2008__333_setembro

48
Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa O SIGILO DA FONTE É INTOCÁVEL 333 SETEMBRO 2008 ADEUS FAUSTO WOLFF, LOURENÇO DIAFÉRIA, FERNANDO BARBOSA LIMA LUIZ MENDES, 84 ANOS, ESTÁ COM A BOLA TODA ELE COBRIU 13 COPAS DO MUNDO E TOCA UM BOLÃO NO RÁDIO. PÁGINAS 20, 21, 22 E 23 SUMIRAM 170 VÍTIMAS DO TERROR NO URUGUAI CIENTISTA POLÍTICO URUGUAIO FAZ IMPRESSIONANTE RELATO SOBRE A DITADURA 1973-1985. PÁGINA 15 OS 100 ANOS DA ABI EM SEUS MELHORES TEXTOS O JORNALISTA PROCÓPIO MINEIRO PUBLICOU-OS NA REVISTA O PRELO. PÁGINAS 10, 11, 12 E 13 O jornalismo perdeu um Quixote (Fausto), um cronista sensível (Diaféria) e o pioneiro da informação de qualidade na tv (Fernando). Páginas 43, 44, 45, 46 e 47 UMA PROPOSTA PARA REGULAR A PROFISSÃO PERY COTTA FORMULA IDÉIAS INOVADORAS ACERCA DA REGULAMENTAÇÃO. PÁGINAS 26, 27, 28 E 29 NOSSA ESCRITA VAI MUDAR EM JANEIRO BYE, BYE, TREMA: ACORDO ORTOGRÁFICO PASSA A VALER NO COMEÇO DE 2009. PÁGINAS 16 E 17 COMPARATO: PERDOAR TORTURADOR É IMORAL É TAMBÉM SUBVERSIVO E ESCANDALOSO, DIZ ESSE DESTACADO MESTRE DO DIREITO. PAGINA 33 REPRODUÇÃO Ao pregar a "relativização" do sigilo da fonte, o Ministro Nélson Jobim canhoneia a liberdade de imprensa. Página 30 e Editorial na página 2 Com roteiro de Olinto Gadelha Neto e ilustrações do desenhista Hemetério, a saga do líder da Revolta da Chibata, de 1910. Páginas 38 e 39 JOÃO CÂNDIDO, UM HERÓI DO BRASIL, AGORA EM QUADRINHOS UM JORNALISMO QUE DESCOBRE A VIDA NO CAMPO José Hamilton Ribeiro e outros ases mostram um gênero, o jornalismo rural, que revela na televisão o Brasil profundo. Páginas 3, 4, 5, 6 e 7 126 fotografias que registram a história recente do Brasil e Estados Unidos foram expostas na mostra Impressões Visuais, como esta do beijo em plena Times Square para celebrar o fim da Segunda Grande Guerra. Páginas 34 e 35 IMAGENS MARCANTES

Upload: associacao-brasileira-de-imprensa-abi

Post on 22-Mar-2016

285 views

Category:

Documents


10 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Jornal da ABIÓrgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

O SIGILO DA FONTE É INTOCÁVEL

333SETEMBRO

2008

ADEUS FAUSTO WOLFF, LOURENÇO DIAFÉRIA, FERNANDO BARBOSA LIMA

LUIZ MENDES, 84 ANOS,ESTÁ COM A BOLA TODA

ELE COBRIU 13 COPAS DO MUNDO E TOCA UMBOLÃO NO RÁDIO. PÁGINAS 20, 21, 22 E 23

SUMIRAM 170 VÍTIMASDO TERROR NO URUGUAI

CIENTISTA POLÍTICO URUGUAIO FAZ IMPRESSIONANTERELATO SOBRE A DITADURA 1973-1985. PÁGINA 15

OS 100 ANOS DA ABI EMSEUS MELHORES TEXTOS

O JORNALISTA PROCÓPIO MINEIRO PUBLICOU-OSNA REVISTA O PRELO. PÁGINAS 10, 11, 12 E 13

O jornalismo perdeu um Quixote (Fausto), um cronista sensível (Diaféria) e o pioneiro da informação de qualidade na tv (Fernando). Páginas 43, 44, 45, 46 e 47

UMA PROPOSTA PARAREGULAR A PROFISSÃO

PERY COTTA FORMULA IDÉIAS INOVADORAS ACERCADA REGULAMENTAÇÃO. PÁGINAS 26, 27, 28 E 29

NOSSA ESCRITA VAIMUDAR EM JANEIRO

BYE, BYE, TREMA: ACORDO ORTOGRÁFICO PASSAA VALER NO COMEÇO DE 2009. PÁGINAS 16 E 17

COMPARATO: PERDOARTORTURADOR É IMORAL

É TAMBÉM SUBVERSIVO E ESCANDALOSO, DIZ ESSEDESTACADO MESTRE DO DIREITO. PAGINA 33

REPRO

DU

ÇÃO

Ao pregar a "relativização" do sigilo da fonte, o Ministro Nélson Jobim canhoneia a liberdade de imprensa. Página 30 e Editorial na página 2

Com roteiro de Olinto Gadelha Netoe ilustrações do desenhista Hemetério,a saga do líder da Revolta da Chibata,

de 1910. Páginas 38 e 39

JOÃO CÂNDIDO,UM HERÓI DO

BRASIL, AGORAEM QUADRINHOS

UM JORNALISMOQUE DESCOBRE AVIDA NO CAMPOJosé Hamilton Ribeiro e outros asesmostram um gênero, o jornalismo

rural, que revela na televisão o Brasilprofundo. Páginas 3, 4, 5, 6 e 7

126 fotografias que registram a históriarecente do Brasil e Estados Unidosforam expostas na mostra Impressões

Visuais, como esta do beijo em plena Times Square paracelebrar o fim da Segunda Grande Guerra. Páginas 34 e 35

IMAGENSMARCANTES

2 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

OS ÚLTIMOS TEMPOS TÊM SIDO pródigos emocorrências, manifestações e decisões, estas noâmbito judicial, que demonstram como ainda éinsuficiente a consciência dos agentes sociaisacerca da importância da liberdade de imprensae da liberdade de expressão para a construção deuma sociedade verdadeiramente democrática en-tre nós. O exercício desses bens jurídico-consti-tucionais é fragilizado por essa incompreensão,que tem gerado atos de violência, de arbítrio e detotalitarismo sobretudo nos momentos em quese aguçam os confrontos e ascontradições entre as diferen-tes facções políticas, como nascampanhas e disputas eleito-rais, como as que vivemos a par-tir de junho passado.

FALTA-NOS NO CAMPO DAprática democrática uma tradição nacional, im-plantada com raizes profundas, que suscite res-peito e inspire atos e costumes indispensáveis àconvivência social sem sustos nem sobressaltos.

É COMPREENSÍVEL ESSA CARÊNCIA. Salvo nolongo reinado do Imperador Dom Pedro II, quetinha a liberdade de imprensa como dogma, comorelatado pelo historiador e acadêmico José Murilode Carvalho em sua exemplar biografia domonarca deposto e execrado, nossa existêncianacional é marcada desde o alvorecer da repú-blica por agressões de toda ordem à liberdadede expressão e de informação. O Governo Flo-riano impôs o exílio, como forma de autopro-teção daqueles que por este se decidiram, aadversários a quem deveria não só respeitar mastambém prestar homenagens, como Rui Barbosa,banido para a Inglaterra.

Jornal da ABIDIRETORIA – MANDATO 2007/2010Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Audálio DantasDiretor Administrativo: Estanislau Alves de OliveiraDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê)Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros

CONSELHO CONSULTIVOChico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam),Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.

CONSELHO FISCALLuiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento,Secretário; Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento, GeraldoPereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo e Manolo Epelbaum.

CONSELHO DELIBERATIVO (MESA 2008-2009)Presidente: Fernando Barbosa Lima (in memoriam)1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo2º Secretário: Zilmar Borges Basílio

Conselheiros efetivos 2008-2011Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner,Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima(in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça,Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros efetivos 2007-2010Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves deOliveiora, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, JoséGomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário AugustoJakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pagê), SérgioCabral e Terezinha Santos.

Editores: Maurício Azêdo e Francisco UchaProjeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica:Francisco UchaEdição de textos: Marcos Stefano e Maurício Azêdo

Fotos e ilustrações: Acervo Biblioteca da ABI (BibliotecaBastos Tigre), Agência Brasil, Agência Estado, AgênciaO Globo, Arquivo Jornal do Commercio, Folhapress

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Ana PaulaAguiar, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário deFreitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Robertode Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/[email protected]

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda.Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808Osasco, SP

Conselheiros efetivos 2006-2009Antônio Roberto Salgado da Cunha (in memoriam), Arnaldo César RicciJacob, Arthur Cantalice (in memoriam), Aziz Ahmed, Cecília Costa, DomingosAugusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, GlóriaSuely Alvarez Campos, Heloneida Studart (in memoriam), Jorge MirandaJordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinhoe Pery de Araújo Cotta.

Conselheiros suplentes 2008-2011Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedrodo Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva(Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello,Salete Liusboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e WilsonS. J. de Magalhães.

Conselheiros suplentes 2007-2010Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro,Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, IlmaMartins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri,Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

Conselheiros suplentes 2006-2009Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde,Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup, Estanislau Alves de Oliveira,Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco AurélioBarrandon Guimarães (in memoriam), Marcus Miranda, Mauro dos SantosViana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAEly Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz,Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSAudálio Dantas, Presidente; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germandode Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria CecíliaRibas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, OrpheuSantos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yacy Nunes.

Número 333 - Setembro de 2008

A IMPRENSA NA ALÇA DE MIRAEM MENOS DE 120 ANOS DE REPÚBLICA, pas-

samos quase um terço com privação das liber-dades públicas: os quatro anos do estado de sí-tio do Presidente Artur Bernardes, os oito anosda ditadura do Estado Novo, os 21 anos da di-tadura militar 1964-1985. Ao todo, 33 anos, semcontar as violências descontinuadas, episódi-cas, como as cometidas no Governo Dutra, aquem se atribui falsamente suposto respeito aoLivrinho, como ele se referiria à edição em for-mato de bolso da Constituição de 18 de setem-

bro de 1946.QUANDO PROPÕE O desres-

peito à disposição constituci-onal que garante o sigilo dafonte – bem não privativo dosjornalistas, mas assegurado atodos quantos o tenham como

necessário no exercício de sua profissão, comoos médicos –, a pretexto de relativizá-lo, eufe-mismo que encobre uma redução de caráter di-tatorial, o Ministro da Defesa Nélson Jobim estáa se colocar não à margem da Constituição, masem colisão destemperada, grosseira, apesar dolinguajar rebuscado, com o texto constitucional.

JOBIM COLOCOU A LIBERDADE de imprensana alça de mira de seu canhoneio totalitário. Épreciso denunciá-lo, como fazemos, e detê-lo,como se impõe à sociedade que aspira à conso-lidação e ampliação da democracia no País.

EditorialEditorial DESTAQUES DESTA EDIÇÃO

03 EspecializaçãoEspecializaçãoEspecializaçãoEspecializaçãoEspecialização - Jornalismo rural

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Um campo ainda desconhecido

10 Ano do CentenárioAno do CentenárioAno do CentenárioAno do CentenárioAno do Centenário - Procópio Mineiro:Ele fez os dois melhores textos sobre

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

os nossos 100 anos

16 LinguagemLinguagemLinguagemLinguagemLinguagem - Agora é lei. Em 2009 vamos

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

escrever diferente

18 ComemoraçãoComemoraçãoComemoraçãoComemoraçãoComemoração - A festa de Ancelmo,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

um jovem de 60 anos

19 VVVVVeículoseículoseículoseículoseículos - A paixão da memória de

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Wanderley Peres e seu jornal

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

20 DepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimentoDepoimento - Luiz Mendes

34 FFFFFotojornalismootojornalismootojornalismootojornalismootojornalismo - O fino da imagemjornalística lá e cá

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

36 O melhor da fotografia mundial em Paraty

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

38 ResgateResgateResgateResgateResgate - João Cândido, um herói do Brasil

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

40 PPPPPesquisaesquisaesquisaesquisaesquisa - Leitura no Brasil: o que mudou?

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

41 JustiçaJustiçaJustiçaJustiçaJustiça - A UniRio celebra Mário Barata

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

42 ExposiçãoExposiçãoExposiçãoExposiçãoExposição - Machado revelado

ARTIGO06 Abreu e Lima: um brasileiro que se destacou

no Exército de Bolívar

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

por Mário Augusto Jakobskind

SEÇÕES15 AAAAACCCCCONTEONTEONTEONTEONTECEUCEUCEUCEUCEU NANANANANA AB AB AB AB ABI

“A democracia não pode ser construída

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

com o abandono da memória e da justiça”

26 LLLLLIIIIIBBBBBERERERERERDDDDDADEADEADEADEADE DEDEDEDEDE I I I I IMMMMMPPPPPRRRRRENENENENENSASASASASAUma proposta da ABI para a nova

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

regulamentação da profissão de jornalista

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

30 O sigilo da fonte é intocável

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

31 Ousadia sem limites

32 A imprensa precisa de lei? Não, ela é

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

dispensável, dizem Miro e Thomaz Bastos

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

33 DDDDDIIIIIRRRRREITEITEITEITEITOSOSOSOSOS H H H H HUUUUUMANOSMANOSMANOSMANOSMANOS

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

37 LLLLLIVROSIVROSIVROSIVROSIVROS

41 VVVVVIIIIIDDDDDASASASASAS

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Diaféria, Fernando Barbosa Lima, Fausto Wolff

ERRATA - Na chamada da primeira página da edição número332: a matéria do centenário de Solano Trindade está naspáginas 36 e 37, e não 28 e 29; a eleição de Luiz Paulo Hortapara Academia Brasileira de Letras está na página 37, e não 29.O autor da matéria sobre Clarice Lispector, nas páginas 38 e 39,é Cláudia Souza, e não Marcos Stefano.

3Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

ESPECIALIZAÇÃO

A televisão mostra um Brasil ignorado nos grande centros urbanos.É em Globo Rural, que exige investimentos altos, tem grande audiência

no interior mas é pouco visto nas cidades. Até pelos jornalistas.

POR FRANCISCO UCHA E MARCOS STEFANO

“FOI O BURRO QUE LEVOU O BRASIL ÀCIVILIZAÇÃO.” A frase do repórter NélsonAraújo surpreendeu o telespectador que ligousua televisão na Rede Globo às seis e vinte damanhã do domingo, 23 de março de 2006. Ape-sar de logo esclarecer que estava prestes a co-meçar uma reconstituição histórica, a noçãode que aquilo que se seguiria seria mais umagrande reportagem jornalística do Globo Ru-

ral permaneceu. E foi isso mesmo: durante 66dias, cinco repórteres se revezaram numa vi-agem de 1.760 quilômetros em lombo de mulapara resgatar um marco histórico ignorado pormuitos brasileiros. A marcha de Os Tropeiros

não apenas chamou a atenção por reproduzira viagem de 28 animais em uma rota que deuao País seu primeiro “sistema de transporte”mais eficiente nos séculos 18 e 19, como tam-

bém foi uma aula de como se fazer jornalis-mo rural.

Em um país de dimensões continentais,onde 40% de suas riquezas são geradas nocampo, o jornalismo rural ainda é muito poucotrabalhado. Nesse sentido, o Globo Rural é umagrata exceção, com suas grandes reportagensque retratam não apenas o agronegócio, mastambém o homem do campo e sua ligação eresponsabilidade para com a natureza. Justa-mente por ser uma experiência bem sucedi-da, o Jornal da ABI procurou aqueles que fa-zem o programa em seu dia-a-dia e entendemcomo poucos da cobertura do campo.

Comandado pelo editor-chefe HumbertoPereira, presente desde o começo em 1980, oGlobo Rural também conta em seu time comJosé Hamilton Ribeiro, apontado como um

dos mais brilhantes repórteres do jornalismobrasileiro, ganhador de sete prêmios Esso edono de um currículo que passa pelas revis-tas Quatro Rodas e Realidade e pelo jornal Fo-

lha de S. Paulo. O último participante dessebate-papo sobre o jornalismo rural é Jorge dosSantos, que faz questão de dizer que é repór-ter cinematográfico e não cinegrafista. Algomuito justo para quem já passou por muitasexperiências em mais de 30 anos de jornalis-mo. Recentemente, ele esteve em Riverside,na Califórnia. Lá, em uma pracinha bem pre-servada, está vivo – e produzindo – o pé de la-ranjeira que, há mais de 200 anos, deu origemà citricultura norte-americana. O que nem to-dos sabem é que o pé foi levado para lá do Bra-sil, da Bahia. Coisa que só o Globo Repórter écapaz de mostrar.

Jornalismo RuralJornalismo RuralUM CAMPO AINDA DESCONHECIDOUM CAMPO AINDA DESCONHECIDO

4 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

JORNALISMO RURAL UM CAMPO AINDA DESCONHECIDO

Jornal da ABI – O BRASIL É UM PAÍS DE

DIMENSÕES CONTINENTAIS EM QUE O CAM-PO TEM ENORME PAPEL NO PRODUTO INTER-NO BRUTO. POR QUE O JORNALISMO RURAL

AINDA É TÃO INSIPIENTE POR AQUI?

Humberto Pereira – A cobertura domundo rural, do agronegócio é menordo que a do mundo urbano basicamenteporque os grandes jornais são urbanos,são lidos nas cidades. Até à década de1970 e 1980, só chegavam às bancas dascidades do interior no dia seguinte. Essaé grande dificuldade da imprensa: en-tender e cobrir o mundo rural. Nos úl-timos 20 anos isso vem mudando, pro-gredindo. Já há cobertura especializadano Brasil e no mundo inteiro. Até porconta de crises freqüentes, como essa doaumento do preço dos alimentos, nãoapenas surgem veículos especializados,como grandes órgãos de imprensa pas-sam a ter setores inteiros voltados ape-nas para acompanhar esse mundo. Essefenômeno pode ser visto nos mais di-versos jornais como Financial Time, Wa-shington Post e grandes publicações bra-sileiras, que têm cadernos semanaispara o campo e começam a variar seuconteúdo, não ficando apenas em po-lítica e em números. O planeta ficoumenor com a televisão e a internet.Agora a informação chega no mesmoinstante na grande cidade e na fazenda.E o mundo cada vez mais urbano torna-se cada vez mais dependente do ruralpara se alimentar, sobreviver, preservaro meio ambiente. Por sinal, buscandotrazer esse tipo de conteúdo, o GloboRural é um programa visto no mundointeiro e ao mesmo tempo. Isso facilitapara atender o interesse do telespecta-dor, que tem direito à informação comoo tem o homem da cidade. É nesse sen-tido que o Globo Rural é feito: se háhomem no campo, é justo que seu uni-verso compareça como protagonista dojornalismo, da notícia e da informação.Até porque o homem da cidade precisacada vez mais dele.

José Hamilton Ribeiro – O jornalis-mo no Brasil está de acordo com o País.É um jornalismo atrasado, retardado,semi-analfabeto. Em nosso país, 70%das pessoas são incapazes de ler e enten-der corretamente um texto. Nosso jor-

nalismo, falho em vári-as áreas, reflete isso. Nocaso do jornalismo ru-ral, é uma falha aindamaior porque o campoé um setor da economiamuito forte. O mundorural representa 40% do Produto Inter-no Bruto. A comparação que eu faço:uma greve na Volkswagen dá manche-te no Jornal Nacional, mas de um pro-blema grave com os produtores de lei-te no Brasil a imprensa não fica nemsabendo. E qual é a importância da Vo-lkswagen comparada ao leite do Brasil?A montadora faz parte da indústria au-tomobilística, que gera 100 mil empre-gos. Como os sindicatos são organiza-dos e fortes, gritam muito, têm muitaamizade com os jornalistas, a greve viranotícia logo. Do ponto de vista da for-ça de trabalho, a indústria automobilís-tica no Brasil é desprezível. O leite gera3,5 milhões de empregos. No entanto,se acontece alguma coisa no campo, aimprensa não fica nem sabendo. Porqueaquilo que acontece no campo não en-tra na pauta diária. Mas de um tempopara cá a força do campo, principalmen-te o agronegócio, vem se tornandomuito forte. Os investimentos sãomuito altos, a tecnologia precisa ser deponta. Uma máquina para colher sojacusta 1 milhão de reais. O camarada àsvezes têm dez máquinas. Aquilo preci-sa de um operador especial. Como dis-se o Humberto, ultimamente tem ha-vido uma abertura para o jornalismorural. Já há mais programas na televi-são. O pioneiro e mais importante de-les é o Globo Rural. Hoje temos canaisexclusivos com a visão voltada para orural. É uma coisa que está crescendo.

Jorge dos Santos – Diferente do Zé,acho o espaço do rural na televisão ainda

muito pequeno. O que existe não é ca-paz de apresentar ao espectador a imen-sidão do que este País produz em termosde agricultura, pecuária etc. Além dis-so, o Globo Rural tem aquela linha demeio ambiente, de preservação, ecolo-gia. Batemos de frente com o GloboRepórter, dividimos pautas com eles.Faltam programas em outras emissoras.Existem dois canais fechados, o CanalRural e o Canal do Boi. Só. A maior par-te do público não tem acesso.

JORNAL DA ABI – ALÉM DA FALTA DE VI-SÃO, O QUE MAIS ATRAPALHA O CRESCIMEN-TO DO JORNALISMO RURAL NO BRASIL?

Zé Hamilton – É muito difícil e carofazer jornalismo rural. Muitos já fala-ram em ousadia ao tentarem fazer pro-gramas em estúdios fechados, entrevis-tando líderes de entidades ou do lobbydo agronegócio. É uma fórmula maçan-te, mau jornalismo. O grande negóciodo jornalismo rural é ir ao campo. Abrira câmera para a luz do sol, para as ár-vores, para os animais. Passarinhos,cavalos, vacas. E isso custa. Uma equipede televisão são quatro pessoas, preci-sam viajar de avião, chegando lá, vocêainda precisa alugar um carro ou pegarum carro da empresa. Afora hotel, re-feições, algumas vezes, levar rancho,acampar. Jornalismo custa. Bom jorna-lismo custa caro. E bom jornalismorural custa mais caro ainda, por causadas distâncias, quando o programa tema pretensão de cobrir um país de dimen-sões continentais como o Brasil. Quan-do é um programa local, de uma cida-

de ou região, isso diminui, fica maisfácil. Hoje há afiliadas da Globo e deoutras emissoras que fazem programasaté com alguma desenvoltura, porqueas viagens duram no máximo um dia.Você vai e volta no mesmo dia. Mas emprogramas nacionais o custo fica muitoalto. Um programa policial em SãoPaulo, com um âncora e duas equipes,uma num bairro, outra noutro, não ficamuito caro. No jornalismo rural, cadaequipe roda 2 mil quilômetros em con-textos completamente diferentes.

Jorge – Muitas vezes, as viagens doGlobo Rural se tornam verdadeirasexpedições. Além do custo do nossotransporte, ainda precisamos levartodos os equipamentos para sobrevi-vência. Há lugares a que precisamoslevar geradores. E, além de ser um tram-bolho, há outras despesas, como a ga-solina para os geradores. Agora, esta-mos trabalhando com baterias solares,porque há lugares em que não há ener-gia. Afora as barracas, alimentos, água.Às vezes, é necessário subir em árvo-res. Já houve lugares em que chegamosa levar conosco especialistas em segu-rança como bombeiros. Para fazer essetipo de reportagens elaboradas e comtempo, quase como documentários, avisão da empresa na retaguarda é fun-damental. Para executar uma pauta,ficamos em média cinco dias a umasemana gravando. Na emissora localque tem programa rural, o repórter saiàs 7 horas e volta à tarde, ainda comtempo de editar a matéria para estar noar no dia seguinte.

JORNAL DA ABI – COM EXCEÇÃO DO GLO-BO RURAL, OUTROS PROGRAMAS SÃO CRITI-CADOS JUSTAMENTE POR CAUSA DA QUALI-DADE. O QUE ACONTECE?

Zé Hamilton – Muitas empresas detelevisão produzem programas de máqualidade porque partem para o eco-nomês do agronegócio ou são agrotéc-nicos demais, focados apenas em téc-nicas agrícolas. O conteúdo fica maçan-te, cansativo. Se pegar um empresáriopara falar dos números do agronegócio,você não agüenta mais de dois minu-tos. Se sai daí e vai mostrar como pro-duzir cenouras ou castrar um porco,torna o programa muito técnico e fe-

A grande dificuldade daimprensa é entender e

cobrir o mundo rural, dizHumberto Pereira (no

alto, à esquerda). Nossojornalismo é atrasado,

semi-analfabeto, completaJosé Hamílton (à direita).

Cobrir o campo é caro,explica Jorge dos Santos

(ao lado).

5Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

chado. Na verdade, a pauta de um pro-grama rural deve ser a extensão da almado homem que mora no campo. A ex-tensão de sua alma não é menor do quea daquele que mora na cidade. Suspei-to que seja o contrário. A alma do ho-mem do campo é mais ampla, pois temuma relação mais profunda com a na-tureza e seus fenômenos, sabe apreci-ar o raio, o vento, esperar a chuva econviver com a estiagem. A ambiçãojornalística pode ser tão grande quan-to a de qualquer programa urbano.Mais do que ficar apenas no agroeco-nômico ou no agrotécnico, deve cobriresse amplo espectro da vida do homemno campo. Além do trabalho, da técni-ca, da política e dos números, tem tam-bém tradições culturais, diversão, co-mida, viola, criança, cabrocha, ambien-te, sonhos, lendas, ecologia. Essa énossa linha: ao lado de qualquer fenô-meno da natureza ou do campo, hátambém a reação de um ser humano.

JORNAL DA ABI – BOA PARTE DOS PRO-GRAMAS APOSTA NA FÓRMULA DE QUE MOS-TRAR ANIMAIS ATRAI MAIS A ATENÇÃO DO PÚ-BLICO DO QUE CONTAR HISTÓRIAS DE VIDA.UMA DAS MAIS FAMOSAS SÉRIES A APOSTAR

NESSA FÓRMULA É A PLANETA TERRA, PRO-DUZIDA PELA BRITÂNICA BBC. O GLOBO

RURAL ENTÃO VAI POR OUTRA LINHA?

Zé Hamilton – Internamente, criti-camos esses documentários da BBC deLondres. São maravilhosos, trazemimagens quase inacreditáveis, mas nãotêm ser humano. Como se ninguémvivesse perto dessa natureza exuberan-te, que mais parece de outro mundo.Mas acho que todo lugar tem gente queacha que essa fórmula mágica salvaqualquer situação. Até no Globo Repór-ter, quando há dificuldade de assuntos,o pessoal propõe colocar bichos que opovo gosta. Não tem erro. É verdade,as pessoas estão predispostas a ver na-tureza na televisão, ainda mais agora,com esse negócio de aquecimento glo-bal, mas isso só se sustenta em uma ououtra reportagem especial. Comumen-te, o jornalismo pede que seja mostra-do também o contexto, o homem ali dolado, a ligação com o mundo real.

Jorge – Muito importante tambémno jornalismo rural é a prestação deserviço. É a hora que damos respostaao nosso público, ao pessoal que escre-ve para o programa. Falam sobre a vaca

que está com uma das tetas no ladoesquerdo pingando leite continuamen-te. E o que nós fazemos? Vamos aoveterinário, levantamos informações.Vamos ao local e gravamos a dúvida dapessoa. Não atendemos especificamen-te esse telespectador, mas muita gen-te que enfrenta o mesmo problema oumesmo se interessa pelo assunto. Tan-tas vezes, por trás do problema, exis-te uma personagem interessante. Odono da vaca, o peão que tira leite têmmuito a dizer. Além de mostrarmos oproblema, falarmos com o veterinárioe mostrarmos o tratamento, tambémvamos falar com o sujeito do campo,que por lidar há muito com a coisa temuma imensa sabedoria popular e podedar sua receita caseira. Talvez o vete-rinário não a recomende, mas para nósessa experiência tem grande peso.

JORNAL DA ABI – ZÉ, COMO SE DEU ESSA

SUA TRANSIÇÃO PARA O JORNALISMO RU-RAL? COMO VOCÊ FOI PARAR NESSA ÁREA?

Zé Hamilton – Sou de origem rural.Nasci em Santa Rosa de Viterbo, umapequena vila com não mais do que 3 milhabitantes, rodeada de fazendas. Aminha família mesmo tinha fazenda.E isso me deu uma vivência desde cri-ança. Saí cedo de casa para estudar e medesvinculei desse meio. Mas como dizo Guimarães Rosa, a gente sai do ser-tão, mas o sertão não sai da gente.Depois de uma trajetória na imprensa

escrita, eu vim para a Rede Globo em1981. Vim para o Globo Repórter, masnaquele tempo o programa era meioerrático na emissora, saía do ar e fica-va muito tempo assim, meses até. Nãotinha um horário fixo na grade. Em umdesses momentos no qual o programaficou fora do ar, mandaram-me procu-rar um programa compatível com aqui-lo que eu fazia, que não era o hardnews,mas o jornalismo especializado. Não odia-a-dia, mas a grande reportagem,mais aprofundada, melhor acabada,com história. Como era da base de SãoPaulo, pude escolher entre o Fantásti-co, que tinha uma equipe aqui, e o GloboRural, que existia há pouco tempo e erafeito por aqui. Naquela época, o Fan-tástico estava numa fase muito ruim,abusando do policial. Não senti mui-ta afinidade. Acabei indo para o GloboRural. Quando o Globo Repórter voltoue eu tive de escolher entre ambos, ascircunstâncias me levaram a permane-cer no Globo Rural.

JORNAL DA ABI – NAQUELE TEMPO NÃO

HAVIA DISCRIMINAÇÃO POR ESTAR EM UM

PROGRAMA RURAL?

Zé Hamilton – Não só naquele tem-po, mas ainda hoje existe. Às vezes,perguntam-me: “Zé, você sempre foium jornalista de mídia. Agora está fa-zendo um programa rural?”. Isso nãome diminui em nada profissionalmen-te, pelo contrário, só torna o desafio

Para realizar o Globo Rural há muitos desafios a serem vencidos pelo Brasil afora: arepórter Camila Marconato faz uma entrevista num criadouro de jacarés no Pantanal

(acima); uma equipe escolhe locações no Espírito Santo enquanto outra tem quedesatolar um carro da produção durante a gravação de uma reportagem (ao lado).

Parte da equipe do programa, num intervalo de trabalho, faz pose para o Jornal da ABI.

6 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

ainda maior e mais instigante. Antesde chegar aqui, fui diretor de um jor-nal em Campinas. Nesse tempo, cons-truí uma boa relação com torcedores daPonte Preta, especialmente uma cha-mada Conceição, torcedora símbolo doclube. Quando voltei para São Paulo,achava-me o máximo, o “dono da co-cada-preta”. Um tempo depois, a Ponteveio jogar na cidade e fui assistir à par-tida. Depois, decidi ir aos vestiárioscumprimentar o pessoal, pois aindaconhecia muita gente. Nisso, encontreia dona Conceição. Ela correu para atémim, abraçou-me e tascou a perguntaque muito a inquietava e preocupava:“Mas o que aconteceu com você? Tra-balhava em um jornal tão importantede Campinas e agora está num progra-ma de verdura?” (Risos).

JORNAL DA ABI – PORÉM, UMA COISA

BEM DIFERENTE É O PRECONCEITO POR PAR-TE DE PROFISSIONAIS DA ÁREA, NO CASO,JORNALISTAS...

Zé Hamilton – Como disse, o Glo-bo Rural não é agroeconômico nemagrotécnico. Sua ambição jornalísticaé mostrar a alma humana. Do ponto devista da importância em termos deaudiência, mesmo indo ao ar aos do-mingos pela manhã, o programa ficacom uma média de 14 pontos em SãoPaulo. No interior, é muito maior. Ti-rando os grandes telejornais da própriaGlobo, brigamos com a mesma ou atémaior audiência que qualquer telejor-nal de outra emissora, mesmo em ho-rário nobre. O Globo Rural é um dosgrandes programas da televisão brasi-leira, seja por essa expressiva audiência,seja pela resposta dos espectadores, sejapelo jornalismo praticado. Outro pon-to a seu favor é o de ser matutino e do-minical. Justamente por passar nessehorário e dia, não tem tanto compromis-so de seguir o pique tradicional da Glo-bo, que é frenético, embalado, acelera-do. Você assiste a um telejornal e temhora em que, se não prestar atenção,perde a compreensão daquilo que estávendo. Como o Globo Rural não enfren-ta grande concorrência no horário, dápara fazer um programa com ritmo maiscadenciado, mas próximo da capacida-de de observação do telespectador. Emais natural, esperando a chuva e a seca.Acaba que você tem um telejornal comgrande acabamento, qualidade, que nãose vê nem na Globo normalmente emfunção do pique.

Jorge – Até nas grandes cidades, acuriosidade pelo campo é imensa. Aspessoas vieram do campo. Ou o avôveio, o bisavô. Tem gente fazendo ocaminho inverso. Em vez de investirem apartamento, carro, está investin-do em qualidade de vida, voltando aorural, comprando chácara, sítio, crian-do animais.

Zé Hamilton – Há também o fatorpsicológico. O habitante da grande ci-dade busca o Globo Rural como umanostalgia. Onírica até, pois nunca vi-

veu no campo, mas tem esse sonho davida tranqüila e saudável. A ligação doser humano com a terra, com a natu-reza é muito forte. Mesmo quando apessoa é obrigada pelas circunstânci-as da vida a morar numa grande cida-de, não esquece o campo. Algo no sub-consciente dela torna o programa ru-ral muito agradável de ser visto.

JORNAL DA ABI – COMO FOI A PASSA-GEM DA MARCA GLOBO RURAL PARA OU-TRAS MÍDIAS?

Zé Hamilton – Em determinadoponto do programa, criou-se a idéia defazer uma multimídia rural. Tinha oprograma de televisão, projeto de rá-dio, para produzir um programa oufazer até uma emissora, e publicar umarevista. Fui designado para ser o editor-chefe da revista no começo. E concilieiessa tarefa com a televisão por uns dezanos. Depois, interesses conflitantesentre as empresas, a emissora e a edi-tora acabaram com a união e termina-ram o casamento. O projeto da rádiofoi desenvolvido por mais de um ano.Já tinham produzido aberturas, vinhe-tas, tudo. Aí chegou a ordem para sus-pender. O projeto da Rádio Globo Ruraltinha tudo para vingar. Foi anterior àprópria CBN, que seguiu justamente omesmo modelo, de rádio nacional, ehoje é uma potência, transmitida viasatélite, com repetidoras locais, na in-ternet. Esse era o projeto para a RádioGlobo Rural, abortado por circunstân-cias empresariais que desconheço. Se-ria a grande rádio brasileira.

Jorge – A revista foi criada por nos-sa equipe mesmo. Funcionava assim:saíamos para fazer matéria sobre cacau,por exemplo, e produzíamos para arevista e para a televisão. O Zé fazia asreportagens e escrevia os textos; eufilmava e tirava as fotos. Os repórte-res cinematográficos do Globo Rural é

Os Tropeiros resgatou um importante momento da História brasileira percorrendo mais de1.700 quilômetros entre o Rio Grande do Sul e São Paulo. A série custou mais de meio milhão

de reais e foi exibida em 12 partes, apresentada por José Hamilton Ribeiro (abaixo).

7Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

que faziam as fotos. Como atelevisão tem limite de tem-po, as matérias eram reduzi-das, resumidas. Então, ca-bia à revista dar mais de-talhes, expandindo isso.

Humberto – Cada veículo tem a sualimitação. No caso da televisão há a dotempo, que, além de tudo, é caríssimo.Nas reportagens há, certamente, expe-riências mais ricas do que aquelas queé possível editar para o tempo propostona tv. Então, surgem como alternati-vas, a revista, que aprofunda o conteú-do e até livros, como um que lançamos,escrito pelo próprio Zé, fazendo o di-ário da marcha do projeto Os Tropeiros.E um meio pode anunciar o outro, comono final do programa, o apresentadoranuncia a revista para quem quer maisinformação. É um casamento que podeser perfeito, tem tudo para dar certocaso haja sincronia.

JORNAL DA ABI – NESSA ÉPOCA EM QUE

VOCÊS ESTAVAM À FRENTE, A REVISTA GLOBO

RURAL PUBLICOU GRANDES REPORTAGENS

SOBRE O PANTANAL, A AMAZÔNIA, O RIO SÃO

FRANCISCO E OUTRAS. COMO VOCÊS VÊEM AREVISTA HOJE? ELA CHEGOU A PERDER SUA

IDENTIDADE?

Zé Hamilton – A revista teve, sim,uma queda. A linha foi mudada e ain-da perdeu o apoio da televisão, que eramuito forte. Passou a buscar outraspautas, com outra equipe. Mas agoraestá sendo feita uma reavaliação, umnovo projeto e uma nova aposta edito-rial. Se der certo, ainda que com equi-pe independente da televisão, haveráuma ligação e a revista deverá investirnovamente em grandes reportagens,voltando a ter um conteúdo jornalís-tico de primeira qualidade.

JORNAL DA ABI – O PROJETO OS TROPEI-ROS, JÁ MENCIONADO PELO HUMBERTO,SERIA UM BALÃO DE ENSAIO NESSE SENTIDO?

Zé Hamilton – Diria que adianta oque pode ser essa nova fase. A revistanão será acoplada ao programa, masterá uma linha de comunicação e dedesenvolvimento de projetos conjun-tos. Em Os Tropeiros, houve a série le-vada ao ar pela televisão, a revista pu-blicou e ainda lançaram uma coleçãode dvds e o livro. A proposta é que essetipo de trabalho não seja apenas episó-dico, mas permanente.

JORNAL DA ABI – COMO FOI RECONSTI-TUIR A TRAJETÓRIA DOS TROPEIROS, REALI-ZAR ESSA AVENTURA?PORTA

Jorge – A idéia da pauta era muitoantiga e partiu do Humberto. Era umgrande sonho dele reconstituir e mos-trar como eram essas viagens que acon-teciam do Rio Grande do Sul até SãoPaulo há séculos. Por ser sitiante na re-gião de Sorocaba, sempre ouvia essashistórias, como as pessoas vinhammontadas, traziam mulas e produtos.Depois de 26 anos, houve a realizaçãodo sonho. A reportagem começa fora doBrasil, na Argentina. Fomos buscar a

guai? Por que o Brasil não tinhamulas. Eram criadas nos séculos16 e 17 para transportar a pratadas minas de Potosí, na Bolívia,até o Panamá, onde era embarca-da para a Espanha. Os animaiseram os únicos com resistênciapara levar os alimentos e trazer

as riquezas. Quando a produção come-çou a ficar escassa e os animais ociosos,trouxeram-nos por contrabando para oBrasil. Aqui, começava o ciclo do ouroe o comércio era intensificado. E tudoestava sendo transportado no lombo deescravos negros e índios cativos. Paramelhorar esse sistema precário, foi ini-ciado o tropeirismo com os animais ini-cialmente trazidos da Espanha e cria-dos na Argentina.

JORNAL DA ABI – FOI MUITO DIFÍCIL RE-CONSTITUIR TODO O TRAJETO?

Jorge – Foi feita uma grande pesquisaantes, para depois estabelecermos o ro-teiro. Mas o problema era fazer a via-gem toda em estrada de ter-ra. Não dava para colocaros animais no asfalto, quenão existia naquele tempo.Só que hoje, boa parte docaminho original das tro-pas foi transformado emestradas. Então, precisáva-mos desviar e circundar otempo todo. Difícil tam-bém foi enfrentar o pesa-do trânsito de caminhõesem época de colheita. Mes-mo em estrada de terra, o movimentoera intenso e isso atrasava bastante.

JORNAL DA ABI – TODO ESTE TRABALHO

TEM UM COMEÇO NAS REVISTAS QUATRO RO-DAS E REALIDADE, GRANDES MARCOS DA RE-PORTAGEM NOS ANOS 1960?

Humberto – De certa forma, o vín-culo com Realidade é real. Vários pro-fissionais que trabalharam nela, esta-vam aqui na criação do Globo Rural. Odiretor de jornalismo de São Paulo e ochefe de Redação na época tinham sido

da Realidade. Eram o Paulo Patarra,falecido recentemente, e o Luís Fernan-do Mercadante. Além deles, estavamna Redação em 1980 o Eurico Andra-de, que foi repórter de Realidade, oWoile Guimarães, secretário de Reda-ção de Realidade, o Zé Hamilton Ribei-ro chegou um ano depois, como o Car-los Azevedo, que também foi repórterda revista. Eu e o Gabriel Romeiro, chefede Redação do Globo Rural, éramos fo-cas na revista. Aqui, até quem não par-ticipou da revista acabou se apaixonan-do pela reportagem em profundidade,a alma do jornalismo, como é o caso doLucas Battaglin, chefe de reportagem.O Globo Rural foi, sem trocadilho, ocampo onde pôde ser praticada a gran-de reportagem, adaptada, claro, para atelevisão. Além do envolvimento dorepórter com o universo que ele estátentando retratar há muito espaço parao ser humano, como disse o Zé. É umainfluência benéfica. Até hoje pratica-mos quase o mesmo estilo de jornalis-

mo “fundamentalista”e o principal beneficia-do é o público.

Zé Hamilton – Decerta maneira, é umaherança que vem desdeos tempos de Realida-de, pois essa direçãoorienta os repórteres afazerem reportagensde longo curso, de pro-fundidade. Como a

Realidade fazia em revista, o GloboRural faz na televisão. Mas o GloboRural é muito pouco visto por jornalis-tas. As críticas são frágeis e o precon-ceito grande porque o jornalista nãoacorda cedo, especialmente no domin-go, e não vê o programa. Então igno-ra, como se não existisse. É um dosdefeitos do jornalismo brasileiro. O quea Redação não fica sabendo não exis-te. Os jornais brasileiros não conhecemo País. É Rio, São Paulo, no máximo,Belo Horizonte e Brasília. O GloboRural vai em outra linha e o reflexo sãoos prêmios que ganhamos. O GloboRural é o programa mais premiado datelevisão hoje, já tendo abocanhado osprincipais prêmios da tv e da impren-sa nacionais.

JORNAL DA ABI – COM ESSA VISÃO, SÃO

OS BONS REPÓRTERES QUE FAZEM A DIFE-RENÇA NO GLOBO RURAL?

Zé Hamilton – Se há uma área nojornalismo brasileiro em que não hácarência é a de bons repórteres. Só quepara fazerem bem feito seu trabalhoprecisam de empresas e chefes quebanquem as reportagens. O jornalis-mo de qualidade deve dar apoio na cri-ação, retaguarda na Redação. O repór-ter não é um lobo solitário. Quempensa assim cai numa armadilha. Orepórter é como o revestimento deuma estrutura maior. Ele precisa detempo e condições para trabalhar, iratrás da notícia. Isso é dado pela che-fia e pela visão da empresa.

origem e depois passamos pelo Uruguaie Rio Grande do Sul. Eu e o Zé fizemostoda a parte histórica, como os animaischegaram, para depois reconstituir naprática. Aí, a produção trouxe mulas,burros e cavalos. Fez plano de saúde eseguro para os animais, contratou pe-ões profissionais para refazer o trajeto.

Humberto – Realmente, não foi fá-cil. Montar uma tropa em pleno sécu-lo 21 e percorrer mais de 1.700 quilôme-tros foi uma aventura mesmo. Mas foitambém a forma que encontramos parafazer uma reportagem sobre um temadecisivo na História brasileira, que ficouesquecido no passado. Ainda hoje, peloBrasil, encontramos gente realizandocavalgadas esportivas ou participandode romarias em lombos de burros. Masas tropas que vinham do Sul eram dife-rentes. Eram o grande meio de transpor-te do País, como os carros hoje. Só que,em vez de fábricas e seus pátios cheiosde veículos, tínhamos os campos emvolta de Sorocaba e Itapetininga, ondeficavam os animais. Perdi a conta detodos os animais que saí pedindo em-prestado, desde janeiro de 2006, a ami-gos do programa, a vizinhos de sítio e acriadores tradicionais.

Zé Hamilton – Bom jornalismo ru-ral é muito caro, como já dissemos. Essasérie de reportagens custou mais demeio milhão de reais. Qual emissora estádisposta a investir tanto em um traba-lho histórico de 12 programas? Mas porque começar na Argentina e no Uru-

A revista G l o b oRural (abaixo) e o dvdda série Os Tropeiros: m a i s

integração com oprograma da Rede Globo.

Uma das dificuldades enfrentadas pela produção foi o de encontrar caminhos para fazertoda a viagem em estrada de terra, já que não existia asfalto no tempo dos tropeiros.

8 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND

ARTIGO

Mário Augusto Jakobskind é Conselheiro da ABI,correspondente do jornal uruguaio Brecha ecolunista dos portais Fazendo Média(www.fazendomedia.com) e Direto da Redação(www.diretodaredacao.com)

A História brasileira está reple-ta de personagens importantes paraa nacionalidade que ficaram abso-lutamente relegados a um segundoplano. Uma destas figuras é o Ge-neral Jose Inácio de Abreu e Lima,mais conhecido como Abreu eLima, um pernambucano que par-ticipou ativamente do Exército Li-bertador de Simon Bolívar nas cam-panhas de independência da Vene-zuela, Colômbia, Equador e Peru,entre 1818 e 1832, tendo alcança-do a Chefia do Estado-Maior doExército bolivariano e recebido apatente de general.

No fim dos anos 40, quando eraGovernador de Pernambuco, Barbo-sa Lima Sobrinho homenageou estafigura histórica precursora do ideá-rio da integração sul-americana, tãoem voga na atualidade, mudando onome do distrito de Maricota paraAbreu e Lima, hoje Município.

Neste terceiro milênio, Abreu eLima voltou a ser apresentado aosbrasileiros, desta vez pelo Presiden-te da República Bolivariana da Ve-nezuela, Hugo Chávez, que em vá-rias oportunidades lembrou o Ge-neral no contexto histórico de Bo-lívar e, no acordo petrolífero entrea Petrobras e a PDVSA (a estatalvenezuelana de petróleo), empe-nhou-se no sentido de que a refina-ria que está sendo erguida se loca-lizasse exatamente no Municípiode Abreu e Lima.

Abreu e Lima nasceu em 1794.Em seus 75 anos de vida – morreuem 1869 —, destacou-se como mi-litar libertador e também como au-tor de vários livros, entre os quaiso Compêndio de História do Brasil(1843), contando o período que vaido descobrimento até o ato da co-roação e sagração de D. Pedro II. Em1855, publicou O socialismo* – pri-meiro livro no Brasil sobre o tema,

Abreu e Lima: um brasileiro quese destacou no exército de Bolívar

guida, para a Venezue-la – onde, com a mortede Bolívar, incompati-bilizou-se com os de-tentores do poder. An-tes de voltar ao Brasil,Abreu e Lima passouainda pela Europa. Noretorno, filiou-se ao Par-tido Caramuru, que, se-gundo Barbosa Lima So-brinho, aparentementedefendia a reconduçãode Dom Pedro I ao tro-no a que havia renunci-ado. Esta contradição,segundo Barbosa Lima,se deveu ao fato deAbreu e Lima ter consi-derado que esta seria amelhor forma de evitara desagregação do País,não compreendendo queos chefes da Regênciadefendiam os mesmospropósitos.

Por estas e outras,Abreu e Lima volta comtoda a força à atualidadeneste terceiro milênio.

A Casa da AméricaLatina criou recente-mente a Medalha Abreue Lima, que começou aser entregue, uma vez

por ano a cada 1º de setembro, a fi-guras que tenham ajudado a luta in-ternacionalista de integração entreos povos latino-americanos.

Os primeiros cinco agraciadosforam João Pedro Stédile, Modestoda Silveira, Neiva Moreira, Zulei-de Faria de Mello e Fidel Castro.

(*) Baseado no socialismo cristão. Nãohá indícios de que tenha chegado a ler asobras de Karl Marx.

reeditado em 1979 pelaPaz e Terra, com prefá-cio de Barbosa Lima So-brinho. Este, movidode premonição, come-çava o texto afirmandoque, “no dia em que oBrasil se interessar real-mente por seu relacio-namento com as repú-blicas da América espa-nhola, Abreu e Limaconquistará a importância que me-rece na História de seu País”.

No fim da vida, manteve umapolêmica tão grande com o cleropernambucano, na defesa da liber-dade de culto dos protestantes, quefoi impedido de ser sepultado emum cemitério público e acabou en-terrado em um cemitério anglica-no, em Santo Amaro.

Filho natural do ex-padre JoséInácio de Abreu e Lima, mais co-nhecido como Padre Roma, um lí-der atuante na Revolução Pernam-bucana de 1817, Abreu e Lima cur-sou a Academia Militar do Rio de

Janeiro (1812-1816), saindo comocapitão da artilharia e chegando ageneral. Preso em Recife, em 1816,acusado de insubordinação, res-ponsável por desordem e por ade-rir à rebelião pernambucana, foienviado à Bahia para cumprir pena,sendo obrigado a presenciar a exe-cução de seu pai por fuzilamento,condenado por conspirar na Revo-lução de 1817.

Conseguindo fugir da prisão gra-ças à Maçonaria, da qual era adep-to, Abreu e Lima começou seu pé-riplo pelo exterior, indo inicialmen-te para os Estados Unidos e, em se-

WW

W.D

OM

INIO

PUB

LICO

.GO

V.BR/C

OLEÇ

ÃO FR

ANC

ISCO RO

DR

IGU

ES

General Abreu e Lima emdois momentos: o jovem

herói do exército de SimonBolívar e o intelectual que

enfrentou o clero, numafoto pouco antes de seu

passamento.

REPRO

DU

ÇÃO

9Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

10 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

A percepção política e profissionalde um repórter está na raiz das come-morações do centenário da AssociaçãoBrasileira de Imprensa, no dia 7 deabril de 2008. Ao fundar a instituiçãocom apenas oito colegas, em 1908,Gustavo de Lacerda dava conseqüên-cia a suas crenças socialistas – quesentiam a necessidade de aperfeiçoa-mento e solidariedade de classe entreos jornalistas – e também expressavasua certeza de que o Brasil dependia,para seu desenvolvimento, de umaimprensa forte, moderna e patriótica.Para tanto, julgava imprescindível aexistência de uma entidade represen-tativa de todos os profissionais dedi-cados ao jornalismo.

Frágil e até contestada nos primei-ros tempos, a associação demonstrouque eram fortes as raízes dos sonhos deseu fundador. A época precisava daque-la entidade, pois, em poucos anos, fir-mou-se ante a categoria e adquiriu pesopolítico e social: tornou-se essencialnos esforços para impor o respeito auma atividade que vivia entre a rotinade espancamentos, prisões de repórte-res e o empastelamento de jornais.Mais do que contribuir para o reconhe-cimento de uma profissão, a ABI pas-sou a prestar imensos serviços ao País.

O jornalista Maurício Azêdo presi-de a ABI desde 2004 e faz a transiçãoentre o primeiro centenário e o séculoque agora se inicia. Ele reconhece queos tempos são bem outros. O jornalis-mo é uma profissão regulamentada, osjornalistas precisam freqüentar a uni-versidade e os jornais são indústriasadministradas com as melhores técni-cas do mundo dos negócios. Mas Azêdoregistra que a arte de informar e opi-nar continua a ser alvo de incompreen-

sões e não são poucos os homens de im-prensa que hoje, um século depois, sãoprocessados ou se tornam até alvos deatentados.

Nesta entrevista, Maurício Azêdoanalisa o primeiro século da Associa-ção Brasileira de Imprensa e procuravislumbrar os desafios que os novostempos lançam à entidade e aos que sededicam a refletir a sociedade e man-tê-la bem informada.

Enfrentando os desafiosNa opinião do Presidente da ABI, a

entidade nasceu com objetivos bemdelimitados, mas os problemas quesurgiram ao longo do tempo – coinci-dindo com uma época de grandes trans-formações no País – a fizeram ampliaro foco e chegar a constituir-se numainstituição de referência nacional.

“A associação surgiu para defesa doexercício profissional do jornalista, para

o auxílio mútuo da classe e também paraatuar no aperfeiçoamento cultural dosjornalistas. Em 1918, a ABI promoveuo I Congresso Brasileiro de Jornalistas,cujas resoluções acentuaram a necessi-dade de curso superior para os profissi-onais e se listou, inclusive, uma propostade currículo. Mas o curso universitáriode Jornalismo somente surgiria mais de30 anos depois, no segundo Governo deGetúlio Vargas, nos anos 50, na estru-tura da Faculdade Nacional de Filoso-fia”, lembra Azêdo.

O Presidente assinala que aquelesobjetivos iniciais foram ampliadospelas circunstâncias históricas, queforçaram seguidamente a instituição aimportantes posicionamentos e açõesem defesa da liberdade de imprensa, àsvezes em situações de muita violência.

“Embora o senso comum não o per-ceba, o processo histórico brasileiro émarcado pela violência. Lembro, a pro-

pósito, de um artigo de Miguel Neiva,na Última Hora, no período da ditadu-ra. Miguel Neiva era pseudônimo deMoacir Werneck de Castro, hoje com93 anos e um dos sócios ilustres da ABI.Refletindo sobre nossa evolução, elerecordava, no artigo, a prática de secortar uma orelha dos rebeldes durantea Sabinada, na Bahia do período regen-cial, para comprovar sua execução.”

No século de existência da ABI, aentidade se viu obrigada a posicionar-se corajosamente em muitos momen-tos, como num evento-símbolo das lu-tas pela liberdade de imprensa, após amorte do jornalista Vladimir Herzog,em fins de 1975 – na prisão do Doi-Codi,em São Paulo, durante o regime militar.

Outro caso exemplar que MaurícioAzêdo aponta é de 1912, já nos primei-ros tempos da associação. “O Governa-dor de Pernambuco era o General Dan-tas Barreto, historiador militar, inte-grante da Academia Brasileira de Letrase também sócio da ABI. Sob seu gover-no, começaram perseguições a jornalis-tas e jornais em Pernambuco, sendo aassociação solicitada a intervir no casopelo Diário de Pernambuco. O diplomá-tico Presidente da ABI do momento,João Dunshee de Abranches Moura, eraamigo pessoal de Dantas Barreto, masnão titubeou: pôs o caso em debate eexpulsou o amigo autoritário – a defe-sa da liberdade de imprensa prevaleceu”.

O episódio, aliás, é narrado pelo pró-prio Dunshee em seu livro A FundaçãoGustavo de Lacerda. Outros casos seme-lhantes, também registrados nessas li-nhas, levaram-no a “sentir-se envaide-cido” de pertencer a uma categoria ca-paz de afirmações tão corajosas. Dun-shee também fez referências às amiza-des que perdeu nos altos círculos, pornão hesitar em pôr a associação sempredo lado da liberdade e da defesa do exer-cício profissional do jornalista.

“Desde o começo, a ABI sempre teveatitudes claras pela liberdade de impren-sa”, destaca Azêdo, ressaltando que“quanto maior a fase de repressão aos

PROCÓPIO MINEIRO: ELE FEZOS TRÊS MELHORES TEXTOS

SOBRE OS NOSSOS 100 ANOSRedator da Imprensa Oficial do Estado do Rio e jor-

nalista com presença destacada em veículos impres-sos e eletrônicos, ele produziu sem alarde para O Pre-lo, revista da IO, após um mergulho no acervo da Bi-

TEXTO 1

ABI COMEMORA CENTENÁRIO E A VALORIZAÇÃO DO JORNALISMODe associação de classe, entidade transformou-se em instituição destacada na defesa das liberdades

blioteca da ABI e em outras fontes, três matérias exem-plares sobre o centenário da Casa. São estes textos queo Jornal da ABI reproduz, com justificado orgulho, man-tendo os títulos e os subtítulos da publicação original.

Gustavo de Lacerda (acima, à esquerda) queria uma imprensa forte, moderna, patriótica.Ao longo de um século, diz Maurício, a ABI lutou por isso e pela liberdade de expressão.

Procópio: um mergulho na História da ABI.

11Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

jornais e jornalistas, maior firmeza deatitudes demonstrará a entidade.”

Momentos de grandezaAlguns nomes são destacados por

Azêdo na história centenária da insti-tuição: Herbert Moses, Prudente deMorais Neto e Barbosa Lima Sobrinho.

Moses, que presidiu a instituição por34 anos, em reeleições sucessivas apartir de 1931 – embora sofresse umaáspera oposição – ligou seu nome àunificação das entidades de classe exis-tentes no começo dos anos 30 e à for-mação do patrimônio físico da institui-ção, com a construção da sede, no pe-ríodo entre 1935 e 1941.

Azêdo comenta que, apesar de serpoliticamente um liberal, Moses diri-giu a instituição na linha de pleno com-promisso com a defesa dos direitos dosjornalistas e da liberdade de imprensa.Para o Presidente da ABI, Moses e Bar-bosa Lima Sobrinho podem ser consi-derados patriarcas da instituição.

“Moses, um construtor sob o aspec-to material e Barbosa Lima Sobrinhosedimentou a legenda da ABI quantoà essencial questão da liberdade deimprensa.”

Redator-chefe do Diário de Notíciase da Sucursal Rio de O Estado de S.Paulo, Prudente de Morais Neto foiconspirador no golpe militar de 1964,mas depois do Ato Institucional nº 5tornou-se um inimigo declarado daditadura. Passou a ser uma voz contraa implacável censura à imprensa im-posta pelo Ato Institucional 5 (AI-5).Para o jornalista, o instrumento de de-zembro de 1968 era uma “antilei”.

“O episódio da morte de VladimirHerzog, em 1975, encontrou, à frenteda ABI, essa figura de alta respeitabi-lidade moral e grande coragem, umacoragem sem bravatas. Prudente deMorais Neto levou a instituição a umaposição muito forte de resistência aoregime militar. Barbosa Lima Sobrinhodeu seqüência a esse movimento aovoltar pela terceira vez à presidência,em 1978, quase cinqüenta anos depoisde seu segundo mandato, em 1929-31”,lembra Azêdo.

Aureolado por sua marcante biogra-fia profissional, política e intelectual,Barbosa Lima Sobrinho ampliou a vi-sibilidade da Associação Brasileira deImprensa como uma instituição com-prometida com a liberdade de imprensae, conseqüentemente, com as liberda-des públicas no País, num período deabsoluto desrespeito aos direitos bási-cos da cidadania. Além de editor doJornal do Brasil, deputado e governadorde Pernambuco, Presidente da Acade-mia Brasileira de Letras e Presidente doConselho Administrativo da ABI, elefoi candidato a vice-presidente da Re-pública em 1973, na chapa com Ulis-ses Guimarães, na chamada anticandi-datura das oposições à ditadura.

Luta permanenteE os desafios estão sempre presentes.

Os tempos avançam, mas a atividade de

imprensa não consegue evitar incom-preensões nem a necessidade de aper-feiçoamentos da própria prática profis-sional e de seu relacionamento com asociedade. No momento, a contestaçãode diversos artigos da Lei de Imprensa– herdada do regime militar – e uma sériede processos judiciais contra jornais euma jornalista tomam a atenção de di-versos segmentos sociais.

O Ministro Ayres Britto concedeu

liminar que revoga artigos com “viésautoritários” da Lei de Imprensa e oplenário da Corte confirmou a medi-da desde o final de fevereiro.

Quanto aos processos – abertos combase nessa lei –, contrapõem a IgrejaUniversal do Reino de Deus, tambémdona de meios de comunicação (tv, rá-dios e jornais) a diversos diários, comoa Folha de S. Paulo, A Tarde, O Globo e oExtra e à jornalista Elvira Lobato, da

Folha, por reportagem sobre o poderioempresarial e financeiro da entidadeprotestante. Dezenas de processos fo-ram abertos, simultaneamente, nosmais diferentes pontos do País, por in-tegrantes da Igreja, que reclamam in-denizações, alegando prejuízos morais.

“Estes processos da Universal torna-ram ainda mais urgente a revogação daLei de Imprensa, pois os processos seescudam nessa legislação, que, como sesabe, colide com preceitos constitucio-nais”, acredita Maurício Azêdo. “A As-sociação Brasileira de Imprensa vem sepronunciando sobre este caso, ressaltan-do que as características das ações reve-lam um objetivo claro de intimidar jor-nais e jornalistas. Adotaram até mesmouma estratégia judicial para dificultara defesa dos meios de comunicação,dando entrada em processos idênticosem diversos locais, em geral distantes,nos mais diversos Estados do País. So-mente contra a Folha de S. Paulo são 55ações em 19 Estados e 47 Municípios,em muitos dos quais a Folha de S. Paulosequer circula”, destaca.

Para Azêdo, a ABI e a imprensa emgeral tiveram uma atitude bem clara“de repúdio à tentativa de restrição àliberdade de imprensa”.

“É uma reação saudável, pois não sepode construir um Estado Democráti-co de Direito permitindo-se que se re-corra a práticas do tempo da ditadura”,acentua o Presidente da ABI.

Como se vê, em questões de liberda-de, a luta não termina jamais. Ontem,como hoje, segundo Maurício Azêdo,“ao analisarmos esta trajetória cente-nária, vamos constatar que a Associa-ção Brasileira de Imprensa soube sem-pre estar à altura de seus desafios.”

Ao pregar insistentemente a criaçãode uma entidade representativa dos ho-mens de imprensa e conseguir realizara idéia, em 7 de abril de 1908, o mula-to catarinense Gustavo de Lacerda(1853-1909) movia-se por sentimentoseminentemente políticos: desejava oaperfeiçoamento profissional, para queo jornalista (“proletário intelectual”,como definia) e os jornais cumprissem,com especial competência, uma missãocivilizadora em benefício da Pátria. Estarelação entre o papel do jornalismo eo desenvolvimento do País era umapercepção antiga no meio profissional.

Não tinha sido muito diferente apreocupação de um Hipólito José daCosta, que, exatamente um século an-tes, em junho de 1808, fundara seuCorreio Braziliense, o primeiro periódicobrasileiro, significativamente nascidono exílio londrino. Hipólito queria,basicamente, descolonizar a cabeça dosbrasileiros para impulsionar o progres-so, e Gustavo de Lacerda sonhava com

IMPRENSA: UM AGENTE DA HISTÓRIA

TEXTO 2

jornais e jornalistas bem preparados eunidos, exercendo, pelas idéias, umpapel dinâmico no desenvolvimentobrasileiro.

Oriundo do meio militar – expulsoda Academia Militar, alistara-se comosoldado e chegara a sargento –, Gustavode Lacerda tornou-se repórter do jor-nal O País, atuando como setorista naPrefeitura do Distrito Federal – na épo-ca, o Rio de Janeiro. Ainda jovem, setornou socialista, comprovando a cu-riosidade intelectual que o fazia acom-panhar a agitação esquerdista na Eu-ropa e assumir-se publicamente comoidentificado com pensamentos consi-derados inaceitáveis por aqui. Foi en-volvido com amigos do meio operáriotambém simpáticos ao socialismo e aosmovimentos sindicais.

Viu no jornalismo a arma do escla-recimento nacional, mas não se confor-mou com o ambiente profissional de-sassistido: com repórteres-proletários,vivendo de salários incertos ou vales

eventuais, que eram socialmente des-considerados e freqüentemente agre-didos e até presos.

“Gustavo era socialista convencido.Essa convicção e a falta de estabilida-de econômica do homem que trabalha-va, intelectualmente, para o jornal, le-varam-no a idear a fundação de uma so-ciedade de redatores e repórteres queprotegesse os respectivos direitos eco-nômicos. A mentalidade, porém, dohomem que trabalhava na imprensa,àquela época, estava quase alheia às rei-vindicações sociais, que também já sefaziam em algumas classes, em nossomeio”, comenta Manoel Lourenço deMagalhães, testemunha da fundaçãoda entidade, em seu Gustavo de Lacer-da e a Fundação da ABI (Jornal do Com-mercio, Rodrigues e Cia, Rio de Janei-ro, 1954, 29 p).

Os grandes nomes da imprensa, des-de a época da Independência, tiravamseu sustento de outras atividades: erampolíticos, profissionais liberais, padres,fazendeiros, comerciantes, professores,altos burocratas, poetas, romancistas.O jornalismo era apenas o espaço de lutapolítica onde podiam defender suas idéi-as ou difundir seus trabalhos literários.

A ABI vagou pela cidade até à gestão de Moses, que começa aqui a obra da sede atual.

12 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Na época de Gustavo de Lacerda, aluta abolicionista e republicana aindarepercutia na atuação jornalísticamarcante dos nomes do momento:Quintino Bocaiúva, José do Patrocínio,Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Ferreirade Araújo, Medeiros e Albuquerque,Alcindo Guanabara, Joaquim Serra e,através de obras literárias estampadasna imprensa, algumas com sabor po-lítico, nomes como José de Alencar,Machado de Assis, Coelho Neto, Ola-vo Bilac, Euclides da Cunha – todostambém jornalistas e todos vivendo doque ganhavam em outras atividades.

Gustavo de Lacerda expressou apreocupação da profissionalização daatividade jornalística, a partir de seusideais socialistas. Assim, o sonho deuma entidade profissional dos homensda imprensa envolveu em seus pensa-mentos, simultaneamente (para serrealizada mais de 40 anos depois), acriação de uma escola de Jornalismo,capaz de formar profissionais especí-ficos para a atividade.

A fundação do primeiro sindicatoprofissional do Rio de Janeiro, o Sindi-cato dos Linotipistas, que passaram ater os direitos trabalhistas respeitadose pagamento em dia, foi combustívelpara os ideais do jornalista.

“Para o pessoal da redação não há pa-gamento e, às vezes, nem o minguadovale. É essa força, dizia-me ele, que os li-notipistas conseguiram com o seu sindi-cato, que os meus companheiros de reda-ção não compreendem”, relata ManoelLourenço de Magalhães, lembrando-sedas queixas de Gustavo de Lacerda.

Além do exemplo dos linotipistas,talvez se devesse também especularalgo como o dos literatos, que, bemantes, em 1897, sob a liderança do con-sagrado escritor e também jornalistaMachado de Assis, fundaram a Acade-mia Brasileira de Letras, imediatamen-te um foco de influência social e polí-tica, além de espaço articulador e pro-tetor da atividade literária.

A fundaçãoAfinal, em 7 de abril de 1908, Gus-

tavo de Lacerda e apenas oito valentescompanheiros fundam a Associação deImprensa, mais tarde definitivamentechamada de Associação Brasileira deImprensa-ABI. Três são seus colegas dopróprio O País, dois do Jornal do Brasil,um do Correio da Manhã, outro do Jor-nal do Comércio e o último, da Gazetade Notícias. Todos o elegem, imediata-mente, presidente, cargo que exercerános 17 meses seguintes, até morrer.

A entidade subsiste com tenacida-de e muitos problemas e não falta quemlhe preveja a rápida extinção, quandoum grupo de associados decide exigira um colega de profissão – daqueles quenão precisavam do salário da redaçãopara sobreviver – o cumprimento dapalavra que empenhara a Gustavo deLacerda. Tratava-se do político e diplo-mata – e jornalista – João Dunshee deAbranches Moura, colunista e editoreventual de O País.

Amigo e admirador de Gustavo deLacerda, a quem definirá como “gran-de visionário do jornalismo brasileiro nanobre cruzada recém-iniciada pelaemancipação profissional, preparo téc-nico, cultura cívica e intelectiva e am-paro social”, Dunshee recusara o con-vite para filiar-se à associação, devido aseus múltiplos compromissos profissi-onais e eleitorais. Mas prometera aocolega que consideraria um dever profis-sional e de amizade ajudar a entidade,sempre que ela precisasse. Foi essa pala-vra de honra que, na hora mais amarga,os associados lembraram a Dunshee,meses após a morte do fundador.

O então deputado federal pelo Ma-ranhão reconheceu a palavra dada aoamigo desaparecido e deixou-se elegernovo Presidente da Associação de Im-prensa. “Recebendo de meus colegas deDiretoria a herança espiritual de Gus-tavo de Lacerda, senti o dever imperi-oso, como seu sucessor, de reafirmar asdiretrizes que me inspiravam, fazendouma verdadeira profissão de fé. (...)Homem de imprensa, (...) se não tenhosido um jornalista de raça, provenho deuma raça de jornalistas, que três gera-ções sucessivas não puderam aindadesviar da vida ingrata dos prelos. (...)Eu trago o vício no sangue: sou umvicioso hereditário”, narrará, quase 30anos depois, Dunshee de Abranches,em A Fundação Gustavo de Lacerda – Re-miniscências dos primeiros dias da Asso-ciação Brasileira de Imprensa.

“Nos primórdios da existência daABI. foi Dunshee de Abranches, terceiropresidente, quem evitou, com dedica-ção e estoicismo, o seu desaparecimen-to. Teve Gustavo de Lacerda a intuiçãode como ele viria a ser útil à Associação.Daí sempre recomendar aos seus com-panheiros de fundação e dos primeirosdias de vida da ABI o nome de Dunshe-ee de Abranches como um elementoindispensável à sua manutenção”, contaManoel Lourenço de Magalhães.

Gustavo de Lacerda e Dunshee cer-tamente foram amigos fraternos, ape-sar das diferenças de origens e de sor-te financeira, e compartilhavam damesma visão progressista sobre o pa-pel do jornalismo e do jornalista.

“Gustavo de Lacerda vivia obcecadopelo ideal generoso e nobre de tornar asua classe próspera, feliz, prestigiosa eútil. (...) não cessava um instante na suapropaganda de conquistar entre nóspara ‘os trabalhadores do pensamentoescrito’, como chamava os que viviamdos prelos, uma posição condigna e à al-tura dos sacrifícios em que diariamen-te se esgotavam para ‘fornecer o pão doespírito a um país de analfabetos comoainda era infelizmente o nosso”, desta-cava Dunshee de Abranches.

A consolidaçãoDepois da morte do fundador, Dun-

shee de Abranches foi o nome de con-senso para dar continuidade à obra. Opolítico maranhense confirmou a intui-ção de Gustavo de Lacerda: era o ho-mem certo para a situação crítica daentidade.

Deputado federal, colaborador di-plomático e amigo do chanceler Barãode Rio Branco, integrante da Comissãode Relações Exteriores da Câmara Fe-deral, colunista e eventual editor doprestigioso jornal O País, Dunshee deAbranches, em dois períodos presiden-ciais consecutivos (1910-1913), saneouas finanças da entidade, ampliou seucorpo de filiados, e, sobretudo, fez comque a associação tivesse destaque nocenário político do Rio e do País.

Promoveu reuniões com autoridadesbrasileiras e estrangeiras e, por algumasvezes, não se furtou a convocar os co-legas para confrontos à mão ou comexibição de armas contra autoridadese capangas que ameaçavam jornais ejornalistas. Impôs respeito.

Dois fatos comprovam a rápida con-solidação da ABI. O primeiro, os ape-los que logo chegaram de todo o Paíspara que a entidade levasse ao Gover-no e à Justiça os numerosos casos dedesrespeito ao exercício profissionaldos jornalistas e aos diversos casos deempastelamento de diários. Era umaépoca, como dizia Dunshee, em que aRepública ainda não refreara costumesde truculência policial e “mandonis-mos” locais herdados do Império. Aimprensa brasileira reconhecia, assim,a importância da nova entidade, que sebeneficiava, sem dúvida, da represen-tatividade política de seu presidente.

O segundo fato refere-se a um even-to de raro alcance: a ABI promoveu, compleno sucesso, a I Conferência Pan-Ame-ricana de Jornalistas, em 1913, reunin-do, no Rio, centenas de jornalistas detodo o continente. Mais que um eventoprofissional, era uma proposta política,pois reivindicava que os jornalistas docontinente precisavam estabelecer o

Consolidada e representativa, a ABI alcançou prestígio internacional. O Presidente Eisenhower recebeu Moses em Washington. E Fidel veio à Casa após a vitória.

13Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

diálogo entre seus povos, já que viviamde costas uns para os outros e, em con-junto, voltados todos para a Europa.

Ao dar sua aprovação entusiasmadaà conferência, Paulo Barreto descreveubem a situação, em artigo na Gazeta deNotícias, que então dirigia, como recordaDunshee de Abranches em seu relato.“Somos nesta parte do continente assazbárbaros”, dizia Paulo Barreto.

A ABI estabelecia seu magnetismo.Dos jornalistas e diretores de jornaisvinham apoios: Jornal do Brasil, O País,Correio da Manhã, Gazeta da Tarde, ANotícia, Tribuna, A Noite – Irineu Ma-rinho, Antônio Azeredo, Medeiros eAlbuquerque, Victor Silveira, LeãoVelloso, Belisário de Souza Júnior eFernando Mendes de Almeida.

Para planejar o evento, criaram-seuma Comissão Organizadora, presidi-da por Félix Pacheco, e um ConselhoGeral, que talvez tenha definido, devez, a vocação aglutinadora da entida-de, pois que dela faziam parte Rui Bar-bosa, já Presidente da Academia Brasi-leira de Letras, e eterno jornalista comoos demais integrantes, entre os quaiso novo chanceler Lauro Müller, o mi-nistro do Interior Rivadávia Corrêa, oConde de Afonso Celso, José CarlosRodrigues, Alcindo Guanabara, o Pre-sidente da Câmara dos DeputadosSabino Barroso, Sílvio Romero, OlavoBilac, Coelho Neto, Júlio de Mesquita.

Mais tarde, um terceiro ponto seriade grande valia para o equilíbrio finan-ceiro da entidade: a Câmara aprovouum projeto do deputado Dunshee, in-cluindo a ABI, com o valor anual de 20contos de réis, entre as entidades semfins lucrativos beneficiárias de auxíliodecorrente da loteria.

Casa do JornalistaOs anos 30 marcariam um novo

passo para a ABI – reconhecida, pres-tigiosa, mas ainda sem sede.

Barbosa Lima Sobrinho, que viria apresidir a instituição pela terceira vez,de 1980 a 2000, fora Presidente nos pe-ríodos 1926-27 e 1930-31, quando sane-ara as finanças da entidade – abaladasno correr dos anos 20. Conseguira duasoutras proezas: confirmar a doação, pelogoverno municipal, de um terreno des-tinado à construção da sede própria daentidade, no Castelo, e a fusão de duasoutras entidades com a ABI, unifican-do a representação da categoria.

Herbert Moses (1931-1964) herdouessa situação propícia. Advogado, ho-mem de negócios, ligado a Irineu Ma-rinho, diretor de A Noite e de O Globo,editor da revista cultural da empresaSouza Cruz, a Moses coube realizar osonho de Gustavo de Lacerda.

A Associação viu transformar-se emrealidade a Casa do Jornalista ou o Palá-cio da Imprensa, com as boas relações deHerbert Moses com autoridades da Re-volução de 30 – tanto as federais quan-to as municipais. Do Prefeito Pedro Er-nesto o Presidente da ABI teve a confir-mação da doação do terreno no Caste-lo, e do Presidente Getúlio Vargas, com

a apadrinhamento de Osvaldo Aranha,os 6.000 contos de réis que ergueram oque se considera o primeiro prédio mo-dernista do Rio de Janeiro – obra dos ir-mãos Milton e Marcello Roberto. Anda-res com grandes espaços livres e a ino-vação dos pára-sóis, que permitem ailuminação sem a penetração dos raiossolares, foram a marca da edificação.

Em 1938 a sede foi inaugurada,embora as obras continuem até 1941,quando uma grande solenidade, reu-nindo jornalistas e autoridades, mar-ca a entrega final da Casa do Jornalis-ta ou o Palácio da Imprensa.

O então já septuagenário Dunsheede Abranches, em seu livro sobre Gus-tavo de Lacerda e os primeiros temposda associação, comemora, em 1938,que a entidade tenha se tornado umpilar da atividade jornalística no Bra-sil, então “instalada em um suntuosopalácio que a cada momento atesta suagrandeza”. E constata ainda que os“seus ideais e seus fins foram tão no-bres, tão altos e tão justos, que, por umfenômeno digno de nota, foi ela encon-trando, progressivamente, desde o seuobscuro início até seu presente apogeu,em cada nova diretoria um sangue maisnovo e mais ardoroso, de molde a pre-pará-la solidamente para seus futurosdestinos em nossa Pátria.” E Dunsheevai além: “A Fundação Gustavo de La-cerda, de uma simples e modesta soci-edade classista, transformou-se a pou-co e pouco em um órgão ativo, eficientee necessário à defesa e ao encaminha-mento dos mais graves e importantesproblemas nacionais. O seu concursopassou a ser assíduo e indispensável àboa marcha da pública administração.”

Dois aspectos caracterizaram a tra-jetória representativa da ABI. O pri-meiro, sua capacidade de representara categoria dos profissionais de impren-sa diante da sociedade, sobrepondo-se,com habilidade, aos particularismospartidários e às facções de opinião –assumindo-se como um campo neutro,como pedia Gustavo de Lacerda, ondepodem conviver todos os homens deimprensa.

O segundo aspecto refere-se a seucompromisso fundamental: lutar pelaliberdade de imprensa.

O primeiro século da instituição foipródigo em momentos de conflitosrelacionados com a liberdade de im-prensa, sobretudo nos tempos da Re-pública Velha (1889-1930) e no perío-do do regime militar (1964-1985).

Eventuais períodos de boa convivên-cia com o mundo político não afasta-ram a ABI de seu compromisso funda-mental. Exemplos marcantes são Her-bert Moses, que nunca se omitiu emdefender jornais e jornalistas, mesmocontando com altas amizades no po-der público do período getulista, e, jános anos 70, Prudente de Morais Neto,um conspirador de 1964, que, investi-do na presidência da ABI, não hesitouem denunciar o regime militar em di-versas ocasiões, especialmente no casodo assassinato de Vladimir Herzog, naprisão, em São Paulo.

Neutra para a convivência dos pro-fissionais associados, a entidade será

Fonte: O Prelo, Revista de Cultura da ImprensaOficial do Estado do Rio de Janeiro, ano VI, nº 17,Março/Abril/Maio 2008, páginas 16 a 21.A Redação do Jornal da ABI fez num ponto ououtro adaptações da publicação original às suasnormas de editoração.

TEXTO 3

CAMPO NEUTRO DA LIBERDADEeterna guerreira na defesa da liberda-de de imprensa.

No Conselho Administrativo de1974 a 1977, cinqüenta anos depois desua primeira presidência na ABI, Bar-bosa Lima Sobrinho voltou ao cargo em1978, para, seguidamente reeleito,permanecer até à morte, em julho de2000. Ele e Moses respondem por 60anos de presidências, nestes primeiroscem anos da instituição. O último pe-ríodo de Barbosa Lima Sobrinho corres-pondeu à fase final do regime militar,quando a já programada redemocrati-zação sofreu surtos de rebeldia inter-na por setores radicais militares. Emum ciclo de atentados, a própria ABI foialvo de bombas, que destruíram insta-lações em 1976.

A instituição se tornou um centrode defesa não apenas da liberdade deimprensa, mas das liberdades públicas.É a afirmação da consolidação da en-tidade: mais que uma organização re-presentativa de uma classe profissio-nal, tornara-se, no correr das lutas epela coerência, uma instituição nacio-nal – tal como sonhara Gustavo deLacerda, no começo dessa história, aopressentir uma Casa do Jornalista queseria “o grande templo da Civilizaçãoe da Liberdade da Pátria”.

A resistência da ABI à ditadura gerou ódio na direita terrorista, que detonou poderosa bomba no andar da Diretoria.

14 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

���������������

Conselho aprovanovas filiações

Em sua reunião de setembro, realizadano dia 30, o Conselho Deliberativo da ABIaprovou 15 propostas de filiação, oito nacategoria Efetivo e sete na deColaborador. O Conselho deferiu tambéma proposta de transferência do associadoClodomiro Francisco Carneiro deColaborador para Efetivo.

Para a categoria Efetivo foram aceitasas propostas de Ana Maria RodriguesAquino, Diogo Afonso Coutinho deSouza, Alfredo João de Menezes Filho,Raimundo Nonato Othelino Filho Parente,Daniel Gomes dos Reis, Maria InêsFerreira Machado Bitencourt, JoséMarcelo Antunes Moreira e AlexandroFerraz de Souza.

Para a categoria Colaborador foramaprovadas as propostas de Sérgio Alex deOliveira Landgraf, Ariane Locatelli Avelino,Ângelo Henrique Costa Cuissi, Osmar daSilva, Sérgio Mauro Louzada Fares,Othelino Nova Alves Neto e Jorge CorrêaGeraldo.

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Alunos do 6º período de Arquitetura daUniversidade Federal de Santa Catarinavisitaram no dia 9 de setembro o EdifícioHerbert Moses, sede da ABI e referênciafundamental da arquiteturacontemporânea. O projeto arquitetônicodo prédio foi concebido pelos irmãosMílton e Marcelo Roberto, jovensarquitetos recém-formados, e construídoem três anos, de 1936 a 1939, mas nãoperdeu a modernidade.

O Professor José Kos informou que oobjetivo da excursão de seus alunos épercorrer construções que marcaram omodernismo no País: – Já estivemos noMuseu de Arte Moderna, no prédio doMinistério da Educação, no Aterro doFlamengo, na Ilha do Fundão, noMaracanã, no Paço Imperial e, agora, noedifício da ABI, que impressiona pelasinovações da fachada, com um tipo dearquitetura sem ornamentos e prática,com o brise-soleil que quebra a incidênciadireta dos raios solares no prédio, semprejudicar a luminosidade.

Fernanda Vargas, uma das alunas daturma, destacou o aspecto externo daconstrução: – Achei muito interessante afachada de vidro, que antecede o brise-soleil, criando espaços livres quepercorrem todo o prédio. Também gosteido hall de entrada, que combinadiferentes materiais, como concreto,madeira e metal.

Gladys Neves, professora deArquitetura Brasileira da UFSC, falou daimportância da construção no cenário domodernismo nacional: – Nesta disciplina,nós estudamos a arquitetura do século XX,na qual o modernismo é o principalmomento. Os irmãos Milton e MarceloRoberto são grandes expoentes destemovimento. Ao projetar o prédio da ABI,com inovações como o brise-soleil, osamplos espaços de circulação nos andarese a planta livre, eles marcaram aarquitetura moderna no País.

Um dos muitos clássicosdo supremo mestre dowestern, John Ford, o ce-lebrado O Homem QueMatou o Facínora, foi umdos pratos de sustançados cinéfilos na progra-

mação de setembro do Cine ABI, no ci-clo em homenagem ao centenário daCasa, planejado pelo jornalista DejeanMagno Pellegrin, um dos fundadores daCinemateca do Museu de Arte Moder-na do Rio de Janeiro e sócio da ABI, econduzido pelo Diretor de Cultura eLazer Jesus Chediak. Além dessa criaçãode 1962 de John Ford, que mostra comoo jornalismo pode preferir a lenda à re-alidade, o ciclo A Imprensa no Cinemaapresentou mais duas importantes obrasque têm p jornalismo como panode fundo: Todos os Homens do Pre-sidente, de Alan J. Pakula, e O Pas-sageiro: Profissão Repórter, de Mi-chelangelo Antonioni.

A cena inicial de O HomemQue Matou o Facínora mostra oSenador Ransom Stoddard (Ja-mes Stewart) e sua mulherHallie (Vera Miles) chegando detrem a Shinbone para o funeral deum antigo amigo, o caubói TomDoniphon (John Wayne). Entre-vistado por um jovem repórter,Ransom começa a recordar otempo em que morava na cida-de e era um advogado empe-nhado em enquadrar o pisto-leiro Liberty Valance (Lee

Os repórteres Carl Bernstein (DustinHoffman) e Bob Woodward (Robert Re-dford), jornalistas do Washington Post, in-vestigam a invasão da sede do PartidoDemocrata, ocorrida durante a campa-nha presidencial nos Estados Unidos, em1972. A reportagem traz à tona uma gran-de rede de espionagem e corrupção e pro-voca a renúncia do Presidente RichardNixon, do Partido Republicano, em 1974,no famoso escândalo Watergate.

Esta é a trama de Todos os Homens doPresidente (All the President’s men), base-ado nos fatos reais depois descritos emlivro por Woodward, que, juntamentecom Bernstein, conquistou o PrêmioPulitzer pelo relato dos 26 meses de in-vestigação do caso. O filme intercalacenas históricas com as dirigidas porAlan J. Pakula e conquistou os Oscar demelhor ator coadjuvante (Jason Robar-ds), direção de arte, som e roteiro.

O aposentado José Luiz da Silva, pelaprimeira vez na platéia do Cine ABI, elo-giou o bom desempenho do elenco, emespecial da dupla Hoffman e Redford: –

A mostra A Imprensa no Cinema teveprosseguimento no dia 25 de setembrocom a apresentação de O Passageiro: –Profissão Repórter, mais um filme-cabe-ça de Michelangelo Antonioni, produzi-do em 1975. Na trama, o repórter DavidLocke (Jack Nicholson) é enviado parao Norte da África para investigar e rela-tar movimentos de guerrilha. Entedia-do com sua vida pessoal, ele entra emcrise existencial e depara com uma opor-tunidade de mudar radicalmente seudestino: trocar de identidade com umdesconhecido que morre no quarto dehotel ao lado do seu.

O que Locke não sabe é que, ao assu-mir a vida do inglês Robertson, ele en-tra na pele de um traficante de armas quesustenta a guerrilha na África. Ao cum-prir a agenda do morto, o jornalista vi-aja pela Europa e a África, negociandocom criminosos, ao mesmo tempo emque se apaixona por uma jovem arqui-teta (Maria Schneider), que o acompa-nha em sua nova vida.

Num filmaço de John Forda lenda supera a realidade

Além de O Homem Que Matou o Facínora, do mestre do western,ciclo da ABI mostrou obras de Alan Pakula, Wilder e Antonioni.

Marvin) nos rigores da lei, enquantoTom Doniphon, impetuoso, queria resol-ver a parada a tiro. Durante a primeiraviagem à cidade, vindo do Leste, Ransomfora assaltado e espancado na diligência.Doniphon, um hábil vaqueiro, leva-opara ser cuidado por sua namorada,Hallie, e logo Ransom, então um advo-gado recém-formado, descobre que foiLiberty Valance, famoso pistoleiro, quemo atacou. Percebe também que uma armaainda simboliza a lei na região, que an-seia por um homem progressista. Assim,decide lutar para prender o bandidousando apenas a lei.

Do que ocorre na verdade e o que viramito no Oeste – e do que se faz em rela-ção à informação correta tantos anos de-pois – é do que trata este grande clássi-

co do mestre John Ford, o único ci-neasta a ganhar quatro Oscar de

melhor direção na História do cine-ma, com os filmes O Delator, Vi-

nhas da Ira, Como Era Verde oMeu V ale e Depois do Vendaval.

O jornalista Paulo Almeida,freqüentador do Cine ABI,

aplaudiu o filme como um dosmelhores do gênero faroeste:– Foi ótimo rever este clássi-co com direção fantástica deJohn Ford. O roteiro e fo-tografia também são ad-miráveis. O personagemé uma figura idealista,que luta para comba-ter a violência através

das leis e da Justiça.

Todos os Homens de Nixon derrubaram o próprio Mais um filme-cabeçado mestre Antonioni

Mas as circunstâncias contraditórias quecercam o drama levam o personagem avencer utilizando métodos que ele pes-soalmente desvalorizava.

Também fã dos filmes de John Ford,o motorista Paulo Roberto Wanderleyprestigiou pela primeira vez o Cine ABI,a convite de uma amiga, e comentou: –Várias pessoas já tinham recomendadomuito este espaço e aproveitei uma fol-ga no trabalho para assistir ao filme. Nãotinha visto O Homem Que Matou o Fací-nora e o que mais me surpreendeu foi aforma como o diretor mostrou o papelfundamental da educação e da democra-cia na formação da sociedade norte-americana. Também destaco a posturaimparcial do velho jornalista vivido porEdmond O’Brien. Espero retornar sem-pre ao Cine ABI.

Programada para terminar em 11 desetembro com a exibição desse filme, amostra A Imprensa no Cinema continuaem cartaz, com mais filmes que têm o jor-nalismo no centro da trama.

É muito bom rever este filme, que ilus-tra com clareza a queda do PresidenteNixon. O grande trunfo fica por contada atuação dos protagonistas. O espec-tador ganha a compreensão da estrutu-ra de trabalho dos repórteres e o dia-a-dia da redação, em meio à sucessão defatos que originaram o escândalo.

O cinéfilo Paulo Santos destacou ocontexto jornalístico do filme e o papelda imprensa na construção da ética nassociedades democráticas: – Os EstadosUnidos, sempre com pretensões ambi-ciosas de ser o mandatário do mundo, àépoca curvou-se diante de pessoas quetêm o jornalismo no dna.

Paulo acrescenta que a imprensa brasi-leira tem conseguido superar tentativas deobstrução ao seu trabalho: – Em hipótesealguma o jornalismo deve aceitar interfe-rências, como a quebra do sigilo da fonteproposta pelo Ministro Nélson Jobim.Apesar da ausência de Fernando BarbosaLima e Fausto Wolff, há ainda grandesnomes nas trincheiras do jornalismo,como Hélio Fernandes e Elio Gaspari.

Mais uma aulade Arquitetura na sede da ABI

���������������

15Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

“O debate sobre os direitos huma-nos e o esclarecimento dos crimes ocor-ridos durante o regime militar são dointeresse não apenas das vítimas e deseus parentes. É um assunto de cida-dania. É a mesma história que ocorreuno Brasil e que compete a mim e aosbrasileiros. A construção da democra-cia exige essa política de memória e dejustiça, para se afirmar como uma po-lítica de direitos humanos.”

A declaração é do cientista políticoe historiador Gerardo Caetano, coorde-nador da comissão encarregada de in-vestigar os crimes cometidos no Uru-guai durante o período ditatorial, de1973 a 1985, e soou como uma verda-deira “lição do passado”, durante con-ferência realizada no dia 10 de setem-bro no Auditório Oscar Guanabarino daABI, em evento promovido pela Casaem colaboração com o Instituto Cultu-ral Brasil-Uruguai e o Consulado-Geraldo Uruguai no Rio de Janeiro.

Em sua exposição, Caetano infor-mou que 167 adultos e três crianças se-qüestradas durante a ditadura militarno Uruguai até hoje não foram encon-tradas. Números que poderiam impres-sionar em qualquer lugar, mas não numpaís que contabiliza 5.500 presos po-líticos, o maior número por habitantesna América Latina, e no qual o índicede torturados é alto e “impossível dequantificar”, revelou.

– É preciso entender que existe anecessidade desses movimentos de re-paração para investigar abusos, desa-parecimentos e seqüestros. Sabíamosque haveria resistência, mas a menti-ra e o silêncio têm limites. Essa políti-ca complacente é extremamente im-prudente. Estamos promovendo umdebate cívico, institucional e políticopor meio do atual Governo, que resol-veu não dar as costas à impunidade,mas esclarecer a verdade. – explicou ocientista político.

Em 3.500 páginas, relatos deapenas 5% dos crimes cometidosProfessor da Faculdade de Humani-

dades da Universidade da República doUruguai e autor de vários livros queanalisam a História do Uruguai e daAmérica Latina de modo crítico, Gerar-do Caetano assumiu a coordenação daComissão Provincial pela Memória, apedido do Presidente Tabaré Vázquez.Em 6 de julho de 2007, o site da Presi-dência da República do Uruguai publi-

identificar e levar à prisão torturado-res e dois ex-Presidentes: Juan MariaBordaberry e Gregorio Álvarez. Porém,muita coisa ainda pode acontecer, jáque o processo está apenas no come-ço. Formada por 250 pessoas, que atu-am no Uruguai e em outros países sul-americanos, a comissão analisou atéagora apenas 5% dos documentos daDireção de Investigação da Polícia deBuenos Aires-Dipa, que tem um ban-co de dados com 3,5 milhões de folhas.

– Ainda há muito por fazer, mas te-mos que contribuir com um testamen-to-cidadão para que todos os indivídu-os tenham o direito de conhecer seu pas-sado. Estamos empenhados em fazerjustiça sem rancor, mas com a energianecessária para construir o futuro. É umprocesso que não se encerrará no atualGoverno. – esclareceu Caetano.

Além de Caetano, a mesa que con-duziu o encontro contou com o Presi-dente da ABI, Maurício Azêdo; o Côn-sul-Geral do Uruguai no Rio de Janei-ro, Alberto Guani; o Secretário-Geraldo Ministério de Relações Exteriores doUruguai, Embaixador Nelson Fernán-dez; o Diretor do Centro de Informa-ções das Nações Unidas no Rio de Ja-neiro-Unic-Rio, Giancarlo Summa; oProfessor Enrique Rodríguez Larreta,da Universidade Cândido Mendes; aPresidente de Honra do Instituto Cul-tural Brasil-Uruguai, Nené Rodríguez;a Presidente-Executiva desse Institu-to, jornalista Beatriz Bissio; e o ex-Pre-sidente do Clube de Engenharia Ray-mundo de Oliveira.

Um exemplo para o Brasile para a América Latina

– A conferência do professor Gerar-do Caetano foi uma rara oportunida-de para o entendimento das violaçõesdos direitos humanos em toda a Amé-rica Latina durante o regime militar –afirmou Nené Rodríguez, Presidente deHonra do Instituto Cultural Brasil-Uruguai. Para ela, outra participaçãoimportante na conferência foi a doProfessor Enrique Rodríguez Larreta,cujo filho foi seqüestrado pelos milita-res. Larreta foi um dos líderes da cam-panha promovida no Uruguai para quehouvesse apuração de todos os atos deexceção cometidos pela ditadura e iden-tificação dos responsáveis.

Giancarlo Summa, Diretor do Cen-tro de Informações das Nações Unidas,salientou a importância do debate e dese recorrer às comissões de verdade eaos processos penais domésticos, trans-nacionais ou em países estrangeiros: –Há instrumentos jurídicos nacionais einternacionais que não ameaçam aestabilidade democrática das nações, oque é uma oportunidade rara para queos países da América Latina possamdefinir, de forma soberana, como lidarcom essa questão de maneira que todaa sociedade possa participar do proces-so sem medo.

O Secretário-Geral do Ministério deRelações Exteriores do Uruguai, Nel-son Fernández, disse que o Parlamen-to uruguaio aprovou uma lei que per-mite a volta de cidadãos exilados eacrescentou: – Andamos pelo mundotentando explicar como criamos umaFrente Ampla, de que maneira conse-guimos ter uma Central Única de Tra-balhadores. Agora vamos levar anospara dar essa explicação, mas temosque compartilhar a nossa experiência,para contribuirmos com o alcance dademocracia em todo o mundo.

No fim da conferência, ao se referirà participação do Professor GerardoCaetano, o Presidente da ABI destacousua competência no campo das ciênciassociais e sua atuação na defesa dos di-reitos humanos: – Gerardo Caetanodesenvolveu um trabalho cuja impor-tância não se limita às fronteiras de seupaís; alcança toda a América Latina ea própria comunidade internacional,que enfrenta hoje, como em passadorecente, graves agressões aos direitoshumanos e contra as pessoas comunse principalmente contra aqueles quenão se submetem à privação da liber-dade – disse Maurício Azêdo.

“A democracia não pode ser construídacom o abandono da memória e da justiça”

Cientista político uruguaio revela em conferência na ABI o drama dos direitos humanos emseu país durante a ditadura militar, que se estendeu de 1973 a 1985, e suas implicações no Brasil.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

cou um primeiro relatório das investi-gações. Com o título Presos Desapareci-dos, o relatório tem cinco volumes e maisde 3.500 páginas e foi publicado para“esclarecer o passado”, nas palavras doPresidente Tabaré Vásquez, que disseainda na ocasião ser “um livro para amemória, para a reflexão, para o com-promisso e para todos os uruguaios”.

Cada volume reconstitui um peda-ço do período tenebroso da História doUruguai: relatos de pessoas envolvidasna repressão; dados dos presos e desa-parecidos; informações sobre a violên-cia que os perseguidos políticos sofre-ram em países vizinhos – Paraguai,Chile, Bolívia, Argentina e Colômbia;uma compilação de leis e decretos daépoca da ditadura e denúncias de vio-lação dos direitos humanos; e, final-mente, os resultados da investigaçãosobre os corpos dos desaparecidos re-alizada nos anos de 2005 e 2006.

Há revelações importantes sobreopositores da ditadura, como os Mon-toneros e os Tupamaros, e sobre a tro-ca de correspondência entre os EstadosUnidos e autoridades diplomáticas sul-americanas. Os dados confirmam aparticipação do Uruguai na OperaçãoCondor, em que os Governos militaresdo Cone Sul promoveram ações articu-ladas para perseguir, prender, seqües-trar e torturar seus opositores em qual-quer país da região.

Há dois ex-Presidentespresos por esses crimes

A divulgação do dossiê ajudou a

O silêncio em torno dos crimes das ditaduras tem limite, disse oProfessor Caetano, que veio do Uruguai especialmente para esse ato.

16 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Casa da AméricaLatina, um ano e

cinco homenagensA Casa da América Latina, presidida

pelo engenheiro Raymundo de Oliveira,comemorou seu primeiroaniversário, em1º de setembro, com o ato de concessãoda Medalha Abreu e Lima a cincopersonalidades, uma de expressãointernacional, o ex-Presidente de CubaFidel Castro, e quatro nacionais: JoãoPedro Stédile, dirigente do Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem-Terra(MST); Modesto da Silveira, jornalista eadvogado de presos políticos durante aditadura militar; Neiva Moreira, jornalistae ex-parlamentar; e Zuleide Faria deMelo, professora e integrante doMovimento em Defesa da EconomiaNacional-Modecon.

O evento, na sede da Sociedade dosEngenheiros e Arquitetos do Estado do Riode Janeiro-Seaerj, no bairro da Glória, noRio, contou com a presença da ProfessoraAnita Leocádia Prestes, filha de Luís CarlosPrestes, e autoridades diplomáticas deCuba, Bolívia e Venezuela, além dejornalistas, professores, estudantes,advogados e economistas. A ABI foirepresentada pelo Diretor AdministrativoEstanislau Alves de Oliveira.

Os oradores da noite, e especialmenteRaymundo de Oliveira, foram efusivamenteaplaudidos ao defender em seusdiscursos “a integração da América Latinacontra eventuais agressões imperialistas”.Eles alertaram também para anecessidade urgente de o continente seunir em defesa de sua soberania.

Vidor faladas agênciasreguladoras

As agências reguladoras sob a óticada imprensa foi o tema que o jornalistaGeorge Vidor abordou no dia 17 desetembro no ciclo de debates Dez Anosde Regulação no Estado do Rio deJaneiro, promovido pela Agetransp,agência responsável pelos serviçospúblicos concedidos de transportesaquaviários, ferroviários, metroviários erodoviários estaduais, e realizado noauditório do Departamento de Estradasde Rodagem do Estado do Rio-DER-RJ.

Disse Vidor que a imprensa tem papelfundamental para que “as agênciasbusquem apoio junto à sociedade, áopinião pública, a fim de que possamexecutar suas atividades e não fiquemcomo marisco, entre as ondas e o rochedo,apanhando de todos os lados e correndo orisco de enfraquecer e se esvaziar”.

Economista de formação, George Vidorestreou no jornalismo em 1969, aos 16anos, no Correio da Manhã, e nunca maisparou. O estudo de Ciências Políticas eEconômicas e a prática nas redações seuniram e ele se tornou um dos maisrespeitados jornalistas na área econômica.

Atualmente, Vidor é editorialista deO Globo, em que também assina umacoluna às segundas-feiras, reproduzida,simultaneamente, em outros veículosde comunicação do País. No canal porassinatura Globo News, é comentaristaeconômico do programa Conta CorrenteEspecial.

O Acordo Ortográfico da LínguaPortuguesa foi assinado em Lisboa pelospresidentes dos oito países onde a línguaportuguesa é o idioma oficial, em 16 dedezembro de 1990, e busca unificar oregistro escrito no Brasil, Portugal, Angola,Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau,São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Ratificado pelo Brasil por meio doDecreto Legislativo nº 54, de 18 de abrilde 1995, a previsão era de que o tratadocomeçasse a vigorar em 1994 – nessaocasião, o Timor Leste ainda não haviaconquistado sua independência, que sóveio a ser consumada em 2002.

Em 1996, foi criada a Comunidadedos Países de Língua Portuguesa (CPLP).Dois anos depois, foi assinado em Praia,capital de Cabo Verde, o protocolomodificativo do acordo – pelo DecretoLegislativo nº 120, de 12 de junho de

Desde a tarde de 29 de setembro élei: o Acordo Ortográfico da Língua Por-tuguesa entrará em vigor em janeiropróximo, impondo a modificação empontos essenciais da forma de se escre-ver uma série de vocábulos. Para con-solo dos adversários do Acordo, quenão são poucos nem desqualificados –um dos que questionam sua pertinên-cia é o jornalista Carlos Heitor Cony,um dos mais importantes escritores doPaís —, a atual ortografia poderá con-viver com a nova até 2012, quandoentão valerão em sua plenitude as nor-mas instituídas pelo Acordo.

Foi em cerimônia na sede da Acade-mia Brasileira de Letras, no Rio de Ja-neiro, que o Presidente Luiz Inácio Lulada Silva assinou o decreto que estabe-lece o cronograma para a vigência doAcordo Ortográfico da Língua Portu-guesa. O ato aconteceu durante a ses-são solene de celebração dos cem anosda morte do escritor Machado de As-sis, primeiro Presidente e patrono daAcademia, que morreu em 29 de setem-bro de 1908.

Lula chegou à Academia acompa-nhado do Presidente da ABL, jornalis-ta Cícero Sandroni, do Governador do

���������������

LINGUAGEM

Agora é lei. Em 2009vamos escrever diferente

Em ato na Academia Brasileira de Letras, o Presidente Lula assinou o decreto que fixapara janeiro próximo o início da vigência do Acordo Ortográfico. Até 2012 – felizmente,

segundo muitos – poderão conviver a nova ortografia e a atual.

Estado do Rio, Sérgio Cabral Filho, e dopoeta e acadêmico Ivan Junqueira, 1ºSecretário da Casa.. Antes de entrar nosalão nobre da Academia, saudou osjornalistas presentes e, ao lado de San-droni e Cabral, posou para uma fotodiante da estátua de Machado de As-

sis, que fica no pátio em frente à entra-da principal do Petit Trianon.

Além de Lula, Sérgio Cabral e San-droni, compuseram a mesa que presi-diu o ato o Ministro em exercício dasRelações Exteriores, Samuel PinheiroGuimarães; o Ministro da Educação,

���������������

Lula entre o Presidente da Academia Brasileira de Letras, Cícero Sandroni , e o Governador Sérgio Cabral, durante a cerimônia na sede da ABL.

O ACORDO ORTOGRÁFICO PASSO A PASSO

2002 —, que alterou sua data de vigência.Em 2004, foi assinado outro protocolomodificativo, para incluir a adesão doTimor Leste e reafirmar a entrada emvigor do Acordo Ortográfico a partir desua ratificação por pelo menos três dospaíses signatários.

Portugal, Cabo Verde e São Tomé ePríncipe são os países que jáincorporaram a reforma ortográfica emseu ordenamento jurídico. De acordo comnota divulgada pelo Ministério daEducação, no caso do Brasil, para que anova norma seja efetivada, além dodecreto que organiza e determina aentrada em vigor da nova ortografia, serãoassinados outros três decretos: um depromulgação do Acordo Ortográfico daLíngua Portuguesa e dois para promulgarcada um dos dois protocolosmodificativos.

ACERVO DA ABL-CEL LISBOA

17Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Dez de setembro é uma data quenão pode ser esquecida. A data, emque se comemora o Dia da Impren-sa, foi lembrada por personalidades,políticos e entidades de todo o país.Em Mato Grosso do Sul, a Assem-bléia Legislativa do Estado aprovouem sessão ordinária uma moção decongratulação à imprensa brasilei-ra. O texto foi encaminhado pelo 1ºSecretário da Assembléia, deputa-do Ary Rigo, ao Presidente da ABI,Maurício Azêdo.

A moção, apresentada pela De-putada Dione Hashioka e subscri-ta pelos Deputados Youssif Domin-gos e Reinaldo Azambuja, tem o se-guinte texto:

“Os membros da Assembléia Le-gislativa do Estado de Mato Grossodo Sul, legítima representante dasociedade sul-mato-grossense,através dos deputados que estasubscrevem, congratulam-se comtodos os profissionais da impren-sa pelo Dia da Imprensa, comemo-rado no dia 10 de setembro. As con-gratulações são extensivas a todosos profissionais da área.”

A Associação Catarinense de Im-prensa apresentou no dia 3 de se-tembro, em seu auditório, o proje-to arquitetônico de construção dapraça pública idealizada pela Prefei-tura de Florianópolis em homena-gem a Gustavo de Lacerda, funda-dor da ABI.

A apresentação foi feita pelo Pre-feito em exercício de Florianópolis,Rubens Pereira Filho, e os Secretá-rios de Habitação, Átila Rocha dosSantos, e Comunicação, Paulo Ro-berto Arenhart.

A Assessoria da Prefeitura de Flo-rianópolis sublinhou que o funda-dor e primeiro Presidente da ABI,Gustavo de Lacerda, nascido na ca-pital catarinense, será “eternamen-te lembrado pelo espírito solidário,em defesa da fraternidade univer-sal, da independência jornalística,da ética profissional e das liberda-des publicas”.

Na véspera da solenidade, o Pre-sidente da ABL, jornalista CíceroSandroni, ressaltou que Machado deAssis seria duplamente exaltado noevento: – De um lado, a Academia lherende a mais expressiva homenagemneste ano em que celebramos o cen-tenário de sua morte; de outro, apromulgação do Acordo Ortográfi-

Uma databem lembrada

Assembléia Legislativa doMato Grosso do Sul enviamoção de congratulação

pelo Dia da Imprensa à ABI

MOÇÃO

Uma praça paranosso fundador

em sua terra

Uma aspiração de MachadoO patrono da Academia queria que ela fosse a guardiã do idioma.

Sérgio Haddad; o Ministro da Cultu-ra, Juca Ferreira; e o acadêmico e ex-Mi-nistro da Educação Eduardo Portella.

A solenidade contou também coma presença de membros da ABL, entreos quais o ex-Presidente José Sarney eos jornalistas Murilo Melo Filho eCarlos Heitor Cony. Entre as autorida-des, compareceram o Senador PauloDuque (PMDB-RJ) e os cônsules dePortugal, da Itália, do Japão e da Argen-tina no Rio de Janeiro.

Representaram a ABI o Diretor deJornalismo Benício Medeiros e os Con-selheiros Francisco de Paula Freitas,Dácio Malta e Cecília Costa. A locuçãodo evento foi feita pelo jornalista Már-cio Gomes, apresentador de telejornaisda Rede Globo.

Como seráPelo decreto, a partir de janeiro de

2009 e até dezembro de 2012 as duasnormas ortográficas (a que está emvigor e a prevista pelo acordo) poderãoser usadas e aceitas como corretas nosexames escolares, vestibulares e con-cursos públicos, por exemplo. Nos li-vros didáticos, as novas regras só serãoimplementadas em 2010, quando to-dos deverão ser editados de acordo como regimento da nova ortografia, comexceção de reposições e complementa-ções de programas em curso.

O Acordo Ortográfico institui 20bases de mudança na língua portugue-sa, tais como o fim do trema, a supres-são de consoantes mudas, novas regraspara o uso do hífen, a volta das letras“w”, “k” e “y” ao alfabeto e o fim doacento agudo em palavras como “idéia”e “assembléia”.

O Governo brasileiro declara espe-rar que a reforma contribua para a am-pliação da cooperação internacionalentre os países de língua portuguesa,a partir do estabelecimento de umagrafia oficial única. Há também a ex-pectativa de que a medida facilite oprocesso de intercâmbio cultural e ci-entífico e a divulgação da literaturaescrita no idioma.

“Momento histórico”Na abertura da solenidade, o Presi-

dente da ABL enalteceu o trabalho dosfilólogos Antônio Houaiss, Austregé-silo de Athayde e Evanildo Bechara edisse que a assinatura do Acordo Or-tográfico era “um momento históricopara a Academia”.

O orador oficial do ato foi EduardoPortella, que, ao se referir à celebraçãodo centenário da morte de Machado deAssis, ressaltou: – Estamos aqui, diantedeste auditório tão qualificado quan-to diversificado, para falar da vida. Daresistência da vida frente à História esuas maquinações sucessivas. Não va-mos nos ocupar da morte de JoaquimMaria Machado de Assis, que agoracompleta cem anos. Até porque ela temsido uma morte cheia de vida. O quecaracteriza basicamente o autor deDom Casmurro é ter construído um con-junto de obra em movimento.

Portella disse ainda que, ao contrá-rio de alguns críticos literários, o quemais o atrai na vida do escritor é a suaobra: – Não me interessam as divaga-ções sobre a origem, o currículo esco-lar, a etnia, a saúde de Machado. Osdeuses, os mágicos, os fantasmas, osiluminados, os bruxos dispensam es-sas desnecessárias classificações. Oautor de Memórias Póstumas de BrásCubas recorreu à morte como espaçode liberdade, imune às pressões e àstrapaças do cotidiano. Brás Cubas sabedo que fala, e fala livremente após amorte.

Medalha para LulaAntes de iniciar seu discurso, o Pre-

sidente Lula recebeu das mãos do ex-Presidente José Sarney a Medalha Co-memorativa do Centenário de Macha-do de Assis, condecoração concedidapela Academia. Em seguida, falou so-bre o Acordo Ortográfico e a celebra-ção do centenário do patrono da Aca-demia, ressaltando o trabalho que aABL faz “pela difusão da língua e dacultura do País”.

Depois de saudar os membros daABL e os seus convidados, o Presiden-te disse que se sentia feliz por estar re-tornando ao local para um evento degrande importância para o Brasil e to-dos os países de língua portuguesa: –

É com grande alegria que visito nova-mente esta Casa e o faço, antes de maisnada, para testemunhar a sua impor-tância como instituição que reconhe-ce e consagra o talento literário e artís-tico brasileiro. A Academia encarna agratidão do País a todos aqueles que, noexercício da imaginação e da reflexãocriadora, alimentam a inteligêncianacional. Mas o faço também paramanifestar o meu apreço pelo inestimá-vel trabalho que a ABL realiza pela cul-tura e difusão da língua.

Em seguida, o Presidente falou so-bre a importância da celebração doAcordo: – Ele vem coroar o competentee dedicado labor de lingüistas, filólo-gos e gramáticos de todos os integran-tes da Comunidade dos Países de Lín-gua Portuguesa e tem uma importân-cia muito maior do que aparenta à pri-meira vista. Por isso, deve ser explica-do aos cidadãos brasileiros e àqueles detodos os demais membros da CPLP.

O Presidente destacou também o in-tercâmbio que o Brasil vem mantendocom os países da África – principalmen-te aqueles onde o idioma oficial é oportuguês: – Esse intercâmbio repre-senta muito mais do que uma questãogeopolítica, porque é o encontro doBrasil com suas raízes, é o encontro doBrasil consigo mesmo.

(José Reinaldo Marques)

co dos sete países lusófonos concre-tiza uma aspiração de Machado, res-saltada em seu discurso de encerra-mento do ano acadêmico de 1897,quando afirmou: “A Academia bus-cará ser a guardiã de nosso idioma,fundado em suas legítimas fontes –o povo e os escritores, todos os falan-tes de língua portuguesa”’

O escritor, filólogo e acadêmicoDomício Proença Filho observou quea ortografia da língua portuguesa temsido preocupação de estudiosos des-de o século XVI e foi objeto de regu-lamentação a partir dos começos doséculo XX, por acordos firmados porBrasil e Portugal: – Tecnicamente, onovo acordo já poderia ter entrado emvigor – explica Domício —, mas resis-tências acentuadas oficiais e edito-

riais, de várias origens, e dificulda-des de ordem prática, entre

elas o prazo de adaptação eas que envolvem a políti-ca do livro didático noPaís, retardaram o pro-cesso, que agora chegaao ponto de conclusãocom a decisão do Presi-dente Lula de firmar osdecretos de promulga-ção no Brasil.

18 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

A festa dos 60 anos do jornalistaAncelmo Gois, colunista de O Globo,reuniu no dia 16 de setembro mais de200 personalidades dos meios jornalís-tico, cultural e político do Rio, que seencantaram com a alegria do homena-geado e com o espetáculo musical or-ganizado pelo jornalista João Máximo,companheiro de redação do aniversa-riante, sobretudo por um aspecto des-conhecido pela maioria dos convida-dos: o talento musical de vários inte-grantes da equipe do jornal.

A revelação pública desses talentoscomeçou com a apresentação do edito-rialista Luiz Paulo Horta, recém-eleitopara a Academia Brasileira de Letras, queacompanhou ao piano sua filha AnaClara na interpretação de Feitio de Ora-ção, de Noel Rosa, e de uma composi-ção de sua autoria. Lembrando que já seexibira no show do aniversário anteri-or de Ancelmo, numa indicação de queo talento dele já era conhecido dos com-panheiros de O Globo, Horta acompa-nhou a seguir a apresentação de umcolega de redação, José Antônio Nona-to, que interpretou quatro sucessos deCarmem Miranda, precedendo-os deuma informação objetiva sobre a situ-ação política e social da época e as cir-cunstâncias em que ela cantou tais mú-

musical Sassaricando; noutra mesa, Fi-chel Davit Chargel, sua mulher, BeatrizSanta Cruz Lima, Nilo Braga e suamulher, Lilian Nabuco, Vítor Iório, to-dos sócios da ABI; adiante, na mesmamesa, Marcelo Beraba, Diretor da Sucur-sal Rio do Estadão, e Elvira Lobato, suamulher, repórter da sucursal Rio da Fo-lha de S.Paulo; Ricardo Kotscho, vindoespecialmente de São Paulo; MarceloAuler, da Sucursal do Estadão; MaurícioAzêdo, Presidente da ABI, e sua mulher,Marilka Azêdo.

A partir daí, os convidados permane-ciam de pé, dançando e cantando, ou seacomodavam em mesas trazidas às pres-sas. Chegaram os Deputados RonaldoCésar Coelho e Márcio Fortes; os char-gistas Chico Caruso e Jaguar; os jorna-listas Rui Xavier, Diretor da Brasil Te-lecom; Andréa Gouveia Vieira, jornalis-ta e vereadora no Rio de Janeiro; Elai-ne Maciel, colega de Ancelmo na turmade bacharéis em Jornalismo da Faculda-de de Comunicação Hélio Alonso-Fachana segunda metade dos anos 70; DácioMalta, colega de Ancelmo no Jornal doBrasil e Conselheiro da ABI; Teresa Cru-vinel, Presidente da TV Brasil; Artur Xe-xéo, editor do Segundo Caderno do Glo-bo; e George Vidor, colunista de O Glo-bo e comentarista econômico da GloboNews. Juntavam-se assim aos amigosde Ancelmo que primeiro chegaram aoEstrela da Lapa, como o cineasta LuizCarlos Barreto e sua mulher, a produ-tora cinematográfica Lucy Barreto.

No palco sucediam-se as revelaçõesde talentos, como o da dupla MarceuVieira, da equipe da coluna de AncelmoGois, e Tuninho Galante, que impres-sionaram pela qualidade de seus sam-bas, em linha melódica que denuncia ainfluência de Paulinho da Viola, e pela

Há tempos, esse sergipano mostra umtalento incomum para depurar fofocas,garimpar informações e seduzir fontes,tornando-se um dos principais colunis-tas sociais e políticos do País. Tantas ve-zes, a principal notícia do dia não estána manchete da primeira página, mas emsua coluna diária, publicada no jornal OGlobo e em outros tantos veículos Paísafora, em uma pequena nota de quatroou cinco linhas.

Para isso, dá duro. Diferente do quemuitos imaginam, a imagem de glamournão corresponde à realidade daqueles queajudam a redigir as notas na meia pági-na ocupada por sua coluna diariamente.Mesmo contando com o apoio de umaequipe, Gois chega a trabalhar mais de dezhoras diárias, inclusive aos domingos.Como ele mesmo diz, uma dedicação deoperário, que também rende muitas brin-cadeiras, inclusive, a de que os colunis-tas têm calos nas orelhas, conseqüênciadas muitas horas passadas ao telefone.

Cerca de 80% dessa labuta se resumea dizer “não” às mais de mil tentativas

O homem das pequenas notas e grandes notícias

A festa de Ancelmo,um jovem de 60 anos

Companheiros, amigos e admiradores passaram horashomenageando-o e ouvindo talentos musicais de O Globo.

diárias de divulgação de notícias e even-tos daqueles que tentam emplacar no-tas. Também às trocas com colegas. Goiscede um pequeno espaço para notas dedivulgação e, em troca, recebe outrasnotícias em primeira mão. Outra partedo tempo é gasta na relação com as fon-tes, que são classificadas por estrelas.Uma vez por semana, o jornalista tele-fona para as fontes cinco estrelas embusca de notícias quentes. As que rece-bem uma estrela, na outra ponta, rece-bem um telefone mensal.

– Enquanto os grandes jornais do mun-do estão muito voltados para o “colunis-mo de idéias”, aqui no Brasil as colunasmais lidas são as de notas. É o estilo “bra-sileiro e carioca”, que faz muito sucesso.Quando trabalhei na Radar, da revistaVeja, além do noticiário geral, procuravafornecer informações relevantes para osempresários que tinham interesses no in-terior de São Paulo. Já em O Globo, hátambém notas para o público carioca.Mas das cerca de 15 notas da seção, pelomenos três são atrativas para leitores de

Gois passou pela revista Exame, pelaVeja e pelo Jornal do Brasil, em que foi re-pórter, editor e responsável pela colunaInforme JB. De volta a Veja, assumiu a co-luna Radar e a chefia do escritório da pu-blicação no Rio. Em 2000, antes de setransferir para O Globo, ainda teve umapassagem pela internet, na revista ele-trônica Notícia e Opinião, NO, do portalIG. A aventura, no entanto, foi encerradaem apenas 50 dias, com o estouro dabolha da internet.

Depois de quatro décadas no jornalis-mo impresso, Gois finalmente resolveuarriscar-se na televisão. Ao lado da jorna-lista Vera Barroso, ele apresenta o progra-ma De Lá para Cá, na TV Brasil. A partirde um fato, lugar ou personagem da his-tória do Brasil, diferentes convidados ana-lisam o passado e discutem sobre sua im-plicação no presente. Mesmo com expe-riência na TV como comentarista políti-co, Gois não esconde que encara as grava-ções, que concilia com a produção de suacoluna, como um desafio. Mas, como diz,“o segredo da vida é gostar do que se faz”.

todo o País. – disse Gois, em recente en-trevista ao jornalista Alberto Dines, noprograma Observatório da Imprensa.

Vida de aventurasCom 45 anos de carreira, Ancelmo

costuma afirmar que é “produto de ou-tro momento político”. Começou cedo,trabalhando na Gazeta de Sergipe. Lá,conviveu com gente bem mais velha queele, que freqüentava cabarés e sofria detuberculose devido ao contato com ochumbo usado nos antigos linotipos. Mi-litante estudantil, foi preso logo após oAI-5 em dezembro de 1968.

“Formado”, como se definiu ao sair dacadeia, foi convidado a estudar em Mos-cou e viveu ali clandestinamente com onome de Ivan Nogueira. Meses depois,voltaria ao Brasil, também de forma clan-destina, pela fronteira com a Argentina,para morar no Rio de Janeiro. Com a aju-da de Maurício Azêdo, hoje Presidenteda Associação Brasileira de Imprensa(ABI), conseguiu trabalho frelancer naEditora Abril.

sicas. Entre elas, Uva de caminhão e Re-censeamento, de Assis Valente, de cujavida atormentada Nonato fez breverelato, e Disseram que eu voltei america-nizada, de Vicente Paiva e Luís Peixoto.

Passava das 22h e o salão térreo dorestaurante Estrela da Lapa começavaa ferver de recém-chegados, entre osquais destacadas figuras de Sergipe,terra de Ancelmo: o Governador Mar-celo Déda e o Deputado Albano Fran-co, ex-Govermador do Estado e tam-bém Senador por Sergipe antes do atualmandato na Câmara Federal. Além deensaiar passos de dança com a mãe ecom a neta Carol, de três anos, nos om-bros, Ancelmo protagonizou com o Go-vernador uma cena de sabor regional:quando o acordeonista Kiko Horta,filho de Luiz Paulo, atacou com umxaxado, os dois foram para as proximi-dades do palco e, com a maior desibi-nição, exibiram por alguns minutos seudomínio da dança nordestina.

A essa altura rareava o espaço, ocu-pado desde antes do show por amigose companheiros de Ancelmo, como,numa mesa, Sérgio Cabral e sua mulher,a museóloga Magali Cabral, e a tambémmuseóloga Rosa Maria de Araújo, Pre-sidente do Museu da Imagem do Some co-autora com Cabral do roteiro do

COMEMORAÇÃO

CAR

LOS IVAN

-AGÊN

CIA O

GLO

BO

19Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Nascido em Tombos-MG, em 1º deoutubro de 1958, Wanderley Peres Ja-cinto começou a trabalhar como gráfi-co aos 13 anos de idade. Pouco depois,já vivendo em Três Rios, no Estado doRio, entrou no jornal O Painel, onde pas-sou pela composição, a diagramação, arevisão, a impressão e até a distribuição.

Peres chegou a Teresópolis em 1977com boa bagagem de profissional e tra-balhou mais de dez anos na Gazeta deTeresópolis. Na cidade serrana fluminen-se, também se casou e teve filhos, comos quais mantém uma gráfica,onde, mais tarde, decidiu criarum jornal, O Noticiário – quelogo se transformou em O Di-ário: – Em 1988, sonhei que meujornal seria o mais importanteda cidade, e ele aconteceu. Nes-tes 20 anos, percebi como Tere-sópolis funciona, como reage àsinterferências da informação ecomo podemos interagir para oseu desenvolvimento. O futu-ro me preocupa e ocupa boaparte do meu tempo. Hoje, divido asobrigações do jornal com os filhos eaproveito para sonhar uma cidade mo-derna, com melhor qualidade de vida,com pessoas mais felizes. Acredito queisso é possível e estou investindo emprojetos culturais.

Ele não esconde o orgulho ao contarque seu jornal patrocina o Projeto Pró-Memória, detentor do maior acervo daHistória da cidade. E fala dos próximosplanos: – Até o fim do ano, vamos abriro Museu da Imprensa de Teresópolis,disponibilizando nosso banco de dadosao público e, principalmente, aos pes-quisadores. Será um espaço onde, alémdas mais de 4 mil edições do Diário, opúblico possa conhecer a História dacidade desde os anos 30, contada peloTeresópolis Jornal e a Gazeta de Teresópo-lis, mais antigos, por fotos, ilustrações,documentos. Também estarão em ex-posição linotipo, impressora, caixas detipos, bolandeira, prelo...

Na verdade, Wanderley Peres abriráaté mesmo seu local de trabalho aos in-teressados: – Pelo menos um dia na se-mana receberei em minha sala quemquiser conversar sobre Teresópolis e co-nhecer sua História. Temos vários pro-jetos em andamento e muitos sonhosrealizáveis por concretizar. Mas 2008é especialmente empolgante e mereceainda mais nossa atenção, pois é o anodo bicentenário da imprensa no Brasil,

VEÍCULOS

A paixão da memória deWanderley Peres e seu jornal

Ao completar 20 anos, o jornal mantém seu compromissode preservar a História e a riqueza natural da cidade serrana.

POR TONI MARINS

do centenário da ABI e do 20º aniver-sário do Diário.

Também este ano, Wanderley foieleito para a Academia Teresopolitanade Letras, na cadeira do poeta OlegárioMariano. Cidadão Honorário do Esta-do do Rio de Janeiro e do Município deTeresópolis, dedica-se não só a preser-var a memória da cidade onde vive coma família – a mulher, Línea, e os filhosWanderley Jr., Raphael, Emille e IsabelCristina —, mas também o meio am-biente Ele é Presidente do Partido Ver-de na região da Serra dos Órgãos: – Jáescalei seus mais de 30 cumes e queroeditar um livro sobre essa maravilha danatureza. Preservá-la, assim como aHistória local, é minha meta – diz Wan-derley, que em 2007 publicou Miguel,Senhor da Torre – sobre a história do al-pinista pioneiro na conquista da PedraVerruga do Frade, no Parque Nacionalda Serra dos Órgãos —. e, agora, em co-memoração aos cem anos da chegadado trem à cidade, lança A História daEstrada de Ferro Therezópolis.

Paralelamente, ele conseguiu o le-vantamento dos sítios históricos da fer-rovia – como o túnel da Beira Linha, apassarela da Rua São Francisco e os es-combros da Ponte Sloper – , cujo tom-bamento está em andamento no Insti-tuto Estadual do Patrimônio Cultural–Inepac, objeto de projeto de lei que tra-mita na Assembléia Legislativa do Es-

originalidade das letras. Forte impressãocausaram também o conjunto Sururu naRoda, com duas violonistas e dois percus-sionistas, que anunciaram o lançamen-to de seu terceiro cd – com certeza, dignode ser comprado, pelo visto no espetá-culo – e outro dos compositores da reda-ção da Rua Irineu Marinho, o jornalistaJoão Pimentel, o Janjão, que a platéiafestejou com palmas. Compositor doBloco Imprensa que eu Gamo, antigoBloco da Imprensa, e celebrado pela ir-reverência nas músicas e nos poemas,Janjão recitou uma de suas criações an-tes de cantar. Era a descrição do romanceentre Madalena e Jesus, com beijo e tro-ca de carinhos, tudo esclarecido nos úl-timos versos: ela era Maria Madalena daSilva, modista; ele, Jesus Vasconcelos,cirurgião-dentista.

Logo se adensou a multidão de con-vidados, com a chegada de oiutros com-panheiros de Ancelmo em O Globo, noJornal do Brasil e em publicações da Edi-tora Abril, como Veja. Chegaram Alfre-do Ribeiro, conhecido do grande pú-blico pelo pseudônimo com que assinasuas deliciosas crônicas: Tutty Vasques;Flávio Pinheiro, colega de Ancelmo naAbril e no Jornal do Brasil; Mário SérgioConti, Editor da revista Piauí e antigoDiretor de Veja ao tempo em que Ancel-mo trabalhava na revista; Arthur Dapie-ve; Márcia Vieira, antiga integrante daequipe da coluna Ancelmo, atualmentena Sucursal Rio da Abril, e seu marido,Fábio Rodriugues; o jornalista e escri-tor Paulo Roberrto Pires, Diretor Edito-rial da Ediouro; Oriovaldo Perin; Hele-na Celestino; Rodolfo Fernandes, Dire-tor de Jornalismo de O Globo; Ali Kamel,Editor-Executivo dos programas jorna-lísticos da TV Globo. Frei Betto, tam-bém jornalista, não compareceu, masmandou a Ancelmo uma mensagem queo fez chorar de emoção.

No segundo andar do Estrela da Lapaperdia-se a conta dos que chegavam edos que saíam: lá se reuniam os conter-râneos de Ancelmo vindos de Sergipeespecialmente para a festa, entre osquais Wellington Mangueira, que feza iniciação de Ancelmo na imprensa,como aprendiz de tipógrafo num mo-desto jornal de Aracaju, e também noPartidão, de que Wellington se tornouatuante dirigente no Estado. Welling-ton destacou-se após a derrubada da di-tadura militar por uma singularidade:foi o primeiro comunista do País a exer-cer o cargo de Secretário de SegurançaPública de um Estado, precisamenteSergipe, no Governo Albano Franco.Ancelmo dividia-se entre o terreo e osegundo andar. para a todos contem-plar com o seu carinho.

Por volta da meia-noite começarama se apresentar outros ases da insuspei-tada companhia artístico-amadorísticado Globo, como Angelina Nunes, FláviaOliveira, Trajano de Moraes e AluízioMaranhão. Deste último, Ancelmopropalou as virtudes antes que ele su-bisse ao palco: – O Maranhão – disse,com ênfase – é um gênio no violão deseis cordas.

tado: – Este é outro projeto de museu,com uma réplica da estação, o túnelguardando as peças do trem ou servin-do de passagem para uma segunda es-tação... – sonha Wanderley.

Como no tempo do AI-5Em meio a tantas boas lembranças,

Wanderley Peres recorda um dia ruimna história de sua carreira e seu jornal:o 8 de janeiro de 1999, quando fiscais epoliciais invadiram a redação, empas-telaram O Diário de Teresópolis e lacra-ram a porta, em nome da SecretariaMunicipal de Fazenda, numa reediçãodos tristes tempos do AI-5: – Tínhamospublicado denúncias de perseguição apessoas que eram contra os candidatosdo Prefeito da época, o advogado Má-rio de Oliveira Tricano, e uma série dematérias sobre a fila do beija-mão naPrefeitura. Recebemos uma seqüênciade autos de infração, inviabilizando ofuncionamento do jornal, até culminarem seu fechamento e empastelamento.

O fato ganhou repercussão nacionale chegou ao conhecimento da ABI, ondefoi debatido em reunião pelo então Pre-sidente Barbosa Lima Sobrinho e osConselheiros da Casa. Wanderley Peresguarda até hoje o ofício que recebeu daABI na ocasião:

“Em nome do Presidente da Associa-ção Brasileira de Imprensa, comunica-mos ao prezado confrade que, em suareunião de hoje, 12 de janeiro de 1999,a Diretoria da ABI deliberou dirigir-se aoSr. Prefeito de Teresópolis, protestandocontra ato impeditivo da circulação deO Diário de Teresópolis. Na defesa da Li-berdade de Imprensa, a Casa do Jorna-lista se manterá atenta a esta questão, naexpectativa de que o poder público vol-te a cumprir a Constituição Brasileira noque se refere ao direito de informar.”

Funcionários doDiário de

Teresópolisaguardam a

reabertura dojornal, que foi

fechado depoisde publicar

denúncias contraos candidatos doprefeito em 1999.

Abaixo, aprimeira página

comemora adecisão da

justiça.

DIÁR

IO D

E TERESÓ

POLIS

20 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

uiz Piñeda Mendes é uma lendadentro dos estádios, mas tam-bém fora dos gramados. Se qual-quer torcedor fanático escalasse

uma seleção dos mais importantes cra-ques do futebol brasileiro, dentro dasquatro linhas ele certamente não fica-ria nem no banco. Mas, com sua voz in-confundível e o jeito de falar que lhe va-leram a alcunha de “o comentarista dapalavra fácil”, seria o capitão do time daimprensa esportiva nacional. Afinal, de-pois dele, tudo seria diferente. Antes deMendes, não existiam expressões como“folha seca”, “cabeça-de-área” e “ponta-de-lança”. Ele criou uns e introduziu ou-tros no País. “Pelotaço”, “golaço” e “can-cha”, termos usados por argentinos euruguaios, foram trazidos por ele. A ori-gem do futebol é inglesa, mas ele foi umdos primeiros a usar centro-médio enão center-half; zagueiro no lugar defull-back; lateral-direito em substitui-ção a half direito, meia-direita ou meia-esquerda no lugar de insider; pontapara o que chamavam de winger; e cen-troavante no lugar de center-forward.

Mendes não é o “camisa 10” de umaequipe qualquer. A equipe com quemconviveu e trabalhou só tinha feras:Armando Nogueira, Mário Filho, JoãoSaldanha, Nélson Rodrigues.

“O Nélson era uma figura. Certa vez,um jogador ouviu um apito que tinhasido dado do lado de fora do campo.Como a bola foi parar dentro da área,ele pensou que o juiz tivesse apitado ea pegou com a mão para cobrar pênal-ti. Foi a maior confusão. Aí o Nélsondisse: “Somente o Sobrenatural de Al-meida poderia ocasionar um fato comoeste. Foi ele quem apitou do lado de forado campo, confundindo o jogador.”

“Nélson Rodrigues também disse emuma entrevista que o lugar mais longea que iria na vida era o Méier. Porém, en-contrei-o numa barca da Cantareira,rumo a Niterói, para ver o Fluminensejogar. Ele me cumprimentou e comen-tou: Para você ver a que me leva o meutime: fazer a travessia do Atlântico”,conta o veterano craque dos microfo-nes, um colecionador de boas histórias.

Gaúcho de Palmeira das Missões,Luiz Piñeda Mendes iniciou a trajetó-ria de radialista em um serviço de alto-falantes na cidade vizinha de Ijuí, ain-da adolescente. Ao longo de quase setedécadas de carreira, quase integral-mente dedicada ao jornalismo espor-tivo, fundou emissoras de rádio, crioua primeira mesa-redonda esportiva natelevisão brasileira, onde também in-troduziu programas de sucesso comoo TV Ringue, e chefiou os primeiros de-partamentos de Esporte nos veículos.Aos 84 anos, o “comentarista da pa-lavra fácil” segue firme dedicando-seao seu “esporte” predileto: a coberturajornalística do futebol.

DEPOIMENTO

Ainda fazendo coberturasjornalisticas aos 84 anos, o

veterano Luiz Piñeda Mendes é umdos grandes craques da imprensa

esportiva e do rádio brasileiro.

ENTREVISTA A CLÁUDIA SOUZA

MARCELO THEOBALD - AGÊNCIA O GLOBO

L

21Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

JORNAL DA ABI – COMO VOCÊ ENTROU

PARA O RÁDIO?

Luiz Mendes – Comecei ainda me-nino, em 1941, em um serviço de alto-falantes em Ijuí. Simultaneamente, tra-balhava no Alerta, um jornal feito porjovens daquela cidade. Certo dia, odono da Rádio Missioneira, que opera-va em Santo Ângelo, outra cidade ga-úcha próxima, ouviu a minha voz nosalto-falantes e me convidou para fazerparte do grupo de locutores da emisso-ra. Fiquei lá apenas um ano. Em segui-da, fiz teste para a Rádio Farroupilha,de Porto Alegre, desta vez para narrarpartidas de futebol – função que entãose chamava de “speaker esportivo” – etambém para apresentar alguns pro-gramas. Naquela época, ainda não ha-via no rádio, especialmente no Sul,nenhum tipo de especialização profis-sional. O cara tinha que ser o homemdos sete instrumentos, como se dizia:atendia o telefone, varria o estúdio,colocava o disco para tocar e entravano ar ao mesmo tempo.

JORNAL DA ABI – E QUANDO TROCOU OSUL PELO RIO DE JANEIRO?

Luiz Mendes – No fim de novembrode 1944, estive no Rio para fazer a trans-missão de um jogo do campeonato bra-sileiro de seleções e fiquei sabendo quea Rádio Globo seria inaugurada no dia2 de dezembro. Fui até lá e procurei o Ru-bens Amaral, o locutor-chefe. Como euera muito menino, ele perguntou se eutinha experiência. Assim que mostrei acarteirinha da Farroupilha – uma dasemissoras mais fortes na época – elepediu para eu retornar no dia seguinte.“Para fazer um teste?”, indaguei. “Não!Se você é locutor da Rádio Farroupilha,será locutor da Rádio Globo”, ele respon-deu. E assim, quase no grito, fui um dosfundadores da estação. Sou o último so-brevivente da inauguração, ao lado deBenedito Silva, que era o Tesoureiro ehoje está com 92 anos.

JORNAL DA ABI – SUA VOZ E ESTILO IM-PONENTES INFLUENCIARAM GERAÇÕES. EQUEM O INFLUENCIOU NO COMEÇO DE CAR-REIRA?

Luiz Mendes – Tive muitas influên-cias, como o Carlos Frias, que eu ouviano Sul e era o grande locutor da RádioTupi; e o maior locutor brasileiro naépoca, César Ladeira, da Mayrink Vei-ga. E também do Ary Barroso e doOduvaldo Cozzi, que dominavam asintonia no Rio de Janeiro.

JORNAL DA ABI – NA GLOBO, VOCÊ DE-MOROU UM POUCO PARA ENTRAR NA ÁREA

ESPORTIVA, NÃO?

Luiz Mendes – Realmente. Lá, sócomecei a transmitir futebol em 1947e substituindo o locutor GaglianoNetto, que saiu para fundar a Conti-nental, cujo slogan era “a emissora100% esportiva”.

JORNAL DA ABI – FOI NESSE TEMPO QUE

VOCÊ CONHECEU A RADIALISTA E ATRIZ DAISY

LÚCIDI. DIZEM QUE O COMEÇO DO ROMAN-

CE DE VOCÊS RENDE UMA BOA HISTÓRIA. ÉVERDADE?

Luiz Mendes – Conheci a Daisy em1944 no palco do Teatro Rival, onde fa-zíamos programas da rádio. Ela era doelenco de novelas e eu, o apresentador.Eu tinha 20 anos e ela, 14. A turmapercebia ela muito ligada a mim e meapelidaram de infanticida. Enquantoeu esperava ela ficar mais taludinha, opessoal encarnava. Nós nos casamosem 1947 e tivemos um filho. São 61anos de união.

JORNAL DA ABI – COMO FOI SUA IDA

PARA A TELEVISÃO?

Luiz Mendes – Em 1955, saí da Glo-bo para inaugurar a TV Rio. Fizeramuma pesquisa para saber quais eram oslocutores do rádio que o público que-ria ver nos programas da nova emisso-ra. Surpreendentemente, fiquei em pri-meiro lugar. Eu não esperava, já que era

o mais novo entre todos. No rádio, euganhava 11 mil cruzeiros por mês; naTV, me ofereceram 35 mil. Saí corren-do! Depois, nos quinze anos seguintes,chefiei o Departamento de Esportes daemissora, apresentei programas e crieioutros – entre eles o TV Ringue, de boxe,que foi líder de audiência durante dezanos. Também criamos a primeira mesaesportiva da televisão brasileira.

JORNAL DA ABI – A IDÉIA DE FAZER UMA

MESA DE DEBATES SURGIU DE QUE FORMA?

Luiz Mendes – Às vésperas de umaeleição para a Câmara dos Deputados,quatro grandes cronistas políticos fo-ram reunidos em um programa na TVRio: Oliveira Bastos, da Tribuna da Im-prensa; Carlos Castelo Branco, o Cas-telinho, do Jornal do Brasil; MuriloMelo Filho, da Manchete; e Villas-BôasCorrêa; do Correio da Manhã. Os cole-gas da emissora estavam embevecidos

e atentos ao debate. Então, pensei: “Seeste programa agrada tanto, por que nãofazer a mesma coisa com o futebol, umavez por semana?”. Comentei a minhaidéia com o Diretor da emissora, Wal-ter Clark, que me olhou e nada respon-deu. Vinte minutos depois, ele disse:“Gaúcho, você encontrou o veio deouro”. “Como?”, balbuciei. “É isto mes-mo! O programa vai estrear em 15 diase você será o mediador. Vamos escolheros componentes da mesa agora!”.

JORNAL DA ABI – FOI FÁCIL MONTAR OPRIMEIRO “TIME” DE DEBATEDORES?

Luiz Mendes – Discutimos algunsnomes. O Walter começou sugerindoo Armando Nogueira, que trabalhavacomo articulista do Telejornal Pirelli.“Mas o Armando é meio gago”, alguémlembrou. “Não tem importância, vaisoar natural”, retrucou o Walter. Euindiquei o João Saldanha, que tinhasido técnico de futebol e era comenta-rista da Rádio Guanabara. Ele indicoutambém o José Maria Scassa, um reni-tente rubro-negro que poderia trazercomo patrocinador a Facit, uma fábri-ca de máquinas de escrever e de calcu-lar de Juiz de Fora. Para fechar, Walterescalou Nélson Rodrigues. “Mas oNélson nem fala...”, fiz a ressalva.“Aaah, mas aqui ele vai falar!”, excla-mou o Walter. Resumindo: o Nélsondefendia o Fluminense; o João Salda-nha e o Armando Nogueira, o Botafo-go; o Scassa, o Flamengo; e como nãotinha um defensor do Vasco, escolhe-mos o Vitorino Vieira, vascaíno e fun-cionário da Facit. A Grande ResenhaFacit revolucionou a cobertura espor-tiva na tv, passando a ser uma espéciede bíblia dominical do esporte brasilei-ro. Todo mundo aguardava para ver oque o Nélson ou o João iam dizer, de quejeito o Armando enfeitaria a jogada emquestão... Ficou dez anos no ar e depoisfoi para a TV Globo.

JORNAL DA ABI – VOCÊ DEVE TER VÁRIAS

HISTÓRIAS DESSA ÉPOCA.

Luiz Mendes – Ah, sim. Uma vez o

REPRO

DU

ÇÃO

REP

RO

DU

ÇÃO

Luiz Mendescobriu todas asCopas de 1950 a1998, mas a quemais o emocionoufoi a de 58, naSuécia, quando oBrasil se sagroucampeão domundo pelaprimeira vez, comcraques como Didie Djalma Santos,fotografados aolado do radialistae do dentista daSeleção, MarioTrigo (acima).Ao lado, Mendese o técnico debasquete TogoRenan Soares, olendário Kanela, naTV Rio, em 1961.

22 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Nélson dormiu durante o intervalo co-mercial. Quando o programa retornou,ele continuou dormindo. Aí o Scassaordenou no ar: “Câmeras, focalizem oNélson! Imagine só, ele está dormindoe ainda quer discutir futebol.” Aí, o Nél-son abriu os olhos e respondeu: “Scassa,sou mais inteligente do que você até dor-mindo!”. Em outra ocasião, Nélson disseque não tinha sido pênalti um lancenuma partida entre Fluminense e Bota-fogo. Como já esperava essa reação,guardei a fita e combinei com o Saldanhaque reveríamos a jogada no ar. “Está ven-do, Nélson? O videoteipe provou que foipênalti!”, disse Saldanha. “Então, piorpara o teipe”, devolveu o Nélson.

JORNAL DA ABI – EM QUE OUTRAS EMIS-SORAS DE TV VOCÊ TRABALHOU?

Luiz Mendes – Em 1977, saí da TVRio e fui para a Educativa, a convite doentão Ministro da Educação Nei Bra-ga. Antes, tive uma passagem, por em-préstimo, na TV Globo, para mediar aResenha Facit. Na TVE, fundei o Depar-tamento Esportivo. O único programado gênero que existia lá era o Stadium,que na época mostrava apenas esportesamadores. Doze anos depois, eu deixeia Educativa e parei de fazer televisão.

JORNAL DA ABI – DURANTE ESSE TEMPO,VOCÊ ATUOU SIMULTANEAMENTE NO RÁDIO

E NA TV?

Luiz Mendes – De 1970 para cá, nun-ca mais deixei de fazer rádio. No perí-odo em que estive na TVE, trabalheitambém na Nacional. De 1998 até 2001,atuei na Tupi. Retornei à Rádio Globoem 2001, de onde não pretendo sairnem que me ofereçam a mais irrecusá-vel das propostas. Estou em um lugaronde adoro trabalhar e falo sobre diver-sos assuntos – inclusive de futebol, noprograma Globo Esportivo.

JORNAL DA ABI – DE QUANTAS COPAS VOCÊ

PARTICIPOU E QUAL O EMOCIONOU MAIS?

Luiz Mendes – Estive em todas asCopas de 1950 a 1998. Em 2002 e 2006,cobri do Brasil. A que mais emocionoufoi a de 1958, a primeira que a gente ga-nhou. Dizem que a primeira vez a gentenunca esquece. Em 1958, tive a sensa-ção contrária à da de 1950, quando per-demos aqui para o Uruguai.

JORNAL DA ABI – QUAL FOI A SENSAÇÃO

APÓS A DERROTA DE 1950?

Luiz Mendes – Não havia explicação.A única lógica do futebol é sua irreve-rente falta de lógica. O silêncio sepul-cral era entrecortado por soluços emuito choro de homens e mulheres.Houve até um torcedor que morreu noestádio. E um outro eu matei.

JORNAL DA ABI – COMO ASSIM?

Luiz Mendes – Antes do fim do jogo,os jornais já circulavam com a foto daseleção brasileira como campeã do mun-do. A Noite Ilustrada estampou na capaa foto da seleção em fila indiana, comose usava na época, sob a manchete“Brasil, campeão do mundo”. Na hora

em que eu narrei o segundo gol do Uru-guai, um sargento da Marinha sofreuum infarto e morreu. Ele estava ouvin-do a minha narração, segundo os jor-nais. Eu narrei assim: “Gighia driblouBigode; Bigode caiu, tentou um carri-nho; Gighia o ultrapassou assim mes-mo, se aproxima da linha de fundo;chuta Gighia, gol do Uruguai”. Aí eu caíem mim. Percebi que estávamos per-dendo a Copa e completei: “Gol do Uru-guai?! Gol do Uruguai, senhores”.

JORNAL DA ABI – QUE EMISSORAS DE TVCOBRIAM ESPORTE NESTA ÉPOCA?

Luiz Mendes – A Tupi, fundada em1950, e a TV Rio, inaugurada em 1955.Posteriormente, surgiram a Continen-tal e a Excelsior. Com o advento da Glo-bo, as que não fecharam perderam oprestígio.

JORNAL DA ABI – E NOS JORNAIS, QUAL

ERA O ESPAÇO DEDICADO AO ESPORTE?

Luiz Mendes – O esporte sempre teveespaço nos jornais, inicialmente comnotas e colunas, evoluindo para páginasinteiras e suplementos. Entre as publi-cações mais famosas estavam O GloboEsportivo, Esporte Ilustrado, O Campeão– para a qual colaborei –, Gazeta Espor-tiva, O Esporte e A Semana Esportiva.

JORNAL DA ABI – E O JORNAL DOS SPORTS?

Luiz Mendes – Era o líder naquelaépoca.

JORNAL DA ABI – POR QUE ELE USA O PA-PEL COR-DE-ROSA?

Luiz Mendes – Houve uma crise depapel muito séria no mundo por voltada década de 1970. O Jornal dos Sportsera editado nas oficinas do Globo. So-brou o papel rosa de um carregamen-to da Suécia que o Globo não quis usar,e o encostaram num canto. Um dia,com a crise, faltou papel e o Diretor doJornal dos Sports mandou usar aquelemesmo. Ficou bonito, chamou a aten-ção e foi adotado definitivamente.Uma emergência que acabou dando aele o pitoresco apelido de “róseo”.

JORNAL DA ABI – VOCÊ É INCENTIVADOR

DA TERMINOLOGIA NACIONAL NO FUTEBOL ERECONHECIDO AUTOR DE VÁRIAS EXPRES-SÕES NESSE ESPORTE. PODE CITAR ALGUNS

EXEMPLOS?

Luiz Mendes – “Folha seca”, “cabe-ça-de-área” e “ponta-de-lança” estãoentre os jargões que criei. O rádio in-troduziu muitas gírias no futebol. Eumesmo trouxe algumas quando vimpara o Rio, como “pelotaço”, “golaço”e “cancha”, termos usados por argen-tinos e uruguaios. A origem do futebolé inglesa, mas fui um dos primeiros ausar centro-médio e não center-half;zagueiro no lugar de full-back; lateral-direito em substituição a half direito,meia-direita ou meia-esquerda no lu-gar de insider; ponta para o que eleschamavam de winger; e centroavante

no lugar de center-forward. Agente lutou tanto para chegar ocomputador incentivando o usode termos como site, deletar, es-canear.

JORNAL DA ABI – PARA VOCÊ,ISTO É UM RETROCESSO?

Luiz Mendes – Sim. E mais:na minha época o locutor tinhaque ter um extenso vocabulário.Era proibido repetir a mesmapalavra ao longo da transmis-são. Para futebol, por exemplo,usávamos os seguintes sinôni-mos: porfia, contenda, peleja,perseguida. Bola era pelota, ba-lão de couro, couro, esfera, es-férico, redonda, perseguida; e

tinha ainda denominações com nomede gente, como Inês. O Zé Cabral bo-tou o nome de Maricota.(Risos)

JORNAL DA ABI – QUE OUTRAS MUDAN-ÇAS IMPORTANTES OCORRERAM?

Luiz Mendes – Há exemplos que nãovivi, mas posso relatar. Na Copa de1934, por exemplo, o Brasil estava jo-gando e os jornais faziam um placarimenso na frente das redações com asinformações sobre o jogo. Lotava degente. A notícia chegava em telegramasinternacionais por cabo submarino, eo placar ia sendo atualizado. O textodizia assim: “Aos 18 minutos, houveum escanteio a favor da Itália; a cobran-ça foi feita e o goleiro defendeu”. Mui-tas vezes a informação chegava maisde uma hora depois da jogada.

JORNAL DA ABI – E AS QUE VOCÊ PRE-SENCIOU?

Luiz Mendes – Quando iniciei a car-reira, o comentarista entrava apenas nointervalo e no fim do jogo. Assim quecheguei à Rádio Globo, criei a entradado comentarista aos 15 minutos dapartida, aos 20, aos 30 e no intervalo.Minha idéia era situar o ouvinte sobreo andamento do jogo. Mas não dá paranarrar e comentar ao mesmo tempo.Infelizmente, muitos fazem isto hoje,principalmente na televisão.

JORNAL DA ABI – EM RELAÇÃO AOS

AVANÇOS TECNOLÓGICOS, QUAIS FORAM AS

TRANSFORMAÇÕES RELEVANTES?

Luiz Mendes – O som ficou muitomelhor, especialmente nas transmis-sões internacionais. E hoje eu tenhouma linha direta com a Rádio Globo emuitas vezes trabalho em casa. A ve-locidade do futebol também aumentoue colaborou para a atual falta de preci-são de alguns locutores.

JORNAL DA ABI – PODE EXPLICAR ME-LHOR ISSO?

Luiz Mendes – Devido ao preparo fí-sico dos jogadores, muitíssimo superiorao daquele tempo. Ao longo dos anos,o futebol perdeu em técnica, mas ga-nhou em velocidade, influenciandodiretamente a transmissão. Antiga-mente se dizia “a bola ultrapassou alinha central do gramado, caiu no cen-

Daisy Lúcidi, Luiz Mendes, Alberto Rodrigues, João Havelange e Valdir Amaral na entrega doprêmio Bola de Ouro, em 1980. Em 1955, o radialiasta sai da Rádio Globo e participa dainauguração da TV Rio, onde passou a chefiar o Departamento de Esportes da emissora.

REPROD

ÃO

REPROD

ÃO

23Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

tro da intermediária com fulano, queaparou no peito, botou no terreno, le-vantou a cabeça e estendeu o passe daponta direita da linha central para bel-trano”. Hoje, quando você diz “botouno terreno”, o jogador já fez o passe.Ficou mais difícil transmitir; por outrolado, o vocabulário foi reduzido. Olocutor diz só bola mesmo, às vezesnem isto. Se ele disser “o jogador rece-beu e chutou”, todo mundo vai saberque não foi dinheiro, não é?

JORNAL DA ABI – QUANDO A TV COME-ÇOU A DAR ESPAÇO A OUTROS ESPORTES?

Luiz Mendes – O boxe fez muito su-cesso desde o início. O vôlei, hoje osegundo esporte na preferência nacio-nal, ganhou destaque quando o Luci-ano do Vale estreou na Bandeirantes,na década de 80. O vôlei deve isto a ele.

JORNAL DA ABI – VOCÊ CONVIVEU COM

GRANDES PERSONALIDADES DO JORNALISMO

ESPORTIVO...

Luiz Mendes – Sim. Armando No-gueira, Mário Filho, João Saldanha, Nél-son Rodrigues, que criou o lendário per-sonagem Sobrenatural de Almeida. Cer-ta vez, um jogador ouviu um apito quetinha sido dado do lado de fora do cam-po. Como a bola foi parar dentro da área,ele pensou que o juiz tivesse apitado ea pegou com a mão para cobrar pênal-ti. Foi a maior confusão. Aí o Nélsondisse: “Somente o Sobrenatural de Al-meida poderia ocasionar um fato comoeste. Foi ele quem apitou do lado de forado campo, confundindo o jogador.” Eletambém disse em uma entrevista queo lugar mais longe a que iria na vida erao Méier. Porém, encontrei-o numa bar-ca da Cantareira, rumo a Niterói, paraver o Fluminense jogar. Ele me cumpri-mentou e comentou: “Para você ver aque me leva o meu time: fazer a traves-sia do Atlântico”.

JORNAL DA ABI – É DE OUTRO GRANDE

ESCRITOR A CRIAÇÃO DAS EXPRESSÕES “TOR-CIDA E TORCEDOR”?

Luiz Mendes – Do Coelho Neto, po-eta e cronista. Ele escreveu um artigoreferindo-se às mulheres que compa-reciam às partidas de futebol como“torcedoras”. Nas décadas de 20 e 30,as pessoas se vestiam com muita ele-gância para ir aos estádios. As mulhe-res usavam luvas e chapéus, como seestivessem no Grande Prêmio Brasil,mesmo sob um sol de 40 graus. Os ho-mens também se trajavam com extre-mo bom gosto. Como o calor era gran-de, as moças tiravam as luvas e, ansio-sas com as jogadas, as torciam. Há quemacredite, erroneamente, que a expres-são “torcedor” surgiu porque os admi-radores de determinado clube torciamos fatos em defesa do time de coração.

JORNAL DA ABI – FALANDO EM TORCER

OS FATOS, COMO A IMPRENSA ESPORTIVA

LIDA COM A IMPARCIALIDADE?

Luiz Mendes – Olha, eu sempre li-dei com isto naturalmente. O jornalistatem que ser imparcial em todas as áreas.

JORNAL DA ABI – CHEGOU A TER ALGUM

PROBLEMA DURANTE SUAS TRANSMISSÕES

AO LONGO DA CARREIRA?

Luiz Mendes – Acho que só tive um,durante um Grande Prêmio Brasil. Euestava dentro do caminhão, na switcher,narrando em cima das imagens, enquan-to o Carlos Alberto Loffler fazia os cor-tes. De repente, apareceu no vídeo a donaYolanda Costa e Silva e eu falei: “Eis aí aPrimeira-dama do Brasil, Senhora....”Antes de eu terminar a frase, o Lofflercortou a imagem para a cara de uma égua.Veio lá um coronel do Exército, entrouno caminhão e foi preciso muita expli-cação para convencê-lo de que não foraproposital. Mesmo assim ele permane-ceu na switcher até o fim da prova paraacompanhar meu trabalho. Ih, lembrei-me agora de uma situação muito pior doque esta. Fui escalado pela Rádio Glo-bo para cobrir a posse de Getúlio Var-gas em seu segundo mandato. Estava láno meio da multidão quando avistei opolítico Batista Luzardo, acompanha-do do filho adotivo, que era meu cole-ga na emissora, e pedi para fazer umaentrevista. O Batista Luzardo era mui-to mal-encarado, tipo caudilho, domina-dor, dono de fazenda, boi, cavalo, o dia-bo. Anunciei ao microfone: “Vamos ouviro futuro embaixador do Brasil na Argen-tina, doutor Batista Luzardo, o ‘Centaurodos Pampas’”. Quando ele viu que estavaescrito Rádio Globo no aparelho, gritou:“Nesta estação de meeeeerda eu nãofalo!”. O troço saiu no ar. Imediatamen-te, emendei: “Todo centauro é metadehomem, metade cavalo. Batista Luzar-do se recusou a falar para os nossos mi-crofones, caros ouvintes”, e saí. O velhoveio atrás de mim, mas o filho o seguroue disse: “Papai, como o senhor pôde fa-zer isto?”. (Risos)

JORNAL DA ABI – VOCÊ É CONHECIDO PELA

EXCELENTE MEMÓRIA. COSTUMA EXERCITÁ-LA?

Luiz Mendes – É um dom de Deus.Eu me lembro de fatos que ocorreramcomigo quando ainda estava no berço.

JORNAL DA ABI – COMO É?

Luiz Mendes – Ah! Tinha um mos-quiteiro que cobria o meu berço e eraenfeitado por bailarinas e pombinhase eu me lembro perfeitamente de ficarintrigado olhando aquilo. Recordo atémesmo o dia em que, ainda engati-nhando, descobri o que era morrer. Nãoria, não, foi isto mesmo. Estava enga-tinhando pela casa quando chegou anotícia: “Seu Gregório morreu, seuGregório morreu!”. Era um amigo dafamília e descobri que morrer era sedeitar na mesa onde fazíamos as refei-ções, todo coberto de flores.

JORNAL DA ABI – COMO SURGIU O SLO-

GAN “O COMENTARISTA DA PALAVRA FÁCIL”?

Luiz Mendes – Certa vez, colaboreicom a Continental, que estava em de-cadência, a pedido do dono da cerve-jaria que patrocinava o futebol de lá eo meu programa de boxe na TV Rio.Carlos Marcondes, um executivo daemissora que também atuava comocomentarista, havia arrumado para simesmo o slogan “o comentarista daprova real” e para o Rui Porto, “o co-mentarista de classe para todas as clas-ses”. Como sempre fui muito tagare-la, para mim ele criou “o comentaristada palavra fácil”, e pegou. Até hoje te-nho a imensa responsabilidade de nãosentir dificuldade para falar. (Risos)

JORNAL DA ABI – QUE TIPO DE FORMA-ÇÃO DEVE TER UM JORNALISTA ESPORTIVO?

Luiz Mendes – As faculdades preci-sam de professores com experiência nomercado. Atualmente, a maioria se li-mita a ensinar a teoria, e isto não ésuficiente para uma boa formação.Profissionais com prática na rotinadiária do jornalismo são fundamentaispara o aluno. Outro ponto importan-te é a exigência do diploma para o exer-cício da profissão. Não há espaço parajornalistas formados. Infelizmente, asvagas estão sendo ocupadas por ex-jogadores de futebol e demais atletas

que cada vez mais atuam como comen-taristas, entrevistadores, repórteres.Com isto, o estudante só encontra vagade estagiário. O ensino formal precisaser valorizado. Uma importante con-seqüência dos cursos de Comunicaçãoé o crescimento do número de mulhe-res no jornalismo esportivo. Porém,mesmo elas já encontram concorrên-cia de ex-atletas femininas.

JORNAL DA ABI – QUE ORIENTAÇÃO VOCÊ

PODE DAR AOS INTERESSADOS EM ATUAR NA

EDITORIA?

Luiz Mendes – Em primeiro lugar,é preciso seguir a ética. E ouvir mui-to rádio, assistir aos programas de te-levisão, observar com atenção as in-flexões que caracterizam a leitura dediferentes tipos de notícias, desenvol-ver a sensibilidade e captar o tom apartir do conteúdo.

JORNAL DA ABI – A QUE ATIVIDADES VOCÊ

SE DEDICA ATUALMENTE?

Luiz Mendes – Além do meu traba-lho na rádio, sou entrevistado em todasas mídias para fazer comentários, espe-cialmente em programas na tv. Com ascomemorações do cinqüentenário daCopa de 1958, venho participando demuitos eventos, pois sou dos poucosprofissionais vivos que fizeram a cober-tura daquela época. Este é um ano tam-bém de comemorações na ABI. Há maisde seis décadas, quando cheguei ao Rio,ingressei no Departamento de ImprensaEsportiva da entidade. Tempos depois,ocorreu uma fusão deste setor com aAssociação dos Cronistas, que, em se-guida, originou a atual Associação dosCronistas do Rio de Janeiro-Acerj, quepresidi durante dois anos. Tenho espe-rança de que com Maurício Azêdo, quefoi meu colega na crônica esportiva, asduas entidades possam se aproximarnovamente, gerando convênios e ativi-dades que fortaleçam os jornalistas eaproximem a classe esportiva, que, in-felizmente, é muito desunida.

OSM

AR GALLO

/AGÊN

CIA O

GLO

BO

Mendes na Redação de uma estação de rádio: além da palavra fácil, domina a técnica de batucar as pretinhas - as teclas, hoje.

24 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

25Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

26 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Portaria 342, de 23 de julho de 2008, do Sr. Mi-nistro do Trabalho e Emprego, instituiu Grupo deEstudos para discutir alterações na regulamentaçãoda profissão de jornalista. Representando os profis-sionais de imprensa, a ABI - Associação Brasileirade Imprensa integra o Grupo criado pela Portaria510/08, publicada no Diário Oficial da União de 13de agosto de 2008.

Assim sendo, como contribuição ao debate, a ABIelaborou a presente proposta, levando em conta duaspremissas básicas tanto para o estudo da questãocomo para a definição do objetivo proposto:

1ª Nas últimas décadas, os meios de comunicaçãopassaram por notáveis transformações em suas es-truturas operacionais, principalmente em funçãodos avanços tecnológicos nas áreas da informáticae das telecomunicações, não raro inclusive pelo cru-zamento dessas modernas tecnologias. Hásinais evidentes de que este processo estáapenas em seu início e que, até por bomsenso, devem ser resguardados espaçospara futuras e inevitáveis mudanças nor-mativas em qualquer legislação regula-dora de atividades profissionais nosmeios de Comunicação Social mesmoque, em determinados momentos, a re-gulamentação definida seja aparente-mente a mais atualizada possível; e,2ª Por sua vez, não somente em fun-ção das óbvias conseqüências dos avan-ços tecnológicos, como pelo fato igual-mente importante de que no Brasil ocor-reram, ao mesmo tempo, irreversíveistransformações políticas, econômicas esociais, a legislação ainda vigente tor-nou-se completamente ultrapassada.Documento insepulto do regime auto-ritário, de tantas influências nefastaspara o exercício democrático do jorna-lismo, não pode servir de partida paraavançado instrumento jurídico destemoderno país cada vez mais aberto àsconquistas políticas e sociais.Nas relações mídia e sociedade, o exercício da pro-

fissão de jornalista vem sendo moldado por edifican-tes exemplos jurídicos internacionais e tem históricabase em princípios e valores éticos fundamentais, lem-brados a seguir em História do Jornalismo e Carta Mag-na, Comunicação Social e Códigos de Ética.

HISTÓRIA DO JORNALISMONa civilização ocidental, a comunicação social ali-

cerçou-se inicialmente na oralidade dos discursos naspraças públicas das cidades gregas, principalmenteAtenas. Desde aquela época, houve a necessidade pré-

ESPECIAL

Uma proposta da ABIpara a nova regulamentação

da profissão de jornalistaProposição de Pery Cotta, nosso representante no Grupo de Estudos designado pelo

Ministério do Trabalho, contém uma inovação audaciosa: a de que o estatuto da profissão seja fixadopelos jornalistas através da Fenaj e dos sindicatos, em comum acordo.

27Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

via de estabelecer um comportamento ético na lin-guagem e comunicação de interesse público.

O jornalismo impresso, como comunicação soci-al de massa (mass media), somente foi assim deno-minado depois da Revolução Industrial, quando porvolta de 1750, no século XVIII, as primeiras rotati-vas foram forjadas em aço.

Surgiram então impressoras capazes de reprodu-zir, aos milhares, os textos da linguagem escrita. Esseavanço tecnológico industrial foi uma formidávelalavanca, possibilitando nova era tanto para as ini-ciativas pioneiras de comunicação social, como paraa informação em geral e a própria cultura. Até então,dependentes ainda de minúscula capacidade gráfica,apesar da notável contribuição de Gutenberg, porvolta de 1440, com a criação dos tipos móveis e daimpressão manual, página a página. Fácil imaginaro impacto do surgimento das rotativas e o ingressoda Humanidade na era industrial. Publicações foramrapidamente impressas, principalmente jornais, echegaram ao público leitor a cada dia, todos os dias

A imprensa, como era assim chamada, deixou, pou-cas décadas depois, de ser o único e avançado meiode comunicação. Após os jornais e revistas, graças anovos avanços tecnológicos, emissoras de rádio ga-nharam espaço na comunicação social. Logo, em se-guida, poucas décadas depois, entraram no ar as trans-missões não apenas de áudio como de imagens mo-vimentadas, como no cinema, criadas pelas emisso-ras de televisão. Entrava-se, então, na Era das Tele-comunicações.

Com a multiplicação dos meios/veículos, tornou-se então necessário usar a expressão latina médiumagora no plural media. E os meios de comunicaçãosocial passaram a ser conhecidos pela denominaçãogenérica de mídia, pronúncia influenciada e difun-dida internacionalmente em língua inglesa.

Hoje, o jornalismo desta ampla mídia pluraliza-da abrange a atividade profissional exercida em di-versos campos de atuação de em-presas privadas e estatais, organi-zações não-governamentais, enti-dades sindicais e empresas em ge-ral, abrangendo inclusive novasáreas originárias de posterioresavanços das telecomunicações e,ao mesmo tempo, da informática,a revolucionária rede de comuni-cação mundial via computadores.Como curiosidade, no entanto, o rápido texto dos sitesjornalísticos da Web (jornalismo online) utiliza a velhatécnica profissional do lide clássico (aquele das seisprincipais questões circunstanciais do fato, respon-didas juntas no primeiro parágrafo da notícia). Masos jornais impressos já abandonaram tal lide.

Com certeza, todos esses novos meios e formas deexpressão e informação utilizados na comunicaçãosocial seguem os fundamentos básicos do jornalismoimpresso e do exercício da profissão de jornalista. Orádio valoriza a gravação sonora das entrevistas pro-duzidas por jornalistas de rádio, a televisão mostra co-bertura jornalística com textos e imagens de profis-sionais da comunicação social e o próprio jornal, agoraigualmente informatizado, não precisa mais seguiraquela forma clássica de redigir a notícia: as matériasde jornal também entram nas páginas através de edi-toração eletrônica, no computador.

O ensino do Jornalismo, adequando-se aos avan-ços tecnológicos, faz-se em escolas/faculdades de Co-municação Social, com diversas habilitações resul-tantes de técnicas profissionais específicas.

E Jornalismo, Rádiojornalismo e Telejornalismosão hoje, também, exercidos online pelos meios de co-municação social e profissionais de imprensa. Assim,para não fugir a esta realidade dos meios de comu-nicação de massa, qualquer tentativa de regulamen-

tação da profissão de jornalista tem de abranger novoscampos de atuação. Neste sentido, com particularatenção a preceitos democráticos implantados pelaConstituição de 1988.

CARTA MAGNA, COMUNICAÇÃOSOCIAL E CÓDIGOS DE ÉTICA

A Constituição brasileira, promulgada em 5 deoutubro de 1988, lembra logo no seu art. 1º que a Re-pública Federativa do Brasil constitui-se em EstadoDemocrático de Direito, o qual tem como princípiosfundamentais os valores sociais do trabalho, a sobe-rania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Os princípios referentes aos direitos do cidadão,entre eles o próprio acesso à informação, determinampreviamente o comportamento ético profissional dosjornalistas e das empresas jornalísticas.

Os princípios defendidos pelos jornaisPromulgada a nova Constituição brasileira, logo

depois, em 23 de novembro de 1991, no Segundo En-contro dos Jornais, promovido pela Associação Na-cional dos Jornais–ANJ, foi pela entidade represen-tativa dos empresários tornado público o Código deÉtica dos Jornais, comprometendo-se os veículos decomunicação social afiliados à ANJ a cumprir textu-almente o seguinte decálogo de preceitos éticos:

1. Manter sua independência.2. Sustentar a liberdade de expressão, o funcio-

namento sem restrições da imprensa e o livre exer-cício da profissão.

3. Apurar e publicar a verdade dos fatos de inte-resse público, não admitindo que sobre eles preva-leçam quaisquer interesses.

4. Defender os direitos do ser humano, os valo-res da democracia representativa e a livre iniciativa.

5. Assegurar o acesso de seus leitores às diferentesversões dos fatos e às diversas tendências de opiniãoda sociedade.

6. Garantir a publicação de contestações objeti-vas das pessoas ou organizações acusadas, em suaspáginas, de atos ilícitos ou comportamentos conde-náveis.

7. Preservar o sigilo de suas fontes.8. Respeitar o direito de cada indivíduo à sua pri-

vacidade, salvo quando esse direito constituir obs-táculo à informação de interesse público.

9. Diferenciar, de forma identificável pelos lei-tores, material editorial e material publicitário.

10. Corrigir erros que tenham sido cometidos emsuas edições.

Os princípios asseguradosna Constituição Federal

No Capítulo I, Título II da Constituição de 88 jáhavia sido expressamente definido, como direitos edeveres individuais e coletivos, o que foi repetido noCódigo de Ética dos Jornais. Ou seja, houve reafir-mação do livre exercício da profissão, do funciona-mento sem restrições da imprensa, da liberdade deexpressão, dos valores da democracia e da defesa dosdireitos humanos, além do acesso à informação, dosdireitos de resposta e de privacidade.

Destacam-se, na Carta Magna:“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou pro-

fissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei

estabelecer.” (art. 5º, XIII, que remete ao Capítulo V– Da Comunicação Social – que em seu art. 220 es-tabelece que “a criação, a expressão e a informação,sob qualquer forma, processo ou veículo não sofre-rão qualquer restrição”; que “é vedada toda e qual-quer censura de natureza política, ideológica e artís-tica”; e, ainda, que “nenhuma lei conterá dispositi-vo que possa constituir embaraço à plena liberdadede informação jornalística em qualquer veículo de co-municação social, observado o disposto no art. 5º, IV,V, X, XIII e XIV”.

“É livre a manifestação do pensamento, sendo veda-do o anonimato.” (art. 5º, IV).

“É assegurado o direito de resposta, proporcional aoagravo, além da indenização por dano material, moralou à imagem.” (art. 5º, V, que estranhamente remeteaos artigos 29 a 36 da Lei 5.250/67 (Lei de Impren-sa, da ditadura).

“É livre a expressão da atividade intelectual, artísti-ca, científica e de comunicação, independentemente decensura ou licença.” (art. 5º, IX, que novamente de for-ma estranha remete à Lei de Imprensa. E também àLei de Direitos Autorais, na época a Lei 5.988/73).

“É assegurado a todos o acesso à informação e resguar-dado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercícioprofissional.” (art. 5º, XIV, que remete ao art. 220, pa-rágrafo 1º, ou seja, nenhuma lei pode ter dispositi-vo contra a plena liberdade de informação jornalís-tica; e também remete ao art. 154 do Código Penal,que trata da violação de “segredo de que tem ciênciaem razão de função, ministério, ofício ou profissão”e “cuja revelação possa produzir dano a outrem”.

A natureza social daatividade dos jornalistas

Em 4 de agosto de 2007, os profissionais de Imprensarealizaram um seminário ao fim do qual divulgaramo novo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de-finindo que o exercício da profissão de jornalista é uma

atividade de natureza social.Assim, o compromisso funda-

mental do jornalista é com a verda-de no relato dos fatos, “razão pelaqual deve pautar seu trabalho pelaprecisa apuração e pela correta di-vulgação”, sendo direito do jorna-lista resguardar o sigilo da fonte.

Transgressões ao Código de Éti-ca Profissional, segundo o docu-

mento dos jornalistas, deverão ser apuradas pelascomissões de ética dos sindicatos e, em segunda ins-tância, pela Comissão Nacional de Ética, a qual po-derá recomendar à diretoria da Federação Nacionaldos Jornalistas–Fenaj o encaminhamento ao Minis-tério Público dos casos em que a violação ao Códigode Ética também possam configurar crime, contra-venção ou dano à categoria ou à coletividade.

São princípios básicos defendidos pelos jornalis-tas, em seu Código de Ética:

“O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros temcomo base o direito fundamental do cidadão à informa-ção, que abrange o seu direito de informar, de ser infor-mado e de ter acesso à informação.” (art. 1º)

“Como o acesso à informação de relevante interessepúblico é um direito fundamental, os jornalistas não po-dem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo deinteresse, razão por que:

I – a divulgação da informação precisa e correta édever dos meios de comunicação e deve ser cumpri-da independentemente de sua natureza jurídica – sepública, estatal ou privada – e da linha política de seusproprietários e/ou diretores;

II – a produção e a divulgação da informação de-vem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por fi-nalidade o interesse público;

III – a liberdade de imprensa, direito e pressupos-

“O COMPROMISSO FUNDAMENTAL DO JORNALISTA É COM A VERDADE

NO RELATO DOS FATOS, RAZÃO PELA QUAL DEVE PAUTAR SEU

TRABALHO PELA PRECISA APURAÇÃO E PELA CORRETA DIVULGAÇÃO,SENDO DIREITO DO JORNALISTA RESGUARDAR O SIGILO DA FONTE”

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

28 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

to do exercício do jornalismo, implica compromis-so com a responsabilidade social inerente à profissão;

IV – a prestação de informações pelas organiza-ções públicas e privadas, incluindo as não-governa-mentais, é uma obrigação social;

V – a obstrução direta ou indireta à livre divulga-ção da informação, a aplicação de censura e a induçãoà autocensura são delitos contra a sociedade, deven-do ser denunciados à comissão de ética competente,garantindo o sigilo do denunciante.” (Art. 2º)

Três outros artigos (3º, 4º e 5º) destacam, a respeitoda conduta profissional do jornalista, que o exercí-cio do jornalismo é atividade de natureza social; queo compromisso fundamental do jornalista é com averdade no relato dos fatos, razão pela qual ele devepautar seu trabalho pela precisa apuração e pela cor-reta divulgação; e que é direito do jornalista resguar-dar o sigilo da fonte.

A propósito, o Código Internacional de Ética dosJornalistas (International Principles of ProfessionalEthics in Journalism) ressalta que no jornalismo a in-formação deve ser entendida “como um bem sociale não uma commodity”. E que a sociedade e os indiví-duos têm direito a uma imagem objetiva da realida-de e também de expressar-se livremente, eles próprios,“através das várias mídias de cultura e informação”.

Este código internacional resultou de semináriosrealizados em Praga e Paris, em 1983, promovidos pelaIOJ (International Organization of Journalists) e diver-sas outras entidades representativas dos profissio-nais do mundo inteiro, inclusive a Federação Latino-Americana de Trabalhadores na Imprensa.

A preocupação com a ética profissional permeiahoje a sociedade, em todos os países democráticos.Também chamada de deontologia, aplica-se às prin-cipais profissões. A palavra deontologia, do francêsdéontologie, significa “ensemble des régles et des devo-irs que régissent une profession”. Ou seja, um conjun-to de regras e deveres que regem uma atividade pro-fissional. Ou seja, o que pode ou não pode o profis-sional fazer e os deveres a serem per ele seguidos naprofissão.

Além dos valores e princípios fundamentais ins-pirados na Ética dos filósofos gregos, principalmen-te de Aristóteles, as atividades dos jornalistas e o or-denamento constitucional dos direitos individuaise sociais sempre tiveram como base documentoshistóricos memoráveis, produzidos a nível mundiale para aplicação universal pelos principais defenso-res da cidadania, da liberdade de imprensa e dos di-reitos humanos, surgidos com a Revolução France-sa e a Carta Magna dos Estados Unidos, que poste-riormente inspiraram a Declaração Universal dosDireitos Humanos, divulgada pela Organizações dasNações Unidas após a II Guerra Mundial.

Um exemplo desses documentos, a Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela As-sembléia Nacional, em Paris, em 1789, afirma no seuart. 10 que “ninguém deve ser importunado por suasopiniões”. O art. 11 complementa, taxativamente,que “a livre comunicação dos pensamentos e dasopiniões é um dos direitos mais preciosos do homem”e ainda que, além de falar e escrever, todo e qualquercidadão “pode imprimir livremente”. (o grifo é nosso)

Quatro anos depois, em 1793, no art. VII de umanova declaração aprovada em Convenção Nacional,em Paris, reafirma-se que “o direito de manifestar seuspensamentos e suas opiniões, seja pela voz da impren-sa ou por qualquer outro meio, o direito de se reunirtranqüilamente, o livre exercício dos cultos, não po-dem ser interditos”.

E a razão disto: “a necessidade de enunciar estesdireitos supõe ou a presença ou a lembrança recentedo despotismo”.

Como também na História recente do Brasil.Outro belo exemplo foi destacado pelo então o di-

Decreto número tal, de / /2008, que dá nova re-dação ao Decreto 83.284, de 13 de março de 1979, emrazão dos preceitos da Constituição de 1988 e em fun-ção dos avanços tecnológicos, e regulamenta o exer-cício da profissão de jornalista em todas as áreas daComunicação Social.

Artigo 1º – A informação é um bem social, um di-reito fundamental do cidadão, decorrente da liber-dade de expressão e de pensamento expressamentegarantida pela Constituição de 1988. A sociedade eos indivíduos têm direito, na informação, a uma vi-são e reflexão objetiva da realidade. Este direito cons-titucional abrange informar, ser informado e teracesso à informação, independentemente de censu-ra, autocensura ou licença, resguardado ainda o si-gilo profissional da informação.

Parágrafo 1º – Como é livre a manifestação depensamento, qualquer cidadão, além de falar e escre-ver, também pode, no interesse público, livrementeimprimir informações, dentro de princípios éticos erespeitado o direito específico do outro indivíduo eda sociedade como um todo.

Parágrafo 2º – Em respeito à liberdade de impren-sa, o direito de imprimir livremente estende-se na-turalmente, sem injunções de qualquer natureza, a

todas as empresas legalmente constituídas da áreade Comunicação Social.

Parágrafo 3º – O jornalista é um comunicador so-cial, atividade profissional que não se realiza semliberdade de imprensa, de pensamento e expressão.A profissão é exercida pelo jornalista não apenas nosmeios de comunicação social (mídia), mas igualmentecomo assessoria de imprensa a órgãos governamen-tais e privados. O jornalista realiza, na mídia e foradela, atividade profissional de natureza social, emfunção do interesse público pela informação trans-mitida.

Parágrafo 4º – Entende-se como comunicação so-cial, portanto, a informação de interesse público,transmitida por profissional de imprensa, através dediversos tipos de mídia ou fora dela, baseada semprena veracidade dos fatos, nas diferentes versões e ten-dências de opinião da sociedade.

Parágrafo 5º – Em decorrência dos preceitos cons-titucionais quanto à liberdade de imprensa e ao livreexercício profissional do jornalista, não cabem enun-ciados e preceitos legais restritivos, julgamentoscoercitivos ou impeditivos e nem se faz necessárialegislação específica reguladora destas liberdades (deimprensa e profissional, claramente expressas naConstituição de 1988.

As idéias que Pery Cotta apresenta

retor da Biblioteca da ABI, Reinaldo Santos, mestreem Comunicação, advogado e membro do Institutodos Advogados Brasileiros. Em seu Vade-Mécum daComunicação (Editora Destaque, 1998, 12ª ed.) repro-duz o conteúdo da Primeira Emenda à Constituiçãode 1787, dos Estados Unidos, redigida e publicada em1791, com o objetivo expresso de impedir qualquerlegislação que pudesse vir a prejudicar as atividadesdos profissionais de Imprensa:

“O Congresso não legislará no sentido de estabe-lecer uma religião, ou proibir o livre exercício dos cul-tos; ou de cercear a liberdade de palavra, ou de im-prensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamen-te, e de dirigir ao governo petições para a reparaçãode seus agravos”.

Em 10 de dezembro de 1948, aprovada em Reso-lução da III Sessão ordinária da Assembléia-Geral dasNações Unidas, realizada em Paris, a Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos igualmente estabele-ce no artigo XIX:

“Todo homem tem direito à liberdade de opinião e ex-pressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferên-cias, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir in-formações e idéias por quaisquer meios e independente-mente de fronteiras”.

Não faltam, portanto, tanto um permanente em-basamento jurídico como modelos éticos necessári-os a uma boa regulamentação das atividades profis-sionais dos jornalistas brasileiros. Agregam-se comdestaque a este precioso manancial, os documentosproduzidos pelas entidades de classe na áreaempresarial e da profissão de jornalis-ta. Os textos, aqui reproduzidos, dejornalistas profissionais e empre-sas jornalísticas permitem deimediato, em relação a váriostópicos essenciais, aflorar e re-velar claro consenso, consciên-cia crítica e defesa de prerroga-tivas da Comunicação Social, aolado de regras rígidas e deveres tam-bém categoricamente enunciados.

A ABI, no ano de seu centenário e reconhecida pelasociedade por seus méritos históricos na permanenteatuação em defesa da liberdade de imprensa e dos di-reitos dos jornalistas, sente-se honrada com a parti-cipação neste Grupo de Estudos do Ministério doTrabalho e Emprego. Por isto, a Associação Brasilei-ra de Imprensa coloca-se, por seus órgãos técnicos,à disposição de Governo, instituições dos três Pode-res da República, de jornalistas e empresas jornalís-ticas e qualquer entidade ou empresa privada ou go-vernamental em que trabalham profissionais deimprensa, jornalismo e comunicação social.

Uma nova Regulamentação da Profissão de Jorna-lista é o momento propício para a necessária adap-tação a avanços tecnológicos e principalmente parao reconhecimento e reafirmação dos preceitos cons-titucionais que garantem o respeito ao direito do ci-dadão à informação e a liberdade de imprensa, aomesmo tempo em que asseguram democraticamenteo exercício da profissão de jornalista.

29Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Dos meios decomunicação social

Artigo 2º – São meios de comunicação social os jor-nais, revistas, emissoras de rádio e de televisão, sitesjornalísticos na internet e quaisquer outros veículose meios de comunicação decorrentes de avanços tec-nológicos e voltados para a divulgação permanentede informações de interesse público, em função dosdireitos fundamentais do cidadão e da sociedade.

Parágrafo 1º – Para manter sua independência eexercer plena liberdade de imprensa, os meios decomunicação social são auto-regulamentáveis emsuas atividades profissionais, não dependendo delicença prévia ou instrumentos normativos, de acordocom princípios expressos na Constituição de 1988.A auto-regulamentação, em documento tornadopúblico, será definida por iniciativa e competênciaexclusiva das entidades representativas das empre-sas da área de comunicação social.

Parágrafo 2º – Em respeito à opinião pública e aospreceitos da Constituição de 1988, os meios de co-municação social devem defender os direitos do serhumano, os valores da democracia representativa ea livre iniciativa.

Parágrafo 3º – No exercício de suas atividades in-formativas, os meios de comunicação devem diferen-ciar, de forma identificável pelos receptores da infor-mação, as matérias jornalísticas dos textos e anún-cios publicitários.

Parágrafo 4º – Os textos de opinião e de informa-ção puramente jornalística devem ainda separareditoriais, artigos e comentários opinativos, de co-laboradores e mesmo de jornalistas, das informaçõespuramente de interesse público e conteúdo social. Istoé, devem diferenciar o texto de opinião editorial dotexto de informação editada como notícia, reporta-gem e matérias jornalísticas resultantes da apuração,redação e edição do produto profissional do trabalhodo jornalista. A opinião, quando ocupar espaço tam-bém nas páginas de informação, e não apenas nas deopinião editorial, deve ser igualmente identificávelpara o receptor da informação, como no caso dosanúncios publicitários.

Parágrafo 5º – Os meios de comunicação social,conforme direito constitucional, devem garantir apublicação de constatação objetiva das pessoas ou or-ganizações acusadas, em seus veículos, de atos ilíci-tos ou comportamento condenáveis, mas ninguémpode abusar do direito de resposta. Este direito in-clui a correção de erros cometidos pelos veículos decomunicação social em suas edições.

Parágrafo 6º – Ainda conforme o preceito consti-tucional, os meios de comunicação social devem res-peitar o direito de cada indivíduo à sua privacidade,salvo quando este direito constitui obstáculo à livreinformação de interesse público. Qualquer indivíduoou entidade estatal ou privada auto-restringe a sua pri-vacidade quando exerce publicamente suas atividadesprofissionais, não podendo reclamar de informaçõese imagens divulgadas de forma ética pela mídia.

Parágrafo 7º – As pessoas ou entidades públicas ouprivadas, que se considerarem injuriadas, caluniadas,difamadas ou prejudicadas pela divulgação de notí-cia ou opinião dos veículos de comunicação socialdevem primeiro buscar o diálogo, antes da ameaça arecursos judiciais, por necessário respeito às normase preceitos da Constituição de 1988. O direito de res-posta não pode, em hipótese alguma, ofender ouimpedir os fundamentos do direito do cidadão à in-formação, da liberdade de imprensa e do exercício pro-fissional do jornalista.

Do exercício daprofissão de jornalista

Artigo 3º – Como atividade de natureza social, oexercício da profissão de jornalista tem compromisso

fundamental com a verdade, na narração e descriçãoreal do fato jornalístico, razão pela qual deve pautarseu trabalho de reconstituição da realidade atravésde precisa apuração e correta divulgação.

Parágrafo 1º – Como no que se refere às empresasde comunicação social, as atividades profissionais dosjornalistas são auto-regulamentáveis, em função dedireitos à informação e à liberdade de imprensa, pre-ceitos da Constituição de 1988. A auto-regulamen-tação, em documento tornado público, será defini-da por iniciativa e competência exclusiva das enti-dades representativas dos profissionais da área decomunicação social. No caso do jornalismo impres-so e site jornalístico online, a auto-regulamentaçãocabe à Federação Nacional dos Jornalistas–Fenaj e aossindicatos profissionais de jornalistas, em comumacordo.

Parágrafo 2º – A auto-regulamentação profissio-nal, na área de comunicação social, abrangerá sem-pre em seu alcance e para todos os efeitos o jornalis-mo online e qualquer outra mídia a ser criada no fu-turo, bem como tem força como preceito legal naatuação do profissional de imprensa em empresaspúblicas e privadas que exercem atividades fora doâmbito das empresas de comunicação social, mas têmnecessidade de informação e comunicação através deassessoria de imprensa própria ou contratada.

Parágrafo 3º – A exemplo de outras profissões queexigem cultura específica e formação superior (ad-vogados, médicos, engenheiros etc), a auto-regula-mentação da profissão de jornalista deve incluir se-ção especifica para normas e deveres do Código deÉtica Profissional.

Parágrafo 4º – O profissional de imprensa dedica-do às imagens fixas ou móveis dos fatos jornalísti-cos (repórter-fotográfico ou repórter-cinematográ-fico) tem direito ao crédito de seu trabalho. No casodo profissional de veículo impresso, “divulgação”, “re-produção” e/ou simplesmente “arquivo” (sem datada última publicação e autoria da foto), além da de-sinformação ao leitor, representam desrespeito aodireito autoral por parte do veículo de comunicação.

Da ABI como entidadede poder moderador

Artigo 4º – Por sua histórica e memorável atuaçãocomo defensora da liberdade de imprensa e dos di-reitos dos jornalistas profissionais, a Associação Bra-sileira de Imprensa-ABI pode ser requisitada a atuarcomo poder moderador, nas relações da mídia coma sociedade, bem como entre empresas jornalísticase veículos e os sindicatos profissionais da área decomunicação social.

Parágrafo 1º – A ABI preferencialmente deve serconsultada para diálogo e intermediação de negoci-ações, nos casos dos parágrafos 5º, 6º e 7º do art. 2ºda presente regulamentação da profissão de jorna-lista, por parte de pessoas ou entidades públicas eprivadas que se considerarem prejudicadas por co-mentários, opiniões ou divulgação de notícias, antesde qualquer recurso judicial contra os veículos de co-municação ou jornalistas profissionais. A ABI, então,elaborará parecer específico que deve servir comoorientação técnica para as partes interessadas.

Parágrafo 2º – A ABI pode ter função de carátermoderador, no caso de divergências entre empre-sas jornalísticas e profissionais de imprensa, na áreade comunicação social, quanto a normas e deve-res de natureza ética ou preceitos constitucionais.No aprofundamento de uma questão jurídica oude ordem técnica, a ABI poderá sempre solicitar acolaboração da Ordem dos Advogados do Brasil edos Conselhos Nacionais de profissionais de outrasáreas. A ABI, então, elaborará parecer específicoque deve servir como definidor de normas éticas,auto-aplicáveis.

Motivada por moção apresentada por suaComissão de Defesa da Liberdade de Impren-sa e Direitos Humanos na reunião de setem-bro do seu Conselho Deliberativo, a ABI fezum apelo ao Embaixador dos Estados Unidosno Brasil, Clifford M. Sobel, em favor de IlsaRodriguez e Tomas Anael Granado, corres-pondentes da agência de notícias PrensaLatina na Organização das Nações Unidas,em Nova York, os quais tiveram negada aconcessão de visto de entrada no país.

Foi este o texto da mensagem enviada pelaABI ao Embaixador Sobel:

“Em atenção a moção apresentada na ses-são do Conselho Deliberativo desta Associ-ação Brasileira de Imprensa, realizada em 30de setembro findo, peço-lhe a gentileza detransmitir ao seu Governo nosso apelo paraa revogação da negativa de concessão de vistode entrada aos jornalistas Ilsa Rodrigues eTomas Anael Granado, que há três anos exer-cem a função de correspondentes da agênciade notícias Prensa Latina na Organização dasNações Unidas, em Nova York.

A moção assinala que essa negativa aten-ta contra o direito desses jornalistas de exer-cer a sua profissão e ofende o direito dospovos à liberdade de informação.

Peço-lhe que aceite as expressões do nos-so apreço.

(a) Maurício Azêdo, Presidente.”

O jornalista Wolmer Jardim, editor do se-manário Alternativo, da cidade de São Borja,RS, comunicou à ABI que o Prefeito Mario-vane Weis, de sua cidade, entrou com umarepresentação contra o jornal e a Rádio Bu-tui FM, por supostos abusos e excessos emmatérias e comentários que poderiam estarprejudicando a sua reeleição.

No documento, Wolmer informa que oPrefeito foi denunciado pelo Ministério Pú-blico local por improbidade administrativa,em razão de ter adquirido, com verba públi-ca, terras que pertenceriam à família Jardim,para abrigar no local um frigorífico, cujoproprietário é acusado, segundo Wolmer, pe-los crimes de formação de quadrilha, lavagemde dinheiro e sonegação de impostos no Es-tado de Mato Grosso do Sul, fato denuncia-do pelo jornal.

Revelou Wolmer que várias matérias des-favoráveis ao Prefeito Mariovane Weis fo-ram publicadas no jornal, sem, porém, citara sua candidatura, mas a coligação que oapóia insiste em afirmar que o jornal estáprejudicando sua administração e sua pos-sível reeleição, em prol de outros dois con-correntes. Disse Wolmer que “o objetivo éintimidar a imprensa e instalar a censura nosveículos de comunicação”.

ABI pede o vistopara jornalistas

da Prensa Latina

Ameaça de censuraem São Borja, RS

30 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

O Ministro da Justiça, Tarso Genro,enviou à ABI declaração, no dia 22 desetembro, afirmando que a propostaque o Governo encaminhou ao Con-gresso Nacional sobre as escutas ilegaise sua divulgação não contém restriçõesà liberdade de imprensa. "Não tem ne-nhum vínculo, nenhuma ligação diretaou indireta, nenhum tipo de incidên-cia sobre a reserva de fontes, para osjornalistas, nem tem qualquer relaçãocom a liberdade de imprensa ou como direito de informação", garante Gen-ro no texto.

Apesar disso, ainda estão nebulososos desdobramentos do projeto, caso sejatransformado em lei. Se for comprova-do vazamento de informação, como sa-ber quem cometeu o crime? Esse nãopode ser um passo a mais em direção àpressão contra os profissionais da im-prensa, para que revelem suas fontes?Aliás, isso já não inibiria as fontes depassarem informações, prejudicando otrabalho jornalístico tão necessário àdemocracia, sem combater devidamen-te aqueles que promovem o real proble-ma, as escutas ilegais? As perguntascontinuam no ar, esperando respostas,que, na verdade, parecem bem óbvias.

Eis a íntegra do documento encami-nhado pelo Ministro da Justiça à ABI:

– O sigilo da fonte é um bem jurídicode dimensão constitucional, que nãopode ser objeto de regulação ou restriçãopor lei ordinária. – esta foi a advertênciado Presidente da ABI, Maurício Azêdo,em entrevista ao portal Comunique-se,em setembro. Azêdo manifestou suaestranheza diante da declaração do Mi-nistro da Defesa Nélson Jobim, na CPIdo Grampo, de apoio à aprovação de umalei que estabeleça restrição ao exercíciodo direito de sigilo da fonte, que é garan-tido pela Constituição Federal.

A exposição de Jobim aconteceu nodia 18 de setembro, no Congresso. Naocasião, ele afirmou que a legislaçãoprecisa ser mudada para conter o exa-gero e o uso ilegal das interceptaçõestelefônicas. Jobim não ficou apenas nis-so. Ao discorrer sobre a divulgação doconteúdo das escutas, ele entrou emuma outra área, que não tem ligaçãodireta com o problema e propôs a rela-tivização do sigilo de fonte e puniçãopara jornalistas. O Ministro chegou ainsinuar que a imprensa seria "cúmpli-

O sigilo da fonte é intocávelA ABI repudia a idéia do Ministro Nélson Jobim de modificar por lei ordinária uma disposição constitucional.

ce" de um crime, caso divulgasse qual-quer informação.

O Presidente da ABI estranhou essapostura de Nélson Jobim, que além deMinistro e Presidente do Supremo Tri-bunal Federal, foi deputado durante aAssembléia Nacional Constituinte de1987 e 1988, que aprovou a Constitui-ção. Em seu artigo 5º, inciso IV, o tex-to estabelece: "É assegurado a todos oacesso à informação e resguardado osigilo da fonte, quando necessário aoexercício profissional".

– É certo que Nélson Jobim já con-fessou que, como constituinte, incor-porou ao texto constitucional disposi-ção cuja redação não foi aprovada peloplenário, o que prova que não é recen-te o seu desapreço pela Carta Magna.Mas a ABI espera que, como Ministro,seja mais cauteloso na exposição decertas idéias que podem conduzir à im-pressão de que sua posição pessoal écompartilhada pelo Governo Federal,até porque as declarações são de saborinconstitucional. – declarou Azêdo.

"Não vamos prejudicar a reserva de fontes, aliberdade da imprensa ou o direito à informação"

Essa é a garantia do Ministro da Justiça, Tarso Genro, em comunicado enviado à ABI.

"A proposta do Governo a respeitodas escutas ilegais e da sua divulgação,que está sendo remetida ao Congres-so Nacional, não tem nenhum víncu-lo, nenhuma ligação direta ou indire-ta, nenhum tipo de incidência sobre areserva de fontes, para os jornalistas,

nária de que não se sabe a origem.O projeto de lei diz, simplesmente,

que utilizar informação obtida ilegal-mente, ou que está sob sigilo, paraobter vantagem, ou para caluniar, di-famar ou injuriar é crime. Aliás, o pro-jeto do Governo apenas cria um novotipo penal, integrando numa só normadelitos que já existem na legislaçãobrasileira. É absolutamente impossívelretirar do projeto a idéia de que ele sedestina a 'punir' jornalistas ou a abriro 'sigilo da fonte'.

O projeto do Governo visa, na ver-dade, a punir pessoas que tiram provei-to próprio de escutas ilegais e pessoasque usam as informações para caluni-ar, difamar ou injuriar.

Repito: o projeto não só não veda odireito de informação, como tambémo protege, porque os grampeadores ile-gais vão pensar duas vezes quando ten-tarem instrumentalizar os jornalistaspara usar o direito de informação como objetivo de obter vantagem pessoal.O jornalista que divulga um fato faz adivulgação abrigado no direito de in-formação. A responsabilidade penal, noprojeto do Governo, sobre o vazamen-to, ou sobre a escuta ilegal, é de quemfaz o vazamento ou de quem organi-za a escuta ilegal."

nem tem qualquer relação com a liber-dade da imprensa ou com o direito deinformação.

Tenho lido alguns comentários so-bre o assunto 'escutas ilegais' e seu uso,que não se reportam à proposta doGoverno, mas a uma proposta imagi-

Tarso Genro: após o envio ao Congresso de projeto de lei sobre a divulgação de escutastelefônicas, comunicou à ABI que a proposição não fere a liberdade de informação.

Jobim: ao falar sobre interceptação telefônica, investiu contra o sigilo da fonte.

WILSO

N D

IAS/ABR

FABIO

ROD

RIG

UESPO

ZZEBO

M-AB

R

31Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

OUSADIA SEM LIMITESGrupo armado evita circulação, na Baixada Fluminense,

de edição do Extra que continha denúncia contra políticos locais.

A OAB-RJ também protestaÉ preciso uma resposta vigorosa a esse atentado à liberdadede imprensa, diz declaração do Presidente Wadih Damous.

O leitor que foi às bancas da Baixa-da Fluminense, no Rio de Janeiro, logocedo, para adquirir sua edição do jor-nal Extra, na manhã do domingo, 28 desetembro, teve uma surpresa: não ha-via mais nenhum exemplar do jornal,mesmo sendo o dia em que a tiragemnormalmente é a maior da semana.Não se tratava de nenhum fenômenode vendas, mas foi, certamente, ocasi-onado por uma manchete explosiva. Erevelou até que ponto pode ir a ousa-dia de alguns grupos com poderio eco-nômico para fazer com que a informa-ção não chegue à população.

Tudo começou ainda na madrugadado domingo, quando um grupo arma-do foi ao Centro de Distribuição de Bel-ford Roxo e comprou todos os 30 milexemplares do Extra que havia por lá.Depois, ainda foi às bancas, verificar serestara algum jornal disponível. Os jor-naleiros que se recusaram a vender apublicação em grandes quantidadesforam ameaçados e obrigados a ceder.

A intenção do grupo era impedirque os leitores tivessem acesso à repor-tagem principal, “Deputados em cam-panha mentem para ganhar salário deR$ 13 mil”. O texto denunciava a au-sência dos Deputados Alessandro Ca-lazans (PMN), Rodrigo Neves (PT) eMarcelo Simão (PHS) a sessões da As-sembléia Legislativa do Rio, e diziaque inventavam compromissos parater as faltas abonadas e garantir osubsídio integral, quando, na realida-de, estariam fazendo campanha emseus Municípios.

Em nota oficial, o Tribunal RegionalEleitoral repudiou a ação, afirmando

O Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil–Seçãodo Estado do Rio de Janeiro, Wadih Damous, repudiou nodia 29 de setembro a ação violenta do grupo que tentouimpedir o jornal Extra de chegar às bancas da Baixada Flu-minense. Em nota distribuída à imprensa, Wadih disse queé necessário que se proceda a uma “investigação rigorosa,com pronta resposta das autoridades à audácia criminosados que tentam suprimir a liberdade de imprensa”.

Afirma a OAB-RJ:”A Ordem dos Advogados do Brasil manifesta sua indig-

nação contra mais uma tentativa de cerceamento da liberdadede imprensa e do direito dos cidadãos do Rio de Janeiro deserem informados. Desta vez, a ação ganhou contornos detentativa de golpe: a edição do jornal Extra que teve 30 milexemplares comprados à força continha denúncias contraparlamentares faltosos, candidatos em Municípios da Baixada.

É necessário que se proceda a uma investigação rigorosa,com pronta resposta das autoridades à audácia criminosados que tentam suprimir a liberdade de imprensa. Estamosdiante do que há de mais retrógrado e condenável em práti-cas eleitorais que pareciam esquecidas no tempo dos anti-gos coronéis da política.

Ainda é recente o seqüestro de uma equipe de jornalis-tas por bandidos ligados às milícias que atuam em nosso Es-tado. Domingo, homens armados coagiram jornaleiros a ven-der toda a edição para que leitores da Baixada não tomas-sem conhecimento de denúncias. Os dois crimes atentamcontra as liberdades e direitos da cidadania. Às autoridadescabe a punição dos responsáveis. À sociedade, que se pre-para para as eleições de domingo, cabe escolher bem quemirá representar os valores da democracia.

(a) Wadih Damous, Presidente da OAB-RJ.”

que “parece claramente um golpe denatureza eleitoral. Igualmente gravessão as denúncias de que os jornaleirosforam coagidos a vender todo o esto-que, o que só favorece esta hipótese”.Caso seja comprovada a participaçãode algum político, ele poderá ter seumandato cassado.

Também por meio de nota, o Vice-presidente da Associação Nacional deJornais-ANJ, Júlio César Mesquita,protestou contra o que chamou de “vi-olência”. “A ação foi um atentado ao di-reito dos cidadãos de serem livremen-te informados. Cabe agora às autorida-des policiais investigar a ação criminosa

e, à Justiça, punir exemplarmente seusautores”.

– É uma afronta à liberdade de infor-mação e de imprensa. Na ação fica evi-dente o interesse político de algumaspessoas, que precisam ser intimadas peloMinistério Público. Somente com resis-tência permanente e denúncia, será pos-sível vencer esses delitos e comportamen-tos antidemocráticos. – disse o Presidenteda ABI, Maurício Azêdo. Para ele, o atorevela um poderio econômico que podeter origem escusa. – Comprar mais de 30mil exemplares do Extra, que, aos domin-gos, custam R$ 2,30 cada, significa umdesembolso em dinheiro vivo de R$ 69mil. De onde vem essa soma?

ReaçãoArcaica, grotesca e criminosa. Foi

dessa forma que o Diretor-Executivodo Extra, Bruno Thys, definiu as açõesdo grupo armado. Mesmo assim, ele ga-rantiu que os leitores não seriam pri-vados das informações: – Ninguém teráseu direito à informação cerceado,daquilo que o jornal já publicou ou doque venha a publicar.

A Infoglobo, empresa que edita ojornal, denunciou o fato ao TRE-RJ e,no dia seguinte, o Extra circulou comescolta da Polícia Militar. Uma opera-ção conjunta dos batalhões de BelfordRoxo, Duque de Caxias e Praça Tira-dentes garantiu que o diário chegasseàs bancas locais e fosse vendido. Aedição de segunda trazia a manchete“Bando armado restringe venda doExtra em bancas da Baixada”, relatan-do o caso. Ao lado do texto, estava aíntegra da polêmica reportagem quefora destaque da edição de domingo.

Homens ligadosao Deputadoestadual MarceloSimão (PHS)compraram todosos exemplares dojornal Extra,contou ojornaleiro SidneyLomeu (foto).Nenhuma bancado Município deSão João deMeriti tinha ojornal para oleitor comum:foram todoscomprados porprepostos dosdeputadosdenunciadospelo jornal.

FOTO

FAB

IAN

O R

OC

HA/

AGÊN

CIA

O G

LOB

O

A edição de domingo do Extra que foiimpedida de circular por um grupo armado(acima). No dia seguinte o jornal circuloucom a notícia da ameaça e republicou a

denúncia que motivou a ação dos bandidos.

32 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Em intervenções no seminário co-memorativo dos 40 anos da revistaVeja, realizado no dia 2 de setembrono Hotel Unique, em São Paulo, o ex-Ministro da Justiça Márcio ThomazBastos e o Deputado Miro Teixeira sus-tentaram que a Constituição de 1988revogou a Lei de Imprensa, que estásendo objeto de uma Arguição de Des-cumprimento de Preceito Constituci-onal, que o Supremo Tribunal Federalcomeçou a julgar em 28 de fevereiropassado. Ambos entendem que não háa necessidade de uma lei específicapara regular a imprensa, como existeatualmente.

O Deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que é membro do Conselho Con-sultivo da ABI, declarou também queé necessário descriminalizar a atividadejornalística de qualquer texto legal,porque a Constituição de 1988 deter-mina que nenhuma lei poderá consti-tuir embaraço “à liberdade de informa-ção jornalística”.

Márcio Thomaz Bastos e Miro Tei-xeira participaram de uma mesa coor-denada pelo colunista da Veja Reinal-do de Azevedo, da qual participou o Mi-nistro do Supremo Tribuanl FederalCarlos Ayres Britto, relator da Argui-ção de Descumprimento de PreceitoConstitucional ajuizada por Miro atra-vés de seu partido.

Durante o debate, o moderador Rei-naldo de Azevedo indagou se um jorna-lista, com base na liberdade de imprensaassegurada pela Constituição, poderiadivulgar algum fato referido em umprocesso em tramitação sob segredo dejustiça. O Ministro Ayres Britto ponde-rou que, nesse caso, teria que ser con-siderado se a divulgação da informaçãonão prejudicaria a eficácia dos procedi-mentos investigatórios em curso, hipó-tese que, a seu ver, não estaria protegi-da pela liberdade de imprensa.

Thomaz Bastos lembrou um célebrejulgamento na Suprema Corte dos Es-tados Unidos, em que foi vitorioso o en-tendimento do juiz de que a imprensa“não tem que ser justa, ela tem, istosim, de ser livre”.

Ao encerrar o debate, Reinaldo deAzevedo repetiu uma frase do Presiden-te Thomas Jefferson, citada poucoantes pelo ex-Ministro. Questionadosobre a opção que faria no exemplodado, Jefferson declarou que, “entre odilema de optar por um país sem Go-

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

A imprensa precisa de lei?Não, ela é dispensável,

dizem Miro e Thomaz BastosA Constituição de 1988 revogou a lei atual e não há por que

substituí-la, dizem o Deputado e o ex-Ministro da Justiça.

9H30MIN – PAINEL EDUCAÇÃOEDUCAÇÃO COM QUALIDADE - OS CAMINHOSDA PRODUTIVIDADE E DA PROSPERIDADEModerador: Gustavo Ioschpe.Palestrantes convidados: Ministro Fernando Haddad, MariaHelena Guimarães, Secretária de Educação do Estado de SãoPaulo, e Professor José Alexandre Scheinkman.10h20min – Governar para a próxima geraçãoDeputado Federal Ciro Gomes

10H30MIN – PAINEL MEIO AMBIENTECONSERVAÇÃO VERSUS DESENVOLVIMENTOModerador: Claudio Moura Castro.Palestrantes convidados: Blairo Maggi, Governador de MatoGrosso; Ministro do Meio Ambiente, Deputado Carlos Minc; eLuiz Augusto Horta Nogueira.11h20min – Governar para a próxima geraçãoGovernador de Minas Gerais, Aécio Neves

11H30MIN – PAINEL ECONOMIAO NOVO PAPEL DO BRASIL NO MUNDOModerador: Eurípedes Alcântara, Diretor de Veja.Palestrantes convidados: Henrique Meirelles, Presidente do BancoCentral; Armínio Fraga, ex-Presidente do Banco Central; Luciano

A PROGRAMAÇÃO COMPLETA DO SEMINÁRIO FOI ESTA

O seminário constou de seis deba-tes, seguidos da intervenção de perso-nalidades especialmente convidadas,como o Deputado Ciro Gomes, os Go-vernadores Aécio Neves e José Serra ea Ministra Dilma Rousseff, todos, ali-ás, candidatos potenciais à Presidênciada República.

No intervalo entre a sessão da ma-nhã e a da tarde, após o almoço, o Pre-sidente da Editora Abril, Roberto Ci-vita fez uma exposição sobre a trajetó-ria da Veja desde a sua criação, em se-tembro de 1968. Também discursou noseminário, encerrando a primeira par-te, o Vice-Presidente da República JoséAlencar, que, com bom humor, disse quenão abordaria o tema sobre o qual falacom freqüência, “a taxa de juros”, pre-ferindo discorrer “sobre o custo do di-nheiro”, imagem recebida com risos pelaplatéia – na qual estavam presentes oMinistro do Desenvolvimento Econô-mico, Miguel Jorge; o Presidente doSenado, Garibaldi Alves; o DeputadoMichael Temer; o Presidente da Conse-lho Federal da OAB, César Brito; e o Pre-sidente da ABI, Maurício Azêdo.

Marcaram presença também os can-didatos à Prefeitura de São Paulo Mar-tha Suplicy, Gilberto Kassab e Geral-do Alckmin.

Coutinho, Presidente do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico-BNDES; Maílson da Nóbrega, ex-Ministro da Fazenda.

14H30MIN – PAINEL IMPRENSAO PAPEL DA IMPRENSA - O FORTALECIMENTODAS INSTITUIÇÕES POLÍTICASModerador: Reinaldo de AzevedoPalestrantes convidados: Ministro Carlos Ayres Britto; MárcioThomaz Bastos; Deputado Miro Teixeira.15h20min – Governar para a próxima geraçãoGovernador de São Paulo, José Serra

15H30MIN – DEMOCRACIA, RAÇA E POBREZAModerador: Carlos GraiebPalestrantes convidados: Hélio Santos; Patrus Ananias, Ministrodo Desenvolvimento Social.16h20min – Governar para a próxima geraçãoMinistra da Casa Civil, Dilma Rousseff

16H30MIN – PAINEL MEGACIDADESELAS SÃO INEVITÁVEIS - COMO EVITAR OS MEGAPROBLEMASModerador: Carlos Maranhão. Editor de Veja RioPalestrantes convidados: Jaime Lerner, Raquel Rolnik eJonas Rabinovich.

verno ou um país sem imprensa”, eleficaria com a primeira hipótese, “porentender que a sociedade não podeviver sem imprensa”.

Márcio Thomaz Bastos (acima): A imprensanão tem que ser justa, e sim livre. Miro:

Defesa do jornalismo sem risco de prisão.

Ministro Ayres Britto: No caso de segredode justiça é preciso avaliar se a divulgação

prejudicará a eficácia da investigação.

JOSÉ C

RU

Z/ABR

ANTO

NIO

CR

UZ/AB

RW

ILSON

DIAS/AB

R

33Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Direitos humanosDireitos humanos

Um dos aspectos menoslouváveis do caráter naci-onal é a leviana facilidade

com que nos dispensamos de ajus-tar contas com o passado.

Desde o início da colonização e atéhoje, múltiplas etnias indígenas fo-ram vítimas de genocídio e de des-culturação forçada. Durante quasequatro séculos, a escravatura legalde africanos e afro-descendentesdestruiu e aviltou milhões de sereshumanos, deformando os nossoscostumes e a nossa mentalidade.

Em relação a ambos esses crimescoletivos, as gerações atuais não sesentem minimamente interessa-das. Pior: é geral a ignorância a esserespeito, sobretudo entre os jovens,provocada pela intencional omis-são de tais fatos históricos nos cur-rículos escolares.

Reproduzimos agora, com rela-ção aos horrores do regime militar,a mesma atitude vergonhosa devirar as costas ao passado: “nãotenho nada a ver com isso”; “nãoquero saber, pois não havia nasci-do”. “vamos nos ocupar do futurodo País, não de fatos pretéritos”.

Pois bem, sustento e sustentarei,até o último sopro de vida, que in-terpretar a Lei nº 6.683, de 28/8/1979, como tendo produzido a anis-tia dos agentes públicos que, entreoutros abusos, mataram, tortura-ram e violentaram sexualmentepresos políticos é juridicamenteinepto, moralmente escandaloso epoliticamente subversivo.

Sob o aspecto técnico-jurídico, acitada lei não estendeu a anistia cri-minal aos carrascos do regime mi-

Temos de ajustar contas como passado, diz Fábio Comparato

É juridicamente inepto, moralmente escandaloso epoliticamente subversivo o entendimento de que

os torturadores estão protegidos pela Lei de Anistia,sustenta ele em artigo na Folha de S. Paulo.

Um dos mais atuantes e destacados militantes das lutas em defe-sa dos direitos humanos durante a ditadura dos anos 1964-1985, ojurista Fábio Konder Comparato, professor titular da Universidadede São Paulo, atualmente aposentado, repudiou em artigo na Folhade S. Paulo a idéia de que os agentes públicos que praticaram torturasdurante o regime militar teriam sido alcançados e beneficiados pelaLei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia. Esse entendi-mento, afirma, “é juridicamente inepto, moralmente escandaloso epoliticamente subversivo”.

A opinião de Comparato foi exposta no artigo Crimes sem castigo,publicado na página de opinião (página 3) da Folha de S. Paulo, ediçãode 19 de setembro, e precedido de uma epígrafe com as seguintespalavras: “Em homenagem a todos os que tiveram suas vidas ceifa-das e suas almas dilaceradas pelo poder militar”.

Comparato, que é membro da Comissão de Honra do Centenárioda ABI, é autor de inúmeras obras, entre as quais Ética, Direito, Mo-ral e Religião no Mundo Moderno, lançado recentemente pela Compa-nhia das Lertras. O texto do artigo está reproduzido a seguir.

pactuada entre as partes envolvidasno litígio e perfeitamente cientes dosfatos ocorridos. O que não ocorreuno caso: uma das partes, justamen-te o conjunto das vítimas das atro-cidades cometidas, não foi chama-da a dizer se aceitava ou não essaforma de apaziguamento, nem foiinformada sobre a identidade dosexecutores e de seus mandantes.

Politicamente, admitir que agen-tes do Estado, que exerciam funçõesoficiais e eram remunerados comrecursos públicos, isto é, dinheiro dopovo, possam gozar de imunidadepenal por meio de simples lei, vota-da sem consulta prévia nem referen-do popular, representa clamorosoatentado contra o princípio republi-cano e democrático. O CongressoNacional, ao assim proceder, usurpoua soberania popular e subordinou obem comum do povo (“res publica”)ao interesse particular de um punha-do de facínoras e de seus comanditá-rios, dentro e fora do governo.

Qual a solução?É pedir à mais alta corte de Jus-

tiça do País que julgue, definitiva-mente, se a Lei de Anistia deve ounão ser interpretada à luz dos prin-cípios fundamentais que esteiamtodo o nosso sistema jurídico.

Nesse sentido, é confortador sa-ber que o Conselho Federal da Or-dem dos Advogados do Brasil jádecidiu propor, no Supremo Tribu-nal Federal, uma argüição de des-cumprimento de preceito funda-mental no tocante à interpretaçãodesviante da Justiça e da decênciadada por certos setores à Lei nº6.683, de 1979.”

litar. Só há conexão entre crimes po-líticos e crimes comuns quando a leiexpressamente o declara, como su-cedeu com a Lei de Anistia promul-gada por Getúlio Vargas em abril de1945, em preparação ao fim do Es-tado Novo.

Mas, mesmo quando a lei o de-clara, a conexão criminal supõe queo autor ou os autores de tais crimesperseguiram o mesmo objetivo enão estavam em situação de con-fronto. Admitir a conexão entrecrimes cometidos com objetivostotalmente adversos é um despro-pósito. Isso sem falar na violação

flagrante, no caso, de preceitos con-sagrados internacionalmente emmatéria de direitos humanos e quenão comportam anistia.

Sob o aspecto moral, impediroficialmente que sejam apuradas ereveladas ao público práticas infa-mes e aviltantes de abuso de auto-ridade é inculcar, para todos os efei-tos, a vantagem final da injustiçasobre a decência; ou seja, afirmarque a imoralidade compensa.

Falar, a respeito da citada lei, emreconciliação nacional é um cínicoabuso de linguagem. Moralmente,só pode haver reconciliação quando

34 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

A queda dos presidentes Nixon eCollor, as conquistas de Ayrton Sennae de Muhammad Ali (Cassius Clay),a sensualidade da garota de IpanemaHelô Pinheiro e de Marilyn Monroe,as lutas dos sem-terra e de Martin Lu-ther King ou um mágico pôr-do-sol,observado tanto da Estátua da Liber-dade quanto do Cristo Redentor. Oque se viu na exposição Impressões Vi-suais – 50 Anos da Comissão Fulbrightno Brasil, que esteve em cartaz noMuseu da República, no Rio de Janei-ro a partir de 18 de setembro, foi queEstados Unidos e Brasil viveram his-tórias cheias de semelhanças nas úl-timas décadas.

A mostra, organizada pela Embaixa-da dos Estados Unidos e pela ComissãoFulbright, reuniu 126 fotografias quemarcaram a história e as relações cultu-rais entre Brasil e Estados Unidos aolongo dos últimos 50 anos, todas publi-cadas em jornais e revistas nesse perí-

A Comissão Fullbright apresenta 126 fotografias de fatos marcantes dos últimos 50 anos no Brasil e Estados Unidos.

FOTOJORNALISMO

O fino da imagem jornalística lá e cá

POR CLÁUDIA SOUZA odo e agora cedidas pelos arquivos dosjornais O Globo, Jornal do Brasil, Folhade S. Paulo, O Estado de S. Paulo, ÚltimaHora, The Washington Post e The New YorkTimes, além de vários museus. Num tra-balho de um ano e oito meses, o cura-dor João Kulcsár selecionou as imagens,algumas ganhadoras de prêmios comoPulitzer, Esso e World Press Photo.

– A pesquisa foi feita em arquivosbrasileiros e norte-americanos e preten-de revelar imageticamente, em váriasdimensões, algumas diferenças e seme-lhanças entre as duas nações, em aspec-tos histórico, documental e estético.Muitas das fotos resistiram ao tempo econtinuam inspirando e evocando lem-branças após anos de publicação emjornais e revistas. E muitas se tornaram,sem dúvida, ícones do fotojornalismo,pois conseguiram resgatar momentoshistóricos com força e inscreveram-seem um processo mais amplo da memó-ria visual coletiva – explica Kulcsár.

Os visitantes puderam acompanharessa trajetória dividida em seis capítu-

los. Em Herança, as imagens retratarama formação dos dois países, resultado damistura de povos indígenas, africanos,europeus, asiáticos e do Oriente Médio.Um caldeamento étnico e racial queenfrenta os desafios da desigualdade. Po-lítica reuniu 50 anos de intensas mudan-ças em imagens que mostraram, entreoutros fatos importantes, a construçãode Brasília, a ditadura militar no Brasil,a morte do Presidente Kennedy e o im-peachment de Fernando Collor.

As semelhanças culturais entre asduas nações, apesar dos cenários dis-tintos, ainda puderam ser observadasno capítulo Cultura, com imagens dopôr-do-sol no Cristo Redentor e na Es-tátua da Liberdade, o fenômeno Car-men Miranda, a Bossa Nova unindoTom Jobim e Frank Sinatra, a garota deIpanema Helô Pinheiro, Marilyn Mon-roe e o Carnaval no Sambódromo doRio de Janeiro. Em Cidadania, foramexpostas as lutas pelos direitos civis,liberdade e paz nos dois países, comdestaque para o sonho de Martin Lu-

ther King, as lutas do movimento dossem-terra e o atentado terrorista aoWorld Trade Center.

As imagens finais mostraram o bri-lhantismo de Muhammad Ali, ao ladode grandes heróis brasileiros, comoJoão do Pulo, Éder Jofre e Ayrton Sen-na, em Esportes, e a devastação da na-tureza e catástrofes ambientais emcontraste com a beleza natural dascataratas de Foz de Iguaçu, da Chapa-da Diamantina e do Grand Canyon, emMeio Ambiente.

Hora de reflexãoA Comissão Fulbright foi criada pelo

Governo dos Estados Unidos após a Se-gunda Guerra Mundial para promovera compreensão entre os povos e cumprira missão de seu fundador, Senador Wi-lliam J. Fulbright, que acreditava “emqualquer programa que transformassenações em pessoas”. A organização atuana área acadêmica em parceria com di-versas instituições nacionais, promoven-do o intercâmbio educacional e cultural.

Ayrton Senna é fotografado por Luiz Prado do jornal O Estado de S.Paulo, em 1993, depois de vencer o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1. No mesmo ano EmersonFittipaldi celebra sua segunda vitória nas 500 milhas de Indianápolis com suco de laranja, contrariando a tradição local de comemorar com leite. Foto de Todd Panagopoulos.

35Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Ao longo de cinco décadas, foramconcedidas mais de 5 mil bolsas de es-tudos a brasileiros e norte-americanos,estabelecendo o diálogo entre as duasnações. Dentro das comemorações docinqüentenário, a Comissão Fulbrightacaba de lançar uma nova bolsa de es-tudos para a Universidade de Colum-bia, EUA, em homenagem à antropó-loga Ruth Cardoso.

O Embaixador dos Estados Unidosno Brasil, Clifford M. Sobel, presenteà inauguração da exposição, sublinhouque ela sugere reflexões. – No mundocada vez mais globalizado, precisamoscontinuar fiéis ao ideal de humaniza-ção das relações internacionais. Asimagens da mostra nos inspiram apensar sobre o que podemos esperarpara os próximos 50 anos. Quaisquerque sejam os desafios à frente, estare-mos em melhor situação se aprender-

mos mais uns sobre os outros, ex-perimentarmos e compartilhar-mos a cultura de nossos povos.

Luiz Valcov Loureiro, Diretor-Executivo da Comissão Fulbri-ght no Brasil, destaca os talentosbrasileiros que já participaramdo projeto: – Ao longo desse tem-po, temos identificado e apoia-do lideranças, fomentando o in-tercâmbio educacional e cultu-ral. Ex-bolsistas da Fulbright in-cluem expoentes de diversossetores da sociedade brasileira,como o ex-Presidente FernandoHenrique Cardoso, os escritoresMoacyr Scliar e João Ubaldo Ri-beiro, a Ministra Ellen Gracie, ex-Presidente do Supremo TribunalFederal, e o economista CelsoLafer. Para os próximos 50 anos,além de manter o trabalho cujoresultado é amplamente reco-nhecido em todo o mundo, nos-so desafio é ampliar o alcance doprograma, trazendo para ele todaa diversidade que caracterizanossos países e que é retratadanessa exposição.

Entre as fotos expostas,duas que unem esporte ereligião: Pelé na década

de 60, fotografado porDomício Pinheiro, deO Estado de S.Paulo

(Coleção Pirelli/Masp) eJesus Salva, na inspirada

foto de AntônioGaudério; ao lado, ocampeão dos pesos-

pesados Muhammad Alié fotografado por John

Rooney no momento emque nocauteia SonnyListon, em 1965 (AP).

Abaixo, a fotoganhadora do Prêmio

Pulitzer de 1946 de JoeRosenthal (AP) ao lado,aquela que seria uma

das imagens maisreproduzidas de

Marilyn Monroe porMary Zimmerman.

36 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

São poucos os eventos em todo omundo capazes de reunir grandes mes-tres da fotografia contemporânea, apre-sentar uma programação ampla e dequalidade e, de quebra, ainda promo-ver a troca de experiências e a revela-ção de novos talentos. Ao fazer tudoisso e um pouco mais, o Festival Inter-nacional de Fotografia Paraty em Foco,o PEF 2008, realizado de 10 a 14 de se-tembro, não apenas se tornou um dosprincipais eventos mundiais da áreacomo colocou a cidade no circuito in-ternacional da fotografia.

Os brasileiros Evandro Teixeira, Cláu-dio Edinger, Fabiana Figueiredo e LuizBraga estiveram lado a lado com o ho-landês Machiel Botman, o francês PierreDevin, os norte-americanos Ralph Gi-bson e Bruce Gilden e o italiano Fran-cesco Cito, realizando debates, pales-tras, oficinas e lançamentos de livros.Entre os tantos temas, destaque para omercado de arte fotográfica, a fotogra-fia digital, a narrativa fotográfica, oretrato e o fotojornalismo. Uma dasmais concorridas foi a aula prática emuma escuna que percorreu as ilhas daregião. Monitorados por alunos da Fa-culdade Senac de Fotografia, os par-ticipantes agora terão seus trabalhos exi-bidos na Casa da Cultura de Paraty.

– Os presentes puderam aprendercomo desenvolver um projeto autoral,

O melhor da fotografia mundial em ParatyEm sua quarta edição, o Festival Internacional Paraty em Foco

contoucom ótimas palestras e grandes nomes da arte de fotografar.

POR CLÁUDIA SOUZA

produzir um portfólio e até um livro ese posicionar no mercado nacional eestrangeiro. Com a presença de tantosprofissionais experientes, o Festivaltransformou-se numa oportunidadeúnica para quem queria aprimorar oolhar e a técnica – explica MarceloGreco, curador do PEF 2008.

Entre as palestras, chamou a aten-ção a exposição de Jay Colton, editorda revista Time por dez anos, que falousobre O futuro do mercdo editorial inter-nacional, e o navegador Amyr Klink,

que discorreu sobre A fotografia emgrandes expedições.

– Depois de se tornar uma referên-cia com a Feira Literária Internacionalde Paraty-Flip, agora é a vez de a cida-de se tornar um pólo internacional dafotografia. Num ambiente sem frontei-ras para a criação fotográfica, esta quar-ta edição do evento promoveu a arte emostrou novos talentos que, tenhocerteza, logo estarão despontando nomercado – assegura o Presidente do PEF2008, Christian Maldonado.

O Festival Paraty em Foco colocou a cidadefluminense no circuito internacional dafotografia com uma exposição de trabalhosdos mais importantes fotógrafos na imprensamundial, como a do nado sincronizado deRay Colton (no alto à esquerda) e, no sentidohorário, Fabiana Figueiredo, Bruce Gilden,Ralph Gibson e Francesco Cito.

Uma das imagens mais marcantes da repressão ao movimento estudantil pela ditaduramilitar foi produzida por Evandro Teixeira e também pôde ser vista na mostra.

FOTOJORNALISMO

37Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

O primeiro dos 12 volumes da cole-ção Arquivos Celso Furtado, que reúnetextos inéditos do economista, mortoem agosto de 2004, foi lançado no dia16 de setembro na sede do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada-Ipea, noCentro do Rio, em ato que contou coma participação da jornalista Rosa Furta-do, viúva do homenageado, e do Profes-sor Carlos Aguiar de Medeiros, da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro.

A seleção do material teve iníciopouco antes da morte do economista,quando Celso e Rosa Fur-tado começaram a fazeruma arrumação em casa ese deram conta da grandequantidade de material quetinham arquivado, entremanuscritos, anotações decursos, estudos, relatórios,correspondência, entrevis-tas e artigos.

Todo o acervo pertenceao Centro Celso Furtadode Políticas para o Desen-volvimento, dirigido porRosa, que considera que o de interes-se do projeto não é restrito a documen-taristas e historiadores, já que resgataa atualidade dos documentos, trazen-do-os para o presente, como contribui-ção ao debate em torno das idéias de seufalecido marido: – Para mim, esse tra-balho é muito significativo. Eu já vinha

LivrosLivros

Inéditos de Celso Furtado agora em livrosO primeiro volume de uma série de 12 fala da Venezuela em textos

cuja publicação foi proibida no fim dos anos 50 pelo Presidente Pérez Gimenez.

mais ainda, poderia dar uma arma àscompanhias petroleiras para modificarem seu favor a taxa de câmbio”. Aovoltar à Venezuela em 1974, Celso relem-brou o ocorrido e comentou: “A únicacoisa certa era que a oportunidade desaltar por cima do subdesenvolvimentose perdera.”

Os estudos do primeiro livro são umaanálise do que hoje se chama “doençaholandesa”, tema de grande atualidadeespecialmente para o Brasil, onde, naavaliação do Ministro Guido Mantega,“o petróleo do pré-sal poderá dobrar asreservas internacionais do País”.

O projetoO projeto Arquivos Celso Furtado é

uma parceria da editora Contrapontocom o Centro Celso Furtado. Além dostrabalhos do economista, os livros dacoleção trarão um ou dois artigos en-comendados a professores e especialis-tas que situem os documentos e recu-perem sua atualidade, ou que expli-quem a sua importância no passado. Aspublicações terão muitas fotos, repro-dução de manuscritos, recortes de ór-gãos de imprensa e fac-símiles.

A solenidade de lançamento foi co-ordenada por uma mesa composta porRosa Furtado; o editor César Benja-mim, da Contraponto; o Professor Car-los Aguiar de Medeiros ; e o jornalistaGilberto Maringoni.

A primeira transmissão sonora deque se tem notícia foi ouvida em Mar-selha, Sul da França, em 1908, a par-tir de uma válvula ampliadora insta-lada em plena Torre Eiffel. Por trás dofeito, estavam os experimentos de umjovem estudante, o italiano Gugliel-mo Marconi. Muito tempo antes deMarconi, porém, em 1892, o padre bra-sileiro Roberto Landell de Moura jáemitia sons nos altos de Santana, ZonaNorte de São Paulo, que eram capta-dos na Avenida Paulista. Ironia das iro-nias, Marconi se tornou Nobel e Mou-ra, bruxo. Histórias como essa dãotempero especial a Na Mesma Sintonia(Editora Senac São Paulo, 104 pági-nas), obra que traz não apenas curio-sidades e alguns dos fatos mais impor-tantes da história e dos bastidores dorádio, mas também narra – em perfei-to trocadilho – a vida e carreira de umadas figuras mais importantes da im-prensa esportiva no Brasil, o jornalistaOrlando Duarte.

Os textos, da autoria de Duarte,falam de momentos nostálgicos, comoa Era de Ouro do rádio brasileiro, o gla-mour de suas rainhas, a saga das pri-meiras emissoras e as transmissões queentraram para a história, como a adap-tação para o rádio de A Guerra dosMundos, por Orson Welles, ou a primei-ra narração de uma partida de futebolfeita por uma mulher, Claudete Troi-ano. Já a vida do locutor e apresenta-dor ganha forma por meio de entrevistaconcedida a Chico Barbosa.

Na Mesma Sintonia oferece uma lei-tura leve e não pode ser encarado comouma biografia propriamente dita deDuarte ou uma história completa dorádio, mas apresenta um ingredientemuito mais original: ao tratar de suatrajetória, Orlando Duarte acaba fa-lando também sobre o trabalho da im-prensa esportiva brasileira, trazendoà memória um dos mais importantescapítulos da história do jornalismobrasileiro.

Mais históriasque o rádionão contou

A vida de Orlando Duarte,um dos grandes nomes daimprensa esportiva, e fatos

curiosos sobre a história do rádioestão em Na Mesma Sintonia.

trabalhando na revisão de textos doCelso e esses documentos são impor-tantíssimos. Achei que através do pro-jeto eles funcionariam como uma di-vulgação completa de sua obra, distri-buída em 12 livros. O próximo volumeserá lançado até o fim do ano.

Publicação proibidaO primeiro do volume da série é

Ensaios sobre a Venezuela: subdesenvol-vimento com abundância de divisas, quetraz dois estudos de Celso Furtado so-

bre questões relacionadasao petróleo naquele país.A primeira visita do eco-nomista à Venezuela acon-teceu em 1957, quando elefoi incumbido pela Comis-são Econômica para aAmérica Latina-Cepal defazer um estudo sobre oimpacto que a abundânciado petróleo havia provoca-do na economia, com a va-lorização da moeda local.

O trabalho, porém, nun-ca chegou a ser publicado: Celso rece-beu do então chefe da Divisão de Desen-volvimento Econômico da Cepal, JoséAntonio Mayore, um comunicado di-zendo que o Presidente Marcos Pérez Gi-menez proibira que o trabalho viesse apúblico, alegando que “o enfoque sobreo problema da moeda não é acertado e,

O jornalismo é uma das profissõesmais glamourosas que existem. Fruto deoutros tempos, em que imperavam o ro-mantismo e a boemia. Mas os temposmudaram e, com eles, tam-bém a profissão. Em Os Se-gredos das Redações, o ex-periente jornalista Lean-dro Fortes, profissionalcom passagens por O Esta-do de S.Paulo, Zero Hora,Jornal do Brasil, O Globo,Época, TV Globo, e atual-mente repórter da Sucur-sal Brasília de CartaCapi-tal, mostra algumas des-sas transformações e que-bra diversos mitos queainda sobrevivem em filmes e até nasescolas de comunicação. Assim, discutequestões como a isenção do repórter, aimparcialidade do jornalismo, a idéia deque fontes são sempre desinteressadas

Um manual básico para quem começa

quando passam alguma informação ex-clusiva, os interesses que governam a co-bertura dos grandes veículos e a com-petição selvagem do meio. É uma espé-

cie de “buraco da fechadu-ra”, que permite ao foca es-piar algumas das coisas queo aguardam na Redação.

Calma. O livro não éum tipo de “spoiler”, aque-las notinhas que tiram agraça de novelas e séries te-levisivas, ao revelar o queacontecerá nos próximoscapítulos da trama. Seuobjetivo não é causar desi-lusão nos novos profissio-nais. Pelo contrário. A obra

é até otimista, mas tenta prepararmelhor os idealistas, que acham queconseguirão mudar facilmente o mun-do e, quando se deparam com as pri-meiras dificuldades, acabam desistin-

do. Como ele mesmo diz, o jornalismoé uma selva e é importante conhecer afauna que governa esse espaço, do pa-trão ao chefe de redação.

Outro segredo que o livro procura“desvendar” é o de como desenvolvermelhor a pauta jornalística. Apesar deser tema recorrente e bastante batido,as dicas do autor para utilizar o lide e apirâmide invertida, ter um texto obje-tivo e não resvalar nos perigos éticos dodia-a-dia são lembretes importantespara quem está começando e para osveteranos, sufocados e cercados portodos os lados por essas práticas. Ain-da mais porque o bom jornalismo, co-mo concorda Fortes, não está em seguirregras, mas em usar muito a intuição ea observação, aprendendo sempre comos mestres, aqueles autores de grandesmatérias que não se cansam de sujar ossapatos nas ruas em busca das últimasnotícias. (Marcos Stefano)

Leandro Fortes, da Sucursal Brasília de CartaCapital, desmitifica o jornalismo e ofereceaos focas a possibilidade de “olhar pela fechadura”, antes de se aventurarem nas Redações.

38 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Rio de Janeiro, novembro de 1910. Uma injustiça histórica aconteceu naqueleano e só agora, quase um século depois, começa a ser reparada por meio de al-gumas iniciativas do Congresso e da sociedade brasileira. Naquele tempo, aescravidão estava abolida havia mais de 20 anos, mas a mentalidade escravo-crata continuava viva e espalhava terror e discriminação. Mais que em qual-quer lugar, na Marinha brasileira, essa realidade era tangível. Os marujos, emsua maioria negros ou mulatos, sofriam todos os dias castigos e torturas bru-tais dos oficiais brancos. Geralmente, pelas menores falhas, esses marinhei-ros eram espancados e recebiam chicotadas por todo corpo, à vista da tripu-lação. Maus-tratos também eram comuns. Além do soldo irrisório, quasesempre lhes era oferecida comida estragada e proliferavam as doenças, cau-sadas pelo elevado tempo que passavam no mar, nos ambientes insalubres dosnavios. Nesse ambiente degradante, onde a maior guerra era pela sobrevivênciae dignidade, surgiu a figura de João Cândido Felisberto.

Sob sua liderança, cerca de 2.300 marinheiros se rebelaram contra aquelacondição, para exigir do recém-eleito Presidente Marechal Hermes da Fonse-ca o fim dos castigos da chibata, condições decentes de trabalho, uma Mari-

nha justa e a verdadeira liberdade. O motim duroucinco dias, de 22 a 27 de novembro de 1910. Depoisdo castigo com 250 chicotadas a que foi submeti-do o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, acu-sado por ter machucado um colega, os amotinadostomaram o controle do “orgulho da frota e primorda Marinha”, o Minas Gerais, maior navio de guer-ra do mundo na época, e outras três embarcações,o Bahia, o Deodoro e o São Paulo. Alinhados na Baíada Guanabara, eles ameaçavam bombardear a Ca-pital Federal, caso não houvesse acordo.

Mas o Almirante Negro, como passou para aHistória João Cândido, não queria violência. Por isso,quando a Revolta da Chibata alcançou seu intento

– os participantes do movimento foram anistiados pelo Decreto Legislativo2.280, em 25 de novembro, apenas três dias após o motim e, logo em seguida,o Governo aceitou as exigências dos marinheiros – houve a rendição.

Foi uma vitória histórica e nunca mais aconteceram os terríveis castigosfísicos. Mas, então por que os livros de História pouco mencionam o que acon-teceu naqueles dias e o movimento ficou relegado apenas a notas de rodapé?Na verdade, a História não acabou ali. Inconformada, a Marinha fez de tudopara se vingar da “derrota” que sofrera. Pouco tempo depois, os participantesda revolta foram expulsos das Forças Armadas, novamente presos e tortura-dos. Centenas foram embarcados em navios, com a desculpa de serem depor-tados para a Região Norte e trabalhar em serviços como a Ferrovia Madeira-Mamoré, mas nunca chegaram ao destino: foram executados sumariamenteno meio do caminho e tiveram seus corpos lançados ao mar.

Os líderes foram mantidos presos em uma cela mi-núscula e eram torturados. Dos 18, apenas dois so-breviveram. João Cândido foi um deles. Com a saú-de abalada e a mente adoentada, ele foi trancafiadonum hospício. Seus registros foram apagados ofici-almente. Era como se nunca tivesse existido ou feitoparte da Marinha. Jornalistas que tentaram contarsua história foram ameaçados e intimidados duran-te décadas. Não admira que, hoje, ainda seja um per-sonagem tão desconhecido, apesar de sua importância.

Agora, no entanto, os ventos parecem soprar emoutras direções. Diversas ações têm sido programa-das e realizadas para tornar real um pedido que vemdesde novembro de 1910: fazer justiça. O primeiroato partiu do Congresso. A anistia póstuma de JoãoCândido e seus companheiros foi aprovada no últi-mo dia 13 de maio no Senado e se tornou oficial, apósa publicação no Diário Oficial de 24 de julho. As ou-tras, estão no campo das artes e servirão para consci-entizar a população de que o Brasil tem, sim, seus heróise eles foram os marinheiros da Revolta da Chibata.

JOÃO CÂNDIDO, UM HERÓI DO BRASILReparando quase um século de injustiça e esquecimento, a vida do Almirante Negro, líder da

Revolta da Chibata de 1910, é contada em quadrinhos e pode ir também para os cinemas.

RESGATE

A partir de textos do jornalista Edmar Morel, que aparece nosquadrinhos, os autores criaram a parte investigativa da história.

POR MARCOS STEFANO

39Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Outra iniciativa é o lançamento daFrente de Apoio ao Projeto Chibata,liderada pela Unidade de MobilizaçãoNacional pela Anistia-UMNA e comparticipação de entidades como a As-sociação Brasileira de Imprensa. A idéiaé viabilizar a realização do longa-me-tragem Chibata – A Vidade João Cândido. Deacordo com a Frente, aproposta é que o filmechegue às telas em 2010,quando se comemora o centenário domovimento Revolta da Chibata.

O projeto tem o apoio da famíliade João Cândido. A filha do mari-nheiro, Zeelândida, antes de morrer,deu sua aprovação ao projeto. Adal-

Acaba de ser lançado pela editora Con-rad o livro Chibata! João Cândido e A Re-volta Que Abalou o Brasil, obra que falasobre os acontecimentos de 1910 e traza vida do Almirante Negro. Detalhe: ahistória é toda contada em quadrinhos.São 224 páginas de um ro-teiro inteligente e uma arteque surpreende pela dinâ-mica e movimento em pre-to e branco. A obra foi pro-duzida por Olinto Gadelha Neto, queassina o roteiro, e Hemetério, o artistados desenhos. Juntos, eles superaram asdificuldades de estarem em Fortaleza,CE, longe do eixo Rio-São Paulo, e mos-traram que o Nordeste tem muitos artis-tas com talento nacional.

– Um dos motivos que nos atraíram àsaga de João Cândido foi o fato de que opúblico pouco sabe sobre o tema. Ele nãoé, obviamente, um herói convencional, esempre houve uma forte campanha ins-titucional trabalhando para cercear a di-vulgação dos fatos relacionados com aRevolta. Assim, onde havia lacunas nosregistros documentais e históricos, usa-mos a ficção. A infância de João Cândido,como retratada no livro, por exemplo, foidramatizada. Essas intervenções nos aju-dam a entendê-lo, e dar maior sentido à sualuta. Localizar no passado de onde vêmsuas motivações e como surgiu seu instintopara a liderança é uma forma de compre-endermos, no seu futuro, por que seuspares confiaram a ele suas vidas, e segui-ram seus passos no momento crucial. –explica o roteirista Olinto Gadelha Neto.

O trabalho começou a partir de umconvite da própria editora, que deu todoapoio e liberdade para o desenvolvimentodo roteiro e dos desenhos. Pesquisas emlivros, artigos e sites foram realizadas pormeses e, por fim, complementadas pelaviagem ao Rio, para ver os locais onde sepassaram os acontecimentos e selar o pe-ríodo de preparação. Para Hemetério, esteprojeto é o maior sinal de que o mercadode quadrinhos está em franca expansão noPaís, sobretudo, para obras de forte cunhoautoral, seja na ficção, adaptações lite-rárias ou a partir de fatos históricos.

– Foi pela música Mestre-Sala dos Ma-res que conhecemos a Revolta. Mas porcausa da pesquisa para fazer a história emquadrinhos descobrimos em João Cândi-

Almirante emquadrinhos

Do mar paraas telonas

do um dos construtores da identidade bra-sileira, um herói do mesmo nível de Tira-dentes e Zumbi, por exemplo. Eu o descre-veria como um símbolo de insubmissão,de que o brasileiro é capaz de grandes coi-sas, inclusive a de lutar bravamente pela

sua liberdade e auto-afirma-ção. Se, para as novas gera-ções, nossa hq tiver o mes-mo papel da música de Al-dir Blanc e João Bosco, será

uma honra e uma felicidade. – garante ele.O livro evita a versão oficial dos fatos,

narrada pela Marinha. Tanto Olinto comoHemetério a consideram “mais ficcionaldo que qualquer outra obra”. Por isso, tra-balham com lembranças, memórias e ex-periências vividas pelas personagens. Atrama começa em 1943 e sua primeiraparte é baseada em lembranças de um JoãoCândido ainda internado em um sanató-rio. Saltos intercalam a ação em diferen-tes épocas e mostram cenas fragmenta-das e fora de ordem. É uma escolha esté-tica um pouco mais ousada e o recurso nãoé utilizado gratuitamente, já que procu-ra realçar o estado frágil de sanidade men-tal do marinheiro. Adiante, o ponto de vis-ta passa a ser de Edmar Morel, jornalistaque foi recriado dramaticamente a partirde seus escritos e de uma pesquisa feitasobre sua trajetória. Aí o enredo corre maispreciso, direto, quase investigativo.

– Poucos sabem o que aconteceu naque-les dias de 1910. Foi uma insurreição con-tra uma forte instituição nacionale ressaltou o que havia de pior nasrelações sociais e raciais da nossasociedade. Por isso, o tema semprefoi historicamente tratado comcerta reserva. Aprendi que se vocêdá voz aos esquecidos, eles sem-pre contam as melhores histórias.Trata-se de uma luta pela liberda-de, desmascarando confrontos ét-nicos e sociais, culminando no sa-crifício que apenas os verdadeirosheróis fazem, arriscar a própriavida para o bem de muitos. Masduvido que o assunto esteja esgo-tado. – completa Olinto.

berto Cândido, o Candinho, filho ca-çula e funcionário da ABI há 55 anos,aprovou o roteiro do longa, já regis-trado na Biblioteca Nacional.

– Essas iniciativas são importantespor causa da memória de meu pai epara reparar uma injustiça, já que não

existe anistia sem a de-vida indenização. Meupai sofreu muito. Ape-sar de ter sido anistiadoem 1910 e absolvido em

1912 de todos os inquéritos que o in-criminavam, ficou sem condições desustentar a família, porque foi dispen-sado da Marinha. — diz Candinho.

Diante de tais iniciativas, é funda-mental reconhecer outro ponto: o gri-to dado por João Cândido e seus com-panheiros em 1910 ecoa até hoje. É ogrito da liberdade, dos marginaliza-dos, dos movimentos sociais, até daimprensa que não aceita a censura.Como disse um marinheiro em entre-vista ao jornal O Estado de S. Paulo, de24 de novembro daquele ano: “O se-nhor sabe que nós não somos cachor-ros. Somos gente como eles”. O clamorde todos é idêntico. Mas para que setorne realidade, precisa ser ouvido, poiscomo diz a letra de O Mestre-Sala dos Mares: “Salve o Al-mirante Negro, que tempor monumento, aspedras pisadas nocais”, os funda-mentos da his-tória não po-dem ser renegados.

Olinto (E) e Hemetério se inserem natrama numa “participação especial”a la Hitchcock e Stan Lee, como doisbarqueiros que levam João Cândido

ao Minas Gerais pela última vez.

40 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

O brasileiro está lendo mais. Contu-do, 77 milhões de pessoas ainda fazemparte do contingente de não-leitores,ou seja, mesmo que saibam, não lêem.Esta é uma das conclusões da pesqui-sa Retratos da Leitura no Brasil, a mai-or já realizada em âmbito nacionalsobre o comportamento do leitor bra-sileiro. Realizado em 2007 pelo Insti-tuto Pró-Livro, com apoio da CâmaraBrasileira do Livro-CBL, do SindicatoNacional dos Editores de Livros-Snel eda Associação Brasileira de Editores deLivros-Abrelivros, o estudo ainda trazoutros dados surpreendentes:

– a média de leitura por pessoa é decerca de cinco livros por ano, masapenas um destes costuma ser lidofora da escola;– as revistas são o veículo de leiturapreferido da maioria dos entrevista-dos (52%), seguidas por livros (50%)e jornais (48%);– as mulheres lêem mais que os ho-mens em quase todos os gêneros, sãoleitores mais freqüentes e têm maisprazer em apreciar um livro do queos homens.Depois de promover a primeira edi-

ção da pesquisa Retratos da Leitura, em2000, o Instituto Pró-Livro decidiu tam-bém investigar o impacto de ações einvestimentos realizados pelo Governoe algumas entidades na área, para con-solidar ou orientar novas iniciativas eincentivar debates e estudos entre es-pecialistas e interessados no tema: –Sete anos depois, felizmente, muito seinvestiu em programas de governo eem projetos direcionados ao fomentoda leitura no País. Podemos citar, porexemplo, a implementação de açõesque possibilitaram o acesso ao livro amilhões de estudantes do ensino mé-dio e superior, a expressiva ampliaçãode estudantes dos dois níveis e o esforçoem zerar o número de cidades brasilei-ras sem bibliotecas – analisa o Presiden-te do Instituto Pró-Livro, Jorge Yunes.

O novo trabalho resultou em umlivro que reúne textos, gráficos e arti-gos de especialistas no assunto. – A boanotícia é que a pesquisa revelou quequando o Estado investe em políticaspúblicas – e é seu dever fazê-lo – osresultados não tardam a aparecer. Bastaolhar os índices de leitura entre as cri-anças e jovens que freqüentam as es-colas: é mais do que o dobro do que selê fora delas – afirma Galeano Amorim,organizador da obra.

A má notícia, diz ele, é que, apesar dosrecentes avanços, o Brasil ainda não re-conhece a questão do livro e da leituracomo algo realmente importante e es-

tratégico para seu presente e, sobretu-do, para construir outro tipo de futuro.

Ontem e hojeO estudo foi aplicado no fim de 2007

em 311 Municípios de todo o País. Umamédia de 5.012 habitantes em cada ci-dade participaram da avaliação do Ins-tituto Brasileiro de Opinião Pública eEstatística-Ibope Inteligência. No to-tal, foram consideradas como o univer-so representado 172 milhões de pessoas(92% da população). A análise reveloua percepção da leitura no imagináriocoletivo, o perfil do leitor e do não-lei-tor, as preferências e motivações dosleitores e os canais e formas de acessoao livro.

A primeira pesquisa Retratos da Lei-tura atingiu 44 Municípios e apontouque 49% da população eram conside-rados leitores. Nesta segunda edição,os dados indicam que o brasileiro estálendo mais, já que 55% da populaçãoentrevistada, que representariam 95milhões de pessoas, declararam ter lidoao menos um livro nos três últimosmeses. O total subiria para 100 milhõesde leitores, se incluídos os entrevista-

PESQUISA

Leitura no Brasil:o que mudou?

O maior levantamento já realizado no País concluique os brasileiros estão lendo mais, mas continuamuito grande o número daqueles que não lêem.

POR CLÁUDIA SOUZA

� A média de leitura do País é de 4,7livros por habitante/ano; 3,4 livros porhabitante/ano foram indicados pelaescola, freqüentada por 60 milhões depessoas de todas as idades; 1,3 livrosper capita foram lidos fora da escola.Em algumas regiões, a média de leituraé superior à nacional, como no Sul,onde são lidos 5,5 livros por habitante/ano, e no Sudeste, 4,9.

� Conhecimento é o valor maisassociado à leitura. Esta percepçãoaumenta entre os mais velhos.

� A leitura é vista como atividadeprazerosa, principalmente entre criançascom idade até 10 anos.

� Duas em três pessoas não sabem deninguém que venceu na vida graças àleitura.

� Declararam gostar de ler durante otempo livre 35% dos entrevistados, oque corresponderia a 60 milhões depessoas. Destes, 38 milhões afirmaramfazê-lo com freqüência. A preferênciapela atividade cresce com a renda e aescolaridade.

� As revistas são o veículo de leiturapreferido da maioria dos entrevistados(52%), seguidas por livros (50%) ejornais (48%).

� Um terço dos leitores afirma lerfreqüentemente; 55% são mulheres.

OS NÚMEROS DAS LETRAS

� Souberam dizer o nome do autorbrasileiro que admiram 51% dosleitores (48,5 milhões). MonteiroLobato foi o mais votado, seguido porPaulo Coelho, Jorge Amado eMachado de Assis. Os quatro juntosreceberam quase metade dasindicações.

� A infância é lembrada como operíodo da vida em que as pessoasmais leram.

� 73% das crianças, especialmente noNorte (59%) e no Nordeste (56%),citam as mães como a maior influênciano hábito de ler.

� A Bíblia é o livro mais marcante para59% dos leitores (56,2 milhões),superando em dez vezes o segundocolocado, O Sítio do Pica-pau Amarelo.

� Só no portal Domínio Público, doMinistério da Educação, já forambaixados 7 milhões de cópias das 72mil obras disponíveis.

� 146,4 milhões de brasileiros (85%da população estudada) teriam pelomenos um livro em casa. A média é de25 livros por residência.

� A visita a bibliotecas diminui com ofim da vida escolar: cai de 62% entreadolescentes para menos de 20% nafase adulta e 12% aos 50 anos, atéchegar aos 3% acima de 70 anos.

Elas também lêem mais que homensem quase todos os gêneros, comexceção de História, Política e CiênciasSociais. O público feminino ainda lêmuito mais do que os homens porprazer ou gosto. E também por motivosreligiosos. Os homens lêem mais poratualização profissional ou exigênciaescolar e acadêmica.

� Não leram nenhum livro nos trêsmeses que precederam pesquisa 77,1milhões (45% da população estudada).Destes, 6 milhões disseram ter lidoanteriormente um livro – a Bíblia nocaso de 4,5 milhões.

� Dos que não lêem, 21 milhões sãoanalfabetos e 27 milhões só cursaramaté a 4ª série do ensino fundamental.

� Entre os que têm formação superior,1,3 milhão são não-leitores.

� Dificuldades de acesso ao livro estãoentre as principais queixas de quem já éleitor. Entre os motivos para não ler sãoapontadas: a falta de dinheiro (18%),bibliotecas (15%) e livrarias (8%).

� Quem já é leitor também justifica nãoler mais por falta de tempo (57%),preferência por outras atividades (33%)ou desinteresse (18%).

� Entre os gêneros de leitura, a Bíbliafigura no topo da lista, com 49% dapreferência.

Jorge Yunes (à esquerda): É preciso zerar o número de cidades sem biblioteca. André Lázaro:É na escola que a criança tem contato com o livro independentemente de classe social.

DIVU

LGAÇ

ÃO

41Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

escola, como aponta o jornalista FelipeLindoso, autor de O Brasil Pode Ser umPaís de Leitores? Diz ele: – A maioria dapopulação não tem acesso ao livro e àleitura depois que deixa e escola. Somen-te políticas públicas conseqüentes per-mitirão que se construa uma rede debibliotecas públicas no Brasil, precisa-mente o que falta para que a indústriaeditorial corresponda e possa atender àsnecessidades de educação, cultura e la-zer dos que já saíram das escolas.

O papel da mídiaDiante do grande interesse do brasi-

leiro pela televisão, pelo rádio e mesmopela leitura de jornais e revistas, a mí-dia é apontada por especialistas comofundamental para a promoção da leitu-ra. – Como a tv e o rádio são atividadesfreqüentes na vida do brasileiro, seriaimportante, em curto prazo, multipli-car nos veículos do Poder Público pro-gramas de promoção à leitura, comenfoque na percepção da leitura comolazer ou descanso. Também teriam bonsresultados campanhas e publicidadecom enfoque em obras e autores – apon-ta Maria Antonieta Antunes Cunha,doutora em Letras e professora da Uni-versidade Federal e da Pontifícia Univer-sidade Católica de Minas Gerais.

Como não existemsoluções mágicas, edu-car é a base para a for-mação de pessoas quecontinuem lendo du-rante toda a sua vida.Para a socióloga ZoaraFailla, Coordenadorapara o Ensino Médiode São Paulo e inte-grante da equipe técni-ca da pesquisa Retratosda Leitura no Brasil,profissionais especiali-zados devem introdu-zir novas experiênciase desafios ao conheci-

mento e ao desejo de descoberta de cri-anças e jovens.

Essa opinião é compartilhada porLucília Helena do Carmo, da Univer-sidade de Brasília-UnB, que consideraque o interesse pela leitura é desenvol-vido de acordo com a experiência deprazer, que pode ser estimulada porpais, professores e um ambiente quevalorize a prática. – Vamos todos bus-car nos livros, digitais ou em papel, oconhecimento. É o caminho para queconflitos naturais da vida em socieda-de resultem em crescimento do bem-estar e redução das desigualdades –conclui Jorge Werthein, Diretor da Re-de de Informação Tecnológica Latino-Americana.

dos que revelaram ter lido ao menos umlivro ao longo de 2007.

Além dos dados da pesquisa, Retra-tos da Leitura apresenta artigos de per-sonalidades, pesquisadores e estudiososcomprometidos com a questão do livrono Brasil, como o escritor Moacyr Scli-ar, que destaca o valor simbólico do atode ler: – Em se tratando de leitores jo-vens, é melhor apresentar a leitura comoum convite amável, não como tarefa,como uma obrigação que, ao fim e aocabo, solapa o próprio simbolismo da lei-tura, transformada num trabalho árido,quando não penoso. A casa da leituratem muitas portas, e a porta do prazeré das mais largas e acolhedoras.

O Secretário-Executivo do Plano Na-cional do Livro e Leitura, dos Ministé-rios da Cultura e da Educação, José Cas-tilho Marques Neto,comemora na publica-ção a nova agenda parapolíticas públicas parao setor:– Em minhaopinião e na de muitosque encontro Brasilafora, dos especialistasaos batalhadores diu-turnos pela leitura, vi-vemos um período ex-cepcional, promissor edecisivo. As bibliote-cas, por exemplo, po-derão ter um papelequivalente ao da es-cola na manutenção eformação de leitores fora da idade es-colar, uma vez que boa parte da popu-lação não pode comprar livros.

O papel da escola na formação de lei-tores é destacado também pela Direto-ra de Políticas de Formação, MateriaisDidáticos e Tecnologias para a Educa-ção Básica do Ministério da Educação,Jeanete Beauchamp, e pelo Secretáriode Educação Continuada, Alfabetiza-ção e Diversidade do Ministério, An-dré Lázaro. Para eles, a pesquisa eviden-cia que por meio da escola o Brasil en-tra em contato com o processo de lei-tura e tem acesso aos livros, indepen-dentemente da classe social.

Porém, a preocupação maior passa aser mesmo depois que a pessoa deixa a

Considerado um dos principais res-ponsáveis pela fixação da memória daHistória da Arte brasileira, o jornalis-ta, professor, museólogo, crítico dearte e historiador Mário Barata, mem-bro do Conselho Deliberativo da ABI,foi homenageado em 19 de setembropela Universidade Federal do Estadodo Rio de Janeiro-UniRio com a inau-guração de seu retrato na galeria deProfessores Eméritos da instituição.No ato foi enaltecida a trajetória aca-dêmica e intelectual de Mário Bara-ta, falecido um ano antes, nas véspe-ras de completar 87 anos.

O retrato foi descerrado pela Rei-tora da UniRio, Professora MalvinaTânia Tuttman, em cerimônia quecontou com a presença da viúva deBarata, a artista plástica Tiziana Bo-nazzola, dois de seus filhos, Branca eFlávio, e seu sobrinho, Carlos Eduar-do Barata, Presidente do Colégio Bra-sileiro de Genealogia. A ABI foi repre-sentada por seu Presidente, MaurícioAzêdo.

Além da Reitora, enalteceram Má-rio Barata a Professora Maria de Lour-des Viana Lyra, em nome do Institu-to Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB e do Instituto Histórico e Ge-ográfico do Rio de Janeiro-IHG-RJ, eo Professor Mário Chagas, Coordena-dor do Departamento de Museus doInstituto do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional-Iphan.

Em seu discurso, a ProfessoraMaria de Lourdes ressaltou que Má-rio Barata participou de comissõesorganizadoras de colóquios e institui-ções culturais internacionais e ofere-ceu destacada contribuição, realizan-do-as ou orientando-as, a pesquisas

JUSTIÇA

A UniRiocelebraMárioBarata

Um ano após o seu passamento, em setembro de 2007, aUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro incorporaseu retrato à galeria de Professores Eméritos da institruição.

importantes sobre a História da Arteno Brasil: – Recuando no tempo, en-contrei preciosos testemunhos queratificam seu perfil de intelectualcompetente e engajado. Em 1956, oProfessor Quirino Campofiorito sau-dou Mário Barata na solenidade desua investidura na cátedra de Histó-ria da Arte da Escola Nacional deBelas-Artes da antiga Universidade doBrasil, atual Universidade Federal doRio de Janeiro, declarando ter-se ha-bituado a estimar o então jovem pro-fessor. Em 1987, o Professor JoaquimVeríssimo Serrão saudou-o como ti-tular da cadeira número 40 da Acade-mia Portuguesa da História.

Mário Chagas, que é também pro-fessor da Escola de Museologia daUniRio, fez um discurso emocionado,em que apontou Mário Barata como“um dos últimos intelectuais do Brasilcom domínio de várias especializa-ções”. A obra de Barata como jorna-lista, especialmente durante a ditadu-ra militar, também foi lembrada.

Membro do Conselho Deliberati-vo da Casa, Mário Barata integrou aComissão Executiva do Centenário daABI e participou da reunião mensal desetembro de 2007 da Comissão, du-rante a qual salientou a necessidadede se incluir nas comemorações dobicentenário da imprensa no Brasiluma homenagem especial ao Condeda Barca, que em novembro de 1807promoveu o embarque da primeiratipografia que ensejaria o aparecimen-to da Gazeta do Rio de Janeiro, primeirojornal impresso no Brasil, após a che-gada da Família Real, em 1808. Diasapós formular essa proposta, MárioBarata faleceu.

Jorge Werthein, da Rede de InformaçãoTecnológica Latino-Americana: Vamostodos buscar o conhecimento no livro, empapel ou digital, caminho para o bem-estar e a redução das desigualdades.

ELZAFIÚZA/AB

R

42 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Exatos cem anos após sua morte –lembrada em 29 de setembro – Macha-do de Assis ainda é capaz de surpreen-der. Com sua extensa obra, compostapor nove romances, 200 contos, umadezena de peças de teatro, cinco cole-tâneas de poemas e milhares de crôni-cas, o “Bruxo do Cosme Velho” , ape-lido que ficou como recordação dostempos em que morou em um casarãono número 18 daquela rua, é o maiorescritor brasileiro de todos os tempos.Sempre que estudada, há sempre no-vas facetas do fundador da AcademiaBrasileira de Letras a revelar. Mesmosendo o aspecto do conhecimento lite-rário brasileiro mais estudado, sua vidaainda permanece envolta em mistéri-os. Assim, exposições como Machadode Assis: Cem Anos de Uma CartografiaInacabada, que foi realizada pela Fun-dação Biblioteca Nacional, em seu Es-paço Cultural Eliseu Visconti, no Rio,de 23 de setembro a 8 de novembro,permitem conhecer melhor o jornalis-ta, cronista, contista, romancista, po-eta e teatrólogo, que, mesmo sendopobre e mestiço numa sociedade escra-vagista, conseguiu se tornar um mes-tre da cultura nacional.

Cerca de 200 documentos, entre fo-tografias, cartas, livros, manuscritos eperiódicos, foram reunidos na mostra,uma das maiores já feitas sobre Macha-do e que destacou os momentos-chavepor que passou a construção de sua obraliterária. Tudo devidamente contextu-alizado pela relação feita com o processode transformação ideológica vivencia-do na Corte e, de modo mais abrangen-te, em todo o Segundo Reinado. Essarelação permite não apenas compreen-der melhor a importância de sua obra,mas também perceber a genial sutilezamachadiana, que no dia-a-dia evitavaatritos políticos, mas no recôndito dasletras era capaz de retratar a ruína daMonarquia no final da década de 1880,em um romance como Quincas Borba,e ainda fazer uma sátira velada ao rei,

usando o personagem Rubião comouma referência aos desvarios de umDom Pedro em fim de reinado.

– Uma das nossas primeiras preocu-pações foi de que a exposição, por suaabrangência, tivesse a representação daRepública, para que os mais diversossegmentos da sociedade, além dos es-pecialistas, pesquisadores, estudantese professores, participassem dela. Pen-samos nas pessoas comuns que, aopassear pelo Centro da cidade, pudes-sem conhecer a obra machadiana. –explica o curador Marco Lucchesi, com-pletando que até o olhar de Machadosobre as transformações que ocorreramno Rio de sua época foi contemplado.

Diz Lucchesi que quem esteve naBiblioteca Nacional teve uma visão ilu-minada pelas mais novas leituras ediversas descobertas feitas durante apesquisa: – Aproveitamos o centená-rio de Machado para derrubar algunsmitos que o envolvem. Um deles é deele não tinha interesse pela questão daescravidão. Não é verdade. Encontra-mos uma carta em que o escritor se dizfeliz e entusiasmado com a Lei do Ven-tre Livre, de 1871.

Mais obrasMachado era um homem à frente de

seu tempo. Sua posição sobre a aboli-ção da escravidão reforça isso. Comomostrou a exposição da BibliotecaNacional, longe de ter uma posiçãodúbia, o escritor estava certo de que osproblemas da população negra preci-

savam ser resolvidos. E apenas abolirnão fazia isso.

Para tornar seus pensamentos maisclaros e seu trabalho amplamente co-nhecido, a Fundação Biblioteca Naci-onal aproveitou o evento e, com o apoiodos Institutos Vivo e Pró-Visão, lançouuma edição em braile e em audiolivrode O Alienista. A editora Nova Aguilarainda apresentou as obras completasdo Bruxo em papel-bíblia e o PortalDomínio Público, do Ministério daEducação, inaugurou o site Machadode Assis, reunindo as edições digitaisde livros sobre o escritor.

Em comemoração ao Ano NacionalMachado de Assis, ainda será lançadoem 2008 o livro Machadiana da Bibli-oteca Nacional, que reúne o acervo do-cumental do autor, a edição fac-sími-

Machado reveladoNo centenário de sua morte, nosso mais importante escritor

é apresentado em exposição na Biblioteca Nacional.

le completa do jornal O Espelho, como qual ele colaborava regularmente, ePareceres do Conservatório DramáticoBrasileiro (Coleção Rodolfo Garcia,volume 34, Série Bibliografia), com uminventário das críticas feitas pelo escri-tor para a instituição sobre peças aserem encenadas.

Outra publicação mui-to aguardada no centená-rio de Machado é Corres-pondência de Machado deAssis, Tomo I (1860 – 1869).São 90 cartas escritas e re-cebidas pelo escritor no pe-ríodo e organizadas em or-dem cronológica. O segun-do volume, contendo oitocentenas de cartas e co-brindo os anos seguintes,será lançado em 2009.

– Essas obras trarãotoda a correspondênciaque ainda existe e é conhe-cida de Machado em 50anos de vida intelectual.Conhecendo seu fluxo de

correspondência, temos também suasamizades, amores, relações políticas epreocupações filosóficas – diz o ensa-ísta e acadêmico Sérgio Paulo Rouanet,coordenador do projeto.

Amante do xadrez, das armadilhas-narrativas e dono de um estilo conci-so e ardiloso, o “Bruxo do Cosme Ve-lho” continua um desafio para seusdecifradores. Mas isso não impede seusucesso e reconhecimento. Machado jáfoi traduzido para 14 idiomas e, assimcomo no Brasil, há um interesse reno-vado por sua obra nos Estados Unidos,onde também é considerado um gênio.Como ele disse certa vez em tom pro-fético numa de suas cartas à esposaCarolina: “ganharemos o mundo”. Omundo das palavras.(José Reinaldo Marques e Marcos Stefano)

Machado (segundo à esquerda, tendo Joaquim Nabuco logo atrás) lidera a pose solene da nata da inteligência do começo do século 20.

Obras raríssimas valorizaram a exposição, como estaprimeira edição dos contos de Histórias da Meia Noite.

Uma das fotos mais antigas de Machado:jovem, bonito, austero, já respeitável.

FOTO

S: DIVU

LGAÇ

ÃO

EXPOSIÇÃOEXPOSIÇÃO

43Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Aqueles que conviveram com o jor-nalista e escritor Lourenço Diaféria di-zem que ele fazia seus textos com ocoração. Fora de moda para os padrõesda imprensa brasileira ou não, nãomudava seu estilo, unindo talento esimplicidade para falar “da cidade, suagente, pessoas que vivem no cimento,enfrentando filas de ônibus, filas parao estádio, aqueles que eventualmentetomam um táxi, além da periferia des-conhecida”, nas palavras do própriojornalista. Era assim que ele retratavafiguras anônimas, reconhecendo o sig-nificado de suas vidas, que normalmen-te passam despercebidas pela maioriados mortais. Na madrugada da terça-fei-ra, 16 de setembro, esse mesmo coraçãonão resistiu e Diaféria faleceu em suacasa, na cidade de São Paulo, aos 75 anos,em decorrência de problemas cardíacos.

Apesar dos problemas de saúde, Di-aféria continuava em atividade. Mesmoa Noite Sem Luar Tem Lua (Editora Boi-tempo) foi lançado ainda neste ano, comcrônicas escritas nos anos 1970 e que re-tratam o mundo político e o cotidianodo principal palco do jornalista: a cida-de de São Paulo. Da cobradora de ôni-bus que ajuda uma mãe a trocar a rou-pa do bebê a uma carta que escreveu acerto general avisando que alguma coisacheirava mal nos porões da ditadura,está Herói, Morto, Nós, publicada naFolha de S. Paulo, em agosto de 1977.

O texto elogiava a bravura de um sar-gento, Sílvio Hollenbach, que se sacrifi-cou ao salvar uma criança, no zoológicode Brasília. Ao perceber o menino no poçodas enfurecidas ariranhas, o militar pu-lou lá e conseguiu resgatá-lo. Mas elemesmo não teve tal sorte e acabou mor-rendo em decorrência das mordidas.

Em meio à exaltação do sargento, queteria pulado sem medir as conseqüên-cias por alguém que nem conhecia, Di-aféria disse que o Brasil precisaria deheróis assim e não aqueles “estáticos efundidos em metal”. Referia-se a uma

Adeus aocronista da

vida anônimaLourenço Diaféria, o homem que

desafiou a ditadura com seus textos,morre em São Paulo aos 75 anos.

VidasVidas

Não me venham com besteiras de di-zer que herói não existe. Passei metade dodia imaginando uma palavra menos des-gastada para definir o gesto desse sargen-to Sílvio, que pulou no poço das ariranhas,para salvar o garoto de catorze anos, queestava sendo dilacerado pelos bichos.

O garoto está salvo. O sargento morreue está sendo enterrado em sua terra.

Que nome devo dar a esse homem?Escrevo com todas as letras: o sargen-

to Silvio é um herói. Se não morreu naguerra, se não disparou nenhum tiro, senão foi enforcado, tanto melhor.

Podem me explicar que esse tipo deheroísmo é resultado de uma total incons-ciência do perigo. Pois quero que se lixemas explicações. Para mim, o herói – comoo santo – é aquele que vive sua vida atéas últimas conseqüências.

O herói redime a humanidade à deriva.Esse sargento Silvio podia estar vivo da

Herói. Morto. Nóssilva com seus quatro filhos e sua mulher.Acabaria capitão, major.

Está morto.Um belíssimo sargento morto.E todavia.Todavia eu digo, com todas as letras:

prefiro esse sargento herói ao duque deCaxias.

O duque de Caxias é um homem a ca-valo reduzido a uma estátua. Aquela espa-da que o duque ergue ao ar aqui na PraçaPrincesa Isabel – onde se reúnem os ciga-nos e as pombas do entardecer – oxidou-se no coração do povo. O povo está can-sado de espadas e de cavalos. O povo uri-na nos heróis de pedestal. Ao povo desgos-ta o herói de bronze, irretocável e irretor-quível, como as enfadonhas lições repeti-das por cansadas professoras que não acre-ditam no que mandam decorar.

O povo quer o herói sargento que sejacomo ele: povo. Um sargento que dê as

estátua do patrono do Exército, Duquede Caxias, um monumento com altu-ra comparável a um prédio de dez an-dares, na Praça Princesa Isabel, centrode São Paulo. Tal declaração soou comouma afronta às Forças Armadas.

Enquadrado na Lei de Segurança Na-cional, o jornalista foi processado e con-denado a oito meses de prisão. A deten-ção em sua casa surpreendeu os colegasde redação e, no dia seguinte, o espaçode sua coluna na Folha veio em branco.Diaféria foi inocentado apenas em 1979.

Anão no circo– Sua matéria-prima era a vida e ele

sabia contá-la de forma singela, mes-clando informação, sensibilidade, crí-tica e emoção. Também era figura hu-mana da maior autenticidade. Sua de-missão, por exemplo, deu-se no banhei-ro da Redação, num episódio que oMino Carta chamaria de emblemáticodos tempos em que manda quem podee obedece quem tem juízo. Ao ser co-brado por um chefe, que mais tarde setornaria celebridade, por não entregarsuas crônicas no horário e com núme-ro certo de linhas, ele tripudiou: ‘Pos-so não cumprir suas ordens, mas eu

pelo menos sei escrever, você não...’.Como tinha razão, foi demitido no ato,mas continuou ganhando a vida fazen-do o que sabia como ninguém: contaras histórias do cotidiano. – escreveu ojornalista Ricardo Kotscho, em seu blog.

Nascido no bairro do Brás, São Pau-lo, em 28 de agosto de 1933, o contis-ta, cronista e autor de livros infantisiniciou a carreira em 1956, no jornalFolha da Manhã, atual Folha de S. Pau-lo. Ao longo da carreira, Diaféria traba-lhou também no Diário Popular, hojeDiário de S. Paulo, no Diário do GrandeABC e no Jornal da Tarde. Neste, escre-veu certa vez: “Acho que jornal é comoum circo. A crônica é o intervalo dogrande espetáculo. Não resolve nada,apenas serve para dar tempo do sujei-

to ir lá fora, comprar amendoim, tomarcafé, espreguiçar-se”. Sempre bem hu-morado, ele se comparava aos anõesque distraem o público enquanto semonta a jaula dos leões.

Além da imprensa escrita, Diafériaatuou também nas Rádios Excelsior,Gazeta, Record e Bandeirantes, e na TVGlobo. Suas crônicas e textos se espa-lharam por diversos livros: Um Gato naTerra do Tamborim (1976), Circo dosCavalões (1978), A Morte Sem Colete(1983), A Longa Busca da Comodidade(1988), O Invisível Cavalo Voador – Fa-las Contemporâneas (1990), Papéis Ínti-mos de um Ex-boy Assumido (1994), OImitador de Gato (2000), Brás – Sotaquese Desmemórias (2002) e o derradeiroMesmo a Noite Sem Luar Tem Lua.

mãos aos filhos e à mulher, e passeie in-cógnito e desfardado, sem divisas, entreseus irmãos.

No instante em que o sargento – ape-sar do grito de perigo e de alerta de suamulher – salta no fosso das simpáticas eferozes ariranhas, para salvar da morte ogaroto que não era seu, ele está ensinan-do a este país, de heróis estáticos e fun-didos em metal, que todos somos respon-sáveis pelos espinhos que machucam ocouro de todos.

Esse sargento não é do grupo do cam-balacho.

Esse sargento não pensou se, para serhonesto para consigo mesmo, um cida-dão deve ser civil ou militar. Duvido, e façopouco, que esse pobre sargento morto fezrevoluções de bar, na base do uísque e dafarolagem, e duvido que em algum instan-te ele imaginou que apareceria na primei-ra página dos jornais.

É apenas um homem que – como dis-se quando pressentiu as suas últimasquarenta e oito horas, quando pressentiu

o roteiro de sua última viagem – não po-dia permanecer insensível diante de umacriança sem defesa.

O povo prefere esses heróis: de carnee sangue.

Mas, como sempre, o herói é reconhe-cido depois, muito depois. Tarde demais.

É isso, sargento: nestes tempos cruéis eembotados, a gente não teve o instante dete reconhecer entre o povo. A gente não dis-tinguiu teu rosto na multidão. Éramos ir-mãos, e só descobrimos isso agora, quan-do o sangue verte, e quanto te enterramos.O herói e o santo é o que derrama seu san-gue. Esse é o preço que deles cobramos.

Podíamos ter estendido nossas mãos ete arrancando do fosso das ariranhas –como você tirou o menino de catorze anos– mas queríamos que alguém fizesse ogesto de solidariedade em nosso lugar.

Sempre é assim: o herói e o santo é oque estende as mãos.

E este é o nosso grande remorso: o defazer as coisas urgentes e inadiáveis – tar-de demais.

FOLH

A IMAG

EM

Diafériana Folha

de S.Pauloem 1978.

44 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

VidasVidas

A Fernando Barbosa Lima, pi-oneiro e mestre do jornalismo

eletrônico de qualidade, a saudade dosseus companheiros da Associação Bra-sileira de Imprensa.” Com esta sauda-ção, inscrita numa coroa de flores, a ABIdespediu-se em 6 de setembro de Fer-nando Barbosa Lima, Presidente de seuConselho Deliberativo, que foi veladono Cemitério São João Batista, em Bo-tafogo, Zona Sul do Rio, onde se suce-deram cenas de emoção, e cremado noMemorial do Carmo, no Caju, ZonaNorte da cidade. Fernando morreu defalência múltipla dos órgãos na noiteanterior no Hospital Pró-Cardíaco, tam-bém em Botafogo, no qual estava inter-nado havia cerca de dez dias.

Ao velório de Fernando comparece-ram dezenas de jornalistas que traba-lharam com ele no setor de Jornalismode diferentes emissoras de TV, comoRoberto D’Ávila, seu sócio em produ-toras de televisão e seu parceiro eminúmeros programas, como Conexãointernacional; Aristóteles Drummond,Berto Filho, Christina Maluhy, DécioLopes, George Vidor, Nélson Hoineff,Radamés Vieira, Raquel Boechat, Ro-gério Monteiro de Souza e Sandra Tra-verso, entre outros.

Também compareceram os Diretoresda ABI Maurício Azêdo, Presidente, eJesus Chediak, Diretor de Cultura eLazer, e companheiros de Fernando emórgãos colegiados da Casa, como Aluí-zio Maranhão, Amicucci Gallo, ChicoCaruso, Dácio Malta, Mário AugustoJakobskind e Sérgio Caldieri, além deamigos dele de outras áreas, como o ex-Deputado Vivaldo Barbosa e o cardio-logista Roberto Hugo. Em nome daAssociação Brasileira de Emissoras deRádio e Televisão-Abert, seu Vice-pre-sidente Flávio Cavalcânti Júnior apre-sentou condolências à família.

Além da ABI, mandaram coroas oGovernador do Estado do Rio, SérgioCabral; Cláudio e Roberto D’Ávila;João Uchoa, Presidente da Universida-de Estácio de Sá; a própria UniversidadeEstácio de Sá; Sérgio Pugliese e BethGarcia; Intervisão; Bar 20, em nomedos companheiros de boemia de Fer-nando na juventude; Márcia e Ziraldo,que se encontrava em Montevidéu epediu a Márcia, sua esposa, que o re-presentasse na cerimônia fúnebre.

Fernando Barbosa Lima era um dosmais destacados realizadores da televi-são brasileira, para a qual produziu, nosanos 60, programas que marcaram épo-ca pelo domínio da técnica jornalísticae pelo alto teor de criatividade, comoJornal de Vanguarda, Preto no Branco eSem Censura, entre outros. Nos anos 80,ainda sob o domínio da ditadura mili-tar, ele criou e produziu o programaAbertura, no qual apresentava temas epersonalidades colocados no índex doregime, como o cineasta Gláuber Rocha,

FernandoBarbosa Lima,um pioneiro

e mestreO jornalismo brasileiro e a ABI

perderam em setembroum dos seus mais notáveis

profissionais da comunicação.

que mostrava um personagem popularque atendia pelo nome de Brizola, en-tão um dos políticos mais perseguidos.

Nos últimos anos, ele produziu umasérie de dvds sob o título geral Gran-des Brasileiros, na qual apresentava abiografia e a trajetória política e inte-lectual de personalidades da vida pú-blica, como Barbosa Lima Sobrinho,seu pai, Tancredo Neves, Darcy Ribei-

ro, Ziraldo e Sérgio Cabral, e estavaultimando um dvd sobre o ex-Presiden-te e Senador José Sarney. O dvd deSérgio Cabral foi lançado três semanasantes de seu passamento em concorri-do ato na sede da ABI, ao qual ele nãopôde comparecer em razão de gravesproblemas de saúde que já apresenta-va. Sua última aparição pública foi em20 de junho, quando participou, no

Recife, do Seminário Nacional 200Anos de Imprensa no Brasil, que, pro-movido pela Fundação Joaquim Nabu-co e pelo Governo de Pernambuco, tevecomo grande homeageado BarbosaLima Sobrinho.

Fernando foi eleito Presidente doConselho Deliberativo da ABI em maiode 2007 e teve o seu mandato renova-do em maio deste ano.

FernandoBarbosa Lima,um pioneiro

e mestre

CARLOS IVAN/AGÊNCIA O GLOBO

45Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

Sem ele, atelevisão perdecriatividade einteligência

POR MARCOS STEFANO

Fernando Barbosa Lima costumavadizer que a televisão precisa ser oxige-nada pelas idéias dos profissionais maisjovens, para não ficar cada vez maisidiota. Tinha toda razão. Mas com isso,provou também que a idade nunca foium empecilho para o trabalho das ra-ras ilhas de inovação e idealismo emmeio ao mar da mesmice e do sensaci-onalismo que invade a mídia com seusreality shows e exposição da intimida-de das celebridades. Ele era uma dessasilhas. Criador de mais de 100 programasem diversas emissoras, visionário e ino-vador, o filho de Alexandre José Barbo-sa Lima Sobrinho foi um criador do jor-nalismo eletrônico. A exemplo do pai,enfrentou sem medo a ditadura. “Afinal,de que vale a imprensa se não servir opovo brasileiro?”, perguntava com co-nhecimento de causa. Foi nessa missãoque ele permaneceu até o fim, seja pro-duzindo biografias de grandes nomes davida pública brasileira, seja presidindoo Conselho Deliberativo da ABI. Suamorte, no dia 5 de setembro, no HospitalPró-Cardíaco, em Botafogo, no Rio, emdecorrência de falência múltipla dosórgãos, veio como uma surpresa.

A criatividade e a busca do novo sem-pre fizeram parte da personalidade deFernando Barbosa Lima. Como dizia umperfil do jornalista, publicado pelo Es-tadão em 2003, “de TV, ele entendetudo”. Apesar de ter começado na tele-visão muito jovem, quando o veículoainda era em preto-e-branco e não exis-tia o videoteipe, nos últimos temposestava na vanguarda do mundo digital.Com “um milhão de idéias sempre pron-tas para serem colocadas em prática”.

Quando teve a primeira chance na TV,aos 20 e poucos anos, como conta, Fer-nando Barbosa Lima rapidamente setornou diretor do programa Preto no Bran-co, da TV Rio. Nele, apostou em Oswal-do Sargentelli, com sua voz grave, entre-vistando grandes personalidades. Numaépoca em que só havia formatos enges-sados, o programa fazia o inusitado, aodeixar o entrevistado de pé no cenáriovazio, apenas ouvindo as perguntas.

Seria o primeiro de muitos, bem maisrevolucionários. Na Excelsior, ainda nosanos 60, Fernando criou o Jornal daVanguarda, talvez o programa mais pre-miado da História da televisão brasileira.Reunia oito ou nove importantes nomesdo jornalismo em um estúdio, ao vivo,para dar as notícias. Entre eles estavamMillôr Fernandes, Sérgio Porto, Villas-Bôas Corrêa, Borjalo, Appe, Célio Mo-reira, João Saldanha, Cid Moreira e Tar-císio Holanda, entre outros.

popular de nome Brizola, na época umdos políticos mais perseguidos.

A inspiração para se arriscar tantovinha de casa. Para Fernando, o pai, Bar-bosa Lima Sobrinho, foi seu grandeexemplo: – Ele era um homem que sem-pre lutou por suas idéias e pelo País. Ar-riscando tudo, caso fosse preciso. Paramim, foi um grande exemplo de digni-dade, ética, honradez e cidadania.Aprendi a gostar de livros e do Brasil.– disse ele certa vez, em entrevista aoJornal da ABI.

Fernando sempre se considerou umprodutor independente. Dizia ter maisde 40 anos no mercado. Mas foi nosúltimos anos que assumiu de fato acondição, por meio de sua produtora, aFBL, produzindo uma série de dvds so-bre “Grandes Brasileiros”, mesclandobiografia e a trajetório política e intelec-tual de personalidades como TancredoNeves, Darcy Ribeiro e José Sarney – queainda estava em produção.

A primeira a ser produzida foi jus-tamente a saga de Barbosa Lima Sobri-nho, reunida em mais de 30 horas deprogramas de televisão, entre entrevis-tas, depoimentos e participações espe-ciais. O último foi do jornalista SérgioCabral, pai do Governador do Estado

do Rio, lançado em um concorrido atona sede da ABI. Fernando, no entanto,não esteve presente. Desde 20 de ju-nho, quando participou, no Recife, doSeminário Nacional 200 Anos de Im-prensa no Brasil, promovido pela Fun-dação Joaquim Nabuco e pelo Gover-no de Pernambuco, ele já não apareciaem público; já sofria os efeitos de gra-ves problemas de saúde, que se agrava-riam ainda mais e o levariam para ohospital, dez dias antes de sua morte.

Durante o velório, realizado noCemitério São João Batista, e na ceri-mônia de cremação, realizada no Me-morial do Carmo, a emoção predomi-nou. Dezenas de jornalistas prestaramhomenagem ao mestre e amigo de tan-tos anos. No ar, a saudade de quem setornou conhecido como o “realizador”da televisão brasileira. Na memória, acontundência de suas palavras:

“Telejornalismo não é apenas darmanchetes ou fazer sensacionalismo.Jornalismo deve ser feito com corageme opinião, vindo a público para discu-tir os grandes assuntos. Não só mostrarem profundidade, mas também escla-recer a verdade”.

Esse testemunho o tempo não vaitirar do ar.

– Esse foi o jornal mais inteligenteque já apareceu na TV brasileira. Podiaser evidente, mas apenas o FernandoBarbosa Lima conseguiu ver: se jornalé para dar notícia, quem dá a notícia éo repórter. O locutor apenas o apresen-ta ou lê aquelas notas, quando não háimagens ou existe somente o vídeo. Foia primeira grande revolução do Fernan-do, dando origem ao moderno forma-to dos noticiários e promovendo locu-tores de talento, como o Cid Moreirae o Fernando Garcia. – conta Villas-Bôas Corrêa, Conselheiro da ABI.

Outro Conselheiro da ABI, TarcísioHolanda, também relembra alguns dosjornalísticos produzidos por Fernando.Para ele, eram algumas das melhoresatrações da televisão nos anos 50 e 60:– Programas como Encontro com a Im-prensa eram muito vivos e dinâmicos.O Fernando criava tão bem para a TVquanto para o rádio. Era um homem deesquerda, que não convivia com a extre-ma-direita. Tinha uma visão humanís-tica do mundo. Era capaz de descobrirem cada pessoa a capacidade de desem-penhar o papel que ele queria. Sem fa-lar, nos seus desenhos brilhantes e tex-tos bonitos e curtos que redigia.

Desafio à ditaduraEm sua carreira, Fernando dirigiu as

TVs Excelsior, Manchete e Bandeiran-tes. Presidiu por duas vezes a TV Edu-cativa do Rio, hoje incorporada à TVBrasil. Criou outros programas que fi-zeram história. O Cara a Cara consa-grou Marília Gabriela. O Sem Censurafez tanto sucesso, que está no ar até hoje.Porém, nenhum causou tanta polêmi-ca como o Abertura, na Tupi, em fins dosanos 70, começo dos 80. Em um perío-do ainda dominado pela ditadura mili-tar, a atração apresentava temas e per-sonalidades colocados no índex do regi-me, como Ziraldo e o cineasta GláuberRocha, que mostrava um personagem

Fernando era muitocarinhoso com afamília e com os

amigos, comoRoberto D'Ávila, seu

companheiro e sócioem inúmeros projetos

para a televisão (noalto, à esquerda).

Tinha amor eadmiração pelo pai,

Barbosa LimaSobrinho, a quemmostra o neto (à

direita). Era fraternocom amigos como

Sérgio Cabral e ZuenirVentura (ao lado).

ARQU

IVO PESSO

AL

46 Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

VidasVidas

demos, meu pai morreu e está sempreao meu lado.”

– Acho que este poema – disse Kon-der – e os depoimentos dados aquimostram claramente que o Fernandomorreu, mas está e estará sempre aonosso lado.

O Presidente da ABI saudou a presen-ça dos Conselheiros Villas-Bôas Corrêae Arnaldo César Jacob na reunião e disseque sentiu demais a morte de Fernan-do Barbosa Lima, uma pessoa que até osúltimos momentos em vida, apesar daidade (74 anos), tinha grande capacida-de de criação e a vitalidade de um jovem:– Foi um choque o passamento do Fer-nando Barbosa Lima. Embora ele já ti-vesse ultrapassado a casa dos 70 anos,como muitos de nós, eu pessoalmente,Fernando guardava uma vitalidade euma capacidade de criação típica de umjovem de 30 ou 40 anos.

Maurício destacou os projetos emque Fernando estava envolvido, comoa produção de videodocumentários queabordam aspectos contemporâneos davida política brasileira, um deles emhomenagem ao também ConselheiroSérgio Cabral, lançado em 18 de agos-to, num ato que lotou ABI e que infe-lizmente não pôde contar com a pre-sença de seu realizador, que já se encon-trava muito doente:

– Fernando foi um grande realizadorde audiovisuais e programas jornalísti-cos da televisão, como já foi mencionadoaqui anteriormente. Era uma criaturasuave e, como o Arnaldo César menci-onou em relação ao Visconti, era tam-bém um professor, mas despojado dequalquer idéia de apresentar uma supe-rioridade sobre os seus companheiros,interlocutores e colegas de trabalho.

Disse Maurício que Fernando era umhomem sábio, “mas não ostentava asua sabedoria de forma que pudesserepresentar uma diminuição da auto-estima dos companheiros com os quaisconvivia. Ele destacou também que,nos dois últimos anos, Fernando Bar-bosa Lima teve atuação destacadacomo Presidente da Mesa do ConselhoDeliberativo da Casa, ao lado de LêninNovaes e Zilmar Borges Basílio:

– Desde os primeiros momentos elerevelou a preocupação de dar ao nos-so Conselho uma relevância que fugissedas preocupações miúdas da adminis-tração rotineira da Casa e nos propor-cionasse o acesso e a possibilidade dediscussão de questões da maior impor-tância para a ABI, para a comunidadejornalística e para o País.

Ao fim da reunião, os ConselheirosFrancisco de Paula Freitas e Mário Au-gusto Jakobskind e o Diretor de Cul-tura e Lazer da ABI Jesus Chediak, tam-bém se pronunciaram em homenagema Fernando Barbosa Lima lembrandosuas realizações e os projetos que gos-taria de executar na Casa do Jornalis-ta, como a TV ABI.

O Conselho Deliberativo tambémhomenageou dois outros companhei-ros: Antônio Roberto Salgado da Cu-nha, o Cunhão, e Fausto Wolff.

Em sua sessão de setembro, realiza-da no dia 30, o Conselho Deliberativoda ABI prestou homenagem póstumaao seu Presidente, Fernando Barbosa Li-ma, e ao jornalista Antônio Roberto Sal-gado da Cunha, o Cunhão, membro doConselho e grande colaborador da Casa.Convidados a se manifestar sobre Fer-nando Barbosa Lima, os ConselheirosVillas-Bôas Corrêa e Tarcísio Holandarecordaram os bons momentos em quetiveram a oportunidade de trabalharcom ele, por ambos lembrado como umadas figuras mais criativas e empreende-doras da mídia, principalmente da tv.

Villas-Bôas falou sobre o livro dememórias de Fernando, Nossas CâmerasSão Seus Olhos, que teve a honra de pre-faciar, e dos programas jornalísticos cri-ados pelo colega, que conheceu na casado pai, Barbosa Lima Sobrinho, onde iafreqüentemente para trocar idéias. Dis-se Villas-Bôas que a relação entre os doisse estreitou com um convite especial:

– Considero o Fernando BarbosaLima uma das mais lúcidas inteligênciascom quem já trabalhei, inteligência quefoi cultivada para exercitar-se naquiloque ele mais gostaria de fazer. O Fernan-do foi basicamente um homem de tele-visão. Na verdade, tudo começou quan-do o Tarcísio, em nome do Fernando, foime convidar para participar do Jornal deVanguarda, que foi o jornal mais revo-lucionário e inteligente que apareceu atéhoje na televisão brasileira.

Disse Villas-Bôas que o programa jor-nalístico, exibido pela antiga Excelsior,foi o primeiro a observar algo até então

tos, juntamente com o Borjalo, que tal-vez tenha sido o maior chargista brasi-leiro, embora com uma visão muito tristeda vida. O Borjalo servia aos propósitosdo Fernando Barbosa Lima, que era umgrande criador em matéria de televisão.

Tarcísio lembrou também o progra-ma Preto no Branco, na antiga TV Rio,acrescentando que algumas das melho-res atrações daquela emissora, nas dé-cadas de 50 e 60, foram produzidas porFernando:

– Eram programas jornalísticos mui-to vivos, entre os quais Encontro com aImprensa, que era superdinâmico. O Fer-nando era isso, um belíssimo criador deprogramas excelentes, tanto para o rá-dio quanto para a televisão. Era aindaum homem de esquerda que não con-vivia com pessoas de extrema-direita.Ele tinha uma visão humanística domundo. Era capaz de descobrir em cadapessoa a capacidade de desempenhar opapel que ele queria. A morte dele mechocou. Eu pensei que ele ia viver cemanos, como o pai dele viveu.

Arnaldo César destacou ainda a cri-ação do Sem Censura, no fim dos anos70: – Estávamos em plena censura nes-te País e o programa está no ar até hoje.É por isso que eu faço questão de regis-trar o reconhecimento das centenas deamigos que ele deixou na TV Educati-va, que hoje se chama TV Brasil.

Rodolfo Konder pediu a palavra ecitou um verso de um poema de JorgeLuis Borges, “A posse do ontem”, quediz: “Somente aquilo que morreu énosso, só é nosso de fato aquilo que per-

Villas-Bôas, Tarcísio e Arnaldo César, quetrabalharam com ele na televisão, exaltam suacriatividade, seu despojamento e sua liderança.

Os companheiros deFBL traçam seu perfil

inédito na tv do Brasil: – Estava tão evi-dente que ninguém enxergava: se jornalé para dar notícia, quem dá notícia é orepórter e o locutor apresenta o repór-ter ou lê aquelas notícias das quais elenão pode ter conhecimento direto. En-tão, a primeira grande revolução do Fer-nando na televisão foi aproveitar oslocutores, entre os quais Cid Moreira eFernando Garcia, a mais assombrosamemória de televisão que eu conheci.

Villas-Bôas fez questão ainda de res-saltar o dinamismo de Fernando Barbo-sa Lima, que, “com muita simplicidade,deu uma grande contribuição ao jorna-lismo”: – Ele criou mais de cem progra-mas de televisão, quase todos de mui-to sucesso. Foi um grande amigo que eureencontrei um pouco antes de elemorrer. E fui surpreendido com a mor-te dele, de que tomei conhecimentopelos jornais, no dia seguinte. Presteiminha homenagem a ele em um artigono Jornal do Brasil, e aproveito esta opor-tunidade para renovar este depoimen-to de pura emoção, de pura saudade.

DinamismoTarcísio Holanda contou que conhe-

ceu Fernando Barbosa Lima em 1963,na TV Excelsior, cuja sede ficava naAvenida Venezuela, no Centro do Rio.O canal, que surgiu com novas propos-tas, tinha direção artística de MiguelGustavo e grandes nomes, como CésarLadeira e Edson Silva, que faziammuito sucesso no rádio:

– O Fernando era um desenhista bri-lhante, redator de textos bonitos e cur-

ROG

ERIO

CAR

NEIRO

/FOLH

A IMAG

EM

47Jornal da ABI 333 Setembro de 2008

O jornalista e escritor Faustin VonWolffenbüttel, ou simplesmente Faus-to Wolff, nunca abriu mão de suas idéi-as. Manteve-as sem nenhuma vacila-ção e era um autêntico militante da es-querda tradicional, mesmo com os ven-tos da globalização soprando cada vezmais fortes e trazendo profundas mu-danças sociais após a queda do Murode Berlim e o fim da União Soviética.Sua morte, aos 68 anos, na noite 5 desetembro, em decorrência de disfunçãomúltipla dos órgãos, no Rio, foi maisum duro golpe para o jornalismo naci-onal, tão carente da franqueza e auten-ticidade que o “Velho Lobo” trazia comonenhum outro em seus textos.

Além de autor de mais de 20 livrosde ficção e de crônicas, com temas queiam da política ao romance, Wolff tor-nou-se conhecido pelo trabalho deeditor de O Pasquim, que dividiu comZiraldo e Jaguar. O jornal alternativofoi a mais conhecida e influente publi-cação de oposição ao regime militar quegovernou o Brasil de 1964 a 1985. Fi-cou consagrado perante o grande pú-blico também por suas colunas emgrandes jornais como O Globo, Jornaldo Brasil, Diário da Noite e Tribuna daImprensa. Nelas, defendia opiniões po-lêmicas e independentes, que lhe vali-am tanto elogios quanto críticas:

– Como eu dizia aqui, antes de serinterrompido por 20 anos de ditaduramilitar e 20 de ditadura branca, talvezainda haja salvação para o Brasil. Sim,mas precisa ser drástica, se não quiser-mos que, desesperado pela dor da fome,

o povo desça e o resto dance. O jorna-lismo pode ser uma solução. Outro diaperguntaram-me se era possível voltara fazer do JB o melhor jornal do Brasil.Sim, por dois motivos: primeiro, porcausa do insípido e medíocre panora-ma da nossa imprensa; segundo, se re-colocarmos a mocinha, a heroína, aestrela, no centro do palco. Estou mereferindo à verdade, pois o jornal deveser advogado do povo, e não imitar asgrandes corporações, que só têm com-promisso com o lucro e desabam sobreo próprio peso, enquanto a maioria doscolunistas fala de uma vida que nãoviveu – escreveu certa vez Wolff noJornal do Brasil.

A sinceridade aliada à voracidadeeram características desconcertantesem suas obras. Assim com a defesa te-naz que fazia da causa palestina: – Euo conheci na redação de O Pasquim, naRua Saint Romain, em Copacabana, enos dávamos muito bem. Ele era da tribodos brasileiros que são grandes, talen-tosos e criativos. Trabalhava o tempotodo e era tido como um cara sério,embora ele mesmo não se levasse a sé-rio – conta o cartunista Chico Caruso.

Temperamento forteWolff era casado com a psicanalis-

ta e escritora Mônica Tolipan e tinhaduas filhas. Desde sua estréia no jorna-lismo, ainda com 14 anos, como repór-ter policial do Diário de Porto Alegre,mostrou seu forte temperamento. Em1958, com apenas 18 anos, veio para oRio de Janeiro, onde trabalhou em vá-

rios jornais e nas revistas Manchete e OCruzeiro. Suas opiniões também come-çaram a aparecer na televisão, com oJornal de Vanguarda, de Fernando Bar-bosa Lima, a partir de 1963.

Com a censura, exilou-se para aEuropa em 1968. De lá, colaborou des-de 1969 com O Pasquim. Mas também,nos dez anos que passou na Dinamar-ca e Itália, foi diretor de teatro, profes-sor de Literatura nas Universidades deCopenhague e Nápoles e começou aatuar no cinema, trabalho que se esten-deria pelas décadas seguintes. Na vol-ta ao Brasil, trabalhou em O Globo e noJornal do Brasil, mas depois passou a sededicar à imprensa independente, emespecial ao Pasquim. Foi um dos prin-cipais apoiadores de Leonel Brizola emsua primeira eleição para o Governo doEstado do Rio de Janeiro, em 1982, esua reeleição, em 1990. A partir dessaexperiência, organizou em 1985 Rio deJaneiro, um Retrato: a Cidade ContadaPor Seus Habitantes, considerado umdos mais completos retratos sociológi-cos da cidade e uma autêntica home-nagem do intelectual e jornalista gaú-cho ao povo que o adotou.

Os últimos anos de Fausto Wolffforam dedicados à literatura, às colu-nas no JB e a experiências alternativascomo a revista de humor e políticaBundas e o periódico Pasquim 21. Hádois anos ele vinha lutando contra umatromboembolia pulmonar. Sofreu umderrame, mas recuperou-se e aindabrincou com o incidente no Caderno B,para o qual escrevia diariamente. Desta

vez, o problema foi mais grave. Inter-nado no Hospital São Lucas, em Copa-cabana, Zona Sul do Rio, no dia 31 deagosto, com hemorragia digestiva,entrou em coma no dia 5 de setembrocom quadro de insuficiência respirató-ria e faleceu no começo da noite.

– O Fausto teve uma importânciaúnica no jornalismo brasileiro. Ele re-presentava uma geração de jornalistasque tinham coragem, que não se ven-diam e lutavam pelos excluídos. Faus-to era inconformado com as injustiçasdo mundo, e, ao mesmo tempo, erauma criança, um infante, uma figuraterna. – afirma o jornalista e publici-tário Francisco de Paula Freitas, mem-bro do Conselho da ABI e autor doprefácio na obra Venderam a Mãe deGentil, de Wolff.

O texto derradeiro do “Velho Lobo”,publicado ainda em 5 de setembro, noCaderno B, era quase um manifesto. Emostrava exatamente essas qualidades,que predominaram em seus 54 anos decarreira: – Já escrevi em algum lugarque, enquanto não nos revoltarmoscontra o conceito de democracia queconsidera sagrado o direito de umaminoria escravizar o resto, jamais che-garemos à condição de seres humanos.Enquanto não se der a revolução dahumanidade contra a tirania, enquantodeixarmos que nos humilhem para quepossamos continuar vivendo, teremosde suportar algumas imperfeições, cer-tos espinhos colocados em nossos sa-patos ainda na infância que não pode-mos ou queremos tirar.

Perdemos Fausto Wolff, editor deO Pasquim, semanário celebrizadopor sua atuação contra a ditaduramilitar, e até o fim dos seus dias,

passados mais de 40 anos, um dosjornalistas mais combativos do Brasil.

Perdemos Fausto Wolff, editor deO Pasquim, semanário celebrizadopor sua atuação contra a ditaduramilitar, e até o fim dos seus dias,

passados mais de 40 anos, um dosjornalistas mais combativos do Brasil.

FERN

AND

O M

AIA - AGÊN

CIA O

GLO

BO