2011__372_novembro

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa 372 NOVEMBRO 2011 PÁGINAS 21, 22 E 23 LAURENTINO GOMES O autor de 1822, livro premiado com o Jabuti, diz que nunca deixou de ser jornalista JOSÉ LEWGOY Documentário de Cláudio Kahns faz uma homenagem comovente ao ator que também escrevia PÁGINAS 16, 17, 18, 19 E 20 Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa PÁGINAS 28, 29 E 30 E EDITORIAL UM IMPORTANTE PASSO À FRENTE, NA PÁGINA 2. As forças democráticas conseguiram uma grande vitória com a sanção da lei que cria a Comissão da Verdade, passo importante para a investigação e divulgação dos crimes cometidos pela ditadura militar. A batalha agora será em torno da escolha dos membros da Comissão. MARIGHELLA NUM FILME QUE CONSUMIU 25 ANOS COM AMOR E PACIÊNCIA, A CINEASTA ISA FERRAZ, SOBRINHA DO LÍDER GUERRILHEIRO, FEZ LONGO DOCUMENTÁRIO SOBRE ELE. PÁGINAS 14 E 15 SÃO TÍMIDOS OS AVANÇOS NA LUTA ANTICORRUPÇÃO NEGOCIATAS DE PALOCCI DÃO PRÊMIO A TRÊS JORNALISTAS A MORTE DO CINEGRAFISTA PODERIA TER SIDO EVITADA APESAR DA FORTE ADESÃO POPULAR, O MOVIMENTO CONTRA A CORRUPÇÃO ALCANÇA RESULTADOS INSUFICIENTES. PÁGINAS 3, 4 E 5 EQUIPE DA FOLHA DE S.PAULO ARREBATOU A PRINCIPAL DISTINÇÃO DO PRÊMIO ESSO 2011. PÁGINAS 12 E 13 SE TIVESSE UM COLETE ADEQUADO, GELSON DOMINGOS TERIA SOBREVIVIDO AO TIRO QUE O MATOU. PÁGINAS 26 E 27 Crimes da ditadura serão investigados O BRASIL NO CAMINHO DA VERDADE MUNIR AHMED/UCHA

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Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

372NOVEMBRO

2011

PÁGINAS 21, 22 E 23

LAURENTINO GOMES O autor de 1822, livro premiadocom o Jabuti, diz que nunca deixou de ser jornalista

JOSÉ LEWGOY Documentário de Cláudio Kahns faz umahomenagem comovente ao ator que também escrevia

PÁGINAS 16, 17, 18, 19 E 20

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

PÁGINAS 28, 29 E 30 E EDITORIAL UM

IMPORTANTE PASSO À FRENTE, NA PÁGINA 2.

As forças democráticasconseguiram uma grande

vitória com a sanção da lei quecria a Comissão da Verdade,

passo importante para ainvestigação e divulgação dos

crimes cometidos pela ditaduramilitar. A batalha agora

será em torno da escolhados membros da Comissão.

MARIGHELLA NUM FILMEQUE CONSUMIU 25 ANOS

COM AMOR E PACIÊNCIA, A CINEASTA ISA FERRAZ,SOBRINHA DO LÍDER GUERRILHEIRO, FEZ LONGODOCUMENTÁRIO SOBRE ELE. PÁGINAS 14 E 15

SÃO TÍMIDOS OS AVANÇOSNA LUTA ANTICORRUPÇÃO

NEGOCIATAS DE PALOCCI DÃOPRÊMIO A TRÊS JORNALISTAS

A MORTE DO CINEGRAFISTAPODERIA TER SIDO EVITADA

APESAR DA FORTE ADESÃO POPULAR, OMOVIMENTO CONTRA A CORRUPÇÃO ALCANÇARESULTADOS INSUFICIENTES. PÁGINAS 3, 4 E 5

EQUIPE DA FOLHA DE S.PAULOARREBATOU A PRINCIPAL DISTINÇÃO DOPRÊMIO ESSO 2011. PÁGINAS 12 E 13

SE TIVESSE UM COLETE ADEQUADO, GELSONDOMINGOS TERIA SOBREVIVIDO AO TIRO

QUE O MATOU. PÁGINAS 26 E 27

Crimes daditadura serãoinvestigados

O BRASIL NO CAMINHO DA VERDADE

MU

NIR

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MED

/UC

HA

2 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Número 372 - Novembro de 2011

EditorialEditorial

UM IMPORTANTE PASSO À FRENTE○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

03 TTTTTransparência ransparência ransparência ransparência ransparência - A grande luta contra a Corrupção

06 Memória Memória Memória Memória Memória - Cabo Anselmo, um agente provocador,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

por Rodolfo Konder

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

09 Premiação Premiação Premiação Premiação Premiação - Especial Herzog é de Elifas

12 PremiaçãoPremiaçãoPremiaçãoPremiaçãoPremiação - Série que derrubou Palocci

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

arrebatou o Esso de 2011

13 PremiaçãoPremiaçãoPremiaçãoPremiaçãoPremiação - Fuga no Complexo do Alemão

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

deu o Embratel à TV Globo

14 DocumentárioDocumentárioDocumentárioDocumentárioDocumentário - Marighella: guerrilheiro,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

poeta e... tio

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

16 DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento - Ele, José Lewgoy

21 DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento - Laurentino Gomes - A História

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

revisitada pelo viés jornalístico

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

31 Passeata Passeata Passeata Passeata Passeata - O RJ marcha por seus recursos

32 HistóriaHistóriaHistóriaHistóriaHistória - As agruras do Correio da Manhã

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

no pré e no pós AI-5

35 LivrosLivrosLivrosLivrosLivros - Um reencontro com Bradbury,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

o autor de Fahrenheit 451

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

36 HomenagemHomenagemHomenagemHomenagemHomenagem - Dia D: à procura de Drummond

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

39 ImprensaImprensaImprensaImprensaImprensa - 200 anos de Babel

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

40 ExposiçãoExposiçãoExposiçãoExposiçãoExposição - Angeli e o cinema nacional

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

42 HomenagemHomenagemHomenagemHomenagemHomenagem - Chaplin, eternamente engraçado

SEÇÕES

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

08 AAAAA C O N T E C E UC O N T E C E UC O N T E C E UC O N T E C E UC O N T E C E U N AN AN AN AN A AB AB AB AB AB IIIII

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

26 LLLLL I B E R D A D EI B E R D A D EI B E R D A D EI B E R D A D EI B E R D A D E D ED ED ED ED E I I I I IM P R E N S AM P R E N S AM P R E N S AM P R E N S AM P R E N S A

28 DDDDD IIIII RRRRR E I TE I TE I TE I TE I TO SO SO SO SO S H H H H HUUUUU M A N O SM A N O SM A N O SM A N O SM A N O S

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Uma dívida com a Verdade

VVVVV IDASIDASIDASIDASIDAS

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

44 Luiz Mendes

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

45 Hélio Fernandes Filho

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

46 Leon Cakoff

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO

NOS ÚLTIMOS ANOS os setores demo-cráticos do País têm sofrido alguns reve-ses amargos, como aquele imposto peloSupremo Tribunal Federal, em 30 de abrildo ano passado, ao aprovar o malsinadovoto do então Ministro Eros Grau quedeclarou como insuscetíveis de julgamentoos agentes do Estado que, apoiados naforça que esse mesmo Estado lhes pro-porcionava, cometeram toda sorte deviolências contra os presos políticos sub-metidos à sua guarda. Pela ótica de ErosGrau, ele próprio, paradoxalmente, víti-ma de ilegalidades e torturas durante oregime militar, a Lei da Anistia perdoaraos assassinos e torturadores, entendimentoque conflita com a realidade das votaçõestravadas no Congresso Nacional para ins-tituição da lei libertadora.

A FUNESTA DECISÃO DO SUPREMO e deseu Ministro projetou seus malefícios tem-pos afora, como demonstrado na recentedecisão do Tribunal Federal Regional deSão Paulo que mantém a salvo de qual-quer punição os quatro militares, à fren-te o hoje Tenente-Coronel reformadoMaurício Lima, que em 1969 supliciaram20 militantes políticos presos na Opera-ção Bandeirantes, entre os quais a jovemestudante Dilma Rousseff, que o reco-nheceu em depoimento prestado em 1970como um dos seus algozes. Lima e seuscúmplices agora passeiam sua impuni-dade como cidadãos comuns, graças à ab-

solvição que Eros Grau lhes concedeu,bem como a outros criminosos.

NESSE QUADRO DE DECISÕES adversassoa como grande vitória dos setores de-mocráticos a sanção pela Presidente Dil-ma Rousseff da lei que institui a Comis-são da Verdade, a qual constitui um im-portante passo à frente na luta que essessetores travam desde há muito pela reve-lação em sua inteireza dos crimes come-tidos durante a ditadura militar, com olevantamento e divulgação ampla de in-formações sobre suas vítimas, as circuns-tâncias e os locais em que foram moles-tadas, o destino dado a seus corpos, nocaso dos presos assassinados, e, princi-palmente, os nomes e funções dos agen-tes que lhes impuseram tratamento im-piedoso e brutal e os superiores que lhesditavam esses comportamentos. Há quechegar não só aos autores dos crimes, mastambém aos superiores a que obedeciam.

NÃO POR ACASO a sanção da Lei da Co-missão da Verdade deu-se em ato em quefoi igualmente sancionada a lei que regu-la o acesso aos documentos públicos, aqual rejeitou a hipótese de se recobrir desigilo eterno o que se produziu e se pro-duz nesse campo. Sem esse sigilo a Co-missão da Verdade poderá alcançar efi-cácia na relevante missão de mostrarquanto de indigno aconteceu em nossaHistória recente.

ERRATA - JORNAL DA ABI 370PÁGINA 32 - Na segunda coluna, antepenúltima resposta, Roberto Mendesnão cita a Anatel, e sim o Ministério das Comunicações, “que tinha umdepartamento com atuação semelhante à Anatel de hoje”. E nem poderiacitar: A Anatel foi instalada em 5 de novembro de 1997.PÁGINA 33 - Ao lado da carteira do Paraguai, leia-se: “Fui para Genebra eParis, onde havia ramificações de amigos de MPL”.Nas últimas três linhas desta página, o correto é: “A anistia foi assinada no dia28 de agosto de 1979, que é dia do meu aniversário”PAGINA 34 - Na primeira coluna: o nome correto é Jorge Ramos e nãoJorge Campos, como foi publicado.PÁGINA 38 - Na penúltima resposta, o nome correto do filme dirigido porEliseu Ewald que Roberto está produzindo é Entre Macacos e Anjos.

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Tarcísio HolandaDiretor Administrativo: Orpheu Santos SallesDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretora de Assistência Social: Ilma Martins da SilvaDiretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn

CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage eTeixeira Heizer.

CONSELHO FISCAL 2011-2012Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jarbas Domingos Vaz, JorgeSaldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos Chesther de Oliveira e ManoloEpelbaum.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2011-2012Presidente: Pery CottaPrimeiro Secretário: Sérgio CaldieriSegundo Secretário: Marcus Antônio Mendes de Miranda

Conselheiros Efetivos 2011-2014Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, DácioMalta, Ely Moreira, Hélio Alonso, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Milton Coelho daGraça, Modesto da Silveira, Pinheiro Júnior, Rodolfo Konder, Sylvia Moretzsohn,Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros Efetivos 2010-2013André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto MarquesRodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José GomesTalarico (in memoriam), Marcelo Tognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, MárioAugusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.

Conselheiros Efetivos 2009-2012Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles,Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, JoséÂngelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães,Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros Suplentes 2011-2014Alcyr Cavalcânti, Carlos Felipe Meiga Santiago, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas,

Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira daSilva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa,Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães.

Conselheiros Suplentes 2010-2013Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, DanielMazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, JoséSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, SérgioCaldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

Conselheiros Suplentes 2009-2012Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (MiroLopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, JordanAmora, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Luiz Carlos Bittencourt, Marcus AntônioMendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo CoelhoNeto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIACarlos Felipe Meiga Santiago, Carlos João Di Paola, José Pereira da Silva (Pereirinha),Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Marcus Antônio Mendes de Miranda.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSPresidente, Lênin Novaes; Secretário, Wilson de Carvalho; Alcyr Cavalcânti, AntônioCarlos Rumba Gabriel, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Ernesto Vianna,Geraldo Pereira dos Santos,Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães,José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Luiz Carlos Azêdo, Maria CecíliaRibas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu SantosSalles, Sérgio Caldieri e Yacy Nunes.

COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIALIlma Martins da Silva, Presidente; Manoel Pacheco dos Santos, Maria do PerpétuoSocorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George BenignoJatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra.

REPRESENTAÇÃO DE MINAS GERAISJosé Mendonça (Presidente de Honra), José Eustáquio de Oliveira (Diretor),CarlaKreefft, Dídimo Paiva, Durval Guimarães, Eduardo Kattah, Gustavo Abreu, José BentoTeixeira de Salles, Lauro Diniz, Leida Reis, Luiz Carlos Bernardes, Márcia Cruz eRogério Faria Tavares.

Jornal da ABI

O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.

Editores: Maurício Azêdo e Francisco [email protected] / [email protected] gráfico e diagramação: Francisco UchaEdição de textos: Maurício Azêdo

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz,André Gil, Conceição Ferreira, Guilherme PovillVianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz deFreitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva,Paulo Roberto de Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULODiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-040Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]ÇÃO DE MINAS GERAISDiretor: José Eustáquio de Oliveira

Impressão: Gráfica Lance!Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ

3Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

POR PAULO CHICO

TRANSPARÊNCIA

Nunca houve tanto destaque para o tema. Tampouco tantas manifestações nas ruas,de repúdio da população à corrupção. A imprensa tem cumprido seu papel de

investigar e denunciar de forma sistemática. Mas será que o País já dispõede instrumentos eficazes e transparentes de controle dos gastos públicos?

A GRANDE LUTACONTRA A

m termos políticos, os primeiros meses do mandato de Dil-ma Rousseff não têm sido dos mais tranqüilos. Em 26 deoutubro, Orlando Silva, do Turismo, foi o sexto Ministrode Estado a deixar o Governo. Dos seis, cinco foram demi-tidos após serem alvos de denúncias de corrupção, que in-

cluíam desde o favorecimento de organizações não-governamen-tais de fachada ao pagamento de contas pessoais com cartão cor-porativo. Por trás de uma avassaladora onda de denúncias que tomaconta dos principais jornais e revistas do Brasil, parece clamar a

indignação de grande parte da população, que cobra maior controlee transparência dos gastos públicos.

Nas redes sociais, proliferam manifestações em defesa da ética. Omesmo ocorre nas ruas. No dia 15 de novembro foram realizadas Mar-chas Contra a Corrupção em pelo menos 30 cidades brasileiras. O mo-vimento apresenta três reivindicações prioritárias: voto aberto no Con-gresso, aprovação do projeto que torna a corrupção crime hediondo ea adoção da Ficha Limpa com validade já para as eleições de 2012. Fa-tores básicos para a conquista do exercício da cidadania no Brasil.

A GRANDE LUTACONTRA A

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4 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

TRANSPARÊNCIA A GRANDE LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO

O papel desempenhado pela impren-sa na chamada ‘faxina’ no Ministério deDilma Rousseff é evidente. Em 7 de junho,Antônio Palocci, da Casa Civil, foi o pri-meiro a perder o cargo, depois de suspeitasde ter praticado tráfico de influência em fa-vor de sua empresa de consultoria, a Proje-to. As denúncias, que apontavam um im-pressionante crescimento do patrimôniode Palocci, foram inicialmente publicadaspela Folha de S.Paulo. No dia 6 de julho, por-tanto menos de um mês depois da saída dePalocci, caiu o Ministro dos Transportes Al-fredo Nascimento, cuja situação ficou in-sustentável após a publicação de diversasreportagens que apontavam a existênciade um esquema de corrupção comandadopor ele dentro da pasta.

Não por denúncias de corrupção, e simpor divergências políticas, em 4 de agostoo Ministro da Defesa, Nelson Jobim, pededemissão após a repercussão das declara-ções dadas à revista Piauí, em que afirmouque o Governo era “atrapalhado”. Alvo deuma série de denúncias de corrupção, pu-blicadas, sobretudo, pela revista Veja e pelo

Correio Braziliense, Wagner Rossi saiu daAgricultura no dia 17 de agosto, sendo logodepois seguido por Pedro Novais. O Minis-tro do Turismo deixou o cargo em 14 de se-tembro, após ser acusado de pagar o saláriode uma empregada doméstica com dinhei-ro da Câmara dos Deputados e de usar umfuncionário do Gabinete do Deputado Fran-cisco Escórcio (PMDB-MA) como motoris-ta de sua mulher em horário de trabalho.

Em novembro, por fim, o Ministro doTrabalho, Carlos Lupi, teve seu nome en-volvido em denúncias de irregularidadesem contratos com ongs. A permanênciado político do PDT à frente da Pasta tor-nou-se mais complicada após reportagemda Veja, na edição 2243, de 16 de novem-bro, que afirma que Lupi fez uma viagemoficial em jatinho do dono de uma ong quetem contratos suspeitos com seu Ministé-rio. O Ministro teria mentido à Comissãode Fiscalização e Controle da Câmara,quando negou conhecer Adair Meira – oproprietário da ong, com quem viajara.

COMO TEM ATUADOA NOSSA IMPRENSA?

Embora a onda de denúncias por vezes

se confunda com simples denuncismo –muitas das acusações feitas por jornais erevistas ainda não foram provadas, mas jácustaram a cabeça de alguns ministros deEstado –, é inegável que ela traduz, em parte,o sentimento da população de que é preci-so dar um basta na prática de desvio de re-cursos no País. Exemplo disso foi a capa daVeja de número 2240, de 26 de outubro de2011. Lançando mão da máscara do perso-nagem do filme V de Vingança, devidamen-te pintada com as cores verde e amarela, arevista estampava a manchete “Dez moti-vos para se indignar com a corrupção”, lis-tando problemas crônicos do Brasil que po-deriam ter sido resolvidos caso não tives-sem sido desviados, ao longo de 2010, R$ 85bilhões dos cofres públicos.

Diante deste cenário, é possível afir-mar que a imprensa vem cumprindo comseu papel de agente fiscalizador da atua-ção do Poder Público?

“Para ser correta, essa afirmação de-pende do veículo. Sob o ponto de vistaestatístico, a cobertura da corrupção naimprensa brasileira é muito deficiente.

Nós mantemos desde 2004 o projeto Deuno Jornal (www.deunojornal.org.br), queconsiste em recolher todos os dias todo onoticiário sobre corrupção e assuntoscorrelatos publicados nos principais veí-culos impressos brasileiros. Eles são, hoje,cerca de 33, de quase todos os Estados. Agrande maioria desses veículos basica-mente publica despachos das agênciasEstado e Folhapress. Pouquíssimos têmalguma cobertura própria, por exemplo,com pautas locais”, lamenta Cláudio We-ber Abramo, Diretor-Executivo do Trans-parência Brasil, organização independen-te e autônoma, fundada em abril de 2000por um grupo de cidadãos e organizaçõesnão-governamentais comprometidos como combate à corrupção.

Para Abramo, é preciso reconhecer queo trabalho de investigação e denúncias nãoé feito, no Brasil, pela imprensa como umtodo, e sim por alguns veículos específicos.

“Não se pode falar em cobertura daimprensa, mas de uma quantidade muitoreduzida de jornais e revistas, tais comoEstadão, Folha de S.Paulo, O Globo, CorreioBraziliense, Zero Hora, Veja, Época e algunspoucos outros. A cobertura dos veículos

é sempre muito mais intensa no que dizrespeito a acontecimentos na esfera fede-ral. Aquilo que ocorre no Estado em queo jornal circula recebe atenção reduzidís-sima. E a cobertura do plano municipal étambém deficiente, embora um poucomelhor do que a estadual. Independente-mente de ser bem ou mal noticiado, o quea imprensa do País publica são esmagado-ramente casos que eclodiram no Judici-ário ou em algum organismo de contro-

le, principalmente a Controladoria-Ge-ral da União-CGU.”

ALGUNS AVANÇOS,AINDA QUE TÍMIDOS

Com a evolução da democracia noBrasil, alguns princípios já consagradosem outros países ganham cada vez maisforça. Um deles é o do acesso aos gastospúblicos por parte da sociedade. A criaçãode sites como o Portal da Transparência, doGoverno Federal, e o Siga Brasil, manti-do pelo Senado, reforçaram essa tendên-cia no plano da União. Mas nos Estadose Municípios, afora algumas iniciativasisoladas, ainda há diversas barreiras parase saber onde e como o poder público gas-ta o dinheiro do contribuinte.

Um passo para o País tornar-se maistransparente quanto ao uso de recursospúblicos foi dado no ano passado com aaprovação da Lei Complementar nª 131.Por ela, todas as cidades com mais de 100mil habitantes já deveriam disponibilizarsuas contas, na internet, desde maio de2010. Municípios com população de 50a 100 mil moradores tiveram até maiodeste ano para fazer o mesmo. E o prazo

para as que têm até 50 mil pessoas é oinício de 2013.

“O problema, agora, é policiar essa lei.Até porque se sabe que muitos Estados eMunicípios construíram sites que trazeminformações superficiais e que não permi-tem um controle social verdadeiro”, co-menta o economista Gil Castelo Branco,presidente da ong Contas Abertas, quemonitora gastos do Governo Federal.

No plano federal, o quadro é maisevoluído. É possível saber, por exemplo,as compras feitas pela Presidência daRepública na véspera da consulta, o quan-to cada gestor público gasta em diárias ouem despesas com cartões corporativos,qual empresa recebe mais recursos daUnião, os nomes de todos os beneficiári-os do Bolsa-Família, entre outros dados.Para Gil, a questão da transparência nosgastos públicos evoluiu bastante no Bra-sil, nas últimas décadas, principalmenteapós o boom da internet e da cobrançamaior por parte da sociedade brasileira.

“Nós passamos muito tempo com in-flação alta e não tínhamos o hábito de

acompanhar as contas públicas. A própriaditadura militar teve um peso nesse pro-cesso de silenciamento de uma geração.Mas, hoje, o Brasil recupera, a passos ace-lerados, o tempo que perdeu”, comentou.

Cláudio Weber Abramo concorda. “OPortal da Transparência, do GovernoFederal, experiência emulada de formamais deficiente em alguns poucos Esta-dos, é bastante bom. Mais e melhores ins-trumentos tendem a ser criados. Demodo geral, acredito que a disponibilida-de de informação pública no Brasil temavançado bastante, em especial na esfe-ra federal – e não só no Executivo, mastambém no Legislativo e no Judiciário.Mas o mesmo não se verifica nas demaisesferas de poder, que estão muito atrásneste assunto.”

MAIS QUE UM DESAFIO,UMA MISSÃO HISTÓRICA

“Como economista, trabalhei a maiorparte da minha vida com o orçamentopúblico, e tenho a convicção de que eleprecisa ser aprimorado, não só no que dizrespeito à legalidade como também à qua-lidade. Assim, após aposentar-me, passei a

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ASAL JR./ABR

ANTÔ

NIO

CRU

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5Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

dedicar-me inteiramente ao Contas Aber-tas, entidade da qual fui o fundador núme-ro um, em dezembro de 2005. Atualmen-te, exerço a função de Secretário-Geral, queé o nosso cargo executivo”, explica GilCastelo Branco. Como curiosidade, é vá-lido destacar que a ong foi fundada exata-mente no dia 9 de dezembro, Dia Interna-cional do Combate à Corrupção.

A corrupção existe no mundo todo.Nenhum país tem nota 10 no Índice dePercepção da Corrupção-IPC, anualmen-te calculado pela Transparência Interna-cional. Nesta avaliação, estão próximos dezero os países mais corruptos e no outroextremo aqueles em que a percepção decorrupção é menor. O Brasil, desde que oIPC começou, em 1995, tem média de 3,65.Nos dois últimos anos, a nota foi 3,7.

“Desta forma, na ‘matéria’ corrupçãoestamos sendo reprovados há muitos anos,há vários Governos. O fato tem raízes his-tóricas. Mas entre os fatores que atualmen-te realimentam a corrupção eu citaria osfinanciamentos das campanhas eleitorais,a quantidade excessiva de funções comis-

sionadas, o foro privilegiado para as auto-ridades, a forma de indicação dos ministrosdos tribunais superiores, as facilidades con-cedidas às ongs, a falta de maior transparên-cia, principalmente nos Estados, Municí-pios e empresas estatais, as emendas parla-mentares, a não votação de aproximada-mente 100 projetos de lei que poderiamreduzir a corrupção e estão paralisados noCongresso Nacional, a morosidade da Jus-tiça”, enumera Gil Castelo Branco.

O Secretário-Geral do Contas Abertasdestaca a atuação da imprensa nos casos dedenúncias e investigação sobre corrupção.“A mídia exerce papel essencial na fiscali-zação dos dispêndios públicos. Atualmen-te, existe o controle interno, representa-do pela CGU, o controle externo, execu-tado pelo Tribunal de Contas da União, eo controle social, desenvolvido pela mídiae entidades privadas. Em um país como oBrasil, com dimensões continentais, ocombate à corrupção só é eficaz quandoenvolve a sociedade como um todo. A pró-

pria Convenção da Onu sobre o Comba-te à Corrupção possui um artigo inteira-mente dedicado à participação social, oartigo 13”, diz Gil Castelo Branco.

AINDA HÁ MUITOO QUE APRIMORAR

Apesar dos avanços ocorridos, o Brasilainda está atrasado frente ao cenário in-ternacional. Em mais de 70 países, existea chamada Lei de Acesso à Informação, queassegura a qualquer pessoa o direito de, apóssolicitar um dado a um órgão público, re-ceber a resposta ou uma justificativa ofi-cial sobre por que ela não pode ser divul-gada. Em outros países, não só o hábito,como as estratégias de controle social sãomais avançadas. A tendência, inclusive, éque entidades como o Contas Abertas, quehoje é chamada a levantar informações devários Ministérios, produzam filhotes quepossam atuar em setores específicos. NosEstados Unidos, por exemplo, há institui-ções que atuam por áreas. São ongs que fis-

calizam o uso de recur-sos das políticas para ne-gros, mulheres, crianças,entre outros.

O Contas Abertas játreinou equipes de jor-

nalistas de diversos veículos, como a doEstado de S.Paulo. “Nosso trabalho é pra-ticamente navegar, o tempo todo, nessesportais. E procuramos mostrar aos jorna-listas onde eles podem encontrar os maisvariados tipos de informação. Então,quando trabalhamos com eles, não é poracaso. Este é um profissional que tem umefeito multiplicador. É melhor fazermosum curso para jornalistas do que paraqualquer tipo de profissional que possi-velmente não vai lidar com o assunto. Ele,com certeza, permanecerá lidando comisto e vai aprofundar levantamentos,pesquisas e matérias, aumentando o con-trole social. Por isso, já fizemos esse cur-so para vários jornais”, conta Gil Caste-lo Branco, lembrando que a entidade quedirige não recebe dinheiro público – émantida exatamente pelos trabalhos quepresta para entidades e empresas privadas.

O Brasil vive uma grande mobilizaçãonacional em relação à Copa do Mundo eaos Jogos Olímpicos, com a execução de

grandes obras em quase todo o País. Masserá que esse processo tem sido gerido deforma pública e transparente? A impren-sa tem cumprido seu papel de agente fis-calizadora?

“A imprensa tem cumprido o seu papelda melhor forma possível. O que ocorreé que só existe controle social se houvertransparência e facilidade no acesso àinformação. No entanto, os portais dis-ponibilizados até o momento, especifica-mente para o controle das ações nestesetor, são incompletos e defasados”, dizo Secretário do Contas Abertas.

Cláudio Weber Abramo concorda. “Oque está acontecendo em Campo Grandeou Manaus? De toda forma, o acompa-nhamento do assunto é difícil. O Transpa-rência Brasil desistiu de fazê-lo devido àcomplexidade implicada”, revela para,logo em seguida, afirmar o papel da mídiaeletrônica no controle dos gastos públi-cos. “A internet é o meio de monitoramen-to do Estado por excelência, desde que elepublique regularmente informações deta-lhadas e atualizadas sobre suas decisões –e isso inclui muito mais do que a execuçãoorçamentária. A chave é a obrigatorieda-de de o Poder Público publicar informação.Por outro lado, as ongs locais que deveri-am analisar o que é publicado fazem issomuito mal. O Poder Público já publicamuito mais informação sobre diferentesaspectos da atuação do Estado do que os in-termediários da informação se mostramcapazes de acompanhar”, lamenta o repre-sentante do Transparência Brasil.

“O acesso à informação é tão liberda-de quanto a liberdade de expressão. Ocidadão tem o direito de ter acesso a es-tas informações. O Estado não gera umcentavo. Ele sobrevive às custas dos im-postos que pessoas físicas e jurídicas pa-gam. O cidadão tem todo o direito desaber como as autoridades, que são nos-sos empregados, em todas as instâncias,usam os recursos públicos. É preciso quenós acompanhemos, monitoremos tudoisso, para combater a corrupção. E até paradiscutir também a qualidade do gasto”,conclui Gil Castelo Branco.

No feriado de 7 desetembro milhares demanifestantes participamda Marcha Contra aCorrupção em diversascidades do Brasil. Elesexigiam o fim do votosecreto na Câmara e noSenado e punição paraos corruptos. No dia 28,a ong Rio de Paz e osorganizadores da Marchafincaram 594 vassourasverde-amarelas naEsplanada dosMinistérios, em frenteao Congresso Nacional.Na edição 2240, de 26de outubro, a revistaVeja publicou amplareportagem sobre oassunto.

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MEMÓRIA

POR RODOLFO KONDER

RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Diretor da Representação daABI em São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação daCidade de São Paulo.

Cabo Anselmo,um agente provocador

No domingo, a revista IstoÉ publicoua entrevista. Terça-feira, fui almoçarcom o amigo Alberto Dines noSalad’s, ali na Rua Oscar Freire, qua-

se na esquina com Augusta.Ficamos meia-hora na fila de espera, trocan-

do impressões sobre a campanha em favor das‘Diretas-já’. Sentamos à mesa, Dines comentoua entrevista:

“Há alguns furos, talvez pelo fato de o textoter sido reduzido, conforme diz a própria revis-ta. Mas o Otávio Ribeiro, um bom repórter, nãoexplica de modo claro como encontrou o CaboAnselmo. E há pontos obscuros e contraditóriosnas próprias declarações do Cabo.”

Não nos parecia fortuita a publicação da en-trevista naquele exato momento de tensão polí-tica. Tudo tinha o ar de matéria “plantada”, algoplanejado para criar “confusão” e alimentar adiscórdia e a desconfiança. Especialmente paracolocar na berlinda o Governador do Rio de Ja-neiro, Leonel Brizola.

“Conheci este Cabo Anselmo, em 1964...”“Como?”“Ao me asilar na Embaixada do México. Ele

estava lá, com um grupo de sargentos e cabos emarinheiros. Liderava o grupo, ao lado de umpadre português, Alípio de Freitas, e do ex-Depu-tado Max da Costa Santos, que morreu, anos de-pois, de volta ao Brasil.”

Dines balança a cabeça: “Me lembro”.“Dentro da embaixada, o grupo se comportava de

forma irracional, hostilizando os demais asilados, queeram considerados “burgueses”. Havia entre nós, paracitar um exemplo do clima absurdo em que vivíamos,um oficial da Marinha, com vinte e cinco anos de car-reira impecável, duas medalhas de heroísmo, que arris-cara tudo na defesa do Governo Jango, expondo-semuito, politicamente, ao prender alguns oficiais gol-pistas. Pois bem, os integrantes do grupo do CaboAnselmo o consideravam um “traidor”, porque eledesaprovava seus planos aventureiros.

“Logo ao entrar, fui chamado ao quarto onde o gru-po se reunia, o seu QG. Abriram um mapa sobre umadas camas, para me falar do seu projeto. Iriam do Mé-xico para Cuba, onde receberiam treinamento militar,armas e barcos, para então retornar ao Brasil e iniciar aguerrilha. Recusei amavelmente o convite para embar-

car naquela aventura – e passei a ser tratado como umburguês”. O padre Alípio, quando passava por mim noscorredores, dizia entre os dentes: “Vamos precisar demuita corda para enforcar tantos traidores...”

“Um padre nada misericordioso”, comenta Dinescom um sorriso.

“Logo, tínhamos dois grupos nitidamente forma-dos. Do nosso lado, estavam os dirigentes bancários, ocomandante Godoy, os dirigentes sindicais em geral, osintelectuais, como o poeta Felix Athayde e o professorHeron de Alencar. Criticávamos a utilização da Embai-xada como “aparelho”, a irresponsabilidade com que ogrupo do cabo e do padre jogavam bilhetes pela janela,falavam pelo telefone e faziam planos políticos, parapassar aos lá de fora.”

“A tensão cresceu muito, podíamos prever o entre-choque físico, tal era o grau de agressividade existentedentro daquele apartamento superpovoado. Parecíamosratos, prestes a nos entredevorarmos. Ao longo de todo

o tempo, o cabo Anselmo adotou uma posturaprovocativa, de desafio, contrária a qualqueraproximação. Era o grande inimigo da unidadeentre os asilados.”

“Havia um moça, ex-funcionária da Petrobrás,que se dizia apaixonada por ele. Era bonita e ten-tava conquistá-lo com insistência. Ao fim, decla-rou-se frustrada – e acusou o cabo de efeminado.Ele não parecia preocupado. Gostava de dançar, aosom de músicas modernas. Revirava os olhos, gin-gando os quadris. Tudo bem, embora eu não con-seguisse identificar naquela figura delicada um‘perigoso líder revolucionário’.”

“Certo dia, o grupo do cabo se reuniu no seuQG para conspirar: Não queriam que um denós soubesse dos seus planos, por medo que odenunciasse. Ficaram fechados o dia inteiro. Ànoite, as rádios anunciaram a prisão de CaboAnselmo. Todos nos sentimos perplexos, por-que nenhum de nós sabia que o cabo deixara aEmbaixada. Max quase teve um enfarte. Ogrupo de marinheiros ficou desnorteado. Masnão podiam nos acusar. Haviam planejadouma ação ousada - segundo transpirou maistarde – e o marinheiro escolhido para sair daEmbaixada e levá-la a efeito recusara a heróicatarefa. Então, o cabo Anselmo apresentou-secomo voluntário. Deixara a Embaixada com aincumbência de planejar o afundamento do

porta-aviões Minas Gerais – uma demonstração deque a resistência ao golpe militar estava viva.”

“No dia seguinte, vimos nos jornais a notícia da pri-são. Surpreendentemente, o cabo aparecia rindo nasfotos, ao lado dos agentes da Polícia. Tudo era muitoestranho.”

“Levado mais tarde para uma prisão no Alto da BoaVista, foi tratado com todas as regalias, como ele mes-mo admite na entrevista a Isto É. Fugiu, como era de seprever. E prestou ‘relevantes serviços à repressão.”

“Sempre achamos que era um agente provocador. Jáestava a serviço da Polícia, antes de entrar na Embaixa-da do México.”

“É uma história impressionante”, observa Dines. “Evocê precisa escrever alguma coisa sobre ela. Tem quecontar isso, um dia.”

Desde o começo, no asilo na Embaixada do México, ele nos pareceu o querealmente era, como se provou anos depois: um farsante a serviço do golpe e da Polícia.

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8 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Uma platéia composta porassociados e conselheiros da ABIassistiu com grande interesse àprojeção do documentário Rober-to Marinho, O Senhor do Seu Tempo,de Rozane Braga e DemervalNeto, exibido em sessão especialna noite de 17 de novembro noprincipal espaço cultural da Casa,o Auditório Oscar Guanabarino,localizado no 9º andar do Edifí-cio Herbert Moses, sede da Casado Jornalista, no Centro do Rio.

Empolgada com o resultadodo trabalho, a diretora RozaneBraga falou sobre o impacto queo filme tem provocado nas pla-téias onde vem sendo exibido eda sua satisfação na realizaçãodo projeto, que faz parte de umasérie de preservação de memóriaque a produtora FBL, criada porela e por Fernando Barbosa Lima,seu marido, vem realizando hádez anos.

“Essa é uma série apolítica queabrange vários segmentos da so-

Dezenas de pessoas compare-ceram ao lançamento do livroLíbia: Barrados na Fronteira, dojornalista e Conselheiro da CasaMário Augusto Jakobskind, emnoite de autógrafos realizada em11 de novembro, na ABI. A obra,a primeira vinda a público após adeposição e morte do líder líbioMuamar Kadaf, narra a aventurada delegação brasileira encarrega-da de enviar à Onu um relatóriosobre a situação na Líbia, a qualficou barrada na fronteira com aTunísia. O autor expõe e analisafalhas e contradições da cobertu-ra sobre os conflitos que ocorriame ainda ocorrem no país. O livroé mais uma edição da Booklink, eo evento foi uma iniciativa da Di-retoria de Cultura e Lazer da ABI,com o apoio da Lidador.

Antes da distribuição de au-tógrafos, Jakobskind partici-pou de um debate sobre a situ-ação na Líbia e a chamada Pri-mavera Árabe com a jornalistaBeatriz Bissio, professora uni-versitária e editora da revistaCadernos do Terceiro Mundo. Nodebate houve exposição de ima-gens e vídeos não exibidos namídia brasileira sobre o confli-to na Líbia. O Presidente daABI, Maurício Azêdo, destacoua relevância da publicação:

“O livro é uma contribuiçãoimportante que Mário AugustoJakobskind, um dos mais aba-lizados comentaristas interna-cionais da nossa imprensa, ofe-rece para a compreensão do dra-ma que o povo líbio está vivendoneste momento sob a pressão daspotências imperialistas, coman-dadas pelos Estados Unidos, GrãBretanha e Alemanha. Com essacontribuição ele abre um espaçopara discussão do que houve e doque está havendo na Líbia, comouma forma de tornar bem clara amotivação das forças que atual-mente agem no país.”

“Cobertura tendenciosa”Jakobskind falou de sua mo-

tivação para escrever o livro:“Fui incentivado pelo editor

da Booklink, Glauco Oliveira. Aidéia inicial era, além de partici-par da elaboração de um relatóriojunto com outras nove pessoas,fazer um livro sobre o que iriaacontecer na Líbia. Mas como foiimpossível entrar na Líbia porcausa da barreira aérea da Otan,achei que o livro não sairia mais.Então o Glauco me mandou ume-mail, dizendo: ‘Você já está como livro’. Fiquei uma semana emTúnis, capital da Tunísia, espe-rando a possibilidade de entrarna Líbia por terra. O livro nas-ceu a partir daí.”

Diz Mário Augusto que o li-vro é uma tentativa de expor o

Um dvd com imagensinéditas de Roberto Marinho

Documentário exibido em sessão especial na Casamostra o homem, o mito, o profissional e o empreendedor.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

O dvd apresenta entre outrascuriosidades a intervenção de Ro-berto Marinho em momentos po-líticos históricos do Brasil, comoa campanha que promoveu pelaRádio Globo em oposição a Getú-lio Vargas. O filme mostra o mo-mento mais agudo do antigetulis-mo de Roberto Ma-rinho, sua parceriacom Carlos Lacerda,logo depois do aten-tado que este sofreuem agosto de 1954, ea campanha que aca-bou levando à derru-bada do então Presi-dente da República,na forma trágica doseu suicídio, em 24de agosto de 1954.

Sobre esse período, o dvd nãose absteve do comentário de Ro-berto Irineu Marinho de que essefoi um momento difícil, porquea população que venerava Getú-lio Vargas, da mesma maneira quefez com a Tribuna da Imprensa, deCarlos Lacerda, voltou-se contraO Globo: “Ali ele aprendeu e setornou mais amigo do Governo”,afirmou Roberto Irineu.

Curioso também foi o compor-tamento de Carlos Lacerda, desta-cado no documentário, que de ali-ado passou a opositor de RobertoMarinho, porque este não apoiavaa sua ambição de se tornar Presi-dente da República.

Nas polêmicas, Getúlio, Lacerda, o golpe, Brizola, Collor, Lula

Líbia: Jakobskindsai na frente

ciedade. Na hora que a gente re-solveu que ia falar do segmentojornalismo e comunicação, veri-ficamos que o ícone dessa área erao Dr. Roberto. A partir daí ficoufácil. Entramos em contato coma família, que nos deu autoriza-ção, e passamos a mergulhar navida dele para que pudéssemosentender o homem, o mito, oprofissional e o empreendedor”,disse Rozane, que após a proje-ção manteve um diálogo com osespectadores.

A equipe do filme foi a pri-meira que teve acesso ao casarãode estilo colonial do empresáriono bairro do Cosme Velho, parafilmar o seu interior: “O maisimpressionante é que pareceque ele vive ali até hoje. A sen-sação que a gente tem é de que elevai chegar do trabalho a qual-quer momento. Para nós foi in-teressante poder conversar comos empregados, ver como o Dou-tor Roberto era na intimidade,conhecer os seus hábitos, con-versar com o mordomo Edgar,

que mantém uma grande admi-ração pelo ex-patrão. Aliás, to-dos os que trabalham na casa têmuma admiração muito profundapor ele. O comentário unânimeentre eles é de que era uma pes-soa muito solícita. A boa manei-ra como ele os tratava tambémfoi ressaltada”, disse Rozane.

“Roberto Marinho era uma fi-gura polêmica, mas ao mesmotempo uma pessoa querida”, dis-se Rozane Braga, revelando queo documentário é totalmenteisento de qualquer influência daRede Globo. Com depoimentosde familiares, do jornalista ArgeuAfonso, de José Bonifácio de Oli-veira Sobrinho, o Boni, por mui-tos anos diretor da poderosa Cen-tral Globo de Produções, e deoutras pessoas que trabalharamcom Roberto Marinho, o filmedestaca a trajetória empresarial desucesso do fundador das Organi-zações Globo, desde o seu traba-lho na Redação do jornal O Globoaté à fundação da Rede Globo deTelevisão, nos anos 1960.

O filme é também muito es-clarecedor sobre vários aspectospolêmicos como os motivos quelevaram Marinho a apoiar o gol-pe militar de 1964: ele estava con-vencido, assim como maioria daelite empresarial do Brasil, deque o Presidente João Goulart

pretendia implan-tar no País “uma di-tadura socialista”.Nesse contexto, odvd mostra o trânsi-to que Roberto Ma-rinho tinha com oGoverno da ditadu-ra, apesar de conde-nar a censura e abri-gar na Redação de OGlobo jornalistas queeram acusados de co-

munistas. Outras questões polê-micas, como a CPI que, no iní-cio da TV Globo, levou ao rom-pimento com o grupo norte-ame-ricano Time Life, também estãopresentes no vídeo.

Estão presentes também a opo-sição de Roberto Marinho a Leo-nel Brizola e a rixa que o ex-Go-vernador teve com ele a partir docaso da Proconsult, nas eleiçõespara o Governo do Estado do Rio,em 1982, quando Brizola acusoua TV Globo de estar por trás de umgolpe para impedir a sua eleição.

Outro ponto polêmico apre-sentado é o caso da campanhapara a Presidência da República

em 1989, disputada no segundoturno por Lula e Fernando Collor,que gerou o famoso episódio daedição do último debate entre osdois candidatos – edição muitofavorável ao então jovem fenô-meno de Alagoas. Transmitidapelo Jornal Nacional, a edição dodebate, claramente prejudicial aLula, juntamente com outrosfatos explorados pela mídia, aca-bou influenciando o resultadodo pleito e dando a vitória aocandidato que tinha a simpatiade Marinho, como confirma JoãoRoberto Marinho em declaraçãono dvd.

Correndo o mundoO documentário Roberto Ma-

rinho, O Senhor do Seu Tempo já foiexibido em 126 países e atual-mente está sendo mostrado emcircuitos universitários, para es-tudantes de Jornalismo e de ou-tras faculdades. Esse é o sétimodvd da série Os Grandes Brasilei-ros. O primeiro foi sobre o jorna-lista Barbosa Lima Sobrinho; de-pois vieram as produções sobreTancredo Neves, Darcy Ribeiro,Ziraldo, José Sarney e o jornalis-ta, pesquisador e Conselheiro daABI Sérgio Cabral.

Informou Rozane Braga queos próximos lançamentos serãoPortinari do Brasil, em 2012, eFernando Henrique e Os CaminhosPara a Democracia, em 2013.

chamado outro lado, que não foimostrado na cobertura jornalís-tica feita por veículos como a Al-Jazeera e a CNN. Ele criticou aforma como foram conduzidasas reportagens:

“Foi uma cobertura bastantefalha e tendenciosa, e os precei-tos jornalísticos de ouvir os doislados em pé de igualdade nãoforam seguidos. A Al-Jazeera,que é uma emissora de televisãodo Qatar, deixou a desejar, ma-nipulou imagens. A CNN tam-bém fez exatamente a mesmacoisa. Muitas informações quenão chegaram aqui no Brasilestão no livro, em cujo final eucoloco uma questão específicapara os estudantes e professoresde Jornalismo, para que os acon-tecimentos na Líbia, em matériade cobertura jornalística, sir-vam para a reflexão no estudo doJornalismo.”

Massacre da OtanBeatriz Bissio expôs os proble-

mas da cobertura jornalística e aforma como as informações che-gam até o público:

“Precisamos pensar de que for-ma nos informamos e formamosnossa opinião a respeito do queestá acontecendo em geral nomundo, e particularmente no Nor-te da África e no Oriente Médio.No mundo árabe, a respeito doqual há grande desinformação,quando não uma informaçãodeturpada e tendenciosa queprocura fazer que a opinião pú-blica seja levada a assumir comolegítimas algumas decisões im-perialistas, como por exemplo aagressão da Otan, que diz salvaros direitos humanos da popula-ção líbia e que massacrou quase50 mil pessoas. É uma forma bas-tante sui generis de fazer respei-tar os direitos humanos.”

Jakobskind: Foi uma coberturabastante falha e tendenciosa.

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9Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

O desenhista, cenógrafo e jornalistaElifas Andreato recebeu o Prêmio Espe-cial Vladimir Herzog 2011, principal ho-menagem dentre as dez categorias do33º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia eDireitos Humanos, entregue em 24 de ou-tubro, no Teatro da Pontifícia Universida-de Católica-Tuca, em São Paulo. Durantea cerimônia, o jornalista Sérgio Gomes,diretor da Oboré Projetos Editoriais, ins-tituição que desenvolve programas deformação em comunicação e arte e uma daspromotoras do evento, explicou que oPrêmio homenageia o conjunto da obra doartista a serviço da liberdade e da justiça.

O troféu foi construído sobre umabase de mármore do local em que foi se-pultado o corpo do jornalista VladimirHerzog, cedida pela Associação do Cemi-tério Israelita de São Paulo, e traz impres-sa a mensagem “A arte é amiga da Liber-dade e os artistas sempre lutam por ela. Sea ditadura de Franco teve que encarar oPicasso, a nossa precisou encarar o Elifas”.Os enfrentamentos com os inimigos dademocracia, contudo, não acabaram, oque explica os esforços dos organizado-res da iniciativa de buscar assegurar mai-or alcance e repercussão ao Prêmio.

Sérgio Gomes considera que o desres-peito aos direitos humanos é permanen-te. “Está na violência policial e carcerária,na discriminação dos mais pobres, dosnegros. Democracia e justiça, por isso,continuam na pauta. Se você consideraro Brasil como um transatlântico, o co-mando do barco tem sido da mesma gentenos últimos séculos. No convés, com re-lativo conforto, estão uns 30% da classemédia; 80% estão no porão, na casa dasmáquinas. A democratização do Brasilnão foi até lá embaixo”, diz Sérgio, frisan-do que uma das instituições em que esseatraso é evidente é a Polícia.

O Prêmio deste ano, diz o diretor daOboré, avançou na reformulação inicia-da há três anos para seu fortalecimento.Contar com um prêmio de jornalismo degrande repercussão para a imprensa, afir-ma, também é um escudo a mais para pro-teger os profissionais que atuam em áre-as de risco. “Uma contribuição aos jorna-listas que estão na frente de batalha é fa-zer com que esse Prêmio seja profunda-mente representativo na composição deseus organizadores, com um amplo arcode alianças, que esteja representado naprópria cerimônia de entrega, com repre-sentantes de diferentes setores, instânci-as de governo, parlamentares.”

O Prêmio foi criado em 1977, dois anosapós o assassinato do jornalista VladimirHerzog nas dependências do II Exército,em São Paulo, e no âmbito das campanhasem defesa da anistia – que sairia, final-mente, em 1979. Conta com dez catego-rias (cobrindo, há três anos, também ma-

Elifas Andreato foi responsável por muitas das capasantológicas de jornais da resistência, como Opinião e Movimento,entre outros; cartazes de peças, como Mortos Sem Sepultura, deJean-Paul Sartre, e capas inesquecíveis de discos de Paulinho daViola, Chico Buarque, Martinho da Vila, Elis Regina, Viniciusde Moraes, entre outros, num momento em que a canção eraum dos centros mais criativos de resistência à ditadura.

O Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileiraregistra que sua primeira capa de disco foi para o lp Dança daSolidão (Odeon), de Paulinho da Viola, lançado em 1972.Elifas estava então engajado na luta política, comomilitante da AP (Ação Popular), e trabalhava na imprensaalternativa. Nesse ano foi oresponsável pelo projeto gráfico dosemanário Opinião.

No ano seguinte,assinou a capa do discoNervos de Aço (Odeon),também de Paulinho da Viola,que trouxe desenho do cantorchorando com um buquê de floresna mão. Desde então, foram cerca de470 capas de lp, para vários artistas.Também assinou a estátua dePixinguinha, criada para o bar VouVivendo e que ficou perdida em SãoPaulo durante oito anos. Encontrada poruma menina de rua em 2003, a obra foirestaurada e exposta no Teatro Clara Nunes,no Rio de Janeiro.

Com a chegada do cd, Elifas continuouproduzindo capas, como Bebadosamba(BMG, 1996), de Paulinho da Viola, pelaqual foi contemplado com o PrêmioSharp, e Água da Minha Sede(Universal, 2000), de Zeca Pagodinho.

Edição 2011 faz justiça ao conjunto de sua obra, dedicada à liberdade e à justiça.

PREMIAÇÃO

Especial Herzog é de ElifasPOR VERÔNICA COUTO terial publicado na internet) e homena-

geia reportagens e trabalhos jornalísticosque promovam e defendam o exercício dacidadania, a democracia e a justiça, de-nunciando violações de direitos huma-nos. Seu primeiro troféu foi criado pelopróprio Elifas Andreato, o homenageadodeste ano, “num momento em que as coi-sas não eram muito fáceis para quem tra-balhava com comunicação no Brasil”,como ele mesmo lembrou ao receber otroféu no Tuca.

Paralelamente ao reconhecimento dotrabalho dos profissionais, foi entreguetambém o 3º Prêmio Jovem JornalistaFernando Pacheco Jordão, destinado a es-tudantes que desenvolvam a melhor pau-ta em um tema pré-definido que envolvaa discussão sobre os direitos humanos. Osvencedores recebem suporte para suaapuração e publicação; depois, os autoresda melhor reportagem vão viajar para aInglaterra em um encontro para discutiras “Metas do Milênio”, oito objetivostraçados pela Onu.

A reformulação do prêmio começouhá três anos. Em 2008, a Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos completou60 anos e a Onu promoveu comemora-ções em vários lugares do mundo. NoBrasil, em parceria com a Secretaria deDireitos Humanos da Presidência daRepública, uma das intenções era organi-zar um prêmio que reconhecesse o traba-lho dos jornalistas que estavam lutandopela democracia e pela justiça. Começa-va aí a repaginação do Prêmio VladimirHerzog de Anistia e Direitos Humanos.

Segundo Gomes, uma equipe saiu acampo para localizar cada jornalista pre-miado, desde 1979. Criou-se um ambien-te online para que todos esses profissio-nais indicassem, via internet, os cinco queseriam reconhecidos com o que se chamouo Prêmio “SuperVlado”, ou Troféu Especialde Imprensa 60 Anos de Direitos Huma-nos da Onu. Dos 700 jornalistas identifi-cados, 350 votaram online, para escolher:Henfil, José Hamilton Ribeiro, Caco Bar-cellos, Zuenir Ventura. O troféu foi cria-do por Elifas Andreato, numa alegoria do“Vlado vitorioso”, com 30 exemplares,entregues aos escolhidos (cinco em bron-ze) e às entidades apoiadoras (em materialespecial à base de gesso).

“Pude realizar um grande sonho, es-culpir o Vlado vitorioso. Porque via na-quela imagem a que se contrapunha aque-la imagem calhorda, desonesta, que nosfoi mostrada pela ditadura militar”, dis-se Elifas na cerimônia, numa referênciaà farsa montada pela repressão para ten-tar convencer a opinião pública de que ojornalista havia se suicidado na cela. “Te-nho muito orgulho de ter feito isso porque

também simboliza a vitória da mi-nha geração”, diz Elifas.

O passo seguinte de atualizaçãodo Prêmio, diz Gomes, foi recupe-

Um criador decapas antológicas

Detalhe da capa do lp de Paulinho daViola, Memórias Cantando, de 1976.

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Elifas Andreato recebeu o seu Prêmio Especial das mãos do jornalista Sérgio Gomes.

10 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

PREMIAÇÃO

VENCEDORES33° PRÊMIO VLADIMIR HERZOG

FOTOGRAFIAWeber Sian; ExpulsãoA Cidade, de Ribeiro Preto

ARTESF.C. Lopes; Sigilo ou vergonha?Correio Braziliense

TV-REPORTAGEMMarcelo Gomes e equipe;Guerrilha do Araguaia, ESPN Brasil

TV-DOCUMENTÁRIOLúcio de Castro; Haiti, o país dos Rest AvecESPN Brasil

JORNALLeonencio Nossa e Celso Silva SarmentoJúnior; Guerras desconhecidas do BrasilO Estado de S.Paulo

ESPECIAL: SANEAMENTO BÁSICOJoelmir Tavares; Saneamento básico:um direito de todosO Tempo, de Belo Horizonte

RÁDIOMarjuliê Martini; Racismo expulsabaiano do Rio Grande do SulRádio Guaíba FM

INTERNETMarcelo Bauer; Rio de Janeiro-AutorretratoSite Rio de Janeiro-Autorretrato

REVISTAGisele Franchini e Tiago Luís Penteado;Inclusão: O que é ser normal?Revista Interativa

rar os trabalhos dessa base de 700 pre-miados para digitalizá-los e publicá-losno site do Instituto Vladimir Herzog.Hoje, cerca de 60% do material está on-line. “Esse acervo permite, por exemplo,que se consulte que pautas ou questõesestiveram mais em evidência em cadaano, no Brasil, ou em quais áreas os di-reitos humanos foram mais desrespei-tados: infância abandonada, violênciacontra a mulher, abusos policiais, etc.”

O Prêmio é organizado por profissi-onais da comunicação e entidades ci-vis, como o Sindicato dos JornalistasProfissionais no Estado de São Paulo, oInstituto Vladimir Herzog, a Comissãode Justiça e Paz da Arquidiocese de SãoPaulo, a ABI, a Ordem dos Advogadosdo Brasil–Seção São Paulo, a FederaçãoNacional dos Jornalistas, o Fórum dosEx-Presos e Perseguidos Políticos de SãoPaulo. Recentemente incorporadas aoelenco de organizadores a Unic/Rio-Centro de Informação das Nações Uni-das no Brasil, a Ouvidoria das Polícias deSão Paulo e a Escola de Comunicações eArtes da Universidade de São Paulo.

Além de ter 1822 premiado como Livro-Reportagem, Laurentino Gomes teve suaobra reconhecida com o prêmio máximodo Jabuti ao ser anunciada, na noite do dia30 de novembro, como Livro do Ano Não-Ficção. Na solenidade oficial de entrega dosprêmios, realizada na Sala São Paulo comapresentação do jornalista Pedro Bial, foitambém anunciado o Livro do Ano Ficção,prêmio concedido ao livro de poesia Emalguma parte alguma, de Ferreira Gullar.

Além da divulgação dos dois Livros doAno, a solenidade teve como objetivo en-tregar os prêmios aos vencedores das 29categorias da 53ª edição do Jabuti. Tam-bém participaram da solenidade KarinePansa, Presidente da Câmara Brasileira doLivro, e José Luiz Goldfarb, curador doPrêmio. A festa contou com a presença de1.200 convidados, maior público de todaa história do Jabuti.

A edição 2011 do Jabuti passou por duasmudanças no regulamento. A primeira foia ampliação do número de categorias, que

Fernando de Castro Lopes é o autor dodesenho vencedor: Sigilo ou vergonha.

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ÃO

Jabuti para Gullar e Laurentino

Mais uma polêmica cerca o Jabuti. Nesteano, o Prêmio entra para a História poruma trapalhada de sua organização. Depoisde anunciar o livro Alceu Penna e as Garo-tas do Brasil, do jornalista baiano Gonça-lo Junior, como ganhador da categoria Bi-ografia, a comissão mudou de idéia e pre-miou O Teatro & Eu - Memórias, do ator Ser-gio Britto. Em nota oficial, justificou: “Adecisão deveu-se ao descumprimento doscritérios relativos ao ineditismo, a referi-da obra contraria o disposto 1 do item 2 noregulamento do Prêmio Jabuti 2011”.Durante o fechamento desta edição doJornal da ABI conseguimos entrar em con-tato com o jornalista, que estava no inte-rior da Bahia, e ele nos enviou a seguintemensagem sobre o caso:

“Em 2004, lancei uma biografia do car-tunista e estilista de moda Alceu Penna,construída a partir do depoimento dairmã dele, Tereza Penna, com quem passeio dia inteiro conversando e olhando fotose documentos de seu acervo pessoal. Erauma edição quase fanzine e baixa tiragem(300 cópias, mais ou menos).

Fui procurado por várias pessoas que con-viveram com Alceu, inclusive o filho de Ac-cioly Netto, Antônio, uma pessoa extrema-mente gentil, que me abasteceu com mui-tas informações, incluindo fotos. Falei commais de uma dezena de pessoas e reescrevio livro completamente. Tanto que passou de144 para 352 páginas. Por isso, a editoraAmarylis entendeu que se tratava de umnovo livro, inédito, apesar de homônimos.

Uma pessoa do mercado editorial que sefaz passar por um fiel amigo, incomodadocom o prêmio por um motivo bem pesso-al que prefiro não falar, passou dois diasenviando e-mails para a Redação de umgrande jornal de São Paulo, cobrando adesclassificação do livro, por não ser iné-dito. Tanto fez que uma repórter comproua pauta, sem se dar ao trabalho de fazer o

subiu de 21 para 29. Além disso, nesta edi-ção, cada categoria teve apenas um vence-dor – antes, as três publicações mais bemvotadas eram premiadas. Na primeira faseda seleção do prêmio, os jurados puderamescolher livremente os dez melhores den-tre os inscritos em cada categoria.

Na segunda fase, em que foi determina-do o vencedor em cada categoria, a apura-ção teve como base a lista fechada dos fi-

nalistas de cada uma das cate-gorias. Aberta ao público, a apu-ração se deu com a leitura detodos os votos dos jurados,num processo transmitido emtempo real pelo twitter da CBL,entidade promotora da premi-ação. Os vencedores de cada ca-tegoria recebem R$ 3 mil. Osautores dos dois Livros do Anorecebem R$ 30 mil cada.

Criado em 1958, o Jabuti é omais tradicional prêmio do li-vro no Brasil. O maior diferen-

cial em relação a outros prêmios do setor éa sua abrangência. Ele valoriza não apenasos escritores, mas destaca a qualidade do tra-balho de todas as áreas envolvidas na cria-ção e produção de um livro. As categoriascontemplam não só estilos – Romance,Contos e Crônicas, Poesia, Reportagem,Biografia e Livro Infantil – mas tambémaspectos como Tradução, Ilustração, Capae Projeto Gráfico. (Paulo Chico)

REPORTAGEM1822Laurentino GomesEditora Nova Fronteira

POESIAEm Alguma Parte AlgumaFerreira GullarJosé Olympio

COMUNICAÇÃOImpresso no BrasilAnibal Bragança e Marcia AbreuEditora Unesp e FundaçãoBiblioteca Nacional

CAPAInvisívelJoão Baptista da Costa AguiarCompanhia das Letras

A controversa desclassificação de Alceu Pennadever de casa: comparar as duas obras.

E foi cobrar uma satisfação da comissãodo Jabuti. A dona da editora que publicouo livro soube, dois dias depois de divulga-do o resultado, que o livro seria desclassi-ficado no dia seguinte e sugeriu que eufizesse uma defesa da obra por e-mail. Fizisso com certa facilidade porque o regula-mento do Jabuti é amplo, sem especificaro que quer dizer “obra inédita”. Não seriainédita aquela que não foi comercializa-da, só distribuída como brinde por umaempresa – que não foi o meu caso?

Mesmo assim, acuado por acusaçõessemelhantes de falta de ineditismo, o Ja-buti cassou o livro horas depois, como seimaginava. Nunca fui informado formal-mente da decisão. Nem a editora, pelo quesei. Soube por uma repórter da Folha, amesma que ‘denunciou’ a obra.

Desde então, o fato foi amplamentedivulgado, mas nenhum órgão de im-prensa do Brasil, à exceção da revistaBrasileiros, procurou-me para dar a minhaversão. Ou publicou que autor e editoranão aceitavam a condenação. Simples-mente toda a mídia acatou a decisãocomo fato consumado e inquestionável.

A cassação do meu livro é algo inéditona história do Jabuti. Nunca antes umautor havia sido desclassificado na condi-ção de vencedor. Dessa amarga experiên-cia, ficou no ar um certo clima de desones-tidade de minha parte e da editora, queteriam tentado enganar a competentíssi-ma comissão do Jabuti. Como jornalista,senti na pele o baixo nível, a incompetên-cia, a irresponsabilidade e a falta de éticaque predominam na nossa imprensa.

Tenho 19 livros publicados e mais deduas dezenas de obras organizadas ou emque apareço como co-autor. Trabalhei oitoanos na Gazeta Mercantil, quatro anos naEditora Trip, e acabei de passar pelo Diá-rio de S.Paulo como editor de Cultura. Jácolaborei para a Folha de S.Paulo e nas re-vistas Playboy, Bravo!, Carta Capital, Im-prensa, Status e muitas outras. Nunca, ja-mais tive a minha reputação questiona-da. A perda do Jabuti redimensionou paramim que a crise ética e moral em que acre-dito estarmos mergulhados é muito maisgrave do que imaginava, agravada pela ir-responsabilidade de quem se mete a fazerjornalismo tanto na internet quanto namídia impressa.”

ILUSTRAÇÃOO CorvoManu MaltezEditora Scipione

ILUSTRAÇÃO DE LIVROINFANTIL OU JUVENILGildoSilvana RandoBrinque-Book Editora

PROJETO GRÁFICOTheodoro SampaioNos Sertões e nas CidadesKaryn MathuiyVersal Editores

TRADUÇÃOO livro de Dede KorkutMarcos Syrayama de PintoEditora Globo

CONTOS E CRÔNICASDesgracidaDalton TrevisanRecord

ROMANCERibamarJosé CastelloBertrand Brasil

TEORIA/CRÍTICA LITERÁRIACâmara Cascudo e Mário deAndrade – Cartas, 1924-1944Marcos Antônio de MoraesGlobal Editora

Principais destaquesdo Prêmio Jabuti 2011

11Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Ações afirmativas e outras iniciativasque têm ajudado os negros a superar asmazelas sociais provocadas pelo precon-ceito e o racismo, principalmente noscampos da educação e do trabalho, a situ-ação específica da mulher negra e o pano-rama sobre a vida dos remanescentes deQuilombos, no campo e na cidade, foramalguns dos principais temas abordadospelos vencedores do 1º Prêmio NacionalJornalista Abdias Nascimento, cuja ceri-mônia de entrega foi realizada em 7 denovembro no Teatro Oi Casa Grande, noLeblon, Rio de Janeiro.

De um total de mais de 150 trabalhosinscritos, foram selecionados 21 finalis-tas para a etapa final, concorrendo a umprêmio de valor de R$ 35 mil distribuídoem sete categorias (Mídia Impressa, Te-levisão, Rádio, Mídia Alternativa e Co-munitária, Internet, Fotografia e Catego-ria Especial de Gênero). Cada vencedorrecebeu a quantia de R$ 5 mil, um troféucriado pela designer Maria Júlia e umcertificado de participação.

O primeiro vencedor anunciado foi ofotojornalista Domingos Peixoto, do jor-nal O Globo do Rio, na categoria Fotogra-fia, com Diploma de Alforria, foto produ-zida no Quilombo Kalunga, localizado nosertão de Goiás, que formou a primeiraturma de ensino médio dentro de umacomunidade quilombola no Brasil. Ele re-cebeu o prêmio das mãos do Diretor deCultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak.

A vencedora da categoria Televisão,Vera Valério, da TV Educativa de Alago-as, mostrou na reportagem Quilombolas aluta dos remanescentes de quilombos po-voados de Alagoas pelo direito à terra. Elarecebeu o troféu das mãos da jornalistaGlória Maria, cuja presença foi uma dassurpresas da cerimônia.

Conduzido pela jornalista Flávia Oli-veira, colunista de O Globo e comentaris-ta da Globonews, e pelo repórter RogérioCoutinho, da Rede Globo , o evento con-tou também com a participação especialda atriz Ruth de Souza, que trabalhou comAbdias no Teatro Experimental do Negroe leu um poema em sua homenagem; docantor Augusto Bapt e banda Caixa Preta;e de um dos ícones da soul music no País,Gerson King Combo, acompanhado dabanda Supergroove.

Segundo os organizadores, o PrêmioNacional Jornalista Abdias Nascimento foibem recebido, tendo-se como referência oalto índice de participação de profissionaisde todo o País. A Região Sudeste foi a queapresentou o maior número de inscritos(51% do total); Rio e São Paulo, com 20%e 23%, respectivamente, foram os Estadosque indicaram mais candidatos ao prêmio.

A segunda Região foi o Nordeste (29%), se-guida pelo Centro-Oeste (14%). As RegiõesSul e Norte, aparecem, respectivamente,com 5% e 1% do total.

A Presidente do Sindicato dos Jornalis-tas do Município do Rio de Janeiro, Suza-na Blass, fez questão de elogiar e exaltar ainiciativa da Comissão de Jornalistas pelaIgualdade Racial do Sindicato-Cojira-RJ, daqual partiu a idéia do lançamento da premi-ação. No final ela convocou a platéia paraum minuto de silêncio em homenagem aocinegrafista Gelson Domingos, morto navéspera com um tiro de fuzil, durante a co-bertura de uma ação policial na favela deAntares, na Zona Oeste da capital.

Convidada a subir ao palco, a viúva deAbdias, Elisa Larkin Nascimento, disse queestava vivendo um dia de grande emoçãoe alegria. O Prêmio Nacional JornalistaAbdias Nascimento, disse, “tem váriossignificados que podem ser destacados,mas o melhor deles é aquele que incenti-va e traz um novo momento para a cultu-ra de comunicação do jornalismo”.

FOTOGRAFIADomingos PeixotoDomingos PeixotoDomingos PeixotoDomingos PeixotoDomingos PeixotoDiploma de Alforria (foto acima)O Globo – Rio de Janeiro

MÍDIA ALTERNATIVA OU COMUNITÁRIAEduardo Sales e Jorge AméricoEduardo Sales e Jorge AméricoEduardo Sales e Jorge AméricoEduardo Sales e Jorge AméricoEduardo Sales e Jorge AméricoSupermercado ou PelourinhoBrasil de Fato – São Paulo

MENÇÃO HONROSALeandro UchoasLeandro UchoasLeandro UchoasLeandro UchoasLeandro UchoasUm quilombo no paraíso cariocaBrasil de Fato – São Paulo

INTERNETCarolina Pimentel, DaniellaCarolina Pimentel, DaniellaCarolina Pimentel, DaniellaCarolina Pimentel, DaniellaCarolina Pimentel, DaniellaJinkings, Gilberto Costa, VladimirJinkings, Gilberto Costa, VladimirJinkings, Gilberto Costa, VladimirJinkings, Gilberto Costa, VladimirJinkings, Gilberto Costa, VladimirPlatonow e Wellton MáximoPlatonow e Wellton MáximoPlatonow e Wellton MáximoPlatonow e Wellton MáximoPlatonow e Wellton MáximoSérie Especial Consciência NegraAgência Brasil

RÁDIOEduardo Compan e Leandro LacerdaEduardo Compan e Leandro LacerdaEduardo Compan e Leandro LacerdaEduardo Compan e Leandro LacerdaEduardo Compan e Leandro LacerdaO Preconceito CronometradoCBN – Rio de Janeiro

MÍDIA IMPRESSAConceição FreitasConceição FreitasConceição FreitasConceição FreitasConceição FreitasSérie Negra Brasília (ao lado)Correio Braziliense

ESPECIAL DE GÊNERO JORNALISTAANTONIETA DE BARROSCélia ReginaCélia ReginaCélia ReginaCélia ReginaCélia ReginaMulheres NegrasRevista Raça Brasil

TELEVISÃOVVVVVera Vera Vera Vera Vera ValérioalérioalérioalérioalérioQuilombolaTV Educativa – Alagoas

Demorou, mas o racismoganha espaço na mídia

A blindagem de exclusão do tema é rompida pelo Prêmio Abdias Nascimento.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

“Figura única”Na opinião dos jornalistas e militantes

do movimento negro que estiveram pre-sentes ao evento, a desigualdade racial noPaís é um tema que demorou a ser encara-do pela mídia como um debate relevantepara a sociedade brasileira de maneira ge-ral, mas a qualidade e a quantidade dos tra-balhos inscritos são provas de que os meiosde comunicação estão reavaliando o papelimportante que têm a exercer na constru-ção de uma nação justa e democrática.

A coordenadora do Prêmio, AngélicaBasthi, da Cojira-RJ, disse que é impor-tante ressaltar também a participação deveículos e jornalistas de várias regiões doPaís, pois isso demonstra que o racismo éuma pauta que está ganhando vida fora doeixo Rio-São Paulo.

Vladimir Platonow, um dos integran-tes da equipe da Agência Brasil, vencedorana categoria Internet, disse que teve aoportunidade de entrevistar Abdias Nas-cimento e pôde perceber que as suas idéi-as estão cada vez mais presentes no deba-te sobre a democratização da sociedadebrasileira. O Brasil deve a Abdias, disse,o reconhecimento por tudo o que ele re-presenta para o País: “Acho que ele mere-ce muito mais reconhecimento do que oBrasil deu a ele. É só a gente ler um pou-quinho da sua biografia para perceber queele fez muito mais pelo Brasil do que o Paísfez por ele. Esse Prêmio vai marcar quemé Abdias.”

Carlos Alberto Medeiros, Mestre emCiências Jurídicas e Sociais, militante eespecialista em relações raciais no Brasile nos Estados Unidos, amigo e colaboradorde Abdias em várias frentes, falou sobre oprojeto político do ex-Senador: “AbdiasNascimento é uma figura singular nesseuniverso político, intelectual, ativista,porque as suas idéias continuam tendorepercussão. É uma figura única porqueparticipou da Frente Negra, na década de30, lutou contra o Estado Novo, quandofoi preso pela primeira vez, fundou o Te-atro Experimental do Negro, participou dacampanha “O petróleo é nosso!” Ou seja,uma figura que representa uma síntese daparticipação de brasileiros engajados naslutas sociais que aconteceram no século 20e início do século 21.”

Quem promove, quem apóiaO Prêmio Jornalista Abdias Nascimen-

to é uma iniciativa da Comissão de Jorna-listas pela Igualdade Racial, vinculada aoSindicato dos Jornalistas Profissionais doMunicípio do Rio de Janeiro, e conta coma parceria da Federação Nacional dos Jor-nalistas-Fenaj, do Centro de Informaçõesdas Nações Unidas no Brasil e do Culine-Acervo Digital da Cultura Negra. Tem ain-da o apoio da Superintendência de Igual-dade Racial do Estado do Rio de Janeiro edo Conselho Estadual dos Direitos dosNegros. O patrocínio é da Fundação Ford,Fundação W. K. Kellogg e da Oi.

Os vencedores

12 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

PREMIAÇÃO

Os vencedoresPRÊMIO ESSO DE JORNALISMO 2011O patrimônio e as consultoriasO patrimônio e as consultoriasO patrimônio e as consultoriasO patrimônio e as consultoriasO patrimônio e as consultoriasque derrubaram Paloccique derrubaram Paloccique derrubaram Paloccique derrubaram Paloccique derrubaram PalocciAndreza Matais, José Ernesto Credendioe Catia SeabraFolha de S.Paulo

TELEJORNALISMOEspecial 40 anos - TEspecial 40 anos - TEspecial 40 anos - TEspecial 40 anos - TEspecial 40 anos - Transamazônica,ransamazônica,ransamazônica,ransamazônica,ransamazônica,A Estrada Sem FimA Estrada Sem FimA Estrada Sem FimA Estrada Sem FimA Estrada Sem Fim

Gustavo Costa, André Tal, Cátia Mazine Rodrigo BettioTV Record

REPORTAGEMO nascimento de JoicyO nascimento de JoicyO nascimento de JoicyO nascimento de JoicyO nascimento de JoicyFabiana MoraesJornal do Commercio (PE)

FOTOGRAFIAViolência abortadaViolência abortadaViolência abortadaViolência abortadaViolência abortadaEpitácio PessoaO Estado de S.Paulo

CRIAÇÃO GRÁFICA – JORNALTTTTTroca de olharesroca de olharesroca de olharesroca de olharesroca de olharesDennis Fidalgo Doimo e André GraciottiO Estado de S.Paulo

CRIAÇÃO GRÁFICA - REVISTAEdição Especial FuturoEdição Especial FuturoEdição Especial FuturoEdição Especial FuturoEdição Especial FuturoElohim Barros, Adriana Verani,Jaqueline Amaral, Eva Uviedo, FlaviaDurante, Ivan Obara, Fernando Luna,Paulo Lima, Lino Bocchini, BrunoTorturra Nogueira, Camila Fudissaku,Alex Vargas Cassalho, Thiago Bolotta,Vivian Villanova e Ricardo CalilTrip

ESPECIAL DE PRIMEIRA PÁGINAEles nos envergonham... Ela nos orgulhaEles nos envergonham... Ela nos orgulhaEles nos envergonham... Ela nos orgulhaEles nos envergonham... Ela nos orgulhaEles nos envergonham... Ela nos orgulhaJoão Bosco Adelino de Almeida, AnaDubeux, Carlos Alexandre, PlácidoFernandes, Marcelo Agner, Luis Tajes eMarcelo RamosCorreio Braziliense

INFORMAÇÃO ECONÔMICAAs fraudes no banco de Silvio SantosAs fraudes no banco de Silvio SantosAs fraudes no banco de Silvio SantosAs fraudes no banco de Silvio SantosAs fraudes no banco de Silvio SantosDavid Friedlander, Leandro Modé, FaustoMacedo e Sonia RacyO Estado de S.Paulo

INFORMAÇÃO CIENTÍFICA,TECNOLÓGICA E AMBIENTALNo topo do mundoNo topo do mundoNo topo do mundoNo topo do mundoNo topo do mundoDaniela ChiarettiValor Econômico

EDUCAÇÃOMestre com carinhoMestre com carinhoMestre com carinhoMestre com carinhoMestre com carinhoTatiana dos Santos, Cleisi Soares, Gilmarde Souza e Arivaldo HermesJornal de Santa Catarina

REGIONAL NORTE/NORDESTEO paraíso às avessasO paraíso às avessasO paraíso às avessasO paraíso às avessasO paraíso às avessasCiara CarvalhoJornal do Commercio (PE)

REGIONAL CENTRO/OESTEA morte no berço das águasA morte no berço das águasA morte no berço das águasA morte no berço das águasA morte no berço das águasVinicius SassineCorreio Braziliense

REGIONAL SULCaça-níqueis, caça-vidasCaça-níqueis, caça-vidasCaça-níqueis, caça-vidasCaça-níqueis, caça-vidasCaça-níqueis, caça-vidasItamar MeloZero Hora

REGIONAL SUDESTEDepois da tempestade,Depois da tempestade,Depois da tempestade,Depois da tempestade,Depois da tempestade,vem a corrupçãovem a corrupçãovem a corrupçãovem a corrupçãovem a corrupçãoAntonio Werneck, Waleska Borges e equipeO Globo

Série que derrubou Palocciarrebatou o Esso de 2011

Repórteres da Folha foram os grandes vencedores do certameque bateu recorde, com a inscrição de 1.272 trabalhos jornalísticos.

Os jornalistas Andreza Matais, José Er-nesto Credendio e Catia Seabra, da Folha deS.Paulo, foram os grandes vencedores doPrêmio Esso de Jornalismo 2011, com asérie de reportagens O patrimônio e as con-sultorias que derrubaram Palocci. Os traba-lhos publicados na Folha revelaram que omais importante Ministro do início do Go-verno Dilma Rousseff havia montadouma empresa de consultoria e ficado mi-lionário durante o mandato como Depu-tado federal e coordenador da campanhapresidencial. A série, que repercutiu nasmais importantes emissoras de rádio e te-levisão do País e também na imprensa in-ternacional, resultou na queda de Palocci.

Em sua 56ª edição o Prêmio Esso de Jor-nalismo teve um número recorde de traba-lhos inscritos – 1.272 no total – e duasgrandes inovações: as inscrições e julga-mento online, que possibilitaram a econo-mia de uma tonelada de papel, e a introdu-ção da categoria Educação, pela primeiravez em sua história. “Em 2012 vamos ce-lebrar um século de atuação no Brasil. OPrêmio Esso de Jornalismo, herdeiro doRepórter Esso, que surgiu há mais de 70 anos,é uma página importantíssima desta nos-sa história e mostra o nosso comprometi-mento com o País”, declarou Michael Seid-ner, Presidente da ExxonMobil no Brasil,patrocinadora do prêmio.

Além do prêmio principal e do PrêmioEsso de Telejornalismo, os vencedores deoutras 12 categorias de mídia impressa tive-ram seus nomes escolhidos pelas comissõesde premiação no dia 10 de novembro. Aentrega dos prêmios foi marcada para o dia1º de dezembro de 2011, durante um jantarno Rio de Janeiro. Os vitoriosos tiveram seustrabalhos indicados após a avaliação dosjurados de uma relação de 70 finalistas pre-viamente selecionados no total de 1.272 tra-balhos inscritos, sendo 604 reportagens e sé-ries de reportagens; 169 trabalhos fotográ-ficos; 211 trabalhos de criação gráfica emjornal; 58 trabalhos de criação gráfica emrevista e 140 primeiras páginas de jornal,além de 90 trabalhos de telejornalismo.

O Prêmio Esso de Telejornalismo foi con-quistado pela equipe da Rede Record forma-da pelos jornalistas Gustavo Costa, AndréTal, Cátia Mazin e Rodrigo Bettio, queproduziu o trabalho Especial 40 Anos – Tran-samazônica, A Estrada Sem Fim, realizadodepois de exaustiva jornada de 28 dias e5.000 quilômetros, em plena floresta ama-zônica. Iniciada na década de 1970 peloregime militar, a estrada inacabada signi-fica, hoje, para os que dela dependem, umclaro exemplo de falência social, onde pes-soas humilhadas por grileiros e madeirei-ros estão relegadas à própria sorte.

O Prêmio Esso de Reportagem 2011 foiconferido a Fabiana Moraes, com o traba-lho O nascimento de Joicy, publicado no

Jornal do Commercio do Recife. A série re-vela a história do agricultor João Batista,nascido no agreste de Pernambuco que,aos 51 anos, decidiu submeter-se a umacirurgia de mudança de sexo. O processofoi acompanhado durante cinco mesespela repórter, desde os momentos seguin-tes à decisão de João até o seu retornocomo Joicy ao povoado pernambucanode Perpétuo Socorro.

O repórter-fotográfico Epitácio Pes-soa, de O Estado de S. Paulo, foi o vencedordo Prêmio Esso de Fotografia. A sua se-qüência de fotos intitulada “Violênciaabortada” evitou uma ação de violênciacontra um jovem reciclador de 19 anosque se encontrava amarrado e prestes a serassassinado. As fotografias mostram ain-da a imagem dos agressores, que desisti-ram do homicídio após serem flagrados.

Reportagem sobre patrimônio dePalocci deu à Folha de S.Paulo oPrêmio Esso 2011. O Prêmio de

Criação Gráfica de Jornal coube aoEstado de S.Paulo, e de Primeira

Página, ao Correio Braziliense.

13Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Com a reportagem cinematográficaFuga da Vila Cruzeiro, feita pelo cinegra-fista Francisco de Assis (seqüência de fo-tos abaixo), a TV Globo foi a grande ven-cedora do Grande Prêmio Barbosa LimaSobrinho, na 13ª edição do Prêmio Im-prensa Embratel, cujos ganhadores foramanunciados em cerimônia realizada noTheatro Municipal do Rio de Janeiro, nanoite de 22 de novembro. As imagens ob-tidas por Francisco de Assis mostraram de-zenas de traficantes fugindo da Vila Cru-

GRANDE PRÊMIOBARBOSA LIMA SOBRINHOFuga da Vila CruzeiroFuga da Vila CruzeiroFuga da Vila CruzeiroFuga da Vila CruzeiroFuga da Vila CruzeiroFrancisco de AssisTV Globo (RJTV)

JORNAL E REVISTAGuerras Desconhecidas do BrasilGuerras Desconhecidas do BrasilGuerras Desconhecidas do BrasilGuerras Desconhecidas do BrasilGuerras Desconhecidas do BrasilLeonencio Nossa e Celso JúniorO Estado de S.Paulo

REPORTAGEM INVESTIGATIVATROFÉU TIM LOPESFronteiras EscancaradasFronteiras EscancaradasFronteiras EscancaradasFronteiras EscancaradasFronteiras EscancaradasCésar Tralli, Pedro Mantoane Fernando FerroTV Globo (Jornal Nacional)

TELEVISÃOEspecial 40 anosEspecial 40 anosEspecial 40 anosEspecial 40 anosEspecial 40 anosTTTTTransamazônica, A Estrada Sem Fimransamazônica, A Estrada Sem Fimransamazônica, A Estrada Sem Fimransamazônica, A Estrada Sem Fimransamazônica, A Estrada Sem FimAndré Tal, Gustavo Costa e Cátia MazinTV Record (Domingo Espetacular)

RÁDIOTTTTTecnologecnologecnologecnologecnologia a Serviço do Crimeia a Serviço do Crimeia a Serviço do Crimeia a Serviço do Crimeia a Serviço do CrimeCid Martins e Fábio AlmeidaRádio Gaúcha

REPORTAGEM FOTOGRÁFICAMorMorMorMorMorte no Tte no Tte no Tte no Tte no TrabalhorabalhorabalhorabalhorabalhoMarcos PortoJornal de Santa Catarina

REPORTAGEM CINEMATOGRÁFICAResgate de Dona IlairResgate de Dona IlairResgate de Dona IlairResgate de Dona IlairResgate de Dona IlairRogério de PaulaIntertv Serra Mar, de Nova Friburgo, RJ

REPORTAGEM CULTURALQuase Brancos, Quase NegrosQuase Brancos, Quase NegrosQuase Brancos, Quase NegrosQuase Brancos, Quase NegrosQuase Brancos, Quase NegrosFabiana MoraesJornal do Commercio (PE)

RESPONSABILIDADE SÓCIO-AMBIENTALTROFÉU INSTITUTO EMBRATELProdução Irregular de CarvãoProdução Irregular de CarvãoProdução Irregular de CarvãoProdução Irregular de CarvãoProdução Irregular de CarvãoVVVVVegetal no Sul do Piauíegetal no Sul do Piauíegetal no Sul do Piauíegetal no Sul do Piauíegetal no Sul do PiauíJosé Raimundo, Bárbara Bom Ângelo,German Maldonado, Robel Sousa,Genser FreireGloboNews

REPORTAGEM ECONÔMICAA Nova Ordem GlobalA Nova Ordem GlobalA Nova Ordem GlobalA Nova Ordem GlobalA Nova Ordem GlobalVicente Nunes, Luciano Pires, RosanaHessel, Vera Batista, Márcio Pacelli,Cristiane Bonfanti, Vânia Cristino, Liana

De helicóptero, o cinegrafista Francisco de Assis mostrou a corrida desabalada dos traficantes.

Fuga no Complexo do Alemãodeu o Embratel à TV Globo

zeiro, durante a ocupação pela Polícia epelo Exército do conjunto de favelas doAlemão, em novembro de 2010. O Presi-dente da ABI, Maurício Azêdo, entregouo Prêmio de Reportagem da Categoria Nor-te ao repórter Márcio Azevedo, da TV ACrítica, de Manaus, pela reportagem Polí-cia Covarde.

Este ano, o Prêmio Imprensa Embra-tel recebeu 1.402 inscrições de reporta-gens de 1.964 jornalistas de todo o Bra-sil. Destes, 1.100 concorreram nas cate-

gorias nacionais e 302 nas categorias re-gionais, dos quais 199 foram pré-selecio-nados até a escolha dos 51 finalistas e dos18 vencedores.

O Prêmio Imprensa Embratel foi criadocom o objetivo de reconhecer e estimulara produção de reportagens sobre os gran-des temas nacionais. O Grande Prêmio Bar-bosa Lima Sobrinho deu R$ 21 mil à repor-tagem produzida pela TV Globo. No to-tal, foram dados R$ 166 mil em prêmiosaos vencedores.

Verdini, Sílvio Ribas, Gabriel Caprioli,Gustavo Henrique Braga, Victor Martins,Rosa Falcão, Fernando Braga, MirellaFalcão, Ricardo Allan, Jorge FreitasCorreio Braziliense

REPORTAGEM ESPORTIVAVinte Anos sem PepêVinte Anos sem PepêVinte Anos sem PepêVinte Anos sem PepêVinte Anos sem PepêO Último Vôo de um CampeãoO Último Vôo de um CampeãoO Último Vôo de um CampeãoO Último Vôo de um CampeãoO Último Vôo de um CampeãoFellipe Awi e Roger SimõesSportv

EDUCAÇÃOPublicidade InfantilPublicidade InfantilPublicidade InfantilPublicidade InfantilPublicidade InfantilAdriana Nasser, com Fábio Damasceno,Oswaldo Alves, Mauro Zambrotti, NaitêAlmeida, Wesley Gomes, Carlos Átila,Cíntia Vargas, Jairom Rio Branco, LúcioMartins Neto, Luciano Gomes, PatríciaAraújo e Ulov FlamínioTV Brasil

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO,COMUNICAÇÃO E MULTIMÍDIAA TA TA TA TA Tecnologecnologecnologecnologecnologia nas Sete Aria nas Sete Aria nas Sete Aria nas Sete Aria nas Sete Artes Clássicastes Clássicastes Clássicastes Clássicastes ClássicasCarolina VicentimCorreio Braziliense

REGIONAL CENTRO-OESTEOnde Eles Estão?Onde Eles Estão?Onde Eles Estão?Onde Eles Estão?Onde Eles Estão?Os Desaparecidos da DemocraciaOs Desaparecidos da DemocraciaOs Desaparecidos da DemocraciaOs Desaparecidos da DemocraciaOs Desaparecidos da DemocraciaRosana Melo, Macloys Aquinoe Alfredo MergulhãoO Popular (GO)

REGIONAL NORDESTEInfância PerdidaInfância PerdidaInfância PerdidaInfância PerdidaInfância PerdidaFabiana Maranhão, Sofia Costa Rêgo,Vanessa Beltrão, Vanessa Cortez, TiãoSiqueira e Geraldo BringelTV Jornal do Commercio, Rádio Jornal ene10.com.br

REGIONAL NORTEPolícia CovardePolícia CovardePolícia CovardePolícia CovardePolícia CovardeMárcio AzevedoTV A Crítica (Alô Amazonas)

REGIONAL SUDESTEMaria Zélia, a Mãe de DouglasMaria Zélia, a Mãe de DouglasMaria Zélia, a Mãe de DouglasMaria Zélia, a Mãe de DouglasMaria Zélia, a Mãe de DouglasAri Lopes e Gustavo CarvalhoO São Gonçalo, RJ

REGIONAL SULUma Rotina Contra a VidaUma Rotina Contra a VidaUma Rotina Contra a VidaUma Rotina Contra a VidaUma Rotina Contra a VidaPatrícia Auth, Daniela Pereirae Ânderson SilvaJornal de Santa Catarina

Quem viu, leu e julgouA Comissão de Premiação do Prêmio

Esso de Jornalismo 2011 que julgou os tra-balhos de mídia impressa (à exceção defotografia) foi composta pelos jornalistasCarlos Brickmann, Carlos Chaparro, Ele-no Mendonça, Gilberto Menezes Cortese Roberto Muggiati. Coube-lhes examinar50 trabalhos finalistas e apontar os ven-cedores das categorias, além do Prêmio Essode Reportagem e do prêmio principal, oPrêmio Esso de Jornalismo 2011.

A Comissão de Premiação de Telejor-nalismo foi formada pelos jornalistas An-tônio Brasil, Cárlida Emerim e DeniseLilembaum, que examinaram os dez tra-balhos finalistas. Uma comissão especi-al formada por 50 editores de fotografiados principais veículos brasileiros foiencarregada de apontar a foto vencedo-ra do Prêmio Esso de Fotografia.

Coube a essas diversas comissões depremiação, num total de 90 jurados, se-lecionar os vencedores de 13 distinçõesde mídia impressa, além do Prêmio Essode Telejornalismo.

A Comissão de Premiação do PrêmioEsso de Telejornalismo 2011 decidiu atri-buir a distinção de “Melhor Contribuiçãoao Telejornalismo” aos repórteres Rogé-rio Miguel de Paula, Bruno Barroso Mi-celi, Erlon Montezuma, Ariane Marquese Fabiana Lima, da Rede Inter TV, pelascenas contidas na reportagem O resgatede Dona Ilair, exibida em várias emissorasdo Brasil e do mundo, cujo trabalho, se-gundo a comissão “evidenciou o senso deoportunidade, a coragem e a perseveran-ça do profissional para registrar as ima-gens, características que destacam a atu-ação do repórter cinematográfico, funçãofundamental para o Telejornalismo”.

À Comissão Especial de Fotografia,coube apontar o trabalho vencedor den-tre dez trabalhos fotográficos finalistas.

O Prêmio Esso de Jornalismo desti-na este ano aos vencedores um total deR$ 112 mil. Além do prêmio principal,que leva o nome do programa, fixado emR$ 30 mil, e do Prêmio de Telejornalismo,estabelecido em R$ 20 mil, foram distri-buídos R$ 3 mil para cada um dos quatroprêmios regionais, R$ 10 mil para as ca-tegorias de Reportagem e Fotografia eR$ 5 mil para cada uma das categorias dePrimeira Página, Criação Gráfica-Jornal,Criação Gráfica-Revista, InformaçãoEconômica, Informação Científica/Tec-nológica/Ambiental e Educação.

Os vencedores

14 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

JORNAL DA ABI – HÁ QUANTO TEMPO VOCÊ VI-NHA DESENVOLVENDO A IDÉIA PARA O FILME MA-RIGHELLA?

Isa Grinspum Ferraz [com um sorriso e pen-sativa] – Bom, para você ter uma idéia oprimeiro roteiro que fiz para este filme foidepositado e registrado na Biblioteca Na-cional em 1986! Na época, o projeto entroupela Lei Mendonça [de incentivo à cultura],foi aprovado, e obviamente não conseguiucaptar um único tostão. Em 1986 este temanão era exatamente uma coisa fácil, não é?

Mas eu tinha esta pulsão de entendermelhor a figura do Marighella, tanto doponto de vista pessoal, mas principal-mente de entender quem foi esse homemque, apesar de meu tio, eu conhecia tãopouco, quase nada. Sim, eu tinha minhasreferências familiares, mas por mais queeu lesse tudo o que havia sobre ele aindaera muito pouco.

Enfim, fiz o roteiro mas não conseguiverba para fazer o filme, e isso ficou naminha cabeça. Com a aproximação do cen-tenário de nascimento de Marighella, agoraem dezembro, decidi ir à luta novamente.Comecei a prospectar, revi o roteiro, fuiatrás de patrocínio; estava convicta de queera a hora mesmo de fazer o filme.

Neste processo, foram muitos os ami-gos que me ajudaram. Principalmente Má-rio Magalhães, repórter especial da Folha deS.Paulo, que há sete anos está pesquisandoincansavelmente e fazendo uma impor-tante biografia de Marighella. Ele está de-senvolvendo um trabalho incrível, fiqueiamiga dele, que acabou se tornando con-sultor especial do filme, me ajudando a se-lecionar quem seriam os meus entrevista-dos, e assim por diante.

Assim eu fui reunindo o pouquíssimomaterial que existe sobre Marighella. Con-versei muito com a família, e tive todo oapoio da Clara, a viúva, que é minha tia,e do Carlinhos, que é o filho dele. Reuniao máximo o pouco que havia e monteiuma equipe muito boa.

JORNAL DA ABI – IMAGINO QUE AS DIFICULDA-DES DA PESQUISA TENHAM SIDO MUITAS.

Isa – Olha, não existe nenhuma ima-gem em movimento do Marighella vivo.Nenhuma! Isso apesar de ele ter vivido noséculo 20, o século da imagem. É uma lou-cura ele ter tido uma participação tão gran-de na vida política por 40 anos, ter sidodeputado na época da Constituinte, em1946, e não haver uma imagem em movi-mennto dele. A única imagem em movi-mento que existe é a da câmera da TV Tupichegando no carro, já com ele morto.

JORNAL DA ABI – VOCÊ ACREDITA QUE TUDO TE-NHA SIDO APAGADO PELA DITADURA?

Isa – Pela ditadura ou pelas ditaduras,porque ele enfrentou duas: a de GetúlioVargas e a de 1964. Não sei se foi apagadoou se ele assumiu a clandestinidade comtanta competência que não deixou rastros.Existem pouco mais de 20 fotos dele, epraticamente só isso. Não há nada na im-prensa! É muito difícil achar material so-bre ele, mas o que conseguimos é incrível:o Jornal da Ação Libertadora Nacional-ALN, panfletos, e a cereja do bolo do fil-me, que é uma entrevista que ele deu paraa Rádio Havana, em Cuba.

JORNAL DA ABI – COMO FOI ISSO?Isa – Foi o grande achado! Quando foi

para Cuba, em 1967, ele acabou ficandopor lá durante sete meses. Não tenho cer-teza, mas parece que o próprio Fidel ficousegurando o Marighella lá, já sabendo quenão tinha mais jeito com o Che Guevara.De qualquer maneira, Marighella foi fi-cando por lá e só voltou em dezembro,depois da morte do Che. Como nós sabe-mos que tudo que o Fidel faz é filmado, co-meçamos a pesquisar imagens de Marighe-lla em Cuba. Fizemos altas tentativas poraltos escalões para conseguir algum mate-rial sobre o Marighella, mil contatos atra-vés da Clara, até o Presidente Lula ajudou,falando diretamente com Raúl Castropedindo pra ele abrir os arquivos. Não seencontrou nada de imagens! Até que noInstituto Cubano de Artes e Indústria Ci-nematográficos-Icaic encontramos umasérie de entrevistas que Marighella conce-deu à Rádio Havana. É um material mara-vilhoso que tem, inclusive, a carta de rom-

pimento dele com o Partido, que é linda.A coisa mais incrível é que aquele homemfala palavras duríssimas com a voz ternade baiano, uma coisa legal de ouvir. Enfim,essa foi a grande cereja no bolo desse fil-me, que é a voz do próprio Marighella, queé muito forte. Quando a voz dele entra nofilme, é muito forte.

E foi isso que a gente encontrou. Équase um filme arqueológico porque fuiatrás de pistas, de indícios, e meu critériofoi entrevistar gente que conheceu Mari-ghella. Com a exceção de alguns historia-dores, que no corte final eu usei pouquís-simo, e de um antropólogo, Antônio Risé-rio, todos os outros depoimentos são degente que conheceu Marighella. Porque euqueria mesmo reconstruir esta figura, eessa era a maneira que eu tinha. Assumicomo linguagem o fato de não ter imagem.

JORNAL DA ABI - UMA DAS COISAS QUE MAIS

SURPREENDEM NO FILME É O LADO POETA DE MA-RIGHELLA. ISSO ERA CONHECIDO?

Isa – Não sei se todos conheciam, maspessoalmente, como sobrinha, eu sabiaporque ele fazia poemas pra mim. E nãoeram só poemas, fazia paródias de cançõesdo Roberto Carlos para meus coleguinhasde classe, também. Ele tinha uma memóriaincrível, era muito engraçado, divertido. Eraum grande tio! Foi um grande tio. Eu sabiaque ele era poeta por isso, e também porqueeu conversava muito com a Clara, depois

que ela voltou do exílio. A gente conversavamuito, porque eu sempre fui muito inqui-eta para entender esse homem. Eu pergun-tava muitas coisas à Clara a vida inteiraporque eu gostava muito dele e tinha von-tade de entendê-lo. Existia um livrinho pu-blicado de poemas dele, e a Clara tambémtinha algumas coisas.

JORNAL DA ABI – MAS A INFORMAÇÃO DE QUE

ELE ERA POETA ERA PÚBLICA OU ALGO SOMENTE

FAMILIAR?Isa – Havia alguns poemas publicados,

mas as coisas de Marighella nunca tiveramespaço em lugar nenhum. E o curioso sãoos temas que ele trabalhava nos poemas.Não que ele fosse um grande poeta, masalguns poemas dele são muito bons. Eletinha a necessidade de se expressar tam-bém por esta via, o que é bem interessan-te. Mas os temas dele são: morena, Bahia,sempre algo relacionado ao Brasil, às vezescom uma pegada política. Ele amava oBrasil de uma maneira incrível. Ele eramulato, baiano, um mestiço que adoravaser mestiço, adorava coisas do Brasil, daBahia, conhecia o País profundamente.Tanto que na hora de editar o filme tivede cortar muitos depoimentos incríveis.Tem um depoimento, que acabei tirando,que falava que ele sabia os nomes de to-dos os rios, de todas as montanhas, detodos os vales, e que conhecia o Brasil,estudava a História do Brasil profunda-

DOCUMENTÁRIO

MARIGHELLA:GUERRILHEIRO,POETA E... TIO

POR CELSO SABADIN

Socióloga e cineasta, Isa Grinspum Ferraz trabalhou com DarcyRibeiro, esteve na equipe que desenvolveu o Museu da LínguaPortuguesa, em São Paulo, e atualmente projeta o Museu Luiz

Gonzaga, em Recife. Após 25 anos tentando, ela conseguiufinalmente terminar um documentário de longa metragem que fezsobre seu tio, um tio muito especial chamado Carlos Marighella.

Com marcas de tiro pelo corpo, Marighella mostra onde foi baleado.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

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mente. Estudava o cangaço, estudava osmovimentos populares, Canudos, as re-beliões populares todas. Ele era uma figuramuito interessante, de verdade: passoupor todas as esquerdas que o século 20viveu, a Revolução Russa, o stalinismo,tudo aquilo. Ele foi stalinista, depois sedecepciona profundamente e rompe.

Acho que o grande interesse do Mari-ghella é que ele foi conversando com otempo dele. Como homem muito inqui-eto, ele tinha esta flexibilidade de irmudando com o tempo dele. Quandoresolve optar pela luta armada diante deuma ditadura feroz no Brasil, ele já tinhatentado vários caminhos, inclusive oparlamentar, e só foi dando errado. Só dápara entender a opção dele pela luta arma-da no contexto do mundo: Guerra doVietnã, Cuba, Argélia, movimentos de li-bertação na África, nos Estados Unidos,o movimento negro se impondo, maio de1968, enfim, há um contexto mundial deefervescência muito grande, e só assim seentende Marighella e a opção pela lutaarmada. Não era um louco, irresponsável,que saiu matando.

JORNAL DA ABI – VOCÊ COMEÇA O FILME FALAN-DO DO SEU SUSTO QUANDO SEU PAI LHE CONTA QUE

SEU TIO CARLOS ERA O MARIGHELLA. COMO VOCÊ

RECORDA ESTE MOMENTO?Isa - Eu me lembro de cada detalhe desse

momento. Meu pai [Salomão] estava me le-vando para a escola. Nós morávamos no Jar-dim São Paulo, que na época era um bairroafastado, justamente para poder hospedaro Marighella e a Clara. Era longe demais,numa casa sem telefone, uma coisa toda es-tranha para mim. Eu não entendia muitoaquilo. Meu pai estava me levando para aescola e estava exatamente na Avenida Cru-zeiro do Sul [Zona Norte de São Paulo], euestava sentada no banco de trás do carro, ti-nha 10 anos. Como foi logo depois do se-qüestro do embaixador americano, a barraestava muito pesada, e meu pai imaginouque eu fosse reconhecer o Marighella nas fo-tos dos cartazes de “Procura-se”, que esta-vam por todos os lugares. Só que até entãoeu nunca tinha associado as capas de revis-tas, de jornais, os cartazes, ao meu tio Car-los. Parece que criança só vê o que quer, nãoé? Meu pai me contou e eu fiquei desespe-rada, comecei a chorar, tive que voltar paracasa. Nem consegui ir para a escola nesse dia.

Daí pra frente, nunca mais vi Marighe-lla nem a tia Clara. Porque a partir do seqües-tro do embaixador foram dois meses de caçamesmo, e ele não apareceu mais em casa.

JORNAL DA ABI - PROVAVELMENTE SEU PAI LHE CON-TOU JÁ PREVENDO ALGUM DESFECHO MAIS TRÁGICO?

Isa - Meu pai chegou a se encontrarcom Marighella um pouco antes da mortedele. O Marighella chamou meu pai,mandou um recado, e meu pai se encon-trou com ele já bem no final. Inclusivemeu pai me deu muitas informações parao filme, mas não quis gravar entrevista.Mas ele falou para o Marighella: “Mari-ga, ainda dá tempo de você sair, vai embo-ra porque o cerco está muito forte”. E Ma-righella falou: “Não, eu não vou porquetem muita gente envolvida, que eu leveinesse momento, e eu não vou deixar. Euvou morrer mas vou ficar até o fim aqui”.Foi o último encontro do meu pai com ele.

Ele era muito amigo do Marighella. Eunasci com Marighella em casa, ele troca-va as fraldas da gente.

JORNAL DA ABI - POR QUE SEU PAI NÃO QUIS FALAR

NO FILME?Isa- Meu pai depois foi preso, foi tor-

turado, ficou muito marcado pelo quesofreu depois. Eles queriam saber ondeestava minha tia depois que matarammeu tio. A Clara foi para Cuba, para oexílio. Prenderam meu pai porque queri-am saber onde ela estava. Ele foi para oDoi-Codi, passou por tudo aquilo, ficoumuito marcado, preferiu não falar.

JORNAL DA ABI - SEU FILME DIALOGA COM VÁRI-OS OUTROS FILMES BRASILEIROS, TANTO DOCUMEN-TÁRIOS COMO DE FICÇÃO, QUE ABORDAM O PERÍO-DO DA DITADURA. VOCÊ ACHA QUE JÁ CHEGAMOS

NUM DISTANCIAMENTO HISTÓRICO NECESSÁRIO PARA

MOSTRAR ESTE PERÍODO ÀS NOVAS GERAÇÕES, QUE

MAL SABEM O QUE ACONTECEU NAQUELA ÉPOCA?Isa – Eu utilizo materiais diversos,

sejam de ficção ou documentários, paracontar a minha história. É uma lingua-gem que uso. Fiz, por exemplo, uma sériegrande chamada O Povo Brasileiro, a partirda obra do Darcy Ribeiro, com quem tra-balhei muitos anos. Acredito que tudo oque a gente usa de bons materiais, mate-riais relevantes que já foram feitos, so-mam muitos significados, por váriosmotivos, não só pelo o que eles revelam,mas pelo que significam. O Gláuber Ro-cha, por exemplo, era um marighelistaradical. Ele se encontrou com a Clara, emCuba, quando ela estava no exílio. Um diaalguém chega e diz para a Clara: “O Gláu-ber Rocha está aí e quer conversar comvocê”. Era incrível o Gláuber ter encontra-do a Clara, em Cuba, porque ela estavaclandestina, usando nome falso, e sendocuidada pelo Governo cubano até a anis-tia, em 1979, quando ela volta. “Bom, tudobem, o que será que ele quer comigo?”,

Clara perguntou. Então ele chegou para elae falou: “Clara, o que pensava Marighe-lla?” Ela riu e falou: “Um monte de coisas”.E ele insistiu: “Me diga tudo”. Na época, oGláuber queria fazer um filme que sechamaria História do Brasil, e queria sabero pensamento de Marighella. Aí Clarafalou, falou, falou, e quando acabou,Gláuber, muito emocionado, abraçou-a efalou assim: “Concordo com tudo”.

Então tem várias camadas de sentidosem você trazer outras referências, sejammusicais, sejam informativas. Até por issoeu estou no filme, tem a minha voz, e euassumo o recorte de que é um filme feitopor uma sobrinha curiosa, mas ao mesmotempo sou socióloga. Mas não há um dis-tanciamento científico, não busquei isso,mas de qualquer forma, meus entrevista-dos falam com algum distanciamento.Enfim, é o filme que eu podia fazer. Háoutros filmes a serem feitos sobre Mari-ghella? Muitos, porque é uma vida tãodensa, um homem com uma história tãoimpressionante, que atuou tantos anos doséculo 20 na História do Brasil, que me-rece muitos filmes, inclusive acho quemerece um filme de ficção à altura dopersonagem. Que não seria nunca eu afazer, porque não sei fazer ficção.

JORNAL DA ABI – VOCÊ TEVE DE DESCARTAR MUI-TA COISA NA MONTAGEM FINAL DO FILME. PELO JEITO

O DVD VAI ESTAR CHEIO DE EXTRAS.Isa - Vai ter milhares de extras! [risos].

Eu fiz 31 entrevistas, tem 25 ou 26 nofilme, porque depois tive que fazer op-ções, o que foi bem difícil, foi um sofri-mento. O primeiro corte do filme tinhaquatro horas e meia! Foi um sofrimentoir cortando coisas, mas cada um destesentrevistados foi de muita generosidade,e eu acho que ser sobrinha de Marighellaajudou as pessoas a se abrirem de um jei-to especial. Tem depoimentos de duashoras e meia. Nem sei o que vou fazer com

este material todo, tenho a obrigaçãomoral de divulga-lo de algum jeito, por-que são depoimentos incríveis, que eu ago-ra preciso primeiro me distanciar um pou-co do tema para poder pensar melhor. Masdepois eu vou ver o que fazer com isso.Acho que é um material para ir para esco-las, para universidades, bibliotecas, no ex-terior, para festivais no exterior. Marighe-lla tinha uma penetração incrível naEuropa. Tanto que seu Manual do Guerri-lheiro Urbano foi traduzido até em árabe.Ele teve apoio do Miró, do Godard, Sar-tre, vários ídolos meus que eram marighe-listas, que mandavam dinheiro para acausa. Quero tentar mostrar este filmeem festivais na Itália, na França, na Ale-manha... Marighella inspirou até as Bri-gadas Vermelhas.

JORNAL DA ABI - O FILME JÁ TEM DATA DE ES-TRÉIA DEFINIDA?

Isa – No momento [novembro de 2011]ainda não. Estou negociando com algu-mas distribuidoras porque é um perfil defilme que não é para um distribuidorcomercial comum. Eles não se interessampor filme assim. Eu quero que entre emcircuito nas capitais, mas quero tambémmostrá-lo nas escolas, na periferia. Comeste filme, até a Clara, que ficou mais de20 anos casada com Marighella, desco-briu coisas que não sabia. E ainda temmuito o que se descobrir. O Mário Maga-lhães, por exemplo, não consegue termi-nar o livro sobre o Marighella porque nãopára de descobrir coisas.

JORNAL DA ABI – QUAL A SUA VISÃO DO BRA-SIL HOJE?

Isa – Sou superotimista. Tenho paixãopor este País. A história da minha vida, asoportunidades que eu tive de trabalharcom gente como Lina Bo Bardi, com Dar-cy Ribeiro, a minha formação familiar deesquerda, o próprio tio Carlos e as minhasexperiências pela vida... eu sou otimistacom o Brasil. As dificuldades que se encon-tram para fazer qualquer coisa no Brasil sãotão brutais que dão até desânimo. A gen-te acha que não vai dar certo, que este Paísnão tem como dar certo. Mas ao mesmotempo a gente vai e faz. O povo brasilei-ro é poderoso. O Brasil tem uma energiaque é uma loucura, mas ô coisa difícil..!

Isa Grinspum Ferraz: Inquieto, Marighella (ao lado) foi conversando com o tempo dele.

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“Voltei por quê? Saudade da família? O navio nem tinha zar-pado e eu já me arrependia da decisão. Deixei naquele cais minhacarreira de ator internacional”.

Essa frase marcante é apresentada no início do documentárioEu, Eu, Eu, José Lewgoy, dirigido por Cláudio Kahns. Ela dá umademonstração de como o ator lamentou deixar os Estados Unidosem 1948, no começo de sua carreira, depois de estudar teatro naUniversidade de Yale.

Amigo próximo de Lewgoy, Cláudio realizou o filme pacien-temente. Foi um projeto que demorou anos para ficar pronto e,ao assisti-lo, se percebe claramente todo o cuidado e carinho emsua finalização. Cláudio quis honrar o amigo. E conseguiu. Seufilme apresenta um retrato poético, delicado, sobre essa persona-lidade tão controvertida e querida do cinema nacional.

Além de ser um grande ator, Lewgoy também era tradutor e es-critor. Trabalhou na antiga Editora Globo, de Porto Alegre, ao ladode Érico Veríssimo e Mário Quintana. Foi Veríssimo quem con-seguiu a bolsa de estudos na Universidade de Yale, onde Lewgoydesenvolveu todo o seu potencial na arte de interpretar.

Voltou ao Brasil; não tinha dinheiro, mesmo já atuando emseus primeiros filmes, e chegou a dormir nos bondes. Como oenigmático vilão Anjo, de Carnaval no Fogo, começou a ganhar no-toriedade. Fez uma centena de filmes no Brasil e no exterior.Quando a televisão o descobriu, já era um ator veterano. Duran-te a ditadura militar escrevia periodicamente no Pasquim.

Lewgoy era um mistério. Tinha um jeito peculiar e mal-huma-rado de ser. Pura fachada. Um dos depoimentos mais emocionan-tes do filme foi dado por Chico Caruso, decifrando a personalida-de do ator:

“Embora tivesse essa cara de mau e todo mundo dissesse queera mal humorado, eu fiz até uma imagem que é como se ele fosseassim... como se fosse as ondas do mar: você pulando a primeira,a segunda... lá dentro, o mar é tranqüilo. Mas tem que pular aquelaprimeira, segunda onda para mergulhar no Lewgoy.”

Mas Lewgoy também dava pistas de quem ele era:“Eu sou uma mistura de um personagem de Alice no País das

Maravilhas, aquele gato que sorri... Chershire Cat. Vai sorrindo,sorrindo... e vai desaparecendo todo até ficar um sorriso. Entre essepersonagem e o Meursault, de O Estrangeiro, de Camus, eu estoulá no meio. Quem quiser saber como eu sou, quem eu sou, leia Ali-ce no País das Maravilhas e leia O Estrangeiro, do Camus.”

Cláudio certamente sabia quem era Lewgoy. E agora todos po-dem descobri-lo: quem quiser saber como ele era, é só assistir aofilme Eu, Eu, Eu, José Lewgoy.

Com larga experiência em cinema, Cláudio Kahns produziu al-guns dos filmes mais premiados do Brasil, como A Marvada Car-ne, Vera, Feliz Ano Velho, O Judeu, Como Nascem os Anjos. Para falarsobre sua nova realização, ele concedeu esta entrevista exclusivaao Jornal da ABI e desabafa: “Nunca foi tão difícil fazer cinema!”

Documentário dirigido por Cláudio Kahnsfaz justiça a um dos mais completos

atores do cinema e da tv, quetambém era um ótimo escritor.

POR FRANCISCO UCHA

DEPOIMENTO

Ele,AMANDA PEROBELLI/REVISTA BRASILEIROS

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JOSÉ LEWGOYJORNAL DA ABI – VOCÊ É UM PRODU-TOR DE SUCESSO NO CINEMA BRASILEI-RO, COM FILMES DE GRANDE DESTAQUE

EM SEU CURRÍCULO. TODOS ELES TIVE-RAM GRANDE REPERCUSSÃO DE CRÍTICA

E PÚBLICO. ATÉ ONDE SOUBE, EU, EU,EU, JOSÉ LEWGOY É O TERCEIRO DOCU-MENTÁRIO QUE VOCÊ DIRIGE DEPOIS DE

UM INTERVALO DE QUASE 20 ANOS. POR

QUE O RETORNO À DIREÇÃO E POR QUEA ESCOLHA DE LEWGOY COMO TEMA?

Cláudio Kahns – Na verdade éo quarto filme que dirijo; fiztambém um curta chamado OSonho não Acabou sobre o teatrofeito por trabalhadores anarquis-tas, principalmente imigrantesitalianos, no início do século 20,em São Paulo. Além de um su-per8, Do Outro Lado, com o qualganhei o prêmio de Melhor Fil-me no 1° Festival Brasileiro deSuper8. Nunca parei de trabalhare produzir cinema, mesmo nasfases mais obscuras pelas quaispassamos. Mas decidi fazer e di-rigir o filme sobre Lewgoy por-que achava que ele tinha umatrajetória muito rica e ímpar nocinema brasileiro. Somente a suaparticipação em Terra em Transe eem Fitzcarraldo, para mim já seriao bastante. Mas além disso eletinha sido o vilão das chancha-das no início dos anos 1950; ti-nha participado de filmes naFrança, nos dez anos em que vi-veu lá, até 1964; participou tam-bém de inúmeras produções es-trangeiras filmadas no Brasil, etinha quase 30 anos de TV Glo-bo. Com essa carreira, e tendo tra-balhado em 100 filmes e 23 nove-las, claro que valia fazer um fil-me sobre ele. E como acabamosficando muito amigos! Ele erauma espécie de tio-conselheiro,sempre trocávamos muitas idéi-as. Algumas vezes propus de fa-zermos esse filme sobre ele e suacarreira, mas Lewgoy sempre re-chaçava. Até que, passados al-guns anos, ele resolveu, de umahora para outra, me chamar parafazermos.

JORNAL DA ABI – ENTÃO, VOCÊ CHE-GOU A FILMAR ALGUM DEPOIMENTO DELE?

Cláudio Kahns – Cheguei a fil-mar algumas poucas cenas comuma pequena câmera: o aniver-sário de 80 anos, a condecoraçãona ABL e um depoimento, qua-se que um rascunho do que seriadepois filmado, mas que infeliz-mente não chegamos a concluir.Isso antes de conseguir o patro-

que tinha que mesclar aquelesmomentos e colocá-los junto àsimagens do teatro de Yale. O cu-rioso é que o cenário também es-tava coberto com lençóis, dandoum quê de fantasmagórico. Essafoi a intenção. Há também nessaseqüência uma locução que se re-fere aos melhores atores do mun-do, que tirei de um filme clássicosobre Shakeaspeare; achei que erabacana colocar aquela frase ali, naentrada do departamento de teatrode Yale, sem as imagens, só a trilha,de maneira delicada, sutil...

JORNAL DA ABI – EM QUANTO TEMPO

ESSE DOCUMENTÁRIO FOI REALIZADO

DESDE O ROTEIRO ATÉ O SEU LANÇAMEN-TO NOS CINEMAS?

Cláudio Kahns – Comecei afazer esse filme há muitos anos(Cláudio dá um grande destaqueà palavra “muitos”). Na verdade ía-mos fazer o filme juntos, Lewgoye eu. Ele morreu há mais de oitoanos; por aí se vê o tempo quelevou entre a idéia, fazer o projetoe conseguir os recursos. Claro quenão trabalhei direto esse tempotodo; estava tocando outros pro-jetos em paralelo. Mas comecei aprodução acho que em 2004. Apesquisa levou alguns meses,depois o roteiro mais alguns. Re-centemente, fiz os últimos ajus-tes e alterações. Então pode-se di-zer que ele ficou pronto neste ano,mas já tinha encerrado a produçãohá uns dois anos.

JORNAL DA ABI – FOI DIFÍCIL ENCON-TRAR E CONSEGUIR A LIBERAÇÃO DASIMAGENS ANTIGAS E DOS DEPOIMENTOS

DE LEWGOY?Cláudio Kahns – Foram mais

ou menos umas 40 fontes dife-rentes de materiais: de cinemate-cas, arquivos, produtoras no Bra-sil, nos Estados Unidos e na Eu-ropa. Foi muito trabalho! Essasautorizações me levaram, pelomenos, um ano de trabalho e fo-ram todas feitas pessoalmente,por mim. Aí meu lado produtorfalou mais alto. A maioria dosmateriais de arquivos conseguinegociar razoavelmente. Outrosmateriais saíram bem caros. Hojese vende material de arquivo nosEstados Unidos e na Europa porsegundo! Se você usa um minutoou dois a coisa vai longe...

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A MAIOR

DIFICULDADE QUE VOCÊ ENCONTROU

DURANTE A REALIZAÇÃO DO FILME?

cínio e com meus próprios recur-sos. Essas cenas não devem che-gar a ter um minuto no filme.

JORNAL DA ABI – VOCÊS VIAJARAM MUI-TO PELO BRASIL, FORAM AOS ESTADOS

UNIDOS E EUROPA E CHEGARAM A EN-TREVISTAR ATÉ POSSÍVEIS PARENTES NOSESTADOS UNIDOS. COMO FOI ESSE PRO-CESSO DE PESQUISA E DE DESCOBERTAS

E QUANTO TEMPO DUROU?Cláudio Kahns – Esse proces-

so foi bem longo e trabalhoso.Escolher dentre os 100 filmes, 23novelas, matérias jornalísticas,cinejornais de época, aquelesmais significativos, foi um traba-lhão! Vimos praticamente todosos 100 filmes! A Marta Nehringcoordenou essa parte da pesqui-

sa e foi essencial; tive tambémuma ótima assessoria na parte dasnovelas com o Mauro Alencar, omaior especialista do Brasil, queme ajudou a encontrar e escolheras principais e, sobretudo, seleci-onar os trechos mais relevantes.Imagine que cada novela temcerca de 250 capítulos de 40 ou50 minutos; encontrar algo écomo procurar agulha no palhei-ro. Trabalhamos alguns meses so-mente pesquisando e procuran-do cópias de todos os filmes. Aspessoas a serem entrevistadastambém foram um longo proces-so. Não bastava localizá-las; irí-amos a cada lugar com a equipe eela deveria estar disponível na-quelas datas determinadas. Não

foi fácil montar as agendas emtantas cidades, mas acabamos fa-lando com quase todo mundoque tínhamos planejado.

JORNAL DA ABI – AS IMAGENS DE

LEWGOY ATUANDO NUM PALCO QUE APA-RECEM NO TRECHO SOBRE A UNIVERSI-DADE DE YALE FORAM CONSEGUIDAS

COMO? DE ONDE ELAS SÃO?Cláudio Kahns – Aquelas ima-

gens são de uma peça de Tchekovem que ele atuou no Rio, O Jar-dim das Cerejeiras. Achei curiosoporque era uma reportagem daTV Globo e, no trecho gravado,Lewgoy se referia sobre 50 anosatrás.... e, há mais ou menos 50anos daquela gravação ele esta-va em Yale, estudando. Aí, achei

ACERVO UH/FOLHAPRESS

18 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Cláudio Kahns – A maior difi-culdade foi justamente selecio-nar o que entraria no filme. Termuito material é bom, mas teapresenta o problema de como co-locar, ou não, determinado tre-cho, determinada fala de uma en-trevista de uma ou duas horas.Esse é o trabalho de direção eedição afinados e, para isso, tivea excelente colaboração da MirellaMartinelli, experiente montado-ra. Ela foi superimportante noprocesso de experimentação. Le-vávamos a montagem de algu-mas seqüências à exaustão; colo-cávamos, tirávamos, colocáva-mos de novo. Deixávamos pas-sar alguns dias; aí víamos o quenão estava bem. Mudávamos denovo. Muitas vezes você tem devoltar e partir do zero. O proces-so de montagem levou mais deum ano. Ela era muito pacientecomigo, pois nem sempre eu es-tava disponível, e tínhamos queajustar as agendas. O que ajudoumuito foi ter feito o filme naminha produtora, a Tatu Filmes.Então, se tinha que fazer algo, eusaía e voltava, e ela estava lá ajei-tando os planos.

A Martha também fez um ro-teiro básico, que reconstruímosna montagem. Era um processode estruturação de um quebra-ca-beça. Tínhamos um roteiro te-mático, por exemplo: “Terra emTranse”, “Veranópolis”, “famí-lia”, “Tônia Carrero”, etc. Entãofomos montando a partir dele,mas reconstruindo-o, mudandoe alterando seqüências ou mesmoblocos de lugar. Uma coisa é umroteiro escrito, outra as imagensem seqüência; muitas vezes umaimagem chama outra que nãoestava prevista, mas que funcio-na muito melhor experimentan-do. Nesse momento o tempo éfundamental: se fizéssemos tudocom pressa o filme seria outro.Num determinado momento,pensei em chamar o Hugo Carva-na para fazer a narração do filme.E finalmente decidi que o filmenão teria narração. Você tem quedar tempo ao tempo. Enfim, foium processo longo, mas bonito,de construção do filme.

O único pecado que não que-ria cometer era o de fazer um fil-me chato. Talvez eu pudesse en-xugá-lo ainda um pouco mais,mas o Guilherme de Almeida Pra-do, após rever o filme me disse:“Cláudio, você não vai ganharnenhum espectador a mais sereduzir o filme em dez minutos”.Ele tem razão! E para quem gos-tar da experiência de ver a histó-ria de Lewgoy, acho que esses dezminutos talvez sejam um prazer.

JORNAL DA ABI – E QUAL FOI A MAI-OR EMOÇÃO?

Cláudio Kahns – Uma das mai-ores emoções foi a entrevista doHerzog! Eu não podia ir à Alema-nha para fazer a entrevista comele. Pedi a um cineasta alemão,que se dispôs a fazê-la, a partir deuma pauta que eu enviaria. Bom,falei isso para o Herzog e ele merespondeu que iria passar o finalde ano nos Alpes, numa regiãona Bavária, Áustria, mas estariacom a família e preferia não teralguém estranho naquela ocasião.Então ele me perguntou se seu

filho, que é cineasta, não poderiafilmar a entrevista. Claro que to-pei imediatamente. Mandei apauta e umas três semanas depoischegou uma fita. Quando vi omaterial, fiquei muito emociona-do! Herzog tinha feito um belís-simo depoimento, gravado duasvezes, para que eu pudesse esco-lher os melhores momentos. Ecom planos de cobertura, inclu-sive em determinado momentoele mandou algumas sugestões naprópria fita, “use esse materialcomo cobertura” e vemos ele ca-minhando no meio do bosque.Ele foi muito bacana, extrema-mente generoso.

Outro episódio, meio tragicô-mico, foi a entrevista com IvanLessa em Londres. Nessa, eu fuipessoalmente, levando uma pe-quena câmera. Foi difícil conse-guir a entrevista; Ivan estava

entrevista, o técnico de som sevira e fala, bem alto: “Vamos terque rodar tudo de novo, o som nãoficou bom!”. Bem... Ivan ouve isso,se levanta, fica possesso, diz quetinha acabado a entrevista... ecomeça a se trocar em nossa fren-te, colocando um pijama! Eu ten-tava dissuadi-lo, mas já anteven-do o desastre, já tinha percebidoque seria uma missão impossível.E ele: “Eu sabia, coisa de brasilei-ro, não podia dar certo mesmo!”.

Bom, não havia o que fazer, sónos restou ir embora. Eu tinha idoespecialmente a Londres para fa-zer aquela entrevista e, claro, fi-quei bem chateado! Mas pedi paraa produtora no dia seguinte envi-ar-lhe umas flores, pedindo des-culpas. Vi que ele realmente nãoestava bem, tinha feito um esfor-ço, foi uma infelicidade! Umapena, ele acabou ficando fora dofilme. Mas, veja como são as coi-sas: há alguns dias uma pessoaque trabalha com ele na BBC eque estava em São Paulo de pas-sagem, me ligou, pedindo umacópia do filme. Parece que o Ivantinha pedido, queria ver o filme.O mais engraçado é que não fi-quei magoado, ele ainda continuasendo meu velho ídolo. Na verda-de tenho bem poucos, mas seu

meio adoentado, não queria,mas insisti muito. Afinal ele erameu ídolo desde os tempos doPasquim, junto com Millôr. E eleera muito amigo do Lewgoy, queera também amigo de sua mãe,Elsie Lessa, que conheci e erauma pessoa adorável. Enfim, ti-nha que fazer aquela entrevistacom Ivan. E contratei uma equi-pe que faria a produção. Eles fo-ram indicados por uma amiga ci-neasta que morava em Londres;ela pegaria também algumas au-torizações, pois eu queria fazerumas tomadas da cidade para daruma ambientação à entrevista. Aequipe contava com um fotógra-fo inglês e um técnico de som,acho que paquistanês.

Mas aí aconteceu a tragédia:chegamos no apartamento doIvan, nos instalamos e começa-mos a fazer a entrevista. Imagi-ne que tinha levado comigo umfilme em que ambos, Lewgoy eIvan tinham contracenado, achoque em 1949. Colocamos o dvdcom o filme, começamos a filmare Ivan ia comentando, lembran-do de histórias do Lewgoy, que,segundo ele, ia filar bóia em suacasa, coisas do tipo, sempre sar-cásticas. E eu claro, adorando! Aí,passados exatos 25 minutos de

DEPOIMENTO ELE, JOSÉ LEWGOY

“Era carente deamor... muito!”TÔNIA CARRERO

No alto à esquerda, José Lewgoy quando trabalhava traduzindo originais para a antigaEditora Globo, de Porto Alegre. Á direita, foto de galã já famoso das chanchadas

brasileiras. Ao lado, Lewgoy e a jovem atriz Tônia Carrero contracenam no primeirofilme de ambos, Perdida pela Paixão. Acima, junto com outra linda atriz, Ava Gardner.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

19Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

humor e seu texto são meio úni-cos. Como o Lewgoy!

JORNAL DA ABI – COMO FOI A GRA-VAÇÃO DO DEPOIMENTO DE TÔNIA CAR-RERO? AFINAL, VOCÊ LEVOU UM PRE-SENTÃO PARA ELA...

Cláudio Kahns – O encontrocom a Tônia foi em sua casa; elanos recebeu muito bem e ficourealmente emocionada quandolhe apresentamos o filme Perdi-da Pela Paixão, que ela não via hámais de 50 anos! E foi o primei-ro filme de ambos, Tônia e Zé!Eles eram muito amigos desdeentão e a emoção dela foi total-mente espontânea e verdadeiraem falar do Zé. E por isso resol-vi começar o filme com ela, afi-nal era o primeiro trabalho emcinema de ambos...

JORNAL DA ABI – E ANSELMO DU-ARTE? ELE NÃO QUIS FALAR MUITO SO-BRE O LEWGOY?

Cláudio Kahns – Quando en-trevistamos o Anselmo, ele jáestava bem doente. Então foiuma entrevista um pouco estra-nha, pois no meio da entrevistaele me perguntou o que eu esta-va fazendo, aí expliquei que eraum filme sobre o Lewgoy e ele sevirou e disse que era perigosofazer um filme sobre Lewgoy.Resolvi deixar esse trecho nofilme porque era bem inusita-do... fora o resto em que ele con-tava ter sido o responsável porcolocar o Zé em sua primeirachanchada, Carnaval no Fogo.

JORNAL DA ABI – MESMO JÁ ATUAN-DO EM FILMES, TEVE UM TEMPO QUE

LEWGOY DORMIA EM BONDES, USAVASEMPRE A MESMA ROUPA. ELE TAM-BÉM TEVE QUE TRABALHAR COMO TRA-DUTOR, ESCRITOR, FOI COLUNISTA DEO PASQUIM, FOI DISCRIMINADO NUMA

DETERMINADA ÉPOCA. VOCÊ ACHA QUE

O BRASIL MALTRATA OS SEUS ARTIS-TAS GENIAIS?

Cláudio Kahns – Sim. Pelo me-nos até a pessoa se impor, e nis-so cada um tem o seu processo.Muitas vezes, aos trancos e bar-rancos, alguns conseguem, ou-tros tombam no meio do cami-nho. Conheci muitos caras geni-ais, sobretudo no final dos anos1960 e 1970, quando eu era ain-da muito jovem. Muitos não so-breviveram. O pessoal do Cine-ma Novo, se você for ver, meta-de foi embora muito cedo. LeonHirszman, Joaquim Pedro, Da-vid Neves, Fernando Cony Cam-pos, isso para não falar de Gláuber,que morreu aos 42 anos! Grandesjornalistas também se forammuito cedo. Como dizia TomJobim, “o Brasil não é para ama-dores”. E esses caras geniais emgeral sofrem muito, são discrimi-nados, acredito até num processode bullying, palavra que agoraestá na moda.

Hoje a grande ditadura é a daburocracia, assim como a dificul-dade de levantar recursos. Quemnão tem um lobby apurado aca-

ba sendo preterido. O talento éa última coisa que conta e acabasendo desvalorizado em funçãode outras “habilidades” e esperte-zas, sejam de ordem política ouburocrática. Vejo mesmo muitosde minha geração meio à mar-gem, porque ou não souberam seorganizar e se adaptar a esse novo,digamos, “modelo” de produçãoou simplesmente nutriram umenorme desgosto, se deprimiram.

Vejo muita gente com talen-to, já com uma certa idade, semou com poucas possibilidades, eisso é muito triste. O Brasil real-mente, de modo geral e com asexceções de praxe, trata muitomal seus artistas, sobretudo osque hoje são mais velhos.

O próprio Lewgoy, pouco an-tes de morrer, estava superinse-guro com a sua aposentadoria,de como iria se sustentar. Feliz-mente, e no caso dele é precisoreconhecer, a TV Globo tratou-o com dignidade e renovou seucontrato pouco tempo antes demorrer. Ele vivia de seu salário e,até onde sei, não tinha grandeseconomias. E estava apavoradocom a possibilidade de não reno-varem seu contrato. Muitas ve-zes tive de acalmá-lo, dizendoque não iriam fazer isso e acaba-ram não fazendo mesmo.

JORNAL DA ABI – POR QUE A OPÇÃODE GRAVAR O DEPOIMENTO DOS MEM-BROS DA FAMÍLIA DO IRMÃO DO LEWGOY

DURANTE UM ALMOÇO? FIQUEI COMPENA DO CINEGRAFISTA, QUE TINHA QUE

FICAR FILMANDO ENQUANTO VOCÊS AL-MOÇAVAM PRAZEROSAMENTE!

Cláudio Kahns – Não se preo-cupe, o fotógrafo era o RicardoStein e ele, depois, se regalou na-quela esplêndida macarronada!Foi a solução que encontramos:juntar toda a família num só lo-cal, num almoço no domingo eacho que foi uma boa decisão. In-clusive a proposta veio deles mes-mo. Um falava, o outro emenda-va, dava para ver todos em conjun-to, a reação de todos, acho que fun-cionou. E eles sempre me apoia-ram, foram muito bacanas.

JORNAL DA ABI – FUNCIONOU MES-MO! É UM MOMENTO EMOCIONANTE DO

FILME. MAS, VOCÊS TIVERAM O CUIDA-DO ATÉ DE CONSEGUIR UM FUSQUINHA

VERMELHO! CONTE ESSA HISTÓRIA DOS

BASTIDORES.Cláudio Kahns – Essa história

do Fusquinha foi idéia da MarthaNehring. Ela sugeriu, achei legale fomos procurar um Fusquinhavermelho, que era o meio de trans-porte característico de Lewgoy,

sempre que ele ia a Veranópolis. Acidade está situada numa regiãomuito bonita, na Serra Gaúcha, eera uma forma de inserirmos acidade numas cenas com o Fus-quinha, para dar um ambiente emostrar também com isso umpouco da cidade e arredores.

JORNAL DA ABI – ALIÁS, SE PUDER

CONTE MAIS ALGUM OUTRO CASO CURI-OSO DOS BASTIDORES DESSA PRODUÇÃO...

Cláudio Kahns – Tem o episó-dio Roberto Carlos. No final daseqüência de Terra em Transe que-ria colocar outra bem contras-tante. Nada melhor do que cor-tar para uma com Roberto Car-los, cantando “e que tudo maisvá pro inferno”. Na verdade essecorte exprimiria bem as duas ver-tentes principais da época, finaldos anos 1660: o pessoal que iapara a política e o pessoal do des-bunde, os hippies, o iê-iê-iê, a Jo-vem Guarda, que era representadapelo Roberto. Em Roberto Carlos eo Diamante Cor-de-Rosa, Lewgoytinha uma participação nessa se-qüência, para variar, de vilão. En-tão, o contraste do corte era sen-sacional: a banda de Robertotocando aquela música no alto doEdifício Itália, em São Paulo.

Entrei em contato com a pro-dução do Roberto Carlos e, de-pois de um certo tempo, de idase vindas, alguns meses, ele fi-nalmente quis ver a seqüência.Mandei o dvd com o filme. Pas-sa o tempo; mais idas e vindase nada de autorização... Ele es-tava gravando, estava viajando,

falamos rapidamente, lembrei-oporque estava lá e ele vira e mediz: “Se desgrilar, autorizo”! Des-grilar do que, meu deus?! Só de-pois entendi: a música falava de“inferno”, e era uma música queele não cantava há anos... bom, ofato é que ele não “desgrilou” etive que cortar a seqüência, quesubstitui por um trecho do mes-mo filme em que Roberto nãoaparece! Ficou bom também,mas eu queria a música! E fiqueiquerendo...

JORNAL DA ABI – FOI MUITO COMPLI-CADO CONSEGUIR AGENDAR UM DIA PARA

REUNIR TODA A “TURMA” NAQUELE TÍ-PICO BOTECO CARIOCA?

Cláudio Kahns – Aquela reu-nião só foi possível porque a Eli-ana Caruso, mulher do Chico,ajudou generosamente a arregi-mentar todos eles. E não precisodizer que todos foram supercola-borativos, e sou muito grato aEliana, que foi sempre uma entu-siasta e deu muita força. Eram to-dos muito amigos do Lewgoy, gos-tavam muito dele. E tinhammuitas histórias! Era a “turma daCobal”, se reuniam todos os sába-dos para beber e jogar conversafora. Senti falta do João Ubaldo(Ribeiro) e do Carvana, que nãopuderam ir. Quem quiser sabermais sobre a “turma”, quem erame o que falavam, vai ter que ver ofilme! (risos)

JORNAL DA ABI – JOSÉ LEWGOY ERA

RECONHECIDAMENTE MAL-HUMORADO,MAS SEUS AMIGOS SABEM QUE ISSO NÃOERA VERDADE; ERA APENAS UM ESCUDO,UM TIPO QUE ELE CRIAVA. AMIGO E GE-NEROSO FORAM ALGUNS DOS ELOGIOSFEITOS A ELE DURANTE O FILME. MAS,SEGUNDO O ATOR ANTÔNIO PEDRO, ELE

DISSE “NÃO TENHO UMA GOTA DE SAN-GUE BRASILEIRO! EU SOU ESTRANGEIRO

DE AVÔ, DE PAI, DE MÃE”. VOCÊ ACREDI-TA QUE ELE SE SENTIA DESCONFORTÁVELVIVENDO NO BRASIL?

Cláudio Kahns – Acredito quenão, ele não estava desconfortá-vel, digamos assim... Era o jeitãodele, ele gostava muito do Brasil,mas teve uma vida com momen-tos difíceis e em geral, com a ida-de, todos os que passaram algunsperrengues ficam meio ressabi-ados. Talvez Lewgoy fosse maissensível e inseguro. Era meio re-clamão, mas também era umapessoa muito agradável, paraquem tinha passado aquelas ma-rolas, as conversas eram sempremuito divertidas e interessantes.

JORNAL DA ABI – VOCÊ ERA AMIGODELE E O ACOMPANHOU MUITO NO FIM

DE SUA VIDA. SE VOCÊ FOSSE UM DOS

PERSONAGENS DE SEU FILME, QUE DE-POIMENTO VOCÊ DARIA SOBRE JOSÉ

LEWGOY?Cláudio Kahns – Boa pergun-

ta! Procurei não ter uma partici-pação maior no filme, pois ointento era contar sua vida atra-vés de pessoas que tinham mui-tas histórias para contar. Eu ti-nha também, algumas, mas achei

estava sei lá onde e nada! Fizmais inúmeros contatos e tele-fonemas, pedi para a Eliana Ca-ruso falar com a assessora de im-prensa dele, enfim, fiz de tudo...E o recado da produção era queele veria a seqüência assim quetivesse um tempinho. Detalhe:a cena tinha dois ou três minu-

tos! Esse processo todo durou unsoito meses! Sem a sua autoriza-ção, nada feito. Não bastava a dodiretor do filme, Roberto Farias,que já tinha me autorizado.

Daí resolvi radicalizar! Fui verum show dele! Estava combina-do com a produção que depois doshow, ele me receberia no cama-rim. E fui, assisti ao show, noteidiscretamente que eu era, prova-velmente, o mais jovem na pla-téia (risos)... o pessoal do iê-iê-iêtinha envelhecido!

Acabado o show, havia umas50 pessoas no camarim antes dechegar minha vez. Tudo muitoorganizado e profissional, comum fotógrafo registrando todosos encontros. Então, chegou aminha vez; ele, muito simpático,

“Nunca houvee nem haveráninguém comoOscarito”JOSÉ LEWGOY

“Merdapor merda,eu prefiroa merdade Paris”JOSÉ LEWGOY

José Lewgoy e Valéria Vidal se encontram durante a cerimônia de entrega dosprêmios do Instituto Nacional do Cinema aos melhores do cinema em 1967,

na qual foram agraciados, juntamente com Leila Diniz e Anselmo Duarte.

ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO/FUNDO ÚLTIMA HORA/L. PINTO

20 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

DEPOIMENTO ELE, JOSÉ LEWGOY

que não eram suficientementeboas para estarem no filme. Masalgo, de caráter muito subjetivo,também despertou meu interes-se em produzir o filme: achavaque o Lewgoy era muito discri-minado, tinha muitos detrato-res; de alguma forma me identi-fiquei com isso e não me confor-mei. Como um sujeito com aque-la trajetória era chamado de “cha-to”? As pessoas sumiam quandoele aparecia... esse tipo de coisa.Pensei comigo mesmo que algoestava errado. E resolvi ir contraa corrente. E acredito que acertei!Nesse processo de conhecimen-to confirmei que Lewgoy era al-guém de muito valor. Era injustoser discriminado dessa forma.

Lewgoy me ligava, nos últi-mos anos, quase todos os dias emuitas vezes. Ai de mim se nãoo atendesse. Às vezes, como sa-bia que o telefonema duraria pelomenos vinte minutos, meia hora,realmente não poderia atendê-lonaquele preciso momento, masele mesmo assim, às vezes insis-tia em falar comigo... ficava bra-vo com quem atendia e não pas-sava o telefonema!

O que eu diria sobre ele? Sin-to muita falta e, sobretudo, mui-ta falta de seus telefonemas,pois trocávamos idéias e faláva-mos sobre tudo; muitas vezes deminhas idéias ou de meus pro-jetos, ele contava que tinha idojantar com não sei quem, ou ti-nha visto um filme tal, encon-trado tal pessoa, enfim, suas his-tórias e sua presença, bem oumal humorado, fazem uma fal-ta danada! Sinto muitas sauda-des dele, sobretudo agora que ofilme está saindo e vejo que emmuitas matérias se homenageiao Lewgoy. Acho que ele adorariaestar aqui, vendo a repercussãodo filme, todo mundo falandosobre ele e falando bem.

JORNAL DA ABI – VOCÊ PODE NOSCONTAR ALGUNS DOS MOMENTOS EM QUE

SE ENCONTRARAM? É VERDADE QUE,MUITAS VEZES, ELE VINHA PARA SÃOPAULO SÓ PARA ALMOÇAR CONTIGO?

Cláudio Kahns – É verdade! Elevinha a São Paulo muitas vezesno fim de semana, em geral nodomingo de manhã, chegava porvolta do meio-dia, eu o pegavano aeroporto, íamos almoçar emgeral no Arábia; ele gostavamuito da comida de lá. Algumas

vezes íamos à feirinha do Masp,ele sempre procurava gravurasjaponesas, conhecia muito a artejaponesa, sabia quem eram osgrandes artistas. Por vezes, aca-bava comprando uma ou outragravura. Depois eu o levava devolta para o aeroporto. Uma vezme disse que ficava muito me-lancólico no Rio aos domingos,muitos amigos já tinham morri-do e ele se sentia muito solitário.Nas últimas vezes que nos vi-mos, em geral para discutirmosalguma coisa sobre o filme, elejá estava com muita dificuldadede locomoção, íamos somentealmoçar e eu o levava de voltapara o aeroporto, nem íamosmais à feirinha...

JORNAL DA ABI – COMO VOCÊ VÊ OMOMENTO DO CINEMA DE DOCUMENTÁ-RIO BRASILEIRO? É MUITO DIFÍCIL EN-CONTRAR SALAS E DATAS PARA EXIBIR

FILMES COMO ESSE?Cláudio Kahns – Muito! Neste

momento, quase impossível! Ofilme foi finalizado em hd (high-definition), isso significa quevocê tem aproximadamente 250salas de cinema no Brasil que exi-bem o filme nesse formato. Sãopoucos lugares numa mesma ci-dade. Acontece que, por exem-plo, no lançamento em São Pau-lo, tivemos direito a... (faz umapausa) duas sessões por dia! Às16h e às 18h, numa sala apenas!Quase cancelei o lançamentoquando soube que esse seria o“circuito”. Aliás, quase um “cur-to circuito!” Já esperava que ofilme fosse lançado em uma sala,no máximo duas; mas ser exibi-do em apenas duas sessões é de-

primente! Então, acho que é pre-ciso repensar essa questão dolançamento de documentários;como fazer isso de forma maiseficiente para permitir aos fil-mes realmente terem uma vida,encontrarem seu público, fica-rem em cartaz por um tempomínimo para quem tenha inte-resse e possa ir assistir.

Esse filme é sobre um homemdo cinema. É muito melhor vê-lo numa sala de exibição do quedepois na tv ou com um dvd. Oenvolvimento e a fruição sãomuito diferentes. É preciso reveressa questão das cotas de filmesnacionais. A produção aumen-tou muito, mas não há espaçopara se exibir os filmes brasilei-ros. Ao mesmo tempo, um sófilme blockbuster é exibido em1.100 salas, metade do númerode salas de todo o País! Talveztenhamos que fazer como naArgentina, quanto mais salasum só filme é exibido, maior é ataxação, se não ficamos encurra-lados, como aconteceu com meufilme e como acontece nestemomento com muitos outrosfilmes: não há espaço! Há espa-ço somente para alguns, geral-mente ligados às majors ou àGlobo Filmes...

JORNAL DA ABI – E A EXPLOSÃO DOSFESTIVAIS DE CINEMA POR TODO O

PAÍS? É UMA SAÍDA PARA O CINEMA

NACIONAL?Cláudio Kahns – Tentei que o

filme fosse ao Festival de Gra-mado e as pessoas que fazem acuradoria não quiseram... Então,não dá para se entender o crité-rio de escolha. Acredito que

zindo mais filmes, mas grandeparte desses filmes não está en-contrando seu público, e issonão é bom. Precisamos ver comofazer para que isso mude! E logo!

JORNAL DA ABI – SEM PATROCÍNIO ELEIS DE INCENTIVO NÃO SE FAZ CINEMA

NO BRASIL?Cláudio Kahns – Acredito que

hoje o sonho de todo cineastabrasileiro é o de se libertar dasleis de incentivo! A burocraciaé infernal e muitas vezes semnenhum sentido. A tradição car-torial brasileira pegou na veia docinema! Exigem-se coisas e se étratado como se todo cineastafosse praticamente um melian-te. Você já é culpado de cara, porestar usando recursos públicos!

Posso te garantir que muitagente se afastou do cinema, so-bretudo de minha geração pracima, por conta das dificuldadesencontradas para satisfazer osinsaciáveis mecanismos buro-cráticos. A pessoa fica sem sacoe abandona. Nisso se perdem mui-tos talentos e experiências, que po-deriam estar contribuindo parafazer um cinema com mais con-teúdo que, aliás, é a palavra damoda, inventada por algum pu-blicitário. Cinema sem conteú-do não é cinema.

Sinto que, de modo geral, osmecanismos de incentivo fiscalacabam premiando mais a capa-cidade de articulação política doque o talento. Na Europa e nosEstados Unidos a primeira coisaque te perguntam, quando vocêtem um projeto de filme, é quemé o diretor e querem ver o rotei-ro. Aí, continuam a conversa, ounão. Aqui é a última coisa! Aqui,o que interessa é saber quem é opatrocinador ou quanto vai cus-tar o filme, ou quanto o cara quefaz a intermediação vai levar decomissão! Tive várias experiên-cias assim; em 50 contatos depatrocínio, apenas dois pediramo roteiro!

Eu trabalho com minha pro-dutora há 30 anos e nunca foitão difícil fazer cinema! As exi-gências burocráticas parecemtravar o processo de produção,que tem que ser necessariamentemais fluido! E, paradoxalmente,nunca no Brasil se teve tantosrecursos para investir em produ-ções na tv e no cinema; no audi-ovisual em geral. O que isso vaidar, não sei!

Há alguns filmes muito bonssendo feitos, sem dúvida. Maspodia ser bem mais fácil fazercinema por aqui. Temos que en-contrar essa maneira. E não édando esse poder aos distribui-dores estrangeiros. E, com o au-mento do mercado, com a novalegislação, o ideal é que se profis-sionalizem mais as decisões emfunção das idéias, do talento, daproposta, da criatividade, do es-tímulo, de certo protecionismoao mercado interno e, princi-palmente, do conteúdo.

“Pena que nãotenha escrito maissobre o que viveu.Lia muito, escreviabem e com graça. Epoucos brasileirosteriam tanta coisapara contar quantoo nosso Levigói”LUIS FERNANDO VERISSIMO

“José Lewgoy teveuma carreira maisou menos limitadapelo fato de eleser um atortrabalhando nocinema brasileiro”FABIANO CANOSA

muitas vezes o lado pessoal, dorelacionamento, conta mais doque o próprio filme. Se por aca-so o sujeito que faz a seleção nãogosta ou nutre alguma antipatia,corta o teu filme. E você vai re-clamar... (pausa) pro bispo!Achei que seria uma bela home-nagem exibir o filme em Grama-do, mesmo numa sessão especi-al. Afinal o Lewgoy era um ilus-tre cidadão do Rio Grande doSul... mas não quiseram! Vaientender, não é?

Acho que há uma profusão defestivais Brasil afora, em geralpositivos; estão difundindonossos filmes. Mas os critériosdas comissões de seleção e pre-miação talvez tenham que seraprimorados, de forma maisimpessoal; como disse, os festi-vais servem para promover os fil-mes, mas por si só não são umasaída para o cinema brasileiro.

Quer dizer, estamos produ-

José Lewgoy foi premiado como Ator Coadjuvante no Festival de Brasília do CinemaBrasileiro em 1995, por sua atuação no filme O Judeu, dirigido por Jom Tob Azulay.

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ÃO

21Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

DEPOIMENTO

POR PAULO CHICO

Com inspiração nos apelidos com os quais são rebatizados os cra-ques de futebol, não seria qualquer exagero considerar Laurenti-no Gomes um fenômeno. Sucesso de crítica e de público, o expe-riente jornalista tirou de letra a mudança de carreira. Depois de maisde 30 anos de atuação em Redações de jornais e revistas, redefiniuseus objetivos profissionais e mergulhou de cabeça no universo li-terário. Tudo isso sem renegar seu passado. A bem da verdade, noexercício da nova função, este paranaense de Maringá segue apro-veitando ao máximo a experiência acumulada nos tempos de re-pórter e editor.

Sua obra 1822, publicada pela Nova Fronteira, foi vencedora doJabuti 2011, na categoria Melhor Livro-Reportagem. Na noite deentrega do prêmio, em 30 de novembro, o reconhecimento veioem dose dupla. 1822 abocanhou também o título de Livro do Anode Não-Ficção. E não é a primeira vez que isso acontece. Em 2008,seu primeiro livro, 1808 (Planeta) ganhou ambas as distinções doJabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. A história, querelata a fuga da Família Real portuguesa para o Brasil, tambémfoi eleita o Melhor Ensaio de 2008 pela Academia Brasileira deLetras e permaneceu três anos consecutivos na lista dos livrosmais vendidos de Portugal e do Brasil. Juntos, seus dois únicostítulos já somam mais de 1 milhão e 200 mil exemplares ven-didos. É ou não é uma venda fenomenal?

Apesar do evidente sucesso, Laurentino discorda da tese, de-fendida por alguns livreiros, de que tenha se tornado um ReiMidas do mercado editorial. “Já vi muitos autores, cantores ecompositores fracassarem depois de uma ou duas obras bem-su-cedidas. O que garante o sucesso de um livro-reportagem é a qua-lidade da pesquisa. Aliás, isso vale para todos os formatos de jor-nalismo. Um jornal pode publicar uma excelente edição e tor-nar-se irrelevante na seguinte. Da mesma forma, meus livroscontinuarão a fazer sucesso somente se eu conseguir produzirobras relevantes para os leitores”, afirma Gomes, que, a seumodo, explica a transformação profissional pela qual passou.

“Nunca deixei de ser jornalista. Apenas mudei de forma-to. Antes escrevia para jornais e revistas. Agora faço livros-re-portagem. No fundo, História e Jornalismo são disciplinasmuito parecidas, quase gêmeas. Jornalistas testemunham erelatam a História a sangue quente, em tempo real. Histori-adores fazem a mesma coisa, só que com um distanciamen-to maior no tempo e com mais método e disciplina na apu-ração. Jornalistas são historiadores do presente, enquanto oshistoriadores são os repórteres do passado”, explica Lauren-tino, que é membro titular da Academia Paranaense de Le-tras e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. A se-guir, sua entrevista.

O jornalista LAURENTINO GOMES leva seu segundoPrêmio Jabuti de Livro do Ano de Não-Ficção, com 1822.Na construção de suas obras, que revisitam importantes

períodos históricos do Brasil, o escritor lança mão deseus recursos de repórter. Apuração aprofundada e

texto descomplicado são as suas receitas de sucesso.

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22 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

JORNAL DA ABI – COMO O SENHOR

RECEBEU A NOTÍCIA DA PREMIAÇÃO DE

1822 NO JABUTI 2011? AO ESCRE-VER A OBRA, ESPERAVA QUE ELA TIVES-SE TAMANHA EXPRESSÃO EM VENDAS EJUNTO À CRÍTICA?

Laurentino Gomes – O Jabuti éuma consagração para o trabalhode qualquer escritor ou jornalis-ta. É o mais importante e tradi-cional prêmio de Literatura doBrasil, entregue pela primeiravez em 1959. O processo de jul-gamento é demorado e rigoroso.Acho que também é o último dostrês importantes estágios de pro-vação pelos quais um livro bem-sucedido tem de passar. O primei-ro estágio é a satisfação do pró-prio autor com o resultado de seutrabalho. Às vezes, por algumarazão obscura, o livro não ficatão bom quanto o autor gostaria.Pode ser por falta de tempo, de es-paço para o texto ou mesmo deinspiração. No meu caso, confes-so que fiquei contente com o queescrevi. Com exceção de algunspoucos erros de revisão e checa-gem, eu não mudaria nada emmeus livros. O segundo degrau devalidação vem dos leitores. Se olivro não vende, por melhor queseja, é sempre um problema. Sevende, é porque os leitores gosta-ram do trabalho do autor, sentemque a obra tem alguma contribui-ção a dar em suas vidas e recomen-dam a leitura para outras pessoas.Isso, felizmente, ocorreu tantocom o 1808 quanto com o 1822. Porfim, há a avaliação dos críticos.Ela pode vir em forma de resenhaspublicadas ou na forma de prê-

mios literários. Meus livros tive-ram uma acolhida bastante gene-rosa da crítica e isso se expressounos prêmios que recebi.

JORNAL DA ABI – O LIVRO 1808 TAM-BÉM FOI PREMIADO DUPLAMENTE COM

O JABUTI, EM 2008. O FATO DE GA-NHAR NOVAMENTE, EM 2011, SIGNI-FICA QUE ESTÁ SENDO CRIADA UMA ‘ES-COLA’ LAURENTINO GOMES SOBRE

COMO FAZER LIVROS-REPORTAGEM?SENTE O PESO DE, DE REPENTE, TOR-NAR-SE UMA REFERÊNCIA PARA PRÓXI-MAS GERAÇÕES DE ESCRITORES?

Laurentino Gomes – Essa “es-cola” a rigor não é minha. É datradição do bom jornalismo e daboa reportagem. Portanto, vemsendo criada há muito tempo pe-los grandes repórteres e editoresque freqüentaram e ainda fre-qüentam as Redações. Toda a mi-nha formação foi construída nojornalismo. A rigor, nunca deixeide ser jornalista. Apenas mudei

de formato. Antes escrevia parajornais e revistas. Agora faço li-vros-reportagem. Na essência,continuo a fazer jornalismo. Nofundo, História e Jornalismo sãodisciplinas muito parecidas, qua-se gêmeas. Jornalistas testemu-nham e relatam a História a san-gue quente, em tempo real, en-quanto ela acontece. Historiado-res fazem a mesma coisa, só quecom um distanciamento maiorno tempo e com mais método edisciplina na apuração. Jornalis-tas são, portanto, historiadores dopresente, enquanto os historiado-res são os repórteres do passado.

JORNAL DA ABI – QUANTO ESSAS DUASOBRAS VENDERAM ATÉ AGORA, EM

QUANTAS EDIÇÕES?Laurentino Gomes – Somados,

os dois livros já venderam 1 mi-lhão e 200 mil exemplares noBrasil e em Portugal. 1808 é o livrobrasileiro que mais tempo perma-neceu na lista dos mais vendidosda categoria não-ficção até hoje.São quase 200 semanas na lista. Orecordista anterior era EstaçãoCarandiru, do Dr. Dráuzio Varella,com 160 semanas. Sozinho, o 1808já ultrapassou a marca dos 800mil livros vendidos, em 27 ediçõesconsecutivas. O 1822 já chegoupelo menos à metade disso. Sãonúmeros surpreendentes em umPaís que tem a fama de ler pouco.

JORNAL DA ABI – GOSTARIA QUE FA-LASSE UM POUCO DA SUA FORMAÇÃO EM

JORNALISMO E DE SUA PASSAGEM POR

VEÍCULOS COMO VEJA E ESTADO DES.PAULO. EM QUE MEDIDA A PROFIS-SÃO DE JORNALISTA DEFINIU OS RUMOS

DO LAURENTINO GOMES ESCRITOR?Laurentino Gomes – Fiz o cur-

so de Comunicação Social – op-ção Jornalismo – na Universida-de Federal do Paraná, turma de1976. Trabalhei como repórterem dois jornais locais, Correio deNotícias e O Estado do Paraná. Emseguida, fui contratado pela su-cursal da Agência Estado e, porfim, entrei na Editora Abril, naqual trabalhei durante 22 anos,quinze dos quais como repórtere editor da revista Veja. Comojornalista, trabalhei em todas asregiões do Brasil. De Curitiba, fuicobrir a Amazônia como corres-pondente da Veja em Belém doPará. Em seguida, morei no Reci-fe, em Brasília e, finalmente, SãoPaulo. Fui editor de Cidades e Po-lítica no Estadão e de Geral noJornal da Tarde. Na Veja fui edi-tor-executivo e chefe da rede desucursais. Essa experiência jor-nalística me deu uma visão úni-ca do País em que vivemos. Co-nheci de perto as diferentes rea-lidades regionais deste territórioimenso e diverso, cujas raízeshistóricas hoje procuro explicarnos meus livros.

JORNAL DA ABI – EM SUA TRAJETÓRIADE REPÓRTER E EDITOR, OS TEMAS HIS-TÓRICOS JÁ MARCAVAM PRESENÇA CONS-TANTE EM SUAS PAUTAS?

Laurentino Gomes – No Jorna-lismo sempre gostei muito daeditoria de Geral. É a área menosespecializada das Redações, masa que permite ao repórter ou aoeditor tratar de assuntos muitovariados. A pauta é a mais amplapossível. Inclui Educação, Saú-de, Ciência, Turismo, Comporta-mento, Cidades e, é claro, Histó-ria. Como jornalista, publiqueimuitas matérias sobre História,mas essa foi sempre a grandepaixão paralela na minha vida.Sempre li muito sobre o tema.Em 2007, o que era um hobby vi-rou assunto sério. Recebi a mis-são de preparar um especial sobre1808 e a vinda da Família Realportuguesa para o Brasil. Era par-te de um projeto editorial da revis-ta Veja, onde eu trabalhava comoeditor-executivo. O projeto foicancelado e decidi seguir adiantepor minha própria conta, publi-cando um livro-reportagem sobreo assunto. Isso mudou por com-pleto minha vida desde então.

JORNAL DA ABI – O SENHOR TEVE TAM-BÉM PASSAGEM POR CARGO DE DIRE-ÇÃO NA EDITORA ABRIL. EM QUE ME-DIDA A BUROCRÁTICA EXPERIÊNCIA DE

EXECUTIVO FOI DECISIVA PARA SEU MER-GULHO NO UNIVERSO LITERÁRIO?

Laurentino Gomes – Trabalheicomo repórter e editor de jornaise revistas por mais de três déca-das, mas fui também diretor su-perintendente de áreas de negó-cios da Editora Abril durante al-guns anos. Decidi me tornar umexecutivo de negócios para en-tender melhor como funciona-vam as outras áreas de uma em-presa de comunicações, além daeditorial. Áreas como assinatu-ras, circulação avulsa, publicida-de, gestão de recursos humanos eoperações gráficas, que compõemo universo das comunicações,mas nem sempre foram entendi-das corretamente pelos jornalis-tas. Para isso, fiz cursos de Marke-ting, Finanças e um MBA, mes-trado em Gestão de Negócios, naUniversidade de São Paulo. Essaexperiência foi fundamental naminha nova carreira no mercadoeditorial de livros. Apliquei nes-sas obras não apenas o conheci-mento editorial, que eu adquiriranas Redações, mas também aslições de marketing, impressãoe distribuição, que aprendi comoexecutivo. Participei, junto comas editoras, dos planos de divul-gação dos dois livros. Contrateiuma assessoria de imprensa. Ebotei o pé na estrada para ajudara vender minhas obras.

JORNAL DA ABI – O SENHOR SE CON-SIDERA UM JORNALISTA-ESCRITOR, OU UM

ESCRITOR QUE UTILIZA TÉCNICAS DE JOR-NALISMO EM SUAS OBRAS? É UM EQUÍ-VOCO, POR EXEMPLO, CLASSIFICAR SEUS

LIVROS COMO GRANDES REPORTAGENS?Laurentino Gomes – Sou um jor-

nalista-escritor. Meu objetivo ésempre contar a História do Bra-sil pela ótica da reportagem, em

linguagem acessível para um lei-tor comum não habituado à his-toriografia acadêmica. Procuroconstruir um mosaico do queeram o mundo, Portugal e o Bra-sil duzentos anos atrás. O méto-do de apuração também é jorna-lístico. Não me limito a pesqui-sar os livros e fontes tradicionais.Vou aos locais dos acontecimen-tos de dois séculos atrás, mostran-do como estão hoje. Durante apesquisa do livro 1822, por exem-plo, fui à Bahia assistir à festa doDois de Julho, data da expulsãodas tropas portuguesas de Salva-dor, em 1823. Também fui aoMunicípio de Campo Maior, noPiauí, local do maior confrontoda Independência, a Batalha doJenipapo, travada no dia 13 demarço de 1823. Foi um massacreem que morreram entre 200 e400 brasileiros, contra apenasuma dúzia de portugueses. Pre-ocupo-me também em atualizarvalores da época, fazer compara-ções e dar exemplos. Por fim,tento decifrar a dimensão hu-mana escondida sob a carapaçados heróis e personagens histó-ricos. Tudo isso ajuda a facilitara compreensão do leitor.

JORNAL DA ABI – FALTA ESPAÇO PARA

A REPORTAGEM DE FÔLEGO E PROFUN-DIDADE NOS JORNAIS E REVISTAS BRA-SILEIROS? A OPÇÃO POR ESCREVER LI-VROS FOI, DE CERTA FORMA, UM CAMI-NHO PARA AMPLIAR SUA PRODUÇÃOTAMBÉM COMO REPÓRTER?

Laurentino Gomes – Um livrooferece a possibilidade de um mer-gulho mais profundo na reporta-gem, com pesquisa mais demora-da, um texto maior e mais bemtrabalhado. Mas acho que esse for-mato não exclui os tradicionais,como revistas, jornais, televisãoe rádio. É apenas mais uma alter-nativa de oferecer às pessoas in-formação e cultura. Estamos emum novo século que pede umanova linguagem e novos forma-tos capazes de atingir novas au-diências ou novos públicos. Da-qui para frente, nós – jornalistas,escritores e editores – precisamosestar cada vez mais atentos àsmudanças tecnológicas e às opor-tunidades de desenvolver novosformatos. Por essa razão, além deescrever livros com cerca de 400páginas, também uso o Twitterpara tratar de História do Brasil.E ali o tamanho máximo do tex-to é de apenas 140 toques!

JORNAL DA ABI – FAZER JORNALIS-MO, POR CERTO, É CONTAR HISTÓRIAS.MAS PODE SER, TAMBÉM, ‘PRODUZIR’HISTÓRIA, GERAR REGISTROS PARA O FU-

TURO? ACHA QUE SEUS LIVROS CUMPREMESSE PAPEL?

Laurentino Gomes – Procuroaplicar nos meus livros o conhe-cimento e a experiência adquiri-dos como jornalista. Na essência,a pesquisa de um escritor para es-crever um livro sobre História doBrasil é muito semelhante ao tra-balho de reportagem. É precisoler muito, consultar documentos,confrontar diferentes fontes deinformação na tentativa de che-gar o mais próximo possível daverdade. Uso a linguagem e a téc-nica jornalísticas para tornar His-tória um tema acessível e atraentepara um público mais amplo, nãohabituado ao estilo árido e, às ve-zes, incompreensível dos livrosacadêmicos. Portanto, tento ser-vir de filtro entre a linguagem es-pecializada da academia e o leitormédio. O estilo do 1822 é muitosemelhante ao do 1808: capítuloscurtos, pequenos perfis dos per-sonagens e linguagem acessível.Tudo para facilitar a compreen-são do leitor. O que procuro de-monstrar com os meus livros éque a História pode ser fascinan-te, divertida e interessante, massem ser banal.

JORNAL DA ABI – ALÉM DO SENHOR,OUTRO AUTOR DE SUCESSO NESTE GÊNE-RO, NO BRASIL, É EDUARDO BUENO, QUETRAZ, EM SUAS OBRAS, UMA ABORDA-GEM HISTÓRICA REPLETA DE HUMOR. HÁ,DE FATO, UM BOOM NO MERCADO BRA-SILEIRO, E ATÉ INTERNACIONAL, DE LI-VROS QUE TRATAM DE HISTÓRIA? O QUE

ISSO REVELA SOBRE OS ANSEIOS E DE-SEJO DOS LEITORES?

Laurentino Gomes – Acreditoque as pessoas estão lendo livrosde História em busca de explica-ções para o Brasil de hoje. Depoisdo fim do regime militar, ali-mentamos algumas ilusões a res-peito deste País. Acreditamos poralgum tempo que todos os proble-mas se resolveriam mediante pas-ses de mágica, como a convoca-ção de uma Constituinte, a elei-ção de um presidente populistacomo Fernando Collor, a adoçãode pacotes econômicos, medidasprovisórias e assim por diante.Hoje, as pessoas estão chocadascom a dificuldade de seguir emfrente. É difícil construir o futu-ro num país com tantas desigual-dades sociais, uma herança deanalfabetismo e escravidão, e tan-tas diferenças regionais e cultu-rais. Estudar História ajuda aentender o Brasil de hoje. Por issovejo com grande alegria o fato detantos livros sobre o tema fre-qüentarem as listas de best-sel-lers. Uma sociedade que não es-tuda História não consegue en-tender a si própria, porque desco-nhece as razões que a trouxeramaté aqui. E, se não consegue enten-der a si mesma, provavelmentetambém não estará preparada paraconstruir o futuro de forma orga-nizada e estruturada. Se você nãosabe de onde veio, como saberápara onde vai? O estudo de Histó-

Participei, junto com aseditoras, dos planos de

divulgação dos doislivros. Contratei uma

assessoria de imprensa.E botei o pé na estradapara ajudar a vender

minhas obras.

A rigor, nunca deixei deser jornalista. Apenas

mudei de formato.Antes escrevia para

jornais e revistas. Agorafaço livros-reportagem.

DEPOIMENTO LAURENTINO GOMES

23Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

ria é, portanto, fundamental paraa construção do Brasil do futuro.

JORNAL DA ABI – COM BASE EM SUASDUAS OBRAS – 1808 E 1822 – QUAL

ACREDITA SER A FIGURA HISTÓRICA BRA-SILEIRA MAIS INJUSTIÇADA? OU, AO CON-TRÁRIO, AQUELA QUE, APESAR DE SEM-PRE IDOLATRADA NOS LIVROS, NÃO POS-SUI TANTOS FEITOS OU MÉRITOS ASSIM?

Laurentino Gomes – Um perso-nagem do passado que me fasci-na é José Bonifácio de Andrada eSilva, um homem cosmopolita,hábil, bem preparado, de idéiasmuito avançadas para o seu pró-prio tempo. Tinha uma noçãomuito clara do que fazer com oBrasil em 1822. Graças a ele o Paísse manteve unido em torno dacoroa num momento em que osriscos de fragmentação territori-al e guerra civil eram enormes. OPatriarca passou para a históriacomo um homem sisudo e auste-ro. É uma imagem equivocada.Boêmio e bom de copo, costuma-va terminar as madrugadas dan-çando lundu – dança típica doBrasil colonial – em cima de umamesa. Prendia o cabelo em formade rabo-de-cavalo na nuca. Nascerimônias e ocasiões importan-tes escondia o rabicho sob a golada jaqueta. Era poeta e bom con-tador de histórias. Como Dom Pe-dro, amava as mulheres e teveinúmeras amantes que lhe deramdois filhos bastardos. Manejavabem uma espada e havia rumoresde que havia matado quatro ho-mens em duelo. Quanto ao per-sonagem inflacionado, esse ficapara meu próximo livro, 1889. Éo Marechal Deodoro da Fonse-ca. Ele tem um papel mais simbó-lico, de figurante, do que de pro-tagonista na proclamação da Re-pública. Liderou meio a contra-gosto um golpe militar que depôso Imperador Pedro II, de quem sedizia amigo pessoal. Suas con-vicções, até as vésperas da pro-clamação, eram mais monarquis-tas do que republicanas.

JORNAL DA ABI – UM DOS DESAFIOS

DO EXERCÍCIO DO JORNALISMO É A APU-RAÇÃO, EM CONSTANTE CONFRONTO

COM A HORA DO FECHAMENTO. NA FEI-TURA DE UM LIVRO, CERTAMENTE TEM-SE MAIS TEMPO PARA ESSA TAREFA. MAS

IMAGINO QUE SEJAM GRANDES AS DIFI-CULDADES DE APURAÇÃO E PESQUISAPARA OBRAS QUE ABORDAM PASSAGENS

DA HISTÓRIA DE DOIS SÉCULOS ATRÁS.COMO CONTORNA ESSES OBSTÁCULOS?EM QUE MEDIDA SUA EXPERIÊNCIA COMO

JORNALISTA O AJUDA NESSAS TAREFAS?Laurentino Gomes – O proces-

so de apuração e fechamento deum livro é semelhante ao de umaRedação, só com prazos maisalongados. O segredo da boa re-portagem está no planejamento.Jornalista que não se planejacorre dois riscos opostos: ou tra-balha demais ou trabalha de me-nos. Se você vai para a rua semsaber se a sua matéria será repor-tagem de capa, de apenas umapágina, ou uma coluna de uma

revista, acaba apurando mais in-formação do que deve, ou voltan-do para a Redação com menosmaterial do que o necessário.Aprendi isso a duras penas nesses30 anos de carreira. Ao começara escrever um novo livro, eu pla-nejo com detalhes todos os pas-sos da pesquisa: quantos e quaislivros terei de ler, quem poderáme dar orientação sobre o tema,quais lugares visitarei, quantotempo cada uma dessas etapas dotrabalho vai exigir. Para fazer opróximo livro, o 1889, já tenhopela frente uma bibliografia demais de 150 livros sobre o Se-gundo Reinado e a proclamaçãoda República. Estabeleci um pra-zo de um ano e meio para lê-los.Em seguida, mais seis meses paraescrever e outros três meses paraeditar o livro. E, em geral, cumproesses prazos à risca.

JORNAL DA ABI – POR QUE ESCOLHEU

ESSA LINHA EDITORIAL DE REVISITAR

PERÍODOS CONTROVERSOS DA HISTÓ-RIA NACIONAL? A VERSÃO OFICIAL DOS

FATOS – COM SEUS ‘FUROS’ E ‘DETUR-PAÇÕES’ – FOI ALGO QUE SEMPRE O IN-COMODOU?

Laurentino Gomes – É quaseimpossível compreender o Bra-sil de hoje sem estudar a vinda daCorte de D. João para o Rio deJaneiro, em 1808, e a influênciadecisiva que esse acontecimen-

to teve na Independência, em1822. Eu diria que todas as nos-sas características nacionais, to-dos os nossos defeitos e virtu-des, já estavam presentes lá. Acorrupção no Brasil, por exem-plo, tem raízes históricas óbvi-as. É resultado da forma pela qualo Estado brasileiro foi constru-ído, sempre de cima para baixo,sem participação do conjunto dasociedade. Herdamos do períodocolonial um país dominado pelolatifúndio, pela concentração deriquezas, pelo analfabetismo epela escravidão. Quando a Corteportuguesa chegou ao Rio de Ja-neiro, em 1808, a maioria da po-pulação vivia mergulhada na po-breza e no isolamento. Essa mul-tidão de excluídos nunca foi cha-mada a participar do processo deconstrução nacional e, aparen-temente, nem estava habilitadaa fazê-lo. Essa tarefa coube a umEstado forte, centralizado, quedistribuía oportunidades nos

negócios públicos, títu-los de nobreza e outrosbenefícios que incluíameducação, saúde e segu-rança de acordo com asconveniências de quemestava no poder. O Esta-do forte sempre foi per-meável à corrupção por-que tinha de ser seduzidopor aqueles que dele depen-diam. Esse período funcio-na, portanto, como o nos-so dna, o código genético,e ajuda a explicar o que so-mos hoje.

JORNAL DA ABI – QUANDO

E COMO O SENHOR TEVE SEUINTERESSE DESPERTADO PELA

HISTÓRIA? ALGUM PROFES-SOR TEVE PAPEL ESPECIAL NES-TE PROCESSO?

Laurentino Gomes – Felizmen-te, tive bons professores de His-tória no ensino fundamental emédio, mas acho que a principalinfluência é anterior à escola. Eume considero um bom exemplodas transformações que a educa-ção e a leitura podem proporcio-nar na vida das pessoas. Meus paiseram cafeicultores pobres emMaringá, no interior do Paraná.Tinham poucos anos de estudo.Apesar disso, valorizavam mui-to a educação e, em especial, a lei-tura. Meu pai, que havia estuda-do só até o quinto ano primário,era um leitor voraz. Lia obras deHistória e Filosofia que tomavaemprestadas ao pároco local.Como resultado dessa vivênciafamiliar, eu também me tornei umleitor voraz. Desde muito cedo liatudo o que chegava às minhasmãos: gibis, bulas de remédio,jornais velhos, revistas de con-sultórios e, claro, muitos livros.Esse interesse também me levouao Jornalismo.

JORNAL DA ABI – COMO ESCOLHE OS

EPISÓDIOS OU FATOS HISTÓRICOS A SE-REM ABORDADOS EM SUAS OBRAS? APARTIR DESTE MOMENTO, COMO GEREN-CIA O PROCESSO DE PRODUÇÃO? CON-TA COM ALGUMA EQUIPE DE APOIO?

Laurentino Gomes – Pesquisosempre sozinho, sem equipe deapoio. Só assim é possível en-contrar aquela “pepita” que podemudar todo o curso de um capí-tulo ou mesmo do livro. Procu-ro sempre observar os persona-gens e acontecimentos com osolhos de um leitor adolescenteou um adulto mais leigo, não ha-bituado a ler sobre História doBrasil. Se esse leitor conseguirentender o que eu tento expli-car, todos os demais também en-tenderão. É preciso ler muito,consultar documentos, confron-tar diferentes fontes de informa-ção na tentativa de chegar o maispróximo possível da verdade.

JORNAL DA ABI – QUAL É A SUA OPI-NIÃO A RESPEITO DA DERRUBADA DA EXI-GÊNCIA DO DIPLOMA DE JORNALISMO

PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO? ELA

NÃO ALTERA NADA OU AGRAVA O QUA-DRO JÁ DEFICIENTE DA FORMAÇÃO DESSES

PROFISSIONAIS?Laurentino Gomes – A discus-

são sobre a exigência de diplomapara jornalistas e o fim da Lei deImprensa são dois temas quemobilizaram muito as Redaçõesnos últimos tempos, mas na prá-tica são irrelevantes para o futu-ro da nossa profissão. Sou for-mado em Jornalismo pela Uni-versidade Federal do Paraná, masnão diria que devo ao diploma oque realmente aprendi na profis-são. Ao contrário. Quase tudo oque sei hoje veio da convivênciacom os editores e colegas de Re-dações e da prática da reporta-gem. Portanto, a exigência do di-ploma não vai definir, de formaautomática, o sucesso ou o fracas-so do jornalismo daqui para fren-te. Mais importante do que o di-ploma será a qualidade dos cur-sos de Comunicação, que hoje,em muitos casos, está muitoabaixo do razoável, e a capaci-dade das próprias empresas derecrutarem e treinarem seusprofissionais. E também da dis-posição de cada jornalista de es-tudar, trabalhar e se aprimorarna carreira. Quanto à Lei de Im-prensa, acho que é uma herançatorta da época do regime militar.Não precisamos dessa lei porquetodos os crimes de imprensa jáestão previstos no Código Penal,em especial os de injúria, calú-nia e difamação.

JORNAL DA ABI – EM LINHAS GERAIS,COMO VÊ O ENSINO DA HISTÓRIA NAS

ESCOLAS?Laurentino Gomes – Tenho ob-

servado uma mudança na atitu-de dos professores e das escolasem geral. Estão mais empenhadosem usar uma linguagem acessívelaos estudantes e, no caso da His-tória, uma narrativa mais equili-brada dos acontecimentos dopassado. Isso é muito bom. O Bra-sil vive um momento importan-tíssimo de mudanças, com a redu-ção do número de pessoas queviviam na pobreza absoluta e ocrescimento das classes B e C.Significa que estamos, finalmen-

te, conseguindo distribuirrenda, emprego, saúde,educação e outras opor-tunidades. Há novos con-sumidores, novos leitorese novos estudantes partici-pando desse processo deascensão social. Temos deser generosos com elesproduzindo livros, aulase material didático aces-síveis na linguagem. Ouso de uma linguagemmais didática e acessívelé uma forma de democra-tizar e ampliar o conheci-mento no Brasil.

JORNAL DA ABI – É POSSÍ-VEL NOS ADIANTAR MAIS ALGU-MA COISA SOBRE 1889, SEU

PRÓXIMO LIVRO?Laurentino Gomes – Ele será

sobre o Segundo Reinado e a pro-clamação da República. Essa é umaidéia que foi ganhando corpodesde o lançamento do meu pri-meiro livro. O objetivo é fecharuma trilogia com datas que expli-cam a construção do Brasil duran-te o século XIX, ou seja, 1808, anoda chegada da corte de DomJoão ao Rio de Janeiro, depois1822, data da Independência, epor fim 1889, que marca a pro-clamação da República. O estu-do dessas três datas é fundamen-tal para entender o Brasil de hoje.Estou no começo das pesquisaspara o 1889. O plano é lançá-loem 2013, mas pretendo me man-ter fiel à fórmula que consagrouas duas obras anteriores, ou seja,pesquisa aprofundada aliada auma linguagem jornalística aces-sível, fácil de entender.

JORNAL DA ABI – FOI RECENTEMENTE

APROVADA A CRIAÇÃO DA COMISSÃO DAVERDADE, QUE TERÁ O INTUITO DE LEVAN-TAR DADOS E FATOS ARBITRÁRIOS OCOR-RIDOS DURANTE AS DITADURAS MILITARESNO BRASIL NO SÉCULO PASSADO. COMO

JORNALISTA E ESCRITOR, QUAL A IMPOR-TÂNCIA DESSA AÇÃO? O ESTADO NOVODE GETÚLIO E A DITADURA PÓS-1964 NÃO

SERIAM PERÍODOS FÉRTEIS PARA A PRO-DUÇÃO DE LIVROS-REPORTAGEM?

Laurentino Gomes – Como jor-nalista, sou a favor da investiga-ção de todos os episódios nebulo-sos na História do Brasil, especi-almente aqueles que envolvem ointeresse público, como é o casodas perseguições durante as dita-duras. Obviamente, isso tem de serfeito com critério e muita prudên-cia para não provocar sobressaltospolíticos desnecessários num mo-mento em que o Brasil vive umaexperiência prolongada e bem-su-cedida no exercício da democracia.Estado Novo e Ditadura Militarsão excelentes temas para livros-reportagem, mas já existem obrasde excelente qualidade, feitas porjornalistas. É o caso da série sobrea Ditadura Militar escrita pelomeu ex-editor Élio Gaspari. É amelhor pesquisa sobre o tema rea-lizada até agora. E duvido que al-guém consiga superá-la tão cedo.

A corrupção no Brasiltem raízes históricas

óbvias. É resultado daforma pela qual o

Estado brasileiro foiconstruído, sempre decima para baixo, sem

participação do conjuntoda sociedade.

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26 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

A Polícia Militar do Estado do Rio deJaneiro anunciou seu propósito de discu-tir com os sindicatos de jornalistas e cine-grafistas novos métodos de atuação daimprensa na cobertura de operações poli-ciais, para estabelecer o limite ideal entrea segurança e o livre exercício da profissão.A medida foi anunciada um dia após amorte do cinegrafista Gelson Domingos,da Rede Bandeirantes, abatido por um tirode fuzil no domingo 6 de novembro, quan-do cobria uma operação policial na fave-la de Antares, na Zona Oeste da capital.

Na visão do Coronel Erir Ribeiro daCosta Filho, Comandante-Geral da PM-RJ, os jornalistas devem obedecer às ins-truções dos policiais e não ultrapassar oslimites determinados: “Vamos tentarreunir os sindicatos dos cinegrafistas edos jornalistas para ter um critério desegurança. Quando um policial falar ‘da-qui não pode passar’, que eles entendame, por segurança, obedeçam a orientação”.

O Coordenador de Comunicação So-cial da PM-RJ, Coronel Frederico Caldas,acrescentou que a palavra “limite” temconotação preocupante para a mídia, masreiterou a necessidade do debate. “É ummomento importante para que os profis-sionais de imprensa reflitam sobre o seupapel”, disse.

O Sindicato dos Jornalistas Profissio-nais do Município do Rio de Janeiro vêcom bons olhos a discussão. “Precisamosrepensar como a cobertura é feita”, dissea Presidente do Sindicato, Suzana Blass.“O repórter não pode ficar em igualdade

A morte do cinegrafista Gelson aviva um debate:como evitar tragédias nas coberturas de risco

A Polícia propõe, entre outras medidas, restrições ao trabalho dos repórteres.

Colete sozinho não protegeO uso de coletes à prova de bala é in-

suficiente para proteger os jornalistasnas coberturas em que haja troca de tiros,salientou a Comissão de Defesa da Liber-dade de Imprensa e Direitos Humanos daABI em declaração em que lamentou amorte do jornalista Gelson Domingos. “Épreciso buscar, efetivamente, além desseequipamento de segurança, alternativasque possam garantir a vida de jornalistasem coberturas nas zonas de guerra dotráfico”, adverte a declaração da ABI.Firmada por seu Presidente, jornalistaLenin Novaes, à declaração da Comissãofoi anexada nota em que um dos seusmembros, jornalista Alcyr Cavalcanti,faz reparos à política de segurança públicado Estado do Rio. Disse a Comissão nes-se pronunciamento:

“A Comissão de Defesa da Liberdade deImprensa e Direitos Humanos da Associ-ação Brasileira de Imprensa-ABI manifes-

ta profunda consternação pela morte dorepórter-cinematográfico Gelson Do-mingos, de 46 anos, da TV Bandeirantes,baleado no peito por um tiro de fuzil queatravessou o colete à prova de bala, noexercício da atividade profissional, quan-do cobria confronto entre policiais mili-tares e traficantes, ocorrido na favelaAntares, no bairro de Santa Cruz, naZona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro,na manhã deste dia 6 de novembro, do-mingo. Outras quatro pessoas morreram.

Na expressão do repórter Ernani Alves,seu companheiro de equipe, avaliando ser“o dia mais triste da minha vida porque saícom um amigo para trabalhar e não retor-no para a emissora com ele”, reside a sen-sação de aflição de parentes de jornalistasque trabalham em coberturas policiais nasfavelas e morros do Rio de Janeiro.

A morte do repórter-cinematográficoGelson Domingos nos permite concluir

que colete à prova de bala não protege avida dos profissionais de imprensa nosconstantes e violentos tiroteios entrepoliciais militares e traficantes de drogas.É preciso buscar, efetivamente, além des-se equipamento de segurança, alternati-vas que possam garantir a vida de jorna-listas em coberturas nas zonas de guerrado tráfico.

É reconhecido o esforço do Governoestadual na tentativa de combate ao trá-fico de drogas no Rio de Janeiro, inclusiveimplantando Unidades Pacificadoras dePoliciamento-UPPs em morros e favelas.No entanto, é do conhecimento da opi-nião pública o envolvimento cada vezmaior de policiais militares com trafican-tes de drogas, também na formação deorganizações criminosas, como as milíci-as que dominam e exploram muitas áre-as habitadas por pessoas carentes, viven-do à margem da pobreza, exigindo sane-amento básico (rede de água e de esgoto,calçamento de ruas e iluminação), e emdifíceis condições de saúde, educação,habitação, cultura e lazer.

A conjuntura de segurança no Rio deJaneiro, com a constatação da violência seexpandindo para os Municípios do inte-rior, vem moldando novo comportamentoda população, refugiada cada vez mais emseus lares, temerosa de circular livrementee de participar de atividades culturais erecreativas, principalmente à noite.

A saída voluntária do Deputado esta-dual Marcelo Freixo do Rio de Janeiropara o exterior, a convite da Anistia In-ternacional, depois de sofrer várias ame-aças de morte, mesmo tendo segurançapor conta de sua atuação na AsssembléiaLegislativa do Estado do Rio de Janeiro,onde presidiu a CPI da Milícia, ilustra asituação da falta de segurança.

A Comissão de Defesa da Liberdade deImprensa e Direitos Humanos da Associ-ação Brasileira de Imprensa exige que oGoverno estadual se empenhe em pren-der o autor do disparo que matou o repór-ter-cinematográfico Gelson Domingos omais breve possível e que ele seja levadoa julgamento.

Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2011.”

de condições com o policial, que está nalinha de tiro”.

Marcelo Moreira, Diretor do Interna-tional News Safety Institute-INSI daAmérica Latina, acredita que o limite deveser decidido pelo próprio jornalista: “A

imposição de limites deve ser uma normado repórter. Nenhuma cobertura vale avida de um jornalista, mas não é a Políciaque vai determinar se a imprensa vai fa-zer aquele trabalho ou não. O trabalho dojornalista é informar”.

Fernando Rodrigues, Presidente daAssociação Brasileira de Jornalismo In-vestigativo-Abraji, defende outro tipo dediscussão:

“O jornalista deve ser municiado porinformações para ter capacidade de co-

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O repórter Ernani Alves, da Band, se desespera quando vê seu colega, o cinegrafista Gelson Domingos baleadodurante uma cobertura da ação da polícia na favela do Antares em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro.

27Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Depois que sua repórter Monalisa Per-rone foi agredida durante uma reportagemao vivo para o telejornal Hoje em frente aohospital Sírio-Libanês, em São Paulo, ondese encontrava internado o ex-PresidenteLula, a Rede Globo anunciou durante oSPTV, em sua edição do dia 31 de outubro,que registrou boletim de ocorrência e pode-rá processar o grupo responsável pela vio-lência. A ABI divulgou nota de repúdio àação dos agressores, classificada como“deplorável” e um “ato de vandalismo” ede agressão à liberdade de imprensa.

Monalisa foi empurrada quando infor-mava sobre o estado de saúde do ex-Presi-dente, internado no hospital para trata-mento de um câncer na laringe. Em comu-nicado, a Central Globo de Comunicaçãoidentificou o grupo agressor , apontando-o como formado por “pessoas cujo propó-sito é aparecer”: “Não é a primeira vez.Como houve agressão, a TV Globo estudaque medidas legais tomar.”

Após o susto, Monalisa ainda voltouao ar para tentar contornar a situação:

“Levei um susto enorme, estou tremen-do, não sei se consigo falar direito. Em 20anos de televisão isso nunca me aconte-ceu, um desrespeito enorme. Mas enfim,televisão ao vivo é isso mesmo.”

Em seguida ela passou o microfone parao repórter José Roberto Burnier concluiras informações interrompidas no mo-mento da agressão.

O grupo denominado “Merdtv”, queassumiu a responsabilidade pelo ato, ten-

Agressores de repórterpodem ser processados

Vândalos do Merdtv vão responder pela agressão à jornalista Monalisa Perronequando fazia matéria no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

tou pedir desculpas à repórter através deum texto postado em seu blog. Com diver-sos erros de português e redação primária,como todos os que estão postados no site,o texto diz o seguinte:

“Primeiramente queremos muito pedirdesculpas a repórter Monalisa Perrone. Foi umacidente de trabalho, fomos empurrados pe-los próprios seguranças da Rede Globo e aca-bamos esbarrando na repórter sem querer, semintenção de ferir ou remove-la de cena.

Nossas Sinceras desculpas”.No blog, onde não há o nome de um

responsável, o grupo se autoproclama a“Revolução contra a Rede Globo de Tele-visão, que destrói cada dia mais os jovensbrasileiros” e procura ganhar fama atravésde ações pueris e agressivas durante linksao vivo da emissora. Em abril, o mesmogrupo protagonizou situação semelhanteem frente ao mesmo hospital, duranteboletim ao vivo com o repórter Jean Raupsobre o estado de saúde do ex-Vice-Presi-dente José Alencar. Ainda em outubro, osvândalos também invadiram outras duastransmissões ao vivo, em São Paulo.

SolidariedadeA Associação Brasileira de Emissoras de

Rádio e Televisão-Abert publicou comuni-cado no qual afirma que “A tentativa deintimidar jornalistas e impedir a divulga-ção de informações deve ser sempre recha-çada por todos aqueles que defendem a li-berdade de expressão como um dos funda-mentos de uma sociedade democrática.”

Em nota assinada pelos jornalistas Ro-dolfo Konder e James Akel, a Representa-ção da ABI em São Paulo também manifes-tou solidariedade à repórter e repúdio aosautores da agressão:

“A ABI de São Paulo, estarrecida com oato de vandalismo contra a jornalistaMonalisa Perrone durante sua participa-ção ao vivo no jornal Hoje, vem prestarsolidariedade à jornalista e à direção dejornalismo da Globo, num momento tãodelicado onde vândalos agridem a liberda-de de imprensa e o trabalho do jornalista.

Jamais, em tempo algum, ato de agres-são física é aceito por qualquer motivo queseja. Debates e diferenças de idéias devemser mostrados em discussões civilizadas ecom o mínimo de dignidade.

O ato de agredir publicamente um jor-nalista no desempenho de sua profissão eda informação livre ao povo é o mais bai-xo de todos os atos, que deve ser punidocomo tortura contra a pessoa, que foi o querealmente aconteceu, além de ameaça dire-ta e pública contra o povo livre.

A ABI já viveu momentos de defesada liberdade de imprensa contra as tor-turas e ameaças de violência contra a li-berdade de idéias nos momentos maistristes do Brasil.

Exatamente por isso não podemos dei-xar de passar este momento de agressãoà mídia e à imprensa sem prestarmos so-lidariedade à Rede Globo e repulsa a to-dos aqueles que agridem moral e fisica-mente a liberdade.”

nhecer o grau de risco de determinadasituação. Mais importante que discutira criação de uma área de exclusão parajornalistas é debater os procedimentosque devem ser adotados para garantir aintegridade física do profissional.”

OcupaçãoPoliciais militares do Batalhão de

Operações Especiais-Bope, do Batalhãode Choque e do 2º Comando de Polici-amento da Capital (2º CPA) e do 27ºBatalhão (Santa Cruz) ocuparam a fa-vela de Antares, na Zona Oeste, ondemorreu o cinegrafis-ta Gelson Domin-gos, de 46 anos, du-rante a cobertura deuma operação polici-al. Nove pessoas pre-sas na ação foramapresentadas no dia7, na Divisão de Ho-micídios da Capital,que investiga o caso,localizada na Barrada Tijuca.

Em entrevista à BBC, Patrick Wilcken,representante da Anistia Internacionalem casos relacionados com o Brasil, dis-se que a morte de Gelson “foi uma tra-gédia” que reforça as críticas da organi-zação “às operações militarizadas noRio”. Wilcken disse que elas põem emrisco a vida dos moradores das comuni-dades invadidas pela polícia e tambémdos jornalistas. “É preciso questionaresse tipo de estratégia. O Rio de Janei-ro já mostrou ao mundo com as UPPsque existem alternativas de combate àviolência”, afirmou.

Colete impróprioO corpo de Gelson Domingos foi ve-

lado no Memorial do Carmo, no Caju,onde foi sepultado às 14h do dia 7 denovembro. Nota da Secretaria de Saúdedo Estado do Rio informou que Gelsonfoi atingido no peito por uma bala de fu-zil que atravessou o colete que ele esta-va usando. A nota diz ainda que o cine-grafista chegou morto, às 7h40min, àUnidade de Pronto Atendimento, paraonde foi levado por policiais militarespara ser socorrido.

Os companheiros de Gelson admiti-ram que ele poderia ter sobrevivido aotiro se o colete que usava fosse de outraqualidade, adequado à hipótese de seralvejado por disparo de fuzil. Informa-ção então divulgada deu conta de queas Forças Armadas não liberam o uso decolete mais resistente, informação quenenhuma fonte militar contestou.

Profissional premiadoQuando trabalhava na antiga TV Edu-

cativa, do Rio de Janeiro, Gelson Domin-gos conquistou há dez anos o PrêmioVladimir Herzog de Anistia e DireitosHumanos, com a reportagem Pistolagem,sobre assassinatos no Nordeste. Ele tra-balhou também na Record e no SBT.

Casado com Edilene Domingos, 40anos, deixou três filhos e dois netos.

O quadro-a-quadro da agressão a Monalisa Perrone: A primeira imagem registra o momento da invasão, quando dois elementos correm aos gritosem direção à repórter; ela ainda não percebe o perigo. Em seguida, um homem de camisa verde tenta agarrar os agressores numa ação de defesa àjornalista. O primeiro agressor é um brutamonte que abre espaço para um segundo elemento logo atrás dele. Abaixo, o primeiro quadro mostra oexato momento em que a jornalista se assusta ao sentir a aproximação dos agressores. Ela vira o rosto para ver o que acontece e, finalmente,é empurrada pelo agressor. Logo o segundo elemento surge gritando para a câmera e conhece seus cinco segundos de fama em rede nacional.

REPRODUÇÃO

28 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Direitos humanosDireitos humanos

A criação da Comissão Nacional daVerdade e a instituição da Lei de Acessoa Informações Públicas são passos impor-tantes para recuperar um atraso históri-co e saldar o passivo nacional na área dosdireitos humanos e da transparênciapolítica, mas especialistas assinalam emambos os atos a existência de inúmerosaspectos preocupantes, entre eles a im-possibilidade de punir os crimes contra osdireitos humanos durante a ditaduramilitar, no caso da Comissão, e a falta derepresentantes da sociedade civil ou deentidades independentes na equipe quevai classificar o grau de confidencialidadedos documentos e seu período de sigilo.

As duas leis foram sancionadas pelaPresidente Dilma Rousseff no dia 18 denovembro, mas o lançamento da Comis-são da Verdade, no dia seguinte, já expôs ascontradições e fissuras que cercaram todaa elaboração e tramitação da lei. A filha doex-Deputado Rubens Paiva, desaparecidopolítico no regime militar, convidada adiscursar na cerimônia de formalização daComissão, não pôde falar. Seu discurso, noentanto, circulou pelas redes sociais acom-panhado de críticas indignadas de ativis-tas de direitos humanos.

“Não fui desconvidada, simplesmentenão falei! À minha volta, diziam que a Pre-sidente Dilma tinha que viajar e encurta-ram a cerimônia, que alguém tinha faladoum tempo a mais”, informou Vera Paiva.Em seu perfil pessoal no Facebook, um dosintegrantes do Coletivo Intervozes, JoãoBrant, foi mais incisivo na crítica ao inci-dente. “A censura à fala de Vera Paiva nasanção da Comissão da Verdade é a cerejapodre de um bolo que já se mostrou bemamargo pelos termos em que foi aprovadaa Comissão. Se o Governo mantiver essapostura, é capaz de legitimar uma versãoda História que trata a ditadura militar

A QUEM RECLAMAR?Pela nova lei, os órgãos do Executivo,

do Legislativo e do Judiciário, em todas asinstâncias, devem oferecer serviços deinformação para que as pessoas possam re-quisitar o acesso às informações. Se foremnegadas ou não entregues no prazo decinco dias, a instituição deve justificar aconfidencialidade. Contra a recusa, caberecurso à Controladoria-Geral da União.“Mas a quem reclamar nos casos de des-cumprimento nos órgãos municipais e es-taduais?”, questiona a Professora Gisele.

Para ela, os maiores problemas, contu-do, serão de ordem cultural: “É um desa-fio fazer a sociedade entender que oGoverno é guardião da informação e nãodono dela. Será preciso criar estruturaspara esclarecer o cidadão, para que elesaiba como solicitar uma informação,prever o acesso dos analfabetos. Tambémdefinir os canais de recepção dos pedidos,avaliar se o processo está sendo bem ge-rido, mudar culturas e estabelecer novasestruturas, tanto internas quanto na in-terface, tudo isso é algo de longo prazo”.

Há muito a fazer e o Brasil está atra-sado, afirma Gisele. Mais de 90 países játêm leis de acesso à informação, proces-so iniciado em meados da década de 1970.“Era bastante vergonhoso o Brasil ser umdos mais atrasados.”

UMA PARCERIA NA ONUEmbora em ritmo lento, os primeiros

passos nessa área, na opinião da profes-sora, começaram a ser dados no final dosanos 1990, começo de 2000. Ela conside-ra que recentemente o Brasil vem-se en-volvendo de forma mais direta nas ques-tões relacionadas à transparência e cita,nesse aspecto, a posição de liderança queo País assumiu na parceria, fechada emsetembro, na Organização das NaçõesUnidas, integrando-se à iniciativa cha-mada Open Government Partnership-

OGP, e que se coordena com as demaismedidas internas.

A OGP é uma ação encabeçada pelosEstados Unidos e pelo Brasil, com mais de50 países, destinada a promover “gover-nos abertos”, por meio de um compromissomultilateral para avançar na transparên-cia e nas boas práticas de governança. Paraparticipar, é preciso estar bem pontuadoem uma lista de 16 critérios, dentro de ca-tegorias básicas: transparência fiscal, aces-so à informação, publicação de dados sobrerepresentantes eleitos ou funcionários deprimeiro escalão; promoção do engajamen-to cidadão. O próximo encontro da OGPdeve acontecer no Brasil, em 2012, o queexplica a necessidade de implementar ra-pidamente algumas medidas de abertura.Para aderir à parceria, o Brasil teve que secomprometer com um plano de ações queprecisam ser realizadas dentro de 12 me-ses. “E será avaliado internacionalmentepor isso”, afirma Gisele Craveiro.

A assinatura simultânea das duas leis– a da Comissão da Verdade e a do Aces-so à Informação – não é uma coincidên-cia. Faz parte de uma tentativa de recom-por bases institucionais que permanecemem Estado pré-democratização. “O atra-so brasileiro é bastante vergonhoso”, la-menta a Professora.

O Brasil e o Paraguai foram os quemais demoraram a criar uma comissãopara investigar os crimes cometidos nasditaduras, respectivamente 25 e 14 anosdepois de os militares deixarem o poder.No mundo, 30 comissões semelhantes jáforam instaladas.

SENTENÇA DESCUMPRIDAHá, assim, além do ativismo interno

das entidades da sociedade civil, uma cres-cente pressão internacional. MarceloZelic, Vice-Presidente do Grupo TorturaNunca Mais-SP e membro da Comissãode Justiça e Paz da Arquidiocese de São

como uma guerra entre dois lados. A Co-missão se transformará na reescrita daverdade. Que vergonha.”

A Lei de Acesso a Informações Públi-cas, o outro eixo da tentativa do Gover-no de resgatar a dívida democrática, tam-bém tem sido alvo de questionamentos.A Professora Gisele da Silva Craveiro, daEscola de Artes, Ciências e Humanidadesda Universidade de São Paulo, pesquisa-dora do Grupo de Políticas Públicas paraAcesso à Informação, explica, por exem-plo, que a comissão mista responsável porclassificar os documentos está vinculadaà Casa Civil e será composta por represen-tantes dos Poderes Executivo (Ministrosde Estado), Legislativo e Judiciário. Nãohaverá entre seus membros ninguém dasociedade civil ou de organismos indepen-dentes. É esse grupo governamental quevai dizer qual o nível de risco potencialda divulgação dos documentos, conside-rando a segurança do Estado e dados pes-soais. Os ultra-secretos serão mantidosem sigilo por 25 anos, prorrogáveis umavez (prazo máximo de 50 anos); os secre-tos, por 15; os reservados, cinco.

Gisele Craveiro também se preocupacom o prazo de regulamentação e imple-mentação nas esferas federal, estadual emunicipal dos mecanismos de acesso à in-formação, seis meses a partir da sançãopresidencial. “Esses 180 dias são cruciais”,diz ela. “Em um seminário sobre o tema,realizado em julho, encontrei especialis-tas de outros países que alertaram muitosobre isso. Disseram que é um período deimplementação curto e que teremos quenos preparar para frustrações.”

Segundo a professora, em outros pa-íses, onde as medidas tiveram alcancemenor ou prazo maior, ocorreram vári-os problemas – por exemplo, na própriaorganização dos arquivos, em que hágrande quantidade de papel, ainda nãodigitalizado.

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POR VERÔNICA COUTO

29Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Paulo, lembra que no dia 14 de dezembroo Brasil deve apresentar um relatório decumprimento de exigências à Corte Inte-ramericana de Direitos Humanos da Or-ganização dos Estados Americanos, quesentenciou o País a desobstruir a Justiçapara que os crimes cometidos no casoGomes Lund (e outros mortos na guerri-lha do Araguaia) sejam punidos.

O tribunal internacional concluiu queo Brasil é responsável pela desapariçãoforçada de 62 pessoas, entre 1972 e 1974,na região. E entendeu que a decisão doGoverno brasileiro de não punir os res-ponsáveis, amparando-se na Lei da Anis-tia, de 1979, não pode prevalecer sobre aConvenção Americana sobre DireitosHumanos, de que o País é signatário. Adecisão se reflete também na Lei de Aces-so a Informações Públicas, porque a sen-tença, nos seus 14 pontos, responsabili-za o Brasil pela violação do direito deacesso à informação previsto no artigo 13da mesma Convenção Americana, umavez que não foram abertos os arquivos quetratam do caso.

“Os crimes praticados por agentes doEstado são de lesa-humanidade e assimdevem ser tratados. Não se aplica anistia”,explica Zelic. A sentença da Corte Intera-mericana de Direitos Humanos, diz Zelic,pede ainda ao Brasil que ratifique a Con-venção Interamericana sobre o Desapare-cimento Forçado de Pessoas, concluída emBelém do Pará, em 9 de junho de 1994, eaprovada pelo Senado em abril de 2011. Oato aguarda sanção presidencial.

Para resolver o suposto conflito coma Lei da Anistia, que impede a punição doscrimes cometidos na ditadura militar,Zelic lembra que a Ordem dos Advogadosdo Brasil-OAB entrou com pedido noSupremo Tribunal Federal para que rein-terpretasse a lei segundo a jurisprudênciada Corte internacional. Em abril, o STFnegou o solicitação, mas um novo recur-so jurídico (embargo declaratório) aindaaguarda resposta, e a ação da OAB (umaADPF: Arguição de Descumprimento dePreceito Fundamental) continua no Su-premo. O Projeto de Lei nº 573/2011, daDeputada Luiza Erundina, também pre-tende “harmonizar” os marcos legais epermitir que as punições ocorram.

“O PL diz que os agentes públicos queparticiparam de assassinatos, estupros,desparecimento forçado, crimes apontadosna sentença da Corte IDH, não estariamcobertos pela Anistia”, argumenta Zelic.

Essa contradição entre as diretrizeslegais é uma das maiores fragilidades daComissão da Verdade, que será formada porsete pessoas com atuação reconhecida nadefesa dos direitos humanos. Ela terá doisanos para concluir seus trabalhos, ouvin-do depoimentos e analisando documen-tos, para revelar e esclarecer as violaçõescometidas entre 1946 e 1988. Para o Vice-Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais,retirar as barreiras às penalizações é fun-damental para a consolidação democráti-ca. “A Comissão da Verdade não pode serapenas para levantamento de dados, masdeve mudar condutas”, diz. “Qual o cami-nho que vai trilhar o Brasil depois dessaComissão vai depender do que se vai fazernesse processo. Está na pauta a relação dasociedade com as forças de segurança, que

não podem continuar vendo o cidadãocomo inimigo interno. O Brasil precisaperder o medo de reafirmar a democracia.”

ACORDÃO SOBREVIVEUZelic lembra também que o acordo fir-

mado para não levar à Justiça crimes mi-litares vem desde a transição democráti-ca, no Governo José Sarney (1985), man-teve-se com Collor, Itamar Franco e Fer-nando Henrique. O PT, ao assumir, em2003, teria mandado retirar de tramita-ção projeto de lei de autoria do Deputa-do federal Marcos Rolim, de seu própriopartido, que, similar ao projeto de LuizaErundina, pretendia punir torturadores.“Mas os familiares estão se apropriandodos mecanismos da Justiça”, acredita o es-pecialista. “Não é uma briga contra oEstado, mas a favor dos direitos humanos.”

Como a Professora Gisele Craveiro , oVice-Presidente do Grupo Tortura Nun-ca Mais destaca a urgência de se desenvol-ver canais para que a sociedade acesse asinformações de forma inteligível. “Vocêpode fazer isso educando a sociedade paraas questões dos direitos humanos. São 180dias para pensar em alguma coisa. Comonão sabemos se existe uma lista com osdocumentos de 1948 e de 1956 para cá quenão podiam ser vistos, como avaliar o tra-balho da Comissão da Verdade? Ele vai sertelevisionado? Como vai se dar o acesso aoseu relatório final? Vamos acessar tudo emum site? Ao criar um mecanismo paraacompanhar esse processo, já se estariaeducando a população para utilizar a Leide Acesso a Informações Públicas.”

INFORMAÇÃO PARA QUÊ?A Lei de Acesso a Informações Públi-

cas permite a qualquer cidadão ou insti-tuição requisitar dados a órgãos públicosdos três Poderes (Executivo, Legislativo,Judiciário) federais, estaduais ou munici-pais. Isso inclui governos, estatais, Con-gresso Nacional, câmaras de vereadores,assembléias legislativas, etc. Com basenessa Lei, é possível entrar na Justiça paragarantir a transparência dos dados, diz aprofessora Gisele da Silva Craveiro.

A ação pode ser contra o servidor pú-blico que recusar ou atrasar seu forneci-mento e contra a instituição que ele repre-senta. As negativas devem ser justificadaspor escrito, informando ao cidadão a quemele deve recorrer da decisão, em prazo decinco dias. A negativa não pode conterrazões descabidas ou qualquer tipo de pre-conceito. O sigilo só será aceito em casosque coloquem em risco a segurança nacio-nal ou a privacidade de alguém (definidospor uma comissão a ser criada com essefim). Quem pede a informação não precisajustificar por que a deseja.

Com essa Lei, acredita a professoraGisele que se possa avançar na proteçãodos direitos humanos, do meio ambiente,dos direitos das mulheres, das minorias, dagovernança dos recursos econômicos e napromoção da saúde e do direito do traba-lhador. “A informação em poder das pesso-as”, diz. Como exemplo, ela afirma que umpai pode solicitar a avaliação de uma escolafeita pela Secretaria de Educação do seuEstado ou cidade; um médico especialistaem hiv pode pedir todas as estatísticas dosetor. “Na questão da usina de Belo Mon-

Assim como outros agentes do Esta-do que praticaram crimes contra pre-sos políticos, o Tenente-Coronel refor-mado Maurício Lopes Lima vai conti-nuar sem punição pelas torturas infli-gidas em 1969 à presa política DilmaRousseff (foto), quando ela foi detida naOperação Bandeirante, núcleo de re-pressão da II Exército e da Secretaria deSegurança do Estado de São Paulo.

Lopes Lima foi um dos quatro ex- mi-litares beneficiados pela decisão da 6ªTurma do Tribunal Regional Federal deSão Paulo, que por unanimidade, combase em voto do relator, Juiz federal con-vocado Santoro Facchini, decidiu queeles não podem mais ser condenados,porque o crime que lhes era imputado –tortura de presos políticos – já está pres-crito, como decidiu o Supremo TribunalFederal em 30 de abril do ano passado aoaprovar voto do relator, o então Minis-trto Eros Grau, firmando esse entendi-mento. Além de Lopes Lima, o TRF deSão Paulo livrou de condenação o ex-Major João Thomaz, da Polícia Militardo Estado de São Paulo, o ex-Capitão doExército Homero César Machado e o ex-Major do Exército Innocêncio Beltrão.

A ação contra os quatro torturadoresfoi ajuizada pelo Ministério Público Fe-deral em São Paulo, que pedia que os ex-militares fossem responsabilizados naesfera cível, já que a Lei de Anistia, se-gundo esse entendimento do SupremoTribunal Federal, não permitia que elesfossem declarados responsáveis pelosmaus tratos a que foram submetidos 20presos políticos, entre os quais a jovemmilitante Dilma Rousseff. Pretendia oMinistério Público que o grupo fossecondenado a devolver o que receberamdos cofres públicos após a reforma noserviço ativo, bem como os valores pa-gos como indenização pelo Poder Públi-co às vítimas da ditadura militar. Argu-mentou o Ministério Público que LopesLima e seus cúmplices nas torturas po-deriam ser condenados com base notratado que o Brasil firmou de criação doTribunal Penal Internacional, o qual de-clara imprescritíveis os crimes contra osdireitos humanos, como a tortura.

A decisão do TRF foi aprovada nasessão do dia 27 de outubro e publica-

te, muitas entidades reclamam que os ca-lhamaços de documento de avaliação deimpacto deveriam ter sido disponibiliza-dos na língua dos povos afetados pelasobras. Agora, isso será uma obrigação.”

Outra inovação da Lei é a obrigação deentrega de dados desagregados, importan-te quando se fala em informação econômi-ca. “Mesmo com todo o arcabouço legalque existe para divulgação de orçamentos,desde o ano 2000 ainda há muita dificul-dade em lê-los. Muitas vezes, os dados sãoconsolidados, o que impede construir ou-tras análises, fazer totalizações diferen-tes”, diz a professora.

A Lei estabelece que os dados devemser entregues brutos, de forma acessívela qualquer programa de computador, demodo que se possa desenvolver progra-mas para construir planilhas e cruzamen-to de dados específicos. “Certas verifica-ções são inviáveis manualmente; preci-sam ser feitas de forma automatizada.Desenvolvo um software que me dê oresultado que desejo. As organizaçõesnão-governamentais podem contratarprogramadores para baixar esses dadosdos vários portais e comparar informa-ções sob parâmetros diferentes. Isso é umpoder muito grande.”

Torturador de Dilmavai continuar impune

da no dia 10 de novembro. O Ministé-rio Público recorreu.

“Jornalista só entendea palavra de terrorista”

Entrevistado pela Folha de S. Paulo pelotelefone no dia 29 de novembro, o Te-nente-Coronel Maurício Lopes Limadisse sobre a decisão do TRF que “está co-meçando a se fazer justiça” e negou quetivesse torturado presos políticos. “A acu-sação é inverídica. Mas jornalista só en-tende a palavra de terrorista. O terroris-ta falou, é verdade. A direita falou, é men-tira. Quem faz isso é Partido Comunista.”

Lopes Lima, que está com 76 anos, dizque a presa Dilma e seus companheirosteriam mentido ao acusá-lo. “Eles com-binavam os depoimentos na cadeia. ADilma exerceu o direito de não criar pro-vas contra si para se livrar do processo”,disse. “Esse pessoal estava contra o Bra-sil. Quando você fala em comunista, nãopode admitir que seja brasileiro.”

Em dezembro de 2010, lembrou a Fo-lha, Lopes Lima contou ao jornal queparticipou da ação em que foram mor-tos os guerrilheiros Antônio dos TrêsReis Oliveira e Alceri Maria Gomes daSilva, metralhados em maio de 1970 nobairro do Tatuapé, na capital paulista.Seus corpos nunca foram encontrados.Foi essa a primeira vez que um militaradmitiu participação no episódio.

Lopes Lima informou que depois dadecisão do TRF não teve contato comseus companheiros João Thomaz, Ho-mero César Machado e Innocêncio Bel-trão: “Por que eu ia procurá-los? Só sefizerem uma festa”.

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30 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

O discurso, amplamente divulgadoem diversos sites na internet, tem o se-guinte teor:

“Excelentíssima Sra. Presidenta Dilma,querida ministra dos Direitos HumanosMaria do Rosário. Demais ministros pre-sentes. Senhores representantes do Con-gresso Nacional, das Forças Armadas.Caríssimos ex-presos políticos e familia-res de desaparecidos aqui presentes, tantotempo nessa luta.

Agradecemos a honra, meu filho JoãoPaiva Avelino e eu, filha e neto de RubensPaiva, de estarmos aqui presenciando essemomento histórico e, dentre as centenasde famílias de mortos e desaparecidos, demilhares de adolescentes, mulheres ehomens presos e torturados durante oregime militar, o privilégio de poder falar.

Ao enfrentar a verdade sobre esseperíodo, ao impedir que violações contradireitos humanos de qualquer espéciepermaneçam sob sigilo, estamos maisperto de enfrentar a herança que aindaassombra a vida cotidiana dos brasileiros.Não falo apenas do cotidiano das famíliasmarcadas pelo período de exceção. Incon-táveis famílias ainda hoje, em 2011, so-frem em todo o Brasil com prisões arbi-trárias, seqüestros, humilhação e a tortu-ra. Sem advogado de defesa, sem fiança.Não é isso que está em todos os jornais ena televisão quase todo dia, denuncian-do, por exemplo, como se deturpa a reto-mada da cidadania nos morros do Rio deJaneiro? Inúmeros dados indicam queespecialmente brasileiros mais pobres emais pretos, ou interpretados como ho-mossexuais, ainda são cotidianamenteagredidos sem defesa nas ruas, ou sãopresos arbitrariamente, sem direito aorespeito, sem garantia de seus direitos

naqueles tempos. Revi minha irmã coma alma partida e minha mãe esquálida. Dequartel em quartel, gabinete em gabine-te, ela passou anos a fio tentando encon-trá-lo, ou pelo menos ter notícias. Nenhu-ma notícia.

Apenas na inauguração da exposiçãoem São Paulo, 40 anos depois, fizemos pelaprimeira vez um memorial onde juntamosfamília e amigos para honrar sua memória.Descobrimos que a data em que cada um denós decidiu que Rubens Paiva tinha morridovariava muito, meses e anos diferentes…Aceitar que ele tinha sido assassinado eramatá-lo mais uma vez.

Essa cicatriz fica menos dolorida hoje,diante de mais um passo para que nada dissose repita, para que o Brasil consolide suademocracia e um caminho para a paz.

Excelentíssima Presidenta: temos mui-tas coisas em comum, além das marcas naalma do período de exceção e de sermosmulheres, mães, funcionárias públicas.Compartilhamos os direitos humanoscomo referência ética e para as políticaspúblicas para o Brasil. Também com 19anos me envolvi com movimentos dejovens que queriam mudar o País. En-quanto esperava esta cerimônia começar,preparando o que ia falar, lembrava decomo essa mobilização começou. Na di-retoria do recém fundado DCE-Livre daUsp, Alexandre Vanucci Leme, um dos jo-

vens colegas da Usp sacrificados pela di-tadura, ajudei a organizar a primeira mo-bilização nas ruas desde o AI-5, contraprisões arbitrárias de colegas presos e pelaanistia aos presos políticos. Era maio de1977 e até sermos parados pelas bombasdo Coronel Erasmo Dias andávamos pa-cificamente pelas ruas do centro distribu-indo uma carta-aberta à população cujapalavra de ordem era HOJE, CONSENTEQUEM CALA.

Acho essa carta absolutamente ade-quada para expressar nosso desejo hoje,no ato que sanciona a Comissão da Ver-dade. Para esclarecer de fato o que acon-teceu nos chamados anos de chumbo,quem calar consentirá, não é mesmo?

Se a Comissão da Verdade não tiverautonomia e soberania para investigar, euma grande equipe que a auxilie em seutrabalho, estaremos consentindo. Consen-tindo, quero ressaltar, seremos cúmplicesdo sofrimento de milhares de famíliasainda afetadas por essa herança de horrorque agora não está apoiada em leis de ex-ceção, mas segue inquestionada nos fatos.

A nossa carta de 1977, publicada naprimeira página do jornal o Estado de S.Paulo no dia seguinte, expressava a indig-nação juvenil com a falta de democraciae justiça social, que segue nos desafiando.O Brasil foi o último país a encerrar operíodo de escravidão, os recentes dadosdo IBGE confirmam que continuamosum País rico, mas absurdamente desi-gual… Hoje somos o último país a, mui-to timidamente mas com esperança, co-meçar a fazer o que outros países que vi-veram ditaduras no mesmo período fize-ram. Somos cobrados pela Onu, pelosorganismos internacionais e até pela re-vista Economist, a avançar nesse processo.Todos concordam que restabelecer a ver-dade e preservar a memória não são re-vanchismos, que responsáveis pela barbá-rie sejam julgados, com o direito a defe-sa que os presos políticos nunca tiveram,é fundamental para que os torturadoresde hoje não se sintam impunes para im-pedir a paz e a justiça de todo dia. Chilee Argentina já o fizeram, a África do Suldeu um exemplo magnífico de comoenfrentar a verdade e resgatar a memória.Para que anos de chumbo não se repitam,para que cada geração a valorize.

Termino insistindo que a DEMOCRA-CIA SE CONSTRÓI E RECONSTRÓI ACADA DIA. Deve ser valorizada e recons-truída a CADA GERAÇÃO.

E que hoje quem cala consente, maisuma vez.

Obrigada.

P.S: Depois de saber que fui impedidade falar, lembro de um texto de meu ir-mão Marcelo Paiva em sua coluna, dirigidaaos militares:

“Vocês pertencem a uma nova geraçãode generais, almirantes, tenentes-briga-deiros. Eram jovens durante a ditadura(…) Por que não limpar a fama da corpo-ração? Não se comparem a eles. Não de-vem nada a eles, que sujaram o nome dasForças Armadas. Vocês devem seguir umatradição que nos honra, garantiu a Repú-blica, o fim da ditadura de Getúlio, depoisde combater os nazistas, e que hoje lide-ra a campanha no Haiti.”

“Preservar a memórianão é revanchismo”, diza filha de Rubens Paiva

Ela foi convidada a discursar no ato de sanção, mas em cima da hora cancelaram a sua fala.

No discurso que faria na assinatura dacriação da Comissão, Vera Paiva destacoua necessidade de fazer da verdade um va-lor coletivo no Brasil. “Hoje somos o últi-mo país a, muito timidamente mas comesperança, começar a fazer o que outrospaíses que viveram ditaduras no mesmoperíodo fizeram. Somos cobrados pelaOnu, pelos organismos internacionais eaté pela revista Economist, a avançar nesseprocesso. Todos concordam que restabele-cer a verdade e preservar a memória não érevanchismo, que responsáveis pela barbá-rie sejam julgados, com o direito a defesaque os presos políticos nunca tiveram, éfundamental para que os torturadores dehoje não se sintam impunes para impedir

Direitos humanosDireitos humanos

a paz e a justiça de todo dia. Chile e Argen-tina já o fizeram, a África do Sul deu umexemplo magnífico de como enfrentar averdade e resgatar a memória. Para queanos de chumbo não se repitam, para quecada geração a valorize.”

Vera Paiva agradeceu o privilégio doconvite para falar na cerimônia, mas, semexplicação, não a deixaram falar. Atribuiu-se o desconvite de que ela foi vítima defato à presença na cerimônia dos Coman-dantes do Exército, da Marinha e da Aero-náutica, que poderiam, alegou-se, conside-rar-se alvo de uma descortesia, em face daparticipação de militares no seqüestro,prisão e assassinato do ex-parlamentar,morto em 1970.

“Hoje, quem cala, consente, mais uma vez”mais básicos à não discriminação e à inte-gridade física e moral que a Declaração dosDireitos Humanos consagrou na Onudepois dos horrores do nazismo em 1948.

Isso tudo continua acontecendo, Ex-celentíssima Presidenta. Continua acon-tecendo pela ação de pessoas que desres-peitam sua obrigação constitucional eperpetuam ações herdeiras do estado deexceção que vivemos de modo acirrado de1964 a 1988.

O respeito aos direitos humanos, o res-peito democrático à diferença de opini-ões assim como a construção da paz seconstrói todo dia e a cada geração! Todos,civis e militares, devemos compromissoscom sua sustentação.

Nossa história familiar é uma entretantas registradas em livros e exposições.Aqui em Brasília a exposição sobre o cal-vário de Frei Tito pode ser mais uma liçãosobre o período que se deve investigar.

Em março deste ano, na inauguraçãoda exposição sobre meu pai no Congres-so Nacional, ressaltei que há exatos 40anos o tínhamos visto pela última vez. Ru-bens Paiva que foi um combativo líder es-tudantil na luta pelo “O petróleo é nosso”,depois engenheiro construtor de Brasília,depois deputado eleito pelo povo, cassa-do e exilado em 1964. Em 1971 era um bem-sucedido engenheiro, democrata preocu-pado com o seu país e pai de cinco filhos.Foi preso em casa quando voltava dapraia, feliz por ter jogado vôlei e poder al-moçar com sua família em um feriado. In-timado, foi dirigindo seu carro, cujo reci-bo de entrega dias depois é a única provade que foi preso. Minha mãe, dedicadamãe de família, foi presa no dia seguinte,com minha irmã de 15 anos. Ficaram diasno Doi-Codi, um dos cenários de horror

Rubens Paiva: Preso após chegarda praia, sumiu para sempre.

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31Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Com cantos, fantasias, improvisaçãode sketches e muitas faixas e cartazes,cariocas e fluminenses vindos de todosos Municípios do Estado participaramem 10 de novembro de gigantesca mani-festação em defesa da preservação dosrecursos atribuídos ao Estado do Rio deJaneiro na exploração do petróleo, queuma emenda do Deputado Vital do Rego(PMDB-PB) pretende reduzir drastica-mente, a pretexto de favorecer os Estadosnão-produtores. Pelos cálculos do Gover-nador Sérgio Cabral, que liderou a mani-festação, o Estado do Rio vai perder en-tre 2012 e 2020 nada menos que R$ 50bilhões se a emenda Vital do Rego foraprovada pela Câmara dos Deputados,onde será votada em fevereiro próximo.No mesmo dia houve manifestações deprotesto em Vitória, capital do EspíritoSanto, outro Estado que seria prejudicadopelas alterações na legislação sobre osroyalties do petróleo.

Além de cidadãos comuns, a manifes-tação reuniu representantes de inúme-ras entidades da sociedade civil, parla-mentares – entre eles os três senadoresdo Estado, Francisco Dorneles, MarceloCrivella e Lindberg Farias —, deputadosde diferentes partidos e prefeitos de inú-meras cidades, entre os quais a Prefeita deCampos, Rosinha Garotinho. O Gover-nador Sérgio Cabral disse que aquele foium “dia histórico para o Rio, que deuprovas de maturidade e união”, e classi-ficou de “aberração jurídica” o novomarco regulatório da matéria.

Em nome dos participantes do ato, aatriz Fernanda Montenegro leu o Mani-festo do Rio, o qual declara que só em2012 a mudança proposta privará o Riode uma receita de R$ 3,2 bilhões. Foi esteo texto lido por ela:

PASSEATA

O RJ MARCHA PORSEUS RECURSOS

Repúdio à emenda do Deputado Vital do Rego (PMDB-PB) leva às ruas do Riouma multidão de 150 mil cariocas e fluminenses. Ficou para fevereiro a batalha

final em defesa dos recursos atribuídos ao Estado nos royalties do petróleo.

“Um dos pilares da democracia é orespeito à Justiça. É ela quem promove aconvivência pacífica entre os cidadãos,assegura direitos e deveres e mantémequilíbrio entre as instâncias de poder.Sem a Justiça tudo isso desaparece.

O debate a respeito dos royalties pelaexploração de petróleo, um direito asse-gurado pela Constituição brasileira aosEstados produtores, não é uma mera dis-puta econômica entre entes da Federa-ção. É uma batalha por justiça. Quemviveu décadas sob o jugo do arbítrio sabe

que essa é a mais digna das lutas. É por estarazão que o Rio de Janeiro está nas ruas.

Quando um direito assegurado pelaJustiça é violado, não são apenas os flu-minenses que se encontram ameaçados.Amanhã, outros Estados poderão se verna mesma situação. O direito aos royal-ties nunca foi um ato de generosidadepara com os Estados produtores. Significaum reconhecimento, pela Justiça, dosimpactos – econômicos, ambientais esociais – que a exploração petrolíferapode representar.

Mas agora, por conta de uma mistu-ra de cobiça e ambição política, tudo issoé desprezado. Sem levar em conta não sóa violação dos direitos adquiridos, mas asconseqüências práticas da atitude extre-ma de privar os Estados produtores des-tes recursos. No caso do Rio de Janeiro,isso significará, apenas no ano que vem,a saída de quase R$ 3,2 bilhões da econo-mia fluminense. Dinheiro que represen-ta o pagamento de aposentados e pensi-onistas, investimentos em projetos soci-ais e obras de infra-estrutura e saneamen-to, a manutenção de gastos em áreasessenciais como saúde, educação e segu-rança pública.

Em todos os momentos, quando a Jus-tiça no Brasil esteve sob ameaça, o Rio deJaneiro se fez presente. Foi às ruas clamarpela volta das garantias democráticas,pelo direito do voto, por um País livre.Assim foi no passado. Assim será, sempre.”

Até o Cristo Redentor exibiu propaganda de mobilização para a manifestação em defesados recursos dos royalties do petróleo. A Cinelândia (acima) ferveu de gente. Perdas

podem chegar a R$ 125 bilhões, disse o Governador Sérgio Cabral (foto ao lado).

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32 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

No capítulo dedicado aos jornais, oCorreio da Manhã aparece destacado comoum dos principais periódicos da Históriada imprensa brasileira. Primeiro, porquedesde a sua fundação, em 1901, sempre seapresentou como um veículo inovador,intransigente na defesa da liberdade deexpressão e da sua independência para li-dar com a notícia. O jornal, fundado porEdmundo Bittencourt, já nas duas primei-ras décadas do século XX experimentouo primeiro golpe de censura: foi proibidode circular de agosto de 1924 a maio de1925, devido à sua oposição à ingerênciamilitar da Revolução de 1924.

Outra qualidade do Correio da Manhãera o time de colaboradores que atuava nojornal, entre os quais se destacavam Car-los Drummond de Andrade, Otto MariaCarpeaux, Ledo Ivo e o crítico Antônio Mo-niz Vianna. Nos anos 1960, o jornal, coman-dado por Dona Niomar Moniz Sodré, se-guindo uma antiga tradição, foi novamen-te ousado e se opôs aos militares que deramo golpe de 1 de abril de 1964, derrubandoo Governo de João Goulart, e escolheramo jornal como o principal alvo da censuraque asfixiou a liberdade de imprensa e de ex-pressão por um longo período no País.

Na verdade, são muitas as histórias quepodem ser contadas sobre o Correio daManhã. Uma variedade tão grande de epi-sódios interessantes sobre a sua trajetó-ria, que alguns deles inclusive foram re-gistrados em livros. Apesar de tudo o quejá foi escrito e comentado sobre o jornal,o jornalista e advogado José Luiz Milha-zes decidiu acrescentar a sua versão sobreo período de maior repressão sofrida pelodiário, por entender que alguns fatos fo-ram omitidos e precisavam ser esclareci-dos acertadamente.

A carreira de Milhazes no jornalismofoi breve. Teve início nos anos 1960 noJornal dos Sports e registra uma passagemno diário A Noite. Já os casos que ele rela-ta a seguir foram testemunhados a partirdo seu ingresso no Correio da Manhã, emjunho de 1968, no período em que o jor-nal sofreu uma das mais duras persegui-ções a um órgão de imprensa da Históriarecente do Brasil.

No momento em que começou a traba-lhar no Correio da Manhã, Milhazes acu-mulava a função de repórter esportivocom a profissão de bancário. No início,não teve problemas para atuar nas duas

frentes, mas um dia foi forçado a optar seficava no jornalismo ou seguia trabalhan-do no setor financeiro:

“Os bancos me botaram no limbo, oueu optava pelo jornalismo ou seguia navida bancária. Como na época eu já eracasado, com filho pequeno, acabei fazen-do a besteira de optar pelo banco. Digoisso porque a minha vocação e o que eugostava muito de fazer era o jornalismo:tanto na área esportiva, quanto na cober-tura política. O que eu queria mesmo eraseguir a carreira de jornalista, mas depoisacabei abraçando a profissão de advoga-do”, diz Milhazes.

O antigo repórter esportivo chegou aoCorreio da Manhã para trabalhar comoassistente de Níbio Foutran, que era oauditor-geral do jornal e conhecia a sua ex-periência anterior na área financeira. Logodepois, surgiu uma oportunidade paraMilhazes ocupar a vaga do gerente finan-ceiro que tinha pedido demissão, devidoà sua preocupação com o desenvolvimen-to da repressão política que se tornavacada vez mais intensa.

“Naquela época havia os acovardadose esse rapaz, apesar dos seus dois metrosde altura e a qualidade de bom funcioná-rio, estava amedrontado porque a Presi-dente do jornal, Dona Niomar MonizSodré, começou a bater de frente com a

ditadura militar que já estava no auge. Elese demitiu e ela me pediu que assumisseo lugar dele como gerente financeiro. Eassim começou a minha relação mais fortecom o Correio da Manhã”, conta Milhazes.

Ele lembra que tão logo assumiu o car-go de gerente financeiro começou a vi-venciar a perseguição imposta ao jornalde Dona Niomar Moniz Sodré, que eleconsiderava uma mulher de muita cora-gem, apesar da baixa estatura.

Por se tratar de uma pessoa bem relaci-onada, ligada à alta sociedade, Dona Nio-mar tinha uma corrente de amigos muitoinfluentes, inclusive no Itamarati e no Ju-diciário, que insistiam em aconselhá-la anão brigar com o regime, e seguir os exem-plos de O Globo e do Jornal do Brasil, queconseguiram se manter em funcionamen-to apesar da censura:

“Mas ela não quis ouvir. Já na ediçãodo dia 3 de abril de 1964, a primeira opi-nião do Correio da Manhã sobre o golpemilitar de 31 de março foi o editorial ‘Ter-rorismo não’ num tom fortíssimo contraa ditadura, e os absurdos que começarama ser cometidos pelo regime”.

Foi então que as coisas começaram apiorar para o Correio da Manhã, e agrava-ram-se mais ainda a partir do dia 13 dedezembro de 1968, com a decretação do AI-5. Nesse dia, lembra Milhazes, o clima noPaís estava muito ruim, mas Dona Niomarmesmo assim, sem dar ouvidos aos seusconselheiros, mandou publicar um novoeditorial pesado contra os militares.

Milhazes disse que o texto do editori-al foi redigido pelo jornalista Franklin deOliveira, que era um dos editorialistas dojornal, juntamente com Edmundo Mo-niz. A extrema direita reagiu colocandouma bomba na agência de classificados doCorreio da Manhã na Avenida Rio Branco,esquina com Almirante Barroso, no Cen-tro do Rio, que depois passou a pertencera O Globo.

CoragemDiz Milhazes que o atentado contra o

Correio da Manhã foi respondido imedi-

atamente por Dona Niomar com outroeditorial, mais contundente que os ante-riores, “afirmando com todas as letras,sem insinuações, que quem tinha jogadoa bomba na agência de classificados dojornal tinha sido o Exército”:

“A acusação corajosa da Presidente doCorreio da Manhã aos militares movimen-tou toda a assessoria que ela tinha de em-baixadores, advogados famosos, o entãoMinistro das Relações Exteriores, VascoLeitão da Cunha, Azeredo da Silveira (Mi-nistro das Relações Exteriores de 1974-1979), Augusto Loredo Fernandes, que pas-savam horas na sede do jornal, e outroscomo Heleno Fragoso e Nascimento Sil-va. Apesar dos conselhos ela não parou econtinuou encarando o Governo” lembraMilhazes.

Ele ressalta que mesmo diante de todasas circunstâncias desfavoráveis o Correioda Manhã não parou de produzir boasreportagens, entrevistas e editoriais crí-ticos ao sistema. Até que na tarde do dia 13de dezembro de 1968 ela o chamou paracomunicar que todos no jornal deveriamfazer uma vigília cívica:

“Nós nos encaminhamos para a sala doOsvaldo Peralva, então diretor-superin-tendente e principal editor do jornal, eficamos aguardando os acontecimentos.De repente, o então Ministro da Justiça,Luiz Antônio da Gama e Silva, e o locu-tor Alberto Cury, da Agência Nacional, eque também trabalhava na Rádio JB,entraram em cadeia nacional e leram aproclamação do AI-5.

O prédio do Correio da Manhã ficava naAvenida Gomes Freire (Centro), muitopróximo da Rua da Relação, onde ficava asede do Dops. Tão logo terminou a trans-missão radiofônica, o porteiro do jornal,que era sargento reformado da Aeronáu-tica, telefonou para a Diretoria avisandoda presença na portaria de policiais e mi-litares do Exército:

“O segurança trancou a porta, nós to-dos descemos para conversar com o inspe-tor do Dops que tinha em mãos uma rela-ção com os nomes das pessoas que deveri-

HISTÓRIA

As agruras doCorreio da Manhã

no pré e no pós AI-5A invasão do jornal na fatídica noite de 13 de dezembro de 1968

e as tragédias que vieram depois e sobrevivem na memóriados que estavam lá, como o jovem advogado José Luiz Milhazes.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES As primeras páginas dos dias12, 13 e 14 de dezembro de1968, mostram que, mesmo

depois de um atentado àbomba, o Correio da Manhãcontinuava a fazer oposição

ao governo militar. No dia 13foi promulgado o AI-5 .

Milhazes foi testemunha dos dias deinfortúnio pelos quais passou o Correio da

Manhã em dezembro de 1968.

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33Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

am ser presas. No grupo que serviu de in-terlocutor estávamos eu, que trabalhavana Administração, o redator-chefe IsaacAkcelrud, e os jornalistas Pery Cotta,Franklin de Oliveira e o Edmundo Moniz,o mais visado da lista anunciada pelo po-licial. Outro que teria que ser levado era oOsvaldo Peralva.

Segundo Milhazes, como EdmundoMoniz era um homem muito frágil fisi-camente, apesar da coragem, Dona Nio-mar, temendo que ele fosse espancado,achou melhor providenciar a sua fuga. Oepisódio contou com a cumplicidade deoutros funcionários do jornal. O pesso-al da Oficina ajudou a pintá-lo com a gra-xa usada nas rotativas e a fugir pelo telha-do que dava para a sede da Tribuna daImprensa, que ficava nos fundos do imó-vel que abrigava o Correio da Manhã.

TirosA confusão instalou-se na porta do

Correio da Manhã. Dentro, os funcionári-os e a Diretoria do jornal montaram umaespécie de barricada e resistiram às inves-tidas da Polícia, auxiliada pelos militares.Do lado de fora, o inspetor do Dops, quesegundo Milhazes era muito grosseiro,começou a gritar, mas o porteiro, que porsorte não foi morto, encarou o policialafirmando que ninguém passaria poraquele portão.

“Se vocês quiserem arrombar a portapodem arrombar, mas eu não vou abri-la”,teria dito ele corajosamente aos enfure-cidos agentes da ditadura, segundo o re-lato de José Luiz Milhazes.

Na sua lembrança do episódio, Milhazesrecorda que, no momento em que percebeuque ninguém ia recuar, o inspetor sacouuma pistola Colt 45 e deu um tiro para o alto.A bala teria ricocheteado no teto e atingi-do o pé da telefonista, Dona Irene, cujamesa telefônica ficava na entrada do jornal.O policial continuou a gritar dizendo quedaquele momento em diante não haveriamais conversa e os tiros seriam direciona-dos para as pessoas que tentavam impedira sua entrada no prédio:

“Nesse momento chegaram vários ca-minhões da Polícia do Exército (PE) e osmilitares então conseguiram arrombar aporta do Correio da Manhã. O porteiroteve um outro ato de coragem nesse dia.Como os agentes do Dops não sabiamquem era Osvaldo Peralva, ele se apresen-tou como tal e foi levado preso debaixode muita pancadaria. Não demorou muitono Dops, porque os policiais descobriramque ele não era o verdadeiro Peralva (ri-sos), contou Milhazes. A mentira do por-teiro enfureceu mais ainda o inspetor, queameaçou prender todo mundo caso Os-valdo Peralva não se entregasse. SegundoMilhazes, a sua prisão só veio acontecermais tarde, em outra situação.

CensuraNo mesmo dia da invasão, apresenta-

ram-se na Redação do Correio de Manhãdois oficiais das Forças Armadas, um doExército e outro da Marinha:

“Por coincidência eu tinha trabalhadocom o pai de um deles, que se chamavaCapitão Guaranis. Eu me apresentei a elee tentei persuadi-lo, mas não adiantou.Ele alegou que tinha ordem expressa decensurar todos os textos que eram produ-zidos para a edição do jornal. Os censo-res ficavam instalados em uma sala vascu-lhando inclusive os telex que vinham doexterior. O material depois de censuradoera devolvido todo riscado para os edito-res”, lembra Milhazes.

Mas no dia 5 de janeiro de 1969, antesde completar um mês do AI-5, foi decre-tada a prisão de todos os integrantes daDiretoria do Correio da Manhã, entre osquais Niomar Moniz Bittencourt (Presi-dente), Osvaldo Peralva (Diretor-Supe-rintendente); Nelson Batista (Diretor-Financeiro), Arnold Wald (Diretor-Ju-rídico), Paulo Melo Bastos (Gerente Ad-ministrativo), Pedro Rocha (chefe dopessoal), Júlio Baliú Sobrinho (Departa-mento de Pessoal). Os presos foram le-vados para o Regimento Caetano de Fa-rias, onde hoje funciona o QG do Bata-lhão de Choque da PM.

Depois Dona Niomar foi separada dogrupo e levada para o 1º Batalhão da Políciado Exército, na Rua Barão de Mesquita. “Láa coisa piorou muito, pois tiveram início astorturas”, lembra Milhazes. Segundo ele,como Dona Niomar já apresentava umquadro de enfisema pulmonar, devido aouso abusivo do cigarro, eles aproveitarama sua deficiência e propositalmente a colo-caram em um corredor onde ela não podiase proteger da friagem. Para completar en-fiaram as pernas dela até a altura do joelhoem uma lata de água gelada. E ali ela ficoua noite toda. No dia seguinte, amanheceucom uma febre de 40 graus:

“O oficial de dia perguntou se ela ti-nha algum médico que a acompanhava emandou chamá-lo. Ele diagnosticou quese ela não fosse tirada dali ia acabar mor-rendo. Eles então a transferiram para aEnfermaria Filinto Muller, na PraçaMauá, onde ela ficou por pouco tempo eteve o seu quadro de saúde agravado poruma pneumonia”, recorda Milhazes.

Diante dessa situação Dona Niomarfoi transferida para o Hospital do Corpode Bombeiros, no Rio Comprido, na Ave-nida Paulo de Frontin. Lá ela ficou até odia 28 de fevereiro de 1969, quando entãofoi liberada pelo mesmo policial que a pren-dera, para cumprir prisão domiciliar.

DramaNesse período a situação do Correio da

Manhã era cada vez mais declinante, acrise financeira se agravou mais ainda,principalmente depois que toda a redebancária foi proibida pelo Governo dedescontar títulos do jornal. Como já tinhasido bancário e conhecia alguns gerentes,Milhazes tentou contornar a situação,mas não conseguiu resolver a questão:

“Lembro que cheguei a tirar um emprés-timo de 50 mil cruzeiros, em meu nome,para pagar alguns débitos do Correio. Foium momento difícil, com desdobramen-tos financeiros dramáticos. Muita gentefamosa entrou na minha sala para pedirdinheiro, como o simplório Carlos Drum-mond de Andrade, e um cara difícil e per-

nóstico chamado Paulo Francis, a quememprestei 20 cruzeiros para que pudessepagar o jantar.”

Chegou então o momento em que a si-tuação começou a atingir os funcionáriosdas oficinas. Sobre esse contexto, José LuizMilhazes lembrou um episódio dramático.Num determinado dia, chegou ao seu co-nhecimento que um operário sob forte crisede estresse dissera que ia arrancar dinheirodo jornal de qualquer maneira:

“Eu pedi ao chefe do funcionário queverificasse a quantia que ele precisava,para ver a possibilidade de ajudá-lo. Ocara era um homem imenso, muito forte,entrou na minha sala de maneira muitoeducada.”

Ocorreu então o seguinte diálogo entreele e o funcionário:

“Seu Zé Luiz – era como ele me chama-va. – eu estou há três meses sem recebernada, a situação lá em casa está difícil.”

“Calma – eu disse a ele revelando in-clusive que estava assumindo um em-préstimo bancário em meu nome parapoder resolver algumas dessas pendênci-as. Mas ele não se conteve.”

“Não dá para ter calma – e foi aumen-tando o tom de voz. – E vou lhe dizermais, sabe quem está deitada na mesa dasala da minha casa? A minha mãe. Sabe háquanto tempo? Há quarenta e oito horas.A minha mãe está apodrecendo em cimada minha mesa de jantar. E eu não aceitomais isso.”

Quando acabou de falar, o funcioná-rio deu um murro na mesa de Milhazes,que tinha um tampo de vidro que se espa-tifou totalmente. Nessa hora ele já tinhaperdido a calma e começou a esbravejar:

“Seu Zé Luiz eu quero algum dinheirohoje, senão eu vou quebrar esse Correio daManhã, podem até me matar.”

“Calma, meu rapaz, nós não somos seusalgozes – teria dito Milhazes tentando acal-má-lo. – Algozes são os que estão lá fora.”

“Mas isso não pode acontecer dentrode um jornal como o Correio da Manhã.”

“Mas está acontecendo – Milhazes pon-derou. – Eu prometo a você que se não con-seguir o empréstimo, vou pedir ao meu paiou a qualquer outra pessoa e lhe arranjaro dinheiro.”

Milhazes comenta que esse foi o dramaque mais o marcou de todos os aconteci-mentos que se desenrolaram no Correio daManhã, a partir do golpe militar de 1964:

“O tal rapaz tinha um amigo chamadoJuci, que trabalhava no controle de anún-cios, que quando ele saiu da sala veio amim e disse: ‘José Luiz, não brinca, porqueele está desesperado. Você já pensou nasituação que ele está passando de ver a mãedele apodrecendo em cima de uma mesano meio da sala de jantar?’. Era realmen-te uma situação muito difícil, uma histó-ria mesmo de arrepiar.”

Milhazes afirma que a recordação desseepisódio até hoje o revolta:

“Eu vejo serem publicadas algumas re-portagens românticas sobre o Correio daManhã, mas ninguém conta essas coisas queaconteceram lá. A morte do Júlio Baliú, quemorreu de infarto em decorrência das pres-sões que sofria para entregar nomes para osagentes da repressão, ou até mesmo sobreos espancamentos que eu presenciei.”

RetornoNum esforço de memória, José Luiz

Milhazes foi recordando outras cenas quepôde testemunhar na sua breve passagem

34 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

pelo Correio da Manhã, e que continuammuito claras em sua lembrança. Uma de-las é sobre o dia em que Dona Niomar foilibertada. Todos os funcionários sentaram-se no meio-fio empunhando um ramo deflores esperando a sua chegada. Quando ocarro que a trazia foi se aproximando dasede do jornal, houve muita celebração,com todos cantando o Hino Nacional.

Já instalada na sala da Diretoria elateria convocado os diretores para umareunião, para falar sobre uns documentosque havia deixado assinados quando pres-sentiu que ia ser presa. Esses papéis eramprocurações nomeando os seus substitu-tos na direção do Correio.

De acordo com o documento descritopor José Luiz Milhazes, Arnold Wald fi-caria com o cargo de diretor jurídico; JoséLuiz Milhazes como diretor-financeiro;o Seu Lima, que era o mais antigo do gru-po, ocuparia a Presidência; o Camilo, dire-tor industrial; o Melo Bastos como dire-tor administrativo. O motivo que levouNiomar Bittencourt a tomar essa decisãoera a sua preocupação de que o jornal nãoparasse de circular.

Depois de analisar o relatório financei-ro, Dona Niomar anunciou que ia arren-dar o jornal para um grupo que tinha de-monstrado interesse em assumir o empre-endimento. Os diretores do grupo que iaficar com o jornal eram Maurício Nunesde Alencar e Marcelo Nunes de Alencar,ex-Governador do Rio de Janeiro.

Nesse momento José Luiz Milhazesdecidiu que ia sair do jornal, pois acaba-ra de ser aprovado em um concurso parao Banco Itaú. Mas Dona Niomar fez de tudopara convencê-lo a ficar, usando como ar-gumento a sua crença de que aquela situ-ação de exceção imposta pela ditaduraestava perto de chegar ao fim:

“Isso que está acontecendo aí vai teruma reviravolta. O Vasco Leitão da Cunha– então Ministro das Relações Exteriores– e outros amigos que eu tenho, inclusiveda Federação Internacional de Jornalistas(FIJ) já estão atuando junto ao Governoda ditadura para o Correio da Manhã ficarlivre. Mesmo que seja com o sacrifício deeu me afastar da direção para que o jornalsobreviva”, teria sido a argumentação deDona Niomar para convencer José LuizMilhazes a não pedir demissão.

“Como gostava muito do jornal e daluta que eu havia ajudado a sustentar ali,na realidade não estava nem um poucoanimado para retornar à carreira de ban-cário. Minha mulher discordou e me avi-sou para sair do Correio, prevendo que alinão havia mais futuro algum. Mas eu aca-bei ficando. Depois Dona Niomar medisse que havia arrendado o jornal paraos Alencar.”

DecepçãoOs irmãos Maurício e Marcelo Alen-

car assumiram o Correio da Manhã comuma surpreendente injeção de dinheirono valor de um bilhão de cruzeiros. Cha-maram Milhazes, que ainda era o geren-te financeiro, e lhe entregaram o chequecom a recomendação de que pagasse to-das as dívidas e colocasse os salários detodos os funcionários em dia:

“Mas para a minha decepção aquilo tudoera uma mentira. A Niomar agiu mal comi-go porque sabia das verdadeiras intençõesda família Alencar ao assumir o Correio daManhã. O que eu acho é que naquele mo-mento, para poder resolver o seu drama

pessoal, ela entregou as nossas cabe-ças. E de todos os que até aquele mo-mento estiveram junto dela.”

Maurício Alencar era empresário,dono de uma grande construtora, enunca assumiu de verdade o Correioda Manhã. Marcelo Alencar foi no-meado diretor-superintendente, masna verdade, na opinião de Milhazes,era o “interventor dos militares”:

“Agora está aí, foi eleito duas vezes,prefeito e depois governador. Eu não seise acho que ele se comportou de umamaneira pior do que os agentes do Dopsou igual. Melhor não foi”, declarou Mi-lhazes em tom de indignação.

Quando assumiu a direção do jor-nal Marcelo Alencar fez questão deficar perto de Milhazes para, segundoele, “controlar melhor o departamen-to financeiro”:

“Mas ele era extremamente grossei-ro, aliás ainda é. A única vez que eu en-contrei com ele depois dessa época foino Circo Voador quando ele ainda eraPrefeito do Rio de Janeiro. Mas ele eraum animal”, afirma Milhazes.

Para ilustrar o comportamento deMarcelo Alencar na direção do Correio daManhã, Milhazes recorda um caso envol-vendo um funcionário chamado Wilson,que passou mal durante o expediente:

“O Wilson teve uma crise de apendici-te aguda. Aí um dos chefes do setor o levouna presença do Marcelo Alencar, que nãoestava acreditando na doença do rapaz.Enquanto nós estávamos providenciandouma ambulância ou até mesmo um carrodo próprio jornal para levá-lo a um hospi-tal, ele não agüentou e caiu no chão. OMarcelo então chutou o rapaz e o queaconteceu em seguida foi de arrepiar.”

De acordo com o depoimento de Mi-lhazes, Marcelo Alencar achava que orapaz estava mentindo e teria usado deviolência contra o funcionário, confor-me a cena que ele reproduz a seguir:

“Levanta, vagabundo. Isso é um vaga-bundo, um pilantra, está fingindo que épara não trabalhar”, dizia Marcelo, enfu-recido.

“Eu então interferi, juntamente comos outros colegas. Ele não está mentindo,está passando mal de verdade, veja a cordele, ponderei.”

“É mentira! – teria esbravejado Mar-celo Alencar. – José Luiz, me admira você,o gerente financeiro, acobertar um safa-do desses” – Teria dito Marcelo Alencar.

“Nós então carregamos o Wilson atéum carro, o levamos para o Souza Agui-ar e quando ele deu entrada lá foi opera-do na hora de apendicite supurada: sal-vou-se por um triz. Quando nós retorna-mos do hospital fizemos questão de ir atéà sala do Marcelo Alencar para dar notí-cias do que tinha acontecido com o fun-cionário.”

“O que vocês querem, é algum assuntoimportante?” indagou Marcelo Alencar.

“Nós só viemos registrar que o rapazdeu entrada no Souza Aguiar e foi opera-do imediatamente de apendicite supura-da. É para o senhor tomar conhecimentode que ele não estava mentindo. Masinfelizmente as grosserias e os maus-tra-tos continuaram. A impressão que eu tiveé que houve um conluio entre a DonaNiomar e a turma dos Alencar.”

José Luiz Milhazes fez questão deregistrar também um caso de desvio dedinheiro no Correio da Manhã. Quem deu

o alerta sobre o sumiço do dinheiro foi otesoureiro da época, que chamava-se La-erte, e, segundo Milhazes, “era um sujei-to maravilhoso e honesto”:

“Um dia ele me chamou e disse que todasexta-feira ele era obrigado a entregar 18mil cruzeiros para o Lindomar Seabra,que era o gerente da agência Rio Branco.Era uma situação estranha, principalmen-te naquele momento em que o jornal nãoia bem, inclusive com dificuldades parapagar os salários.”

Milhazes apurou que a ordem para fa-zer o pagamento partia diretamente daDona Niomar, por meio de um bilhete,como se fosse um vale, por meio do qual au-torizava o pagamento dos 18 mil cruzeiros.

Num determinado dia, um diretorchamado Armando surgiu com um dessesvales na mão e pediu a Milhazes que ex-plicasse a origem daquele recibo:

“Eu imediatamente dirigi-me ao telefo-ne para tentar ligar para a Dona Niomar.Ele botou a mão em cima do aparelho ten-tando me impedir de fazer a ligação.”

“Você não vai fugir de modo algum.Não use esses artifícios”, – disse Arman-do para Milhazes.

“Olha, Doutor Armando, eu não te-nho nada a dizer a ninguém. Eu só esta-va querendo ligar para a Dona NiomarMoniz Sodré Bittencourt, que era quemfazia a retirada desses 18 mil cruzeirostoda sexta-feira. Para quê eu não sei. Osenhor mesmo deveria perguntar a ela.Isso aqui é um segredo da Diretoria efe-tiva do Correio da Manhã, não é um assun-to dos “reservas”.

Milhazes afirma que na realidade odinheiro era desviado pelo Lindomar,quando ele fechava o controle de vendados anúncios às sextas-feiras. A renda eraencaminhada para o departamento finan-ceiro, onde eram feitas as devidas anota-ções que posteriormente eram reproduzi-das para Dona Niomar Bittencourt.

Um belo dia o caixa apresentou umdesfalque de 100 mil cruzeiros e Mar-celo Alencar mandou chamar Milha-zes na sala dele, para explicar o sumi-ço do dinheiro: “José Luiz o Lindomarestá aqui me dizendo que 100 mil cru-zeiros desapareceram do caixa do Cor-reio da Manhã na agência Avenida e queesse dinheiro teria sido encaminhadopara você, como deve ter ocorrido, sóque é um valor que não aparece nacontabilidade da agência”, teria ditoMarcelo, supostamente responsabi-lizando Milhazes pelo sumiço do di-nheiro.

Milhazes contou que isso foi agota d’água, porque ele já estava cheiodaquela situação, e ficou mais irrita-do porque estava sendo acusado le-vianamente:

“Eu então agarrei o Lindomar pelopescoço e fui empurrando-o pela es-cada exigindo que ele dissesse quemfoi que realmente havia se apodera-do do dinheiro. A comitiva veio todaatrás. Foi a primeira vez que eu vi oMarcelo Alencar medrar. Eu então

empurrei o Lindomar contra a parede,dei-lhe dois tapas na cara e ele então con-fessou que eu não tinha nada a ver com odesvio do dinheiro. Na mesma hora oMarcelo mandou demiti-lo.”

Depois desse episódio Marcelo Alen-car acabou reconsiderando o mau juízoque vinha fazendo dele. Ele então apro-veitou essa proximidade para ponderarcom os novos proprietários do Correio daManhã que estes não estavam sendo jus-tos no tratamento que dispensavam aopessoal mais antigo:

“Eu disse a ele que o futuro ia provarmelhor que a turma que eles estavambotando para fora para ser substituída pornovatos era a nata da imprensa brasilei-ra, os melhores, e que iam acabar sendoabsorvidos pelos grandes jornais como oJB. E isso mais tarde veio a se confirmar,pois todo grande jornalista brasileiroquando é entrevistado afirma que come-çou a carreira ou teve uma passagem noCorreio da Manhã.

Com uma certa ponta de mágoa JoséLuiz Milhazes recorda que em seus últi-mos dias no Correio da Manhã teve queenfrentar situações vexatórias, principal-mente quando soube que ia ser demitidoporque a filosofia imposta no jornal pe-los irmãos Alencar “era se livrar de todoo pessoal remanescente do antigo quadrofuncional”:

“Eu lembrei a ele que até no período emque o jornal esteve sob a censura da dita-dura militar o tratamento não tinha sidotão duro quanto o que passamos a receberquando o jornal foi arrendado pela famí-lia Alencar.”

Em relação à Dona Niomar Moniz Bit-tencourt, Milhazes considera que foi umamulher de coragem, muito culta, mas quenão soube defender o Correio da Manhãquando o jornal mais precisava dela:

“No meu entender as brigas que elaencampou foram feitas levianamente,porque gente de muito peso, como osamigos embaixadores e advogados, reco-mendaram-na certa discrição, cautela,como o fizeram o JB e O Globo, que so-breviveram ao regime ditatorial. Mas, aocontrariar todas essas recomendações,ela não foi correta com nenhum funci-onário antigo do Correio da Manhã, infe-lizmente.”

HISTÓRIA AS AGRURAS DO CORREIO DA MANHÃ NO PRÉ E NO PÓS AI-5

No dia 13 de dezembro o Correio da Manhãpublicou o Editorial acima, afirmando que aCâmara Federal havia reintegrado “o Brasil

em sua condição de País civilizado.” Nomesmo dia, à noite a ditadura militar

decretou o recesso do Congresso Nacional eendureceu o regime com o AI-5.

35Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Há muitos livros publicados para auto-res novos com conselhos e receitas de comoescrever bem. Alguns são técnicos e obser-vam aspectos estruturais do enredo e danarrativa, outros investem na gramáticae na sintaxe, e outros ainda ensinam comopreparar um texto para agradar aos leito-res ou ser aceito mais facilmente pelas edi-toras. Alguns são realmente úteis, outrossão pretensiosos e pedantes, mas isso ocor-re com todo o tipo de literatura.

Nada disso vai ser encontrado em OZen e a Arte da Escrita, seleta de ensaios doimportante autor norte-americano RayBradbury, escritos entre 1965 e 1985, al-guns deles publicados como introduçõesou prefácios. Apesar do distanciamentotemporal entre os textos, o conceito queos alinhava é tão sólido e coerente que dáa impressão de terem sido escritos juntos,como parte de um mesmo trabalho.

O livro foi publicado no Brasil pelapoderosa editora Leya, fundada em Portu-gal em 2008 e recentemente instalada noPaís. É tradução de Zen in the Art of Writing(1990) e, sendo um Bradbury, era de se es-perar uma abordagem no mínimo surpre-endente. A começar pelo título que o au-tor declara, no próprio livro, ter adotadoapenas para atrair a atenção dos leitores,ainda que lá no fundo suas propostas te-nham de fato algo de Zen.

Onze ensaios compõem o livro: “A ale-gria da escrita”, “Corra, pare, ou a coisa notopo da escada, ou novos fantasmas dementes antigas”, “Como manter e alimen-tar a Musa”, “Bêbado e no comando de umabicicleta”, “Investindo moedas: Fahrenheit451”, “Apenas este lado de Bizâncio: Ovinho da alegria”, “Sobre os ombros de gi-gantes”, “Crepúsculo nos museus de robô:o renascimento da imaginação”, “A mentesecreta”, “O zen e arte da escrita” e “Sobrecriatividade”, este último um conjunto desete poemas sobre as características da per-sonalidade criativa valorizadas pelo autor.

Bradbury não é um teórico convencio-nal. Ele parte do princípio de que o verda-deiro escritor não é aquele que escreve paraviver, mas o que vive para escrever, comoalgo vital, necessário, terapêutico até. Porisso usa suas experiências pessoais, princi-palmente seus fracassos, para demonstrarque vale a pena ser autêntico e escrever como coração. E isso é algo que não dá para en-sinar como fazer: é um caminho solitário edoloroso. Uma frase deste mestre da fanta-sia resume sua ideologia criativa: “Toda ma-nhã, pulo da cama e piso num campo mina-do. O campo minado sou eu. Depois da ex-plosão, passo o resto do dia juntando os pe-daços. Agora é a sua vez. Pule!”

Difícil de entender? Talvez conhecerum pouco da carreira de Bradbury ajude.

vida “normal”. Voltou avidamente à suacoleção e decidiu que seria um escritor.

Nos ensaios presentes nesta coletânea,Bradbury conta todos os detalhes dessahistória. Ele chegou à publicação de seuprimeiro conto em 1941, na revista SuperScience Stories, embora tivesse publicadoantes em um fanzine editado por ele mes-mo em 1938, o Futuria Fantasia. Tambémconta como sofreu para entender o quesignificava escrever como Ray Bradbury, jáque antes dele ninguém escrevia assim. Aprincípio, ele seguiu os manuais, manten-do uma produção diária e enviando seuscontos para todas as revistas que conhecia,mas com a consciência de que seus textosnão eram bons. Mesmo quando escreveuseu primeiro clássico, um conto chamadoThe Lake, não sabia por que havia obtidosucesso. Somente anos depois ele iria des-cobrir e essa busca é que torna O Zen e a Arteda Escrita uma leitura emocionante.

Bradbury tornou-se um dos maiores es-critores americanos, com uma produção dequalidade reconhecida pelo mainstream,apesar de instalada no que se chama de fic-ção de gênero que, de forma geral, é despre-zada pela crítica. Entre seus grandes livrosestá o romance Fahrenheit 451 (1953), ale-goria sobre a censura que conta a história

de um homem apaixonado pelos livroscujo trabalho é justamente destruí-los.Levado ao cinema em 1966 pelo impor-tante cineasta francês François Truffaut,tornou Bradbury uma personalidade co-nhecida no mundo inteiro.

Outros livros importantes de Bradburysão Martian Chronicles (1950), SomethingWicked This Way Comes (1952) e Dandeli-on Wine (1957), além das antologias The Gol-den Apples of the Sun (1953), The IllustratedMan (1951) e The October Country (1955).Vários de seus contos estão entre os maissignificativos da literatura mundial, devi-do a sua poética incomparável.

Suas histórias foram adaptadas para inú-meras outras mídias, principalmente o te-atro, o cinema e a televisão. A melhor ver-são para os quadrinhos aconteceu nos anos1950 pela lendária editora EC Comics, deWilliam Gaynes. Al Feldstein adaptou vá-rios de seus contos, que foram ilustradospor grandes mestres como Frank Frazet-ta e Wallace Wood. Algumas dessas hqs fo-ram publicadas no Brasil no início dosanos 1990 pela editora L&PM nos álbunsO Papa-defuntos e O Pequeno Assassino.

O primeiro livro de Bradbury publica-do no Brasil foi O País de Outubro, tradu-zido em dois volumes pela Editora GRDem 1963 e 1966, antologia que reúne al-guns de seus contos mais destacados. Pra-ticamente toda a sua obra foi traduzidapor aqui, sempre ficando em catálogo.

Bradbury compõe a trindade dos maisbem-sucedidos escritores de ficção cientí-fica na opinião dos especialistas e fãs bra-sileiros. Ao lado de Isaac Asimov e ArthurC. Clarke, forma o “ABC” do gênero, comoé chamado pelos seus inúmeros leitores.Contudo, R.B. é um estranho no ninho,pois não se conforma com as orientaçõesimpostas pelo mercado. Sua ficção cien-tífica, por exemplo, não é científica emquase nada, uma vez que lhe importa muitomais as pessoas do que a ciência. Bradburytambém é mais versátil que seus colegasde gênero, enveredando com igual desen-voltura por terrenos tão pantanosos comoo terror, a fantasia, o mistério e até o realis-mo, sem esquecer da poesia em prosa e verso.

O Zen e a Arte da Escrita, mais que ummanual para escritores iniciantes, é ummanual para a vida. A criatividade brad-buriana pode servir a todo mundo, paratodo tipo de artista ou profissional. Nãoseria de estranhar caso se tornasse umlivro de cabeceira dos executivos. E comoseria bom para o mundo se isso realmen-te acontecesse.

LIVROS

Um reencontro com Bradbury,o autor de Fahrenheit 451

Conjunto de ensaios escritos entre 1965 e 1985 oferece aimpressão de que os textos foram escritos na mesma época.

POR CESAR SILVA

A propósito, o livro é quase uma autobio-grafia, pois R.B., como ele mesmo às vezesse refere no livro, toma a sua vida comoparâmetro para explicar e ilustrar seumétodo criativo.

Nascido em 1920 em Waukegan, Illi-nois, Estado do Meio-Oeste estaduniden-se, Ray Douglas Bradbury tinha tudo paraser um legítimo redneck. O que alterou suacaminhada foram as histórias em quadri-nhos de Buck Rogers que, quando criança,ele colecionava recortando cuidadosamen-te dos jornais. Também era leitor ávidodos livros de Julio Verne e H. G. Wells, dasnovelas de Edgar Rice Burrougs, ClarkAshton Smith e H. Ride Haggard, e era fas-cinado com as maravilhas de seu mundo,especialmente parques de diversão itine-rantes, circos, mágicos, trens, dinossaurose uma pletora de coisas simples que nãoera importante para mais ninguém.

Aos oito anos de idade, uma experiên-cia traumática iria determinar a trajetóriade sua vida. Pressionado pelos colegas deescola que exigiam dele um comporta-mento mais “normal”, o pequeno Ray ras-gou toda a sua coleção de quadrinhos. Masisso só serviu para que ficasse perdido nummundo que ele não compreendia e enten-deu ali que o seu destino não era ter uma

Ray Bradbury,um dos maisimportantesescritores deficção-científicae o cartaz dofilme de FrançoisTruffaut, baseadoem seu livromais famoso:Fahrenheit 451.Abaixo, capa deO Zen e a Arteda Escrita.

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36 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

O Poema de sete faces é o primeiro po-ema do primeiro livro – Alguma Poesia –publicado por Carlos Drummond deAndrade, em 1930, uma edição de discre-tos 500 exemplares, paga pelo autor. Parao crítico, poeta e professor de literaturaAlcides Villaça, o poema faz uma apresen-tação das suas múltiplas possibilidadespoéticas, que, exatamente por seremmúltiplas, apontam também uma espéciede fracionamento da sua personalidade.

“Gosto muito desse poema, porque pa-rece que Drummond escreve profetizandoacerca dos vários temas, humores e váriastonalidades que a poesia dele ainda iriaexplorar”, diz o crítico no filme Considera-ção do Poema, produzido pelo InstitutoMoreira Salles-IMS e principal peça decomemoração do Dia D - Dia Drummond.Inspirado no Bloomsday, que celebra em 16de junho o Ulysses, de James Joyce, na Irlan-da, o Dia D foi criado pelo IMS para tornaro aniversário do poeta mineiro, 31 de ou-tubro, uma festa nacional.

“O País e a língua que têm um Drum-mond, têm um patrimônio arrojado”,afirma Eucanaã Ferraz, poeta, professore consultor de literatura do IMS e um doscuradores da programação do Dia D. Aconsciência coletiva da dimensão dessaobra, no entanto, reconhece, ainda estápor se construir: “Pode ser que aconteçaem um ano, cinco, dez. Não posso fazerpelo Drummond daqui a cem anos. Mas,

se fizermos hoje, se juntarmos muitasmanhãs, teremos um século. Ele tem forçapara resistir ao tempo, depende de a genteentender e revelar isso”.

Nessa direção, o nome e a poesia deCarlos Drummond de Andrade se prepa-ram para dar um salto midiático a partirde 2012, quando se completam 110 anosde nascimento do poeta. E quando a edi-tora Companhia das Letras começa a re-editar os 40 títulos de sua obra completa,incluindo versões eletrônicas, após anossob responsabilidade da Record. Drum-mond será homenageado na Festa Literá-ria Internacional de Paraty-Flip, em julho.E o IMS pretende estender as atividades doDia D a escolas de ensino médio e a paísesafricanos de língua portuguesa. Este ano, aprogramação para estudantes ficou restri-ta a universidades, como a Federal do Riode Janeiro-UFRJ, e, fora do Brasil, a Lisboa,na Casa Fernando Pessoa.

Segundo os organizadores, o convite aessa mobilização por Drummond que seprenuncia na mídia ganhou boa acolhidana imprensa e nas redes sociais da internet.Além disso, cerca de 150 vídeos de leito-res foram enviados ao site especialmentedesenvolvido para o Dia D, no qual se podeassistir à íntegra do filme Consideração doPoema. O IMS registrou 30 mil acessosdurante aproximadamente 15 dias, até oencerramento do 31 de outubro, de acor-do com o outro curador do evento, Flávio

Moura. “Houve também uma adesão mui-to grande de parceiros”, diz. Entre eles, aFlip, as Organizações Globo, a Prefeiturade São Paulo, várias redes de livrarias, etc.

Conhecer e debaterO curador da Flip 2012, Miguel Con-

de, destaca a importância de conhecer edebater Drummond:

“Além de ser um autor incontornável daliteratura brasileira, como os outros home-nageados da Flip, ele é também, mais par-ticularmente, um escritor muito importan-te para nossa produção literária contempo-rânea. Discutir a obra de Drummond nãodeixa de ser também um jeito de pensar apoesia que se escreve hoje no Brasil.”

Mas a perspectiva de projeção de Drum-mond em escala de massa despertou nomeio literário preocupações quanto à abor-dagem de uma obra com tantas possibilida-des de leitura e que ainda opõe opiniões deacadêmicos e escritores em torno dela. Opoeta Frederico Barbosa, diretor da Casa dasRosas - Espaço Haroldo de Campos de Po-esia e Literatura, de São Paulo, teme queesse movimento projete nacionalmente oDrummond que ele considera menos ino-vador, com poemas que recuperam as for-mas fixas de sonetos, da década de 1950,ou aqueles escritos durante a época emque atuou como cronista de jornal, nosanos 1960. Ele prefere ver ampliada a obrado poeta de “técnica sutil e supreendente”,como o de Alguma Poesia, que teria radica-lizado experimentações modernistascomo o poema No Meio do Caminho, consa-grado como síntese genial do movimento.

Para Eucanaã Ferraz, não há risco de ha-ver predomínio de uma linguagem poéti-ca sobre outra. “O filme (Consideração doPoema) dá a cara do Drummond amplo,vário, contraditório”, diz o consultor doIMS, responsável pela escolha dos poe-mas lidos no filme. Da mesma forma, eleafirma que as atividades planejadas parao Dia D, deste ano ou dos próximos, nãopretendem privilegiar um viés específicoda poesia, mas destacar o seu potencial“mobilizador”.

“Queremos mostrar que Drummondtem muitas faces e a multiplicidade dasua obra, abrangente, capaz de despertarinteresse de jovens leitores, jovens poe-tas, leitores maduros, com diferentesexpectativas. Capaz de seduzir a pessoaque nunca leu poesia e levá-la a algumdestino desconhecido, atraente.”

InsubordinadoDos poetas brasileiros, Conde, da Flip,

diz que Carlos Drummond de Andrade “écertamente dos mais lidos, citados, ama-dos, mesmo por pessoas que não têm ohábito de ler poesia”. Um amor natural,que resistiu até à incorporação da obra aoscanais curriculares do saber oficial. “Drum-mond, que começou publicando seus livrosem tiragens mínimas e era consideradocontroverso, se tornou, ainda em vida, umautor canônico. Hoje, seus poemas sãoincluídos em livros didáticos, constam re-gularmente de provas do Ensino Médio.Têm, portanto, uma difusão oficial paramilhões de leitores brasileiros. Muitas ve-zes essa transformação em autor obrigató-rio produz uma antipatia ou má-vontade.Não é esse o caso com Drummond.”

Há uma empatia generalizada pelopoeta, concorda Ferraz. Evidente até narelação folclórica das pessoas com a está-tua do mineiro que se está em um bancodo calçadão de Copacabana, de costaspara o mar, e faz dez anos também em2012. “As pessoas sentam do lado, falam,roubam os óculos, botam os óculos, foto-grafam. Mesmo pelo lado ruim, da depre-dação, há um movimento vivo. Não é umpersonagem que passa despercebido.”

Para o poeta e professor de Teoria Lite-rária Roberto Bozzetti, Drummond nãoserá afetado negativamente pela exposiçãoque eventos como o Dia D podem produzir:

“Os grandes artistas nunca são institu-cionalizados. Fica sempre algo de fora, a

HOMENAGEM

Lançamento do 31 de outubro como data paracelebrar o poeta atrai leitores e antecipa uma

onda de ações de promoção da sua obra,previstas para 2012, nos seus 110 anos.

POR VERÔNICA COUTO

37Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

No ano que vem, o IMS vai abrir àvisitação boa parte do acervo pessoal dopoeta, doado pela família ao Instituto.São 8 mil livros, muitos com anotaçõesmanuscritas, cartas para a mãe e outrosparentes, ilustrações, etc.

“À medida que o acervo for melhorconhecido, surgirão novas possibilida-des de uma maior presença de Drum-mond, que poderemos colocar à disposi-ção dos pesquisadores. Quem sabe desco-brir faces novas do poeta, que possamaparecer no trabalho a ser feito nessematerial. É uma coisa extraordinária”,diz Flávio Moura, do IMS.

Do ano passado para cá, a entidade jálançou três livros para os interessados emaprofundar os estudos (leia matéria napágina 38). O mais recente é Versos de Cir-cunstância (2011), edição fac-similar detrês cadernetas em que Carlos Drum-mond de Andrade transcreveu dedicató-rias feitas em livros seus para familiarese amigos, como Manuel Bandeira, LygiaFagundes Telles e Rachel de Queiroz.

Alguma poesia – O Livro em Seu Tempo éoutra edição fac-similar, também orga-nizada por Eucanaã Ferraz, do livro deestréia de Drummond, a partir do exem-plar que era dele e com suas emendas.Inclui pesquisa iconográfica, a recepçãocrítica obtida em 1930 e transcrição decartas de amigos do poeta com comen-tários sobre o livro.

Uma Pedra no Meio do Caminho – Biogra-fia de um Poema saiu em segunda edição,ampliada, com a coletânea de comentá-rios organizada originalmente pelo pró-prio Drummond, com prefácio de Arnal-do Saraiva.

Segundo sua assessoria, o InstitutoMoreira Salles foi criado em 1992 a partirde uma dotação de recursos que a famíliaMoreira Salles destinou a esse fim e queainda hoje rendem e o financiam. Atual-mente, o IMS não utiliza recursos bene-ficiados por leis de incentivo fiscal.

“Carlos Drummond de Andrade foio encontro da minha vida. Repetindo:Carlos Drumond de Andrade foi o en-contro da minha vida. Repetindo: Car-los Drummond de Andrade foi o en-contro da minha vida.” Assim, trêsvezes seguidas, o poeta e pesquisadorArmando Freitas Filho descreve apresença do poeta mineiro em suapersonalidade, no filme produzidopelo Instituto Moreira Salles especi-almente para celebrar o Dia D. “Euacredito que não seria quem eu sousem a poesia dele”, conclui. Na mesmaprodução, o escritor Milton Hatoumconta que não passa dois dias sem re-ler um poema de Drummond.

Dirigido por Gustavo Rosa deMoura, Consideração do Poema temuma hora e cinco minutos, reúne lei-turas e algumas análises de estudiosose artistas de várias áreas, e foi exibi-do no Dia D em vários pontos do País.De acordo com Flávio Moura, umdos curadores do evento no IMS, eleserá lançado em dvd no começo doano que vem. Entre as personalidadesque recitam poemas do autor moder-nista, a atriz Fernanda Torres, apre-senta Necrológio dos Desiludidos doAmor; o cineasta Cacá Diegues, lêTambém Já Fui Brasileiro; e CaetanoVeloso comparece com Elegia 1938.Outros destaques são o cantor e com-positor Chico Buarque, com Inocentesdo Leblon; e a atriz Marília Pêra, querecita com muita emoção, Amar.

Ao todo, são apresentados 35 po-emas, de 13 livros publicados porDrummond. Claro Enigma(1951), que retoma o usode métricas e formas fi-xas, predomina na produ-ção cedendo oito poemas.Em seguida, com sete, Algu-ma Poesia (1930), obra de es-tréia que levou longe as propos-tas do modernismo. Lição de Coi-sas (1962), onde experimentações grá-ficas refletem influências de vanguar-das concretistas, na opinião de algunscríticos, cede apenas o poema Destrui-ção, lido pela cineasta Marina Person.

Alguma Poesia é também um dosdois livros de Drummond preferidosdo poeta Eucanaã Ferraz, responsávelpela escolha dos poemas lidos. “Dá aimpressão de ter sido publicado hoje,uma obra moderna e com tanta novi-dade. É um clássico”, justifica. O ou-tro título de cabeceira do curador é ARosa do Povo (1945), lançada durantea ditadura Getúlio Vargas, que tensi-ona angústia política e fragilidadeexistencial. “Li muitas vezes, a vidainteira, anos a fio, e sempre descubroalguma coisa nova.”

Chavesde leiturado poeta

incomodar. Querer que apenas o Drum-mond lido pelo viés experimental, de ‘rup-tura’, seja o ‘Drummond bom’ pode chegara ser uma institucionalização às avessas:significa perder o grande poeta que ele foipara além dessa dimensão. Desde a sumapoética de sua obra que está em Rosa do Povo,passando pelo injustamente desdenhadoClaro Enigma, e desembocando em seu es-pantoso ‘testamento’ Farewell, sem esque-cer de sua prosa, de sua crônica, de suasquase sempre corrosivas memórias poéticasem Boitempo. Poeta de obra extensa, mui-to complexa e multifacetada, é justamentesua complexidade que dificulta sua domes-ticação, se por esta palavra se quer enten-der o sinônimo de ‘institucionalização.”

Exemplo dessa capacidade de transgre-dir, o poema Oficina irritada, publicado em

Claro Enigma, é lido no filme do IMS pelotradutor Paulo Henriques Brito, que expli-ca por que o escolheu. “Sempre dou essepoema nas minhas oficinas de criação po-ética, para analisar. É um soneto que violatodas as regras do soneto. Ele faz tudo erra-do, em termos de métrica, rima, de imagem,e é um dos grandes sonetos da língua por-tuguesa. Mostro como exemplo de que,quem conhece muito bem as regras do jogopode, com conhecimento de causa, violaressas mesmas regras, justamente para fazero jogo mais bem feito que qualquer um.”

Nessa produção o poeta Antonio Cíce-ro, que lê Fraga e sombra, outro soneto domesmo livro, diz que Drummond conse-guiu fazer uma coisa absolutamente geni-al, porque não há uma palavra sobrando.“Esse soneto é inacreditável, tudo é perfei-to, o som é perfeito. Isso, em parte, por causadessa autodisciplina, essa combinação deum sentimento muito forte e a forma fixa.Tem a emoção perfeita e a expressão perfei-ta. Enfim, poesia em estado máximo.”

Aumento nas vendasAo fim do primeiro Dia D, a Livraria Cul-

tura, parceira no evento, contabilizou umincrível crescimento de mais de 2.000%nas vendas de livros de Carlos Drummondde Andrade entre outubro de 2010 e 2011,em comparação aos 12 meses anteriores.Segundo Robson Silva, assistente de even-tos da Livraria Cultura, leituras dramati-zadas aconteceram em cerca de dez lojas,no Rio de Janeiro, em São Paulo, Brasília,Salvador e no Recife.

O filme Consideração do Poema atraíacerca de 30 espectadores cada vez que eraexibido em sessões contínuas na principalloja da Livraria Cultura, situada no cora-ção da Avenida Paulista. Outras 50 pessoasparavam para ver um vídeo de dez minu-tos produzido pelo IMS onde o poemaNo Meio do Caminho é lido em 11 idiomas,por personalidades como Jean-Claude Ber-nardet. Para o ano que vem, o lojista su-gere obras multimídia, ou que represen-tem Drummond nas artes plásticas, oupara crianças.

“Essa festa não pertence ao IMS; é dequalquer um que queira comemorar”, des-taca Eucanaã Ferraz. “Não vai caber aoIMS orientar nada, criar linha de ação deinterpretação. Ao contrário, a proposta éque, a cada ano, o Dia D esteja mais livre.A pior hipótese seria a melhor: se o IMSnão fizesse o Dia D porque não precisamais. Isso significará que a festa está con-solidada, já faz parte do calendário cultu-ral e afetivo do País.”

As repercussões da data, na avaliaçãodo curador, indicaram que ela mostrou teresse potencial, com a adesão espontâneade instituições e leitores, mobilização daimprensa, grande atividade digital, emblogs e redes sociais.” Além do aumentodo número de leitores, “o ideal é que aobra passe a acompanhar a popularidadedo autor” finaliza Eucanaã Ferraz.

Em 2012,acervo pessoal

chega ao público

IMAGENS QUE ILUSTRAM ESTE TEXTO - Página oposta:Retrato de Drummond no Ministério da Educação, porMarcel Gautherot, e capa da edição original do livroUma Pedra no Meio do Caminho - Biografia de umPoema, de 1967. Ambas foram reproduzidas do livroUma Pedra no Meio do Caminho - Biografia de umPoema (Edição Ampliada, do IMS). Acima, desenho deSanta Rosa e uma folha com um dos poemas enviadospor Drummond para Mário de Andrade com anotaçõesmanuscritas de Mário. Ambas, extraídas do livro AlgumaPoesia - O Livro em Seu Tempo (IMS). À esquerda,folha de um dos cadernos onde Drummond anotavasuas dedicatórias em forma de poemas. Nesta,reproduzida do livro Versos de Circunstância (IMS),

se lê um poema-dedicatória para José Olympio.

Caricatura deLoredano publicadanos livros Escritorespor Loredano e UmaPedra no Meio doCaminho - Biografiade um Poema(Edição Ampliada),ambos do IMS.

38 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Com quantas pedras se constrói umcastelo? Para muitos, esse cálculo nãopassa de pura figura retórica, mas não parao mineiro Carlos Drummond de Andra-de. Em 1928, após publicar pela primeiravez o poema No Meio do Caminho na Re-vista de Antropofagia, ele foi vítima de umasérie de ataques na imprensa. Violentos,irônicos e corrosivos, os críticos não pou-param as repetições e o uso de “tinha umapedra” no lugar de “havia uma pedra”.“Dizem que todo o homem é mais oumenos visível. Não creio. O senhor Car-los Drummond de Andrade faria invejaao próprio personagem de Wells, poisnão tem necessidade de ingerir umadroga violenta para sutilizar-se. O esfor-ço dele é no sentido de inventar outradroga que o torne visível. Ainda nãoconseguiu”, escreveu Moacir Andrade, o“Gato Félix”, no Diário da Tarde, de BeloHorizonte, em 1934.

“Há certos poetas que têm postura deLeghorn – como foi o caso de Luís Murat– e põem versos às dúzias todos os dias. Osenhor Carlos Drummond é difícil. Pormais que esprema o cérebro, não sai nada.Vê uma pedra no meio do caminho – coi-sa que todos os dias sucede a toda gente(mormente agora, que as ruas da cidadeinteira andam em conserto) – e fica repe-tindo a coisa feito papagaio. Homem! Enão houve uma alma caridosa que pegas-se nessa pedra e lhe esborrachasse o crâ-nio com ela?”, ironizou Gondin da Fon-seca no Correio da Manhã, do Rio de Janei-ro, de julho de 1938.

O que doeu mais, se foi a saraivada nosmeios de comunicação ou a topada quecomeçou toda essa história, é difícil dizer.Mas em ambos os casos Drummond foicapaz de derrubar barreiras. As que tenta-vam impedir o avanço do modernismo eaquelas que se negavam a dar espaço a umaobra que transformaria a poesia brasileira.

Parte dessa obra vem sendo resgatadadesde o ano passado pelo Instituto Mo-reira Salles. O formato é tradicional: li-vros e vídeos. Mas o conteúdo agrega ori-ginalidade na medida em que atualiza apoesia de Drummond, principalmenteseus primeiros trabalhos, e documentasua influência e repercussões históricas.Exemplo disso é Uma Pedra no Meio doCaminho – Biografia de Um Poema. Sua pri-meira edição foi publicada em 1967, con-cebida pelo próprio poeta, e mostrou comoo marcante poema de dez versos, que narealidade se reduzem a três por causa dastantas repetições de palavras, provocoutantas reações, da irritação ao sarcasmo –

como se viu no começo deste texto –, e,claro, admiração também. A nova edição,organizada por Eucanaã Ferraz, revisaesse mesmo material e ainda o amplia.

Por si só o material reunido por Drum-mond já era vasto. Na primeira edição háartigos e críticas tecidas ao longo de qua-tro décadas em jornais, revistas, livros,correspondências e mesmo no rádio.Como “a pedra no meio do caminho” tor-nou-se proverbial, a “biografia” aindaaproveita para mostrar como essa expres-são passou a ser utilizada em áreas tãodistintas quanto a política, a economia eos esportes. Textos do próprio autor, co-mentando sua mais famosa obra e tiradostambém da imprensa, e traduções dopoema para outras línguas complemen-tam a primeira versão do livro. A novaversão, lançada pelo IMS, conserva todoesse conteúdo, adicionando uma série deimagens. A capa da primeira edição, coma esfinge egípcia, perpetua o enigma: afi-nal, que pedra incômoda é essa? Ainda hácapas de diversas obras que ou tratam dopoema ou o usam como referência, parti-turas musicais e reflexões produzidaspelo poeta.

Mas as melhores imagens são as diver-sas ilustrações e charges sobre a tal pedra.Numa delas, feita por Henfil para O Glo-bo, em agosto de 1985, o então Ministroda Justiça Ibrahim Abi-Ackel, acusado deenvolvimento com o tráfico internacio-nal de pedras preciosas, aparece se descul-pando, com um enorme sorriso amarelodiante de uma pedra: “No meio do cami-nho tinha uma pedra...”. Noutra, publica-da por J. Carlos na revista Careta de de-zembro de 1946, dois populares conver-sam entre si enquanto observam o Presi-dente Eurico Gaspar Dutra caminhar comos olhos vendados em direção a uma pe-dra. “Você está vendo? Ainda há quemduvide da clarividência do futurismo”,chama a atenção um deles. “Não enten-do”, retruca o outro. Ao que o primeiroresponde: “Nós somos mesmo cegos. Opoeta previu: ‘Pedra no caminho’...”.

Duas novas seções complementam olivro. Biografia da Biografia recupera omelhor daquilo que foi dito pela críticadesde o seu lançamento. Já Ainda a Pedrareúne as melhores e mais recentes críti-cas e estudos sobre o poema de Drum-mond. Inclusive, deixando claro que ainovação do poeta não se limitou à que-bra de limites em sonetos ou ao jogo desonoridade. Como diz um desses textos,publicado originalmente por Tristão deAthayde no Jornal do Brasil de janeiro de1983, “os grandes poetas mesmo quandomentem acertam. O que é a poesia, senão

a surpresa de viver? Mestre das palavras,Drummond executou a maior revoluçãopoética do século. Junto às revoluções de1930 e 1964, é uma das encruzilhadas denossa História em que política e letras seencontram ou se separam. Com sua obrasimples, ele optou pelas letras, mas nãovirou às costas a seu papel político”.

Versos para todas as ocasiõesA segunda obra reeditada pelo IMS

também é um marco da poesia modernis-ta. Alguma Poesia, de 1930, foi o livro deestréia de Drummond. Uma obra sobreMinas Gerais, mas também um trabalhoda maturidade do poeta, capaz de falarsobre a sociedade brasileira, criticar seuscostumes e ser, por vezes, quase abstrata,rompendo de vez, em todos os sentidos,com o formalismo parnasiano. Nas suaspáginas, surge o famoso “poeta repórter”,aquele que denuncia sem qualquer alusãoou sentido oculto: “A família mineira /

A topada que mudoua poesia brasileira

Edições especiais primorosas lançadas pelo IMS de algumas obrasde Drummond mostram a atualidade de seus escritos e provam que acélebre pedra continua no meio do caminho da literatura nacional.

POR MARCOS STEFANO

está quentando sol / sentada no chão /calada e feliz”, diz o autor em Sesta.

Com o subtítulo O Livro em seu Tempo,a nova edição comemora os 80 anos daobra reunindo cartas de amigos e críticosacusando o recebimento do livro, rese-nhas e artigos dos jornais de 1930 e 1931,e uma análise que dá a clara dimensão dolivro, peça central da poesia brasileira.Mas não é apenas por isso que se trata deuma edição especial. O Alguma Poesiaoriginal surge estampado em suas páginasem um fac-símile do volume que perten-ceu ao próprio Drummond, com anota-ções de próprio punho, riscos, títulosmudados e observações que seriam incor-poradas às edições seguintes.

Versos de Circunstância, o livro maisrecente da série, usa a mesma fórmula –as anotações de Drummond – mas é bemmais surpreendente. O título, usado pelopróprio poeta, não foi dado a um livro,mas a três cadernos em que anotou cercade 300 dedicatórias e homenagens que fezem papéis, toalhas, livros e outros parafamiliares e amigos. Nelas, o poeta fogedas tradicionais frases feitas para esse tipode ocasião e produz pequenos textos re-pletos de amor, intimidade, jogos ono-másticos e experimentações sonoras. Alémdos versos transcritos, o leitor pode con-ferir os originais, já a obra reproduz oscaderninhos em fac-símile.

Nas mãos do autor modernista, mesmouma simples dedicatória, homenagem,agradecimento ou voto de boas-festasvirava motivo para a fina arte. Como dizo crítico Marcos Antônio de Moraes, notexto de apresentação do volume, é umaoportunidade de conhecer a intimidadedo autor por meio de sua arte. Ao inspi-rador Manuel Bandeira declara: “Ontem,hoje, amanhã: a vida inteira, teu nome épara nós, Manuel, bandeira”. Ao desejarfelicidade à poeta paulistana Lupe Co-trim Garaude, ele transforma os títulosdos livros dela – Raiz Comum (1955),Monólogos do Afeto (1959) e Entre a Flor e oTempo (1961) – em versos seus, no final dastrês primeiras estrofes que lhe oferece:“Este o nosso destino: amor sem conta /distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,/ doação ilimitada a uma completa ingra-tidão / e na concha do amor a procura me-drosa / paciente, de mais e mais amor. /Amar a nossa falta mesma de amor, e nasecura nossa / amar a água implícita, e obeijo tácito, e a sede infinita”.

Em 1994, sete anos depois da morte deDrummond, o crítico literário AlfredoBosi declarou que o poeta foi mais do queum modernista. “É verdade que ele her-dou a liberdade lingüística, o verso livre,o metro livre, as temáticas cotidianas.Mas foi além. Alcançou um coeficientede solidão, que o desprende do própriosolo da História, livre de referências,ideologias ou prospectivas”, defendeu ele.

A releitura de algumas das grandesobras de Drummond, passadas a limpocom novas edições e documentários,mostra a realidade dessa análise. É possí-vel discordar das idéias e pensamentos dopoeta, mas impossível negar que a pedracontinua no meio do caminho, influen-ciando não apenas a poesia, mas toda asociedade brasileira. Sorte é dar uma belatopada nela.

HOMENAGEM DIA D: À PROCURA DE DRUMMOND

39Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Os organizadores têm ampla autori-dade do assunto. Aníbal Bragança é por-tuguês, mas tem toda a sua atividade aca-dêmica no Brasil. É doutor em Ciência daComunicação pela Universidade de SãoPaulo, docente da Universidade FederalFluminense, Coordenador-Geral de Pes-quisa e Editoração da Fundação Bibliote-ca Nacional. É autor de Livraria Ideal: DoCordel à Bibliofilia (Com-Arte/Edusp,2009), entre outros livros.

Márcia Abreu é professora do Departa-mento de Teoria Literária do Instituto deEstudos da Linguagem da UniversidadeEstadual de Campinas-IEL–Unicamp, comdoutorado em Teoria e História Literáriana mesma Universidade e pós-doutoradoem História Cultural na Ecole des HautesÉtudes en Sciences Sociales, em Paris. É au-tora dos livros Histórias de Cordéis e Folhe-tos (Mercado de Letras/ALB, 1999), Os Ca-minhos dos Livros (Mercado de Letras/ALB/Fapesp, 2003) e Cultura Letrada: Literatu-ra e Leitura (Unesp, 2006), entre outros.

Nova história editorialImpresso no Brasil tem introdução do fa-

lecido bibiófilo José Mindlin (1914-2010),membro da Academia Brasileira de Letras,e em suas 664 páginas reúne 35 ensaios deautores diferentes, divididos em duas par-tes. A primeira, chamada “Uma nova histó-ria editorial brasileira: editores, tipógrafose livreiros”, trata da história das editorasno País. É a parte mais volumosa do livro,composta por 22 ensaios. O primeiro é deautoria do próprio Aníbal Bragança e vaibuscar os precursores da tipografia noBrasil, António Isidoro da Fonseca e FreiJosé Mariano da Conceição Veloso, aindano século 18, e os motivos pelos quais seutrabalho foi interrompido por um decre-to do rei de Portugal, que por longo tempointerditou o funcionamento de qualquertipografia na colônia, até que a Família Realaqui se instalou em 1808, e fosse criada a Im-pressão Régia. Em seguida, Márcia Abreutrata dos primeiros livros impressos no Bra-sil. Ela identifica O Diabo Coxo: VerdadesSonhadas e Novelas da Outra Vida (1707), doescritor francês Alain-René Lesage, comoo primeiro deles, traduzido em 1810.

Nos capítulos seguintes, a História dolivro brasileiro vai-se desdobrando nosensaios de um grupo selecionadíssimo depesquisadores acadêmicos. Eliana de Frei-tas Dutra aborda a Editora Garnier, Ales-sandra El Far comenta a moda das edições

baratas do fim do século 19, Marcia dePaula Gregorio Razzini insere na Históriaas publicações didáticas que caracteriza-ram o início da indústria livreira paulista.

O ensaio mais empolgante do volumeprovavelmente é o de Cilza Bignotto,Monteiro Lobato: editor revolucionário?, queconta como esse conhecido intelectualdas letras montou a primeira rede distri-buidora de livros no País.

Outra personalidade importante danossa indústria livreira tratada neste tra-balho é Ênio Silveira, da Editora Civiliza-ção Brasileira, cuja característica revolu-cionária, ao contrário de Lobato, não équestionada pelos ensaístas GuilhermeCunha Lima e Ana Sofia Mariz.

Já o ensaio de Gabriella Pellegrino So-ares é inteiramente dedicado aos irmãosWeiszflog, fundadores da Editora Melho-ramentos. Editoras que também merece-ram atenção em ensaios específicos foramCompanhia Editora Nacional (por MariaRita de Almeida Toledo), Editora Abril (porMateus Henrique de Faria Pereira) e Com-panhia das Letras (por Teodoro Koracakis).Outras tantas foram abordadas de formamais genérica, em ensaios dedicados àseditoras pequenas e médias (por Maríliade Araújo Barcellos), editoras universitá-rias (por José Castilho Marques Neto eFlávia Garcia Rosa) e editoras regionaisem Pernambuco (Denis Antônio de Men-donça Bernardes), Paraíba (Socorro de Fá-tima Pacífico Barbosa), Bahia (Luis Gui-lherme Pontes Tavares e Flávia GarciaRosa) e Rio Grande do Sul (Elisabeth W.Rochadel Torresini).

Há ainda ensaios sobre a visualidadee tipologia dos livros nos séculos 19 e 20(Isabel Cristina Alvez da Silva Frade),sobre a censura aos livros durante a dita-dura militar (Sandra Reimão) e sobre aevolução do mercado editorial entre 1995e 2006 (Fábio Sá Earp e George Kornis).

Dois ensaios destacam-se fechandoesta primeira parte, por abordarem assun-tos um tanto mais coloridos: AntonioHohlfeldt trata das publicações dedicadasàs crianças, citando O Tico-Tico, Sesinho,Suplemento Juvenil, Edição Maravilhosa,além de autores como Lobato, Viriato Cor-rêa, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, LygiaBojunga Nunes, Ana Maria Machado, Zi-

raldo e Maurício de Sousa, entre outros. Oensaio de Silvia H. S. Borelli é especialmen-te dedicado a analisar o fenômeno HarryPotter, série de livros infanto-juvenis deautoria da escritora britânica J. K. Rowling,a partir do seu desempenho no mercadoeuropeu, com amplo espaço argumentati-vo conduzido por Humberto Eco, ferre-nho defensor da série.

Cultura letradaA segunda parte, intitulada “Cultura

letrada no Brasil: autores, leitores e leitu-ras”, faz um levantamento histórico egeográfico das bibliotecas, salas de leitu-ra, comunidades de leitores, organizaçõesde autores, e trata também da obra dealguns deles.

Minas Gerais recebe a atenção nos en-saios de Luiz Carlos Villalta e Christian-ni Cardoso Morais, sobre as bibliotecasprivadas, e de Francisca Izabel de Olivei-ra Galvão sobre as histórias de Lili. Ma-risa Midori Deaecto faz um levantamen-to das instituições de leitura em São Pau-lo, Sandra Jatahy Pesavento investiga avida literária em Porto Alegre, enquantoFelipe Matos faz o mesmo em Florianó-polis, e Maria Luiza Ugarte Pinheiro, emManaus.

A Coleção Eurico Facó recebe a atençãode Giselle Martins Venancio, e MarcelloMoreira estuda a nacionalização das le-tras da América portuguesa.

Os trechos mais emocionantes, con-tudo, estão nos ensaios de Lúcia MariaBastos P. Neves e Tania Maria Bessone daCruz Ferreira, sobre o direito autoral noBrasil do século 19, que é muito reveladorsobre a tradição nacional de não respei-tar esse princípio editorial.

João Paulo Coelho de Souza Rodriguesrecupera a história da Academia Brasilei-ra de Letras, e Ana Maria de OliveiraGalvão trata do sempre bem-vindo temada literatura de cordel.

Fecham o volume os ensaios de MariaTereza Santos Cunha, sobre a literaturaerótica de Corin Tellado e Carlos Zéfiro,enquanto Richard Romancini avalia aobra de Paulo Coelho e seus predecessores.

Ficou faltando, entretanto, um capí-tulo que avaliasse o impacto das novíssi-mas tecnologias, especialmente as publi-cações virtuais, na arte literária, na indús-tria editorial e no hábito da leitura, vis-to que esta é certamente a mais significa-tiva revolução editorial no País desde ainstalação da Impressão Régia em 1808.

Mesmo sendo um estudo robusto eminucioso, Impresso no Brasil: Dois Sécu-los de Livros Brasileiros é uma leitura agra-dável e surpreendentemente leve, comtemas variados que merecem a atenção deuma vasta gama de leitores, não apenasacadêmicos, mas de todos aqueles quetrabalham com os livros, seja em biblio-tecas, livrarias, editoras, comunidades deleitura e até mesmo do público leigo apai-xonado pelos livros e por sua História.Provavelmente porque os próprios auto-res também sejam apaixonados por essesobjetos prosaicos considerados por mui-tos como tecnologicamente ultrapassa-dos, mas que, um por um, compõem umaBabel nacional que nem mesmo uma fa-bulação de Borges ou de Oliveira poderiaretratar completamente.

Em 1944, o escritor argentino JorgeLuiz Borges publicou na antologia Ficcio-nes o conto A biblioteca de Babel. Nessafantástica biblioteca imaginária, os pes-quisadores encontram, perfeitamente ali-nhados em estantes idênticas e interminá-veis, um exemplar de cada livro passível deser escrito com as combinações dos dígi-tos dos quais dispomos para registrar nos-sas idéias. Ou seja, entre muitas obras ile-gíveis também estariam ali todos os livroslegíveis do mundo, de todos os tempos eculturas. Entre muitas leituras possíveis,Borges sublimou ali um intenso maravi-lhamento frente ao mercado livreiro e àimponderabilidade de suas gigantescastiragens e variedade.

No romance Poeira: Demônios e Maldi-ções, de Nelson de Oliveira, publicado em2010 pela editora Língua Geral e vence-dor do prêmio Casa de Las Americas, umbibliotecário surta quando livros come-çam a brotar por todos os lados, numavolúpia que inviabiliza a sua devida clas-sificação.

São ficções recheadas de espanto pe-rante a importância do livro para a civi-lização. O fabuloso é que a argamassa daficção fantástica está sempre lá. Por isso,quando se quer ser surpreendido, nadamelhor que abrir um livro de ficção.

Mas isso também pode acontecer comum texto de não-ficção acadêmico?

Pode. Um exemplo disso é a antologiade ensaios Impresso no Brasil: Dois Séculosde Livros Brasileiros, organizada por Aní-bal Bragança e Márcia Abreu, publicada em2010 pela Editora Unesp e Fundação Bibli-oteca Nacional, comemorando os 200anos da instalação da Impressão Régia noBrasil. Agora em 2011 este trabalho edito-rial foi agraciado pela Câmara Brasileira doLivro com o Prêmio Jabuti, na categoriaComunicação.

Geralmente, as publicações acadêmicastêm um viés tão específico e rigorosamenteformatado aos padrões escolásticos quepouco ou nenhum prazer dão ao leitor lei-go. São compêndios de conceitos científi-cos, com uma linguagem difícil e jargõesimpenetráveis. Contudo, enquanto contaa história da indústria editorial brasileira,a leitura desta antologia revela, como emBorges e Oliveira, um ambiente deliciosa-mente espetacular, nas franjas do fantás-tico e do mitológico.

200 anosde Babel

Premiado com o Jabuti, livro daUnesp e Fundação Biblioteca

Nacional faz um recorte empolganteda História do livro no Brasil.

POR CESAR SILVA

IMPRENSA

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Acima, a visão de Cidade de Deus (2002) + Carlota Joaquina (1994); e Durval Discos (2002).Abaixo, uma brincadeira com vários filmes estrelados por Lázaro Ramos: O Homem que Copiava(2003), Meu Tio Matou um Cara (2004), Saneamento Básico (2007), Carandiru (2003), Cidade

Baixa (2005) e Ó Paí, ó! (2007). À direita, O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006).

Acima à esquerda, a dobradinha Tropa de Elite (2007) + É Proibido Fumar (2009) eà direita, a homenagem a O Coronel e o Lobisomem (2005). Ao lado, sexo, drogas

e bebedeira com Dossiê Rê Bordosa (2008) + Meu Nome Não é Johnny (2008).

41Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

Quem foi à 35ª Mostra Internacionalde Cinema de São Paulo, entre 21 de outu-bro e 3 de novembro de 2011, pôde confe-rir alguns dos desenhos de Angeli que farãoparte de uma exposição itinerante em ho-menagem ao cinema brasileiro. Patrocina-dora da Mostra nas últimas dez edições, aPetrobrás aproveitou o evento para iniciaras comemorações pelos 500 filmes produ-zidos pela empresa desde a retomada docinema nacional a partir de 2004, quandofoi lançado o filme Carlota Joaquina, Prin-cesa do Brasil, de Carla Camurati.

Na Mostra de Cinema foram expostosapenas 15 desenhos que o Jornal da ABIpublica nesta página dupla com exclusivi-dade. A exposição com as obras do premi-ado cartunista será exibida na íntegra nosprincipais festivais de cinema patrocina-dos pela Petrobrás. O primeiro deles seráa Mostra de Cinema de Tiradentes (MG),que acontece de 20 a 28 de janeiro de 2012.

Dono de um estilo personalíssimo mui-to identificado com o ambiente urbano,Arnaldo Angeli Filho é autor de persona-gens como Rê Bordosa, Wood & Stock, osSkrotinhos, Bob Cuspe entre outros. Suacarreira começou em 1970, aos 14 anos deidade, na revista Senhor. Em 1973 foi con-tratado pela Folha de S.Paulo, veículo noqual desenvolveu a maior parte de seu tra-balho. Tornou-se amigo dos também car-tunistas Laerte Coutinho e Glauco VillasBoas e juntos lançaram, em 1983 pela Cir-co Editorial, a influente revista Chicletecom Banana, um grande sucesso que che-gou a vender mais de cem mil exemplarespor edição.

O valor do trabalho de Angeli é tãosignificativo para as artes brasileiras que,em 2004, ele foi nomeado pelo Ministé-rio da Cultura Brasileiro comendador daRepública na Ordem do Mérito Cultural.

Angeli e o cinema nacionalMostra com obras do desenhista homenageia a retomada da produção cinematográfica no Brasil.

EXPOSIÇÃO

Os três desenhos do alto da página homenageiam os filmes Bicho de SeteCabeças (2001), Se Eu Fosse Você (2006) + Wood & Stock: Sexo, Orégano e RockN'Roll (2006), e As Melhores Coisas do Mundo (2010). Acima, a visão de Angeli

para Tainá (2000); abaixo, O Menino Maluquinho 2 (1997) + O Invasor (2001).

Na coluna à esquerda, de cima para baixo,Angeli dá o recado ao misturar produçõescomo Cartola (2007) + Deus é Brasileiro(2003); Estômago (2007) + Besouro (2009);e Redentor (2004) + Pelé Eterno (2004)

42 Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

O que faz uma obra ser eterna? Estapergunta pode ser respondida conhecen-do-se um pouco da história de Charles Cha-plin e sua admirável criação, Carlitos, e aomesmo tempo, percebendo a reação dascrianças durante a exposição Chaplin e SuaImagem. O evento comemorou o 10° ani-versário do Instituto Tomie Ohtake, emSão Paulo, transcorrido em novembro.

“Ele é tão engraçado!”, exclama exta-siado um menino de seis anos no colo dopai que assistia a um dos diversos filme-tes exibidos no local. Era uma grandedescoberta para aquela criança acostuma-da com a profusão de cores, imagens einformações de nossa época. Carlitos éassim, atemporal. Emociona adultos ecrianças ainda hoje, em plena era de ta-blets e de internet.

Ocupando três salas do Instituto To-mie Ohtake, a exposição teve como cura-dor Sam Stourdzé e foi organizada como apoio da Chaplin Association, junta-mente com a Cineteca di Bologna (Pro-getto Chaplin) e da empresa cinematográ-fica francesa MK2. Ela apresentou aopúblico de São Paulo parte do acervo dafamília Chaplin com cerca de 200 fotogra-fias, fotogramas, reproduções de cartazese capas de revista, além de trechos de fil-mes, exibidos em vários espaços.

Alguns deles chamavam atenção dopúblico pela curiosidade. Era o caso de umapequena pérola cinematográfica de pou-co mais de três minutos de duração queregistra alguns momentos dos bastidoresda cena do baile de O Grande Ditador. Fil-mado pelo irmão de Chaplin, Sid, o perso-nagem antológico criado pelo genial come-diante pôde finalmente ser visto em corespelo público que visitava a mostra.

Nenhuma novidade para quem teve aoportunidade de conhecer a belíssimaColeção Chaplin, uma preciosa reunião de20 dvds distribuídos em três caixas lança-das no Brasil pela Warner em 2005 e quehoje se encontram esgotadas. Essa coleçãoapresentou os principais filmes do cineas-ta remasterizados e uma grande quantida-de de extras, inclusive o making of mudocompleto realizado por Sid Chaplin du-

rante as filmagens deO Grande Ditador. En-tre os extras dessa cole-ção aparece também HowTo Make Movies, de 1918, que apresenta osbastidores dos estúdios de Charles Cha-plin e ficou inédito na época. Esse filmetambém foi exibido na exposição. Mas aboa surpresa do evento foi mesmo assistira alguns filmes caseiros coloridos de umChaplin já grisalho em cenas com sua fa-mília, onde muitas vezes ele reprisa algu-ma das pantomimas que o tornaram famo-so no cinema mudo.

Mesmo não sendo uma mostra tãoabrangente ou inédita, Chaplin e SuaImagem teve como ponto positivo o fatode fazer uma síntese da vida e obra doartista e resgatar sua arte para as novasgerações. Assim o público pôde conhecera criação do personagem que marcou aHistória do cinema e foi uma das figurasmais importantes do século 20.

Os imitadoresA grande empatia que o seu persona-

gem teve com o público logo tornou Cha-plin uma figura querida e muito admiradamundo afora. Os primeiros passos de Car-litos surgiram no cinema em 1914 e logono ano seguinte vários comediantes co-meçaram a imitá-lo. Alguns deles apenasse inspiraram na figura do Vagabundo, masoutros o copiaram de tal maneira que,depois de alguns anos, Chaplin teve queprocurar seus direitos na Justiça. Ele abriuum processo de plágio contra um certo“Charlie Aplin”, cujo verdadeiro nome eraCharles Amador, ator mexicano que copi-ava todos os trejeitos de Carlitos no filmeThe Race Track. Para comprovar o crime deseus imitadores, os advogados do cineas-ta tiveram que provar a originalidade dopersonagem apresentando fotos mais an-

tigas de Chaplin comoCarlitos. Assim, em 1925,a Suprema Corte do Estado daCalifórnia julgou o caso a favorde Chaplin. Somente dessa formao personagem tornou-se único e de suapropriedade.

Nos três primeiros anos em que atuouno cinema – de 1914 a 1916 – Chaplinestrelou (ou co-estrelou) nada menos doque 60 filmes. Uma média de 20 curtas porano. Detalhista ao extremo e com totalliberdade criativa, em 1917 ele deciderealizar menos filmes para buscar aindamais a perfeição em suas produções, inves-tindo seu tempo em roteiros mais elabo-rados para destacar todas as nuances de suaexpressividade cômica. Assim, até 1919,realizou 11 filmes, entre eles O Imigrante,Vida de Cachorro e Shoulder Arms, sobre aPrimeira Guerra Mundial.

Em 1921 lança apenas dois filmes: olonga metragem O Garoto (The Kid), umde seus filmes mais admirados, e o ótimocurta Os Clássicos Vadios (The Idle Class).Aos poucos fica cada vez mais evidentesua opção pela crítica social. Em 1923,chega The Pilgrim; dois anos depois, ou-tra obra marcante: Em Busca do Ouro (TheGold Rush).

A chegada do somEm 1927 o cinema americano é surpre-

endido por uma nova tecnologia que pos-sibilitava o som a partir da projeção dofilme. Al Jonson se torna o primeiro atora ter sua voz ouvida pelo público em OCantor de Jazz (The Jazz Singer). Chaplinachava que essa tecnologia não iria fun-cionar, seria uma moda logo esquecida eno ano seguinte lança O Circo (The Cir-cus). Em 1928 também é realizada a pri-meira premiação do Oscar e Chaplin é umdos indicados nas categorias de Melhor

POR FRANCISCO UCHA

Uma pequena exposição revive o gênio do cinema,que ainda hoje diverte adultos e crianças.

Ator e Melhor Direção de Comédia, porO Circo. Mas Emil Jannings foi o escolhi-do por sua atuação em A Última Ordem(The Last Command). E quem ganhou nacategoria Direção de Comédia foi LewisMilestone, por Two Arabian Knights. Al-guém se lembra desse filme?

Porém, o grande cineasta não saiu demãos vazias naquela noite: a Academiadeu um Prêmio Especial a Chaplin “porsua versatilidade e genialidade em escre-ver, atuar, dirigir e produzir O Circo”. Acontroversa História do Oscar começa-va mal desde a sua primeira edição.

Nos anos seguintes o cinema sonorologo se tornou popular, mas Chaplin tei-mava em permanecer mudo. Ele sabia quequando o Vagabundo falasse seria o fim deseu personagem. Então, depois de cincoanos sem realizar um único filme, Chap-lin ousa novamente com Tempos Modernos

(Modern Times), suaprodução de maiorengajamento social.Carlitos continua-va mudo fazendouma crítica ao pro-gresso e à industri-alização que o mun-

do vivia em 1936. Aúnica surpresa que Cha-

plin reserva ao seu público jáacostumado com cinema sonoro foi ainclusão da antológica cena onde seupersonagem finge cantar uma canção

da qual esquecera a letra. Seus admirado-res enfim ouviam a voz do Vagabundo,porém sem entender uma só palavra.

O crescimento do fascismo na Alema-nha e em outros países da Europa e a as-censão de Hitler fazem Chaplin criar suaobra mais eloqüente e controversa paraa época; afinal ele iria mexer com temasmuito delicados e o filme poderia se tor-nar uma catástrofe em sua carreira. Enga-

Uma das fotos anexadas ao processo deplágio que Chaplin moveu contra um de

seus imitadores, para comprovar que ele erao criador do personagem Carlitos.

HOMENAGEM

43Jornal da ABI 372 Novembro de 2011

A seguir, um trecho do artigode Chaplin publicado na revistainglesa Reynolds News cujo teortem notável atualidade:

“No momento Hollywood estátravando sua última batalha, e iráperdê-la a menos que decida deuma vez por todas desistir depadronizar seus filmes – a menosque perceba que obras-primas nãopodem ser produzidas em massano cinema, como tratores em umafábrica. Creio, objetivamente, queseja hora de seguir um novo rumo– para que o dinheiro não sejamais o deus todo-poderoso deuma comunidade decadente...Eu, Charlie Chaplin, declaro queHollywood está morrendo”.

Charles Chaplin and his team on the set of Modern Times(1936), © Roy Export Company Establishment, courtesy NBCPhotographie, Paris

Caça às bruxasEm 1943 um escândalo abala a reputa-

ção de Chaplin, quando a jovem atriz JoanBarry o leva aos tribunais devido a um pro-cesso de reconhecimento de paternidade.Apesar de Chaplin conseguir provar suainocência, a mídia continua com umainfame campanha contra ele, e começa aacusá-lo de ser antiamericano. O macartis-mo começava sua caça às bruxas. A revis-ta Hollywood Reporter chegou a questionarem 1946 por que ainda era permitido aChaplin viver nos Estados Unidos. No anoseguinte Chaplin publica o artigo I’ve HadEnough of Hollywood na revista inglesa Rey-nolds News. Os ânimos se acirram.

Em 1947 Chaplin lança sua produçãomais criticada pelo público, Monsieur Ver-doux, na qual ele interpreta um serial-kil-ler. É um fracasso de bilheteria nos EstadosUnidos. Cinco anos depois, em 1952, che-ga aos cinemas o poético Luzes da Ribalta(Limelight), no qual contracena com Bus-ter Keaton. Charles Chaplin decide fazeruma viagem de navio à Inglaterra com suaúltima esposa Oona O’Neill, filha do dra-maturgo Eugene O’Neill, e seus filhos paralançar sua nova produção. Mas durante opercurso recebe a notícia de que seu vistopara entrar nos Estados Unidos não seriamais renovado. E ele decide nunca maistentar entrar naquele país:

“Tenho sido alvo de mentiras e propa-gandas por poderosos grupos reacionáriosque, por sua influência e com a ajuda daimprensa marrom, criaram um ambientedoentio no qual indivíduos de mente libe-ral possam ser apontados e perseguidos.Nestas condições, acho que é praticamen-te impossível continuar meu trabalho doramo do cinema e, portanto, me desfiz deminha residência nos Estados Unidos.”

Mas a História expõe os erros e as vitó-rias. Vinte anos depois, em 1972, quasecomo um pedido oficial de desculpas, aAcademia concede a Charles Chaplin umOscar Honorário por sua carreira. Já coma saúde debilitada, ele aceita o prêmio parao delírio de uma platéia que o recebe aplau-dindo de pé. Mesmo assim, aquele Oscarera muito pouco para premiar um giganteque ajudou a erguer Hollywood e a popu-larizar o cinema em todo o mundo.

Apenas cinco anos depois, justamenteno dia 25 de dezembro, Chaplin morreriadormindo, com 88 anos. O Natal de 1977foi marcado por uma enorme tristeza.

nou-se quem apostou nisso. O GrandeDitador (The Great Dictator) foi um enor-me sucesso, sendo indicado a cinco cate-gorias no Oscar: Melhor Filme, Ator, AtorCoadjuvante, Música e Roteiro Original.Não ganhou nenhum. Mas seu Vagabun-do brilhara mais uma vez e se despediu deseu público com um discurso pela justiçaentre os homens. Carlitos finalmentefalou. E depois se calou para sempre.

FOTOS © ROY EXPORT COMPANY ESTABLISHMENT, CORTESIA NBC PHOTOGRAPHIE, PARIS

Na seqüência defotos desta página,Chaplin aparecenos bastidores dofilme TemposModernos (ModernTimes, 1936) nasduas do alto àesquerda. No altoà direita, ele e oator Buster Keatoncontracenam emLuzes da Ribalta(Limelight, 1952).Acima, Chaplinensaia uma lutade boxe com oator Mack Swain,que aparece como traje usado nofilme Em Busca doOuro (The GoldRush, 1925). Aolado deles oboxeador KidMcCoy. Finalmente,ao lado, uma fotoque registra oinício simbólicoda construção dosEstúdios Chaplin,em Los Angeles,produzida emnovembro de 1917.

“Hollywood estámorrendo”

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VidasVidas

O futebol ficou órfão com a morte, em27 de outubro, aos 87 anos, do radialistaLuiz Mendes, cuja ausência abre umalacuna difícil de ser preenchida pelo queele representava para a história do jorna-lismo esportivo, onde deixou um registroespecial como “o comentarista da palavrafácil” e marcou presença com uma memó-ria impressionante. Ele estava internadono Hospital São Lucas, em Copacabana,desde o dia 18 de outubro. A morte foiprovocada por complicações decorrentesde uma leucemia linfocítica crônica. Hámuitos anos Mendes sofria com diabetes.

Em sua homenagem o site da RádioGlobo ressaltou que Luiz Mendes “foi umcraque do microfone esportivo’: “Na la-tinha foi testemunha dos mais importan-tes eventos esportivos do Brasil e doMundo em mais de 70 anos de profissão– o único brasileiro a transmitir a final daCopa do Mundo de 1954”.

Para a emissora, na qual ele trabalhoupor mais de 60 anos, desde a sua inaugu-ração em 1944, Luiz Mendes era “donode uma fala simples e envolvente, de me-mória ampla impressionante, de carismae simpatia sem pares, e sua morte deixao País órfão e o futebol, triste”.

Em entrevista à repórter Cláudia Sou-za para o ABI Online (www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=3297), publi-cada em 19 de setembro de 2008, Men-des contou que iniciou a carreira em

Luiz Mendes, o da palavra fácil, realmenteDecano do comentário esportivo, ele acompanhou o esporte durante mais de 70 anos e armazenava informações com uma memória impressionante.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

“Eu posso fazer o programa”O perfil de Luiz Mendes, por seus companheiros.

JOSÉ REZENDERADIALISTA E LOCUTOR ESPORTIVO

“O Luiz Mendes fez parte da minha infância.Quando eu morava na Avenida HenriqueValadares, o quintal da minha casa dava para aTravessa Chiquita, da Vila Rui Barbosa, onde elemorava com a Daisy. Da sua janela ele me viajogar botão e irradiar os jogos. Sob o ponto devista profissional, além do excelente locutor ecomentarista esportivo, era a memória viva dahistória do futebol brasileiro. Essa perdairreparável ficará eternamente na lembrança dosamigos e companheiros de profissão”.

GILMAR FERREIRAGERENTE DE ESPORTES DA RÁDIO GLOBO

“Estamos tentando superar a emoção e tocar avida em frente. Queria dizer para os ouvintes daRádio Globo que perdemos não apenas ummestre, perdemos na nossa família aquele avôque sentava na cabeceira da mesa, que tinhaum olhar penetrante, a palavra certeira e umensinamento, que a gente precisa para tocar avida, entendeu? A gente sempre espera essemomento, a gente se julga forte e preparadopara enfrentá-lo, mas o coração fraqueja. É umtombinho aqui que a gente leva, é um esbarrãoali, e o corpo às vezes não responde damaneira que a gente deseja. Nesse momentoeu queria dizer a todos aqueles queaprenderam a respeitar, a gostar e a admirar o

Colaborou Renan Castro, estudante de Comunicaçãoda Universidade Federal do Rio de Janeiro eestagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.

coluna senti a preocupação deles — aindaontem eu conversava com o Gérson, o Gérsondizia: “Eu estou sem coragem de ir lá visitar oMendes, porque pra mim o Mendes é afortaleza, é o sinal das coisas boas”. Até prareclamar ele era de uma delicadeza, quando àsvezes alguma coisa não ia de acordo com oque ele pensava, todos nós temos isso,algumas coisas agradam, outras desagradam nodia-a-dia, até pra reclamar das coisas o Mendesera de uma delicadeza, de uma singeleza semjamais ofender alguém. Jamais proferiu umpalavrão no ar; tinha consideração pelosouvintes, pelas pessoas, até pra manifestar osentimento de ser botafogo, de ser gremista,de ter orgulho das coisas do Rio Grande do Sul,em tudo isso ele era de uma gentileza, de umadelicadeza. Ele escreveu alguns livros, e essemais recente, Minha gente, que foi escrito pelajornalista Ana Maria Pires, é na verdade umatomada de depoimentos dele; na verdade agente vai ter como livro de cabeceira pra estarrelembrando as histórias, os momentos.Lembro a última vez que falei com ele, aindano ar, ele já começava a claudicar, a voz ficavaum pouco embargada, a mente variava umpouco. Já tomado pela doença, ele falava:“Não, eu estou bom, eu posso fazer oprograma”. Jamais quis usufruir de folgas, deférias; fazia porque era obrigado pelalegislação, mas queria trabalhar, queria estar noar, no contato com os ouvintes. É uma perdairreparável.” (Chorando muito)

1941, quando ainda era meni-no, no serviço de alto-falanteda cidadezinha de Ijuí, no RioGrande do Sul. Ele falou tam-bém da sua ida para a RádioGlobo no Rio de Janeiro:

“No fim de novembro de1944, estive no Rio para fazer atransmissão de um jogo do Cam-peonato Brasileiro de Seleções efiquei sabendo que a Rádio Glo-bo seria inaugurada no dia 2 dedezembro. Fui até lá e procureio Rubens Amaral, o locutor-che-fe. Como eu era muito menino,ele perguntou se eu tinha expe-riência. Assim que mostrei a car-teirinha da Farroupilha – umadas emissoras mais fortes na épo-ca – ele pediu para eu retornarno dia seguinte. “Para fazer umteste?” indaguei. “Não! Se vocêé locutor da Rádio Farroupilha,será locutor da Rádio Globo”,respondeu. E assim, quase no gri-to, fui um dos fundadores daestação. Sou o último sobrevi-vente da inauguração, ao lado deBenedito Silva, que era o tesou-reiro e hoje está com 92 anos.

Devido ao agravamento doseu estado de saúde, antes de ser interna-do Luiz Mendes já não saía e participavade casa da mesa-redonda “Enquanto a bolanão rola”, que vai ao ar pela Rádio Globoaos domingos. No programa “Globo espor-

nosso “Che”, o palavra fácil, que ele vai fazermuita falta, não apenas ao rádio brasileiro, masna vida daqueles que acreditam que é possívelviver em paz e harmonia até o fim dos nossosdias.” (com a voz embargada, chorando)

JOSÉ CARLOS ARAÚJORADIALISTA

“Eu tenho uma amizade com o Mendesdurante mais de 40 anos. Eu me lembroquando o Mendes, que foi fundador da RádioGlobo, voltou para a Rádio no início de janeirode 1970. Ele era da Rádio Continental, juntocom Mário Vianna, e o Valdir Amaral meconsultou na ocasião quem deveria trazer parao lugar do Rui Porto, que tinha deixado a RádioGlobo. Garoto, eu tinha o Mendes como meuídolo na Rádio Globo a ponto de mandarcartinha para a Rádio Globo na Avenida RioBranco na época, expressando a minhaadmiração, fazendo perguntas pra ele. Quemconviveu com o Mendes sabe que, além dainteligência, da memória privilegiada, ele foi umcompanheiro inesquecível. Viajei com oMendes por toda parte deste mundo, era omeu companheiro de viagem, de quarto. Hojeé um dia difícil até pra gente expressaradmiração àquilo que a gente tem de melhordele. Se por um lado fico triste porque ele nosdeixa, por outro eu fico aliviado por ver o fim deum sofrimento que já levava alguns anos.

Mando daqui o meu beijo carinhoso àcompanheira Daisy Lúcidi, que foi de uma lutaextraordinária e de uma fidelidade incrível,acompanhando-o durante todo esse tempo.É difícil pra nós expressar qualquer tipo demanifestação, exatamente porque ele nosdeixa com 87 anos, Mas com muito maisanos de memória, de pensamentos, de liçõesque ele nos transmitiu.”

ERALDO LEITEPRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS CRONISTAS ESPORTIVOS DO

RIO DE JANEIRO-ACERJ

“O Mendes tinha uma memória inacreditável.Ele dizia “O Pelé fez mil e duzentos, mas maisdo que ele fez Arthur Friedenreich”:“Friedenreich fez mais de mil e quatrocentosgols, só que na época de Friedenreich nãohavia esses registros, não havia televisão, nãohavia rádio como se faz hoje, mas eu tenho acerteza, eu tenho computados na memória,nos meus escritos, de que ele fez mais golsque o Pelé, e o Dario fez tantos gols, o Zico feztantos gols, o Roberto Dinamite...” Mendes tinhauma memória de a gente ficar surpreso. Agente gostava de relembrar fatos bem antigosda história do futebol só pra levantar a bola praele e ele poder destilar o seu conhecimento,aquele rosário de informações, de notícias, dehistórias, que ele tinha armazenado na suaprodigiosa memória. Além de tudo isso que jáfoi dito pelo Gilmar Ferreira, pelo José CarlosAraújo, o Mendes era uma pessoa da família dagente. Preocupavam-se ele e a Daisy, até hojea Daisy é assim, com cada coisa que aconteciana vida particular da gente — como está fulano?como está beltrano? Quando eu operei a

longa trajetória no universo dofutebol.

Batizado como Luiz PiñedaMendes, o comentarista nasceuem Palmeira das Missões, no RioGrande do Sul, em 1924. Torce-dor do Grêmio, no Rio de Janei-ro torcia pelo Botafogo, que de-cretou luto oficial de três dias ecedeu a sede de General Severia-no para o velório. Em mais de seisdécadas de carreira, quase que in-tegralmente ligada ao esporte,Luiz Mendes fundou emissoras derádio, criou a primeira mesa-re-donda da televisão brasileira e foiintrodutor e o responsável pelosucesso do programa TV Ringue.Foi um campeão de coberturas deCopas do Mundo: dos 19 campe-onatos mundiais realizados, par-ticipou de 16. Os únicos em quenão esteve presente foram os de1930, 1934 e 1938.

Na Copa de 1950, apesar datristeza, teve a difícil missão denarrar o gol de Gigghia, o segun-do da vitória do Uruguai sobre oBrasil por 2 a 1, que mergulhou oPaís em uma das suas mais longasdecepções esportivas e ficou co-

nhecida como Maracanazo.Mendes era casado com a atriz e tam-

bém radialista Daisy Lúcidi, com quemconviveu por 64 anos e teve um filho, quelhe deu netos e uma bisneta.

tivo”, apresentado por José Carlos Araújotodas as tardes, de segunda a sexta-feira,Mendes dava o seu toque especial no qua-dro “Da pelada ao Pelé”, no qual narrava osprincipais casos que presenciou na sua

CELSO

PUPO

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ARENA/FO

LHAPRESS

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Helinho, o fascinado pelo jornalismoNascido poucos anos após a criação

do jornal que se tornaria a sua paixão,Hélio Fernandes Filho trazia do berçoa vocação que depois abraçaria semvacilações. Ele era filho do jornalistaHélio Fernandes, que a partir de 1962se tornou proprietário da Tribuna daImprensa, um diário em que, a partirda adolescência, Helinho, como erachamado, assimilou as virtudes quefizeram do pai um dos maioresjornalistas e homens públicos do País:a coragem, o aguerrimento, a defesado interesse público ainda que aopreço de pesados sacrifícios.

Helinho fez na Tribuna paciente edisciplinado aprendizado, iniciado noarquivo do jornal, no qual sefamiliarizou com as diferentes formaseditoriais e gráficas que o jornalassumiu, primeiro sob a liderança de

eleição de 1982, fez do mandato umaforma eficaz de servir à comunidade,com proposições pioneiras, como acriação da Comissão de Defesa doConsumidor, uma das primeirasinstituídas numa Casa Legislativa doPaís. Sob a orientação de Helinho e deuma competente integrante de seuGabinete, a funcionária Maria BetâniaVilela, a ação da Comissão guardavapontos de contato com o jornalismo,como a permanente pesquisa sobrepreços e qualidade de produtos eserviços, fiscalização das formas deatendimento dos consumidores, orespeito à legislação pelos produtores.Mesmo assim, Helinho não recuava nopropósito de voltar àquilo que era o seuclima: a Redação da Tribuna. Na eleiçãode 1988 ele nem quis concorrer a umareeleição dada como certa: queria

Carlos Lacerda, seu fundador; após, sobo comando de Hélio Fernandes, queresistiu bravamente à ditadura militar,sobrevivendo à censura prévia, aosatentados terroristas, às privaçõeseconômicas que desembocaram nasuspensão da circulação do jornal comoveículo impresso. Em todos essesmomentos Helinho se fez presente,comandando a Redação, aprimorandoo veículo como produto jornalístico,produzindo manchetes queexpressavam a vinculação do jornal coma causa da restauração democrática, deque a Tribuna era vigorosa combatente.

Diante da necessidade de optar entreo jornalismo diário e a vida políticainstitucional, Hélio Fernandes Filhonão teve dúvidas. Eleito vereador àCâmara Municipal do Rio de Janeiropelo Partido Trabalhista Brasileiro na

Do início ao fim, um jornalista deexcelência. Filho mais velho do grandeHélio Fernandes, irmão de Rodolfo eIsabella, sobrinho de Millôr, editor daTribuna da Imprensa, combatente da di-tadura, ex-vereador, marido, pai, botafo-guense, amante da música e dos Beatles.Com 57 anos, Hélio Fernandes Filho – oHelinho – deixou umamarca forte e resistenteno instável papel do jor-nalismo brasileiro.

Ao assumir, com ape-nas 20 anos, a Redação daTribuna da Imprensa nolugar de seu pai – que dei-xou o cargo em protestocontra a censura do regi-me militar, em 1974 –,Helinho iniciou uma sagaque o levaria longe. A vi-são vanguardista – prezando, acima detudo, a liberdade de expressão – desafia-va a ditadura, dava voz aos sindicatos emarcava a presença persistente do jornalda resistência democrática.

Helinho sofreu perseguições e amea-ças por remar contra a corrente dos quehaviam se conformado – ou se aprovei-tado. “Se for para ir, vamos os dois pre-sos”, dizia a repórteres pressionados.

“Helinho foi um dos poucos a aco-lher uma minoria gritante – a esquer-da da esquerda da esquerda. Ele sempreia além do que todo mundo esperava”,

feito que vai permanecer na memória dequem conheceu a essência da perseve-rança mais do que viva em Helinho.

Com toda a pressão do regime militar,das dificuldades financeiras e da perda deanunciantes, Hélio ainda esteve à fren-te da última grande reforma do periódi-co, modernizando a Redação e transfor-mando-a na primeira informatizada doPaís – quando o Macintosh era, ainda,uma vaga idéia dentro das empresas bra-sileiras. Era daqueles que olhava parafrente, sempre.

“Helinho tinha visão ampla e acimado óbvio – era um grande estrategista.Ele não enxergava obstáculos no cami-nho, apesar dos muitos que se colocavamà frente dos grandes passos dados pela Tri-buna. Tinha uma mente moderna e umcaráter liberal”, lembra o antigo Editor dojornal Mário Rolla.

Hélio voou mais alto, entre 1981 e1989, levando sua luta para além dos jor-nais. Vereador pelo PTB, transformou seucargo em uma verdadeira batalha políti-ca pelos direitos da população, criando naCâmara Municipal do Rio a Comissão deDefesa do Consumidor – que hoje aten-de, também, às áreas de meio ambiente,desenvolvimento sustentável, direitoshumanos e cidadania. Serviu e serve,mesmo sem querer, de inspiração paraoutros políticos, que criaram comissõesseguindo a mesma ideologia daquela ca-beça incansável que era a de Hélio Filho.

O lado político e social ativo eraacompanhado por outra grande paixão:a música. E se Hélio Fernandes Filho setornou Diretor de Redação aos 20 e vere-ador aos 26, foi aos 40 que embarcou emuma empreitada cultural, tornando-sesócio do jornal International Magazine.

Em 1994, o produtor do periódicomusical, Marcelo Froes, procurou peloDiretor de Redação da Tribuna da Im-prensa – em busca de serviços da gráfica

do jornal – e encontrou Helinho, que nãoapenas alugou a gráfica, como tornou-sesócio na produção do jornal.

Em janeiro de 1995, o InternationalMagazine chegou às bancas e inaugurouuma sociedade que durou exatos 15 anos,durante os quais Hélio apoiou, opinou efez parte da história do jornalismo mu-sical. Apesar dos problemas que teve naTribuna ou com sua saúde, sempre guar-dava para as reuniões o bom humor, aatenção e o positivismo.

Assim como a Tribuna, o InternationalMagazine passou por diversas crises – tan-to no mercado gráfico como no fonográ-fico –, mas o jornal nunca deixou de sair.“Se não era uma causa impossível, Heli-nho encontrava uma solução e seguia adi-ante, por idealismo e por paixão pelo jor-nalismo musical”, conta Marcelo Froes.

Amante dos Beatles, Helinho – quetinha um livro autografado pelo empre-sário do quarteto, George Martin, pre-sente do amigo e sócio – chegou a pen-sar em produzir shows, articulando,inclusive, a vinda do baterista RingoStarr ao Rio de Janeiro – apresentaçãoque, por razões burocráticas, acabou nãoacontecendo.

Em 2009, acabaram optando peloencerramento das atividades, não porfalência ou qualquer inviabilidade ope-racional. Helinho estava cuidando dasaúde e os sócios trilhavam novos rumosprofissionais. A sociedade acabou com amesma elegância com que fora iniciada.

Até onde pôde, mesmo com dificul-dades para andar nos últimos meses devida, freqüentou eventos e comemora-ções de amigos. Se o pai, Hélio Fernan-des, é um dos mais destacados jornalis-tas do País, uma lenda viva da impren-sa brasileira, Helinho foi um filho àaltura. Foi modelo de trabalho e de lutapela liberdade, pela cultura e por umaimprensa independente.

voltar, como voltou, ao jornalismo.A perda de Helinho foi o segundo

grande trauma vivido pelo jornalistaHélio Fernandes em cerca de doismeses: em fim de agosto ele perderaoutro filho, o também jornalistaRodolfo Fernandes, de 49 anos,Diretor de Jornalismo de O Globo. “Éuma dor insuportável esta que estouvivendo com a perda de dois filhos empouco mais de dois meses”, disse HélioFernandes ao Jornal da ABI.

Sócio da ABI há 12 anos, HélioFernandes Filho faleceu no dia 28 deoutubro, vítima de insuficiênciarespiratória e hepática, após seismeses de internação na Clínica SãoVicente, no Rio. Ele deixou viúvaRoberta Babo Fernandes, tambémjornalista, com quem tinha um filho.Estava com 57 anos.

Um jornalista àesquerda da esquerda

POR PRISCILA MAROTTI conta o ex-fotógrafo da Tribuna AlcyrCavalcânti.

Quem teve a oportunidade de traba-lhar com Helinho também destaca o res-peito como uma característica funda-mental para a fluência da Tribuna e desua vida. Era conhecido por deixar todosà vontade para pensar, criar e discutirpontos de vista. Longas reuniões, incon-táveis bate-papos e troca de idéias eram,

sem dúvida, o carro-chefede um jornalista queafrontava, ousava e sefazia ouvir em meio aosilêncio da repressão. E orespeito estava sempreali, até nas divergências.

Ex-Editor Internacio-nal da Tribuna da Impren-sa, Mário Augusto Jako-bskind é um dos que apre-ciavam a personalidadedesprendida de Hélio.

“Liberdade de expressão, de pensamen-to, de criação. Essas eram algumas dasgrandes características de Helinho, quesempre nos deixou à vontade para escre-ver e criar. Era uma figura que ainda ti-nha muito a acrescentar ao jornalismobrasileiro”.

É difícil separar a vida de Hélio dojornal Tribuna da Imprensa – que, sob seucomando, sobreviveu ao terrorismo e àrepressão da ditadura militar. Conseguirlevar os jornais à banca no dia seguintea um atentado a bomba – que provocougrandes estragos na sede em 1981 – é um

REPROD

UÇÃO

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VidasVidas

O mês de outubro marcou o 35º ani-versário da Mostra Internacional de Ci-nema de São Paulo, mas o clima não erapropício para comemorações. Exatossete dias antes do início oficial da Mos-tra, falecia na capital paulista Leon Cako-ff, idealizador, organizador, curador e di-retor do evento. Mostra e Cakoff sãoduas instituições que se confundem.Criada em 1977 como parte das come-morações dos 30 anos de fundação doMuseu de Arte de São Paulo-Masp, a hojemundialmente reverenciada Mostra In-ternacional de Cinema de São Paulotambém era informalmente conhecidacomo “A Mostra do Cakoff ”.

Leon Cakoff, cujo nome civil era LeonChadarevian, nasceu na Síria em 25 dejunho de 1948 e desembarcou com a famí-lia no Brasil aos oito anos de idade. Forma-do na Escola de Sociologia e Política de SãoPaulo, ele adotou novo sobrenome paracontornar problemas que teve com a dita-dura militar. Aos 21 anos começou a tra-balhar como jornalista, especializando-se pouco tempo depois na crítica cinema-tográfica, primeiro nos Diários Associadose depois na Folha de S.Paulo. No início dosanos 1970, viajou à França para cobrir ofamoso Festival de Cinema de Cannes.

Seu colega Rubens Ewald Filho contaque ali nasceu em Cakoff a semente daMostra: empolgado pela grandiosidade ediversidade do evento francês, Cakoff,que desde 1974 também dirigia o Depar-tamento de Cinema do Masp, passouentão a dedicar bom tempo para conven-cer Pietro Maria Bardi, Diretor do Museu,a realizar em São Paulo alguma coisa se-melhante... guardadas as devidas propor-ções, é claro. Como a persistência semprefoi uma das características mais marcan-tes de Cakoff, Bardi aceitou. A primeiraedição da Mostra acontece em 1977, reu-nindo 16 longas e sete curtas de 17 países,todos exibidos no auditório do Museu.Escolhido pelo voto popular (coisa rarana época), o filme vencedor foi o brasi-leiro Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia,de Hector Babenco, um dos primeiros adesafiar a ditadura mais abertamente.

Em seus primeiros anos, o evento eraconhecido como “A Mostra do Masp”, quese tornou, digamos, “independente” em1984, quando se desligou do Museu paraganhar a cidade inteira. Muito mais que umespaço para exibir, anualmente, filmes quejamais chegariam ao público brasileiro pelasvias tradicionais de distribuição, a Mostramuito cedo descobriu sua vocação de resis-tência à censura. Cakoff chegou até a mo-ver processo contra a União, lutando pelo

seu direito de apresentar os filmes selecio-nados diretamente ao público, sem a cen-sura prévia que comandava o setor de exi-bição. Surpreendentemente, a Mostra ga-nhou o processo, mas mesmo assim sua pro-gramação pública foi suspensa por quatrodias, tempo necessário para que o Minis-tério da Justiça assistisse aos filmes da pro-gramação, para depois liberá-los.

A arbitrariedade teve repercussão in-ternacional, causando protestos da comu-nidade artística. No ano seguinte, 1985,uma portaria assinada pelo então Minis-tro da Justiça Fernando Lyra isentou oevento de se submeter à censura prévia,

O sucesso da Mostra era espetacular,embora Cakoff não fosse uma unanimi-dade. Irascível, de gênio difícil, eramcomuns os desentendimentos com seuscolaboradores e fornecedores. Desafetosmais históricos chegaram a questionar ofato de ele ter conseguido montar, numtempo relativamente breve, um pequenoimpério cinematográfico composto pordezenas de salas de cinema pelo País e poruma distribuidora. E não foram poucosaqueles que reclamaram, e ainda recla-mam, dos altos preços dos ingressos daMostra, mesmo contando ela com gene-roso apoio de patrocínios, atualmente emtorno dos R$ 4 milhões anuais.

Todas estas controvérsias eram esque-cidas no momento em que se apresenta-vam ao público aquelas centenas de fil-mes, novos ou clássicos restaurados, vin-dos de países dos quais até a Onu desco-nhecia a existência. Tudo era relevado noinstante em que a Mostra fazia chegar emterras paulistanas nomes como Manoel deOliveira, Abbas Kiarostami, Amos Gitai,Wim Weders, Pedro Almodóvar, Emir Kus-turica e até um americano desengonçadocom nome de cantina italiana que ninguémconhecia até então: Quentin Tarantino.

Com desafetos ou não, o fato é que acontribuição que Leon Cakoff prestou àcultura brasileira é inestimável. Graças àsua persistência e determinação, milhõesde pessoas nestes últimos 35 anos tive-ram contato com um tipo de arte cinema-tográfica que seria impensável num paísque tem apenas uma sala de cinema paracada 100 mil habitantes, a grande maio-ria delas comandada por grandes gruposmultinacionais.

O fimCakoff morreu no dia 14 de outubro

no Hospital São José, em São Paulo, ondese internara duas semanas antes para tra-tar de um câncer. Ele deixou dois filhos docasamento com Renata de Almeida, comquem se casara há 22 anos, e dois do pri-meiro casamento.

Mesmo sem ele, a Mostra continua,agora capitaneada por Renata de Almei-da, co-diretora do evento desde 1989.

Uma semana antes de sua abertura, o grande festival de cinema perdeuLeon Cakoff, seu idealizador e organizador durante 35 anos. Graças a ele, o público

brasileiro conheceu cinematografias e realizadores que não chegavam aqui.

A Mostra de SP sem o seu criador

POR CELSO SABADIN

abrindo importante precedente para ou-tros festivais de cinema pelo Brasil.

Com os novos tempos de abertura, aMostra não apenas cresceu como explo-diu: catalisado pela tradição cinéfila dopúblico paulistano, o evento passou acontabilizar mais de 400 filmes exibidosa cada edição, atraindo um público decerca de 300 mil pessoas por ano. Cinéfi-los de outros Estados e até de países vizi-nhos desembarcavam em São Paulo paraformar filas diante das salas de exibiçãoque se agregavam à verdadeira festa cine-matográfica que tomava a cidade de assal-to a cada novo outubro.

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Leon Cakoff em seu escritório, durante a 34ª Mostra, realizada no ano passado.

Mauricio de Sousa criou o cartaz deste ano.

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“Estou chocada com a morte de LeonCakoff, uma perda irreparável. Em todaminha vida e formação, ele foi nome dereferência. Acompanhei as suas mostras,ele orientava para o que havia de maisimportante no cinema do mundo todo”,comentou a Ministra da Cultura, Anade Holanda.

O cineasta Walter Salles ressaltou oviés político-social da trajetória de LeonCakoff:

“A história da Mostra Internacionalde São Paulo é o relato de uma batalhaconstante contra a censura, as leis arbi-trárias, o descaso pela cultura. É, final-mente, uma luta pela criação e preserva-ção da memória coletiva.”

O talento vanguardista do cineasta foidestacado pelo crítico de cinema RubensEwald Filho: “Admiro as pessoas que têmvisão, um sonho, a coragem e a determi-nação de não apenas realizá-lo, mas tam-bém de perseverar, não deixá-lo morrer.É o caso do Leon, que foi o primeiro de nósa viajar para o Festival de Cannes, ondenasceu e começou a ser germinada a idéiade realizar um festival de cinema na ci-dade de São Paulo.”

Contra o bom-mocismoEm nota, o Programa Cinema do Bra-

sil e o Sindicato da Indústria Audiovisu-al do Estado de São Paulo lamentou a mor-te do cineasta: “Cakoff abriu para muitasgerações a chance de conhecer um cinemaque não chegava ao Brasil. Nos anos 70 e80, a cidade de São Paulo não tinha a efer-vescência cultural de hoje e simplesmenteos filmes não chegavam por aqui. Enfren-tou a censura e o ‘bom- mocismo’, apos-tava em novidades que, em alguns casos,seriam consagradas anos depois. Umafigura fundamental no cenário cultural dacidade e do País. Nascido na Síria, Cakoffchegou ao Brasil aos oito anos de idade ededicou a sua vida ao cinema. Influenciouvárias gerações de cinéfilos e colocou SãoPaulo no mapa das grandes cidades que têmuma perspectiva cinematográfica própria,com foco no debate, na crítica e na produ-ção de filmes. Aos familiares, amigos ecolegas, o nosso sincero pesar.”

Leon Cakoff enfrentou a censuraimposta pelo regime militar trazendofilmes inéditos no Brasil de países comoChina, Cuba, União Soviética e França,até por meio de malas diplomáticas deembaixadas e consulados.

Na 28ª Mostra, em 2004, foi exibidoo filme Bem-Vindo a São Paulo, organiza-do por ele com uma seleção de curtassobre a cidade realizados por CaetanoVeloso, Phillip Noyce, Maria de Medeiros,Daniela Thomas, Amos Gitai eTsai Ming-Liang. Na 35ª edição, deste ano, Cakoffproduziu O Mundo Invisível, com curtasde Manoel de Oliveira, Wim Wenders eAtom Egoyan.

Ao longo dos 35 anos da Mostra Inter-nacional de Cinema de São Paulo, LeonCakoff introduziu no Brasil o cinema degrandes autores que dificilmente chega-riam ao público nacional. Entre eles des-tacam-se o português Manoel de Olivei-ra, 102 anos, o cineasta mais antigo ematividade, que se tornaria amigo de Cako-ff, o iraniano Abbas Kiarostami, diretorde Gosto de Cereja e Cópia Fiel; e o israelen-se Amos Gitai, diretor de Kadosh e Alila.

“Atravessam-se continentes e oceanospara perceber que estranhamente, nasprofundezas do planeta, um amigo quepertence a uma cultura radicalmentediferente da nossa, fala muito mais àvontade a nossa língua e a nossa lingua-gem do que nossos próprios compatrio-tas”, comentou Abbas Kiarostami sobrea amizade com Leon.

Outros importantes cineastas se apre-sentaram no evento, como o americanoQuentin Tarantino com seu primeirofilme, Cães de Aluguel, em 1992, na 16ªMostra; o espanhol Pedro Almodóvar,que abriu a 19ª Mostra em 1995 com ofilme A Flor do Meu Segredo, na qual tam-bém foi convidado o diretor de fotogra-fia mexicano Gabriel Figueroa, que traba-lhou com John Huston e Luís Buñuel; o

“Foi assistir ao filme O Ilusionista, de JosStelling, em 1984 ou 1985. Eu não sabiaque o cinema podia ser daquele jeito.”Marcelo AvellarDIRETOR DE TEATRO, CRÍTICO E PROFESSOR DE ARTES

“Foi quando Leon Cakoff, ao final da 33ªMostra, me agradeceu por eu ter feito aassessoria de imprensa daquele ano eme disse: “Guentaste direitinho, hein?”Maria Fernanda Bezerra de MenezesJORNALISTA

“Há alguns anos, no encerramento daMostra, estava distribuindo panfletospromocionais dos filmes da Cult[distribuidora de filmes de arte, jáencerrada] para as pessoas da fila.Depois que todo mundo entrou na sala,o Leon Cakoff me chamou de lado efalou: “Um dia vai ter um rapaz fazendoa mesma coisa que você está fazendoagora, e com certeza um dos filmes queele estará divulgando será um filme seu.”Existiram outros momentos memoráveisrelacionados com a experiência naMostra, mas este é, pessoalmente,imbatível, porque significa muito pramim. Quando alguém deposita emvocê um crédito assim, são momentoscomo este que ficam.”Paulo DuarteCINEASTA

“Meu momento inesquecível da Mostrafoi a exibição de Soluços e Soluções, omeu primeiro longa dirigido emparceria com Edu Felistoque. Jáhavíamos exibido o filme em diversosfestivais no Brasil e no exterior, porémnão havíamos projetado ainda em SãoPaulo. Era o começo dos anos 2000,e poucas salas exibiam produçõesnacionais. Fomos selecionados e bemrecebidos pelo Leon e sua equipe,tendo a honra de realizar a premièredo filme na terra onde foi concebido erealizado, dentro de uma mostra detamanha importância para o cinemanacional e mundial.”Nereu CerdeiraCINEASTA E ARTISTA PLÁSTICO

“Uma sessão deliciosa, com direito agaroa fina, de um dos filmes deAlmodóvar, com a presença dopróprio, no vão do Masp, me fezlembrar de quanto gostava de‘sessões fora do cinema’ também”.Ana Paula CamposJORNALISTA

“Várias vezes saí da Mostra com aspernas bambas, quase desmaiandode emoção. Mas em duas delas fiqueiparalisado, depois de tanto chorar:Charulata, de Satyajit Ray, na SalaCinemateca, e Rio dos Vagalumes, deEizo Sugawa, no Cinesesc. Foramsensações muito raras, que nuncamais senti.”Sérgio AlpendreCRÍTICO DE CINEMA

Meus momentosinesquecíveis

da Mostra

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Um descobridor de grandes cineastasPOR CLÁUDIA SOUZA americano Dennis Hopper, que veio a São

Paulo em 1984 apresentar O Último Filme;o alemão Wim Wenders, que participouda 32ª e da 34ª Mostra; o iraniano JafarPanahi, atualmente mantido em prisãodomiciliar pelo Governo do Irã; o sérvioEmir Kusturica e o finlandês Aki Kauris-maki, entre outros.

Em 2000, Leon fundou a distribuidoraMais Filmes, especializada em filmes deautor. No ano seguinte, com Ademar Oli-veira, Renata Almeida, Patrícia Durães eEliane Monteiro, criou o Unibanco Arte-plex, primeira rede de cinemas do Brasil ausar o conceito de multiplex para incluirfilmes de arte na programação. Nos últi-mos anos, mantinha com Renata de Al-meida a distribuidora Filmes da Mostra,com lançamentos de filmes e coleções emdvd, em parceria com a Livraria Cultura.

Um sonho e acoragem derealizá-lo

Foi na Europa que Cakoff descobriu osucesso dos festivais de cinema.

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O diretor alemão Wim Wenders foi um dos convidados especiais da 34ª Mostra de Cinema.

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Leon Cakoff exibe a camiseta com areprodução do poster criado por Tomie

Ohtake para a 9ª Mostra, realizada em 1985.Nesse ano, O Ilusionista, de Jos Stelling

ganhou o Prêmio do Público.