu lembro também... Nossa, a gente ficou... Foi muito... Sei lá... Coisinhas pequenas mesmo, sabe?! De coisa de amigo mesmo. Assim... Quando a gente conversava antes sobre o que viu lá. Quando a gente tava na entrada da boate, tinha a bandeira do arco-íris. Na entrada da boate tinha a bandeira do arco-íris. E a gente: “Oh!” É muito que hoje a gente lembrando as vezes dá vontade de rir. Mas naquele momento foi muito importante. “Olha a bandeira, não sei o quê...” <risos>. Aí, dentro era meio escuro, na entrada. Aí, tinha uma pista de dança. E tinha uma luz de fibra ótica. E a gente olhou também, era bonito pra caramba. Tinha o bar. Enfim, a gente entrou e foi olhando. Tinha dois andares a boate. Aí, a gente foi olhando pra todo mundo, andando... quem tava, quem não tava. Tudo era diferente. Qualquer coisa era uma descoberta. Logo que a gente chegou essa drag, teve o momento do show dela. Aí, ela subiu no balcão de bebida do bar e começou a dançar lá em cima. Era a Shaula Vegas <risos>. Ela começou a dançar lá em cima. El a fez um número, né?! Eu não lembro qual era a música, não lembro. Eu lembro que depois na boate a gente dançou “Trying my on”, não lembro direito. Mas era uma música que a gente adorava. E aí, nossa, quando tocou essa música foi o ápice, assim: “Ai, meu deus, eu não acredito que eu tô aqui...”. “É maravilhoso”. Aí, eu falava pra ele: “que bom que tu tá aqui comigo”. Só sei que ele ficou com um garoto lá. Aí, a gente saiu de manhã só. Os dois felizes da vida. Foi ótimo (P., 23 anos, 31/01/2012).
No entanto, o “meio” não está restrito apenas aos espaços físicos, podendo ser
acessado também no mundo virtual, por meio de salas de bate-papo, sites, blogs, listas de
discussões, circuitos de canais a cabo, ou seja, a experiência mostra-se fragmentada, divida e
intercambiada entre espaços online e off-line.
[P.H.] Outro ponto importante: site de relacionamentos, sala de bate-papo na internet. Era uma coisa que eu tinha muito medo. Eu particularmente nunca cheia marcar. Eu sempre achei super estranho marcar com alguém. Eu não julgo, mas pra mim, particularmente, eu não gosto, comigo. Mas eu conheci um rapaz, entendeu, uma vez, alto... Eu gosto de gente nova, 18, 19 anos. Aí, foi que eu marquei, conversei e tudo. Fiquei de leva lá na Doca e tudo. Aí, foi que a gente ficou lá. [Mílton] Vocês se conheceram antes no bate-papo? [P. H.] A gente se conheceu no bate-papo. Foi que a gente mar marcou de ir na Doca. Aí, eu apresentei pro pessoal e tal. E realmente ele era muito bonito: alto, brancão, sabe?! E tinha aquela questão do “fura-olho”, sabe?!. Todo mundo tava de olho e queria. E a priori a gente ia lá pra se conhecer, pra ficar colega. A gente conversou muito antes d’eu, digamos assim, socializar ele com todo mundo. Só que acabou que eu fiquei com ele. A gente entrou em contato depois pelo MSN. E a gente continuou o contado. Só que essa parte eu nunca gostei muito. (Trecho da entrevista com P. H., 27 anos, 24/01/2012)
84
Então, eu lembro, ah, que eu conheci o T. numa sala de bate-papo. Eu entrei com o nick, na época, de “Menino mimado” e o T. tava com outro nick e gente tava no mesmo lugar. Nós dois estávamos acessando no Laboratório de Informática, nessa época que ele era estagiário. Aí, ele viu que eu estava acessando... Aí, eu lembro que o T. viu que eu tava de frente, assim, pra ele, aí ele fechou meu computador. Aí, quando ele me chamou, foi muito engraçado. Aí, a partir daí ficou uma amizade muito bacana. Mas a gente não falava nada de sexual, não. Estávamos só conversando mesmo. E ele perguntou onde eu tava. Aí, eu falei que tava na UFPA. Aí, ele ficou assim, ele olhou... mas, enfim. Então, é, é... deixa eu prossegui... Ele começou a reforma aquilo que eu já tinha descoberto: as salas de bate-papo, na internet, como forma de obter prazer. E com o T., ele meio que me reforçou, a eu procurar mais. Aí, eu comecei a procura mesmo. Aí, eu tinha contatos pela internet, marcava as relações por lá, né?! E foi, foi, assim: quando eu digo que foi importante é porque, a ideia é que eu comecei a perceber como as pessoas exigem características uma das outras (L. C., 30 anos, 23/01/2012).
Esses dois trechos mostram como existe uma intercambialidade entre os mundos
online e off-line, uma vez que nas duas entrevistas os contatos saíram do virtual para o real.
Portanto, as atuais pesquisas sobre sociabilidade e lazer não podem negligenciar as relações
desenvolvidas online, pois essas são constitutivas de novas formas de estar junto, de se fazer
presente e se manter contato. E até mesmo de ajudar na construção de si, como a entrevista
abaixo deixa claro:
(...) eu criei meu Orkut em 2005, quando foi em 2007, eu entrei numa comunidade que eu descobri, que chamava “Fórum de hormônios”. Tem três: a primeira era “Hormônios para transexuais”; aí, entrei numa outra chamada “Fórum de hormônios e mundo trans” e a outra é “Hormônios para transgêneros”. A “Fórum de hormônios e mundo trans” foi a, a comunidade, assim, que eu via umas indicando medicação pra outras. Mas elas sempre dizendo que deveriam procurar um médico, não sei o quê. Então, elas sempre compartilhavam as experiências delas com determinados hormônios pra outras. Então, nessa, eu comecei a tomar determinados hormônios que eu vi que algumas falavam que não fazia efeito. Aí, começou esse processo mesmo, de mudança física, né?! Não radical, né, claro?! Com a utilização de hormônios a minha pele ficou acho que mais fina, não sei. Aí, meus seios cresceram pouco, né?! E foi quando meu lado cerebral, que é trans... não sei... enfim. Mas foi o suficiente pra eu começar a me identificar que a orientação, o afeto que eu tinha com as pessoas do mesmo sexo, né?! E... só que a minha identidade, eu me via como uma mulher, como eu me vejo, né?! E, nisso, eu me via como uma travesti. Mas, sei lá, eu acho que a diferença entre uma travesti e uma trans é tão ínfima, é uma coisa que nem dá pra diferenciar, sei lá. Aí, eu digo não, antes de falar travesti, pra todo mundo eu falo que sou trans, né?! A minha identidade é feminina, eu me vejo como uma menina, praticamente, como uma garota e... só que gostando de pessoas do mesmo sexo do que eu. Então, aí, pronto, parece uma... Hoje eu me vejo meio que assim: eu parto do pressuposto social, né?! Eu já acabei tendo esse conhecimento que meu gênero é feminino e orientação sexual, eu diria, que é hetero... (L. C., 30 anos, 23/01/2012).
85
A (re)construção do corpo, gênero e sexualidade de L. C. foi mediada por sua
vivência online, onde aprendeu os significados de ser uma mulher transexual, os símbolos e
códigos de conduta que modulam esses sujeitos. O estabelecimento virtual de uma
comunidade em que se compartilhem experiências lembra um pouco os primeiros “grupos
de identificação” propostos pelo pioneiro SOMOS, no qual os novos membros tinham um
espaço para compartilhar experiências de coming out, vivências no gueto e os medos da
violência75.
***
No capítulo seguinte será feita uma breve discussão acerca da técnica de
pesquisa envolvendo histórias de vida, passando por um perfil global das/dos
entrevistadas/os e os diálogos com o “armário”.
75
Para saber em detalhes como esse grupo era organizado, ver MacRae (1990).
86
CAPÍTULO 3
Histórias de vida e processos outing
Neste capítulo apresento o quadro de interlocutoras/es com o objetivo de
fornecer um panorama do processo outing. Porém, em primeiro lugar, far-se-á necessária
uma reflexão sobre a técnica de história de vida. Num segundo momento, apresento, a
partir de um resumo global, os/as interlocutores/as desta pesquisa. E, finalmente, o
processo outing será objeto de análise.
1. Digressões sobre as entrevistas e as/os interlocutoras/es
No início da pesquisa de campo almejava considerar apenas como objeto de
estudo o circuito GLS de Belém, porém iria descartar um lado importante da proposta
antropológica, que é fazer “interpretação das interpretações” de sujeitos que (ab)usam dos
equipamentos que compõem esta mancha dentro da cidade, os bares e boates GLS, pois
uma das preocupações do fazer antropológico é justamente as representações sociais.
Assim, as entrevistas demonstram como cada indivíduo se desloca, perfazendo um trajeto,
dentro do “meio”, a partir de uma condição pessoal, que está relacionada seja à orientação
sexual e de gênero.
Para que fosse possível enxergar os projetos que estão sendo construídos
pelos/pelas interlocutores/as a técnica das entrevistas com base nas histórias de vida foi
crucial, haja vista poder direcionar, de acordo com as temáticas a conversa para que se
pudesse extrair o máximo de dados. As temáticas versaram, basicamente, sobre o perfil
sócio-econômico, a criação e vida em família, auto-definição segundo orientação sexual, vida
afetivo-sexual, sociabilidade – com ênfase no coming out –, comportamento nos espaços
públicos, relação com o circuito GLS e os processos de preconceito e discriminação,
enfatizando as situações de homofobia; isso com base no breve roteiro elaborado e presente
no apêndice deste trabalho.
Então, quando resolvi trabalhar com histórias de vida visualizava poder
compreender como as pessoas orientam seus gêneros e sexualidades ao longo de suas
87
trajetórias. A intenção era, também, compreender como sujeitos dissidentes estabelecem
formas de agências quando estão “negociando o armário” em casa, no trabalho, na escola.
Driblar perguntas como “você é gay?” ou “você é lésbica?” ou “o que você é?” sempre foram
obstáculos a serem ultrapassados, de forma confortável ou não, por lésbicas e gays ou
quaisquer pessoas que mantêm uma vida em segredo e não foi/é diferente com as/os
entrevistadas/os deste trabalho.
Portanto, perguntava-me se era possível carregar uma única definição de si para
toda a vida e se era possível também utilizar essa dissidência para causar confusão em quem
pergunta. Com essas questões em suspenso fiz entrevistas em que propunha um diálogo
com as/os interlocutoras/es. Digo diálogo porque em alguns momentos, principalmente
quando as perguntas não estavam claras para elas/eles, eu citava um momento de minha
própria trajetória para ver se elas/eles compreendiam onde eu queria chegar.
Por exemplo, quando eu perguntava qual a sensação que elas/eles haviam
sentido ao estarem pela primeira vez numa boate, bar ou quaisquer estabelecimentos GLS
ou do que se lembrava desse primeiro momento e que algumas vezes não era entendido, eu
recorria às lembranças buscando através das sensações das/dos entrevistadas/os,
perguntando-lhes se lembravam da música que tocava, ou do cheiro do ambiente, ou das
cores, ou dos toques das pessoas, ou da bebida que haviam tomado. Neste momento
tentava explorar quaisquer dos sentidos das/dos interlocutoras/es por entender que cada
um guarda na memória aspectos muitos singulares e com isso pude extrair algumas
recordações.
Sobre esta técnica Guita Debert (2004 [1986]) afirma que
(...) a razão alegada para utilização deste instrumental reside no fato de possibilitar o estabelecimento de uma conversação ou um dialogar entre informante e analista. Quando os autores, neste caso, fazem uma oposição entre falar e conversar ou enfatizam o argumento que a história de vida possibilita um dialogar com os sujeitos estudados, chamam a atenção para os dois aspectos. Em primeiro lugar, para a violência implícita no procedimento que envolve a imposição, aos informantes, de categorias que não lhe dizem respeito, vindas de uma teoria exterior a eles ou ao conjunto de valores do próprio pesquisador. Em segundo lugar, para a importância de darmos condições aos informantes de nos levar a ver outras dimensões e a pensar de maneira mais criativa a problemática que, através deles, nos propomos a analisar (...) Não se espera nesse segundo caso, que a história de vida nos forneça um quadro real e verdadeiro de um passado próximo ou distante. O que se espera é que, a partir dela, da experiência concreta de uma vivência específica, possamos reformular nossos pressupostos e nossas hipóteses sobre um determinado assunto. No primeiro campo, pelo contrário, a ideia é
88
preencher um vazio. Espera-se, através de uma série de mecanismos – número ideal de informantes, escolha de informantes que tomaram posições distintas frente a um determinado acontecimento, contraposição de informações obtidas a documentos oficiais, etc. – exercer um controle maior as variáveis que podem interferir num relato. Nesse primeiro campo, com maior ou menor ênfase, está sempre presente a ideia de que o objetivo é encontrar um quadro, o mais completo e verdadeiro possível, de um determinado período ou acontecimento histórico (p. 142).
Ainda sobre a técnica, Adriana Piscitelli (1993) diz que é
um lugar de privilégio à experiência vivida, em sentido longitudinal, e em possibilitar a integração de percepções individuais e pautas universais de relações humanas, através de articulações temporais. Neste sentido, o trabalho sobre as experiências dos sujeitos é fundamental para a compreensão dos atores a partir de seus próprios pontos de vista e para a compreensão de processos sociais mais amplos que os indivíduos (p. 153-154).
Piscitelli (1993) diz que o método possibilita compreender as redes de relações
sociais nas quais os/as interlocutores/as estão inseridos, além de um acesso a “zonas
sombreadas”, ou seja, é possível encontrar sentidos nos eventos, “coisas que sucedem”, e
nas experiências, “coisas que sucedem com pessoas” (p. 154-155). E afirma que “as
trajetórias individuais se desenvolvem e são recriadas em universo codificado pelo gênero”
(p. 165)76.
Mas Pierre Bourdieu (1986) afirma que a técnica possui algumas armadilhas, pois
os indivíduos tendem a relatar suas histórias de maneira encadeada, com um início, meio e
fim, onde obedece a uma ordem cronológica; assim, os acontecimentos e as coisas passam a
ter uma origem e sentido na história de cada indivíduo, pois são justificados através da
narrativa. Então, os relatos possivelmente mostram os acontecimentos e eventos de
maneira ordenada, arrumada, existindo grandes chances dos mesmos terem ocorridos de
maneira distinta. Bourdieu evidencia que os indivíduos “romanceiam” seus relatos, sua
vivência.
Em alguns momentos, durante as entrevistas, observei a necessidade que os
interlocutores/as sentiam em verbalizar os eventos “da forma que tinha acontecido”,
tentando organizar os acontecimentos cronologicamente. Porém, em outros momentos, o
76
“(...) é necessário pensar no gênero de tal maneira que este seja constituído pelas categorizações baseadas no imaginário sexual. Talvez, à maneira de Strathern, como as formas através das quais a distinção entre características femininas e masculinas constituem idéias concretas acerca das relações sociais.” (PISCITELLI, 1993, p. 165).
89
resgate de eventos passados para explicar os eventos atuais pareciam querer justificar as
tomadas de decisão.
Com relação às entrevistas77, duas aconteceram em novembro de 2011 e as
outras no mês de janeiro de 2012. Os lugares das entrevistas variaram: quatro foram
realizadas na UFPA, duas na minha casa e uma na casa da amiga de um interlocutor,
realizada na companhia do atual namorado. O tempo de duração das entrevistas também
variou, indo de menos de uma hora a quase duas horas e meia de gravação. Com exceção de
dois dos entrevistados, eu mantenho relação de amizade com os/as outros/as cinco
entrevistados/as; dos dois entrevistados “desconhecidos”, um foi apresentado por um
amigo em comum e o outro eu conheci na web78. Antes das entrevistas, eu estabeleci
contatos via MSN79 com todas/os, tentando saber sobre a rotina e/ou os últimos
acontecimentos. Era comum também quererem saber da minha vida e, ainda mais, sobre os
motivos que me levaram a fazer uma pesquisa sobre sociabilidade LGBT nos espaços GLS, ao
que eu explicava algumas das minhas hipóteses e a conversa tendia a progredir.
A internet foi um meio eficaz de manter contato com eles/elas, seja tentando
saber mais sobre suas vidas, seja também porque ela é considerada parte do “meio GLS”
também. Principalmente, quando se faz uso dela para satisfazer os seus desejos
homoeróticos, como demonstra Miskolci (2010)
A web estendeu o código-território da homossexualidade para mais pessoas nas metrópoles e nos recantos do interior do país. Nestes locais, a maioria jamais quis (ou pôde) se expor de forma a frequentar algum local claramente gay ou lésbico. Estes indivíduos, os quais, pelas razões as mais diversas (geográficas, econômica, puro e simples preconceito), consideram-se “fora do meio”, encontrou na web uma forma de conhecer parceiros e até fazer amizades sem o ônus da exposição de seus interesses eróticos no espaço público (p. 7).
77
A intenção inicial era abarcar os vários segmentos da “sopa de letrinhas”, ou seja, os/as LGBTs. Porém o medo da entrevista (gravada) fazia com que algumas pessoas desistissem. A ausência de outras “letras” deveu-se não a falta dessas pessoas no interior do circuito ou de contato, mas por não mostrarem interesse em participar da pesquisa. 78
Quando estava fazendo campo entrei na sala de bate-papo da UOL com a intenção de encontrar alguém disposto a ser entrevistado para a pesquisa, mas obtive pouco sucesso, sendo que somente dois aceitaram e eu os adicionei no MSN. Depois, em janeiro de 2012, quando resolvi marcar a entrevista, somente um concedeu, o outro me excluiu da sua lista de contatos. 79
Programa da empresa Windons destinado à conversação instantânea online.
90
Para as/os entrevistadas/os, a rede também apareceu como forma de manter
contato com a “subcultura homossexual”80, a partir do uso de redes sociais online voltadas
para essa população, como o Gaykut, Leskut, blogs e sites, que os mantêm conectados com
as antigas e novas demandas da comunidade, sejam elas referentes ao lazer ou a política.
Além do MSN, mantive contato com quase todas/os através do perfil que
mantenho no Facebook81, assim podia acompanhar um pouco as atividades diárias ou
semanais, através do computador, tendo adicionado dois deles após as entrevistas. Esta
ferramenta serviu também para que eu visualizasse os gostos e estilos de vida mantidos por
elas/eles atualmente. Desta forma, nas entrevistas já tinha um breve histórico, concedido
através das conversas pelo MSN ou Facebook, e que poderia manter um diálogo horizontal,
tentando evitar que do “encontro etnográfico” surgissem interpretações etnocêntricas da
minha parte. Daí o adiamento das entrevistas para que pudesse entender ao mínimo a
realidade de quem ia entrevistar.
A antropóloga Alba Zaluar (2004), assim define o encontro assimétrico entre
antropólogo/pesquisador e o nativo/pesquisado
Pois se é encontro de subjetividades, a pesquisa antropológica, nesta linha teórica, não coloca um e outro sujeitos na mesma posição, ou seja, as duas subjetividades não tem o mesmo estatuto. Um, o ‘nativo’, o observado, uma estranha subjetividade sem sujeito, deixa-se pensar pela lógica simbólica de seus mitos e de sua linguagem. É o espírito humano, por assim dizer, que pensa por ele. Sem história, sem reflexão, sem crítica, sem criação, um homem consensual, conformista e tradicional, um prisioneiro da rigidez da língua, o ‘nativo’ não tem nada a ver com a nossa teoria do sujeito. Um homem nu, porque despido de toda a variedade da história, apenas repete um único mito: o do logos, que desconhece, mas que o comanda de dentro, desde seu inconsciente. O outro, observador absoluto que decifrou o enigma dos códigos, um ser histórico, crítico, que acumula conhecimentos e que os discute, analise e supera. Desde um lugar onde lhe está garantida a objetividade, este observador é um sujeito que domina o logos e pode usá-lo em sua estratégia de obter novos conhecimentos e decifrar mistérios. Estranhamente, porém, só o faz encontrando pares de opostos por toda parte e cumprindo ele mesmo a profecia que proferiu sobre o pensamento humano (p. 109).
80
Nunan e Jablonski (2002, p. 2) dizem que “a subcultura homossexual pode ser entendida como uma forma de resistência na qual contradições e objeções à ideologia dominante são simbolicamente representadas através de um determinado estilo de vida ou uso de objetos materiais. Cria-se um espaço para a livre expressão sexual mesmo em face de discriminação e violência.” 81
Rede social online. Surgida nos EUA, a história de seu surgimento foi contada no filme “A rede social”, de 2010.
91
Desde o início da pesquisa, ainda em 2010, questionava-me sobre o tipo de
entrevista e de entrevistados que necessitava. Se elas/eles serviriam apenas para
corroborar(em) os dados de campo, recortando suas falas, ou se preferiria manter um
diálogo com elas/eles em busca não de respostas ou explicações para determinados
fenômenos, mas de reflexões que elucidassem seus próprios caminhos e os meus, pessoais e
relacionados à pesquisa82.
Assim, durante as entrevistas comportei-me como um amigo, com quem
elas/eles pudessem desabafar, contando suas angústias, mágoas e surpresas. Eu também
desabafei, mas na medida em que o meu desabafo pudesse fazê-los entender o sentido da
minha pergunta83. Mas nem todos agiram da mesma forma. Muito menos quando viram que
o gravador estava ligado. Pessoas com quem eu já havia travado longas discussões ou
compartilhado experiências, simplesmente travaram. Mas tiveram as/os que se soltaram.
Dessa forma, o tempo da conversa gravada variou. Mas mantive como hábito, antes das
entrevistas, explicar o caráter acadêmico e ético da pesquisa que estava sendo realizada,
dizendo-lhes que caso quisessem uma declaração ou termo de consentimento, que ficassem
livres para pedir. E quase sempre começava explicando as minhas hipóteses e perguntava
como estavam, para só então começar a entrevista de fato. E no final, perguntava se
elas/eles queriam falar algo sobre a condução da entrevista para que, de forma mais
informal e com o gravador já desligado, elas/eles pudessem expor mais sua intimidade. Essas
táticas obtiveram sucesso em todas as sete entrevistas. E as curiosidades com relação às
suas histórias de vida vinham através da seguinte indagação: “Quero só ver o que vais
escrever sobre mim!”. No que eu respondia apenas com um sorriso tímido84.
Tendo em vista refletir sobre o processo da produção textual em etnografia, o
antropólogo Vagner Gonçalves da Silva (2006, p. 118) assim escreve:
82
“(...) nas conversas informais e nas entrevistas, o ‘nativo’ explica a sua linguagem, justifica ou tenta entender as suas e as ações dos outros ‘nativos’ ou mesmo revela segredos mantidos velados a outros estranhos” (ZALUAR, 2004, p. 123). 83
“Nesse jogo de representações, presente no diálogo etnográfico, as perguntas e respostas sempre podem ser refeitas quando os participantes vão colocando novas ‘cartas’ na mesa e desenhando novos rumos e estratégias para a conversação” (SILVA, 2006, p. 51-52). 84
Ruth Cardoso (2004, p. 101-102) assim diz: “E não se trata do subjetivismo descontrolado invadindo o campo da reflexão racional, mas sim da natureza intersubjetiva da relação entre o pesquisador e seu informante. Uma entrevista, enquanto está sendo realizada, é uma forma de comunicação entre duas pessoas que estão procurando entendimento. Ambos aprendem, se aborrecem, se divertem e o discurso é modulado por isso tudo”.
92
O texto etnográfico em geral é uma redução brutal das inúmeras possibilidades de interpretação da experiência de campo e do difícil exercício de alteridade realizado entre o antropólogo e seus interlocutores. Primeiro, porque o texto etnográfico, como qualquer forma escrita de representação, já é em si mesmo uma adequação ou transformação da realidade que pretende inscrever, descrever, interpretar, compreender, explicar, etc. Segundo, porque, devido à própria natureza multifacetada e dinâmica da realidade social, não é possível conceber uma representação etnográfica que a reproduza integralmente, ainda que julguemos poder abordá-la em termos de instituições ou fatos totalizantes
85, tal como
prescrevia Marcel Mauss (1974).
Visto que as etnografias produzidas atualmente tendem a refletir sobre a
condição do pesquisador em campo, a maneira como os dados são coletados e a forma
como esses dados são reconstruídos no texto antropológico eram motivos de apreensão pra
mim. Da mesma forma como a minha inserção em campo e a aceitação pela comunidade
precisavam ser negociadas, evidenciada no fato de eu tentar me tornar alguém “com
carteirinha” nas boates, as entrevistas não poderiam sofrer apenas um recorte e serem
adequadas ao meu texto. Era preciso refletir sobre a “relação entre a realidade apresentada
e as próprias condições de produção das representações e sua natureza” (SILVA, 2006, p.
119), uma vez que
No caso do texto etnográfico, essa crítica torna-se central, pois, sendo a escrita uma aquisição cultural, a etnografia, como um projeto de produção de conhecimentos sobre grupos sociais e suas culturas, possui também sua própria forma de conhecer. Ou seja, especular sobre os conhecimentos de qualquer comunidade, sem questionar o próprio modo como se apreende esse conhecimento, é realizar apenas uma parte dos objetivos da etnografia. A frequente eliminação, no texto etnográfico, dos ‘andaimes’ que permitem a sua construção, anula também as possibilidades de se olhar através da organização da narrativa as múltiplas veredas que lhe dão origem (SILVA, 2006, p. 119).
Observando os questionamentos e as imbricações da relação entre
eu/pesquisador e o outro/pesquisado apontados acima, desenvolvi as entrevistas, a partir da
disponibilidade de cada um e da minha própria, sem nenhum tipo de constrangimento que
85
Eunice Durham (2004, p. 21) entende que: “A análise antropológica consiste em construir sistemas a partir de uma realidade que aparece, de início, como fragmentada. A aparência fragmentada e destituída de significação decorre da exterioridade do observador e a construção de sistemas coerentes pela antropologia deve corresponder a uma integração real, constantemente realizada pelos membros da sociedade portadores da cultura, através de processos que são, o mais das vezes, inconscientes. Esse tipo de investigação pressupõe uma noção de totalidade integrada cuja reconstrução é o objetivo último do pesquisador”.
93
impossibilitasse a continuação das mesmas86. Creio que os resultados foram satisfatórios e
serão apresentados a seguir.
2. @s interlocutoras/es: um breve resumo das histórias de vida 2. 1. L. C.
L. C. é uma mulher transexual, 30 anos, parda, estudante de Psicologia. Mora na
periferia de Belém, no bairro da Terra-Firme, tendo recentemente retornado à casa da mãe.
Passou um período de quase quatro anos morando em um pensionato, no centro da cidade.
Lá se descobriu como mulher transexual. Superou algumas fases difíceis como a falta de
apoio da família, que foi a responsável pela sua saída de casa. Passou “ilesa” frente aos
preconceitos demonstrados por amig@s e colegas de turma, ainda à época da escola. Mas
depois que entrou na universidade descobriu os prazeres e as dores de ter uma performance
de gênero dissonante de seu sexo biológico. Nesta passagem pela universidade, em processo
de finalização, e por vários lugares de sociabilidade GLS contraiu o vírus do HIV/AIDS. Isso
tudo com ajuda de amig@s que apresentaram, ainda na adolescência, os bares onde se
podia viver essa ruptura com os laços familiares. Dois eventos importantes marcaram sua
trajetória: primeiro, conhecer o “cinema de pegação” de Belém, o Cine Ópera; e segundo, os
sites, as redes sociais e salas de bate-papo online.
A entrevista ocorreu na Federal87, de manhã, numa sala em que estávamos
somente ela e eu. Fomos interrompidos uma única vez, mas esse fato não foi responsável
pela perda de coerência na narrativa que ela estava construindo para mim. Estava vestida de
jeans e camiseta e possuía uma mochila, ao modo das mulheres de sua idade. E sempre
referia-se a si mesma utilizando o artigo no feminino, correspondendo a isso o uso dos
pronomes, adjetivos e quaisquer palavras que denotassem uma desinência de gênero.
Exceto por uma vez, quando me contava um caso que acontecera ainda na infância: o fato
86
Silva (2006, p. 41) assim define os resultados das pesquisas: “(...) as elaborações antropológicas resultam, entre outras coisas, dos constrangimentos da inserção do antropólogo no campo e do encontro com determinados tipos de informantes ou interlocutores”. 87
Modo como a Universidade Federal do Pará, ou somente UFPA, também é conhecida, principalmente entre @s que (con)vivem nela.
94
de não ter sofrido (ou sentido) preconceito com relação à sua orientação sexual no ambiente
escolar, tendo passado “ileso pela família também”.
A entrevista foi calma, apesar dos momentos de tensão, que se faziam visíveis
enquanto ela me contava aspectos de sua vida que eu desconhecia, como nos casos de
desavenças entre ela e a mãe, pois mesmo fazendo quase cinco anos que nos conhecemos,
não sabia de muitos dos acontecimentos narrados. Rimos juntos em vários momentos,
principalmente nos relacionados aos aprendizados sobre o flerte, ou nos relacionados às
vivências “pré-transformação”, como no caso a seguir. Eu perguntava a ela como fora sua
criação88, a relação com a família e com @s amig@s, no qual ela me contou um fato da
época da escola, da qual saíram para passear de ônibus:
Então, a gente pegou um ônibus, sentamos atrás e começamos a cantar alto. Aí eu via que as pessoas ficavam olhando... Era na época que cantava aquela música da “barata da vizinha” <risos> <tosse>. Aí, depois, aí, o E.
89 cantava... Só lembro que a
gente estava sentada na mesma linha e eu era a última, aí depois tinha uma moça chamada Z., hoje ela formada em Biblioteconomia, né, trabalha até aqui na Federal, trabalhando aqui. Aí, o E. lá do canto: “diz aí Z. o que cê vai fazer?”. Ela: “vou comprar um dedo pra me defender!”... “Eu vou dar uma dedada na barata dela...” <risos> (L. C., 30 anos, 23/01/2012).
Neste momento da narrativa ela começa a expor os primeiros contatos com uma
turma de amig@s que também compartilhava de experiências dissidentes, sendo que os dois
personagens principais dessa história, um amigo gay e uma amiga “masculinizada”,
apresentaram o circuito GLS, a começar pelo cinema. Essa passagem, de um momento
“ileso” para uma experimentação dos desejos homoeróticos, é importante porque marcam a
passagem para experiências futuras, como no caso da transgeneridade vivenciada hoje.
Assim, é importante mostrar uma parte da entrevista:
[Eu] Mas até então, neste período já de adolescência mesmo, primeiro, segundo, terceiro ano. Tu já tinhas 15, 16, 17? [L. C.] Aham, sim. [Eu] E, sei lá, já frequentava ou como é que isso tava na tua vida? Já tinha ampliado o leque de amigos ou não? E já frequentavas algum lugar ou não? Como isso se dava pra ti?
88
Falar sobre “criação” em Belém está relacionado às origens familiares e os modos como as transmissões sócio-culturais são repassadas em ambiente familiar. Então, ao invés de se perguntar sobre a “trajetória familiar” preferi optar por perguntar sobre a “criação”, sabendo que seria compreendido. Até mesmo na entrevista realizada com a única pessoa que não é natural do Pará a pergunta foi bem compreendida. 89
Os nomes foram abreviados para manter os personagens em sigilo.
95
[L. C.] Na sexta [série] ainda, no apogeu, eu diria, da minha adolescência... [Eu] Que tu foi pro Ópera? [L. C.] Sim. Foi que eu fui pro Ópera com o E. e a R.. É, eu não lembro como foi que eu consegui entrar com 13 anos, naquele cinema, né, proibido. Mas entrei, foi uma coisa, assim, estranha, sabe?! Eu não sei te explicar! Ao mesmo tempo me deu desejo, me deu medo, me deu tudo, né?! E o E. e a R. naturalmente, como se já tivesse a carteirinha dali, né?! E eu não, sabe?! <tosse> Eu nunca nem tinha entrado num cinema, na verdade. E depois desse momento, a R. me... é, é... no horário, 19h, a R. me levava aos barzinhos. Alguns, assim, onde tivesse bilhar, essas coisas...
A partir daí as crises na família começaram a aparecer, pois L. C. na companhia
dess@s amig@s acabava chegando tarde em casa e por parte da mãe havia reclamações,
principalmente com relação às companhias, pois a amiga R. era acusada pela mãe de L. C. de
ser “sapatão”. Porém, por um breve período essa experiência pode ser vivida, mas a
desmotivação para continuar se relacionando com o “meio” veio com o rompimento desse
laço de amizade e a constituição de novos, mas num espaço pouco aderente às relações
homocorporais90. Este período foi durante o ensino médio e depois se estendeu durante os
quatro anos de cursinho. E foi só quando entrou na universidade que as coisas ressurgiram.
É, né?! Aí, a não ser no [cursinho] da Federal, que eu fiz em 2002, era mais assim: meu entrosamento era inteiramente voltado pra casa. Eu lembro que, no período em que eu terminei o segundo grau, no [ensino] médio e o período de cursinho foi que eu voltei a me fechar, voltei a focar nos estudos. Não saia, e quando eu saia é que eu fui, de novo, voltei naquele cinema. E naquele cinema eu tive uma relação sexual, foi uma relação oral. Mas foi o suficiente pra eu voltar pra casa, com medo. E eu prometia, até me ajoelhei pra pedir a Deus, pra pedir desculpas, que não era aquilo, né?! Mas que depois que eu entrei na universidade que eu conheci, por exemplo, o T., né?! O T. foi, eu diria, um demarcador muito, muito importante, porque o T. fez eu me lembrar do E., né?! Por que eu falo deles? Porque foi a primeira imagem que veio de novo daquele E.. E o T. na época que eu conheci era aquele comportamento assumido! Ele era, a começar pela sobrancelha, pelo modo de falar, o jeito, a extravagância, que me dava uma certa segurança, né?! Então, ele que começou a resgatar de novo a linguagem, as cenas, as questões de... como eu vou te falar? De ações relacionadas ao fundo sexual que eu havia reprimido dali... Então, foi a partir dele que eu fui conhecendo as demais pessoas, vocês [refere-se ao Grupo Orquídeas
91]. Eu diria que foi um demarcador muito grande, aí eu
comecei a entender, eu comecei a entrar no universo LGBT, nas suas múltiplas formas. Foi a partir daqui [ da UFPA], eu diria, em 2006, um ano antes da nossa ida a Goiás, que o T. começou a me levar pra certos locais, tipo, a Lux que eu não tinha ido... me levar não, me indicou. Aí, eu comecei a ir à Lux, a freqüentar espaços
90
Esta categoria analítica foi utilizada pela antropóloga Maria Luiza Heilborn (2004) na pesquisa desenvolvida entre casais homossexuais masculinos e femininos e casais heterossexuais da classe média carioca para entender em quais desses arranjos conjugais e familiares o paradigma da modernidade, ilustrada a partir do modelo igualitário, proposto por Fry (1983 e 1984), se mostrava mais presente. Ela utilizava essa denominação em contraposição ao uso do termo homossexual, entendido por ela como estigmatizado. 91
Grupo de diversidade sexual, do qual sou membro.
96
LGBTs que eu sabia que poderia não ficar parada, que até se eu desmunhecasse ninguém ia reparar. E foi a partir daí que começou a me aflorar, em 2006, aí eu já tava aqui [na UFPA]. E começou a aflorar uma feminilidade em mim, que eu não sei te explicar. Uma coisa assim que... Aí, já começou um turbilhão de dúvidas. Eu me via já numa fase que eu me via gostando de pessoas do mesmo sexo e eu ainda me identificando com o gênero que eu sempre tive na vida, num tive problemas. Mas com o passar do tempo, eu já fui vendo. Quando nós fomos à Goiânia, eu já fui com uma certa dúvida, que eu na conseguia me identificar com os outros rapazes, com o gênero. O fator feminino sempre me chamou atenção, sabe?! O comportamento das meninas, como elas se vestiam. É, sei lá, eu acho que eu me identificava nessa forma de ser, com elas. Não com eles [os meninos]. Eu não consegui me ver um menino recatado. Eu até conseguia me ver uma menina recatada. Então, isso, foi de fundamental importância pra eu começar a fazer um processo, eu diria, de auto-avaliação, não sei. Aí, eu disse, falei pra mim mesma: “e se eu me aventurar nesse feminino, pra saber como que é, um pouquinho, pra saber o peso?”. Até porque eu não tinha dimensão de que seria tão discriminada assim, já aqui dentro [da UFPA], né?! Foi aí que eu enveredei pro universo feminino, aos pouquinhos. Foi assim, eu acho. Tu deve até ter acompanhado um pouco desse processo: deixei o cabelo crescer, chanelzinho, de vez em quando passava lápis no olho... (L. C., 30 anos, 23/01/2012).
A mudança de ambiente e nas relações de amizade foram atributos levantados
no trecho acima para uma mudança de comportamento, pois possibilitou o convívio com
pessoas que manifestavam afetos e desejos por “pessoas do mesmo sexo”. Assim, um
sentimento de compartilhamento de experiências, o confronto com comportamentos
socialmente construídos como masculinos, aliado à amizade com uma pessoa que ensina os
caminhos do “ser gay92”, fizeram com que ela se interessasse mais: num primeiro momento,
com os hábitos e costumes homossexuais, dentro de uma vivência gay; e no segundo
momento, como modos mais femininos. Ou seja, antes ou depois do processo de
transgeneridade ela passou a vivenciar, no momento em que conheceu e começou a
frequentar os espaços GLS, um novo estilo de vida93.
Pierre Bourdieu (1983, p. 83-84), define assim a noção de estilo de vida
O gosto, propensão e aptidão à apropriação (material e/ou simbólica) de uma determinada categoria de objetos e práticas classificadas e classificadoras, é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de vida. O estilo de vida é um
92
A partir de uma visão culturalista, Pollak (1986, p. 58) afirma que se aprende a ser homossexual, que esta condição não é dada pela natureza, sendo construída sócio-culturalmente. Portanto, não deixa de ser artificial, assim como a heterossexualidade (Butler, 2003). 93
Maria da Graça Setton (2000-2001, p. 50), no interessante artigo em que aproxima a categoria “estilo de vida” na obras de Georg Simmel e Pierre Bourdieu, diz que “*em Simmel+ o estilo de vida *é+ uma estratégia de diferenciação individual frente à variedade das pressões homogeneizadoras do social e, [para] Bourdieu, salientando o estilo de vida como uma forma de expressar as diferenças de recursos e poderes materiais e simbólicos entre os grupos e indivíduos.”
97
conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas, linguagem ou héxis corporal, a mesma intenção expressiva, princípio da unidade de estilo que se entrega diretamente à intuição e que a análise destrói ao recortá-lo em universos separados.
Não pretendo, com esta pequena passagem, exaurir todas as possibilidades que
a noção bourdieusiana de estilo de vida traz consigo, mas apenas ligá-la ao momento
descrito acima pela entrevistada94. Pois, se as novas amizades e o acesso a uma modalidade
da vida gay resgatou o sentimento de pertencimento ao “mundo LGBT” ou “GLS”, como foi
dito em outro trecho, este trouxe implicações práticas (como o deixar o cabelo crescer e
usar lápis de olho, além de circular nos espaços de sociabilidade, como a Lux ou o Ópera) e
simbólicas (como o resgate da linguagem até a comparação com os padrões de gênero,
resolvendo “se aventurar” entre eles primeiro, para então se fixar95 no “universo feminino”).
2. 2. P.H.
P. H. é um homem homossexual, 27 anos, branco, estudante de Jornalismo.
Mora com a família (avó materna, mãe, irmã e ele), no bairro do Jurunas. O primeiro relato
foi com relação ao seu núcleo familiar e fez questão de enfatizar na narrativa seu
nascimento, pois disse que se tivesse nascido menina sua mãe biológica o teria dado para
adoção, de acordo com as conversas “ventiladas” em sua casa. Não o fizeram porque ele
nasceu menino, por conta da intervenção da avó materna, e que legalmente é filho de uma
tia materna, que durante grande parte de sua vida foi responsável por ajudá-lo
financeiramente. Durante o processo narrativo aponta que “percebia muitas carências”
durante sua criação, mas em nenhum momento ligou o fato de ser homossexual a uma
carência da figura paterna. Tem um relacionamento complicado com a irmã, diz que é por
falta de interesses em comum e vê a sua família como “de poucas palavras, onde não se
conversa muito”.
94
Setton (2000-2001, p. 50) diz que “a noção de estilo de vida aponta para um diálogo constante e relacional entre os estímulos de um conjuntura e o comportamento simbólico dos indivíduos”. 95
Não entendo as orientações de gênero e sexualidade como categorias estanques, muito pelo contrário, mas também não as entendo como “líquidas” ao ponto de considerá-las inexistentes. Costumo refletir sobre as possibilidades de se mostrarem fixas e fluidas ao mesmo tempo, dependendo do contexto e da situação, algo próximo ao que Miguel Vale de Almeida (2010) chama de “essencialismo estratégico”.
98
Sua curiosidade pelo universo GLS começou ainda com 17 anos quando relata:
No ensino médio, quando eu tava com 17 pra 18 anos, eu pegava um ônibus da linha Tamoios Quando eu voltava do NPI, eu passava pela José Malcher com a Piedade. Nesse período, eu fiquei sabendo da existência da boate Go!. Eu fiquei super curioso pra saber como era e tal. “O quê que as pessoas fazem lá?”, “como é que é?” e “quanto paga pra entrar?”. E eu queria muito ir, mas eu não sabia como. Uma coisa que parece... uma logística, assim, que parecia impossível naquele momento.
Essa curiosidade foi atiçada ainda mais quando uma amiga disse que a boate
Ritmus havia mudado e que agora era um “lugar de viado e sapatão”. A boate Ritmus deu
lugar à antiga boate Go!, uma das poucas boates GLS no início da década de 2000 em Belém.
Ele disse: “Antes lá, era um lugar chamado Ritmus, eram um lugar hetero, digamos assim” e
“Eu fiquei interessado em saber”, mas não podia mostrar tanto interesse para essa amiga
porque ainda estava no processo outing e não queria ser questionado com relação a sua
sexualidade. Nesta época, tinha uma convivência maior com amigos fora do gueto, amigos
heterossexuais, com os quais fazia programas “normais”, como ir à pizzaria e lugares que
não destoavam da vivência “comum”. Mas, a partir de uma curiosidade em “querer
conhecer mais esse mundo”, lia aos domingos, na casa de uma amiga, a coluna dedicada à
amizade nos classificados dos jornais. Depois de alguns contatos, um rapaz, que cobrava por
serviços sexuais, tocou no nome da boate. Então, ele perguntou sobre preço e localização e
que havia decidido que “a minha chance é agora”. A desculpa que utilizou para driblar a
supervisão em casa foi dizer que iria para “o aniversário de um amigo e que seria complicado
voltar para casa, por conta do ônibus”. “Era um fuzuê danado” à frente da boate. E assim
descreve a sua chegada:
Antes de entrar foi um choque. Conheces a Glenda (Áquila)? Até então eu não conhecia ela por esse nome. Ela apareceu com um salto deste tamanho <e faz com os dedos uma altura por volta de 10 centímetros>, imenso assim. No começo, eu odiei ela. Achei aquilo feio, desnecessário, extravagante. E ela saia, fazia um escândalo, assim, um escarcéu na frente da boate. Sendo que a frente da boate era uma boate. Porque enchia de gente. Pessoas conversavam.
Ele foi sozinho. Mas havia combinado de ir com um rapaz que havia conhecido
nos classificados dos jornais. Afirma que a sensação de ter ido só foi responsável por “Uma
das minhas primeiras crises, todo mundo se conhecia, sabe?! Chegavam, ‘oi fulano’, beijos,
99
abraços. E eu: ‘o que é isso?’, ‘estou fazendo o quê aqui sozinho?’”. Esse sentimento foi
intensificado pelo medo de ser descoberto, principalmente por uma travesti que morava e
conhecia seus amigos heterossexuais. Mas, ainda na entrada, encontrou-a. O sentimento de
novidade é exposto na frase: “Aquilo era um mistura de coisas tão nova, que eu tinha medo
de me afogar, não sabe nadar muito bem, não sabe muito o que fazer, né?!”.
Durante a entrevista, percebi que ele se sentia muito confortável em relatar
esses fatos. Era uma espécie de desabafo. Nós já havíamos teclado96 algumas vezes e as
lembranças dele surgiam feito cascatas. Assim como a curiosidade em saber como a
entrevista seria direcionada. Eu havia explicado que a minha intenção era saber um pouco
da história de vida dele e que as perguntas seriam relacionadas às suas lembranças dos
momentos de sociabilidade no circuito GLS. Ele mostrou-se, desde o início, interessado em
participar da pesquisa ao ponto de me contar uma de suas maiores recordações: o momento
em que ele ficou pela primeira vez com outro homem. Me contou online e depois repetiu a
história off-line. Disse que sua perna tremeu e que ficou “meio chocado!”. Uma coisa
recorrente durante a entrevista era a sua fascinação por datas, tanto que afirmou que a
primeira vez em que foi a uma boate foi no dia 11 de abril de 2004. Mas, para além da
precisão com datas, ele mostrou-se desconfortável com a imprecisão dos relacionamentos
na boate, chegando a questionar-se: “Será que é assim? As pessoas se beijam e depois vai
cada um pro seu lado?”.
Depois desse primeiro contato, ele chegou a ir pela segunda vez, mostrando-me
mais uma data, o dia 12 de junho de 2004, na mesma boate e depois passou a conhecer
outros lugares com o avançar dos anos, de acordo com esse trecho:
Aí, foi que, em 2006, eu fui pela primeira vez na Parada Gay. Aí, foi que eu encontrei com esse meu amigo [da época de escola], com a namorada dele e cumprimentei, sabe?! Foi natural, assim. A gente tava numa festa... Aí, eu conheci outras boates. E a partir de 2005 eu conheci outros lugares. Eu continuei indo na Go! Aí, foi quando eu conheci a Rainbow. Eu fui na Submarine, eu acho que nem funciona mais, lá perto da Doca. Eu fui num bar chamado Conection, perto da Doca. Aí, avançando... Em 2007, eu fui na Vênus, fui na Ângela. Fui na boate do Caveira, que era uma coisa bem eclética. Aí, foi que, em 2007, eu fui na Chiquita. Eu fui conhecendo tudo que eu podia, sabe?!
96
Uma expressão do universo virtual e que corresponde a conversar, mas sem a oralidade.
100
A partir dessas experiências, em particular do estopim que foi o primeiro
contato, ele foi adentrando no universo GLS da cidade. Aos poucos foi conhecendo outros
pontos de sociabilidade juvenil, como a Praça da República e a Doca, assim como os sites e
salas de bate-papo da UOL. Depois de conhecer muitas pessoas e muitos lugares, ele
começou a se sentir “saturado” e as coisas foram perdendo “o frescor, a graça”. Mas essa
fase foi a responsável por mostrar a ele que: “não faz parte do meu mundo, do meu projeto
de vida”. Pois, de acordo com ele, “hoje eu não me considero fazendo parte” do mundo GLS,
pois os planos que vem traçando incluem uma pós-graduação, porém prevê que este plano
pode ser um drama na família por estar adiando a sua entrada no mercado de trabalho.
A partir das situações colocadas pelo interlocutor considero que a noção de
projeto, desenvolvida por Gilberto Velho (1981, 2003, 2006 e 2008), a partir da obra de
Alfred Schutz, é fundamental para considerar as situações que se desenvolveram ao longo
de sua trajetória, em particular do momento em que se desvincula do circuito para focar
numa vida acadêmica, exemplificado no desejo de cursar um mestrado.
Considerando a noção de projeto, é importante situar que este existe a partir de
um campo de possibilidades, que existe dentro de um contexto sócio-cultural. Velho (2008),
define assim a noção de projeto:
(...) o projeto não é um fenômeno puramente interno, subjetivo. Formula-se e é elaborado dentro de um campo de possibilidades, circunscrito histórica e culturalmente, tanto em termos da própria noção de indivíduo como dos temas, prioridades e paradigmas culturais existentes. Em qualquer cultura há um repertório limitado de preocupações e problemas centrais ou dominantes (p. 29). O projeto dá ênfase à dimensão mais consciente da ação social. Implica algum tipo de avaliação, uma estratégia, um plano para realizar certas metas, uma noção de tempo com etapas se encadeando. O projeto individual propriamente dito constrói-se através de uma idéia mais ou menos elaborada de biografia, de uma história de vida (p. 72). (...) a noção de projeto procura é dar conta da margem relativa de escolha que indivíduos e grupos têm em determinado momento histórico de uma sociedade. Por outro lado, procurava ver a escolha individual não mais apenas como uma categoria residual da explicação sociológica mas sim como elemento decisivo para a compreensão de processos globais de transformação da sociedade. Visa também focalizar os aspectos dinâmicos da cultura, preocupando-se com produção cultural enquanto expressão de atualização de códigos em permanente mudança. Ou seja, os símbolos e os códigos não são apenas usados: são também transformados e reinventados, com novas combinações e significados (p. 110).
101
Algumas características são próprias da noção de projeto, como “algo que pode
ser comunicado”, que “para existir precisa expressar-se através de uma linguagem que visa o
outro, é potencialmente público”. E “outra idéia importante é a de que os projetos mudam,
um pode ser substituído por outro, podem-se transformar”. Portanto, como analisa o autor,
“o ‘mundo’ dos projetos é essencialmente dinâmico, na medida em que os atores têm uma
biografia, isto é, vivem no tempo e na sociedade, ou seja, sujeitos à ação de outros atores e
às mudanças sócio-históricas” (VELHO, 2008, p. 29). E, ainda, “a noção de projeto (...)
enfatiza a margem de manobra existente na sociedade para opções e alternativas. De
alguma forma, um sujeito decide e escolhe um caminho específico” (p. 44).
Sobre a noção de campo de possibilidades, assim define Velho: “(...) trata do que
é dado com as alternativas construídas do processo sócio-histórico e com o potencial
interpretativo do mundo simbólico e da cultura” (2003, p. 28). E “(...) a noção de campo de
possibilidades como dimensão sociocultural, espaço para formulação e implementação de
projetos” (p. 40). E considera também que enxerga na
(...) noção de campo de possibilidades, a existência de alternativas e de margem de escolha e manobra, em termos de maior peso ou impulso não só em uma das duas direções mas também a viabilidade de encontrar caminhos e soluções que não possam ser encaixados em um dos pólos mencionados (VELHO, 2008, p. 79).
Portanto, o projeto de P. H. resume-se em terminar a graduação para entrar no
mestrado e desfrutar de uma vida acadêmica. Aliado a isso, está investindo na carreira,
fazendo estágio e aulas de inglês, rotina que mantém atualmente. Este exemplo mostra que
o acesso à universidade e outros círculos de sociabilidade foram responsáveis pela
reestruturação do seu projeto de vida, aberto pela possibilidade de investimento na sua
formação, que incluem um estágio e aulas de inglês.
2. 3. A.
A. é um homem homossexual, 27 anos, pardo, engenheiro florestal. Mora,
atualmente, com dois irmãos (uma irmã mais nova e um irmão mais velho) no bairro da
Cidade Velha. É natural do Distrito Federal, mas passou a infância em Paragominas, no
102
interior do Pará. De todos os entrevistados foi o mais lacônico. As respostas não demoravam
muito e eu tive que, por várias vezes, exemplificar com a minha trajetória de vida para que o
diálogo pudesse render. Nós nos conhecemos pessoalmente no dia do meu aniversário de
28 anos, em 11 de janeiro de 2012, no cinema da Estação das Docas. Mas antes fomos
apresentados por um amigo em comum, quando eu procurava por interlocutor@s para a
pesquisa, numa rápida conversa por telefone onde tentamos marcar um dia para a
entrevista. E antes que a entrevista de fato acontecesse, nós compartilhamos de uma
experiência em comum. Poucos dias depois do primeiro encontro, no dia 16 de janeiro,
fomos ao Cine Ópera, junto desse amigo que nos apresentou. Seria a sua primeira vez no
cinema, a minha segunda e a do amigo a terceira. Após esse momento, ainda na saída
resolvemos marcar a entrevista, que só iria acontecer depois de uma semana. A entrevista
foi realizada numa sala na Federal. Ele estava voltando da universidade onde está
terminando uma especialização. Quando começamos a entrevista ele mostrou-se tenso. Eu
já tinha avisado que usaria um gravador, mas ele se espantou quando eu alertei de que o
mesmo estava ligado, o que parece te feito com que ele travasse ainda mais.
A palavra que mais ouvi, durante a nossa conversa, foi “normal”. Com isso,
explicava que sua infância, por exemplo, tinha sido como a de qualquer criança, como nas
frases: “fui criado normal, na rua” ou “tinha uma convivência normal com vizinhos, amigos”.
O esforço que apliquei para que ele conseguisse explicitar mais aspectos de sua criação
surtiram pouco efeito. Resolvi mantê-lo no rol de entrevistados por ter sido a experiência
mais embaraçosa durante o campo, principalmente no que concerne às entrevistas.
Afirmou que durante a sua infância fez coisas como qualquer menino: “jogava
vôlei”, “tomava banho em igarapé” e que via o sexo como “coisa sem importância”. E que,
principalmente, em sua casa não se falava sobre o assunto. Tentei saber um pouco mais
sobre a sua trajetória afetivo-sexual, tendo ele me respondido: “sempre fui na minha”; mas
que durante a adolescência namorou meninas e meninos, mas que para as relações se
desenvolverem elas deveriam se “dar com intimidade”.
Observei períodos longos de silêncio, no qual ele, creio eu, tentava reconstruir
uma memória, mas em nenhum momento ele quis abandonar a entrevista ou pediu para
que eu desligasse o gravador. As perguntas eram as mesmas que eu havia feito para as/os
103
outros entrevistados, com a mesma intensidade, sem pressões. E reservando o mesmo
tempo para as respostas. Mas respostas sempre vinham em companhia de silêncio.
Quando eu perguntei se se sentia diferente dos outros meninos, a resposta veio
com a afirmação: “não me sentia diferente por essa condição”. No qual ele emendou: “eu
sabia que não era certo”, “mas fazia escondido”. Na família a coisa acontece tal qual na
entrevista, de maneira lacônica. Ninguém pergunta e ninguém responde, como ele pode
deixar claro: “sabia que eles nunca iam aceitar” e “eles também nunca me perguntaram”.
Sendo que o silêncio com relação à sua orientação sexual só foi quebrado na família pelos
irmãos que convivem com ele em Belém, mas principalmente pela irmã. Pois quando eu
perguntei se ele chegou a apresentar o atual namorado para os irmãos, ele disse que: “só
pra minha irmã, mas ela agia normalmente”. Ou como no trecho:
[Mílton] E tu não tinha nenhum tipo de preocupação com relação a apresentar (o namorado)? [A.] Não. Até porque ela me falou que se era uma pessoa tranquila, que não representasse nenhum risco, podendo fazer alguma coisa, ela encararia de boa.
O “perigo” representado pela sexualidade dissidente do irmão mostra-se
claramente na fala da irmã de A., uma vez que o irmão fugiu dos padrões estabelecidos pela
heteronormatividade. Ou seja, ao direcionar seu desejos erótico-afetivos para alguém do
mesmo sexo, este só poderia sofrer com as consequências, manifestada pela preocupação
com que a pessoa que ele viesse a se relacionar fosse “tranquila” e não representar nenhum
risco. O irmão, por outro lado, não é nem comunicado, “até porque eu sei que ele não vai
agir normalmente com a pessoa”.
Com base nisso, observo que algumas situações de conflitos (como a descrita
acima) e a partir das outras entrevistas e conversas durante o campo, quase sempre,
questões sobre preconceito, discriminação e homofobia eram retratadas. Seja por parte de
desconhecidos ou da família, é evidente que todas/os as/os interlocutoras/es da pesquisa já
haviam passado por algum constrangimento relacionado à sua sexualidade.
Foucault (2009, p. 2), ao falar da amizade, diz que
(...) é isto o que torna ‘pertubadora’ a homossexualidade: o modo de vida homossexual muito mais que o ato sexual mesmo. Imaginar um ato sexual que não esteja conforme a lei ou a natureza, não é isso que inquieta as pessoas. Mas que
104
indivíduos comecem a se amar, e aí está o problema. A instituição é sacudida, intensidades afetivas a atravessam, ao mesmo tempo, a dominam e pertubam. (...) Estas relações instauram um curto-circuito e introduzem o amor onde deveria haver a lei, a regra ou o hábito.
Com isso, as ordens sociais e morais são desestabilizadas, é necessária uma nova
ordem, outro ordenamento. E com isso o preconceito, a discriminação e a homofobia
configuram-se, pois, além da nova relação que se instaura, os modelos hegemônicos
relativos ao gênero são desconstruídos, uma vez que
(...) a masculinidade hegemônica é um modelo cultural ideal que, não sendo atingível por praticamente nenhum homem, exerce sobre todos os homens um efeito controlador, através da incorporação, da ritualização das práticas da sociabilidade quotidiana e de uma discursividade que exclui todo um campo emotivo considerado feminino; e que a masculinidade não é simétrica da feminilidade, na medida em que as duas se relacionam de forma assimétrica, por vezes hierárquica e desigual. A masculinidade é um processo construído, frágil, vigiado, como forma de ascendência social que pretende ser (VALE DE ALMEIDA, 2000, p. 17).
A citação acima faz parte da etnografia do antropólogo português Miguel Vale de
Almeida (2000), onde este procurou desvendar os meandros da masculinidade entre
moradores de uma pequena cidade portuguesa. Uma das constatações foi a oposição entre
os pólos masculino e feminino, no qual um se dava em relação ao outro, dentro de um
sistema de contrastes e oposições. E dentro de uma posição que os afastassem da
homossexualidade também, esta entendida como parte do feminino.
A masculinidade é frágil, em termos sexuais nada se pode mostrar de concreto (de visível, de mais observável que o discurso verbal), pelo que tanto medo como a forma de agressão mais comum se fazem na linguagem da homossexualidade, enquanto categoria passiva, simbolizada na imagem da penetração anal, feminizando assim o homem. Este recurso retórico é usado em todas as relações competitivas e conflituosas entre homens, seja no trabalho, nos negócios ou no jogo. Por sua vez, a homofobia situa e exorciza o perigo homossexual da homossocialidade. Nunca é demais referir que uma das características centrais da masculinidade hegemônica, para além da ‘inferioridade’ das mulheres, é a homofobia (p. 68-69)
97.
97
Miguel Vale de Almeida (2000, p. 69, nota de rodapé 19) assim define a homofobia: “A expressão ‘homofobia’ tornou-se comum no vocabulário quer das Ciências Sociais quer do activismo político-sexual, a partir da sua introdução por pensadores do movimento gay. Significa o medo da homossexualidade, dos homossexuais e da própria homossexualidade latente, medos esses exorcizados em formas de acção social que excluem, discriminam (e até atacam, fisicamente) aqueles homossexuais que exibem os sinais culturalmente estereotipados como reveladores da sua orientação sexual (efeminação, travestismo, militantismo)”.
105
Assim, A. termina a entrevista dizendo que hoje é uma pessoa que “sabe o que
quer porque antes eu estava em dúvida”. E continua, ao falar sobre a sua sexualidade:
“Porque eu acho que não valia a pena me comportar da forma como as pessoas queriam”.
Era condenado por desejar pessoas do mesmo sexo, pois “na época ouvia que as pessoas
que faziam iam para o inferno”. Mas que a partir do amadurecimento, ele agora se julgar se
capaz de compreender que a sua orientação sexual não é antinatural.
2. 4. D.
D. é um homem bissexual, 23 anos, pardo, ensino médio incompleto. Mora com
a família, no bairro da Marambaia. Foi criado num lar evangélico, mas agora é praticante da
wicca98. Nos conhecemos pela web, através da sala de bate-papo da UOL, na época em que
procurava interlocutor para a pesquisa. Mantivemos contato pelo MSN durante longo
período, no qual eu procurava sondar sobre a sua história de vida, até que eu perguntei se
ele gostaria de me conceder uma entrevista e ele aceitou. Do aceite até a entrevista foram
quase dois meses, pois como ele trabalha durante a semana, das 7h até 18h, e reserva as
noites para estar com o namorado, só nos sobrava os finais de semana. Porém, ele concorre
a uma escala de serviço e nem todos os finais de semana ele está livre. Então, o momento
oportuno surgiu quando uma amiga deixou a casa para que ele tomasse conta. E no sábado,
28 de janeiro, fizemos a entrevista.
Estava ansioso pelo encontro. Havíamos marcado o encontro em frente à parada
de ônibus do conjunto habitacional Jardim Sevilla, localizado na rodovia Augusto
Montenegro, no qual a casa da amiga está localizada. Ele já tinha sinalizado que o namorado
estaria junto. E assim aconteceu. Eles chegaram juntos para me buscar na parada. Durante o
trajeto, até a residência, fui conversando com eles sobre as hipóteses da pesquisa, sobre os
meus dados de campo, relativos principalmente à frequência diminuta de casais nos espaços
GLS, no que eles afirmaram que também preferem não ir muito às boates. Tinha levado,
além do gravador, uma versão da minha dissertação para que eles pudessem ler, caso
quisessem. Depois, já na casa, os dois folhearam mas não se detiveram na leitura.
98
Tipo de bruxaria moderna.
106
A entrevista começou contando, além dele e de mim, com mais duas pessoas: o
namorado e um amigo. Mas depois de um breve período, por volta de cinco minutos do
começo da entrevista, o amigo se retirou, ficando apenas eu, D. e seu namorado. Estávamos
na cama, eles deitados e eu sentado. Depois de um longo período, e percebendo o meu
desconforto com a posição, o namorado colocou as pernas às minhas costas e disse que eu
poderia apoiar-me nelas com o auxílio de um travesseiro, no que eu relaxei a posição. A
conversa foi agradável e sofrendo interferências do namorado. Essas, quase sempre, diziam
respeito ao tipo de comportamento que o D. tinha antes de se conhecerem. Chegando até
mesmo a dizer que não confiava no D. por conta de seu passado, mas que fazia um esforço
para que continuassem juntos.
Quando falávamos sobre sua família, disse-me que é adotado e quem em razão
disso teve uma “criação com mais atenção que os outros filhos”. Na parte referente à
criação, e por conta da família evangélica, disse que nunca conversou com sua mãe sobre
sua sexualidade, pois para sua mãe: “é homem pra mulher, mulher pra homem”. No
momento em que me referir, ao namorado e à relação com a família, ele disse:
[D.] Comecei a levar agora. Ele foi o primeiro que conheceu minha família. E eles tratam normal. [Mílton] Os irmãos? [D.] Sim, os irmãos. [Mílton] Mas tu acha que tua mãe desconfia? [D.] Tenho certeza que ela desconfia porque eu sou muito assim, sabe?! Mas ela fica na dela. Porque tudo que acontece ela sabe. O pessoal falava: “O D. não sei o quê”. E os meus irmãos: “Não mãe, tá na moda essa roupa assim”. Eles sempre contornavam as coisas. E a mamãe: “Ah, tá certo, tá ótimo”.
Ele esconde da mãe a sua sexualidade, mas os irmãos compartilham deste
“segredo”. Pois, afirma que quer poupar a mãe. Mas esse segredo compartilhado foi
descoberto à força, por uma das irmãs, como o trecho abaixo deixa claro:
[D.] Eu não cheguei a falar. Ela descobriu e insistiu, insistiu. [Mílton] Mas como ela descobriu? *D.+ Ela deduzia. Ela foi chutando, chutando. Até que eu disse: “é verdade, é verdade”. Aí, todo mundo ficou sabendo. Todos os irmãos ficaram de mal. Depois foram se acostumando. Tanto que hoje eles falam: “faz o que tu quiser, mas fica na tua, não fica se expondo, nem dando motivo pra ficarem falando de ti”.
107
A revelação forçada para a irmã e o monitoramento exercido pelos outros irmãos
agem como um dispositivo de controle e cerceamento da sexualidade dissidente de D.,
exercidos através dos avisos e pela atenção que ele deveria ter. Exemplificados, a partir do
alerta para não ficar “se expondo” e nem “dando motivo pra ficarem falando de ti”. Dessa
situação, principalmente relacionada à sexualidade, pode ser inferido que o medo derivava
das expectativas frustradas pela nova condição, tanto com relação à sexualidade quanto ao
gênero, que se apresentava por D.. Compartilhando do que diz Vale de Almeida (2000) com
relação à masculinidade:
O modelo da masculinidade é competitivo e hierarquizante, incluindo por isso o espectro da feminilidade nas disputas pela masculinidade. Tenta-se, na competição, feminilizar os outros: pelos gestos de convite sexual que transformam a vítima em ‘mulher simbólica’, pelas brincadeiras que envolvem o apalpar dos traseiros, ou mesmo pela competição monetária, já que a capacidade econômica se associa ao lugar na hierarquia social e esta socorre-se da metáfora da dicotomia masculino/feminino e activo/passivo. Em todo caso, o recurso ao tropo da homossexualidade é recorrente. Esta é sempre entendida como desempenho de um papel passivo, penetrado, numa relação sexual fantasiosa, em que o ‘activo’ e penetrador não perde, pelo facto, masculinidade (p. 189).
E mesmo para D. frustrar essas expectativas, relacionadas ao gênero – e
consequentemente em relação à sua sexualidade –, era complicado, pois ele mesmo ainda
não entendia sua bissexualidade, pois as experiências erótico-afetivas surgiram ainda na
adolescência, num contexto de brincadeira.
Eu comecei a ter mais vontade foi por volta dos 15, 16 anos. Eu nunca tive certeza. Os meus amigos eram todos do mesmo jeito. Parecia que eu tinha um “chama”. Aí, depois, foi a primeira vez. Aí, eu gostei. [pesquisador: e a primeira vez com alguém do mesmo sexo?+ Foi com 16 anos. Foi numa brincadeira de “verdade ou desafio” [pesquisador: mas isso num grupo só de meninos ou só de meninas?] Não. Eu tava afim de uma menina e um amigo tava afim de outra menina. Aí, eu disse: “vamos, eu, tu e elas brincar?”. Ele disse: “bora”. Tinha um plano de cada um ficar com uma. Aí, na brincadeira uma dela disse: “eu desafio os dois se beijar”. Aí, um olhou pro outro e eu disse: “caramba”. Eu disse: “não”. E ele disse: “não”. E eu: “cara, não acredito, quero ficar com essa menina”. Aí, foi, foi, foi. Mas eu disse: “morre aqui”. Aí, foi e a gente se beijou. Mas a gente se beijou e eu me saí. Só que ele ainda foi. Mas aí eu “tá, tá, tá”.
E o desejo que antes era apenas heterossexual passou a se mostrar também
homossexual porque depois disso ele passou a ter dúvidas com relação à sua
108
heterossexualidade. Depois desse primeiro contato, o menino a quem ele tinha beijado
revelou que estava gostando dele. Com esta revelação ele sentiu que estava em dúvida
também. E encontrou num amigo alguém com quem pudesse compartilhar o seu “segredo”:
No começo eu não queria falar nada pra ninguém porque nem eu sabia o que queria na verdade. Aí, “será que estou curtindo?”. Aí, foi quando eu conheci o J. A menina que trabalhava na casa dele já desconfiava dele, sempre desconfiou dele. “Será que ele é?”. Eu fiquei com medo de contar, mas um dia cheguei e disse: “Eu tô ficando com um cara, assim, assim, assim”. Aí, a partir dali eu tive uma pessoa com quem eu podia falar. Pelo menos pra saber se eu ia continua assim ou não. Aí, eu gostei. No começo eu estava meio receoso porque a minha mãe não sabe de mim, mas ele tem dúvida? Ela tem.
Assim, a amizade com J. foi responsável por um sentimento de identificação, pois
J. também estava descobrindo sua sexualidade99. Ambos compartilhavam do mesmo
segredo, que os tornam iguais por esconderem. E considerando que o processo de
identificação envolvendo questão de amizade nas grandes cidades já foi tema de alguns
trabalhos, reporto-me às considerações de Velho (2006, p. 35) para refletir, pois assim ele
diz:
A rede de amigos e a sociabilidade por ela permitida fornecem outras alternativas que, no quadro da grande metrópole, associadas às opções de espaços e contextos diferenciados, possibilitam um campo de manobra maior e mais rico do que em sociedades de pequena escala ou em cidades do interior. Os projetos individuais se viabilizam através de formas de reciprocidade regidas por normas talvez mais ambíguas, mas com um variado leque de alternativas. Existem amizades duradouras mas o importante é que se podem fazer e desfazer. Ou seja, se os laços entre amigos não obedecem a padrões rigidamente definidos de trocas e obrigações, há maiores possibilidades de se estabelecer novas relações que substituam, completem ou ampliem as tradicionalmente dadas pelo universo da família e do parentesco em geral, onde o código de aliança se expressaria com maior nitidez. A amizade não pode ser definida negativamente ou como complementar aos laços de parentesco. Trata-se de um tipo de sociabilidade específica, caracterizada pela grande ênfase da liberdade de escolha individual. É evidente que há uma relação entre a possibilidade de separar-se e a mobilidade e plasticidade do domínio da amizade.
A afirmação acima está ligada às possibilidades dadas pela metrópole, pela
efemeridade das relações na modernidade, pela possibilidade de se viver vários papéis
sociais, pela fragmentação nas construções identitárias, pela possibilidade de se fazer,
99
Neste caso, uma homossexualidade. J. era o amigo que estava presente no início da entrevista.
109
desfazer e refazer laços de amizade. Assim, a sexualidade dá a possibilidade de viver uma
experiência específica na cidade, ainda mais porque esta conta com equipamentos que
possibilitam essa vivência sem “escrúpulos” e “medo de represálias”.
Na etnografia sobre um network homossexual e homossocial carioca, Carmem
Dora Guimarães (2004) diz assim:
Apesar de estes relatos refletirem experiências pessoais distintas, configuram na sua essência um processo social comum. O indivíduo de identidade homossexual estabelece, na descoberta de outros semelhantes, uma primeira ruptura com a condição de estigmatizado. Tal descoberta representa, também, a primeira etapa na passagem para a identidade homossexual “positiva” (GUIMARÃES, 2004, p. 55-56, grifos meus).
As considerações de Velho (2006) e de Guimarães (2004) são pertinentes ao
passo em que os laços com pessoas que compartilhem do mesmo estilo de vida, ou da
mesma condição dissidente, seja pela sexualidade e/ou orientações de gênero, geram um
sentimento de identificação com o “meio”, com a “comunidade” e os “espaços”. E foi assim
com D. também, pois J. o iniciou no mundo mostrando como a internet poderia ser também
uma aliada na entrada nesse novo universo (e que na outra seção será melhor exposto).
2. 5. P.
P. é uma mulher lésbica, 23 anos, “preta”, estudante de Psicologia. Atualmente,
mora com a mãe, no bairro da Pedreira. Foi criada pela mãe junto com uma irmã mais nova.
Os pais se separaram quando ela tinha por volta dos 5 anos e diz ter tido “a sorte de
encontrar um pai adotivo”, “que me adotou como filha”. Disse ter uma relação distante com
o pai e que a mãe “sempre trabalhou bastante”, como auxiliar de enfermagem, para
sustentar as duas filhas; assim pode estudar em colégio particular durante todo o ensino
básico.
A entrevista foi feita numa sala da Federal. Estávamos sozinhos. E fomos
interrompidos logo no início da entrevista, mas não ocasionou transtorno para a
continuação da mesma. Nos conhecemos há quase cinco anos. Já saímos juntos por várias
vezes. Nossa relação de amizade é muito próxima, mas alguns aspectos relacionados à sua
família eram por mim desconhecidos. Exceto por um acidente ocorrido em sua casa, que
110
sofreu um incêndio, e o nascimento do sobrinho, poucos aspectos de sua vida em família
eram conhecidos por mim. Esta entrevista serviu também para estreitarmos os laços de
nossa amizade.
Por conta de certa intimidade, fiz as perguntas sem receio. Mas respeitando,
obviamente, os limites dela tanto quanto respeitei das/dos outras/os entrevistadas/os.
Nossa conversa transcorreu tranquilamente, e em nenhum momento ela se recusou a
responder ou ficou constrangida com as perguntas. Como quando, por exemplo, eu
perguntei sobre a sua orientação sexual, ela foi categórica: “eu digo que eu sou lésbica”. E
continuou: “eu não gosto muito de usar a palavra homossexual, embora em certos
momentos caiba”. E, assim se define: “eu gosto de acentuar, por eu ser mulher, de acentuar
isso: eu sou lésbica”. E continua: “também tem a ver com uma ação política, com uma
questão de afirmação dessa identidade”.
Quando eu questionava sobre sua criação e se se falava sobre sexo na família ela
pontou que
Não acontecia. Que eu me lembre, assim... tinha... era meio que um assunto que tu sabias pelo fato de não ser falado <risos>. Percebe a existência pela ausência. Por saber desde muito cedo, assim, acho que já percebia, assim, o meu desejo por pessoas do mesmo sexo, desde os oito... Eu acho que com 11 anos eu já tinha certeza que gostava de mulheres. Então, por conta disso eu nunca me aproximei pra falar com a minha mãe sobre isso. E eu sei que com a minha irmã... por a minha irmã se aproximar dela, fazer perguntas e enfim. Ela já conversava um pouco mais sobre isso, mas a minha irmã é heterossexual. E eu não via abertura pra falar sobre isso. Então, eu sabia que de vez em quando ela falava umas coisas assim é... superficialmente, tipo: “olha, toma cuidado”. Quando a gente foi ficando com 15, 16 anos: “olha, toma cuidado”. Quando eu comecei a sair mais: “vê lá o que tu vai fazer”, não sei o quê... essas coisas assim. Mas nunca chegar pra conversar mesmo.
E nessa relação do não-dito é que ela foi construindo a sua sexualidade. Formou
um “grupo de amigas e um amigo”, já na adolescência, com quem pôde vivenciar e
compartilhar suas primeiras experiências com pessoas do mesmo sexo; assim como
começou a frequentar espaços de sociabilidade juvenil na cidade. O trecho a seguir expõe
um pouco desse momento:
Foi um momento bem marcado na minha história de vida... Foi num momento que eu, com 15 anos, que eu conheci um grupo de amigas e um amigo. E foi aí que a gente começou a ficar bem próximos. Eu acho que, eu tinha os meus amigos da rua mas eu não era tão próxima deles como eu me tornei nesse momento. Então, eu
111
diria que dos 11 até mais ou menos os 15, mesmo eu sabendo que gostava de mulheres mas eu não tinha falado pra ninguém ainda. Eu guardava isso pra mim e era um sofrimento muito grande não ter com quem dividir, não ter com quem falar. Aí, quando eu encontrei com esse grupo de amigas que eu me senti com liberdade pra falar isso. E aí foi que já tinham... a maioria era de amigas e tinha um menino no nosso grupo de amizades. E aí, foi que ele também falou que também gostava de homens. E aí, acabou que a gente se uniu bastante. E aí, uma outra amiga nossa também falou que ficava. E meio que sem saber a gente acabou se unindo num grupo de iguais entre aspas. E aí, foi muito bom. Porque eu lembro que dos 15 pros 16 foi quando eu tive, eu acho, a iniciação de boa parte... tanto da minha vida sexual, mas da sexualidade de uma forma geral. De conversar sobre isso, de saber, de frequentar lugares... de dividir um pouco essas coisas, sabe?! Das dúvidas que a gente tem, muitas. Do medo de que os outros saibam, todas essas coisas. Tanto que esse meu amigo é até hoje um dos meus melhores amigos. Mora próximo de casa e sempre que eu posso saio, vou na casa dele.
O “grupo de iguais” estava relacionado às práticas homoeróticas desenvolvidas
por seus membros. Essa prática foi a responsável pela união do grupo, onde se podia
compartilhar experiências próximas, onde era permitido vivenciar esse “desvio”. Com isso,
reporto-me às considerações feitas por José Fábio Barbosa da Silva (1959), em artigo
pioneiro no campo das ciências sociais brasileiras ao analisar sociologicamente a
homossexualidade – homossexualismo à época – encontra já naqueles anos perfis grupais
muito próximos ao que se visualiza hodiernamente, haja vista que
O grupo homossexual tem um grande poder sobre o comportamento dos seus membros. Parece-nos que isso se deve, essencialmente à posição peculiar do grupo, de ser o único cenário possível para efetivação do tipo de vida compatível com os anseios e necessidades do homossexual. Só dentro do seu grupo encontra aprovação e as possibilidades de agir, sem as sanções ou barreiras existentes fora do grupo. No seu meio, os indivíduos se sentem em contato com pessoas que são capazes de compreendê-los e de incentivá-los; os demais grupos da comunidade, ao contrário, tendem a refrear os aspectos da personalidade homossexual, valorizados negativamente em nossa cultura. O grupo homossexual dá ao seu componente a máxima liberdade de auto-realização e de manifestação nesse sentido, pois é essa sua função principal (...) Outra função importante, preenchida por esse grupo é a socializadora: os novos membros realizam e completam, nele, a formação e o desenvolvimento da personalidade homossexual. Além dos pares de confidência, são no grupo aprendidas, ensinadas ou relatadas, novas formas e técnicas de prazer sexual, estabelecem-se contactos com heterossexuais conhecidos ou não, padrões de homossexualismo são aprendidos, discute-se sobre modas, carnaval, festas homossexuais, etc. É no grupo que os homossexuais se iniciam e são classificados, perdem as suas inibições de viver e mostrar-se como homossexuais, aprendem a desfilar, usar roupas femininas e meios de atração e defesa do parceiro sexual. Em suma: ele representa para o homossexual, um ponto de apoio psicossocial e moral; oferece-lhe segurança, maior conforto, perspectivas de ter uma vida organizada com centros de interesses e valores próprios. Se ele não explica, totalmente, a diferenciação da personalidade do homossexual no plano biopsicológico, é a agência sócio-cultural, por excelência, que seleciona,
112
regula e orienta os ideais de vida do homossexual passivo (SILVA, 1959, p. 359-360).
Entretanto, mesmo que o grupo de P. fosse composto basicamente de mulheres,
sendo um único homem membro dele, não nos afasta da perspectiva de Silva (1959),
exposta acima, pois é a partir desse encontro como indivíduos iguais, que compartilhem de
experiências semelhantes, faz com que os laços e até mesmo a identificação com o “meio”
aumente. E foi assim com P., como poderá ser visto na seção seguinte.
2. 6. R.
R. é um homem gay, 30 anos, negro, ensino médio completo. Mora no bairro da
Cremação com os pais. Durante a entrevista, explicitou por inúmeras vezes a admiração que
sente principalmente pela mãe, de quem afirma vir seu temperamento explosivo. Afirmou
que durante a infância já percebia que não “era como os outros meninos”. Por inúmeras
vezes referenciou o caráter “normal” de sua criação, dizendo que em nada se diferenciava
do que via na casa de amigos, mas que: “eu sabia que era diferente.
A entrevista aconteceu na minha casa, durante a tarde. Conheci R. por meio de
uma prima, na época em que ele trabalhava na casa dela, mas já o enxergava há bastante
tempo. Porém, ele é mais conhecido por um apelido. Nem sabia de seu verdadeiro nome até
ser revelado na entrevista. Jamais refere-se a partir de seu nome de batismo. Quando cita a
frase de alguém sobre si, sempre faz chamando-se por esse apelido.
Antes da entrevista, eu estava tenso. Pois não sabia como ele iria receber as
perguntas, embora não tivesse nenhuma pergunta que fosse ofendê-lo. Mas naquele
momento eu estava bastante inquieto. Fui chamá-lo na casa da minha prima, na hora
marcada, e ele acompanhou-me até em casa. A distância que separa a minha casa da dela
não chega a 50 metros, então fui buscá-lo e voltei rápido para casa com ele. Ficamos
sozinhos durante toda a entrevista e não fomos interrompidos uma única vez. Ele não se
mostrou desconfortável com as perguntas, nem com o ambiente. Ele estava sentado no sofá
e eu em uma cadeira perto. Ele falava olhando para mim. E eu correspondia olhando-o de
volta. Penso que com isso ele se sentiu mais confortável para responder a todas as
perguntas, tanto que ao final ele disse: “mas é só isso?”. E eu respondi: “sim, esperavas
113
mais?”. E ele: “esperava perguntas mais fortes”. No que eu ri. Com ele, fiz os mesmos rituais
de entrevista: inicialmente, ao contatá-lo expliquei os motivos e inquietações da pesquisa;
antes da entrevista gravada, conversamos sobre alguns dados da pesquisa, na tentativa de
fazê-lo falar; e, ao final, emendamos uma conversa sobre as boates e impressões dos lugares
que ele costuma frequentar.
Da conversa final, por exemplo, consegui extrair que ele gosta de homens mais
novos que ele, de preferência brancos. Assim, soube um pouco de como foi sua iniciação
sexual e em que situação se deu. Ele disse-me que fora com um vizinho seu, quando tinha
por volta dos 13 anos, e que o rapaz tinha a mesma idade. Eles esperaram o momento em
que a mãe de R. fora ao supermercado para fazerem sexo. Disse que gostou muito porque
“gostava muito dele”. Mas que depois de algum tempo este rapaz se mudou e eles não se
viram mais. Afirmou que ninguém soube desse seu primeiro encontro sexual. Mas que os
posteriores não se deram tão em segredo assim. Entretanto, afirmou que nunca transou
com mulher.
Uma das características mais interessantes de R. é que ele, apesar de se
considerar gay, não tem restrições em usar roupas femininas. Recordo de tê-lo visto, vestido
com roupas e acessórios femininos, no réveillon de 2011, onde ele surgiu com uma sandália
de salto alto, um short jeans curto e uma blusa feminina amarela, além de estar com os
longos cabelos naturais, quase na altura da cintura, bem alisados. No dia da entrevista se
vestia semelhante, mas sem tanto glamour. Mesmo assim, afirmou que não se considera
uma travesti.
Sobre o processo de aceitação da família, disse que foi “normal”, “que desde
cedo eles sabiam que eu iria pra esse lado”, “porque eu já demonstrava o que seria” e que a
situação não tomou maiores proporções. Não citou nenhum caso de desrespeito ou
desprezo da família nuclear com relação a sua orientação sexual e de gênero. E assim relatou
como foi sua criação:
Eu acho que meus pais sempre souberam. Tanto que quando cheguei na adolescência eles não me perguntaram nada. E eu já tinha ficado com homem e tudo mais. Já tinha feito sexo. Mas eles nunca tocaram no assunto. Nem quando eu comecei a usar saltão, nem quando eu deixei meu cabelo crescer <risos>. Acho que só uma vez a minha mãe falou alguma coisa, mas do tipo... Ela perguntou se eu me sentia bem. Eu disse que sim. E ela não falou mais nada. Eu pensava que meu pai ia me expulsar, bater... pensei que ele ia me matar. Mas quando. Não fez nada. Nem
114
brigar, nem nada. Me dou bem com os dois. Saio direto, trabalho muito e não dou chance deles me criticarem.
O aprendizado de gênero se dá em várias dimensões100, assim como na questão
relativa à sexualidade, pois estão imersos numa normatividade que circunscreve ações
apropriadas (função prescritivas) e controla e inibe ações não apropriadas (função
proscritiva)101. E para a filósofa Judith Butler (2003)
O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos. Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza; ele também é o meio discursivo/cultural pelo que ‘a natureza sexuada’ ou ainda ‘um sexo natural’ é produzido e estabelecido como ‘pré-discursivo’, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura (...) Na conjuntura atual, já está claro que colocar a dualidade do sexo num domínio pré-discursivo é uma das maneiras pelas quais a estabilidade interna e a estrutura binária do sexo são eficazmente asseguradas (p. 25).
Então, no caso de gêneros e sexualidades que fujam ao pré-estabelecido, que
escapem às normas culturalmente sancionadas, os/as sujeitos/as padecerão justamente por
seu caráter abjeto e serão postos à margem, sendo configurados a partir do etnocentrismo
contido na relação, pois de acordo com Guacira Louro (2001)
A afirmação de identidade implica sempre a demarcação e a negação do seu oposto, que é constituído como sua diferença. Esse ‘outro’ permanece, contudo, indispensável. A identidade negada é constitutiva do sujeito, fornece-lhe o limite e a coerência e, ao mesmo tempo, assombra-o com a instabilidade. Numa ótica desconstrutiva, seria demonstrada a mútua implicação/constituição dos opostos e se passaria a questionar os processos pelos quais uma forma de sexualidade (a heterossexualidade) acabou por se tornar a norma, ou, mais do que isso, passou a ser concebida como ‘natural’ (p. 549).
E é com base na heterossexualidade como norma, como conduta moral, como
dado “natural” que a relação com o “outro” homossexual se transformará em preconceito,
pela falta de compreensão deste estilo de vida “alternativo” e com isso visualizar distorções
100
“Em relação ao gênero, é na família que a prática da imitação treina o corpo para ser culturalmente masculino, o pensamento e a palavra para pensarem certas coisas e não outras sobre o que são homens e mulheres. No grupo de crianças, esse conhecimento é testado, avaliando os outros, os desvios censurados; e na escola, recebendo-se uma doutrina escrita sobre elementos da história e da vida em sociedade que vêm sempre marcados com o carimbo do gênero” (VALE DE ALMEIDA, 2000, p. 237). 101
Cf. Guimarães (2004, p. 47).
115
nestes tipos de vivências e discriminação, por negar acesso e direitos aos “marginais”, pelo
simples fato de não os/as considerarem normais ou dignos de desfrutar os mesmos direitos
constitucionais. Deste modo a homofobia ganha corpo.
O trecho transcrito da entrevista de R. demonstra mais uma vez o processo de
silenciamento da família com relação ao processo outing das/dos filhas/os. E destoa um
pouco da realidade vivida por grande parte dos homens que começam a incorporar
elementos do gênero feminino, principalmente com relação às vestimentas. Esses tendem a
ser expulsos de suas casas, pois mancharam a honra da família. No caso descrito acima, a
família não expulsou o filho, mas mantém uma convivência cordial. O silêncio foi quase
quebrado na atitude da mãe, quando esta perguntou se o filho “se sentia bem”. Neste caso,
se se sentia bem para quebrar com as regras/normas de gênero. No que o filho assentiu
afirmativamente. Os poucos momentos de conflito entre R. e os pais se davam por conta,
quando este ainda era adolescente, das amizades. Ele disse que começou a sair muito com
amigos e que todos eram gays. Iam para as festas de aparelhagem e foi nesse momento que
diz ter tomado “gosto pela coisa”. “Sair para festa, estar com os amigos e arranjar homem”
eram algumas das atividades desse grupo, ao ponto dele afirmar:
Eu estava numa onda de sair direto, principalmente quando eu conheci um grupo de amigos que eram gays também. Eu morava na Cremação e eles eram do Jurunas, Canudos, Guamá... mas nos encontrávamos no colégio. Isso por volta dos 17, 18 anos, quando eu fazia o antigo segundo grau. Andava muita bicha comigo. Eles iam lá em casa direto e a mamãe começou a reclamar, mas eu disse que não ia levar mais ninguém lá e ela se aquietou. Mas não adiantava. Eles sempre iam lá em casa. Passavam na rua, faziam aquela confusão quando chegavam perto de casa. Gritando bem alto. Acho que era pra mamãe ouvir porque eu tinha comentado com eles. Mas tu sabe como é bicha, né?! Elas querem afrontar, parece. Aí, gritavam pra me chamar lá em casa. E eu ia lá pra frente falar com eles e a mamãe reclamava depois. Mas nesse momento eu já nem ligava pra ela. Gostava de estar com eles. Da gente sair.
Esse momento de identificação com os pares foi para ele muito importante. Pois,
no decorrer da entrevista, ele afirmou que foi com esses amigos que aprendeu tudo o que
ele sabe hoje em dia. E foram eles que apresentaram as boates GLS. Ele disse, também, que
já foi em muitas boates, mas que hoje só vai se algum amigo estiver competindo em algum
dos concursos de drag ou quando está a fim de sair do circuito de festas de aparelhagem.
116
2. 7. DE.
DE é um homem gay, 25 anos, branco, ensino médio incompleto. Atualmente,
mora no bairro do Guamá com a família (pai, irmão, irmã e sobrinhos). Durante a entrevista,
falou pouco sobre sua mãe, sendo que sua referência de família sempre passa pelo pai.
Disse-me que o pai sempre teve que trabalhar muito para sustentar sete filhos (cinco
mulheres e dois homens, sendo estes dois mais novos) de mães diferentes. Depois de um
período conturbado na família, com várias das irmãs saindo de casa e formando suas
próprias famílias, ele, o irmão e o pai acabaram se unindo mais. Depois que uma irmã se
separou foi morar com eles. Passou um tempo longe de casa (tempo que não soube
precisar), por volta dos 17 anos, e morou na casa de amigos. Estes amigos foram os
responsáveis por inseri-lo no “meio GLS”. Com esses amigos, aprendeu também a ser
cabeleireiro, ofício que mantém hoje como fonte de renda. Nesse período abandonou a
escola, por sentir que sofria hostilidades por parte dos colegas, e nunca mais voltou a
estudar.
A entrevista aconteceu na minha casa, porém, no contato inicial ele disse-me
que poderia ser em sua casa. Devido a alguns contratempos, pedi a ele que fosse a minha
casa. Nesta entrevista, estava tranquilo. Quando ele chegou passamos um pouco mais de
meia-hora conversando sobre vários assuntos, e um se mostrou importante: “por que eu
estudava esse assunto?”. Ele me fez a pergunta e eu comecei explicando algumas das
minhas hipóteses. Ele disse que não entendia. E eu tentei simplificar. Disse que havia
encontrado com ele por várias vezes na Ângela102 e que ele quase sempre estava com o
mesmo grupo de amigos, assim como eu, que ia quase sempre com as mesmas pessoas. A
partir dessa exposição perguntei a ele se era por acaso, falta de escolha ou porque ele
gostava de estar com os amigos. No que ele respondeu que era por conta da companhia dos
amigos também, além de gostar do ambiente, de ser perto de onde ele mora. Eu respondi
com as mesmas questões e acrescentei que gostava de estar ali porque as pessoas eram
como eu, partilhávamos do mesmo “segredo”. Ele disse um sonoro “ah”. E eu ri, afirmando
com a cabeça.
102
No bar da Ângela.
117
Ao começar a entrevista, uma das primeiras coisas que ele me disse foi que:
“desde pequeno eu já sabia que gostava de homem”. “Nunca escondi de ninguém”. E
continuou dizendo que:
Quando eu era menor tinha uma vila do lado do bar que o meu pai tinha. Eu ia lá porque tinha um banheiro que todo mundo usava. Era de madeira e dava pra ver as pessoas lá dentro. Eu aproveitava pra ver os meninos nus <risos>. Tanto que eu fui ficando grande e sempre ia lá, até todo mundo te banheiro dentro das casas. Ia lá também porque tinha um menino, o C., que vivia se mostrando pra mim. Ele não ia fazer nada no banheiro. Sabia que eu tava andando por lá e ia correndo pro banheiro. E eu ia atrás. Ficava olhando ele lá. Mas quando foi um dia uma vizinha me viu e contou pro meu pai. Teve um escândalo em casa, mas ele não me bateu. Mas falou durante semanas e não me deixava ir pra vila. Depois num sei o que foi que aconteceu que ele esqueceu, né?! Aí, eu aproveitava e encontrava com o C. escondido. Até que um dia a gente resolveu fazer [sexo]. Nem foi legal. Mas acho que alguém viu porque no outro dia todo mundo da vila sabia. E meu pai acabou sabendo também. Dessa vez ele me bateu. E eu nem sabia por que tava apanhando <risos>.
Com seu segredo revelado DE. teve que arcar com as consequências, o boato e a
surra do pai. Mas essas formas de censura sobre a sua sexualidade não foram suficientes
para que ele voltasse atrás, tanto que depois de alguns anos resolveu sair de casa para
vivenciar uma sexualidade mais livre de represálias. Mas voltou porque não tinha os mesmos
privilégios que tinha na casa do pai. O fato de ter que trabalhar para sobreviver e ajudar na
casa onde morava não lhe agradou, tanto que resolveu voltar a viver com a família. Assim,
ele diz:
O período que fiquei fora de casa serviu pra que eu refletisse sobre quem eu era. Mas eu me via cercado de amigos, mas tendo que me virar pra conseguir dinheiro pra comer. Senão eu ficava com fome. Em casa não. Tinha sempre o que comer e eu não pagava aluguel. Eu gostava muito de ficar na casa do F. porque a gente fazia festa, a gente dormia tarde, acordava tarde, tinha um monte de gente na casa, mas às vezes na geladeira só tinha água <risos>. Então, eu resolvi voltar pra casa. Se bem que eu nunca tinha saído de fato, ainda tinha coisa minha lá... roupa. Depois dessa época, eu tinha 16, 17, eu ainda andei na casa dos meninos. Dormia lá quando voltava da festa. Mas depois foi cada um pro seu canto. Ainda falo com eles, mas não vou mais na casa deles.
Esse momento longe de casa e perto de amigos gays foi responsável por formar
uma identificação com “esse meio”. Pois eles saiam, iam às boates, falavam sobre o que
acontecia no circuito, sobre as pessoas que participavam desse circuito. Afirma ter
conhecido muita gente através dessa rede de amizades e da frequência nos bares e boates.
118
“Ia quase todo fim de semana”, “todo domingo eu tava lá, na Ângela principalmente”. Essas
rede de amizades e o coming out serão abordados na sessão seguinte.
3. Dialogando com o “armário”
As entrevistas desenvolvidas a partir das histórias de vida descritas acima
servirão para balizar as discussões que se seguirão, pois as reflexões serão feitas a partir do
processo outing das/dos interlocutoras/es deste trabalho. Durante as entrevistas, abordava
essa questão perguntando para elas/eles como havia sido esse processo, se elas/eles já
tinham contado para as famílias, para os amigos, vizinhos, enfim, com quem elas/eles
haviam compartilhado esse “segredo”. Assim, como também tentava fazê-los relembrar do
impacto dessa revelação.
Durante o período de campo, que compreendeu os anos de 2010 e 2011, percebi
que as redes de amizades são fundamentais para o processo de construção de subjetividades
dos sujeitos dissidentes, isto é, as construções das identidades pessoais são realizadas a
partir do contato com sujeitos iguais. Seja porque serve de apoio emocional, seja porque é
essa rede que vai possibilitar uma inserção no interior do circuito, pois é comum alguém
com mais experiência103 ensinar a ser homossexual104, apresentar os lugares de pegação da
cidade, aprender o bajubá, entre outras coisas105.
Em antológico artigo, Michel Pollak (1986, p. 54) inicia escrevendo que “a
homossexualidade saiu das sombras do domínio do não-dito” por conta dos processos de
liberalização sexual, devido principalmente às iniciativas dos militantes homossexuais nos
EUA e Europa. Entretanto, o autor está interessado em discutir o processo de construção da
homossexualidade, basicamente o processo de aprendizagem da homossexualidade. Este
aprendizado se dá durante toda a existência, pois os códigos e as condutas são alterados de
acordo com as situações históricas, temporais e culturais. O mesmo acontecendo com a
heterossexualidade. Esta aprendizagem assume ares harmônicos ou desarmônicos de
acordo com cada sujeito.
103
Guimarães (2004, p. 54) diz: “Outro aspecto importante nesta vivência em ‘grupo’ é a transmissão do saber/prazer homossexual (...) ao novo membro por aqueles mais entendidos.” 104
Trevisan (2000), Green (2000) e MacRae (1990) demonstram as discussões dos primeiros grupos homossexuais que mostravam-se contrários a determinação da homossexualidade como condição inata, negando essa condição essencialista. 105
Já demonstrei isso em outra pesquisa, ver Silva Filho (2010).
119
Portanto, Pollak (1986, p. 58) afirma que: “Não se nasce homossexual, aprende-
se a sê-lo. A carreira do homossexual começa pelo reconhecimento de desejos sexuais
específicos e pelo aprendizado dos lugares e dos modos de encontrar parceiros”. E é curioso
o relato a seguir, da entrevista com D.:
[D.] Inicialmente, logo quando eu estava indeciso, 16, 17 anos, eu entrei no chat do Blah. Aí, tá. Conversei, conversei até que eu conheci alguém interessante, o M.. Todo mundo era afim dele. E eu ficava na minha. Aí, ele mandou foto por email e eu mandei pra ele. Ele gostou de mim e eu gostei dele. Ai, “bora se conhecer?”. “Bora”. Aí, na véspera de conhecer ele, eu ia fazer 18 anos, antes de ir lá. Só antes de chegar lá ele disse assim: “não pode entrar quem não tem 18 anos ainda, só quando tu fizer 18, pode, mas quem ainda não completou, não pode”. Isso na antiga Lux, que hoje tá fechada. [Mílton] A Lux lá no Reduto, lá na Rui Barbosa? [D.] Sim. [Mílton] Em que ano mais ou menos? 2007, 2008. [Mílton] Quantos anos tu tinha na época? [D.] Eu tenho 22. Na época eu tinha 17, tava fazendo 18 anos. [Mílton] Ah, tá. Então? 2008, 2007, mais ou menos. Aí, só que assim, antes de ir ele disse assim: “borá lá D.?”. Eu disse: “não sei”. A gente não tinha namorado. Só depois eu comecei a namorar com ele. Eu disse: “é, mas não pode entrar e eu vou ser barrado”. Aí, ele fez uma [carteira de identidade falsa] eu completando 19 anos. Aí, a gente foi. Eu disse: “como é que é lá?”. Aí, ele disse: “tu nunca foi?”. “Tem um monte de travesti, de gay, muita gente, tocando música direto; todo mundo dançando, bebendo”. Eu pensei: “eu acho que não vou gostar”. Mas eu fique na minha. Pra mim eu não ia gostar de ver um monte de macho se beijando, eu ia ficar meio tenso. Aí, chegando lá um monte de gente olhando, olhando. Porque é assim: tu vai em boate... com o decorrer, tu vais toda vez, toda vez, quando chega alguém novo todo mundo fica olhando. E como ele não era de sair. Então, eram dois novatos chegando. Aí, todo mundo ficava olhando, todo mundo comentando. E eu: “não gostei daqui”. Ele disse: “calma, a gente ainda nem entrou”. Eu disse: “mas tá todo mundo olhando a gente”. Ele: “olha pra ti, olha pra mim, tu já veio aqui?”. Eu disse: “não”. Aí, ele foi explicar essa parte. “Com tu não vem e eu também, todo já mundo se conhece”. E eu disse: “Ah, tá”. Quando chegou um travesti lá na frente, eu disse: “a gente vai entrar mesmo?”. Ele disse: “tu não tá gostando não?”. E eu disse: “não”. Ele: “eu te trouxe aqui só pra ti conhecer, se tu não gostar a gente vai embora”. A gente entrou, aí, eu escutei a música. Aí, eu gostei da música, alta. Aí, ele: “tu quer beber?”. Eu: “é... pode ser”. Ele pegou uma bebida e comecei beber. Aí, música, beber, música. Música, uma melhor do que a outra. Aí, eu: “eu não sabia que eu gostava desse tipo de música”. Daí, eu fiquei: “meu deus, muito legal”. Aí, a gente parado e ele: “dança!”. E eu: “eu não sei dançar”. E ele: “Ah, eu não sei também, mas copia aí, se mexe”. Porque a luz dava um efeito. Eu comecei a me mexer e achei legal. Pra ti ver só como é que é, né?! Ele foi pra dentro e disse: “vem uma vez só pra ti ver como é que é”. Eu vi show de drag, gostei. Não sei o quê, performance, caramba a quatro. Cai, joga o cabelo. Resumindo, eu fui com tudo que não ia gostar. Era uma coisa totalmente diferente na minha cabeça. E eu nunca tinha visto como é que era. Aí, quando vi, passei a gostar. Aí, eu já empentelhava ele: “sim, M., quando a gente vai na Lux?”. Ele: “não era tu que não gostava?”. Eu: “é, né, eu não sabia como é que era, acabei gostando”.
120
Então, de acordo com D. foi a partir de um conhecido, que mais tarde se tornou
namorado, que ele teve acesso pela primeira vez ao gueto GLS, ao “meio”. Gostar da música,
da performance drag, da bebida, de dançar, não estavam nos seus planos. Sentia medo do
contato, mas foi convencido e descobriu que mais gente compartilha dessas experiências.
No relato posterior a esse trecho ele disse-me que ficava olhando para todo mundo para ter
certeza de que não tinha nenhum conhecido que pudesse tê-lo nas mãos, ou seja,
chantageá-lo posteriormente pelo fato dele estar numa boate GLS.
Eve Sedgwick (2007, p. 38) quando aborda a questão acima diz que
O confiante senso de controle dela sobre o conhecimento das outras pessoas a seu respeito oferece um contraste à radical incerteza que os gays no armário costumam sentir em relação àqueles que têm informações sobre sua identidade sexual. Isso tem algo a ver com um realismo sobre segredos que é maior na vida da maioria das pessoas do que nas estórias bíblicas [esta situação é retratada em comparação aos riscos e restrições assumida pela personagem bíblica Esther, com qual Sedgwick faz a maior parte das analogias neste artigo]; mas tem muito mais a ver com complicações na noção de identidade gay, de tal modo que nenhuma pessoa pode assumir o controle sobre todos os códigos múltiplos e muitas vezes contraditórios pelos quais a informação sobre a identidade e atividade sexuais pode parecer ser transmitida. Em muitas relações, senão na maioria delas, assumir-se é uma questão de intuições ou convicções que se cristalizam, que já estavam no ar por algum tempo e que já tinham estabelecido seus circuitos de força de silencioso desprezo, de silenciosa chantagem, de silencioso deslumbramento, de silenciosa cumplicidade. Afinal, a posição daqueles que pensam que sabem algo sobre alguém que pode não sabê-lo é uma posição excitada e de poder – seja que o que pensem que esse alguém não saiba que é homossexual, ou meramente que conheçam o suposto segredo desse alguém. O armário de vidro pode autorizar o insulto (“jamais teria dito essas coisas se soubesse que você era gay” – sim, com certeza); pode também levar a relações mais afetuosas, mas relações cuja utilidade faz parte da ótica do assimétrico, do especular e do não explícito.
Na última sentença Sedgwick (2007) refere-se à descoberta, por alguém, da
sexualidade do outro, resultando em “insulto” ou em “relação mais afetuosa”, mas sempre
moldadas pela assimetria. Então, podemos afirmar que este alguém sempre deterá certo
poder sobre a sexualidade do outro, podendo partir do insulto, mas também da
manipulação desse segredo, a partir de brincadeiras que visem uma saída ostensiva e
forçada desse armário. P. H. descreve um momento que passou:
O que aconteceu com os meus amigos? Assim, quando eu fiz convênio, eu tinha três grandes amigos. A gente ia pro shopping juntos, fazia muitas coisas juntos, sabe?! Gostava muito de estar com eles, me sentia bem. Só que tinha esse
121
problema. Por falta de maturidade e de preconceito também. Eles percebiam que eu era ou que eu parecia ser. E eles querendo saber. E jogavam indiretas, brincadeiras. Algumas, assim, bem acintosas, bem pesadas e que me colocavam lá pra baixo. Só que eu percebia que eles gostavam de verdade de mim, mas eles se sentiam no direito, por serem heteros, de me avacalhar, entendeu?! E aquilo me incomodava muito! Eu não sabia o que fazer. Eu não tinha naquele momento estrutura emocional pra falar pra ninguém. Era todo mundo muito imaturo, eu também era imaturo.
Portanto, o “avacalhar” e a “brincadeira” aparecem como necessidade de revelar
P. H. e marcá-lo com o estigma da homossexualidade, haja vista ele estar construindo sua
identidade como homossexual. E P. H. acaba justificando a atitude dos amigos, frente à
sólida relação de amizade mantida entre eles, através da “falta de maturidade”; marcada
pela adolescência. Em vista deste segredo ainda não revelado, os amigos se sentiam no
direito de questioná-lo por conta de sua sexualidade e ele, em contrapartida, não assumia; o
que aconteceu anos mais tarde, de forma “natural”, de acordo com P. H..
Porém, antes da assunção “natural” para os amigos, P. H. ainda teve que
enfrentar uma situação conflituosa com os mesmos. O trecho a seguir mostra o resultado da
primeira vez de P. H. numa boate gay, quando encontrou uma travesti que morava próximo
à casa de um dos amigos. Posteriormente, esta situação culminou na frase dita por um dos
amigos numa festa de aniversário em que estavam vários amigos presentes, “totalmente
fora de contexto”: “C. encontra P. H. na Go106!”; marcando aí o coming out forçado a que P.
H. foi submetido.
[P. H.] Eu estava na rua de um desses meus amigos. Porque [na rua de] um desses meus amigos era o ponto de concentração, onde todo mundo ia pra conversar. Eu ia da minha casa, esse meu amigo que eu gostava, que eu era apaixonado, ele ia da dele, tipo, conversava lá, que era justamente onde a travesti morava, era numa vila bem no canto. Aí, teve um dia que eu tava lá, aí peguei a bicicleta dele pra compra chopp pra todo mundo. Aí, eu fui. Aí, eu passei por ela e por uma prima desse meu amigo da rua, que inclusive é lésbica. Sabe quando uma coisa te diz: “égua, é hoje que ela vai contar”? E a desgraçada vai e conta. [Mílton] Ela estava no grupo de amigos? [P. H.] Não ela próximo. Ela tava conversando com essa prima do meu amigo que é lésbica. Um pouco próximo. Aí, eu passei por ela. Aí, eu cumprimentei: “oi, C., não sei o quê”. Aí, quando eu voltei... Sabe quando uma coisa te diz? Uma coisa impressionante, assim: “ela deve tá falando, tenho certeza”. Eu fiquei na minha, né?! Até porque não tinha como eu não ir pra lá pra rua. Ou eu parava de ir, cortava relações pra ninguém me ver, pra ela não me ver. Ou... Não tinha como não ir pra lá, ficar me escondendo, não tinha condições.
106
Antiga boate do circuito GLS de Belém.
122
E foi assim que, após passar por situações coercitivas, ele resolveu assumir
também para a família, durante um processo não menos traumático. Essa situação, de
revelar-se para a família, aparece abaixo na fala de P.H.:
Em 2009, eu tive uma necessidade imensa de contar pra minha família. Eu já não aguentava mais, tinha 25 anos. Achei que era o meu momento de contar, julgava que era o meu momento. Aí, em abril daquele ano, eu resolvi contar, mas eu não tive coragem. Só fui contar em outubro. Aí, eu chamei minha irmã. Tava chorando já. Ela disse que não era pra eu fazer isso. Eu falei que não aguentava mais, enfim. Aí, eu chamei ela, a minha mãe, a minha tia que me ajudou e a minha avó. E eu abri o jogo. A minha avó ficou muito triste, ficou calada o tempo todo. Aí, a minha irmã falou, a minha tia, enfim. Disse que já desconfiava, todo mundo já desconfiava, mas era algo que eles evitavam na família. Aí, a minha tia: “agora tem que dar a volta por cima”, “tem que cuidar da tua vida”, não sei o quê e tudo mais. Aí, não se tocou mais nesse assunto, assim, ao meu respeito, em nenhum momento. E nem se toca. A minha tia que uma vez comentou alguma coisa e tal, mas... enfim. Muito difícil.
Mas também foi vivida por P., que revelou numa conversa com a mãe o seu
desejo por meninas, mas não sem conflitos, conforme o trecho a seguir:
Pra minha mãe eu contei há uns dois anos atrás. E foi bem difícil, bem difícil. Até hoje não é muito fácil. Inicialmente, a gente teve uma conversa bem dura. E ela não aceitou. A gente não brigou. Mas ela falou algumas coisas. Que não esperava isso de mim. Ela tinha outros planos pra minha vida. Essas coisas... Que isso não era coisa de deus. Aí, pra melhorar a situação eu fui dizer que não acreditava em deus <risos> (...). Ela ficou um pouco estranha assim comigo. De não falar direito durante um tempo. De me tratar um pouco rude. Mas eu continuei tratando ela do mesmo jeito. Não levava muito em consideração porque não deve ser nada fácil pra ela. Mas eu também não achava que eu devia me diminuir por causa disso. Independente de não ser nada fácil pra você, mas eu também não vou deixar de ser quem eu sou porque você se sente mal comigo. E até hoje. Nesse tempo, que eu contei pra ela... Quando eu contei, eu não tava namorando. E há muito tempo que eu tinha vontade de contar. Depois eu voltei a namorar. E aí, ela já sabia. Antes dela saber, ela tratada a minha namorada super bem. Ela ia lá em casa: “oi, tudo bom?”. Aí, depois que ela ficou sabendo, ela já: “essa menina, não sei o quê”. De implicância, sabe?! “Não sei o quê, não gosto dela”. “Essa menina que levou minha filha pro mau caminho” <risos>. Aí, eu: “mãe, ninguém precisou me levar pra lugar nenhum”. “Eu fui sozinha”. Aí, quando eu falo essas coisas assim, ela se cala. Mas é uma coisa que a gente não toca no assunto. Quer dizer, ela não toca. Eu? Por mim tanto fez como tanto faz. Mas ela? Ela faz questão de não tocar. Ela não fala. Ela sabe perfeitamente que eu sou lésbica. Mas ela não aceita. (...) Quando eu falei, ela tentou se fazer de desentendida, sabe?!. Eu falei: “ah, se sabe a minha ex-namorada?”. “Pois é...”. Não, na verdade, eu falei o nome dela, né?! “Ah, a gente não é só amiga”. “A gente é bem mais que amiga”. E ela: “como assim?” <risos>. “Pois é, somos namoradas”. E ela: “quê?”. Ficou calada e não falou, sabe?! Aí, eu tive que: “Pois é, nós éramos namorada, não sei o quê”. E ela: “que isso já?”. Aí, eu: “sim, mãe, eu sou...”. Ela: “não estou entendendo”. E eu: “sim, mãe, eu sou lésbica”. “Eu gosto de mulheres” <risos>. Fiz questão de deixar bem claro. Até hoje,
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ela sabe e já tem um pouquinho menos, assim... Hoje ela me trata normalmente. Não tem nenhuma diferenciação. Com uma filha normal. Mas esse é um assunto que quando entra em questão não dá muito certo porque a gente acaba brigando. Então, pra evitar brigas, ela não fala, não toca... Eu não tenho receio. Mas ela sabe, se ela falar, eu não vou baixar a cabeça. Eu não vou dizer que eu estou errada. Eu não acho que estou errada. Então, pra ela não escutar as minhas verdades. Ela prefere não tocar no assunto.
As situações descritas até agora marcam os conflitos envolvendo a negociação
das sexualidades dissidentes, tensionando os laços familiares. Esses embates serão, para
alguns, definidores no processo de identificação desses sujeitos com a sociedade mais
ampla, neste caso, uma identificação com a comunidade LGBT. Em vista os conflitos com a
família, esses sujeitos encontrarão no circuito, com pares de iguais, a válvula de escape
necessária para vivenciar essa sexualidade não-heterossexual. Porém, convém lembrar que
mesmo nesses “espaços de segurança” elas/eles terão que enfrentar situações de
desconfortos e sentimentos de inadequação, pois, de acordo com França (2009, p. 398)
Assim, constroem-se alguns “consensos” do que é mais valorizado em termos de estilos relacionados à homossexualidade, que se materializam nos espaços de lazer noturno relacionados à homossexualidade e que incluem de roupas a tipos de psicoativos, articulando também conteúdos relacionados a marcadores tais como classe, idade, raça, gênero e sexualidade. Tais “consensos” muitas vezes são tomados como expressão única de um amplo leque de estilos relacionados à homossexualidade. Esses aspectos tendem a se relativizar quando observamos alguns possíveis cruzamentos entre diferentes espaços de lazer noturno e sociabilidade na cidade e os variados pertencimentos dos sujeitos nessa trama.
***
A seguir ponho em evidencia os desdobramentos na trajetória da pesquisa, que
resultou nesta dissertação, assim como as reflexões que surgiram durante o campo e na fase
final de análise.
124
REFLEXÕES FINAIS Recuperando momentos do diário de campo
Nestas considerações apresento alguns momentos da pesquisa anotados no
diário de campo. As descrições a seguir são interpretações dos momentos vivenciados em
campo e servirão de base para que eu possa pensar e direcionar minhas últimas observações
e do leitor acerca da temática até aqui privilegiada e dos rumos da pesquisa.
Ontem durante o campo estava na companhia de amigos na Lux boate do circuito GLS de Belém. Esta há pouco tempo mudou de lugar, saiu da Rui Barbosa e estabeleceu-se na Senador Lemos. É considerada como uma boate bagaceira. Esta categoria é ilustrativa da presença de determinadas tipos de pessoas, geralmente, mais pobres, com menos escolarização, mais racialmente marcados, mais femininos. Em suma, mais marcados pelos estigmas que a maioria da população LGBT de Belém. Sem contar que nesta boate, é possível encontrar os/as mais jovens LGBTs da região metropolitana. Então, este lugar é conhecido por alguns como “creche” ou identificado por aqueles que gostam de fazer a “linha Xuxa”, ou seja, que gostam dos “baixinhos”, das “crianças, dos mais jovens”. Nesta noite, como havia dito, estava na companhia de um grupo de amigos/as (cinco pessoas no total, sendo quatro gays e uma mulher transexual) tod@s com média de 25 anos. Próximo do nosso grupo, encontrava-se outro com a mesma quantidade de pessoas ou mais, porém com idade visivelmente menor, variando em torno dos 18 anos, no máximo. Cabe ressaltar que, é comum a presença de menores de idade neste local, porém de algum modo, que não investiguei a fundo, eles/elas conseguiam driblar a segurança, seja através de documentação falsificadas ou de relacionamento pessoal com algum empregado da boate, seja ele/ela hostess, segurança, barman, entre outros. No grupo mais jovem havia um garoto que se destacava por dançar muito e fazer muitas performances durante as músicas. Ele parecia ter por volta de 16 anos, era magro, branco, com cabelos aloirados, vestia calça jeans e camiseta apertadas, no estilo dos outros meninos de seu grupo, mas possuía uma performance mais próxima do feminino. Esse último critério era utilizado para identificá-lo quando queríamos nos referir a ele, com frases que iam do “é aquela feminina” a “ela é uma mulher!”. Em dado momento, ele sem querer esbarrou num amigo meu que manifestando visível desconforto com a situação, se sentiu a vontade para “disputar” o posto de “mais caralhenta” da noite. Assim, encampou uma longa batalha, ao som das divas do pop, na tentativa de defender a “honra” que estava em jogo. Mas não era somente a questão da honra no sentido lato do termo, mas uma honra que se atrelava aos marcadores sociais da diferença, principalmente os de classe e geração, pois naquele momento ambos eram referenciais opostos naquele jogo, uma vez que aquele menino era mais novo e visivelmente mais pobre que meu amigo, que está na casa dos 25 anos e possui emprego e renda própria. A disputa chegou perto de um confronto físico, pois os esbarrões eram permanentes e os “carões” acionados a todo instante, numa declaração de que nenhuma das partes “deitaria” para a outra. Num certo momento, foi necessária a intervenção d@s amig@s, no qual eu estava incluído, para que a tensão não se transformasse em confusão generalizada, haja vista o grupo deles somar algumas pessoas a mais, e o nosso, com uma ligeira
125
desvantagem, já estarmos prontos para a confusão prevista. Mas a noite encerrou-se sem confusão e após os comentários e risadas dadas, na lanchonete de um supermercado da capital, comecei a pensar naquilo como uma espécie de luta por distinções, no que aquele menino queria ser considerado capaz por seus pares, assim como o meu amigo que evitou “deitar” pra alguém mais novo (Diário de campo, 08/04/2011).
Reproduzo esse momento, o maior do diário de campo talvez, como forma de
explicitar as tensões advindas de um mercado pouco segmentado, como é o caso de Belém.
Devido os problemas de tempo, pois a duração da pesquisa deveria ser no mínimo o dobro,
não tive tempo para investigar mais profundamente outros aspectos visíveis na pesquisa de
campo. Limitei-me apenas nos bares e boates e na sociabilidade permitida por estes
espaços. Mas de certa forma, não pude negligenciar dados novos, como a relação das/dos
interlocutoras/es com a rede mundial de computadores, por exemplo.
Os outros espaços de sociabilidade, como as saunas e cinema, que têm como
perspectiva o estabelecimento de interações erótico-sexuais entre homens, homossexuais
ou não, exigem uma pesquisa ou várias para que se compreendam todos os significados e
códigos componentes nesta forma particular de sociabilidade, que envolve sexo e segredo.
Estes são mais fluídos, não sendo configurados essencialmente por redes de amizades, mas
mediados pelo encontro em potencial de parceiros sexuais.
Entretanto, nas boates também existem intercursos sexuais, pois há nelas os
famigerados dark rooms – quartos escuros destinados a encontros sexuais, fortuitos ou não
–, mas, como disse, exigiria maior tempo ou uma pesquisa à parte. De maneira geral, os
bares e boates do circuito GLS não se diferenciam em nada dos outros bares e boates da
cidade, ou do circuito hetero – como queiram –, com a exceção de que nas boates GLS é
possível de se encontrar um dark room, enquanto que em boates HT é mais raro. Outra
particularidade, são os shows de drag queens, que raramente habitam casas noturnas
hetero, e a presença de go go boys seminus circulando no salão. Como os espaços ainda são
compostos majoritariamente por homens gays, ainda é rara a presença de go go girls.
Quanto à música, os hits do momento servem para embalar a noite, então se
ouve desde os clássicos do house, das grandes divas do dance e do pop dos anos 1980
(Madonna, Whitney Houston, Mariah Carey, Kiley Minogue e outras), do pop dos anos 1990
(Britney Spears, Cristina Aguilera, Spice Girls e outras) e as que se lançaram dos anos 2000
126
em diante (Rihanna, Beyoncé, Katy Perry e outras). Todos devidamente remixados e em alto
volume.
Com relação ao consumo dentro das boates e bares, as bebidas alcoólicas são o
carro-chefe, acompanhadas vez ou outra por um cigarro, principalmente nos bares, uma vez
que as boates, em sua maioria, possuem sistemas de refrigeração, não permitindo que se
fume dentro dos ambientes fechados. Acompanhado dos cigarros e das bebidas há um
consumo de drogas ilícitas, principalmente, da cocaína que, por ser fácil de ser escondida, é
consumida nos banheiros, em geral por homens, como pude presenciar inúmeras vezes nos
banheiros masculinos. Eu mesmo, por duas vezes fui abordado por frequentadores destas
casas perguntando se eu vendia ou se sabia de alguém que vendia a droga. Como este não
era o objetivo da pesquisa, não se transformou num campo de reflexão, mas mostra-se
como um dado que merece maiores problematizações, assim, faço uma chamada para que
outr@s pesquisador@s se interessem por este fato, que está presente não só no circuito
GLS, mas no circuito hetero também.
Portanto, podemos pensar assim a diferença107 que marca a sociabilidade no
interior do circuito GLS, se costurarmos as análises aos sistemas de classificação, pois como
deixou claro Simões, França e Macedo (2010)
Os eixos classificatórios relacionados à sexualidade tendem a apresentar uma crescente complexidade terminológica. A hierarquia de gênero, articulada a partir da oposição masculinidade/atividade sexual versus feminilidade/passividade sexual, que englobaria de forma sistemática todas as identidades sexuais em termos de oposições bipolares entre “machos” e “fêmeas”, “homens” e “bichas”, ou “sapatões” e “mulheres”, tem convivido com uma proliferação de categorias e identidades sexuais – tais como “entendidos”, “gays”, “homossexuais”, “travestis”, “transexuais”, “queers”, “sem rótulos” –, cada qual acompanhada de modulações de performances de gênero (p. 41).
Com isso, mesmo entre os sujeitos dissidentes não é raro encontrar situações em
que o mercado age como eixo articulador dessa diferença. Por exemplo, enquanto que na
Lux, Rainbow, Vênus, R4 e Ângela é constante a presença de pessoas mais pobres, mais
escuras, mais femininas, menos escolarizadas e vindas de locais mais periféricos da cidade,
por outro lado encontramos no Malícia, na Hache e Veneza pessoas diametralmente
107
“A marcação da diferença é um componente-chave de qualquer sistema classificatório. Desse modo, pessoas, objetos e comportamentos ganham sentido – vale dizer, são socialmente produzidos – por meio da atribuição de diferentes posições em um sistema classificatório” (SIMÕES, FRANÇA e MACEDO, 2010, p. 40).
127
opostas; claro que essa análise não é fechada, pois é possível visualizar o intercâmbio de
pessoas e marcadores, num circuito pequeno como o de Belém, de forma mais acentuada.
Isso se deve também ao fato de nos bares e boates tidos como bagaceiros, os
preços de entrada, bebidas e demais itens de consumo serem menores, além de cortesias
serem distribuídas com mais frequência, enquanto que, nas boates e bares tidos como finos
é rara a presença de cortesia e mesmo quando há é exigida uma taxa de consumação, que é
fixada no valor mínimo de r$ 20, por exemplo. Portanto, o mercado age como articulador de
padrões de consumo, fixando quem tem maior valor de consumo em determinados lugares
e quem tem menor valor em outros, ou seja, segmentando não apenas por características
relacionadas à sexualidade, mas por possibilidades de consumo.
E o bajubá, onde está?
O bajubá eu conheci na praça. Mas eu já conhecia alguns clássicos, como “elza”, né?! <risos> Mas com o tempo eu fui conhecer. Pesquisei na internet, uma lista. Eu decorei. “Equê” e cheguei a conhecer uns bem exóticos como “fazer a egípcia”. Eu fui conhecendo aos poucos e durante muito tempo eu usei naqueles momentos de sociabilidade na praça, de boates. Até porque naquele momento era pertinente. “Bora dar um close em tal lugar”, enfim, entendeu?! Não sei o quê... “alaissime”, “acaissime”. Mas depois eu percebi que no dia a dia não me contaminou de uma forma que eu tava usando, entendeu?! Eu não achava mais necessário usar. Dificilmente, eu uso. No curso mesmo, até as meninas brincam e tal, mas eu uso pouco porque não se impregnou, não se passou a ser tão parte da minha vida. Durante um tempo sim. Tem umas que são bem divertidas, como “Cláudia”. Tu sabe o que é “Cláudia”, né?! Quando eu descobri, eu morri de rir. Mas hoje em dia, eu dificilmente uso (P. H., 27 anos, 24/01/2012).
Desde o início da pesquisa, percebi que o bajubá, além de fazer uma mediação
entre a identificação subjetiva e a identificação coletiva, ajudava a entender um pouco das
relações de poder existentes entre LGBT, pois as formas de apropriação e de classificação
presentes neste léxico marginal são parte de uma “cosmologia”, de um conjunto de
significados, de um conjunto de representações, e por que não dizer, de explicações dos
preconceitos e discriminações por parte de quem fala, do sujeito falante, pois mesmo que,
inadvertidamente, se aproprie de nichos dessa linguagem, acaba levando consigo os traços
das relações de poder emanadas pelo constructo semântico pautadas pela
heterossexualidade.
Portanto, posso dizer que o bajubá aparece como um suporte para a construções
de algumas identidades LGBTs. Assim, ele acaba encontrando possibilidade na difusão que
128
acontece nos espaços e “pedaços” gays: onde o código, que deveria ser restrito somente
àqueles que vivenciam a homossexualidade e/ou transbordam as identidades de gênero ou
àqueles que estão inseridos no “gueto” gay, é o grande responsável pelo caráter lúdico da
sociabilidade e do lazer, pela possibilidade de encontrar amigos, pela pegação (que neste
caso acontecerá, por vezes, preferencialmente, com quem não fala o bajubá108), pelo
processo criativo mediado pela agência dos sujeitos.
A linguagem como forma de (re)(de)marcar o não-lugar ou o des-lugar do sujeito,
de contextualizar o estranhamento gerado pelo sujeito abjeto, marcado pelo estigma, de
cercar o forasteiro, o estrangeiro e o outsider, como se esse estivesse fora da “cosmologia”,
da maneira pela qual o mundo pode ser explicado e classificado, faz com que os agentes
expandam a abjeção para o operador do processo discriminatório, mantendo o caráter
“escrachado”, “debochado” e “desbocado” que o bajubá tende a assumir. Então, este
processo criativo estabelece novas linguagens e novas performances e, por que não dizer, de
um outro ethos, este ligado a uma performance desafiadora, que cada vez mais ajudará a
desconstruir convenções, rompendo os contornos da norma, da estigmatização, e criando
sujeitos políticos, de fato.
108
Isso acontece devido o entendimento, por parte da comunidade, de que quem fala o bajubá é bicha, não homem de verdade.
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APÊNDICES
APÊNDICE A
QUADROS COM OS TRABALHOS NA ÁREA DE SEXUALIDADE NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM
TÍTULO DO TCC AUTOR(A) ÊNFASE ANO DE DEFESA
“Homossexualidade – representações, preconceito e
discriminação em Belém” Telma Amaral Gonçalves Antropologia 1989
“Algumas contribuições educacionais da
homossexualidade sobre o caráter psico-social”
Laodicéia Corrêa Pinto Sociologia 1995
“Homossexualidade: história, vida e luta”
Mª das Graças dos Santos Brito
Antropologia 2000
“A homossexualidade em Santarém: contexto histórico,
cultural e relações entre famílias e indivíduos”
Jasson Iran Monteiro da Cruz
Antropologia 2002
“Desmistificando os ‘balaios de gatos’: a heterogeneidade
homossexual”
Fabrício Rodrigo Silva de Araújo
Antropologia 2004
“O movimento homossexual em Belém do Pará: uma
aproximação à luz da experiência do Grupo Homossexual do Pará”
Mª Jeane da Silva Cavalcante
Ciência Política 2005
“O que ainda precisa ser dito: um "mergulho" nas histórias de vida
de parceiros homossexuais de Belém do Pará”
Elayne de Nazaré Almeida dos Santos
Antropologia 2010
Quadro 1: TCCs da Faculdade de Ciências Sociais da UFPA. Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
TÍTULO DO TCC AUTOR(A) LOCAL ANO DE DEFESA
“Criminalização de práticas discriminatórias: respeito aos
direitos fundamentais no combate à homofobia”
Samuel Luiz de Souza Junior Faculdade de
Direito 2008
“Gênero e homossexualidade: compreensão a partir dos
discursos de enfermeiros(as) docentes das instituições
Osmar de Souza Reis Junior Faculdade de Enfermagem
2009
públicas de ensino superior de Belém”
“As experiências das mulheres que perpassam suas práticas
sexuais pela homossexualidade frente à existência ou não de
preconceito por parte de profissionais da área da saúde”
Francielle da Silva Quaresma Faculdade de Enfermagem
2009
“Transexualidade e Direito: rediscutindo gênero pela perspectiva dos Direitos
Humanos”
Diogo Souza Monteiro Faculdade de
Direito 2009
“Autopercepção em travestis da cidade de Belém”
Warlington Luz Lobo Faculdade de
Psicologia 2009
“Conjugalidades homossexuais na mídia televisiva: o discurso
midiático pautando as relações homoconjugais expostas no
seriado Queer as Folk”
Ramon Pereira dos Reis Faculdade de
Ciências Sociais
2010
“Digressões homossociais: a (micro)política do armário
ajudando a construir um ethos LGBT”
Mílton Ribeiro da Silva Filho Faculdade de
Ciências Sociais
2010
“Brasil e Portugal: o reconhecimento da
homoconjugalidade” Elane de Farias Pantoja
Faculdade de Ciências Sociais
2010
“O prazer de estar-juntas: uma análise sobre os espaços de
sociabilidade (entre mulheres) em Belém”
Alan Michel Santiago Nina Faculdade de
Ciências Sociais
2010
Quadro 2: TCCs dos membros do Grupo Orquídeas. Fonte: Pesquisa de campo, 2009 e 2010.
TÍTULO DO TCC AUTOR(A) LOCAL ANO DE DEFESA
“União homoafetiva: um voto para o reconhecimento”
Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha
Faculdade de Direito
(CESUPA) 2005
“O crepúsculo dominical na Praça da Repúblia: um ensaio
etnográfico sobre jovens homossexuais que frequentam o
coreto circular”
Elias do Carmo Santos, Jessica Simone Costa da Silva e Leandro Oliveira
Ferreira
Faculdade de Comunicação
(UNAMA) 2010
Quadro 3: TCCs de outras universidades. Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
TÍTULO DO TCC AUTOR(A) LOCAL ANO DE DEFESA
“Abordagem Estatística dos Participantes da VI Parada do Orgulho GLBT, Realizada no
Município de Belém, no Ano de 2007, Via Análise de Correspondência”
Monique Kelly Tavares Gomes
Faculdade de Estatística
2007
Quadro 4: TCCs de outras faculdades da UFPA. Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
TÍTULO DA MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO
AUTOR(A) LOCAL ANO DE DEFESA
“Perfil Estatístico dos Participantes da VIII Parada do Orgulho LGBT, no Ano de 2009,
no Município de Belém”
Monique Kelly Tavares Gomes
Programa de Pós-Graduação em Segurança
Pública e Gestão da
Informação
2009
Quadro 5: Monografias de outros programas de pós-graduação da UFPA. Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
TÍTULO DA DISSERTAÇÃO AUTOR(A) LOCAL ANO DE DEFESA
“Tribos Urbanas em Belém: Drag Queens – rainhas ou dragões?”
Izabela Jatene de Souza
Programa de Pós-Graduação
em Antropologia
1997
“As bonecas da pista no horizonte da cidadania: uma jornada no
cotidiano travesti” Rubens da Silva Ferreira
Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos 2003
“A análise da investigação dos determinantes do comportamento
homossexual humano” Aline Beckman Menezes
Programa de Pós-Graduação
de Teoria e Pesquisa do
Comportamento
2005
“A escola faz diferença? a produção discursiva das homossexualidades por
professores do ensino médio em Belém”
Carlos Alberto Amorim Caldas
Programa de Pós-Graduação em Educação
2006
“Demandas homoeróticas e adoção em Belém”
Eli do Socorro Pinheiro Teixeira
Programa de Pós-Graduação
em Serviço 2007
Social
“Sexualidade, gênero e direitos humanos: um estudo do caso
Eulina”
Ruy Telles de Borborema Neto
Programa de Pós-Graduação
em Direito 2007
“O pote de ouro ao fim do arco-íris: o reconhecimento da cidadania de
idosos homossexuais”
Anna Cruz de Araújo Ferreira da Silva
Programa de Pós-Graduação
em Direito 2009
“Homossexualidade e discriminação no mercado de
trabalho”
Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha
Programa de Pós-Graduação
em Direito 2010
"Entre o laico e o religioso: as injunções do discurso sobre gênero
e sexualidade em um dispositivo curricular de normalização para
aspectos da vida cidadã"
Vilma Nonato de Brício Programa de
Pós-Graduação em Educação
2010
"Critérios utilizados na seleção de parceiras amorosas em
relacionamentos de curto e longo prazo entre mulheres de
orientação homossexual em idade reprodutiva"
Hellen Vivianni Veloso Corrêa
Programa de Pós-Graduação
em Teoria e Pesquisa do
Comportamento
2011
“Sim, quero ser pai!” Significados da paternidade para homossexuais
de Ulianópolis/PA Evanildo Lopes Monteiro
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
2011
Quadro 6: DISSERTAÇÕES da UFPA. Fonte: Pesquisa de campo, 2009, 2010 e 2011.
APÊNDICE B
GUIA DE ENTREVISTA 1. Perfil sócio-econômico
Nome Grau de instrução Ocupação e atividade remunerada Religião Cor/Raça Idade Bairro
2. História de vida
Sobre a família e a criação Sobre os primeiros indícios dos desejos homoeróticos Sobre a auto-definição Sobre as relações afetivo-sexuais
3. Sociabilidade
Sobre o processo outing Sobre a relação com o circuito GLS
APÊNDICE C
QUADRO DOS ENTREVISTADOS
nome idade orientação sexual ou de gênero
(auto-atribuída)
escolaridade cor/raça (auto-
atribuída)
bairro de Belém onde
mora
L. C. 30 anos mulher transexual ens. superior incompleto parda Terra-Firme P. H. 27 anos homossexual ens. superior incompleto branco Jurunas
A. 27 anos homossexual ens. superior completo pardo Cidade Velha D. 22 anos bissexual ens. médio incompleto pardo Marambaia P. 23 anos lébica ensino superior incompleto preta Pedreira R. 30 anos gay ensino médio completo negro Cremação
DE. 25 anos gay ensino médio incompleto branco Guamá