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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 12 Dia 1 O início da civilização Época inicial 1 de Janeiro de 2009 Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

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Dia 1

O início da civilização

Época inicial

1 de Janeiro de 2009

Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom

1 2 3 4

5 6 7 8 9 10 11

12 13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 23 24 25

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7:00 Habitantes: 115 Densidade populacional: 230 hab.\km2

Ao som do galo mecânico, os animais da Quinta da Confusão acordaram para o que parecia ser um dia perfeitamente comum. Era o primeiro dia de 2009, mas para os animais isso não significava nada. Apenas sabiam que começara um novo ano porque, no dia anterior, tinha havido uma grande festa na quinta, com churrasco e lançamento de foguetes. Os animais tinham visto, de longe, todos os familiares e amigos de Afonso e Aníbal Gomes, incluindo o fundador da Quinta da Confusão, António Gomes. Tinha 90 anos de idade, mas em tudo parecia ter trinta anos a menos. As festas do Ano Novo eram tristemente célebres entre os animais da quinta, pois sempre que ocorriam, eram abatidos pelo menos dois porcos e uma vaca para alimentarem as cerca de 30 pessoas que compareciam na quinta todos os anos, que depois eram grelhados e servidos com batatas fritas, salada e ketchup.

Deixando de lado essas tristes recordações, os animais foram então fazer a sua vida habitual: andar pela Quinta da Confusão sem nenhum destino em especial e comer umas ervas quando tivessem fome. Uma vez por semana, os donos da quinta capturavam alguns animais para venderem em Bragança ou no Porto, a altos preços porque eram gordos e saudáveis (o que muito admirava os próprios animais, devido à sua fraca alimentação), e habitualmente regressavam com outros mais magros comprados a preços menores. Engordavam na quinta durante meses, ou mesmo anos, e depois eram novamente vendidos. Graças a isso os dois Gomes eram bastante ricos, mesmo não fazendo nada pela quinta. Nem sequer davam carne aos cães, pelo que estes tinham que se alimentar igualmente com ervas. A única coisa que faziam regularmente pelos animais era irem pôr ração ao celeiro, em sacos tão velhos que provavelmente deveriam ter vários anos. Os animais nem tocavam na ração, só indo para o celeiro em dias de tempestade. Robustos e resistentes ao frio, nem se importavam de atravessar a nado a ribeira.

Mas esse dia, 1 de Janeiro de 2009, iria ser o primeiro de uma longa série deles que iria mudar a vida desses animais para sempre. Um dos porcos, sem perceber como, conseguiu pôr-se em duas patas e aguentar-se tão bem como se estivesse apoiado nas quatro. Um cavalo, em vez de relinchar, disse «Mais um dia como todos os outros» em bom português. Uma das vacas conseguiu levantar um pequeno tronco com uma das patas da frente. Rapidamente, os animais da Quinta da Confusão perceberam que se tinham tornado racionais. Conseguiam andar, falar e inclusive ler tão bem como qualquer pessoa. Não sabiam o porquê disso ter acontecido, mas

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de momento também não lhes interessava saber. Um episódio cómico aconteceu quando um cavalo experimentou bater à porta dos donos, para perguntar o que é que havia para se fazer na Quinta da Confusão. Afonso Gomes, quando abriu a porta e se deparou com um cavalo sobre as duas patas a falar português, gritou apavorado «Socorro! Um cavalo falante!» e fugiu pela janela. O cavalo, estranhando a atitude do dono, entrou na casa e sentou-se no sofá, em frente à televisão que estava a dar um jogo de futebol.

Aníbal Gomes, que tinha ido à casa de banho, saiu apressadamente quando ouviu o irmão gritar que estava ali um cavalo falante. Não vendo ninguém, sentou-se no sofá e, sem se aperceber de que ao seu lado estava não o seu irmão mas sim um cavalo, pôs-se a comentar o jogo, o resultado que ele esperava, a forma física dos jogadores e outras coisas. O cavalo, sem perceber nada, lá ia respondendo como calhava: «Sim»; «Não»; «Pois é»; «Concordo» e outras expressões. Quando ia na escolha dos jogadores em jogo pelos treinadores, Aníbal olhou pela primeira vez para a sua esquerda e finalmente, apercebeu-se de que estivera a falar para um cavalo aquele tempo todo. Este, atrapalhado, apontou para a janela e disse «O seu irmão foi por ali». Aníbal olhou com um ar apavorado para a janela, depois para o cavalo, e por fim saltou do sofá e fugiu pela janela a gritar como o seu irmão. Quanto ao cavalo, tão atrapalhado como os donos estavam assustados, preferiu sair da sua casa e pensar nas coisas que havia de fazer noutro sítio.

Esse problema não afectava só o cavalo que estivera na casa dos donos, pois nenhum dos animais fazia ideia do que havia de fazer agora que era racional. Mas um deles teve uma ideia brilhante: organizar-se uma reunião entre todos os 115 animais da quinta para que em conjunto se decidisse o futuro da nova Quinta da Confusão. A ideia foi logo aceite, pois vários animais foram a correr divulgar a notícia pela quinta. Deu-se o nome de Conselho da Quinta da Confusão ao acontecimento que se ia iniciar.

7:30

Eram 7:35, segundo os donos, quando se iniciou oficialmente o Conselho da Quinta da Confusão. Mas, para esse concelho acontecer, foi preciso uma série de passos. Primeiro, tiveram que chegar todos os animais da Quinta da Confusão ao local escolhido, que era o celeiro. Depois, tiveram que se escolher três animais para serem, respectivamente:

• O presidente do conselho, cuja função seria escolher os animais que iriam falar e dar ideias; decidir os temas a debater e levá-los a votação caso fosse preciso e, por último, declarar aberto e encerrado o conselho

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• O secretário, cuja função seria registar por escrito tudo o que se achasse importante para depois criar o Relatório do Conselho, que conteria todas as conclusões do evento

• O contabilista, cuja função seria, em caso de votação, contar os votos de cada uma das propostas, ditar o seu número ao secretário e declarar a que saíra vencedora

Por último, foi necessário pedir aos donos algo para o secretário poder escrever. Estes, ainda mal refeitos do susto que apanharam com o «cavalo falante», lá entregaram uma caneta e algumas folhas de papel. Como todos os animais da Quinta da Confusão iam estar no conselho, pelo que os donos ouviram, estes, curiosos, acabaram por ir também para o celeiro, onde assistiram à reunião do andar superior, no mesmo local onde estavam o presidente, o secretário e o contabilista. No rés-do-chão, no meio de todas as coisas velhas e cheias de poeira do celeiro, estavam 112 animais distribuídos por 4 filas de 28 cada.

Às 7:35, o presidente do conselho declarou o seu início, com a questão dos nomes dos animais. Segundo ele, os animais tinham que ter nomes para se poderem distinguir uns dos outros. O problema era: que nomes é que deveriam ser atribuídos? O presidente ouviu várias opiniões, até que escolheu duas propostas para votação. Uma sugeria que os animais tivessem os mesmos nomes das pessoas. A outra sugeria que o nome do animal fosse o da sua espécie seguido pela ordem de chegada à Quinta da Confusão. Ou seja, o porco 1, entre todos os porcos da quinta, seria o que lá estava há mais tempo, o porco 2 o segundo e por aí fora. Realizou-se então a votação de uma maneira simples: quem se levantasse quando o presidente repetisse a primeira proposta dar-lhe-ia um voto, quem se levantasse quando o presidente repetisse a segunda dar-lhe-ia um voto, quem não se levantasse em nenhuma daria um voto nulo. A segunda proposta foi a vencedora, com mais de 90 votos. Agora, era altura de atribuir os nomes aos animais de acordo com a sua ordem de chegada à Quinta da Confusão, algo que duraria até às 8:30.

8:30

Habitantes: 85

Terminaram as escolhas dos nomes dos animais, quando o último dos 115 recebeu o seu nome. O secretário, um cavalo que recebera o nome de cavalo 3, apontou tudo nas folhas que recebera dos donos. Aliás, foi graças à ajuda dos registos que os donos forneceram que o estudo foi concluído. O cavalo 3 era um dos animais mais antigos da Quinta da Confusão, apesar de ser novo. Nascera na quinta em 12 de Dezembro de 2005, enquanto que o animal mais antigo da quinta chegara lá em Outubro de 2004 (já lá iam 4

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anos e 3 meses). Ficou também estabelecido que, mesmo que quase todos os animais da quinta fossem mortos ou vendidos, o nome desse animal manter-se-ia.

Todavia, o conselho ainda não estava concluído. Faltava decidir o que os animais iriam fazer agora que eram racionais. Fez-se um levantamento das prioridades e necessidades dos animais: abrigo, comida (com o frio e a neve, as ervas escasseavam, e eram cada vez mais os animais que já tinham passado um dia inteiro sem comer) e aquecimento. O tema foi a votação, e a comida foi eleita a principal prioridade dos animais. Era necessário cultivar ervas para alimentar os 115 animais da Quinta da Confusão, para que a fome fosse erradicada da quinta. E, para espanto dos donos, o último tema do conselho foi o que se fazer com os donos, que nada tinham feito pelos animais: deixá-los estar onde estavam, elegê-los presidentes da Quinta da Confusão (para que fossem eles a comandar os animais e a dirigir o desenvolvimento da quinta) ou expulsá-los permanentemente. A primeira hipótese ganhou por apenas 3 votos contra a última, que os expulsaria para sempre da Quinta da Confusão. Os donos ficaram furiosos por verem o seu destino decidido por «um bando de bichos falantes que pensam que são os donos da quinta só por saberem andar sobre as duas patas», segundo as suas palavras, e abandonaram de imediato o celeiro. Terminava assim o Concelho da Quinta da Confusão, que decidira assim o futuro dos animais ao dar-lhes nomes, ao decidir a sua principal prioridade e ao manter os donos na quinta.

O seu relatório ocupava uma página de frente e de verso e ainda metade da 3ª página, sendo que ficou na posse do cavalo 3 depois de ser escrito (ficou pronto 5 minutos depois do fim do conselho). Muitos dos animais já estavam a pensar em como iam cultivar ervas com a Quinta da Confusão coberta de neve quando entraram no celeiro os donos. Mas, para horror dos animais que estavam no celeiro (alguns já tinham saído), eles não estavam sós. Atrás deles, vieram pelo menos 20 pessoas armadas com laços e espingardas que lançavam dardos tranquilizantes, que adormeciam os animais fugitivos. Os habitantes da Quinta da Confusão conheciam bem os seus efeitos. Bastava um dardo desses atingir um animal e em segundos este adormecia, para só acordar dentro do camião em movimento ou no mercado. E nunca nenhum animal da Quinta da Confusão que entrara nos camiões regressara alguma vez à quinta, portanto os animais sabiam que a viagem era só de ida. Uma vez no mercado, só sairiam dali para outra quinta que não a Quinta da Confusão. Os porcos e as vacas que tinham sido comprados pelos donos diziam que os prendiam dentro de uma cela com palha e um bebedouro, no meio de várias outras celas cheias de animais da mesma espécie. Certos animais das suas espécies eram levados para uma sala a que as pessoas chamavam o matadouro. Não sabiam que sala era essa, só sabiam que, à excepção das pessoas, quem entrasse ali não sairia