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Maio/Junho de 2005 • Número 300 Jornal da ABI Órgão Oficial da Associação Brasileira de Imprensa Em uma cobertura de guerra, o repórter tem que saber mais do que apenas jornalismo para voltar para casa vivo. Nesta reportagem, Wil- liam Waack (à esquerda da foto), Joel Silveira (à direita), Luiz Edgar de Andrade e outros veteranos do front contam como conquistaram o cobiçado título de corresponden- te de guerra. Páginas 3, 4, 5, 6 e 7 REPÓRTERES NO FRONT O drama dos jornalistas pelo mundo A ABI proporcionou a seus as- sociados e ao público em ge- ral, nos meses de maio e junho, uma série de espetáculos de música popular brasileira, res- gatando uma tradição de apoio e incentivo à cultura nacional. Em maio, apresentaram-se no Música de Raiz na ABI o can- tor e compositor Luiz Carlos da Vila, que abriu a série, e Monarco, que divertiu a pla- téia contando histórias de quando foi contínuo da ABI. Em junho, apresentaram-se Cláudio Jorge, Marcos Nim- richter, Caio Márcio, Moacyr Luz e Wilson Moreira. Páginas 19, 20 e 21 O pretexto da internacionaliza- ção é ameaça à Amazônia, adver- tiu em conferência na ABI o Gene- ral Cláudio Barbosa de Figueiredo, Comandante Militar da região. Página 32 General alerta para ameaça à Amazônia A partida inaugural do I Torneiro Aberto de Sinuca Maestro Vila-Lobos foi um show à parte, na ABI. Paulinho da Viola (à direita) e Toquinho (à esquerda), grandes astros da MPB, brindaram o público com um talento a mais, enfrentando-se em uma partida que teve até torcida organizada. Página 18 Estágio na imprensa: como chegar lá Não é fácil chegar lá: a cada ano, nada menos de 8 mil candidatos disputam as vagas dos cursos das grandes empresas de comunicação do Rio e de São Paulo. Páginas 14 e 15 Um contundente relatório sobre assassinatos de jornalistas em todo o mundo revela que a corrupção e a parcialidade da Justiça estão en- tre as maiores causas da impuni- dade. Dos 78 mortos em 2004, três são brasileiros. Páginas 28, 29 e 30 Show de sinuca com astros da música MÚSICA DE RAIZ NA ABI ARTE FRANCISCO UCHA Dia da Imprensa turvado pela censura Páginas 26 e 27

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Maio/Junho de 2005 • Número 300

Jornal da ABIÓrgão Oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Em uma cobertura de guerra, orepórter tem que saber mais do queapenas jornalismo para voltar paracasa vivo. Nesta reportagem, Wil-liam Waack (à esquerda da foto),Joel Silveira (à direita), Luiz Edgarde Andrade e outros veteranos dofront contam como conquistaramo cobiçado título de corresponden-te de guerra. Páginas 3, 4, 5, 6 e 7

REPÓRTERES NO FRONT

O drama dosjornalistaspelo mundo

A ABI proporcionou a seus as-sociados e ao público em ge-ral, nos meses de maio e junho,uma série de espetáculos demúsica popular brasileira, res-gatando uma tradição de apoioe incentivo à cultura nacional.Em maio, apresentaram-se noMúsica de Raiz na ABI o can-tor e compositor Luiz Carlosda Vila, que abriu a série, eMonarco, que divertiu a pla-téia contando histórias dequando foi contínuo da ABI.Em junho, apresentaram-seCláudio Jorge, Marcos Nim-richter, Caio Márcio, MoacyrLuz e Wilson Moreira.

Páginas 19, 20 e 21

O pretexto da internacionaliza-ção é ameaça à Amazônia, adver-tiu em conferência na ABI o Gene-ral Cláudio Barbosa de Figueiredo,Comandante Militar da região.

Página 32

General alertapara ameaçaà Amazônia

A partida inaugural do I Torneiro Abertode Sinuca Maestro Vila-Lobos foi um show à parte, na ABI. Paulinho da Viola (à direita) e Toquinho (à esquerda),grandes astros da MPB, brindaram o público com um talento a mais, enfrentando-se em uma partida que teve atétorcida organizada. Página 18

Estágio na imprensa: como chegar láNão é fácil chegar lá: a cada ano,

nada menos de 8 mil candidatosdisputam as vagas dos cursos dasgrandes empresas de comunicaçãodo Rio e de São Paulo.

Páginas 14 e 15

Um contundente relatório sobreassassinatos de jornalistas em todoo mundo revela que a corrupção ea parcialidade da Justiça estão en-tre as maiores causas da impuni-dade. Dos 78 mortos em 2004, trêssão brasileiros.

Páginas 28, 29 e 30

Show de sinuca com astros da música

MÚSICA DERAIZ NA ABI

ARTE FRAN

CISCO

UC

HA

Dia da Imprensa turvado pela censuraPáginas 26 e 27

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Jornal da ABI

2 Maio/Junho de 2005

NESTA EDIÇÃO

Jornal da ABI

Associação Brasileira de Imprensa

Correspondentes de guerra - Vivendo a morte de perto 3O mistério da leitura 8A festa de Albeniza, repórter há 57 anos 9Audálio, novo Vice-Presidente 10Ivan Proença, novo Presidente do Conselho 12Na TV, a contribuição negra à nossa cultura 13

A nova cara do Caderno B 13O jornalismo depois da faculdade 14Dois ases da música num duelo diferente 18A Rainha Isaurinha revivida por Rosamaria 18Música de raiz na ABI 19Saudade de Brizola lota o auditório da ABI 21União para lembrar Tim 23José Inácio Werneck dá um passeio pelo Rio 23A lei de reparação moral é incompleta, diz Geraldão 24Kajuru ganha hábeas-corpus 25Conselho de Cultura repele a volta da censura 25Clima de liberdade de expressão está turvado 26“O Brasil é filho da imprensa” 27“A impunidade vive enquanto jornalistas morrem” 28“Morte vigia o País” 29Um matador condenado 30Jornalista quer assassino julgado 30Inácio de Alencar - Uma vida partida ao meio 31

Amazônia - Uma região sob cobiça 32

Amazônia sem retórica

EDITORIAL

Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andarTelefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012Rio de Janeiro - RJ ([email protected])

Diretor responsável: Maurício AzêdoEditora: Joseti MarquesProjeto gráfico, diagramação eeditoração eletrônica: Francisco UchaImpressão: Gráfica LanceRua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ.

As reportagens e artigos assinados não refletemnecessariamente a opinião do Jornal da ABI.

DIRETORIA – MANDATO 2004/2007Presidente: Maurício AzêdoVice-presidente: Audálio DantasDiretora Administrativa: Ana Maria Costábile SoibelmanDiretor Econômico-Financeiro:Diretor de Assistência Social: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer:Diretora de Jornalismo: Joseti Marques

CONSELHO CONSULTIVOChico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira,Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura

CONSELHO FISCALJesus Antunes – Presidente, Miro Lopes – Secretário,Adriano Barbosa, Hélio Mathias, Henrique João Cordeiro Filho,Jorge Saldanha e Luiz Carlos Oliveira Chester

CONSELHO DELIBERATIVO (2004-2005)Presidente: Ivan Cavalcanti Proença1º Secretário: Carlos Arthur Pitombeira2º Secretário: Domingos Xisto da Cunha

Conselheiros efetivos (2005-2008)Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, AraquémMoura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, CarlosArthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, FernandoBarbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo,Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho

Conselheiros efetivos (2004-2007)Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin,Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel doAmaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, JoséRezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura,Sérgio Cabral e Teresinha Santos

Conselheiros efetivos (2003-2006)Antonio Roberto da Cunha, Aristélio Travassos de Andrade,Arnaldo César Ricci Jacob, Carlos Alberto Caó Oliveira dosSantos, Domingos João Meirelles, Fichel Davit Chargel, GlóriaSueli Alvarez Campos, João Máximo, Jorge Roberto Martins,Lênin Novaes de Araújo, Moacir Andrade, Nilo Marques Braga,Octávio Costa, Vitor Iorio e Yolanda Stein

Conselheiros suplentes (2005-2008)Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de PaulaFreitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz,José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone,Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedrodo Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J.Magalhães

Conselheiros suplentes (2004-2007)Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois,André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho,José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto,Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind,Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes

Conselheiros suplentes (2003-2006)Antônio Avellar C. Albuquerque, Antônio Calegari, AntônioHenrique Lago, Antonio Roberto Salgado da Cunha, DomingosAugusto G. Xisto da Cunha, Hildeberto Lopes Aleluia, JoséCarlos Rego, Lorimar Macedo Ferreira, Luiz Carlos de Souza,Marco Aurélio B. Guimarães, Marcus Antônio M. de Miranda,Mauro dos Santos Vianna, Pery de Araújo Cotta, RogérioMarques Gomes, Rosângela Soares de Oliveira e RubemMauro Machado

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAEly Moreira – Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José ErnestoVianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio CândidoFerreira

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan AlvesFilho e Paulo Totti

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSArthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro,Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy MaryCarneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário AugustoJakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles,Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

ERRATANa edição número 299, foi omitido na lista de votantes na eleição de abril passa-do o nome do consócio Hitler Litaiff

Têm um sentido de convocação para uma mobilização nacional, talcomo a da campanha O Petróleo é nosso, as advertências que um emi-nente chefe militar, o General Cláudio Barbosa de Figueiredo, Coman-dante Militar da Amazônia, vem fazendo acerca dos perigos e ameaçasque envolvem e rondam essa região do País, sem que a consciência naci-onal tenha idéia e informações sobre a magnitude desses riscos.Não se criou, ainda, como necessário, um clamor público em defesa

da região, submetida a um processo permanente de pilhagem, como aescandalosa exportação ilegal de madeiras, precedida de umdesmatamento altamente criminoso, que não parece impressionar nemcomover as autoridades ditas responsáveis, especialmente as do Ministé-rio do Meio Ambiente, da Polícia Federal e do Ministério Público da União,que não se deram conta da gravidade da obra predatória em curso numafaixa do território nacional que se estende por seis Estados e abriga umapopulação de cerca de 13 milhões de habitantes. A ineficácia é a principalmarca da atuação do Poder Público na região.É confortador verificar que dessa anomalia, dessa omissão sistemática

na defesa do interesse nacional, não participa o Exército Brasileiro, que,através do Comando Militar da Amazônia, tem clareza acerca da impor-tância estratégica, econômica e social da região, como ficou evidente naminuciosa exposição que o General Cláudio Barbosa de Figueiredo fez emsua conferência na ABI, no dia 2 de junho, ao desenvolver o tema A Ama-A Ama-A Ama-A Ama-A Ama-

zônia Que os Brasileiros Desconhecemzônia Que os Brasileiros Desconhecemzônia Que os Brasileiros Desconhecemzônia Que os Brasileiros Desconhecemzônia Que os Brasileiros Desconhecem. O Exército, sublinhou o General,atua como Estado na Amazônia, mas sua ação, dizemos nós, tem de sercomplementada em caráter permanente pela de outros órgãos, que nãopodem continuar a oferecer o quadro desolador com que se apresentam àcomunidade nacional, em que há retórica demais e Governo de menos.A ABI vai ferir este tema com insistência, em coerência com o seu

passado de defesa do interesse nacional, para proclamar que, assim comosustentou na luta pelo petróleo é nosso nos anos 40 e 50, a Amazônia énossa e tem de ser defendida não com declarações platônicas, mas comações concretas, cuja implementação urgente reclamamos.

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3Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

����� Maria Vitória VélezAVENTURA

VIVENDO A MORTE DE PERTOTestemunhos de quem enfrenta conflitos por dever de ofício

A cobertura de uma guerra é o

ponto alto na carreira de um cor-

respondente internacional. Ao

lado do prestígio profissional, esse

desafio, considerado único por

quem o vive, traz um risco cada

vez maior para os profissionais

dispostos a enfrentá-lo.

Embora arriscar a vida seja algo inerente aotrabalho dos jornalistas que cobrem conflitos,atualmente no Iraque eles têm-se tornado alvofreqüente de seqüestros e assassinatos. Segun-do o último relatório da ong francesa Repór-teres Sem Fronteiras, o Iraque aparece, pelosegundo ano consecutivo, como o lugar maisperigoso do mundo para o exercício da profis-são. Desde o início da guerra, há dois anos, 58jornalistas e colaboradores foram mortos, 23seqüestrados e ainda há dois desaparecidos.

Como conseqüência, o trabalho dos corres-pondentes tem-se limitado ao “engajamento”(acompanhamento) de tropas americanas ouao “jornalismo de hotel”, em que os repórte-res apuram as matérias pelo telefone, confi-nados em seus quartos de hotel, como denun-ciou Robert Fisk, do jornal The Independent,em artigo publicado na edição de 23 de janei-ro da Folha de S. Paulo. Em ambos os casos, aimparcialidade fica comprometida, já quegrande parte da informação procede de fon-tes militares americanas ou do governo provi-sório iraquiano, patrocinado por Washington.

Cobrindo diferentes áreas de enfrenta-mento em épocas e regiões distintas, os jor-nalistas Joel Silveira, William Waack, LuisEdgard de Andrade, Beatriz Lecumberri e An-tonio Scorza contam aqui suas experiênciasem campo, sua rotina de cobertura, as dificul-dades encontradas e as estratégias criadas parao desenvolvimento desse trabalho.

A escritora e também jornalista PaulaFontenelle fala da manipulação da mídia peloexército britânico e americano na guerra doIraque descrita em seu livro, Iraque: A Guer-ra Pelas Mentes (Editora Sapienza) e levantaa questão: como é possível fazer uma cober-tura de guerra com isenção?

William

Waack:

“É forte adisputa, pelavaidade emenos pelavontade decumprir umamissãoprofissional”

Para se cobrir uma guerra, ofuturo correspondente pre-cisa apresentar a sua candi-datura. Pode parecer difícil

de acreditar, mas a cobertura de con-flitos é disputadíssima. Muitos jor-nalistas precisam apresentar-se maisde uma vez até serem enviados. Enão que as diárias pagas justifiquem.Em uma agência de notícias inter-nacional como a France-Presse, porexemplo, paga-se entre US$ 60 eUS$ 110 por dia numa coberturacomo a guerra no Iraque. Algumasvezes, cabe ao próprio jornalista pa-gar suas despesas com alimentaçãoe hospedagem. Além disso, as segu-radoras brasileiras não aceitam fa-zer seguro para jornalistas que co-brem guerras, devido ao risco demorte de quase 100%. As motiva-ções, no entanto, são as mais varia-das: idealismo profissional, prestígioe, muitas vezes, vaidade.

“É forte a disputa, pela vaidade emenos pela vontade de cumprir uma

missão profissional”, avalia o pres-tigiado jornalista William Waack, daRede Globo, com uma vasta expe-riência após a cobertura de oito con-flitos para jornais e televisão, seis noOriente Médio e dois nos Bálcãs.

“Muitos colegas querem ir para aguerra apenas pelo que consideramvalorização do prestígio pessoal e fa-zem de conta que estiveram na co-bertura do conflito para acrescentarao currículo o título correspondente deguerra”, afirma Waack.

Para outros, como no caso do ve-terano jornalista Luís Edgard de An-drade, que foi cobrir a guerra doVietnã por conta própria, a motiva-ção foi “a paixão e a aventura” queaquele conflito despertava na gera-ção de 1968.

“A guerra do Vietnã significou paraos jornalistas, nos anos 60, o que aguerra da Espanha tinha simboliza-do, nos anos 30, para a geração deHemingway, Kostler e Malraux: ummomento de paixão e aventura. Os

Um clique de Scorza: mujahedin exibe as botas de motorista morto em Abu Ghraib, oeste de Bagdá, abril de 2004.

ANTO

NIO

SCO

RZA/AFP

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Jornal da ABI

4 Maio/Junho de 2005

são da coalizão liderada pelos ame-ricanos no Iraque, em 2003, e osatentados terroristas da Al-Qaedaem Istambul, em novembro daque-le ano, e em Madri, em 11 de marçode 2004.

“No trabalho de campo que fiz noIraque e na Palestina as fontes foramrelativamente fáceis de encontrar.Coloquemos um exemplo: uma ci-dade palestina cercada pelo exércitoisraelense. Se estamos dentro da ci-dade, as fontes são as autoridades lo-cais, os médicos – se houver ong, ain-

da melhor – e o en-carregado israelensepela operação mili-tar ”, conta Beatriz.Na atual situação deguerra de guerrilhaque se observa no Ira-que, no entanto, o pa-norama é diferente.

“A busca da notí-cia, que em si já éuma das atividadesmais perigosas domundo, torna-se mor-tal numa guerra deguerrilhas, em que os

repórteres e fotógrafos estão obriga-toriamente no meio da ação que pre-tendem documentar”, analisa o ve-terano jornalista Joel Silveira, queaos 85 anos lembra quando tinha 26e cobriu, para os Diários Associados,a Segunda Guerra Mundial.

“A última guerra com um front tra-dicional foi a Segunda Guerra Mun-dial”, lembra Joel. Ele explica que aausência de um front tradicional, aoaumentar a vulnerabilidade dos in-vasores, “também coloca, de certaforma, a imprensa na alça de mira,já que nunca se sabe onde vai se dara ação”.

É o que confirma o fotojornalistaAntonio Scorza, que cobriu tambémpara a AFP o conflito naquele paísentre março e junho de 2004. Expe-riente em grandes coberturas inter-

nacionais, mais recentemente a Copado Mundo do Japão/Coréia de 2002e as Olimpíadas de Atenas-2004 eSydney-2000, Scorza se define comoum correspondente de pós-guerra.

“Numa situaçãode guerra, a pautaestá clara porque hádois lados em con-flito e o jornalistaacompanha um des-ses lados. Quandoestive no Iraque, oconflito era de guer-rilha, com a resistên-cia iraquiana ata-cando as forças deocupação. Neste ca-so, convive-se comuma total desorga-nização e a únicapossibilidade para um jornalista oci-dental é ficar ‘engajado’, acompa-nhando as patrulhas feitas pelas tro-pas. Nessa situação caótica, a orga-nização da cobertura se dá da seguin-te forma: os iraquianos trabalham nacidade e os ocidentais ficam acampa-dos com as tropas”, explica.

Ele lembra ter sido fundamentala presença de um intérprete, porquemesmo que falasse árabe por ser oci-dental sempre era visto como al-guém estranho, de fora, e os iraquia-nos tinham receio de passar qualquerinformação e serem tomados comoespiões. As diferenças culturais tam-bém podem representar uma barrei-ra para o trabalho de um correspon-dente de guerra, ainda mais se formulher. Nestes casos, é muito im-portante conhecer o contexto dopaís e adaptar-se a ele.

“Em Basra, no Sul do Iraque, ter-ra de xiitas, mesmo coberta da ca-beça aos pés com uma túnica, euera como uma prostituta paraaqueles homens, que cercavam oautomóvel. Eles nunca tinham vis-to uma mulher viajando com umhomem que não fosse seu marido,usando calças debaixo da túnica eque, além disso, trabalhava. Foi hor-rível, na verdade”, conta Beatriz.

Joel Silveira:“A últimaguerra comum fronttradicionalfoi a SegundaGuerraMundial”

jornais dedicavam uma página pordia a esse conflito”, explica.

Seja pela motivação que for, umavez na zona de conflito o jornalistaprecisa desenvolver estratégias parafazer bem o seu trabalho: conhecero terreno, levantar fontes, estabele-cer relacionamento com os corres-pondentes antigos e jornalistas lo-cais. Em empresas com estrutura in-ternacional, como grandes jornais,agências de notícias ou emissoras deTV internacionais, a logística da co-bertura se concentra em escritóriosno local ou próximosda área de conflito

É lá que se organi-za o trabalho e se de-cide, por exemplo, seo jornalista sairá“engajado” (acompa-nhando) com as tro-pas ou se fará cober-tura na rua, o quenem sempre é possí-vel. Os jornalistasconcordam em quenuma situação deguerra declarada asfontes e as pautas nãosão difíceis de se encontrar

“As pautas costumam ser óbvias,as fontes são quase as mesmas, osconflitos se parecem muito na sua‘técnica’ de cobertura. Em geral, asinformações ‘políticas’ e ‘abrangen-tes’ estão perto dos centros de po-der políticos, militares e religiosos(em alguns casos é a mesma pessoa).As pautas humanas, digamos assim,dependem do olho do repórter”, ex-plica Waack.

A opinião de Waack é corroboradapela espanhola Beatriz Lecumberri,uma jovem veterana na cobertura deguerras e conflitos. Correspondenteda AFP, sediada em Paris, ela traba-lhou três anos no escritório da em-presa no Rio de Janeiro. Recente-mente, cobriu os conflitos nos terri-tórios palestinos ocupados, a inva-

William Waack cobriu oito conflitos para jornal e tv, seis no explosivo Oriente Médio.

“Mas depois”, acrescenta, “em lu-gares santos do xiismo, como Najafou Kerbala, ninguém me agrediu. Fi-cava coberta com a minha túnica ne-gra e me deixavam em paz. Não me

incomodava usá-la.É uma questão derespeito e, sobretu-do, se assim possotrabalhar tranqüilae caminhar sem pro-blemas pelas ruas,então tudo bem”.

A participaçãofeminina em co-berturas de guerradata da SegundaGuerra Mundial(1939-1945). Na-quela época, contaa jornalista e escri-

tora Paula Fontenelle, “dezenas demulheres lutaram pelo direito de par-ticipar da cobertura. No final do con-flito, pelo menos 127 americanas ha-viam adquirido a credencial de cor-respondente de guerra, e algumas in-clusive atuaram no front”.

No entanto, conta Paula, “as re-gras eram diferentes para jornalistasmulheres. O acesso a alguns lugaresera privilégio dos homens e, em vá-rias ocasiões, os militares não con-cediam às mulheres credenciais parapermitir a entrada em outros países”.

Hoje, apesar de existir uma certaresistência nas redações para enviaruma correspondente para cobriruma guerra, Beatriz conta que há umnúmero cada vez maior de mulhe-res repórteres, fotógrafas e cinegra-fistas cobrindo conflitos. O fato deser mulher, diz, não interfere na qua-

lidade do trabalho daprofissional.

Antonio Scorza:“Quando há umenfrentamento,tudo acontecemuito rápido.O fotógrafoprecisa registraro momento”

Joel Silveira, quecobriu a II Guerra

Mundial na Itália: naguerra atual o repórter

também é alvo.

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Jornal da ABI

“Acho que a cobertura de conflitosmudou desde que o olho da mulherestá presente. Houve uma reviravol-ta na informação; a mulher conta coi-sas que talvez um homem não con-taria”, destaca. “A mulher que cobreuma guerra se adapta às circunstân-cias com a mesma facilidade que ohomem ou até com mais paciênciaem determinadas ocasiões”.

Paciência, aliás, é a regra da rela-ção repórter/fotógrafo na coberturade conflitos, diz Beatriz. “Se é preci-so fazer uma cobertura em dupla, épreciso ser muito paciente. Saber queos tempos são diferentes e os inte-resses, muitas vezes, também. Nor-malmente, onde se obtêm as melho-res declarações não estão as melho-res fotos; portanto, resta aos dois es-perar e se respeitar”, afirma.

O repórter fotográfico AntonioScorza explica bem a diferença entretexto e imagem numacobertura de guerra:

“Quando há umenfrentamento, tudoacontece muito rápido.Disparar uma armadura apenas alguns se-gundos. O repórter po-de esperar o desenrolarda situação, inclusivepara obter maiores in-formações. O fotógra-fo, por outro lado, pre-cisa registrar o mo-mento do disparo. Se ele se atrasar,tudo o que ele terá será a arma fu-megante ou um tanque circulando”.

Scorza foi o autor da foto exclusi-va da AFP, capa em vários jornais domundo, em que um mujahedin (com-batente muçulmano) aparece segu-rando as botas de um motorista oci-dental morto após ataque a um com-boio de abastecimento de combus-

tíveis na estrada entre Bagdá eFallujah. Este dia, em que casual-mente se encontrava na rota onde

aconteceu o ataque, elediz ter sido seu grandemomento profissionale o mais arriscado dacobertura.

Para ele, o segredode uma boa foto é a an-tecipação dos aconte-cimentos, tanto paradecidir como se prote-ger quanto para se terum bom enquadra-mento. A proteção éfundamental, porque

numa cobertura de guerra, explicaScorza, além de perder a visão peri-férica, por estar com a câmera juntoao rosto, o fotógrafo usa lentes cur-tas, que dão maior mobilidade, masdeixam o profissional mais vulnerá-vel por precisar se aproximar da si-tuação a ser registrada. Além disso,lembra ele, à distância, a lente dacâmera se parece com um RPG

(lançador portátil de granadas), tor-nando o fotógrafo ou cinegrafistaum alvo preferencial.

“Vários fotógrafos e cinegrafistasforam mortos por este motivo”, re-vela. A recomendação,nestes casos, é deixarclaro quem você é.“Quanto mais o jorna-lista se identificar, me-lhor”, diz ele, que res-salta a importância deo correspondente sepreparar em cursos es-pecíficos que oferecemtreinamento para jor-nalistas que cobremconflitos. Embora nãotenha participado denenhum, ele salientaque os conhecimentospassados por colegasque tiveram a oportu-nidade de fazê-los foram muito im-portantes.

Concentrados nos Estados Uni-dos e na Europa, esses cursos foram

criados por ex-militares para mi-nimizar os riscos de corresponden-tes de guerra serem feridos ou mor-tos durante a cobertura. Ali os jor-nalistas aprendem a escapar do fogocruzado, como reconhecer as traje-tórias das balas, as últimas inovaçõestecnológicas da indústria bélica, aprocurar áreas protegidas durante acobertura, além de primeiros socor-ros, como evitar e eventualmente ne-gociar um seqüestro, prevenir-se dearmas químicas, etc.

Com duração média de cinco dias,os cursos custam em média de 2 mila 5 mil dólares. Um dos mais conhe-cidos, o Ake (Awardeness, Knowledgeand Excellence), foi criado em 1991por ex-militares das forças de elitedo exército britânico. A princípio, ocurso era oferecido para executivose diplomatas que seriam enviadospara áreas hostis, mas passou a serministrado também para jornalistas,depois de um período especialmen-

te mortal para essesprofissionais em mea-dos da década de 90, es-pecificamente durantea guerra da Somália,em 1993.

Luis Edgar de An-drade, que, além doVietnã, cobriu a Guer-ra dos Seis Dias, entreIsrael e os países ára-bes, em 1967, observauma diferença na co-bertura dos enfrenta-mentos, causada pelaprópria transformaçãoda guerra.

“Numa guerra con-vencional, pressupõem-se certas re-gras como o respeito aos prisionei-ros e aos não-combatentes, protegi-dos pela Convenção de Genebra. Na

Beatriz Lecumberri, da France Presse, na linha de fogo de Basra, Iraque, maio de 2003.

Os cursos para trabalho em área de alto risco ensinamos jornalistas a reconhecer as trajetórias das balas, a avaliara espessura de uma parede e, portanto, sua capacidadepara suportar o impacto de um projétil, buscar áreas prote-gidas para fazer sua cobertura, sobre os últimos lançamen-tos da indústria bélica, a se defender de tentativas de se-qüestro, se prevenir de armas químicas e como escapar dofogo cruzado.

Oferecidos por ex-militares, custam entre 2 mil e 5 mildólares e têm duração média de cinco dias. A maioria estácom inscrições abertas para todo o ano de 2005.

• Ake (AAke (AAke (AAke (AAke (Awareness, Knowlegde and Excellence)wareness, Knowlegde and Excellence)wareness, Knowlegde and Excellence)wareness, Knowlegde and Excellence)wareness, Knowlegde and Excellence) –www.akegroup.com — Criado por ex-militares britânicos daSAS (força de elite do exército britânico), dura cinco dias eé ministrado nas trincheiras da empresa, em Hereford, In-glaterra.

• Centur ion Risk Assessment Serv ices Ltd.Centur ion Risk Assessment Serv ices Ltd.Centur ion Risk Assessment Serv ices Ltd.Centur ion Risk Assessment Serv ices Ltd.Centur ion Risk Assessment Serv ices Ltd. –www.centurion-riskservices.co.uk — Ministrado por ex-inte-grantes de comandos da Marinha Real Britânica.

• PilgPilgPilgPilgPilgrims Group rims Group rims Group rims Group rims Group — www.pilgrimsgroup.com - Ofereci-do por ex-oficiais britânicos.

• Praetor ian Internat ional Praetor ian Internat ional Praetor ian Internat ional Praetor ian Internat ional Praetor ian Internat ional – www.praetorian-international.com — Oferecido por ex-integrantes das For-ças Especiais do exército americano.

• TTTTTravel Advisory Group Inc. ravel Advisory Group Inc. ravel Advisory Group Inc. ravel Advisory Group Inc. ravel Advisory Group Inc. – www.traveladvisorygroup.com— Oferecido por ex-integrantes das Special Forces da Mari-nha Americana.

• Caecopaz (Centro Argentino de TCaecopaz (Centro Argentino de TCaecopaz (Centro Argentino de TCaecopaz (Centro Argentino de TCaecopaz (Centro Argentino de Treinamento Conjun-reinamento Conjun-reinamento Conjun-reinamento Conjun-reinamento Conjun-to para Operações de Pto para Operações de Pto para Operações de Pto para Operações de Pto para Operações de Paz)az)az)az)az) — www.caecopaz.mil.arg – Fun-ciona no centro militar do Campo de Maio, localizado a 20km de Buenos Aires. O curso para jornalistas em ambien-tes hostis é ministrado por ex-integrantes das três armas(Exército, Marinha e Aeronáutica), policiais federais, civis eex-membros das forças multinacionais de paz de Brasil, Ar-gentina, França, Bolívia, Canadá, Inglaterra e Estados Uni-dos, que atuaram em missões de paz da Onu.

• A Sociedade Interamericana de Imprensa (SI A Sociedade Interamericana de Imprensa (SI A Sociedade Interamericana de Imprensa (SI A Sociedade Interamericana de Imprensa (SI A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)P)P)P)P) -www.sipiapa.org — está considerando oferecer ainda esteano o curso de Jornalismo em Ambientes Hostis, tanto emBuenos Aires (Caecopaz), quanto em Virgínia (Centurion),sem custo para os participantes. No entanto, os interessa-dos só podem participar através de convite da Sip ao órgão

Cursos para jornalistas em áreas de conflitode informação. As datas ainda não foram definidas. Maio-res informações através do correio eletrônico:[email protected]

Guias rápidos• www.centurion-riskservices.co.uk/mediasafetynet —

Área de conteúdo da empresa Centurion Risk Assessment,em que são publicados relatórios sobre o que está acon-tecendo em áreas de risco no mundo, que cuidados deveter o jornalista ao viajar para estes lugares, etc.

• Guia para reportagens em regiões arriscadas do Co-mitê para a Proteção dos Jornalistas. www.cpj.org/Briefings/2003/safety/journo_safe_guide.pdf. Criado pelo ComitêPara Proteção de Jornalistas (CPJ) – www.cpj.org – , ongfundada por jornalistas americanos em 1981, com sedeem Nova York. O documento oferece informações bási-cas sobre como trabalhar em áreas de risco.

• Centro Dart Jornalismo/Trauma — O sitewww.dartcenter.org traz informações sobre as experiênciasde jornalistas que cobrem guerras e conflitos. Traz dicas decoberturas e como abordar sobreviventes de um ataque.

Paula Fontenelle: um livro dedenúncia da manipulação da

mídia na guerra do Iraque.

PaulaFontenelle:“Mulhereslutaram pelodireito departicipar dacobertura”

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Jornal da ABI

6 Maio/Junho de 2005

guerra do Vietnã os corresponden-tes de guerra eram, de certo modo,ainda respeitados, tanto pelos ame-ricanos como pelos guerrilheirosvietcongs. Hoje, como se viu no Afe-ganistão e agora no Iraque, os jorna-listas passaram à categoria dos alvospreferenciais. Matar jornalista dámanchete de jornal no dia seguin-te”, analisa.

É essa situação de risco permanen-te que tem provocado sérias limita-ções na cobertura da atual guerra doIraque, restrita agora para os ociden-tais ao engajamento e ao chamado“jornalismo de hotel”, como indicouo jornalista Robert Fisk, do diário in-glês The Independent.

“Jornalismo de hotel é a única ex-pressão que cabe. Mais e mais, os jor-nalistas ocidentais em Bagdá estãorealizando seu trabalho dos hotéis,em lugar de saírem às ruas das cida-des iraquianas”, denunciou Fisk emseu artigo “Risco cria ‘Jornalismo deHotel’ no Iraque”, publicado na edi-ção de 23 de janei-ro de 2005 do jornalFolha de S. Paulo(página A23).

As ameaças aosjornalistas ociden-tais são tão graves,diz Fisk, que “diver-sos jornalistas oci-dentais simples-mente não saem deseus quartos, du-rante seu períodocomo correspondentes em Bagdá”.“Assim, muitos repórteres se vêemreduzidos a telefonar para as ForçasArmadas norte-americanas ou ao go-verno ‘provisório’ iraquiano de seusquartos de hotel , ou aceitam as in-formações de seus correspondentesintegrados a unidades norte-ameri-canas, ou seja, só retratam o ladonorte-americano da situação”, la-mentou.

É dessa parcialidade na cobertu-ra que fala a jornalista brasileiraPaula Fontenelle no livro Iraque: AGuerra Pelas Mentes, em que denun-cia a manipulação da mídia por par-te dos militares britânicos e ameri-canos durante a guerra no Iraque.Para chegar a essa conclusão, ela en-trevistou 18 correspondentes de seisveículos britânicos (The Guardian,The Daily Mirror, The Sun, TheIndependent, ITV News e sistemaBBC), além de coordenadores demídia do Ministério da Defesa bri-tânico

“O sistema de engajados queacompanhavam a guerra junto às tro-pas resultou numa cobertura que fu-gia da isenção defendida pela maio-ria dos jornalistas”, afirma Paula, ob-servando que a opinião pública foideterminante para a diferença de

tratamento da mídia por parte dosaliados.

“Bush não se preocupou tantocom a cobertura do seu país, já que70% dos americanos apoiavam a

guerra. Mas dianteda grande resistên-cia antiguerra en-frentada pelo Go-verno Blair o exér-cito britânico deci-diu aumentar o nú-mero de vagas para‘engajados’ nastropas, a fim deconquistar a sim-patia dos jornalis-tas e, conseqüente-

mente, uma cobertura mais positi-va”, explica.

No livro consta uma declaração àautora do Coordenador de Comuni-cação do Ministério da Defesa bri-

tânico, Coronel David Howard, quedeixa claras as razões da autoriza-ção para que um número sem prece-dentes de jornalistas ficasse enga-jado às tropas:

“O motivo que nos fez adotar osistema é porque acreditamos quenos rende reportagens positivas (...)Os jornalistas queriam ir ao campode batalha, queriam imagens, e essesistema era a forma mais fácil de al-cançar isso com um certo grau de se-gurança... nós queríamos uma cober-tura positiva e nós sabíamos queconseguiríamos dessa forma. Sabía-mos, porque sempre conseguimos”.

Para alguns jornalistas, a mani-pulação dos militares ficou muitoevidente.

“Não quis viajar com as tropasamericanas por essa razão. Paramim, cobrir uma guerra é contarquem são suas vítimas, não quem

são os que a provocam. Acho que ainformação difundida das unidadesmilitares foi pouca e parcial. Muitasvezes os jornalistas não tinhamcomo divulgar outro tipo de infor-mação, outras vezes nem se davamconta de que estavam sendo mani-pulados. Os americanos levaramconsigo jornalistas para que contas-sem um determinado lado dessaguerra e só esse lado da ofensiva”,afirma Beatriz Lecumberri.

O fotojornalista Antonio Scorza,que acompanhou várias patrulhas– americanas e britânicas – ao lon-go da cobertura, conta que emboranão houvesse uma ordem diretapara filtrar as informações existiusim um controle velado. O jorna-lista, explica, precisava solicitar pre-viamente seu ingresso na tropa euma vez aceito era como um hós-pede dos militares, com os quaisprecisava manter um bom relacio-namento para se manter ali. Estespesquisavam tudo o que aquele jor-nalista publicava e deixavam claroque seu trabalho estava sendo ob-servado.

Apesar disso, para Paula Fonte-nelle, ainda é possível encontrarexemplos de jornalismo isento du-rante a guerra.

“O melhor modelo a que tive aces-so foi o adotado pelo jornal britâni-co The Guardian. Eles conseguiramter repórteres de todas as categori-as: embutidos (engajados); na Uni-dade Móvel de Transmissão; inde-pendentes espalhados por váriospontos do Iraque; no Centro de Mí-dia, em Qatar; e no hotel Palestina.Desta forma, o jornal conseguiu con-textualizar a guerra com amplitude.”

Luís Edgar cobriu a guerra do Vietnã por conta própria, movido pelo desejo de aventura.

Luís Edgarde Andrade:“Os jornalistaspassaram àcategoria dealvos principais”

O risco daaventura:

barbudo, osdentes

maltratados,Luís Edgar ésocorrido no

Vietnã.

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7Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

A cobertura de guerras legou àHumanidade dois dos maiores gênios daliteratura universal. No Brasil, o escritorEuclides da Cunha cobriu a Guerra deCanudos, em 1897, como enviado do jornalO Estado de S.Paulo. A partir de suasanotações escreveu Os Sertões (1902), em queexplica a guerra como o embate entre doisprocessos de mestiçagem: a litorânea e asertaneja

Um dos principais representantes da“geração perdida”, ciclo literário norte-americano iniciado nos anos 20, ErnestHemingway também começou sua carreirade escritor no front. Cobriu para a AssociaçãoNorte-americana de Jornais a Guerra CivilEspanhola (1936-1939) e em agosto de 1944,no fim da Segunda Guerra, foi o primeirocorrespondente aliado a entrar em Paris.

Na fotografia, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson e Alberto Korda eternizaram comsuas lentes momentos que se tornaramhistóricos.O húngaro Capa (1913- 1954)registrou com sua máquina alguns dosgrandes acontecimentos da história mundial:a Guerra Civil Espanhola, a invasão da Chinapelo Japão, em 38, o desembarque dosaliados na Normandia, em 1944, e o nascimento do Estado de Israel, em1949. Costumava dizer “se a foto não está boa é porque não chegueiperto o suficiente”. Coerente até o fim, morreu em 1954 ao pisar numamina durante cobertura da Guerra da Indochina

O francês Cartier-Bresson, morto em 2004, começou sua carreira em1931. Registrou com sua Leica os últimos dias da Revolução Chinesa,em 1949, e a Índia de Ghandi, inclusive o líder momentos antes de seuassassinato, em 1948. Em 1947, fundou ao lado de Capa, George Rodger

e Davi Seymour a agênciaMagnum, que detém oacervo fotográfico maisexpressivo da história doséculo XX.

O cubano Alberto DíasGutierrez (1928-2001) ficoumundialmente famoso aotirar a foto mais conhecidado líder revolucionárioErnesto Che Guevara para ojornal Revolución. Ementrevista recente concedidaao jornalista Jose Aurélio Paz,do jornal cubano Invasor,Korda, como era conhecido,explicou da seguinte formacomo conseguiu a fotohistórica:

“Esta foto foi um acaso dodestino. Cinco de março de1960. Ato pelo enterro das

vítimas da explosão do vapor La Coubre e Fidel fala ao povo. É aprimeira vez que pronuncia a famosa frase ‘Pátria ou Morte!’ Lá estoueu, no meio da multidão, como mais um, com uma câmera Leica,tirando fotos para o jornal (Revolución). O Che, que não gostava nada de

aparecer, estava na segunda fila da tribuna enão era visto. Mas, num determinadomomento, ele vai para a frente para ver a irado povo com aquele atentado doimperialismo ianque que causou um grandenúmero de vítimas. Eu, que estouacompanhando com a minha máquina aspersonalidades da tribuna, me surpreendicom o seu olhar e apertei o obturador. Sótive tempo de fazer dois cliques, poisimediatamente o Che voltou para o seulugar”.

Em seu livro Iraque: A Guerra Pelas Mentesa jornalista Paula Fontenelle traça umhistórico da cobertura de guerras; o primeiroregistro de cobertura data da guerra daCriméia (1854-1856).

“Foi uma cobertura limitadíssima. Dosjornais britânicos, apenas o The Timesregistrou o conflito, mas a censura foiimposta rapidamente devido à posturacrítica da mídia. A participação da imprensacresceu rapidamente. Na Guerra CivilAmericana (1861-1865), por exemplo, maisde quinhentos jornalistas estiverampresentes na região Norte dos EstadosUnidos. Naquele tempo, os veículos de

comunicação contratavam ilustradores para registrar as imagens”,conta. Paula afirma que houve inúmeras mudanças no trabalho doscorrespondentes de guerra desde então.

“Grande parte das mudanças, tanto dolado da mídia, quanto dos governosenvolvidos no conflito, ocorreu devido aosavanços tecnológicos. Dos ilustradores daGuerra Civil Americana evoluímos para afotografia, o rádio, os filmes (bastanteutilizados como instrumentos de propagandade guerra nos dois conflitos mundiais), atransmissão ao vivo via satélite e agora aInternet, que possibilita a difusão imediata eirrestrita do fato”.

Quanto aos governos, analisa a autora,“houve evoluções e involuções. A guerra doVietnã foi um marco no retrocesso dacobertura. Paradoxalmente, também foi ummarco na liberdade de imprensa. Explico:quando a mídia americana acordou para oabsurdo daquele conflito, partiu para o ataqueao governo dos Estados Unidos (que até hojeculpa a imprensa pela derrota). A reação dogoverno americano foi limitar seus canais decomunicação com a mídia em guerrasposteriores. Esse retrocesso tem um nome naliteratura que trata da propaganda de guerra:chama-se ‘Síndrome do Vietnã’.”

Além de Paula Fontenelle, que fazminuciosa análise das motivações dos EstadosUnidos para invadir o Iraque, também LuísEdgar de Andrade está presente nas livrariascom uma obra sobre guerra, esta em tomromanesco, com sua aventura no Vietnã.

Euclides da Cunha, Hemingway, Capa, Korda, Bresson

O LEGADO DO FRONT

É uma guerra dura, dizia a revista Life de 31 de janeiro de 1944com ampla reprodução da foto de Robert Capa feita nas

trincheiras da Europa, pouco antes da invasão da Normandia.

O cubano Korda fez apenas dois cliquesdo Che e assim gerou a foto mais

reproduzida no mundo.

Dois trabalhos sobrejornalismo, guerras e

papel da mídia nosconflitos: Paula Fontenelle,

analisando a invasão doIraque, e Luís Edgar,

contando o que viu eviveu no Vietnã.

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Jornal da ABI

8 Maio/Junho de 2005

O mistério da leitura

�����Luíza MarianiARTIGO

Ler encerra um segredo nos temposque correm em nossa sociedade.Quem sabe um receio, na era da velo-cidade da informação, de “perder mui-to tempo lendo um livro”. Ou de pres-sentir que no momento da leituraacontece alguma coisa que es-capa, que não é possível con-trolar. A questão salta aosolhos (ou aos ouvidos) dequem prestar atenção nascampanhas em favor da lei-tura veiculadas sistemati-camente pelo governo atra-vés da televisão. Encontra-mos aí um paradoxo inte-ressante para pensar.

Andei comentando comamigos acerca dessa campa-nha. Estão todos a favor. Mas quandoindaguei a respeito do motivo da cam-panha, quer dizer, da importância da lei-tura, ficaram surpresos. A campanhamartela um refrão: a necessidade de secriar o hábito da leitura. Mas não dizpor quê. “É isso mesmo, e daí, ler paraque, afinal?”, perguntou-me uma ami-ga psicanalista. Ela disse que costuma-va ficar curiosa cada vez que ouvia acampanha pró-leitura na televisão.

No momento que vivenciamos si-lenciar acerca da importância da lei-tura tem um peso cultural na medidaem que desvela um modo de ser, deestar no mundo da nossa sociedade.Decidiu-se pelo silêncio. Quem deci-diu não foi apenas a empresade publicidade contratada. Foitambém quem, no governo,deu aval para o filme ir para oar. O responsável por este avalpoderia ser um técnico de-savisado. Bem, mas o contra-tante final, as autoridades res-ponsáveis pela educação e pelacultura em nosso País, tam-bém concordou.

Teríamos que supor entãoque as autoridades desconhecem que aimportância da leitura transcende osimples hábito de ler. Ou talvez não te-nham prestado a devida atenção nomaterial de publicidade. Mas é inegá-vel que ocorreu um não-ver, ou não-perceber. Também é sintomático quequem assiste não escreva uma cartinhapara as colunas dos leitores, movidopela curiosidade de saber por que a lei-tura é tão importante. Quer dizer, opúblico compactua com o silêncio.

Este comportamento faz parte domodo de estar no mundo de nossa so-ciedade hoje. Fica encoberto pelo filtroda ideologia. É coisa do dia-a-dia, tãoóbvia que ninguém vê, ninguém se dáconta. É bom pararmos para pensar aeste respeito. Afinal, há um bom tem-po quem gosta de trilhar os caminhosdas chamadas “Teorias da Leitura” vem

estudando a importância do ato de ler.Para descobrir a importância da lei-

tura há muitos caminhos. Um deles estáno texto que a escritora Lygia Bojungaassinou no caderno Prosa & Verso de OGlobo pouco antes da Bienal da Leitura,realizada neste semestre. Ouvir históri-as era um costume de Lygia, que elegeucomo preferida o mundo da imagina-ção criado por Monteiro Lobato no Sí-tio do Pica-pau Amarelo.

Ela recorda a sua reação, aos seteanos de idade, quando foi apresenta-da à “magia” de um outro escritor, odinamarquês Hans Cristian Andersen,

celebrado autor de literatura infantil.Lygia chorou ao ouvir seu pai ler a his-tória da pequena vendedora de fósfo-ros que morre gelada no meio da rua.“Eu soluçava porque as histórias dopoeta eram belas, mas tristes, muitotristes, mas eu soluçava muito maisporque, aos sete anos, eu me fiz prisi-oneira da imaginação de Lobato, e eranaquele reino e não noutro que euqueria morar”.

Outra pista está no comentário deSérgio Luiz Argollo de Oliveira, troca-dor de ônibus da linha 438, que faz opercurso Barão de Drummond-Leblon.Conheci o Sérgio há umas duas sema-nas, a caminho da Uerj. Ele estava len-do, pronunciando baixinho as pala-vras. Quando me aproximei para pa-gar a passagem, guardou os óculos,fechou o livro e me deu o troco. Quan-

do vi o título do livro, puxei conversa.A República, de Platão, era da filha dele.Trocamos algumas idéias, aproveitan-do o ônibus meio vazio:

— Por que o senhor lê?— Porque gosto. E também para

ficar informado, ter conheci-mento.

— O que a leitura trazpara o senhor?

— Bom, agora estou len-do sobre a justiça.

— Para onde a leituraleva o senhor?

— Para o nosso dia-a-dia,com os nossos políticos. Hátanta coisa errada, não é?

Por aí se vê que o leitorinterage, evolui em um con-

texto cultural que se relaciona com omundo como uma dada sociedade lidacom o presente, o passado e o futuro.O leitor, evoluindo nesse contexto, seapropria do texto e cria um livro parasi próprio. Quer dizer, a leitura do livrose relaciona com a leitura que cada pes-soa faz do mundo em redor de si. E es-ta leitura prévia do mundo tambémestá inserida no ato de ler um livro.

Resumindo, no ato de ler o leitordialoga com o autor e faz uma outraleitura, a sua, construindo um livro pa-ra si. E, nas escolhas de leitura que faz,é bastante guiado pelo inconsciente.Ou seja, no ato de ler emerge o inte-rior do leitor.

Cabe a nós pensarmos porque sãodesencadeadas campanhas que esca-moteiam do público a importância daleitura em pleno século XXI, quandoas pesquisas sobre esse tema andamtão desenvolvidas. È bom lembrarmosque o silêncio das campanhas sobre aimportância da leitura não é de agora,nem do ano passado, ou do ano re-trasado. O silêncio que envolve a lei-tura é bem mais antigo.

Na Idade Média, entre as muitas ví-timas da Inquisição estava um molei-ro do Friuli, Itália, que morreu porqueousou criar um modo especial de inter-pretar as leitura que fez. Por que aindamanter cercada de mistério a importân-cia da leitura em pleno século XXI?Como jornalista, proponho esta maté-ria aos pauteiros. Um bom repórterpode desenvolver bem o tema.

Cabe a nós pensarmos por que sãodesencadeadas campanhas que escamoteiamdo público a importância da leitura em plenoséculo XXI, quando as pesquisas sobre essetema andam tão desenvolvidas.

A Espanha está interessada em am-pliar o intercâmbio cultural com a cidadedo Rio de Janeiro e entende que para issoé necessário instalar o Instituto Cervan-tes, seu órgão cultural, num espaço situa-do na Cinelândia ou em suas imediações,porque é nessa área que acontecem e têmêxito os eventos culturais.

A revelação foi feita em 16 de maio,na ABI, pelo Cônsul-Geral da Espanhano Rio de Janeiro,Rafael Fernández-Pita, em visita decortesia à entidade,com a qual preten-de estreitar os vín-culos de colabora-ção e intercâmbio.Fer nández-P i taconsidera que essacooperação poderáresultar em benefí-cios para a colôniade origem espa-nhola do Rio, a qual é constituída porcerca de 15 mil pessoas, das quais 12 milde segunda geração e que não têm fami-liaridade com a cultura de seus ancestrais.

No encontro com o Presidente da ABI,Maurício Azêdo, Fernández-Pita procu-rou informar-se sobre a situação dos mei-os de comunicação no Brasil e deu contado interesse dos espanhóis pelas coisasbrasileiras. Ele lamentou que o conheci-mento espanhol acerca do Brasil se limi-te à música popular, e especialmente aosamba, e ao futebol, graças à presençaem clubes espanhóis dos dois Ronaldos,o Fenômeno e o Gaúcho.

Fernández-Pita saudou como positivaa ampliação dos investimentos de empre-sas espanholas no Brasil, sobretudo nocampo das telecomunicações e no setorbancário, e manifestou sua crença de queessas inversões crescerão de forma diver-sificada nos próximos anos.

Espanha quer ampliarintercâmbio cultural

Um encontro doPresidente da ABI,Maurício Azêdo,com Nilton Roma-nowski, Vice-Presi-dente da Associa-

ção Paranaense de Imprensa, que visitoua sede da entidade nacional, no Rio deJaneiro, selou uma parceria entre as duasorganizações para atuarem juntas na de-fesa dos interesses da classe jornalísticae da preservação do direito da liberdadede imprensa e de expressão.

De acordo com o ofício encaminhadopela Associação Paranaense de Imprensa,o principal motivo da sua proposta defiliação à ABI deve-se ao papel que estaexerce junto à classe jornalística e às ins-tituições democráticas. No documento, oPresidente da API, João Carlos de AlmeidaFormighieri, diz: “Sempre foi nosso dese-jo pertencer a essa Associação, por ser elade grande representatividade e pelo res-peito que goza junto à classe jornalísti-ca, seja ela empresarial ou profissional.”

A Associação Paranaense de Impren-sa, cuja sede é em Curitiba, foi fundadaem 31 de outubro de 1934 e tem comomissão institucional preservar o pensa-mento, as aspirações e a expressão cul-tural e cívica da imprensa do Paraná, re-forçando o papel do jornalismo na his-tória política do Estado e do País.

PROPOSTA

Associaçãodo Paranáunida à ABI

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9Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

�����José Reinaldo MarquesMÉRITO

Completando 76 anos em24 de junho, Albeniza Garciaacabou tendo festa antecipa-da com a homenagem recebi-da na ABI, no dia 22, durantea entrega da Medalha de Mé-rito Pedro Ernesto, conferidapela Câmara Municipal do Riode Janeiro por iniciativa deStepan Nercessian. O vereadordo PPS recordou sua própriainfância em Goiás, onde nas-ceu e aprendeu a admirar o tra-balho da imprensa:

— Os jornalistas são pes-soas a quem a população poderecorrer para lutar pela rever-são dos obstáculos sociais. Ficomuito feliz por entregar a Albe-niza Garcia a Medalha de Méri-to Pedro Ernesto. E sei que nes-sa missão estou realizando umato que muitos gostariam defazer, pois a cidade do Rio de Ja-neiro, por unanimidade, subs-creve esta homenagem.

O Presidente da ABI abriu asolenidade afirmando ser umasatisfação para a Associaçãoapoiar a cerimônia em homena-gem à companheira de impren-sa. Em seguida, além da própriaAlbeniza, convidou para com-por a mesa que dirigiu os tra-balhos o vereador Stepan Nercessian;Wilson França, que estava representan-do o Vice-Governador Luís Paulo Con-de; Nelson Garbaio, Chefe de Gabine-te da Secretaria Estadual de DireitosHumanos; a professora Mary Nildesdos Santos Coelho; o cartunista Jaguar;e o jornalista José Cortez dos Santos,mais conhecido como Zé Grande.

Após a interpretação do Hino Nacio-nal pelo cantor lírico Raimundo Perei-ra, foi apresentado um documentárioem vídeo, com a homenageada falan-

do de sua trajetória profissional, dasgrandes matérias que fez e da maneiracomo atravessou o período da censuraimposta aos jornais pela ditadura mili-tar. Depois, Albeniza e a platéia se en-cantaram com a exibição dos passistasmirins Ludmila, Lara e Leonardo, doProjeto Mestre e Sala e Porta-Bandeira,dirigido pelo veterano mestre-sala Ma-noel Dionísio.

Juntamente com Stepan Nercessian,o cartunista Jaguar fez a entrega das co-mendas à repórter policial mais antiga

do Estado do Rio de Ja-neiro e a primeira mulhera exercer essa função nu-ma redação de jornal noBrasil. E lembrou que foisua a sugestão de trazerpara a ABI a cerimôniapara a colega que tantoadmira: — A ABI é a Ca-sa do Jornalista. Portan-to, é o lugar mais adequa-

do para abrigar esta homenagem.Albeniza Garcia tem somente 1,50m

de altura, mas seu legado de atuaçãocomo repórter policial, construído aolongo de 57 anos de carreira profissio-nal, transcende em muito a sua estatu-ra, segundo Jaguar:

— Ela merecia um registro no livrodos recordes, porque acredito que ne-

A festa de Albeniza,repórter há 57 anos

A cerimônia de entrega da Medalha de MéritoPedro Ernesto a Albeniza Garcia na ABI antecipou

a festa de aniversário da repórter que éreferência na história do jornalismo policial.

nhuma outra repórter no mun-do passou tantos anos fazen-do reportagem de polícia. Des-taco nela a coragem, pois nun-ca foi fácil para uma mulhertrabalhar nos ambientes emque ela trabalhou, sempre commuita garra.

Jaguar fez uma pausa emseu discurso para lembrar umahistória de Albeniza que lhefoi contada pelo jornalistaCláudio Vieira, de O Dia:

— Certa vez ela estavaacompanhando uma batidapolicial num morro. De repen-te, começou o tiroteio e todomundo se jogou no chão. Me-nos Albeniza, que permane-ceu de pé e explicou: “Se eu meabaixar, como é que vou ver oque está acontecendo e escre-ver a minha matéria?”

Na festa de Albeniza, todosos que foram seus colegas deRedação ressaltaram seu com-panheirismo. Como Zé Gran-de, amigo de longa data que dis-se estar emocionado, mas tam-bém muito à vontade para fa-lar da homenageada da noite:

— Trabalhei na imprensadurante 50 anos e aprendi a serrepórter de Polícia com ela, que,

nesse meio, é uma grande autoridade.Albeniza é a minha madrinha.

Outra amiga, a professora Mary Nil-des, uma das responsáveis pela organi-zação da solenidade, falou da satisfa-ção de reunir depoimentos sobre a jor-nalista, como o de André Freeland, che-fe de reportagem de O Dia — para quem“Albeniza é a repórter das missões im-possíveis” — e o do carnavalesco Mil-ton Cunha, que disse: “Ela devia sertombada pelo Patrimônio Artístico,Histórico e Geográfico Brasileiro, pelomuito que fez pelo jornalismo do País.”

Ao final da cerimônia, problemas desaúde aliados à emoção levaram Albeni-za a passar a palavra a seu irmão Antô-nio Garcia, que leu uma mensagem deagradecimento em nome da família eda homenageada.

A veterana repórter ganhou aindauma saudação especial da bateria da es-cola mirim Mangueira do Amanhã e deritmistas da Beija-Flor de Nilópolis, co-mandados por Mestre Paulinho, encer-rando a premiação a uma das persona-gens mais queridas do Rio e do samba:

— Estou contente. Era uma festaassim mesmo que eu queria — agrade-ceu Albeniza com um largo sorriso.

Albeniza entre os amigosAntônio Guerra e OlgaMachado. À direita, na

montagem, o cartunistaJaguar e as fotos da

exposição emhomenagem à jornalista

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Jornal da ABI

10 Maio/Junho de 2005

Desde que conheço Albeniza Garcia, isso já faz certotempo, ela se destaca pela prudência, o respeito aospersonagens do submundo, a habilidade no escrever sobre osperdedores e a inteligência no lidar com a Policia e osmembros do Ministério Público sem deixar-se corromper.

No tempo em que eram raras as mulheres nas redaçõesdos jornais cariocas, Albeniza já se tornara um nome dedestaque na “reportagem de polícia”, setor que os grandesjornais mantinham na “cozinha” das redações, um tantoquanto envergonhados, embora reconhecendo que era a partirdali que se definiam as vendas, pois o jornalismo produzidopelos intelectuais da elite sempre esteve contrário aosinteresses do povão.

Indiferente ao “fenômeno da glória”, nunca seautopromoveu, nem na hora de reivindicar melhores salários.Preocupou-se, em todos os momentos de suas atividades, em

LOUZEIRO: ELA NUNCA FEZ AUTOPROMOÇÃO

Nascida em Salvador, em 24 de ju-nho de 1929, Albeniza Garcia veio comos pais para o Rio quando tinha ummês de nascida. Na Saúde, bairro dazona portuária, ainda menina come-çou a alimentar o sonho de um diatrabalhar em jornal, através da leitu-ra de gibis.

Sua grande inspiração para se tor-nar repórter policial foi Clark Kent, otímido repórter do jornal Planeta Diá-rio que virava Super-Homem. Parecepiada, mas é verdade:

— Eu queria ser como ele e ajudaras pessoas.

Foi com essa determinação que, aos18 anos, ela procurou Roberto Mari-nho para pedir uma vaga na editoriade Polícia do Globo. Ele olhou paraaquela jovem franzina, com um metroe meio de altura, e perguntou se elanão gostaria de cobrir chás-dançantesou desfiles de moda. Resoluta, Albeni-za respondeu:

— Não, eu quero a repol, como erachamada a reportagem policial.

Daí em diante, foram 57 anos dededicação — no Globo, na Última Horae no Dia — a uma função difícil e que,

Como Clark Kent, rainha da Repol

até então, era exercida apenas por ho-mens — na verdade, na virada da déca-da de 50 para a de 60, poucas mulheresatuavam na imprensa brasileira.

Entre os muitos troféus conquista-dos, destacam-se o Prêmio Direitos Hu-manos da Sociedade Interamericana deImprensa, em 1995, pela série de repor-tagens “A infância perdida”; o Esso, com“Infância a serviço do crime”, em 97; eo Ayrton Senna de Jornalismo, na ca-tegoria “Busca de soluções para osproblemas da infância”, em 99.

Quando soube que ia ser agra-ciada com a Medalha Pedro Ernes-to, Albeniza diz que se emocionou:

— Aguardo ansiosa pelo dia daentrega, que desejo que seja umafesta. Trata-se de uma das con-decorações mais importantes daminha vida, que me deixou mui-to feliz.

Fontes privilegiadasCompanheiro de editoria de

Albeniza no Globo e no Dia, Luar-lindo Ernesto diz que “é mais doque justo ela ser condecoradaClark Kent, a inspiração para a carreira

Albeniza aos 20 anos de idade

pela cidade do Rio de Janeiro, pois sem-pre foi uma guerreira, colocando seutrabalho a serviço da população e des-tacando-se dos demais colegas por suasprivilegiadas fontes de informação”.

No dia-a-dia de sua função, Albeni-za conquistou o respeito tanto de po-liciais quantos dos bandidos que en-trevistava:

— Sempre tive a preocupação deouvir os dois lados das histórias.

manter bem elevado o conceito da sua profissão de repórter, oque significa dizer que poucos profissionais que conheci foramtão autênticos e determinados na valorização da categoria.

Outra lição que Albeniza deu aos repórteres de Polícia:nunca tripudiar diante da amargura dos delinqüentes paravalorizar a empresa em que trabalhava. Manteve-se, sempre,como observadora imparcial, não se deixando influenciar pelas“normas do submundo” e/ou pelas leis da chamada“sociedade livre”. Por não procurar entender semelhantepostura, muitos coleguinhas terminaram ficando pelo caminho.

Eu aprendi a lição de Albeniza. Nunca chamei marginal debandido. Afinal, num país de capitalismo selvagem como onosso, onde ricos e emergentes têm tudo e a grande massanão tem nada, fica difícil saber quem é o bandido.

Nesta oportunidade agradeço publicamente a Albeniza portudo que me ensinou. De suas lições, jamais abrirei mão!

Destacava-se também pela rapidez— quase “clark kentiana” — com quechegava às matérias, furando os co-legas e deixando perplexa a própriaPolícia.

— Ela conseguia chegar primeiro amuitos marginais que os homens dalei não conseguiam encontrar — diz afilha Nelita, com orgulho.

Não era troteNo seqüestro de Roberto Medina,

em 1990, Albeniza acabou setransformando em perso-nagem-chave quando ochefe da quadrilha, Mauri-nho Branco, mandou quelhe telefonassem na reda-ção do Dia para negociar alibertação do empresário:

— Desliguei várias vezes,achando que era trote. Atéque resolvi ouvi-los e elesme disseram que entrega-riam o Medina, mas, commedo da ação da polícia,queriam que uma equipe dojornal estivesse presente na

hora da troca. Então eu fui, com o fo-tógrafo Paulo Alvadia.

Ao libertar Medina, MaurinhoBranco deixou de presente um papa-gaio, que acabou indo parar na Reda-ção com Albeniza.

— Ela é hors concours — elogia Ely Mo-reira. — Fui chefe dela no Globo, masme sinto honrado em dizer que era seualuno, pois quando cheguei ao jornal,em 1970, ela já era a rainha da repol,no meio de grandes profissionais comoVargas Júnior, Hélio Vieira e AdrianoBarbosa. Quem não a conhece desco-nhece o que é reportagem policial.

Por tudo isso, Albeniza virou atépersonagem de novela: foi nela que Jo-sé Louzeiro se inspirou para criar opapel de Lídia Brondi em “Corpo san-to”, exibida pela extinta TV Manche-te em 1987.

O reconhecimento e o carinho dos amigos que lheoutorgaram o título de Rainha da Repol

Na redação, cercada pelos colegas, com o papagaio que ganhou do seqüestrador de Medina

REPROD

ÃO

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11Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

ELEIÇÃO

“Primeiro devo agradecer a manifesta-ção unânime dos companheiros, que mui-to me honram com esta indicação. Eu devodizer que em minha atuação como sindi-calista, ou como parlamentar, ou principal-mente como jornalista, tive sempre comoum símbolo da resistência ao autoritarismoessas três letras que são ABI. Considero queesta indicação, neste momento, a esta al-tura da minha vida, é realmente uma hon-ra. Não é mera força de expressão.

Devo dizer que a ABI, desde a sua fun-dação e depois em momentos importan-tes, cruciais mesmo da vida nacional, teveatuação que honrou não apenas o jornalis-mo, mas todos aqueles que lutam pelasliberdades democráticas no País. E querome referir especialmente a duas figuras quetiveram participação em momento citadopelo companheiro Maurício Azêdo, que foio do assassinato do companheiro VladimirHerzog e da resistência que nasceu entreos jornalistas de São Paulo e do apoio fun-damental que foi a presença, primeiro, dePrudente de Morais, neto na semana se-guinte ao ocorrido, levando pessoalmenteao Sindicato o seu apoio, o apoio da ABI.Depois, a de Barbosa Lima Sobrinho, aquineste Conselho, tomando as medidas queeram da tradição da ABI tomar em defesadas liberdades democráticas.

Estas duas figuras para mim sintetizama importância da ABI e nelas eu me inspiropara poder seguir e contribuir para o queeu acho, neste momento, uma fase impor-tantíssima desta entidade, com a eleiçãodo companheiro Azêdo e da Diretoria queele representa e a eleição da Mesa desteConselho, dirigido pelo companheiro IvanCavalcanti Proença — que eu estava obser-

O Conselho Deliberativo da ABIaprovou por unanimidade, em reu-nião de 30 de maio, a indicação do jor-nalista Audálio Dantas para a vaga deVice-Presidente da Associação Brasi-leira de Imprensa. Para a Diretoria Ad-ministrativa foi aprovada, tambémpor unanimidade, a jornalista AnaMaria Costábile.

Os cargos eram ocupados, respectiva-mente, por Milton Temer e Fichel DavitChargel, que renunciaram no dia 29 deabril, após a eleição que renovou umterço do Conselho Deliberativo. Os doisex-diretores encabeçavam uma chapaque organizaram em oposição à chapaPrudente de Moraes, neto, vitoriosa nes-se pleito e na qual haviam sido eleitospara a Diretoria da entidade em 2004.

O presidente da ABI, MaurícioAzêdo, fez uma breve referência ao cur-rículo dos jornalistas que estavam sen-do indicados. Comentou, sobre AudálioDantas, a importante atuação que teveà frente do Sindicato dos Jornalistas deSão Paulo, ao comandar a resistêncianacional ao assassinato do jornalistaVladimir Herzog, em outubro 1975, eainda a expressiva vitória que o elegeu

deputado federal com mais de 100 milvotos, em 1978, pelo antigo MDB.

— Com Audálio Dantas nós pode-mos novamente atrair para a entida-de, neste centro jornalístico, culturale econômico importante que é SãoPaulo, a presença de companheiros quejá se ofereceram para colaborar em ini-ciativas da ABI.

Maurício Azêdo referiu-se a AnaMaria Costábile como uma pro-fissional de larga experiência emdiversas áreas do campo da Co-municação.

— Ana Maria nos oferece apossibilidade de iniciar, como elamesma disse, com paciência edeterminação a construção des-se setor administrativo da ABI.Para nós, tal como no caso docompanheiro Audálio Dantas, émuito confortante fazer a indi-cação da companheira Ana Ma-ria Costábile, que se reintegra àABI com a disposição de traba-lhar, sem se render à fadiga, paraa solução dos complexos desafi-os que a Casa tem no campo desua administração.

Vice-Presidência e Diretoria Administrativa da Casa têm novos titulares

Audálio, novo Vice-PresidenteO Conselheiro Milton Coelho da

Graça saudou a indicação dos dois jor-nalistas, lembrando o episódio da elei-ção de Audálio para o Sindicato de SãoPaulo, sob a ditadura, quando a chapaencabeçada por ele era representativanão apenas de uma corrente, mas detodos os jornalistas.

— Acho que curiosamente acaba-mos tendo uma repetição desse tipo

de pensamento nesta última eleição daABI e acho que a escolha do AudálioDantas é muito significativa. Nós po-demos ter certeza de que Audálio é umrepresentante de todos os jornalistase não apenas de uma corrente de jor-nalistas e isso vai ser muito importantepara a ABI.

Audálio Dantas agradeceu a apro-vação e os aplausos dos Conselheiros,dizendo-se feliz por poder dar sua co-laboração à instituição.

— A indicação muito me honra por-que a ABI tem uma história que hon-ra todo jornalista.

Ana Maria Costábile também agra-deceu sua indicação, ressaltando ogrande desafio que terá pela frente.

— Agradeço a confiança da indica-ção. Tenho consciência de que é um de-safio muito grande, mas também tenhoa certeza de que não estarei sozinhapara vencer os eventuais obstáculos.

Atendendo à solicitação do Conse-lheiro Conrado Pereira, o novo Vice-Presidente fez um pronunciamento,onde ressaltou o papel da ABI em mo-mentos importantes da história recen-te do País.

vando aqui e é um verdadeiro juiz, um ár-bitro tranqüilo, decide com a maior justezae com conhecimento de causa todas asquestões.

Quer dizer, nós estamos num momen-to em que esta ABI, que realmente tinhaperdido um pouco seus rumos, ou perdidomuito seus rumos, os retoma, porque estasigla precisa voltar a ser respeitada da ma-neira que sempre foi ao longo da sua his-tória de quase cem anos.

Com relação ao que disse o companhei-ro Milton Coelho da Graça, eu entendi,quando fui para o Sindicato dos Jornalistas,que eu não ia fazer uma carreira de sindi-calista, não pretendia fazê-la, como não fiz.Mas entendi naquele momento que era es-sencial, sendo homem de esquerda – masnão sendo um homem de visão estreita,limitada –, que era o momento dopluralismo, era o momento em que todasas forças tinham o dever de se reunir, inde-pendentemente das suas convicções, nosentido de combater um inimigo como eraa ditadura militar.

O companheiro Milton Coelho teve umaparticipação muito importante nesse senti-do, porque naquele momento havia umcerto radicalismo, que depois veio duranteo episódio Herzog, quando se pretendia queo Sindicato dos Jornalistas saísse em passe-atas pelas ruas. E quando nós perguntamosse queríamos fechar aquele espaço que na-quele momento era uma referência nacio-nal da luta contra a ditadura, independente-mente das posições que cada um dos dire-tores representava naquela direção sindical,felizmente um dos companheiros, diante deuma proposta de uma passeata ao II Exérci-to, teve a lucidez de perguntar de quantos

canhões nós dispúnhamos para tomar aque-la atitude ou realizar o culto ecumênico; senós devíamos sair do Sindicato numa pas-seata gritando “abaixo a ditadura” ou deverí-amos ir no silêncio que gritou mais alto doque todas as palavras de ordem naquelemomento e que foram sintetizadasmagnificamente bem no culto ecumênicorealizado na Catedral de São Paulo por DomHélder Câmara, que lá compareceu e per-maneceu durante todo o ato sem pronunci-ar uma palavra e, ao perguntarem por queele não se havia manifestado, ele disse:

–– Amigo, o silêncio algumas vezes falamais alto do que todas as vozes reunidas.

Então, nesse sentido eu quero dizer, maisuma vez, que naquele momento estava aABI junto conosco, porque, no mesmo mo-mento do culto ecumênico em São Paulo,aqui se realizava uma manifestação que tam-bém teve esse sentido de protestar em si-lêncio contra o arbítrio que naquele momen-to tinha praticado mais um dos seus crimes.

Diga-se de passagem que a Diretoria daABI havia convocado e marcado a realiza-ção de uma missa em memória de Herzogna Igreja de Santa Luzia. Essa missa nãopôde ser realizada porque houve decisãoem contrário da autoridade eclesiástica, cujonome aqui não é nem o caso de repetir.Mas aquilo se transformou nesse ato aquina sede da ABI, que teve uma importânciamuito maior pelo significado.

No mesmo momento em que lá em SãoPaulo se realizava esse culto, aqui se reali-zava essa manifestação de silêncio quedurou, se eu não me engano, sete minu-tos. Não me lembro exatamente. Mas que-ro dizer mais uma vez, encerrando, que éimportante que a ABI pense em São Paulo.É importante que São Paulo esteja repre-sentado na ABI não por uma pessoa, nãopor um indivíduo, não por um jornalista, maspor esse sentimento de que é preciso fa-zer esta entidade mais forte. E nesse senti-do é que eu proponho que a Vice-Presi-dência tenha condições de reunir um gru-po para constituir uma direção local e, maisdo que isso, fazer uma campanha de filiaçãoà ABI, porque praticamente a ABI deixoude existir na cabeça dos jornalistas de SãoPaulo, e isso é um absurdo.

Finalmente, reportando-me à minhapassagem pela Federação Nacional dos Jor-nalistas, persiste neste momento a minhaintenção de agir com o mesmo espírito queme levou à Federação, que foi a primeiraentidade sindical do País, de nível superior,que teve uma eleição direta, uma eleiçãocom todos os jornalistas associados a to-dos os sindicatos no País. Eu acho que esseespírito, que é o espírito da ABI, é aqueleque eu assumo neste momento com mui-ta honra, agradecendo aos companheirostodos pela indicação do companheiroAzêdo e pela aprovação dos companhei-ros do Conselho. Muito obrigado.”

Ricardo Kotscho vota na eleição que escolheuAudálio e Ana Maria Costábile para a Diretoria.

Audálio: A ABI simboliza a resistência.

“Assumo com muita honra”

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Jornal da ABI

12 Maio/Junho de 2005

Nascido no interior de Alagoas, em8 de julho de 1929, Audálio Dantas éconterrâneo de Graciliano Ramos.Além da admiração intelectual quetem pelo escritor, o jornalista costu-ma dizer que pertence ao mesmo pe-daço de chão em que nasceu o autorde Vidas Secas, com quem divide omesmo tronco familiar materno, dosFerreira Ferro.

Em 54, iniciou a carreira como re-pórter da Folha da Manhã , hoje Folhade S. Paulo, passando em seguida pelasredações das revistas O Cruzeiro, ondefoi redator e chefe de reportagem;Quatro Rodas, nas funções de Editorde Turismo e Redator-chefe; Realida-de, como Redator e Editor; Manchete,como Chefe de Redação; e Nova, comoEditor. Entre os trabalhos mais impor-tantes que realizou como escritor] estáQuarto de Despejo, da favelada Caroli-na Maria de Jesus. Audálio compilouo diário que ela escreveu e o lançouem 1960. O livro já foi traduzido em13 idiomas. Também teve atuação des-tacada no sindicalismo e na política.Aliás, já fez tanta coisa que, ao serconvidado para dar esta entrevista,brincou: “Não sei onde vocês vão en-contrar espaço para tanta conversa.”

Jornal da ABI — De que maneira en-De que maneira en-De que maneira en-De que maneira en-De que maneira en-cara a rcara a rcara a rcara a rcara a responsabilidade do caresponsabilidade do caresponsabilidade do caresponsabilidade do caresponsabilidade do cargo de Vgo de Vgo de Vgo de Vgo de Vice-ice-ice-ice-ice-PPPPPrrrrresidente da ABI?esidente da ABI?esidente da ABI?esidente da ABI?esidente da ABI?

Audálio Dantas — Assumo comgrande satisfação, pela importância daABI como entidade das mais represen-tativas da sociedade civil e, historica-mente, uma trincheira da liberdade deinformação, fundamental para a defe-sa das demais liberdades públicas.

Jornal da ABI — O que o levou a acei-O que o levou a acei-O que o levou a acei-O que o levou a acei-O que o levou a acei-tar esse convite?tar esse convite?tar esse convite?tar esse convite?tar esse convite?

Audálio Dantas — A ABI passa poruma importante renovação. O proces-so eleitoral, com a vitória de MaurícioAzêdo e outros companheiros identi-ficados com essas lutas, abriu perspec-tivas de avanços para o que é funda-mental: a reorganização da entidade,que já está em curso.

Jornal da ABI— — — — — Como foi sua primei-Como foi sua primei-Como foi sua primei-Como foi sua primei-Como foi sua primei-ra aproximação com a ABI?ra aproximação com a ABI?ra aproximação com a ABI?ra aproximação com a ABI?ra aproximação com a ABI?

Audálio Dantas — Ocorreu em 29de outubro de 1975, num momentocrucial: o Sindicato dos Jornalistas deSão Paulo, do qual eu era Presidente,denunciou o assassinato do jornalistaVladimir Herzog. O então Presidenteda ABI, Prudente de Moraes, neto, vi-sitou o Sindicato e manifestou o apoioe a solidariedade da entidade aos cole-gas de São Paulo. Mas só agora ocupoum cargo na ABI.

Jornal da ABI — Qual é a sua rQual é a sua rQual é a sua rQual é a sua rQual é a sua relaçãoelaçãoelaçãoelaçãoelaçãocom o Pcom o Pcom o Pcom o Pcom o Prrrrresidente Maurício Azêdo e osesidente Maurício Azêdo e osesidente Maurício Azêdo e osesidente Maurício Azêdo e osesidente Maurício Azêdo e osoutros membros da Diroutros membros da Diroutros membros da Diroutros membros da Diroutros membros da Diretoria?etoria?etoria?etoria?etoria?

AudálioDantas — Conheço de per-to o trabalho de Maurício Azêdo e asua capacidade profissional. Acompa-nho de longa data a sua participaçãonas lutas democráticas, especialmen-te no que se refere à resistência ao ar-bítrio do regime militar. Sua presençana ABI, assim como a de outros com-panheiros, como Domingos Meirelles,é a garantia de uma administração sé-ria e profícua na entidade.

Jornal da ABI — O que a classeO que a classeO que a classeO que a classeO que a classejornalística pode esperar do senhor comojornalística pode esperar do senhor comojornalística pode esperar do senhor comojornalística pode esperar do senhor comojornalística pode esperar do senhor comomembro da atual Dirmembro da atual Dirmembro da atual Dirmembro da atual Dirmembro da atual Diretoria da ABI?etoria da ABI?etoria da ABI?etoria da ABI?etoria da ABI?

Audálio Dantas — Dedicarei à ABIo melhor dos meus esforços. A ques-tão da liberdade de expressão exigevigilância permanente. Não se podeignorar que, apesar de termos supera-do o autoritarismo dos golpistas de 64,temos hoje uma nova forma de cen-sura no País, exercida por membros doPoder Judiciário, em flagrante desres-peito à Constituição.

Jornal da ABI — O senhor rO senhor rO senhor rO senhor rO senhor reside emeside emeside emeside emeside emSão PSão PSão PSão PSão Paulo. Qual o impacto que sua elei-aulo. Qual o impacto que sua elei-aulo. Qual o impacto que sua elei-aulo. Qual o impacto que sua elei-aulo. Qual o impacto que sua elei-ção poderá ter no processo de expansãoção poderá ter no processo de expansãoção poderá ter no processo de expansãoção poderá ter no processo de expansãoção poderá ter no processo de expansãoda ABI no Estado?da ABI no Estado?da ABI no Estado?da ABI no Estado?da ABI no Estado?

Audálio Dantas — A ABI sofreu gra-ves prejuízos em São Paulo, em fun-ção de desmandos em sua representa-ção no Estado. A maioria dos jornalis-tas se afastou. Por isso, antes de ex-pandir, temos de trabalhar para trazerde volta esses associados.

Jornal da ABI — Quais foram seusQuais foram seusQuais foram seusQuais foram seusQuais foram seustrabalhos mais importantes como jorna-trabalhos mais importantes como jorna-trabalhos mais importantes como jorna-trabalhos mais importantes como jorna-trabalhos mais importantes como jorna-lista?lista?lista?lista?lista?

Audálio Dantas — Em tanto tempo,é difícil apontar esse ou aquele traba-lho, mas acho que a cobertura do assas-sinato do jornalista Vladimir Herzog, noDoi-Codi de São Paulo, em 75, foi a maisimportante reportagem que fiz.

Jornal da ABI — PPPPPor que a Comissãoor que a Comissãoor que a Comissãoor que a Comissãoor que a Comissãode Liberde Liberde Liberde Liberde Liberdade de Imprdade de Imprdade de Imprdade de Imprdade de Imprensa, criada em Sãoensa, criada em Sãoensa, criada em Sãoensa, criada em Sãoensa, criada em SãoPPPPPaulo em 1967, teve uma atuação inde-aulo em 1967, teve uma atuação inde-aulo em 1967, teve uma atuação inde-aulo em 1967, teve uma atuação inde-aulo em 1967, teve uma atuação inde-pendente do Sindicato?pendente do Sindicato?pendente do Sindicato?pendente do Sindicato?pendente do Sindicato?

Audálio Dantas — A constituição daComissão foi, em si, uma vitória, poisa direção sindical da época considera-va a luta pela liberdade de imprensauma questão política, na qual não de-via se envolver. Quando o regime mili-tar propôs a Lei de Imprensa, consegui-mos número suficiente de assinaturasde jornalistas para convocação de umaassembléia, em que se elegeu a Comis-são. Em seguida, partimos para umacampanha que culminou com um atopúblico, no Teatro Paramount, com apresença de 2 mil pessoas.

Jornal da ABI — Como o senhor mo-Como o senhor mo-Como o senhor mo-Como o senhor mo-Como o senhor mo-bilizou a categoria?bilizou a categoria?bilizou a categoria?bilizou a categoria?bilizou a categoria?

Audálio Dantas — A linha de atua-ção da Diretoria que eu presidia foifundamental para que o sindicato fos-se preservado como espaço para a lutacontra a repressão ao mesmo tempoem que fazíamos a denúncia do episó-dio que foi o ponto de partida para aslutas que se seguiriam até à reconquis-ta das liberdades públicas.

Jornal da ABI — A posição da entida-A posição da entida-A posição da entida-A posição da entida-A posição da entida-de provocou alguma mudança no proces-de provocou alguma mudança no proces-de provocou alguma mudança no proces-de provocou alguma mudança no proces-de provocou alguma mudança no proces-so político da época e no próprio meio sin-so político da época e no próprio meio sin-so político da época e no próprio meio sin-so político da época e no próprio meio sin-so político da época e no próprio meio sin-dical?dical?dical?dical?dical?

Audálio Dantas — De imediato, de-tivemos o ímpeto dos militares daultradireita, que se opunham ao pro-jeto de abertura política. Mesmo as-sim, houve o assassinato do operárioManoel Fiel Filho, encontrado mortonas mesmas circunstâncias e na mes-ma cela em que morreu Herzog.

Jornal da ABI — Então, qual foi aEntão, qual foi aEntão, qual foi aEntão, qual foi aEntão, qual foi amudança?mudança?mudança?mudança?mudança?

Audálio Dantas — Primeiramente,a destituição do Comandante do II

Ivan CavalcantiProença é o novoPresidente doConselho da ABI

Em sessão no dia 13 de maio, o escri-tor e jornalista Ivan Cavalcanti Proençafoi eleito Presidente da Mesa do Conse-lho Deliberativo da ABI num pleito emque derrotou a chapa encabeçada pelojornalista Carlos Alberto de OliveiraCaó, que concorria à reeleição para ocargo. Com Ivan Proença, foram eleitosprimeiro e segundo secretários, respec-tivamente, os jornalistas Carlos ArthurPitombeira e Domingos Xisto da Cunha.Proença teve 23 votos contra 13 de Caó.Houve um voto nulo.

Além da Mesa Diretora, foram elei-tos os integrantes de três comissõesdo Conselho Deliberativo da ABI:

Comissão de Ética dos Meios deComissão de Ética dos Meios deComissão de Ética dos Meios deComissão de Ética dos Meios deComissão de Ética dos Meios deComunicaçãoComunicaçãoComunicaçãoComunicaçãoComunicação, Alberto Dines, CíceroSandroni, Arthur José Poerner, IvanAlves Filho e Paulo Totti;

Comissão de SindicânciaComissão de SindicânciaComissão de SindicânciaComissão de SindicânciaComissão de Sindicância, ElyMoreira, Maurílio Candido Ferreira,Maria Ignez Duque Estrada Bastos,Jarbas Domingos e José ErnestoVianna;

Ivan Cavalcanti Proença, , , , , Presidente doConselho Deliberativo, é jornalista e profes-sor, com mestrado e doutorado em Litera-tura, autor de diversos livros e ensaios. Em1966 ganhou o Prêmio Especial Esso de Li-teratura. Como jornalista, foi colaborador emvários jornais, inclusive o antigo Pasquim.

Em duas gestões de Barbosa Lima Sobri-nho à frente da Presidência da ABI, Ivan Pro-ença foi membro do Conselho e exerceu afunção de Coordenador do Centro de Me-mória da instituição. Sempre trabalhandopela cultura e pela educação, ocupou várioscargos no Governo do Estado do Rio de Ja-neiro: foi Assessor Pedagógico da SecretariaEstadual de Educação; Presidente do Con-selho de Cultura e Esportes da Secretaria deEstado de Esporte e Lazer; presidiu o Con-selho de Carnaval e Cultura Popular do Riode Janeiro; atuou como Diretor de Cultura e

AUDÁLIO, VINDO DOCHÃO DE GRACILIANO

Exército, General Ednardo D’ÁvilaMelo. Depois, o Fiel Filho foi o últimopreso político assassinado nos porõesda ditadura e o episódio contribuiu paraa organização de movimentos de opo-sição nos sindicatos de jornalistas emtodo o País. Não tenho dúvidas de queisso também levou ao ressurgimento domovimento operário no ABC.

Jornal da ABI — O senhor se lem-O senhor se lem-O senhor se lem-O senhor se lem-O senhor se lem-bra de ter sido eleito, entrbra de ter sido eleito, entrbra de ter sido eleito, entrbra de ter sido eleito, entrbra de ter sido eleito, entre 1981 e 1982,e 1981 e 1982,e 1981 e 1982,e 1981 e 1982,e 1981 e 1982,um dos mais influentes líderum dos mais influentes líderum dos mais influentes líderum dos mais influentes líderum dos mais influentes líderes sindicaises sindicaises sindicaises sindicaises sindicaisdo Pdo Pdo Pdo Pdo País, ao lado de Laís, ao lado de Laís, ao lado de Laís, ao lado de Laís, ao lado de Luiz Inácio Luiz Inácio Luiz Inácio Luiz Inácio Luiz Inácio Lula daula daula daula daula daSilva?Silva?Silva?Silva?Silva?

Audálio Dantas — Sim, apareci portrês anos nessa lista, que resultava depesquisas feitas pela Gazeta Mercantilem setores diversos, entre os quais osindical.

Jornal da ABI — Quanto às suasQuanto às suasQuanto às suasQuanto às suasQuanto às suasatividades culturais, são muitas?atividades culturais, são muitas?atividades culturais, são muitas?atividades culturais, são muitas?atividades culturais, são muitas?

Audálio Dantas — Além de perten-cer ao Conselho da União Brasileira deEscritores, desenvolvo vários projetos

culturais. É a minha principal ativida-de profissional, ao lado da comunica-ção. Tenho realizado várias exposiçõestemáticas, entre elas O Chão deGraciliano e Macunaíma. Em abril des-te ano, lancei um livro infanto-juve-nil, A infância de Graciliano Ramos, ejá estou trabalhando em outro, A in-fância de Maurício de Sousa, sobre ocriador da Turma da Mônica. Depois,vou escrever sobre o caso Herzog e aminha visão daqueles dias de terror,30 anos depois.

Jornal da ABI — O senhor ganhou oO senhor ganhou oO senhor ganhou oO senhor ganhou oO senhor ganhou oPPPPPrêmio Krêmio Krêmio Krêmio Krêmio Kenneth David Kaunda deenneth David Kaunda deenneth David Kaunda deenneth David Kaunda deenneth David Kaunda deHumanismo, da ONU, em 1981.Humanismo, da ONU, em 1981.Humanismo, da ONU, em 1981.Humanismo, da ONU, em 1981.Humanismo, da ONU, em 1981.

Audálio — Na medida do possível,dou a minha contribuição à luta emdefesa dos direitos humanos. No Bra-sil, eles são desrespeitados de váriasmaneiras, em função das desigualdadesque impedem o acesso de grande partedo nosso povo a um mínimo de condi-ções que lhe permita uma vida digna.

Comissão de Liberdade de Impren-Comissão de Liberdade de Impren-Comissão de Liberdade de Impren-Comissão de Liberdade de Impren-Comissão de Liberdade de Impren-sa e Direitos Humanossa e Direitos Humanossa e Direitos Humanossa e Direitos Humanossa e Direitos Humanos, ArthurCantalice, Arthur Nery Cabral, Danielde Castro, Germando Oliveira Gonçal-ves, Gilberto Magalhães, Lucy MaryCarneiro, Maria Cecília Ribas Carnei-ro, Mário Augusto Jakobskind, MarthaArruda de Paiva, Orpheu Santos Salles,Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Ma-galhães e Yaci Nunes.

Participaram da votação dois con-selheiros da ABI radicados em São Pau-lo: Audálio Dantas, que foi deputadofederal e Presidente do Sindicato dosJornalistas Profissionais de São Paulonos anos 70, e Ricardo Kotscho, quefoi Secretário de Imprensa da Presidên-cia da República até o princípio do ano.

Pitombeira, Ivan Proença e Xisto à frenteda Mesa Diretora do Conselho.

UM MESTRE DE LITERATURAde Projetos Especiais da Secretaria de Esta-do de Cultura, e também foi membro daDiretoria do Museu da Imagem e do Som,durante o segundo Governo Brizola. Pesqui-sador minucioso da literatura brasileira, IvanProença ocupou, até o ano passado, a presi-dência da Comissão de Folclore do Estadodo Rio de Janeiro. Atualmente é o titular dacadeira de Cultura Brasileira na Faculdadede Comunicação e Turismo Hélio Alonso–Facha, exercendo também a função de exa-minador de dissertações e teses de pós-gra-duação na UFRJ.

Em 2006, Ivan Proença estará comple-tando 40 anos de magistério, à frente deum de seus mais caros projetos: a OficinaLiterária Ivan Cavalcanti Proença, fundadaem 1972, que é hoje a mais antiga escoladedicada a ensaios, ficção e poesia no Es-tado do Rio de Janeiro

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13Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

DOCUMENTÁRIO

O Canal Futura marca umponto positivo com a comuni-dade negra por ocasião dos 117anos da Abolição da Escrava-tura, comemorados em 13 demaio, com o lançamento da sé-rie Heróis de todo o mundo, pre-visto para ir ao ar em setem-bro. O programa vai contar aparticipação dos afro-descen-dentes na construção de impor-tantes momentos da Históriado Brasil.

Em minidocumentários dedois minutos, a série vai apre-sentar 30 personagens históri-cos afro-brasileiros, interpreta-dos por personalidades negras de diferen-tes campos de atuação, contemplando di-versas áreas de conhecimento.

No elenco estão, entre outros, o radia-lista Antônio Carlos, que vai interpretaro legendário jogador de futebol Leônidasda Silva; o sambista e compositor Nei Lo-pes, como o jornalista abolicionista Josédo Patrocínio; o professor e escritor MunizSodré, como o geógrafo e historiadorTeodoro Sampaio, um dos fundadores do

Na TV, a contribuiçãonegra à nossa cultura

Instituto Brasileiro de Geogra-fia; a atriz Zezé Motta, no pa-pel de Elizeth Cardoso; e ToniGarrido, no de Pixinguinha.

O seriado integra o projetoA Cor da Cultura, apresentadopela emissora desde março paraatender à Lei federal 10.639, quedetermina a inclusão da Histó-ria da África no ensino funda-mental, como conta a coorde-nadora Ana Paula Brandão:

— A Cor da Cultura é um pro-jeto de ação afirmativa de rele-vância social para a valorizaçãoe preservação da cultura negracomo elemento vital da nossa

sociedade e contribui para inclusão da His-tória e da cultura afro-brasileira no cur-rículo das escolas. Ana Paula diz aindaque o trabalho nasceu de uma idéia origi-nal da historiadora e pesquisadora WâniaSant’Anna, do ator Antônio Pompeo e dodiretor de TV Luís Antônio Pilar.

— A idéia foi apresentada à TV Glo-bo, que a encaminhou para o Futura.Aqui, ela foi reformatada e ampliada parao escopo atual, com um kit educativo que

O JB não é mais o mesmo. Desde 1º demaio, o Caderno B ganhou novo projetoeditorial, sob o comando de Ziraldo. Foiele o responsável pela escolha dos novoscolunistas, a maioria amigos de longa da-ta dos quais destaca a competência: —Não houve uma reforma gráfica, mas simuma mudança de conceito editorial. Euquero mostrar que ele é um caderno queabre espaço para a reflexão e a leitura eque acompanha a vida da cidade.

Luís Pimentel, subeditor do B, com-plementa: — Penso que as principais mu-danças foram feitas neste momento, comesta reforma de agora: adicionar conteú-do, por intermédio de colunistas e cronis-tas de peso, o que sempre foi uma marcado caderno.

No expediente agora figuram os no-mes de Aldir Blanc, Marina Colassanti,Mauro Santayana, Fausto Wolff, Fernan-do de Castro, Antônio Torres, MichelMelamed, Maria Lucia Dahl, ReynaldoJardim, Silvio Lach, Tomaz Câmara, IvoBarroso, Vitor Paiva, Léo Montenegro eJoão Luiz Albuquerque.

Lançado em 1960, o B foi o primeirocaderno do País a reunir apenas notíciasrelativas a variedades; ao longo do tem-po, não perdeu o seu conceito de van-guarda, segundo Pimentel, que explicapor que o suplemento virou modelo paraoutros:

— Isto se deve à relação que os cria-dores do B — sobretudo Reynaldo Jar-dim, que retorna diariamente a suas pági-nas com poemas inéditos e colagens, eJânio de Freitas — tinham com a culturae o pensamento.

A NOVA CARA DO CADERNO BSob o comando de Ziraldo, o JB muda a partir do seu mais antigo e prestigiado caderno

de Editor-chefe, função que exerceu pornove meses. Ele acredita que sua saídanão vai interferir na linha editorial do jor-nal e, apesar de não comentar as mudan-ças do B e do Idéias, das quais não foi co-municado, concorda com o colunista dosite Comunique-se Milton Coelho daGraça quando este diz que há um certoautoritarismo nas interferências da Di-reção na Redação do centenário diáriocarioca:

— Considero autoritárias algumasdessas interferências. Noutros casos, di-ria que pecaram por omissão.

Desde o início, segundo Marcus, seugrande objetivo em relação ao JB foi aqualificação dos quadros da Redação, paraconseguir fazer um jornal cada vez me-lhor. Prova dessa determinação, diz ele,foi o Prêmio Esso conquistado em 2004:

— No entanto, não consegui atingirmeu objetivo. Num primeiro momentoporque, assim que assumi a Redação, aempresa fez um rigoroso corte em todosos departamentos, inclusive na Redação.Depois, de setembro a dezembro, o pe-ríodo foi de estabilização interna. E con-sidero que no primeiro trimestre desteano o Jornal do Brasil não foi prioritáriodentro dos objetivos da empresa.

Ainda assim, Marcus acredita que ojornal possa recuperar a sua credibilidadee voltar a crescer no mercado editorial:

— Sua marca fortíssima e sua histó-ria permitem que o JB sobreviva apesardos contínuos sobressaltos de gestão. Pa-ra haver futuro, porém, é preciso inves-timento em conteúdo, seja ou não atra-vés de grandes nomes.

será distribuído nas escolaspúblicas de ensino funda-mental de seis Estados.

O projeto tem ainda co-mo objetivo estabelecer umanova dinâmica de produção,com a inclusão dos afro-des-cendentes na conceituação,criação e produção dos pro-dutos audiovisuais:

— Queremos contribuir com a popu-lação negra no sentido do seu auto-reco-nhecimento e com o rompimento das es-truturas de invisibilidade, buscando re-duzir a exclusão racial – diz Ana Paula.

O radialista Antônio Carlos, que feza sua estréia como comunicador em 1959,na antiga TV Continental, e atualmentecomanda um programa na Rádio Globo,diz se sentir exultante com a iniciativado canal:

— Achei a idéia do Futura sensacionalpor dois motivos: porque vou viver o gran-de Leônidas da Silva, o Diamante Negro,ídolo do futebol brasileiro da década de1930; e pela oportunidade de estar na te-levisão dando visibilidade ao legado só-cio-cultural afro-brasileiro no País.

Ana Paula concorda com as organiza-ções e lideranças do Movimento Negro,que reclamam que os afro-descendentessão pouco e mal-representados na mídia:

— Sabemos e entendemos o quão po-derosa é a televisão na formação do ima-ginário coletivo, reproduzindo estereóti-pos e lugares-comuns. O que este projetodeseja é romper com essa estrutura e apre-sentar personagens negros de uma manei-ra correta, responsável, afirmativa.

Para julho, o Futura programou usarhistórias escritas ou ilustradas por negrosno programa Livros animados, que trans-forma em animação publicações destina-das ao público infantil. Em agosto, emMojubá, serão exibidos sete documentá-rios sobre religiões de origem africana.

Ziraldo, por sua vez, ressalta a repre-sentatividade do JB na história da im-prensa brasileira:

— Ele sofreu a mudança mais radicaldos jornais brasileiros ao deixar de serapenas um espaço para a publicação declassificados e balanços e tornar-se umveículo moderno. O B acompanhou essaevolução, sendo testemunha efervescen-te das mudanças de comportamento noRio da segunda metade do século XX.

Em editorial, o presidente do JB, Nel-son Tanure, falou da intenção de “empre-ender significativo esforço para redimen-sionar o hábito de ler jornal no Brasil” edo reconhecimento do JB, “destacado pe-la análise, a reflexão, a vanguarda mes-mo de muitas manifestações intelectuais,artísticas e culturais”.

A nova equipe também produzirá ma-terial para outras seções do jornal, comoa revista Programa e o Idéias, que deveráser reformulado em breve. Apesar do oti-mismo, Pimentel recorda que o B já viveumomentos de crise: — O caderno nem

sempre fez sucesso. Te-ve períodos críticos,que acompanharam osperíodos críticos pelosquais passou o jornalcomo um todo.

Também em edito-rial, Ziraldo destacou:“O B maiúsculo que seamplia no espaço bran-co, onde começamos ater nossa primeira con-versa, é, verdadeira-mente, um ícone cario-

ca. (...) Reflete um modo próprio de vera vida, uma atitude especial diante dosfatos, a percepção de um mundo novoque surgia quando o caderno foi criado,há exatos 45 anos.”

Sobre as expectativas com a mudan-ça, ele diz:

— Queremos começar uma nova his-tória. Vamos torcer e ver o que acontece.

A saída do Diretor de RedaçãoO jornalista Marcus Barros Pinto, que

deixou a Direção de Redação do JB, ne-gou que sua saída tenha sido motivadapelo acerto entre Nelson Tanure e Ziral-do: — Foi o cansaço, acima de tudo, queme afastou do JB. Discordava de algu-mas diretrizes administrativas e edito-riais e resolvi devolver o cargo à Direçãoda empresa.

Marcus entrou para o Jornal do Brasilem 1995 e, com a saída de Augusto Nunese Cristina Konder do comando da reda-ção, da qual era Editor-executivo, foi con-vidado por Tanure para ocupar o cargo

O professor MunizSodré viverá

Teodoro Sampaio

Zezé Mota e Nei Lopes: interpretando personagens históricos

REFORMA

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Jornal da ABI

14 Maio/Junho de 2005

PROFISSIONALIZAÇÃO

O jornalismodepois da faculdadeA penosa busca de espaço no mercado de trabalho

Como na maioria das profissões, omar do mercado de trabalho para jor-nalismo não está para peixe, que dirápara foca. Com cada vez menos pos-tos de trabalho em um reduzido nú-mero de veículos, a competição entreos recém-formados para conseguir umestágio que lhes garanta um lugar aosol se torna cada vez maior. Tem maischances quem se preparamelhor e acrescenta ao cur-rículo competências quenem sempre são formadasnas universidades. Daí osucesso dos cursos de ex-tensão, das palestras comprofissionais experientes,dos livros que contam ossegredos da profissão.

No entanto, além da fa-culdade, são os programasde treinamento oferecidospor empresas jornalísticasque realmente preparamos jovens jornalistas e dei-xam antever uma perspec-tiva no fim do estreito tú-nel que desemboca emuma redação. E o benefício é mútuo,porque o treinamento acaba gerandopara a empresa uma melhor qualifica-ção de seus profissionais.

No Rio e na capital paulista, a Edi-tora Abril e os jornais O Globo, Esta-do de S. Paulo e Folha de S. Paulo atra-em, anualmente, cerca de 8 mil can-didatos em busca de uma vaga nosseus concorridíssimos programaspara trainee.

Em São Paulo, osmais procurados sãoo Curso de Jornalis-mo Aplicado do Gru-po Estado, o Progra-ma de Treinamentoem Jornalismo Diárioda Folha de S. Paulo e

o Curso Abril de Jornalismo. Todos sededicam a ensinar aspectos práticos daprofissão nas áreas de texto, fotogra-fia, infografia e diagramação. O pro-grama do Grupo Estado oferece tam-bém capacitação em radiojornalismo.

Este ano a Folha de S. Paulo vai reali-zar pela primeira vez um treinamentointegrado em 12 semanas, ensinandotudo o que é necessário para se fazerum jornal diário. Os trainees, embora

já formados, continuarão a ter aulas dePortuguês – fundamental para qualquerárea do jornalismo –, além de Direito,Economia e do contato permanentecom os jornalistas mais experientes doGrupo, o que é a parte nobre do proces-so de aperfeiçoamento profissional.

O programa de treinamento da Fo-lha foi inaugurado em 1988, com cur-sos de reportagem e redação. Em 98,passou a incluir o projeto para infogra-fia e diagramação.

— Já em 85, promovíamos um se-minário que serviu de base para o pro-grama de treinamento, criado três anosdepois. Queremos atrair jovens bem-formados, inteligentes, criativos e inte-ressados em Jornalismo e ensiná-los naprática a trabalhar em jornal diário, como objetivo de dinamizar e aperfeiçoar osquadros profissionais da Folha – contaAna Estela de Souza Pinto, responsávelpela Editoria de Treinamento.

Segundo Ana Estela, são cerca de2.500 inscrições por turma, duas outrês por ano, vindas de todo o País, demais de 100 universidades e das maisdiversas áreas.

— A seleção é complexa. Alguns dosfatores analisados são formação esco-lar, domínio de idiomas, capacidade dearticulação, informação geral, forma-ção cultural, capacidade de trabalharem grupo e sob pressão, interesses pes-soais e projetos profissionais – diz ela.

Na hora da seleção, diz Ana Estela,não há critérios mais ou menos impor-tantes. Procura-se formar turmas he-terogêneas, com pessoas que tenham

qualidades e desafios diferentes, paraque uns possam incentivar os outrose aprender entre si. Além disso, o trei-namento permite que os participan-tes cometam erros num ambiente pro-tegido, ou seja, numa espécie de reda-ção-modelo onde os alunos acompa-nham todos os passos da produção dojornal, assistem a reuniões de pauta ede edição, fazem exercícios de redação,cortam, aumentam, corrigem e rees-crevem textos, fazem legendas, mon-tam páginas no computador, selecio-nam fotos e até elaboram gráficos.

Além de uma equipe de jornalistas

Por ano, 8 milcandidatosconcorremàs vagas noscursos detreinamentodas grandesempresas.E a vaga é detrainee, nomedo estágio dequem já temcanudo.

Ex-Ministro Maílson da Nóbrega faz palestra para trainees do curso intensivo do Estadão

Ana Estela, da Folha, e Francisco Ornellas, do Estadão: cursos selecionam os melhores e preparam para cada veículo

e colaboradores, os cursos da Folhacontam com o professor de PortuguêsPasquale Cipro Neto e Luís FranciscoCarvalho Filho, consultor jurídico dojornal. Desde que foi criado, o progra-ma da Folha aproveitou cerca de 300treinees, nas mais diversas editorias.Um dos beneficiados foi Vinicius Mo-ta, hoje editor-chefe da Editoria Mun-do. Ele não é formado em Jornalismo,mas em Ciências Sociais pela Uni-camp, com mestrado em Sociologiapela USP. O Grupo Folha é contra aexigência do diploma específico emComunicação para trabalhar na pro-fissão (ver box ao lado). Vinícius Motadiz que sua passagem pelo treinamen-to do jornal foi fundamental para oseu desenvolvimento como jornalista.

— Sem ele, dificilmente estaria naposição em que estou hoje. O curso émuito eficaz em seu objetivo de trei-nar de maneira intensiva e preparar osalunos para iniciar a carreira numgrande veículo de comunicação.

Na Folha, os trainees não são remu-nerados e não têm seus trabalhos pu-blicados; tudo é feito apenas comoexercício. Ao final do curso, eles parti-cipam da produção de um caderno es-pecial que, dependendo da qualidadejornalística, pode vir a ser publicadono jornal. Neste caso, diz Ana Estela,“os alunos recebem um pagamento co-mo free-lancers”.

No Grupo Estado, responsável pe-los jornais O Estado de S. Paulo e Jornalda Tarde, a Agência Estado e a RádioEldorado, o Curso Intensivo de Jorna-

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15Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

lismo Aplicado é sempre no segundosemestre do ano e tem três meses deduração. Durante esse período, os alu-nos têm contato com profissionais ex-perientes e participam de debates so-bre os mais variados aspectos da ativi-dade jornalística e são treinados paraa realização de entrevistas coletivascom autoridades, parlamentares e per-sonalidades do meio acadêmico e ar-tístico. O ex-Ministro da FazendaMaílson da Nóbrega foi um dos en-trevistados. Eles também são manda-dos a campo para fazer reportagens eentrevistas, supervisionados pelosseus coordenadores, e acompanhamtodas as fases de elaboração do jornal,da apuração das matérias à distribui-ção. Criado em 1990, o curso é reco-nhecido como Extensão Universitáriaem Jornalismo pela Faculdade de Co-municações da Universidade de Na-varra, na Espanha.

— Anualmente, temos 30 vagaspara brasileiros e três vagas adicionaispara estrangeiros. Os candidatos po-dem estar concluindo a faculdade deJornalismo no ano da inscrição ou jáse terem formado até dois anos an-tes. A cada turma, são mais de 2 milinscritos. Para estabelecer uma pon-te com o mercado de trabalho, cria-mos um cadastro dos nossos alunos,o Banco Estado de Talentos –, diz ocoordenador-geral do projeto, Fran-cisco Ornellas.

A seleção dos candidatos é feita emduas etapas: a primeira, eliminatória,de conhecimentos gerais e texto jorna-lístico; na segunda etapa, os 60 classi-

ficados passam por uma entrevistapessoal com profissionais do GrupoEstado e professores da Universidadede Navarra; são então selecionados os30 alunos da turma.

No Globo, o programa de treina-mento ganhou um estágio multimídiaem 2002. Desde então, os alunos fa-zem um rodízio pelas principais edi-torias do Globo, do Extra, do GloboOnline e do Sistema Globo de Rádio,antes de passarem a trainee:

— Além da experiência nas reda-ções e na rua, onde são sempre acom-panhados por um profissional, os es-tagiários participam de ciclos de pales-tras com nomes de destaque no jorna-lismo —, conta a editora Nívia Carva-lho, responsável pelo programa.

Este ano, para quase mil inscritos,foram oferecidas 15 vagas, sendo ape-nas uma para a Fotografia, uma paraa Arte e outra para a Diagramação, to-das com provas específicas. A médiade idade dos inscritos no programa éde 23 anos. Os estagiários, que pas-sam por 11 meses de treinamento e têmdireito a seguro, bolsa de R$ 630,00 eajuda-de-custo para transporte e ali-mentação, devem estar matriculadosno 7º período de Comunicação.

Mesmo apontando deficiên-cias no ensino do Jornalismo nasuniversidades, Nívia diz que o ín-dice de aproveitamento dos esta-giários no Globo é alto. No anopassado, dez dos 12 estagiáriospassaram a trainees.

Hoje repórter da Editoria Gran-de Rio, Alessandro Soler acha que

O Curso Folha de Jornalismo desteano teve 1 mil 800 candidatos inscritose deste total 150 conseguiram passar àsetapas finais do processo seletivo. Os alu-nos que obtiveram as 40 melhores no-tas credenciaram-se a participar da últi-ma fase da seleção, que acontece no pe-ríodo de 12 a 16 de setembro, e irá indi-car os 10 candidatos que irão compor a40ª turma do Curso Folha de Jornalismo,que começa no dia 26 de setembro.

O jornal já está aceitando inscriçõespara o período de treinamento de 2006— em maio já havia mais de 1.200 inscri-tos. Qualquer pessoa com um máximode dois anos de graduação em qualquercurso de nível superior pode candidatar-se a uma vaga no curso de treinamentoda Folha de S. Paulo. Na turma de treina-mento deste ano, dos 10 aprovados nocurso dois não são formados em Jornalis-mo e nem possuem registro profissional.

A Gerente de Treinamento da Folha, AnaStela Pessoa, diz que o jornal é contra a exi-

A cidadela do antidiplomaO jornal aceitagraduados de qualquerárea. Às inscrições paraseus cursos, por isso,acorrem multidões.

gência do diploma de Jornalismo para oexercício da profissão. Ela mesma é forma-da em Agronomia e começou no jornal há18 anos na Editoria de Educação e Ciência.

O Diretor do Sindicato dos Jornalistasdo Estado de São Paulo Rodinaldo Gon-çalves considera que a Folha de S. Pauloage em desrespeito à regulamentação daprofissão:

— O curso da Folha tenta qualificarpessoas estranhas à atividade profissio-nal de jornalista, que não possuem a qua-lificação necessária para participar do tipode treinamento que o jornal oferece.

Gonçalves explica que o jornal se be-neficia da sentença proferida em primei-ra instância pela Juíza Federal substitutaCarla Rister, da 3ª Região do Tribunal Re-gional Federal de São Paulo, que em de-zembro de 2003 acatou pedido de limi-nar do Procurador André de Carvalho Ra-mos, autorizando o exercício da profis-são de jornalista sem a exigência do di-ploma e do registro profissional.

O Sindicato dos Jornalistas do Estadode São Paulo e a Federação Nacional dosJornalistas-Fenaj entraram com recurso noTRF e aguardam uma decisão que, segun-do o relator do processo Juiz Manoel Al-varez, deverá ocorrer entre os meses deagosto e setembro deste ano.

Grupo Folha

clusivamente para jornalistas recém-formados.

No ano passado, de 2 mil inscri-tos, 59 foram selecionados e quatrose tornaram trainees; nenhum delesfotógrafo.

— Não selecionamos nessa área por-que temos poucos fotógrafos contra-tados e alguns frilas. Nosso foco mes-mo é texto e design. De qualquer for-ma, todos os alunos são tratados comopotenciais profissionais. Preferimos for-mar nossos próprios quadros para aten-der às nossas necessidades. Em geral,há um desequilíbrio entre a grade ofe-recida nas universidades e a realidadeda prática profissional e das exigênciasdo mercado – explica Hamilton.

Desenvolver o potencial dos alunoscomo gestores editoriais é outra metado Curso Abril, que há quatro anosoferece 10 vagas para áreas adminis-

trativas. Em todas as áreas osalunos têm direito a refeição,mas não são remunerados.Se forem contratados comotrainees, passam a recebercerca de R$ 2.400,00 maisbenefícios como auxílio-saú-de e alimentação. Hamiltondiz que os requisitos para al-

cançar essa oportunida-de são “fazer uma boafaculdade, ter forma-ção humanística, do-

mínio de Matemáti-ca, raciocínio lógi-co e uma boa baga-

gem cultural”.

seu período como traineefoi fundamental para suacarreira.

— Estudei na UFRJ,que não tem disciplinas

práticas e em que a maioria dos profes-sores está fora do mercado. Não tivecontato com o Jornalismo na prática.Já no curso do Globo, aprendi basica-mente tudo, desde o que é a pauta atécomo fazer uma reportagem.

Criado em 1984, o Curso Abril foiinspirado no que já havia na Veja e en-sinava a fazer revistas semanais. Em1968, 100 jornalistas de diferentes Es-tados selecionados entre quase 2 milcandidatos participaram do treina-mento de estréia. Desses, 50 profissio-nais foram contratados.

A idéia foi retomada por Alberto Di-nes, num curso que, inicialmente, du-rava apenas 15 dias e era voltado paraa redação de textos. Em 92, MaríliaScalzo assumiu a direção-geral e ini-ciou uma nova etapa, como a for-mação de fotógrafos e designers.

— É uma forma de atrair talen-tos. O curso está em sua 22ª edi-ção e daqui já saíram nomes comoCaio Fernando Abreu — diz Ha-milton dos Santos, diretor doCurso Abril. As inscriçõesabrem em setembro, ex-

Ao final dotreinamento,

os alunoseditam jornais

e revistas.Algumasmatérias

podem até serpublicadas.

Ao lado, ogrupo docurso da

Folha observao resultado

do trabalho.Abaixo, osalunos da

Abril falamsobre a

revista queproduziram

Alessandro Soler:treinamento

complementou aformação teórica e

pouco prática recebidana universidade

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Jornal da ABI

18 Maio/Junho de 2005

ACONTECEU NA ABI

Acostumados a “duelos” de voz e violão, no dia 7de junho Toquinho e Paulinho da Viola fizeram ojogo inaugural do I Torneio Aberto de Sinuca Ma-estro Vila-Lobos. As partidas oficiais começaram doisdias depois, em duas séries: uma para jornalistas eassociados da Casa, outra para o público em geral.

O Salão de Estar da ABI, no 11º andar do edifício-sede, ficou lotado para receber os artistas. Cerca de150 pessoas, entre convidados, jornalistas associa-dos da Casa e sinuqueiros inscritos na competiçãodisputaram espaço próximo à mesa de jogo com oscolegas de jornais e TV que cobriam o evento.

Antes da partida, Toquinho dizia a amigos queesperava disputar um jogo difícil, pois Paulinho daViola, segundo ele, é um jogador malicioso.

— Estou gostando da festa. Quanto ao jogo, é cla-ro que cada um de nós quer sair vencedor. Mas entremim e o Paulinho há muita amizade e estamos sem-pre nos enfrentando na sinuca nesse clima amisto-so. Mas é claro que eu não quero perder.

Paulinho chegou em seguida e, ao avistar o amigoadversário, foi logo dizendo:

— Pega a minha mão; olha como está gelada. Ago-ra, escuta o coração, que está pior ainda.

Sobre ser um jogador malicioso, Paulinho negou:— Isso não é verdade. As palavras do Toquinho

fazem parte de uma brincadeira que fazemos há anose me lembra um samba do Miguel Gustavo, gravadopelo Moreira da Silva, quediz: “Ele atirou/ eu atirei/e até hoje/ ninguém sabequem morreu”.

Dito isto, os amigos seabraçaram, mas não conse-guiam tranqüilidade paraconversar sobre o jogo ouo show que fariam juntosna semana seguinte, emSão Paulo, devido ao assé-dio dos fãs — deles e da si-nuca. Entre eles estava oex-funcionário da ABIMonarco, grande amigo dePaulinho da Viola eportelense como ele:

— Joguei sinuca muitopouco, mas aprecio quemjoga bem. Apesar de gos-tar do Toquinho, hoje vim

Dois ases da músicanum duelo diferenteDisputa entre Toquinho ePaulinho da Viola abriu oI Torneio Aberto de Sinuca da ABI

Paulinho da Viola (à esquerda) chegou com a mão gelada para a disputa com Toquinho (à direita). Havia motivo: perdeu de 3 a 1.

A ABI comemorou o Dia Nacional da Im-prensa com uma versão pocket do musical“Isaurinha Garcia, a Personalíssima”, interpre-tado por Rosamaria Murtinho e com a partici-pação do ator Mauro Mendonça. A atrizrecordou vários sucessos da Rainha do Rádio,como “Mensagem” (Aldo Cabral), “Edredon ver-melho” (Herivelto Martins), “Cansei de ilusões”

(Tito Madi) e “Eu seique vou te amar” (TomJobim).

Segundo o produtore diretor Renato Lima,a idéia era reproduzirum autêntico progra-ma de auditório. E foinisso que o palco doAuditório Oscar Gua-nabarino se transfor-mou, para contar, pormeio da música, a tra-jetória de Isaura Garcia,a Rainha do Rádiopaulista nas décadas de1940 e 50.

O show teve iníciocom a narração deMauro Mendonça, in-terpretando um apre-sentador de programaradiofônico no gênerode César de Alencar, daRádio Nacional, e BlotaJúnior, da Record deSão Paulo. Em seguida,Rosamaria Murtinhosubiu ao palco e, carac-terizada como Isauri-nha e acompanhada pe-los músicos André Es-trela (violão) e DanielGordon (percussão),cantou “Camisa listra-da”, grande sucesso docompositor Assis Va-lente.

Um dos momentos mais marcantes foi a in-terpretação de “Eu sei que vou te amar”, queIsaurinha cantou no show de despedida de seumarido, o tecladista Walter Wanderley, quan-do este aceitou o convite do cantor TonyBennett para os Estados Unidos, numa apre-sentação memorável no São Sebastião Bar, emSão Paulo, nos anos 60.

Antes de o evento começar, o Presidente daABI, Maurício Azêdo, agradeceu aos presentespor apoiarem a singela homenagem da ABI aoDia Nacional da Imprensa e fez questão aindade ressaltar o pioneirismo de Hipólito da Costa,que, no dia 1º de junho de 1888, lançou em Lon-dres o Correio Braziliense, marcando o primeiroesforço de expressão da imprensa brasileira.

A RainhaIsaurinharevivida porRosamariaA comovente apresentaçãodos sucessos e do dramade Isaurinha Garcia marcao Dia da Imprensa na ABI

Rosamaria Murtinho eMauro Mendonça: com

Isaurinha, umahomenagem ao

Dia da Imprensa

aqui torcer para o Paulinho, pois dessa forma estareitorcendo também pela Portela — disse o sambista,perto da mesa que na juventude, como contínuo daABI, costumava escovar para Villa-Lobos jogar.

Satisfeito com o resultado promocional alcançadopelo evento, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo,disse que “o Torneio de Sinuca é mais uma afirmaçãovital que Associação experimenta nesse momento”.

— Trata-se da grande energia da entidade, do cor-po social, dos amigos e da administração da ABI, quenos fazem prenunciar novos avanços de liberdadede imprensa, dos direitos civis e humanos.

Maurício acompanhou Toquinho e Paulinho da Vi-ola à mesa escolhida para a disputa de melhor decinco partidas. Antes da primeira tacada, o Presidenteda ABI fez questão de ressaltar a participação dopúblico “pelo prestígio emprestado a esta iniciativada Casa do Jornalista”. Ele falou ainda do carinho eda admiração “por dois grandes expoentes da MPBque são também dois ases da sinuca” e fez questãode destacar a colaboração do Presidente do Conse-lho, Ivan Cavalcanti Proença; do coordenador doTorneio, José Henrique (Zezé) Cordeiro; da Direto-ra de Jornalismo, Joseti Marques; e do Diretor deAssistência Social, Domingos Meirelles.

Zezé Cordeiro deu uma breve explicação sobre asregras do Torneio e brincou com os ilustres compe-tidores da partida inaugural:

— Vamos apreciar uma saudável rivalidade queexiste entre Paulinho da Viola e Toquinho, que cos-tumam se bicar nas sinucas da vida.

Toquinho venceu as duas primeiras partidas ePaulinho, após ganhar a terceira com a larga diferen-

ça de 26 pontos, brincou:— Eu quero um lexotan!A quarta e última parti-

da foi a mais longa e a maistensa. Paulinho deu a saídacom jogada suicida, dandoos sete primeiros pontospara seu adversário.Toquinho marcou váriospontos em tacadas segui-das, somando 24 pontos.

O vencedor da noite foiaplaudido por todos ospresentes e cumprimenta-do por Paulinho. MaurícioAzêdo entregou aos doiscompetidores tacos deluxo do I Torneio de Sinu-ca, uma homenagem daABI aos convidados dehonra do evento.

Toquinho eufórico, Paulinho vencido mas altivo. Eledisse que pior do que a mão estava o coração.

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19Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

SÉRIE MÚSICA DE RAIZ

Luiz Carlos brindou o público com seutalento e a simplicidade que lhe é peculiar.Cantou músicas do seu CD mais recentecujo título, Benza Deus, é também o nomede uma música feita em parceria comMoacyr Luz, outro grande nome da músi-ca. Mas foram os clássicos O sonho não aca-bou, composição sua, e O show tem que con-tinuar, dele com Sombrinha e ArlindoCruz, que levantaram o entusiasmo e aparticipação da platéia.

Lembrando a Abolição da Escravaturaque se celebrava naquele dia, Luiz Carlosda Vila exaltou as raízes do samba, legadocultural da presença africana no Brasil e omais popular dos ritmos musicais brasilei-ros, cantando Treze de maio e Kizomba. Naplatéia, o bancário José Amadeu Alvarengaera um dos mais entusiasmados.

— Ninguém melhor para representar acultura negra do que Luiz Carlos da Vila.É um dos nossos maiores poetas. É muitobom ver a ABI criar um foco de resistênciacultural. Resistir é preciso. Parabéns!

Quem também compareceu à ABI paraassistir a Luiz Carlos da Vila foi a jornalis-ta e cantora Tânia Malheiros.

— Vim ver um amigo que é tambémum dos maiores poetas da atualidade. Emmeus shows tenho cantado uma músicadele, Duas saudades, querepresenta o momentode total felicidade do poe-ta. Adorei essa iniciativada ABI.

Acompanhado da mu-lher, o comerciário Cláu-dio Luz era outro entusias-mado com o projeto daAssociação:

�����José Reinaldo Marques e Rodrigo Caixeta

A bossa de sempreA bossa de sempreA bossa de sempreA bossa de sempreA bossa de sempreno palco da ABIno palco da ABIno palco da ABIno palco da ABIno palco da ABI

— A última vez que estive aqui foi nolançamento de um disco do Xangô da Man-gueira, no fim dos anos 90. É ótimo estaraqui de volta. É um programa cultural, compreço acessível e que deve ser continuado.

Para o jornalista Antônio Carlos Austre-gésilo de Athayde, é bom ver a ABI reto-mando o caminho da cultura popular noRio de Janeiro.

— Este programa veio em boa hora e aatual Diretoria está conseguindo a uniãoda classe. Estou voltando à Casa por cau-sa das novas propostas, que estão trazen-do momentos de alegria, shows e arte. Háuma nova onda de entusiasmo na atualgestão da ABI.

Luiz Carlos da Vila subiu ao palco acom-panhado pelo grupo Batifundo (PedroHolanda, violão sete cordas e voz; RobertaNistra, cavaquinho e voz; Marcelo Mattos,percussão; Sérgio Krakowski, pandeiro evoz), que abriu a programação com reper-tório que incluiu obras de Paulinho da Vi-ola e Zé da Zilda.

Muito à vontade com a platéia que oacompanhou cantando seus sucessos du-rante todo o espetáculo, Luiz Carlos daVila encerrou sua apresentação com Oshow tem que continuar, sendo aplaudidodemoradamente por uma platéia de pé.

A ABI recebeu na noite de 20 de maio,um dos maiores sambistas brasileiros:Monarco, que não escondeu a alegria devoltar à instituição onde trabalhou dos 13aos 15 anos. Num show envolvente e ani-mado, o segundo do projeto Música deRaiz, o compositor apresentou seus maio-res sucessos e contagiou a platéia.

Monarco começou o show emociona-do, agradecendo a presença dos amigos erelembrando algumas figuras importantesda história da ABI.

— Eu volto com muita alegria no cora-ção. Já matei a saudade do 11º andar, ondeescovava a mesa para Vila-Lobos jogar bi-lhar francês e onde também se reunia aque-la turma boa: Nássara, Barão de Itararé eAbdias Nascimento e tantos outros homensde grande valor da nossa imprensa —, dis-se ele, acrescentando com bom humor queo samba foi o grande causador de sua de-missão.

— Vejam só que ironia. Hoje volto àCasa como artista e essa é a forma comoeu ganho meu dinheirinho.

Um momento importante em sua tra-jetória na ABI se passou na época em queele trabalhava como contínuo:

— Eu e o Tupi (Durval Tupinambá, seuamigo de infância) estávamos sambandono 11º andar; eu com uma vassoura e elecom uma lata, quando chegou o elevadorque trazia o então Presidente dos EUA,Harry Truman, e o Dr. Moses, que nos de-ram um flagrante. Eu pensei que seria de-mitido, mas nada aconteceu.

Monarco levou a platéia às gargalhadasao lembrar que um dia voltou à ABI paracomunicar a Herbert Moses que havia secasado e ficou surpreso ao ouvir seu co-mentário:

— Ele olhou para mim e disse: “Penseique você fosse mais equilibrado.”

Com mais de 50 anos de samba,Monarco comemora o reconhecimento dogênero musical no mundo, referindo-se aoconvite para se apresentar, juntamentecom a Velha Guarda da Portela, nas come-moração do ano do Brasil na França:

— Os franceses estão muito amarradosno samba brasileiro. Eles tocamcavaquinho e nos emocionaram quando

estivemos lá em abril e nos apresentamoscom um coral de franceses que passou seismeses ensaiando uma música brasileira. AFrança é hoje em dia o país que mais gostado nosso samba de raiz.

O próprio Monarco definiu o roteiro desua apresentação no Música de Raiz, reu-nindo “sucessos tanto das rádios como dacomunidade portelense”. Monarco cantouacompanhado do grupo Batifundo, com-posto por Pedro Holanda (violão e voz),Roberta Nistra (cavaquinho e voz), ClariceMagalhães (pandeiro e voz) e MarcelloMattos (percussão).

As músicas escolhidas foram Tudo me-nos amor, Coração em desalinho, Propostaamorosa, Passado de glória, Passado daPortela, Quitandeiro, Homenagem à VelhaGuarda, Seu Bernardo sapateiro, Vivência nomorro e Homenagem a Geraldo Pereira.

Batizado Hildemar Diniz, Monarco foicriado em Osvaldo Cruz e começou a fre-qüentar rodas de samba ainda menino. Aos11 anos, compôs suas primeiras músicaspara blocos de subúrbios. A primeira a serregistrada, na voz de Risadinha, em 1975,foi Vida de rainha, composta em parceriacom Alvaiade.

Monarco integra a Ala dos Composi-tores da Portela desde 1950 e teve músicasgravadas por Clara Nunes (Vai amor),Martinho da Vila (Tudo menos amor),Roberto Ribeiro (Proposta amorosa),Paulinho da Viola (O lenço e Passado de gló-ria) e Beth Carvalho (Fim de sofrimento),entre outros.

As habilidades musicais de Monarco so-bressaem quando ele toca cavaquinho epercussão. Lançou o primeiro LP em 1974,pela gravadora Continental. O segundo dis-co, pela Eldorado, saiu em 1980. Onze anosmais tarde, estreou no formato CD comMonarco, a voz do samba, que teve produ-ção de Henrique Cazes e foi lançado no Ja-pão. Monarco também foi eleito, em 1994,melhor cantor na categoria Samba do Prê-mio Sharp. Entre suas composições de su-cesso, destacam-se Amor de malandro, Co-ração em desalinho, Falsa alegria, Presençaincerta, Vou procurar esquecer e Vai vadiar.Seus parceiros mais constantes atualmen-te são Ratinho e seu filho Mauro Diniz.

Monarco, o contador de histórias

Luiz Carlos da Vila abriu asérie em 13 de maio, dia da

Abolição da Escravatura,tema de uma de suascelebradas criações: o

samba-enredo Kizomba,com que a sua Unidos da

Vila Isabel foi campeã.

A ABI retomou em maio uma de suas mais caras tradições –

o incentivo às manifestações da cultura genuinamente

brasileira, principalmente aquelas que vêm através dos artistas

e compositores da música popular. O projeto Música de Raiz,

dirigido pelo jornalista e também músico Jorge Roberto

Martins, teve início no dia 13 de maio com uma programação

que previa a apresentação de um grande nome de nossa música

todas as sextas-feiras de maio e junho. Abrindo a série de

shows, o palco do auditório do 9º. andar do Edifício Herbert

Moses recebeu o cantor e compositor Luiz Carlos da Vila.

Luiz Carlos da Vila, aplaudido de pé

Dotado dememóriaprivilegiada,Monarcocontouhistóriassingulares,como as doseu tempode contínuoda ABI,quando erapouco maisqueadolescente.Numadelas opersonagemfoi Truman,Presidentedos EUA.

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Jornal da ABI

20 Maio/Junho de 2005

Marcos e Caio Márcio, a vez do choroPiano, Teoria, Solfejo, Harmonia e Can-to Coral. Em 1988, ingressou na Escolade Música da UFRJ, onde graduou-se emPiano e Composição. Em 89, começou aaprender acordeom. Estreou profissional-mente aos 13 anos, tocando em regio-nais, bailes e casas noturnas. Depois, co-meçou a participar de shows e gravaçõesde CDs e DVDs com artistas de variadastendências, como Dorival Caymmi, Gil-berto Gil, Chico Buarque, Milton Nasci-mento, Elza Soares, Jorge Ben Jor, Sandrade Sá, Ed Motta, Cássia Eller e EmílioSantiago. Entre os artistas estrangeiroscom quem trabalhou, destacam-se AlJarreau, Stanley Jordan, Michel Legrande Maxi Priest. Seu primeiro álbum solofoi lançado em 2002.

Também Caio Márcio descobriu a mú-sica na infância, tendo se interessado,primeiramente, pelo piano de sua mãe.O interesse pelo violão e a guitarra sur-giu mais tarde, quando, por sugestão dopadrasto, começou a ter as primeiras au-las com Luiz Otávio Braga. Em 96, conhe-ceu o violonista e guitarrista Hélio Del-miro, que se tornou sua principal influên-cia. Estreou nos palcos no ano seguinte,num show de seu pai, o clarinetista Pau-lo Sérgio Santos, no Clube do Choro deBrasília. Em 2001, formou o grupo TiraPoeira, que em 2003 lançou seu primeiroCD. Já dividiu palco com grandes nomes,como Guinga, Zélia Duncan, Beth Car-valho e Lenine, e gravou com MariaBethânia e Ney Matogrosso, entre ou-tros. Ano passado, concluiu o bacharela-do em Instrumento no ConservatórioBrasileiro de Música e lançou seu primei-ro CD solo.

“Quando toco na viola/ fica bom ba-ter uma bola/ e a inspiração decola”, diza letra do samba Quando toco na viola, deIvan Lins e Cláudio Jorge. E foi assim queo artista com o seu violão encantou o pú-blico presente ao Auditório Oscar Guana-barino. O clima intimista entre CláudioJorge e a platéia deixou transparecer queo Música de Raiz na ABI agradou aosassociados e aos cariocas em geral. Cláu-dio Jorge foi o primeiro artista a se apre-sentar em junho na série, com um reper-tório, disse ele, preparado para mostrarque imprensa e música têm um vínculomuito forte:

— Basta ver minhas raízes, minha his-tória, pois sou neto, filho e pai de jorna-lista. Dedico este show a três grandes jor-nalistas: meu avô Canuto Silva, meu pai,Everaldo de Barros, e Lena Frias, gentecuja trajetória profissional foi dedicadaàs causas sociais, à arte da música e prin-cipalmente ao samba.

Por escrever muitas crônicas sobremúsica popular, o jornalista Everaldo deBarros, pai de Cláudio Jorge, fez amiza-de com compositores como Ismael Sil-va, padrinho de Cláudio, e Wilson Batis-ta, de quem foi parceiro.

Nascido na Boca do Mato, no Rio deJaneiro, Cláudio Jorge está perto de com-pletar 30 anos de carreira dedicada espe-cialmente ao samba. Aos 20 anos de ida-de, estreou como violonista de importan-tes compositores da Velha Guarda, comoIsmael Silva e Cartola. Mais tarde, parti-cipou de shows e gravações de outrosveteranos, entre eles Nelson Cavaquinhoe Clementina de Jesus.

Sua primeira gravação como cantor ecompositor aconteceu em 1980. De lá pa-ra cá, teve músicas suas gravadas por gen-te de renome como Emílio Santiago, An-gela Maria, Alaíde Costa, Zeca Pagodi-nho, Elza Soares, Roberto Ribeiro, ZezéMotta, Jorge Aragão, Martinho da Vila,Sivuca, Cartola e o grupo Arranco de Var-sóvia. Guitarrista, arranjador e violonis-ta dos mais requisitados, participou devários shows no Brasil e exterior e de inú-meros discos de colegas, de Leila Pinhei-ro, Sérgio Mendes e Ney Matogrosso aJohnny Alf e Leny Andrade.

Cláudio Jorge abriu a programação so-zinho no palco, cantando Coisa de chefe,que dá nome ao CD com que concorreuao Grammy Latino. No meio da execuçãode Quanto toco na viola, após um solo no

Cláudio Jorge,raiz em jornal

Na noite de 24 de junho, Wilson Mo-reira apresentou seu samba na ABI, ondecantou seus maiores sucessos, como Se-nhora liberdade, Água de moringa, Judia demim e Goiabada cascão. — Estou satisfei-to por voltar à Casa, onde já cantei háalgum tempo, e espero que seja um su-cesso. Tenho me apresentado bastantepor aí e o público está gostando.

Wilson Moreira, oque faz diferença

ACONTECEU NA ABI

Marcos Nimrichter e Caio Márcioapresentaram no Música de Raiz na ABIum perfil de suas maiores influências, re-criando composições de Radamés Gnat-tali, Ernesto Nazareth e Jacob do Ban-dolim, entre outros mestres da músicabrasileira.

No palco, Marcos e Caio combinamsuas sólidas formações na música clássi-ca a novas concepções de improvisação,debruçadas sobre o samba e o choro. Emprimeira mão, eles mostraram alguns dosarranjos criados para o disco de estréia doduo, que está em fase de pré-produção.

Marcos ficou empolgado com a apre-sentação. — Não conhecia este espaço daABI. Quando fui convidado, não sabiaque faria parte de uma série de shows,nem que estaria ao lado de outros gran-des nomes da música.

Para ele, a apresentação constituiu umnovo formato de seu desempenho. —Todo nascimento é aguardado. Estouachando estimulante, porque é um tra-balho diferente. Normalmente me apre-sento em quarteto e toco apenas minhasmúsicas.

O repertório incluiu Estudo nº 5, Estu-do nº 7 e Tocata em ritmo de samba, de Ra-damés Gnattali; Sonoroso, de K.Ximbi-nho; Assanhado e Vôo da mosca, de Jacobdo Bandolim; Feitiço, de Ernesto Nazareth;Nítido e obscuro, de Guinga; Choro com pa-ço, de Caio Márcio; e Frevo do frei frívolo,de Marcos Nimrichter.

Desde a infânciaAos 4 anos de idade, Marcos Nimrich-

ter iniciou os estudos de Música na Esco-la Santa Cecília, em Niterói, onde cursou

violão, arrancou aplausos da platéia. Naseqüência, foi acompanhado pelos músi-cos Paulinho da Aba e Marcelo Pizzotti(percussão) e Humberto Araújo (sax eflauta). Depois, uma surpresa: chamou aopalco o filho Gabriel Versiani — músicoem início de carreira e jornalista —, queinterpretou o samba Novos Tempos.

Com cinco CDs gravados –– um de-les, Coisa de Chefe, indicado ao GrammyLatino na categoria samba ––, CláudioJorge é um dos fundadores da gravadoraCarioca Discos e como produtor assinatrabalhos como A luz do vencedor e BenzaDeus, de Luiz Carlos da Vila, e Sincopan-do o breque, de Nei Lopes, um dos cincomelhores CDs de 1999, segundo o jornalO Globo.

Seus projetos para 2005 incluem trêslançamentos: o segundo CD que fará peloselo Carioca Discos; o de O violão e o sam-ba, em que, juntamente com CarlinhosSete Cordas, acompanhará a cantoraDorina; e o do livro Levadas, em que apre-sentará mais de 50 ritmos brasileiros e ométodo que desenvolveu para executá-los ao violão. Além disso, apresenta umprograma de crônicas na Rádio Mec AM,ás 10h50min das quartas-feiras, e pre-para um livro sobre os seus 30 anos decarreira.

especial e sua discografia inclui Quemsamba fica, A arte negra, Comitê de mobili-zação pelo não pagamento da dívida exter-na, Brasil Roots Samba, Okolofé, Entida-des I e Peso na Balança.

Além dos sucessos citados, o repertó-rio escolhido por Wilson Moreira parasua apresentação na ABI incluiu Deixaclarear, Mel e mamão com açúcar, Não temveneno, Formiga miúda, Só chora quemama, Meu baio e meus balaios, Põe dendêe tempero, Quero estar só, Yaô, Benguelê,Efunoguedê, Oloãn, Jongueiro cumba, Mor-rendo de saudade e Gostoso veneno.

Wilson diz que suas músicas preci-sam ser ensaiadas — pois “têm um tommais rebuscado e uma ressonância euma harmonia diferentes” — e apostouno conjunto Batifundo, que o acompa-nhou. — Nunca me apresentei com ogrupo, mas certamente vai ser uma boaparceria, porque seus músicos conhecemmeu repertório.

HerançaCarioca do Realengo, Wilson Moreira

é neto e sobrinho de jongueiros e toca-dores de caxambu. Cresceu ouvindo a

batida do samba e aos 16 anos tocavatamborim na Unidos de Padre Miguel.Com seu primeiro parceiro, Da Volta, foicampeão do samba-enredo da escola em1962, Brasil no campo cultural. Três anosmais tarde, começou a cantar na TVContinental. Em 1967, junto com Zu-zuca, Zito, Jair do Cavaquinho e Velha,formou Os Cinco Só e, depois, a Turmado Ganzá.

Suas músicas foram gravadas por vá-rias estrelas da MPB, como Clara Nunes,Alcione, Beth Carvalho e Jair Rodrigues.Participou de 11 discos como convidado

CID

INH

A ZANO

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Cláudio Jorge, neto e filho de jornalistas.

Marcos Nimrichter e Caio Márcio: a música clássica como base dos improvisos de samba e choro

SÉRIE MÚSICA DE RAIZ

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21Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

A Governadora Rosinha Garotinhoe outras autoridades estaduais, alémde parentes e amigos de Brizola e po-líticos e militantes do PDT, estiveramna Associação Brasileira de Imprensa,para prestigiar a homenagem da ins-tituição ao ex-Governador do Estadono primeiro aniversário da sua morte.

A celebração foi realizada no Audi-tório Oscar Guanabarino, no 9º andardo Edifício Herbert Moses, sede da en-tidade, e foi aberta pelo Presidente daABI, Maurício Azêdo, que convidoupara compor a mesa que conduziu acerimônia, além da Governadora, osDeputados estaduais Noel de Carva-lho (PMDB) e Waldeth Brasiel (PL), oChefe de Gabinete da Secretaria deGoverno, Fernando Peregrino, o Dire-tor de Assistência Social da ABI, Do-mingos Meirelles, o jornalista JoséGomes Talarico, Presidente de Honrada Comissão de Liberdade de Impren-sa e Direitos Humanos da ABI, e o jor-nalista Hélio Fernandes, diretor da Tri-buna da Imprensa.

A programação organizada pelaABI teve início com o discurso da Go-vernadora Rosinha Garotinho, que ex-pressou sua felicidade por ter sido con-vidada para o evento:

— Devo confessar minha emoçãopor ter sido convidada para participardesta solenidade. Agradeço à ABI e àAssociação Nacional de Divulgação daHistória Política e Cultural do RioGrande do Sul, que permitiram que eurendesse esta homenagem a Brizola.E a ABI é o lugar perfeito para essa ce-lebração, pois Brizola foi um árduo lu-tador pela imprensa livre.

Rosinha Garotinho anunciou a libe-ração de R$ 4 milhões para a constru-ção do Memorial Leonel Brizola, queserá erguido no Centro do Rio com pro-jeto de Oscar Niemeyer. O arquitetonão pôde comparecer à cerimônia, masenviou uma mensagem, em que dizia:“Brizola foi um exemplo de patriotis-mo na vida pública. Foi um grande pa-triota que nos faz muita falta.”

Saudade de Brizolalota o auditório da ABIA homenagem que a ABI prestou

a Leonel de Moura Brizola, no

primeiro ano de sua morte,

contou com a presença da

Governadora Rosinha Garotinho,

que anunciou a construção, no

Centro do Rio, de um memorial

dedicado ao ex-Governador.

Coerência e coragemAo fim do pronunciamento da Go-

vernadora, foi exibido o DVD “Brizola,coerência e coragem”, de Fernando Bar-bosa Lima. O documentário mostra atrajetória política de Brizola, começan-do com sua eleição para Deputado Es-tadual pelo PTB do Rio Grande do Sul,em 1947, até o cumprimento dos doismandatos como Governador do Estadodo Rio de Janeiro — o primeiro, em1982, logo após o seu retorno do exílio.

Depois da exibição do DVD, a Go-vernadora e o Presidente da ABI segui-ram para o Salão João Antônio. Mes-plé, onde inauguraram uma exposiçãode 45 painéis intitulada Os 60 anos devida pública de Leonel de Moura Brizola.A mostra — que ficou aberta ao pú-blico, com entrada franca, das 11h às18h, de segunda a sexta-feira, até 29de julho seguinte — contou com oapoio da Associação Nacional de Di-

vulgação da História Política e Cultu-ral do Rio Grande do Sul, que autori-zou a ABI a exibi-la não apenas no Rio,mas em outras cidades fluminensesque manifestassem interesse emapresentá-la.

A última etapa da cerimônia foi aconferência A dimensão política e socialde Leonel Brizola, feita pelo engenhei-ro pós-graduado em Economia Ar-naldo de Assis Mourthé. Membro doDiretório Nacional do PDT, Mourthéexplicou que faria uma abordagem docidadão e do homem político que foiLeonel de Moura Brizola: — Ele erauma pessoa de ação analítica fria emrelação à política. Antes de tomarqualquer decisão, aprofundava-se nainterpretação dos fatos e da situaçãopolítica do momento.

Mourthé contou que se aproximoudo ex-Governador por causa da sua li-nha de pensamento: — Nós nos co-

Moacyr Luz é daqueles composito-res que estão intimamente ligados aduas fortes marcas do Rio: o samba eos botequins. Por causa dessa cultura,acabou até virando personagem da sé-rie de charges Carioquices, do amigoLan, e já tem no computador um livroprontinho para ser editado, com dicassobre como sobreviver circulando pe-los melhores botecos da cidade. — Olivro se chama Manual de sobrevivênciaem butiquins mais vagabundos e é umacrônica sobre relacionamentos em bar.O lançamento, no segundo semestredeste ano, será, é claro, num boteco.

Nascido em 1958 em Bangu, ondepassou a sua infância, esse devoto de SãoJorge é hoje Grão-Mestre Anfitrião daMuda — honorabilidade que divide com

o amigo, vizinho eparceiro Aldir Blanc.No bairro, costumaser encontrado nafeira-livre da Rua Ga-ribaldi, onde, sempreque não tem algumcompromisso musi-cal a cumprir, promo-ve o encontro Sextana Ponte, que invari-avelmente acaba seestendendo ao Bar daMaria, onde tem me-sa cativa.

Esta não foi a pri-meira vez que ocompositor se apre-sentou na ABI: can-tou no show pelos80 anos do cartunis-ta Lan e lembra-sede ter participado deoutras homenagensa personalidades. —Num desses even-

tos, lembro-me bem de ter ao meu ladouma fonte constante de inspiração, oNelson Sargento. Acho muito impor-tante a cidade receber novos espaçospara a música. Na ABI, a expectativa émaior por conta da sua história, que jáse construiu como referência de resis-tência — e o samba também semprefoi resistência. Além disso, imprensa emúsica formam uma boa parceria, poisambos são narradores do cotidiano ecarimbam ao seu modo as páginas dasnossas vidas.

Escolhas favoráveisPara o compositor — que acaba de

lançar seu sétimo disco —, o horáriode seis e meia e a sexta-feira, escolhi-dos para os espetáculos do Música deRaiz na ABI, são muito favoráveis. —Sempre achei que cantar às sextas-fei-ras oferece ao público uma mistura daemoção com a música e alívio com oinício do fim de semana, tão esperadopelo trabalhador.

Para sua apresentação, Moacyr Luzdiz que selecionou as músicas que con-sidera as mais representativas da suacarreira. — Vou cantar Saudades daGuanabara, Anjo da Velha Guarda, Praque pedir perdão, Cabô, meu pai, Cacha-ça, Árvore e bandeira e Vila Isabel, mú-sicas que meus parceiros Aldir Blanc,Luiz Carlos da Vila e Martinho da Vilaajudaram a construir.

Com Moacyr Luz,o samba da cidade

ALEX

AND

RE

VID

AL

Moacyr Luz:a boa

parceriaentre

imprensae música

MÚSICA...

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Jornal da ABI

22 Maio/Junho de 2005

“Inicialmente, devo confessar mi-nha emoção por ter sido convidadaa fazer esta abertura da inauguraçãoda exposição Os 60 anos de vida pú-blica de Leonel Brizola.

Emoção também por esta soleni-dade celebrar um ano transcorrido dofalecimento deste inesquecível lídere estadista brasileiro.

Agradeço, portanto, à nossa glori-osa Associação Brasileira de Impren-sa e à Associação Nacional de Divul-gação da História Política e Culturaldo Rio Grande do Sul pela escolha quefizeram de meu nome e com isso per-mitiram que, mais uma vez, eu rendaminhas homenagens à sua memória.

Este auditório da Associação Bra-sileira de Imprensa, palco de tantosmomentos históricos de nosso Bra-sil, é — sem dúvida alguma — umlugar perfeito para esta sempre opor-tuna homenagem. Sua biografia éuma verdadeira saga pelo Brasil. Porisso, destaco alguns momentos queme tocam mais como pessoa e mili-tante política.

Brizola foi um dos mais ardoro-sos lutadores pela imprensa livre emnosso País. Daqui, ele empunhou,com grande coragem, essa bandeira.

“Um ícone da liberdade de expressão”Um perfil de Brizola, pelaGovernadora Rosinha

Enfrentou setores da própria mídiae interesses que — através de meiosde comunicação — procuravam, eprocuram até hoje, anestesiar e es-cravizar nosso povo.

Nem que para isso esses tais seto-res discriminem alguns em detrimen-to de outros. Disse ele, em um semi-nário: “Só aqui no Brasil um conces-sionário de meios de comunicação —portanto, um serviço público — podediscriminar alguém. Isso ocorre en-quanto o próprio poder concedentedeve tratar todos igualmente emconformidade com o que diz a Cons-tituição.”

O nome de Brizola também se con-funde com a maior de todas as políti-cas públicas: a da Educação, simboli-camente representada pelos Cieps.Um arrojado modelo de escola detempo integral, antes carinhosamen-te apelidados de “Brizolões”, agora éassim denominado oficialmente, deacordo com lei que sancionei. Umahomenagem singela ao líder falecido.

Mas não podemos lembrar doBrizola sem pensar nos dias de tur-bulência e de grandes frustrações quenosso País vive hoje! Apenas comoexemplo: como reagiria ele à surpre-endente notícia de que a dívida pú-blica alcançará, em outubro, a tristemarca de R$ 1 trilhão?

nhecemos em 1979, durante uma to-mada de posição comum de defendera retomada do PTB como solução po-lítica para a abertura, diferentementedaquela que era pretendida pelos mi-litares e defendida pelo PMDB comFranco Montoro e pelo Deputadopernambucano Fernando Coelho, quedeixariam de fora do processo políti-co lideranças como Brizola, Luís CarlosPrestes e Miguel Arraes.

Arnaldo Mourthé destacou tam-bém a formação moral, religiosa e fi-losófica de Brizola: — Ele era um cris-tão não-praticante e um republicanoconvicto, que entendia que a Repúbli-ca era um representativo avanço paraa Humanidade, desde que viesse so-mada às conquistas sociais implanta-das por Getúlio Vargas e que antes jáhaviam sido defendidas por José Bo-nifácio. Assim como ele, Brizola tam-bém era um libertário.

Mourthé disse ver na formação po-lítica do homenageado uma escola devanguarda: Era uma pessoa reconhe-cida pela coerência e a coragem, duasqualidades admiradas por todos, ami-gos e adversários. Os programas so-ciais criados por ele no Rio Grande doSul e no Rio de Janeiro são a marca dasua generosidade. O esforço que elefazia para que as ações do Estado no

campo social fossem cumpridas,como a reforma agrária e escolas quetirassem as crianças das ruas, a exem-plo dos Cieps, as oportunidades cria-das em seu Governo para mulheres,negros e índios e os programas de sa-neamento e Cada Família Um Loteforam iniciativas que poucos políti-cos tomaram.

O conferencista terminou a suaexposição lembrando que o ex-Gover-nador Brizola, pouco antes de morrer,falou várias vezes sobre os riscos deinstabilidade política e institucionalque ameaçavam o País: — Fez essasadvertências porque respeitava a so-berania do voto popular, pois para eleo que deveria ser defendido pelos Go-vernos não eram as ambições particu-lares e sim o interesse público.

Um hino relembradoA programação em homenagem a

Leonel Brizola no primeiro ano de suamorte foi encerrada com o sambistaDarcy da Mangueira, acompanhadopor Jesus Antunes, Presidente do Con-selho Fiscal da ABI, cantando o Hinoda Legalidade: “Avante brasileiros depé / marchamos todos juntos com abandeira / que prega a lealdade (...) /Pois um povo só é bem grande / se forlivre sua nação.”

Uma exposição com 45 painéis sobre a trajetória pessoal e política de Brizolafoi apresentada pela ABI em homenagem ao ex-Governador do Estado no pri-meiro aniversário de seu passamento. A mostra, sob o título Os 60 anos de vidapública de Leonel de Moura Brizola, foi realizada com a cooperação da AssociaçãoNacional de Divulgação da História Política e Cultural do Rio Grande do Sul,sediada em Porto Alegre, e contou com o apoio institucional do Governo doEstado do Rio de Janeiro.

A mostra ficou aberta ao público, com entrada franca, das 11h às 18h, desegunda a sexta-feira, de 22 de junho a 29 de julho. Depois da apresentação naABI, o conjunto de painéis seria apresentado em um sindicato de São Paulo.

mou, mais forte do que nunca.Senhoras, senhores, a memória de

Brizola precisa ser conservada e cul-tivada. Com projeto concebido peloProfessor Oscar Niemeyer, o Gover-no do Estado ajudará a perpetuar suabiografia para que as novas geraçõeso conheçam plenamente, como exem-plo de homem público íntegro, ho-nesto e coerente e que nunca transi-giu quando se tratava do interessepúblico. Refiro-me ao projeto do Me-morial Leonel Brizola, que será cons-truído em terreno localizado na Ave-nida Presidente Vargas, para o qualhoje autorizei a liberação de recur-sos de mais de R$ 4 milhões.

Não é exagero lembrar as palavrasde Getúlio Vargas em sua carta-tes-tamento, palavras essas que sinteti-zam também a vida e a força de Leo-nel Brizola. Disse Vargas: “Lutei con-tra a espoliação do Brasil. Lutei con-tra a espoliação do povo. (...) O ódio,as infâmias, a calúnia não abaterammeu ânimo.”

Mas, como na canção popular, pos-so dizer que “bate outra vez com es-perança o meu coração” de ver a Pá-tria amada, idolatrada, com sua bra-va gente brasileira, livre e soberana!Este é o Brasil que Brizola sonhou, edesejamos que se torne realidade!

Muito obrigada.”

Como estaria reagindo Brizola aessa escalada da dívida do País, pro-movida pela maior taxa de juros doplaneta, e ao mesmo tempo o aumen-to da desigualdade que coloca o Bra-sil entre as duas nações mais desiguaisdo mundo?

Todos nós sabemos como se indig-nava e com que lucidez apontava osdescaminhos dos sucessivos governose, ao mesmo tempo, vislumbrava odestino de sermos uma grande nação.

Senhoras e senhores, um ano apóssua morte, nos sentimos meio órfãos.Como afirmei no dia de seu velório,no Palácio Guanabara, Brizola é exem-plo de homem público e de políticoneste País. Um líder cujo legado so-breviverá ainda por muito tempo!

Rui Barbosa, quando se despediude Machado de Assis, pronunciou-seassim: “A morte não extingue, trans-forma; não aniquila, renova; não di-vorcia, aproxima.” Foi o que aconte-ceu com Leonel Brizola. Sua partidanão extinguiu um líder, mas o trans-formou em um ícone nacionalista,um defensor da universalização daeducação integral para todos; um íco-ne da liberdade de expressão, um eter-no lutador contra a discriminação dosmais humildes. A morte não aniqui-lou Brizola, mas o renovou; não o afas-tou de seus liderados, mas o aproxi-

Em uma mostra, 60 anos de vida pública

Acompanhada pelo Presidente daABI, a Governadora visita a

exposição sobre Brizola

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23Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

LIVRO

Aos 67 anos de idade, o cronista es-portivo José Inácio Werneck acaba deestrear na carreira literária com o lan-çamento de seu primeiro romance,Sabor de mar, pela editora Revan. Se-gundo ele, se há algum “culpado” nes-sa história de jornalista escritor, ele sechama Moacir Japiassu:

— Em anos passados, ele perdoouaté mesmo minhas críticas ao seu ama-do Vasco da Gama e me incentivou aescrever meu primeiro livro, que nãoera de ficção. O livro a que Werneckse refere chama-se Com esperança nocoração: os imigrantes brasileiros nos Es-tados Unidos e traça um perfil dos qua-se 2 milhões de pessoas que enviammais de 5 bilhões de dólares para o Bra-sil e ainda assim são mal-atendidos pe-lo Governo nos nossos consulados.

— Com muita sensibilidade, o JoséInácio percebeu os grandes problemasdos brasileiros nosEUA e resolveu es-crever um livro so-bre o assunto —conta o amigo Giu-lio Sanmartini.

Na opinião docientista políticoBolívar Lamounier,Sabor de mar é obrade um homem ma-duro no ofício deescrever.

— Jornalista ex-periente, José Inácio Werneck é donode uma prosa enxuta e elegante. Cale-jado e viajado, percorre campos osmais diversos, da cultura ao esporte,da vida cotidiana à política.

O romance mostra o panorama cul-tural, político e de costumes da vidacarioca e brasileira, desde as vésperasda ditadura militar até a atualidade. Ahistória conta a trajetória de uma jor-nalista inteligente e audaciosa que saido interior fluminense para trabalharna cidade do Rio de Janeiro e, depois,no exterior.

A capa do livro é de Marco AntonioRodrigues, jornalista e ilustrador daESPN Internacional, onde é colega detrabalho de José Inácio. Rodrigues temtrabalhos publicados no Miami Heralde no New York Times.

Com “Sabor demar”, José InácioWerneck dá umpasseio pelo Rio

Profissionais e estudantes de Co-municação participaram do seminário“Lembrando Tim Lopes na prática doJornalismo”, organizado pela Comis-são Tim Lopes, a ABI e o Sindicato dosJornalistas do Município do Rio deJaneiro. Durante o encontro foram re-lembradas a vida e a trajetória profis-sional de Tim Lopes e debatidos os te-mas liberdade de imprensa, mercadode trabalho e jornalismo investigativo.

A mesa que conduziu osdebates foi composta peloPresidente da ABI, MaurícioAzêdo; Chico Otávio, Vice-presidente da AssociaçãoBrasileira de Jornalismo In-vestigativo-Abraji e repórterespecial do Globo; Aziz Fi-lho, diretor da sucursal Rioda revista IstoÉ e Presidentedo Sindicato; Joseti Mar-ques, Diretora de Jornalis-mo da ABI; e DomingosMeirelles, Diretor de Assis-tência Social da Associação.

Maurício Azêdo lembrouTim Lopes e destacou a importânciade se dar aos estudantes a oportuni-dade de aprender com profissionaisexperientes: — Ao invés de fazermosum pranto em torno do Tim Lopes edo seu sacrifício, pela emoção de queainda estamos possuídos pelo bárba-ro fim que ele teve, o encontro teveum sentido pedagógico de exaltaçãoda sua atuação profissional. Principal-mente pelo desejo dele de fazer um jor-nalismo que ajudasse as pessoas a vi-ver melhor.

Segundo Miro Lopes, desde o anopassado a Comissão Tim Lopes vemusando a data da morte de seu irmãopara promover grandes eventos de queprofissionais e estudantes de Jornalis-mo possam tirar algum proveito.

— Desta vez foram convidadas pes-soas que pudessem abordar três te-mas diferentes, visando a preparar oaluno de Comunicação. Os jovens quepuderam participar dos debates naABI tiveram hoje uma grande lição.E foi importante também para os ve-teranos, porque pudemos reforçarnossas discussões sobre o que deseja-mos aprimorar.

Ao abordar o tema mercado de tra-balho, Aziz Filho disse que a partir doepisódio da morte de Tim Lopes o Sin-dicato dos Jornalistas vem conclaman-

tudo o que se apura aparece; e às vezesas denúncias ocorrem, mas nem sem-pre sabemos a quem elas vão atender.

Sanções e ameaçasDomingos disse ainda que a ativida-

de vem sofrendo uma série de sanções,cercos e ameaças, principalmente coma quantidade de processos contra jor-nalistas e contra a liberdade de expres-são que estão ocorrendo pelo Brasil:

— Este seminário teve o papel deestimular a discussão sobre o futurodo jornalismo investigativo no Brasil,do qual Tim Lopes se tornou um íco-ne. Uma prova disso é que o Sindica-to dos Jornalistas sinalizou que vai darcontinuidade a esse processo, promo-vendo um debate em torno do assun-to e do mercado de trabalho.

O mercado de trabalho foi anali-sado por Chico Otávio, que falou dasdificuldades enfrentadas pelos repór-teres no exercício da profissão, devi-do a uma infinidade de notificaçõesjudiciais por danos morais contra elesnos tribunais de Justiça. — A Abrajijá contabilizou cerca de 3,5 mil açõespor danos morais contra jornalistas.Mesmo assim, é preciso fazer a infor-mação emergir, pois este é o papel daimprensa.

Há dois anos e meio, a AssociaçãoBrasileira de Jornalismo Investigativofoi criada a partir da morte de Tim Lo-pes. –– E a melhor contribuição que agente pode dar para esse legado é fo-mentar o bom jornalismo.

Disse Chico Otávio que a Abraji es-tá empenhada na disseminação de téc-nicas de jornalismo, a promoção de de-bates e a aprovação de uma lei de aces-so a informação pública no País –– “es-te é um dos objetivos centrais da ins-tituição.”

No encerramento do seminário,Maurício Azêdo, além de citar a cola-boração entre a ABI e o Sindicato dosJornalistas do Rio, ressaltou a dedi-cação de Miro e Tânia Lopes, irmãosde Tim, no esforço para garantir apresença de estudantes e profissionaisno debate.

Um seminário detécnica de jornalismoem homenagemao companheiroassassinado

do a sociedade a lutar pela garantia daliberdade de ir e vir: — Além de aca-bar com a violência da miséria e a vio-lência do tráfico, temos que tentarabrir diálogo com as empresas de co-municação, para que as redações en-contrem fórmulas de proteger seusjornalistas. Algumas já se mostraramsensíveis ao tema, mas precisamosavançar mais.

Revelou Aziz que o seminário foiencarado pelas entidades representa-tivas da classe jornalística com tantaseriedade que, em todo o País, sindi-catos rejeitaram sugestão da Fenaj depromover atividades pelo Dia Nacio-nal da Imprensa, 1º de junho, para des-tacar a importância do evento na ABIcomo um ato representativo da liber-dade de imprensa no Brasil.

Virtude raraDomingos Meirelles foi colega de

Tim Lopes em O Globo de 1974 a 1976e diz que o que mais lhe chamava aatenção nele era a extraordinária ca-pacidade de percepção das dificulda-des do homem comum: — Hoje estaé uma virtude rara entre os profissio-nais de imprensa. Eu me perguntava:onde foi que ele desenvolveu esse dom?E o Tim sempre foi dedicado às ques-tões sociais.

Domingos falou também do proces-so de restabelecimento de algumas tra-dições da ABI, como a de ser um fórumde discussão das grandes questões daimprensa brasileira: — Acho que o quese falou nesse encontro, baseado natrajetória profissional de Tim Lopes,mostra o acerto da atual Diretoria. Oponto alto deste encontro é que elenos levou a uma profunda reflexão so-bre o exercício da atividade de repór-ter, que é hoje uma profissão de risco.

A Diretora de Jornalismo da ABI,Joseti Marques, concordou comMeirelles:

— Vivemos um momento em queos jornalistas têm sido abatidos a ti-ros. É preciso consistência e coragempara vencer esses obstáculos. Além dis-so, no caso do jornalismo investigati-vo é preciso estar atento, porque nem

União para lembrar TimMEMÓRIA

Werneck: veterano do esporte na literatura

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Jornal da ABI

24 Maio/Junho de 2005

Em suas reuniões de maio e junhoa Comissão Especial de Reparação daSecretaria de Direitos Humanos do Es-tado do Rio aprovou o pagamento deindenizações a 84 vítimas de prisão etortura.

Em longa reunião realizada em 25de maio, a Comissão Especial de Re-paração da Secretaria de Direitos Hu-manos do Estado do Rio de Janeiroapreciou 53 processos de vítimas deprisão e tortura em dependências es-taduais durante o regime militar eaprovou a concessão de indenização a45 dos requerentes ou seus cônjugesou descendentes, no caso dos faleci-dos. A indenização, no valor de R$ 20mil, tem o caráter de reparação moralpelos padecimentos impostos aos al-cançados pela decisão do Conselho.

Durante a sessão, presidida pelo re-presentante da ABI, Maurício Azêdo,como membro mais idoso da Comis-são, o representante da Ordem dos Ad-vogados do Brasil-RJ, Marcos Cilos,apresentou um voto de repúdio às vio-lências contra a liberdade de imprensa,especialmente as praticadas no Estadode Rondônia, com a censura prévia à re-portagem do programa Fantástico, daRede Globo de Televisão, sobre corrup-ção de deputados à Assembléia Legisla-tiva local. A representante do Grupo Tor-

Em carta à Diretoria da ABI, o anti-go líder portuário e dirigente do Parti-do Comunista Brasileiro-PCB GeraldoRodrigues dos Santos contesta a afir-mação da matéria Comissão de Repa-ração avalia 52 processos, publicada naedição número 299/abril de 2005 do“Jornal da ABI”, de que não foi presodurante o regime militar “graças aoaparato de segurança montado peloPCB”. Geraldão, como ele é conheci-do, diz que só não foi preso porque oComitê Central do PCB fez uma ava-liação correta da natureza do regime,“uma ditadura militar fascista”, e ado-tou rigorosas medidas de segurança.Além disso, contaram militantes e diri-gentes comunistas com a solidarieda-de de cidadãos anônimos que impedi-ram muitas mortes e prisões.

Geraldão considera que a Lei nº3.744/2001 do Estado do Rio de Janei-ro, que instituiu uma indenização co-mo reparação moral às vítimas da di-tadura, foi elaborada de forma incom-pleta, pois militantes e lutadores quenão foram presos, “também sofreramperseguições e torturas morais, poisforam separados das famílias, sofren-do também toda a sorte de persegui-ção e padecimento físico e moral”. Co-mo Geraldão não foi preso, a Comis-são Especial de Reparação, da Secreta-ria de Direitos Humanos do Estado doRio de Janeiro, indeferiu o pedido dereparação por ele formulado.

A seguir, a carta de Geraldão.“Prezados CompanheirosEu, Geraldo Rodrigues dos Santos,

portuário da cidade de Santos-Geral-dão, freqüentador e amigo dessa enti-dade há muitos anos, da época de com-panheiros como o velho Henrique Cor-deiro, Pedro e Paulo Mota Lima, JoãoAntônio Mesplé, infelizmente todosjá falecidos, vem solicitar-lhe o obsé-quio de uma correção numa matériapublicada no “Jornal da ABI”, de abrilde 2005, número 299, com o título deComissão de Reparação avalia 52 proces-sos. Entre os processos de reparaçãoque são listados na referida matéria,há uma referência a Geraldo Rodriguesdos Santos, o Geraldão. Nesta citaçãodiz-se “graças ao aparato de seguran-ça montado pelo PCB, Geraldão nun-ca foi preso durante a ditadura mili-tar. Com isto sua postulação não aten-deu a dois requisitos essenciais da Leinº 3.744/2001, que instituiu a repara-ção: o de ter sido preso por motivação

A LEI DE REPARAÇÃO MORALÉ INCOMPLETA, DIZ GERALDÃO

Mesmo militantes que não foram presos sofreram perseguiçõese torturas morais, sustenta o antigo líder portuário de Santos.

política e de ter padecido de torturafísica ou moral em dependência do Go-verno do Estado do Rio de Janeiro”.

Gostaria de que fosse feita uma cor-reção, já que desconheço nesses meus60 anos de militância política a mon-tagem de qualquer aparato de seguran-ça organizado por dirigentes ou mili-tantes do PCB. O que contribuiu paraque Geraldão não fosse preso foramas resoluções do Comitê Central doPCB, que caracterizavam o regime es-tabelecido no País como uma ditadu-ra militar fascista. Esta decisão deter-minava que os comunistas, principal-mente seus dirigentes, diante dessarealidade e com as experiências do mo-vimento operário internacional, prin-cipalmente aquelas da luta contra ofascismo no mundo inteiro, fossem as-

similadas e aplicadas naquelas circuns-tâncias, com o cumprimento de rigo-rosas medidas de segurança.

Outro fator decisivo que impediudiversas prisões e assassinatos peloaparelho repressivo foi a solidarieda-de da militância e de uma grande par-te do nosso povo, muitos dos quais,cidadãos anônimos, que a Históriaprovavelmente não registrará, se inte-graram na luta, contribuindo para im-pedir a prisão e até a morte de muitosmilitantes e dirigentes comunistas eantifascistas que lutavam dia e noitepara a derrubada da ditadura fascistaque se instalou em nosso País. Comovemos, a idéia de um aparato de segu-rança partidária é completamenteequivocada.

Ao mesmo tempo, gostaria de frisar

que a Lei nº3.744/2001, que não dei-xa de ser uma conquista, foi elabora-da de forma incompleta, pois é lamen-tável que os nossos parlamentares egovernantes não tenham percebidoque militantes e lutadores que não fo-ram presos, mas foram condenados eperseguidos pela Polícia Política do Es-tado do Rio de Janeiro, também so-freram perseguições e torturas morais,pois foram separados das famílias, so-frendo também toda sorte de perse-guição e padecimento físico e moral.

Aproveito essa oportunidade paraoferecer a essa Diretoria alguns dadosbiográficos de minha militância polí-tica resumida no livro A trajetória deum comunista.

Cordiais saudações. (a) Geraldo Ro-drigues dos Santos.”

Mais indenizações a vítimas da ditadura

DIREITOS HUMANOS

tura Nunca Mais, Elizabeth Silveira, co-municou ao plenário que de 23 a 29de maio estaria em curso a Semana In-ternacional dos Desaparecidos Políticos,instituída por organismos internacio-nais de defesa dos direitos humanos.

A Comissão indeferiu cinco dosprocessos apreciados, por entender queos requerentes não atendiam aos re-quisitos da Lei estadual nº 2.744, de21 de dezembro de 2001, que instituiua reparação moral. Três dos processostiveram sua apreciação adiada, em ra-zão de pedidos de vista ou por neces-sidade de presença do relator, para es-clarecer dúvidas suscitadas. Dez dosprocessos referiam-se a perseguidospolíticos falecidos.

Os processos deferidos foram os deAffonso Henriques Guimarães Corrêa,Aganipio Portela de Sá, Altivo Ferrazda Silva, Antônio Ramiro da Silva, Ave-lino Bioen Capitani, Chricio Ciryllo deOliveira (falecido), Claudionor Soaresde Sena, Durval Ribeiro, Eduardo Fer-reira dos Santos, Emir Mamoud Amed,Francisco Flávio Araújo da Costa, Ge-raldo Galisa Rodrigues (falecido), Gil-berta Acselrad, Haroldo Siervo Cardo-so, Hermógenes Reis, Horalto Alves daSilva (falecido), Jamil José Miguel, JoãoClair Cortês, João Figueiró, João VieiraFilho, Jorge Saldanha de Araújo, José

Arimathea Coradello Lima.E ainda: Josias Nunes de Azevedo

Santos (falecido), Juarez Cícero Pinhei-ro Coqueiro, Jussara Ribeiro de Olivei-ra, Lúcio Xavier de Almeida (falecido),Luiz Miguel Ramos Aude, Manoel Joséde Pinho Duque (falecido), Maria LucyRodrigues Matos Carneiro (falecida),Meçando Rachid (falecido), MiguelFerreira de Archanjo, Milton Gaia Lei-te (falecido), Murilo Moreira Ribeiro,Murilo Teixeira da Silva (falecido),Narciso Júlio Gonçalves, Nelson Flo-rêncio Duarte, Osman Aranha FalcãoCezar, Pedro Alves Filho, Perceval Rosa,Raimundo Augusto Sérgio NogueiraCarneiro, Renan Gomes de Menezes,Roberto Domingos Gabriel Chabo, Ro-salice Magaldi Fernandes, Ulysses Sil-va do Amaral e Walter Mendonça deSiqueira (falecido).

Foram indeferidos os processos deAnnice Dib, Arlindo Ferreira Guima-rães, Edmilson Martins de Oliveira,Luiz Carlos Santos e Verônica VicenteFerreira Fernandes. Os processos adia-dos foram os de José Átila Dias dosSantos, sobre o qual a Comissão consi-derou necessário ouvir a relatora, a re-presentante da OAB-RJ Celuta Rama-lho, e de Iracy José de Almeida e JoséLazarini, dos quais a representante doTortura Nunca Mais pediu vista.

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25Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

LIBERDADE DE IMPRENSA

O jornalista Jorge Kajuru conseguiuno Supremo Tribunal de Justiça doishabeas-corpus nos processos de conde-nação por difamação, pelos quais de-veria cumprir 18 meses de detenção,em regime aberto, que lhe foram mo-vidos por Jaime Câmara Júnior, pro-prietário das Organizações Jaime Câ-mara, que edita o jornal O Popular econtrola a TV Anhanguera — afiliadada TV Globo em Goiás.

Alegando falhas na condenação dojornalista no primeiro processo, o juizArnaldo Esteves Lima, da 5ª Turma doSTJ, concedeu o habeas-corpus até o jul-gamento do mérito que deverá ocor-rer dentro de 30 ou 60 dias. O habeas-corpus do segundo processo foi con-cedido pelo Ministro do STJ HelioQuaglia Barbosa, após a constataçãode que houve falha da 12ª Vara Crimi-nal na condenação de Kajuru, pois oprocesso estava prescrito desde feve-reiro de 2005.

Jorge Kajuru foi condenado em 28de maio a ficar em um albergue emGoiânia, capital de Goiás, todas as noi-tes, no horário das 20h às 6h da ma-nhã — impedido de se ausentar deGoiânia sem prévia autorização judi-cial. Esse procedimento interferiu narotina de trabalho do jornalista, que éfuncionário do SBT em São Paulo, on-de mora. A ação criminal por difama-ção contra Kajuru ocorreu por causadas críticas que ele fez ao contrato quedeu à TV Anhanguera os direitos detransmissão com exclusividade doCampeonato Goiano, em 2001. As Or-ganizações Jaime Câmara, impetraramação criminal contra Kajuru, alegan-do difamação.

Em junho de 2003, o juiz AlvarinoEgídio da Silva Primo, da 12ª Vara Cri-minal de Goiânia, considerou Kajurucriminalmente culpado. Os advogadosdele fizeram várias apelações junto aoTribunal de Justiça de Goiás mas a con-denação foi mantida. O caso então foiparar no Superior Tribunal de Justiça,em Brasília. Kajuru diz que está con-fiante na sua completa absolvição, nojulgamento final.

— Acredito que serei absolvidopor vários motivos: primeiro, porqueum dos processos já estava prescritoe não cabe discussão; segundo pelacompetência dos meus advogados,entre eles o ex-ministro da Justiça Jo-sé Carlos Dias. Outro dado impor-tante é que o processo que deverá tero seu mérito julgado daqui há doismeses está sendo apreciado em Bra-sília, longe da influência política doGoverno de Goiás.

KAJURU GANHA HABEAS-CORPUS

Sem cobrançaPara o autor de Na toca dos leões,

Fernando Morais, não há novidadesem seu processo. A última notícia quese tem é de que o publicitário GabrielZellmeister, também processado peloDeputado federal Ronaldo Caiado

(PFL-GO) por ter sido fonte deMorais no trecho em que o parlamen-tar é citado no livro, entrou com umpedido de suspensão que foi negado.Morais diz que ainda há uma instân-cia que podem recorrer no Tribunalde Justiça de Goiás, mas sua preocu-

Conselho de Culturarepele a volta da censuraEm mensagem à ABI, o órgão da intelectualidade fluminense denuncia comograve atentado à Constituição a interdição do livro de Fernando Morais

Reunido em 11 de maio, o Conselho Es-tadual de Cultura do Rio de Janeiro ma-nifestou sua indignação diante da decisãodo juiz da 7a. Vara Criminal de Goiânia queinterditou o livro Na toca dos leões, deFernando Morais, “fato que desperta a pre-ocupação de que se pretenda reinserir acensura em nosso panorama social”.

O pronunciamento do Conselho Esta-dual de Cultura foi transmitido à ABI porseu Presidente, Ricardo Cravo Albin, numofício em que, em nome dos qualificadosmembros do órgão, expressa sua solidarie-dade “com as medidas tomadas pela ABI, no sentidode pôr cobro a este ato que pode se constituir no ‘ovoda serpente’, visando reintroduzir a censura aos pen-samentos, palavras e obras de nós, o povo brasileiro”.

Difundida no site da ABI (www.abi.org.br) assimque chegou à Casa, a mensagem do Conselho Estadualde Cultura tem o seguinte teor:

“O Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro,por seus membros: Ricardo Cravo Albin, Paulo RobertoMenezes Direito, Aloísio Teixeira, Ana Arruda Callado,Antonio Olyntho Marques da Rocha, Carlos Henriquede Sorocaba Botkay, Carlos Heitor Cony, Cylene Cas-tro, Ivan Nóbrega Junqueira, Júlio César Valladão Diniz,Maria Eugenia Stein, Nélida Piñon, Nelson Antôniode Freitas, Nival Nunes de Almeida, Reinaldo Paes

STJ susta violênciacontra o jornalista

pação era com o recesso dojudiciário a partir de 1º dejulho: — Só em agosto te-remos como recorrer emBrasília, pois até agora to-dos os votos foram favorá-veis ao deputado.

Na época em que seu li-vro foi proibido de ser co-mercializado, FernandoMorais estava na França.Por ordem judicial, ne-nhum dos acusados pode-ria pronunciar-se sobre oassunto, sob pena de pagaruma multa. Morais disseque pagaria por todas assuas declarações, mas fezapenas uma, em Paris,

quando convocou os correspondentesda imprensa brasileira para falar so-bre o caso.

— Quando cheguei ao Brasil, e fuirecebido pelo promotor de Justiça, nãofui cobrado e também não tomei a ini-ciativa de pagar.

Barreto, Roberto Atila Amaral Vieira, Ur-bino Ubiratan Corrêa, Frederico AugustoLiberalli de Góes, João Leão Sattamini Net-to, Raymundo Nery Stelling Júnior e Tere-sa Maria Mascarenhas, reunidos nesta data,verberaram o grave atentado aos inalie-náveis direitos constitucionais, perpetradospelo Juiz da 7a. Vara Criminal de Goiânia,contra o escritor Fernando Morais e seu edi-tor, decidiram dirigir-se a Vossa Senhoriapara externar sua indignação com o fato quedesperta em nós a preocupação de que sepretenda reinserir a censura em nosso pa-

norama social.Conhecedores que são da trajetória dessa Casa e de

seus atuais dirigentes, os Membros do Colegiado se soli-darizam com as medidas tomadas pela ABI, no sentidode pôr cobro a este ato que pode se constituir no “ovo daserpente” visando reintroduzir a censura aos pensamen-tos, palavras e obras de nós, o povo brasileiro.

Assim, aguardam os Conselheiros que, em facedos protestos da classe, da sociedade civil organizada,da intervenção do Ministério Público e do Poder Judi-ciário, o bom senso, a ética e a razão voltem a nortearas decisões sobre o legítimo direito de pensar e agir.

Respeitosamente(a) Ricardo Cravo Albin,Presidente.”

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Jornal da ABI

26 Maio/Junho de 2005

Por proposta dos jornalistasRicardo Kotscho e AudálioDantas, o Conselho Deliberativoda ABI aprovou, na sessão de 13de maio, moção de solidariedadecom os jornalistas FernandoMorais e Jorge Kajuru e derepúdio às decisões adotadascontra ambos por juizes doEstado de Goiás. Ao apresentar aproposta de Audálio e Kotscho aoConselho, o Presidente da ABI,Maurício Azêdo, fez um brevehistórico em que classificou asdecisões como agressões àConstituição praticadas pelosjuízes de Goiás. No caso deKajuru, ele lembrou que ojornalista foi condenado a 18meses de prisão em regime abertona cidade de Goiânia, em açãoajuizada pelo empresário JaimeCâmara, diretor de uma afiliadada TV Globo em Goiás. Pelasentença, o jornalista é obrigado ase recolher todo dia às 20h.

Como Kajuru mora emSão Paulo, a pena que lhe foiimposta, disse o Presidenteda ABI, corresponde a umadeportação ao contrário. Emvez de ser alocado de Goiâniapara São Paulo, tem que sercompulsoriamente deslocadode São Paulo para Goiânia,diariamente. No caso deFernando Morais, punido pelojuiz Jeová Sardinha em açãoajuizada pelo deputado RonaldoCaiado, disse Maurício Azêdoque o autor de Na Toca dos Leões,livro que ensejou a ação, foiproibido de falar sobre asentença de condenação sobpena de pagar multa de R$ 5 milquando o fizer. Ele estava emParis quando se tomou a decisãoe de lá informou que quandoretornasse iria comentar adecisão de Jeová, assumindo oônus de ter de pagar R$ 5 milpor declaração, por considerarque não pode submeter-se auma situação que viola aConstituição da República.

A proposta foi aprovada porunanimidade pelo ConselhoDeliberativo da ABI.

CONSELHOSOLIDÁRIO

Em declaração come-morativa do Dia daImprensa, que trans-correu em 1º de ju-nho, a AssociaçãoBrasileira de Im-prensa exortou oPoder Judiciário, oMinistério Públicoe a Ordem dos Ad-vogados do Brasil aque façam uma refle-xão sobre a importânciada liberdade de imprensa naconstrução de uma sociedade efeti-vamente democrática no País, poissem ela os países mergulham no to-talitarismo.

A ABI registra que o Dia da Im-prensa decorre num ambiente de pre-valência das instituições democráti-cas, mas lamenta que esse clima sejaturvado por decisões da Justiça quecontêm ingredientes totalitários, co-mo a condenação do jornalista JorgeKajuru, a interdição do livro Na toca

dos leões, do jornalista e escritor Fer-nando Morais, e a vedação no Estadode Rondônia da transmissão de pro-grama jornalístico da Rede Globo deTelevisão sobre corrupção de deputa-dos estaduais.

É este o texto da declaração da ABI,assinada por seu Presidente, Maurí-cio Azêdo:

“A Associação Brasileira de Im-

so social do nosso povo.A ABI assinala que o Dia da Im-

prensa de 2005 decorre num ambien-te de prevalência das instituições de-mocráticas consagradas na Consti-tuição de 1988, mas tem a lamentarque esse clima seja turvado por ma-nifestações que ferem as disposiçõese o espírito da Carta Maior, de quesão exemplos recentes a condenaçãodo jornalista Jorge Kajuru pela Jus-tiça de Goiás, a absurda interdiçãodo livro Na toca dos leões, do jorna-lista e escritor Fernando Morais,também por decisão da Justiça des-se Estado, e a vedação da transmis-são de programa jornalístico da RedeGlobo de Televisão no Estado deRondônia, igualmente por decisãojudicial. No entender da ABI taisepisódios contêm ingredientes to-talitários que urge escoimar da vidanacional.

Daí a pertinência da exortação quea Associação Brasileira de Imprensadirige aos membros do Poder Judi-ciário, do Ministério Público e da Or-dem dos Advogados do Brasil em to-dos os níveis da Federação para queprocedam à reflexão sobre a necessi-dade de participação de todos naconstrução de uma sociedade efeti-vamente democrática no País, a qualdeve ter como apanágio a liberdadede expressão sem a qual os paísesmergulham no totalitarismo.”

CLIMA DE LIBERDADE DEEXPRESSÃO ESTÁ TURVADO

O Dia Mundial da Liberdade de Im-prensa, comemorado em 3 de maio, foiinstituído pela Unesco para celebrar oque já foi consagrado pelo artigo 19 daDeclaração Universal dos Direitos doHomem, que diz que “todo indivíduotem direito à liberdade de opinião e deexpressão, o que implica o direito de nãoser inquietado pelas suas opiniões e ode procurar, receber e difundir, sem con-sideração de fronteiras, informações eidéias por qualquer meio de expressão”.

Para marcar a data, o Presidente daABI, Maurício Azedo, divulgou umamensagem, em nome de toda a Dire-toria da entidade, enaltecendo um dospilares mais importantes da luta pelofortalecimento das liberdades demo-cráticas. Diz a nota:

prensa dirige sua saudaçãocarinhosa à comunidade

jornalística de todo oPaís pela passagem,hoje, 1º de junho,do Dia da Impren-sa, que celebra acriação, há quase200 anos, do pri-meiro periódico im-

presso dedicado a no-tícias e comentários so-

bre a vida no Brasil, porinspiração e esforço pessoal de

seu fundador, Hipólito José da Cos-ta Furtado de Mendonça.

Entende a ABI que a data deve ins-pirar uma reflexão da comunidadejornalística e do conjunto da socie-dade sobre o papel que os meios decomunicação, tanto impressos comoeletrônicos, têm desempenhado navida nacional, à qual têm oferecidoinformações e opiniões marcadospela pluralidade e pelo propósito dedotar a população de subsídios parasua orientação no cotidiano e nosmomentos especiais em que se recla-ma a manifestação da vontade cole-tiva. Com todas as insuficiências quelhes possam ser atribuídas, a impren-sa e os meios de comunicação emgeral têm procurado exercer essa re-levante missão com espírito públicoe disposição de servir ao desenvolvi-mento material do País e ao progres-

ABI se mobiliza emdefesa da liberdadede imprensa, contraduas sentenças queferem a Constituição

DIA DA IMPRENSA

NA UNESCO, UM DIA PARAA LIBERDADE DE IMPRENSA

tuição de 5 de outubro de 1988, a ABInão tem arrefecido na vigilância ne-cessária à preservação da liberdade deimprensa. Esta pertence não aos jor-nalistas nela reunidos, mas ao conjun-to da sociedade, que precisa ter acessoà informação prestada sem condicio-namentos e à opinião manifestadasem temor.

A Casa de Herbert Moses, deDanton Jobim, de Prudente deMoraes, neto e de Barbosa Lima So-brinho tem todos os motivos para fes-tejar a iniciativa da Unesco de insti-tuir o Dia Mundial da Liberdade deImprensa, que há que ser estendida atodos os pontos do planeta onde ospovos almejam uma vida de bem-es-tar e felicidade.”

“A Associação Brasileira de Im-prensa festeja com as galas devidasa existência do Dia Mundial da Li-berdade de Imprensa, iniciativa daOrganização das Nações Unidas paraa Educação, Ciência e Cultura —Unesco, que corresponde à pregaçãoque a ABI desenvolve desde a suafundação, em 1908.

Ao longo de seus quase 100 anos devida, a ABI jamais esmoreceu na defe-sa desse bem essencial para a vida de-mocrática, mesmo nos momentos maistormentosos e ásperos da vida nacio-nal, como a ditadura do Estado Novo,entre 1937 e 1945, e a ditadura militarmais recente, entre 1964 e 1985.

Sob o império do Estado Democrá-tico de Direito instituído pela Consti-

LIBERDADE DE IMPRENSA

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27Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

OPlenário da Câmara dosDeputados prestou ho-menagem ao Dia da Im-prensa, comemorado em

1º de junho, em ato conduzido por vá-rios parlamentares, entre eles o Depu-tado Miro Teixeira (PT-RJ), membrodo Conselho Consultivo da ABI. O re-presentante da ABI em Brasília, Silves-tre Gorgulho, manifestou-se em nomeda entidade através da seguinte men-sagem:

“Em nome da Associação Brasileirade Imprensa, em nome de nosso Presi-dente, Maurício Azêdo, gostaria deagradecer a todos os integrantes daCâmara Federal esta homenagem aoDia da Imprensa. Gostaria de agrade-cer especialmente ao Deputado Van-derley Assis, autor desta iniciativa.

O Brasil é filho da Imprensa. PeroVaz de Caminha fez a primeira repor-tagem sobre o País. E foi por causa des-ta reportagem que Portugal e o mun-do ficaram sabendo que o Brasil esta-va sendo encontrado.

Em 1808, D. João VI chegou aqui elogo nasceram dois jornais: A Gazetado Rio de Janeiro, da monarquia, do Go-verno. E o outro, liberal, contra o Go-verno, de Hipólito José da Costa: oCorreio Braziliense.

Hipólito José daCosta, hoje patronoda Imprensa Nacio-nal, provou logo nocomeço que Impren-sa é sinônimo de Li-berdade.

A primeira grandediscussão dos inconfi-dentes mineiros foisobre o lema a ser cria-do para a Indepen-dência do Brasil.Cláudio Manuel daCosta propôs Libertasaut nihil — “Liberda-de ou nada”. Mas, afi-nal, os inconfidentes aprovaram Liber-tas quae sera tamen — “Liberdade ain-da que tardia”. Como se vê, caros De-putados e caros amigos jornalistas, oBrasil, a Imprensa e a Liberdade nas-ceram juntos. Sobretudo, devem ca-minhar juntos.

Como vejo muitos colegas jornalis-tas aqui presentes e como sei, tam-bém, que muitos deputados e senado-res acumulam a função de parlamen-tar com a de jornalista ou de donos derádio, TVs e jornais, gostaria de ressal-tar: Imprensa e Parlamento censura-dos ou comprados significam prepo-tência, opressão. Imprensa e Parla-mento livres significam democracia,país livre!”

A SessãoForam convidados para compor a

Mesa os jornalistas Silvestre Gorgulho,representando a ABI; Sérgio Murilo deAndrade, Presidente da Federação Na-cional dos Jornalistas Profissionais-Fenaj; e o Sr. Jorge Luís Alencar Guer-

pluralidade de veículos e de linhas edi-toriais, e é no contato com essa diver-sidade que se forma a consciência ci-dadã. A imprensa livre, a democraciae a consciência cidadã são as três fa-cetas de uma mesma realidade. A au-sência de um desses elementos impos-sibilita a existência dos outros dois. Éeste conjunto que permite o movi-mento democrático numa sociedade,onde a livre circulação de idéias for-ma cidadãos que pensam e agem au-tonomamente. Hoje, quando sauda-mos a liberdade de imprensa pelo seudia, parabenizo todos aqueles que de-dicam a vida a proporcionar a cada umde nós informação e análise, notíciase debate, contribuindo decisivamen-te para a formação da consciência decidadania e o fortalecimento da práti-ca democrática entre nós e, sobretu-do, em nosso País.”

Autor da iniciativa de realização dasessão, o Deputado Wanderlei Assissublinhou que “o Brasil mais uma vezse defronta com o imperativo da ver-dade”. “É ela, e somente ela, que, emmeio às turbulências que nos tomamhoje de grave preocupação, poderá res-tabelecer o equilíbrio entre dois dosPoderes da República, cada qual cote-jado com as próprias limitações, aspróprias idiossincrasias e aquilo queum e outro têm ambiguamente comoa própria verdade.

Mas foi antes desse clima crítico deintensa expectativa, no qual os olhosda Nação se voltam para todos os ges-tos emanados desta Casa, que tive aidéia desta sessão. Se então considereia propósito aqui lembrar o 7 de junho,quando se comemora o Dia da Liber-dade de Imprensa e, comigo, os no-bres colegas que a acolheram, mas cer-to estou agora quando ao seu objetofinal: a liberdade de expressão, algo aser especialmente reverenciado.

O respeitado jornalista AlbertoDines ensina que o papel do jornal éser necessário. De fato, nobres colegas,

os países desenvolvidos, sobretudo doponto de vista político social, são ab-solutamente dependentes desta que égarantia irrecusável do funcionamen-to das instituições democráticas: a im-prensa livre. Livre e serena; livre e abs-traída de julgamentos, assim como deprejulgamentos; livre e atenta à verda-de dos acontecimentos; livre e não mer-cantil; livre e não subserviente.”

Após citar Barbosa Lima Sobrinho,Vanderlei Assis recebeu aparte do De-putado Miro Teixeira, membro doConselho Consultivo da ABI, que sa-lientou que “o País está melhorando acada dia”. “A indicação disso é a quali-dade da imprensa que temos. O De-putado Inocêncio, no discurso que fez,trouxe-nos uma menção à multiplici-dade de órgãos de imprensa, porque édaí que vem a liberdade de imprensa.A liberdade de imprensa não vem, pu-ra e simplismente, por um texto cons-titucional, por um decreto ou poruma lei. Ela existe de fato quando hámultiplicidade de veículos de comu-nicação com liberdade de manifesta-ção ideológica. A Associação Brasilei-ra de Imprensa tem sido um ícone des-sa luta pela liberdade de imprensa. V.Exa. citou a figura de Barbosa LimaSobrinho grande professor de todosnós. Está aqui o Silvestre Gorgulho,representando a ABI. Sou membro doConselho da ABI, membro ausente,justificado pelas presenças aqui, noPlenário da Câmara dos Deputados, eacompanho o trabalho que meus com-panheiros estão fazendo lá, presididospor Maurício Azêdo, recuperando oespírito de Barbosa Lima Sobrinho.

Foram muito oportunas a lembran-ça e a iniciativa de V. Exa. Não vou maislhe tomar tempo. Encerro lembrandoapenas o seguinte: existe democraciaquando o Parlamento está funcionan-do. O pior Parlamento em funciona-mento é melhor do que um Parlamen-to fechado. E existe democracia quan-do existe imprensa livre. Um não exis-te sem o outro. Enganam-se aquelesque imaginam que podem fechar umParlamento e continuar com uma im-prensa livre. Não existe essa possibili-dade, como a história demonstra. OBrasil já superou todas as possibilida-de de riscos dessa natureza. Continua-remos com o nosso Parlamento, conti-nuaremos com as nossas instituições,e a nossa imprensa será cada vez maislivre para, como dizia nos seus melho-res textos o mestre Rui Barbosa, quenão deve ser citado em vão, continuarsendo os olhos, os ouvidos e o senti-mento do povo brasileiro.”

Discursaram na sessão também osDeputados Chico Alencar, Nárcio Ro-drigues, Marcos de Jesus, Arnaldo Fa-ria de Sá, Rogério Teófilo, CarlosWillian, Alexandre Cardoso, AndréFigueiredo, Nelso Marquezelli e Fer-nando Gabeira, que aproveitou paradenunciar a agressão sofrida por jor-nalistas da TV Globo, na porta da se-de do PT.

Uma tese de Gorgulhono Dia da Imprensa

ra, Coordenador-Geral de Editoraçãoda Imprensa Nacional. Depois de abriros trabalhos, o presidente da Mesa evice-presidente da Câmara, DeputadoInocêncio Oliveira (PL-PE), convidoua todos para ouvir o Hino Nacional edepois fez o discurso de abertura da

sessão solene:“Caros jornalistas

Silvestre Gorgulho,representando a Asso-ciação Brasileira deImprensa; Sérgio Mu-rilo de Andrade, Presi-dente da FederaçãoNacional dos Jornalis-tas Profissionais, Jor-ge Luís Alencar Guer-ra, Coordenador-Ge-ral de Editoração daImprensa Nacional;Deputado VanderleiAssis, autor desta ses-são em homenagem

ao Dia da Liberdade de Imprensa.Imprensa livre e democracia não se

separam jamais. Só uma imprensa li-vre e plural possibilita a formação daconsciência da cidadania, indispensá-vel para o exercício da democracia. Pormeio dos ricos debates travados por jor-nalistas e articulistas, o público podeposicionar-se sobre questões que afe-tam diretamente suas vidas. Felizmen-te, a imprensa brasileira tem uma lon-ga tradição de liberdade e de combateà opressão política. Desde os primór-dios da imprensa no nosso País, aindano Brasil Colônia, quando o CorreioBraziliense tinha de ser impresso emLondres e vinha de navio para o Brasil,até alguns períodos do século XX,quando driblar os censores passou a sermais uma tarefa dos jornalistas, a im-prensa brasileira nunca se curvou àstentativas de cerceamento.

É importante lembrar, no entanto,que a ausência de censura não é o bas-tante para caracterizar uma imprensalivre. Uma imprensa livre pressupõe a

“O Brasilé filho daimprensa”

Gorgulho: Nosso primeiro repórter foiPero Vaz de Caminha.

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Jornal da ABI

28 Maio/Junho de 2005

África 2Costa do Marfim 1Gâmbia 1América 15Brasil 3Colômbia 1Haiti 1México 4Nicarágua 2Peru 2Rep. Dominicana 1Venezuela 1Ásia 27Bangladesh 5Filipinas 12Índia 3Kazaquistão 1Nepal 3Paquistão 1Sri Lanka 2Europa 7Belarus 1Holanda 1Rússia 3Sérvia-Montenegro 1Ucrânia 1Oriente Médio e Norte da África 27Arábia Saudita 1Iêmem 1Iraque 23Palestina 2Total 78

ESPECIAL

“Com 78 jornalistas assassinados,2004 foi um dos piores anos desde queo Instituto Internacional de Impren-sa começou a fazer suas estatísticas.A atual insurreição no Iraque matou23 jornalistas e o mantém como o piorlugar para se praticar o jornalismo. AÁsia e o Mena (Oriente Médio e Nor-te da África), com um total de 54 jor-nalistas mortos – 27 em cada – são asregiões mais perigosas, enquanto nasAméricas 15 jornalistas perderam suasvidas. No restante do mundo, dois jor-nalistas foram mortos na África e setena Europa.

Embora os jornalistas tenham mor-rido por uma variedade de motivos,esse ano viu a continuação de umapreocupante tendência unindo paísesdiversos, como Bangladesh, Belarus,Haiti, Gâmbia, México, Filipinas eUcrânia, além de muitos outros. Sualigação está na vergonhosa falha das au-toridades em investigar e julgar devi-damente os assassinos dos jornalistas.

Em muitos casos, as investigaçõesacerca das mortes são dificultadas pelafalha em interrogar testemunhas, porincapacidade de seguir orientações,evidências perdidas, desejo de encobriros fatos, corrupção, parcialidade dajustiça, inércia e até mesmo pura in-diferença.

Em outras ocasiões, o motivo é maisclaro: é o governo que não quer que oscriminosos ou as razões das mortes setornem públicas. Isso une as autorida-des e os criminosos em uma mesmacausa: assegurar que os jornalistas es-tejam silenciados e que informaçõesembaraçosas ou inconvenientes nãoalcancem o conhecimento público.

Um exemplo significativo deste tipode impunidade e encobrimento dos fa-tos que oprime todas as tentativas deinvestigação são as Filipinas. Desde queo país ganhou independência em 1986,aproximadamente 56 jornalistas foram

“A impunidadevive enquantojornalistasmorrem”

�����TEXTO INTEGRAL EM PRIMEIRA MÃO

OS MORTOS DA IMPRENSA,POR PAÍSES E CONTINENTES

OS MORTOS DA IMPRENSA, POR CONTINENTES

Total de mortos 78

A íntegra do texto de abertura, sob esse título,do Relatório relativo a 2004 do InstitutoInternacional de Imprensa (InternationalPress Institute), sediado em Viena, Áustria,com seu minucioso acompanhamento dasituação da liberdade de imprensa e daliberdade de atuação profissional dosjornalistas no mundo inteiro e a íntegra,também, da descrição e avaliação do Relatórioacerca da situação da liberdade de imprensano Brasil. O texto integral dos doisdocumentos, divulgado originalmente eminglês, é publicado pela primeira vez no Brasilpelo “Jornal da ABI”.

assassinados, inclusive 12 em 2004.Ninguém foi condenado por essas mor-tes. Com 5 jornalistas mortos nesseano, Bangladesh é outro país onde asautoridades parecem esquecer da neces-sidade de se cumprir a lei.

Nas Américas, quatro jornalistasmorreram no México, onde a corrup-ção e o tráfico de drogas têm impossi-bilitado quase que totalmente o jor-nalismo investigativo. No Haiti, ondeum jornalista foi morto em 2004, a in-diferença do governo obscureceu a ver-dade. Não houve prisões nos casos dedois jornalistas haitianos mortos em2000 e 2001.

A Europa Oriental é também umaregião onde há impunidade. Na Rús-sia, com três assassinatos em 2004,existe um histórico de tentativas fra-cassadas de se investigar a morte dejornalistas. Belarus e Ucrânia são doisoutros países onde as autoridades nãotratam dos casos envolvendo jorna-listas. Cerca de cinco anos após o as-sassinato do jornalista ucraniano

* A listagem inclui territórios vinculados a países, mas geograficamente destes afastados.

A ABRANGÊNCIA DO RELATÓRIO,POR NÚMERO DE PAÍSES POR CONTINENTES*

Total 191 Países

Hryhoriy Gongadze, as autoridadesainda não encaminharam o processoadequado de investigação para a satis-fação da comunidade internacional.

Em um tempo onde muitos paísesclamam por democracia, suas autori-dades devem avaliar os danos causa-dos pela impunidade e assegurar queaqueles que cometem a mais definiti-va forma de censura sejam punidos.”

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29Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

“MORTE VIGIA O PAÍS”

ativo da oposição do PDT, apresenta-va o programa A Voz do Povo, ondefreqüentemente denunciava trafican-tes de drogas e autoridades locais. Apolícia brasileira afirmou que dois ho-mens armados dispararam vários tiroscontra Romã enquanto dois compar-sas esperavam no lado paraguaio dafronteira. Os quatro homens voarampara o Paraguai. A fronteira do Brasilcom Paraguai, que possui 450 milhasde extensão (724 quilômetros), é co-nhecida como um antro de corrupçãoe do crime organizado.

Em 22 de abril, a polícia paraguaiaprendeu três homens suspeitos do as-sassinato de Romã e os entregou à po-lícia brasileira. Os supostos assassinosforam soltos após a polícia ter rejeita-do a possibilidade de envolvimentodos três homens com o crime. Em ju-nho, procuradores do Estado acusaramEurico Mariano, prefeito de CoronelSapucaia, de estar envolvido no assas-sinato de Romã e solicitaram sua de-tenção temporária. Um julgamento noEstado concedeu a solicitação dos pro-curadores, porém, um recurso federalrevogou a ordem de detenção e deter-minou a soltura de Mariano.

José Carlos Araújo, jornalista da Rá-dio Timbaúba FM, foi morto em 24 deabril por dois homens armados não iden-tificados na porta de sua casa na cidadede Timbaúba, em Pernambuco. Araújo,que apresentava o programa José CarlosEntrevista, havia exposto o envolvimen-to de figuras locais bem conhecidas emassassinatos na região. Em 28 de abril, apolícia prendeu Elton Jonas Gonçalvesde Oliveira, que confessou o assassina-to de Araújo porque o jornalista o haviaacusado em seu programa de estar en-volvido com atividades criminosas.

Jorge Lourenço dos Santos, dono darádio local Criativa FM, foi morto em11 de julho próximo à sua casa emSantana do Ipanema, Alagoas, por umhomem não identificado que disparoucontra ele quatro tiros antes de fugirem um carro. Jorge Lourenço, que jáhavia sido alvo de duas tentativas deassassinato, apresentava um programaonde criticava freqüentemente políti-cos e personalidades locais. Ele tam-bém era ligado à política e havia secandidatado nas eleições locais ao car-go de vereador.

Em maio, o Presidente Lula pediuque o Ministério da Justiça cancelasseo visto do correspondente do jornalNew York Times no Brasil, Larry Rohter,após o jornalista ter escrito um artigoonde falava do hábito do presidentede consumo excessivo de bebidas al-coólicas.

Em uma decisão em 11 de maio, oMinistro da Justiça interino Luiz PauloTeles Ferreira Barreto disse que as au-toridades decidiram por cancelar o vis-to de Rohter citando o artigo 26 da Lei

“O maior e mais influente país daAmérica Latina é também o maior mer-cado de mídia do continente. O Brasilpossui um cenário de mídia vibrantecom milhares de estações de rádio ecentenas de canais de televisão e jor-nais. As publicações independentes eos jornalistas de radiodifusão consegui-ram amplo apoio do público que lê suaspublicações sobre corrupção e outrasatividades ilegais. No entanto, enquan-to jornalistas dos centros urbanos comoRio de Janeiro e São Paulo são capazesde levar sua profissão com liberdadeconsiderável, aqueles que trabalham emregiões menos populosas continuam aencarar ameaças, moléstias, agressõesfísicas e morte nas mãos de criminosose detentores do poder local. Três jorna-listas – Samuel Romã, da Rádio Con-quista FM, de Mato Grosso do Sul, JoséCarlos Araújo, da Rádio Timbaúba FM,em Pernambuco, e Jorge Lourenço dosSantos, da Criativa FM de Alagoas –foram assassinados em 2004.

Quando não se deparam com ame-aças e violência física, os jornalistasbrasileiros têm de lidar com uma bar-reira de processos, tentativas de cen-sura e julgamentos excessivamente pu-nitivos. O Presidente Luiz Inácio Lulada Silva, que está na metade de seumandato, enviou um projeto de lei aoCongresso em agosto que iria estabele-cer conselhos federais e estaduais dejornalismo para regular os jornalistas.O projeto foi amplamente condenadopor grupos internacionais que lutampela liberdade de imprensa e foi no fi-nal das contas arquivado.

Samuel Romã, apresentador de rá-dio e dono da Conquista FM, foi mor-to a tiros por dois homens em umamotocicleta na porta de sua casa nacidade de Coronel Sapucaia, em MatoGrosso do Sul, cidade próxima à fron-teira paraguaia, em 20 de abril. Romã,que era também um membro político

n° 6815, uma lei de imigração, em umrelato que dizia que “o jornalista haviaofendido a honra do presidente da Re-pública Federativa do Brasil e causouum sério dano à imagem da nação noplano internacional”. Segundo o artigo26, a chegada, estada ou registro de umestrangeiro pode ser bloqueado caso oMinistério da Justiça considere sua pre-sença no país “inconveniente”.

Em um artigo intitulado BrazilianLeader ’s Tippling Becomes NationalConcern (Hábito de Beber do Líder Bra-sileiro Torna-se Preocupação Nacional),publicado no New York Times em 9 demaio ao lado de uma fotografia do Pre-sidente em um festival de cerveja,Rohter alegou que alguns brasileirosestavam preocupados com que o supos-to hábito de beber freqüentemente afe-tasse sua performance no Governo.

Apesar de o Governo ter revertido asua revogação do visto de Rohter apóster recebido uma carta de desculpas dojornalista, o IPI (International PressInstitute) em 27 de maio exigiu que oartigo 26 de Lei n° 6815 fosse corrigidoou removido para prevenir uma novaocorrência. “A prática desta lei poucoutilizada, aprovada em 1980 na vigên-cia do regime militar, favorece osurgimento de questões aborrecedorasque devem ser resolvidas”, disse o Di-retor do IPI, Johann Fritz.

“Primeiro, estou preocupado comum sistema legal que iria permitir queo Presidente do Brasil pedisse ao Mi-nistério da Justiça a penalização de umjornalista por sua matéria. Deveria ha-ver uma clara separação do poder, comas leis sendo aplicadas em razões ob-jetivas, e não com o intuito de puni-ção por causa de um artigo que causaembaraço.”

“Também estou preocupado com aaparente justificativa do uso da lei daimigração. De acordo com o websitedo Governo, o artigo de Rohter cau-sou ofensa à honra do Presidente. Oque pa-rece, portanto, é que esta leida imigração pode ter uma aplicaçãotão ampla que pode ser usada pratica-mente como aparente “lei do insulto”– uma lei que poderia ser usada pararemover correspondentes estrangeirosquantas vezes fosse necessário”, afir-mou Fritz.

Em julho, o premiado jornalista Lú-cio Flávio Pinto, punido com senten-ça de um ano de prisão por suposta-mente difamar um desembargador,conseguiu um recurso no Superior Tri-bunal de Justiça e no Supremo Tribu-nal Federal. Em 2000, Lúcio Flávio eraeditor do Jornal Pessoal em Belém, noPará, e publicou um editorial no qualcriticava o Desembargador João Alber-to Paiva, atualmente aposentado, porter garantido a posse de um terrenopara a empresa controlada por CecílioRego de Almeida, dono da construto-ra CR Almeida, ignorando o fato de asituação da terra estar sendo contes-tada pelo Instituto de Terras do Pará.Após Paiva ter aberto o processo de

Sob este título, o Relatório IPI faz o seguinte relatosobre a situação da liberdade de imprensa no Brasil.

Relatório IPI 2004 constituialentado volume de 322 pá-ginas e é na verdade uma edi-ção especial da World Press

Freedom Review (Revista Liberdade deImprensa no Mundo), elaborada soba direção de Wilfred D. Kiboro, Presi-dente do Instituto Internacional deImprensa (IPI, na sigla em inglês), ede Johann P. Fritz, Diretor da Review,tendo como editor David Dadge.

A montagem do trabalho, após de-zembro de 2004, mobilizou uma equi-pe de 21 pessoas na sede do IPI, emViena e nos cinco continentes, as quaissistematizaram informações recebidasde repórteres, editores de publicaçõese executivos de órgãos de comunica-ção de 120 países e de 96 associaçõesde imprensa e de direitos humanos ede personalidades de diferentes conti-nentes. Além dessa rede, a Reviewcontou com o noticiário e o materialfotográfico fornecido pelas agênciasReuters e Associated Press e AgênciaEuropéia de Fotojornalismo. Ao longodo texto, o Relatório publica quase 150fotografias de aspectos relacionadoscom as ocorrências que menciona, fo-calizando tanto jornalistas e manifes-tações relacionadas com a imprensacomo eventos de caráter político queafetam o noticiário. Parte delas foi re-produzida também na capa (duas) ena contracapa do volume (seis):

Pôde o Relatório IPI produzir, as-sim, um painel da situação da liberda-de de imprensa e da atividade profis-sional dos jornalistas em nada menosque 191 países e territórios nos cincocontinentes. Os registros do IPI assi-nalam a ocorrência de 78 assassinatosde jornalistas, dos quais três no Bra-sil. Esses crimes, diz a apresentação doRelatório, com freqüência não são apu-rados; quando identificados os auto-res, são eles beneficiados pela ação dosgovernos ou do Judicário; os crimes serepetem porque são recebidos com in-diferença, como se matar quem buscae divulga informações fosse um exer-cício inocente, banal. São essas peçasdo Relatório IPI 2004 que o “Jornal daABI” traz a público no Brasil.

RELATÓRIO IPI

O

Relatório IPI 2004:um painel da

impunidade quecerca a morte de78 jornalistas no

mundo todo.

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Jornal da ABI

30 Maio/Junho de 2005

JUSTIÇA

O traficante Elias Pereira da Silva,o Elias Maluco, foi condenado a 28anos e seis meses de prisão, em regi-me fechado, pelo assassinato do jor-nalista Tim Lopes. O julgamento du-rou mais de 16 horas e o júri conside-rou Elias Maluco culpado pelos crimesde homicídio triplamente qualificado,ocultação de cadáver e formação dequadrilha. Outros cinco acusados departicipação na morte do jornalistairão a julgamento em separado, por-que optaram por serem representadospor defensor público.

Tim Lopes foi morto em junho de2002, na Vila Cruzeiro, uma das 12favelas do morro conhecido comoComplexo do Alemão, no bairro da Pe-nha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Ojornalista era repórter da TV Globo eestava trabalhando em uma reporta-gem investigativa sobre consumo dedrogas e exploração sexual de jovensem bailes funk. Ele recebera a denún-cia de moradores. Aquela seria a quar-ta vez que Tim Lopes subiria à favelapara realizar a reportagem. Nas duasprimeiras, fez o reconhecimento deárea; na terceira, levou a microcâmera,mas as imagens não foram considera-das boas o suficiente para sustentar adenúncia. Ele não tinha imagens dobaile e por isso voltou ao local.

UM MATADOR CONDENADO

Ainda traumatizada com as mortes do irmão Ângelo ede seu amigo Carlos Roberto — baleados pelo policial ci-vil Eduardo Ciambarella Filho —, a jornalista Zilmar Basí-lio vem travando uma luta incansável para que o assassi-no seja julgado e condenado pelos crimes que cometeuem 15 de agosto de 2004. Desde então, as famílias dos jo-vens assassinados aguardam a punição do criminoso e suaexpulsão da Polícia Civil — da qual ele foi afastado admi-nistrativamente.

Recentemente, Cláudia Guerreiro, assessora de impren-sa da Secretaria de Segurança Pública, enviou e-mail paraZilmar, dizendo que a polícia “tem cumprido o seu papel”e lembrando “a necessidade de respeito aos trâmites jurí-dicos para que a decisão final seja tomada de maneira cla-ra e justa”. A jornalista ficou indignada:

— Agradeci por ter sido informada de que a Polícia Ci-vil tem cumprido seu papel. Mas será que a Justiça estáfazendo o mesmo? Um policial civil, cujo salário é pagocom dinheiro público para nos proteger, matou dois ino-centes e ainda está transitando nas ruas.

Zilmar Basílio enviou carta à ABI, relembrando o caso:“O escrivão da Polícia Civil Eduardo Ciambarella Filho

(lotado na 75a DP — Rio D’Ouro, Niterói), 33 anos, as-sassinou barbaramente meu irmão Ângelo Borges Basílio,32, e seu amigo Carlos Roberto, 34, e continuamos nosmobilizando para que eles não sejam mais um númeronas estatísticas de impunidade do Estado em que vivo comnossa mãe e no qual Ângelo nasceu e viveu.

A Justiça há de ser cumprida, como nos afirmaram osDrs. Paulo Passos e José Renato, respectivamente Cor-regedor da Polícia e Subchefe da Polícia Civil do Estado,que estariam empenhados para que o assassino seja pu-nido. Aguardamos ainda que o Secretário de Segurança

Pública do Rio, Dr. Marcelo Itagiba, o expulse dos qua-dros da instituição policial em que ele trabalha. O proces-so administrativo está em fase de conclusão desde o dia3 de maio de 2005, quando as principais testemunhasdepuseram.

Ciambarella Filho está afastado de suas funções poli-ciais desde o dia 18 de agosto de 2004, para ser julgado pe-la Justiça comum e condenado pelos crimes que cometeu.

Meu irmão morreu porque tentou defender a vida dopróximo. No dia 15 de agosto de 2004, pediu para um ‘po-licial civil’, destemperado e despreparado para exercer asua função, não matar um amigo. O que fez o assassino?Não satisfeito em atirar pelas costas em Carlos Roberto,decidiu que Ângelo deveria pagar com a própria vida porter tido a ‘ousadia’ de pedir pela vida do amigo.

Somos uma família de nove irmãos. Hoje, oito. Semprefomos unidos e estamos tristes e mutilados com a ausên-cia do nosso Ângelo. Peço, ou melhor, imploro que vocêsnos ajudem a colocar este ‘homem’ na prisão. É uma for-ma de amenizar a dor da minha mãe, da minha cunhada(que precisa de muita força para cuidar do filho de 10 me-ses), do meu sobrinho Matheus, de apenas 7 anos, dosmeus irmãos, e também o sofrimento da mãe do CarlosRoberto. Queremos que Eduardo Ciambarella Filho sejapreso e expulso ‘’da Polícia Civil e pague pelas duas vidasque ele interrompeu bruscamente.

Temos a certeza de que, com a ajuda de vocês, o autordesse crime hediondo será preso. A vida não pode ser ba-nalizada. Hoje foi o meu irmão a vítima. Não deixe quealguém próximo ou não de você seja a vítima de amanhã.

A nossa dor é muito grande, mas nós, das famílias doÂngelo e do Carlos Roberto, não descansaremos enquan-to o culpado não for preso e condenado.”

difamação contra o jornalista, a 16ªVara Criminal o sentenciou a cumprirum ano de prisão em fevereiro de 2003.Em 6 de julho de 2004, o Tribunal deJustiça do Pará confirmou a decisão,mas mudou a sentença para uma mul-ta de aproximadamente 3.500 dólares.Lúcio Flávio dirigiu um recurso ao Tri-bunal do Pará, mas teve seu recurso re-jeitado. Organizações de jornalismo,incluindo a Fenaj (Federação Nacionaldos Jornalistas) e a Abraji (AssociaçãoBrasileira de Jornalismo Investigativo)condenaram a sentença, classificando-a como uma tentativa de “calar o jor-nalista”, e afirmaram que Lúcio Flávio,que enfrenta diversos processos crimi-nais e civis e já recebeu inúmeras amea-ças no passado por suas reportagens crí-ticas sobre a devastação do meio ambi-ente, tratava de uma questão de inte-resse público e fez uso em sua matériade informação fornecida por órgãos es-taduais e federais.

Grupos internacionais de liberdadede imprensa rejeitaram fortemente oprojeto de lei enviado ao Congresso em4 de agosto pelo qual o Presidente Lulairia restringir severamente o direito àliberdade de expressão, disseram. Oprojeto, originalmente proposto paraa monitoração do trabalho da mídia epara determinar se as matérias jorna-lísticas obedeceriam a princípios éti-cos, foi revisado pelo Ministério doTrabalho e encaminhado ao Presiden-te em 27 de maio. Ele estabeleceria umConselho Federal de Jornalismo comrepresentações em cada um dos 26 Es-tados brasileiros, com autoridade para“orientar, disciplinar e fiscalizar” a prá-tica do jornalismo. Segundo o projetode lei, cada jornalista deveria se regis-trar no Conselho Regional do lugaronde reside e, além disso, estaria su-jeito a advertências, multas, censuraou suspensão da permissão de traba-lhar por 30 dias ou até mesmo perma-nente. O Governo alegou que o proje-to tinha como objetivo melhorar o jor-nalismo, mas jornalistas e advogadosda imprensa independente denuncia-ram a lei cogitada como um instru-mento para silenciar as críticas. Nomeio de setembro, Lula abandonou seuapoio ao projeto de lei e o Presidentedo Senado, José Sarney, confirmou quenão havia chances de sua aprovaçãono Congresso.

Enquanto isso, em julho, o GrupoAbril, maior empresa de publicações doBrasil, concordou em vender uma par-te minoritária do grupo para a CapitalGroup, a primeira negociação desde queas leis de mídia no País foram revisa-das em 2002 para permitir que gruposestrangeiros pudessem comprar até30% da parte de empresas brasileiras.Segundo Roberto Civita, Presidente daAbril, a negociação permitiria à Abril apagar dívidas e abrir caminho para achamada de capital. Assim como amaioria das empresas de mídia brasi-leiras, a Abril vinha sendo atingida porum declínio em sua receita de publici-dade. Houve especulações sobre umasuposta influência do Governo paraajudar a levantar algumas empresas damídia brasileira, mas a prática de so-corro financeiro poderia ser condena-da como uma tentativa de influenciara cobertura da mídia.”

Jornalista quer assassino julgado

Logo após a divulgação da senten-ça, a irmã de Tim, Tânia Lopes disseque estava satisfeita e que “foi feita ajustiça”. Para Maurício Azêdo, Presi-dente da ABI, a decisão do júri refletea pressão dos meios de comunicação:

“A ABI recebeu a sentença, emitidapelo corpo de jurados, como realizaçãoda justiça que a comunidade jornalís-tica e a opinião pública reclamavam pa-ra os matadores do nosso Tim Lopes,especialmente para o seu chefe, o ban-dido Elias Maluco. É certo que a deci-são do júri reflete uma pressão vigoro-sa dos meios de comunicação e do con-

junto da sociedade, mas isso corres-ponde a um traço dos países submeti-dos a instituições democráticas.

Haveria setores da sociedade quedesejavam uma pena maior, como es-pécie de vendeta, uma represália dogênero olho por olho, dente por den-te. Mas o que se desejava para esseepisódio era a produção de justiça fei-ta com serenidade e com respeito à lei.O júri, a nosso ver, não foi condescen-dente com Elias Maluco e apenas secomportou com apreço às provas quelhe foram exibidas e ao empenho dese fazer justiça.”

Na sala do ITribunal do

Júri do Rio, oJuiz Fábio

Uchôa lê asentença que

condenouElias Malucoa 28 anos e

meio deprisão peloassassinato

do jornalistaTim Lopes

RELATÓRIO IPI

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31Maio/Junho de 2005

Jornal da ABI

Aos 21 anos de idade Inácio deAlencar iniciou-se no jornalis-mo, deixando claro que seria

um marco na História da ImprensaBaiana. Secretário Gráfico do jornal OMomento (1948/1950) – órgão do Par-tido Comunista no qual acumulava asfunções de repórter e chefe da seçãoesportiva –, sócio-fundador e secretá-rio de redação do semanário O Povo(1948) e repórter de A Gazeta Esporti-va de São Paulo (1947/1948), Ináciocomeçava uma carreira brilhante, in-terrompida aos 37 anos pelo golpe de64 – a partir do qual nunca mais aque-le rio de talento e genialidade retorna-ria ao leito caudaloso.

Em 1950, aos 23 anos de idade, as-sume a Coordenação do SuplementoLiterário do Diário da Bahia e começaintensa atividade como crítico de ci-nema, anunciando a revolução que fa-ria, oito anos depois, no histórico SDN– Suplemento do Diário de Notícias –,ninho de efervescência intelectual li-derada por Inácio, e de onde GlauberRocha iria reinventar o Cinema Novo.

No ano seguinte, 1951, alcança oposto de Secretário de Redação domesmo Diário da Bahia, e colabora, si-multaneamente, com os jornais Diá-rio da Noite e O Jornal, do Rio de Janei-ro. Sua capacidade de produção é ines-gotável. Nestes anos, entre 1951 e1954, além de comandar o Diário daBahia, é redator da Agência Nacional,redator do Boletim Econômico do Insti-tuto Brasileiro do Café-IBC e repórterpolítico do jornal Vanguarda (RJ).

Em 1955, aos 28 anos, assina o pro-jeto de reformulação gráfico-editorialdo jornal O Estado da Bahia, onde ocu-pa o cargo de Secretário de Redação. Arevolução gráfica nascida na ÚltimaHora de Samuel Wainer o leva a rom-per com a concepção provinciana daimprensa nacional-baiana, inserindo OEstado da Bahia no século XX. Em tor-no do seu nome, começa a ser criada alenda que o marcaria como um dosmais brilhantes e completos profissio-nais da história do jornalismo baiano.

Em 1956, aos 29 anos, é eleito Pre-sidente do Sindicato dos JornalistasProfissionais do Estado da Bahia, car-go para o qual foi reeleito em 1958. Em1957 deflagra e lidera a mais importan-te greve de jornalistas do País: a únicaque, de fato, paralisou as rotativas eemudeceu todos os jornais de Salva-dor. Registros da greve estão no livroDez Dias que abalaram a Imprensa daBahia, de Maurício Naiberg. A lideran-ça de Inácio de Alencar junto a os grá-ficos baianos foi decisiva para o movi-mento. Braços cruzados no fosso dasoficinas, as máquinas pararam.

Sua participação nas lutas sindicaisvem de muitos antes, 1949, quandointegra a delegação baiana ao I Con-gresso de Jornalistas em Salvador. Em1955 é membro da delegação baiana aoIV Congresso Nacional de Jornalistasno Rio de Janeiro. Em 1956, é membro

INÁCIO DE ALENCAR�����Márcia Guimarães

da delegação brasileiraao 2º Encontro Nacio-nal de Jornalistas emOtanieme, Helsin-que, Finlândia. Em57, está no III En-contro Nacionalde Jornalistas, co-mo presidente dadelegação baia-na. Três anosd e p o i s ,em 1960,é vice-pre-sidente da delegação brasileira ao 3ºEncontro Internacional de Jornalistasem Viena, Áustria. Os carimbos no pas-saporte se sucedem: Tcheco-Eslová-quia, URSS, China. Vai ao Uzbequistão,Bratislava, Praga, Pequim, Moscou, Ro-ma, Paris, participando de congressose encontros patrocinados pela Organi-zação Internacional do Trabalho-OIT.

De 1960 a 1963, participa dos in-tensos debates pela regulamen-tação da profissão, como vice-

presidente da Federação Nacional dosJornalistas Profissionais e relator daComissão de Regulamentação da Pro-fissão do 7º Congresso de Jornalistas,em Brasília. Na ABI, é o sócio nº 3.211.

Na liderança do movimento grevis-ta que paralisou Salvador, Inácio or-ganiza, funda e cria o projeto gráfico-editorial que abre alas para um novojornal no nicho dos mais importantesdiários do Estado: o Jornal da Bahia.

No ano seguinte, em 1958, aos 31anos de idade, recebe carta branca deOdorico Tavares para assumir o pro-jeto gráfico-editorial do Diário de No-tícias, o poderoso tentáculo dos Diá-rios Associados de Assis Chateau-briand. E ele executa uma revoluçãocultural jamais vista na Bahia reunin-do, na mesma redação, alguns dosmais brilhantes e jovens intelectuaisdo seu tempo. Do Jornal da Bahia levaGlauber Rocha – que, pela mão deInácio, havia iniciado sua carreira jor-nalística como repórter de polícia – ePaulo Gil Soares, entre tantos outros.

O Suplemento do Diário de Notíciasnão marca, apenas, a história do jor-nalismo baiano. Marca, sobretudo, arevolução no campo das idéias, refle-

tindo um mundo pegando fogo: a au-rora dos anos 60, com sua luta en-carniçada na defesa de novos valoreslibertários do pensamento, desde a po-lítica à literatura, à música, ao cine-ma, ao sexo, à religião.

Em 1963 e 64, aos 36 anos, é Asses-sor de Imprensa e Assessor de Rela-ções Públicas, ad hoc, da Petrobrás, co-lunista político do Diário de Notícias eEditor do SDN.

Em abril de 1964, a ruptura: é cas-sado pelo golpe militar. A vida é parti-da ao meio. Deixa Salvador, e recebeasilo na Embaixada do México.

A partir daí, o rio passa a correr emleito tortuoso. Na Cidade do Méxicocolabora com a revista Política. Viaja aHavana e, depois, parte para a Argélia,onde encontra o grupo de MiguelArraes. Em 1956/66 está em Paris, comHeron de Alencar, seu irmão, e colabo-ra, como diagramador, no boletim doInstitut pour la Recherche et la Apli-cation de Méthodes em la Agriculuture(IRAM). Sobreviver é preciso.

Em fins dos anos 60 volta ao Bra-sil, clandestinamente. Não hátrabalho. Glauber Rocha lhe

consegue espaço no Jornal dos Sports,onde fica até o início dos 70. A suces-são de anos traz pequenos trabalhoscomo diagramador, paginador e, oca-sionalmente, um ou outro projeto edi-torial, como o da revista GAM, quefunda em 1967. Participa, como edi-tor de esportes, da aventura de O Sol,e colabora em pequenas publicações.

Em 1974/1975 retoma, com certovigor, a carreira interrompida, assu-mindo a chefia de redação do jornalCrítica, no Rio de Janeiro, marcandosua passagem no tempo ágil, virulen-to e resistente da imprensa nanica.

Ao apagar das luzes da década de 70,

ocupa a direção da Capel – ConsultoriaPolítica. Volta a Bahia no início dosanos 80, mas os tempos são outros.Viaja a Paris, e, na volta, é convidadopara chefia de gabinete da RioArte,onde desenvolve projetos editoriais eculturais na cidade do Rio de Janeiro.

Com a anistia, retorna à Petrobrás,onde é enquadrado como assistenteadministrativo, nível médio. Recusam-lhe o reconhecimento de nível superior,como jornalista que sempre foi. NaSercom, fica encarregado do clipping.É a cassação branca, o silêncio insul-tante sobre sua trajetória profissional.

Inácio de Alencar jamais olhou avida pelo espelho retrovisor. Emnenhum momento a palavra amar-

ga lhe arranhou a garganta, ou um “jáfui” indigno manchou sua biografiamoral e intelectual. Jamais o ódio, afrustração ou a revolta alcançaram obrilho da sua lucidez.

Viver 28 anos ao seu lado, mais doque um privilégio, foi uma aventuramarcada pela alegria, pelo permanen-te encanto de viver, e pela inabalávelpaixão pelo futuro.

Na madrugada de 1º de maio eleergueu o corpo no leito do HospitalCopa D’Or, e aos médicos e enfermei-ros que o cercavam com respeito exi-giu que desligassem os aparelhos. “Avida –– disse – deve se acabar com dig-nidade. Devemos deixá-la fluir natural-mente. Não se apegue a esse resto de vi-da, que nada significa para mim. Istonão é mais vida. Durante 77 anos vivicom dignidade. Em nome dos 28 anos deamor que nós vivemos, tenha coragem egrandeza para mandar desligar os apa-relhos.”

Inácio faleceu na manhã de 2 demaio de 2005.

As rotativas calaram.

VIDAS

Uma vidapartidaao meio

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ACONTECEU NA ABI

Na noite de 2 de junho, a ABI abriuas portas do Auditório Oscar Guanaba-rino para a discussão de um tema im-portante: A Amazônia que os brasileirosdesconhecem. Com a palestra do Gene-ral-de-Exército Cláudio Barbosa de Fi-gueiredo, os participantes — que lota-ram a platéia e entre os quais estavamnão apenas jornalistas, mas tambémautoridades e personalidades como oarquiteto Oscar Niemeyer e o ex-Mi-nistro do Exército Zenildo Lucena —puderam aprofundar seus conhecimen-tos sobre a região e os principais proble-mas por ela enfrentados.

O Presidente da ABI, Maurício Azê-do, agradeceu a presença do General erememorou a história da instituiçãoem acolher líderes militares para dis-cussões e debates:

— Com muito orgulho a ABI tradi-cionalmente acolheu figuras que aju-daram na História do País e que tive-ram participação em movimentos na-cionais. Esta iniciativa de hoje preten-de dar continuidade ao culto dos valo-res patrióticos.

No início da palestra, após agrade-cer o convite de Maurício Azêdo e deJosé Roberto Gomes Correia, Presiden-te do Sindicato dos Cirurgiões-Dentis-tas do Rio de Janeiro, o General apre-sentou um vídeo com imagens da Ama-zônia. Em seguida, explicou que trata-

AMAZÔNIA�����Rodrigo Caixeta

O General Cláudio Barbosa de Figueiredo, Comandante Militar daAmazônia, denuncia na ABI as ameaças que pesam sobre uma área

do País exposta a riscos pela magnitude das riquezas que possui.

ria dos aspectos fisiográ-ficos e geopolíticos, assimcomo da atuação do Exér-cito em sua missão insti-tucional de defender a in-tegridade do Brasil.

Do ponto de vista fisio-gráfico, o General apre-sentou as dimensões terri-toriais da Amazônia, queabrange seis Estados etem população estimadaem 13 milhões de habitan-tes. A região seria capazde cobrir toda a Europa,incluindo as ilhas inglesase irlandesas. São 22 milquilômetros de rios nave-gáveis, cujo eixo principalé o Solimões-Amazonas, que desembo-ca no Oceano Atlântico.

Para ele, as denúncias da imprensamundial sobre o desmatamento camu-fla os interesses de outros países empromover a internacionalização. O Ge-neral destacou que a Amazônia nãotem solo fértil — seu subsolo, no en-tanto, concentra os minerais mais im-portantes para a vida moderna:

— A Reserva dos Seis Lagos tem apresença do nióbio, muito utilizado naindústria da aviação. Na região da Re-serva de Roosevelt estão as jazidas dediamantes a apenas dez metros de pro-

fundidade. Na Ásia e na África, as ja-zidas estão a mais de cem metros.

Posicionamento estratégicoA Amazônia tem posicionamento

estratégico de defesa, por estar afasta-da dos grandes centros políticos, eco-nômicos e sociais do Brasil. Mas, se-gundo o General, a tendência atual deos países ricos entrarem em confrontocom os países pobres e as intervençõesarmadas acontecerem com a interfe-rência ou não da ONU é um agravante:

— Alguns dizem que a internacio-nalização está na cabeça de naciona-

UMA REGIÃO SOB COBIÇA

“Excelentíssimo Senhor General-de-Exér-cito Cláudio Barbosa de Figueiredo, digníssi-mo Comandante Militar da Amazônia; emi-nentes oficiais-generais e chefes militaresque integram a mesa da presente sessão;excelentíssimo senhor Presidente do Clubede Engenharia, Doutor Raymundo de Olivei-ra, e excelentíssimo senhor Presidente doSindicato dos Cirurgiões-Dentistas do Rio deJaneiro, Dr. José Roberto Corrêa, instituiçõesque se associaram à ABI no patrocínio e or-ganização deste magno evento; Dra. MariaAugusta Tibiriçá Miranda; Dra. Irene GarridoFilha; excelentíssimo senhor Presidente doConselho Deliberativo da ABI, escritor, jorna-lista e professor Ivan Cavalcânti Proença; se-nhores Diretores, Conselheiros e associadosda ABI; ilustres convidados; minhas senho-ras e meus senhores; digno General Cláu-dio Barbosa de Oliveira,

É com justificado orgulho que a Asso-ciação Brasileira de Imprensa acolhe a pre-sença de Vossa Excelência e de tantos ofi-ciais-generais e a oficialidade do Exército Bra-sileiro e das demais Armas das nossas for-

listas xenófobos, mas sabemos que acobiça exterior é antiga. No império deD. Pedro II, o Chefe do ObservatórioNaval de Washington, Matthew Mau-ry, já defendia a tese de livre navega-ção no Rio Amazonas.

O General recordou outros grandesnomes que também defendem a inter-nacionalização da Amazônia, comoMargaret Tatcher, Al Gore, MikhailGorbachev e Madeleine Albright. Elerecordou uma fala de Pascal Lamy, Pre-sidente da Organização Mundial doComércio, que disse que as florestas de-vem ser bens públicos mundiais:

— Felizmente, segundo uma pesqui-sa brasileira recente foi constatado que75% dos brasileiros entrevistados sa-bem que o País corre o risco de sofrer in-tervenções devido a suas riquezas.

Entre outros problemas enfrentados,o General aponta a instabilidade dos paí-ses vizinhos, como a Colômbia, que en-frenta a guerrilha promovida por for-ças revolucionárias e o crime organiza-do. Há também a questão indígena, queenvolve a integração social das tribos,além da expansão territorial, que cor-responde a 12, 8% do território nacio-nal, e a exploração das riquezas naturais.

Preservador da naturezaSegundo o General, o Exército é, por

essência, preservador da natureza. E apresença de ongs e estrangeiros naAmazônia é fator de alerta:

— Sabemos que as ongs têm reper-cussão favorável na imprensa, caráterhumanitário e preenchem as lacunasdeixadas pelo Estado. Mas é precisoatentar para a atuação de algumas.

O número de estrangeiros é cada vezmais crescente — com destaque para apresença de pesquisadores norte-ame-ricanos e europeus e de mão-de-obraboliviana, colombiana e peruana:

— Para conter o narcotráfico, o tráfi-co de armas e animais, a biopirataria ea exploração ilegal de madeiras, o Exér-cito dá apoio logístico, de comunica-ção e de inteligência.

O General destaca que a ausência doEstado permite a destruição do patri-mônio e a presença de organizações in-ternacionais:

— Por isso, a missão do Exército édefender a pátria. E a missão do Co-mando Militar da Amazônia é garan-tir a integridade territorial da região eatuar como Estado nessas localidades.

Para o General, há três ameaças prin-cipais para a Amazônia: a internacio-nalização, a ação dos crimes transna-cionais e a perturbação da ordem públi-ca. Para conter essas ameaças, é pre-ciso promover o convencimento daopinião pública internacional e havermaior atuação dos órgãos de Governo:

— Atuamos com a estratégia da dis-suasão, começando pela resistência epassando pela ofensiva até consolidar-mos nossa presença na região.

Ao final da palestra — tendo ao fun-do uma imagem em que se lia a frase“É na Amazônia que o coração do bra-sileiro bate mais forte” —, o Generalrecordou que a atuação do Exército naAmazônia data de 1616, quando asForças Armadas portuguesas fundaramo Forte do Presépio, onde hoje é o Pará.Segundo ele, o Comando Militar daAmazônia, composto por 124 organi-zações militares distribuídas em 58 lo-calidades, é o maior em extensão terri-torial no Brasil.

ças militares. A ABI tem uma longa tradiçãoneste Auditório Oscar Guanabarino de aco-lhimento de destacados líderes militares pa-ra exposição e debate de questões relacio-nadas com o interesse do País, seu presen-te e seu futuro.

Há mais de meio século, esta Casa digni-ficada pelo patriotismo de nosso patriarcaBarbosa Lima Sobrinho abriu-se de par empar para a discussão de aspectos de extre-ma relevância da vida nacional, como a for-ma de exploração do petróleo, que nas dé-cadas de 40 e 50 concentrava as atençõesde quantos chefes e pensadores militaresse preocupavam com o aproveitamento detão importante riqueza nacional. Ainda queem diferentes prismas de análise e obser-vação, todos buscavam colocá-las a serviçodo desenvolvimento econômico do País edo progresso material e espiritual do povobrasileiro. Aqui estiveram patriotas da estir-pe dos Generais Juarez Távora, Estevão Lei-tão de Carvalho, Arthur Carnaúba e muitosoutros que ajudaram o País a plasmar a defi-nição técnica e legal nesse campo, com a

instituição do monopólio estatal do petróleoe a criação da Petrobrás, empresa que, àparte o seu desempenho e seus resultadoseconômicos, envaidece o povo brasileiro pe-la demonstração da alta competência técni-ca dos seus quadros em inúmeras especia-lizações, como na pioneira tecnologia deexploração de petróleo em águas profundas.

Ainda recentemente, ilustre General Cláu-dio Barbosa Figueiredo, a ABI acolheu parauma entrevista coletiva o digno Presidente doClube Militar, General Luiz Gonzaga Schroe-der Lessa, seu ilustre antecessor no Coman-do Militar da Amazônia, cuja folha de servi-ços nesse posto é emoldurada pelo mesmopatriotismo com que Vossa Excelência ornao exercício dessa notável missão a serviçoda Pátria, essa mãe gentil que infelizmentenão merece de todos o afeto e a dedicaçãode que deveria ser sempre merecedora.

Sua presença entre nós, hoje, digno Co-mandante, tem, pois, o sentido de continui-dade do culto a valores patrióticos de que oExército Brasileiro e esta Associação Brasi-leira de Imprensa são apóstolos e infatigá-veis defensores.

É com grande prazer, portanto, que lhepasso a palavra para que Vossa Excelêncianos revele e mostre, sob a ótica do interes-se nacional, a Amazônia que os brasileirosdesconhecem e precisam proteger. “

Patriotismo, tradição da ABI

O General Cláudio Barbosa de Figueiredo recebeu da ABIuma placa comemorativa de sua conferência na Casa.

A saudação da Casa ao conferencista