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2 UMA PLATAFORMA VIRTUAL SOBRE O TRABALHO REAL VOLUME VI · Nº2 · 2010

FICHA TÉCNICA

Comité Executivo Direcção M. Lacomblez (PT) Comité L. Cunha (PT), R. Gil Mata (PT), M. Santos (PT), C. Valverde (PT), R. Vasconcelos (PT)

Comité Editorial C. Araújo (PT), D. Alvarez (BR), P. Arezes (PT), J. Brito (BR), A. Cadilhe (PT), J. Caramelo (PT), C. Chatigny (CA), C. De La Garza

(FR), E. Escalona (VE), J. Fraga de Oliveira (PT), L. Gonzaga (PT), R. González (VE), E. Martinez (BE), M. Massena (PT), A. Nascimento (FR), A.

Seifert (CA), C. Silva (PT), I. Torres (PT), J. Villena (ES), S. Ramos (PT)

Comité Científico Internacional M. Alaluf (BE), M. Acevedo (CL), E. Apud (CL), M. Athayde (BR), J. Barcenilla (FR), C. Barros Duarte (PT), M.

Barroso (PT), D. Berthelette (CA), J. Bronckart (CH), C. Canepa (CL), J. Castillo (ES), Y. Clot (FR), E. Cloutier (CA), J. Correia (PT), D. Cru (FR), F.

Daniellou (FR), H. David (CA), F. Duarte (BR), E. Estanque (PT), P. Falzon (FR), R. Gadea (ES), A. Garrigou (FR), I. Hansez (BE), M. Kempenners

(CA), A. Kerguelen (FR), L. Leal Ferreira (BR), C. Levesque (CA), L. Lopes (PT), B. Maggi (IT), J. Marquié (PT), M. Matos (PT), S. Montreuil (CA), M.

Perreault (CA), S. Poirot-Delpech (FR), M. Poy (AR), A. Re (IT), N. Rebelo dos Santos (PT), Y. Schwartz (FR), A. Simões (PT), L. Sznelwar (BR), C.

Teiger (FR), A. Thébaud-Mony (FR), L. Vogel (BE), S. Volkoff (FR), A. Weill-Fassina (FR)

Secretariado de redacção Cláudia Monteiro (PT)

Design e Paginação J. Parada (PT), I. Silva (PT)

Revista apoiada por

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3UMA PLATAFORMA VIRTUAL SOBRE O TRABALHO REAL VOLUME VI · Nº2 · 2010

Marianne Lacomblez

EDITORIAL

Stefania Barca

ARQUEOLOGIA DO CONHECIMENTO

Carla Barros Duarte & Liliana Cunha

INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO

Cláudia Costa & Catarina Silva

ESTUDOS DE CASO

Camilo Valverde

RESUMOS DE TESE

André Leroi-Gourhan (Indrodução de Régis Ouvrier-Bonnaz)

TEXTOS HISTÓRICOS

Cecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

IMPORTA-SE DE REPETIR?…

Laura Centemeri, Denise Alvarez

O DICIONÁRIO

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4 UMA PLATAFORMA VIRTUAL SOBRE O TRABALHO REAL VOLUME VI · Nº2 · 2010

8-9 EditorialMarianne Lacomblez

10-18 Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998Stefania Barca

19-26 INSAT2010 - Inquérito Saúde e Trabalho: outras questões, novas relaçõesCarla Barros Duarte & Liliana Cunha

27-46 Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das condições de trabalho no sector de saneamento de um serviço municipalCláudia Costa & Catarina Silva

47-51 Para uma contextualização da prevenção em segurança e saúde ocupacional no sector da construção: contributos da formação de coordenadores de segurança e saúdeCamilo Valverde

52-55 Introdução ao texto “A libertação da mão” de André Leroi-GourhanRégis Ouvrier-Bonnaz

56-59 A libertação da mãoAndré Leroi-Gourhan

60-65 Caminhos para a articulação entre linguagem, ergologia, trabalho e desenvolvimentoCecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

66-70 Seveso: o desastre e a DirectivaLaura Centemeri

71-75 TempoDenise Alvarez

PT

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5UMA PLATAFORMA VIRTUAL SOBRE O TRABALHO REAL VOLUME VI · Nº2 · 2010

8-9 EditorialMarianne Lacomblez

10-18 Pan y veneno. Reflexiones para una investigación sobre el ‘ambientalismo del trabajo’ en Italia, 1968 - 1998Stefania Barca

19-26 INSAT2010 – Encuesta Salud Y Trabajo: otras cuestiones, nuevas relacionesCarla Barros Duarte & Liliana Cunha

27-46 Análisis del trabajo, formación contextualizada y acción de transformación de las condiciones de trabajo en el sector de saneamiento de un servicio municipalCláudia Costa & Catarina Silva

47-51 Para una contextualización de la prevención en seguridad y salud ocupacionales en el sector de la construcción: contribuciones de la formación de coordinadores de seguridad y saludCamilo Valverde

52-55 Introducción al texto “La liberación de la mano” de André Leroi-GourhanRégis Ouvrier-Bonnaz

56-59 La liberación de la manoAndré Leroi-Gourhan

60-65 Caminos para la articulación entre lenguaje, ergologia, trabajo y desarrolloCecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

66-70 Seveso: el desastre y la DirectivaLaura Centemeri

71-75 TiempoDenise Alvarez

ES

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6 UMA PLATAFORMA VIRTUAL SOBRE O TRABALHO REAL VOLUME VI · Nº2 · 2010

8-9 EditorialMarianne Lacomblez

10-18 Pain et poison. Quelques pistes pour une recherche sur ‘l’environnementalisme du travail’ en Italie, 1968-1998Stefania Barca

19-26 INSAT2010 – Enquête Santé et Travail: autres questions, nouvelles relationsCarla Barros Duarte & Liliana Cunha

27-46 Analyse du travail, formation contextualisée et action de transformation des conditions de travail dans un secteur d’assainissement d'un service municipalCláudia Costa & Catarina Silva

47-51 Pour une contextualisation de la prévention en santé et sécurité au travail dans le secteur du bâtiment: contributions de la formation des coordinateurs en santé et sécuritéCamilo Valverde

52-55 Introduction au texte « Libération de la main » de André Leroi-GourhanRégis Ouvrier-Bonnaz

56-59 Libération de la mainAndré Leroi-Gourhan

60-65 Parcours pour l'articulation entre langage, ergologie, travail et développementCecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

66-70 Seveso: le désastre et la DirectiveLaura Centemeri

71-75 TempsDenise Alvarez

FR

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7UMA PLATAFORMA VIRTUAL SOBRE O TRABALHO REAL VOLUME VI · Nº2 · 2010

8-9 EditorialMarianne Lacomblez

10-18 Bread and poison. Reflections for a research on labour environmentalism in Italy, 1968-1998Stefania Barca

19-26 INSAT2010 – Health and Work Inquiry: other questions, new relationshipsCarla Barros Duarte & Liliana Cunha

27-46 Work analysis, contextualized training and actions to change working conditions in the sanitation sector of a municipalized serviceCláudia Costa & Catarina Silva

47-51 Towards a contextualization of prevention in occupational safety and health in the construction sector: contributions of the safety and health coordinators’ trainingCamilo Valverde

52-55 Introduction to the text “The liberation of the hand” by André Leroi-GourhanRégis Ouvrier-Bonnaz

56-59 The liberation of the handAndré Leroi-Gourhan

60-65 Pathways to the links between language, ergology, work and developmentCecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

66-70 Seveso: the disaster and the DirectiveLaura Centemeri

71-75 TimeDenise Alvarez

EN

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8 VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 8-9

Marianne Lacomblez

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

Universidade do Porto

Rua Dr. Manuel Pereira da Silva

4200-392 Porto, Portugal

[email protected]

Este número de Laboreal tem um relevo particular: não só marca a passagem para o sexto ano de edição da revista, como anuncia uma nova fase do seu projecto.Na verdade, os comentários que recebemos dos leitores de Laboreal, e os proventos que os mesmos dizem ter retirado dos números publicados até agora, reforçaram a nossa vontade de prosseguir o trabalho já realizado, conferindo--lhe contudo uma nova perspectiva.Nesse sentido, assumimos a opção de uma reorganização das equipas responsáveis, distinguindo, a partir do próximo ano de 2011, duas direcções: uma para a versão de Laboreal em língua portuguesa e outra para a versão em língua es-panhola.Assim, mantendo a Universidade do Porto (e eu própria) a administração geral da edição de Laboreal, a equipa consti-tuída por Pere Boix, Cecilia de la Garza, Carlos Diaz Cane-pa, Mario Poy e Laurent Vogel irá assegurar a direcção da versão espanhola; e Jussara Brito, Liliana Cunha, Rita Gil Mata, Adelaide Nascimento, Marta Santos, Ricardo Vascon-celos e Camilo Valverde a direcção da versão portuguesa. O princípio geral desta reorganização será o da alternância na responsabilidade de cada direcção pela coordenação editorial dos dois números anuais – sendo o próximo núme-ro, de Junho de 2011, coordenado pela direcção portuguesa e o de Dezembro de 2011 pela direcção espanhola. A médio prazo, é nosso objectivo conseguir publicar a revis-ta, integralmente, sempre nas suas duas línguas. Mas pre-cisaremos de uma fase de rodagem para o conseguir.No quadro desta reorganização, decidimos também reunir no seio do Conselho científico, o conjunto dos membros dos Comités editorial e científico anteriores, que nos comunica-ram o desejo de manter a sua colaboração.

Mas a edição que oferecemos agora foi ainda organizada pela equipa da Universidade do Porto, com o suporte cientí-fico dos peritos que integram os nossos comités – contando desta vez também com a contribuição de Marie Noel Beau-chesne, cuja experiência se tornou indispensável no pro-cesso de avaliação de um dos artigos.

EDITORIAL

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9Editorial • Marianne Lacomblez

O Dicionário, enfim, prossegue a sua evolução; e, como sem-pre, nas duas línguas de Laboreal:“S”, de Seveso: nome de um pequeno município italiano, as-sociado ao acidente industrial de 1976 que aí ocorreu e cau-sou a contaminação com dioxinas de grande parte do seu território e dos municípios limítrofes. Só podíamos apelar à longa experiência de Laura Centemeri para nos contar o que o acidente deixou na história de muitos trabalhadores e cidadãos, acabando por ser determinante no nome e nos conteúdos da Directiva europeia sobre riscos de acidentes graves.

E “T”, de Tempo. Sabíamos que Denise Alvarez sabia bem como, nas situações de trabalho, há um convívio simultâneo entre um tempo único, linear, seqüencial, homogêneo, tempo espacializado medido pela sucessão de instantes materializa-dos no relógio, e um outro que estabelece laços e ligações, que percorre diferentes temporalidades simultaneamente, um tempo-devir - qualitativo e psicológico.

A todos os autores deixamos os nossos agradecimentos pelo seu contributo.E a todos os leitores deixamos o convite para a leitura aten-ta que cada texto merece.

Pela equipa de Laboreal, actual e futura,Marianne Lacomblez

Abrimos este número com uma rubrica até agora pouco usada pelos autores de Laboreal – a da Arqueologia do co-nhecimento. E abrimo-la pensando já no futuro da revista, publicando nas suas duas línguas o contributo de Stefania Barca. Este artigo convida a um retorno ao percurso do am-bientalismo italiano, que abre perspectivas para muitos ou-tros locais do mundo, sugerindo-nos uma nova interpreta-ção das contradições da relação entre trabalho, saúde e meio ambiente, inspirada por uma recente literatura histó-rico-ambiental sobre a nocividade industrial.

Na rubrica Instrumentos de investigação, reencontramos, com o artigo de Carla Barros e Liliana Cunha, o questioná-rio INSAT. Apresentado, já nesta rubrica em 2007, não dei-xou de se afirmar como um instrumento “vivo”, e as evolu-ções que suscitaram as suas utilizações fundamentam a reflexão aqui apresentada e justificam a sua nova versão.

Quanto aos Estudos de caso, podemos dizer que fazem parte intrínseca da tradição científica sustentada por Laboreal. Desta vez, são Cláudia Costa e Catarina Silva que a repre-sentam com um artigo relativo a um projecto de análise--formação-acção participativa, levado a cabo com operado-res do saneamento – evidenciando o envolvimento de todos os actores como agentes activos na promoção da seguran-ça e transformação das suas condições de trabalho.Também é de formação que nos fala Camilo Valverde, no Resumo da sua tese de doutoramento. Mas aqui o relato é mais crítico, ao mostrar o desafio com que se confrontam os programas formativos de coordenadores de segurança e saúde na indústria da construção: existe, pois, uma clara distinção entre o mundo da prevenção dos operadores e das chefias de proximidade e o mundo da prevenção dos técni-cos da segurança e dos gestores de topo - dois mundos que, infelizmente, pouco e mal se encontram na prevenção dos riscos profissionais no estaleiro.

A nossa rubrica dos Textos históricos, já elogiada por nume-rosos leitores, mantém a liderança de Régis Ouvrier-Bon-naz, com esta curiosidade insaciável que o caracteriza e o conduziu, no âmbito deste número, a valorizar um texto pouco conhecido de Leroi-Gourhan: «Libération de la main». A finalidade é, essencialmente, de nos obrigar a repensar a noção de evolução técnica e de considerar a tecnologia como uma ciência social.

No que diz respeito à rubrica Importa-se de repetir?…, um protocolo complementar a outros já estabelecidos levou-nos a publicar aqui a versão em língua portuguesa de um artigo da revista Ergologia, onde Cecília Souza-e-Silva e Vera Lucia Sant’Anna, referindo-se ao conceito de “letramento discursi-vo”, revelam um espaço de potenciais “capabilidades” na compreensão do mundo e na sua transformação.

Como referenciar este artigo?

Lacomblez, M. (2010). Editorial. Laboreal, 6, (2), 8-9

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n

SU5471123:41419114131

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10 VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 10-18

Resumen Este artículo presenta una reflexión preliminar para la realización de una investigación histórica sobre un aspecto del movimiento ecologista italiano que hasta hoy ha sido poco considerado y que denomino como “ambientalismo del trabajo”, para refirme a las luchas por la salud en los ambientes de trabajo y en la vida de la clase trabajadora. Mi análisis parte del encuentro entre un grupo de ‘especialistas’ en higiene laboral y un grupo de obreros y obreras, que tuvo lugar en el corazón del triángulo industrial italiano entre los años 60 y los 70. Este encuentro condujo a nuevas formas de conciencia ambiental y de acción política que designo como “ambientalismo del trabajo”. A continuación, la narración se moverá hacia un área de la industria petroquímica al sur de Italia entre los años 70 y los 90, donde las contradicciones de la relación entre el trabajo, la salud y el medio ambiente, explotaban y remontaban de diferentes formas. Mi intención con el presente artículo es sugerir una nueva visión sobre estas luchas inspirada en la nueva literatura histórico-ambiental sobre la nocividad industrial. Palabras clave ambientalismo del trabajo, luchas contra la nocividad, “Servizi di Medicina per gli Ambienti di Lavoro”, industria petroquímica, Manfredonia.

Stefania Barca

Centro de Estudos Sociais

Universidade de Coimbra (PT)

[email protected]

1. Premissa

A reflexão sobre o ambientalismo do trabalho em Itália apresenta-se inicialmente problemática: empreendidas desde o início dos anos ‘60, as lutas sindicais que foram chamadas ‘contra a nocividade’ - isto é, para o controle dos trabalhadores sobre as condições ambientais na fábrica – acabaram para manter uma fraca e às vezes conflituosa relação com as batalhas ambientalistas, consideradas de elite (por exemplo, contra a especulação imobiliária, ou para o estabelecimento de áreas protegidas). Na memória de um dos protagonistas daquela fase, o médico do trabalho Massimo Menegozzo, a oportunidade de relacionar as lutas contra a nocividade na fábrica com a luta mais geral contra a poluição industrial, não foi aproveitada pelo movimento sindical [1]. Todavia, um simples exame da documentação disponível sobre o assunto, e da literatura historiográfica produzida até agora, deixa claro que considerar as lutas contra a nocividade apenas como parte da luta sindical ita-liana daqueles anos, ou do desenvolvimento da medicina do trabalho - ambas as questões centrais e bem analisadas até agora - seria uma subestima do valor cultural e político mais geral das mesmas lutas e do contributo que elas de-ram para o desenvolvimento do ambientalismo italiano.A história contada neste artigo começa desde um encontro – entre uma geração de ‘especialistas’ em higiene indus-trial e uma outra de trabalhadores/as de fábrica – que teve lugar no coração do triângulo industrial italiano entre os anos ‘60 e ‘70. Este encontro produziu novas formas de consciência ambiental e acção política, a que darei o nome de “ambientalismo do trabalho”. Em seguida, a narração move-se para uma área de indústria petroquímica no Sul da Itália entre os anos ‘70 e ‘90, onde as contradições da rela-ção entre trabalho, saúde e meio ambiente explodiam e re-montavam em diferentes formas. A minha intenção neste artigo é a de sugerir uma nova interpretação dessas lutas, inspirada por uma recente literatura histórico-ambiental sobre a nocividade industrial [2].O ponto de partida teórico é a unidade orgânica e material entre trabalho, ambiente e saúde, como verificada pela

Stefania Barca

ARQUEOLOGIA DO CONHECIMENTO

Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismodo trabalho’ em Itália, 1968-1998

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11Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998 • Stefania Barca

“classe trabalhadora”, isto é, o/as operário/as e suas famí-lias, através dos seus corpos e das condições materiais de trabalho e de vida [3]. O artigo também pretende realçar que esta unidade orgânica entre seres humanos e natureza através do trabalho tem sido tão ofuscada pelas forças polí-ticas dominantes, como pelos contrastes entre o movimento operário e o ambientalista. A história do ambientalismo do trabalho italiano, entretanto, mostra a possibilidade de uma consciência antagonista do risco industrial, a qual surgiu em alguns momentos e lugares ao longo do último meio sé-culo. Mostra ainda como esse conhecimento tem sido capaz, de diferentes maneiras, de desafiar as formas estabeleci-das do conhecimento científico, e até mesmo o poder políti-co-económico.Finalmente, este artigo visa contribuir para a construção de uma história do trabalho ambientalmente consciente. O meu argumento é de que os trabalhadores (e trabalhado-ras) e as suas famílias não só trouxeram a marca do desen-volvimento capitalista em seus corpos, como foram eles os que pagaram o maior preço pela transformação ambiental tumultuosa do período pós-guerra. Assim, por estas ra-zões, a história do trabalho contêm uma parte importante da história do ambiente na Itália. A formação de uma cons-ciência ambiental do trabalho, com base na experiência do dano corporal, foi prejudicada pela grande mistificação cul-tural e política que afectou o crescimento económico italia-no. Hoje é a responsabilidade da obra historiográfica o tra-zer à luz não somente os aspectos ambientais das lutas dos trabalhadores para a saúde, mas também a acção de forças opostas à formação duma frente unida entre consciência de classe e consciência ambiental.O artigo resulta da reorganização de uma comunicação apresentada na conferência ‘Dangerous Trade. Histories of industrial hazards across a globalizing world’, realizada na Universidade de Stony Brook (EUA), em Dezembro de 2007. Sendo um levantamento preliminar das matérias e ques-tões relacionadas com o tema do ambientalismo do traba-lho italiano, o artigo utiliza uma variedade de fontes: (1) ar-tigos da revista Sapere, durante o período da direcção de Giulio Maccacaro, (2) relatórios dos Serviços Médicos para os Ambientes de Trabalho da província de Milão (1972-1976); (3) entrevistas de história oral (realizadas pela autora), com dois dos protagonistas das lutas contra a nocividade; (4) en-trevistas de história oral (publicadas) sobre o caso da in-dústria petroquímica em Manfredonia; (8) literatura históri-ca sobre a nocividade industrial e sobre o contexto económico e político do período considerado.

2. Os custos sociais do ‘boom económico’ (1958-1969)

Entre 1955 e 1970, cerca de quatro milhões de Italianos mi-graram das áreas rurais e do Sul para o triângulo indus-trial, a maioria em busca de trabalho nas fábricas. Muitas encontraram-no nas áreas de rápido crescimento: aço, me-cânica, e petroquímica. Desde o final dos anos 60, o Estado iniciou uma política de localização industrial no Sul do país, que transformou radicalmente as zonas costeiras, com a criação de grandes fábricas, a maioria de propriedade esta-tal, especialmente no sector petroquímico [4].Como resultado dessas mudanças, o país sofreu a transição epidemiológica típica das economias industrializadas, isto é, desde a prevalência de doenças infecciosas à prevalência de doenças degenerativas (cancro e doenças cardíacas), es-pecialmente aquelas relacionadas com a contaminação am-biental por hidrocarbonetos, mercúrio e benzeno. O INAIL (Ente Italiano de Previdência Social) financiava a investiga-ção no campo da higiene industrial, mas esta foi essencial-mente direccionada para o seguro dos riscos e a patologia clínica, ao invés da prevenção. Prevaleceu um consenso tá-cito de que a saúde (e não apenas a dos trabalhadores) foi o preço a pagar pelo desenvolvimento industrial do país. Face à impressionante deterioração das condições de trabalho na fábrica, ligada à intensificação das taxas de produção, os sindicatos, por seu lado, adoptaram uma estratégia defen-siva, focada em tentar obter o máximo possível de compen-sação por acidentes, e, em parte, por doenças do trabalho (muito difíceis de documentar e sempre sujeitas à recusa da autoridade de saúde). A compensação, ou - como viemos a dizer - a “monetarização” do risco industrial, não fazia mais do que impedir a prevenção, pelo simples fato de o INAIL cobrir os custos (e, em seguida, baixar grande parte deles no orçamento público), deixando os donos das empresas desprovidos de qualquer responsabilidade criminal e civil para os riscos do trabalho. O “milagre” da economia italiana foi, assim, em grande parte habilitado pelo baixo preço da saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras e pela cober-tura de seguro fornecida pelo Estado [5].A experiência do ambientalismo do trabalho italiano come-çou quando uma geração de “especialistas” militantes - médicos, engenheiros e sociólogos do trabalho - começa-ram a entrar nas fábricas do milagre económico, ali chamados pelo mesmo movimento sindical na etapa crucial do “Outono quente”, e encontraram o conhecimento dos ris-cos encarnado pelos trabalhadores e as trabalhadoras. Esse primeiro encontro havia sido preparado, por um lado, pelas reflexões sobre a relação entre saber e poder típica do movimento estudantil e, por outro, pela consciência do movimento operário (e da opinião pública) da existência de um enorme problema de saúde / segurança no trabalho causado pelo chamado “milagre económico”. Essa consci-

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12 Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998 • Stefania Barca

ência também produziu um amargo combate, após o que o novo Estatuto dos Trabalhadores foi aprovado pelo parla-mento italiano (lei 300 de 1970). O Estatuto incluía dois arti-gos que expressamente reconheciam à classe trabalhadora o direito a exercer um controlo directo (isto é, não mediado pelos inspectores de trabalho ou “especialistas” na folha de pagamento do empregador) sobre as condições ambientais na fábrica. Experimentado durante os anos ‘60 em algumas realidades pioneiras, depois de 1970 este controlo sobre as condições de trabalho foi exercido amplamente e com su-cesso, especialmente em grandes fábricas do triângulo in-dustrial. Isto permitia a produção de uma significativa con-tribuição intelectual, da qual permanece marco nas páginas de revistas como “Medicina dei Lavoratori” e “ Medicina Democrática”, mas também numa revista não especializada como “Sapere” (particularmente durante o período em que foi dirigida por Giulio Maccacaro, que também dirigia nos mesmos anos a série “Medicina e Potere” da editora Feltri-nelli), bem como uma extensa literatura especializada [6].Na reconstrução histórica, mas também nos testemunhos de pessoas que estiveram envolvidas, está claro como a ex-periência de luta pela saúde na fábrica foi utilizada para preparar o terreno para a reforma geral do sistema nacio-nal de saúde pública, que efectivamente foi aprovada em 1978, após cinco greves gerais de “sangue e lágrimas” [7]. Eram anos em que a fábrica era considerada o foco da polí-tica e da vida social italiana, e em que a unidade orgânica entre saúde ocupacional e saúde pública era parte da ma-neira comum de perceber a realidade social e de saúde do país. A reforma de saúde nacional pareceu no entanto uma vitória da aliança entre a ciência militante e o conhecimento popular, entre especialistas/activistas e classe trabalhado-ra, o que resultou numa reforma muito mais ampla e geral, envolvendo todo o corpo social do país. Como veremos na segunda parte do artigo, o impacto dessas reformas insti-tucionais sobre os órgãos dos trabalhadores e das traba-lhadoras e sobre as condições ambientais de vida e trabalho no país, foi fortemente influenciado pelas hierarquias do contexto geográfico italiano e pelas mudanças políticas e económicas ao longo das décadas por vir.

3. Ambiente de trabalho e medicina militante: a experiência dos SMAL

A abordagem dos sindicatos à saúde ocupacional foi radi-calmente revista nos anos ‘60 após uma revolução em ma-téria de higiene industrial, que elaborava uma abordagem inovadora para a formação do conhecimento sobre condiço-es de saúde no ambiente de trabalho. Esta nova forma de conhecimento participativo baseava-se sobre uma radical revisão do papel dos “especialistas’’ de higiene industrial: desde cientistas supostamente imparciais, mas, de facto,

ao serviço da empresa, para ‘intelectuais orgânicos’ ao ser-viço da classe trabalhadora. Rapidamente, a medicina ocu-pacional tornara-se numa ciência militante. Esta militança baseava-se em duas acções principais. A primeira consistia em formular de forma simples e clara alguns princípios bá-sicos de higiene industrial, isso é: os quatro principais fac-tores de risco: 1) factores inespecíficos (ruído, microclima, vibrações, radiações, etc.), 2) factores específicos do am-biente de trabalho (exposição a substâncias tóxicas ou ex-plosivas), e 3) factores relacionados ao esforço físico (es-forço, postura e movimentos incómodos) e 4) factores relacionados com a organização do trabalho (monotonia, ritmo excessivo, ansiedade, responsabilidade). A segunda acção da nova medicina ocupacional consistia na proposta do principio da não-delegação em matéria de saúde nos lo-cais de trabalho, isso é, a ideia de que o impacto do trabalho sobre a saúde tinha que ser definido directamente pela classe trabalhadora, e não pelos “especialistas”. Tudo isso levou a formular novos instrumentos de conhecimento ad-ministrados por trabalhadores e sindicatos: o questionário para colecta de dados, registos de dados ambientais e bio-estatísticos, registos de dados sobre o estado de saúde dos trabalhadores [8]. Naquela época, o tema do “ambiente de trabalho” passou a ocupar um lugar de destaque no debate político interno da esquerda. Uma oficina permanente, re-baptizada “clube do ambiente”, nasceu dentro da CGIL - o principal sindicato italiano - com a missão de formular e testar novas formas de conhecimento / acção contra a noci-vidade [9].Uma experiência de grande importância, dentro deste fer-vor criativo em torno da questão dos riscos industriais, foi a do SMAL – Serviços de Medicina para os Ambientes de Tra-balho: uma estrutura criada por iniciativa da CGIL-CISL-UIL (a federação dos três maiores sindicatos nacionais), e insti-tuída pelo Governo Regional da Lombardia no final de 1972, com a tarefa de tornar imediatamente operacional o direito de controlo do ambiente da fábrica pelos trabalhadores. A experiencia do SMAL foi fortemente marcada pelo contexto regional, bem como pelo contexto histórico: ele foi criado no coração da área industrial (na província de Milão) e na épo-ca áurea da luta pela saúde na fábrica (1972 -1976). Seu va-lor é o de uma experiência pioneira, que teve a tarefa histó-rica de mostrar como foi possível configurar a questão do ambiente de trabalho, e com que resultados.O SMAL realizara a sua tarefa de uma maneira activamente participada pelos trabalhadores e trabalhadoras, que pas-saram de “objecto” de investigação a atores: pois era o ‘conselho de fábrica’ que solicitava a intervenção dos “es-pecialistas”, e todas as acções a serem tomadas no âmbito do inquérito eram decididas por uma comissão pela “saúde e segurança” criada pelo mesmo conselho. A intervenção do SMAL baseava-se essencialmente em ferramentas para o estudo auto-dirigido pelos trabalhadores, o que permitia

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13Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998 • Stefania Barca

a cada trabalhador e trabalhadora registar medições rela-cionadas com os quatro grupos de factores de risco, bem como com a sua própria condição psico-física e quaisquer males percebidos. A partir dos dados ambientais registados pelos trabalhadores, o SMAL tinha a opção de realizar um estudo nosológico e, eventualmente, exigir a gestão de me-didas preventivas e / ou mudanças reais na estrutura orga-nizacional e técnica da empresa.Em suma, o SMAL tinha o poder de transformar a percep-ção dos trabalhadores e das trabalhadoras sobre riscos, presentes no local de trabalho em sérias mudanças na or-ganização da produção, com a função de evitar o dano, ao invés de compensar o que já acontecera. Mobilizar o conhe-cimento do risco incorporado pela classe trabalhadora so-bre os seus corpos, e que esta poderia finalmente usar em primeira pessoa para mudar as condições de trabalho na fábrica, foi a principal finalidade para a qual o SMAL nas-ceu. “A visão que um profissional pode construir sobre os perigos de um ambiente de trabalho - de acordo com um relatório SMAL - seria bastante insuficiente e parcial, se não fosse confrontada com a opinião de quem vive lá duran-te oito horas por dia ‘. Em resumo, o ambiente de trabalho era visto como um tipo específico de ecossistema, e a clas-se trabalhadora era a que o conhecia melhor [10].O SMAL não aparecia, assim, como um organismo científico fora do mundo do trabalho, extraindo conhecimento a partir do corpo dos trabalhadores, mas como um grupo de cien-tistas/activistas a serviço da classe trabalhadora sob a he-gemonia incontestável dos sindicatos. Isto porque tinham sido precisamente os sindicatos a fazer pressão para o es-tabelecimento do SMAL a nível provincial e regional, depois de ter sido criado no seu orçamento por alguns governos locais. Foram os sindicatos a organizar cursos de formação para aspirantes médicos SMAL e a agir como intermediá-rios entre eles e as organizações de trabalhadores; os sin-dicatos acabaram por coordenar os seus esforços a nível regional. A natureza militante do SMAL e, portanto, a prio-ridade política de defesa dos trabalhadores contra os ris-cos, é evidente nos relatórios da actividade realizada nos anos 1972-76 na província de Milão. A linguagem dos textos revela como os médicos [11] SMAL denotam ser muito mais do que apenas “especialistas” da saúde no acto da realiza-ção de um serviço público: eles são parte de uma batalha cultural mais geral contra o conhecimento / poder e para a subjectividade da classe trabalhadora, no acto de utilizar o ambiente de trabalho como um terreno importante da luta política e social. É frequentemente o caso de a sua acção abranger questões que ultrapassam o ambiente da fábrica, envolvendo a relação entre esta e o território, e portanto a questão politicamente muito delicada do conflito entre o trabalho e o meio ambiente.Em Cinisello Bálsamo, por exemplo, uma disputa complexa foi levantada em relação ao ruído proveniente da fábrica de

aço Terzago, colocando os trabalhadores em contraste com a população local. A direcção respondeu aos protestos da população, ordenando o fechamento das janelas, aumen-tando assim a carga de ruído em detrimento da saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, e ameaçou fechar a fábrica em caso de reclamações por parte deles. A Terzago era uma pequena empresa com uma fraca presença dos sindi-catos, onde a intervenção do SMAL havia sido chamada a pedido de um comité anti-ruído local. Portanto, é provável que os trabalhadores tenham reagido negativamente à in-tervenção do SMAL, percebendo-a como uma ameaça. Foi um caso politicamente sensível, o que exigiu a capacidade de superar a aparente contradição entre a saúde dos traba-lhadores e a cidadania, bem como a capacidade de ligar os dois momentos da luta contra a poluição. O SMAL definiu o problema do ruído como um problema de saúde ocupacio-nal em primeiro lugar, e agiu para abordar ambos pela raiz. Essa linha de acção necessitou de uma forma de interven-ção não estritamente profissional. Um primeiro nível de ac-ção foi reunir os trabalhadores e trabalhadoras com a po-pulação local por meio de assembleias de bairro, incluindo a participação de especialistas de otorrinolaringologia da Universidade de Milão e representantes do governo local. Só mais tarde, portanto, o SMAL passou a intervir nas con-dições de trabalho com o levantamento audiométrico. Os resultados evidenciaram surdez parcial crónica em 30% dos trabalhadores examinados e choque acústico noutros 36%, na sua maioria mulheres. Porém, a intervenção do SMAL não se limitando à verificação dos danos à saúde dos trabalhadores, começou a procurar uma solução técnica. Mediante a cooperação de “engenheiros democráticos” - in-forma o relatório - foram apresentadas propostas concre-tas para o controlo de vibrações e transmissão de ondas acústicas no local de trabalho. No final, a direcção não só não pôs em causa os resultados da pesquisa, como se mos-trou disposta a adoptar todas as soluções propostas [12].A conexão entre conflitos ambientais e da área da fábrica é também evidente noutro relatório, sobre a Metal-Lámina em Assago. Neste caso, foi o conselho de trabalhadores de uma empresa próxima a chamar a atenção do serviço muni-cipal de ecologia para as emissões da Metal-Lámina. Este, por sua vez, procurou a intervenção do SMAL. A pesquisa evidenciou que o ambiente de trabalho foi contaminado com pó de chumbo em quantidades dez vezes superiores ao per-mitido. Os trabalhadores relataram que cinco cães de guar-da já estavam mortos dentro da fábrica no ano passado, provavelmente devido à ingestão de poeira depositada so-bre o solo. O SMAL deu instruções para a admissão hospi-talar imediata de oito dos treze fundadores, e ordenou a paragem da produção em todo o bloco de Fundição. A admi-nistração da empresa ameaçou fechar a fábrica. No final, porém, não só decidiu aplicar todas as disposições para a redução de fumos e poeiras ditada pelo SMAL e pelo serviço

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14 Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998 • Stefania Barca

municipal de Ecologia, incluindo a instalação de um purifi-cador de água, como ainda sugeriu que o SMAL se tornasse consultor da empresa em questões de saúde e meio am-biente [13].O comportamento da direcção da Metal-Lámina parece ter sido bastante comum noutras pequenas e médias empre-sas tocadas pela intervenção do SMAL. O único caso em que este encontrou resistência e até oposição aberta foram as empresas do grupo Montedison, onde a gestão prejudicou por todos os meios a admissão de especialistas SMAL, ale-gando ter seu próprio serviço médico [14]. Este facto introduz o tema da secção seguinte, respeitante às lutas contra a no-cividade na grande empresa estatal petroquímica.

4. Manfredonia 1976-1998: Ambiente e Trabalho num Pólo Petroquímico do Sul.

Na manhã de 26 Setembro de 1976, apenas dois meses após o acidente em Seveso, a explosão de uma coluna de arsénio na fábrica ANIC de Manfredonia, na província de Foggia, causou a descarga na atmosfera de uma nuvem de 32 tone-ladas de dióxido de arsénio em pó, que caiu sobre a cidade e se depositou em terrenos agrícolas circundantes [15]. Os pri-meiros sintomas de um envenenamento em massa eram evidentes logo após a morte de muitos animais, e a hospita-lização de cerca de uma centena de pessoas em poucas ho-ras. Os pacientes foram quase todos trabalhadores da fá-brica e moradores do bairro Monticchio, um aglomerado de habitações sociais construídas perto da fábrica ANIC. Incri-velmente, a gestão da fábrica negou a existência de qual-quer risco epidemiológico, e chamou todos os trabalhado-res para trabalhar normalmente na segunda-feira seguinte. Como uma medida preventiva, uma equipa de pessoal de manutenção foi enviada no mesmo dia para limpar o interior do estabelecimento, sem qualquer protecção e munidos apenas com vassouras. Esses trabalhadores estiveram toda a noite a recolher o pó de arsénio depositado, de modo que a planta pudesse voltar a funcionar ‘normalmente’ no dia seguinte.O acidente aconteceu em uma área do Sul que sofreu com elevada taxa de desemprego crónico e emigração, uma área cujos recursos mais importantes haviam sido a terra agrí-cola, utilizada sobretudo com oliveiras, a pesca e a paisa-gem natural/histórico (Manfredonia é a entrada para a pe-nínsula de Gargano). Esses recursos tinham vindo a ser seriamente comprometidos não só pelo acidente de 1976, mas por mais de 20 anos de actividade do estabelecimento ANIC (que em seguida irá chamar-se Enichem). Em 1988, a Organização Mundial de Saúde classificou a área como de “alto risco de crise ecológica” por causa da contaminação da cadeia alimentar, e sugeriu a criação de um observatório epidemiológico permanente [16]. Contudo, a população conti-

nuou a ignorar as ameaças relacionadas com a longa activi-dade da indústria petroquímica no seu território, e os efei-tos da propagação da contaminação por arsénico que este sofreu em 1976. A prioridade política (e, claro, da empresa) foi, de imediato, a de evitar a disseminação de informações para prevenir a formação de uma situação tipo Seveso, onde se verificou a mobilização de comités de cidadãos, partidos políticos, organizações sociais, o bloco da fábrica, evacuações, assistência de peritos estrangeiros e alerta da opinião pública internacional. Nada disto aconteceu real-mente em Manfredonia, exceptuando o surgimento de algu-mas vozes, como a do Democrazia Proletaria, o único parti-do a organizar um evento anti-ANIC importante, em que os trabalhadores, pescadores e moradores do bairro Montic-chio denunciaram os ataques ao meio ambiente e à saúde pública cometidos pela empresa com o consentimento táci-to das autoridades locais [17].Em Manfredonia não houve a intervenção de qualquer SMAL, nem naquela nem noutras ocasiões durante mais de 20 anos de operação da fábrica Enichem. O único médico sério que foi visto na companhia, lembra um dos trabalha-dores entrevistados por Giulio di Luzio (2003) para o livro--reportagem Os Fantasmas da Enichem, foi mandado embo-ra em redor de dois meses. Pelo contrário, o incidente de 1976 revelou a existência de um padrão bem estabelecido de relações entre medicina e poder político, com a tarefa de salvaguardar os interesses da indústria petroquímica, em detrimento dos trabalhadores e da população de Manfredo-nia. A emissão de dados laboratoriais extremamente tardia e a manipulação deliberada de informações sobre os níveis de contaminação permitidos (MAC) foram as ferramentas através das quais os médicos das Clínicas do Trabalho de Bari e Milão, alguns dos quais já consultores ANIC, colabo-raram com as autoridades e com a empresa para manter em segredo os efeitos reais do acidente.A falta de iniciativa dos sindicatos (principalmente coman-dado por homens), teve o efeito inesperado de activar uma outra agência histórica, a eco-feminista [18]. Foi realmente um grupo de 40 mulheres, em grande parte moradoras do bairro Monticchio, que se uniu na organização Bianca Lan-cia - Movimento Cidadão de Mulheres, na mobilização para o reconhecimento do dano. O movimento ganhou um impor-tante avanço em 1978, quando o Tribunal de Justiça Euro-peu concordou em avaliar o caso, embora o veredicto final, obtido após dez anos, se tenha mostrado muito abaixo das expectativas. As mulheres de Manfredonia ganharam reco-nhecimento apenas pelos danos materiais, ou seja, a viola-ção do seu “direito de conhecer” os riscos potenciais decor-rentes do estabelecimento. Mas não conseguiram o que esperavam, ou seja, o reconhecimento dos danos biológi-cos: a contaminação do ar, água, solo e corpos humanos e, portanto, de todo o ambiente de Manfredonia. Em resumo, a empresa foi condenada por esconder informações sobre o

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15Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998 • Stefania Barca

risco, mas não pela sua responsabilidade directa por ter causado o dano.Nos 20 anos seguintes ao acidente de 1976, a relação entre a classe trabalhadora e a cidade de Manfredonia irá reve-lar-se complexa e cheia de contradições, às vezes explodin-do em conflitos abertos. Ainda assim algo significativo tinha que acontecer em Manfredonia, abrindo uma nova oportu-nidade histórica para o ambientalismo da classe trabalha-dora, e mais uma vez foi um encontro: entre o trabalhador aposentado Nicola Lovecchio e o médico radiologista Mau-rizio Portaluri, que teve lugar no hospital de San Giovanni Rotondo em 1994 [19]. Neste ponto, a história de Manfredonia reúne-se com a dos trabalhadores do grupo Enichem nou-tra área, a de Porto Marghera. Antes do encontro com Lo-vecchio, de facto, Portaluri tinha lido o dossier elaborado pelo ex-trabalhador de Marghera Gabriele Bortolozzo e pu-blicado pelo jornal Medicina Democratica em 1994 [20]. Por-taluri propôs a Lovecchio, ex-gerente do departamento de embalagem de fertilizantes no estabelecimento Enichem, que começasse a recolher informações sobre a sua doença, bem como sobre as de muitos colegas, e sobre as condições ambientais na fábrica. Lovecchio aceitou (e continuou no compromisso até a morte), e assim começou uma investi-gação / acção colectiva que envolveu dezenas de colegas e suas famílias, resultando num processo judicial ainda em andamento: uma acção civil de grande importância para as centenas de pessoas envolvidas no processo bem como para o possível desenvolvimento do ambientalismo italiano.

5. Conclusões

Os eventos do SMAL Lombardia e da Anic/Enichem de Man-fredonia oferecem perspectivas diversas para a pesquisa histórica e etnográfica sobre o ambientalismo italiano em seus diferentes aspectos. Este artigo destina-se a ressaltar os elementos importantes de continuidade entre a época de 1970-78 de luta contra os efeitos nocivos e a nova tempora-da, que começou nos anos ‘90, com o processo de Marghe-ra. Esse processo abriu um novo capítulo na história das lutas contra a nocividade, um capítulo em que a acção do sindicato parecia ser substituída por (e as vezes estar em conflito com) a do indivíduo; porém, houve importantes ele-mentos de continuidade com o período anterior de lutas. Se o Estatuto dos Trabalhadores parece hoje uma conquista distante sem qualquer potencial revolucionário acrescido, a cultura da medicina militante permanece viva, e o papel dos peritos / activistas (não só médicos, mas também enge-nheiros e advogados) na prestação de apoio às queixas dos trabalhadores manteve-se de fundamental importância na formação das investigações judiciais, tanto em Manfredonia como em Marghera. De grande interesse também aparece, em continuidade com os anos ‘70, a contribuição feita pelo

feminismo na organização do ambientalismo cidadão e da batalha pelo reconhecimento do dano. O papel da subjecti-vidade feminina e, claro, o aspecto de uma acção legal, aproxima a história de Manfredonia com a dos movimentos para a ‘justiça ambiental’ - uma forma de controlo da polui-ção, que nasceu em os EUA em meados dos anos 80, mas que se está espalhando globalmente [21]. A subjectividade da classe trabalhadora, organizada ou não, na luta para a ‘jus-tiça ambiental’ é também um elemento comum a outros contextos geográficos e históricos - bem como suas contra-dições e dificuldades. Esse, no entanto, continua a ser o as-pecto menos estudado do chamado “ambientalismo popu-lar’’, apresentando-se assim como o aspecto em que futuras pesquisas podem dar os resultados mais interes-santes.

Notas

[1] Entrevista realizada pela autora: ver Barca (org) (2005). Uma

visão diferente é manifestada, por exemplo, por um outro

protagonista da mesma estação, Ivar Oddone (1977). Não há

muitos estudos históricos sobre a relação entre movimento

ambientalista e movimento sindical em Itália. As reconstruções

disponíveis, no entanto, parecem acentuar a dificuldade dos

relacionamentos, especialmente desde a recessão económica de

1977-78. Para uma revisão crítica sobre este assunto ver, por

exemplo: Graf von Hardenberg e Pelizzari 2008.

[2] Sobre a relação entre o movimento operário e o movimento

ambiental nos EUA existe agora uma historiografia especializada:

ver, por exemplo White (1995), Gordon (1998), Dewey (1998), Obach

(2004). Na dialética entre os cidadãos e especialistas na área de

risco industrial, consulte Allen (2003, 2007).

[3] Esta visão encontra-se em Karl Marx, particularmente no

Livro I do Capital, onde se abordam as condições de vida no

sistema de fábrica em relação com a saúde pública, bem como

em Engels, no seu famoso inquerito sobre as condições da classe

trabalhadora inglesa: para uma selecção de textos dos dois

autores sobre este assunto, ver Parsons (1977), pp. 185-205.

[4] Sobre industria e migrações internas em Itália ver Signorelli

(1995), Musso (1998), Crepas (1998). Sobre o impacto ambiental da

industrialização ver Adorno e Serneri (2009) e Luzzi (2009).

[5] Ver Carnevale e Baldasseroni (1999) 147-229; Calavita (1986);

Berlinguer (1991).

[6] Sobre o renovamento da hygiene industrial italiana nos anos

’60 e ’70, ver Carnevale e Baldasseroni (1999), 230-82; ver

tambem Tonelli (2006, 2007). Sobre a mobilitação política juvenil

dos anos ’70 em Itália, ver De Luna (2008).

[7] A expressão é relatada por Massimo Menegozzo: ver Barca

(org) (2005), 67. Na mesma entrevista se sublinha a relaçao entre

lutas contra a nocividade e reforma de saúde pública; o assunto

encontra-se também em CGIL-CISL-UIL (1976) 189-99.

[8] Esta renovação da medicina occupacional italiana nos anos

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16 Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998 • Stefania Barca

’60-’70 tornava-a num tipo de ciência que a filósofa Sandra

Harding chama ‘strong objectivity’, isto é, um conhecimento

construido de forma compartilhada entre especialistas/activistas

e sujeitos sociais oprimidos pelo saber/poder dominante. Na

‘’strong objectivity’’, a objectividade científica não è dada pela

imparcialidade do sujeito que conhece, mas pela sua abilidade de

reconhecer as relações de poder envolvidas no processo de

conhecimento. Uma discussão das potencialidades da ‘objectivi-

dade forte’ no estudo dos riscos industriais, encontra-se em Allen

(2003), pp. 6-7, 118, 140, 149.

[9] No relato de Massimo Menegozzo, a individuaçao dos quatro

fatores de risco foi feita por um grupo de sociólogos do trabalho

da Universidade de Torino na segunda metade dos anos ‘60: ver

Barca (org) (2005), 65; isto foi divulgado, a partir de 1969, por uma

publicação sindical entitulada L’ambiente di lavoro, da autoria de

Gastone Marri e Ivar Oddone.

[10] Ver CGIL-CISL-UIL (1976), 110.

[11] No texto referido não aparecem nomes de mulheres, portanto

podemos considerar que, pelo meno nesta fase, os funcionarios

SMAL eram todos homens.

[12] O relatorio respeitante a este caso encontra-se em CGIL-

-CISL-UIL (1976), pp. 74-85.

[13] Ibid, 143-49.

[14] Ibid, 189.

[15] Para a historia do acidente de Manfredonia refiro-me

sobretudo ao livro de Di Luzio (2003); também se pode ver

Tomaiuolo (2006) e Luzzi (2009), pp. 152-55.

[16] A informação encontra-se em Di Luzio (2003), p. 74. O autor

cita um trecho da publicação “Ambiente e Saúde na Itália’’, em

que a Organização Mundial da Saúde declarou desejável estabe-

lecer um programa de vigilância epidemiológica na área de

Manfredonia para monitorizar os efeitos do incidente de ‘76 a

longa distância, dada a latência dos efeitos na saúde associados à

exposição ao arsênico.

[17] Sobre o impacto social do desastre de Seveso ver Centemeri

(2006). Ver também Luzzi (2009), pp. 140-155.

[18] Sobre o ecofeminismo ver Merchant (2005), pp. 193-222.

[19] O encontro entre Portaluri e Lovecchio foi o objecto principal

da entrevista realizada pela autora com Portaluri em Abril 2009.

O encontro está também narrado em Langiu e Portaluri (2008).

[20] Ver Bettin (org) (1998).

[21] Sobre a justiça ambiental há uma ampla literatura em Inglés,

embora algums estudos estejam agora disponíveis em Italiano,

Espanhol e Português. Ver, por exemplo: Armiero (2009);

Martinez Alier (2005); Firpo (2009).

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PT Pan y veneno. Reflexiones para una investigación sobre el ‘ambientalismo del trabajo’ en Italia, 1968 - 1998 Resumo Este artigo oferece uma reflexão preliminar para a investigação histórica sobre um aspecto até hoje pouco considerado do ambientalismo italiano: o que vou chamar “ambientalismo do trabalho”, isto é as lutas pela saúde nos ambientes de trabalho e de vida da classe trabalhadora. A história começa desde um encontro – entre uma geração de ‘especialistas’ em higiene industrial e uma outra de trabalhadores/as de fábrica – que teve lugar no coração do triângulo industrial italiano entre os anos ‘60 e ‘70. Este encontro produziu novas formas de consciência ambiental e acção política, o que denominarei “ambientalismo do trabalho”. Em seguida, a narração move-se para uma área de indústria petroquímica no Sul da Itália entre os anos ‘70 e ‘90, onde as contradições da relação entre trabalho, saúde e meio ambiente explodiam e se reconfiguravam em diferentes formas. A minha intenção neste artigo é a de sugerir uma nova interpretação dessas lutas, inspirada por uma recente literatura histórico-ambiental sobre a nocividade industrial. Palavras-chave ambientalismo do trabalho, lutas contra a nocividade, “Servizi di Medicina per gli Ambienti di Lavoro”, industria petroquímica, Manfredonia.

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18 Pão e veneno. Reflexões para uma investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália, 1968-1998 • Stefania Barca

FR Pain et poison. Quelques pistes pour une recherche sur ‘l’environnementalisme du travail’ en Italie, 1968-1998 Résumé Cet article présente une réflexion préliminaire à une recherche historique sur un aspect peu exploré à ce jour de l’environnementalisme italien. Il s’agit de ce que je définis comme «environnementalisme du travail», c’est à dire, les luttes pour la santé dans les environnements de travail et de vie, menées par la classe des travailleurs. L’histoire commence par une rencontre entre une génération d’ «experts» en hygiène industrielle et une génération de travailleurs de l’industrie qui a eu lieu au cœur du «triangle industriel» italien entre les années 1960-1970. Cette rencontre a produit des formes nouvelles de conscience concernant l’environnement et l’action politique, ce que je nomme «environnementalisme du travail». Ensuite, la narration se déplace dans une région de l’industrie pétrolochimique au Sud de l’Italie entre les années 1970-1990. Ici les contradictions des relations entre travail, santé et environnement ont explosé et ont assumé différentes formes. L’objectif de cet article est d’avancer une nouvelle interprétation de ces luttes, à partir d’une littérature historico-environnementale récente centrée sur la nocivité industrielle. Mots-clé Environnementalisme du travail, luttes contre les nocivités, «Services de Médecine pour les Environnements de Travail», industrie pétrolochimique, Manfredonia.

EN Bread and poison. Reflections for a research on ‘labour environmentalism’ in Italy, 1968-1998 Abstract This article presents a preliminary reflection for conducting historical research on an item which has so far been little considered in the study of the Italian environmental movement: what I will call “labour environmentalism”, that is the struggle for health in the work and living environment of the working class. The story told in this article starts with the meeting between a group of ‘specialists’ in occupational hygiene and a group of workers, which took place in the heart of the Italian industrial triangle between 1960 and 1970. This meeting led to new forms of environmental awareness and political action that I will designate as “labor environmentalism”. Then the story moves to an area of petrochemical industry in southern Italy between the 1970s and the 1990s, where the contradictions of the relationship between work, health and the environment exploded and were reconfigured in different ways. My intention with this article is to suggest a new vision of these struggles, inspired by a recent historical literature about industrial hazard. Keywords labour environmentalism, anti-toxic struggles, “Servizi di Medicina per gli Ambienti di Lavoro”, petrochemicals, Manfredonia.

Como referenciar este artigo?

Barca, S. (2010). Pão e veneno. Reflexões para uma

investigação sobre o ‘ambientalismo do trabalho’ em Itália,

1968-1998. Laboreal, 6, (2), 10-18

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o

TV6582234;5252:475262

Manuscrito recebido em: Setembro/2010

Aceite após peritagem: Novembro/2010

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19VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 19-26

1. Introdução

A apresentação de uma versão actualizada do INSAT – Inqué-rito Saúde e Trabalho – que, em 2007, se anunciou como uma “proposta metodológica para a análise dos efeitos das condi-ções de trabalho na saúde” (Barros-Duarte, Cunha & Lacom-blez, 2007) vem confirmar a experiência positiva de se ter proposto um instrumento neste domínio: suficientemente global – que permitisse recolher de forma completa os facto-res que intervêm nas várias dimensões de saúde – e suficien-temente específico – que abrangesse os outros problemas e doenças provocadas pelas condições de trabalho, para além das doenças profissionais oficialmente reconhecidas.As mudanças que se fazem sentir ao nível das condições de trabalho e de emprego, tornadas visíveis, nomeadamente, através dos últimos inquéritos europeus sobre as condições de trabalho [1] e os contributos associados à utilização do INSAT, em diferentes sectores de actividade, sustentaram o interesse de criar um espaço de análise e reflexão de ques-tões, levantadas entre outros pelas novas relações entre saúde e trabalho, e perspectivar deste modo uma evolução deste instrumento.

2. Balanço das experiências de utilização do INSAT

Desde que foi construído o INSAT e publicado o artigo que o apresenta (Barros-Duarte, Cunha & Lacomblez, 2007) de-mos início à sua utilização em diferentes sectores de activi-dade e recebemos também alguns pedidos de investigado-res/técnicos da área da saúde que se interessam pela problemática de utilização do inquérito, o que acabou por contribuir para o alargamento dos domínios e dos contextos da sua aplicação. Até este momento, o INSAT foi já aplicado no sector dos transportes rodoviários colectivos de passa-geiros (n=160); no sector da educação (n=30) e formação (n=70); na Administração local - serviços municipalizados de água e saneamento (n=400); nas forças policiais (n=12) (pesquisa ainda em curso); e no sector da indústria, em di-

Resumen El INSAT es un instrumento mediador de las declaraciones del impacto que tiene el trabajo sobre la salud, contando con una historia que pretendemos desvelar. Para ello, nos referiremos a los sectores de actividad, considerados en análisis previamente hechos con el instrumento; a los problemas encontrados en algunos de estos contextos y situaciones de trabajo; y a los argumentos, que justifican un estudio más detallado de otras relaciones entre variables contempladas en la encuesta. El retrato y la interpretación de la historia del INSTAT contribuyen, finalmente, a su reconocimiento como un instrumento “vivo”, ahora reformulado, teniendo en cuenta a las evoluciones del trabajo, así como a las reflexiones producidas como consecuencia de su utilización. Palabras clave declaraciones; experiencia de trabajo; salud; bienestar; estadística abierta.

1. Universidade Fernando Pessoa

Praça 9 de Abril, n. 349

4249-004 Porto;

[email protected]

2. Universidade Católica Portuguesa

Rua Diogo Botelho, 1327

4169-005 Porto

Centro de Psicologia da Universidade do Porto

Rua do Dr. Manuel Pereira da Silva

4200-392 Porto

[email protected]

Carla Barros-Duarte1 & Liliana Cunha2

INSAT 2010Inquérito Saúde e Trabalho: outras questões, novas relações

INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO

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20 INSAT 2010 - Inquérito Saúde e Trabalho: outras questões, novas relações • Carla Barros-Duarte & Liliana Cunha

ferentes áreas de actividade (n=239). Também no Brasil, no âmbito das pesquisas de uma equipa da Fiocruz [2], está em experimentação uma versão adaptada, não só às especifici-dades linguísticas do português tal como praticado no país, como ainda a algumas particularidades de actividades ditas “de serviço”.Os dados conseguidos apresentam obviamente limitações, particularmente se tivermos a pretensão de avançar em tratamentos estatísticos suficientemente elaborados para legitimar conclusões convincentes.Contudo, a experiência adquirida permitiu desenvolver, ao mesmo tempo, o trabalho de aperfeiçoamento do instrumen-to, a ponderação de certas opções metodológicas e a clarifi-cação do debate que pretendemos convocar com o INSAT – cujo estatuto híbrido obriga a situar-se entre as ambições dos grandes números e a “modéstia” do estudo de caso.Neste sentido, foi determinante a partilha com os diferentes investigadores, fornecendo-nos as suas dúvidas e seus co-mentários críticos, sustentados nas experimentações do ins-trumento e na especificidade dos terrenos em análise. Grande parte das alterações introduzidas no INSAT2007 responderam assim a limitações observadas durante a sua aplicação ou a aspectos que não foram devidamente considerados.Podemos sintetizar as alterações efectuadas na versão de 2007 do inquérito referindo três focos de análise: os contex-tos de aplicação do inquérito (o sector de actividade); os di-ferentes usos possíveis (opções metodológicas de aplica-ção do inquérito); as diferentes perspectivas na utilização dos dados, nomeadamente consoante a abordagem privile-giada pelo investigador/interventor - sejam psicólogos do trabalho, médicos, ergónomos, técnicos de segurança).Ilustramos a seguir, com alguns exemplos significativos e concretos, a introdução de algumas novas questões, ou a reformulação de existentes, que caracterizam esta nova versão do INSAT:

2.1 Contextos de aplicação do INSAT

A referência ao tempo de trabalho é ampliada nesta versão do INSAT:

(i) Na versão de 2007 do inquérito era pedido aos trabalha-dores que identificassem qual o horário de trabalho que praticam ou praticaram. Tratava-se de uma questão enqua-drada na mera caracterização da situação de trabalho. Não obstante, a pesquisa no sector dos transportes rodoviários de passageiros, onde o trabalho se encontra frequente-mente organizado em horários atípicos, tornou relevante o reconhecimento desta questão como fonte de constrangi-mento, nomeadamente, quando não se tem qualquer possi-bilidade de alterar este horário. Foram, então, identificados diferentes tipos de horários e especificado o seu significado (por exemplo, “horário irregular”);

(ii) Embora muitos trabalhadores assinalem trabalhar em horários irregulares e conseguirem, apesar disso, conciliar a vida de trabalho com a vida fora do trabalho não eram da-das condições para que expressassem o incómodo que isto pode suscitar. Ora, os estudos que temos vindo a desenvol-ver no sector dos transportes têm confirmado o custo para a saúde das tentativas, quase permanentes, dos ajusta-mentos entre as exigências do trabalho e da vida fora do trabalho (Cunha, Nogueira & Lacomblez, forthcoming). Nes-te sentido, foram introduzidas questões complementares na análise das relações entre a vida de trabalho e a vida fora do trabalho, abordando o facto de a conciliação ser ou não possível, mas também os custos que acaba por comportar um tal compromisso;

(iii) Para além da referência ao tempo de trabalho, traduzido por Quéinnec (2007) como relativo às durações e horários da actividade profissional, foram introduzidas nesta versão do inquérito questões alusivas ao tempo do trabalho, enten-dido como a delimitação entre a “temporalidade profissio-nal e a temporalidade sócio-familiar da vida fora do traba-lho” (idem, p.90, tradução livre). Uma dessas questões diz respeito precisamente à temporalidade da interface entre a vida de trabalho e a vida fora do trabalho: o tempo despen-dido nas deslocações de e para o trabalho, que alguns tra-balhadores haviam já assinalado como um custo associado à actividade de trabalho.

2.2 Aspectos metodológicos

(iv) A referência no INSAT à “exposição actual” e à “exposi-ção no passado” relativamente a determinadas caracterís-ticas do trabalho foi, no período de aplicação do inquérito, duplamente questionada: sobre, por um lado, o que designa “trabalho passado” e, por outro lado, sobre a ausência de medida da duração da exposição. Assumimos, então, nesta nova versão que o trabalho passado se poderia reportar a uma situação vivida noutro local de trabalho ou, no mesmo local, ainda que relativamente a outras funções. Acrescen-tamos também a opção de as pessoas assinalarem, em si-multâneo, que se encontram expostas “no trabalho actual” e “no trabalho passado”. Relativamente à inexistência de uma medida da duração da exposição, tal pode ser justifica-do pelo facto de isso condicionar a referência a actividades ou postos de trabalho ocupados por um curto prazo de tem-po, mas também porque a duração da exposição não pode, por si mesma, ser encarada como a causa de determinados problemas de saúde. É na interacção entre as diferentes ex-posições que podemos encontrar, muitas vezes, as razões associadas a certas queixas relacionadas com o estado de saúde.(v) A utilização do INSAT como um instrumento de reflexão esteve na base da opção de pedir, num primeiro momento,

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ao trabalhador que dissesse de forma mais objectiva a que condições de trabalho se encontra exposto (e.g. ruído, vi-brações, situações de hiper-solicitação) e de solicitar, mais tarde, que se pronunciasse, de forma mais subjectiva, ao grau de incómodo que, para si, essas condições de trabalho provocam. Confrontados com esta sequência nas questões colocadas, alguns trabalhadores comentaram que já ha-viam respondido e que se tratava de uma questão “repeti-da”. Na verdade, o que procurávamos era criar condições para uma evolução na reflexão do sujeito acerca do seu tra-balho e do seu impacto na saúde. Neste sentido, optámos pela introdução da escala do incómodo ao mesmo tempo em que se abordam as questões da “exposição”, admitindo que estas são questões reflectidas em simultâneo – aliás, é pelo grau de incómodo que a exposição a determinadas ca-racterísticas do trabalho gera, que são reconhecidas como factores de risco.

2.3 Outras características da saúde

(vi) Na avaliação da percepção do estado de saúde, introdu-ziu-se nesta nova versão do inquérito um instrumento que, centrado na opinião do sujeito, constitui uma base de infor-mação orientada para a (auto)apreciação do estado de saú-de. Recorreu-se para o efeito ao Perfil de Saúde de Nottin-gham (NHP) [3], já por nós experimentado no âmbito de questionários mais abrangentes (nomeadamente, “Inquéri-to SIT – Saúde, Idade e Trabalho”) [4]. Na verdade, é conside-rado um dos melhores instrumentos preditores da saúde (VISAT, 1994; Derriennic, Touranchet, & Volkoff, 1996), sen-do constituído por um conjunto de itens agrupados em seis dimensões de saúde, designadamente: a energia, a dor, as reacções emocionais, o sono, o isolamento social e a mobi-lidade física.

3. Uma abordagem metodológica multi-nível: reforçar os pontos de ancoragem do INSAT

Dar visibilidade à evolução das formas de organização do trabalho e aos novos factores de risco que se colocam em contexto de trabalho é uma das características que deve es-tar presente em todos os instrumentos que pretendem ava-liar as relações entre o trabalho e a saúde. A especificidade do Inquérito INSAT foi adoptar uma abordagem que tem como objectivo “compreender de que forma os trabalhado-res avaliam as características e as condições do seu traba-lho, o seu estado de saúde, e que tipo de relações estabele-cem entre a sua saúde e o seu trabalho” (Barros-Duarte, Cunha, Lacomblez, 2007, p.59).O Inquérito INSAT, cuja lógica de base se enquadra numa tradição de certos estudos epidemiológicos (Derriennic, Touranchet & Volkoff, 1996; Cassou et al., 2001; Molinié &

Volkoff, 2002), foi construído de modo a responder à com-plexidade do estudo das relações entre trabalho e saúde: integrou, quer na sua concepção quer na sua formulação, conhecimentos provenientes de disciplinas como a demo-grafia ou a medicina do trabalho; mas considerou, ainda, o que realça uma longa tradição de estudos de terreno, mais qualitativos, desenvolvidos nomeadamente pela ergonomia ou pela psicologia do trabalho, e que contribuíram para um melhor entendimento da variabilidade e da diversidade das relações entre a saúde e o trabalho.Nesta perspectiva, pretendemos inserir o INSAT em alguns dos modelos mais recentes de epidemiologia que, ao con-trário dos modelos de epidemiologia de inspiração mais “positivista” – que, tendencialmente, se baseiam no estudo da relação directa e unívoca entre uma causa e uma patolo-gia específica – integram outros factores, nomeadamente as relações entre as características profissionais e as con-dições de trabalho, os factores extra-profissionais e as con-dições de vida, abarcando, igual, e deliberadamente, as queixas e os problemas ditos “infra-patológicos” nas suas relações com o trabalho.Trata-se, portanto, de uma abordagem metodológica quan-titativa, mas como realçou Volkoff (2010) pode encontrar o seu espaço de análise e investigação em abordagens mais “compreensivas” do que “explicativas” e que, desde a con-cepção à análise e interpretação dos resultados, assume uma combinação coerente entre a análise da actividade e o inquérito por questionário.De facto, a complexidade que caracteriza as relações entre saúde e trabalho envolvem a compreensão de um conjunto de factores que interagem mutuamente e a diferentes ní-veis da vida do indivíduo, solicitando assim, uma abordagem global e multifacetada, sustentada em quatro pontos de an-coragem que o INSAT procura agora reforçar.Os quatro pontos de ancoragem de seguida apresentados reflectem já as preocupações que estiveram na origem da concepção do INSAT2007 e que, ao longo destes três anos, foram melhor sustentados na versão do INSAT2010:

• integração permanente do conhecimento proveniente dos estudos de terreno, de modo a caracterizar e compreender o contexto de trabalho (3.1);• consideração de todos os efeitos do trabalho na saúde (patologias e infra-patologias), de modo a incorporar a di-mensão subjectiva dos efeitos do trabalho na saúde (3.2);• assumpção de uma perspectiva centrada na pessoa, de modo a facilitar a expressão e a explicitação do vivido no trabalho (3.3);• focalização numa análise integrada dos resultados, que procura desenvolver uma «estatística aberta» (3.4).

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3.1. Caracterizar e compreender o contexto de trabalho

O INSAT constitui um bom exemplo de um instrumento de avaliação suficientemente atento à diversidade e variabili-dade das questões que se colocam em contexto de trabalho. Através do discurso e das vivências no trabalho, outras questões emergem no estudo da saúde ocupacional e ga-nham sentido e consistência se colocarmos no centro da análise o contexto de trabalho e, mais concretamente, a ac-tividade de trabalho.Neste sentido, a actividade passa a ser o elemento central e estruturante do contexto de trabalho, lugar de integração dos constrangimentos do trabalho, por um lado, e da saúde e do bem-estar, por outro lado. Compreender a actividade de trabalho é compreender a actividade humana, que no contexto profissional é traduzida em comportamentos e condutas humanas que não se esgotam no mero cumpri-mento da tarefa.Na verdade, é a actividade que determina o conjunto de to-das as acções (pensamentos, sentimentos e emoções) que caracterizam o comportamento humano no trabalho e que, inevitavelmente, interferem na construção da saúde e na forma como são percebidas e explicitadas estas relações. As dimensões pessoal e social da actividade de trabalho já integradas no INSAT2007 são agora reforçadas pela incor-poração de outros factores psicossociais, como as novas formas de relação salarial e de horários, a conciliação en-tre a vida profissional e a vida privada, entre outros, que, aparentemente mais afastados da caracterização da activi-dade de trabalho, permitem compreender, também, a di-mensão emocional que lhe está associada (Davezies, 2009).De facto, a integração de um conjunto diverso de questões relativas ao contexto de trabalho, mesmo aquelas que re-flectem uma dimensão mais subjectiva da actividade de tra-balho, constitui uma das preocupações centrais do IN-SAT2010 e um ponto de ancoragem, permanente, na abordagem metodológica proposta.

3.2. Incorporar a dimensão subjectiva dos efeitos do traba-lho na saúde

Tradicionalmente, os problemas de saúde no trabalho apa-recem associados a um conjunto de patologias oficialmente reconhecidas como doenças profissionais exigindo, para isso, o estabelecimento de uma relação de causa-efeito en-tre a exposição a determinados riscos profissionais e o apa-recimento da doença. Neste sentido, o objectivo consiste em delimitar a doença, definida a partir do diagnóstico mé-dico que, frequentemente associada a um conceito de saúde clássico, ignora o estatuto de outros sinais ou queixas, quer se trate ou não de “sinais” patológicos. Ora, é frequente-mente “com estes ‘pequenos’ problemas que os investiga-dores e técnicos em saúde no trabalho se vêem confronta-

dos” (Gollac & Volkoff, 2000, p.21, tradução livre) e que o Inquérito INSAT procura integrar.Já a versão INSAT2007 apelava para uma definição de saú-de no trabalho mais abrangente e multidimensional, em que interagem as dimensões física, psicológica e social, e agora, nesta versão actualizada, a preocupação é a de dar mais visibilidade aos “pequenos” problemas de saúde, re-forçando a noção de “bem-estar no trabalho” (Maggi, 2006).Nesta perspectiva, o estudo da saúde no trabalho ao adop-tar uma abordagem dirigida ao bem-estar, reveladora de relações menos visíveis entre a saúde e o trabalho, assume uma perspectiva mais centrada na pessoa, no que, aliás, Dejours (2009/1980) caracterizou como o “vivido subjectivo do trabalhador” (p.35) - revelador de novas relações, mais discretas, entre a saúde e o trabalho. As dimensões pesso-al, interpessoal e transpessoal da actividade de trabalho (Clot & Leplat, 2005) testemunham estes efeitos menos vi-síveis do trabalho na saúde e a necessidade de importar para o estudo da saúde ocupacional uma dimensão mais subjectiva, que facilita a identificação e a clarificação des-ses efeitos (nomeadamente, de carácter psicossocial, como o medo, a angústia, a irritabilidade ou a apatia).Na verdade, uma orientação para o bem-estar coloca no centro da análise a preocupação com o sujeito que, ao de-senvolver a sua actividade põe em acção diferentes dimen-sões do uso da saúde (Thébaud-Mony, 2010). Não se trata apenas do uso da dimensão física, da dimensão mental e mesmo da dimensão afectiva, mas de um uso de si (Schwartz, 1997). Nesta óptica, e retomando a dimensão subjectiva da saúde de Canguilhem (1999/1943) sentir-se de boa saúde traduz-se, assim, num poder agir sobre si e sobre o mundo que o rodeia (Clot, 1999), que se concretiza na forma como cada um gere a sua vida no trabalho e constrói a sua saúde.Esta preocupação em caracterizar e avaliar os efeitos me-nos visíveis, mais discretos, da saúde constituiu desde o início um dos pontos de ancoragem do INSAT2007, que ago-ra é reforçado. Isto é visível pela integração no INSAT2010 de um questionário de auto-apreciação do estado de saúde – versão portuguesa do Perfil de Saúde de Nottingham, como foi já referido. A análise mais aprofundada destes in-dicadores permitirá destacar outras relações entre a saúde e o trabalho que, embora não retratem situações patológi-cas, perturbam o bem-estar dos trabalhadores e dificultam a sua vivência no dia-a-dia de trabalho.

3.3. Facilitar a expressão e a explicitação do vivido no traba-lho

Outro dos pontos em que se sustenta a abordagem metodo-lógica do INSAT prende-se com uma aplicação de “auto--preenchimento”, susceptível de facilitar a expressão e a explicitação do vivido no trabalho. A estrutura do inquérito e o tipo de questões colocadas constituíram elementos pro-

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23INSAT 2010 - Inquérito Saúde e Trabalho: outras questões, novas relações • Carla Barros-Duarte & Liliana Cunha

realçar o quanto as interpretações dos resultados deverão ser acompanhadas por uma reflexão prudente e cuidadosa na sua compreensão, tendo em consideração a complexida-de de que se revestem as relações entre saúde e trabalho.Como já fora relatado na apresentação do INSAT2007 (Bar-ros-Duarte, Cunha, Lacomblez, 2007), uma das preocupa-ções presentes na formulação e concepção do inquérito, foi a de seleccionar questões que tivessem sido analisadas e debatidas nos estudos de terreno. Ora, se isto facilita a ex-pressão e a explicitação do vivido pelo trabalhador, não é óbvio que tal seja suficiente para garantir que as análises estatísticas sejam reveladoras de relações entre saúde e trabalho.De facto, o recurso às pesquisas qualitativas assume uma importância crucial nas análises dos resultados estatísti-cos (Derriennic, Touranchet, & Volkoff, 1996), nomeada-mente os estudos de terreno que, recorrendo à análise da actividade de trabalho, permitem completar, enriquecer e confirmar os resultados obtidos (Volkoff, 1998).Na verdade, e a propósito da combinação entre os métodos quantitativos e qualitativos, Volkoff (2005) vai mais além nes-ta reflexão e, recuperando a ideia de saberes-fazer de pru-dência proposto por Cru & Dejours (1983), salienta o quanto as análises estatísticas no domínio da saúde no trabalho de-vem ser prudentes e cautelosas. Procura-se, desta forma,

“apelar não apenas a uma reflexão sobre a metodologia utilizada mas, igualmente, sobre a própria realidade es-tudada (o trabalho e as implicações para a saúde). Nesta perspectiva, mais do que explicar a fiabilidade dos nú-meros obtidos e os resultados estatisticamente signifi-cativos, assume-se uma démarche de quantificação que designamos de compreensiva” (Volkoff, 2005, p.18).

Assumir uma abordagem metodológica da saúde no traba-lho “mais compreensiva do que explicativa”, significa que se procura escutar o ponto de vista dos trabalhadores, enten-der e compreender a sua percepção do impacto do trabalho na saúde (Honoré, 2002), promovendo uma orientação mais atenta às declarações que enunciam.A orientação metodológica incorporada no INSAT traduz--se, deste modo, numa avaliação das consequências do tra-balho na saúde e no bem-estar centradas nas declarações dos trabalhadores, mas sempre sustentadas em registos do terreno. Neste sentido, a interpretação das análises es-tatísticas deve ser desenvolvida e orientada em função dos objectivos e necessidades específicas de cada estudo.A esta “prudência” estatística, em oposição à autoridade e fiabilidade inquestionável de muitas análises estatísticas, Volkoff (2010) designou de “estatística aberta”, atribuindo--lhe três directrizes fundamentais: (i) Assegurar perma-nentemente uma análise atenta e um esforço constante de explicitação dos dados estatísticos. Quer na “cozinha esta-

motores desta tomada de consciência e uma evolução pro-gressiva quer na reflexão desen¬volvida, quer nas declara-ções realizadas (Barros-Duarte, Cunha & Lacomblez, 2007).Assumindo uma perspectiva centrada na pessoa, o objecti-vo não é, de facto, o de confirmar ou infirmar o que dizem os trabalhadores: não é no confronto entre os conhecimentos dos investigadores e a experiência dos trabalhadores que se fundamenta esta orientação. Pelo contrário, a nossa ex-periência de análise neste domínio tem corroborado o facto de as declarações feitas pelos trabalhadores nem sempre serem explícitas e precisas, sendo desenvolvidas e enri-quecidas pelo trabalho conduzido em comum com os inves-tigadores – sem nunca esquecer os princípios teórico-me-todológicos da ergonomia da actividade, isto é: o conhecimento real das situações de trabalho servirá, sem-pre, como pano de fundo para que o trabalho seja colocado em debate.Ora, nem todos os aspectos do trabalho acabam por ser elegíveis neste debate: são sobretudo aqueles que se tor-nam experiência de sofrimento ou aqueles que interpelam particularmente o uso de si (Schwartz, 2000). Este uso não é somente heterodeterminado, mas é também o uso que cada um faz de si mesmo, na tentativa de um compromisso entre objectivos nem sempre facilmente conciliáveis e nem sem-pre fáceis de explicar. As declarações dos efeitos do traba-lho na saúde acumulam os efeitos destes diversos usos de si mesmo.No campo da saúde no trabalho, como realça Molinié (2010), “a expressão dos problemas de saúde pelas próprias pes-soas é portanto uma questão central neste domínio que não é balizado pelas démarches diagnósticas e onde as manei-ras de dizer mantém relações estreitas com as maneiras de viver a dor, ou a fadiga, ou seja, no sentido pleno do termo, com o que se experiencia” (p.70). O reconhecimento do vivi-do pelo trabalhador, muitas vezes traduzido pelas queixas e expressões de sofrimento, ganha um outro significado e um sentido coerente quando articulado com a expressão da ac-tividade humana no trabalho.Neste sentido, e de modo a facilitar a expressão e explicita-ção dos problemas de saúde no trabalho, foram introduzi-das mudanças na operacionalização das questões coloca-das no INSAT (organização dos itens, descrição dos itens, escalas de resposta, como já referido anteriormente), de modo a consolidar uma melhor compreensão das declara-ções proferidas e uma maior integração dos resultados do inquérito.

3.4. Desenvolver uma estatística aberta

Apesar das potencialidades estatísticas deste tipo de estu-dos, expressas na tentação de elaborar análises quantitati-vas globais e generalistas, Daubas-Letourneux (2004), Volkoff (2002; 2005; 2010), entre outros autores, costumam

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24 INSAT 2010 - Inquérito Saúde e Trabalho: outras questões, novas relações • Carla Barros-Duarte & Liliana Cunha

balho. A construção de uma plataforma de apresentação dos resultados, e mesmo a possibilidade de informatização do instrumento, criam oportunidades de levar a cabo um estudo comparativo dos dados analisados e o alargamento da rede de investigadores do INSAT.Contudo, consideramos fundamental, por um lado, sensibi-lizar os utilizadores do INSAT para a sua metodologia de aplicação, mantendo um olhar atento relativamente aos usos possíveis do instrumento e, por outro lado, realçar a permanente abertura ao ponto de vista e à experiência de-senvolvida por aqueles que o utilizam no âmbito das suas pesquisas e intervenções.Neste sentido, ao reconhecer-se o INSAT como um instru-mento “vivo”, sujeito a alterações ao longo do tempo, de-marcamo-nos de uma óptica “determinista e [submetida] ao desafio da generalização” (Davezies, 1998, p.174, tradu-ção livre), amplificando as capacidades de compreender e de agir no domínio da saúde no trabalho (Volkoff, 2010).

Notas

[1] Falamos designadamente dos inquéritos da Fundação de

Dublin: European Foundation for the Improvement of Living and

Working Conditions (2001). Third European survey on working

conditions 2000. Luxembourg: Office for Official Publications of the

European Communities.

European Foundation for the Improvement of Living and Working

Conditions (2007). Fourth European survey on working conditions

2005. Luxembourg: Office for Official Publications of the European

Communities.

[2] Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia

Humana, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca,

Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.

[3] Versão portuguesa, adaptada pela Faculdade de Economia da

Universidade de Coimbra, Centro de estudos e Investigação em

Saúde, 1997, sob responsabilidade do Prof. Doutor Pedro Lopes

Ferreira.

[4] SIT (2001). Inquérito SIT - Saúde, Idade e Trabalho. Porto: Centro

de Psicologia da UP & IDICT.

tística” (Volkoff, 2010, p.8, tradução livre) preparatória, quer nas interrogações face aos resultados estatísticos ob-tidos, é importante prever espaços de debate interdiscipli-nar cruzado, de modo a que os resultados obtidos tenham sempre como objectivo a compreensão das realidades es-tudadas e não a produção de resultados estatísticos inques-tionáveis; (ii) O que conduz, igualmente, a flexibilizar a orto-doxia estatística, deixando algum espaço de liberdade ao uso dos testes de significância e dos intervalos de confian-ça, de modo a não correr o risco de negligenciar algum re-sultado estatístico singular que, por não “ser significativo”, não possa ser analisado e interpretado à luz de outros co-nhecimentos; (iii) E, neste sentido, manter a coerência com outros conhecimentos construídos a partir de diversos mé-todos e níveis de análise, criando condições para que a abordagem metodológica quantitativa possa encontrar o seu espaço de análise e investigação em abordagens mais “compreensivas” do que “explicativas”.

4. Conclusões

Já intencionalizado na concepção da primeira versão do IN-SAT, o conceito de saúde no trabalho, integrando a avaliação dos seus aspectos patológicos (grandes patologias profis-sionais, tradicionalmente designadas de doenças profissio-nais), mas também dos seus aspectos ditos infra-patológi-cos (traduzidos nas queixas e no vivido) é, agora, reforçado, no INSAT2010, pela ideia de que a construção da saúde re-flecte uma vivência pessoal e subjectiva, na maior parte das vezes, ainda pouco visível. Neste sentido, a dimensão pes-soal constitui um indicador de excelência, revelador de uma abordagem da saúde mais próxima do conceito de bem-es-tar, ou seja, dependente do contexto e da singularidade com que são vividas as relações entre saúde e trabalho.É nesta perspectiva que o INSAT2010 procura ultrapassar as tradicionais avaliações do impacto dos riscos na saúde e na segurança - a que Annie Thébaud-Mony (2010) se referiu como a concepção dominante dos riscos - reforçando uma abordagem mais centrada no vivido pelo trabalhador e, por-tanto, alusiva a um conceito de saúde e bem-estar subjecti-vo, multidimensional e dinâmico. Ao enfatizar a análise das relações entre saúde e trabalho na actividade humana e no vivido subjectivo emergem outras questões que, no contex-to da saúde, procuram suscitar novas relações, novos desa-fios, nomeadamente: as questões de género em saúde no trabalho (Vogel, 2002), o stress e os riscos psicossociais no trabalho (Thébaud-Mony & Robatel, 2009).O interesse demonstrado por diferentes tipos de interlocu-tores na utilização do INSAT – sindicatos, empregadores, médicos do trabalho – coloca o desafio de poder partilhar experiências de utilização do instrumento, de diferentes pontos de vista, em diferentes contextos e situações de tra-

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25INSAT 2010 - Inquérito Saúde e Trabalho: outras questões, novas relações • Carla Barros-Duarte & Liliana Cunha

Nota das autoras

O que fazer para ter acesso ao inquérito INSAT2010?

Para ter acesso ao inquérito INSAT é fundamental que faça o

pedido escrevendo uma mensagem electrónica às autoras do

artigo (cujos endereços electrónicos estão indicados no início do

artigo). No conteúdo desta mensagem devem figurar alguns dados

pessoais (nomeadamente, o nome, a afiliação profissional, …),

bem como as razões que explicam o facto de considerar útil ter

acesso a este instrumento. Com base na justificação deste pedido,

será ponderado o envio do inquérito.

Esta opção visa evitar possíveis utilizações abusivas do inquérito.

Mas também visa facilitar o acesso das autoras às experiências

desenvolvidas a partir do instrumento e ampliar a “equipa de

investigação” que tem vindo a utilizá-lo nas suas pesquisas.

Por estas razões, qualquer novo utilizador deverá fazer o seu

pedido, sendo assim esperado que seja evitada a partilha do

instrumento com utilizadores desconhecidos.

No caso de se tratar de projectos desenvolvidos no Brasil, o

pedido pode ser dirigido directamente à Prof. Doutora Jussara

Cruz de Brito (Fiocruz) – [email protected] – e à Prof.

Doutora Simone Oliveira – [email protected].

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26 INSAT 2010 - Inquérito Saúde e Trabalho: outras questões, novas relações • Carla Barros-Duarte & Liliana Cunha

PT INSAT2010 Encuesta Salud Y Trabajo: otras cuestiones, nuevas relaciones. Resumo O INSAT enquanto instrumento mediador das declarações do impacto do trabalho na saúde conta já com uma história que aqui procuraremos desvelar, referindo: os sectores de actividade considerados nas análises com este instrumento; os problemas encontrados em alguns desses contextos e situações de trabalho; os argumentos que justificam um estudo mais preciso de outras relações entre as variáveis contempladas no inquérito. O retrato e a interpretação da história do INSAT contribuem finalmente para o seu reconhecimento como um instrumento “vivo”, agora reformulado, tendo em conta as evoluções do trabalho, bem como as reflexões produzidas a partir da sua utilização. Palavras-chave declarações; experiência de trabalho; saúde; bem-estar; estatística aberta.

FR PINSAT2010 Enquête Santé et Travail: autres questions, nouvelles relations Résumé CL’INSAT, en tant qu’instrument de médiation des déclarations concernant l’impact du travail sur la santé, a déjà une histoire que nous cherchons à systématiser et analyser ici, en reprenant: les secteurs d’activité couverts par les études ; les difficultés rencontrées, dans certains de ces contextes et situations de travail; les arguments qui justifient une approche plus précise d’autres relations entre les variables traitées dans l’enquête. Le rapport et l’interprétation de l’histoire de l’INSAT contribuent finalement à la valorisation d’un instrument «vivant», qui a été reformulé en tenant compte des évolutions du travail, ainsi que des réflexions produites par son utilisation.

Mots-clés déclarations; expérience de travail; santé; bien-être; statistique ouverte.

EN INSAT2010 Health and Work Inquiry: other questions, new relationships Abstract The INSAT, as an instrument that mediates the statements of the work’s impact on heath has already a history that we will try to unveil. For that purpose we will refer to the activity sectors considered in previous analyses conducted with this instrument; to the problems found in some of these contexts and work situations; to the arguments that justify a more precise study of other relationships between the variables considered in the inquiry. Finally, the portrait and the interpretation of INSAT’s history contribute to its acknowledgement as a “living” instrument, now reformulated considering the evolutions of work, as well as the reflections elicited by its use. Palavras-chave statements; work experience, health; well-being; open statistics.

Como referenciar este artigo?

Barros-Duarte, C. & Cunha, L. (2010). INSAT2010 - Inquérito

Saúde e Trabalho: outras questões, novas relações. Laboreal,

6, (2), 19-26

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o

TV6582234;5252:5:5292

Manuscrito recebido em: Outubro/2010

Aceite após peritagem em: Dezembro/2010

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27VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 27-46

1. Introdução

1.1 Análise-formação-acção: um rumo para a prevenção

Desde a Directiva-Quadro 89/391/EC, transposta para o nor-mativo interno pelo Decreto Lei nº 441/91 de 14 de Novem-bro, que vários instrumentos legais têm vindo a estabelecer orientações e prescrições no âmbito da prevenção dos ris-cos profissionais. No entanto, aquilo que se verifica na práti-ca, em numerosos contextos profissionais, reflecte uma perspectiva formal do conceito de prevenção: consistindo, por parte das empresas, na implementação estrita das leis e, por parte dos operadores, na adesão às regras definidas pelo enquadramento legal ou regulamentar local. Alguns estão convictos que o cumprimento destas imposições por ambas as partes é suficiente para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores. Porém, consideramos esta pers-pectiva perniciosa, na medida em que parte do princípio (a nosso ver errado) de que as empresas funcionam em cir-cunstâncias estáveis e ideais – quando a realidade é sempre bem diferente – e, nesse cenário, o incumprimento de re-gras por parte dos operadores é frequentemente encarado como um comportamento negligente – quando na maioria das vezes até superam as lacunas de funcionamento da em-presa (Bourrier, 1998, 2001). Consideramos que a prevenção não deve ser concebida como algo que pode estar à priori totalmente definido e organizado e que se impõe, mas antes como algo que se edifica no quotidiano real de trabalho, na organização da (inter)acção dos operadores (Benchekroun, Bourgeois, Hubault, 2002; Ré, 2006; Vasconcelos, Duarte & Moreira, 2010).Recusamos liminarmente a perspectiva, exclusivamente, normativa ou política da prevenção. Privilegiamos uma perspectiva compreensiva desenvolvida a partir de aborda-gens formativas alicerçados na inteligência do trabalho real e no reconhecimento do papel que os diferentes agentes do trabalho podem ter em processos de concepção/mudança, que visem a prevenção e a promoção da saúde e segurança. Portanto, a abordagem formativa que defendemos não tem por único objectivo instruir quanto às regras aplicáveis, em-

1. Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e

Amadora, Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, 19. 2784 – 541 Oeiras;

[email protected]

2. Faculdade de Motricidade Humana

Estrada da Costa. 1495-688 Cruz Quebrada – Dafundo

[email protected]

Resumen Este artículo presenta un proyecto de análisis-formación-acción participativa, centrándose en las condiciones de trabajo de un grupo de operadores del saneamiento de los Servicios Municipales de Agua y Saneamiento (SMAS) de Oeiras y Amadora. Al analizar la actividad y los informes de accidentes de trabajo en ese sector, el proceso de capacitación fue diseñado de acuerdo con un modelo de alternancia entre períodos de sesiones teóricas expositivas, sesiones de auto-análisis apoyadas durante el trabajo y sesiones de análisis y debate colectivo. El proceso de formación concluyó con una reunión con la Administración, para discusión y negociación de propuestas para cambiar las condiciones de trabajo y aplicación de procedimientos de seguridad. Todas las sesiones fueron transcritas, lo que permite un análisis detallado de su contenido. En el año seguido a la formación, se ha supervisado el cumplimiento de los compromisos por las partes implicadas en el proyecto y los accidentes de trabajo del grupo de saneamiento. En conclusión se evidencia la participación de todos los actores como agentes activos en la promoción de la seguridad y la transformación de las condiciones de trabajo. Palabras clave Análisis del trabajo, Transformación del trabajo, Formación contextualizada, Auto-análisis del trabajo, Saneamiento.

Cláudia Costa1 & Catarina Silva2

Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformaçãodas condições de trabalho no sector de saneamento de um serviço municipal

ESTUDOS DE CASO

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28 Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das cond. de trab. no sector de saneamento de um serviço municipal • Cláudia Costa & Catarina Silva

bora esta seja a finalidade de muitas formações profissio-nais em matéria de segurança. Ela afirma-se como uma plataforma de discussão e compreensão da actividade de trabalho e dos seus riscos em termos de saúde e seguran-ça, de análise e enquadramento de diferentes tipos de re-gras (formais e informais) e de debate e avaliação da exe-quibilidade das acções concretas que visem a melhoria das condições de trabalho.Assim, a nossa abordagem tem três facetas que se articu-lam: análise-formação-acção. A formação profissional con-tínua emerge como elemento agregador. A análise ergonó-mica do trabalho (AET) assume-se como instrumento de conhecimento da actividade de trabalho, não só prévio ao estabelecimento do programa de formação (permitindo de-finir os conteúdos-alvo), mas também simultâneo ao desen-volvimento do próprio processo formativo (permitindo re-trabalhar episódios, acontecimentos excepcionais, etc.). A acção de transformação é uma consequência quer do pró-prio processo (in)formativo, quer das análises anteriores, numa dupla perspectiva: transformação das representa-ções dos agentes participantes sobre o trabalho e transfor-mação das condições e modos de exercício da actividade de trabalho.Convém reforçar que ao associarmos numa mesma abor-dagem a análise do trabalho, a formação profissional e a acção de transformação estamos inevitavelmente a apelar à participação oportuna de diferentes agentes do trabalho (operadores, chefias intermédias e de topo, elementos da saúde ocupacional ou outros).Esta perspectiva da formação tem as suas raízes na tradi-ção da «ergonomia da actividade», seguindo orientações semelhantes às de alguns projectos da psicologia do traba-lho, que se preocupam com a “transformação das condi-ções da realização da actividade real de trabalho e com o reconhecimento do papel que o trabalhador assume na sua organização” (Vasconcelos, Duarte & Moreira, 2010, p.543). Neste sentido, os processos formativos, são tidos como processos de desenvolvimento humano e não simplesmen-te, como já foi dito, momentos de transmissão de um con-junto de instruções que se querem ver cumpridas. Assim, na concepção dos processos formativos deve-se considerar as capacidades de aprendizagem do adulto (Paumés & Mar-quié, 1995) e promover práticas pedagógicas que não negli-genciem os saberes, a experiência e vivência profissional reconhecidos através da análise da actividade de trabalho (Lacomblez, Santos & Vasconcelos, 1999; Massena, 2006).A ancoragem do processo formativo ao trabalho real promo-ve a articulação entre “momentos de auto-análise guiada da actividade de operadores (…), em posto de trabalho, com momentos em que os seus resultados são partilhados e dis-cutidos num grupo de pares, mas onde estão também repre-sentados outros actores “relativamente pertinentes” para as actividades e os problemas em discussão (…) assim como

para o esboçar de soluções possíveis e organizacionalmente congruentes.” (Lacomblez & Vasconcelos, 2009, p.57).O estudo que apresentamos (Costa, 2010) insere-se nesta lógica de articulação da análise do trabalho, formação e ac-ção de melhoria das condições de trabalho, integrando ac-tores com estatutos e poderes diferentes.

1.2 Argumentos para um projecto de análise-formação-ac-ção no sector do saneamento

A actividade de trabalho no sector do saneamento apresen-ta particularidades no que respeita a riscos físicos, quími-cos e biológicos, que podem atentar contra a segurança e saúde dos trabalhadores, sendo por isso reconhecida como uma actividade de risco. O regulamento de segurança, hi-giene e saúde no trabalho na exploração dos sistemas pú-blicos de drenagem de águas residuais (Portaria nº762/2002), aponta como factores de risco específicos:• a insuficiência de oxigénio atmosférico: nas estruturas subterrâneas, incluindo colectores, devido a não existirem trocas de ar com o exterior, ou destas serem reduzidas, a concentração de oxigénio pode ser reduzida.• a existência de gases e vapores perigosos: devido à insu-ficiência de oxigénio podem formar-se e/ou acumular-se gases tóxicos e inflamáveis normalmente, “consequência das reacções de oxidação dos compostos orgânicos e inor-gânicos, bem como da diluição do volume de ar no volume de gases produzidos” (NOHSC, 1995, in Correia, 2002, p.71). “Os gases susceptíveis de constituir risco de intoxicação, asfixia, incêndio, ou explosão, são o ozono, o cloro, o gás sulfídrico, o dióxido de carbono, e o metano” (art. 6º, Port. 762/2002, p.5124).• o contacto com reagentes, águas residuais ou lamas: na rede de saneamento existem condições propícias ao desen-volvimento de agentes de doença, tais como a humidade re-lativa elevada, ausência de vento ou circulação natural do ar e a pouca luminosidade. Os agentes de risco biológico são bactérias, vírus, parasitas e fungos, responsáveis nomeada-mente por doenças do foro gastrointestinal e respiratório.• o aumento brusco de caudal e inundações súbitas: o risco de afogamento está associado a alguns trabalhos na rede de saneamento. Em caixas visitáveis, no espaço visitável, o aumento súbito do volume de água de caudais drenados, devido a uma falha ao nível do dispositivo de controlo de es-coamento gera risco de afogamento por inundação da pró-pria caixa (Correia, 2002).Todos os anos ocorrem acidentes de trabalho em sistemas de saneamento que, devido às suas repercussões graves, muitas das vezes com danos irreparáveis para a saúde do trabalhador, têm destaque nos órgãos da comunicação so-cial. A Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho, 2008-2012 (Resolução do Concelho de Ministros nº 59/008) coloca ênfase na diminuição dos acidentes de

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29Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das cond. de trab. no sector de saneamento de um serviço municipal • Cláudia Costa & Catarina Silva

trabalho, tornando-se necessário desenvolver e aperfeiço-ar metodologias de avaliação dos riscos profissionais, de participação e formação dos trabalhadores.Desde 2001 que nos SMAS Oeiras e Amadora se registam acidentes no grupo profissional varejadores resultantes de quedas de materiais, projecção de materiais e/ou equipa-mentos, gerando situações de traumatismos ao nível dos membros inferiores no decorrer dos trabalhos efectuados na via pública. No ano de 2007 registaram-se 4 acidentes de trabalho no manuseamento de mangueiras, gerando lesões na coluna lombar (figura 1).

Figura 1 – Acidentes de trabalho por função em 2007 (em valores absolutos) (in Divisão de Gestão de Recursos Humanos, 2008).

 

Os investimentos em formação na categoria sócio-profis-sional operária, onde se inserem os varejadores, no período entre 2005-2007, revelaram-se incipientes face ao investi-mento global no conjunto dos efectivos dos SMAS de Oeiras e de Amadora (tabela 1).Apesar de no ano de 2007 se verificar um aumento conside-rável da participação dos operadores, da categoria sócio--profissional operária, em acções de formação, estes cons-tituem apenas 7,1% do total de participantes. A formação destes operadores incidiu maioritariamente em acções de “Condução Defensiva”.

2005 2006 2007

Efectivos

Total 453 445 429

Participações em formações 108 404 649

Efectivos da categoria sócio-

profissional operária

Total 113 109 104

Participações em formações 2 10 46

Tabela 1 · Número de participações dos trabalhadores dos SMAS Oeiras Amadora em formação (em valores absolutos) (in Divisão de Gestão de Recursos Humanos, 2007)·

Deste modo, torna-se essencial definir regras que contri-buam para a segurança e saúde dos trabalhadores e para a correcta utilização dos equipamentos, quer em funciona-mento normal quer em situações de emergência. Mas, no sentido de contribuir para o êxito da implementação dessas regras devem ser estruturados processos formativos que permitam discuti-las e enquadrá-las nos respectivos con-textos e actividades de trabalho. Trata-se pois de estrutu-rar processos que se afastam dos modelos de formação mais tradicionais (de tipo exclusivamente expositivo e pres-critivo), na medida em que tomam em consideração as con-dições reais de exercício da actividade de trabalho e a expe-riência profissional dos operadores, proporcionam a partilha dos conhecimentos e saberes-fazer entre os parti-cipantes e constituem o ponto de partida de processos de transformação (Lacomblez & Teiger, 2007).Nesta perspectiva, é importante também considerar que muitos dos conhecimentos que se difundem no seio dos co-lectivos de trabalho, de modo informal, por contiguidade de postos de trabalho ou de funções, por transmissão de viva voz dos mais antigos para os mais novos, acabam por cons-tituir regras de trabalho não-escritas, às quais os seus ele-mentos devem aderir para poderem estar integrados (de Terssac 2002). Estas regras de trabalho elaboradas pelos colectivos, frequentemente, não são reconhecidas por par-te das chefias como fundamentais, quer para a organização da actividade individual e colectiva, quer como estruturas a partir das quais se pode, definitivamente, contribuir para a constituição de novos saberes e implementação de regras mais ajustadas do ponto de vista da segurança e saúde no trabalho (Girin & Grosjean, 1996).Face às orientações da Estratégia Nacional para a Seguran-ça e Saúde no Trabalho, 2008-2012 e aos factos referidos anteriormente, nomeadamente, (i) os factores de riscos es-pecíficos dos sistemas públicos de drenagem de águas resi-duais, (ii) a distribuição dos acidentes de trabalho nos Ser-viços Municipalizados (iii) a evidência dos acidentes graves ocorridos nas actividades de exploração dos sistemas de águas residuais (iv) e a ausência da formação centrada na segurança, a Divisão de Gestão de Recursos Humanos (DGRH) dos SMAS de Oeiras e Amadora assumiu como uma prioridade o desenvolvimento de um projecto de formação centrado na promoção da segurança e saúde dos operado-res daquele sector.Assim, o projecto aqui apresentado teve como objectivo ge-ral contribuir para o desenvolvimento de competências no âmbito da Segurança, recorrendo a um processo metodoló-gico de análise-formação-acção, contextualizada, num gru-po de operadores da área do saneamento dos Serviços Mu-nicipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e de Amadora e seus responsáveis. Sendo um projecto que abraça também a componente de acção decorre dela o ob-jectivo de melhorar as condições de exercício da actividade

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30 Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das cond. de trab. no sector de saneamento de um serviço municipal • Cláudia Costa & Catarina Silva

de trabalho que se considerem desajustadas para prática das competências adquiridas.

2. Metodologia

2.1 Contexto estudado

Os SMAS de Oeiras e Amadora prestam serviço de abaste-cimento de água e saneamento básico às populações resi-dentes e agregam geograficamente dois concelhos, o de Oeiras e o da Amadora, promovendo a manutenção e remo-delação de redes de água e saneamento básico.O estudo que apresentamos neste artigo foi desenvolvido na Divisão de Saneamento de Oeiras (DSO), em concreto no sector de Redes de Saneamento, onde se considerou priori-tário a adopção de medidas de carácter preventivo no domí-nio da Higiene, Segurança e Saúde no Trabalho (HSST), re-lativamente às actividades desenvolvidas pelos varejadores na rede de saneamento (conservação e assistência de redes e ramais de esgotos domésticos e pluviais).Deste modo, as funções atribuídas à profissão de varejador são a limpeza e a desobstrução da rede de colectores de águas residuais domésticas e pluviais, ramais domiciliários e caixas de visita, assegurando o bom funcionamento da rede de esgotos dos municípios em questão.

2.2 População alvo e amostra

De uma população-alvo constituída por 29 operadores do sexo masculino, participaram no estudo 6 operadores do serviço geral da Divisão de Saneamento de Oeiras. Esta amostra foi escolhida, devido: (i) a ser o grupo que efectua todo o tipo de trabalho adstrito a esta Divisão, (ii) aos seus horários, que permitem uma maior disponibilidade, dentro do horário de trabalho, para frequentar acções de formação colectiva em sala, e (iii) às suas características biográficas (idade, antiguidade na função e habilitações académicas) não diferirem das características da população alvo.A idade média deste conjunto de seis operadores é de 47 anos, com desvio padrão de 11,8, e a antiguidade média é de 19 anos com desvio padrão de 6,7 anos. A este grupo cor-respondem igualmente habilitações académicas baixas (3 operadores com o 4º ano e 3 com o 9º ano).

2.3 Abordagem metodológica

Para a exploração do nosso objectivo desenhámos uma in-vestigação em cinco etapas.A primeira etapa consistiu em analisar o trabalho real, com o objectivo de caracterizar e compreender globalmente a situação de trabalho tendo em vista identificar as temáticas a desenvolver no processo formativo

A segunda etapa consistiu na elaboração do processo for-mativo, arquitectado segundo um modelo de alternância entre sessões teóricas expositivas, sessões de auto-análi-se (análise da actividade de trabalho pelos operadores, fo-cando-se nas sequências operacionais, nas suas determi-nantes/condicionantes e nas suas consequências) apoiadas durante o trabalho e sessões de análise e discussão colec-tiva, em torno de situações-problema, com recurso à análi-se de registos vídeo e fotografias da actividade de trabalho.A terceira etapa correspondeu à implementação do proces-so formativo.A quarta etapa, consistiu no primeiro momento de análise tomando como referência o conteúdo das sessões de for-mação. Temporalmente distanciado - quinta etapa - decor-reu o segundo momento de avaliação, consistindo na reava-liação das características da situação de trabalho, após a implementação das propostas de transformação emergen-tes na terceira etapa.

2.3.1. Primeira etapa: conhecer o trabalho real

As técnicas utilizadas na primeira etapa do estudo consisti-ram na observação aberta, com recurso a registo vídeo e no registo de verbalizações dos operadores. Estas técnicas fo-ram usadas durante as duas visitas aos locais de trabalho, acompanhando a jornada diária, com o objectivo de conhe-cer as actividades desenvolvidas pelo nosso grupo de ope-radores. Tratando-se de uma observação aberta procurá-mos conhecer sequências operacionais relativas às diferentes tarefas, as posturas mais utilizadas, os riscos/constrangimentos associados às características do contex-to de trabalho (via pública, terreno privado ou baldio, espa-ço confinado, etc.), os constrangimentos ou limitações im-postas pelo uso dos equipamentos, máquinas e equipamentos de protecção individual. Durante a observa-ção da situação de trabalho foram realizadas filmagens, procurando registar estes aspectos. A observação incidiu sobre a actividade de inspecção e desobstrução/limpeza das redes/sistemas de saneamento, incluindo fossas sépti-cas domésticas. De modo a complementar o nosso conheci-mento sobre este sector de actividade realizou-se uma pes-quisa documental nos registos existentes nos SMAS Oeiras e Amadora e em publicações relativas aos sistemas de sa-neamento.Os dados provenientes das observações, dos registos das verbalizações e dos vídeos foram tratados de modo a nos permitir construir um cenário descritivo do que consiste a actividade de trabalho no sector do saneamento e dos ris-cos a ela associados.Esta etapa culminou com a elaboração de um pré-diagnósti-co da situação de trabalho, essencial à concepção de um pro-cesso formativo ajustado às necessidades dos operadores.

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31Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das cond. de trab. no sector de saneamento de um serviço municipal • Cláudia Costa & Catarina Silva

ORDEM TEMA TIPO DE SESSÃO CONTEXTO DURAÇÃO (H)

1 Segurança e saúde ocupacional Introdução Sala de aula 2

2

Espaços confinados

Auto-análise do trabalho De trabalho 4

3 Discussão colectiva Sala de aula 2

4 Discussão colectiva Sala de aula 2

5

Posturas emanuseamento

manual de cargas

Discussão colectiva Sala de aula 2

6 Auto-análise do trabalho De trabalho 4

7 Discussão colectiva Sala de aula 2

8

Desenvolvimento eNegociação de Pro-

postas

Análise do processo de formação Sala de aula 2

9

Apresentação e negociação de propostas (com a participação dos

responsáveis)

Sala de aula 2

10

Avaliação

Auto-análise do trabalho De trabalho 4

11 Discussão colectiva Sala de aula 2

Tabela 2 – Caracterização das sessões de formação·

Todas as sessões de formação realizadas foram registadas em vídeo e transcritos os diálogos para um documento de texto, designado de protocolo verbal (Bisseret, Sebillote & Falzon, 1999). Este documento foi objecto de análise – quar-ta etapa. Esta análise consistiu na organização e tratamen-to do conteúdo do protocolo verbal em função dos temas abordados pelos operadores nas sessões, são eles: os re-cursos humanos, os recursos materiais, os procedimentos de trabalho e a formação. Para cada um destes temas fo-ram identificados os modos de discurso utilizados pelos participantes, a partir da adaptação da taxonomia apresen-tada por Vilar de Melo (1999, in Vergnaud 2001), num traba-lho realizado com sindicalistas.Classificámos os modos de discurso nas seguintes catego-rias:• Modo Constantivo – enunciado traduzindo a simples cons-tatação, descrição ou caracterização de factos e aconteci-mentos relativos à situação de trabalho;• Modo Imperativo – enunciado relativo a uma ordem, de indicação daquilo que convém fazer ou não fazer em relação à situação de trabalho;• Modo Axiológico – enunciado emitindo uma opinião, um juízo de valor, um conselho sobre um facto ou acontecimen-to na situação de trabalho;• Modo Explicativo – enunciado destinado a mostrar as ra-zões de um facto ou acontecimento;• Modo Condicional – enunciado que liga argumentos entre si, seja acções a condições;• Modo Interrogativo – pergunta colocada ao formador ou a um par seja para obter uma explicação, seja para o provocar.

2.3.2 Segunda à quarta etapa: elaboração, implementação e primeiro momento de análise do processo formativo

A segunda etapa do presente estudo consistiu na elabora-ção do processo formativo com base na caracterização da situação de trabalho (primeira etapa) e considerando as ca-racterísticas dos participantes (idade e escolaridade). Pla-nificámos um processo formativo em regime de alternância entre diferentes tipos de sessões, (i) sessões teóricas expo-sitivas, em sala sobre a segurança na actividade de sanea-mento, (ii) sessões individuais de análise guiada da activida-de de trabalho no posto de trabalho, (iii) sessões de discussão colectiva dos resultados das sessões de forma-ção anteriores e dos vídeos realizados na primeira etapa (reflexão colectiva assistida por vídeo).Para estruturarmos o processo formativo recolhemos e analisámos informações relativas: (i) à organização dos ho-rários e à planificação das actividades de saneamento; (ii) às regras de segurança aplicáveis ao sector em estudo; e (iii) à caracterização da actividade de trabalho. Para além da pesquisa e análise documental sobre a temática, foram analisadas e seleccionadas as imagens anteriormente re-colhidas no decurso das visitas realizadas, na primeira eta-pa, aos locais de trabalho, possibilitando a escolha das situ-ações-problema e cenários chave para o desenvolvimento da discussão colectiva em sala.A carga horária proposta para o desenvolvimento de cada sessão foi encarada como uma referência, existindo liber-dade para uma gestão do tempo de acordo com as caracte-rísticas do grupo e com os recursos existentes. No decurso da implementação da formação - terceira etapa - foi neces-sário estar-se atento às motivações dos operadores, de modo a gerir eficazmente as sessões. As sessões em sala de formação tiveram no máximo até 2 horas e foram alter-nadas com sessões de auto-análise do trabalho com a du-ração de uma manhã, aproximadamente 4 horas.O processo formativo teve um total de nove sessões. Oito decorreram durante um período de duas semanas, entre o dia 17 de Setembro de 2008 e o dia 3 de Outubro de 2008. Estas sessões foram realizadas com intervalos, de no má-ximo 3 dias, e realizadas logo no início do dia de trabalho, ou seja, a partir das 8 horas da manhã. A nona sessão, de apre-sentação aos responsáveis da Organização do balanço da formação e das propostas de melhoria das condições de trabalho, foi realizada no dia 20 de Outubro de 2008.A estrutura das sessões de formação é apresentada na ta-bela 2. Com esta estrutura pretendeu-se que o operador atingisse os seguintes objectivos específicos: (i) identificar os riscos específicos associados às actividades realizadas; (ii) identificar as causas dos (quase) acidentes de trabalho; (iii) adquirir competências de acção no âmbito da sua segu-rança no trabalho.

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32 Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das cond. de trab. no sector de saneamento de um serviço municipal • Cláudia Costa & Catarina Silva

3. Da análise da actividade de trabalho ao projecto formativo

3.1. Características da actividade de trabalho no sector do saneamento

As actividades principais dos varejadores e dos operadores em obras na rede são a inspecção, limpeza e manutenção de colectores, caixas de visita e ramais de ligação, limpeza de fossas sépticas, e trabalhos de abertura de valas.Todos os trabalhos efectuados pelos varejadores na via pú-blica apresentam perigos associados.Assim a exposição a condições climatéricas, por vezes ad-versas, pode conduzir tanto a insolações como a constipa-ções e gripes. Para além dos efeitos directos na saúde, re-feridos anteriormente, a exposição a climas adversos, induz também a efeitos indirectos, como por exemplo, o aumento da susceptibilidade a lesões músculo-esqueléticas, “stress”, fadiga e desconforto no desempenho das suas funções.Outro perigo inerente aos trabalhos na via pública é a con-comitante circulação rodoviária, se associada a uma defi-ciente sinalização dos trabalhos (onde decorrem os traba-lhos de reparação ou limpeza e manutenção da rede), que aumenta o risco de ocorrência de atropelamento, choque ou despiste e danos materiais. A figura 2 ilustra o que acaba-mos de referir, apelando para a necessidade do uso correc-to e regular dos equipamentos de protecção colectiva, como sejam as vedações ou gradeamento (figura 2B) e sinalização (vertical) (figura 2C) – Decreto Regulamentar nº 33/88 de 12 de Setembro – sinalização temporária de obras e obstácu-los na via pública. Junto com a sinalização das operações, a sinalização dos trabalhadores (colete reflector) (figura 2A) são medidas de prevenção essenciais, mesmo em traba-lhos esporádicos e/ou pouco demorados.

Após identificar os modos de discurso de cada unidade com significado do protocolo verbal e o respectivo tema desen-volveu-se um tratamento estatístico descritivo (frequências relativas). Os dois eixos de tratamento dos dados (temas x modos de discurso) permitiram-nos perceber como os ope-radores se posicionaram face aos diferentes problemas identificados na sua situação de trabalho e como evoluiram no modo de os abordar no decurso do processo formativo.

2.3.3. Quinta etapa: segundo momento de análise do pro-cesso formativo

A quinta etapa do presente estudo, corresponde ao segundo momento de avaliação. Decorrendo temporalmente distan-ciado, consiste em reavaliar as características da situação de trabalho. Deste modo, esta etapa teve como objectivo identificar as transformações existente nas condições de trabalho e nos procedimentos de segurança, tomando como referência a análise da actividade realizada na etapa 1.Assim, passados sete meses (Maio de 2009) foi realizada uma nova visita ao contexto de trabalho tendo como objec-tos de análise os procedimentos e estratégias de trabalho utilizados e as próprias condições de trabalho. As técnicas metodológicas utilizadas para este efeito consistiram na observação, com recurso a registo de vídeo, e no registo de verbalizações dos operadores.Seguidamente realizou-se uma nova sessão de formação em sala, a décima primeira sessão (vd. tabela 2), tendo como ponto de partida os dados contextuais relativos aos diferentes momentos de análise do trabalho e as informa-ções provenientes das unidades orgânicas competentes so-bre o estado de implementação das propostas transforma-ção das condições de trabalho. A sessão foi organizada em duas partes. A primeira parte foi orientada para a análise das medidas já implementadas pelos SMAS, suas repercus-sões no desenrolar da actividade de trabalho, em geral, e na segurança, em particular. A segunda parte, orientada para a análise das mudanças nas estratégias e procedi-mentos de segurança, teve como mote de discussão a aná-lise de dois filmes da mesma actividade de trabalho, reali-zados em momentos diferentes, um antes e um pós a realização das sessões de formação. Estiveram presentes nessa sessão todos os operadores que participaram nas sessões de 1 a 8 (vd. tabela 2). Esta sessão foi gravada em suporte áudio, posteriormente foi transcrita e feita a análi-se descritiva do seu conteúdo.Foram, também, reanalisados os traços gerais da activida-de, nomeadamente a sinistralidade no sector de saneamen-to. Para este efeito recolheu-se informação documental junto dos serviços competentes dos SMAS.

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Mas, o trabalho na via pública é também vulnerável à pres-são dos transeuntes, dos condutores e dos utentes do ser-viço, podendo gerar interferências no normal desenrolar espácio-temporal do trabalho e na implementação dos sis-temas de segurança adequados à situação. Esta situação é particularmente visível nas intervenções não planeadas, as chamadas urgências.Em relação aos materiais utilizados verifica-se a necessi-dade de manobrar equipamentos bastante pesados (pá de caleira, mangueiras, picareta), pelo que poderemos depa-rar-nos com o risco aumentado de lesões músculo-esque-léticas se as posturas adoptadas não forem as mais ade-quadas do ponto de vista biomecânico. Ao uso de equipamentos pesados associa-se o facto de a localização da zona principal de actividade ser frequentemente junto ao solo, dificultando a adopção de posturas biomecanicamente correctas, repercutindo-se em sobrecargas a nível da colu-na dorsal e lombar. A figura 3(A e B) mostra as posturas adoptadas por estes profissionais.

As características da zona principal de trabalho (dimensões reduzidas, visibilidade limitada e localização no solo) difi-culta a formação de duplas de operadores, com o objectivo de partilharem a carga de trabalho. Por este motivo a situ-ação mais comum é a distribuição de tarefas pelos elemen-tos do grupo.

A fadiga resultante de um esforço muscular estático, tal como o transporte e elevação manual de cargas (Decreto--Lei nº330/93, de 25 de Setembro transpõe a Directiva nº90/269/CEE – prescrições mínimas de segurança e de saúde na movimentação manual de cargas) pode interferir na eficiência e conduzir a acidentes como queda de objectos sobre os pés (por exemplo, ferramentas, tampas de esgoto, etc.), ferimentos ocasionados por choques ou pancadas, contusões e lesões lombares.A manipulação de equipamentos eléctricos, com o objectivo de aligeirar certos procedimentos de trabalho, nas obras nos sistemas de saneamento de águas residuais – valas ou câ-

EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO INDIVIDUAL E COLECTIVA

Figura 2A. Sinalização dos trabalhadores B. Equipamentos de protecção colectiva C. Sinalização vertical

A B C

POSTURAS ADOPTADAS NAS ACTIVIDADES

Figura 3A. Aberturas de tampas B. Limpeza de fossas sépticas

A B

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maras de visita – apresenta risco de choque eléctrico, pelo que é de maior importância a ligação à terra dos mesmos.Estão associados a este sector de actividade riscos especí-ficos que se não forem avaliados e controlados potenciam a ocorrência de acidentes graves que podem provocar danos irreparáveis nos operadores, que lembramos: (i) o risco de afogamento pelo aumento súbito do caudal de águas resi-duais, (ii) o risco químico pela presença de gases tóxicos e carência de oxigénio, e (iii) o risco biológico através da pre-sença de bactérias, vírus, parasitas e fungos.Em síntese a actividade de trabalho no sector do sanea-mento caracteriza-se por uma enorme exposição constran-gimentos ambientais - ruído, poeiras e gases, temperatu-ras extremas, agentes biológicos – a constrangimentos físicos – posturas penosas, esforços físicos intensos, ma-nuseamento de cargas – e a constrangimentos relacionais derivados da exposição pública da actividade de trabalho aos transeuntes, condutores e utentes.

3.1.1 Actividade de inspecção e desobstrução/limpeza das redes/sistemas de saneamento

Após verificação da anomalia reclamada (em que as situa-ções mais correntes são entupimentos por obstruções ou assoreamento) é necessário proceder-se à limpeza e deso-bstrução do troço em questão. Esta poderá ser feita manu-almente, ou com recurso a meios mecânicos. Normalmente a limpeza manual é usada quando não existem acessos para a viatura limpa-colectores ou quando há um único ele-mento a obstruir o colector, sendo fácil retirá-lo manual-mente.As técnicas usadas pelas equipas na limpeza e desobstru-ção com recurso a meios mecânicos consistem na lavagem com jacto de água sob pressão, na sucção (caso do equipa-mento limpa-fossas), ou por combinação destas duas técni-cas, dependendo da viatura de limpeza que está a ser usa-da. A limpeza usando jacto/pressão de água requer o tamponamento da caixa de visita a jusante em relação ao troço em que a mesma é feita, sendo os sedimentos retira-dos na caixa de visita a jusante. A limpeza combinada de colectores consiste na limpeza dos colectores com jacto de água sob pressão efectuada no sentido contrário ao escoa-mento. Os sedimentos, encaminhados para montante são retirados depois por sucção.A viatura tem dois compartimentos/reservatórios: um for-nece água para limpeza (é abastecido de água em pontos de recolha - bocas de incêndio) e o outro recebe os sedimentos (que despeja em local apropriado – como o interceptor do Sistema Multimunicipal de Saneamento da Costa do Estoril - SANEST, localizado na Guia).Uma síntese das tarefas e dos perigos associados às activi-dades de inspecção e desobstrução/limpeza na DSO são apresentados nas tabelas A1, A2 e A3, em anexo. A desobs-

trução e a limpeza podem ser realizadas em colectores e em fossas sépticas, estas últimas localizadas em áreas ha-bitacionais dos munícipes dos dois concelhos.Os colectores visitáveis apresentam também, pelas suas características físicas, riscos para os operadores. Como foi possível verificar no terreno de operações, as caixas de vi-sita às quais o pessoal da exploração e manutenção pode ter acesso, poderão ter profundidade de 2,50m ou superior e dispõem de superfícies sujas e húmidas o que poderá acarretar riscos, nomeadamente de escorregamento, que-da em desnível ou queda em altura, queda ao mesmo nível e queda de objectos.Caso haja necessidade de descer às caixas, tal procedimen-to deverá ser apoiado em medidas de segurança, tal como a utilização de guincho mecânico, cabo de linha de vida e ar-nês (equipamentos de segurança) para prevenção daqueles riscos.São exemplos de locais de maior risco onde se processam os trabalhos no sector da limpeza e manutenção da rede de saneamento:• Os colectores próximos de condutas de distribuição de gás ou tanques subterrâneos de combustível;• Os colectores com pouca inclinação (provável deposição de sólidos sujeitos a decomposição);• Os colectores (mais antigos) com câmaras/caixas muito afastadas (mais de noventa metros) especialmente se as li-gações domiciliárias são munidas de sifão;• Os colectores com câmaras de profundidade superior a três metros;• Qualquer tanque ou câmara que possua tampa estanque, qualquer que seja a profundidade;• As fossas sépticas (com elevada formação de gases com efluentes de aspecto e cheiro desagradáveis e elevado grau de germes patogénicos).Todas estas situações poderão constituir situações perigo-sas que, não sendo controladas e implementadas as devi-das medidas de prevenção, poderão resultar em graves riscos para os trabalhadores e terceiros. São estas algu-mas das situações inerentes aos trabalhos observados e que importa ter presente na prossecução de uma acção de formação sobre a adopção de boas práticas.

3.2. Pré-diagnóstico da situação de trabalho

O conhecimento das actividades desenvolvidas e as infor-mações relativas aos acidentes de trabalho neste sector permitiram identificar os temas a abordar na formação:• Actividades em espaços confinados – estes trabalhos são uma constante na profissão de varejador e apresentam ca-racterísticas específicas que podem causar danos irrepa-ráveis. Os acidentes podem ser evitados se o trabalhador estiver devidamente informado sobre os perigos associa-dos à sua actividade de trabalho e as medidas preventivas a

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adoptar (Veiga, 2008) e se forem fornecidos os meios de protecção individual adequados.• Posturas e movimentação manual de cargas durante a ac-tividade de trabalho – o trabalho dos varejadores é maiori-tariamente feito junto ao solo envolvendo a manipulação de equipamentos pesados e sob pressão (mangueiras). Dos 4 acidentes de trabalho ocorridos na categoria profissional de varejadores no ano de 2007, todos foram devido à movi-mentação manual de cargas e à adopção de posturas desfa-voráveis do ponto de vista biomecânico originando lesões a nível lombar.

4. O processo formativo

A gestão da formação privilegiou o recurso a métodos par-ticipativos, promovendo o debate e a construção de ideias, em estreita relação com a realidade de trabalho. Para este efeito, o formador teve um papel fundamental na condução da formação, moderando e estimulando a reflexão e a dis-cussão do grupo. Sempre que necessário foram introduzi-das explicações, dados e informações essenciais à compre-ensão pelos operadores das matérias em análise.O estudo de caso foi a estratégia central no desenvolvimen-to das actividades formativas. A abordagem dos temas prin-cipais deste processo formativo desenvolveu-se recorren-do à exposição clara das problemáticas, com a identificação e reflexão em torno de cenários-problema e à visita ao local de trabalho onde foi possível a auto-análise apoiada. A cada tema dedicou-se três sessões de formação, distribuídas da seguinte maneira: duas sessões (reflexivas) em sala e uma sessão no local de trabalho (auto-análise do trabalho).Aquando da realização do primeiro tema, «espaços confina-dos», pareceu-nos ser mais benéfico para os operadores a alteração da ordem das sessões. Assim, procedemos ao ajustamento das sessões no tema «posturas e movimenta-ção manual de cargas» com a realização de uma sessão em sala antes da sessão de auto-análise do trabalho.Outra técnica utilizada na aplicação do processo formativo, apresentando vantagem na análise reflexiva pelos opera-dores da sua actividade de trabalho, foi a exibição de filma-gens obtidas no decurso da análise ergonómica do trabalho, realizada na primeira etapa. Durante a observação dos ví-deos os operadores comentavam as acções sendo estes re-vistos sempre que a sua relevância o exigia (risco e/ou com-plexidade associada, opiniões divergentes, etc.).Esta metodologia designada na literatura como «reflexão assistida» pode desenvolver-se em «auto-confrontação» ou em «alo-confrontação», conforme, respectivamente, a actividade reflexiva do sujeito se dirige à sua própria activi-dade de trabalho ou à de um sujeito seu par. A reflexão as-sistida pode ainda desenvolver-se em regime de «confron-tação colectiva» - foi o nosso caso - sendo a actividade

reflexiva do grupo centrada na actividade de trabalho de um ou mais dos seus elementos. (Mhamdi, 1998; Mollo & Fal-zon, 2004). Assim, os operadores tornam-se analistas das suas próprias actividades e das actividades dos seus pares, sendo debatidas situações-problema que se levantam du-rante as tarefas. A análise e a reflexão de procedimentos conduzem os operadores a exteriorizar os seus conheci-mentos, implicando a descoberta de novos saberes (Mollo & Falzon, 2004).

4.1 Descrição sumária do conteúdo das sessões de forma-ção

Sessão 1: Sessão introdutória em grupo.Esta sessão começou pela apresentação dos objectivos do projecto, face às características específicas do trabalho re-alizado no saneamento, com o intuito de se motivar os ope-radores para a problemática da segurança no local de tra-balho. Foram apresentadas notícias de acidentes ocorridos em Portugal em redes saneamento, solicitando comentá-rios relativos essas ocorrências. Seguidamente, foram ex-plicados os principais riscos associados à actividade no sa-neamento, os quais dependem sobretudo da natureza das infra-estruturas e da natureza das águas residuais. Foi ain-da pedido, que enumerassem as medidas de segurança que normalmente são adoptadas e aquelas que deviam ser adoptas. Foram apresentadas fotografias do seu trabalho, solicitando a identificação das medidas de segurança pre-sentes e ausentes nas imagens. Para concluir foram apre-sentadas as medidas de controlo de risco, os principais equipamentos de protecção individual e o respectivo nível de protecção para a actividade do saneamento.

Sessão 2: Auto-análise apoiada durante o trabalho: «espa-ços confinados».Após a motivação para a problemática da segurança no lo-cal de trabalho, os operadores aplicaram os conhecimentos adquiridos na sessão anterior no seu próprio contexto pro-fissional. Pretendeu-se com esta sessão, explicitar e en-quadrar os conhecimentos gerais nas actividades profissio-nais quotidianas. Deste modo, foi-lhes pedido para enquanto trabalhavam, verbalizarem todas as suas decisões e gestos, para que estes aspectos se tornem conscientes.Esta sessão teve a duração de uma manhã de trabalho e foram objecto de auto-análise duas actividades de trabalho planeadas para o momento. A primeira situação analisada, considerada por eles de “rotina”, na medida em que aconte-ce em muitos pontos do concelho, foi a retirada de raízes de árvores de uma caixa. Este trabalho é realizado com uma pá de caleira para auxiliar a retirada das raízes e diminuir a entrada nas caixas de visita. Ao longo do decorrer do traba-lho foram questionados quanto ao tipo de riscos que encon-tram e aos acidentes de trabalho que já aconteceram e foi-

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-lhes pedido que verbalizassem todas as acções realizadas. O segundo trabalho foi a limpeza de uma caixa com o apoio da viatura. Este trabalho foi realizado numa via pública que apresentava alguns constrangimentos, em concreto, largu-ra reduzida dificultando a paragem da viatura e elevado flu-xo de trânsito. A propósito das características desta inter-venção foi abordado, no local, o assunto da sinalização rodoviária, tendo sido explicado pelos operadores que quando é uma intervenção demorada é usual o contacto com a Policia Municipal e o seu acompanhamento nos tra-balhos. Foram ainda confrontados com o não cumprimento da sinalização de segurança fixada na viatura que determi-na a obrigatoriedade da utilização de equipamentos de pro-tecção individual.

Sessão 3 e 4: Discussão em grupo.Dedicou-se esta sessão à apresentação teórica e discussão colectiva do tema «espaços confinados», aferindo-se o grau de conhecimento dos operadores sobre esta matéria.Esta sessão iniciou-se com a revisão da sessão anterior, em situação de trabalho, onde puderam, mais uma vez, verbali-zar e reflectir sobre as actividades realizadas. Foi utilizado como material de formação um filme da sua própria activi-dade de trabalho, relativo à limpeza e desobstrução de um colector sem o apoio da viatura de limpeza, demonstrando a descida a um colector. Durante o visionamento do filme, os operadores foram verbalizando as suas acções e gestos, referindo as medidas de segurança que ficaram omissas no desenrolar do trabalho e identificadando e discutindo as ca-racterísticas dos espaços confinados. No decorrer da ses-são os operadores relataram vivências pessoais e colecti-vas, em cada risco identificado. Foi ainda debatido o problema da claustrofobia. As reflexões dos operadores revelaram os saber-fazer de prudência (Cru, 1987) inseri-dos no seio deste grupo e que constituem regras de traba-lho não-escritas nas actividades de limpeza e desobstrução de colectores sem apoio da viatura. As regras referidas são relativas à protecção do operador que desce ao interior das caixas de visita (vd. ponto 5 - procedimentos).

Sessão 5: Discussão em grupo.A sessão 5 teve como tema «posturas e o levantamento e movimentação manual de cargas». Recriando em sala dife-rentes modalidades de levantamento manual de uma carga foi possível demonstrar os riscos associados a diferentes procedimentos. A partir da realização deste exercício foi pos-sível explicar a origem de algumas lesões, nomeadamente da hérnia discal, de entorses e luxações. Foram também analisados os parâmetros dos quais dependem os valores limites de uma carga. A terminar a sessão foram apresenta-das fotografias de operadores em actividade de trabalho, in-centivando o debate sobre as posturas adoptadas.

Sessão 6: Auto-análise apoiada durante o trabalho: «Postu-ra no trabalho/levantamento e movimentação manual de carga».Esta sessão teve a duração de uma manhã de trabalho, 4 horas, tendo sido objecto de auto-análise duas actividades planeadas para a ocasião de desobstrução de caixas de águas pluviais. Ao longo do decorrer dos trabalhos foi-lhes pedido que verbalizassem todas as acções realizadas, as dificuldades encontradas, bem como as estratégias para as resolver, como por exemplo, a necessidade de «puxar a mangueira» quando se encontra presa. Foram igualmente questionados sobre os procedimentos de trabalho que po-dem ser realizados noutras condições, como por exemplo, quando não é possível a utilização da mangueira da viatura para desobstruir e se recorre à pá de caleira.

Sessão 7: Discussão em grupo.Na sessão 7 foram discutidos detalhes importantes das posturas adoptadas durante o trabalho e do levantamento e movimentação manual de cargas. Foram utilizados como material de formação dois filmes realizados na primeira etapa deste projecto. Num dos filmes podíamos ver a activi-dade de desobstrução de colector com auxílio da mangueira e no outro a actividade de despejo da fossa séptica. Durante o visionamento dos filmes, os operadores foram explican-do/comentando as suas acções e gestos e foram identifi-cando as posturas incorrectas adoptadas durante o traba-lho. Esta sessão terminou com a síntese dos princípios de movimentação manual de cargas.

Sessão 8 - Balanço da formação.Nesta sessão pretendeu-se que todos os participantes ti-vessem oportunidade de fazer o balanço de todo o processo formativo. Apesar do conhecimento prático que o grupo ti-nha, foi unânime a opinião sobre o benefício destas sessões no sentido de uma maior consciencialização da realidade de trabalho de cada um. Da discussão gerada sobre a forma-ção foi solicitado que concretizassem propostas de melho-ria das condições de trabalho, a apresentar posteriormente aos seus superiores hierárquicos. Assim surgiram propos-tas referentes aos recursos humanos, recursos materiais, procedimentos de trabalho e formação.

Sessão 9 - Apresentação do balanço realizado e debate com os responsáveis da organização.Foram apresentadas e debatidas as conclusões saídas da sessão anterior, contando com a presença de todos os ope-radores que participaram no processo formativo e de supe-riores hierárquicos: Administrador, Directora-Delegada, Director de Departamento de Água e Saneamento e Chefe de Divisão do Saneamento de Oeiras.A análise das sessões até então realizadas e as propostas de melhoria das condições de trabalho feitas pelos opera-

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dores orientaram a organização desta sessão. Introduzi-mos os temas que foram objecto de análise e discussão - os recursos humanos e materiais, os procedimentos de traba-lho e a formação – através da apresentação de frases-cha-ve proferidas pelos operadores ao longo do processo for-mativo. A partir da apresentação das frases originou-se um debate de ideias entre os diferentes actores, tendo a hierar-quia superior demonstrado necessidade em conhecer me-lhor as práticas de trabalho destes operadores, para poder compreender as propostas de melhoria das condições de trabalho. No final desta sessão foi assumido pela Adminis-tração, perante os operadores, implementar todas as medi-das propostas, procurando a contrapartida de os operado-res assumirem a melhoria das práticas de segurança nos procedimentos de trabalho.

5. Procedimentos de trabalho: um tema central no debate colectivo

A transcrição dos registos vídeo das sessões foi analisada segundo dois eixos, o tema e o modo de discurso.A figura 4 mostra a distribuição dos temas abordados na totalidade das 9 sessões e a figura 5 a distribuição dos te-mas em cada uma das sessões.

São de realçar os seguintes aspectos:• O tema mais presente no diálogo dos operadores é “pro-cedimentos de trabalho”, seguido de “recursos materiais”;• Nas sessões 2 e 6, as sessões que decorram no local de trabalho, foram notórios os temas sobre “procedimentos de trabalho” e “recursos materiais”, constituindo 66,1% e 33,9%, respectivamente, na sessão 2, e 42,1% e 52,6%, res-pectivamente, na sessão 6;• A temática da “formação” esteve mais presente nas ses-sões finais de balanço do processo formativo; ao longo das restantes sessões, a formação foi sendo pontualmente re-flectida na sua actividade profissional;• Na sessão 4 verifica-se um aumento do tema «recursos humanos», visto ter sido a sessão em que foram relatadas vivências pessoais e colectivas e a demonstração dos sa-ber-fazer de prudência;• Nas sessões 8 e 9 observa-se uma distribuição mais uni-forme dos temas abordados. Esta situação prende-se com o facto de todos os temas abordados terem sido re-explora-dos na elaboração e debate das propostas de melhoria.A figura 6 exibe a distribuição dos modos de discursos utili-zados pelos operadores nos temas abordados durante todo o processo formativo.

A partir da análise da figura 6 e do conteúdo do protocolo verbal chegou-se às seguintes constatações ao nível das diferentes temáticas abordadas.

Recursos Humanos A actividade desenvolvida pelo sector de saneamento apre-senta características que, na opinião dos operadores, a dis-tingue das demais actividades de trabalho e origina uma representação social de “trabalho sujo” (cit. protocolo ver-bal) e sujeito a “odores desagradáveis” (id.). O pouco reco-nhecimento social gerado por estas características dificul-ta o recrutamento para este serviço e desencadeia no seio do próprio colectivo de operadores necessidades de afir-mação da identidade e sentimentos de diferença face ao sector das Águas.A falta de recursos humanos para o volume de trabalho na área de actuação obriga a que as intervenções sejam reali-zadas no mínimo tempo possível, potenciando a adopção de práticas incorrectas apesar de afirmarem compreenderem o risco a que se encontram expostos: “Há algumas condi-ções, mas como há pouco pessoal temos que fazer o traba-lho rápido, desenrascar isto, e isso pode provocar acidentes.

Temas abordados (em frequência relativa)

Figura 4 · (RH. recursos humanos; RM. recursos materiais; PT. procedimentos de trabalho, Form. Formação).

46%

23%

19%

12%

Figura 5 – Distribuição dos temas por sessão (em frequência relativa) (RH-recursos humanos, RM-recursos materiais, PT-procedimentos de trabalho, Form-formação)

 

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Temos consciência disso”(id.). Apesar deste constrangimen-to, referem que a tomada de consciência perante os riscos tem aumentado nos últimos anos. Contudo, não obstante a falta de recursos humanos e materiais, consideram ter um grande sentimento de responsabilidade na concretização do seu trabalho.O tema «recursos humanos» foi muitas vezes associado às dificuldades sentidas na resolução dos trabalhos, sendo frequente o enunciado de conselhos e opiniões relaciona-dos com a carência de recursos humanos (modo axiológico), desencadeados pela descrição e explicação de factos e acontecimentos (modo constantivo e explicativo). Visto ser uma dificuldade sentida pelo grupo, observa-se a associa-ção do modo imperativo a este tema, “os responsáveis têm que tomar uma atitude ou colocar pessoal novo”(id.).

Recursos MateriaisApesar de ser apontada pouca eficiência e adequabilidade a alguns equipamentos de protecção individual (EPI’s), a ou-tros associam-se mudanças positivas, como por exemplo, a

substituição dos fatos oleados por fatos descartáveis para a realização de actividades nas caixas de visita. Muitos dos EPI’s não são utilizados devido à convicção de que não são verdadeiramente protectores, à falta espaço nas viaturas para os transportar, às características dimensionais das caixas de visita e à ausência de adopção rotineira de proce-dimentos de segurança. A falta de alguns recursos mate-riais induz à improvisação de outros - “a espátula foi inven-tada por nós para cortar as raízes” (id.) - com o intuito de ajudar na execução de tarefas e de reduzir a necessidade de entrada nas caixas de visita, para a realização de determi-nados trabalhos. Este último objectivo alicerça-se no senti-mento de incapacidade para responder adequadamente à imprevisibilidade de condições no interior das caixas.Outra problemática referente aos «recursos materiais», diz respeito às mangueiras, objecto que está na origem de al-guns acidentes de trabalho: “não se consegue prever. Pode estar roçada e durar uma vida, como pode estar nova e re-bentar.”Deste modo salienta-se a descrição dos recursos materiais

DISTRIBUIÇÃO DOS MODOS DE DISCURSOS UTILIZADOS POR TEMA

Figura 6A. recursos humanos B. recursos materiais C. procedimentos de trabalho D. formação (em frequência relativa)

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existentes e de que forma improvisam (modo constantivo e explicativo), de acordo com as suas necessidades (modo axiológico), conseguindo identificar os recursos que são precisos adquirir (modo imperativo): “agora falta o material para podermos fazer melhor”(id.)

Procedimentos de TrabalhoNo tema «procedimentos de trabalho» foram descritas: (i) as actividades diárias actuais e passadas (ii) os acidentes de trabalho que ocorreram no próprio grupo; (iii) a utilização (ou não) dos equipamentos de protecção individual; e (iv) os métodos de trabalho que estão presentes no seio daquele grupo de operadores.Sempre que as intervenções resultam de uma planificação prévia, foi afirmado ser prática corrente organizar os recur-sos materiais necessários e disponíveis. Mas, quando as intervenções assumem um carácter de urgência, devido à extensão da área de actuação, à falta de recursos humanos, a imperativos de conclusão do trabalho, comprometem se-riamente a adopção de procedimentos de segurança. Ape-sar disso, foram identificados «saber-fazer de prudência» não formalizados constituindo regras de trabalho «formali-zadas» do ponto de vista do colectivo, por exemplo procedi-mentos de protecção dos elementos do colectivo que des-cem ao interior das caixas de visita: (i) o operador que desce a uma caixa de visita nunca é o com mais idade: “não é um homem com 50 anos que lá vai”(id.), nem o mais robusto, de modo a que, em situação de emergência, possam auxiliar a sua subida e retirada do interior da caixa; (ii) acompanha-mento, por dois ou três operadores na superfície, das ope-rações realizadas no interior da caixa: “estão sempre dois homens ao pé da caixa, nunca ninguém vai lá sozinho” (id.); (iii) manter permanentemente o diálogo com o operador que se encontra dentro da caixa, com o intuito de retirar daí in-formações sobre o seu estado de lucidez e auto-controlo: “depois o procedimento que temos é manter a ligação com ele, conversar com ele” (id.).Como se verifica na figura 5, referente à distribuição dos te-mas por cada sessão, o tema «procedimentos de trabalho» é o que apresenta maior percentagem em cada sessão. O modo constantivo revela-se o modo mais utilizado no discur-so quando o tema é «procedimentos de trabalho», sendo logo a seguir o modo axiológico. Verificou-se também o recurso ao modo explicativo para mostrar as razões da prática de al-guns procedimentos. Deste modo, verificamos que é o tema onde se observa maior necessidade de debate de ideias.

FormaçãoOutro aspecto evidenciado foi a falta de formação profissio-nal e técnica incitando a práticas de ensino no posto dos mais antigos e experientes aos mais novos. Estas práticas potenciam a transmissão de procedimentos largamente en-raizados, mas nem sempre correctos: “Há falta de forma-

ção profissional e o que aprendemos é uns com os outros e depois aprende-se os maus vícios.”(id.).Consideram ter conhecimentos suficientes, decorrentes da sua experiência: “ninguém os ensinou como se utilizava as verguinhas, eles vão aprendendo é com a experiência de vida que vão tendo”(id.), que lhes permite identificar os ris-cos a que estão expostos. Mas, devido aos fortes constran-gimentos resultantes das condições de exercício do próprio trabalho, correm riscos e têm acidentes. Neste sentido, os modos de discurso mais utilizados são o modo constantivo e o modo axiológico.De modo geral, neste tema verifica-se que o grupo de ope-radores indicam quais são as carências e que métodos de formação devem ser considerados, como é o caso de for-mação técnica dos equipamentos adquiridos, para isso re-correm ao modo imperativo: “tem que vir alguém explicar, isto funciona assim, nunca façam isso, pode ocorrer o risco de acontecer isto, isto é que é o procedimento correcto”(id.)

6. Qual o impacto do processo formativo no quotidiano de trabalho?

6.1. Regresso ao terreno

Após sete meses do término do processo formativo, proce-deu-se à reavaliação das características da situação de tra-balho – sessão 10 -, no sentido de verificar a implementação de alguns compromissos assumidos, na sessão de formação 9, pelos responsáveis da Organização, nomeadamente, ad-mitir novos operadores, adquirir melhores equipamentos de protecção individual, adquirir uma viatura, fornecer forma-ção técnica sempre que sejam adquiridos materiais e equi-pamentos. Promoveu-se também um debate sobre a trans-formação das condições de trabalho entretanto ocorridas.

Sessão 10: Reavaliação das características da situação de trabalhoInterpelámos as unidades orgânicas competentes para a implementação destas medidas, para analisar o nível de execução de cada compromisso. No que diz respeito à ad-missão de novos operadores, fomos informados, na altura, que o procedimento concursal estava a decorrer. Após a di-vulgação da abertura de vagas e do período das candidatu-ras, a DGRH encontrava-se na fase de selecção dos concor-rentes. O processo ficou concluído no mês de Julho de 2009. O Sector de Segurança e Saúde Ocupacional (SSSO) da DGRH realizou o diagnóstico das necessidades nos diferen-tes serviços e abriu o procedimento de adjudicação dos equipamentos de protecção individual adequados às activi-dades desenvolvidas. Os equipamentos de protecção indivi-dual foram distribuídos pelos operadores em Janeiro de 2009 e na sequência foi dada formação técnica adequada.

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Auscultada a chefe da DSO sobre o processo de aquisição de mais uma viatura, a mesma informou-nos da existência de uma carrinha de apoio, na Divisão de Oficinas e Trans-portes, que quando necessário pode ser requisitada e colo-cada ao serviço da DSO.Verificámos, assim, que a Organização assumiu a implemen-tação dos compromissos assumidos perante os operadores.Por sua vez, os operadores assumiram o compromisso de “a segurança acima de tudo, mas criem condições de traba-lho. Se criarem condições de trabalho não há falhas na se-gurança, porque não há facilitismos.” (cit. protocolo verbal)Como referimos foram realizados acompanhamentos às in-tervenções desenvolvidas no terreno, com o objectivo de proceder novamente a uma análise da actividade e assim verificar as transformações ocorridas no seio deste grupo de operadores. Constatámos nas visitas ao terreno a utili-zação de equipamentos de protecção individual, nomeada-mente, o colete de alta visibilidade e luvas mais adequadas aos riscos biológicos, estando presente com cada um dos operadores, para a eventual utilização, a máscara, o capa-cete, a viseira, os protectores auditivos e os óculos de pro-tecção. No que diz respeito aos princípios da movimentação manual de cargas, verificou-se a preocupação dos opera-dores em adoptar medidas de segurança transmitidas. Da mesma forma observou-se o cuidado em assegurar uma postura correcta durante o trabalho de desobstrução de co-lectores com o auxílio da mangueira. Ainda que possamos assumir alguma influência gerada pela presença do forma-dor no terreno, relativamente à adopção dessas práticas, é um facto que até Julho de 2010 não houve qualquer registo de acidente de trabalho do foro músculo-esquelético (vd. ponto 6.2)Deparámo-nos, no entanto, com uma deficiente sinalização das vias públicas durante realização de trabalhos de ins-pecção periódica. O mesmo já não aconteceu nos trabalhos de limpeza e desobstrução, onde a sinalização utilizada era adequada.Seguidamente à análise das transformações ocorridas no local de trabalho, foi elaborada uma sessão final (sessão 11) para a qual compilámos toda a informação referente à exe-cução dos compromissos assumidos por ambas as partes.

Sessão 11 – Discussão das propostas implementadas com os operadoresNesta sessão pretendeu-se demonstrar e debater com os operadores a execução dos compromissos assumidos pela Organização e pela DSO, mas também os assumidos pelo próprio grupo. Citando o encarregado há o cumprimento dos compromissos “quase na totalidade. A consciencializa-ção do pessoal. Eu penso que eles adquiriram outro tipo de consciência, usam o equipamento normalmente.” (cit. pro-tocolo verbal).Foram utilizados filmes da actividade de trabalho, antes e

após da formação. Ambos os filmes demonstravam a deso-bstrução de um colector com o apoio da viatura de limpeza, tendo sido pedido que comentassem e identificassem as transformações ocorridas entre os dois momentos. Foi dis-cutida a prática de sinalização deficiente das vias públicas durante os trabalhos, por eles designados, de curta dura-ção, tendo sido, novamente, alertados para a importância de uma sinalização adequada e incitados à sua utilização em todos os trabalhos na via pública. No entanto, em rela-ção à constatação da deficiente sinalização, emergiu mais um saber-fazer de prudência implementado no seio destes operadores: “Nós normalmente temos a preocupação, há alguns mais relaxados que outros. Mas naquele dia houve a preocupação de colocar a carrinha à frente da caixa, quer dizer atrás do que nós ia-mos fazer, 4 piscas a trabalhar da carrinha e depois foi posto pinos até fechar aquela via da rotunda (…)” (cit. protocolo verbal).Em toda a sessão foi referida, apenas, uma única anotação sobre a Organização, relativa ao facto da viatura solicitada não ser uma viatura de apoio, mas uma viatura de limpeza e desobstrução de redes, de modo a permitir a organização efectiva do trabalho e o planeamento das actividades. Esta necessidade vai ser reforçada pela chefia directa à Admi-nistração para cabimentação num próximo orçamento.A redução das actividades feitas contra-tempo devido à es-cassez de recursos (materiais e humanos) será um contri-buto inegável para a segurança. A gestão da segurança passa pelo reforço das equipas, pelo apetrechamento ma-terial, em sintonia com uma adequada organização e plane-amento das actividades.

6.2 Análise de Sinistralidade

Para a análise da sinistralidade comparámos os dados de 2007 e 2008 fornecidos pelo SSSO.Como referimos anteriormente (vd. figura 1.) os varejado-res constituíam em 2007 o grupo profissional com maior registo de acidentes de trabalho nos SMAS de Oeiras e Amadora (4 ocorrências). Em 2008, o número total de aci-dentes de trabalho no mesmo sector de actividade nos SMAS de Oeiras e Amadora foi de 2 ocorrências.Considerando o período de 6 meses desde a formação e a reavaliação da situação, não se registaram acidentes de trabalho no grupo de operadores do sector de saneamento que estiveram presentes no processo de formação. De Maio de 2009 até Junho de 2010 não se verificou ocorrências nes-te sector de actividade.

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7. Considerações finais

A partir da análise do contexto profissional do sector do sa-neamento desenvolveu-se e implementou-se um projecto formativo que contribuiu para a sensibilização e a interiori-zação de comportamentos de segurança e para a transfor-mação das condições de trabalho tendo em vista a preven-ção de riscos profissionais dos varejadores.Os resultados apresentados demonstram a pertinência e o potencial que as abordagens formativas participativas po-dem ter, constituindo uma verdadeira alternativa a modelos de promoção da segurança “tradicionais” (do tipo exclusi-vamente expositivo). Para além disto, a tomada em conside-ração das características específicas do grupo, em concre-to, a idade e o nível de escolaridade, na organização e condução pedagógica das sessões, constituiu um elemento distintivo deste processo formativo.Para além da marca, indiscutível, deixada por este projecto no terreno, foi possível contaminar diferentes categorias de trabalhadores (operadores e decisores) com um outro olhar e capacidade de acção na promoção da segurança. De-monstrou-se também a mais valia de concebermos uma formação “situada” e “oportuna”.O papel de mediação assumido pelo formador revelou-se de enorme importância. Orientando-se ora para o desenvolvi-mento individual, intrinsecamente ligado à explicitação e formalização do saber, ora para o desenvolvimento colecti-vo, criando dinâmicas de confrontação de experiências e de saberes e de enriquecimento mútuo, ora para o reconheci-mento social afim de dar significado na empresa àquela ex-periência.Para o formador foi possível observar procedimentos de segurança não-escritos, enraizados nas práticas de traba-lho deste grupo de operadores, os saber-fazer de prudência (Cru, 1987). Constituem, como refere o autor, “procedimen-tos espontâneos de luta contra os acidentes e de uma ma-neira geral contra o sofrimento (esforço inútil, a fadiga, etc.) são em parte inconscientes, retidos num saber-fazer colec-tivo, a arte do ofício, as tradições, os hábitos” (p. 172). Ape-sar do seu carácter informal, estas práticas convergem para os objectivos preventivos do formador – também técni-co de segurança, higiene e saúde no trabalho - inserido nesta Organização, e revelam-lhe uma outra dimensão, até então pouco visível, das “longas elaborações do ofício” (op. cit., p.172) desencadeadas pelos constrangimentos quoti-dianos do trabalho no saneamento. A explicitação destes saberes pelos trabalhadores, o reconhecimento da sua re-levância e tradução em procedimento de segurança pelos responsáveis e a sua posterior difusão no interior da em-presa constitui um inegável contributo no sentido da pro-moção da saúde e da segurança.Assim, o projecto formativo desenvolvido não é inócuo para os operadores, para os responsáveis na Organização, para

a própria Organização, mas também para o próprio forma-dor que, à saída, adquiriu outra representação sobre o tra-balho no saneamento e outra capacidade de intervenção no domínio da segurança, higiene e saúde no trabalho.Temos consciência da necessidade de alimentar a dinâmica que foi criada com este projecto, neste grupo de operado-res, porque como os próprios afirmaram “nós vamos indo aos poucos, o vício já era tão grande…”(cit. protocolo ver-bal). A monitorização periódica da actividade de trabalho, associada ao reforço da formação sempre que se justifique, constitui uma das vias que permite dar continuidade à me-lhoria contínua dos procedimentos de segurança, no grupo de operadores participantes e à promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho nesta Organização.

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Anexo

TAREFAS PERIGOS RISCOS

1-Sinalizar a via · Tráfego intenso· Locais de visibilidade reduzida · Atropelamento

2-Retirar tampa e abertura da caixa

· Peso da tampa· Objectos em altura· Partículas sólidas e águas residuais· Gases/vapores tóxicos· Desnível da fossa· Superfícies escorregadias

· Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas· Queda de objectos· Escorregamento· Queda em desnível· Projecção de partículas sólidas e águas residuais· Inalação de gases/vapores tóxicos

3-Puxar mangueira de sucção/aspiração · Peso da mangueira · Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas

4-Esvaziar a fossa séptica

· Superfícies sujas e escorregadias· Mangueira sobre pressão· Gases/vapores tóxicos· Partículas sólidas e águas residuais· Agentes patogénicos· Desnível da fossa

· Accionamento inadvertido de máquinas e equipamentos· Lesões músculo-esqueléticas· Projecção da mangueira· Projecção de partículas sólidas e águas residuais· Inalação de gases/vapores tóxicos· Entrada de agentes patogénicos no organismo· Queda em desnível

5-Recolher a mangueira · Partículas sólidas e águas residuais · Postura incorrecta/ Lesões músculo-esqueléticas· Projecção de partículas sólidas e águas residuais

6-Recolocar a tampa· Objectos em altura· Peso da tampa· Desnível da fossa

· Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas;· Escorregamento· Queda em desnível· Queda de objectos

7-Retirar a sinalização · Tráfego intenso· Locais de visibilidade reduzida Atropelamento

Tabela A1 – Desobstrução/limpeza de fossas sépticas.

TAREFAS PERIGOS RISCOS

1-Sinalizar a via · Tráfego intenso· Locais de visibilidade reduzida · Atropelamento

2-Retirar tampa e abertura da caixa

· Peso da tampa· Objectos em altura· Partículas sólidas e águas residuais· Gases/vapores tóxicos

· Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas· Queda de objectos· Escorregamento· Queda em altura· Projecção de partículas sólidas e águas residuais· Inalação de gases/vapores tóxicos

3-Operações de limpeza e manutenção à superfície

· Superfícies sujas e escorregadias· Mangueira sobre pressão· Partículas e águas residuais· Gases/vapores tóxicos· Vibrações e ruído· Carência de oxigénio· Insectos e roedores· Agentes patogénicos· Máquinas e equipamentos em mau estado e/ou desprotegidos· Desnível da caixa

· Accionamento inadvertido de máquinas e equipamentos· Escorregamento· Queda em desnível· Projecção da mangueira· Projecção de partículas sólidas e águas residuais· Inalação de gases/vapores tóxicos· Asfixia· Entrada de agentes patogénicos no organismo· Lesões músculo-esqueléticas· Surdez

4-Recolocar a tampa

· Queda de objectos· Peso da tampa· Desnível da caixa· Superfícies sujas e escorregadias

· Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas· Escorregamento· Queda em desnível· Queda de objectos

5-Retirar a sinalização · Tráfego intenso· Locais de visibilidade reduzida · Atropelamento

Tabela A2 – Inspecção e desobstrução/limpeza de colectores com apoio da viatura.

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Anexo (cont.)

TAREFAS PERIGOS RISCOS

1-Sinalizar a via · Tráfego intenso· Locais de visibilidade reduzida · Atropelamento

2-Retirar tampa e abrir da caixa

· Peso da tampa· Objectos em altura· Partículas sólidas e águas residuais· Gases/vapores tóxicos· Desnível da caixa

· Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas· Queda de objectos· Escorregamento· Queda em altura· Projecção de partículas sólidas e águas residuais· Inalação de gases/vapores tóxicos

3-Descer ao interior do colector (espaço confinado)

· Gases/vapores tóxicos· Carência de oxigénio· Roedores e insectos· Agentes patogénicos· Desnível da caixa

· Escorregamento· Queda em altura· Projecção de partículas sólidas e águas residuais· Inalação de gases/vapores tóxicos· Asfixia· Entrada de agentes patogénicos no organismo

4-Desobstruir/limpar dentro do colector (espaço confinado)

· Objectos em altura· Ambiente sujo e húmido· Gases/vapores tóxicos· Carência de oxigénio· Roedores e insectos· Agentes patogénicos· Ruptura de dispositivo de retenção de caudal/controlo de escoamento de águas residuais

· Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas· Queda de objectos· Afogamento· Inalação de gases/vapores tóxicos· Asfixia

5-Subir para o exterior · Altura da caixa de visita · Queda em altura

6-Recolocar a tampa· Objectos em altura· Peso da tampa· Desnível da caixa

· Postura incorrecta/Lesões músculo-esqueléticas· Queda de objectos

7-Retirar a sinalização · Tráfego intenso· Locais de visibilidade reduzida · Atropelamento

Tabela A3 – Inspecção e desobstrução/limpeza de colectores sem apoio da viatura.

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45Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das cond. de trab. no sector de saneamento de um serviço municipal • Cláudia Costa & Catarina Silva

PT Análisis del trabajo, formación contextualizada y acción de transformación de las condiciones de trabajo en el sector de saneamiento de un servicio municipal Resumo Este artigo apresenta um projecto de análise-formação-acção participativa, centrado nas condições de trabalho de um grupo de operadores do saneamento dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento (SMAS) de Oeiras e Amadora. Através da análise da actividade e dos registos dos acidentes de trabalho naquele sector, foi arquitectado o processo formativo segundo um modelo de alternância entre sessões teóricas expositivas, sessões de auto-análise apoiadas durante o trabalho e sessões de análise e discussão colectiva. O processo formativo terminou com uma sessão com a Administração, de discussão e negociação de propostas de transformação das condições de trabalho e de aplicação de procedimentos de segurança. Todas as sessões de formação foram transcritas permitindo uma análise detalhada do seu conteúdo, no que respeita às modalidades de discurso utilizadas e aos temas mais abordados no diálogo dos operadores. No ano que se seguiu à formação monitorizou-se a implementação dos compromissos assumidos pelas partes envolvidas no projecto e a sinistralidade do grupo de saneamento. Em conclusão é evidenciada a participação de todos os actores como agentes activos na promoção da segurança e transformação das condições de trabalho. Palavras-chave Análise do trabalho, Formação contextualizada, Auto-análise do trabalho, Transformação do trabalho, Saneamento.

FR Analyse du travail, formation contextualisée et action de transformation des conditions de travail dans un secteur d’assainissement d'un service municipal Résumé Cet article présente un projet d’analyse-formation-action participative en mettant l’accent sur les conditions de travail d’un groupe d’opérateurs du secteur d’assainissement d’un Service Municipal. En analysant l'activité de travail et les accidents de travail dans ce secteur, le processus de formation a été conçu selon un modèle alternant des sessions d’exposés théoriques, des sessions centrées sur l’auto-analyse organisées au cours de la journée de travail et des sessions d'analyse et de discussion collectives. Le processus de formation a été clôturé par une session avec l’Administration, afin que soient débattues et négociées des propositions visant à modifier les conditions de travail et la mise en œuvre de procédures de sécurité. Toutes les sessions de formation ont été retranscrites, permettant une analyse détaillée de leur contenu pour ce qui relevait des modalités des discours et des thèmes abordés. Au cours de l’année qui a suivi la formation, un suivi a été mis en place afin d’accompagner les engagements pris par les partenaires impliqués dans le projet et l’évolution des accidents de travail du secteur. En conclusion, l’intervention a mis en évidence les potentialités d’une participation des salariés en tant qu’agents actifs dans le cadre d’une stratégie de promotion de la sécurité et de la transformation des conditions de travail. Mots-clé Analyse du travail, Transformation du travail, Formation contextualisée, Auto-analyse du travail, Assainissement.

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46 Análise do trabalho, formação contextualizada e acção de transformação das cond. de trab. no sector de saneamento de um serviço municipal • Cláudia Costa & Catarina Silva

EN Work analysis, contextualized training and actions to change working conditions in the sanitation sector of a municipalized service Abstract This article presents a participative analysis-training-action project, aimed at promoting working conditions in a group of sanitation workers belonging to the Water Municipal Services of Oeiras and Amadora (SMAS). Using the activity analysis and records of work related accidents in that sector, we designed an alternating session’s model training process based on a model alternating between theoretical expositive sessions and sessions of self-analysis, supported during work, and sessions of collective analysis and discussion. The training process ended with a session with the Administration, discussing and negotiating proposals for changing working conditions and implementing safety behaviours. All training sessions were recorded allowing for a thorough examination of their contents, concerning the used speech mode and the most broached subjects in the dialogue with the operators. In the year following the training sessions we monitored the implementation of the assumed commitments by the involved parties in the project and the accidents that occurred in the sanitation group. In short we established the participation of all people involved as active agents in the promotion of safety and change in working conditions. Keywords Work analysis, Contextualized training, Work self-analysis, Work transformation, Sanitation.

Como referenciar este artigo?

Costa, C. & Silva, C. (2010). Análise do trabalho, formação

contextualizada e acção de transformação das condições de

trabalho no sector de saneamento de um serviço municipal.

Laboreal, 6, (2), 27-46

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=48u56o

TV6582234;5252:7252;2

Manuscrito recebido em: Setembro/2010

Aceite após peritagem: Novembro/2010

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47VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 47-51

1. Contexto e problemática

Este trabalho foi realizado em Portugal no contexto do sec-tor da construção civil e obras públicas. Trata-se de uma indústria marcada pela elevada sinistralidade (a taxa de frequência de acidentes e a percentagem de acidentes mor-tais apresentam valores acima da média quando compara-dos com outras indústrias e serviços [1]), por instabilidade organizativa (com recurso massivo a subcontratações) e laboral (com predomínio de relações de trabalho muito desregulamentadas e precárias), operando num contexto económico e social de grande competitividade e desempre-go elevado, no qual ocorrem mudanças tecnológicas rele-vantes. Os modelos vigentes da gestão da prevenção em segurança e saúde no trabalho, baseados na tradicional prescrição de procedimentos de tipo regulamentar e técni-co e no controlo e verificação de conformidades, têm mani-festado dificuldades em enfrentar a variabilidade, a impre-visibilidade, a complexidade e as singularidades que caracterizam este sector.Neste enquadramento, configura-se como uma alternativa adaptada o surgimento na indústria da construção da pri-meira directiva sectorial sobre higiene, segurança e saúde no trabalho: a Directiva Estaleiros (92/57/CEE), sobre pres-crições mínimas de segurança e saúde no trabalho a obser-var nos estaleiros temporários ou móveis, que prevê a cria-ção de um actor específico – o coordenador de segurança e saúde na construção, que intervém em todas as etapas do processo de construção: desde a concepção até à demoli-ção – com a finalidade de desenvolver a gestão da preven-ção num sector económico em que as formas prevalecentes de regulação e de gestão da prevenção se mostram pouco eficazes.No entanto, se as formas de conceber, implantar e regular as intervenções preventivas deste novo protagonista se ali-cerçarem, de forma tendencialmente reducionista, no re-curso a abordagens de cariz técnico-regulamentar, estare-mos perante uma decisão pouco consequente, sustentada numa lógica paradoxal: enfrentar problemas específicos através do recurso a concepções e instrumentos de análise

Valverde, C. (2010). Para uma contextualização da prevenção em

segurança e saúde ocupacional no sector da construção:

contributos da formação de coordenadores de segurança e saúde.

Tese de Doutoramento, Faculdade de Psicologia e de Ciências de

Educação da Universidade do Porto, Porto.

Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica

Portuguesa

Rua Diogo Botelho, 1327

4169-005 Porto

Centro de Psicologia da Universidade do Porto

Rua do Dr. Manuel Pereira da Silva

4200-392 Porto

[email protected]

Camilo Valverde

Para uma contextualização da prevenção em segurança e saúde ocupacional no sector da construção: contributos da formação de coordenadores de segurança e saúde

RESUMO DE TESE

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48 Para uma contextualização da prevenção em segurança e saúde ocupacional no sector da construção: contrib. da formação de coordenadores de seg. e saúde • Camilo Valverde

e de actuação de carácter genérico, que acabam por se re-velar manifestamente inadequados face à diversidade das situações que se verificam no terreno. É neste enquadra-mento que nos parece pertinente a proposta que consiste em preconizar a acção preventiva dos coordenadores de segurança e saúde a partir da análise e da transformação dos processos de trabalho, tendo em conta as suas condi-ções concretas nas dinâmicas específicas dos estaleiros.Neste enquadramento, elegemos como objecto de estudo a análise da formação destes novos actores para que possa constituir uma via possível para trans-formar as suas repre-sentações e abrir oportunidades para outras lógicas de ges-tão da prevenção. Particularmente, se essa formação estiver ancorada numa abordagem reflexiva das práticas e das con-cepções da prevenção, orientada para a construção de um colectivo profissional de preventores mais bem instrumenta-do para fazer face às descontinuidades que se têm vindo a impor nos sistemas produtivos, com potencial para gerar novos riscos profissionais, para os quais é necessário ree-quacionar formas diferentes de avaliação e de prevenção.

2. Enquadramento científico-metodológico

Adoptamos a abordagem teórico-metodológica denomina-da “paradigma de formação dos actores” inserida na tradi-ção científica da psicologia do trabalho e da ergonomia da actividade, que confere um estatuto privilegiado à análise das actividades laborais enquanto dimensão estruturante dos processos de investigação e de intervenção que equa-cionam as relações entre a análise do trabalho, a gestão da prevenção em segurança e saúde no trabalho e a formação dos actores que actuam neste domínio (Lacomblez, 2001; Lacomblez & Teiger, 2006; Teiger, 2002; Teiger & Lacom-blez, 2001; Teiger & Lacomblez, 2005; Teiger & Lacomblez, 2006). Trata-se de um projecto científico que assume como finalidade a adaptação do trabalho ao Homem e procura va-lorizar uma gestão alternativa da segurança e do bem-es-tar dos trabalhadores atenta ao desenvolvimento individual e colectivo. Para compreender e transformar as situações de trabalho, esta perspectiva estabelece a distinção entre o trabalho prescrito (a tarefa) e o trabalho real (a actividade). Questiona de forma frontal as diferenças de estatuto habi-tualmente atribuídas aos conhecimentos dos actores consi-derados como especialistas e como não especialistas, valo-rizando a partilha não hierarquizada das suas diferentes experiências. Sustenta que as concepções e as práticas da prevenção decorram e se estruturem sempre a partir do estudo multidisciplinar dos riscos no contexto laboral em que ocorrem, numa dinâmica participativa que mobilize os diversos actores envolvidos.O trabalho de campo adoptou um plano metodológico de ca-riz qualitativo empreendido numa lógica de estudo de caso

no terreno através da realização de dois estudos: a gestão da prevenção na construção da Ponte Infante D. Henrique na cidade do Porto e um programa de formação em coordena-ção de segurança e saúde na construção, realizado pela Or-dem dos Engenheiros da Região Norte. O primeiro estudo, que ilustra algumas das especificidades do sector, envolveu o acompanhamento da execução da obra com recurso a dis-positivos metodológicos de observações no terreno, de aná-lise documental e de entrevistas com os actores da preven-ção, com a finalidade de Identificar as opiniões que estes actores envolvidos na construção desta obra mobilizaram para caracterizar as concepções e as práticas subjacentes às intervenções que aí ocorreram no domínio da segurança e saúde. A análise de conteúdo das entrevistas com 14 acto-res da prevenção (agrupados nos seguintes grupos profis-sionais: 3 operadores, 3 chefias de base, 3 chefias de topo, 3 técnicos/administrativos e 2 técnicos de segurança) foi rea-lizada com recurso a um instrumento informático especiali-zado denominado TROPES, que originou categorias que fo-ram interpretadas com a ajuda de uma análise de componentes principais denominada CATPCA - Categorial Principal Component Analysis (Meulman & Heiser, 2005). No segundo estudo, descrevemos os conteúdos e os proces-sos de um programa formativo de coordenação de seguran-ça e saúde promovido por uma entidade de referência neste domínio para, de acordo com o nosso referencial teórico, sugerirmos mudanças na formação destes profissionais.

3. Análise e discussão dos resultados

O estudo de caso sobre o programa de prevenção imple-mentado na construção da Ponte do Infante D. Henrique e a análise das representações dos actores da prevenção en-volvidos na sua gestão, evidenciam uma grande diversidade nas formas de conceber e de realizar a gestão da prevenção. Efectivamente, os resultados mostram claramente que nos actores que protagonizaram a gestão da prevenção na cons-trução da ponte estudada se verifica uma evidente distinção entre o mundo [3] (ver Béguin, 2005) da prevenção dos opera-dores e das chefias de proximidade e o mundo da prevenção dos técnicos da segurança e dos gestores de topo. Aparen-temente, estamos perante dois mundos que não se encon-tram e que parecem traduzir formas muito diversas de con-ceber e, eventualmente, de realizar a prevenção dos riscos profissionais e a promoção do bem-estar dos trabalhadores envolvidos na gestão da segurança no estaleiro.Esta constatação configura importantes consequências para a intervenção e, consequentemente, para a formação dos coordenadores de segurança e saúde que, tendo a mis-são de garantir a segurança e promover a saúde no sector da construção civil e obras públicas, têm de estar instru-mentados para compreender estas situações e para pro-

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49Para uma contextualização da prevenção em segurança e saúde ocupacional no sector da construção: contrib. da formação de coordenadores de seg. e saúde • Camilo Valverde

mover acções reflexivas, de envolvimento, comunicação e partilha de experiências que facilitem formas de ver co-muns: a construção de mundos partilhados (Béguin, 2005).No estudo do programa de formação de coordenadores de segurança e saúde na construção, através da análise dos te-mas previstos, e pela observação participante resultante da frequência das sessões desenvolvidas, constata-se que os seus conteúdos estavam eminentemente focados em torno de questões de natureza legal e de natureza técnica. Foi dada particular evidência à legislação, à regulamentação e à prescrição de formas de actuar de cariz técnico e adminis-trativo, operacionalizados em lógicas de tipo normativo, de controlo, de conformidade, de verificação e de prescrição. Também consideramos que as abordagens preventivas vei-culadas tendiam a estar claramente alicerçadas em proce-dimentos e em normas de aplicação genéricas, considera-das como supostamente universais, sem equacionar as condições concretas em que se realizam as actividades la-borais. Por norma, não era tida em conta a gestão da varia-bilidade, do aleatório, do imprevisto e do incerto, muito fre-quentes no quotidiano dos estaleiros da construção.Emerge, assim, a pertinência de nos interrogarmos sobre a possibilidade deste tipo de formação, claramente tributária do paradigma que temos vindo a designar de técnico-regu-lamentar, poder contribuir para que a intervenção no esta-leiro seja promotora de um mundo da prevenção que se tra-duz no seu acantonamento nos aspectos ligados à verificação da conformidade com normas e procedimentos prescritos.

4. Conclusões e vias de reflexão possíveis

Para promover a construção de mundos partilhados, o para-digma de formação dos actores preconiza a ancoragem da prevenção nas condições concretas de realização das acti-vidade de trabalho no terreno, e propõe o intercâmbio/con-fronto não hierarquizado de saberes/experiências, susten-tando a criação de comunidades científicas alargadas e a promoção de interfaces entre os actores. Esta abordagem formativa revela-se bem adaptada para equacionar a for-mação em coordenação da segurança e saúde e para con-tribuir para a contextualização da prevenção no sector da construção.Consequentemente, poderíamos concluir que, formar os actores da prevenção requer que se eleja como unidade de análise, não o indivíduo, mas a rede de interfaces envolvida na obra. Esta rede de trocas resulta da conjugação/alinha-mento de actores com pontos de vista diversos, com formas de ver e identidades diferentes, que são mobilizados para a realização da obra. Para esta execução ser mais efectiva, é necessário que os actores se articulem e que convirjam nos posicionamentos, nas lógicas e nos pontos de vista diferen-tes que, sem se absorverem/reduzirem uns aos outros,

concorram para a concretização das actividades conjuntas requeridas pela obra, integrando sustentadamente a segu-rança e o bem-estar.Esta proposta requer a criação de pontos de contacto nos estaleiros para conhecer e reconhecer os mundos diferen-tes, e para, subsequentemente, promover a construção de “mundos partilhados”. Abrem-se, assim, possibilidades de novas sinergias entre os meios da prevenção e a psicologia do trabalho em torno do paradigma da formação dos acto-res, cujos eixos estruturantes são, justamente, a ancora-gem nas situações de trabalho concretas e a valorização das trocas entre diferentes registos de conhecimentos (Tei-ger & Lacomblez, 2001). Podemos, portanto, admitir que o paradigma da formação dos actores, proposto pela psicolo-gia do trabalho e pela ergonomia da actividade, aparente-mente, revela particular adequação para perspectivar a formação dos coordenadores de segurança e saúde, enten-didos no seu papel preventivo de gestores de interfaces no sector.De facto, a profissão/actividade dos coordenadores de se-gurança e saúde, e dos actores da prevenção, em geral, pode, com vantagem, reestruturar-se/reconstruir-se num processo de formação em análise ergonómica do trabalho. Este processo formativo tem potencial para induzir modu-lações diversas no posicionamento e nos conhecimentos dos preventores: permite-lhes alargar, aprofundar e, even-tualmente, reconfigurar as relações a estabelecer entre formação, trabalho e prevenção. Nestes processos de de-senvolvimento é possível que os actores da prevenção se-jam confrontados com novas contradições do registo “in-junção paradoxal” entre as «conformidades» com os regulamentos/procedimentos, que raramente são coeren-tes com os constrangimentos reais da actividade num con-texto específico e, em certas situações, as conformidades serem passíveis de se configurar como entraves à preven-ção. Esta situação ilustra a necessidade de terem de se equacionar as condições do contexto (sociais, organizacio-nais, gestionárias…) que são necessárias para garantir a sustentabilidade deste tipo de intervenções (Teiger & La-comblez, 2001).

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50 Para uma contextualização da prevenção em segurança e saúde ocupacional no sector da construção: contrib. da formação de coordenadores de seg. e saúde • Camilo Valverde

Notas

[1] De acordo com dados de Alves Dias (2005) e da Inspecção Geral

do Trabalho (IGT, 2004 e 2005).

[2] A transposição da Directiva Estaleiros para o ordenamento

jurídico do nosso país ocorreu através do Decreto-Lei 155/95, que

foi posteriormente alvo de clarificação e revisão pelo Decreto-Lei

273/2003 de 29 de Outubro, actualmente em vigor.

[3] Béguin (2005) propõe a seguinte operacionalização para o

conceito de mundo: “podemos definir o mundo como uma

apropriação, pelo sujeito, de certas propriedades do real, no

quadro da sua actividade histórica e socialmente situada” (p. 33,

tradução livre). O mesmo autor considera que “um mundo

consiste nos panos de fundo conceptuais, axiológicos e práxicos

que formam sistema com os objectos da acção” (idem, p.35,

tradução livre).

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tion du travail et/ou des personnes: permanences et évolutions

(2). Education Permanente, 166 (1), 9-28.

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51Para uma contextualização da prevenção em segurança e saúde ocupacional no sector da construção: contrib. da formação de coordenadores de seg. e saúde • Camilo Valverde

PT Para una contextualización de la prevención en seguridad y salud ocupacionales en el sector de la construcción: contribuciones de la formación de coordinadores de seguridad y salud

FR Promotion de la contextualisation de la prévention en sécurité et santé au travail dans le bâtiment: contributions de la formation en coordination en sécurité et santé

EN Promoting work safety and health prevention contextualization in building sector: contributions of the safety and health coordinators’ training

Como referenciar este artigo?

Valverde, C. (2010). Para uma contextualização da prevenção

em segurança e saúde ocupacional no sector da construção:

contributos da formação de coordenadores de segurança e

saúde. Laboreal, 6, (2), 47-51

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n

SU5471123:41419:64221

Manuscrito recebido em: Novembro/2010

Aceite após peritagem em: Dezembro/2010

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52 VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 52-55

Groupe de Recherche et d´Etude sur la l´Histoire du Travail et de

l´Orientation (GRESHTO)

Centre de Recherche sur le Travail et Développement (CRTD)

Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM)

41, Rue Gay Lussac 75005

Paris, France

[email protected]

Introdução ao texto “A libertação da mão” de André Leroi-Gourhan

Régis Ouvriez-Bonnaz1

1. A tradução deste artigo para português foi realizada por João Viana Jorge.

A história das técnicas e da sua utilização está actualmente bem enquadrada no panorama científico. Todavia o fenóme-no é bastante recente. Na primeira parte do séc. XX os etnó-logos foram frequentemente os únicos com os historiado-res da pré-história e os arqueólogos a atribuir um lugar à tecnologia como estudo das técnicas. Como assinala Sigaut (1991), foi preciso esperar pelo início dos anos oitenta para ver psicólogos do trabalho e ergónomos interessarem-se por essa disciplina. Num artigo incidindo sobre a aquisição das habilidades mentais relacionadas com as técnicas, Le-plat e Pailhous (1981) ao definir habilidade como a interiori-zação de uma técnica, indicam com precisão que não se pode em rigor falar de técnica senão quando o procedimen-to correspondente à habilidade se torna objecto de trans-missão. E acrescentam: «se o característico duma técnica é ser transmissível é bom estar atento a algumas modalidades dessa transmissão cuja génese na história da humanidade foi bem descrita por Leroi-Gourhan» (p. 277).O assumir a perspectiva histórica é o fundamento da obra de Leroi-Gourhan (1911-1986). Para este investigador, pro-fessor no Collège de France, simultaneamente etnólogo, arqueólogo, paleontólogo, «o homem do futuro é incompre-ensível se não se entendeu o homem do passado (…) tudo o que há de possibilidades, de virtualidade dinâmica na espécie hu-mana requer ser tratado desde a sua base e pacientemente seguido até ao seu desenvolvimento final» (1982, p. 222). Para ele, se se procura um «parentesco real da tecnologia é para a paleontologia, para a biologia que precisamos de nos orien-tar». Na articulação do social com o biológico tenta definir «uma biologia da técnica», nisso seguindo o seu mestre Mauss (1936) para quem «o corpo é o primeiro e o mais natu-ral instrumento do homem. Ou mais rigorosamente … o primei-ro e o mais natural objecto técnico do homem, e ao mesmo tempo meio técnico» (1936/1960, p. 372). Este corpo não exis-te em si mesmo nem para si mesmo. Pensando em termos dialécticos as relações do biológico com o social, Mauss mostra que o funcionamento e o desenvolvimento das técni-cas corporais estão ligados a contextos sócio - históricos precisos colocando à disposição de cada qual um conjunto de instrumentos culturais e técnicos postos em prática em

TEXTOS HISTÓRICOS

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53Introdução ao texto “A libertação da mão” de André Leroi-Gourhan • Régis Ouvriez-Bonnaz

contextos intersubjectivos facilitadores da sua utilização.

Actualmente o risco poderia ser o de “naturalizar” as técni-cas do corpo reduzindo-as a indicadores culturais e o corpo à imagem do corpo. O processo de apropriação e de desen-volvimento das técnicas do corpo – o que Seiris (1994, p. 128), comentando o texto de Mauss, chama a «”tecniciza-ção” dos corpos» não poderia ser considerada em si, desco-nectado do que lhe dá o seu sentido: a actividade. Sem esta “tecnicização”, quer dizer sem a inserção activa dos corpos no sistema das normas técnicas vistas como fonte e recur-sos da actividade individual e colectiva, nenhuma técnica poderia ter mão no mundo. Desde logo é sob este olhar da modelação corporal originária que qualquer técnica é sus-ceptível de ser interpretada. A partir deste ponto de vista, a obra de Leroi- Gourhan é uma vasta empresa de descrição, de recenseamento e de classificação das técnicas, de que dão conta, em conjunto com os seus numerosos artigos, os seus principais livros: «L homme et la matière» em 1943, «Milieu et technique» em 1945, «Le geste et la parole» (dois tomos) em 1964 e 1965 [1].O artigo «Libération de la main» que saiu em 1956 no nº 32 da revista «Problèmes», publicação da Associação dos es-tudantes de Medicina da Universidade de Paris é pouco co-nhecido. Nesse texto, Leroi-Gourhan mostra que a mão «apanágio do homo faber, instrumento do cérebro mais bem organizado de toda a série zoológica, livre dos seus constrangi-mentos pedestres, é o símbolo da evolução do homem (…) a tec-nicidade, o pensamento, a locomoção e a mão aparecem interli-gadas num só fenómeno ao qual o homem dá o significado mas ao qual nenhum membro do mundo animal é completamente estranho» (p. 6). Segue-se uma descrição da evolução das formas de vida, da vida aquática à vida aérea, cuja concisão não retira nada ao rigor do proposto. Sem libertação da mão não há gesto técnico, não há instrumento - prolongamento da mão - nem instrumento - órgão da máquina – nem, no fim de contas, objecto fabricado. O objecto técnico está ligado ao contexto gestual que o torna tecnicamente eficaz, desvane-cendo-se o seu significado técnico com o desaparecimento da memória do seu uso. A evolução dos homens para a posi-ção em pé, libertando os membros superiores torna-os dis-poníveis para outras funções e em particular para agarrar e manipular objectos. Depois, progressivamente, diversos utensílios dos quais a paleontologia guarda vestígios, vão substituir a mão. O progresso técnico é dependente desta evolução anatómica.Simultaneamente a anatomia da caixa craniana vai modifi-car-se permitindo a modificação do cérebro. Os maxilares e os dentes, deixando de estar (exclusivamente) reservados para a preensão e o corte dos alimentos, sendo esta função assegurada pela mão e utensílios, o aparelho bucal modifi-ca-se para libertar a palavra. No homem, existem relações entre o aparecimento de utensílios e o da linguagem. Leroi-

-Gourhan ao descrever os processos de hominização forma-liza-o bem: «o instrumento para a mão e a linguagem para a face são dois pólos de um mesmo dispositivo» (1964, p. 34). Uma vez definido o efeito da libertação da mão no desenvol-vimento do cérebro humano e das funções superiores é na passagem da utilização do instrumento do indivíduo para o grupo que os laços entre tecnicidade manual e linguagem são pensados. Para ele, o comportamento técnico individual não pode ser concebido sem um dispositivo colectivo no qual a linguagem é a sede da memória.Enquanto nos animais a memória operatória é hereditária, não existindo objecto sem relação instintiva entre ele e a coisa, o comportamento técnico do homem é fundamental-mente colectivo, «a soma dos conhecimentos operatórios é incluída no organismo social e a sua utilização é função dos meios de conservação e de transmissão de que dispõe este or-ganismo. É assim que aparecem estreitamente ligados, desde a origem, o desenvolvimento das actividades técnicas humanas e o da linguagem. A estreita relação entre técnica e linguagem exprime-se ao longo de toda a evolução das sociedades huma-nas pelo paralelismo entre a crescente eficácia das técnicas e o desenvolvimento dos meios de fixação e de transmissão (en-sino) pela palavra, depois pela escrita e os símbolos matemáti-cos» (1957, p. 58-59). Léontiev também o assinalou: «não é, assim, considerando os utensílios humanos como instrumen-tos da actividade de trabalho do homem que descobriremos a verdadeira diferença que os separa dos utensílios dos animais. No seu utensílio o animal não encontra senão uma possibilida-de natural de realizar a sua actividade instintiva, por exemplo aproximar de si um fruto. O homem vê no utensílio uma coisa que transporta nela um meio de acção determinado, social-mente elaborado.» (1976, p. 74). Leontiev precisa então que no homem, “é a sua actividade instrumental que criou as particularidades específicas da mão” (ibidem, pág.76). Le-roi-Gourhan procura o motor do processo de hominização no amovível do utensílio. O carácter amovível do utensílio, quer dizer em primeiro lugar a sua separação do corpo e a contextualização social do gesto que o utiliza, dá informa-ção sobre a sua existência. Da aproximação entre gesto e utensílio obtém a sua definição de técnica: «ao mesmo tem-po gesto e utensílio organizados em cadeia por uma verdadeira sintaxe que dá, em simultâneo, às séries operatórias, a sua ri-gidez e a sua flexibilidade» (1964, p. 164). Ainda que a de-monstração seja convincente, Leroi-Gourhan mantém-se prudente: «o progresso técnico não pode todavia ser assimila-do a uma sequência de mutações biológicas» (1982, p. 171).O texto «Libération de la main» é datado e algumas ideias de Leroi-Gourhan estão a ser debatidas [2]; o interesse da sua apresentação consiste em nos obrigar a elucidar o sig-nificado da noção de evolução técnica para ver se esta últi-ma é de natureza que nos permita produzir e actualizar os nossos conhecimentos respeitantes ao homem no trabalho. Ao contrário do que por vezes foi dito, o conceito de evolu-

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54 Introdução ao texto “A libertação da mão” de André Leroi-Gourhan • Régis Ouvriez-Bonnaz

maior problema da psicologia do trabalho». Neste movimento o homem não se apropria do património social tal qual; en-tre o indivíduo e este, a divisão do trabalho multiplica as mediações. O contributo de Leroi-Gourhan consiste em nos permitir pensar a organização e o funcionamento mental a partir dos instrumentos e da organização do trabalho vistos sob o ângulo da produção e das relações sociais que o orga-nizam. A história da evolução humana e das técnicas permi-te então o redesdobramento dos conceitos e das “démar-ches” da psicologia no sentido de uma perspectiva histórico – cultural.Numa observação mais apurada, a obra de Leroi-Gourhan e dos que com ele definiram a tecnologia como uma ciência humana – referindo aqui mais particularmente Haudricourt – poderia levar bem mais longe do que se poderia imaginar à partida. Ao invés de uma psicologia positivista que conti-nua a pensar o homem e o seu desenvolvimento como uma unidade abstracta convida-nos a encontrar na «hominiza-ção», através da actividade laboriosa, o advento da história social da humanidade. Desde então, como lindamente for-mula Clot, «os possíveis e os riscos da humanização preva-lecem sobre as surpresas da hominização» (1992, p. 454). É desta inversão que recolhemos razões para crer ainda no acordo possível entre a pessoa e a técnica.

Notas

[1] Uma bibliografia completa figura em Leroi-Gourhan, 1982, pp.

295-315.

[2] Para uma visão do conjunto destas discussões, consultar

Sophie A. de Beaune «L’homme et l’outil. L’intention technique

durant la préhistoire» (2008).

ção de Leroi-Gourhan não reduz pura e simplesmente o do-mínio dos objectos técnicos ao dos seres vivos, não visa “na-turalizar” as técnicas separando-as do seu significado humano, «permite, pelo contrário constituir este domínio das técnicas num domínio da objectividade, aparte, autóno-mo, irredutível e tornado acessível por um conhecimento especial que é o conhecimento tecnológico (Cuchet, 2008). Como bem o estudou Simondon (1989) nos seus estudos dos modos de existência dos objectos técnicos, história e tecno-logia não relevam da mesma abordagem. Com efeito se o objecto da tecnologia releva efectivamente de um processo de evolução, não é um processo histórico mas um processo determinado por leis de transformação de natureza opera-tória e funcional. Assim, para Leroi-Gourhan, um objecto exumado num local de escavação não é em si um objecto de conhecimento. Só o poderemos considerar como objecto de conhecimento resituando-o num processo de evolução que permita pôr em evidência regularidades de estrutura e leis de transformação dessas estruturas. Então, o objecto da tecnologia não é apenas a origem do utensílio e a sua con-cepção mas o gesto operatório que permite a sua postura em movimento, o gesto eficaz regulado pelos constrangi-mentos da matéria. Na sua vontade de classificação, Leroi--Gourhan (1964) mobiliza então a noção de «tendência», espécie de determinismo técnico utilizado como conceito classificativo do qual dão conta os vestígios dos processos de trabalho.No fim de contas, como diz Seris (1994, p. 145), a cultura técnica pode ser «entendida como o que o indivíduo deve às técnicas nas quais se iniciou e que fizeram dele, literalmente, um outro homem». O interesse da obra de Leroi-Gourhan para a psicologia consiste em mostrar que as funções men-tais são produtos de uma evolução histórica e não dados naturais. Para Poitou, que escreve os seus trabalhos sobre o funcionamento cognitvo na continuidade de Leroi-Gou-rhan, nele as funções mentais são primeiro objectivas ou “objectais” antes de serem mentais, «há portanto efectiva-mente objectivação de funções psíquicas na procura de utensí-lios, material e locais, em resumo, nos aparelhos de produção» (1991, p. 197). Aeste movimento de objectivação correspon-de um movimento de subjectivação das funções técnicas nas funções psíquicas: «a inteligência humana procede tanto, ou mais, da procura de utensílios do que esta deriva da primei-ra» (ibid, p.196). Neste quadro, como tão bem o disse Meyer-son (1955, p. 5), o trabalho entra na pessoa: «qualquer técni-ca nova tem como fonte e como acompanhamento uma novidade mental e qualquer invenção ainda que pouco impor-tante reage por sua vez com o homem, com o espírito». Para que a psicologia do trabalho se tornasse uma disciplina au-tónoma era necessário, segundo Meyerson, «que ela tivesse constituído e estabelecido essa dupla característica: a função psicológica do trabalho» (ibid, p. 17). E, em conclusão, «sen-te-se que é neste acordo da pessoa com a técnica que reside o

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55Introdução ao texto “A libertação da mão” de André Leroi-Gourhan • Régis Ouvriez-Bonnaz

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PT Introducción al texto “La liberación de la mano” de André Leroi-Gourhan

FR Introduction au texte “Libération de la main” de André Leroi-Gourhan

EN Introduction to the text “The liberation of the hand” by André Leroi-Gourhan

Como referenciar este artigo?

Ouvrier-Bonnaz, R. (2010/1952). Introdução ao texto “A libertação

da mão” de André Leroi-Gourhan. Laboreal, 6, (2), 52-55

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n

SU5471123:4141:164251

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56 VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 56-59

A libertação da mão

André Leroi-Gourhan1

1. A tradução deste artigo para português foi realizada por João Viana Jorge.

Artigo original: Leroi-Gourhan, A. (1959). Libération de la main. Problèmes, revue de l’Association des étudiants en médecine de l’Université de Paris, n°32, 1956 ( p. 6-9 ).

A oposição entre a mão constantemente disponível do ho-mem e a mão locomotora do quadrúpede constituiu, sob os mais diversos pontos de vista, o objecto da reflexão dos filó-sofos, dos anatomistas e dos paleontólogos. Apanágio do homo faber, o mais bem organizado instrumento do cérebro de toda a série zoológica, a mão, livre dos seus constrangi-mentos locomotores, é o símbolo da evolução do homem e, mesmo os trabalhos os mais distantes da metafísica sacrifi-cam involuntariamente ao antropocentrismo ao isolar o téc-nico e o pensador cujas mãos se tornaram servidoras. Numa perspectiva mais próxima do movimento que anima os seres através do tempo, a tecnicidade, o pensamento, a locomoção e a mão aparecem como que ligados num só fenómeno ao qual o homem dá o significado mas ao qual nenhum membro do mundo animal é completamente estranho.A um nível no qual mundo animal e mundo vegetal se sepa-ram de maneira ainda imprecisa, ao nível do ouriço-do-mar e da holotúria (pepino-do-mar), os seres optam entre dois modos de relação com o meio exterior; uns, imóveis, vêem gravitar à volta deles o universo comestível, esperando que o acaso lhes faça passar uma parte ao alcance do seu orifí-cio bucal: a sua organização permanece a de uma roda ou de uma moita; os outros comportam-se activamente peran-te os alimentos, procuram, caçam, escavam: o seu organis-mo é construído segundo um eixo longitudinal. Presente, logo, nos estádios inferiores dos invertebrados, a simetria axial mantém-se como o esquema estrutural exclusivo dos vertebrados. Reunidos na parte anterior, as maxilas, os ór-gãos da visão e do olfacto, os comandos centrais do sistema nervoso constituem o centro de um campo de relações que os músculos da parte posterior do corpo deslocam através do meio. A cabeça, centro do campo de relações, e o corpo, órgão de locomoção são como que associados um ao outro pela transição do membro anterior. De modo que já nos pei-xes as funções dos braços são diferentemente partilhadas entre a relação e a propulsão pura. A barbatana natatória peitoral do tubarão é um leme, a do ruivo é um órgão táctil e gustativo. Constatar esta ambiguidade de situações do membro anterior garante o acesso a um dos níveis profun-dos da história das espécies.

TEXTOS HISTÓRICOS

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57A libertação da mão • André Leroi-Gourhan

O dispositivo de relação é, à partida, constituído pela caixa craniana que aloja os órgãos frágeis e imóveis e por dois elementos resistentes e móveis: a mandíbula e o braço; o conjunto localiza-se na extremidade do eixo vertebral que assume a dupla função de vigamento dos elementos moto-res e de bainha protectora do sistema nervoso autónomo. A passagem da via aquática à vida terráquea em nada modifi-ca este conjunto: os primeiros anfíbios terrestres asseme-lharam-se a pequenas enguias providas de patas frágeis, mas o seu esqueleto, em particular do membro anterior já é surpreendentemente semelhante, na sua composição, ao dos répteis e dos mamíferos que virão a aparecer com o an-dar dos tempos. Adquirida esta passagem à vida terráquea, o movimento ascensional dos órgãos de relação esboça-se rapidamente dado que no final da era primária não restam senão duas etapas a ultrapassar: a dos macacos e a do ho-mem (figura 1).

A primeira etapa é aquela em que se mantiveram os lagar-tos actuais: a cabeça tornou-se móvel antes de o corpo con-seguir arrastar-se pelo solo. Esta libertação da cabeça, que alarga consideravelmente o campo de relação anterior, corresponde a um rearranjo importante: uma parte da co-luna vertebral encontra-se integrada no dispositivo de rela-ção à medida que a cintura escapular se desliga do crânio dando lugar, entre cabeça e braço ao troço cervical da colu-na. Para avaliar a importância das transformações é preci-so galgar mais um degrau.Vários milhões de anos antes do aparecimento do primeiro mamífero o corpo liberta-se do contacto com o solo e o réptil apoia-se em quatro membros colunares. A libertação dos constrangimentos da reptação assinala o momento de-cisivo, o centro de gravidade à volta do qual o mundo vivo gira para mostrar uma nova faceta. Durante o estabeleci-

AS DIFERENTES ETAPAS DA EVOLUÇÃO DO MEMBRO ANTERIOR NOS VERTEBRADOS

Figura 1

1. O Eusthenopteron, peixe existente há 375 milhões de anos 2. O Ichthyostega, anfíbio primitivo 3. O Thrinaxodon, antepassado possível dos mamíferos 4. Mamífero primitivo · 5. O chimpanzé · 6. O homem

1

2

3

4

5

6

passa do plano da preensão dos alimentos ao da autêntica tecnicidade, do de goela em propulsão ao de órgãos úteis suportados pelo focinho e pelos membros anteriores.Cada grupo zoológico é um mundo simultaneamente fecha-do e aberto; são conhecidos peixes ou répteis muito primiti-vos com dentes ou mãos tecnicamente diferenciadas mas sempre numa gama de possibilidades muito estreita, en-quanto que desde que foi alcançada a locomoção quadrúpe-de, nos próprios répteis da era secundária, o leque de pos-

mento de um novo modelo respiratório, de caixa torácica fechada por um diafragma e accionada pela musculatura costal, o dispositivo de relação proporciona os primeiros exemplos de diferenciação clara dos seus meios técnicos: os dentes que até então eram simples gradeamentos para reter as presas durante a deglutição, diferenciam-se em in-cisivos, caninos e molares; a mão que não era mais do que um suporte ou um conjunto de ganchos começa a evoluir para funções diferenciadas: o maior problema da evolução

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58 A libertação da mão • André Leroi-Gourhan

sibilidades alarga-se do exclusivo consumidor de ervas ao carniceiro, do membro de suporte do diplodocus ao utensí-lio manual para prender e dilacerar do tiranossáurio. A par-tir deste ponto o anterior campo de relações engloba um duplo campo técnico, o do focinho e o da mão (Figura 2).

Figura 2

Ao longo da história dos mamíferos que começam a desen-volver-se no fim do secundário, assiste-se a um verdadeiro balanceamento proporcional entre o campo técnico facial e o campo técnico manual, como se a relação entre as neces-sidades e os meios técnicos necessários à sua satisfação se equilibrassem para cada uma das espécies entre os dois pólos do campo anterior.Entre todas as fórmulas, entre os mamíferos, desenha-se uma repartição clara no decurso da era terciária. Os mamí-feros marinhos, focas e baleias, iniciam uma adaptação re-gressiva que os reconduz ao ponto de partida: grade de den-tes idênticos e braços-natatórios. Os comedores de vegetais enveredam por outra via. O braço flexível e a mão de cinco dedos herdada dos anfíbios e dos répteis, em vez de se orientarem para a tecnicidade manual organizam-se para a locomoção. As articulações perdem os seus movimentos laterais e a mão deixa progressivamente o campo de rela-ção, abandonando progressivamente os dedos (quatro no porco, três no rinoceronte, dois no boi e um só no cavalo) para permitir a todo o organismo uma velocidade acrescida. Ao nível do cavalo a servidão da mão em função de uma lo-comoção aperfeiçoada é total. Em contrapartida o campo facial organiza-se, os dentes tornam-se utensílios cada vez mais bem adaptados à preensão dos alimentos, os lábios reúnem todas as possibilidades de percepção táctil e de preensão delicada, a face equipa-se com apêndices técni-cos, trombas, cornos, defesas, batentes.A evolução segundo um outro eixo alinha em ordem pro-gressiva os mamíferos que libertam a mão (parcialmente e depois totalmente) dos constrangimentos locomotores. Carnívoros e comedores de coisas tenras e carnudas, os

carniceiros, os roedores, os primatas marcam as principais etapas. Como nas precedentes, cada grupo zoológico reto-ma por sua conta as grandes perspectivas do caminho a percorrer: entre o cão dispondo de mão locomotora e o ra-to-lavador com mão altamente adaptada às operações téc-nicas, entre a cobaia e o rato, entre o lémur e o chimpanzé desenha-se encurtado todo o movimento, mas cada série progressiva supera as precedentes.Os carniceiros iniciam um tipo de postura que os herbívoros ignoram: a postura sentada. À rigidez vertebral e articular da marcha dos herbívoros opõe-se a flexibilidade dos ma-míferos superiores: sentados, o leão pode libertar uma das suas mãos para agarrar, o urso é capaz de libertar as duas e o rato-lavador pode coordenar os movimentos em acções assaz complexas. O seu comportamento aproxima-se do dos roedores mais evoluídos (rato, hamster, marmota, es-quilo, castor) que passam uma parte importante das suas vidas sentados, ocupados com a manipulação dos alimen-tos, com os cuidados corporais de se coçarem e pentearem manualmente, com complicadas ocupações técnicas de construção ou de arranjo do seu habitat. Nos roedores evo-luídos, os dois campos técnicos, manual e facial, estão qua-se em equilíbrio, mas o incisivo, instrumento alternada-mente alimentar e técnico, desempenha um papel tão constante que a actividade se encontra ainda polarizada no focinho: é preciso chegar aos primatas para assistir à inver-são das proporções.Os primatas não constituem um grupo funcional mais ho-mogéneo que os outros por que se neles não se encontram puros quadrúpedes, a distância que separa as formas ex-tremas é considerável. Todo o grupo dos lémures e dos ma-cacos é caracterizado pela vida arborícola; mãos e pés apresentam uma característica que é partilhada por um certo número de répteis e de aves trepadoras: a oponibili-dade de certos dedos (neste caso o polegar) ao resto da mão. Esta adaptação é de carácter fundamentalmente loco-motor, a oposição do polegar é uma das soluções do proble-ma da locomoção arborícola, mas é uma solução privilegia-da porque a mão, órgão locomotor, quando fica livre na posição sentada, torna-se um instrumento de preensão extremamente preciso e flexível. Há portanto uma coinci-dência, nos primatas, entre os constrangimentos da loco-moção e as solicitações técnicas, o que arrasta, das formas primitivas às formas superiores, uma polarização sucessi-vamente mais clara do campo técnico sobre a mão.Como resposta à importância que a preensão manual ad-quire assiste-se ao fenómeno inverso que se desenha nos herbívoros: o aparelho dentário cede progressivamente im-portância. A regressão dos caninos e o encurtamento da face tem uma relação directa com a evolução da extremida-de do membro anterior em direcção à forma e uso da mão humana. A regressão do dispositivo dentário é um fenómeno de ex-

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59A libertação da mão • André Leroi-Gourhan

PT La liberación de la mano

FR Libération de la main

EN The liberation of the hand

Como referenciar este artigo?

Leroi-Gourhan, A. (1959). A libertação da mão. Laboreal, 6, (2),

56-59

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n

SU5471123:4141:254271

trema importância porque está demonstrado que os cons-trangimentos mecânicos impostos pelas maxilas têm uma relação directa com as possibilidades de expansão da abó-bada craniana e com o equilíbrio do crânio no topo da coluna vertebral. Os primatas encontram-se, em consequência, arrastados para uma direcção evolutiva em que o endireita-mento do corpo na posição sentada, o uso técnico da mão, a regressão do maciço facial e o desenvolvimento do cérebro se apresentam num estado interactivo favorável. No limite, alcançaram-se as condições pré-humanas.A passagem do quadrúmano mais evoluído ao “bímano” mais fruste não está ainda esclarecida: o pé dos grandes símios não se acomoda à marcha bípede, mas certas for-mas como o gibão ou o cinocéfalo permitem admitir sem inverosimilhanças, a existência, durante o terciário, de for-mas menos especializadas do que os antropóides actuais, mais orientadas para a vida nas rochas e nos bosques do que nas árvores, utilizando a mão, no solo, em posição sen-tada ou de pé, em operações alimentares e sem recorrer senão acidentalmente à locomoção quadrúpede. Estas for-mas são ainda desconhecidas e as descobertas mais recen-tes na África do Sul ultrapassam já, com os australopitecos, essa fase. Com efeito os australopitecos são bípedes; estão ainda próximos dos símios pelo tamanho do crânio mas o seu desenvolvimento está completo […] e a redução consi-derável dos seus dentes anteriores permite pensar que a polarização técnica no campo manual é de um grau compa-rável à que se encontra em todos os humanos fósseis e ac-tuais. A ideia do homem fóssil, meio inclinado para a terra pelo peso do focinho e dos seus longos braços perdeu signi-ficado já há anos e apercebemo-nos de que se a organiza-ção cerebral do homem actual é uma característica de aquisição relativamente tardia, o endireitamento da estatu-ra e a libertação da mão são, pelo contrário, os primeiros critérios de humanização visíveis: os australopitecos são homens pela sua postura e pela mão bem antes de toda a humanidade baseada em critérios morais e intelectuais.A partir desse ponto deixa de haver grandes transforma-ções expectáveis para a mão, o instrumento existe e os principais eventos vão incidir sobre o arranjo dos centros nervosos que a comandam. Com a actividade técnica pola-rizada no campo manual, a face prossegue na sua regres-são o que arrasta uma libertação cada vez mais completa da abóbada craniana. Esta libertação mecânica começa na região parietal (símios superiores) depois atinge o occipital (australopitecos, pitecantropus, néandertalenses) mas o desbloqueio do frontal aparece tardiamente (homens de Cro-Magnon). A libertação do segmento parietal traduz-se por uma expansão progressiva dos territórios cerebrais de um lado e do outro do sulco de Rolando, quer dizer pelo de-senvolvimento das áreas corticais de integração e de asso-ciação motoras. A integração motora está em relação di-recta com a tecnicidade e a topografia cortical mostra, nos

símios, a importância primordial e sensivelmente equiva-lente das fibras respeitantes ao membro anterior (em parti-cular ao polegar) e das fibras da face (em particular lábios e língua).Quando se passa do símio ao homem as áreas corticais mo-toras expandem-se e ganham territórios e associações que avançam para a região frontal; ora, apesar da regressão considerável da face a importância cortical dos campos ma-nual e facial mantém-se sensivelmente equivalentes. Este facto muito importante mostra um último traço da evolução humana, impossível de evidenciar pela paleontologia; logo que se desenvolve de maneira quase exclusiva a tecnicidade manual uma nova forma de actividade toma progressiva-mente posse do campo facial: a mímica e a linguagem. Não se processa qualquer rotura porque os movimentos dos lá-bios e da língua deslizam simplesmente das operações ali-mentares para a modulação dos sons com os mesmos ór-gãos e as mesmas áreas motrizes ligadas às duas formas de actividade.Esta relação entre a tecnicidade manual e a linguagem im-plicada de certo modo por uma evolução que se pode seguir desde os primeiros vertebrados é seguramente um dos as-pectos mais satisfatórios da paleontologia e da psicologia porque restituem as ligações profundas entre o gesto e a palavra, entre o pensamento exprimível e a actividade cria-dora da mão.

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60 VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 60-65

Cecília Souza-e-Silva1 & Vera Lucia Sant’Anna2

Caminhos para a articulação entre linguagem, ergologia, trabalho e desenvolvimento

1. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de

Pós-graduação em Lingüística Aplicada aos Estudos da Linguagem,

Rua Monte Alegre, 984, Perdizes, São Paulo, Brasil - CNPq;

[email protected]

2. Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Pós-Graduação em

Letras, Rua São Francisco Xavier 524, sala 11.029, bloco A,

Maracanã, Rio de Janeiro, Brasil

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Artigo original: Souza-e-Silva, M.C.P. & Sant’Anna, V. (2010)

Parcours pour l’articulation entre langage, ergologie, travail et

developpement. Ergologia, n. 4, pp. 105-120.

ES Resumen Este articulo tiene como objetivo articular la noción de desarrollo (Sen, 2000), el enfoque ergológico vuelto hacia la actividad de trabajo (Schwartz, 1997; Schwartz, Adriano & Abderrahmane, 2008) y los estudios del lenguaje según la perspectiva de los estudios discursivos (Maingueneau, 1984; Possenti, 2004). Esa articulación se abre a la idea de una “alfabetización discursiva” capaz de proporcionar al individuo un espacio de libertad para aumentar sus capacidades de comprensión del mundo y de participación más crítica en el desarrollo de su entorno sociohistórico. Palabras clave desarrollo, ergología, “capabilidades”, trabajo, “alfabetización”.

1. Pensar o desenvolvimento

Durante muito tempo, pensava-se que a questão do desen-volvimento estivesse na mão de um grupo de economistas, que acreditavam que o sucesso de suas políticas seria al-cançado a partir de construtos matemáticos e de objetos quantificáveis (horas trabalhadas, toneladas de aço produ-zidas, quilômetros quadrados de florestas destruídas etc). Hoje em dia, várias correntes de pesquisa estão em busca de outros apoios. Certos economistas, como Amartya Sen (2000), consideram que a riqueza medida pelo Produto In-terno Bruto (PIB) não representa uma referência satisfató-ria e agregam ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) outros elementos - o acesso à educação, a esperança de vida ao nascer, as taxas de alfabetização de adultos. Pro-põem avaliar o desenvolvimento como o processo de am-pliação das possibilidades de ação dos indivíduos. A atenção concentra-se na expansão das “capabilidades” das pessoas (noção central na obra do autor – uma fusão entre capacida-de e liberdade) em agir de acordo com seus valores. “Essas capabilidades podem ser aumentadas pelas políticas públicas, mas, por outro lado, as capabilidades participativas do povo também podem influenciar o direcionamento a ser dado pelas políticas públicas” (2000, p.32). A avaliação do desenvolvi-mento de uma sociedade deve levar em conta, primordial-mente, as liberdades das quais seus membros desfrutam.Do ponto de vista da linguagem, a promoção do desenvolvi-mento de diferentes formas de “letramento”, que permitem aumentar as “capabilidades” do indivíduo, vêm ampliar as proposições de Amartya Sen. Sabe-se que não há iletrados definitivos, mas pessoas que podem sair dessa situação de diferentes maneiras, independentemente de sua idade, em função de suas atitudes, sua situação, da formação que lhes é proposta, da maneira pela qual o meio reconhece e valo-riza a aquisição de suas novas competências.Sabemos, ainda, segundo as palavras de Schwartz, Adriano e Abderrahmane, que “não se pode (…) tratar dos problemas de desenvolvimento sem prestar atenção renovada ao que cha-mamos de atividade de trabalho” (2008, pp. 11). A ergologia se propõe a dar maior visibilidade àquilo que se realiza nessa

IMPORTA-SE DE REPETIR?…

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61Caminhos para a articulação entre linguagem, ergologia, trabalho e desenvolvimento • Cecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

atividade, o que exige que o desenvolvimento incorpore a cultura produzida pelo coletivo humano, de tal maneira que essa produção possa ser reconhecida como parte das nor-mas organizadoras do processo de desenvolvimento previs-to pelas políticas locais e globais. Integrar as renormaliza-ções no trabalho como parte do acervo cultural de um grupo constitui, igualmente, uma das formas de aumentar as “ca-pabilidades” do homem no mundo e, portanto, de promover o desenvolvimento. Assim, a concepção de desenvolvimento como liberdade, que consiste em reforçar ou aumentar as capacidades dos indivíduos de uma sociedade, tal como for-mulada por Amartya Sen, é compatível com os esforços dos estudos ergológicos em trazer à tona o que efetivamente se concretiza na atividade de trabalho. Pensar em “capabilida-de”, isto é, no binômio liberdades/capacidades implica tam-bém a relação linguagem/ergologia. Esta relação não dis-socia as capacidades de seu contexto sócio-histórico: ao contrário, preocupa-se em ancorá-las fortemente nas mi-cro-decisões que intervêm nas situações mais gerais.

2. Convergências entre ergologia e estudos da linguagem

Estabelecemos convergências entre três princípios ergoló-gicos e os estudos da linguagem [1]. O primeiro, consiste em afirmar que “a abordagem do desenvolvimento deve ter em conta a complexidade da vida humana e a exigência de associar desenvolvimento às necessidades”, isto é, o desenvolvimento (…) deve ser universal, plural e multidimensional. Segundo esse princípio, os estudos discursivos exigem um entendi-mento particular do que seja linguagem e seu ensino. Uma das condições para que se tenha êxito é que esse ensino se sistematize numa escola universalizada e se afaste da com-preensão de língua como sistema, como representação do real, como instrumento de informação.É importante também pensar a língua e seu ensino a partir das possibilidades que têm as pessoas de expandir suas competências discursivas. Essa visão é plural na sua es-sência, porque só existe articulada a aspectos históricos e sociais de uma determinada comunidade. E essa comunida-de, para estar apta a desenvolver suas “capabilidades” de compreensão do mundo, precisa reconhecer as exigências que a multidimensionalidade das situações vividas exige.No que concerne ao segundo princípio, isto é, a “necessida-de de uma abordagem dialética entre o local e o global ou sin-gular e universal, a fim de desenvolver a capacidade de análise das coletividades humanas”, referimo-nos aos estudos que procuram compreender o local e o singular, para, a partir daí, chegar a afirmações mais gerais.O terceiro princípio trata do “necessário debate a ser promo-vido sobre as relações entre apropriação pelos povos de aspec-tos científicos e tecnológicos e o questionamento das ajudas

por meio de inovações sem transferência de tecnologia (…) os projetos precisam incorporar as condições, os meios e a gestão das atividades humanas, de modo a valorizar experiência, sa-beres e potencialidades locais”. Para participar dessa dis-cussão, podemos afirmar que existe uma análise do discur-so do Brasil que constrói sua própria história e apresenta contribuições ao corpo conceitual dessa área.

3. Que papel tem a linguagem na ampliação das “capabilidades” dos indivíduos?

Diante da proposta de avaliar “capabilidades” que signifi-cam liberdade, e, portanto, têm impacto no desenvolvimen-to, afirmamos que o letramento possibilita liberdade de de-cisão e de participação na vida em sociedade. Sabemos que a privação, ainda que relativa, de conhecimento da lingua-gem pode resultar em privação de “capabilidades”. Mas em que consiste o letramento? Pode-se defini-lo como um con-junto de práticas que utilizam a escrita em contextos e fins específicos. Os especialistas não pressupõem efeitos uni-versais do letramento, mas efeitos ligados às práticas so-ciais e culturais dos diferentes grupos que utilizam a escri-ta, notadamente, na atividade de trabalho, objeto desta discussão (BENTOLILA, 1996; GEFFROY, 2002; KLEIMAN, 1995; SOARES, 2003).As “capabilidades” relacionadas ao letramento são funda-mentais para a valorização do trabalhador. Aumentar a ca-pacidade de letramento melhora sua auto-estima, reforça a referência com o grupo ao qual pertence, e reflete-se de forma profunda nas liberdades e nas escolhas do grupo para o desenvolvimento social e econômico.Para aprofundar a questão do letramento e para avançar outras etapas, propomos aquilo que chamamos “letramen-to discursivo” que, segundo os pressupostos da análise do discurso, assinala o processo de ruptura com a concepção de sentido como expressão de idéias de um autor sobre as coisas. Ao contrário, considera-se que “a língua é polissêmi-ca e opaca (…), o sujeito diz sempre mais, menos ou outra coisa em relação ao que queria dizer (em virtude dos efeitos da ideo-logia, do inconsciente) e as condições de produção carregam ingredientes contraditórios” (POSSENTI, 2004, p.360). Além disso, a análise do discurso propõe que a língua tem uma ordem própria, mas essa ordem é posta a funcionar segun-do o processo discursivo delimitado por certa conjuntura. Portanto, o sentido não é da ordem da língua, antes decorre dos posicionamentos discursivos que por sua vez são de or-dem sócio-histórica. Assim, embora a língua seja a mesma para diversos enunciadores, o sentido do que dizem pode não sê-lo porque isso decorre de fatores que não são da ordem da língua. O mesmo enunciado pode ter sentidos di-ferentes se pertencerem a posicionamentos discursivos di-ferentes (MAINGUENEAU, 2008).

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62 Caminhos para a articulação entre linguagem, ergologia, trabalho e desenvolvimento • Cecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

O importante não é apenas o emprego de determinadas for-mas, mas, principalmente, os procedimentos discursivos nos quais essas formas se engajam.Depreende-se pela análise que a excelência no trabalho re-presenta o alcance do padrão de qualidade, resultado da repetição dos procedimentos, daquilo que foi apresentado no treinamento. Reforçam-se as normas, apaga-se a expe-riência anterior e o já vivido, estabelecendo-se o que vem a ser competência, que coincide com a idéia de padrão de qualidade – “É fazer nossa atividade com o menor número de falhas possíveis e sempre da mesma forma”. Além disso, por meio de processo injuntivo, que neste manual se concretiza tanto pela modalidade deôntica – “deve estar envolvido, deve ser sempre repetido” – quanto pela avaliativa - “Muito bem! Agora você já é um profissional que sabe o que a Empresa es-pera de você e como pode realizar um serviço com Padrão de Qualidade” -, o enunciador normaliza a ação ao expressar um saber que leva o interlocutor a aderir a esse discurso. A injunção suscita o dizer e, também, o fazer; não é reversível, emana daquele que se encontra em posição de aconselhar/ordenar. Ao que recebe a dica/conselho/ordem resta con-cordar (dizer) e necessariamente executar (fazer). Tem-se, portanto, uma competência adquirida por meio da repetição dos mesmos procedimentos sem falhas, supondo “uma ra-cionalidade inerente ao processo de produção, como se este fosse dotado de leis naturais a que os homens e sua ciência devessem subordinar-se e obedecer” (SENNET, 2006).Também por meio das pessoas do discurso – neste caso, o você genérico - e, ainda, das modalidades deônticas, o texto incita a uma ação de vigilância mútua e denuncismo entre os trabalhadores e, ao mesmo tempo, de comprometimento com a chefia. “Cabe a você a iniciativa de estar atento a possí-veis falhas de outros que possam lhe prejudicar. (…) Se a recla-mação envolve algum colega de trabalho, não tente esconder isso do seu chefe, achando que está protegendo o colega, pois você poderá contribuir para agravar o fato”. Apagam-se, as-sim, as formas de articulação e os laços de solidariedade entre os trabalhadores. A competência vai sendo definida pela capacidade do trabalhador se afastar do seu coletivo, protegendo sua individualidade, em nome do emprego e do bom nome da empresa. Apaga-se também uma possível história de vida no trabalho, apagam-se sentimentos de continuidade e, portanto, de interpretação sobre o que um eventual coletivo poderia ter vivido.

Pode-se dizer que a análise do discurso nasceu como res-posta à questão: como ler? Nesse sentido, ela se apresenta como uma teoria que trata das coerções que atuam sobre o discurso. Tal perspectiva, quando aplicada a estudos sobre o trabalho (NOUROUDINE, 2002), pode favorecer também nosso desenvolvimento como pesquisadores porque ela permite levar em conta, além dos discursos em situação de trabalho stricto sensu, os discursos que circulam em outros espaços, sobretudo na mídia.

4. Um exemplo de análise segundo a perspecti-va discursiva

Com o propósito de apontar possibilidades oferecidas pela análise do discurso, apresentamos caminhos de análise, to-mando como ponto de referência sentidos atribuíveis ao termo “competência”, palavra-chave do universo do traba-lho. Os resultados dessa análise nos trazem uma compre-ensão mais ampla dos espaços de produção de discursos que (re)definem o que é trabalho.Recorremos a dois objetos, aparentemente sem relação en-tre si, mas cujo funcionamento discursivo os aproxima por-que impõem normas para se comportar no mundo em geral e no trabalho em particular [2]:(1) o manual de instruções para a preparação de novos em-pregados de uma empresa de hotelaria, portanto, ligado de forma direta a uma situação de trabalho específica[3];(2) as matérias veiculadas na revista Você S/A [4], publicada pela Editora Abril, voltadas aos temas emprego e emprega-bilidade, portanto, não relacionada a uma situação de traba-lho stricto sensu. A aproximação entre esses dois objetos tem como propósito mostrar que os discursos relacionados a si-tuações de trabalho e aqueles que não circulam nos lugares tradicionais das normas do trabalho partilham um mesmo espaço discursivo [5] e realimentam-se mutuamente.

4.1. O guia de atividades e atitudes do profissional da em-presa hoteleira

Este guia é um manual de instruções e tem como pretensão que o trabalhador do hotel siga certos padrões de comporta-mento profissional. Analisamos fragmentos que permitiram depreender sentido(s) de competência que circulam no cam-po das normas sobre o trabalho. Identificamos processos de referência e modos de ação por meio de marcas que indicam determinado posicionamento por parte do enunciador:(1) itens lexicais, tais como, “atividade”, “procedimento”, “comportamento”, “serviço”, associados à idéia de padrão de qualidade;(2) modalidades enunciativas: deônticas e avaliativas;(3) definições e exemplificações;(4) tempos verbais e pessoas do discurso.

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muitas vezes em forma de listas, dedicadas à circulação de temas muito diferentes, tais como “saúde”, “amizade”, “fi-nanças”, “carreira”, “etiqueta”. Trata-se de um processo de didatização que tem por objetivo provocar a adesão mais imediata desse tipo de público. Uma lista é sempre um ele-mento facilitador, tanto do ponto de vista da compreensão quanto da memória. Os relatos, as dicas, não constituem injunções emitidas pela hierarquia responsável pelo traba-lho, mas se impregnam de um caráter de autoridade a par-tir do momento em que o leitor da revista se coloca na posi-ção de um profissional que busca receber tais conselhos.Percebe-se, portanto, que as normas descendentes vindas da hierarquia, como no manual de instruções, não são sufi-cientes para se compreender os sentidos de trabalho. A mí-dia atribui-se também esse espaço gerador de normas, procedimentos, a serem seguidos em busca do sucesso. Ao enunciar os conselhos na forma de generalizações, por meio do presente atemporal, a fonte da fala citada não é o indivíduo, mas uma classe de enunciadores – “Todas as ne-gociações gozam de uma anatomia comum; Em qualquer con-dição, o melhor passo inicial é enviar uma mensagem clara, simples e positiva” – e o co-enunciador, interpelado como você genérico, não indica um leitor específico, mas um con-junto de leitores privilegiados – “Fazendo isso, você tem grandes chances de assumir; você evita o desperdício de recur-sos como tempo e dinheiro”.Esse sistema enunciativo estruturado por coenunciadores genéricos e presente atemporal tem como resultado um disfarce da injunção: atribui-se a qualquer situação vivida e a qualquer pessoa que dela participe os contornos prescri-tos para a ação, não há distância entre o que se aconselha e o que se executa, apaga-se o investimento do trabalhador na sua atividade e ignora-se a variabilidade do meio. Ainda que não se trate de normas oficiais, pode-se perceber que esses conselhos/dicas passam a constituir normas sobre o modo de pensar. Estamos, então, no campo do caráter nor-mativo dos conceitos, dos saberes instituídos (SCHWARTZ, 1997). A possibilidade de conceituar determinados objetos, de colocar em circulação certas idéias, implica mobilizar o interlocutor no sentido de levá-lo a aceitar determinados parâmetros, certos conceitos, o que constitui um direciona-mento sobre a forma de pensar.Pode-se dizer que entre o manual e a revista há traços de oposição, mas também uma forte aliança, uma grande afi-nidade ideológica impregnada de valores da sociedade ca-pitalista neoliberal e de suas estratégias de gestão de pes-soas e reestruturação produtiva. Esses discursos constroem a imagem de um trabalhador individualista, competitivo, obstinado e autocentrado. A competência con-siste ainda em saber o que fazer com o corpo, em seguir comportamentos considerados adequados para padrões de um mundo flexível, volatilizado, no qual o trabalhador é vis-to a partir do desenvolvimento das suas potencialidades in-

4.2. O guia de comportamento no trabalho na revista VOCÊ S/A

Neste guia, a idéia de competência como a capacidade de se adaptar rapidamente a novas exigências, marca dos novos tempos no trabalho, aparece em vários textos que estabele-cem uma relação entre homens e mulheres apresentados como destemidos - instituídos pela revista como enuncia-dores - e os leitores, co-enunciadores, interpelados a se identificar com esse modelo. Itens lexicais como “rapidez”, “velocidade”, “dinamismo”, “hábito”, “sucesso”, “fracasso”, “autonomia” indicam posicionamento desse enunciador, marcas que perpassam relatos, conselhos, dicas, partes de um conjunto de traços de didaticidade (MOIRAND, S; BRAS-QUET-LOUBEYR, M., 1994). Esses itens expõem de modo pedagógico as demandas do mercado de trabalho. Isto é, o que se deve ou não fazer e os riscos de não se seguirem essas soft laws, aquelas normas que prescrevem mais para dissuadir do que para reprimir. A presença de tais traços, no caso da mídia, aponta para uma estratégia para passar da ordem da informação – objetivo primeiro e declarado - à ordem da definição de normas.São várias as marcas lingüísticas que identificam traços de didaticidade, entre elas a exemplificação, a explicação, a enumeração, as perguntas retóricas, as generalizações, as formas impessoais etc. Trata-se, então, de uma interpene-tração de conhecimentos: como se dá a passagem entre “quem sabe”, o enunciador instituído pela revista, e o inter-locutor-leitor presumido? O que se quer fazer compreender para além da informação?O vocabulário de especialistas de recursos humanos e os depoimentos de profissionais sobre o perfil ideal de traba-lhadores orientam os sentidos de um determinado modo de agir: “sair da zona de conforto, vencer a resistência, aprender e adaptar-se rapidamente a situações novas, tornar-se mais flexível e versátil, ter iniciativa, usar o tempo livre para vencer desafios no trabalho”. Essas características definem um tra-balhador interpelado a tomar em suas mãos o seu destino e o da instituição: “Faça as malas. Como fazer a mudança dar certo. Faça mais e melhor. Ela nunca se acomodou”. Busca-se, assim, garantir a adesão a determinados comportamentos.Ao reforçar as atitudes que o mercado espera dos profissio-nais nas novas relações de trabalho, a revista marca uma característica dos meios de comunicação como formadores de crenças, de culturas e de valores: valoriza-se a ação do indivíduo, portanto prescrevem-se comportamentos e, por meio da busca da concordância das pessoas, procura-se dar sentido de participação à sua subordinação. Se o que importa é o “coeficiente pessoal de engajamento”, desqua-lifica-se o antigo papel do coletivo, visto como resistente a mudanças.Além dos relatos de profissionais e especialistas, há uma grande quantidade de dicas na revista, em vários formatos,

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64 Caminhos para a articulação entre linguagem, ergologia, trabalho e desenvolvimento • Cecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

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5. À guisa de conclusão

Retomamos nossa pergunta inicial: em que medida a análi-se do discurso, associada aos princípios da ergologia, pode contribuir para o aumento das capacidades e das liberdades dos indivíduos? O percurso traçado mostra a possibilidade de uma tal expansão ao insistir na importância do domínio da leitura que leva em conta os princípios do “letramento discursivo”. Esta forma de letramento busca proporcionar um espaço para expandir as capacidades de pesquisadores em ciências sociais e, consequentemente, de trabalhado-res, de modo que possam participar de maneira mais crítica no desenvolvimento do seu entorno sócio-histórico, portan-to, da sua atividade de trabalho.

Notas

[1] Esses princípios resultam de debates sobre as contribuições

da ergologia às problemáticas do desenvolvimento; tais debates

ocorreram ao longo das II Jornadas da Rede Internacional

Ergologia, Trabalho e Desenvolvimento (Belo Horizonte, Minas

Gerais, novembro, 2009) e que orientaram nossa reflexão atual

sobre as possíveis relações com os estudos da linguagem.

[2] Essa análise, na íntegra, encontra-se em Sant’Anna &

Souza-e-Silva (2007).

[3] Partes do manual foram trabalhadas, em um primeiro

momento, por Borim (2006).

[4] Sobre a Você S/A, em uma perspectiva mais ampla, consultar

Sturm (2006).

[5] Subconjuntos de posicionamentos discursivos que o analista,

diante de seu propósito, julga relevante pôr em relação (MAIN-

GUENEAU, 2008).

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65Caminhos para a articulação entre linguagem, ergologia, trabalho e desenvolvimento • Cecília Souza-e-Silva & Vera Lucia Sant’Anna

PT Caminos para la articulación entre lenguaje, ergologia, trabajo y desarrollo Resumo Este artigo tem por objetivo articular a noção de desenvolvimento (Sen, 2000), o enfoque ergológico voltado para a atividade de trabalho (Schwartz, 1997, Schwartz, Adriano & Abderrahmane, 2008) e os estudos da linguagem vistos sob a perspectiva discursiva (Mainguenau, 1984; Possenti, 2004). Tal articulação abre-se à idéia de um “letramento discursivo” capaz de proporcionar ao indivíduo um espaço de liberdade para aumentar suas “capabilidades” de compreensão do mundo e de participação mais crítica no desenvolvimento do seu entorno sócio-histórico. Palavras-chave desenvolvimento, ergologia, “capabilidades”, trabalho, letramento discursivo.

FR Parcours pour l’articulation entre langage, ergologie, travail et développement Résumé Cet article a pour objectif d’articuler la notion de développement (Amartya Sen, 1999), la démarche ergologique orientée vers l’activité de travail (Schwartz, 1997, Schwartz, Adriano & Abderrahmane, 2008) et les études de langage selon une perspective discursive (Maingueneau, 1984; Possenti, 2004). Une telle articulation s’ouvre à l’idée d’un «littérisme discursif» de nature à procurer aux individus un espace de liberté pour élargir leurs «capabilités» de compréhension du monde et une participation plus critique au développement de leur environnement socio-historique. Mots-clés développement, ergologie, capabilités, travail, littérisme discursive.

EN Pathways to the links between language, ergology, work and development Abstract This paper aims to link the notion of development (Sen, 2000), the ergological focus targeted at the work activity (Schwartz, 1997, Schwartz, Adriano & Abderrahmane, 2008), and language studies as seen in the discourse perspective (Maingueneau, 1984, Possenti, 2004). Such links are open to the idea of a “discourse literacy” that is capable of providing the individual with a space of freedom to enhance his/her capability to understand the world and participate in a more critical way in the development of his/her social-historical surroundings. Keywords development, ergology, capability, work, discourse literacy.

Como referenciar este artigo?

Souza-e-Silva, C. & Sant’Anna, V.L.. (2010). Caminhos para a

articulação entre linguagem, ergologia, trabalho e

desenvolvimento. Laboreal, 6, (2), 60-65

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n

SU5471123:4141:364291

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66 VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 66-70

Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra

Colégio de S. Jerónimo

Apartado 3087

3001-401 Coimbra, Portugal

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Seveso: o desastre e a Directiva

Laura Centemeri

Seveso é um pequeno município italiano, situado a cerca de 22 km a norte de Milão, cidade capital da região da Lombardia. Seveso faz parte do denominado “distrito do móvel” da Brian-za, um território de tradição cultural e política católica. [1]

O nome Seveso é associado, em Itália e na Europa, ao aci-dente industrial, de 10 de Julho de 1976, que causou a con-taminação com dioxina de grande parte do território dos municípios limítrofes de Cesano Maderno, Desio e Meda. Trata-se da maior exposição ao TCDD [2], registada até ao momento, de uma população humana (Eskenazi et al., 2001). Ainda hoje continuam a ser efectuados estudos epidemioló-gicos que analisam as consequências sanitárias do aciden-te. Seveso dará o nome à Directiva Europeia sobre Riscos de Acidentes Graves (Directiva 82/501/CEE de 24 de Junho de 1982).

1. O desastre

O acidente que esteve na origem do desastre de Seveso ocorreu na fábrica de químicos ICMESA, na cidade de Meda. A fábrica pertencia à multinacional farmacêutica suíça Ro-che. No sábado, 10 de Julho de 1976, por volta das 12h30m, o reactor no qual era produzido o triclorofenol, um compo-nente intermédio utilizado na preparação de herbicidas e de uma substância anti-bacteriana (o hexaclorofeno), libertou uma nuvem tóxica de dioxina, na sequência de uma reacção exotérmica inesperada. A nuvem depositou os seus venenos sobre o território das cidades de Meda, Cesano Maderno, Desio e Seveso. Devido à direcção dos ventos, o território de Seveso foi o mais atingido.Como demonstrou a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o desastre, o acidente esteve directamente relacio-nado com a falta de investimentos na segurança das insta-lações da fábrica [3]. A Roche estava, todavia, a par dos ris-cos da produção de triclorofenol que já tinham surgido em casos anteriores de acidentes industriais. Estes riscos de-vem-se à dioxina, substância que se produz como resíduo durante a transformação do triclorofenol. Em 1976 os estudos epidemiológicos sobre os efeitos da

O DICIONÁRIO

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67Seveso: o desastre e a Directiva • Laura Centemeri

dioxina eram poucos e limitavam-se a casos de trabalhado-res da indústria (homens e adultos) expostos acidentalmen-te a elevadas concentrações de dioxina (Zedda, 1976) que evidenciaram, contudo, os efeitos extremamente nocivos dessa substância para a saúde humana. A contaminação de todo um território e da sua população era um caso sem pre-cedentes. Para além disso, não existia maneira de medir a presença de dioxinas no corpo humano (Mocarelli, 2001). Assim, surgirá a confrontação com uma situação de “incer-teza radical” (Callon, Barthe & Lascoumes, 2001) sobre a extensão e as possíveis consequências da contaminação. Tais consequências eram já, entretanto, concebidas como catastróficas.O cenário da catástrofe não foi imediatamente conhecido. Os habitantes de Seveso e Meda estavam habituados aos odores incomodativos emitidos periodicamente pela que ti-nha sido ironicamente baptizada como a “fábrica dos perfu-mes”. E passou-se uma “semana de silêncios” (Fratter, 2006). A Roche anunciou, por fim, a 19 de Julho, que o aci-dente da ICMESA tinha causado uma fuga de dioxina e suge-ria a evacuação da população da área mais gravemente atingida. Os responsáveis pela resposta à crise foram as autoridades da Região da Lombardia com o apoio das auto-ridades centrais.A evacuação começou a 24 de Julho: 736 habitantes de Se-veso e Meda foram obrigados a deixar as suas casas, sem a possibilidade de levarem consigo qualquer objecto pessoal. Entre estes, 200 não puderam regressar uma vez que as suas casas foram destruídas durante os trabalhos de lim-peza. Paralelamente, uma comissão de especialistas divi-diu o território atingido em “zonas de risco”, com base na trajectória estimada da nuvem mas, sobretudo, tendo por referência critérios de sustentabilidade social de uma eva-cuação de grande dimensão [4]. Daqui resultou uma carto-grafia da contaminação na qual as zonas de risco eram de-limitadas por linhas rectas coincidentes com os limites administrativos ou naturais, o que levou muitos cidadãos a duvidarem da lógica que presidira a tais critérios. A questão que, contudo, suscitou mais conflitos e contro-vérsia foi a decisão das autoridades regionais de autoriza-rem os abortos terapêuticos às mulheres grávidas (que se encontravam no limite do terceiro mês de gravidez) resi-dentes na zona contaminada, tendo por base os presumíveis efeitos teratogénicos da dioxina. Naqueles anos, o debate sobre a despenalização do aborto estava no centro da cena política italiana. O caso de Seveso catalisou a atenção dos principais actores do conflito, o que tornou ainda mais trá-gico e sofrido o dilema que algumas mulheres tiveram que enfrentar em Seveso, num contexto, que recordamos, de cultura fortemente católica (Ferrara, 1977) [5]. O modo como a Região da Lombardia respondeu à crise foi marcado por um elevado grau de centralização da decisão. Foram criadas comissões de especialistas às quais foi pedi-

do que fornecessem as soluções necessárias fundadas em decisões unânimes. O Conselho Regional pretendia assim poder limitar-se a ratificar a decisão técnica. Deste modo, questões cuja natureza era inextrincavelmente política, científica e social foram reduzidas a problemas técnicos (Conti, 1977). A centralização da decisão e o seu baixo nível de democra-ticidade explicam os conflitos que surgiram no momento da implementação das medidas tomadas, traduzidos, nomea-damente, nas muitas resistências expressas por parte da população. A necessidade de uma maior participação da população afectada pela decisão foi reivindicada tanto pe-los movimentos sociais nacionais, mobilizados em Seveso para denunciar os custos do capitalismo a partir de um dis-curso de crítica social, como pelas comissões espontâneas de cidadãos criadas, na maioria dos casos, em redor das paróquias do território. Movimentos nacionais e comissões espontâneas dividiam-se, contudo, sobre a questão dos abortos terapêuticos, questão que acabou por monopolizar o espaço público (Centemeri, 2006). Movimentos e comissões uniram-se, todavia, na contesta-ção da decisão da Região da Lombardia em construir na Zona A um incinerador no qual seriam queimados os resí-duos produzidos pelos trabalhos de descontaminação. Os cidadãos contrapuseram a este plano um projecto de enter-rar os resíduos em dois aterros sanitários especiais que seriam construídos na Zona A, dado que a vontade deles era a de ver a Zona A transformada num parque urbano. Depois de dois anos de disputas, a Região da Lombardia decidiu apoiar, por fim, o projecto dos cidadãos. Entre 1981 e 1984 foram escavados dois aterros na zona A e a descontaminação foi concluída em Dezembro de 1985. Mas, já em 1984 se tinham iniciado os trabalhos para reflo-restar a Zona A, transformando-a num parque urbano - o “Bosque dos Carvalhos” – e que foi aberto ao público em 1996. Em 2004 foi inaugurado o “Percurso da Memória no Bosque dos Carvalhos”, com onze painéis que contam a his-tória do desastre e a origem do bosque. Trata-se do resul-tado de um complexo trabalho de escrita colectiva da me-mória do desastre [6].Por outro lado, pode dizer-se que, do ponto de vista do diá-logo cidadãos - instituições, Seveso não foi um bom exem-plo, à luz da elevada taxa de conflitos que caracterizou a crise e a resposta à crise. Contudo, a recuperação ambien-tal do território foi um caso de sucesso. Paralelamente à recuperação ambiental, a zona atingida recuperou rapida-mente as condições sócio-económicas que caracterizavam o território antes da contaminação. Hoje Seveso é uma cidade na qual várias organizações e as-sociações se empenham em actividades de recuperação e valorização ambiental, mas o desastre continua a estar presente na realidade local com a questão, ainda em aber-to, acerca das suas consequências sanitárias.

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A Directiva ‘Seveso 1’ concentra-se sobre aspectos de “risk management” que são operacionalizáveis através de obri-gações de informação. É neste domínio que se reflecte a influência directa do acontecimento em Seveso: o acidente na ICMESA é considerado, de facto, como um “desastre da informação” (van Eijndhoven, 1994). A questão que sobres-sai, a partir da experiência do acidente, foi a da falta de in-formação necessária para que a população atingida e as autoridades responsáveis tivessem podido agir oportuna-mente depois do acidente. Com efeito, a directiva visa pro-mover uma harmonização das regulamentações nacionais fazendo da comunicação um elemento de segurança pri-mordial neste domínio.Neste sentido, a parte mais inovadora da directiva é a que consta do seu artigo 8º, em matéria de informação ao públi-co, estabelecendo uma obrigação que irá enfraquecer o se-gredo industrial no âmbito das actividades abrangidas. Si-multaneamente, a directiva desenha uma espécie de rede de informação entre as autoridades públicas e a indústria e entre a indústria e as partes potencialmente em risco (Otway, 1990; Otway e Amendola, 1989). Na sequência de novos acidentes, e em virtude dos balan-ços que foram sendo feitos da aplicação das legislações em vigor, foi adoptada, em 1996, uma nova directiva (Directiva 96/82/CE, de 9 de Dezembro de 1996), que veio substituir a ”Seveso I” e que foi apelidada de Directiva “Seveso 2”. Entre as importantes alterações introduzidas por esta nova direc-tiva, referiremos o facto de as novas exigências passarem a incidir também no ordenamento do território como elemen-to integrante da prevenção de acidentes graves, em coerên-cia, aliás, com a sua preocupação de se focalizar na protec-ção do ambiente.Mas a grande alteração em relação à Directiva “Seveso 1” diz respeito ao modo como passa a ser considerada a infor-mação e a comunicação públicas. Em muitos dos artigos da directiva “Seveso 2”, em particular no seu artigo 13º, con-sagra-se o reconhecimento de um papel activo da popula-ção que desenha um “direito à participação”, mesmo se ain-da embrionário. A Directiva “Seveso 2” foi, por sua vez, alterada, em 2003, pela Directiva 2003/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2003 (“Seveso 3”). A moti-var as alterações esteve, entre outros, o acidente, em 21 de Setembro de 2001, na fábrica AZF em Tolosa, uma instala-ção classificada como “Seveso”. Esta directiva passa a in-cluir as operações de processamento e armazenamento das matérias minerais realizadas pelas indústrias extracti-vas que envolvam substâncias perigosas e a inovação mais relevante diz, sobretudo, respeito ao alargamento do cum-primento das obrigações de gestão às empresas subcon-tratadas que trabalhem nos estabelecimentos abrangidos pela normativa “Seveso”.Com as Directivas “Seveso 2 e 3” a concepção da gestão dos

A produção científica sobre os efeitos da dioxina em Seveso é muito significativa. Todavia, esta produção não é objecto de discussão entre a população atingida, cujo grau de parti-cipação nos estudos realizados se limitou a responder a questionários ou a submeter-se a idas periódicas ao médico (Centemeri, forthcoming). Além disso, tais estudos acabam por marginalizar os objectivos de saúde pública do territó-rio, uma vez que se concentram, a partir de Seveso, sobre a exploração dos mecanismos bio-moleculares que explicam os efeitos cancerígenos da dioxina no ser humano. É certo, também, que os estudos epidemiológicos confir-mam a diversidade dos efeitos da dioxina sobre a saúde da população atingida, quer em termos dos vários graus de gravidade, quer de frequência (Consonni et al., 2008; Bacca-relli et al., 2008), apoiando, assim, a classificação efectua-da, em 1997, pela International Agency for Research on Cancer (IARC) que reconheceu a dioxina como sendo segu-ramente cancerígena (grupo 1) para o ser humano (Steen-land, Bertazzi, Maccarelli & Kogevinas, 2004).

2. A(s) Directiva(s) “Seveso”: gestão do risco e governance

O acidente de Seveso representou um evento determinante para a definição de uma regulação a nível europeu sobre riscos desta natureza e que acabou por ser preliminarmen-te fixada na Directiva relativa aos riscos de acidentes gra-ves de certas actividades industriais (82/501/CEE), conheci-da como “Seveso 1”.O que explica que a Comunidade Económica Europeia, exac-tamente na sequência do acidente de Seveso, venha afirmar a urgência de uma regulamentação europeia para os riscos de actividades industriais? São várias as razões. Uma das razões mais fortes foi seguramente a natureza transnacio-nal do acidente ocorrido na ICMESA, mas também o facto de o acidente ocorrer em Itália, no Sul da Europa. Era conheci-do nos “meios comunitários” de Bruxelas que a regulamen-tação italiana, sobretudo em matéria de ambiente e de se-gurança industrial, estava atrasada relativamente aos países do norte da Europa (van Eijndhoven, 1994). Contudo, o Tratado CEE, na sua versão original de 1957, não previa poderes e competências que permitissem à Comis-são ter uma iniciativa legislativa em matéria de riscos indus-triais no âmbito de uma política de tutela ambiental [7]. A via seguida foi a da harmonização das legislações e regulamen-tações dos Estados-membros neste domínio, fundamentada no facto da divergência existente “provocar uma distorção nas condições de concorrência do mercado comum” (artigo 100º do Tratado). Foi, aliás, através desta base legal, que permitia colmatar a carência de poderes da CEE em múlti-plos domínios, que foram adoptadas, a partir de 1973, as pri-meiras directivas concernentes à defesa do ambiente.

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69Seveso: o desastre e a Directiva • Laura Centemeri

riscos desta natureza transformou-se, na medida em que um problema técnico reservado, em princípio, aos especia-listas, foi sendo progressivamente configurado e instituído enquanto problema de governance (De Marchi, Pellizzoni & Ungaro, 2001). E, no caso da União Europeia, enquanto questões de ‘governação’ relativas à “livre circulação de trabalhadores e política social; condições de trabalho; se-gurança dos trabalhadores; ambiente; consumidores e pro-tecção da saúde; poluição e perturbações; substâncias quí-micas, riscos industriais e biotecnologia”.

Notas

[1] Sobre o “distrito industrial” remeto para o trabalho fundador

de Bagnasco (1977). Sobre o mapa político de Itália e a sua

evolução, com a divisão que permaneceu até ao inicio dos anos

noventa entre regiões “vermelhas” (governo do Partido Comunis-

ta) e regiões “brancas” (governo da Democracia Cristã), remeto

para Diamanti (2009).

[2] A 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina (TCDD), conhecida como

a dioxina de Seveso, é um subproduto de várias reacções

químicas e processos de combustão à base de cloro orgânico.

[3] Relatório conclusivo da Comissão Parlamentar de inquérito

sobre a fuga de substâncias tóxicas que ocorreu em 10 de Julho

de 1976 nas instalações da ICMESA e sobre os potenciais riscos

para a saúde e para o ambiente derivados das actividades

industriais, Actos Parlamentares, VII legislatura, doc. XXIII, n.6,

1978; veja-se também o livro auto-biográfico do ex-director

técnico Givaudan Jörg Sambeth (2004).

[4] A Zona A (108 hectares) foi evacuada; a Zona B (269 hectares,

4.600 habitantes) não foi evacuada dado que as concentrações

registadas da dioxina foram consideradas como sendo compatí-

veis com a possibilidade de continuar a habitar o território. Os

habitantes foram obrigados a respeitar normas de conduta muito

estritas; a Zona de Respeito (1.430 hectares, 31.800 habitantes)

não foi evacuada, porque as concentrações de dioxina eram muito

limitadas. Apesar disso, os seus habitantes tiveram que seguir

algumas normas de precaução.

[5] A interrupção voluntária da gravidez é despenalizada com a

Lei 194 de 1978.

[6] Sobre a redacção dos painéis remeto para Centemeri (2006,

2010). Os painéis podem ser consultados no site: http://www.

boscodellequerce.it/pubblicazioni/Informazioni/Informazioni.

asp?ID_M=178

[7] É com o Acto Único de 1986, que modifica o Tratado CEE, que

são fixados os fundamentos jurídico-políticos da intervenção da

Comunidade Económica Europeia em matéria ambiental (artigos

130ºr, 130ºs e 130ºt).

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PT Seveso: el desastre y la Directiva

FR Seveso: le désastre et la Directive

EN Seveso: the disaster and the Directive

Como referenciar este artigo?

Centemeri, L. (2010). Seveso: o desastre e a Directiva.

Laboreal, 6, (2), 66-70

http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45n

SU5471123:4141:474311

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71VOLUME VI · Nº2 · 2010 · PP. 71-75

Universidade Federal Fluminense

Escola de Engenharia

Departamento de Engenharia de Produção

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São Domingos, Niterói Rio de Janeiro Brasil

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Tempo

Denise Alvarez

O tempo nas situações de trabalho assemelha-se a uma es-pécie de ecologia temporal, num conjunto de tempos embu-tidos e entrecruzados (Grossin, 1996). Por isso talvez seja mais apropriado não falar do tempo, como é tradição na filo-sofia, e sim dos tempos, de temporalidades heterogêneas. Há um convívio simultâneo entre um tempo único, linear, seqüencial, homogêneo, tempo espacializado medido pela sucessão de instantes materializados no relógio e um outro que estabelece laços e ligações, que percorre diferentes temporalidades simultaneamente, um tempo-devir - quali-tativo e psicológico -, entendido como duração. O primeiro apresenta critérios precisos: deve ser reprodutível, regu-lar, mecânico, neutro, definido com uma seqüência de ins-tantes separados por espaços equivalentes. Funcionalmen-te, o tempo espacializado serve para: 1) quantificar, pois introduz-se o cálculo e a medição do tempo; 2) regular con-juntos de interações da sociedade permitindo que proces-sos qualitativamente heterogêneos tornem-se possíveis pela noção de “encontro” (entre pessoas, entre um trem e um grupo etc); 3) orientar a sociedade e as pessoas possibi-litando a previsão (processo de datação introduzido pelo calendário). Esse tempo será sempre o mesmo: nenhum segundo (ou datação) tem mais valor que outro. São os acontecimentos que situamos nesse tempo que estão car-regados de valor e de sentido (Zarifian, 2002). Esse tempo espacializado, denominado por Elias (1998) como um símbolo social, apóia-se na definição consensual de uma norma que estabelece a duração (anual, semanal, diária) do trabalho e das pausas (de descanso ou de férias) postulan-do ainda, implicitamente, uma estabilidade do funciona-mento humano, sejam quais forem as horas e as durações do trabalho (Quéinnec, 2007). Entretanto, para enfrentar o desafio de considerar as pessoas nos mundos do trabalho, e as temporalidades nelas presentes, é necessário consi-derar o conjunto dos outros movimentos possíveis. Ou seja, impõe-se um tempo relacional da duração, um tempo-devir. De acordo com uma visão antropocêntrica Quéinnec (2007) identifica quatro componentes do tempo profissional: tem-po dentro do trabalho, que diz respeito às exigências tempo-rais das tarefas e à dinâmica dos processos técnicos; tempo

O DICIONÁRIO

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72 Tempo • Denise Alvarez

de trabalho, concernente ao contrato de trabalho, à defini-ção das durações e horários da atividade profissional; tem-po do trabalho, que delimita a distribuição de espaços do trabalho e de não-trabalho configurando-se no uso do tem-po; tempo no trabalho que diz respeito às características temporais do funcionamento humano. Considerando essas visões do tempo, falar sobre a relação tempo e trabalho obriga-nos ao uso da noção (ou do concei-to) de tempo no plural. Os componentes dentro do, de, do e no trabalho colocam aqueles que trabalham em situações conflituosas, que requerem a mobilização de adequações e estratégias para atender às solicitações do processo de produção em foco. Conflitos que devem ser percebidos na atividade e nas construções de saúde do corpo-si, (cf voca-bulário da ergologia) e que abarcam tanto o plano físico, como o psíquico e o social. É essa ecologia temporal que está presente nos mundos do trabalho.

Primeira pista de reflexão: mudanças nas organizações e flexibilizaçãoPensar essa ecologia remete à reflexão sobre o tempo nas sociedades contemporâneas, pois nos mundos do trabalho as normas temporais também têm se modificado. A norma temporal dita fordista, consolidada no contexto industrial por intermédio de uma combinação complexa entre formas de estabilização de mão-de-obra, delimitação do espaço e do tempo de trabalho e racionalização taylorista da produ-ção, talvez não continue sendo hegemônica no século XXI. A partir dos anos 80 e 90 do século XX tem havido uma ten-dência crescente à diversificação dos tempos de trabalho, inseparável daquela mais geral das formas de emprego/salariato. Durante as últimas décadas, outras possibilida-des se apresentaram, uma vez que em espaços significati-vos dos mundos do trabalho, este processo tem se tornado ainda mais complexo, a diversificação dos interesses dos empregadores encaminham-se para a busca de flexibilida-de e há uma clara modificação da composição do assalaria-do graças, dentre outros fatores, ao aumento das qualifica-ções disponíveis e do emprego feminino. Essas mudanças parecem tornar mais pertinente a noção de disponibilidade temporal (Martinez, 2007) que representaria, talvez de ma-neira mais adequada, as tentativas de sincronização das atividades produtivas e os processos de diferenciação do assalariado. Verifica-se uma individualização do tempo e uma tendência a anualização de horas trabalhadas e de descanso reveladas em arranjos diversos como contratos de tempo parcial, horários de trabalho não usuais, banco de horas etc. Assim, os marcos temporais podem estar mais fluidos, entretanto, quer se conte ou não o tempo de traba-lho, a eficácia da organização apóia-se basicamente na dis-ponibilidade temporal (em todos os planos) e na implicação subjetiva dos trabalhadores (e o tempo tem um potencial decisivo como doador de sentido). De tal maneira que as

formas de disponibilidade temporal e de aceitação das con-dições laborais são cada vez mais determinantes no funcio-namento do mercado de trabalho e na divisão social e sexu-ada do emprego (Alaluf, 2000). Essa constatação convoca a necessidade de articulação entre tempo-devir e tempo espa-cializado.

Segunda pista de reflexão: pólos da ecologia temporal Na perspectiva ergológica, Schwartz e Durrive (2207) defi-nem a história humana como sendo um espaço de três pó-los (da gestão, do mercado e do direito). O primeiro pólo, o da gestão, referente à atividade humana, seria o espaço das dramáticas de uso de si, dos debates de normas, das ges-tões do e no trabalho. O segundo pólo, na sociedade em que vivemos, é orientado por valores mercantis, do mercado e tem grande peso na reconfiguração do conjunto da vida (so-cial, política, cultural), com valores dimensionados. O ter-ceiro pólo é o espaço onde estão em jogo valores que não são mensuráveis em quantidades: bem-estar da população, seus acessos aos cuidados, o desenvolvimento da cultura, o bem viver em ambiente – urbano, rural, ou planetário. Entre estes pólos há tensão permanente. Os três pólos correspondem a três temporalidades distin-tas mas relacionadas entre si. Dessa forma, nossas socie-dades convivem com o desafio permanente de funcionar em tempos-valor diferentes. De acordo com essa configuração, pode-se pensar as temporalidades vividas em situações de trabalho (Schwartz & Alvarez, 2001).

O pólo do mercado e a temporalidade mercantilnela parece haver incompatibilidade entre os ritmos da vida individual e objetiva e os tempos de trabalho apreendidos como mercadoria (tempo espacializado). Sustentando esta opacificação extrema, encontra-se o tempo das circulações financeiras, das redes desterritorializadas, dos mercados conectados, do curso instantâneo das taxas de câmbio, das ações, dos produtos derivados, que funcionam em tempos cada vez mais curtos e que parecem ter largado todas as amarras com as outras temporalidades da vida. Entretanto, encontra-se aí também a gestação de um outro tempo-va-lor, pois se verifica que as renovações teóricas nas relações de mercado passaram a considerar o tempo como fator de incerteza. Vemos se infiltrar aí, nas relações econômicas, uma temporalidade processual, um tempo de acontecimen-tos, tempo-devir fazendo-nos crer que, possivelmente, o tempo do mercado deva negociar compromissos com ou-tros tempos-valores diferentes dos seus. Se não for assim, como analisar a “relação de serviço” e dos valores aí envol-vidos, onde o tempo pode influir de maneira significativa como fator de qualidade na prestação de serviço (Zarifian & Gadrey, 2002). A execução de modo eficaz, que se manifesta no menor índice de perdas e de retrabalho, importante quando se lidam com equipamentos e materiais de alto cus-

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73Tempo • Denise Alvarez

circulações que aí existem, um corpo si (Schwartz & Durri-ve, 2007) mediando e cristalizando um núcleo comum e vago de “competências para viver” que cada indivíduo põe em prática de maneira diferente (Schwartz,1998). A tempo-ralidade ergológica está presente também nos processos sociotécnicos. Os arcabouços técnicos e tecnológicos que fazem parte do universo das prescrições, possuem ciclos--de-vida, tempos de uso e descarte específicos assim como, necessitam de manutenção e paradas técnicas que, quando não são respeitados, podem converter-se em “modo degra-dado de funcionamento” (Wisner, 1997) desafiando as nor-mas de segurança e potencializando riscos. Esses aspectos solicitam uma temporalidade que por vezes está desincro-nizada com as metas produtivas, pressão temporal oriunda do pólo do mercado.

O pólo do político e a temporalidade do bem comum Interagindo com os dois pólos descritos anteriormente há o pólo do político e do direito. É o pólo do bem comum, dos valores “sem dimensão”, espaço propriamente do político, da politéia, onde são criados valores sobre os quais debate-mos lugar do exercício democrático em nome dos quais deliberamos, legislamos, ou seja, damos-lhes ordem, li-dando com as forças que estão atuando no jogo político. Fa-zem parte deste pólo as leis, regulamentações, políticas públicas que na prática se traduzem por normas antece-dentes. Quanto à sua temporalidade, ela será sempre sub-metida aos tempos mais longos necessários aos debates, quase sempre conflituosos, já que certo número de princí-pios essenciais (liberdade, igualdade, fraternidade, direitos humanos) deve vigir durante um largo intervalo de tempo nas sociedades democráticas. É desejável também que ela mantenha uma certa independência em relação à tempora-lidade do mercado para que não se destrua o arcabouço do Direito e das sociedades democráticas (Schwartz & Alva-rez, 2001).

Esses pólos e temporalidades podem ser úteis para pensar a atividade nos mundos do trabalho em diferentes setores. Inclusive o da produção acadêmica e do fazer cientifico. Esse ‘fazer’ científico parece parcialmente consumido e de-terminado pelos três pólos acima expostos sem estar cir-cunscrito por nenhum deles, apresentando uma temporali-dade singular presente também na criação: a cronogênese. Essa temporalidade está ligada ao processo de produção do conhecimento científico, fruto das relações entre as tempo-ralidades do aion (presente informe que faz jorrar dentro de si o tempo) e do kairós (bom momento para decidir e fazer). No processo de trabalho científico é preciso se deixar estar nesses momentos “informes” quando uma idéia ainda não se formou projeto. Por outro lado, é também preciso tomar caminhos e decidir. Estas duas temporalidades, identifica-das como o que permite a formalização de uma “idéia” em

to financeiro, por exemplo, torna-se um componente im-portante na avaliação de qualidade, já que o não atendimen-to resulta em uma grande perda financeira. Assim, um dos conflitos presentes na prestação de serviço é a questão do prazo versus custo da operação versus integridade do sis-tema. Nessa equação, o fator tempo está presente também na possibilidade de “fazer correto na primeira vez”, o que nos remete às competências e ao pólo da atividade.

O pólo da atividade e a temporalidade ergológica“Fazer correto na primeira vez” evoca as competências (Za-rifian & Gadrey, 2002), aos ingredientes que a compõem, alquimia delicada e sofisticada (Schwartz,1998). A expres-são nos remete à inteligência do kayrós, essa gestão do ins-tante - bom momento para decidir e fazer - cópia não con-forme do real que supõe a escolha de pontos de atenção, de vigilância, de colaborações preferenciais, de escolhas de comunicação e transmissão, de esboços de mundo e de bens comuns no coração da atividade que vão permitir o agir em competência. A atividade tem sempre algo de não previsto. Ela é potencialmente micro “re-criadora”. Dessa perspectiva, a noção de competência deve considerar pelo menos três elementos que não se articulam facilmente: 1) o das normas antecedentes, que enquadra fortemente toda situação de trabalho; 2) o do histórico e incessantemente inédito; 3) uma dimensão de valores, que deve justamente gerir o inédito, realizar escolhas. São dimensões heterogê-neas e incomensuráveis: incomparáveis. Em todas elas en-contramos ingredientes e temporalidades distintas. Essa temporalidade da atividade, oposta ao tempo do relógio ou a um quadro temporal homogêneo estaria mais conectada a uma relação com a “saúde” que se tenta estabelecer com um meio técnico, humano, econômico, já saturado de nor-mas diversas. Relação essa que recria as normas existen-tes, maneira encontrada pelo ser vivo de instaurar novas normas em seu meio (Canguilhem, 1995). Nesse movimento inventivo há sempre um reenvio a si mesmo e aos conheci-mentos individuais e coletivos adquiridos anteriormente e pelas condições (técnicas, materiais, comerciais, financei-ras) que se apresentavam no momento e são postas em prática durante a atividade no trabalho. Aí existe também construção de compromisso que se dá pelas diferentes for-mas de colocação em patrimônio: de procedimentos, de re-cursos da fala e comunicacionais, de sinergias locais. Tem-po também de ajustamentos aos tempos profissionais e internos de si próprio e dos outros. Retorna-se então às competências, pois há uma variabilidade constitucional do próprio meio que requer que as pessoas recorram à singu-laridade de suas experiências e nelas encontrem os recur-sos para enfrentar o que há de inédito na situação, os even-tos que convocam o tempo-devir. Estes recursos serão a linguagem, os valores, o uso industrioso de si, os outros momentos da vida biológica, psíquica, cultural, as múltiplas

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investigação científica, estão em constante relação (ora em concordância, ora em discordância) com a temporalidade econômica (que apresenta dentre outros aspectos a busca pela produtividade, o atendimento à demandas comerciais), a temporalidade da atividade (no constante “ir e vir” na bus-ca de resultados) e a temporalidade do bem comum (a ava-liação do retorno das descobertas científicas para o uso em sociedade). É possível que a atividade de produção científica solicite a coexistência com esse tempo que é vivido conco-mitantemente como potência positiva, como ansiedade e como frustração pelos pesquisadores.

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