2009_lucianacruzmachadosilva.pdf
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA Decanato de Pesquisa e Ps-Graduao
Instituto de Fsica Instituto de Qumica Instituto de Biologia
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENSINO DE CINCIAS MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CINCIAS
A Radioatividade como tema em uma perspectiva Cincia-
Tecnologia-Sociedade com foco em Histria e Filosofia da
Cincia
Luciana da Cruz Machado da Silva
Braslia DF
Maro
2009
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA Decanato de Pesquisa e Ps-Graduao
Instituto de Fsica Instituto de Qumica Instituto de Biologia
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENSINO DE CINCIAS MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CINCIAS
A Radioatividade como tema em uma perspectiva Cincia-
Tecnologia-Sociedade com foco em Histria e Filosofia da Cincia
Luciana da Cruz Machado da Silva
Dissertao realizada sob orientao da
Profa. Dra. Joice de Aguiar Baptista e
apresentada banca examinadora como
requisito parcial obteno do Ttulo de
Mestre em Ensino de Cincias rea de
Concentrao Ensino de Qumica, pelo
Programa de Ps-Graduao em Ensino de
Cincias da Universidade de Braslia.
Braslia DF
Maro
2009
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FOLHA DE APROVAO
LUCIANA DA CRUZ MACHADO DA SILVA
A Radioatividade como tema em uma perspectiva Cincia-
Tecnologia-Sociedade com foco em Histria e Filosofia da Cincia
Dissertao apresentada banca examinadora como requisito parcial obteno do Ttulo de Mestre em Ensino de Cincias rea de Concentrao Ensino de Qumica, pelo Programa de Ps-Graduao em Ensino de Cincias da Universidade de Braslia.
Aprovada em de
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ Profa. Dra. Joice de Aguiar Baptista
(Presidente)
_________________________________________________ Prof. Dr. Wildson Luiz Pereira dos Santos
(Membro interno UnB)
_________________________________________________ Prof. Dr. Mansur Lutfi
(Membro externo Unicamp)
_________________________________________________ Prof.Dr. Roberto Ribeiro da Silva
(Suplente UnB)
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Eu dedico este trabalho ao meu esposo
Gutemberg, pelo apoio e incentivo; ao
querido filho Rodrigo, que sempre tem tanto
a me ensinar; minha me Laureci, cuja
memria me to saudosa; ao meu pai
Milton e irmos, Pamella e Milton que apesar
de estarem longe, sempre esto comigo;
minha tia Nely e minha av Magdalena por
terem feito o papel de mes quando eu deixei
de ter a minha; amiga Renata, pelo
incentivo e ajuda e a todos os parentes e
amigos.
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AGRADEO A PROFESSORA JOICE NO APENAS PELA ORIENTAO QUE
PERMITIU A REALIZAO DESTE TRABALHO, MAS POR SUA ATENO,
CUIDADO, DEDICAO, SIMPLICIDADE E COMPETNCIA QUE TANTO ME
ENSINARAM.
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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Primeiramente a Deus, autor da vida e pai amoroso que sempre est comigo.
Ao meu amado esposo Gutemberg, companheiro em todas as situaes, incentivador e
amigo. Ao meu filho to querido, Rodrigo, colaborador, apreciador e no menos
companheiro. Meg que nunca se negou a estar comigo, mesmo que seus latidos, s vezes,
atrapalhassem a concentrao para os estudos, denunciando que era hora de uma parada para
descanso.
Aos meus pais pela vida que me deram e amor que me dedicaram sempre. minha
av Olga por todas as boas lembranas de infncia que fazem parte do que eu sou hoje.
minha av Magdalena, meu porto seguro, minha fonte de fora e de sabedoria, meu exemplo
de mulher. minha irm Pamella, pela reviso.
minha tia Nely e minhas primas Deborah e Regina por sempre poder contar com
elas, inclusive nas complicaes da informtica.
Aos amigos-irmos da Igreja Batista do Calvrio por cooperarem comigo em orao;
em particular, ao Josu e Cristina, que sempre se fizeram presentes no interesse e no
incentivo.
Aos pequeninos Joo Pedro, Arthur, Isaas, Fernanda, Helena, Luiza, Camila Beatriz e
Davi, cuja convivncia no berrio da igreja tem sido um blsamo em minha vida.
Renata, ao Elias e Sandra pela inspirao, exemplo e incentivo.
Aos professores Joice, Roberto, Wildson, Ricardo, Gerson, Patrcia, Maria Mrcia,
Denise, Clia e Cssio, pela ateno e carinho, por terem compartilhado seus conhecimentos e
seus sonhos de uma Educao de qualidade.
Aos colegas de curso que contriburam com seus pontos de vista na construo dos
meus. Companheiros de caminhada.
s professoras Juara, Francilene, Rose e Magda, cujo apoio foi determinante na
execuo deste trabalho, por sua convico de que sempre possvel melhorar, e aos demais
colegas de trabalho, sempre solidrios ao trabalho desenvolvido.
Por fim, e de forma muito especial, agradeo aos meus alunos que compartilharam
comigo preciosas horas de suas vidas, muitas vezes ensinando mais do que aprendendo.
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Senhor,
tu me sondas e me conheces. Sabes
quando me assento e quando me levanto;
de longe penetras os meus pensamentos.
Ainda a palavra me no chegou lngua,
e tu, Senhor, j a conheces toda. Tal
conhecimento maravilhoso demais para
mim: sobremodo elevado, no o posso
atingir.
Salmo 139: 1,2,4 e 6
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RESUMO
Este trabalho, desenvolvido no contexto da escola pblica, buscou investigar e propor
estratgias para melhorar a compreenso dos alunos de Ensino Mdio sobre conceitos
cientficos de Radioatividade. Uma dessas estratgias consistiu em pr em prtica propostas
de ensino que integrassem os conhecimentos cientficos, suas aplicaes tecnolgicas e suas
implicaes sociais em um contexto interdisciplinar; bem como, valorizassem o papel do
aluno como sujeito ativo no processo de aprendizagem. Questionrios e produes dos alunos,
alm de entrevistas com professores participantes, foram utilizados para avaliar os resultados.
Com base nesses materiais foi observada uma maior relevncia atribuda, pelos alunos, aos
conceitos cientficos trabalhados e uma melhor compreenso dos mesmos.
Palavras-chave: Ensino Mdio, Interdisciplinaridade, CTS, HFC, Radioatividade.
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ABSTRACT
This work, carried out in the context of public schools, aimed at investigating and proposing
strategies to improve high school understanding on scientific concepts of Radioactivity. One
of those strategies consisted of practicing teaching strategies that integrate scientific
knowledge, its technological applications and social implications in an interdisciplinary
context as well as, the students role in the learning process. Questionnaires, students' works
and interviews with participant teachers were used to evaluate the results. The analysis of
those materials revealed a better understanding of Radioactivity concepts.
Keywords: High School Chemistry, Radioactivity, Scientific Concepts.
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Sumrio Geral
Introduo 12
Por que a radioatividade 12
A cincia na sala de aula 16
Um Relato 24
O problema de pesquisa 27
Captulo 1: Buscando Caminhos 28
1.1 Cincia, Tecnologia e Sociedade 30
1.2 Histria e Filosofia da Cincia (HFC) e o ensino de cincias 38
1.3 Abordagem CTS e relao HFC 44
1.4 A questo da interdisciplinaridade 46
1.5 Ensino de radioatividade 48
Captulo 2: Conhecendo a escola e os alunos 54
2.1 A escola 54
2.2 O sistema de avaliao na escola 57
2.3 O aluno da escola 58
2.4 O aluno e a escola 59
2.5 A relao do aluno com a Qumica escolar 61
Captulo 3: Elaborando a abordagem temtica 63
Captulo 4: Avaliando 78
4.1 Avaliaes formais 79
4.1.1 Questes predominantemente referentes aos conceitos
Qumicos 79
4.1.2 Questes que envolviam predominantemente as articulaes
CTS 84
4.2 Relatos dos alunos quanto proposta de trabalho realizada, em
questes abertas de avaliaes formais (APD e AB) 87
4.2.1 Avaliao do paradidtico (APD) 87
4.2.2 Avaliao bimestral individual (AB) 90
4.3 Falas dos alunos e painis apresentados durante os seminrios 93
4.4 Formulrios de auto-avaliao 96
4.4.1 Auto-avaliao dos alunos 96
4.4.2 Avaliao da proposta 98
4.5 Relatos dos professores parceiros no desenvolvimento do trabalho 99
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4.6 Desempenho dos alunos quanto aprovao escolar 103
4.7 Respostas dos alunos ao questionrio aplicado um ano aps a
execuo dos trabalhos 105
4.8 Outras consideraes 111
Consideraes Finais 114
Referncias 117
Bibliografia Consultada 122
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Apndices
A: Questionrio - Conhecendo a escola 125
B: Questes sobre o Vdeo O Cl Curie 128
C: Apostila para os alunos : Radioatividade 130
D: Orientaes aos alunos para elaborao de seminrio 146
E: Avaliao do Paradidtico 152
F: Avaliao sobre leis do decaimento radioativo e meia-vida 155
G: Avaliao Bimestral Radioatividade 158
H: Questionrio aplicado aos alunos do 3 ano 163
I: Formulrio de Auto-Avaliao 165
J: Proposio A Radioatividade como tema em uma perspectiva Cincia-Tecnologia-Sociedade com foco em Histria e Filosofia da
Cincia 167
Anexos
A: Transparncias utilizadas 228
B: Autorizao para uso de imagem 232
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INTRODUO
Muitos, ao longo do tempo, tm considerado a cincia como motivo de assombro;
alguns tm considerado-a fonte que nutre sua curiosidade e busca pelo saber; mas, tantos
outros tm vivido alheios ao seu campo de conhecimento.
Por que a radioatividade
Desde a sua descoberta, a radioatividade tem despertado o interesse das pessoas, seja
na comunidade cientfica ou entre cidados comuns. Sua invisibilidade e seu poder vm
intrigando a uns, causando espanto a outros e despertando a curiosidade de muitos. De incio,
talvez por tratar-se de algo completamente novo para o conhecimento da poca: uma
emanao invisvel proveniente apenas de alguns materiais, capaz de ionizar o ar e causar
queimaduras na pele ou impressionar chapas fotogrficas, alm de atravessar diversos
materiais, inclusive o corpo humano. Era realmente algo sem precedentes na cincia. Depois,
por sua potencialidade: dos frontes de guerra aos cosmticos, dos exames de diagnstico
mdico s promessas de cura, as radiaes ionizantes (os raios X e a radioatividade)
continuaram chamando a ateno do mundo. Ainda que, muitas vezes, de forma equivocada.
Quinn (1997), em sua biografia de Marie Curie, relata que
chocante, agora, ler que os soldados da Primeira Guerra Mundial tomaram
injees intravenosas de uma soluo de rdio, em casos de extrema perda
de sangue, e aplicaes externas de rdio e radnio para suavizar tecido
cicatrizado, relaxar as articulaes e estimular a funo nervosa. (p. 446).
Com o passar do tempo, as promessas de curas quase milagrosas converteram-se em
medo e desconfiana para grande parte das pessoas. Aps as primeiras mortes, ainda ligadas
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aos laboratrios de pesquisa e aparente contaminao de operrias de uma fbrica americana
de relgios por Rdio1, no foi mais possvel ignorar que aquela maravilhosa descoberta
cientfica que rendeu a uma mulher dois prmios Nobel tambm poderia revelar-se uma
sria fonte de riscos sade e vida. Segundo Quinn (1997), h registros de danos sofridos
pelos primeiros operadores de raios-X na guerra e de morte por cncer de Clarence Dally, um
assistente de laboratrio que tentava aperfeioar uma lmpada eltrica com a energia do raio
X. H, ainda, relatos de mdicos e tcnicos na Frana que haviam perdido dedos, braos e
viso por exposio aos raios X e a materiais radioativos. Os dedos da prpria Marie foram
queimados pelo Rdio, e Pierre, seu marido, sofria com fortes dores sseas, hoje atribudas
exposio radioatividade.
O crescente medo e a insegurana, associados ao uso da antes to promissora
radioatividade, ganharam fora e se consolidaram em episdios que marcaram a histria,
como as bombas lanadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, e acidentes
nucleares como o de Chernobyl, em abril de 1986. Assim, a radioatividade, que surgiu
trazendo uma grande esperana sociedade, tanto na rea mdica quanto na produo de
energia, entre outros, acabou por tornar-se sombria e inquietante. Tornou-se polmica.
Em 1987, o Brasil viveu seu captulo na srie de acidentes relacionados
radioatividade que o mundo experimentou na dcada de 80, quando um equipamento
hospitalar contendo cloreto de csio, utilizado para tratamento de cncer, foi abandonado em
um terreno baldio na cidade de Goinia. Aps ser violado e ter seu contedo espalhado entre
vrios moradores da regio, causou o maior acidente radiolgico do mundo. Esse problema
evidenciou a falta de conhecimento cientfico e o despreparo do cidado comum ao lidar com
situaes nas quais tal conhecimento se faz necessrio. Ficou clara a relao existente entre o
conhecimento cientfico, as necessidades sociais, os interesses econmicos e o poder pblico.
1 O Rdio era utilizado na tinta com a qual os ponteiros dos relgios eram marcados para brilharem no escuro. O
trabalho das mulheres em uma fbrica de Nova Jersey envolvia usar os lbios para acertar as pontas do pincel
com o qual pintavam os ponteiros, gerando possvel contaminao (QUINN, 1997, p. 447).
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Segundo informaes da Comisso Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o
aparelho violado em Goinia trazia impresso o smbolo de material radioativo (triflio preto
em fundo amarelo)2. No entanto, isso no representou um sinal de perigo para as pessoas que
o violaram, j que essas no conheciam o pictograma ou no o associavam a algo que
oferecesse risco sade.
O acidente de Goinia trouxe repercusses no apenas no estado, mas em toda a
regio Centro-Oeste e no Brasil. Em Goinia, houve manifestaes contra o sepultamento das
vtimas, pois as pessoas acreditavam que os corpos poderiam contaminar o solo. Alm disso,
pessoas perderam casas e pertences devido contaminao. Goianos que viviam em Braslia
sofreram com a discriminao, e passageiros de Goinia que desembarcavam em aeroportos
de todo o pas tinham dificuldade em conseguir um txi, pois os motoristas se recusavam a
lev-los por acreditarem correr risco de contaminao.
Por tudo isso, a desconfiana e o medo da radioatividade ainda hoje fazem parte da
nossa sociedade, assim como a curiosidade em relao ao assunto. Nas escolas, essa
curiosidade pode ser percebida no questionamento que fao aos alunos no incio de cada ano
letivo. Quando perguntados sobre os temas que mais os atraem no estudo da Qumica, a
radioatividade sempre citada, juntamente com as drogas e os anabolizantes. A lembrana
provavelmente ocorre em virtude da enorme quantidade de reportagens na mdia sobre os 20
anos do acidente de Goinia e sua repercusso.
Soma-se que, atualmente, a energia nuclear voltou a figurar como promissora em um
cenrio em que parte dos governos de todo o mundo tem buscado fontes de energia menos
prejudiciais no que se refere produo de gases que intensificam o aquecimento global.
2 Atualmente, alm do triflio preto em fundo amarelo, tambm utilizado para designar material radioativo o
pictograma
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No Brasil, os projetos de construo de novas usinas nucleares no papel h anos
voltaram a ser discutidos, culminando na recente liberao de licena ambiental para a
construo de Angra 3 e nos novos desafios impostos relacionados ao armazenamento do lixo
nuclear. Nesse cenrio, o Brasil se destaca por possuir a 6 maior reserva de Urnio
principal combustvel das usinas nucleares do mundo.
Tendo em vista o exposto, surpreendente notar que o curso de formao de
professores de Qumica da Universidade de Braslia (UnB) no apresenta, em seu programa
curricular, nenhuma disciplina que se volte ao estudo da radioatividade. Levantamento
efetuado junto aos institutos de Qumica e de Fsica3 da Universidade de Braslia mostraram
que, na ementa das disciplinas obrigatrias na formao de licenciados em Qumica,
radioatividade no objeto de estudo.
Apesar disso, nos programas curriculares oficiais para o Ensino Mdio de Qumica,
o contedo est presente, e consideramos relevante que esteja. Porm, essa realidade coloca o
professor de Qumica em uma situao, no mnimo, angustiante, colaborando para a m
qualidade do ensino da disciplina.
Assim, diante da relevncia do conhecimento acumulado sobre radioatividade, do
modo como historicamente foi desenvolvido, das conseqncias de sua aplicao no passado,
na atualidade e no que se aponta para o futuro, a abordagem do tema exige que o professor
supere seu despreparo, de forma que possa efetivamente colaborar para que os alunos rompam
com as concepes de senso comum ou para que no construam de maneira equivocada o
conhecimento cientfico.
Por tudo isso, escolhemos o tema Radioatividade para conceber uma proposta que
atendesse ao desenvolvimento integral do aluno, valorizando, juntamente com o
conhecimento cientfico, o contexto histrico, social e cultural em que o conhecimento foi
3 Levantamento efetuado em 20/06/2007 no endereo www.unb.com.br
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desenvolvido, bem como suas aplicaes ao longo do tempo. Para tanto, buscamos
referenciais que nos possibilitassem entender a cincia como construo humana.
A cincia na sala de aula
Diversos livros que tratam dos problemas da educao formal tm sido publicados
no apenas no Brasil, mas tambm em outros pases. Isso porque problemas relacionados aos
processos de ensino e aprendizagem so diversos e no exclusivamente brasileiros.
No caso do Brasil, a situao tem se mostrado muito ruim em vrios aspectos e,
segundo dados do ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica IDEB (2005)4 e do
Exame Nacional do Ensino Mdio ENEM (2007)5, o desempenho dos estudantes no tem
sido satisfatrio no Ensino Fundamental nem no Mdio, principalmente nas escolas pblicas.
Dentre os muitos problemas a considerar, encontram-se:
- excesso de alunos nas turmas;
- excesso de turmas atendidas por cada professor;
- deficincia de material didtico de qualidade;
- dificuldade de acesso aos materiais didticos disponveis;
- deficincias na formao inicial dos professores;
- inexistncia ou deficincia da formao continuada dos professores;
- falta de polticas pblicas que tenham essencialmente objetivos educacionais;
- diversidade de polticas educacionais implantadas sem a participao dos
professores e da comunidade em sua construo;
- falta de acompanhamento e avaliao eficazes nas polticas educacionais
implantadas etc.
4 Os dados das avaliaes do IDEB esto disponveis em www.ideb.inep.gov.br/Site/-7k
5 Resultados disponveis em www.mec.gov.br, acessado em 04/04/2008
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Zaguri (2006) aponta diversos desses temas, debatendo as dificuldades que
professores e alunos encontram hoje nas salas de aula, com base em dados obtidos em escolas
de todo o pas. Sua publicao extrapolou o mbito educacional, tendo sido bastante discutida
na mdia e permanecendo nas listas de livros mais vendidos de diversas livrarias do pas por
vrios meses. Isso demonstrou a crescente preocupao, no apenas dos professores, mas de
grande parte da sociedade, com relao aos problemas do nosso atual modelo de ensino e
aprendizagem.
Japiassu (1999) aponta que inegvel que o sistema educacional atual
passa por um processo de desagregao. Vive ao mesmo tempo uma
profunda crise dos contedos (o que transmitido?, o que deve ser
transmitido?, com que critrios?), uma crise dos programas, uma crise
daquilo em vista de que tais programas so definidos e uma crise da prpria
relao educativa (desapareceu o tipo tradicional da autoridade indiscutida e
ainda no se definiram nem se afirmaram os novos tipos). O que mais
grave: a maioria dos mestres e dos alunos nem mesmo se interessa por
aquilo que se passa na escola, como se o ensino no constitusse mais um
investimento educativo. Para muitos educadores, converteu-se num
emprego ganha-po. Para os alunos, um pesado fardo a ser carregado, pois no conseguem v-lo como um investimento formador, apenas como
um meio de obter um diploma permitindo-lhes exercerem uma eventual profisso. (p. 35).
Nas palavras de Japiassu, vemos que os problemas educacionais vo alm daqueles
de ordem prtica e alcanam dimenses mais complexas, que remetem no apenas a
contedos e mtodos, mas a questes relacionadas a valores e ideologias.
No que tange ao ensino de cincias, mais alguns problemas vm se somar aos j
citados. Um exemplo a aparente falta de significado dos temas nas aulas. Parece no estar
claro para os nossos alunos o motivo de estarem aprendendo cincias. Muitas vezes, parece
tambm no estar claro para os professores o motivo de ensinar cincias. As disciplinas da
rea parecem no fazer parte da cultura humana, e parecem muitas vezes estar completamente
alheias s questes cotidianas do homem comum.
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O ensino de cincias, a despeito das orientaes contidas nos documentos oficiais,
continua sendo predominantemente disciplinar, com viso linear e fragmentada dos
conhecimentos na estrutura das prprias disciplinas (BRASIL, 2006, p. 101) e pautado em
um modelo conteudista de transmisso-recepo (BRASIL, 2006, p. 105).
Por outro lado, de acordo com Chalmers (1993), a cincia goza hoje de um alto
prestgio no meio social de um modo geral. Em suas palavras, nos
tempos modernos, a cincia altamente considerada. Aparentemente h
uma crena amplamente aceita de que h algo de especial a respeito da
cincia e de seus mtodos. A atribuio do termo cientfico a alguma afirmao, linha de raciocnio ou pea de pesquisa feita de um modo que
pretende implicar algum tipo de mrito ou um tipo especial de
confiabilidade. (p. 17).
Esse fato pode ser constatado na mdia e est incorporado em menor ou em maior
grau no modo de pensar e de agir das pessoas. A sociedade atual tende a ver o conhecimento
cientfico como garantia de eficcia e veracidade. O adjetivo cientfico hoje tem sido
utilizado, inclusive, para agregar valor a produtos de mercado, dando-lhes maior
confiabilidade e maior sensao de segurana e tranqilidade aos consumidores.
Essa viso da cincia como detentora do poder de definir o que verdade no est
apenas na mdia, nos filmes ou na vida cotidiana do cidado comum. Segundo Chalmers
(1993), ela evidente no mundo escolar e acadmico e em todas as partes da indstria do
conhecimento (p. 18). Tambm as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (MEC,
2006) afirmam que, dentro do ideal de modernidade existente na sociedade atual, se
concretizou, no sistema escolar, [...] uma supremacia das Cincias da Natureza sobre as outras
cincias e outros campos do conhecimento. (p. 104).
Japiassu (1999) cita, ainda, que, em nossa cultura, a cincia
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ensinada e recebida, pelos alunos, como a detentora de um magistrio
apodtico e incontestvel: da racionalidade, da objetividade, da exatido e
da eficcia. Estabelece as fronteiras entre o real e o ilusrio, entre o
verdadeiro e o falso, entre o normal e o patolgico. Chega mesmo a adotar
uma postura tica de pretender dirimir as dvidas sobre o que bom ou
mau, justo e injusto. Se somente ela conhece o que verdadeiro, claro que
somente ela poder nos dizer o que justo e bom. (p.10).
Assim, a cincia, muitas vezes, chega sala de aula como a verdade que os alunos
devem aprender. A despeito dos problemas que o mundo conheceu e que abalaram, de certa
forma, a crena na cincia salvadora no sentido de promulgadora da verdade , por ser
atribuda a ela a responsabilidade por sua ocorrncia6, a cincia ainda hoje mantm o status de
detentora da verdade do conhecimento. As bombas, a poluio e os demais fatores malficos
atribudos ao progresso cientfico no deram conta de abalar significativamente a f que se
tem na cincia salvadora. Para muitos, ela parece ter se tornado um dogma.
Como causa ou conseqncia dessa idia, est o pensamento de que a cincia no
para todos. Parece, infelizmente, estabelecido em nossa sociedade que apenas os espritos
mais evoludos ou as mentes mais brilhantes so capazes de compreender a natureza do
conhecimento cientfico e, principalmente, de produzir tal conhecimento. O que resta ao
cidado comum, o que resta aos nossos alunos, aceitar seus dogmas. Assim, os enunciados
tericos so reproduzidos em uma questo de prova por um aluno que no compreende seu
significado, sua construo e suas implicaes, mas compreende que precisa reproduzi-lo para
ser recompensado com a aprovao no final do ano letivo.
Tal pensamento de cunho cientificista, comumente reproduzido em muitos materiais
didticos e, por vezes, presente na concepo dos prprios professores, pode constituir mais
um dos graves problemas relacionados ao ensino de cincias.
6 Tais problemas esto relacionados aos danos ambientais causados em conseqncia dos avanos cientficos e
tecnolgicos, a acidentes radiolgicos e nucleares, ao consumismo tecnolgico exacerbado, entre outros de
mesma natureza.
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Para demonstrar o valor atribudo cincia nos dias atuais, Chalmers (1993) cita um
anncio de jornal que recomendava a revista de contedo religioso Christian Science, dizendo
que a Cincia fala e diz que a Bblia Crist comprovadamente verdadeira e at os
prprios cientistas acreditam nisso atualmente (p. 17). O que podemos inferir desse tipo de
afirmao que se atribui cincia um extremo valor, sendo ela capaz at de legitimar uma f
religiosa. A cincia colocada como um elemento de maior valor que os demais pertencentes
cultura humana.
Para Japiassu (1999), o divrcio entre o discurso cientfico e sua prtica concreta
que oculta parte de sua verdade. Por isso, a informao cientfica passa a ser assimilada como
argumento de autoridade, o que faz com que se torne objeto de crena. Para o aluno, crer na
cincia passa a significar:
a) adotar uma atitude de f e confiana em suas verdades, pois quase
sempre ela aparece como um conjunto de teorias, de leis e de tecnologias
capazes de resolver os problemas dos indivduos e da sociedade; b) adotar
uma atitude de confiana cega em seu dinamismo (sem esprito crtico),
como se ela fosse capaz de tudo explicar; c) adotar uma atitude atribuindo
um valor absoluto s suas verdades, como se no fossem um produto da
histria. (p. 11).
Parte dessa crena na cincia como detentora absoluta do conhecimento verdadeiro,
capaz de conduzir a sociedade evoluo e ao bem-estar, est claramente associada em
muitos livros didticos eficcia do mtodo cientfico (S, 2006). Nesse contexto, predomina
a viso empiricista e positivista da cincia, em que a observao e a experimentao
criteriosas dos fenmenos levam, por induo, ao estabelecimento da verdade. Mesmo aps
documentos oficiais sinalizarem a necessidade de uma ruptura dessa viso de cincia, os
livros didticos, mesmo os que se intitulam de acordo com os PCN, trazem, ainda, em geral, a
manuteno dessa viso (MEC, 2006).
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Assim, o cidado e o aluno que no se rende veracidade do conhecimento
cientfico e opta por guardar convices no advindas da cincia tende a ser tratado, na
melhor das hipteses, como uma pessoa ingnua.
Na sala de aula, esse poder de autoridade da cincia transferido ao professor de
cincias, que se torna, ento, o porta-voz do conhecimento. Ele, em geral, tido como o
representante mximo da cincia na escola. ele quem melhor compreende as novas
tecnologias que chegam sociedade a cada dia. Ele pode chegar a ser quase um mdico com
quem se discute os sintomas e o melhor remdio para certas doenas, tem uma explicao
cientfica para as catstrofes anunciadas pelos noticirios e sabe de quase tudo aquilo que
todos acham muito difcil.
Chalmers (1993) tambm critica essa viso de cincia, alegando que nenhum
moderno filsofo da cincia est alheio pelo menos a algumas de suas deficincias (p. 18-19)
e argumenta que simplesmente no existe mtodo que possibilite s teorias cientficas serem
provadas verdadeiras ou mesmo provavelmente verdadeiras (p. 19). Alm disso, mostra as
direes que as discusses atuais acerca do conhecimento cientfico tm tomado, ao
mencionar que alguns
dos argumentos para defender a afirmao de que teorias cientficas no
podem ser conclusivamente provadas ou desaprovadas se baseiam
amplamente em consideraes filosficas e lgicas. Outros so baseados em
uma anlise detalhada da histria da cincia e das modernas teorias
cientficas. Tem sido uma caracterstica do desenvolvimento moderno nas
teorias do mtodo cientfico que uma ateno crescente venha sendo
prestada histria da cincia. (p. 19).
Ou seja, embora durante algum tempo a crena na eficcia do mtodo cientfico
tenha direcionado o cientista e a sociedade a acreditarem que a cincia poderia chegar a
determinar, atravs da razo, o que a realidade, hoje, com as discusses mais modernas
acerca da filosofia da cincia, tal pensamento tem mudado. Anlises histricas, por exemplo,
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tm mostrado como certas verdades cientficas foram abandonadas pelo surgimento de
novas verdades. Ento, a compreenso acerca da natureza do conhecimento cientfico vem
mudando. Contudo, essas mudanas no tm chegado s salas de aula.
Concordamos que a crise no ensino formal fato corrente em nossos dias. Ela atinge
todas as matrias escolares e tambm no est instalada apenas no Distrito Federal (DF) ou no
Brasil. Porm, na rea de ensino de cincias, o problema se acentua, o que se torna ainda mais
srio se concordarmos com Japiassu (1999), que afirma que o ensino cientfico constitui a
base do edifcio, no que se refere ao processo educativo. Em suas palavras, o
ensino de cincias ocupa essa posio, ao mesmo tempo por seu papel
simblico, pois portador dos chamados valores modernos, e por sua
funo efetiva, pois constitui o mais forte fator de seleo social. Todos os
experts reconhecem que, no domnio da educao, somos um fracasso.
(p.49).
Percebe-se, nas palavras de Japiassu, no apenas sua constatao de que o ensino de
cincias institui a base do processo de ensino como um todo, mas tambm sua percepo de
que a deteno do conhecimento cientfico constitui fator de seleo social. Ou seja, se
queremos que a educao possibilite uma mudana social, ou, ao menos, a ascenso social do
indivduo, devemos, como professores de cincias, dar especial ateno ao aspecto do ensino
de cincias destacado por Japiassu.
Na mesma linha, Enguita (2004) afirma que vivemos uma terceira revoluo
industrial, na qual a informao e o conhecimento so altamente valorizados, atribuindo-lhes
decisivo papel nos processos de produo. Nesta sociedade, a posse da informao e do
conhecimento multiplica o poder da qualificao e divide a sociedade, o que determina a
grande importncia da educao. Assim, para Enguita, a concentrao da qualificao
depende, essencialmente mas no apenas , da estrutura das oportunidades escolares e do
funcionamento do sistema educacional. (p. 38).
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23
Esses so apenas alguns dos argumentos que nos permitem considerar que se faz
necessrio que o ensino de cincias objetive promover no educando a construo de uma
viso de cincia mais crtica e reflexiva do que aquela apresentada no incio do captulo.
Devemos evitar que a cincia seja vista em sala de aula como verdade absoluta. Ns,
professores, precisamos abdicar do poder de autoridade que ela supostamente nos d. O
ensino de cincias deve ser capaz de levar o aluno a conhecer a natureza da cincia, no
apenas seus produtos.
Segundo Bachelard (1996), o ensino dos resultados da cincia no pode ser
entendido como um ensino de cincias. Japiassu (1999) afirma que tal ensino deve levar em
conta
suas determinaes: histrica, epistemolgica, econmica, poltica, etc. E
isto, de modo interno e orgnico. No se trata de acrescentar, ao ensino
cientfico, cursos de histria, de filosofia ou de economia. Mas de
transformar esse ensino, nele inserindo todos esses aspectos. (p. 62).
Alm disso, a
educao cientfica precisa combater a imagem pblica de imutabilidade
das verdades cientficas. E mostrar que o real pode ser observado a partir de
diversos pontos de vista marcados com a cicatriz de uma dimenso histrica
e cultural. (p.144).
Dessa forma, a cincia pode passar a ser vista como elemento da cultura humana,
com seu valor associado a outros valores, advindos de outros elementos dessa mesma cultura,
e no mais como algo de maior valor por ser capaz de estabelecer a verdade. Esse pode
constituir um primeiro passo em uma caminhada que busque resgatar o ensino de cincias da
atual crise, contribuindo para que o aluno se interesse pelo conhecimento cientfico,
favorecendo seu aprendizado. Assim, consideramos que a educao em cincia pode
desempenhar melhor o seu papel social.
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24
Um Relato
bem verdade que em uma sala de aula temos alunos com os mais diferentes perfis.
Eles tm diferentes interesses e aspiraes. O mesmo vale se compararmos uma turma com
outra, uma escola com outra ou um ano com outro. Afinal, o ser humano dinmico, assim
como os processos dos quais participa.
Contudo, ao longo de minha prtica escolar, tenho percebido que, mesmo com as
particularidades j mencionadas, um aspecto do ensino tende a ser o mesmo: os alunos, em
geral, demonstram no gostar das horas que passam na escola, estudando. comum
ouvirmos murmrios de reclamaes ao propormos atividades, freqente a falta de interesse
nas aulas expositivas, comum vermos nossos alunos completamente dispersos enquanto
falamos sobre os modelos explicativos da estrutura da matria ou sobre as interaes
moleculares que tanto nos fascinam enquanto professores de cincias.
O desinteresse dos alunos relatado por docentes de diversas disciplinas nas salas
de professores. No entanto, parece-me que, naquilo que se refere ao ensino de cincias, essas
questes so agravadas pelo que Matthews chamou de mar da falta de significados
(MATTHEWS, 1995). Nas salas de aula, o ensino de cincias tem assumido um carter
demasiadamente formal e desvinculado do mundo do aluno (PIETROCOLA, 1999),
contribuindo para que seu interesse e curiosidade naturais percam fora diante da dificuldade
ou mesmo da impossibilidade de apreenso daquilo que est sendo ensinado como verdade
cientfica nas aulas de cincias. Mas, o que significa uma verdade cientifica? Como a
sociedade v a cincia? Esses so temas a serem discutidos no captulo 1.
Ao observar a reao dos alunos diante dos temas e das atividades propostas durante
as aulas, um fato que sempre me chamava a ateno era o interesse dos alunos pelas
curiosidades trazidas pelos livros didticos ou pelo professor durante as aulas. Analisando
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25
tais curiosidades, constata-se que, em geral, abordam situaes de aplicaes prticas dos
conhecimentos dos temas apresentados para estudos ou, ainda, relacionam-se a aspectos da
histria e da cultura referentes s descobertas cientficas e vida dos cientistas.
Como exemplo que ilustra esse interesse, cito uma situao ocorrida em uma turma
de 2 ano do Ensino Mdio. Aps trabalhar os contedos referentes evoluo de modelos
atmicos, radioatividade e tabela peridica, forneci aos alunos um texto de uma carta de amor
onde vrios termos apareciam substitudos por termos qumicos de sonoridade semelhante s
palavras que de fato davam sentido s frases. Pedi, ento, aos alunos, como tarefa avaliativa,
que reescrevessem a carta com o portugus correto e elaborassem um dicionrio com os
termos qumicos e seus significados. Os alunos em geral gostaram de realizar a atividade,
acharam a carta engraada e a proposta divertida. A maioria dos trabalhos apresentou
resultados satisfatrios. Porm, qual no foi minha surpresa quando, ao avaliar a produo dos
alunos, constatei que havia uma dupla que, aps destacar a palavra rdio como termo
qumico, deu-lhe o significado de aparelho utilizado para ouvir msicas.
Fiquei decepcionada. No sabia se aquilo era srio ou se era algum tipo de
brincadeira dos alunos. Afinal, eu j havia ensinado radioatividade, j havia falado sobre a
histria de sua descoberta e, com toda a certeza, j havamos falado sobre o Rdio, e o que
significou para a cincia o fato de Marie Curie t-lo descoberto e isolado. S no estava mais
certa de que meus alunos realmente tivessem aprendido tudo isso.
Ao retornar sala de aula, conversei com os alunos novamente sobre a descoberta da
radioatividade, investigando suas concepes sobre o assunto e destacando as dificuldades
enfrentadas pelos envolvidos nos estudos que culminaram em tal descoberta. Em especial,
conversamos sobre uma mulher que se props a investigar o assunto em uma rea quase
exclusivamente masculina e sobre os problemas que isso implicava. Dei nfase s
dificuldades relacionadas maneira como a cincia interpretava os fenmenos naquela poca
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26
e ao que representava a radioatividade nesse contexto. Discutimos os impactos sociais que a
radioatividade causou quando de sua descoberta, as implicaes das incertezas sobre seus
efeitos, vimos quais as suas aplicaes de ento e tambm como a sociedade v e utiliza a
radioatividade hoje.
Para minha surpresa, os alunos demonstraram um enorme interesse, de forma que
muitos ainda vinham conversar informalmente sobre o assunto, trazer reportagens de jornais
ou revistas e, ainda, levantar questionamentos mesmo fora das aulas. O interesse, a
curiosidade, a vontade de conhecer e conversar sobre o assunto, a capacidade de relacionar
mais de um tema cientfico ou de aplicar um conhecimento em diferentes situaes aconteceu
de forma natural, o que me impulsionou a procurar compreender o que havia de fato
estimulado o interesse dos alunos e possivelmente facilitado sua aprendizagem.
Comecei, ento, a pensar sobre as possveis vantagens pedaggicas de se trabalhar
os contedos cientficos em uma abordagem que incorporasse suas dimenses histrica, social
e cultural. Nasceu, assim, a proposta de trabalho que desenvolvemos neste Programa de Ps-
Graduao. Ela visa a trabalhar conceitos cientficos a partir de sua construo histrica,
social e cultural, articulando-os com suas aplicaes e perspectivas na sociedade atual,
focando o tema Radioatividade.
Apresentamos, ento, no captulo 1, a problemtica sentida e o problema de
pesquisa. No captulo 2, discutimos os referenciais tericos que norteiam o trabalho. No
captulo 3, feita a apresentao da escola, do perfil do aluno e do que pudemos descobrir
sobre a interao dos discentes com o ensino escolar de Qumica atravs da aplicao de
questionrios. O captulo 4 trata do detalhamento da proposta desenvolvida. No captulo 5,
apresentamos alguns resultados do trabalho e sua anlise e, por fim, fazemos nossas
consideraes finais.
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O problema de pesquisa
Articulando os desafios concernentes ao ensino de cincias com aqueles relativos ao
nosso modelo educacional atual, como propor uma abordagem de ensino que leve em conta a
necessidade de ruptura com uma viso positivista e cientificista dominante de cincia, que
possibilite aos alunos adquirir conhecimentos relevantes para a sua vida e que seja vivel no
contexto real da escola, tendo como foco o tema Radioatividade?
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CAPTULO 1 BUSCANDO CAMINHOS
Na tentativa de propiciar aos alunos uma melhor compreenso da natureza da cincia
no ensino de Qumica em Nvel Mdio, visando uma ruptura com uma viso positivista e
cientificista da cincia, buscamos, na literatura, pressupostos norteadores para uma prtica
docente coerente com tais objetivos e de possvel implementao no contexto real da escola,
isto , com todos os seus desafios e com toda a sua dinamicidade.
Inicialmente, analisamos o que est proposto no mais recente documento oficial
destinado ao Ensino Mdio de Qumica, as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio
(BRASIL, 2006). De acordo com ele, espera-se que os conhecimentos qumicos constituam
ferramentas teis que auxiliem ao cidado na interpretao do mundo e na ao responsvel
perante a realidade.
Para tanto, o ensino de Qumica no pode ficar restrito a frmulas e conceitos. No
pode, ainda, permanecer unicamente nos domnios da prpria Qumica, sem que haja uma
articulao entre os conhecimentos cientficos e tecnolgicos e as questes sociais e
ambientais. Assim, o documento citado claramente aponta a necessidade de uma abordagem
que privilegie as relaes entre Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS).
Ao tratar dos objetivos do ensino de Cincias da Natureza, Matemtica e suas
tecnologias, as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio apontam que,
no conjunto, a rea corresponde s produes humanas na busca da
compreenso da natureza e de sua transformao, do prprio ser humano e
de suas aes, mediante a produo de instrumentos culturais de ao
alargada na natureza e nas interaes sociais. (2006, p. 102).
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Para que isso seja possvel, so sugeridos temas interdisciplinares, principalmente entre as
disciplinas da rea (Biologia, Qumica, Fsica e Matemtica), abordando os contedos de
forma contextualizada, mantendo as especificidades de cada uma das disciplinas, mas
permitindo o dilogo entre elas.
No documento, explicitada tambm a importncia da postura do professor nesse
processo, focando o contexto real, as situaes oriundas da vivncia do aluno, os fenmenos
naturais e artificiais e suas aplicaes tecnolgicas. Contudo, consideramos a possibilidade de
extrapolar o campo da rea especfica e estabelecer o dilogo com outras disciplinas de outras
reas que nos trazem saberes diferenciados daqueles do campo das cincias, favorecendo,
talvez, uma integrao ainda mais rica entre CTS.
Considera-se, portanto, que o ensino de Qumica deve propiciar ao aluno tanto a
compreenso dos processos qumicos em si quanto as devidas articulaes de uma construo
inserida em um meio cultural e natural, quais sejam ambientais, econmicas, ticas, polticas,
cientficas e tecnolgicas. Tal ensino no pode ocorrer desvencilhado de uma perspectiva que
permita a compreenso de as teorias so construes humanas, e, por isso, sempre histricas,
dinmicas, processuais, com antecedentes, implicaes e limitaes (BRASIL, 2006. p. 124).
Entretanto, de maneira geral, em grande medida, o ensino vem acontecendo de forma
disciplinar.
Logo, as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio enfatizam a importncia de
uma abordagem contextualizada que leve em conta tanto as questes histricas e culturais
envolvidas nos processos de construo do conhecimento quanto o modo como os
conhecimentos cientficos e tecnolgicos so aplicados socialmente. Assim, possvel
discutir as implicaes em diferentes nveis das relaes entre CTS. Desta forma, pretende-se
permitir ao aluno dar maior significado aos conceitos cientficos, humanizando o ensino de
cincias e tornando-o efetivamente instrumento til no exerccio da cidadania.
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Tomando como base, portanto, as Orientaes mencionadas, direcionamos a
reviso bibliogrfica para os trabalhos que enfocam o ensino de Cincias na perspectiva
CTS7, para a Histria e a Filosofia da Cincia (HFC) e para a Radioatividade.
1.1 Cincia, Tecnologia e Sociedade
O chamado movimento CTS surgiu, segundo Waks8, citado por Santos e Mortimer
(2000), a partir da tomada de conscincia com relao a diversos problemas, de ordem
ambiental e tica, principalmente aps a Segunda Grande Guerra. Tais problemas envolvem
questes relativas qualidade de vida, degradao ambiental, crescente industrializao,
necessidade de participao popular nas decises pblicas centradas nas mos de poucos e aos
receios e frustraes quanto aos excessos tecnolgicos (p. 136).
Das inquietaes provocadas por tais questes, surge a necessidade de formar o
cidado em cincia e tecnologia, perspectiva completamente diferente da que vinha ocorrendo
com o cientificismo. Essa corrente foi a motivadora do surgimento do movimento CTS, o qual
teve incio nos Estados Unidos e na Europa e se estendeu por Canad e Austrlia, pases
industrializados onde havia demanda, portanto, por um conhecimento cientfico e tecnolgico.
Contudo, essa demanda existia no apenas no sentido utilitrio de tal conhecimento, mas,
tambm, no sentido de avaliar criticamente seu papel na sociedade. (SANTOS e
MORTIMER, 2000).
Segundo Krasilchik (1996), as concepes educacionais vigentes no Brasil foram
influenciadas fortemente pelas investigaes, teorias e mtodos desenvolvidos na Europa e na
7 Na literatura mais moderna, passou-se a utilizar o termo CTSA, inserindo explicitamente as questes
ambientais nas discusses a respeito das articulaes entre Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS). 8 WAKS, l. J. (1990). Educacin em cincia, tecnologia y sociedad: Orgenes, desarrollos internacionales y
desafios actuales. In: MEDINA, M., SANMARTIN, J. (Eds). Ciencia, tecnologia y sociedad: estdios
interdiscilinares em la universidade, em la educacion y em la questin poltica y social. Barcelona, Anthropos,
Leioa: Universidad Del Pas Vasco.
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31
Amrica do Norte. Assim, tanto no exterior quanto, mais tarde (por volta da dcada de 80), no
Brasil, comearam a surgir projetos e materiais de ensino construdos em uma perspectiva
CTS. Alm disso, o movimento ganhou lugar nas recomendaes curriculares, nas pesquisas
em ensino de Cincias, em congressos e em publicaes da rea de ensino de Cincias, para
falar apenas da rea educacional (SANTOS e MORTIMER, 2000).
Posteriormente, com o agravamento das questes ambientais e a tomada de
conscincia por parte da populao e das autoridades mundiais em diferentes nveis acerca das
possveis conseqncias da degradao ambiental corrente, introduziu-se, de maneira
explicita, a questo ambiental. Foi ento que alguns passaram a denominar o movimento
como Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA).
Como proposio aceita internacionalmente, entendemos o conceito de ambiente
no apenas como entorno fsico natural, mas, tambm, como o meio construdo e os aspectos
sociais, culturais e polticos com ele inter-relacionados (CABRAL, 2002). Por isso, em nosso
entendimento, no h necessidade de acrescentar o termo ambiente ao movimento, uma vez
que as discusses ambientais so inerentes sociedade, j estando contempladas, portanto, na
designao CTS.
Santos e Mortimer (2000), assim como Pinheiro, Silveira e Bazzo (2007),
consideram, ainda, que investigaes na Filosofia e na Sociologia da Cincia, de natureza
epistemolgica, tiveram grande contribuio no surgimento do movimento CTS. De fato,
consideramos que, para que ocorra uma melhor compreenso das relaes CTS, necessrio,
igualmente, uma compreenso histrica e epistemolgica da Cincia.
Ainda de acordo com Santos e Mortimer (2000), a falcia do mito cientificista vem
sendo demonstrada por trabalhos relacionados Filosofia e Sociologia da Cincia,
levantando discusses acerca da no existncia da neutralidade e da eficincia da Cincia na
resoluo dos grandes problemas da humanidade. Se inicialmente houve esperana no
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progresso cientfico tecnolgico como forma de resolver os problemas da humanidade,
percebe-se, hoje, que tal progresso interfere de forma significativa nas questes ambientais.
Uma vez que o uso e a preservao do ambiente envolvem assuntos ticos e sociais, no
mais possvel admitir discusses sobre cincia sem que ela esteja incorporada aos aspectos
sociais e ambientais.
Contudo, a nosso ver, isso no vem ocorrendo de forma sistemtica na escola.
Continuamos priorizamos frmulas e clculos em detrimento de atividades que permitam ao
aluno identificar e discutir as relaes CTS, visando a form-lo para o exerccio da cidadania.
A proposta, ento, de uma abordagem CTS est ligada necessidade da sociedade
contempornea de que o cidado nela inserido seja cientfica e tecnologicamente alfabetizado.
Tal alfabetizao pretende dotar o indivduo das representaes necessrias para
compreender, agir e tomar decises responsveis quanto s questes ligadas aos
conhecimentos cientficos e tecnolgicos. Est em jogo, tambm, a possibilidade desejvel de
ampliao do poder de deciso, geralmente centrado nas mos de um grupo restrito de
pessoas, para que haja uma sociedade cientificamente e tecnologicamente alfabetizada.
Santos e Mortimer (2000) apresentam uma srie de autores que buscam uma
significao para o que se refere nfase curricular CTS. As definies apresentadas no se
tornam divergentes por apresentarem algumas variaes, mas, complementares. Neste
trabalho, optamos pela caracterizao de CTS trazida pelos estudiosos e atribuda a Hofstein,
Aikenhead e Riquarts9 como sendo o
ensino do contedo de cincia no contexto autntico de seu meio
tecnolgico e social, no qual os estudantes integram o conhecimento
cientfico com a tecnologia e o mundo social de suas experincias do dia-a-
dia. (p. 136).
9 HOFSTEIN, A., AIKENHEAD, G., RIQUARTS, K. (1988). Discussions over STS at the fourth IOSTE
symposium. International Journal of Science Education, v. 10, n. 4, p. 357-366.
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33
Ainda segundo Santos e Mortimer (2000), isso equivaleria
a uma integrao entre educao cientfica, tecnolgica e social, em que os
contedos cientficos e tecnolgicos so estudados juntamente com a
discusso de seus aspectos histricos, ticos, polticos e scio-econmicos.
(p. 136).
Nos trabalhos desenvolvidos com nfase em CTS, a cincia vista como uma
construo humana, dinmica, provisria e falha. Tambm como uma dimenso da cultura
humana, sem assumir posio hierrquica privilegiada em relao s demais formas de
conhecimento. Assim, a tecnologia deixa de ser vista como mera aplicao do conhecimento
cientfico e passa a ser entendida como um conjunto de atividades humanas que visam
construo de artefatos e que faz uso de um sistema prprio de smbolos, mquinas e
instrumentos, atravs de um conhecimento sistematizado.
A sociedade, juntamente com as questes ambientais, d significado ao
conhecimento cientfico e tecnolgico, pois a que se d a problematizao (SANTOS e
MORTIMER, 2000). Esse conceito de cincia e de seu ensino claramente contrria quela
inicialmente apresentada como a mais comum em nossa sociedade e na escola, e pode
constituir um caminho vivel em nossa busca pela melhoria na qualidade do ensino de
Qumica.
Contudo, os autores tambm explicam que crticas a esse tipo de abordagem existem.
Talvez a principal delas seja a dificuldade da real utilizao dos conceitos cientficos na
resoluo dos problemas. Isso ocorre porque, na realidade, podem existir diferentes modelos
conceituais aplicveis resoluo de um mesmo problema, ou, ainda, por bastar a utilizao
do senso comum na resoluo de muitos problemas, sem que seja necessria a utilizao dos
conhecimentos cientficos. Porm, os pesquisadores afirmam que o reconhecimento desses
limites no trabalho em uma perspectiva CTS benfico, pois evita a iluso de que, de alguma
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34
forma, a cincia poder informar todas as nossas decises, o que seria um pensamento
cientificista.
Em artigo mais recente, Santos (2007) reafirma a relevncia dos currculos CTS no
ensino de Cincias, chamando a ateno para a necessidade de contextualizao dos
contedos e de abordagens interdisciplinares. Para ele, necessrio que ocorra o que chama
de alfabetizao cientfica crtica. Caracterizada pelo questionamento aos modelos e valores
de desenvolvimento cientfico e tecnolgico na sociedade atual, essa alfabetizao poderia
favorecer a mudana social, em contraposio a uma viso reducionista da alfabetizao
cientfica alicerada nos mitos da superioridade das decises aristocrticas, da perspectiva
salvacionista da cincia e do determinismo tecnolgico, que contribuem para a manuteno de
uma concepo de neutralidade da Cincia.
O autor analisa, tambm, o desenvolvimento de trabalhos na rea, alertando
novamente para o fato de no se poder esperar que um currculo ou proposta CTS traga
garantias de resoluo dos problemas no ensino de Cincia. Ele cita Fracalanza10
, afirmando
que muito se tem avanado nas pesquisas, porm, pouco na prtica quando o assunto CTS.
Das idias de Santos, compartilham Pinheiro, Silveira e Bazzo (2007). Eles
acrescentam a idia de diferentes modalidades de tomada de deciso na sociedade, mostrando
que diversos segmentos sociais podem ser atores neste processo, contrapondo-se idia de
que apenas um pequeno grupo ser capaz de avaliar adequadamente as variveis cientficas
necessrias tomada de deciso. Segundo os autores, nesse
encaminhamento, o ensino-aprendizagem passar a ser entendido como a
possibilidade de despertar no aluno a curiosidade, o esprito investigador,
questionador e transformador da realidade. (2007, p. 5).
10
FRACALANZA, H. O ensino de cincias no Brasil. In: FRACALANZA, H; MEGID NETO, J. (orgs). O livro
didtico de Cincias no Brasil. Campinas: Editora Komedi, 2006.
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35
Ricardo (2007) chama a ateno para as dificuldades a serem vencidas na
implantao de propostas CTS em contextos normais de Educao Formal. Considera que
ainda h necessidade de um aprofundamento didtico para que as prticas com enfoque CTS
estejam efetivamente presentes nas salas de aula, e no apenas em perodos excepcionais,
quando ocorrem. Ele defende que as relaes CTS vo muito alm das dimenses da escola e
afirma que, muitas vezes, fatores externos ao contexto de Educao Formal, como, por
exemplo, a mdia, so muito mais fortes no sentido de influenciar o cidado no processo de
tomada de deciso, pois essas relaes tm dimenses muito maiores e mais abrangentes do
que o que se pode perceber no contexto escolar. O autor sugere que essa uma primeira
dificuldade a ser vencida. Ele diz ser que deve haver uma reorientao nos saberes ensinados
e nas prticas docentes, sem a qual poderia ocorrer apenas uma simples transposio da sigla
CTS para a escola sem que, de fato, ela represente as relaes reais entre Cincia, Tecnologia
e Sociedade.
Ao passarem por um processo de didatizao, os saberes sofrem uma
transformao e so exilados de suas origens e desatrelados de seu contexto histrico. Assim,
descobrir quais saberes devem ou podem ser transpostos para a sala de aula em uma educao
CTS exige cuidado. Isso constitui uma segunda dificuldade, agravada pela atual estrutura
escolar, que obriga professores e alunos a rotinizarem sua prtica, no refletindo
adequadamente sobre ela (RICARDO, 2007).
Uma terceira dificuldade, ainda segundo o mesmo autor, estaria relacionada ao fato
de Cincia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente serem entendidos como instncias produtoras
de saberes a serem transpostos para a Educao Formal ou, ento, se apenas Cincia e
Tecnologia seriam referncias dos saberes escolares, enquanto Sociedade e Ambiente seriam
as fontes dos temas a serem trazidos como problemas. Segundo o pesquisador, atualmente
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36
tem prevalecido, nos trabalhos com enfoque CTSA, a segunda opo, a qual parece estar de
acordo com as idias de Santos e Mortimer (2000).
Outra dificuldade apontada por Ricardo (2007) seria o livro didtico, que,
freqentemente, acaba servindo de obstculos para a aproximao do educando com o
Mundo, o Universo e a Vida em funo de sua forma excessivamente artificial. (p. 9).
Ainda para Ricardo (2007), embasado em Martinad11
, alm de contribuir para que o
cidado seja capaz de tomar decises coerentes e responsveis, o ensino CTS traria subsdios
para apoiar orientaes e escolhas profissionais, aproximar os alunos do mundo tecnolgico,
de tcnicas de informao ou ainda de uma pedagogia de ao (p. 8).
Na reviso bibliogrfica, notamos que todos os autores citados at agora, de alguma
forma, fazem um contraponto entre a pedagogia de Paulo Freire e os trabalhos com enfoque
CTS/CTSA. Tal contraponto refere-se ao fato de que, independente do movimento CTS
surgido no exterior, Paulo Freire j alertava para as necessidades de o ensino ter o papel de
instrumentalizar o cidado para as decises cotidianas. Assim, principalmente na proposio
da utilizao de temas geradores nos processos de ensino e aprendizagem, as idias de Freire
tm sido associadas ao movimento CTS por alguns autores.
Apesar da posio de tais autores, em uma anlise dos pressupostos para o contexto
brasileiro de propostas com nfase CTS, Auler (2007), ao articular as idias de Freire (1999)
com as prticas CTS encontradas em trabalhos no Brasil e no exterior, aponta algumas
incoerncias. Para ele, o balizamento entre as idias de Paulo Freire e o ensino CTS, tal como
tem sido proposto, no encontra total coerncia por trs motivos bsicos:
i. na perspectiva de Freire, os temas geradores partem de necessidades do grupo, com
a participao dos alunos e de toda a comunidade escolar, enquanto, nos trabalhos CTS
analisados, os temas partem, na maioria das vezes, do professor;
11
MARTINAND, Jean-Louis. Lducation technologique lcole moyenne en France: problems de didactique curriculaire. La Revue Canadienne de lEnseignement des Sciences des Mathmatiques et des Technologies,
v.3, n.1, 2003
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37
ii. na perspectiva freiriana, os temas so pontuais, dizendo respeito a problemas ou
necessidades especficas da comunidade, enquanto, nos trabalhos CTS, os temas costumam
ser universais;
iii. o tema quem determina o currculo na perspectiva de Paulo Freire, enquanto,
nas propostas CTS, em geral, os temas so escolhidos em funo do currculo, ou seja, o
currculo determina o tema.
Auler (2007) faz, ento, uma crtica a esse modelo CTS que tem se desenvolvido no
Brasil. Para ele, falta uma maior preciso conceitual e uma explicitao dos pressupostos
poltico-pedaggicos subjacentes ao enfoque CTS. O autor sugere, ento, a utilizao dos
pressupostos de Paulo Freire como norteadores das prticas educacionais com enfoque CTS,
observadas as constataes j mencionadas.
Neste trabalho, como constatou Auler (2007), partimos do contedo para a definio
do tema. Consideramos, contudo, que, em um mundo globalizado, diversas questes sociais
so, tambm, de interesse global. Assim, h situaes em que uma comunidade, sensvel a um
problema especfico, parte para a investigao a fim de encontrar respostas. Em outras
situaes, os problemas so globais, como no caso da intensificao do efeito estufa, do
destino do lixo ou da escolha entre produtos orgnicos ou convencionais.
A Radioatividade, apesar de ser um contedo, tambm um tema. Todo ser humano
est exposto a ela, e as conseqncias de sua utilizao, sistematizada na forma de produo
de energia, irradiao de alimentos, procedimentos mdicos, etc, implica conseqncias
sociais em todo o mundo, constituindo, a nosso ver, um tema de interesse global.
Quanto fundamentao terica do movimento CTS em Paulo Freire, concordamos
com Auler (2007) quando afirma que h diferenas entre o que desenvolvemos no Brasil
como abordagem CTS e o que preconiza a pedagogia de Paulo Freire.
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Consideramos, porm, que, ao tratarmos de assuntos de interesse global, pelos
motivos j citados, pode-se pensar em uma aproximao entre o que se tem desenvolvido em
termos de trabalho CTS no Brasil e algumas das idias de Paulo Freire naquilo que se refere
ao trabalho com temas geradores em uma perspectiva dialgica. Isso pode ser possvel desde
que haja um compromisso do professor com tais idias na conduo dos trabalhos.
1.2 Histria e Filosofia da Cincia (HFC) e o ensino de cincias
Conforme discutido no captulo anterior, uma viso de cincia positivista e empirista
tem sido disseminada das mais diversas formas. Podemos v-la, por exemplo, nos filmes, nos
comerciais de TV e na mdia em geral, mas tambm podemos encontr-la nos livros didticos,
em cursos de formao de professores e na postura que o professor assume diante de seus
alunos como o porta-voz oficial da cincia em sala de aula. Tudo isso tem favorecido a
manuteno de uma viso de cincia como algo superior, talvez inatingvel, quase sagrado, na
qual os laboratrios podem ser tidos como verdadeiros templos e os cientistas, como
sacerdotes do saber verdadeiro.
Por outro lado, discusses acerca da filosofia e da epistemologia da cincia tm
debatido tais questes e apontado outros caminhos. Nesse sentido, destacamos as idias de
Popper, que defende a construo cientfica a partir de um raciocnio hipottico dedutivo em
contraposio quele empirista positivista tradicionalmente presente em grande parte dos
livros didticos de cincias (POPPER, 1993).
Segundo o autor, o conhecimento cientfico no pode ser entendido como
verdade, uma vez que no h como verificar a validade de uma teoria cientfica, sendo
possvel apenas refut-la. Assim, uma teoria cientfica ganha fora na medida em que as
tentativas de refut-la no so bem sucedidas, o que as corrobora. Nesse caso, percebe-se que
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teorias cientficas no podem ser comprovadas, mas apenas corroboradas na medida em que
no se consegue refut-las (POPPER, 1993). Nas palavras de Popper12
, citado por Silveira
(1991),
no h estrada, real ou como seja, que leve da necessidade de um dado conjunto de fatos especficos a qualquer lei universal. O que chamamos
leis so hipteses ou conjecturas que sempre fazem parte de algum sistema de teorias mais amplo (de fato, de um horizonte inteiro de
expectativas) e que, portanto, no podem ser testadas em isolamento. O
progresso da cincia consiste de experincias, de eliminao de erros, e de
mais tentativas guiadas pela experincia adquirida no decorrer das tentativas
e dos erros anteriores. Nenhuma teoria em particular pode, jamais, ser
considerada absolutamente certa; cada teoria pode tornar-se problemtica,
no importa quo bem corroborada possa parecer agora. Nenhuma teoria
cientifica sacrossanta ou fora de crtica. (p. 67).
Silveira (1991) tambm informa que, no pensamento indutivista, o que importa a
verificao, pois, atravs dela, poder-se-ia saber se uma teoria verdadeira ou pelo menos
provvel (p.66). Mas, para Popper, as severas tentativas de refutar uma teoria e que
resultaram em corroborao so as que realmente importam (p.66). A partir de tais idias,
sugerimos que o ensino de Cincias seja desenvolvido sobre a viso de que a cincia no
detentora da verdade absoluta, nem to pouco institui um ramo do conhecimento
fundamentado em dogmas, mas que constitui uma dentre muitas maneiras de interpretar os
fenmenos naturais, possuindo carter mutvel e falvel.
Tais idias de Popper nos parecem mais coerentes com o processo de construo do
conhecimento cientfico. Do contrrio, para que ensinar aos alunos do ensino mdio os
modelos atmicos de Dalton e Thonson, por exemplo? Se tais teorias so limitadas, por que
no falarmos apenas do modelo atual? A importncia est em, a partir da construo histrica
do modelo atmico, compreender como ocorre a construo do conhecimento cientfico,
12
POPPER, K. R., O Balde e o Olofote: duas teorias do conhecimento (1975); p. 330. Discurso proferido em
1948.
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compreender quais as demandas de conhecimento que geraram cada um dos modelos e como
eles tm sido refutados ou corroborados ao longo do tempo.
Outro importante filsofo da Cincia, Thomas Kuhn, apesar de ter uma viso
diferente da popperiana acerca de como se constri o conhecimento cientfico, traz, como
fundamentalmente importante no processo de investigao epistemolgica da Cincia, a
anlise histrica. Em suas palavras, se a histria fosse vista como um repositrio para algo
mais do que anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformao decisiva na
imagem de cincia que atualmente nos domina. (2007, p. 19).
No pretendemos, aqui, discorrer sobre a viso popperiana ou kuhniana de Cincia
ou sobre a dinmica de construo de seus conceitos ou critrios de demarcao. Apenas
desejamos deixar claro que, em uma filosofia da cincia mais contempornea, ainda que no
se abra mo da razo, a Cincia passa a ser entendida dotada de um carter de provisoriedade
e de falibilidade, que, em grande medida, determinado por anlises histricas. No entanto,
essa viso, em geral, ainda no chegou sala de aula.
Diante disso, consideramos tambm necessrio que o professor incorpore tal viso
em suas concepes sobre Cincia para que essa possa se fazer presente em sua prtica
docente, condio que consideramos fundamental para que o ensino de cincias ocorra com
uma premissa de qualidade.
Assim, partindo do princpio de que um dos objetivos do ensino de cincias
proporcionar a alfabetizao cientfica, vemos a necessidade de traar estratgias que
permitam ao aluno articular as concepes que j tm sobre os fenmenos quelas que lhes
so apresentadas nas aulas de cincias. Nesse sentido, uma alternativa pode ser a insero de
aspectos de Histria, Filosofia e Sociologia da Cincia no ensino de cincias, de forma a
apresentar o conhecimento cientfico como uma produo cultural, sujeita, como qualquer
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41
outro ramo da construo humana, a influncias diversas de aspectos sociais, polticos, ticos,
econmicos e at mesmo pessoais, entre outros. Segundo Matthews 13
, em Barra (1998),
um professor de cincias histrica e filosoficamente instrudo pode ajudar
os seus alunos a compreender exatamente como a cincia apreende e no
apreende o mundo real, subjetivo e vivido. Um professor sem essa instruo
deixa os estudantes com a infeliz escolha entre rejeitar, por ser uma
fantasia, ou o seu prprio mundo ou o mundo da cincia. (p. 15).
Ainda segundo Matthews (1995), um ensino de cincias calcado em uma perspectiva
que leve em conta a histria, a filosofia e a sociologia (HFS) da cincia no ter todas as
respostas para os problemas concernentes ao ensino de cincias, porm, pode trazer muitas
contribuies, tais como: humanizar as cincias; aproxim-las dos interesses pessoais, ticos,
culturais e polticos da comunidade; tornar as aulas de cincias mais desafiadoras e reflexivas;
permitir o desenvolvimento do pensamento crtico; contribuir para um entendimento mais
integral da matria cientfica.
Neste contexto, no possvel deixar de citar Japiassu (1999), para quem um dos
antdotos contra o dogmatismo do ensino das cincias consiste em ensin-las em sua histria
(p. 104).
Na perspectiva da formao de professores, destaca-se o auxlio, em uma abordagem
HFC do ensino de cincias, no desenvolvimento de uma compreenso da epistemologia da
cincia que favorea o entendimento dos mecanismos de construo do saber cientfico e do
espao que ocupa na cultura humana.
Tal abordagem caracteriza-se no pela insero de um tpico de Histria, Filosofia e
Sociologia da Cincia nos currculos de cincias, mas desejvel que tais aspectos sejam
naturalmente parte dos temas tratados nas aulas e no apenas curiosidades que permeiam os
rodaps dos livros didticos de cincias, ou algo semelhante. O que defendemos uma
13
MATTHEWS, M. R., Science Teaching: The hole of history andprhulosophy of science. New York,
Routledge, 1994.
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42
abordagem contextualizada do ensino de cincias, que contribua para a construo de uma
viso humanista e dinmica da natureza do conhecimento cientfico.
H, porm, crticas a essa proposta. Elas se baseiam principalmente em dois
argumentos. O primeiro deles o de que se ensina uma histria diferente da verdadeira.
Muitas vezes, com o objetivo de dar nfase a aspectos especficos do que se quer ensinar
admite-se at mesmo a distoro proposital da histria (KLEIN14
e WHITAKER15
, citados
por MATTHEWS, 1995). O outro de que com uma viso clara, por parte dos alunos,
daquilo que Kuhn chamou de mudana de paradigmas e revoluo cientfica, a crena no
paradigma atual se enfraqueceria, prejudicando o ensino de cincia.
Contudo, compartilhamos com Matthews (1995) a idia de que a crena em uma
cincia que no se apresente com tais caractersticas histricas, filosficas e sociais seria a
crena em uma pseudocincia. Consideramos, ainda, que, se julgarmos danosa a abordagem
HFC do ensino de cincias por entendermos que no existe Histria, seno aquela contada
pelo historiador, estaramos renegando o esprito crtico que tanto desejamos que nossos
alunos desenvolvam, por no consider-los capazes de aprender a ler criticamente quaisquer
aspectos histricos, filosficos ou sociais que se lhes apresente.
Podemos, ainda, argumentar em favor da abordagem HFC para o ensino de cincias
que, se tais crticas forem consideradas de forma radical, qual seria o destino do ensino de
Histria como componente curricular? De fato, toda histria contada a partir do olhar do
historiador, porm, a nosso ver, este um fato inerente Histria, que no renega em
nenhuma hiptese o seu valor. Fato que pesquisas tm mostrado que a abordagem HFC tem
trazido avanos no ensino de cincias e contribudo em alguns casos para motivar os alunos
(MATTHEWS, 1995; PEDUZZI, 2001). Em linha semelhante de raciocnio, Japiassu (1999)
14
KLEIN. M. J., Use and Abuse of Historical Teaching In Physics, in S. G. Brush & A. L. King (eds.) History in the Teaching of Physics, University Press of New England, Hanover, 1972.
15 WHITAKER, M. A. B., History and Quasi-history in Physics Education Pts I, II, Physics Education n. 14 p.
108-112, 239-242, 1979.
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considera que a histria das cincias no consegue provocar converses ou subverses. Mas
constitui certamente um fator de renovao de seu ensino e de desenvolvimento das
potencialidades crticas dos estudantes. (p. 105).
Pretendemos esclarecer que, no que tange a uma abordagem de filosofia da cincia,
no estamos propondo a relevncia de discutir em nvel mdio nas aulas de Qumica as idias
dos principais filsofos da cincia e aprofundar em uma anlise crtica sobre elas. No entanto,
interessa, sim, mostrar, em nossa abordagem dos contedos de cincias, que existem vises
distintas sobre o fazer cientfico, e que tais vises tm permeado as concepes acerca da
natureza da cincia ao longo do tempo.
A filosofia da cincia teria, aqui, um papel de contribuio no sentido de
proporcionar uma viso de cincia mais humana, cooperativa, dinmica e mutvel em
contraposio quela viso de cincia dogmtica discutida inicialmente.
A importncia dos aspectos histricos, filosficos e sociais no pode ser negada nem
no contexto de produo de conhecimento cientfico nem na prpria evoluo do ensino de
um modo geral e do ensino de cincias em particular. Segundo Santos (2007), o contexto
scio-histrico tem influenciado nas mudanas ocorridas nas nfases curriculares propostas
pelos educadores em cincias.
Em Nardi (2005), vemos que o ensino de cincias no mundo e tambm no Brasil foi
influenciado por demandas sociais e contextos histricos especficos. Como exemplos,
podemos citar a educao voltada para a formao de cientistas, viso cientificista, nas
dcadas de 60 e 70, inicialmente nos Estados Unidos e com reflexos no Brasil, e o ensino com
abordagem CTS, a partir das dcadas de 70 e 80, advindos das necessidades da era
tecnolgica.
Ainda possvel citar o surgimento das demandas relacionadas aos problemas
ambientais e sua influncia no ensino, que se iniciou com os debates sobre a necessidade de
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44
uma Educao Ambiental e com a presena da mesma nas diretrizes oficiais para o ensino,
como os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (Brasil, 1999). Assim, o
contexto histrico e social em um dado momento tem influenciado e at direcionado os
caminhos seguidos pela humanidade em todos os seus domnios, inclusive na Cincia e no
ensino de cincias.
Portanto, propomos que o ensino ocorra em uma perspectiva cultural, no alheio aos
aspectos da histria, filosofia e sociologia da cincia, sob pena de estarmos optando por um
ensino frgil, fragmentado, destitudo de seu carter humano e, muitas vezes por isso mesmo,
alheio aos interesses dos estudantes.
1.3 Abordagem CTS e relao HFC
Se, por um lado, o ensino de cincias, desarticulado dos aspectos histricos e
culturais nos quais a cincia se d, corre o risco de ser frio, impessoal e dogmtico, de outro,
esse ensino desarticulado dos aspectos tecnolgicos e sociais atuais, perde, tambm, o seu
objetivo de promoo da alfabetizao cientfica.
Retomando a idia de Nardi (2005), de que a nfase dos currculos de cincia tem
mudado em funo de demandas histricas e sociais, vemos que tais demandas deram origem
ao movimento CTS. Esse movimento surge, segundo Aikenhead 16
, em Santos (2007), pelas
presses sociais de diferentes naturezas, desde as econmicas at as prticas.
Tais demandas se justificam, entre outros fatores, pela influncia causada pelo
avano tecnolgico nas relaes ambientais, econmicas, sociais, ticas e polticas, as quais
tm mostrado que a cincia pela cincia no se justifica e que, apesar de uma aparncia
16
AIKENHEAD, Glen S. STL and STS: common ground or divergent scenarios? In: JENKINS, Edgar (Ed.).
Innovations in science and technology education, vol. VI. Paris: UNESCO Publishing, 1997. p. 77-93.
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45
objetiva e neutra, os fatos da cincia so construdos socialmente (LATOUR e WOOGLAR17
,
citados por SANTOS e MORTIMER, 2000). Nas palavras de Latour (2000), a cincia
tem uma qualidade que depende crucialmente de fatores como local,
oportunidade e estimativa do mrito das pessoas e daquilo que elas esto
dizendo. (p. 23).
As pesquisas tm conduzido idia de que fundamental a compreenso da
natureza da cincia para que se possa entender as relaes entre cincia, tecnologia e
sociedade, (AIKENHEAD, 198518
e 199419
; LAYTON, DAVEYE e JENKINS20
;
RAMSEY21
; SOLOMON22
; e STIEFEL23
, em SANTOS e MORTIMER, 2000). Para tanto,
conforme proposto por Matthews (1995) e tambm por Santos e Mortimer (2000), justifica-se
a necessidade de insero dos aspectos HFC no ensino de cincias.
Percebemos, ento, que a proposta CTS se conjuga com uma abordagem HFC no
ensino de cincias e ambas convergem para um ensino de cincias que favorea a
alfabetizao cientfica. A articulao de discusses sobre aspectos da histria, filosofia e
sociologia da cincia apresentam-se como requisitos necessrios a uma real abordagem CTS,
que promova a compreenso da cincia, tecnologia e sociedade como dimenses que se
relacionam e se influenciam mutuamente.
Essa viso tem se mostrado consensual entre a maioria dos pesquisadores em ensino
de cincias, de forma que esto presentes nitidamente nos documentos oficiais atuais, como os
17
LATOUR, B. WOOGLAR, S., A vida de laboratrio: a produo dos fatos cientficos. Rio de Janeiro: Relume
Dumar, 1997. 18
AIKENHEAD, G. S., Collective decision making in the context of science. Science Education, v. 69, n. 4,
1985. 19
AIKENHEAD, G. S., What is STS science teaching? In: SOLOMON, J., AIKENHEAD, G. STS education:
international perspectives on reform. New York: Teachers College Press, p. 47-59, 1994 20
LAYTON, D., DAVEY, A. JENKINS, E., Science for specific social purposes (SSSP): perspectives on adult
scientific literacy. Studies in Science Education, n. 13, p.27-52, 1986. 21
RAMSEY, J., The science education reform movement: implications for social responsibility. Science
Education, v. 77, n. 2, p. 235-258, 1993. 22
SOLOMON, J., Teaching science, technology and society. Buckhingham: Open University Press, 1993. 23
STIEFEL, B. M., La natureleza de la ciencia en los enfoques CTS. Alambique didctica de las ciencias
experimentales, v. 2, n. 3, p. 19-29, 1995.
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46
PCN (BRASIL, 1999) e PCN + (BRASIL, 2002). Tais documentos sugerem a
contextualizao dos contedos de cincias com a finalidade de aquisio de competncias
ligadas aos conhecimentos cientficos inseridos em processos histricos, sociais e culturais,
alm dos aspectos prticos e ticos necessrios s demandas do mundo contemporneo que
incluem uma educao tecnolgica (SANTOS e MORTIMER, 2000). Esse enfoque prope
combater o que pesquisas tm chamado de viso deformada de cincias (CACHAPUZ et
al., 2004).
Para Japiassu (1999), o ensino de cincias deveria levar os alunos a compreender os
desafios sociais da Cincia (p. 33). Ento, ele prope que nada permanea puramente
escolar, nada seja experimentado como estranho sua vida prpria ou constitua objeto frio de
memorizao (p. 33). Ou seja, desejvel que o ensino de cincias ocorra de forma que
privilegie uma concepo crtica da Cincia e, pela aprendizagem, o aluno analise a atuao
da Cincia e suas implicaes no que se refere s suas relaes com a tecnologia, a sociedade
e o meio ambiente.
Mais uma vez, uma perspectiva de abordagem HFC para o ensino de cincias
aparece como necessria abordagem CTS, para que se favorea inicialmente a compreenso
da natureza da Cincia, para, a partir da, a aprendizagem de seus conceitos e leis ganhar
sentido nas articulaes CTS.
1.4 A questo da interdisciplinaridade
Ao abordar um ensino de cincias levando em conta os pressupostos da Histria e da
filosofia da Cincia e as relaes CTS, no h como no tratar da questo da
interdisciplinaridade. Nesse contexto, ela se torna inerente ao processo. Assim, o que
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chamamos aqui de interdisciplinaridade extrapola a dimenso da conceituao terica e
assume um carter de prtica pedaggica (JAPIASSU, 1976). Logo, a interdisciplinaridade,
em primeiro lugar, aparece como uma prtica individual:
fundamentalmente uma atitude de esprito, feita de curiosidade, de abertura,
de sentido da descoberta, de desejo de enriquecer-se com novos enfoques,
de gosto pelas combinaes de perspectivas e de convico levando ao
desejo de superar os caminhos j batidos. (...) Em segundo lugar, a
interdisciplinaridade aparece como prtica coletiva. (p. 82).
Nesse trecho, Japiassu discute a interdisciplinaridade inerente aos processos de
pesquisa. Contudo, na Educao, consideramos que ela se d da mesma forma, havendo
primeiramente a necessidade de o indivduo, nesse caso, o professor, perceber-se
interdisciplinar, e, posteriormente, poder estabelecer dilogos com outros professores que
compartilhem da mesma percepo, para construrem uma prtica interdisciplinar coletiva. Ou
seja, a comunicao constitui-se em um pressuposto bsico para o desenvolvimento da
interdisciplinaridade, conforme Fazenda (1994).
Sobre as caractersticas de um professor interdisciplinar, Fazenda (1994) considera
que ele
traz em si um gosto especial por conhecer e pesquisar, possui um grau de
comprometimento diferenciado para com seus alunos, ousa novas tcnicas e
procedimentos de ensino (...). Esse professor algum que est sempre
envolvido com o seu trabalho, em cada um de seus atos. (p. 31).
Entendemos, ento, por interdisciplinaridade, uma caracterstica ou compromisso
pessoal que se traduz atravs de uma prtica interdisciplinar. Consideramos, assim, necessria
a existncia de pessoas, de professores e professoras adeptos introduo de atividades
interdisciplinares nas escolas, para que, a partir da, possam existir trabalhos ou projetos
interdisciplinares.
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48
Tal interdisciplinaridade surge da necessidade de uma viso orgnica do
conhecimento, que, historicamente, passou a ser cada vez mais fragmentado em suas
especificidades (JAPIASSU, 1976). Na escola, a necessidade de uma postura interdisciplinar
se traduz na dificuldade em formar cidados aptos a discernirem as questes que se colocam
na sociedade moderna, globalizada, o que no se alcana com currculos organizados nas
disciplinas escolares (FAZENDA, 1993).
Para Nogueira (2001), um dos problemas na interdisciplinaridade a questo da
postura. O autor defende que,
para sua prtica, se faz necessria uma postura aberta para tudo e para todos,
aberta aos seus saberes e aos seus no-saberes. (...) Sem a postura de
humildade e reconhecimento dos seus no-saberes, diante de seus pares, o
professor no se dispe a realizar trocas com os demais especialistas. Sem a
coragem de declarar seus no saberes e o medo de ser taxado como
ignorante em um determinado assunto, o professor no pede auxlio aos demais especialistas, e desta forma inviabiliza a intensidade de troca e
integrao. (p. 136).
Essa viso interdisciplinar essencial em um ensino de cincias que busque a
construo de uma viso de Cincia como elemento da cultura humana, dinmica e articulada
aos demais processos sociais.
1.5 Ensino de radioatividade
Pelos motivos apresentados na introduo e no captulo 1 desse trabalho, escolhemos
como tema para uma abordagem CTS a Radioatividade. Assim, buscamos, na literatura,
publicaes educacionais acerca do tema.
Poucos trabalhos foram encontrados sobre ensino de Radioatividade nas publicaes
nacionais sobre ensino de cincias. Em tais publicaes, encontramos quatro artigos que
tratam de propostas de abordagem do tema com os alunos, alm de um trabalho de mestrado,
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no qual feita uma anlise da abordagem dos livros didticos de Qumica para o tema
Radioatividade. A seguir, apresentamos, de forma breve, o que foi encontrado.
Trs artigos tratam da utilizao de jogos de computador no ensino de cincias
(EICHLER et al., 2005; EICLER, JUNGES e DEL PINO, 2006; e EICHLER et al., 2006).
Dos trs, dois discutem o mesmo jogo, chamado Cidade do tomo. O jogo faz parte do
projeto Energos (EICHLER ET AL, 2006), cujo objetivo de aprendizagem promover o
debate escolar sobre as formas de produo de energia eltrica. No referido projeto, jogos
foram desenvolvidos para promover o debate de diversas formas de produo de energia,
sendo o segundo jogo o que trata da produo de energia eltrica a partir de usinas nucleares.
Cidade do tomo analisado detalhadamente por Eichler, Jungs e Del Pino (2006),
sendo apresentado como uma estratgia que permite qualificar as opinies dos estudantes
sobre esse assunto(p. 18). Segundo os autores, a
utilizao da energia nuclear na produo de energia eltrica um tema em
constante debate. As opinies encontradas nos meios de comunicao so
contraditrias e, muitas vezes, controversas. Talvez por isso, seja um
assunto de contnuo interesse por parte dos estudantes. Entretanto, as
abordagens livrescas de ensino, muitas vezes, no parecem suficientes para
qualificar as opinies dos estudantes sobre esse debate. (p.18).
A percepo dos autores sobre o interesse dos alunos quanto ao tema e sobre a forma
como abordado pelos livros a mesma que a nossa. com esses argumentos que eles
justificam a importncia da utilizao do jogo, que permite a interpretao de papis e o
posicionamento acerca da construo fictcia de uma usina nuclear em sua cidade.
No jogo24
, os alunos so solicitados a redigirem um documento endereado ao
prefeito da cidade, posicionando-se contrrios ou favorveis quanto construo da usina,
fornecendo os argumentos que fundamentem sua posio. Isso feito aps a visita virtual s
24
O software pode ser obtido em www.iq.ufrgs.br/aeq/cidatom.htm.
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50
instalaes da usina para o conhecimento de seu sistema de funcionamento e, depois, do
conhecimento das opinies de vrios cidados da cidade.
Em outro artigo, Eichler, Jungs e Del Pino (2005) apresentam, juntamente com o
Cidade do tomo, outro jogo, o Urnio-235, classificado como jogo de aventura. Segundo os
autores, Urnio-235 apresenta os seguintes contedos de Qumica: matria, modelos
atmicos, estados fsicos da matria, misturas e separao, tabela peridica, ligaes
qumicas, funes qumicas, reaes qumi