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http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562018021.180092 Padrões alimentares de indivíduos idosos do município de São Paulo: evidências do estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento) Dietary patterns of elderly persons from the city of São Paulo: evidence from the SABE (Health, Wellbeing and Aging) survey Padrões alimentares de idosos do município de São Paulo Dietary patterns of elderly persons from the city of São Paulo Daiana Aparecida Quintiliano Scarpelli Dourado 1,2 Maria de Fátima Nunes Marucci 3 Manuela de Almeida Roediger 1 Yeda Aparecida de Oliveira Duarte 4 Resumo Objetivo: determinar os padrões alimentares da população idosa, considerando aspectos sociodemográficos, de estilo de vida e clínicos. Método: foi realizada uma análise transversal nas coortes do Estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento). Estudo de caráter epidemiológico, de base domiciliar, representativo do município de São Paulo. A população deste estudo incluiu 1.304 idosos (≥60 anos), de ambos os sexos, selecionados por amostragem probabilística estratificada, entrevistados em 2010. Os dados sobre alimentação foram obtidos por meio de questionário de frequência alimentar 1 Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição, Programa de pós-graduação Nutrição em Saúde Pública. São Paulo, São Paulo, Brasil. 2 Universidad del Desarrollo, Facultad de Medicina, Escuela de Nutrición y Dietética. Santiago de Chile, Chile. 3 Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição. São Paulo, São Paulo, Brasil. 4 Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Médico- Cirúrgica. São Paulo, São Paulo, Brasil. Correspondência Daiana Aparecida Quintiliano Scarpelli Dourado [email protected]

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http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562018021.180092

Padrões alimentares de indivíduos idosos do município de São Paulo:

evidências do estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento)

Dietary patterns of elderly persons from the city of São Paulo: evidence from

the SABE (Health, Wellbeing and Aging) survey

Padrões alimentares de idosos do município de São Paulo

Dietary patterns of elderly persons from the city of São Paulo

Daiana Aparecida Quintiliano Scarpelli Dourado1,2 Maria de Fátima Nunes Marucci3 Manuela de Almeida Roediger1 Yeda Aparecida de Oliveira Duarte4

Resumo

Objetivo: determinar os padrões alimentares da população idosa, considerando

aspectos sociodemográficos, de estilo de vida e clínicos. Método: foi realizada

uma análise transversal nas coortes do Estudo SABE (Saúde, Bem-estar e

Envelhecimento). Estudo de caráter epidemiológico, de base domiciliar,

representativo do município de São Paulo. A população deste estudo incluiu

1.304 idosos (≥60 anos), de ambos os sexos, selecionados por amostragem

probabilística estratificada, entrevistados em 2010. Os dados sobre

alimentação foram obtidos por meio de questionário de frequência alimentar

1Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição,

Programa de pós-graduação Nutrição em Saúde Pública. São Paulo, São Paulo, Brasil. 2Universidad del Desarrollo, Facultad de Medicina, Escuela de Nutrición y Dietética. Santiago

de Chile, Chile. 3Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição. São

Paulo, São Paulo, Brasil. 4Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Médico-

Cirúrgica. São Paulo, São Paulo, Brasil. Correspondência Daiana Aparecida Quintiliano Scarpelli Dourado [email protected]

qualitativo. Os padrões alimentares foram determinados pela análise fatorial

exploratória por componentes principais. Foram utilizados Teste de Wald para

amostragem complexa. Resultados: quatro padrões alimentares foram

identificados: padrão inadequado, composto por: frituras, embutidos, enlatados,

doces, tubérculos, temperos e molhos industrializados e ovos; padrão

modificado: laticínios desnatados, cereais e pães integrais e alimentos

light/diet/zero; padrão benéfico: frutas, verduras e legumes e tubérculos; e

padrão tradicional brasileiro: óleos vegetais, arroz, cereais refinados e pão

branco, carnes e leguminosas. O perfil sociodemográfico e de estilo de vida

dos idosos que adotam cada padrão alimentar é distinto. Conclusão: os

padrões alimentares compostos por alimentos saudáveis estiveram associados

ao sexo feminino, idosos com mais de 2 doenças crônicas, mais longevos, com

maior escolaridade, melhor estilo de vida e autopercepção de saúde.

Importante considerar estes aspectos, pois são determinantes no tipo de dieta

adotado por esta população.

Palavras-chave: Saúde do Idoso. Dieta. Análise Fatorial. Condições Sociais.

Estilo de Vida.

Abstract

Objective: to determine the dietary patterns of elderly persons in terms of

sociodemographic, lifestyle and clinical aspects. Method: a cross-sectional

study was conducted using the cohorts of the SABE (Health, Welfare and

Aging) study. An epidemiological, home-based study representative of the city

of São Paulo was carried out. The population of this study included 1,304

elderly persons (≥60 years), of both genders, selected by probabilistic stratified

sampling, interviewed in 2010. Food intake data were obtained through a

qualitative food frequency questionnaire. Dietary patterns were determined by

exploratory factorial analysis by principal components. The Wald test was used

for complex sampling. Results: four dietary patterns were identified: inadequate

patterns, consisting of fried and canned food, sausages, sweets, tubers,

industrialized sauces and eggs; modified pattern, skimmed milk, whole grain

breads and cereals, light/diet/zero foods; beneficial pattern, fruits, vegetables

and tubers; and traditional Brazilian pattern, vegetable oils, rice, refined cereals

and white bread, meats and legumes (beans). The sociodemographic and

lifestyle profile of the elderly persons who adopted each dietary pattern was

different. Conclusion: healthier dietary patterns were associated with the female

gender, older elderly persons, two or more chronic diseases, higher levels of

schooling, a better lifestyle and a better self-perception of health. It is important

to consider all these aspects as they are determinant in the type of diet adopted

by this population.

Key words: Health of the Elderly. Diet. Factor Analysis, Statistical. Social

Conditions. Life Style.

INTRODUÇÃO

A epidemiologia nutricional, tradicionalmente, foca a relação entre o

efeito de nutrientes ou de um alimento específico sobre desfechos em saúde1-3.

Entretanto, esse tipo de análise tem sido considerado limitado, já que a

alimentação humana é complexa e possui diferentes componentes (químicos,

combinação de alimentos, características do solo, água, uso de fármacos, entre

outros) que podem alterar a biodisponibilidade de um determinado nutriente.

Por isso, muitos pesquisadores têm proposto o estudo do padrão alimentar,

pois consideram que os alimentos não são ingeridos isoladamente na dieta4,5 .

Segundo a Dietary Guidelines for Americans o padrão de consumo

alimentar é definido como “a descrição dos tipos e quantidades de alimentos e

bebidas ingeridas, em média, ao longo do tempo”, ou seja, a descrição pode

ser de um hábito alimentar ou de uma combinação de alimentos recomendados

para a ingestão6. O padrão alimentar expressa situações reais de

disponibilidade de alimentos, envolve seleções, escolhas, ocasiões e rituais, e

varia de acordo com o grupo etário, étnico, condição socioeconômica e

cultura3,7. As escolhas alimentares não se fazem apenas com os alimentos

mais nutritivos, ou com os mais acessíveis e ofertados pelo mercado, mas

também pela cultura que define as permissões ou interdições alimentares, e

isso desempenha uma função fundamental na formação e manutenção dos

hábitos alimentares8.

A dieta brasileira típica atual está passando por transformações,

especialmente nas faixas etárias mais jovens, mas também com impacto em

idosos9,10. Freitas et al.10 constataram que houve reducao na compra de

alimentos tradicionais basicos , como arroz , feijão e hortaliças , e aumentos

expressivos (de ate 400%) na compra de alimentos processados, como

bolachas e biscoitos, refrigerantes, carnes processadas e pratos prontos, no

padrão de alimentação de idosos brasileiros. Isso pode ser reflexo das

mudanças reportadas nos estudos que analisaram as compras de alimentos

pelas familias brasileiras, da decada de 1970 a meados da decada de 2000.

Souza et al.11 analisaram por meio de registro alimentar os dados de

uma subamostra de 25% dos domicílios brasileiros, que compunham a amostra

original da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, perfazendo um

total de 34.003 indivíduos, com idade acima de dez anos, incluindo idosos. Os

alimentos mais consumidos por toda a população brasileira foram: arroz

(84,0%), café (79,0%), feijão (72,8%), pão de sal (63,0%) e carne bovina

(48,7%). A estratificação por idade mostrou que o café é o mais consumido

pelos idosos, além disso, quando comparados com os grupos etários observa-

se que os idosos são os únicos que incluíram maior número de frutas e

hortaliças entre os alimentos mais prevalentes (banana e laranja; salada crua e

alface).

Padrões alimentares saudáveis caracterizados por maior ingestão de

frutas e vegetais têm sido relacionados a menores riscos de câncer, diabetes,

doenças cardiovasculares e doença de Alzheimer, enquanto os padrões

alimentares ocidentais (açúcar, gordura, alimentos processados e grãos

refinados) podem promover efeito inverso. Há estudos indicando que os

padrões alimentares podem ser influenciados não somente pela idade, mas

também por sexo, estado socioeconômico, civil, arranjo familiar, estilo de vida e

condições clínicas como presença de doenças e mastigação12-15.

A análise fatorial para determinação dos padrões alimentares vem

sendo sugerido na literatura pois, examina a dieta global bem como efeitos

interativos dos alimentos e respectivos nutrientes, não focalizando somente em

um alimento ou nutriente específico. Este tipo de abordagem pode melhorar a

compreensão das práticas alimentares atuais, oferecer uma maneira de avaliar

os resultados da saúde das pessoas que aderem a determinado padrão, e

produzem resultados que podem ser diretamente aplicáveis uma vez que, as

recomendações para populações baseadas em alimentos são mais

compreensíveis que baseada em nutrientes4,16.

Embora pareça óbvio que padrões alimentares menos adequados

podem estar associados negativamente a saúde, em idosos esta relação ainda

necessita ser melhor compreendida, visto que a alimentação inadequada nesta

idade parece estar relacionada a idosos com menor número de doenças

crônicas e complicações, sendo necessário o seguimento desses indivíduos

para identificar os determinantes e o momento das mudanças dietéticas. O

presente estudo teve como objetivos identificar os padrões alimentares da

população idosa do município de São Paulo, participantes da coorte de idosos

do Estudo SABE (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento), e verificar associação

com variáveis sociodemográficas, de estilo de vida e clínicas.

MÉTODO

Delineamento do estudo

Trata-se de uma abordagem transversal dos idosos pertencentes a três

coortes do estudo SABE, Brasil.

O estudo SABE teve o objetivo de conhecer as condições de vida e

saúde de idosos (≥60 anos) da América Latina e Caribe. A Organização Pan

Americana de Saúde (OPAS) coordenou um estudo multicêntrico,

epidemiológico e de base domiciliar no período de 2000 a 2001, em sete

países: Argentina (Buenos Aires); Barbados (Bridgetown); Brasil (São Paulo);

Chile (Santiago); Cuba (Havana); México (Cidade do México) e Uruguai

(Montevidéu)17.

No Brasil, o estudo foi realizado no município de São Paulo (SP), sendo

coordenado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São

Paulo (USP), apoiado pela OPAS e financiado pela Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Ministério da Saúde17.

Todos os procedimentos do processo de amostragem (idosos e

domicílios), coleta, elaboração do banco de dados foram publicados

anteriormente17,18. O questionário utilizado para o estudo foi o proposto pela

OPAS, traduzido e adaptado para utilização no Brasil.

Os procedimentos para a coleta de dados e o questionário utilizado para

registro dos dados foram iguais nas três coortes consideradas neste estudo. Os

idosos sobreviventes de 2000 e 2006 foram entrevistados em 2010, excluindo

os que morreram, mudaram, não localizados, que foram

hospitalizados/institucionalizados ou que se recusaram a participar.

População de estudo

A população deste estudo foi composta 1.304 indivíduos obtidos pela

combinação de dados dos idosos (≥60 anos), de ambos os sexos, participantes

do Estudo SABE em 2010, sendo pertencentes a três coortes: coorte A -

iniciada em 2000, com idosos ≥60 anos (n=738); coorte B - iniciada em 2006,

com idosos de 60 a 64 anos (n=239); e, coorte C - iniciada em 2010, com

idosos de 60 a 64 anos (n=327).

Foram incluídos todos os indivíduos entrevistados em 2010 com dados

completos das variáveis de estudo, sendo excluídos das análises os indivíduos

que não sabiam ou não responderam alguma das perguntas.

Variáveis de estudo

As variáveis de estudo se subdividiram em:

- Ingestão alimentar

A alimentação habitual foi investigada por meio de um questionário de

frequência alimentar (QFA) qualitativo validado por comitê de especialistas na

área de alimentação e envelhecimento que considerou a ingestão habitual do

último mês. O mesmo foi composto por 107 alimentos, subdivididos em 18

grupos de alimentos conforme apresentado no quadro 1.

Quadro 1 - Lista dos alimentos pertencentes a cada grupo de alimento do

questionário de frequência alimentar utilizado no Estudo SABE. Município de

São Paulo, SP, 2010.

Grupo de alimentos Alimentos pertencentes

Frutas banana, laranja, maçã, mamão, melancia, uva.

Legumes e Verduras abobrinha, cenoura, chuchu, pepino, tomate, alface, agrião, couve, repolho, rúcula.

Laticínios desnatados leite desnatado ou semidesnatado, iogurte desnatado, queijos brancos e queijos lights.

Laticínios integrais leite integral, iogurte integral, queijo muçarela e prato.

Carnes vaca, frango, peixe ou porco.

Ovos ovos de galinha e codorna.

Leguminosas feijão (branco, preto, carioca), lentilha, grão de bico, ervilha seca e soja.

Embutidos salsicha, salame, linguiça, mortadela, presunto, peito de peru, blanquet.

Arroz, pães e massas refinados

pão, arroz branco, macarrão, bolo, aveia, biscoitos sem recheio, fubá, farinha de milho e farinha de mandioca.

Cereais e pães integrais

pão , arroz, bolo, macarrão, biscoitos.

Tubérculos batata inglesa, inhame, cará, mandioca, mandioquinha, batata doce.

Doces balas, bombom, pirulito, chocolate, bolacha recheada, geleia, pudim, mousse, sorvete, doce de leite, de abóbora, cocada, caldo de cana e refrigerantes não dietéticos.

Alimentos light, diet ou zero

refrigerantes, sucos, gelatina, balas e chocolates.

Óleos vegetais e derivados

óleo de soja, milho, girassol, canola, azeite de oliva, margarina e maionese.

Gordura animal manteiga, creme de leite, nata, banha de porco e toucinho.

Frituras pastel, batatinha frita, coxinha, quibe e rissole.

Enlatados ervilha, milho, azeitona, massa ou molho de tomate.

Temperos ou molhos Industrializados

molhos para saladas, caldos em tablete ou em pó, sopa industrializada, macarrão instantâneo e salgadinhos de pacote.

As possibilidades de respostas das frequências de ingestão foram: 1.

não come ou come de vez em quando; 2. come uma vez por semana; 3. come

de duas a três vezes por semana, 4. come de quatro a seis vezes por semana;

5. come uma vez por dia; 6. come de duas a três vezes por dia; 7 não sabe; 8.

não respondeu. Os indivíduos que não sabiam ou não responderam o QFA

foram excluídos desta análise.

- Sociodemográficas:

Sexo (masculino e feminino); grupo etário (60 a 74 anos e ≥75 anos, em

2010). Escolaridade, categorizada em anos de estudo (analfabeto, um a quatro

anos, cinco a oito anos, > oito anos). Condição de companhia no domicilio que

reside (sozinho, acompanhado). Estado marital (casado, viúvo e não casado –

solteiro, divorciado, desquitado). Trabalha atualmente (sim, não); e,

considerava a renda que recebe suficiente para as despesas do lar (sim, não).

- Estilo de Vida

Ingestão de bebida alcoólica: obtida pela resposta à seguinte pergunta:

“nos últimos três meses, em média, quantos dias por semana tomou bebidas

alcoólicas?” Categorizada em nenhum dia, e um-sete dias (não, sim).

Tabagismo (fuma atualmente, já fumou e nunca fumou). Nível de atividade

física, identificada pelo International Physical Activity Questionnarie (IPAQ),

versão curta, classificados em ativo, indivíduos que praticaram ≥150 minutos

de atividades físicas moderada por semana em diferentes domínios (lazer,

transporte, trabalho e tarefas domésticas); e, não ativo aqueles indivíduos que

praticavam <150 minutos por semana em diferentes domínios (lazer,

transporte, trabalho e tarefas domésticas).

- Clínicas

Dificuldade para mastigar alimentos duros como carne ou maçã nos

últimos 12 meses, categorizada em frequentemente (três a sete vezes por

semana), às vezes (uma a duas vezes por semana), e nunca (não ocorre em

nenhum momento). Autopercepção de saúde, categorizada em boa (muito boa

e boa), regular, e ruim (muito ruim e ruim); e número Doenças Crônicas Não

Transmissíveis (DCNT) - autorreferência das seguintes doenças: hipertensão

arterial sistêmica, diabetes mellitus, câncer, doença crônica do pulmão, doença

cardíaca, acidente vascular cerebral, doença osteoarticular e osteoporose,

categorizadas em zero, uma, duas ou mais DCNT.

Análise estatística

As variáveis de estudo foram apresentadas por meio de frequência

absoluta e relativa, essa última, ponderada pelo peso amostral do setor

censitário ao qual o indivíduo pertence, com base no censo de 2010.

Os padrões alimentares foram obtidos pela análise fatorial exploratória

por componentes principais. A adequação da amostra foi verificada pelo Teste

Kaiser-Meyer-Olklin (KMO). Adicionalmente, a adequação da aplicabilidade da

análise fatorial pelo Teste de Esfericidade de Bartlett. Para a identificação do

número de fatores (padrões) a serem retidos, utilizou-se como critério inicial, o

da raiz latente de Kaiser, no qual autovalores (“eigenvalues”) superiores a 1,0

devem ser extraídos. Posteriormente, análise do Gráfico de Cattell (scree test).

Realizou-se a rotação ortogonal Varimax e foram considerados

significantes os grupos de alimentos com cargas fatoriais rotacionadas acima

de 0,30. Escores foram derivados de cada padrão obtido; o escore médio de

cada padrão foi calculado e analisado segundo as variáveis independentes. As

diferenças entre as médias de escores foram estimadas utilizando o Teste

Generalizado de Igualdade Entre Médias de Wald e foram considerados

aderentes ao padrão alimentar aqueles que apresentaram maior media

positiva. As variáveis com p<0,05 foram consideradas significativas. O efeito de

delineamento amostral foi considerado em todas as análises. O programa

estatístico STATA 13.1 foi utilizado para os cálculos estatísticos.

Todos os idosos participantes assinaram Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido. O presente estudo foi aprovado através da Plataforma Brasil,

sob número de parecer 128.945.

RESULTADOS

Dos 1.304 idosos avaliados 60,2% eram mulheres, e 71,4% tinham entre

60 a 74 anos, 51,0% possuíam de um a quatro anos de estudo, destacando

que 13,1% eram analfabetos. Com relação a situação de companhia a maioria

morava acompanhado (84,6%), eram casados (54,9%), não trabalhavam

atualmente (67,5%) e consideravam a renda mensal suficiente para todas as

despesas do lar (56,9%). Considerando as variáveis de estilo de vida

estudadas, 67,5% eram inativos, 51,6% nunca fumaram e 78,9% não ingeriam

bebidas alcoólicas. Já com relação à mastigação no último ano somente 53,1%

não apresentavam dificuldades para mastigar alimentos duros, ademais 49,6%

referiram ter saúde boa e muito boa e 52,7% apresentavam 2 ou mais DCNT

(Tabela 1).

Tabela 1. Características da população de estudo. Estudo SABE*. Município de

São Paulo, SP, 2010.

Variáveis n (%)

Sexo Masculino Feminino

463 (39,8) 841 (60,2)

Idade 60 a 74 anos ≥ 75 anos

783 (71,4) 521 (28,6)

Escolaridade Analfabeto 1 a 4 anos 5 a 8 anos > 8 anos

200(13,1) 696 (51,0) 179 (15,3) 229 (20,6)

Companhia no domicílio Sozinho Acompanhado

218 (15,4) 1.086 (84,6)

Estado marital Casado Não casado Viúvo

644 (54,9) 163 (13,2) 485 (31,9)

Trabalho atual Sim Não

360 (32,5) 938 (67,5)

Renda suficiente para todas as despesas Sim Não

728 (56,9) 547 (43,1)

Atividade física Ativo Não ativo

421 (32,5) 883 (67,5)

Tabagismo Nunca fumou Já fumou Fuma atualmente

694 (51,6) 473 (36,6) 136 (11,8)

Ingestão de bebidas alcoólicas Sim Não

270 (21,1) 1.033 (78,9)

Dificuldade para mastigar alimentos duros Nunca Ás vezes Frequentemente

645 (53,2) 298 (23,1) 329 (23,7)

Dificuldade de comer sozinho Sim Não

51 (2,7) 1.253 (97,3)

Autopercepção de saúde Muito boa e boa Regular

584 (49,6) 566 (42,6)

Muito ruim e ruim 108 (7,8)

Número de doenças crônicas referidas Nenhuma 1 ≥ 2

209 (16,3) 390 (31,0) 705 (52,7)

*Saúde, Bem Estar e Envelhecimento.

Neste estudo, quatro padrões alimentares foram encontrados por meio

da análise fatorial exploratória, que juntos explicaram 38,5% da variância total

de ingestão (Tabela 2).

O primeiro padrão a ser extraído foi denominado inadequado, pois está

composto por alimentos como frituras, embutidos, alimentos enlatados, doces,

temperos e molhos industrializados, tubérculos e ovos. O segundo padrão

encontrado foi denominado modificado, visto que está constituído de alimentos

que tradicionalmente são indicados para consumo na dietoterapia das

principais DCNT que acometem esta população (laticínios desnatados, arroz,

pão, cereais e massas integrais e alimentos light, diet ou zero). O terceiro

padrão por ser composto preferencialmente por alimentos in natura (legumes,

verduras, frutas e tubérculos) foi denominado benéfico e, por fim o quarto

padrão se caracterizou por alimentos que compõem a dieta brasileira típica

(óleos vegetais, margarina, arroz, pão, massas refinados, carnes e

leguminosas – feijão), assim foi denominado tradicional brasileiro (Tabela 2).

Tabela 2. Distribuição das cargas fatoriais dos componentes dos padrões alimentares, segundo grupos de alimentos, dos idosos do Estudo SABE, Município de São Paulo, SP, 2010.

Grupos de alimentos Padrões alimentares

Inadequado Modificado Benéfico Tradicional*

Alimentos light, diet ou zero 0,113 0,499 0,105 -0,065

Arroz, pães e massas integrais -0,029 0,585 0,229 -0,173

Arroz, pães e massas refinados 0,031 -0,207 -0,009 0,655

Carnes -0,019 0,093 0,005 0,576

Doces 0,491 -0,145 0,182 0,096

Embutidos 0,594 -0,059 -0,007 0,140

Enlatados 0,557 0,115 0,023 0,102

Frituras 0,644 -0,052 -0,260 0,028

Frutas -0,074 0,079 0,741 -0,028

Gorduras animais 0,259 -0,123 0,099 -0,117

Laticínios desnatados 0,007 0,754 0,173 0,060

Laticínios integrais 0,122 -0,689 0,186 0,032

Leguminosas 0,043 -0,089 0,015 0,465

Molhos/temperos industrializados 0,383 0,069 -0,228 0,115

Óleos vegetais 0,125 0,065 0,108 0,681

Ovos 0,396 -0,129 0,133 -0,155

Tubérculos e raízes 0,400 -0,039 0,445 -0,155

Verduras e legumes -0,035 0,085 0,742 0,147

% Variância explicada 12,1 10,3 8,4 7,7

% Acumulado 12,1 22,4 30,8 38,5

Eigenvalue 2,18 1,86 1,50 1,38

*Tradicional brasileiro; negrito: cargas fatoriais significativas; Kaiser-Meyer-Olkin test = 0,61.

A comparação de médias entre os escores de adesão aos padrões

alimentares e as variáveis sociodemográficas, de estilo de vida e clínicas

mostrou que o padrão inadequado foi relacionado aos indivíduos do sexo

masculino, aqueles com maior escolaridade, não ativos fisicamente, que

ingeriam bebidas alcoólicas, que às vezes tinham dificuldades de mastigar

alimentos duros, entretanto que consideravam sua saúde boa e não referiram

ou referiram apenas uma DCNT (p>0,05). Por sua vez, o padrão modificado

esteve estatisticamente associado ao sexo feminino, aos idosos mais velhos,

com mais anos de estudo, que já fumaram ou fumam atualmente e que

apresentavam maior número de DCNT (Tabela 3).

Tabela 3 – Distribuição das médias de escores dos padrões alimentares

segundo variáveis sociodemográficas, de estilo de vida e clínicas. Estudo

SABE. Município de São Paulo, SP, 2010.

Variáveis

Padrões Alimentares

Inadequado Modificado Benéfico Tradicional

Brasileiro

Média (EP*) Média (EP) Média (EP) Média (EP)

Sexo

Feminino -0,05 (0,04)‡ 0,13 (0,04)§ 0,06 (0,04)§ -0,02 (0,04)‡

Masculino 0,09 (0,05) -0,07 (0,05) -0,14 (0,06) 0,10 (0,05)

Idade

60 a 74 anos -0,01 (0,04) 0,12 (0,04)§ -0,09 (0,04)§ 0,10 (0,04)§

≥ 75 anos 0,05 (0,07) -0,12 (0,05) 0,15(0,04) -0,16 (0,05)

Escolaridade

Analfabeto -0,08 (0,08)§ -0,26 (0,07)§ -0,28 (0,08)§ 0,04 (0,07)‡

1 a 4 anos -0,07 (0,04)§ -0,06 (0,04)§ -0,11 (0,04)§ 0,12 (0,04)§

5-8 anos 0,04 (0,08) 0,19 (0,08)‡ 0,09 (0,08) -0,05 (0,09)

>8 anos 0,22 (0,07) 0,41 (0,07) 0,28 (0,08) -0,15 (0,07)

Companhia domicílio

Sozinho -0,11 (0,07) 0,10 (0,07) -0,07 (0,08) -0,20 (0,08)§

Acompanhado 0,03 (0,03) 0,04 (0,03) -0,01 (0,04) 0,07 (0,03)

Estado marital

Casado

Não casado

0,01 (0,04)

-0,01 (0,08)

0,06 (0,04)

0,08 (0,08)

-0,06 (0,05)

0,01 (0,09)

0,09 (0,04)

-0,07 (0,09)

Viúvo 0,02 (0,05) 0,02 (0,05) 0,06 (0,05) -0,04 (0,05)‡

Trabalho atual

Sim 0,06 (0,06) 0,09 (0,06) -0,09 (0,06) 0,07 (0,06)

Não -0,02 (0,03) 0,03 (0,04) 0,01 (0,04) 0,01 (0,03)

Renda atual suficiente

Sim 0,05 (0,04) 0,09 (0,04) 0,09 (0,04)§ -0,12 (0,04)§

Não -0,04 (0,04) -0,01 (0,04) -0,18 (0,05) 0,24 (0,04)

Atividade física

Ativo -0,20 (0,05)§ 0,03 (0,05) 0,07 (0,05)‡ -0,01 (0,05)

Não ativo 0,10 (0,04) 0,06 (0,04) -0,07 (0,04) 0,04 (0,04)

Tabagismo

Nunca fumou -0,04 (0,04) 0,10 (0,04) 0,12 (0,04)§ -0,03 (0,04)‡

Já fumou 0,03 (0,05) 0,05 (0,05)‡ -0,08 (0,06)§ 0,10 (0,05)

Fuma 0,12 (0,09) -0,15 (0,09)‡ -0,47 (0,11)§ 0,05 (0,10)

Ingere bebida alcoólica

Sim 0,27 (0,07)§ 0,02 (0,03) 0,18 (0,06)§ -0,06 (0,06)

Não -0,07 (0,03) 0,16 (0,07) -0,08 (0,04) 0,05 (0,03

Dificuldade de mastigação

Nunca -0,06 (0,04)§ 0,10 (0,04) 0,04 (0,04) 0,11 (0,04)§

Ás vezes 0,27 (0,06)§ 0,00 (0,06) -0,09 (0,06) -0,17 (0,05)§

Frequentemente -0,12 (0,05) 0,02 (0,06) -0,13 (0,06)‡ 0,06 (0,06)

Autopercepção de saúde

Muito boa e boa 0,08 (0,05)‡ 0,12 (0,05) 0,04 (0,05) -0,01 (0,04)‡

Regular -0,06 (0,04) -0,00 (0,04) -0,07 (0,05)‡ 0,11 (0,04)‡

Muito ruim e ruim -0,07 (0,10) 0,06 (0,11) -0,32 (0,11)§ -0,18 (0,11)

Número de DCNT**

Nenhuma 0,15 (0,07) -0,23 (0,06)§ 0,04 (0,07) 0,12 (0,06)

Uma 0,07 (0,06)‡ 0,07 (0,06) -0,01(0,06) 0,08 (0,05)

Duas ou mais -0,08 (0,04)§ 0,12 (0,04)§ -0,05 (0,04) -0,03 (0,04)‡

*Erro padrão; **Doenças crônicas não transmissíveis; ‡Teste de Wald p<0,05;

§Teste de Wald

p<0,01.

Ao padrão benéfico tiveram maior adesão às mulheres, idosos com mais

de 75 anos, com maior escolaridade e que consideraram a renda atual

suficiente para as despesas do lar, que eram ativos fisicamente, nunca

fumaram e que ingeriam bebidas alcoólicas, além de não apresentarem

dificuldades de mastigar alimentos duros e que consideravam sua saúde como

boa e muito boa (p>0,05) (Tabela 3).

O perfil dos adeptos ao padrão tradicional brasileiro foi composto por

indivíduos do sexo masculino, de 60 a 74 anos, com menos anos de estudo,

que viviam acompanhados e eram casados, que a renda não era suficiente

para as despesas, já fumaram, entretanto que não apresentavam dificuldades

de mastigar alimentos duros, não referiram DCNT e consideravam sua saúde

como regular (p>0,05) (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Neste estudo foram identificados quatro padrões alimentares respectivos

aos idosos do Estudo SABE, do município de São Paulo-SP, Brasil. As distintas

variáveis sociodemográficas, de estilo de vida e clínicas foram associadas aos

padrões alimentares deste estudo mostrando que muitas vezes essas são as

determinantes das escolhas e da ingestão alimentar nesta fase da vida.

Os padrões foram identificados pelo uso da análise fatorial. Este tipo de

análise integra os métodos estatísticos multivariados, que utilizam informações

reportadas em questionários de frequência alimentar ou em registros

alimentares para identificar padrões comuns de ingestão de alimentos. Análise

fatorial é considerada abordagem posteriori porque os padrões dietéticos são

derivados através de modelagem estatística dos dados dietéticos existentes.

Geram padrões com base nos dados disponíveis, sem qualquer hipótese a

priori, portanto, não necessariamente representam padrões ótimo ou aceitáveis

de acordo com a literatura, mas refletem a realidade de ingestão dos indivíduos

estudados19,20.

Quatro padrões alimentares foram identificados, explicando 38,5% da

variabilidade. Esta proporção, apesar de ser considerada abaixo do

preconizado por Hair et al.21 (sugerem 60% como recomendado) é aceitável,

pois estudos com dados alimentares apresentam, na maioria, grande

quantidade de grupos e/ou alimentos diminuindo a possibilidade de alta

explicação da variabilidade na composição dos fatores. Na literatura observa-

se proporções variáveis dependendo do tamanho da amostra, Ferreira et al.22,

por exemplo, estudaram 355 idosos de Botucatu, e usando método de

identificação dos padrões semelhantes ao presente estudo, obtiveram

explicação de 25,9% da variabilidade, com 6 padrões extraídos.

A análise de padrão alimentar pode melhorar a compreensão das

práticas alimentares atuais, oferecem uma maneira de avaliar os resultados da

saúde das pessoas que adotam determinado padrão, e produzem resultados

que podem ser diretamente aplicáveis uma vez que, as recomendações para

populações baseadas em alimentos são mais compreensíveis, que as baseada

em nutrientes23.

Como padrões alimentares são culturalmente determinados, os estudos

nacionais são os mais adequados para comparação. Contudo na literatura

internacional, muito se discute dos padrões menos saudáveis denominados

“ocidental ou moderno”; e mais saudáveis nomeados como “prudentes ou de

estilo mediterrâneo”, influenciando muitas vezes a literatura nacional a utilizar

essas nominações para padrões com alimentos similares. Neste estudo a

nomenclatura dos padrões esteve relacionada com o efeito na saúde e à

composição dos alimentos que o caracterizaram. Souza et al.5 em amostra

representativa de idosos de Viçosa (N=402) também identificaram quatro

padrões, sendo um caracterizado pela presença de alimentos não saudáveis

(padrão gordura e açúcar) e outros caracterizados pela presença de frutas,

folhosos e peixes, todos associados com aspectos socioeconômicos,

mostrando que aqueles com menor escolaridade têm maior adesão aos

padrões menos saudáveis.

De maneira geral, estudos mostram que as mulheres têm dieta de

melhor qualidade que os homens, tanto em adultos quanto idosos24,25. Baker e

Wardle24 estudaram 1.054 idosos e mostraram que as mulheres ingerem

significativamente mais fruta e mais legumes do que os homens, com um total

de 3,5 porções por dia para as mulheres, em comparação com 2,5 porções

para os homens. Apenas 16% dos homens contra 34% das mulheres

consumiram as cinco porções recomendadas de frutas e legumes por dia. O

cerne dessa diferença de gênero pode ser o conhecimento, homens têm

menos informações sobre recomendações dietéticas atualizadas e estão

menos conscientes da inter-relação entre dieta e morbidades.

Níveis mais elevados de educação estão relacionados com maior renda

e impactam a aquisição de alimentos24. No presente estudo, a escolaridade

apresentou associação com alimentos mais saudáveis (frutas, legumes e

verduras; cereais e pães integrais, e leguminosas). Quanto maior o grau de

escolaridade maior a frequência de ingestão de alimentos elevados em fibras e

baixos em gorduras. Resultados semelhantes foram encontrados por

Nascimento et al.26 no qual nível socioeconômico mais elevado teve fraca

associação com alimentos como arroz e feijão, mas também teve forte

associação com vegetais, frutas, oleaginosas, etc.

Os indivíduos ativos referiram menor frequência de ingestão de

alimentos ultraprocesados e ricos em sódio que os não ativos. Chan et al.27

estudaram idosos chineses domiciliados (N=3.707) e verificaram que idosos

mais ativos estavam mais associados a um padrão de alimentação com frutas,

legumes e verduras e menos associado a um padrão de carnes e alimentos

processados. Aqueles com duas ou mais DCNT têm menor frequência de

ingestão de alimentos elevados em carboidratos e baixos em fibras. Isso pode

ser pelo fato de que o diagnóstico de doenças, paralelo ao avanço da idade,

tende a modificar e melhorar a qualidade da alimentação devido às orientações

e cuidados nutricionais transmitidos no aconselhamento dos profissionais de

saúde.

Muitas são as alterações fisiológicas e psicossociais que ocorrem no

processo de envelhecimento com impacto na qualidade e quantidade da

ingestão alimentar. As mais comuns estão relacionadas a alterações nos

hormônios periféricos, no controle do sistema nervoso central e nos órgãos

diretamente envolvidos na digestão, como o esvaziamento gástrico lento,

xerostomia e diminuição da sensibilidade dos sentidos, como o paladar5,14. A

depressão, alterações do humor, solidão, viuvez, falta de suporte social,

isolamento e pobreza completam os fatores que devem ser considerados na

abordagem holística dessa população28. Todas essas condições se associam a

consequências relacionadas à saúde, incluindo declínio do estado funcional,

função muscular prejudicada, diminuição da massa óssea, deficiências de

micronutrientes, redução das funções cognitivas, aumento da internação e

morte prematura28.

Gomes et al.29 semelhantemente investigaram a dificuldade de

mastigação e encontraram que os indivíduos com maiores dificuldades de

mastigação apresentaram menor qualidade de ingestão alimentar, isso é

frequentemente visto pois há menor consumo de alimentos como carnes, frutas

e vegetais crus, considerados importantes à saúde, podendo levar a um aporte

inadequado de proteínas e micronutrientes30.

A literatura internacional enfatiza a importância do padrão de dieta do

mediterrâneo para prevenção das DCNT neste grupo etário31,32. Todavia,

apesar dessa evidência científica, convém destacar que o padrão alimentar de

uma população é fruto de múltiplos aspectos que incluem fatores individuais,

culturais e sociais. Adotar um padrão dietético de outra região geográfica faz

com que os alimentos que devem ser ingeridos tenham maior custo e menor

disponibilidade. Na população idosa, o fator econômico de muitos idosos,

dificulta ou impossibilita a prática de uma alimentação saudável que inclua

diariamente e nas quantidades recomendadas a ingestão de frutas, hortaliças,

cereais integrais, oleaginosas, leguminosas, bem como de carnes, leite e

derivados, pois representam gasto significativo, frente a outras despesas e às

necessidades individuais e familiares. Portanto, o desafio é adaptar o padrão

dietético da região na qual o indivíduo reside, com mudanças exequíveis e

factíveis à realidade social e de saúde de cada um, sempre buscando o melhor

arranjo de alimentos aliado ao prazer que somente uma boa comida

proporciona31,32.

Entre as limitações do estudo, destaca-se o delineamento transversal,

que não permite afirmar se houve mudanças no padrão alimentar durante o

processo de envelhecimento. Entretanto, não foi objetivo deste estudo analisar

essas mudanças em função do tempo, apesar de estudos mostrarem que o

padrão alimentar de idosos pode ser influenciado com avançar da idade, pela

diminuição da ingesta alimentar, dificuldades na mastigação e deglutição,

renda insuficiente, uso abusivo de medicamentos, presença de doenças, entre

outros fatores28.

Como pontos fortes destacam-se ser um estudo de base populacional

com representatividade da amostra de idosos do município de São Paulo

considerando o último censo (2010), e ter rigor metodológico na coleta e

processamento dos dados, com extensos treinamentos, padronização e

supervisão dos diferentes entrevistadores e digitadores.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo contribuem para o entendimento acerca da

associação entre a ingestão alimentar dos idosos atuais com os aspectos

sociais, clínicos e de estilo de vida numa população que cresce

progressivamente no Brasil. Foram identificados quatro padrões alimentares

predominantes neste estudo: inadequado, modificado, benéfico e tradicional

brasileiro, nominados de acordo aos alimentos que o integram.

O padrão alimentar inadequado foi o adotado por idosos do sexo

masculino, que possuíam maior escolaridade, apresentavam condições clínicas

favoráveis, entretanto com estilo de vida precário. Por outro lado, o padrão

modificado foi o característico das mulheres, idosos mais jovens, com maior

escolaridade, com estilo de vida mais adequado, porém com maior

complicação clínica. O perfil dos idosos do padrão benéfico foi composto pelas

mulheres, mais longevos, com melhor situação económica, de escolaridade e

de estilo de vida. Por fim, o padrão tradicional brasileiro foi o adotado pelos

homens, mais jovens, que não vivem sozinhos com melhores condições

clínicas, todavia tinham menor escolaridade e suficiência de renda.

Essas evidências devem ser consideradas para auxiliar na abordagem

nutricional holística do idoso, compreendendo que, nesse grupo populacional, a

situação socioeconômica e clínica atual incidem diretamente nas escolhas

alimentares e estilo de vida adotados. Estudos longitudinais nacionais são

necessários para elucidar as motivações de adotar um determinado padrão

alimentar e o momento em que este é modificado; e assim, auxiliar no

direcionamento de políticas públicas efetivas de mudanças e promoção de

estilos de vida saudáveis para os idosos brasileiros.

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Recebido: 14/05/2018 Revisado: 31/08/2018 Aprovado: 14/09/2018