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25 2 Objeto e Fundamentação 2.1 Estruturas leves 2.1.1 Nomadismo Antes do surgimento da agricultura, o sistema de abrigos transportáveis deve ter sido amplamente utilizado pelos povos nômades que viveram nas primeiras regiões habitadas por humanos no planeta. Hoje em dia temos ainda alguns exemplos atuais desses povos como esquimós, lapões, tuaregs e beduínos que ainda vivem como há milhares de anos atrás nas mais extremas condições climáticas dos diversos cantos do mundo, do Ártico passando por Sibéria, Mongólia e Rússia até os desertos da África e Oriente Médio. É difícil precisar desde quando o homem saiu das cavernas e passou a manufaturar suas moradias. Pesquisas com escavações arqueológicas indicam que os vestígios mais antigos desses abrigos - ossos, madeiras e peles – datam de mais de 40 mil anos e foram encontrados em sítios pré-históricos localizados em regiões geladas como o Alaska e a Sibéria. Tais estruturas eram utilizadas por caçadores nômades e eram constituídas basicamente de peles de animais sobre armações de madeira, às vezes árvores, quando disponíveis, visto que desta maneira estariam firmemente presas ao solo e protegidas dos ventos fortes. Outra importante fonte de informação sobre o assunto são as pinturas em cavernas de representações pictóricas das tendas primitivas datadas entre 20 e 10 mil anos atrás. A partir da invenção dos tecidos tramados, há 10 mil anos, esses povos tiveram outra opção de cobertura e fechamento, porém, pelo fato da biodegradabilidade dos materiais, essas informações são um pouco imprecisas. Antigos relatos escritos sobre tendas podem ser encontrados na Bíblia, escrita há aproximadamente 3500 anos, que nos conta a história de um povo que vivia em tendas, os hebreus. Em um importante trecho, D´us ordena ao povo que construa uma morada para ele, o Tabernáculo, e detalha com precisão os materiais e as peças a serem construídas. Os hebreus, que eram nômades,

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2 Objeto e Fundamentação

2.1

Estruturas leves

2.1.1

Nomadismo

Antes do surgimento da agricultura, o sistema de abrigos transportáveis

deve ter sido amplamente utilizado pelos povos nômades que viveram nas

primeiras regiões habitadas por humanos no planeta. Hoje em dia temos ainda

alguns exemplos atuais desses povos como esquimós, lapões, tuaregs e beduínos

que ainda vivem como há milhares de anos atrás nas mais extremas condições

climáticas dos diversos cantos do mundo, do Ártico passando por Sibéria,

Mongólia e Rússia até os desertos da África e Oriente Médio.

É difícil precisar desde quando o homem saiu das cavernas e passou a

manufaturar suas moradias. Pesquisas com escavações arqueológicas indicam que

os vestígios mais antigos desses abrigos - ossos, madeiras e peles – datam de mais

de 40 mil anos e foram encontrados em sítios pré-históricos localizados em

regiões geladas como o Alaska e a Sibéria. Tais estruturas eram utilizadas por

caçadores nômades e eram constituídas basicamente de peles de animais sobre

armações de madeira, às vezes árvores, quando disponíveis, visto que desta

maneira estariam firmemente presas ao solo e protegidas dos ventos fortes.

Outra importante fonte de informação sobre o assunto são as pinturas em

cavernas de representações pictóricas das tendas primitivas datadas entre 20 e 10

mil anos atrás. A partir da invenção dos tecidos tramados, há 10 mil anos, esses

povos tiveram outra opção de cobertura e fechamento, porém, pelo fato da

biodegradabilidade dos materiais, essas informações são um pouco imprecisas.

Antigos relatos escritos sobre tendas podem ser encontrados na Bíblia,

escrita há aproximadamente 3500 anos, que nos conta a história de um povo que

vivia em tendas, os hebreus. Em um importante trecho, D´us ordena ao povo que

construa uma morada para ele, o Tabernáculo, e detalha com precisão os

materiais e as peças a serem construídas. Os hebreus, que eram nômades,

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constroem a moradia divina e passam décadas montando, desmontando e

transportando-o pelo deserto até chegarem à Terra Prometida onde constroem o

Primeiro Grande Templo, uma construção permanente feita de pedras, em

substituição ao Tabernáculo.

Povos como os beduínos, berberes e curdos foram os que desenvolveram

seus abrigos com base em princípios estruturais que regem o funcionamento de

vários tipos de tensoestruturas da atualidade: uma membrana é suspensa por

mastros altos e cordas ancoradas no solo a prendem e a tracionam. Assim, as

forças atuantes são transferidas da membrana às cordas, das cordas às estacas e

daí ao solo. Esse tipo de tenda é conhecido como black-tent por utilizar pele negra

de cabra como cobertura e até hoje é utilizada na África e no Oriente Médio.

No passado essas estruturas foram a base de uma arquitetura portátil que por

diversas vezes era provida de uma infra-estrutura que garantia ao morador o

conforto e o bem estar das casas sedentárias porém preservando o caráter

simbólico das casas portáteis primitivas. No Oriente, os mercadores mais ricos

carregavam consigo tendas muito luxuosas com tapetes, couros e madeiras que

tornavam os ambientes hospitaleiros, suntuosos e acolhedores. Isso porque o

nômade tem sua tenda como forma de vida e tem com ela a mesma relação de

propriedade que nós, povo sedentários, temos com nossas moradias permanentes.

Figura 01 – Família nômade no deserto com sua tenda

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2.1.2

Construindo com barras e cabos

Em contraste com as cascas, as estruturas tridimensionais compostas por

cabos tem poucos paralelos na natureza. Existe, talvez, uma certa analogia com a

asa do morcego ou o pé de pato. A teia de aranha, por outro lado, é um sistema

plano e sua ação depende muito de sua deformabilidade elástica para ser

comparada com uma cobertura de cabos. Alguns artefatos humanos como as

tendas e velas de embarcações são a lembrança mais próxima de uma estrutura

tridimensional de cabos.

Figura 02 – Pé de pato, asa de morcego, teia de aranha e vela de barco

A tecnologia dos barcos à vela e a grande experiência dos marinheiros foram

utilizadas para construir grandes coberturas na s cidades romanas antigas. Os

coliseus e teatros romanos possuíam, em sua maioria, coberturas suspensas

retráteis e eram marinheiros os que construíam e operavam esses complexos

toldos. A necessária retratibilidade era devida à incapacidade de se construírem

coberturas têxteis capazes de resistir a ventos fortes, chuvas fortes e neve.

“Pouco se sabe sobre a forma dos grandes toldos que cobriam os teatros gregos,

nem como os montavam os marinheiros, nem da coberta de tenda do Odeon em Atenas,

que se estendia entre firmes construções de pedra”.(OTTO, 1958)

A proposta de uma rede de cordas pendente sobre uma arena é a mais antiga

que temos e entre as principais vantagens desse sistema estaria a capacidade de

cobrir toda a arquibancada, o uso de mastros menores, o menor peso da estrutura e

uma menor solicitação de carga nos mastros.

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Com o passar dos tempos novas tecnologias nos permitiram dispor de

materiais de engenharia mais resistentes, como os cabos metálicos. A idéia de

construir com esses cabos levou o homem a inventar a ponte suspensa ou pencil.

Tais pontes são, originalmente, sistemas planos mantidos por cabos, onde o gasto

de materiais e o peso da estrutura são bem menores se comparados aos sistemas

convencionais de construção de pontes.

Em muitas cidades onde são construídas pontes suspensas, sua principal

função, que é de ligação entre duas localidades isoladas por um acidente

geográfico de relevo, acaba ficando em segundo plano, ofuscada pela beleza e

ousadia de tais obras, que acabam se tornando pontos turísticos intensamente

visitados e passam a ser símbolos de suas cidades. A Golden Gate Bridge em San

Francisco, nos Estados Unidos é uma das mais conhecidas mundialmente. Aqui

no Brasil temos um belo exemplo da recente ponte JK, em Brasília.

Figuras 03 e 04 – Golden Gate em São Francisco, EUA e Ponte JK em Brasília, Brasil

Apesar de passados muitos anos desde que a primeira de tais pontes foi

construída, a idéia de construir com cabos foi tardiamente estendida à construção

de coberturas e o termo cobertura suspensa serviu para descrever o resultado. Essa

nova forma de construção é caracterizada, principalmente, não pela suspensão

mas pelo tensionamento de famílias de cabos ortogonais em superfícies curvas de

direções mutuas e opostas produzindo assim, sistemas com estabilidade

tridimensional.

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2.1.3

Tensegrity

O termo “tensegrity” é uma contração de “tensional integrity” e foi criado

por Richard Buckminster Fuller para descrever o “princípio estrutural em que a

forma da estrutura é garantida pela interação de uma rede contínua de cabos

tracionados e um conjunto de elementos comprimidos”. Devido ao seu

comportamento incomum, não é possível enquadrar este tipo de construção em

um grupo de forma estrutural particular. A expressão de Fuller surgiu em virtude

de uma escultura em forma de torre feita por seu aluno Kenneth Snelson em Nova

Iorque no ano de 1948, conhecida como Needle Tower. Foi essa uma das obras

que mais divulgou o princípio de funcionamento das assim chamadas estruturas

tensegrity.

É difícil afirmar quando as estruturas tensegrity surgiram e quem foi o

precursor desse sistema estrutural. Pode-se citar alguns fatos e-ou pessoas que

contribuíram grandemente para o desenvolvimento inicial e divulgação dessas

estruturas, mas nenhuma delas pode ser apontada, de forma convicta, como o

marco inicial. Richard Buckminster Fuller foi um dos grandes mentores desse

sistema estrutural. Fuller fez várias obras que se destacam pelo número de

elementos tracionados, das quais a mais conhecida é o Domo Geodésico.

Figuras 05 e 06 - Escultura Needle Tower de Kenneth Snelson e Icosaedro tensegrity

feito pelo autor no LILD.

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Na exposição de Bruxelas de 1958, o mundo passa a conhecer melhor as

aplicações dos conceitos estruturais dos tensegrity com a cobertura do Pavilhão

Americano. Era nada mais do que uma grande roda de bicicleta de 104 metros de

diâmetro, um aro de aço que repousa num circulo de colunas. No centro flutua um

eixo em forma de tambor suportado por grupos de dois cabos radialmente

tensionados, os raios. Um elemento surpresa foi a grande abertura no centro – uma

conseqüência direta da solução adotada – através da qual a luz do dia entrava. Em

outro lugar na mesma exposição repousava um mastro impressionante, novamente

uma combinação de cabos e barras. Esta estrutura deve sua estabilidade à

interação entre a compressão e curvatura nas peças rígidas, por um lado, e a

tensão nos cabos tensionados, por outro.

Figura 07 – Corte esquemático do Pavilhão Americano – Bruxelas 1958

Alguns conceitos de sinergia são aplicados intuitivamente nos tensegrity. O

uso do material mais adequado à função que irá exercer cabe perfeitamente aqui,

onde os cabos são submetidos à tração e as barras, à compressão. Flexibilidade,

leveza e desmontabilidade são os parâmetros mais importantes para melhores

sistemas que empregam cabos tensionados. Essas estruturas são sempre mais

econômicas em material e em energia gasta, e por esta razão podem ser resistentes

com peças de peso mínimo, facilitando ainda a transportabilidade. Essa

desmaterialização e as grandes vantagens citadas no uso enquadram as estruturas

tensegrity em diversas estratégias de ecodesign.

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2.1.4

Estruturas tensionadas e Frei Otto

A partir da década de 50, com a evolução dos materiais e sistemas

construtivos de construções com cabos e da adição de membranas como elemento

de tração em estruturas tensegrities, começa a surgir um tipo peculiar de

coberturas suspensas ou tensionadas inspirado nas antigas tendas, as

tensoestruturas de membrana. Primeiramente feitas de peles de animais e mais

tarde de tecidos tramados, tendas têm sido usadas pelo homem desde as primeiras

eras, mas foi apenas recentemente que este sistema construtivo foi redescoberto

pelos arquitetos e engenheiros.

Não há dúvidas que as formas das tensoestruturas são usadas para

incrementar as mais ambiciosas composições arquitetônicas. Elas são de especial

importância para a discussão da forma estrutural já que esta é, por ela própria, a

estrutura. Em nenhum outro tipo de construção a forma segue tão

espontaneamente o princípio estrutural. Enquanto no início do aparecimento das

coberturas suspensas os profissionais estavam interessados inteiramente em cabos

e redes suspensos e tensionados, eles agora devem projetar em termos de tecido

tramado. Isso significa simplesmente não mais que uma modificação na idéia

central, visto que o tecido tramado nada mais é do que uma rede com uma malha

muito fina.

As membranas são feitas de tecidos tensionados e, como algumas superfícies

curvas não podem ser planificadas, a peça de tecido deve ser cortada de tal

maneira que assuma curvatura após tensionamento. Elas precisam ser estruturadas

por mastros ou arcos em compressão pois, de outra maneira elas não poderiam ser

propriamente tensionadas.

Existe uma abundância ilimitada de formas possíveis. Projetá-las é mais um

trabalho para um artista com bom senso de forma que para um matemático. Ao

desenvolver novas formas, experimentos com modelos físicos podem ser

extremamente proveitosos, enquanto técnicas matemáticas exatas são

desnecessárias. Hoje em dia, porém, para analisar o comportamento estrutural de

tais membranas o uso de métodos computacionais e do método de elementos

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finitos têm sido muito aplicados no desenvolvimento da modelagem matemática

dessas estruturas.

No ano de 1950, um estudante alemão de arquitetura, durante um

intercâmbio com os EUA, ficou tão impressionado com o projeto da State Fair

Arena, em Raleigh na Carolina do Norte, que fez um rascunho deste design

inovador. Mais tarde, depois de uma intensa e sistemática pesquisa que culminou

em sua tese de doutorado, entitulada “Das hängende Dach” (A cobertura pencil),

ele apresenta ao mundo os primeiros estudos sobre a compreensão dos sistemas de

coberturas suspensas. Seu nome era Frei Otto.

Figura 08 - Estudos de Frei Otto para estruturas de cobertura leves

Otto nasceu em Siegmar, na Alemanha, em 1925. Quando jovem observou a

facilidade com que as penas dos pássaros permaneciam no ar sendo levadas a

grandes distâncias e começou a se interessar por planadores, passando a desenhá-

los e construí-los. Após estudar nas universidades de Berlim e Virgínia, nos

Estados Unidos, funda seu escritório de projetos em 1952 e o Centro de

Desenvolvimento da Construção Leve, transferido em 1964 para Stuttgart. Essa

instituição foi extremamente importante para o desenvolvimento do sistema

construtivo, do qual o alemão tornou-se um dos principais expoentes. Seu trabalho

foi influenciado pelo construtor americano Richard Buckminster Fuller.

Um observador da natureza, Otto contribuiu para o trabalho de zoólogos ao

explicar a capacidade das aranhas de transmitirem forças por meio de suas teias.

Em 1961, ele conheceu o biólogo e antropólogo J. G. Helmcke, com o qual

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organiza o grupo de pesquisa sobre Biologia e Natureza, que viria influenciar

muitas de suas estruturas. Outra especialidade do engenheiro e arquiteto foi

utilizar o ar sob pressão para criar construções infláveis, as estruturas

pneumáticas.

Com a construção do pavilhão alemão para a Expo’67, em Montreal no

Canadá, e do estádio Olímpico de Munique, na Alemanha, em 1972, Frei Otto

tornou-se um dos pioneiros na criação de edifícios com estruturas de membrana

tensionadas. Até então, Otto havia realizado experiências com bolhas de sabão,

um dos materiais que usava para criar modelos em escala reduzida das

tensoestruturas.

Figura 09 – Frei Otto

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2.2

Geodésicas

Uma linha geodésica é a menor distancia entre dois pontos numa superfície.

No caso de uma superfície curva, como um terreno desnivelado, essa linha

também será uma curva.

Em se tratando de uma superfície esférica, essa linha será uma curva que faz

parte de um círculo, como por exemplo a Linha do Equador ou os meridianos que

dividem a Terra, que por sua vez descreve um plano que contém o centro da

esfera. Esses círculos são denominados círculos máximos ou grandes círculos.

(Lotufo, 1982)

Figura 10 – círculos máximos formam planos que contém o centro da esfera

2.2.1

O domo como abrigo primitivo

“A arquitetura primitiva é, sobretudo, uma arquitetura da necessidade,

nada estando lá em excesso34, não importa se feita de pedra, barro, cana,

madeiras ou peles, ela é uma arquitetura mínima”. (OTTO / RASCH, 1995)

Em diversas partes do mundo, existiram e ainda existem abrigos,

construídos por seus habitantes, mas com uma forma peculiar que se mantém

mesmo em condições climáticas extremas e mesmo sendo construídos com

diferentes materiais em cada local. Essa forma, que não é gratuita e define não só

a estrutura como o conforto ambiental da moradia, é o domo geodésico ou

hemisfera.

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Esse tipo de construção nos fornece informações sobre aqueles que ali

habitam pois são construídas com o material que lhes é disponível e com o qual

tenham experiência no manuseio. Desse modo um iglu de blocos de gelo tem o

mesmo formato de uma oca feita de bambu e coberta de palha no Brasil, assim

como uma cobertura de uma casa na Tunísia feita de alvenaria também tem o

mesmo formato de uma cabana feita de plantas no Quênia. (Shelter, 1973)

Figuras 11 e 12 - Iglu de blocos de gelo e oca xavante de galhos e folhas

Tanto a inspiração na natureza como a racionalidade desse tipo de

construção podem ser possíveis explicações para o formato do abrigo se repetir,

como afirma Lotufo (1982):

“É o caso de observarmos a natureza. O homem constrói há alguns milhares de anos. A natureza, há milhões...Durante muito tempo o homem viveu em estruturas com esse formato. Em certos lugares do mundo ainda é a maneira mais racional de construir.”

Historicamente os primeiros domos surgiram quando o homem ainda não

tinha ferramentas metálicas para cortar madeira ou pedra. Era feito de galhos

maleáveis que eram tramados em dois sentidos e armados formando uma

superfície de dupla curvatura, um espaço útil que era coberto com folhas, palha,

pele de animais ou o que estivesse disponível localmente.

Tempos mais tarde, com o desenvolvimento das ferramentas e novos

materiais disponíveis, surgem mais dois tipos de construções hemisféricas: o

domo de madeira e o de alvenaria. O primeiro foi resultado da experiência

adquirida por construtores de embarcações que desenvolveram um elaborado

sistema de peças arqueadas longitudinalmente e outras que funcionavam como

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costelas, resultando em um sistema de forças distribuídas e estáveis. Já o segundo

podia ser construído de pedras lavradas ou de tijolos que foram utilizados para

diversos fins como em cobertura de silos para armazenar alimentos ou grandes

estruturas monumentais.

A partir da invenção do concreto pelos engenheiros romanos surge um

quarto tipo de construção de domos, o de concreto. O império romano construiu

imensas cúpulas sobre suas casas de banho e outras inúmeras estruturas públicas.

2.2.2

Primeiro domo geodésico – o Planetário

Somente séculos mais tarde foi inventado o quinto e mais recente tipo de

domo. Em Jena, na Alemanha em 1922, Dr. Walter Bauersfeld construiu um

icosaedro esférico subdividido, formado por barras leves de aço, o primeiro domo

geodésico. O cientista alemão era chefe de design da Zeiss, uma grande indústria

ótica e projetou o domo visando sua utilização como um edifício. Ele projetou

uma casca tão fina de ferro-cimento que era proporcional à espessura de uma

casca de ovo para seu diâmetro. Uma carta endereçada à Shelter Publications,

escrita em 19 de junho de 1973, por um diretor da Carl Zeiss, descreve quais

foram as preocupações de Bauersfeld.

“A projeção do céu estrelado requer um certo número de projetores, arranjados no

centro do domo. Cada projetor deve iluminar uma área igual a da superfície do

domo. Se os vértices de um icosaedro são cortados de forma que a nova superfície

possua, então, 12 pentágonos e 20 hexágonos, as áreas dessas truncagens será

aproximadamente a mesma. Os projetores são arranjados no centro dessas figuras e

produzem 32 campos estelares diferentes no domo (na realidade, apenas 31, pois

uma delas é utilizada para suporte dos projetores.” (Lotufo, 1982)

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Figura 13 e 14 – Projetor Zeiss e Planetário de Jena, Alemanha

Ele desenhou o projetor, construiu o domo e assim estava inventado o

planetário, um lugar onde os astrônomos tentam ”criar a ilusão da misteriosa

marcha da natureza.” (Lotufo, 1982)

2.2.3

Buckminster Fuller e as patentes

Após a construção do planetário de Jena houve considerável

desenvolvimento de domos e construções com cascas finas na Europa. Porém, foi

nos Estados Unidos que Richard Buckminster Fuller, filósofo, inventor e

professor veio a se tornar mais tarde a maior referência mundial no estudo e

divulgação das geodésicas.

Fuller já havia trabalhado em projetos inovadores e importantes como o

Dymaxion Car e as Dymaxion Houses e a partir de 1945 passou a se dedicar ao

estudo da trigonometria esférica baseado nas diversas formas geodésicas que

encontrava na natureza, tentando chegar ao cálculo matemático dessas formas.

O que mais intrigava Fuller era como uma esfera tão perfeita como uma

bolha de sabão podia ser construída e desconstruída com tanta facilidade. Mas foi

a estrutura óssea de um plâncton marinho, a radiolaria, que despertou a

curiosidade dele. Depois de muito observá-la, chegou à esquematização do

processo de divisão da esfera em triângulos a partir do cálculo matemático.

Rotacionando um icosaedro em todas as posições regulares possíveis, Fuller

chegou a 31 círculos máximos, cujas porções que melhor mantinham a interação

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entre tração e compressão foram utilizadas como membros da estrutura porque

desempenhavam o papel de menor caminho para os esforços estruturais, o que é a

intenção da geodésica.

Figura 15 – estrutura óssea da radiolaria

No ano de 1951 Fuller requisitou a patente do sistema construtivo e foi a

leveza dos domos geodésicos, sua principal característica, o diferencial que fez

com que ele conquistasse sua primeira encomenda do novo projeto. Em 1953, a

Ford Motor Company precisava de um domo para cobrir a rotunda de uma de suas

fábricas, porém os engenheiros propuseram uma cúpula de 160 toneladas cuja

rotunda não suportaria o peso. Henri Ford consultou Fuller que sugeriu um domo

geodésico nas mesmas dimensões da cúpula anterior porém pesando apenas 8,5

toneladas e fechou o contrato.

A patente foi concedida em julho de 1954 e comercializada por preços

reduzidos, criando condições para que Fuller dominasse o uso do cálculo e do

sistema. Durante as décadas de 1950 e 1960 ele viajou pelo mundo dando

palestras e popularizou os domos como uma ruptura na tecnologia da construção,

como as mais eficientes estruturas já inventadas, visionando os componentes do

domo sendo produzidos em massa em grandes linhas de produção. Mas o uso do

domo para habitação levantava questões como a divisão do espaço interno, a

instalação de portas e janelas ou a possibilidade de expansão da casa. Apesar do

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argumento de Fuller de que o domo utiliza menos materiais em sua estrutura, em

uma residência esse custo representa apenas 20% de seu custo final.

Um dos projetos mais audaciosos e conhecidos de Fuller foi o pavilhão

americano da exposição internacional de Montreal, no Canadá, ocorrida em 1967.

Um domo de três quartos de esfera com 76 metros de diâmetro e 61metros de

altura numa dupla camada: uma capa externa de triângulos, a geodésica

propriamente dita, e uma camada de hexágonos que suportavam cúpulas acrílicas,

todas móveis visando possíveis efeitos de temperatura. Contudo, um acidente

provocado por um soldador que trabalhava na estrutura causou um grande

incêndio que consumiu os painéis acrílicos em 15 minutos. Um dos arquitetos que

trabalhou no projeto tinha dito que todas as providências para evitar o fogo tinham

sido tomadas e devido a isso Fuller e seus companheiros foram duramente

criticados.

Figura 16 – O pavilhão americano na exposição de Montreal 1967

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2.2.4

Geodésicas pelo mundo

No final da década de 1960, inspirados em Fuller, os domos foram

associados a um novo estilo de vida, à contra cultura e aos hippies, fazendo “mais

com menos”. E das pessoas que simpatizavam com essas idéias que partiram as

primeiras propostas de uso da geodésica como espaço habitável. Um grupo de

estudantes de arquitetura e artistas que assistiu a uma palestra de Fuller pouco

depois fundou a primeira comunidade geodésica.

Drop City, nos arredores de Trinidad, no Colorado, teve como base de suas

construções a forma geodésica. Primeiramente foram construídos dois domos

geodésicos e depois outros dois domos inventados por Steve Baer, que escreveu:

“...as quinas restringem a mente, domos nos levam a novas dimensões...” (Shelter,

1973)

Esses domos foram construídos com partes de automóveis velhos, latas e

lixo industrial. Dez anos mais tarde a cidade foi abandonada e hoje é conhecida

como a cidade dos domos fantasmas.

Figura 17 e 18 – Drop City, no Colorado e Spaceship Earth, no Epcot Center

Uma das geodésicas mais famosas do mundo é a Spaceship Earth, o maior

ícone do parque temático Epcot Center, inaugurado em 1982 em Orlando, Flórida,

Estados Unidos. Trata-se de uma imensa esfera de 49 metros de diâmetro

composta de 954 painéis triangulares. Dentro dela os visitantes fazem um passeio

pela história da comunicação desde o Egito antigo até a comunicação moderna do

século XXI.

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Outro exemplo recente do uso das geodésicas é o Éden Project, um

complexo ambiental de larga escala localizados em Cornwall, no Reino Unido. O

conceito é de Tim Smith e o projeto é do arquiteto Nicholas Grimshaw. São

superestufas de domos agrupados que abrigam plantas do mundo todo, simulando

biomas naturais. Inaugurados em 2001, os domos têm dupla camada de plástico

transparente e simulam climas tropicais e mediterrâneos. Hoje é o segundo lugar

mais visitado do Reino Unido fora de Londres.

Figura 19 – Éden Project em Cornwall, Reino Unido

Nos Estados Unidos os domos são muito utilizados até hoje. Empresas de

diversos segmentos de mercado trabalham construindo casas ou alugando tendas

geodésicas. Uma delas é a American Ingenuity domes que comercializa domos

pré fabricados desde 1976. Outra empresa é a Pacific Domes, que trabalha com

estruturas geodésicas desmontáveis para diversos fins como brinquedo de praça,

estufas para plantas ou mesmo barracas para morar temporariamente.

Em outras partes do mundo os domos também são muito utilizados como

objetos lúdicos para crianças e um dos exemplos é o domo de pneus. Tais

estruturas utilizam pneus usados de dois tamanhos, similar ao princípio estrutural

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das bolas de futebol, formadas por hexágonos e pentágonos. Aqui os pentágonos

são os pneus menores e os hexágonos os maiores. Hoje em dia institutos de

Permacultura e Ecovilas também utilizam os domos associados a outras técnicas

construtivas alternativas para moradias, que muitas vezes são feitas pelos próprios

moradores como no Kibbutz Lotan, no deserto de Arava em Israel.

Figura 20 – American Ingenuity Domes, pré-fabricados nos EUA desde 1976.

Figura 21 – Pacific Domes, domos para abrigos, eventos, estufas e brinquedos

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Figura 22 – Brinquedos trepa-trepa feito de pneus usados

Figura 23 – Casa domo em construção e pronta em um kibbutz-ecovila em Israel

2.2.5

Livro Geodésicas e Cia – primeiras tabelas publicadas no Brasil

No ano de 1981, os arquitetos Vitor Amaral Lotufo e João Marcos de

Almeida Lopes publicaram em São Paulo um livro chamado “Geodésicas e Cia”.

Esta edição foi a primeira no Brasil a publicar as tabelas com os índices

necessários para a construção dos domos geodésicos. O livro não trata apenas das

geodésicas e suas histórias, mas dos sólidos geométricos, estruturas de tração e

compressão, princípios de aglomeração perfeita, tensão integral (tensegrity) e

ensina de forma bem simples as leis de formação das geodésicas.

Segundo Vitor Lotufo, a idéia da publicação surgiu de um texto sobre

estruturas que estavam escrevendo mas que não estava ficando bom, porém o

capítulo sobre as geodésicas era publicável, daí o editor Vicente Wissenbach da

Editora Projeto topou e a edição saiu com tiragem inicial de 3000 exemplares.

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A principal mensagem do livro é a auto-construção, ou seja o faça você

mesmo, como uma tentativa de resgate do que nossos antepassados faziam ao

procurar na natureza a inspiração e os materiais necessários para a construção.

Porém os autores deixam claro para o leitor que os domos não são remédios para

todos os males e inclusive colocam no livro depoimentos de Lloyd Kahn, editor

do Shelter e do Domebook e de Steve Baer, um dos fundadores de Drop City,

desencorajando as pessoas a construir as geodésicas.

Figura 24 – Capa e primeira página do livro “Geodésicas e Cia” de Lotufo e Lopes, 1981.

Uma das construções mostradas passo a passo no livro fica no sítio Beira

Serra, da família Lotufo em Botucatu no Estado de São Paulo. Foi construída no

ano de 1978 por Vitor Lotufo com o curioso objetivo de ser uma casa tão diferente

que fizesse com que seu pai o também arquiteto Zenon Lotufo não vendesse as

terras onde o sítio se localiza. A casa foi construída em regime de mutirão por

amigos e familiares de forma pré-fabricada. A casca é composta de triângulos de

compensado 6mm montados em caibros chanfrados que foram aparafusados e

como isolamento térmico foram colocados nos vazios entre os caibros placas de

isopor de 4cm de espessura, que foram fechadas com chapas de compensado 10

mm de espessura tendo as emendas isoladas por massa. Por cima de tudo pintura à

base de tinta poliuretano.

Figura 25 – Etapas da construção da casa geodésica dos Lotufo em Botucatu

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Em uma de suas edições de 1981, a revista Casa Claudia publicou uma

matéria sobre a casa da família Lotufo com o título “Casa geodésica: a arquitetura

do futuro” apontando a casa como um modelo para a construção industrial de

casas geodésicas pré-fabricadas. A reportagem de Elda de Almeida e Luzia

Moraes com fotos de Luiz Antonio descreve a casa de 52 metros quadrados mais

seis metros do mezanino, utilizado mais pelas crianças, a partir de uma visita e

entrevista com o arquiteto Vitor Lotufo.

Figura 26 – Fotos publicadas na revista Casa Claudia em 1981

No final de 2008, tive a oportunidade de visitar o Sítio Beira Serra em

Botucatu para conhecer pessoalmente a casa Geodésica. Apesar dos problemas

iniciais com infiltrações, provocados pelo uso de uma massa de vedação à base

d’água e de pequenos apodrecimentos nos compensados de madeira a casa foi

utilizada como moradia durante todos esses anos. Atualmente não há moradores

na casa mas ela continua mobiliada e pronta para receber hóspedes, apesar de

pequenos problemas de infiltração e pela invasão de formigas pelo chão devido à

pouco espessa camada de piso.

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Figura 27 – A casa geodésica em 1979, ano da inauguração – arquivo família Lotufo

Figura 28 – A casa em 2008, já com árvores crescidas em volta

Figura 29 – Fotos de detalhes do interior da casa

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Figura 30 – Fotos de detalhes do lado externo da casa

Segundo Vitor Lotufo, depois que o pai comprou o sítio nos anos 1970 veio

a idéia de construir a casa, que a princípio não era uma geodésica. Sua vontade era

gastar muito pouco numa casa que abrigasse a família e então chegou numa planta

redonda, com a mesa no centro para dar dois usos para o mesmo espaço, refeições

e circulação, chegando a uma meia cúpula pelo mesmo caminho da economia, a

menor superfície que envolve o maior espaço. Como ele já tinha uns livros

falando de geodésicas, achou que seria uma boa. A casa foi construída em três

meses e depois de algumas infiltrações foi revestida com fiberglass. O

revestimento durou um tempo até que as infiltrações voltarem. A partir daí não

houve mais manutenção. Está prevista uma reforma para o ano de 2009 sempre

em esquema de mutirão com amigos, familiares e voluntários.

Figura 31 – Planta baixa e corte esquemático da casa geodésica de Botucatu

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2.2.6

A geodésica cenográfica do PROJAC

No ano de 2008 foi construída uma casa geodésica como cenário para um

dos personagens da novela “A favorita” da TV Globo. Através do setor Globo

Universidade agendei uma visita à Central Globo de Produções, com o diretor de

arte Mário Monteiro, autor do projeto, que explicou que o personagem Augusto

César é um egresso da geração de hippies, então a sinopse pedia uma casa meio

anos 70, com um formato de OVNI ou pirâmide, já que o personagem também é

ufólogo mas depois veio a idéia de uma oca. Após algumas pesquisas em livros e

na internet, chegaram à geodésica.

Figura 32 – Fotos da casa-cenário do personagem Augusto César no Projac

Com estrutura metálica com 12 metros de diâmetro por 8 de altura, a

construção de 124 metros quadrados tem sala, cozinha, dois quartos, banheiro e

um escritório no mezanino com acesso a uma varanda. Segundo o diretor, o ator

José Mayer, que interpretou o personagem Augusto César na novela, gostou tanto

da casa que encomendou uma para seu sítio no interior do Estado do Rio de

Janeiro.

A casa tem os mesmos problemas encontrados em Botucatu como as

infiltrações, justificadas pelo diretor como falta de verba para soluções definitivas

por se tratar de um cenário. No interior da construção também é bem quente

devido aos panos de vidro que garantem boa iluminação natural, mas obrigaram

os técnicos a instalarem aparelhos de ar condicionado escondidos pelo cenário.

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2.2.7

Ripper e LOTDP/LILD – Geodésicas no meio acadêmico

Em meados da década de 1960 no Brasil o artista plástico Edgar Duvivier

projetou a primeira casa de plástico do país. Pouco mais tarde, Duvivier convidou

o arquiteto e professor José Luis Mendes Ripper para desenvolverem juntos um

domo geodésico de fibra de vidro. O artista já havia montado um exemplar com

elementos de madeira e coberto com compensado, mas queria aperfeiçoá-lo e

juntamente com Ripper utilizaram elementos do primeiro domo para fazerem

moldes em barro e depois formas compostas em fibra de vidro. A construção de

40 metros quadrados e apenas 250 quilos foi instalada no bairro do Sumaré, no rio

de Janeiro e serviu como uma casa de hóspedes e foi utilizada como cenário para

um filme, marcando o contraste entre uma família que morava no campo e outra

que morava na cidade.

Figura 33 – Geodésica de fibra de vidro – Duvivier e Ripper

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A obra ficou ainda mais interessante porque foi erguida em cima de um

platô circular que por sua vez ficava sobre uma base cilíndrica, lembrando a forma

de um cogumelo. O acesso é localizado neste cilindro, que vai do chão até o topo

da construção, servindo de suporte para uma caixa d’água. O curioso é que nessa

época as tabelas para construção das geodésicas ainda não haviam sido publicadas

no Brasil e o dimensionamento dos elementos construtivos foi feito por dedução e

intuição. Ripper já tinha conseguido um encontro com Fuller quando este veio ao

Brasil, mas não conseguiu as informações que desejava porque o interesse do

americano era vender o direito de uso do princípio construtivo patenteado por ele.

A partir daí, Ripper passou a se dedicar, entre outras coisas, à pesquisa e

desenvolvimento de estruturas leves, como as geodésicas. Criou na PUC-Rio o

LOTDP (Laboratório Oficina de Treinamento e Desenvolvimento de Protótipos),

hoje LILD (Laboratório de Investigação em Living Design) pertencente ao

Departamento de Artes e design, onde alunos, ex-alunos e professores

desenvolvem tecnologias para serem aplicadas no meio social rural. São técnicas

de baixo impacto ambiental, simples de serem apreendidas e absorvidas, e que

utilizam ferramental manual de fácil aquisição, empregando matéria prima vegetal

e mineral pouco processada, conforme encontrada em fonte próxima ao local de

construção. São mais de 30 anos de pesquisa, sendo referência mundial em

construções leves com bambus, barro e fibras naturais.

Nos primeiros estudos com as geodésicas no laboratório a ênfase era no

desenvolvimento de juntas, ou nós, locais onde as barras se encontram e se unem

umas às outras. Foram desenvolvidas diversas juntas de diferentes materiais,

porém era complexa a interação das juntas com barras de bambu, por estas não

serem padronizadas e não terem um diâmetro regular. Outro dos problemas

encontrados era a necessidade de aparafusar os bambus nas juntas, o que causava

desgaste nos bambus sempre que era necessário montar e desmontar a estrutura ou

sempre que a mesma era solicitada estruturalmente. Um outro problema

encontrado era o acúmulo de erro, ou seja, se a estrutura não tivesse grande

precisão nas suas peças, juntas e barras, no momento da montagem a estrutura não

fechava devido a esse acúmulo de pequenas imprecisões que quando somadas

faziam a diferença.

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Figura 34 – Geodésica com juntas desenvolvida no LOTDP. Foto Marcelo Fonseca

Em outubro de 1999, foi realizado o segundo Seminário Regional sobre a

Utilização do Bambu, no Centro de Capacitação da prefeitura de Campo Grande,

no Mato Grosso do Sul. Os realizadores convidaram o Professor Ripper para

palestrar no evento e convidaram também seus alunos e estagiários para

realizarem um “workshop”, com a participação livre dos inscritos no seminário.

Projetada pelos estagiários do LOTDP, foi construída a estrutura de um domo

geodésico de bambu com três metros de raio.

Figura 35 – Domo construído em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul

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A técnica construtiva utilizada foi a das vigas recíprocas (ou “giro”), onde

não existe juntas, as barras de bambu da espécie Bambusa tuldoides não tratado

foram amarradas com cordas de nylon e torniquetes de bambu. Foi construída em

dois dias, no horto florestal da cidade. Tal técnica de amarração com cordas e

torniquetes tinha sido apresentada em 1997, num workshop realizado no primeiro

seminário onde foi construída uma estrutura de bambu para uma estufa.

Figura 36 – A técnica das vigas recíprocas amarradas ou simplesmente “giro”

No ano de 2001 foi desenvolvida no laboratório uma pesquisa para o

desenvolvimento de um abrigo que se estrutura basicamente pela interação dos

bambus com cabos segundo a técnica do Tensegrity. Um artigo foi publicado com

o titulo “Técnicas de constituição de objetos tecnológicos e sua aplicação à

geração de um domo de bambu tensegrity” (Ripper et al.). Foram construídos e

testados modelos em escala reduzida e um protótipo em tamanho natural, sendo

que no modelo foi proposta uma membrana estrutural que não foi executada no

protótipo.

Figura 37 – Esfera tensegrity frequência 2v produzida por Marcelo Fonseca no LILD

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Em 2002 Claudia Pereira Leite, então mestranda e pesquisadora do LILD,

apropriou-se da técnica do domo tensegrity e desenvolveu uma membrana

estrutural para o objeto. Dentro dele ela realizou sua pesquisa intitulada “Estética

sensorial não visual: percepção do belo háptico”, que consistia na

experimentação com objetos de arte e design em ambiente escuro, buscando

avaliar a possibilidade de fruição do belo háptico por pessoa cegas e não-cegas.

Figura 38 – Domo tensegrity com membrana estrutural desenvolvido para o trabalho de

Claudia Leite no LILD

A pesquisa com o domo geodésico teve seqüência com a encomenda de

um projeto de uma capela utilizando materiais e mão de obra local em

Andrelândia, Minas Gerais. Os experimentos com cargas pontuais em direção ao

centro da geodésica tinham sido tão animadores que o objetivo agora era colocar

os elementos de dentro para fora, utilizando o domo como um núcleo estrutural, o

ponto de partida para uma estrutura externa a ele. A partir dos nós foram

amarrados elementos estruturais de bambu que apóiam a estrutura da cobertura.

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Figura 39 – Elementos estruturais apoiados no modelo e detalhe dentro da capela

Para ajudar na execução da capela, modelos físicos reduzidos foram

confeccionados junto aos trabalhadores que iriam participar do mutirão. A

estrutura é de bambus amarrados com cipós, a cobertura é de sapê e os planos

torcidos em volta da construção são de bambu com aplicação de barro cru.

Figura 40 – Fases de construção da capela em Andrelândia – MG

Figura 41 – A capela de Andrelândia-MG, sua entrada e detalhe do interior

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Figura 42 – A capela de Andrelândia-MG

2.2.8

Arquiteto Shuhei Endo e a Bubbletecture

No ano de 2008 foi inaugurado no Japão um centro de exposições sobre o

meio ambiente do planeta Terra. O cliente era a prefeitura de Hyogo, que solicitou

um local onde todos os visitantes, inclusive os funcionários, aumentassem o

interesse pelas causas ambientais a nível global e fossem capazes de experimentar

diferentes abordagens sobre o tema num local de estudo ambiental.

Figura 43 – Planta de situação e foto do local da construção feita do alto.

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O arquiteto escolhido foi Shuhei Endo que com seus assistentes Kengo

Sasamoto e Aya Umemoto, pensaram na criação de um novo ambiente, um espaço

arquitetônico onde principalmente através da circulação poderíamos integrar

natureza, meio ambiente e pessoas, atendendo ao pedido do cliente.

Figura 44 – Interior do Bubbletecture de Shuhei Endo

Figura 45 – Interior do Bubbletecture de Shuhei Endo

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O local é numa área íngreme do lado norte da floresta. Depois de integrar

todas as funções solicitadas em três espaços, a área e volume foram definidos de

acordo com a função e estrutura. Dois espaços foram dispostos lado a lado em

terra plana e outro foi projetado num declive elevado do solo, mas no mesmo

nível dos outros dois. Isso se explica pelo uso racional da terraplanagem,

mantendo a forma natural da terra no máximo possível, minimizando a influência

da construção sobre o ambiente natural. O formato do edifício mostra o desenho

racional que liga estas três funções no mesmo plano, totalizando 968 metros

quadrados de área construída, num espaço de 5 mil metros quadrados.

Figura 46 – Fotos de divulgação do Bubbletecture

A madeira utilizada na estrutura em forma de toras é o cipreste japonês,

utilizado para percebermos a estrutura bem leve e para amenizar as emissões de

gás carbônico. Chapas de aço resistentes ao tempo com 1,2 milímetros de

espessura são utilizados como telhado e como acabamento de paredes, tendo

como principal característica não enferrujar mais depois de estabilizado o

processo inicial de ferrugem.

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Figura 47 – Lado externo do Bubbletecture

Figura 48 – Vista de quem chega pela estrada do Bubbletecture

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Alem disso, como paredes e teto verdes, aplicaram um musgo que cresce

pela umidade atmosférica e uma turfa que cresce no solo e que tem alta

capacidade de reter água. Os materiais foram escolhidos não só pelas

características de baixa ou nenhuma manutenção, mas pela qualidade que adquire

a forma com o espetáculo natural, obtendo a expressão da arquitetura que coopera

com o ambiente natural que muda, crescendo à sua volta.

Figura 49 – O telhado verde do Bubbletecture

Figura 50 – Bubbletecture integrado ao entorno e à paisagem

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