18ª entrevista - fgv · porque foi sobre uma entrevista que eu dei até nos jornais, sobre a...

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Ângelo Nolasco de Almeida 510 18ª Entrevista: 06.08.1986 I.F. - Ministro, nós começamos, na última entrevista, a conversar um pouquinho sobre a grande crise de 1964. A.A. - De...? I.F. - 1964. A.A. - 64... I.F. - Nós sabemos que o senhor não estava aqui no Brasil... A.A. - Quando eclodiu o movimento... I.F. - O senhor estava... A.A. - Nos Estados Unidos. I.F. - Nos Estados Unidos. Mesmo assim nós gostaríamos de conversar um pouquinho e saber do senhor quais as notícias que chegaram lá, como chegaram e o que o senhor pensa hoje em dia daqueles acontecimentos. Mesmo porque o senhor, tendo sido ministro da Marinha e oficial de Marinha que foi até o fim da carreira, está sabendo que a crise de 64 teve muita coisa a ver com o comportamento da Marinha, principalmente dos sargentos. Quer dizer, qual é a sua visão daquela situação do final do governo Jango, dos ministros militares, das crises militares aqui...? A gente fazer um apanhado geral. Embora sabendo que o senhor não tenha participado diretamente. A.A. - Os elementos que eu tinha eram às vezes a leitura de jornais - às vezes um pouco atrasados. I.F. - Chegavam lá normalmente? A.A. - Chegavam um pouco atrasados e, quando a gente conseguia ler... Muitos através da VARIG etc. - a companhia de aviação trazia certos jornais e nós líamos alguma coisa. E depois também uma espécie de um boletim que o Ministério do Exterior remetia para as diversas embaixadas. Essas informações naturalmente passavam por uma limpeza muito grande para manter..., não apresentar inconvenientes da administração da qual o ministro fazia parte. Devia apresentar só o lado produtivo, mas o lado das crises, encarando impessoalmente, era muito precário. Só davam notícia de realizações, dessas coisas assim. Evidentemente quando vem uma perturbação, a notícia da perturbação. Mas sem focalizar pessoalmente o assunto. O resto era de ajuizamento que nós fazíamos. Agora, antes da eclosão do movimento, já através dessas notícias que chegavam aos Estados Unidos, eu já sentia que a situação estava se tornando insustentável. Eu sentia que devia ter havido... Primeiro, devia haver uma frustração da área militar pela extinção do regime parlamentarista, que havia sido uma solução, um compromisso da área, digamos, nacional, para que fosse aceito o presidente João Goulart. Isso foi posto por terra com aquele plebiscito. Então aí já se transformou o regime de autoridade do presidente João Goulart. Ele, que governava parcialmente, porque além do mais, o

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Ângelo Nolasco de Almeida

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18ª Entrevista: 06.08.1986

I.F. - Ministro, nós começamos, na última entrevista, a conversar um pouquinho sobre agrande crise de 1964.

A.A. - De...?

I.F. - 1964.

A.A. - 64...

I.F. - Nós sabemos que o senhor não estava aqui no Brasil...

A.A. - Quando eclodiu o movimento...

I.F. - O senhor estava...

A.A. - Nos Estados Unidos.

I.F. - Nos Estados Unidos. Mesmo assim nós gostaríamos de conversar um pouquinho esaber do senhor quais as notícias que chegaram lá, como chegaram e o que o senhorpensa hoje em dia daqueles acontecimentos. Mesmo porque o senhor, tendo sidoministro da Marinha e oficial de Marinha que foi até o fim da carreira, está sabendo quea crise de 64 teve muita coisa a ver com o comportamento da Marinha, principalmentedos sargentos. Quer dizer, qual é a sua visão daquela situação do final do governoJango, dos ministros militares, das crises militares aqui...? A gente fazer um apanhadogeral. Embora sabendo que o senhor não tenha participado diretamente.

A.A. - Os elementos que eu tinha eram às vezes a leitura de jornais - às vezes um poucoatrasados.

I.F. - Chegavam lá normalmente?

A.A. - Chegavam um pouco atrasados e, quando a gente conseguia ler... Muitos atravésda VARIG etc. - a companhia de aviação trazia certos jornais e nós líamos algumacoisa. E depois também uma espécie de um boletim que o Ministério do Exteriorremetia para as diversas embaixadas. Essas informações naturalmente passavam poruma limpeza muito grande para manter..., não apresentar inconvenientes daadministração da qual o ministro fazia parte. Devia apresentar só o lado produtivo, maso lado das crises, encarando impessoalmente, era muito precário. Só davam notícia derealizações, dessas coisas assim. Evidentemente quando vem uma perturbação, a notíciada perturbação. Mas sem focalizar pessoalmente o assunto. O resto era de ajuizamentoque nós fazíamos. Agora, antes da eclosão do movimento, já através dessas notícias que chegavam aosEstados Unidos, eu já sentia que a situação estava se tornando insustentável. Eu sentiaque devia ter havido... Primeiro, devia haver uma frustração da área militar pelaextinção do regime parlamentarista, que havia sido uma solução, um compromisso daárea, digamos, nacional, para que fosse aceito o presidente João Goulart. Isso foi postopor terra com aquele plebiscito. Então aí já se transformou o regime de autoridade dopresidente João Goulart. Ele, que governava parcialmente, porque além do mais, o

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governo dele era um governador de coalizão... Depois, já no segundo estágio doparlamentarismo, já veio mais a feição dele, mas de qualquer jeito ele estava com asasas mais ou menos aparadas. Depois veio o plebiscito e foi organizado um governopresidencialista e aí então a coisa ficou completamente diferente. Então: nesta faixa éque eu tenho a impressão que começou a crise militar. Porque aí começouostensivamente a área do governo a cortejar o pessoal subalterno das Forças Armadas.Quer dizer, dava a impressão de que nós poderíamos ter futuramente um problemacomo a Rússia teve, que gerou o comunismo do cruzador Potemkin, de uma coisa assim.Quer dizer, o movimento viria de baixo para cima, com o desrespeito, com aindisciplina contra os que queriam preservar o regime, o regime capitalista, digamosassim. E aí as coisas foram se agravando até chegar ao 31 de março de 64. Isso é quenós sentíamos.

I.F. - O senhor lá teve notícia da crise dos sargentos em Brasília?

A.A. - Tive.

I.F. - Que foi em 63, agosto de 63.

A.A. - Tive.

I.F. - Essa notícia chegou lá.

A.A. - Chegou. Aquilo foi... Houve a crise, mas foi abafado, não é?

I.F. - Foi. Foi uma questão que os sargentos se rebelaram, não é isso? Contra umadecisão do tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul que não aprovou aelegibilidade dos sargentos.

A.A. - Certo.

I.F. - Aí houve uma revolta, houve um movimento. O ministro da Guerra era o JairDantas Ribeiro. Durou quanto tempo isso, Plínio? A crise mesmo.

P.R. - Dos sargentos?

I.F. - É.

P.R. - Ah, foi coisa assim de dois, três dias.

A.A. - Não, foi coisa rápida. Foi abafado e nada mais transpirou. Não se soube de maisnada, não se teve mais notícia.

I.F. - Mas já era um sinal...

A.A. - Um sinal de que estava havendo o trabalho do pessoal subalterno contra aautoridade da parte de oficiais, até oficiais-generais.

I.F. - Depois, em março, no dia 13 de março, teve aquele grande comício das reformas.

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A.A. - Primeiro foi o comício na Central do Brasil, certo?

I.F. - Exatamente.

P.R. - Foi esse.

I.F. - Esse no dia 13 de março, que era o comício das reformas. Um comício imenso...

A.A. - E que o presidente João Goulart passou a legislar em praça pública. E eu melembro até do seguinte: o Filinto Muller era senador e estava nos Estados Unidos nessaépoca. Não sei se no momento em que houve esse problema, se antes ou um poucodepois. E eu perguntei a ele... Porque eu já conhecia o Filinto Muller do tempo em queele era chefe de polícia, eu era um simples ajudante-de-ordens... Mas com essa idéia,com esse tratamento, essa ligação, assim, daquela juventude revolucionária que fez omovimento de 30. Então eu lhe perguntei como é que estava a situação no Brasil, nacasa do nosso embaixador na OEA que era o...

P.R. - Ilmar Pena Marinho.

A.A. - O Ilmar Pena Marinho. Numa recepção que ele deu, eu lhe perguntei e ele aindame disse... Soltou um palavrão definindo quem era o João Goulart, e disse: "Ele faz oque quer. Não dá a mínima atenção ao congresso e nós também estamos fazendo o quequeremos. Porque a anarquia é completa." - expressão dele. "Ele faz o que quer e nósestamos fazendo o que queremos também." Mas ele estava completamente... Quer dizer,a idéia que eu tinha é que o Congresso já estava se sentindo solapado pelo João Goulart.Havia um sentimento de revolta, mesmo no meio político que dirigia o Brasil na partede Legislativo.

I.F. - Quer dizer que o senhor acha que não era só uma revolta das Forças Armadas...

A.A. - Não era. Havia um sentido de que a anarquia estava transcorrendo, correndoceleremente.

I.F. - Esse comício foi uma coisa imensa, não é?

A.A. - Foi, disso eu tive notícia, lamentei profundamente. Eu até achava que diantedaquilo, dessa situação, o nosso ministro devia ter pedido as contas e ido embora.Porque não dava mais para ficar. eu acho que... Eu não sei as circunstâncias, mas oímpeto que a gente teria era de largar aquilo. Porque o governo legislando na praçapública com aquela pelegada toda, e a autoridade, afinal, oficial completamentedesprestigiada.

I.F. - E me parece - eu tive umas informações - que mesmo dentro do governo haviadivisão de opiniões.

A.A. - É possível.

I.F. - Parece que Brizola era um que incentivava muito o Jango, e o general Assis Brasiltambém, não é Plínio?

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P.R. - É, exato.

I.F. - O senhor tem uma opinião sobre essa atitude dele, sobre Assis Brasil, sobreBrizola, sobre...

A.A. - Bom, sobre o Brizola eu tenho uma idéia. Do Assis Brasil, não, porque ele erachefe do gabinete militar, eu o conheci pouco e transpirou pouco sobre, digamos assim,o domínio ou a influência que ele exercia sobre o João Goulart. Eu não tenho idéia...

I.F. - Isso não chegava lá...

A.A. - Não chegava lá, não. Eu vim ouvir falar sobre o Assis Brasil, mesmo, foi depoisjá da deposição dele, que ele acompanhou o João Goulart e de depoimentos dele quesaíram nos jornais etc. Mas aí é que eu vi surgir o nome de Assis Brasil. Pode ser que naárea do Exército essa coisa fosse mais bem conhecida. Mas eu não tive contato grandecom o nosso adido militar lá, que era o general Armando Noronha - parente até doalmirante Isaías de Noronha, dessa família tradicional. Mas, mesmo conversando comele, nunca se referiu a esse Assis Brasil. Do Brizola eu tinha idéia já antes da influência dele, da exploração, mesmo: sentia queele explorava a boa fé do João Goulart etc., evocando positivamente a idéia de que, senão fosse ele, o João Goulart não teria assumido. Talvez em parte pudesse teracontecido isso, mas não era uma coisa para o sujeito negociar, não é? Em termosnacionais. O sujeito não vai dizer: "Então, vamos virar a mesa, porque eu te ajudei afazer isso etc." Não era patriótico. Mas eu não acreditava no patriotismo dele. De modoque eu acreditava muito na exploração da pessoa, da boa fé do João Goulart. Eu acho que o João Goulart, na convivência que eu tive, era um homem... Primeiro, nãoestava bem preparado para a Presidência da República. Podia ser um vice-presidente esubstituir em impedimento, essas coisas vagas que a gente lê e sabe que cabe mais aovice-presidente. Mas não era um elemento que pudesse ser conselheiro do presidente daRepública, que tivesse pensado em ser presidente da República naquela conjuntura.Então eu sentia um certo despreparo, um certo alheamento mesmo dos problemas.Apesar do parlamentarismo, porque ele tinha voz ativa também. Porque era umparlamentarismo verde - amarelo, digamos, brasileiro - uma acomodação; acredito queem parte por causa do Juscelino, que não queria, não via com bons olhos oparlamentarismo.

I.F. - O senhor está falando sobre o Jango... O presidente Getúlio Vargas, sempre ficoumuito claro que gostava do poder. Está me parecendo que o Jango não era uma pessoa,assim, fascinada pelo poder da Presidência da República...

A.A. - Eu acho que ele era levado, talvez pelas ligações de infância, de meninice, defamília, que ele tinha com o presidente Vargas... Talvez os elementos achassem que eleera um elemento manobrável para depois, quando assumisse a direção da nação, serviraos apetites dos ambiciosos etc., que queriam coisa diferente do que estava - queriam acomunização do país.

I.F. - Mas ele mesmo não tinha aquela vontade pelo poder, não é?

A.A. - Eu não sentia, não sentia essa sedução pelo poder.

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I.F. - Essa é uma coisa que têm dito muito, não é?

P.R. - É.

A.A. - E outra coisa também muito curiosa que aconteceu: a idéia de que ele eracomunista.

I.F. - Ele, Jango.

A.A. - Ele, Jango, era comunista. Um dia, conversando pessoalmente com ele, batendopapo sobre uma série de assuntos, ele disse: "E têm mania de dizer que eu soucomunista. Eu tenho bens, tenho uma mulher e dois filhos. Eu não posso sercomunista." Ele irritado, me declarando que ele não era comunista. E não sei até...Porque foi sobre uma entrevista que eu dei até nos jornais, sobre a questão decomunismo etc., que eu declarei que nós, militares, tínhamos aversão ao comunismo.Não sei se foi referindo-se a isso que ele então chegou e pode ter imaginado que euestivesse imaginando que ele também fosse comunista. E ele me disse que ele, emabsoluto, não tinha condições, não podia ser um comunista, porque ele tinha umacondição que não o levava a ser atraído por um regime desses.

I.F. - Mas, então, quer dizer que sobre o Assis Brasil o senhor não tem uma opiniãomais formada.

A.A. - Não tenho a mínima idéia. A não ser de leitura depois.

I.F. - E o ministro da Marinha? Sílvio Mota?

A.A. - O Sílvio Mota era um dos homens inteligentes que a Marinha tinha. Uma culturaprofissional privilegiada, um colega admirável. Agora, ele teve um inconveniente, vistocomo eu vi, de querer aliar a parte política à parte profissional. E eu pensocompletamente diferente do assunto. Acho que no Ministério da Marinha, os ministrosmilitares não podem fazer política. Podem fazer as coisas que o bom senso determina nasolução de seus problemas militares. Mas não temos vocação, não temos condição parafazer política dentro do gabinete que é organizado... Os ministros militares não sãoorganizados dentro do gabinete da Presidência da República para fazerem política.Fazer política é de outra área. É a área dos parlamentares, são os políticos dosministérios civis, do ministro da Justiça e por aí vai. Mas nós militares temos queexecutar justamente a segurança da nação. Isso é que nós temos que pensar: natranqüilidade, propiciar ao presidente da República tranqüilidade para ele poderexecutar o seu programa sem perturbações de ordem. E o almirante Silvio Mota, eutenho a sensação... Não sei se é porque ele casou com a filha de um político, ele tinhauma certa inclinação para querer misturar as coisas, que eu acho que são completamenteincompatíveis. Isso é como eu via e lamentava. Porque eu acho, por exemplo, quequando ele deixou o governo finalmente, ele devia ter rompido com o governo. E eleainda quando passou o governo etc. ao almirante...

I.F. - Paulo Mário.

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A.A. - ... Paulo Mário, ele passou um governo como se a coisa estivesse a mais tranqüilapossível. Sem considerar estabelecido, digamos assim, um antagonismo completo comas condições do governo.

I.F. - E foi num momento de grande crise também.

A.A. - De grande crise.

I.F. - Foi quando houve a rebelião no Sindicato dos Metalúrgicos.

A.A. - A rebelião no Sindicato dos Metalúrgicos. Ele também tinha uma outra coisa: eleera um homem que já estava doente de parte circulatória. E a crise, quando eclodiuaquele movimento todo, eu soube... Eu estava nos Estados Unidos, mas soube depoisque havia situações dificílimas. Porque os almirantes queriam conversar com ele -naturalmente para se abrirem, para se aconselharem, para sugerirem qualquer coisa; oSilvio Mota não podia atender porque estava doente, estava no quarto acamado e nãopodia receber os chefes. Ora, um chefe supremo que fica nessa situação, éprofundamente lamentável, não é? Que não possa decidir as coisas. E daí é que veio,então... O movimento foi crescendo dentro da Marinha e acabou naquela derrubada.

[FINAL DA FITA 30-A]

I.F. - Essa crise que gerou a saída do almirante Sílvio Mota foi aquela questão quehouve com a Associação dos Cabos e Marinheiros, onde surgiu o cabo Anselmo, nãofoi?

P.R. - Foi.

A.A. - Foi.

I.F. - O que o senhor sabe desse cabo Anselmo?

A.A. - Eu tinha, tenho ainda da memória do Sílvio Mota admiração profunda por ele.Porque ele era quatro turmas acima da nossa, mas tinha uma conveniência muitogrande. E tem condições particulares; eu sei que ele também me estimava. Aliás, écurioso: parece que eu tinha vocação para chefe de gabinete. Porque uma ocasião eleteve um diálogo com o João Goulart, que era vice-presidente, e então o João Goularttinha conversado com ele e estava iminente a possibilidade do João Goulart assumir apresidência. E o Sílvio Mota me telefonou querendo que eu aceitasse a condição dechefe do gabinete dele; me telefonou para o Estado-Maior. Eu disse: "O, Sílvio Mota, eunão quero ir para Brasília. Eu não quero ser chefe de gabinete para ir para Brasília." Eum outro almirante também, um vice-almirante, dizia que, se fosse ministro da Marinha,eu é que seria o chefe de gabinete. Quer dizer, parece que nasci para ser cotado comochefe de gabinete. No fim, eu é que fui o ministro da Marinha, eu é que acabei sendo oministro da Marinha. A minha cotação era simplesmente para ser chefe de gabinete...[risos]

I.F. - Acabou ministro.

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A.A. - Acabei sendo ministro, pelas circunstâncias de momento unicamente. Não pelomeu valor, que eu considero praticamente muito precário para isso. Mas ascircunstâncias levaram a isso. Mas o Silvio Mota... tenho uma admiração grande por ele.Agora, como a senhora estava falando, a pergunta que me fez sobre o Sílvio Mota...

I.F. - É sobre o comportamento dele naquela situação toda, quando houve aquelaquestão do cabo Anselmo...

A.A. - Ah, bom. Ali, também, eu acho que faltaram duas coisas, naquela crise. Faltouchefe do Estado-Maior, que era o comandante da Marinha, que eu não sei onde estava,que se omitiu, não tomou uma posição. E o almirante Sílvio Mota que, pela doença,também não tomou uma posição mais energética. Porque aquilo não era um problemapara o Exército resolver, como acabou resolvendo; eu achei aquilo...

I.F. - Isso é que me deixa impressionada: era uma crise de Marinha que foi resolvida noExército.

A.A. - Achei aquilo tristíssimo, um espetáculo tristíssimo. Porque eu penso assim - querdizer, friamente, porque não sei qual era a situação do momento... Mas eu, se fosseministro... Eu sempre tinha dito ao João Goulart que eu não traria problemas para ele.Digo: "Eu não trago problemas para o senhor. Eu trago soluções. Eu respondo pelaMarinha." Eu acho que todo ministro deve responder pela Marinha, e não esperar que opresidente da República viesse do Rio Grande do Sul para resolver o problema fora daMarinha, e o ministro da Marinha de lado, com o Ministério da Guerra agindo paratorpedear aquele pessoal. Porque aquilo, com os oficiais do gabinete, admitindo umasérie de dificuldades... Mas a gente está na chuva é pra se molhar. Naquilo, guarnecendouns dois canhões, eu botava aquele troço embaixo. Porque o fuzileiro naval... Nóstínhamos artilharia ali. Eu, ministro, com o chefe do gabinete, com os outros oficiais,nós chegávamos ali, guarnecíamos aqueles canhões...

I.F. - O senhor acha que a Marinha é que tinha que resolver aquele problema.

A.A. - Eu acho que a Marinha foi fraca. Porque nós tínhamos que atirar naquilo, destruiraquele prédio. Avisava primeiro: "Ou sai, ou nós vamos bombardear isso." Como aMarinha fez também no movimento integralista e que atirou: o fuzileiro naval atirou noMinistério da Marinha. Abriu dois rombos na parede do Ministério da Marinha. Mas eudaria a ordem, não tinha medo de dar a ordem para bombardear aquele Sindicato dosMetalúrgicos. Avisaria antes: "Ou vocês se retiram daí, ou eu vou atirar dentro de cincoou dez minutos." E atiraria mesmo.

I.F. - É, porque se o ministro da Marinha...

A.A. - Não ia esperar que viesse o Exército...

I.F. - ... não estivesse em condições de saúde, teria que mandar um substituto à altura.Ele não: esperou que o Exército tomasse a iniciativa.

A.A. - Que o Exército tomasse... Eu achei aquilo profundamente lamentável. Achei umasituação muito triste para nós. Eu estou dizendo isso porque é o que eu acho. Eu estouna idade de dizer o que eu sempre critiquei. Eu não via condições de nós permitirmos

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que o presidente da República é que fosse resolver com uma outra força paralela. Nóstínhamos que resolver. Aquilo era um problema nosso! Não tinha outra solução. E aí seomitiram o chefe do Estado-Maior e o ministro da Marinha. O ministro da Marinhacom, digamos, a atenuante, com a circunstância de estar um homem doente,impossibilitado. Não tinha condições de exercer o Ministério da Marinha naquelasituação. Mas o resultado foi aquele desenlace, aquela solução, que, para a Marinha, nãofoi nada...P.R. - O chefe do Estado-Maior, quem era?

A.A. - Era o José Luís da Silva Júnior.

P.R. - Nessa ocasião do episódio do palácio dos metalúrgicos?

A.A. - Era. Dos metalúrgicos. Era o José Luís da Silva Júnior.

P.R. - Porque a tropa da Marinha chegou depois; aí o Exército retirou-se.

A.A. - Que tropa?

P.R. - A tropa de fuzileiros navais.

A.A. - A tropa de fuzileiros foi, comandada por um almirante, que era o Sinay, e diz eleque não pôde porque a tropa se negou a atirar.

V.A. - Como era o nome?

A.A. - Luís Felipe Sinay. A Marinha tem muito Luís Felipe. Influência do almirante...

P.R. - Saldanha.

A.A. - Do almirante Saldanha. E esse Luís Felipe Sinay era descendente de um oficialde Marinha que, naturalmente, naquela época...

I.F. - Quer dizer, ele chegou lá...

A.A. - Ele chegou lá com uma tropa de fuzileiros e não teve força para fazer a tropa defuzileiros atirar.

I.F. - Quer dizer, a revolta estava mesmo generalizada.

A.A. - Isso é que eu sei. Talvez por influência do Aragão, não sei qual foi...

I.F. - Pois é: qual é o papel do Aragão nisso tudo?

A.A. - O Aragão é uma criatura criada pela incompetência, digo assim, pela falta deopinião.

I.F. - Cândido Aragão, não é?

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A.A. - Cândido Aragão. O Aragão não podia ser oficial-general, mas foi oficial-generalno governo do Juscelino, porque o nosso ministro, que era o Matoso Maia, não tevecoragem de dizer ao Juscelino que não assinava um decreto daqueles. O Aragão nãotinha condições para ser oficial-general. O único mérito do Aragão foi ter partido desoldado e, através de uma série de..., a permanência no coisa, inteligente etc., foigalgando uma série de promoções e chegou a capitão-de-mar-e-guerra. Mas não podianunca ser oficial-general - com o conceito que nós devemos ter do que seja um oficial-general. Embora haja erros, haja oficiais que são oficiais-generais e não deviam ser.Mas são erros pouco sensíveis. Há um caso, até me lembro de um caso de uma históriaque contavam, de um almirante dizendo para o outro: "Porque eu sou um almirante!" -dizendo para o outro. O outro disse: "Bom, você é almirante porque tem galões dealmirante. Agora, eu tenho galões de almirante porque eu sou almirante." [risos] Sãosituações...

I.F. - Diferentes.

A.A. - ... que acontece haver, não é? Agora, o Aragão não podia ter galões de almirante,[riso] não podia nem ter as estrelas de almirante, nem nada. E foi a oficial-general. Enão custava nada o nosso ministro chegar e dizer para o Juscelino: "Senhor presidente,eu não posso promover esse oficial." Um oficial que tinha sido transferido para areserva com inquérito de saques sem fundo, de letras promissórias sem pagar... Todosujo na vida particular. Depois, esses negócios vão para a Justiça, passam-se os anos eacaba voltando outra vez. Porque aquilo tudo é apagado, aquele troço todo é anulado e osujeito volta para a Marinha, ou volta para o Exército, ou volta para a Aeronáutica. Mastodos nós estamos sabendo quem é aquela figura. E no entanto nós fizemos desse oficialum oficial-general. Com grande tristeza para todos nós.

I.F. - E que vai ter atuação nessa crise de 64.

A.A. - É. Foi aí que a situação se modificou, não é?

I.F. - E essa questão do cabo Anselmo?

A.A. - Eu conheci o cabo Anselmo... conheci de nome o cabo Anselmo quando houve omovimento e que ele subiu como um líder do pessoal subalterno. Eu tinha informaçõesde que realmente era um rapaz inteligente, um rapaz com certo preparo. Devia ter sidomesmo. Agora, ele adotou a bandeira que adotou, de destruição, de insurreição etc. Masera um camarada que tinha condições de liderança dentro do seu meio.

I.F. - Agora andaram correndo umas notícias aí, não é Plínio?

P.R. - É.

I.F. - O senhor não acompanhou, agora há pouco tempo?

A.A. - Não.

I.F. - Dizendo que ele era infiltrado, que na realidade ele era um agente da CIA. Osenhor está sabendo disso?

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A.A. - Não, não.

P.R. - Não, ele confessou. Ele confessou isso.

A.A. - Confessou.

P.R. - É, que toda aquela participação dele...

A.A. - Era manobra; ele era um instrumento?

P.R. - Era manobra exatamente para criar um ambiente, um clima de agitação.

A.A. - De agitação, não sei.

P.R. - O cabo Anselmo andava muito bem vestido...

A.A. - Não vi, não sei.

P.R. - Parece que estudava Direito, não sei quê. É, ele era um tipo muito diferente do...

A.A. - Do corrente, não é?

P.R. - Exatamente. Agora, na época em que o senhor era ministro, existia já essaAssociação de Cabos e Marinheiros?

A.A. - Existia, não Associação de Cabos e Marinheiros, bem. Existia era um ClubeHumaitá. Havia um Clube esportivo etc., e daí é que possivelmente surgiu... Aliás, eufui interpelado, quando estava nos Estados Unidos... Parece que o encarregado geral doinquérito pensou talvez em me cassar por eu ter sido ministro. Mandou uma cartaprecatória fazendo uma série de interrogações etc. E me fez essa pergunta: se eu tinhanotícia disso, dessa... E eu respondi que não, que eu tinha notícias desse problema..., domovimento do Clube Humaitá, mas tinha chegado ao meu conhecimento essa situação.Uma das outras perguntas que fizeram foi muito curiosa, porque o almirante meperguntou se, sabendo do procedimento do almirante Suzano, do almirante Sílvio Motanaqueles acontecimentos... Já era inquérito depois de março, já de cassações etc. Qualera o juízo que eu fazia desses dois oficiais. Eu disse que eu me negava a responderporque eu conhecia muito bem o regulamento disciplinar da Armada e que, mesmo emse tratando - se se tratasse, que não era o caso - de uma apreciação pouco lisonjeiradesses almirantes, eu era passível de punição pelo regulamento disciplinar da Armada eme admirava que eles me perguntassem isso.

V.A. - O senhor não era passível de punição?

A.A. - Era passível de punição, porque estou me referindo aos meus superiores de umasituação desabonadora.

I.F. - Agora, esse questionário foi por escrito para o senhor para lá, ou o senhor foichamado para depor?

A.A. - Não, eu recebi a precatória com uma série de interrogações, de perguntas.

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I.F. - Para responder por escrito.

A.A. - Para responder por escrito. Eu respondi por escrito. E não sei se por influência doRademaker, não sei por que, eu não fui cassado. Quer dizer, eu teria sido o únicoministro cassado, creio eu, porque nenhum ministro do tempo do João Goulart, dogoverno parlamentarista, foi. Mas houve a idéia de me interpelar e eu recebi ainterpelação.

V.A. - E o senhor recebeu lá nos Estados Unidos.

A.A. - Recebi lá nos Estados Unidos.

V.A. - Quem foi que lhe enviou?

A.A. - Foi o chefe do... o presidente do inquérito que estava sendo realizado para toda aMarinha, que era um almirante que nós chamamos "cinco estrelas", um almirante dareserva. Que era Luís Clóvis de Oliveira.

I.F. - Mas, então, continuando aqui na nossa crise de 64. Quer dizer, esse momentotalvez tenha sido o momento crucial para a Marinha e para o governo - essa rebelião noSindicato dos Metalúrgicos. E foi quando acabou pedindo demissão o almirante SílvioMota...

A.A. - Sílvio Mota.

I.F. - E que subiu o Paulo Mário.

A.A. - Paulo Mário.

I.F. - Agora, pelo que eu entendi, e pelo que o senhor conhecia do almirante SílvioMota, o senhor acha que ele já deveria ter pedido demissão antes, já no comício?

A.A. - Eu acho que ele já deveria ter pedido demissão quando houve o comício lá dapraça pública, lá da Central do Brasil.

I.F. - Porque, pelo que o senhor conhece, a Marinha já estava então contra essa situação.

A.A. - Aquilo já era um absurdo, a Marinha estar aceitando aquela situação. Não seiquem viria a ser nomeado. Tem sempre um para fazer mais barato, não é? Mas acreditoque vários não aceitariam aquela situação.

P.R. - Agora, a Associação de Cabos e Marinheiros, essa associação não tinhaexistência legal, não é?

A.A. - Como? Acho que não. Eu não tive conhecimento da existência, e não seria legal,não é?

P.R. - O que era legal, por exemplo?

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A.A. - A Associação dos Suboficiais.

P.R. - Era um clube de suboficiais e sargentos da Armada, não é?

A.A. - Era o Clube Humaitá Esportivo, que até nós ajudávamos muito etc., para dar umadistração ao pessoal e congregar associativamente no ponto de vista esportivo.

P.R. - Mas a Associação de Cabos e Marinheiros surgiu como uma entidadereivindicatória, não é?

A.A. - Devia ter sido.

P.R. - Sim, porque os marinheiros pediam lá no manifesto deles o direito de casar, odireito de andar em trajes civis nos dias de folga e outras coisas assim que eu nãolembro bem.

A.A. - Direito de casar, por exemplo. E havia uma explicação. Porque o marinheiro nãoé um sorteado, o marinheiro é um profissional. E ele vai enfrentar problema, porque avida de Marinha é uma vida muito diferente da vida terrestre. Então ele vai criarproblemas por causa da família, ele vai ter problemas de família: ganha pouco, temfamília, tem mulher, depois vem filhos, depois vem doença dos filhos etc. Então essehomem vai ser um amargurado, então ele vai se indisciplinar, não vai comparecer aoserviço porque a mulher está doente, porque o filho está com coqueluche. Essesnegócios todos atrapalham muito a vida profissional. Porque é uma vida que não sãooito horas de trabalho por dia; são 24 horas de trabalho diário. Porque no mar nóstrabalhamos, não queremos saber se tem hora para isso, ou tem hora para aquilo. Todosnós... A vida do mar irmana muito o pessoal subalterno com o pessoal superior. Porquea refrega, quando vem, é para todo mundo; a onda não escolhe. A água salgada nãomolha só o marinheiro, molha o oficial. Quando há possibilidade de cair alguém n'água,não quer saber se tem galão ou não tem. É uma vida muito diferente, mas muitodiferente, da vida terrestre. A vida terrestre tem uma série de nuanças que nós nãopodemos usufruir. É diferente. Tem aspectos muito bons, muito bonitos, muitogostosos, mas a vida oferece resistência. O mar é agressivo em determinadas situações.E ele não vê, não escolhe para... De modo que nós temos que pensar nisso. E nós nãopodemos sair com o navio com a guarnição desfalcada, porque faltaram tantosmarinheiros por isso, por aquilo. Porque nós temos que estar preparados para a guerra;nós não estamos preparados para a paz. A nossa missão é defender o país, cumprir coma nossa obrigação na eventualidade de uma guerra. A situação é difícil. O negócio de andar a paisano também era olhado com muito, digamos, com muitarestrição, para eles não se misturarem com uma porção de gente; [inaudível] não saberquem era marinheiro, quem era subversivo ou o que fosse, lá o que fosse. E, para isso, aMarinha lhes dava uniformes, dava muito bons uniformes. Houve uma época em queestava claudicando isso, porque não havia uma distribuição de verbas adequada e osmarinheiros estavam realmente caindo um pouco no apuro de uniformes. Mas osMarinheiros recebiam uniformes de seis em seis meses, sapatos, tudo isso. E haviamostra de uniformes a bordo. Eu fiz mostra quando comandei, quando fui comandantede divisão, quando comandei o navio. A gente fiscalizava todo mundo. Para que seapresentassem devidamente bem uniformizados e apurados. Isso tudo cria uma psicosede obediência do marinheiro, do subalterno, aos oficiais. É na paz que a gente cria essamística do princípio de autoridade. Senão, quando for na guerra, o homem claudica.

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Psicologicamente é um negócio que tem que ser bem estudado - esse regime deobediência na vida militar. Porque a gente recebe uma ordem, é para fazer isso ouaquilo, e não quer saber se vai vencer ou se não vai. Eu me lembro muito do teatro clássico francês, dos Horácios e Curiáceos, não sei setêm idéia. No meu tempo lia-se muito esse teatro clássico. Da mãe de um dos Horácios,dos Curiáceos, que o pai estava revoltado contra o filho, e o filho tinha encontrado doisou três dos Horácios, e o Curiáceo encontrou esses três ou quatro e não teve coragem dese atirar na pele só para combatê-los. Então a mãe, como toda mãe brasileira e acho queinternacional, disse para o pai: "Mas que querias tu que ele fizesse, se era um contra trêsou quatro?" E o pai respondeu: "Que morresse!" [risos] E isso nós tivemos muito naMarinha brasileira. Nós recebíamos ordem de sair com os navios aí para fazer escuta,para identificar submarinos, e nós não tínhamos nem aparelho de escuta direito. Masnós saímos, não íamos discutir. E nós tivemos um navio torpedeado etc. Mas a gentenão vai discutir, não é? Mesmo morrendo, já é um serviço prestado. Mas eu melembrava sempre desse...

I.F. - Dos Horácios e Curiáceos

A.A. - Dos Horácios e Curiáceos.

I.F. - Agora, ministro, essa crise do Sindicato dos Metalúrgicos é muito interessanteporque houve a crise dos subalternos da Marinha. Eles foram cercados por tropas doExército, houve a rendição, foram recolhidos a uma unidade do Exército e o Jango osanistiou. Quer dizer, o Jango tomou uma atitude acima do ministro, da Marinha, tudoisso. Automaticamente o ministro pediu demissão. E aí eu soube que houve uma reuniãodos almirantes no Clube Naval, que em seguida teve apoio dos oficiais do Clube Militar.Então está me dando a impressão de que a cúpula das Forças Armadas estava unida.

A.A. - Devia estar, eu não...

I.F. - Contra o movimento dos sargentos e contra o Jango.

A.A. - Leva a crer isso, e tinha que se unir mesmo, porque a adversidade que une, nãoé? E as chefias do primeiro escalão estavam lutando contra a adversidade. Aadversidade une e a prosperidade separa.

I.F. - Estou certa nesse meu raciocínio?

P.R. - Certa, é claro.

I.F. - Quer dizer, a cúpula tanto dos generais do Clube Militar..., generais daAeronáutica, vão dar apoio aos almirantes que se reuniram no Clube Naval contra aatitude...

A.A. - Eu creio que tinha da Aeronáutica.

I.F. - O Clube Militar pega as três forças, não é?

A.A. - É, tem.

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I.F. - Então eram os oficiais das três forças que foram dar apoio aos almirantes queestavam reunidos no Clube Naval conta essa atitude de anistia, tudo isso.

A.A. - Eu creio até que no Clube Naval tem uma placa alusiva a esse encontro, a essemovimento. Tem uma placa no salão de recepção. Eu creio, eu vou ver.

P.R. - Tem realmente. O almirante nos falou sobre isso.

A.A. - Ah, falou nessa placa. Ele foi presidente do Clube Naval, aliás, um ótimopresidente. Ele é sócio benemérito do Clube Naval, o Maximiano. E sócio beneméritopor aclamação, por proposta minha.

I.F. - Ah, é?

A.A. - É. Porque eles iam botar em votação, eu pedi a palavra e propus ao presidenteque não fizesse a contagem de votos, que ele fosse eleito por aclamação. Foi uma chuvade palmas. Ele foi eleito por aclamação.

I.F. - Isso ele não nos contou, não, não é?

P.R. - Não, não contou. [risos] O senhor acha então que o problema crucial de tudo issofoi o efeito que poderia incidir sobre a Marinha um processo de subversão dahierarquia?

A.A. - De subversão, claro. Era um processo de subversão de hierarquia. Porque onegócio vinha de baixo. Os marinheiros e cabos se insurgiram...

P.R. - Contra a oficialidade.

A.A. - Contra a oficialidade. Contra as ordens que vinham do primeiro escalão, queeram do ministro, da oficialidade, enfim, dos responsáveis pela Marinha, que são osoficiais.

P.R. - E o senhor acha que isso foi vital então na queda do governo do João Goulart?

A.A. - Como?

P.R. - Isso foi, vamos dizer assim, a razão básica do esvaziamento do dispositivo militardo João Goulart.

A.A. - Foi, foi, porque estava se sentindo... Naturalmente estava se sentindo que sequeria subverter a autoridade. Iam escolher um sargento Batista, uma coisa qualquer,para tomar conta disso aqui. Ou um Aragão, que talvez... O Aragão devia estar tambémpactuando com isso. Enfim, era uma situação que estava levando o pessoal de baixo atomar conta do governo.

I.F. - Mas, ministro, essas coisas não acontecem de um dia para o outro.

A.A. - Não.

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I.F. - Essas crises começaram a estourar mesmo em março de 64. Ele já tinha sidoescolhido presidente mesmo, em 63. Quer dizer, então levou um ano para chegar a isso.

A.A. - Um ano de gestação.

I.F. - Exato. Porque essas coisas não acontecem de um dia para o outro. O sargento nãoresolve, de um dia para o outro, tomar conta do palácio dos Metalúrgicos... É porquesentiu o ambiente. Como é que isso aconteceu? O senhor não sabe, não acompanhou?Hoje em dia conversam sobre isso?

A.A. - Bom, eu...

I.F. - Essa virada.

A.A. - A idéia, para mim, o surgimento do movimento foi com o retorno aopresidencialismo. Com o retorno ao presidencialismo, as idéias marxistas começaram aser semeadas e a ser cultivadas com todo carinho etc., e foram crescendo. E o meiomilitar foi assistindo àquilo enquanto podia, enquanto sentia que não tinha força. Atéque eles acharam que estavam suficientemente fortes e então começaram a pedir paraver, como no jogo de pôquer. E aí se deu essa...

I.F. - Quer dizer que, então, esses almirantes que se reuniram no finalzinho de março noClube Naval, só se reuniram no finalzinho de março, mas antes não tomaram atitudenenhuma para conter isso.

A.A. - Não, mas já estavam maduros para chegar a essa decisão.

I.F. - Mas o que eu digo é o seguinte: os almirantes que eram contra essa subversão,tudo isso, não tomaram nenhuma atitude para controlar isso.

A.A. - Que saiba, não.

I.F. - Foram deixando a bola de neve ir crescendo.

A.A. - Foram, dizendo assim... Ficaram numa atitude contemplativa e vendo até ondechegava, não é? Porque é um problema que é interessante, esse: quando a gente enfrentaum problema, ou coisa que o valha, e quer solucioná-lo - um problema militar -, a gentetem que ver a exeqüibilidade quanto aos meios. E eles talvez sentissem que eles aindaestavam em minoria, que os meios ainda não eram de molde a permitir que aexeqüibilidade fosse coroada de sucesso. Quando chegou a esse ponto que transbordou,então aí já a situação estava praticamente com o fator de forças muito maior para o ladode sustentação do regime capitalista. Porque a coisa é mais ou menos entre regimecapitalista e bolchevista - nesse caso.

I.F. - Porque isso aconteceu lá pelo dia 23 ou 24 de março; eles foram presos, ossargentos, e em seguida anistiados. E voltam depois a ter nova manifestação no dia 30de março, não é isso?

P.R. - É, exato. Mas aí já foi do Exército, não é?

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I.F. - Aí já foi do Exército, é. No Automóvel Clube, não é?

P.R. - É, no Automóvel Clube. Mas o que houve de importante nisso foi o seguinte: noepisódio ainda do palácio dos Metalúrgicos, depois que os marinheiros saíram, ficoudecidido que eles seriam recolhidos presos em quartéis de Exército para evitar qualquermanifestação de represália por parte dos oficiais da Marinha.

A.A. - Da Marinha. É possível.

P.R. - É, e os almirantes concordaram com isso e a crise ficou serenada. Quandorepentinamente, sem que ninguém esperasse, o João Goulart baixa um decretoanistiando os marinheiros. E isso foi o que irritou o almirantado.

A.A. - Isso aí precipitou. Eu não tinha...

P.R. - Ah, o senhor não tem conhecimento desse quadro.

A.A. - Eu não tinha conhecimento desse...

P.R. - É, isso realmente foi o que ocorreu.

A.A. - Mas isso talvez tivesse precipitado os acontecimentos. Então foi a gota d'água,não é?

P.R. - Exatamente. Agora, depois desses acontecimentos todos, o senhor ainda ficou naJunta Interamericana até...

A.A. - Eu fiquei na Junta Interamericana até completar o meu tempo. Porquenormalmente eram dois anos. Eu fiquei até...

I.F. - Final de 64?

A.A. - 64.

P.R. - Ah, então o senhor não foi destituído em função do movimento, não.

A.A. - Não; não fui e fiquei lá até o último dia do tempo que era normalmente aceitopara exercer a função. Só fui exonerado depois.

I.F. - E aí o senhor voltou para cá.

A.A. - Aí vim para o Brasil. E aí fiquei adido até ser nomeado pelo Bosísio para umafunção que tinha no Estado-Maior das Forças Armadas. Nem me lembro o nome... Onegócio era tão sem expressão; foi uma função criada para abrir vaga. Porque criaramno Exército, na Marinha e na Aeronáutica. Era uma espécie de funçãozinha de Estado-Maior, mas ligada ao Estado-Maior das Forças Armadas. Núcleo de Defesa de Controle,não sei quê, do Atlântico - uma coisa assim. Mas para isso só fui nomeado quando oPaulo Bosísio foi nomeado ministro, porque o Melo Batista não quis me dar comissão.Porque o diretor de pessoal, quando eu me apresentei, era o Rademaker. Eu me lembroque eu vi o Rademaker conversando com o Melo Batista e eu entendi, pela conversa

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dele, comunicando que eu tinha me apresentado à Diretoria do Pessoal etc... E asdúvidas que o Rademaker ficou para me dar comissão ou não, porque ele queria menomear para uma comissão e o Melo Batista cortou a situação e queria me deixar alijadoda situação. Porque dizem que ele me chamava de traidor. Não me tolerava e isso tem...A origem disso, dessa inimizade, foi do tempo em que eu era ministro, por causa doFaria Lima...

I.F. - Faria Lima?

A.A. - É, por causa do João Faria Lima; irmão desse Faria Lima, do Floriano...

[FINAL DA FITA 30-B]

A.A. - ... do Floriano; do outro Faria Lima, que era muito meu amigo, que foibrigadeiro, que foi prefeito, grande prefeito, de São Paulo. E o negócio foi o seguinte: oFaria Lima, o João, que é um oficial de grande valor - como eles todos são -, servia láem Belém do Pará, na base naval de Belém. E o Ernesto Melo Batista era comandantedo Distrito, e ele era um homem muito prepotente, muito radical e tudo. E teve lá umdesentendimento com o Faria Lima e resolveu prender ou repreender oficialmente oFaria Lima. E o Faria Lima não se conformou. O regulamento disciplinar permite orecurso à instância superior. E veio..., aquele negócio passou pelo Estado-Maior, chegoua mim para decisão. Eu li tudo aquilo, vi a vida pregressa do Faria Lima, toda aquelasituação, e então resolvi ser mais benevolente. E eu então transformei: em vez darepreensão, da prisão, modifiquei a pena em pena de admoestação. Porque aadmoestação é uma forma, digamos, de se corrigir, mas em que não vai a nota para acaderneta. E eu não me arrependo até hoje de ter feito isso. Transformei emadmoestação. A isso ele subiu nas tamancas. Aí me escreveu uma carta reclamando que tinha havidoisso, que ele tinha sido desmoralizado, por isso, por aquilo, não sei o quê etc. E que elerompia relações particulares, sociais, comigo. Eu aceitei e mandei dizer a ele então oseguinte: que se ele achava - no que eu discordava - que toda vez que uma autoridadeem instância superior resolvesse ser mais benevolente e aplicasse uma punição, umaapreciação, mais benévola ao caso, se achava que aquilo desmoralizava a autoridade quehavia aplicado inicialmente, então isso devia ter sido tirado, esse direito de instânciasuperior devia ter sido eliminado. Porque eu tinha o direito de ser mais benevolente,mas isso não implicava que eu o estivesse desprestigiando. É porque eu era maiscordato, mais benevolente, mas ele continuava com o prestígio que ele sempre teve. Eassim encerramos as nossas relações.

I.F. - Ele vai pegar isso, depois, quando ministro, para deixar o senhor sem comissão.

A.A. - Depois, quando ministro, então, ele já não me tolerava, já me achava umelemento de última classe.

I.F. - E o senhor volta a ter comissão então quando passa a ser o almirante Paulo Bosísioo ministro da Marinha.

A.A. - Paulo Bosísio ministro da Marinha.

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I.F. - E aí qual foi o cargo que ele lhe deu?

A.A. - Aí foi esse para o Estado-Maior das Forças Armadas. Numa função dessecomandante de um núcleo que havia lá criado.

I.F. - Mas sem força também, não é?

A.A. - Era uma função que eu... achava uma função completamente desnecessária. Eraum...

I.F. - Completamente desnecessária?

A.A. - Hein? Achava desnecessária. E acabaram. Achava desnecessária e extinguiramisso.

I.F. - Foi mais para encostar as pessoas que não eram bem-vistas, então.

A.A. - Não, não era para encostar; era para abrir vaga. E como eu também não estavabem na situação, então me mandaram para lá.

I.F. - Agora, vou lhe perguntar uma coisa. Nós começamos a entrevistar o ministroRademaker e infelizmente ele faleceu e não deu para continuar.

A.A. - É.

I.F. - Uma coisa que me impressionou muito é que ele esteve numa atuação importanteno periodozinho entre a saída do Jango e a subida do Castelo Branco. Ele e o Costa eSilva ficaram na organização do Comando Supremo da Revolução.

A.A. - Sim.

I.F. - Quando o presidente Castelo Branco assumiu, tirou-o do Ministério, e ele volta aser ministro no governo Costa e Silva. Qual foi o desentendimento - o senhor sabe? -que houve entre o Castelo Branco e o ministro Rademaker?

A.A. - Eu tenho a impressão que não houve desentendimento. Eu tenho a impressão queo que houve foi o seguinte: o Castelo tinha servido lá em Belém do Pará com o MeloBatista e talvez, dessa convivência, ele tivesse apreciado o Melo Batista, que talvezfosse o oficial-general com quem ele tivesse mais ligação. Então ele tendo o direito deescolher A, B, C ou D, ele escolheu o Melo Batista. Não que isso implicasse em não tersimpatia, em achar que o Rademaker não fosse bom oficial...

I.F. - Porque o ministro Rademaker nos deu a entender que tinha um atrito com opresidente Castelo Branco, não quis falar detalhadamente. E como ele só nos deu seishoras de entrevista, não deu para chegar a esse ponto.

A.A. - Quando ele ainda era ministro?

I.F. - Exatamente.

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A.A. - Eu não sei.

P.R. - Mas ele deu o motivo: foi a questão da aviação embarcada.

I.F. - Também. Mas tinha mais alguma coisa que ele disse que não queria contar e quenós não chegamos a pegar.

A.A. - A questão da aviação embarcada, a solução do Castelo foi dada já quando o MeloBatista era ministro.

I.F. - Era ministro. Quer dizer, ele tirou... O Rademaker estava numa função importante.Quer dizer, o Costa e Silva continuou no Ministério da Guerra, mas o Rademaker, eleafastou.

A.A. - Afastou. Nomeou um outro ministro.

I.F. - Nomeou o Melo Batista, depois o Paulo Bosísio, depois o Araripe Macedo. E oalmirante Rademaker ficou...

A.A. - Bom, aí já tinha o problema da aviação embarcada. Quando chegou o Bosísio, játinha a crise entre ele... que nós chamamos as "irmãs Dione" - não sei se já ouviu falar...

I.F. - Já ouvi falar, nas gêmeas.

A.A. - Então já tinham rompido com o governo, aí já tinham rompido com o governo. Eeles cometeram um erro muito grande. Aquele problema da aviação... A crise poderiater sido mais extensa. Mas ali houve um erro, um erro do Rademaker, dos outroselementos constitutivos das "irmãs Dione", que foi o seguinte: eles, quando tomaramaquela decisão...

I.F. - As "irmãs Dione" eram o Rademaker...

A.A. - Era o Rademaker, era o Levi Aarão Reis, era o Valdeck Lisboa Vampré, o...

V.A. - Como?

A.A. - Valdeck Lisboa Vampré - um oficial de grande valor, tenho uma admiraçãomuito grande por ele. O... Quem mais? Tinha o Zenha de Figueiredo... Eram uns cinco,não me lembro...

I.F. - Cinco, é. As "irmãs Dione" eram cinco.

A.A. - Já disse os cinco?

I.F. - Não. Digo: as "irmãs Dione" eram cinco. O senhor deu quatro.

A.A. - Eu dei quatro. Então está faltando uma que eu não me lembro agora quem seja.Depois eu me lembro, para não estar gastando aí a fita. [risos] Era Melo Batista,Rademaker, Leví, Vampré, Zenha.

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P.R. - Cinco.

A.A. - Aí tem cinco, não é?

P.R. - Tem.

A.A. - Eram seis ou cinco?

I.F. - Eu acho que eram cinco.

A.A. - Então estão aí, inteirinhas.

I.F. - Não garanto, não, mas acho que eram cinco.

A.A. - Se faltar mais uma, eu não... Depois pode haver alguém ainda na entrevista quedescubra qual é. Mas eu procurarei ver; se tiver ainda dando entrevista, posso ver.

I.F. - Mas aí era a questão da...

A.A. - Aviação embarcada. A crise surgiu quando o Castelo então... O Melo Batista erao ministro e o Castelo deu a solução de os helicópteros ficarem com a Marinha e os asafixa ficarem com a FAB.

I.F. - Mas eu não entendi qual é o papel das "irmãs Dione" nisso.

A.A. - O papel das... Ah, o problema foi o seguinte: quando a Marinha recebeu anotícia, eles cinco... Aí é que houve um erro... político, digamos assim - porque aí équestão de política também. Eles se consideravam os privilegiados dentro da Marinha.Quer dizer, os melhores entre... a crème de la crème [risos] porque eu também nãoquero fazer parte da crème. Então eles tomaram a decisão... Em vez de reunir todos osalmirantes - porque aquele era um assunto que empolgava todo o corpo de almirantes - edizer: "Houve essa decisão. O que devemos fazer? O que vamos fazer?"... Então todomundo abandona, deixa os cargos. Aí o Castelo ia enfrentar uma situação difícil, porqueia ficar sem os oficiais-generais para resolver as chefias da Marinha. Mas não: elesresolveram e não disseram nada a ninguém. Resolveram pedir demissão e nós soubemospelo Repórter Esso que eles tinham se demitido. Então a mim não cabia fazer maisnada. Como eu disse: um almirante fez uma circular... Eu disse: "Eu não tenho nada quefazer. Eu não fui nem cheirado, nem consultado. Eles resolveram pedir demissão, nãome comunicaram nem nada. O que é que eu vou fazer? Vou me meter nisso?" Entãotranqüilamente nós ficamos sem os aviões e eles foram para casa, para voltar depois aospoucos no governo do Costa e Silva. Mas eu acho um erro, um erro tremendo deles.Eles estavam nos postos-chave da Marinha, muito bem. Eles tinham que chegar a verque o problema não era só deles. Porque no mesmo escalão tinha outros. Ele tinha queconvidar todos os almirantes para que comparecessem, para dizer: "Houve essasituação. Eu sugiro isso, eu sugiro aquilo etc." Ouvir, botar em debate a situação, paraver qual era a posição dos oficiais-generais na Marinha. E não houve isso. Para mim,digamos, foi um erro tático deles. Então ficamos divididos. Eles tomaram a posição e oresto dos almirantes não tomou posição nenhuma, ficaram lamentando só.

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I.F. - Eu acho que nisso ficou alguma ferida. Porque o almirante Rademaker nuncaperdoou muito essa situação e nunca se acertou muito com o presidente Castelo Branco.Ficou uma mágoa muito grande.

A.A. - Não, o Castelo Branco parece que tentou atraí-lo. Quando houve vaga deministro do Superior Tribunal Militar, eu tenho idéia de que o Castelo Branco mandouconvidar o Rademaker para assumir um posto lá como ministro, ser nomeado ministro.Ele não aceitou.

I.F. - É, ele nunca perdoou muito a situação.

A.A. - Não, e ele não aceitava... O Rademaker não aceitava qualquer coisa que pudesseser para se beneficiar pecuniariamente, ou coisa que o valha. O Rademaker era umoficial de uma independência admirável. O Rademaker era comandante do Duque deCaxias, porque... Eu tenho uma admiração por ele muito grande, como tenho por quasetodos os meus colegas de turma. E sabia das dificuldades em que ele vivia, com umafamília com muitos filhos etc. Ele nunca pediu nada. E tinha que se nomear ocomandante do Duque de Caxias. Eu estou contando isso porque ele está falecido. E oalmirante Guillobel tinha que escolher um capitão-de-fragata para comandar o Duque deCaxias em viagem de instrução. E eu cheguei para o almirante Guillobel e disse:"Almirante, eu teria vontade, se fosse possível, que o senhor nomeasse o meu colegaRademaker para comandante." Diz ele assim: "Ótima idéia. Manda preparar, mandafazer o decreto." E o Rademaker foi nomeado para comandar o Duque de Caxias emviagem de instrução. O comando era de capitão-de-fragata. Bom, o navio saiu em viagem de instrução e estava em Marseille quando ele foipromovido a capitão-de-mar-e-guerra. E passaram-se uns vinte ou vinte e tantos dias e,quando é um belo dia, vem um telegrama do Rademaker: "Havendo sido promovido acapitão-de-mar-e-guerra e estando até agora no posto abaixo daquele que me cabe comocapitão-de-mar-e-guerra, porque a classificação do navio é comando de fragata, solicitode Vossa Excelência me exonerar do cargo que estou ocupando..."Quer dizer, ele iadeixar de estar fazendo uma viagem no estrangeiro, onde ele estava ganhando muitobem, para vir embora porque ele não se ajeitava a ficar numa situação... ele, capitão-de-mar-e-guerra, comandando um navio que era comando de capitão-de-fragata. Aí mostreio telegrama, levei o telegrama para o almirante Guillobel e disse: "Olha aqui, almirante,o Rademaker não pode continuar porque a Diretoria do pessoal se esqueceu de trazeresse problema etc. E a solução é essa: é mudar a classificação do navio. Passar o navio,em vez de comando de fragata, a comando de mar-e-guerra e está solucionadoo..."Então manda preparar o expediente." Eu preparei. Então: "Referência a vosso etc.Comunico que a classificaçãodo navio já passou a ser de capitão-de-mar-e-guerra, cessando todas as razões quedeterminaram o pedido de exoneração de Vossa Senhoria etc." E assim foi. Mas elepediu logo a exoneração dele porque não era lugar de...

I.F. - Posto de acordo.

A.A. - E eu vi oficiais aceitarem essa situação constrangedora e ficarem porque estavamganhando mais. Nenhum se insurgiu, reclamou, nem nada. E ficaram e não foi alterada alotação nem nada, e eles ficaram tranqüilamente no posto abaixo.

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I.F. - Mas então voltando a 64. Quer dizer, houve essas crises todas e... Como é quechegou a notícia do levante do dia 31 de março lá nos Estados Unidos?

A.A. - Bom, chegou... Eu não tive surpresa. Eu não tive surpresa porque eu já tinha ditoque o governo não agüentava. Mas aquilo, de um modo geral, foi uma... bomba,digamos assim. Porque quando cai um governo, a gente não sabe o que vai ser depois,quem é que está se propondo a governar. a gente não sabe direito. Ninguém conheciaCastelo Branco, ninguém conhecia a junta. Eu sabia que era uma junta militar, depois éque foi escolhido o Castelo Branco.

I.F. - É.

A.A. - Mas não sabia o que estava na cabeça da junta, também.

I.F. - E o senhor achava que havia reação, ou não foi surpresa também o negócio tercaído assim rapidamente?

A.A. - Como?

I.F. - Porque foi decidido em pouco tempo. Quer dizer, houve o levante, o Jango foiembora...

A.A. - Foi embora.

I.F. - Não houve luta maior, não houve nada, mudou o governo...

A.A. - Bom, eu já esperava. Agora, aquilo era uma situação decorrente daquela criseque foi feito bola de neve; foi crescendo até que houve o derrame completo. Mas euesperava. Três dias antes, eu estava almoçando com o Duque Guimarães, que era adidonaval e tinha sido meu chefe de gabinete, e disse: "Isso, dentro de uma ou duas semanas,esse governo não se agüenta, o governo cai." Eu já tinha sido sondado... Eu já tinha sidosondado até para voltar para o Ministério. Eu disse que eu não sabia fazer milagres. Agente sentia que a coisa estava periclitante mesmo.

I.F. - Mas o senhor pensava que ia haver luta, que ia ter uma reação?

A.A. - Eu pensava que ia haver... que o governo ia se desgastar e ele não ia ter maiscondições de governar. Ou pelo movimento armado, ou pelo próprio Congresso, quepodia chegar...

I.F. - E aquela marcha em São Paulo, "Com Deus, pela liberdade", teve repercussõesgrandes lá, o senhor soube?

A.A. - Qual?

I.F. - Aquela marcha que teve em São Paulo uns dias antes, que foi o povo todo na ruacontra o governo.

A.A. - No tempo do João Goulart?

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I.F. - Ainda, no finalzinho.

A.A. - Aquilo nós não tivemos uma idéia exata da grandiosidade. Tivemos a notícia damarcha, mas a gente não... Os jornais, cada um noticia... bota cem mil pessoas, botacinqüenta mil, você não sabe direito. Bota a fotografia do estádio do Vasco, a gentepensa que é gente. Imprensa aqui é um negócio meio complicado, não é? De modo quea gente tem que se acostumar a ler nas estrelinhas, de acordo com a índole do jornal;separar o que pode ser verdade e o que pode ser exagero, não é?

I.F. - Agora, o senhor já conhecia o presidente Castelo Branco, ou não conhecia?

A.A. - Não, não. Conhecia muito o filhinho dele, o Paulo.

I.F. - O Paulo?

A.A. - O Paulo foi ajudante-de-ordens do almirante Guillobel quando era chefe doEstado-Maior da Armada. De modo que já conhecia o Paulo. Mas o Castelo Branco,não, não tinha relacionamento grande com ele. a não ser... Quando foi...? Eu só vimpessoalmente, assim, a ter idéia dele, quando esteve aqui parece que o príncipe ou o reida Bélgica, numa recepção aí no Copacabana, em que ele já era presidente daRepública. Eu estava na recepção quando eu vejo aquela figura se dirigir a mim para virme cumprimentar. Foi aí que eu vi; era uma figura que a gente reconhece em qualquerlugar, não é?

I.F. - Ah, é.

A.A. - Então me saudou muito afetuosamente etc. Foi esse o contato que eu tive com... aidéia que eu tenho do Castelo Branco. Por falar nisso, hoje vi o grande cantor eapreciador de ópera, o Simonsen. Veio no elevador comigo. E ele, como político etc, mesaudou muito afetuosamente. Eu vi logo quem era; disse: "Boa tarde, ministro."Primeiro me estendeu a mão logo. Não sei com quem ele me achou parecido, se foi como Cantinflas, com quem foi.[risos]Mas me estendeu a mão. E eu o cumprimentei, disse:"Boa tarde, ministro." E ele subiu, ficou no 11º. Não sei o que ele veio fazer aí.1 Ele éum grande cultor da ópera etc., conhece clássicos como gente grande.

I.F. - É. Mas aí, o que o senhor achou do governo Castelo Branco e do AI-1?

A.A. - Como?

I.F. - O que o senhor achou da posse do Castelo Branco, da escolha dele, do governo...

A.A. - Bom, a escolha foi uma contingência do momento, não é? Chegaram à conclusãode que ele era o mais indicado. Ele... naturalmente tomaram as opiniões no Congresso,tudo isso, e saiu o nome dele. Porque realmente ele era um militar de valor. Não era sómilitar, ele era homem que, vendo depois, era um homem de grande cultura geral, tudoisso, não é? Agora, só conheci o filho dele, o Paulo. Mas ele pessoalmente, não.

V.A. - Ministro, eu queria voltar àquela carta precatória que o senhor disse terrecebido... 1 Esta entrevista foi gravada na Fundação Getúlio Vargas, local de trabalho de Mário Henrique Simonsen.

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A.A. - Não me enrasque, não me comprometa! [risos]

V.A. - Eu queria saber se o senhor soube de outros oficiais que teriam recebido a mesmacarta.

A.A. - Houvessem... Não, não tenho idéia, não.

V.A. - O senhor acha que foi só o senhor que recebeu?

A.A. - Ah, não sei, não posso dizer porque... Eu recebi a carta precatória: não sei semais algum oficial estava em condições também de receber. Acredito que outrostivessem recebido - que não estivessem no Rio - para evitar movimentação do transporteetc., para vir depor, prestar esclarecimento como testemunhas no Rio, tivessem recebidoa carta precatória para responder. Cada um naturalmente com perguntas diferentes, deacordo com a condição, com o juízo que eles estavam fazendo. Mas acredito que nãotivesse sido a única, não.

P.R. - O senhor teve alguns oficiais que serviram no gabinete do senhor que forampenalizados pelos atos...

A.A. - Foram prejudicados, a maior parte foi. A maior parte foi... Ou no momento, ouremotamente, mas eles sofreram preterições, eles foram se afastando. Só um ajudante-de-ordens, ou dois ajudantes-de-ordens meus estão fazendo carreira. Os outros todosforam sendo afastados: ajudantes-de-ordens, oficiais de gabinete etc.

V.A. - Como o senhor se sentiu ao ver esses oficiais serem cassados... Enfim?

A.A. - Eu lamentei, porque eu tinha sido também um pouco responsável. Fiquei atéchateado de não ter sido cassado. [riso] Porque eu não fui cassado, e os meuscomandados foram... Não digo totalmente; não foram cassados, mas foramprejudicados. Mas isso eu também fui. Porque embora não seja direito... Eu cheguei avice-almirante e, como vice-almirante, o governo achou que eu não era o tipo dealmirante que eles precisavam para ser almirante-de-esquadra e eu fui preterido e peditransferência para a reserva.

P.R. - Isso ainda no governo Castelo Branco?

A.A. - Não, não. Eu fui preterido no governo... É, foi no governo Castelo Branco, é.

P.R. - Aí o senhor foi para a reserva já no posto de almirante-de-esquadra?

A.A. - No posto de almirante mesmo, acima de almirante-de-esquadra. Porque eu tinhadireito a...

P.R. - Ah, tem esse posto na Marinha?

A.A. - Tem. Agora extinguiram. Mas havia o posto de... é o equivalente a marechal.

P.R. - Ah, sim.

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A.A. - Mas é estabelecido que, em caso de guerra etc., esse posto é preenchido. Mashouve uma circunstância qualquer em que esse posto passou a vigorar para transferênciapara a reserva. Então, como os oficiais que chegavam a almirante-de-esquadra não eramaquinhoados com mais uma melhoria, então criaram esse posto de almirante e demarechal. Tanto que, para efeitos legais, quando eu pedi transferência para a reserva,que eu fui para a reserva... O decreto diz o seguinte: "O presidente da Repúblicaresolve: promover a almirante-de-esquadra e transferir para a reserva no posto dealmirante." Nos oficiais-generais seria: "... resolve: promover a general de Exército, naativa, e transferir para o posto de marechal." Isso por efeito de remuneração. Porque aConstituição não permite que o oficial na reserva tenha uma remuneração superior à queele ganharia na ativa. Então, sendo promovido a almirante-de-esquadra, o oficial,quando passa para a reserva, vai auferir os proventos de um posto acima. Mas foi porisso que foi criado... Eu fui promovido a almirante-de-esquadra na ativa. E é curioso, porque, alguns anos depois, eles resolveram... Os oficiais que chegassem aalmirante cinco estrelas, como nós chamávamos, ou a marechal, tinham direito a umagratificação de 20% sobre os proventos. E eu recebia essa gratificação. Quando foi umbelo dia, no governo Médici, veio uma ordem da presidência da República mandandocortar esses 20% a que eu tinha direito e mais outros oficiais-generais nas mesmascondições que eu. Porque eles achavam que só os oficiais que tinham chegado aalmirante-de-esquadra e permanecido no posto, que tinham sido promovidos aalmirante-de-esquadra para exercer a função, é que tinham direito. Mas o negócio... Eradireito expresso em lei, porque o regulamento de remuneração, a lei de remuneração,estabelecia que quem chegasse... Não diz como chegou. Quem chegasse a marechal ou aoficial almirante tinha direito aos 20%. E eu fiquei sem receber os 20%, mas nós estávamos num regime de força e nós nãotínhamos condições de ir para o judiciário. Então esperamos até... Porque o advogadotambém não aceitava a situação, porque o Judiciário estava... O juiz cairia na desgraçaetc., se resolvesse contra o governo. Então no governo Geisel, em que já estava havendoa abertura, um advogado aceitou essa causa. Mas há uma peculiaridade bem brasileira.Ele disse: "Bom, eu aceito a causa. Isso é um direito expresso em lei, os senhores têmdireito a isto. Mas se eu fizer um processo só dos trinta e tantos que vão reivindicarisso... Chega um processo dessa altura para o juiz; os juizes não querem se aborrecer emler isso e botam lápis vermelho, indeferem e está tudo perdido. De modo que tem quedividir de quatro em quatro." Isso é eminentemente brasileiro. Eu estou contando issoaqui como entrevista, não cabe bem, mas é o retrato de situações do Brasil. E eu fui dasegunda fila dos quatro. Os primeiros quatro que tiveram parecer favorável... Tem queser unanimidade. Depois a minha turma - como eu sempre tenho muita sorte, graças aDeus - teve parecer favorável. Depois outras turmas têm tido pareceres desfavoráveis,não têm por unanimidade e volta... Mas umas cinco turmas já tiveram parecer favorável.Eu tive parecer favorável por unanimidade e passei a receber os 20% e fazer jus aosatrasados etc.

I.F. - Quer dizer que esse autoritarismo refletiu em todos os sentidos.

A.A. - Como?

I.F. - Esse autoritarismo no governo Médici refletiu em todos os setores. Inclusive nessaquestão dos juizes não quererem pegar essa briga, vamos dizer assim.

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A.A. - Como? Ah, não. Os ministros não pegavam...

I.F. - Não, o senhor disse que estava num regime de autoritarismo e que, no governoMédici, não conseguiu nem entrar com esse processo porque os juizes não queriampegar.

A.A. - Não, não queriam pegar porque eles não se sentiam com autoridade suficientepara resolver contra o Executivo. Porque o Judiciário deve ser perfeitamenteindependente.

I.F. - Exato.

A.A. - É de supor que seja, não é?

I.F. - É de supor.

A.A. - Mas na realidade há esse jeitinho... os juizes não querem se indispor com aautoridade do Executivo. E os advogados não queriam - não eram os juizes. Osadvogados, porque não tinham confiança na isenção de ânimo dos juizes; eles iamsentar o pau e não adiantava nada.

V.A. - Ministro, a que o senhor atribui essas cassações e represálias, aos quetrabalharam no seu gabinete enquanto ministro?

A.A. - É que nós ficamos malvistos com a situação corrente. Quer dizer, há uma espéciede ingerência política na área militar. Então os oficiais ficam em... - como é que sechama? - ficam em situação de incompatibilidade. Não são de grande confiança para ogoverno que está. Eles temem um processo de conspiração ou de negação de autoridade,tudo isso.

V.A. - O senhor acredita que eles teriam, que haveria esse perigo?

A.A. - Eu não acredito, não. Não acredito, não.

I.F. - Isso foi só pelo fato do senhor ter feito parte do gabinete parlamentarista...

A.A. - Quer dizer, passamos a ser suspeitos. Não quer dizer que nós fôssemos, queexecutássemos qualquer coisa. Mas havia suspeição, havia temor, digamos assim.

I.F. - Só pelo fato do senhor ter sido ministro do governo parlamentarista.

A.A. - Do governo parlamentarista. É um processo de prevenção, de defesa etc. Eu,quando assumi o Ministério, não pensei nisso, em absoluto. Eu, justamente procurei darcomissão a todo mundo e dei a todos os oficiais-generais. Não tinha oficial-general quenão tivesse comissão.

I.F. - Agora, dentro da Marinha, qual era o órgão que fazia essas cassações e quemandava essas punições, essa coisa toda?

A.A. - Como? As cassações?

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I.F. - Dos oficiais de Marinha...

A.A. - Ah, bom. Eu não estava aqui quando houve isso em massa. Mas houve uminquérito... Acho que de plano mesmo eram cassados. Mas houve um inquérito geral naMarinha, cujo presidente era esse almirante Luís Clóvis de Oliveira, a que eu já mereferi, para fazer uma inspeção em todos os elementos da Marinha que fossem julgadoscom capacidade de se incompatibilizar com o governo.

I.F. - Isso tinha alguma coisa a ver com o Cenimar e com o SNI?

A.A. - Eu não sei, não. Pode ser que tivesse, mas eu não sei.

I.F. - Não sabe de onde partiu isso.

A.A. - Não sei de onde partiam essas indicações para as inquirições, não sei.

I.F. - Porque houve também muita questão pessoal nisso também, não é?

A.A. - Havia e muita. Houve muita. Tem oficiais que foram cassados sem saber como,sem saber como nem por quê. Oficial como o Enio Moura Vale, um oficial de grande...

[FINAL DA FITA 31-A]

A.A. - ... de grande valor, foi meu oficial de gabinete, que era minha ligação com oCongresso. Ele está trabalhando em São Paulo muito bem, está muito bempecuniariamente. Podia ser oficial para qualquer Marinha. Ele foi cassado sem saber porque, o que ele... Não sabe o que ele fez que tivesse gerado a necessidade dele sercassado.

V.A. - E ele respondeu a algum questionário?

A.A. - Não sei porque nem estava aqui. Ele foi cassado naquele movimento queabalaram a República naquela época...

[INTERRUPÇÃO DE FITA]

I.F. - Porque parece que nesses processos de cassações tinha alguns casos em que elespreparavam uns processos enormes e as pessoas não se davam nem ao trabalho defolhear e olhar. Porque se fossem folhear, não tinha nada. Eram questões pessoaismesmo.

A.A. - É possível. É questão de simpatia... Achavam... julgavam de plano, como euouço falar às vezes. E mandavam embora e pronto. Então é o regime do absolutismo.

V.A. - Como é isso de plano. O que quer dizer isso?

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A.A. - É o absolutismo, não é? Achava que não merecia, não podia estar... "L'Etat c'estmoi", do Luís XV. E pronto, estamos conversados. Julgava e não tinha que darsatisfação a ninguém e pronto.

I.F. - E quais foram os oficiais mais ligados ao senhor que sofreram cassações?

A.A. - Bom, mais ligados a mim, os oficiais do meu gabinete, não é? Alguns; não foramcassados todos. Mas todos, de um modo geral, com exceção de dois ajudantes-de-ordens, foram sofrendo restrições nas promoções.

I.F. - Quase todos foram perseguidos.

A.A. - É.

I.F. - Então, todo pessoal que teve alguma ligação com o governo João Goulart sofreurepresália.

A.A. - Devia ter sofrido.

V.A. - Esses dois que são a exceção, por que eles são a exceção?

A.A. - Acredito que por sorte, ou porque os elementos que podiam prejudicá-los naépoca tinham simpatia por eles, não prejudicaram. Porque as promoções... Tem umacomissão de promoções que é quem escolhe, quem avalia o mérito de cada oficial. Eporque eles serviram em lugares em que tiveram informações muito favoráveis, tudoisso, juntou essa coisa toda, dá um resultado positivo e eles foram promovidos.

I.F. - Agora, as cassações começaram ainda no tempo do Comando Supremo daRevolução, antes da posse do Castelo Branco.

A.A. - Foi, aí.

I.F. - Começou com o AI-1, que foi no dia 9 de abril. E isso foi continuando o tempotodo...

A.A. - Foi. Era válida sempre a cassação; ou no momento, e remotamente continuou. Opróprio Ernesto Melo Batista foi cassado. Até numa cassação toda especial. Não sei seconhece o caso.

I.F. - Não.

A.A. - Foi uma cassação muito curiosa, fora do padrão. Porque o Melo Batista foicassado por um ano.

I.F. - Existe isso?

A.A. - Existe. Tanto existe que o Castelo aplicou. Foi cassado por um ano.

I.F. - O Melo Batista foi ministro dele?

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A.A. - Foi ministro dele. Foi cassado por um ano.

P.R. - Mas acho que pelo AI-5 do Costa e Silva, não é?

A.A. - Não, não, acho que não. Não posso garantir. Mas ele foi cassado por um ano. Eucreio que foi pelo Castelo Branco.

P.R. - Não, acho que foi pelo... Aliás, nem pelo Costa. Tenho impressão que foi aquelajunta que substituiu o Costa.

A.A. - Não, não foi a Junta. Foi o Castelo.

P.R. - Foi o Castelo?

A.A. - Foi o Castelo, que tenho certeza. Se não foi o Castelo, foi o Costa e Silva. Mastenho mais impressão que foi o Castelo.2 Foi cassado por um ano e com a seguintesituação: um ano depois de cassado, a Marinha faria a apreciação da pessoa do ErnestoMelo Batista para ver se devia ser confirmado o afastamento dele da Marinha ou não.Um negócio meio humilhante, eu me admiro como é que ele aceitou. E um ano depois,um ano depois dele cassado, foi confirmada... O julgamento da Marinha achou que eledevia continuar afastado da Marinha. E ele continuou afastado da Marinha.

V.A. - E por que ele foi cassado?

A.A. - Ele foi cassado porque andou pegando umas prisões e andou se insubordinandocontra a autoridade do presidente da República. Essa é que foi a razão. Porque ele seinsurgiu contra a autoridade do presidente da República.

V.A. - Do Castelo?

A.A. - Acho que foi o Castelo. Aí veio então o negócio da cassação por tempodeterminado; que eu me lembre, foi por um ano. Ele ficou um ano de castigo para serjulgado depois pela Marinha se ele devia voltar ou não. E o mais curioso é que aMarinha achou que ele não devia voltar.

I.F. - Aí fica dado como morto, não é isso, nessas cassações?

A.A. - Não, não. Ele ficou passado, recebendo os proventos etc. Ele não foi... Ascassações... a demissão da Marinha, a demissão do serviço...

I.F. - É, porque teve uns casos que foram dados como mortos...

A.A. - Esse foi um caso de demissão da Marinha, demissão da Marinha. Houve caso dedemissão da Marinha. Esses, os dependentes ficaram recebendo...

I.F. - Como viúvas.

2 Melo Batista foi suspenso de suas atividades pelo período de um ano, em 16 de outubro de 1969, combase no Ato Institucional n.º 17, durante a gestão da Junta Militar que antecedeu o governo Médici.

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A.A. - O montepio.

I.F. - É.

A.A. - Mas não foi o caso dos cassados normalmente. Eles eram transferidos para areserva sem direito a promoções a que tivessem direito; sem promoção. Foi o caso doSuzano, do Sílvio Mota.

I.F. - Eles são então automaticamente mandados para a reserva. E teve os casos maisgraves...

A.A. - De demissão.

I.F. - ... que aí eram inclusive considerados como mortos, as viúvas deles, vivas,ficavam recebendo a pensão...

A.A. - Sem direito a casar.

I.F. - Exatamente. [risos]

A.A. - Nós temos uma legislação especial: uma viúva que não pode casar.

I.F. - Exatamente. [risos] Foi uma questão bastante complicada. E qual é o apanhadogeral que o senhor faz hoje desse período que nós tivemos, desses governos CasteloBranco, Costa e Silva e Médici?

A.A. - Eu acho que o Castelo Branco foi um governo com menos dificuldade que osoutros. Porque o Castelo Branco estava em lua-de-mel com a opinião pública. Então elese cercou muito bem, ele tinha um staff muito bom. Era o Roberto Campos, que, aliás,foi operado agora. Tinha gente muito boa. E tudo o que ele fosse fazendo com aqueleregime de austeridade tinha todo mundo ao lado dele. Agora, acho que ele foi infeliz emvárias coisas. Agora, eu creio... no meu julgamento, eu gostei mais do governo doMédici. O governo do Costa e Silva é um governo bom, porque o Costa e Silva era umhomem bom. Mas não era um homem, digamos, do estofo nem do Castelo Branco, nemdo Médici. Eu conheci o Médici pessoalmente nos Estados Unidos porque ele era adidomilitar, foi adido militar, e eu era chefe da Junta Interamericana de Defesa, e ele eraligado a mim e eu tinha uma admiração muito grande por ele.

I.F. - Ah, os senhores estiveram juntos lá nos Estados Unidos?

A.A. - Estivemos juntos. Ele era general-de-brigada e eu era vice-almirante. E eu erachefe de delegação e ele era membro da delegação. Porque eu era mais antigo do queele, eu era um posto acima do dele, eu era chefe da delegação.

I.F. - O senhor ainda estava lá nos Estados Unidos, quando houve a eleição... Ah, não, jáestava aqui de volta: quando houve a eleição aqui no Rio, em que foi eleito Negrão deLima; em Minas, em que foi eleito Israel Pinheiro, em Mato Grosso, em que foi eleitoPedro Pedrossian e outros, enfim... Mas essas três eleições trouxeram uma crise bastantegrande. O senhor lembra disso?

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A.A. - Me lembro, o Negrão de Lima.

I.F. - Principalmente Negrão de Lima e Israel Pinheiro, não é?

A.A. - Porque primeiro apareceu a eleição do Negrão... Antes vinha o Lott, lembra-se?

P.R. - É.

I.F. - Exatamente.

A.A. - Antes apareceu o Lott. O Lott era uma pedra no sapato, porque... Mas a questãode Deus é brasileiro, o Lott depois não podia ser eleito porque o título dele era...

I.F. - De fora.

A.A. - Era de Teresópolis.

I.F. - De Teresópolis, é.

A.A. - Então ele foi alijado. Depois, então, como recurso, finalmente, chegou o Negrãode Lima, e eu acho que nós tivemos uma grande sorte. Porque o Negrão de Lima era umhomem de qualidades especialíssimas e foi um governador muito bom. O Rio de Janeiromuita coisa boa deve ao Negrão de Lima. Inclusive o alargamento da avenida Atlântica- deve a execução da parte dele. Porque esse alargamento da avenida Atlânticainicialmente se deve ao almirante Guillobel.

I.F. - Ah, é?

A.A. - É. É o seguinte: nós estávamos preparando a base naval lá de Aratu, na Bahia -que, depois do almirante Guillobel, só quem foi continuar fui eu. Porque os outrosministros não mexeram uma palha; quem foi continuar fui eu.

I.F. - É uma belíssima base, eu conheço aquela base lá.

A.A. - Mas o almirante Guillobel estava com o projeto da base e tinha um perfil daposição do cais, de acostamento, da construção do dique, daquilo tudo. E ele queriasaber se, de acordo com aquele projeto, aquilo, quando fosse posto em realidade, se osistema de correntes e marés no local não iria gerar a criação de um banco, de coisaqualquer, naquela área. Então teria que se sugerir uma outra alteração no perfil daquelacosta. Então havia uma sociedade francesa de Grenoble que era especialista nessesestudos.

I.F. - Questão de mares, não é?

A.A. - De marés, de corrente, de perfis de costa, tudo isso. Então mandou chamar esselaboratório, digamos assim. E veio esse laboratório, veio um dos diretores paraexaminar isso. Então eles se comprometeram a fazer o estudo como o almiranteGuillobel queria: Nessa conversa, o almirante Guillobel perguntou ao diretor: "Escutaaqui, vocês alargam a avenida Atlântica?" Ele disse assim: "Nós podemos alargar epodemos fazer desaparecer. [risos] É questão de escolha." "Então vamos fazer o

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seguinte..." - mandou... O Carlos Vital era o prefeito. Ele mandou, com uma carta, odiretor lá de Grenoble com a idéia de alargamento da avenida Atlântica. Esse processofoi para a prefeitura... governo lá. Foi para lá e ficou. No tempo era o prefeito. Ficou lá,aquele negócio ficou arquivado. E o João Carlos Vital, por causa de uma taxação queele quis fazer sobre notas fiscais, não sei mais o quê...

P.R. - Projeto Mil.

I.F. - Abandonou o governo, não é?

A.A. - Ele acabou tendo que deixar o governo, que, aliás, era um homem de grandevalor, grande engenheiro...

I.F. - É, depois nós precisamos conversar sobre ele, na próxima vez.

A.A. - Então aquilo ficou lá. O tempo passou, a administração do Rio foi se sucedendoaté que veio o Negrão. Quando veio o Negrão, que se dava muito bem com o almiranteGuillobel etc., o almirante Guillobel lembrou isso ao Negrão para procurar aquilo. E oNegrão então se animou com a idéia e foi desarquivar aquilo. Aí mandou lá a partetécnica dele estudar e tudo isso. Então se animou para fazer, se convenceu de que podiaalargar. Ele não utilizou mais o laboratório de Grenoble, pegou um outro laboratórioque já existia também, português, de que eu não me lembro o nome, não sei qual foi. Echamou. E esse laboratório, então, é que alargou a avenida Atlântica. Porque o deGrenoble era ligeiramente diferente: eles iam criar, parece, no extremo do Forte deCopacabana e mais no outro extremo do Leme, um certo enrocamento.

V.A. - O quê?

A.A. - Enrocamento: é colocação de pedras grandes etc., uma espécie de cais submerso,para alterar o regime de correntes. E esse português não fez. Não sei se conseguiurecursos para, mudando o perfil, resolver o problema das ressacas, tudo isso. Mas foifeito e está aí, a avenida Atlântica está alargada. Mas foi lembrança do almiranteGuillobel, que o Negrão executou com muito felicidade.

I.F. - Mas a crise da posse dele: o que o senhor me diz disso?

A.A. - A crise da posse dele... O que eu posso dizer? Eu via com simpatia a idéia dacandidatura dele. Agora, o Carlos Lacerda era um homem de muita força, de muito...uma capacidade de catequese, de convencimento etc. E o candidato dele não era pessoaque se desprezasse.

I.F. - O Flexa Ribeiro.

A.A. - Era o Flexa Ribeiro. De modo que eu via a coisa com...

I.F. - Mas isso aqui no Rio. E teve problema em Minas com a posse do Israel Pinheiro.

A.A. - Ah, o de Minas, de Israel Pinheiro, essa parte toda eu não acompanhei, não.

I.F. - Parece que aí começou a ter um atrito entre o Costa e Silva e o Castelo Branco.

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A.A. - E o Castelo Branco. Eu não sei. Desse atrito eu não tomei conhecimento.

I.F. - Porque o Costa e Silva era o ministro da Guerra e foi contra a posse, não é isso,Plínio?

P.R. - É, houve uma insurreição na Vila Militar.

A.A. - Ah, sim.

P.R. - E o Costa foi lá para apaziguar.

A.A. - Eu não tenho idéia.

P.R. - Aqueles capitães do ESAO.

A.A. - Do ESAO, sei.

I.F. - E parece que foi daí que surgiu a exigência do Costa e Silva de sair presidente daRepública, não é? O acerto que ele fez...

A.A. - De sair o quê?

I.F. - Desse atrito que houve, e Costa e Silva parece que disse: "Está bem, eu cedo, masem compensação vou ser o presidente da República."

A.A. - Ah... A troca de idéias, não é?

P.R. - É.

I.F. - O senhor não soube disso, não.

A.A. - Não, não soube não. Eu imaginei que fosse trabalho grande do Andreazza. Euacho que o Castelo Branco subestimou o adversário. Porque acho que a idéia do CasteloBranco seria um Roberto Campos desses. Mas ele subestimou e não trabalhou a áreamilitar. Quando ele viu, já estava e...

I.F. - O Costa e Silva.

A.A. - O Costa e Silva já estava carregando o andor, e ele aí não podia quebrar o santo.

I.F. - Porque inclusive parece que a escolha do Costa e Silva trouxe também problemas,não é? Porque houve uns almirantes que foram contra...

A.A. - Do Costa e Silva...

I.F. - Não é, Plínio?

P.R. - Esse problema dos almirantes foi depois do governo dele. Foi quando ele jáestava no final e entrou a Junta. Eram umas cartas...

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A.A. - Ah, foi depois.

P.R. - ... de Melo Batista e do almirante Saldanha da Gama, em que eles denunciavamos familiares do Costa e Silva como autores de favorecimentos em concorrências, emfunção de serem parentes do presidente da República.

A.A. - Mas já foi no fim...

P.R. - Foi no fim. Da Marinha eu sei que houve esses dois pronunciamentos.

A.A. - Não, eu tenho idéia da Marinha do problema na escolha do Médici. Aí é que eutenho idéia de ter havido um...

P.R. - Foi nesse período.

A.A. - Foi nesse período, da escolha do Médici.

P.R. - Exato: o Saldanha da Gama era presidente do Clube Naval e tinha uma revistachamada Galera.

A.A. - Galera. E aí foi uma tristeza.

V.A. - Uma tristeza?

A.A. - É, porque causou a exoneração do diretor da Escola. Porque esse meu colega, oSaldanha da Gama, o José Santos Saldanha da Gama, é um sujeito formidável, masmuito... sem medir a conseqüência de certas coisas. E ele então... Os alunos da EscolaNaval foram pedir a ele a impressão dele da Escola Naval. E ele deu a impressão daEscola Naval, no nosso tempo, a mais desfavorável possível. Meteu o pau na EscolaNaval, nos professores, no ensino... E o diretor da Escola não leu as declarações doalmirante Saldanha, não podia imaginar que aquilo fosse acontecer. E o Saldanha já eraministro do Superior Tribunal. O resultado: a corda estourou pelo lado mais fraco. Foiresponsabilizado - que eu achei erradamente - o diretor da Escola Naval, que era umoficial de grande valor, o Serpa. Foi exonerado da Escola Naval como punição por terdeixado a revista - que foi criada por nós, pela nossa turma, A Galera - publicar aquelasdeclarações, aquela entrevista do José Santos Saldanha da Gama. Porque todos nósreclamamos coisas na vida da Escola etc. Mas no fim, todos nós temos saudadesdaquela vida de Escola. Eu, por exemplo... A escola tinha alguns professores ruins, unsprofessores muito rigorosos, outros mais fracos etc., mas os aspirantes eram tratados àvela de libra no nosso tempo. Eram cento e tantos alunos, mas eram tratadospraticamente como filhos. O almirante Isaías, por exemplo, era diretor rigorosíssimo,mas um diretor paternal. Ele tomava conta da gente como se fossem filhos. De modoque eu só posso... Eu, se fosse entrevistado, teria dito coisa muito diferente da dele. Masele virou a mesa. E aquilo foi uma coisa séria: uma revista dos aspirantes, ministro doSuperior Tribunal declarando aquilo da Escola Naval do nosso tempo... O diretor daEscola é que pagou, - que eu sou contra esse negócio. Se não podia punir o ministro doSuperior Tribunal..., mas o diretor não era passível da punição que sofreu. E ele acaboupedindo transferência para a reserva e já faleceu. Mas ele, coitado, o Serpa... era umhidrófago também. Porque o Saldanha é hidrófago também. Mas o Serpa, coitado, foi

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afastado da Escola. Porque o comando da Escola, a direção da Escola é de contra-almirantes. É uma comissão de muita responsabilidade e muito atraente, muito bonita,porque é lidar com a formação mental daquela mocidade que vai se amoldando, comonós fomos no início da nossa profissão. Mas o Saldanha explodiu. Esse caso do meu colega, teve uma ocasião... Ele era imediato do navio AlmiranteSaldanha e houve um problema lá... Ele era imediato e houve um problema com ocomandante, uma coisa qualquer. E o almirante Guillobel era ministro, fez umasapreciações sobre o comportamento de Saldanha sem dizer o nome etc. Porque oalmirante Guillobel achava que o imediato tem que ser de uma fidelidade aocomandante à toda prova. Porque tem que ser, tem que ser um conjunto que... A gentetem que trabalhar para o chefe, não é? E o Saldanha ficou chateado e fez uma carta parao almirante Guillobel e a carta estava pesada à beça. E eu era subchefe do gabinete, ouchefe do gabinete; ele veio me mostrar. Veio me mostrar e eu li; digo: "Saldanha, sevocê quiser ser preso, você entrega essa carta. Se você não quiser ser preso, você meteessa carta no bolso e não discute mais esse assunto. Porque você vai ser preso."[risos]Ele rasgou a carta e não disse nada. Mas ele é muito explosivo. Ele é um homem assim: uma ocasião, quem salvou oSaldanha foi um oficial do Exército. Tem sempre um oficial do Exército numa porçãode coisas e um navio inglês no mar. [risos] Aqui no Brasil tem sempre um oficial doExército, mas no mar aparece sempre um navio inglês! E o Saldanha... Dia 1º de Maio -na época daquele movimento de exaltação do proletariado, aquela coisa... Parece quenão estavam arrumados em sindicatos... E o Saldanha - era um dia feriado, que era 1º deMaio - ia passando pela avenida de manhã, e naquela época se usava chapéu. E oSaldanha ia passando e vê aquela horda de proletários caminhando e o Saldanhaandando tranqüilamente pela avenida. Aí vira-se um daqueles operários, disse: "Tira ochapéu! Ele foi, virou-se assim: "Vem tirar!" "Vem tirar." Veio um mundo de gente emcima dele para tirar o chapéu, para meter o pau nele. Aí apareceu um oficial doExército, [risos] puxou o revólver e aí agüentou aquele negócio e o Saldanha saiu ilesodaquilo. Mas vejam só o temperamento dele. Desafiou logo o pessoal para vir tirar umchapéu! [risos]

I.F. - Gostava de confusão. [risos]

V.A. - Isso foi quando?

A.A. - Isso foi... Eu não me lembro o ano. Nós éramos tenentes. É difícil lembrar osanos, porque quase que os séculos já estão falando, sabe? [risos] Não são os quarentaséculos das pirâmides do Napoleão! [risos] Então, hoje...

I.F. - Então vamos encerrar por hoje, não é?

P.R. - Vamos.

[INTERRUPÇÃO DE FITA]

19ª Entrevista: 13.08.1986

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P.R. - Almirante, da vez passada nós falamos muito a respeito do governo Médici e osenhor estabeleceu algumas contradições a respeito desse governo, focalizando, de umlado, o seu aspecto autoritário e, por outro lado, o senhor disse também que tinha umaboa impressão desse mesmo governo - provavelmente não deve ser desse setor... E nósgostaríamos, então, que o senhor dos dissesse em que ponto o senhor julgou que essegoverno foi positivo.

A.A. - Eu julguei o governo do Médici favoravelmente - a minha apreciação... Euachava que ele foi um bom presidente, porque, por uma razão ou outra, ele conseguiuestabilizar e melhorar as condições econômico-financeiras nacionais - na minha opinião.Nós tivemos o processo inflacionário decrescente e chegamos, parece, até a 15 ou 18%,não me lembro quanto foi. Ele pegou uma época muito difícil da subversão. Ele pegou aépoca em que se seqüestravam embaixadores, se fazia chantagem de todo jeito, pondoem risco a segurança desses homens, e ele conseguiu - de uma forma que eu considerohábil porque foi coroada de êxito - fazer com que esses embaixadores fossem libertadosetc. E depois, quando ele aplicou certas punições, que veio o regime da chantagem, deapreensão, e pedindo fazer trocas etc., ele conseguiu fazer aquelas trocas e mandaraquele pessoal para fora, completamente banidos do país, mas ele salvou a vida desseshomens que estavam sendo vítimas dessa subversão que estava assolando o país. E eleconseguiu debelar praticamente. Nesse movimento há, então, os contras. Mas tem que haver, eu acho que não se podefazer omelete sem quebrar ovos. Então a polícia, o sistema de repressão teve que serforte. E essa fortaleza... Há os que se excedem em violência e há violências que eu achoque são necessárias. Porque de outra forma não se resolve o problema. Pensando emtermos religiosos e... - como é que se chama? - direitos humanos, nós estamosatravessando essa época atual é a mesma. E não queremos implantar a pena de morte...Eu acho que é uma necessidade; nós achamos que somos mais civilizados do que osoutros. Mas, hoje, eu, o senhor, a senhora, nós estamos condenados à morte, se tivermosum azar da sorte de deparar com um cidadão desses... eles nos condenam à morte. E porque nós não condenamos esses cidadãos? E ele naquela época teve que aplicar violência para reduzir e extirpar aquelemovimento. E quando ele passou o governo eu tenho a impressão que estava serenado.Agora, há oposição ao governo dele. Aliás, todos os governos têm sempre uma parte deoposição. Não era simpático - a punição, o castigo etc., não é simpático, nunca éagradável. Mas essas punições, esses castigos, até existem de pai para filho. E eu achoque era uma necessidade. Eu acho que eu faria a mesma coisa, por isso eu aprovo.Agora eu acho que em contrapartida nós tivemos uma remuneração disso que foi oestabelecimento e uma certa tranqüilidade. E que depois, então, já o resto... Outropresidente que veio podia mudar tudo isso. Mas ele conseguiu apaziguar - na minhaopinião -, conseguiu apaziguar e acalmar aquela atmosfera de agressividade confiantenuma impunidade que ele cortou.

I.F. - É, porque a pena de morte para os casos de subversão e tudo isso apareceuexatamente no tempo da Junta Militar, quando da doença do Costa e Silva.

A.A. - Foi do Costa e Silva que decretou? Acho que foi.

I.F. - É, quando ele adoeceu, teve a Junta Militar...

A.A. - Mas eu creio que ele nunca aplicou, nunca foi aplicada mesmo no Brasil.

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I.F. - Eu acho que não.

A.A. - Nunca foi.

I.F. - Nunca foi aplicada.

A.A. - Mas eu digo a pena de morte para crimes... não crimes políticos, para essescrimes que... Estava lendo agora: uma moça grávida foi agredida, estuprada etc. Eamanhã esse bandido é preso, vai se ver se o bandido tem canjica de manhã, se estãoaplicados os direitos humanos a ele, se ele pode passear. Eu não tolero isso, francamentenão tolero. Eu acho isso completamente contra-indicado. Nós temos que aplicar a penade morte no Brasil.

I.F. - Mas se a Justiça aqui, a gente vê falar muito, pelo menos... Eu não entendo muitode Justiça, mas vê falar que a Justiça nem prende.

A.A. - Mas tem a Lei Fleury, que a polícia nessa...

I.F. - Não levam nada a sério. Como é que essa mesma Justiça vai condenar à morte?

A.A. - Ah, bem. Mas paralelamente à pena de morte tem que haver um processojudiciário que se recomende, que inspire, que se faça acreditar, não é? Porque a nossaJustiça é precária. Por várias razões. inclusive por falta de meios, não é? Agora, aprópria legislação impede a Justiça. Essa Lei Fleury, eu considero isso um absurdo, queagora o presidente da República está querendo alterar aquilo. Mas então não se podeprender mais de jeito nenhum?! Isso tem tolhido, isso tem até corrompido a polícia.Porque a polícia é mal paga; a polícia é... digamos assim, não tem uma escola de políciacom tempo, que solidifique esse conceito do policial. Eles são apanhados aí sem formarmentalidade, nem nada. Então o que acontece? A polícia vai perdendo o estímulo dearriscar a vida. A gente vê todo dia polícia morrendo. Quantos polícias têm morrido emdefesa minha, da senhora, de todos nós? Agora, chega um certo ponto em que o policialchega à conclusão de que não adianta: ele vai se corromper também, porque nãoacontece nada com o corrupto. Ele vai também entrar na senda do crime, porque é maisrendoso e muito mais bem apreciado do que o outro. Quando um sujeito comete umcrime, todo mundo tem pena do criminoso. Ninguém se lembra da vítima. Este é oquadro atual que nós estamos atravessando. Nós temos mais pena... aparece a mãe docriminoso, aparece tudo. Na vítima, ninguém pensa nela, nos órfãos que elas deixaram.Essa senhora que morreu, que ia ter um bebê dentro de três ou quatro meses... Quem éque recompensa isso? Agora, esse homem é preso amanhã, aparece logo com umadvogado. Ele confessa que matou, faz o diabo, conta quinhentas histórias e ele nãopode ser preso porque não foi preso em flagrante. Então tem todos os direitos, direito...

[FINAL DA FITA 31-B]

A.A. - ... direitos humanos todos estão a favor dele. Os direitos dessa vítima nãoaparecem. Eu sou um revoltado contra isso. Eu acho que nós não podemos querer sermais civilizados do que a América do Norte, do que a Inglaterra, porque eles têm a pena

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de morte. Outro dia eu estava vendo na Manchete um crime nos Estados Unidos deumas moças que mataram uma senhora. Não sei se viu isso.

I.F. - Não.

A.A. - Para julgamento... Quem estava vendo a passagem toda dessa criatura que estácondenada à morte que é uma moça de 18 ou 20 anos... Mas lá empurraram o pauporque lá os estados têm uma autonomia grande, têm estados que aplicam a pena demorte. Aplicaram a pena de morte, ela recorreu agora. Então, quem estava assistindo,vendo os antecedentes, como se passou a coisa, que juízo fazia: se condenava à morteou não. Eu, por exemplo, que estava assistindo, empurrava logo a cadeira elétrica emcima dela sem mais considerações. [riso] Matou uma senhora de setenta e tantos anos;entrou, a senhora não sabia o que era, abriu a porta... Ela com mais dois comparsas, queliquidaram a senhora, deram trinta ou quarenta facadas nessa pobre senhora. Agora,aqui já se via os direitos humanos desse pessoal, não é? Em que podia salvar o agressor.A senhora já tinha morrido, não adiantava nada, não vai ressuscitar, que não era JesusCristo.

P.R. - Agora, como o senhor explica esses problemas todos, esse tipo de criminalidade -por exemplo, seqüestros, guerrilha rural, guerrilha urbana, estupro, e outras coisas mais,assaltos a bancos -, que não existiam antes de 1964?

A.A. - Eles não existiam antes de 1964 porque acho que as condições de vida eramdiferentes. Porque está mudando tudo, está se alterando, está se alterando para umaforma de violência cada vez maior. Agora, eu acho que há uma série de elementos queestimulam isso. Um deles é o cinema, outro é a televisão com os filmes de violência,fazendo dos assaltantes uns heróis. Antigamente essas coisas que se passavam, essescontos, essas novelas, esse troço todo, eles se passavam sob a forma romântica. Hoje,não; hoje a forma é de uma exibição de coragem, de desafiar a morte. Então isso vaigerando na criança... Porque a televisão, por exemplo, penetra no lar das pessoas.Nenhum lar, de modo geral, proíbe a criança de ver naqueles horários de censura. Ascrianças dormem até tarde, estão assistindo àqueles filmes todos, àquela violência. Esangra , e fura, e mata, e liquida, e combates daqui, dali, metralhadoras. Isso tudo ascrianças já vão se formando - principalmente as menos amparadas, os menoresabandonados; eles vão vendo e vão querendo imitar. Vai se formando a mentalidadeagressora. Nós estamos formando, se já não formamos.

I.F. - Agora, também, o senhor veja o seguinte: num país... Uma miséria extrema quenós sabemos que existe aqui. O que essas pessoas têm a perder? Elas vão para o crime,porque viver nas condições em que vivem...

A.A. - Elas não têm nada a perder. Mas a questão é que antigamente... elas não viam oromance tecido em torno dessas pessoas que não têm nada a perder, que tinha arecompensa. Antigamente, não; não havia isso.

I.F. - Uma criança criada na miséria extrema, sem saúde absolutamente nenhuma, seminstrução e sem possibilidade de ter instrução, pelo menos de imediato, passando fome...Vai assaltar, porque, se for morto num assalto, ou viver do jeito que vive, qual adiferença?

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A.A. - Bom, a questão é a seguinte: Nós vamos acabar chegando á conclusão que aculpa disso tudo é a sociedade. Mas o que se tem passado é o seguinte: é que osgovernos se têm descurado da população. Têm se preocupado mais com a política doque, realmente, com a administração, com os problemas administrativos dedesenvolvimento nacional - nesse setor populacional. Então, o resultado: a miséria estácrescendo. Não se controla a natalidade de um país que não tem condições parasustentar as pessoas que já existem. Os padres se metem e acham que não se devecontrolar a natalidade porque tem que nascer, porque Deus disse: "crescei e multiplicai-vos." Então está uma multiplicação indiana, uma multiplicação chinesa. Isso tudo estátrazendo... esses problemas vêm aparecendo agora. Mas eles já começaram antes. Eu me lembro que eu fiquei impressionado... Eu fui assistir... O presidente Vargas eraconvidado para assistir a conferência sobre uma coisa ou outra etc. E ele não podia ir,evidentemente, e mandava um representante. Geralmente era o ajudante-de-ordens deserviço que ia. Eu fui a uma conferência em que se debatia esse problema do menorabandonado. Então já se considerava como escândalo o fato de São Paulo e Rio deJaneiro... O levantamento dava no Rio de Janeiro e em São Paulo mais ou menos centoe tantos mil menores abandonados. Isso hoje são milhões, não é? Não sei. Mas eramcento e tantos mil menores abandonados. E havia um estudo - daqueles elementos queestavam fazendo a conferência - da relação que havia entre os menores abandonados e ocomparecimento e a prisão dos elementos para os cárceres. Então a maior parte doscriminosos condenados, a origem era menor abandonado. Mas eram cem mil naquelaépoca. São Paulo não tinha os milhões que tem hoje, mas já tinha milhões, se não meengano. Mas, de qualquer jeito, a origem era o menor abandonado. Agora, é natural queninguém se preocupou com isso e a coisa foi crescendo e chegou à situação atual.Agora, a origem é o menor abandonado. Agora, como acabar com o menorabandonado? É um problema social que eu não tenho a receita para dar. Mas asautoridades, o governo é que tem que cuidar disso. Em vez de cuidar de outras coisas,de sambódromo, de querer fazer coisas de exibição e não se aprofundar nessesproblemas nacionais.

I.F. - De uns anos para cá, o Brasil está com cada vez menos gente muito rica e muitagente muito pobre. Quer dizer, está se concentrando a riqueza na mão de um númerocada vez menor de pessoas. E a esperança de vida, de educação, de saúde para a grandemassa da população é nenhuma.

A.A. - Está havendo falta de colégios... Porque, por exemplo: quando eu cursei a escolapública - que o meu pai era pobre e não podia pagar colégio particular desde o início -,as escolas públicas... as aulas começaram às nove horas da manhã, cantando o HinoNacional, e nós saíamos do colégio às quatro horas da tarde. Hoje a permanência doaluno no colégio é de três horas, parece, porque já tem que dar lugar para outra turma,não é?

I.F. - Então o senhor está defendendo a idéia dos CIEPs aí, dos "brizolões"... Porque éessa a idéia.

A.A. - Não, mas naquela época não precisava de pistolão.

I.F. - Digo as "brizolões" os CIEPs.

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A.A. - Os 'brizolões' dizem que são para os mais protegidos; os outros não têminstrução. Mas naquela época era assim. Isso foi mudado por causa dos governos queforam se corrompendo, essa é que é a verdade. Os governos foram pensando em tratardos seus assuntos particulares, dos seus interesses pessoais e dos seus apaniguados, eforam largando a população entregue a si mesma. E o resultado está chegando a isso: aum excesso de miséria tremendo que não se pode resolver da noite para o dia. Querdizer, é preciso que haja... Nós estamos na época dos pacotes. É preciso que haja umpacote nacional, que atinja as áreas todas estaduais, para ver se se corrige isso, se seacaba com isso. Agora, um elemento que eu acho importante é o controle da natalidade. Porque issoaqui está virando uma Índia. Porque parece que há uma relação muito grande, entre amiséria e a multiplicidade dos seres. Nos lugares como a Índia, como a China... Como opessoal se reproduz! A China já está com bilhões, é um negócio... a população da Chinaé uma barbaridade. Mas não são países de grande prosperidade social, de nada; sãopaíses de miséria, de dificuldades. Mas aí é que o pessoal se multiplica mais. No Brasilo que está se multiplicando mais é o pessoal da miséria. Porque a família constituída,ela padroniza, organiza, a sua família. Mas essa gente sem recursos não organiza coisanenhuma.

I.F. - E a religião também influi muito aí, não é?

A.A. - Bom, a religião também. A religião católica... Não sei se as outras, mas o que euvejo.. Eu sou, digamos assim, formado sob o catolicismo, mas eu vejo o que os padresdizem, tudo isso: é o "crescei e multiplicai-vos." Eles condenam qualquer tendência,qualquer preocupação de controle da natalidade. Agora, eles acham que a natalidadecresce etc., e o governo que resolva.

I.F. - Mas também a igreja foi contra ao divórcio, e o governo liberou o divórcio.

A.A. - Como?

I.F. - A Igreja também fez uma campanha enorme contra o divórcio.

A.A. - Contra o divórcio.

I.F. - E quando quiseram, saiu o divórcio.

A.A. - Saiu o divórcio.

I.F. - Ninguém ligou para a Igreja. Então...

A.A. - Agora, não sei se as condições em que o governo teve a coragem de fazer odivórcio - que foi o Nelson Carneiro o pai dessa coisa... E foi um divórcio meio...

I.F. - Meio fajuto.

A.A. - Meio maroto etc. Não sei como é que vai controlar a natalidade desse jeito.Agora, tem que haver um artifício qualquer, não é? Pode ser pela declaração de impostode renda... [risos]

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I.F. - Mas a verdade é que a Igreja faz pressões em determinados momentos e, quandoresolvem que não adianta, não adianta mesmo e...

A.A. - Mas é preciso criar mentalidade no Brasil... a psicose da necessidade dalimitação da natalidade. Porque não dá; do jeito que nós estamos nos multiplicando... Enós nos jactamos de termos a população crescendo, já estamos com duzentos milhões,não sei quê, e vamos por aí afora. E cada vez nasce mais. O nascimento, a fabricaçãoagora é em série. Antigamente o negócio era artesanal e tal. Agora é em série. [risos]

I.F. - Mas voltando aqui ao nosso período Médici. O senhor está falando que teve queter essa repressão violenta. Agora, foi uma época em que o DOI-CODI, Operação Oban,tudo isso, ficaram muito fortes, não é?

A.A. - Como?

I.F. - Operação Oban - Operação Bandeirantes -, DOI-CODI... As instituições mesmofalam muito - eu não conheço - sobre a força do Cenimar na repressão... O que o senhorsoube disso tudo?

A.A. - Eu não tenho... não acompanhei bem isso, essa parte. Eu já estava na reserva e aminha participação era mais de espectador, digamos assim. Quando a gente está noserviço ativo, aquilo está dentro da nossa esfera de atividade. Eu já estava afastado daMarinha e me limitava muito... Ler jornais e saber que estava passando etc. Mas oproblema não me atingia, porque esse problema, quem está no serviço ativo, ele sentede perto isso. Ele tem diálogo com esses elementos todos que organizaram, queparticiparam e que executaram esses planos. Eu, na época, já estava afastado; não tinhauma grande participação. A minha apreciação era toda de espectador. De forma que eunão posso assim...

I.F. - E parece que saiu muito dinheiro para essas organizações. A OperaçãoBandeirantes tinha muito dinheiro, um investimento grande. Um movimento paramilitar mesmo.

A.A. - Porque essas operações, eu tenho a impressão, eles fogem ao panorama, aohorizontal dos orçamentos. E são verbas especiais - no fim não tem que prestar conta.Porque realmente há uma série de providências que o sujeito não pode prestar contas.Então se permite uma desonestidade muito grande. Pode não ter havido, mas é possívelque tenha havido também. Então elas saem muito mais caras do que seria necessário.Porque o fato de não precisar prestar contas ser - como o que é que chamam isso? - afundo aberto... Tem umas expressões econômicas aí...

P.R. - Fundo perdido.

A.A. - Fundo perdido. [risos] Eles então se aproveitam... uma porção de elementos...fazem contas que não têm mais medida. E o governo faz os créditos especiais etc. e vaicobrindo aquilo e não presta contas a ninguém. Nem o Tribunal de Contas temconhecimento disso. Porque o Tribunal de Contas tem um conhecimento de váriascoisas muito limitado. Eu tenho um exemplo, gozado até: quando eu fui presidente daComissão de Marinha Mercante, o resultado da minha administração só chegou, parece,quase vinte anos depois. Aí é que eu cheguei, passei no vestibular e tive o resultado de

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que tudo estava certinho. Mas se tivesse uma dúvida, eu nem sei como é que eu iaexplicar. Porque os meus auxiliares já nem sei onde é que estavam e ninguém selembrava mais de coisa nenhuma. Mas esses negócios de verbas secretas etc., ninguémpresta conta de coisa alguma. Então é preciso que haja uma mentalidade honesta naexecução, e tente haver uma fiscalização relativa.

I.F. - Agora, a tendência é entregar esses grupos, vamos dizer assim, autoritários, quecontrolam a segurança, isso e aquilo, a pessoas meio fanáticas, o senhor concorda?

A.A. - Como?

I.F. - Entregar esse... a pessoas meio fanáticas, que vão atrás até o fim da repressão, nãosei o quê. Qual é o controle que o governo tem sobre isso?

A.A. - Ah, eu não sei porque eu não participei disso. Não tenho idéia de como possa seresse controle. Naturalmente ele é pelo processo de delegação de poderes, não é? É umprocesso de confiança, digamos assim.

I.F. - Porque parece que as pessoas eram presas e ninguém mais sabia onde estavam, oque tinha acontecido. Pelo menos não diziam para ninguém.

A.A. - Deve haver inúmeros casos assim. Vai tudo por conta da necessidade do sigilo.Aí é uma série de artifícios e de recursos que escapa ao controle do chefe supremo.

P.R. - Durante o governo Médici, o preço internacional do barril de petróleo era de trêsdólares. Então os compromissos do Brasil para a importação daquele excedente que nãoé produzido pela Petrobrás... ficava relativamente barato para o Brasil. E o que se dizianaquela época, então - e isso era muito difícil de constatar, porque a censura nãopermitia assim maior acesso às fontes de informação - era que a Petrobrás passou aclaudicar muito no tocante aos investimentos na prospecção de petróleo porque julgavaque era mais barato comprar no exterior o barril a três dólares a unidade, do quepropriamente investir grandes somas de capital na prospecção aqui. Ocorre que emoutubro de 1973, depois daquele conflito entre Israel e Egito, o último conflito, ospaíses árabes resolveram quadruplicar o preço do petróleo: foi para 12 dólares o barril.E aí os compromissos do Brasil, realmente, também quadruplicaram. Então, nesse caso,a crise econômica, segundo se diz, começou a partir daí. O senhor tem assim algumaidéia a respeito...?

A.A. - Parece que começou aí e acho que devia começar aí. Porque realmente nóspassamos a ter os nossos compromissos internacionais uma escala de quatro, cinco, seisvezes maior, e foi num crescente tremendo. Mas esse problema é interessante porqueme faz lembrar a situação quando eu era ministro da Marinha. Porque eu resolvicomprar e adquirir todo o óleo para a movimentação dos nossos navios diretamente daPetrobrás.

P.R. - Eu me lembro disso.

A.A. - Nós nos abastecemos através das empresas que forneciam, as intermediárias. Euachei isso um absurdo e resolvi fazer então um negócio direto. E o presidente daPetrobrás que era o Manga... acho...

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P.R. - Francisco Mangabeira.

A.A. - ... Mangabeira, ele estava intimidado. E disse: "Mas o senhor vai fazer isso? Osenhor consegue fazer?" E eu digo: "Eu vou fazer, eu vou fazer. Vou adquirir, vouabastecer os navios etc. diretamente com a Petrobrás. A Petrobrás é um elemento dogoverno, por que eu vou pegar um intermediário?" E fiz. E até tenho fotografias doprimeiro navio - se não me engano até era do Lóide - recebendo, e eu abrindo o volantepara o óleo jorrar por intermédio da Marinha diretamente. E foi realizado. Apesar detemer que a Mangabeira estava tendo de que eu fosse dominado pela força do capitalinteressado nessa coisa. E pensei também no seguinte... Sempre me preocupou o problema do petróleo. Porqueeu já estava parto de ver na Europa, em todos esses países que não tinham o petróleo...,esses países tinham os carros todos de pouco consumo, porque eles eram importadores.Era tudo carro pequeno, e nós, aqui, era tipo de carro americano grande, de grandepotência etc., que nós importávamos. E nós não nos preocupávamos com o consumo. Euachava isso um absurdo. Isso me preocupava enormemente. Eu então comecei a pensaraté na exploração do xisto. Porque nós tínhamos xisto e do xisto podia-se extrair... Masaí eu fui derrotado, porque era o caso. O xisto ia sair caro e eu não tinha elementos - euera apenas ministro da Marinha - para chegar e criar uma forma de estimular, emboranós tivéssemos que pagar mais pelos derivados de petróleo obtidos através da destilaçãodo xisto. Mas eu fui vencido porque não dava... a concorrência era dificílima. E ointeresse de consumo nacional não permitia que se explorasse o xisto, que nós tínhamosna área do Rio Grande, por aí afora, em uma porção de lugares. Mas nós dormimosmuito no ponto nessa coisa. Nós esbanjávamos petróleo. E porque era barato - custavamenos que uma garrafa de água mineral. E nós não pensamos no dia de amanhã. Não seise lembra dessa comparação.

P.R. - Lembro muito.

A.A. - Uma garrafa de água mineral era mais cara do que um litro de gasolina, querdizer, um derivado de petróleo transportado já. Porque nós não tínhamos nem refinarias.Era transportado, já vinha na forma etc. E, no fim, saía mais barato do que uma garrafade água mineral. Nós chegamos a esse absurdo.

I.F. - Eu lembro que em 73, 74, o mundo inteiro já estava racionando o consumo depetróleo e da gasolina. Saiu até uma reportagem da rainha da Holanda andando debicicleta... E aqui no Brasil continuava à tripa forra.

A.A. - Nós continuamos, como continuamos no problema da borracha também - nuncanos preocupamos, estimulando o plantio da borracha em outros países... Estamosfazendo o café também, não é? - que acabou a África do sul cultivando café, e nós hojetemos que nos associar a esses produtores de café. Porque o Brasil era o grande produtorde café. Mas nós estimulamos o plantio de café em outras áreas do planeta e nuncaligamos a isso. Nós sempre ligamos o problema atual, nunca pensamos no remoto. Nãohá o prever para prover. Não há essa mentalidade. Pelo menos não havia - não sei,porque eu estou afastado da administração há muitos anos. Mas eu, quandoacompanhava, me emocionava muito com esse problema nosso, essa falta de previsão,essa falta de respaldo no... Porque nós, na Marinha, nas Forças Armadas: "Se queres apaz, prepara-te na paz para a guerra." A preocupação é nos preparar para uma

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eventualidade futura, e não esperar que aconteça para a gente se preparar, não éverdade? Eu tive problema com o João Goulart - não sei se eu já contei aqui -, quecheguei para ele, numa discordância de problema de nomeação etc., e disse:"Presidente, eu estou pensando na guerra - é o que eu tenho que pensar. Eu estoupensando na guerra, de modo que eu estou trazendo a solução desse problema para osenhor. Eu não estou sabendo se vai haver a guerra hoje, se vai haver... Mas eu tenhoque estar preparado."

I.F. - Agora, o senhor acha que esse desligamento dos políticos é por que? É porque éalienado mesmo, ou por interesses outros que empurram?

A.A. - Eu acho... É triste, mas nós não temos maturidade política. Eu acho que nós nãotemos maturidade política. Talvez precise séculos para nós adquirirmos. Porque nósnascemos, fomos criados num eldorado. Porque esse continente, o novo continente é umeldorado. Aqui tem tudo, não é? É aquele negócio do Vaz de Caminha: "Plantando, dar-se-á nela tudo..." Então nós encontramos isso. Nós não conhecemos as dificuldades dospaíses europeus, desses outros países já civilizados. Então nós achamos que tudo cai docéu. Não temos essa preocupação. Até hoje, apesar das vicissitudes, nós ainda nãotemos maturidade política. Nós só pensamos no dia de hoje e achamos que chega, que éo suficiente. Esse é o meu pensamento atual. Eu sou, como se diz, um cético nesse assunto. Achoque nós ainda não conseguimos ter a política de que nós precisamos. A politicagemexiste em abundância. Mas o sentimento político, que é a filha da moral e da razão,[riso] esse nós ainda não temos, não. Não temos. São os cambalachos, é o regime decambalachos que a gente vê aí de todo jeito, sem pensar no país. Quando a gente vê umaeleição nos Estados Unidos, vê uma convenção... Aquilo é uma coisa bem séria. Podenão ser totalmente, mas é sério que eles podem ter como gente adulta. Nós aindaestamos engatinhando nesse assunto. Pode ser que seja pessimismo meu, mas é como eupenso.

I.F. - Agora, o senhor me diz o seguinte: nós tivemos aqui um regime, vamos dizer,autoritário, que foi o tempo do presidente Vargas, de 30 a 45. Onde não havia oexercício da política. Quer dizer, houve toda uma geração cortada nesse sentido. Edepois, vamos ter uma repetição de 64 a 84..., por aí. Quer dizer, outra geração que foicortada. Porque política é um exercício, é um aprendizado.

A.A. - É um exercício, é claro.

I.F. - O senhor não acha que esses regimes autoritários impediram muito esseamadurecimento político?

A.A. - Impediram em parte. Mas eles surgiram por causa da falta de maturidade política.Porque o que se passa é o seguinte...

I.F. - O senhor veja o seguinte: eu votei para presidente da República no Jânio. Querdizer, as pessoas um pouquinho mais moças que eu nunca votaram. Essa moça3 nuncavotou.

A.A. - Não, só em clube de futebol. [risos] 3 Refere-se à entrevistadora V.A.

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I.F. - Quer dizer, há uma falta de aprendizado político. O senhor não acha que issoinfluencia também na consciência política?

A.A. - Há. Mas esses intervalos surgiram por falta da maturidade política anterior, quelevou elementos vários a achar que daquele jeito não podia continuar. Porque sehouvesse um certo respaldo, um certo respeito pela política, por parte dos políticos, elesresolviam o problema, porque o Congresso é soberano. Então o Congresso chegava... Opresidente da República está se excedendo, está sendo desonesto ou por isso, ou poraquilo, eles podem decretar o impedimento. Mas eles não decretam nunca oimpedimento. Há uma sociedade, há uma maçonaria dentro... uma conceituação demaçonaria dentro dos políticos, que eles não se hostilizam individualmente. A não serquando eles sabem que aquilo fica lá dentro. Por isso é que eu sou... eu penso muito nasolução para o Brasil o regime parlamentarista. Porque aí eles mesmos fazem cair ogoverno, eles mesmos elegem outro, e nós, acho que poderemos fugir dessasinterrupções com a intervenção militar. Nós agora já estamos querendo preparar osmilitares para intervir outra vez.I.F. - É?

A.A. - Já. Os próprios políticos estão querendo que os militares que estão na inatividadepossam fazer manifestações, possam se pronunciar contra isso, contra aquilo etc. Porqueeles acham que o militar na inatividade está desligado completamente da vida militar,quando não está. Eu prendi o meu colega Sílvio Heck três vezes porque estava nainatividade. Mas ele positivamente, por ser almirante, estava agitando a consciêncianacional. E já estão querendo isso. Quer dizer, eles mesmos estão trazendo os militares,para, digamos, o amor à politicagem, para se imiscuírem na vida política do país,quando o militar deve ser grande mudo. E nós não conseguimos chegar a isso porquenão nos deixam. Isso é que eu acho: acho que os próprios políticos têm interesse emprocurar... Amanhã vão procurar um general para ser presidente da República, não tenhadúvida. Amanhã, quando houver uma dissidência, um troço, procura de um general, umalmirante, um brigadeiro, para ser presidente da República, para carrear o apoio militar.Nós não fazemos nada no meio político a não ser pensando na possibilidade do militarintervir. O político não pode pensar nisso.

I.F. - Quer dizer que o senhor é a favor de um fortalecimento da Câmara e do Senado,porque a tendência brasileira é um fortalecimento do Executivo.

A.A. - Tem que se conscientizar de que ele é uma força. Agora, para eles serem umaforça sadia, não uma força de auxílios mútuos, como geralmente está sendo. Eles têmque ver... Se o governador, se o presidente, não presta, decreta o impedimento dele! Ocaso do Nixon nos Estados Unidos... Aqui tinha que haver uma revolução. O própriopartido do Nixon, quando chegou à conclusão de que o Nixon estava incompatibilizadocom o governo, o Nixon caiu. Caiu por quê? Porque os políticos fizeram o Nixon cair.Mas aqui não caía, aqui tinha que haver um golpe.

I.F. - E o que o senhor achou do AI-5, que fechou Câmara, Senado, tudo?

A.A. - Eu achei que o AI-5 foi resultado de um desafio do Congresso ao Marechal Costae Silva. Porque tinha havido aquele deputado que tinha se desmandado - é sempre oproblema militar -, ofendendo o brio das Forças Armadas, conclamando a população

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para intervir, para desfeitar os militares etc. Eu estou dizendo um pouco do que oRademaker me contou. [riso] E então o que aconteceu? O Costa e Silva resolveu pedirlicença ao Congresso - que é preciso - para processar o Márcio..., não é?

I.F. - Márcio Moreira Alves, Marcito.

A.A. - Moreira Alves. E aí, uma série de políticos... que eu não lembro os nomes, masquando eu entregar aqueles rascunhos do depoimento - um desafio do Rademaker...Havia compromisso de vários políticos, inclusive o senador Krieger...

I.F. - Daniel Krieger?

A.A. - Daniel Krieger, que se comprometiam a dar apoio ao Costa e Silva nesse assunto.Bom, o Costa e Silva é surpreendido com a negação da licença, para o nosso deputadoser processado, inclusive desses que tinham assumido compromisso com ele. Querdizer, é um negócio violento. [riso] O camarada...

[FINAL DA FITA 32-A]

A.A. - O camarada, o chefe do governo chega, sai do Exército, e acredita na palavra dospolíticos etc., e, no fim, dá aquele bolo. Isso me faz lembrar até... A inocência nossa,militar, é grande. Isso me faz lembrar o caso que aconteceu comigo: quando nossocolega Floriano Faria Lima foi indicado pelo presidente Geisel para assumir o governodo Rio de Janeiro, vieram me perguntar o que eu achava dele. Eu digo: "Olha, ele temcapacidade profissional, intelectual etc. para ser presidente..."

[INTERRUPÇÃO DE FITA]

A.A. - Então me perguntaram o que eu achava dele. Eu disse então que ele podia sergovernador, tinha capacidade intelectual para administrar o estado do Rio de Janeiro,como qualquer estado do Brasil. Agora, achava o seguinte: que ele, quando fosse pegara parte política, se metesse no amaranhado político, ele ia se sentir como uma madresuperiora numa casa de prostitutas. [risos] E parece que se sentiu, porque ele nãoconseguiu se identificar com o meio político. Porque o negócio... Não há palavra, nãohá acordo, não há nada. Eu tenho um medo, digamos, um temor... não tenho confiançano nosso meio político. Acho o meio político muito fora da realidade que nós esperamosdele.

I.F. - Quer dizer, o senhor acha que o militar é um tanto ingênuo?

A.A. - Ingênuo, eu acho.

I.F. - O senhor acha então que dentro da corporação não existe política - a corporaçãomilitar?

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A.A. - Pode haver política, mas acho que política com o P um pouco tendendo para omaiúsculo.

I.F. - Porque são corporações muito grandes: Exército, Marinha, Aeronáutica - muitagente. Quer dizer, deve ter cargos, deve ter posições, que têm que puxar um pouco paraa politicagem, não é?

A.A. - Pode haver... Mas politicagem, mesmo, não há, não.

I.F. - Não há, não.

A.A. - Não sei se é porque o meio militar ainda é pequeno. Porque o meio militar não étão grande assim. Então quase todos nós nas várias corporações, nos conhecemos maisou menos. Não digo profundamente, mas nos conhecemos mais ou menos, porque anossa vida via passando por um filtro muito grande. As nossas promoções vão passandopor um julgamento sucessivo por elementos completamente diferentes. Nós somosjulgados permanentemente. O nosso comportamento é julgado permanentemente. Podeparecer ditatorial, mas não é. É da formação, é necessidade da formação militar.

I.F. - E é essa formação que o senhor acha que faz com que o militar seja um tantoingênuo em relação à política?

A.A. - Fica meio ingênuo porque ele acredita muito, e tem que acreditar. Ele acreditamuito na palavra. Quer dizer, quando um chefe dá uma ordem, a gente não vai... Podeponderar, pode apresentar uma dificuldade qualquer para ele resolver, mas a gente temque cumprir. Não vai se negar a cumprir. Quando há dúvida, a gente pede ordem porescrito.

V.A. - O senhor disse que na corporação militar haveria uma política com tendências aum P maiúsculo. Por quê?

A.A. - Porque eu acho que para enfatizar a política e separá-la da politicagem. A açãopolítica é filha da moral e da razão, não é? É nessa que eu penso. [riso] E nãopoliticagem; a politicagem está em todo lugar aí.

I.F. - Um grupo assim fechado, que eu não conheço profundamente, mas que eu tendo acomparar um pouquinho com as Forças Armadas é a Igreja. Existe uma hierarquiadentro da Igreja, existe uma obediência rígida... Uma coisa que vive também um poucomais isolada. Agora, dentro da Igreja tem uma politicagem danada, não é?

A.A. - Bom, eu não posso dizer assim. Pode ser que haja, mas eu não tenho ligação...praticamente não tenho ligação com o clero. A minha formação religiosa é muitodecorrente do fato da minha mãe ser uma criatura... além de ser maravilhosa, ela eraaltamente religiosa. Elaé que nos ensinava a religião, tudo isso. De modo que nós ficamos com isso. A minhareligião é mais de crença na minha mãe do que no resto. [risos] De modo que eu soucatólico pela graça de Deus e da minha mãe. Aliás, a religião é uma coisa muito importante nos Estados Unidos. Primeira coisa queeles fazem questão é da religião. E a Constituição americana diz... Não estou falando areligião católica, mas a religião. Parece que a constituição americana diz assim - no

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começo da constituição: "Nós constituímos um povo religioso." Isso é a primeira coisaque eles dizem. E eles são religiosos realmente. Agora a religião, eu acho uma necessidade. Mas, se há política, por exemplo, no clero,havendo esse... Mas eu acho que o politicagem está... Não havia anteriormente, não.Politicagem no clero... eu tenho a impressão que ele era muito mais saudável. Ele, comessa transformação dos sistemas de governo... os governos socialistas, governoscomunistas etc. têm mexido um pouco com a orientação do nosso meio católico, dosnossos padres etc.

I.F. - Porque o senhor veja que o Vaticano tem cargos importantes, tudo isso, que elesdisputam muito lá dentro. E a própria escolha dos papas é um negócio que tem muito depolítica, não é?

A.A. - É, tem que sair aquela fumacinha.

I.F. - Exatamente. Quer dizer, tem muita política e política que mexe com o mundointeiro, não é?

A.A. - Mexe.

I.F. - Não é à toa que o atual papa é...

A.A. - Bom, o Vaticano é um Estado, não é?

I.F. - Exatamente.

A.A. - Tem representantes aceitos em todos os países etc. Mas eles têm sofrido tambémas influências dessas transformações políticas, dessas doutrinas políticas que estãoocupando o planeta. É comunismo, socialismo... Agora temos aqui até o - como é? - osocialismo moreno, não é? [risos]

I.F. - É.

A.A. - E vai por aí afora. Os ismos...

I.F. - Ministro, o senhor foi para a reserva em 66.

A.A. - Em 65.

I.F. - 65?

A.A. - É, eu fui... 64, 65. Fui em 65, no dia 14 de dezembro.

I.F. - E aí o senhor veio fazer o quê?

A.A. - Eu comecei a pensar em prendas domésticas. Porque eu...

V.A. - O senhor já era casado?

A.A. - Eu já.

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V.A. - O senhor casou quando?

A.A. - Eu casei em agosto de 64, parece.

V.A. - Depois que o senhor voltou dos Estados Unidos, então?

A.A. - Foi. Aí é que eu casei.

I.F. - Aí começou a pensar em prendas domésticas, quando foi para a reserva?

A.A. - Prendas domésticas e adido naval em Copacabana. [risos] Aí é que eu comecei aver... Aí é que eu comecei a me preocupar se a lâmpada estava queimada, se a torneiraestava vazando...

I.F. - Para terror da sua mulher, não é? Porque homem em casa...

A.A. - Não, não. Como eu estava em casa, ela apelava para mim. Eu é que tinha quever... começou a dividir as atribuições: "Não, isso é com você." Se a máquina de lavarroupa não está funcionando, se a tomada está falhando etc. Isso tudo passou a ser paramim. Porque ela, de eletricidade, não entende nada. Então eu sou o técnico. [risos]

I.F. - Porque eu conheço uma senhora que diz que quando o marido chegou em casa edisse "Me aposentei", ela disse: "Ah, é? Mas o horário continua o mesmo: sai às oito evolta às seis. Porque homem em casa, de jeito nenhum." [risos] Mas o senhor aí não foitrabalhar mais?

A.A. - Não. Aí, depois, eu passei a trabalhar um tempo... Quando veio a administraçãodo Rademaker, que o Rademaker começou a querer renovar o material flutuante etc., e oRenato trabalhava nessa...

I.F. - Lá nessa empresa que o senhor falou.

A.A. - Nessa empresa. Então aí o Renato me convidou para trabalhar como assessordele...

I.F. - Como era o nome da empresa mesmo?

A.A. - Era Bramoto.

I.F. - Bramoto. E o senhor trabalhou diretamente ligado ao Renato Archer.

A.A. - Ao Renato Archer e ao Charles Riid.

V.A. - Charles...

A.A. - Charles Riid, que era brasileiro, hein? Brasileiro e maranhense e comia carne-de-sol.

I.F. - A sede do escritório era aqui no Rio?

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A.A. - Tinha escritório aqui no Rio naquele prédio da Legião Brasileira de Assistência.Era o terceiro ou quarto andar. Tinha os escritório ali.

I.F. - Ali perto do Santos Dumont?

A.A. - Perto do Santos Dumont, é certo.

P.R. - O senhor ficou lá muito tempo?

A.A. - Fiquei uns cinco, seis anos. Até vir a época em que nós começamos a pensar... AMarinha começou a pensar na nacionalização da construção naval, que era umanecessidade, não é? E isso chegou ao ponto de quando começaram a construir asfragatas, então o contrato já previa a construção de duas fragatas no governo doMédici... Construção de duas fragatas feitas aqui no Brasil para preparar a mão-de-obrano Arsenal de Marinha. E agora já estamos nacionalizando praticamente a construçãonaval. Não só o Arsenal, mas parece que os estaleiros agora... Essa companhia deestaleiros Verolme já estava com uma encomenda para fazer a fragata. Uma parte - nãohá nada 100% nacional, nem na América do Norte -, uma parte de equipamentos temque ser importada. Nós, por exemplo, as nossas fragatas era equipadas com um sistemade ataques de torpedos que só a Austrália tem. Então esse sistema de torpedos especiais- tem um nome determinado - é adquirido na Austrália. As nossas fragatas adquiriramna Austrália, e a Inglaterra também adquiria na Austrália. Porque a mão-de-obra, aespecialização é de tal ordem, e o consumo é pequeno, que não vale a pena, éantieconômico, cada país fazer a sua. De modo que não dá, há uma série de coisas quetêm que ser importadas. Aqui a nossa indústria automobilística também, não é?Começou importando uma porção de coisas e vai aumentando a porcentagem decoeficiente nacional. Mas uma série de elementos continua sendo importados e devemcontinuar. Porque não é econômico querer se tornar independente 100%.

P.R. - Mas a função da Bramoto qual era? Era prestação de assessoria?

A.A. - Não. A Bramoto era uma companhia com a representação de váriasorganizações, de vários estaleiros e indústrias inglesas. Ela tinha a representação daRolls Royce, que produz o famoso carro que todos nós conhecemos, e produz osmaravilhosos motores... quantidade de aviões, inclusive os americanos usam. Osmotores a jato deles todos são Rolls Royce. E tinha a representação da Vickers, que eraconstrução de navios - Vickers Armstrong -, e tinha da Thornicroft.

V.A. - Qual?

A.A. - Vosper Thornicroft. São dois nomes: Vosper Thornicroft.

I.F. - E essa vendia o que? Eram motores também?

A.A. - A Vickers vendia motores e aviões também, aviões ingleses. A Vickers: navios,construção naval de navios de guerra. E a Vosper Thornicroft também: construção navalde navios de guerra. Sendo que a capacidade de construção de navios da Vickers era demaior tonelagem do que a Vosper. A Vosper era especializada mais emcontratorpedeiros e navios de menor armamento.

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V.A. - Elas eram de onde, essas firmas?

A.A. - Inglesas, todas inglesas. E essa firma Bramoto tinha a representação delas. E atéaconteceu uma coisa curiosa. Porque nós tínhamos a representação dos dois estaleiros,então nós apresentamos as propostas dos dois estaleiros - da Vickers e da VosperThornicroft. E a Vickers até ficou meio estomagada porque nós estávamosrepresentando os dois, porque a Vickers perdeu. Mas a Vickers perdeu porque ela quisimpor um modelo que já tinha. E o Estado-Maior da Armada tinha imposto um tipo comcaracterísticas que interessavam a Marinha com aqueles detalhes todos. Porque o pontode vista do Adalberto Nunes era ter um navio que, levando a construção uns cinco, seis,sete anos, tivesse o que houvesse de mais moderno, ou ainda ia, na construção, pegarcoisas mais modernas, durante o desenvolvimento da construção. E a Vickers já tinhaum tipo que era 42 para ser construído, que estava fazendo para ela mesma. E mandouaquele desacordo mais ou menos com o ideal do Estado-Maior. O EMA examinou;primeiro, cortou logo o da Vickers, ficou com a proposta da Thornicroft e mais aproposta alemã e italiana. E, dessas três propostas, eles optaram pela proposta da VosperThornicroft.

V.A. - O senhor foi trabalhar na Bramoto a pedido do Rademaker?

A.A. - Não, do Renato Archer. O Rademaker era o ministro.

V.A. - Eu sei, pois é. Mas o senhor disse que ele estava querendo ampliar...

A.A. - Ah, porque sabíamos que a política da Marinha era ampliar os meios flutuantes.Então iria encomendar navios num estaleiro qualquer feito no estrangeiro. Porque oRademaker, inicialmente, que era o ministro, havia... Os americanos tinham um tipo decontratorpedeiro, que era o Brownstine4, que eles já tinham construído e estavamoferecendo à Marinha para construção. Mas eles estavam fritando bolinhos. E ficavamnaquele negócio para nós nunca nos decidirmos. Então o navio não saía. Chegou atéuma maquete do navio lá no Ministério da Marinha, mas o navio não saia. Depois nóstínhamos uns submarinos que tinham sido fornecidos por empréstimos e arrendamentoao Ministério da Marinha. Esses submarinos precisavam de uma revisão...

V.A. - Nós, quem?

A.A. - Nós brasileiros.

V.A. - Tínhamos submarinos...

A.A. - Americanos. E esses submarinos já tinham sido emprestados à Marinha brasileirae foram para revisão nos Estados Unidos. O preço que os americanos cobraram foi detal ordem, que o Rademaker deixou os submarinos lá. Disse: "Não interessa." E issocausou um diálogo meu com o Rademaker. Porque o Rademaker, quando fez aencomenda dos submarinos, eu estranhei que ele tivesse pedido encomenda para ossubmarinos antes dos contratorpedeiros. Porque no nosso programa, de um modo geral,acho que nós precisávamos mais de navios de superfície do que de submarinos. E oRademaker então me disse: "Não, eu encomendei... estou encomendando os submarinos 4 Palavra mais aproximada do que foi possível ouvir.

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porque eu quero dar um tranco nos americanos. Porque eu já mandei deixar ossubmarinos americanos lá, e eu quero mostrar a eles que nós vamos ter os submarinos.Comprados em outra nação, mas nós vamos comprar os submarinos. Então o início daconstrução, das encomendas internacionais, foi de submarinos, porque nós estávamossendo tratados com pouca consideração pelos americanos. E depois então vieram asfragatas. Isso é uma história muito grande que eu acho que não vale a pena eu estar contando.Porque depois vem outro problema também muito interessante, que foi a política doAdalberto Nunes, que resolveu querer comprar então dos ingleses um determinadonúmero de fragatas. Para, enquanto as outras iam ser construídas, ter um número defragatas inglesas adquiridas, já usadas, para manter a Marinha em operação enquanto asoutras fragatas não ficavam prontas. Então eu levei o presidente da Vickers aoAdalberto Nunes e ele conversou com o presidente da Vickers - não me lembro o nomedele - e ele se prontificou a ver com a Marinha inglesa, com o MOD, como podiasolucionar a questão. Então era o oferecimento de um determinado número de fragatas.Então o MOD informou..

V.A. - O que é MOD?

A.A. - MOD: é Ministry of Defense. Mas em Marinha a gente vai abreviando tudo e vaidenominando diferentemente. Então foi um aspecto muito interessante. Eles nosofereceram umas fragatas baratíssimas que eles estavam usando na Marinha inglesa.Então o MOD disse ao presidente da Vickers que eles estariam prontos a vender asfragatas inglesas, mas que não venderiam qualquer material inglês a nós sem que nóspedíssemos a eles diretamente. Porque eles tinham negócios com os Estados Unidos enão queriam que parecesse que eles estavam querendo se atravessar na políticaamericana. [risos] Então o adido naval tinha que chegar lá e pedir ao MOD para estudaro assunto a pedido nosso. Porque os ingleses não queriam enrascada com osamericanos. [risos] Isso é que foi curioso. E isso gerou sabe o que? É que os americanos logo depois, parece, souberam dasituação e então convidaram o Adalberto Nunes para ir aos Estados Unidos. OAdalberto Nunes disse que não podia ir porque eles não tinham tempo. Então o ministroda Marinha americana disse que ia arranjar tempo para ele: que bastava ele sair doBrasil numa sexta-feira, que ele conversava com ele numa sexta-feira, no sábado etc., eele podia voltar numa segunda-feira. E assim o Adalberto foi para lá. Aí eles ofereceramos navios americanos, os contratorpedeiros americanos, os destróieres. E nãoofereceram como empréstimo e arrendamento; ofereceram como vendidos a preço debanana. E então tinha os destróieres que estavam em remodelação nos Estados Unidos,que eles nos forneceriam etc. Aí o Adalberto Nunes aceitou a oferta deles. Mas foipreciso esse golpe de estratégia para conseguir. Então ofereceram várioscontratorpedeiros e ofereceram vários submarinos, que até hoje nós estamos aindausando alguns. Mas foi porque eles souberam que nós estávamos a pique de comprarnavios usados na Inglaterra.

I.F. - Na Inglaterra. E o senhor ficou nessa empresa particular quanto tempo?

A.A. - Eu fiquei... até mais ou menos quando o governo do Figueiredo chegou, ou doGeisel, porque aí veio o sistema de economia completa e não havia mais do que dogitare a própria empresa se desfez. Permaneceu ainda durante algum tempo enquanto as

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fragatas estavam sendo construídas aqui, porque tinha até os técnicos ingleses aquitrabalhando. E depois cessou o interesse e a empresa foi...

I.F. - Aí o senhor ficou em casa mesmo, não voltou mais a trabalhar?

A.A. - Aí eu fiquei em prendas eminentemente domésticas. [risos]

I.F. - E como foi essa experiência de sair da Marinha, na reforma, e trabalhar numaempresa particular?

A.A. - Bom, no começo a gente sente um tranco muito grande. Porque a gente estáacostumado a uma série de determinações, de compromissos de programa. Porque todosnós temos um programa dentro da administração e a gente de repente... Eu, porexemplo, fui compelido a sair porque eu tinha sido preterido e eu não podia, não tinhacondição... pelo menos eu achava que não tinha condição de continuar. Se eu não era otipo de almirante que a administração achava que era o tipo de almirante que devia seralmirante-de-esquadra, eu só tinha uma coisa a fazer: era pedir as contas e ir embora.Foi o que eu fiz no mesmo dia. Então vim embora, mas vim embora e fiquei assim noespaço. Porque assim não tem um planejamento. Aí comecei a ler, a estudar, coisas queeu tinha vontade de estudar etc. Mas fiquei assim meio... me sentia ocioso. Depois agente começa a se atirar numa porção de pesquisas, de coisas, e vai se adaptando. Agente se acomoda com as coisas. O inglês se acostumou com o bombardeio em Londres,não é?

I.F. - É. Não, eu perguntei sobre a sua experiência no trabalho nessa firma particular.

A.A. - O que tem?

I.F. - A diferença entre a vida de oficial de Marinha...

A.A. - Ah, era mais folgada, muito mais tranqüila.

I.F. - O senhor adaptou-se bem, não teve problema nenhum.

A.A. - Adaptei-me bem.

I.F. - E as suas ligações com o Renato Archer vieram da Marinha ou se aprofundarammais durante o governo do...

A.A. - Bom, já vinham da Marinha. Agora, com essa ligação, com esse interessecomum, se aprofundaram mais.

I.F. - E o senhor teve muito contato com ele no tempo em que o senhor foi ministro, nãoteve não? Porque ele trabalhava diretamente ligado ao San Tiago Dantas.

A.A. - Ele era um dos poucos subsecretários... Porque o San Tiago o nomeou logosubsecretário. E eu tinha ligação, porque às vezes... Ainda aconteceu o seguinte: o SanTiago ficou enfermo etc., e ele assumiu o ministério no impedimento do San TiagoDantas.

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I.F. - Quer dizer, ali o senhor já tinha mais contato com ele também.

A.A. - Aí já tinha contato com ele.

I.F. - E o que o senhor achou da escolha dele, agora, para o ministério?

A.A. - Eu achei... acho que ele tem condições para se desempenhar muito bem. Porqueele é um homem altamente inteligente, um camarada de grande iniciativa, de forma queele pode preencher perfeitamente essa função com brilho. O que eu... De um modogeral, o que eu acho meio imprudente é essa reserva de mercado que está sendo adotadade forma, vamos dizer, rígida, absoluta. Eu não sei se isso vai dar...

I.F. - Essa questão da informática?

A.A. - É, da informática - é o que está com ele. Eu não sei se nós vamos poder auferirlucros, como nós estamos pensando, com isso - não sei.

I.F. - Isso está dando muita discussão, não é? Discussões sérias nesse sentido.

A.A. - Tem, tem dado. Porque é um problema sério porque está interessando osamericanos e os americanos hoje estão muito ociosos - o que não existia antigamente -do seu mercado interno, da nacionalização do seu mercado interno. Antigamente oamericano importava tudo, não estava ligando. Porque a indústria interna era suficientee faltava para completar os anseios da população. Hoje, não: hoje as indústriasamericanas estão ficando com parte ociosa etc., e defendendo. O senhor está vendo aíem calçado, parte de ferro, uma série de coisas. Eles procuram adotar o protecionismoque nós já tentamos adotar há muito tempo em várias coisas, não é?

V.A. - Ministro, tem uma coisa que eu não entendi: essa firma Bramoto já existiaquando o senhor foi para lá?

A.A. - Ah, eu não organizei nada. Eu já encontrei o negócio filtrado, arrumadodireitinho.

V.A. - E o senhor foi trabalhar nela... Qual era a ligação com essa política doRademaker de aumentar a quantidade de flutuantes?

A.A. - A minha relação era de conhecimento de amizade, um colega de turma. E euconversava com ele normalmente, perguntava as coisas e eu sabia. Ele me disse que aMarinha estava com idéia - era coisa perfeitamente ostensiva -, com idéia de comprarnavios etc. e, como eu trabalhava nisso aí, sabia que nós podíamos nos preparar...

V.A. - Quer dizer que antes do Rademaker falar com o senhor isso, o senhor játrabalhava nessa firma.

A.A. - Já trabalhava. Mas aí eu fui falar com o Rademaker porque eu estranhei... com omeu interesse de Marinha - porque eu era mais um oficial de Marinha, um interessadono equipamento da Marinha, do que no lucro que poderia ter. O que me interessava eraa Marinha, era equipar a Marinha, que eu não podia... eu não tive chance de fazer isso.Eu fiquei um pouco mais que uma gestação, fiquei 1 meses na pasta da Marinha.

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Embora eu pensasse em muita coisa, mas não realizei praticamente nada. [risos] Fiqueinos sonhos.

I.F. - E o senhor ficava na parte que preparava as concorrências, essas coisas assim?

A.A. - Não, não. Eu ficava na parte de assessoramento, de opinião sobre o material,exame de material, do que ia ser oferecido etc.

I.F. - Aproveitando os seus conhecimentos de Marinha, mesmo.

A.A. - Com o conhecimento que eu tinha de Marinha.

I.F. - E a empresa então apresentava as concorrências.

A.A. - A empresa é que tratava da concorrência. Aliás, houve uma coisa muitointeressante até, porque na concorrência nós tivemos uma vantagem muito grande.Porque nós conseguimos que a Vosper mandasse um engenheiro para cá durante operíodo da concorrência. E duas vezes o Estado-Maior mandou chamar, mandouconsultar a companhia, se podia alterar a oferta da Vosper. Porque a Marinha queria umnavio que tivesse uma velocidade econômica de 18 nós, e o navio oferecido pela Vosperera de 16, e, pela política naval, interessava que ele desenvolvesse uma velocidadeeconômica de 18 nós. Eles queriam saber se esse navio podia desenvolver essavelocidade, como alteração evidentemente de contrato. Então eu fui lá com oengenheiro. Então o engenheiro examinou o que a Marinha queria e disse: "Bom, nóspodemos, mas vai encarecer." O Estado-Maior achou que não tinha importância. "Maspode botar? Ele disse: "Pode botar, pode aumentar a velocidade. Agora, nós temos queincluir na ponta de cada eixo mais um motor diesel. Em cada eixo tem que botar maisum motor diesel para ganhar essa velocidade." Então eles aceitaram. Então os naviosficaram com a velocidade que a Marinha queria, porque era perfeitamente exeqüível. Onavio comportava, porque tinha engenheiro que podia dizer que estava em condições depoder suportar mais aquele peso daquele motor, e tinha espaço para incluir, parareforçar a velocidade do navio.

I.F. - E com a saída do presidente Médici e a subida do governo Geisel, o senhor achaque houve mudanças muito grandes na política do país?

A.A. - Houve, eu acho que houve de formação...

[FINAL DA FITA 32-B]

A.A. - ... de formação. Eu tenho impressão que o governo do presidente Geisel era umgoverno que estava... O presidente Geisel estava talvez, ou estomagado, mas ele estavaachando que a transformação política do general... Ora! O primeiro presidente daRepública qual foi?

I.F. - Castelo.

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A.A. - Castelo. Eu esqueço as coisas. Do general Castelo tinha sido muito alterada nogoverno do...

I.F. - Costa e Silva e Médici.

A.A. - Do Costa e Silva e Médici. E o Geisel então procurou refazer a condição... -porque ele tinha mais simpatia pelo governo do Castelo etc. - refazer mais ou menos,botar gente que fosse da linha diretamente do Castelo. Isso é que eu senti. Ele, porexemplo, botou como ministro das Comunicações um ex-ajudante-de-ordens doCastelo. Aliás, um rapaz de grande valor, o ... oficial de Marinha.

I.F. - Euclides Quandt de Oliveira, genro do Góis Monteiro.

A.A. - Era genro do Góis Monteiro. Euclides Quandt de Oliveira, que é um belíssimooficial.

I.F. - É, exato. Foi uma época em que teve um desenvolvimento grande nascomunicações, não é?

A.A. - Foi. Mas ele foi buscar um ex-ajudante-de-ordens. O outro ajudante-de-ordens,que, por razões que eu não conheço - que era o Palhares... Esse oficial era ajudante-de-ordens do Castelo Branco. Houve promoções de capitão-tenente para capitão-de-corveta. Esse oficial, que é um oficial de grande caráter, ia preterir um outro oficial...Ele pediu ao presidente Castelo para não ser promovido, porque ele não queria preterir.É uma coisa mais ou menos como aconteceu comigo com o João Goulart, que eu disseque eu não podia preterir etc. Bom, e ele não foi promovido preterindo esse oficial.Depois ele foi promovido, na vez dele, lá no momento, e foi nomeado adido naval naArgentina. O tempo passou, quando chega um belo dia há promoção para capitão-de-fragata, se não me engano, esse oficial, um oficial de valor, era adido naval da Marinha,foi preterido na promoção. Possivelmente por ter sido do Castelo. [riso]

I.F. - Isso no governo de quem?

A.A. - Acho que foi do Costa e Silva.

I.F. - Quer dizer que o senhor acha que nesses governos pós-revolução teve uma linhacastelista, foi cortada...

A.A. - Foi cortada no governo Costa e Silva.

I.F. - Essa linha continuou com o Médici...

A.A. - Essa linha continuou, herdou todo o passado do Costa e Silva e não o do Castelo.

I.F. - E aí houve um novo corte, e o governo Geisel então continuou com a linha...

A.A. - O Geisel voltou à linha inicial.

I.F. - Castelista.

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A.A. - Do Castelo. Isso é o que eu sinto. Eu tenho idéia que houve essa alteração.

I.F. - E, para o país, o senhor acha esses cortes o quê?

A.A. - Como?

I.F. - Essa volta à linha Castelista, o senhor acha que foi positiva. O senhor acha quenão foi positiva...

A.A. - Eu acho o seguinte: se tivesse voltado o Castelo, o resultado teria sido outro. Maseu acho que com o Geisel não foi compensadora. Porque a primeira coisa que em muitasconsiderações que a gente faz... Uma das coisas importantes que precisa o administradoré ter sorte. E eu achava o Geisel com uma falta de sorte desgraçada.

I.F. - Que o Médici muita. Até a copa do Mundo ganhou, não é?

A.A. - Até a escore do Brasil com a Itália. [risos] A sorte é um negócio importante àbeça. E eu achava que o Geisel era um camarada sem muita sorte. E depois, toda... umasérie de dificuldades ele teve que enfrentar. E muito carrancudo. O Geisel tinha... Umacaracterística de ser humano é o riso; essencial no homem e saber rir - é o que odiferencia dos outros... E o Geisel parece que nem sabe rir. Eu nunca vi o Geisel esboçarum sorriso, é muito carrancudo.

I.F. - Aparência muito de durão, não é?

A.A. - Mesmo nas dificuldades, a gente tem que enfrentar a dificuldade com certootimismo e sorrir até da desgraça. [risos]

I.F. - É, parece que ele era um pouco voluntarioso também, não é?

A.A. - Não era uma figura simpática - não era? Não é. Não é uma figura simpática. Eunão tinha simpatia pelo presidente Geisel. E achava uma série de dificuldades que eleteve, que ele enfrentou, profundamente lamentáveis.

P.R. - E por algumas das medidas do governo dele. Por exemplo, o contrato de risco, oendividamento externo, que foi bastante acentuado no governo dele.

A.A. - Certo. Mas ele tinha razão também, por causa da questão do petróleo. Oendividamento externo nós quadruplicamos ou quintuplicamos o preço dos derivados dopetróleo. Nós precisamos de energia, cada vez o país se desenvolve... Era umadecorrência... Não teria sido de má administração dele, mas era uma decorrência doinfortúnio. Porque aquilo atrapalhou a economia de todos os países, não é verdade? É oque eu penso. Foi uma medida... Eu tenho a impressão que ali tinha o dedo da Rússia,não é? Tenho impressão que a Rússia animou muito os árabes a fazerem aquilo e dissepara eles: "Olha, vocês podem fazer isso porque eu garanto." E ninguém teve coragemde intervir, de ir lá, ocupar militarmente aqueles poços, aquela coisa dos árabes, porquetodo mundo tinha medo da Rússia.

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P.R. - Não, mesmo porque as empresas americanas ganharam muito dinheiro com esseaumento. Porque na Arábia Saudita, no Kuwait, elas têm grandes concessões depetróleo.

A.A. - Bom, mas o americano teve um problema estratégico chato. É que ele passou ater que pensar em economia das reservas dele, porque está sempre pensando na guerra.Porque ele não quer exaurir... As reservas dele são inferiores da parte da Arábia Saudita,disso tudo, porque, quando chega a guerra, o consumo reduplica, é uma coisa...pavoroso, não é? E eles pensam sempre em não exaurir, porque eles são os grandesconsumidores de energia. O número de automotores que eles têm é uma barbaridade, detudo quanto é motor lá, tudo o que é consumo de energia. E eles não querem exaurir,porque, na época da mobilização, o consumo de energia deles... e eles têm que contarcom a energia que eles têm dentro do país. Estrategicamente eles tem que economizaraquele material. Então tem que importar. Mesmo caro, eles teriam que importar.

I.F. - E o senhor acompanhou aquelas duas crises do governo Geisel? Uma, aquelaquestão do caso Herzog lá em São Paulo. O senhor acompanhou aquilo?

A.A. - Só por notícia de jornal, da morte daquele rapaz.

I.F. - Foi uma crise que abalou bastante, que mexeu muito com o governo, não é?

A.A. - Foi. Toda a imprensa publicou aquilo.

I.F. - E outra foi o caso da crise do governo Sílvio Frota também.

A.A. - Ah, bom. Aí foi... Sílvio Frota...

I.F. - É, foram duas crises que ele teve que enfrentar.

A.A. - Aquela ali, ele deve muito ao chefe do gabinete dele, o Abreu - pelo que eu li. OAbreu é que teve muita habilidade...

I.F. - General Hugo Abreu.

A.A. - Hugo Abreu. Em canalizar os generais que vinham: em vez de seremenvenenados pelo Frota, ele encaminhou diretamente para a presidência da República.Foi um golpe muito interessante, um golpe de mestre, não é? Mas no fim acabou oAbreu se incompatibilizando por causa do Presidente Figueiredo.

I.F. - E o senhor acompanhou essa...? Se interessava, acompanhou essa coisa dasucessão, tudo isso, e a escolha do presidente Figueiredo?

A.A. - Eu acompanhei como podia. Agora, eu achava o Figueiredo politicamente umdespreparado para aquilo. Ele não exerceu nunca uma função no meio político. Nãodigo política mesmo. Mas ele estava sempre, vamos dizer, ali dentro da áreaeminentemente militar.

I.F. - E na área de informações, também, do SNI.

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A.A. - Na área de informação, também, era um negócio que ele não tinha que... Ele nãotinha que, digamos,. transigir, negociar etc. Não havia idéia de intercâmbio. Porque naárea política existe muito intercâmbio, a negociação, essa coisa. Ele estavaeminentemente radical nas coisas. De forma que eu achava que tinha várias dificuldadesali. Uma delas era essa. A outra era que ele teve que chegar... o presidente Geisel teveque fazê-lo general-de-exército para ele adquirir as condições, porque não seria vetadopelos oficiais-generais sendo general-de-exército. Porque diziam que os outros generaisnão queriam fazer continência a um general-de-divisão. Quando o cargo de presidenteda República normalmente... Eu fui ministro da Marinha e faziam continência para oministro da Marinha como contra-almirante e a Marinha aceitou. Aliás, a Marinha émuito preparada para o regime parlamentarista. Antes da reforma administrativa, dessareforma que veio, tudo isso, a Marinha estava muito preparada para o regimeparlamentarista. Porque o Ministro da Marinha, a função dele era obter meios; era daMarinha para a área... E a parte interna praticamente era muito dominada pelo Estado-Maior. Então o Ministro da Marinha era o representante na área eminentemente exterior.Todo mundo achava que o ministro da Marinha tinha que resolver. A outra área, militaretc., o Estado-Maior se incumbia. No Exército, a coisa era mais complicada. O gabinetedo ministro da Guerra diz que tinha perto de cem oficiais - foi o que eu ouvi dizer.Porque o Ministério da Guerra sempre foi preparado para... partindo do princípio de queo ministro da Guerra tinha que ser um general. Na Marinha, não; nós tínhamos a idéiade que o ministro da Marinha podia ser civil. E sendo assim, o chefe do Estado-Maior jáestava preparado para assessorar o elemento civil, como quando nós tivemos doisministros, não é?

I.F. - Exato.

A.A. - O Raul Soares e o Gomes Pereira.

I.F. - Agora, voltando a essa linha que nós já tínhamos conversado: linha Castelo, Costae Silva, Médici; Geisel, que é uma linha castelista... O Figueiredo estaria em que linha?A.A. - Como? Ah, em que linha estaria...

I.F. - Seria na linha de volta ao castelismo, ou uma linha mais Costa e Silva e Médici?

A.A. - Ele... Bom, a linha dele devia ser eminentemente mais Médici e um poucoGeisel, porque ele devia tudo ao Geisel. Ele tinha sido chefe do Médici lá no RioGrande. E depois ele passou a ser chefe do...

P.R. - Do Gabinete Militar do Médici.

A.A. - Do Gabinete Militar do Médici. De modo que ele tinha muita ligação com oMédici e tinha participado daquela coisa toda do tempo do Médici. De modo que elerespirava... um pulmão podia respirar Médici, e o outro pulmão respirava o Geisel. Eledevia ser um meio termo dessas duas linhas.I.F. - E é interessante porque ele teve uma ligação muito grande com o Médici, foitambém muito ligado ao Serviço de Informações, essa coisa toda, que é...

A.A. - Que era do Médici.

I.F. - Do Médici, num regime autoritário.

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A.A. - Autoritário.

I.F. - E, de repente, o general Geisel entrega de presente para ele o governo, comabertura, anistia, tudo encaminhado. Como é que foi isso?

A.A. - Isto que explica é a dona Scila5. [risos] Não sei se leu a entrevista da dona Scila.A dona Scila diz que o Geisel não quis que o Médici fizesse a abertura; que ele ia fazer,senão ele não aceitava a presidência da República - diz ela. Porque eu tenho queacreditar no que ela diz, porque ela estava lá, era esposa dele. [risos] De modo que, atéque digam o contrário, que o Médici desminta... Quem está autorizado para dizer...Porque o presidente Médici já faleceu. Só tem uma figura autorizada para dizer: "Não éverdade, não houve isso." É o Geisel. E o Geisel está no silêncio.

I.F. - Mas o que eu digo é isso: a tendência aparente, vamos dizer assim, do Figueiredoera seguir a linha Médici.

A.A. - Médici.

I.F. - E recebe do Geisel um governo já encaminhado para uma linha completamentediferente.

A.A. - Diferente

I.F. - Porque foi exatamente quando ele teve que fazer a abertura, a anistia, quandosurgiram os partidos políticos... Quer dizer, isso o senhora acha que foi da vontade doGeisel e do Médici, ou o Brasil já estava exigindo isso? Com eles ou sem eles issoaconteceria? A abertura, anistia, tudo isso.

A.A. - A abertura, eu acho que a idéia da abertura já devia ser do Médici e foicontinuada, foi enfatizada pelo Geisel. Isso é que eu acho: o embrião já devia estar nacabeça do Médici. O Médici era um homem muito inteligente, muito preparado, e eutinha uma admiração muito grande por ele - não sei se isso influencia. Porque nósestivemos juntos em Washington: eu era chefe da delegação brasileira na JuntaInteramericana e ele era adido militar, e servirmos juntos e tivemos muito contato lá,durante o pouco tempo em que estivemos juntos. Eu tinha uma admiração muito grandepor ele. Mas acredito que ele tivesse... Porque a formação normal desses homens queforam guindados à Presidência era de restabelecer o regime democrático. Ninguém, deum modo geral, pensou em estabelecer a ditadura para se servir dela, o regimetotalitário. Não era. O Exército é uma entidade eminentemente democrata, não tenhodúvida nenhuma. O Exército, que convive em terra, participa das dificuldades da massapopular, tudo isso, é uma instituição eminentemente democrata. É preciso cuidado paraque não se comunique através de uma série de coisas que estão criando aí: voto desoldado e por aí vai. A meter os militares na área política.

I.F. - E o que o senhor achou da abertura, da anistia, dessa mudança grande nessarelação dos partidos políticos - o surgimento, tudo isso?Essa grande transformação que foi vindo com o governo Figueiredo e...

5 Scila Gaffré Médici, esposa do presidente Médici.

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A.A. - Eu acho que a transformação, a vontade de fazer a transformação foi grande. Ahabilidade de fazer é que foi fraca. Porque havia elementos que, pelo menos, eramelementos difíceis de, naquela conjuntura, serem aceitos como perfeitamente livres dasescoras. E essa abertura foi completamente irrestrita e possivelmente ainda geraráproblemas conosco.

P.R. - Por exemplo?

A.A. - De extremismo, de caminhar para a esquerda. Eu acho que é perigoso. Se euestou certo ou se estou errado, não sei. Mas é o que eu imagino: eu acho que essaabertura poderá trazer... Porque tem certos elementos aí que não são de coisa nenhuma,são destruidores. Mestrinhos e por aí outros, que não me lembro o nome agora, que euconsidero suspeitos para quererem realmente uma forma eminentemente democrata,uma democracia sadia.

P.R. - O senhor está sentindo assim no Brasil, no momento, algum sintoma que possanos levar a sentir esse perigo de esquerdização da vida brasileira?

A.A. - Eu acredito que, pelo liberalismo que nós estamos adotando... Não hoje, nemamanhã, mas dentro de pouco tempo pode surgir. Vamos ver o resultado dessas eleiçõesagora.

P.R. - Quem o senhor supõe que possa conduzir isso? Qual é o partido, qual a figura,qual é a entidade?

A.A. - Bom, eu acho que a tendência - e acho que é natural isso - a tendência é para umaesquerdização absoluta. Quer dizer, caminhar isso aqui... transformar num satélite daRússia. Esse é que é o meu temor. Porque o Brasil, embora a Rússia não diga, é um paísaltamente desejável para comunização. porque aí a América do Sul pega fogo. Nós jános livramos do problema do Chile. Com todas as restrições que se faça ao Pinochetetc., ele, carregando o Chile para a direita, livrou da influência comunista. Agora, o queé curioso é o seguinte: é que a ascensão do Pinochet desagradou profundamente aRússia. E eu estranho que tenha desagradado aos Estados Unidos.

I.F. - É, porque os Estados Unidos agora estão meio... implicando um pouquinho comaquilo, não é?

A.A. - Tenha desagradado aos Estados Unidos. Porque o regime de direita, a genteadmite a possibilidade de vir para o centro, mas o regime ditatorial comunista, eu nãovislumbro como possa caminhar para o centro. Desde trinta anos, quarenta, não seiquantos são, de movimento comunista, a tendência deles é se radicalizarem o maispossível. E com influência nos outros países. Porque o curioso é que a gente nota uma...Tem a China Comunista, mas ela age dentro dela, a gente não percebe a tendência daChina de se expandir. Mas a Rússia tem a tendência de querer comunizar as outrasáreas. Já tem Cuba, já está se infiltrando aí na América Central, quis entrar no Chilecom o Allende, o Pinochet barrou, e o Brasil está abrindo - como a gente dizia emesgrima - está abrindo a guarda demais. Em esgrima, a gente não pode abrir a guardademais, a menos que a gente esteja preparado para parar e responder. Mas nós nãoestamos preparados para fazer parada de uma coisa e responder coisa nenhuma. Nósestamos despreparados completamente. Nós somos de uma boa fé, de uma

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tranqüilidade, nós acreditamos sempre que rezando, olhando para o céu, Deus vairesolver os problemas. Não pode resolver todos.

I.F. - Deus é brasileiro.

A.A. - É, que Deus é brasileiro. Nós dizíamos até que Deus era brasileiro e oficial deMarinha. [risos]

P.R. - Mas eu pergunto o seguinte: em 1982 houve eleições no Brasil para governadorde estado. O país havia saído recentemente de um regime autoritário de 21 anos, e deuma inflação louca que chegava a quase 300% ao ano. E havia uma desigualdade socialimensa e uma insatisfação generalizada. Vieram as eleições e os candidatos de esquerdanão fizeram nada, não tiveram votos, não tiveram força nenhuma.

A.A. - Foram os mais auspiciosos possíveis.

P.R. - Por quê?

A.A. - Não, foram; os resultados foram os mais auspiciosos possíveis.

P.R. - Mas o senhor acha que...

A.A. - Mas acho o seguinte...

P.R. - Que agora, nessas eleições da Constituinte, isso possa mudar?

A.A. - Não, eu acho o seguinte: é que nós estávamos em lua-de-mel com a democracia.E essa lua-de-mel vai acabar. Nós estávamos querendo mostrar que a democraciafuncionava etc. Agora, nós vamos enfrentar as dificuldades, os entraves que ademocracia tem que enfrentar, e sem dispositivos para conseguir saná-los. Porque ogoverno... Veja o seguinte: o governo do marechal Dutra, embora fosse um governocompletamente censurável, completamente precário, era a lua-de-mel com ademocracia. Saiu do regime do presidente Vargas de 15 anos, com aquela propagandada destruição do Brasil, aquela coisa toda, todo mundo queria mostrar que a democraciafuncionava. E funcionou direitinho etc. Mas depois é que vem então, a coisa vem sedeteriorando. Assim foi agora: com a primeira eleição, está tudo muito bem etc. Agora,isso vai continuar? podemos esperar esse otimismo todo? Eu tenho medo.

P.R. - Então a minha pergunta é a seguinte: o atual governo está mostrando que essasdificuldades existem e vão existir. No meu entender, eu não sei se esse é o ponto devista do senhor, ele não está escondendo o jogo.

A.A. - Quem?

P.R. - O presidente Sarney. Não está escondendo o jogo.

A.A. - Eu acho que não está.

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P.R. - Ele está mostrando que essas dificuldades existem. E, no entanto, pelas pesquisasde opinião que a gente verifica aí, a popularidade dele tem crescido. Como é que osenhor encara esse fenômeno?

A.A. - A dele.

P.R. - A dele.

A.A. - Mas a questão é que ele não vai ser eleito presidente da República. Agora vem aformação do Congresso etc., vamos ver a popularidade do PMDB, a popularidade daFrente Liberal. Vamos ver os outros partidos de oposição, como é que se arrumam etc.Porque já está a briga, entre eles todos, a briga é muito grande, não é?

P.R. - Esses desentendimentos acho que são naturais na articulação política e tudo. Masqual é a força, por exemplo, que o senhor acha que possa encaminhar o Brasil para umasituação que o senhor julgue que seja perigosa?

A.A. - Eu acho que não é hoje, nem amanhã. Não é uma força imediata, é remota. Masque a gente tem que se precaver contra ela. Porque não é na hora que nós vamos nosarmar, nos defender. Quando chegar a surpresa, como é que nós vamos fazer? Nós nãopodemos ser surpreendidos, a gente tem que evitar a surpresa. A surpresa gera umaperplexidade que não sei quanto tempo vai durar e com que elemento nós vamos vencê-la.

P.R. - O senhor não acha que esses perigos podem ser evitados, por exemplo, comreformas de base, com reformas profundas?

A.A. - Bom, e podemos fazer essas reformas de base...? Porque há uma série dereformas que nós podemos pensar, mas não temos condições, não temos meios, nãotemos elemento nem humano para fazer essas reformas. Eu agora estou vendo, porexemplo, as dificuldades desse plano do cruzado: as dificuldades que estão surgindo eque o governo positivamente não estava sentindo que iam surgir. Está surgindo umasérie de dificuldades. Por quê? Porque não era possível prever uma série de reações.Porque aí se juntam as forças, as forças oponentes começam a se manifestar. E aí é quea gente tem que chegar e combatê-las. Está havendo o problema da carne, o problemado leite, o problema de... tem outro...

I.F. - Ovos.

A.A. - De ovos, de tudo isso, de frango e não sei mais o quê. Até achei gozado aqueladeclaração infeliz do Funaro. O pessoal estava reclamando que não tinha carne e oFunaro disse: "Bom, não tem carne de vaca, come frango." Me lembrei muito da MariaAntonieta: "Não tem pão, come brioche." São coisas que demonstram a surpresa dogoverno. Eles não esperavam essas reações, não esperavam o desenvolvimento dacapacidade de consumo. Nós estamos consumindo muito mais do que consumíamos -um país de prontos. Estamos comprando aquilo que acho que a gente não podiacomprar, estamos gastando isso e aquilo. É previsível isso? Acho que não previam isso.Então o governo tem que estar intervindo. Mas já vai intervindo como tentativa desolucionar os problemas, como tentativa. Mas não que eles já soubessem que oproblema ia surgir, e a solução ideal para resolver. Eu vejo que o negócio é difícil.

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Aliás, administrar esse país é dificílimo. [risos] Apesar do número de candidatos àpresidência que tem: todo mundo acha que pode salvar o Brasil. Inclusive eu estouquerendo dar remédio. [risos]

I.F. - Agora, outra coisa que eu queria perguntar ao senhor: o senhor nos disse quecasou em 64, não é?

A.A. - Sim.

I.F. - Já conhecia ela há algum tempo, como...? O senhor falou que ela conhecia as suasletras no tempo de namoro. Tempo de namoro muito grande? Como é que o senhorresolveu depois casar?

A.A. - Não, eu já a conhecia. Depois é que eu fui pedido em casamento por ela... [risos]Porque eu me considerava muito velho, ela é muito mais moça do que eu.

I.F. - O senhor resistiu o quanto pôde, não é?

A.A. - Eu resisti para evitar que ela tivesse uma decepção comigo. Mas parece que não,parece que ela continua apaixonada.

I.F. - Pelo jeito ela está encantada, não é?

A.A. - É, está bem. Até fiz uns versinhos para ela, negócio de correspondência.

I.F. Ah, é? Outra coisa que eu queria perguntar ao senhor: outro dia, conversando comum amigo meu, ele me disse que, além dos "arquiduques" e dos "jovens turcos", existiaum grupo na Marinha chamado "búfalos".

A.A. - Ah, não, é outra coisa.

I.F. - Que usava uma tatuagem na mão. O que é isso?

A.A. - Isto eu vou lhe contar. Isto é uma coisa que se chamava seita.

I.F. - Nunca tinha ouvido falar nisso.

A.A. - Nunca ouviu falar nisso?

I.F. - Não.

A.A. - Havia um colega nosso, José Machado Pavão, de uma turma acima, foi um belooficial durante a guerra. E ele então resolveu, de brincadeira, criar uma seita religiosa,que era dos Búfalos. Então ele fez classificação, tinha uma série de denominações.Então, por princípio, todo mundo era Búfalo. Agora, tinha os búfalos que se filiavam áreligião; e a seita dele... Então tinha o grão-mestre. Até meu irmão era um dos grão-mestres da seita. Então ele fazia umas reuniões no camarote, fazia um santuário lá, umnegócio complicado, e fazia umas rezas e benzia a gente, fazia uma porção de coisas. Epor aí ia. Então ele ia categorizando e o pessoal ia dizendo que pertencia àquela seita.Isso é que existia, era uma brincadeira.

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I.F. - Ah, era mais na base da brincadeira. Diz que usavam umas tatuagens, umas coisas.

A.A. - É, pintavam umas coisas etc., botavam umas roupas especiais no camarote. Issotudo sem que o comandante soubesse, não é?

I.F. - Ah, mas isso não foi nada sério, era uma brincadeira que faziam.

A.A. - Era uma brincadeira. E durou muito tempo.

I.F. - Porque outro dia conversando, ele me disse: "Não, não tinha só os arquiduquesnão, tinha os búfalos também." Eu digo: "O que é isso?"

A.A. - É, mas essa seita dos búfalos era a seita dos búfalos. E tinha vários. Tivemosalmirante brincando com esse negócio de búfalos. Ainda está vivo o José MachadoPavão, uma turma acima da nossa; era engraçadíssimo ele.

I.F. - Ah, sei.

A.A. - Mas ele andou estudando esse negócio de religiões, essas religiões terroristas etc.Então ele começou a classificar e começou a criar etc. Então tinha as cerimônias etc.,tinha a credencial, o camarada que chegava e se filiava à seita, tudo isso. [risos] Mas ele tinha coisas incríveis. Uma ocasião ele chegou e disse: "Olha aqui essa cidade;ninguém liga importância a coisa nenhuma. Eu vou abrir um buraco em frente aoCinema Metro e ninguém vai dizer nada, vai fica tudo como estava." Chegou, arranjouum caminhão dos fuzileiros e, na frente do Cinema Metro, pegou o pessoal, botou depicareta, abriu um buraco, deixou o buraco e foi embora. E ficou o buraco lá, ninguémdisse nada. [risos] Coisa saída da idéia dele. Uma ocasião ele se vestiu de padre, botou abatina etc. e saiu. Ia benzendo todo mundo que passava, fazia um ritual lá especial.Ninguém entendia aquilo, pensavam que ele era um doido. Mas ele andou um pedaço daavenida vestido de padre, fazendo bênçãos etc., desejando felicidades e bons augúrios epor aí ia. [risos]

I.F. - Vocês tem mais alguma coisa para perguntar?

P.R. - Não.

A.A. - É nós já passamos da hora, não é?

I.F. - Ministro, nós estamos terminando aqui a nossa entrevista. O senhor tem algumacoisa específica que o senhor gostaria de conversar, na próxima entrevista, ou o senhorgostaria de terminar por hoje.

A.A. - Bom, o que eu desejaria era falar alguma coisa sobre a minha admiração daMarinha, se é que interessa.

I.F. - Então está ótimo. Então vamos marcar na próxima semana, na quarta-feira, osenhor vai então expor tudo sobre o que o senhor tem mais interesse e que ficoufaltando da nossa parte...

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A.A. - É, eu tenho umas coisas escritas, eu trago. São tarefas que eu tive na Marinhapraticamente. Fizer o que eu tentei fazer na Marinha.

I.F. - Está ótimo. Isso é muito importante para a gente.

A.A. - Ah, está bom.

P.R. - Isso é interessante porque o almirante Maximiano enfatizou muito isso durante aadministração dele. Quer dizer, aquilo que ele procurou realizar, aquilo que ele nãoconseguiu realizar e as frustrações que ele teve. Quer dizer, a entrevista dele foi muitorica nesse aspecto.

[FINAL DA FITA 33-A]

P.R. - Então o senhor dizendo isso, nos dá a oportunidade inclusive de fazer umconfronto: as dificuldades naturais que o ministro da Marinha tem no sentido dereequipar e de criar coisas...

I.F. - E as coisas que ele conseguiu realizar.

P.R. - Que conseguiu o que não conseguiu fazer.

I.F. - E outra coisa também que eu gostaria de pedir para o senhor pensar um pouco paraa gente conversar na semana que vem é sobre o desenvolvimento tecnológico dasForças Armadas. Porque eu acho - aliás, eu assisti já a uma conferência sobre isso - quefala-se muito do poder na mão dos militares, os presidentes, isso e aquilo, tirapresidente, bota presidente, muda o governo. Mas na realidade um grande poder está nasForças Armadas pelo desenvolvimento tecnológico. Existem coisas que estão nas mãosdos militares mesmo: Marinha, Aeronáutica...

A.A. - E uma porção de coisas que passam para a área civil, cuja origem foi no meiomilitar.

I.F. - Exatamente. Ver o que o senhor pode nos dar de exemplos sobre isso. Mesmo quea gente possa desenvolver, vamos dizer assim, com outras pessoas. Mas uns pontos queo senhor com uma experiência grande na Marinha e como ministro também, viu quehouve um desenvolvimento e um pensamento dos militares sobre isso. Quer dizer, nóstemos essa questão de energia nuclear, que envolve muito a Marinha; a informática temmuito a ver com os militares; o ITA, o desenvolvimento tecnológico da Aeronáutica... Opróprio Lúcio Meira, com o desenvolvimento da indústria automobilística; a siderurgia,com o Edmundo Macedo Soares...

[INTERRUPÇÃO DE FITA]

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20ª Entrevista : 20.08.1986

I.F. - Ministro, na última entrevista, o senhor nos disse que gostaria de nos contar commais detalhes o seu trabalho, a sua atuação durante o tempo de Ministério.

A.A. - De ministro, exatamente.

I.F. - Nós gostaríamos então que o senhor aproveitasse essa oportunidade para noscontar.

A.A. - Eu trouxe as minhas notas aqui. Não sei como é que... coisas que eu considereidignas, digamos, de citação. Agora, o que há é o seguinte: eu não sei se tem espaço aí,se tem fita, se eu vou tomar muito tempo. Não vou ler tudo, mas eu tenho...

I.F. - O senhor, podia fazer um apanhado geral e podia nos deixar tirar uma cópiadessas...

A.A. - Eu posso fazer.

I.F. - Nós tirávamos um xerox aqui e o senhor fazia um comentário sobre isso.

A.A. - Eu posso fazer. Mas comentário, mais ou menos, isso já é comentado. Então eupego essa parte toda, passo direitinho e entrego como...

I.F. - A gente tira uma xerox aqui mesmo...

A.A. - Pois é.

I.F. - Agora, eu gostaria que o senhor comentasse um pouquinho sobre o seu trabalho, oque o senhor achou de mais importante nesse período em relação à Marinha.

A.A. - Coisas importantes foram o seguinte. E quando assumi o Ministério da Marinha,assumi inesperadamente, porque decorreu da renúncia do presidente Jânio Quadros. Eeu sabia bem a dificuldade que eu ia encontrar. Agora, o ambiente conturbado em queeu assumi... O Brasil estava dividido em facções e chegou à iminência de uma guerracivil. O meu primeiro cuidado foi fazer com que a nossa corporação sofresse ao mínimoo impacto dessa circunstância toda que o Brasil tinha atravessado. Eu procurei, então,com espírito conciliador, sem levar em conta situações passadas, pessoais, procureiconcentrar a Marinha em um organismo disciplinado e livre das atividades políticas.Todo voltado para as suas lides profissionais, completamente dedicado ao serviço dapátria. Não era possível eu fazer um programa, ter uma idéia do que eu poderia fazer,sem examinar a situação.

I.F. - Exato.

A.A. - Isso é que eu inicialmente procurei fazer. Daí, eu visitei as diversas situações emque a Marinha estava em todo o Brasil. Andei pelo Brasil todo.

I.F. - O senhor foi a todas as bases, distritos, tudo?

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A.A. - Porque essa questão de relatórios... Eu achava que os relatórios não diziam, nãodavam uma idéia real das coisas. Porque eu tinha que dar um denominador comum dasapreciações, e os relatórios são sempre voltados para os interesses locais sem ver oconjunto. Eu vi coisas curiosas nessas inspeções. Havia administrações, haviaadministradores que achavam que estava tudo razoável. Quando eu vi, achava queestava ruim, que precisava de uma aspiração de melhoria da situação. Outros, as coisas,para o seu julgamento, estavam boas e os cidadãos que estavam administrando achavamque podia ficar melhor ainda. Mas a questão é que eu tinha que dar um denominadorcomum dentro dos recursos que eu poderia obter. De modo que as inspeções dão umavisão geral e rápida. E relatório, a gente fica lendo, cada um tem uma forma de escrever,tem uma forma de dizer, se estende muito em uma série de considerações que às vezessão inúteis, e por aí vai. Então com isso eu tive rapidamente uma idéia do panorama daMarinha no Brasil, de que eu já tinha alguma idéia porque eu estava servindo no Estado-Maior.

I.F. - E a Marinha, dependendo da região do Brasil, fica melhor ou em pior situação?Porque no Brasil a gente vê "ilhas" de desenvolvimento e de subdesenvolvimento. Issoinfluencia também nos pontos da Marinha, ou não? Nos distritos?

A.A. - Eu visitei os postos da Marinha nos lugares mais longínquos e eu não senti queisso influenciasse. Evidentemente em lugares de maior densidade demográfica, de maiordesenvolvimento, também as necessidades, os recursos de atendimento da Marinha têmque ser maiores, porque a objetividade ali na escala de urgência se torna mais premente.Mas nos outros lugares menos visíveis etc., com menos interesse estratégico, asdotações e os recursos são menores. Mas o que eu notei foi o seguinte: que nos lugaresmesmo distantes, o pessoal, com os recursos pequenos que tinha, o atendimento eramuito bom. A preocupação de resolver os problemas da Marinha, de estarem prontospara solicitações da Marinha... Estavam todas atendidas com muito patriotismo, commuito espírito público, com muito espírito de sacrifício, digamos assim. Isso foi o queeu notei. Fiquei admirado mesmo. Eu visitei lugares até com mesas feitas de caixotes,mas estava tudo sendo realizado sem evocar que não podia fazer porque a mesa nãoprestava. Foi isso que eu notei.

I.F. - Mas o senhor correu então todas as bases e distritos...

A.A. - É. Agora, dentro da...

V.A. - E o senhor ficava quanto tempo em cada lugar?

A.A. - Eu procurava ficar o menor tempo possível, porque eu tinha muitas coisas parafazer. Quando eu chegava lá, já encontrava tudo pronto para eu visitar. E eu ficava... Asvezes ficava em dia, ficava dois dias, às vezes ficava horas em determinados lugares.Porque eu viajei muito nos aviões da FAB. Era um DC-3 muito bom porque ele pousavanuma porção de lugares.

I.F. - Um grande avião, não é?

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A.A. - Ah, um grande avião. E ele pousava em tudo quanto era lugar. Não faziaexigência de pista macia, disso ou daquilo. [risos] E lá fui correr todo o Brasil de norte asul. O que tinha de Marinha, procurei ver e ajuizar.

V.A. - E aí o senhor tomava notas, como é que era?

A.A. - Eu tomava notas e os meus auxiliares, ajudantes-de-ordens, iam recolhendo osdados que eu pedia, para trazer aqui para o Rio, para o...

I.F. - Para o Ministério.

A.A. - Para o Ministério, para eu, então, proporcionar as dotações e tomar asprovidências de atendimento disso e daquilo.

I.F. - Agora, isso o senhor está falando na parte mais técnica. E a parte política darenúncia do Jânio e a mudança de governo...? Sentia-se muito nesses lugares em que osenhor esteve logo após?

A.A. - Eu não senti. Eu senti a parte política afetar mais o governo na esfera do primeiroescalão, porque aí havia... talvez 60% dos oficiais não topavam o João Goulart - dosoficiais-generais. A minha dificuldade maior era fazer com que o governo do JoãoGoulart inspirasse a confiança, o que eu consegui até o fim do... até quando eurenunciei. Depois veio crise. Mas até o fim da minha administração, eu sentia que osoficiais-generais estavam me acompanhando com toda a lealdade, com toda a devoção ecertos de que eu não estava fazendo política nem politicagem dentro da Marinha.

I.F. - Mas toda vem em que há uma crise política, como foi essa, há pelo menos umclima de expectativa, um clima de tensão para ver o que vem por aí.

A.A. - O que vem. é lógico. O que se esperava é que, naquela conjuntura, a Marinhatalvez fosse sofrer muito, digamos assim, pela divisão da Marinha em duas partes: osjanguistas e os não janguistas. E isso não se deu na Marinha. Eu não distingui quem erafavorável ao João Goulart nem quem era contra.

I.F. - Existiam os janguistas e os não janguistas. Mas o senhor como ministro, não fezdiferença entre um e outro.

A.A. - Não fiz diferença nenhuma. Eu tratei a todos igualmente. Dei comissão a todosos oficiais-generais - que alguns até estavam sem comissão - e a Diretoria do Pessoalnomeou todos os oficiais para todas as funções sem qualquer dificuldade. Eu tive umadificuldade, por exemplo, na designação de um almirante que tinha sido comandante doDistrito de Santa Catarina.

I.F. - 3º Distrito.

A.A. - É, 3º Distrito. Era o Luís Clóvis de Oliveira, porque ele tinha querido prender oBrochado da Rocha que foi lá parlamentar.

I.F. - É, o senhor comentou já.

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A.A. - E o problema que eu tive não foi na Marinha de nomear o Luís Clóvis para umacomissão que eu queria dar. O problema que eu tive foi em discussão com o presidenteJoão Goulart.

I.F. - É, o senhor comentou.

A.A. - Porque ele não queria e eu acabei conseguindo, convencendo-o de que eu tinhaque ser imparcial nessa coisa, que tinha acabado - eu já tinha nomeado um outrocomandante de Distrito -,que aquilo não podia ficar contabilizando contra aquele oficial.As promoções todas foram feitas pelo merecimento que a Marinha julgava e nãoprocurando saber se ele inspirava confiança a mim e ao presidente João Goulart ou não.Eu nomeei indiscriminadamente. Tem o caso, por exemplo, do Bierrenbach, que era"peixinho", digamos assim, do Carlos Lacerda, que eu tive que mandar buscar para aMarinha e nomeei para o melhor navio hidrográfico - porque ele era hidrógrafo -, paracomandar o navio. Dei o comando a ele, dei o comando ao Bierrenbach. De modo queeu não tinha... eu era completamente imparcial. Com isso eu não criei arestas, não crieidesconfianças, nem inimizades. Graças a Deus, eu me dou e me dava, e saí da Marinhame dando com toda a oficialidade, com todos os oficiais-generais. Não tinha nenhumcom quem eu tivesse cortado relações. A não ser com o Ernesto Melo Batista, querompeu relações comigo por uma decisão que eu tomei no Ministério favorável a umdos rapazes Faria Lima, o João Faria Lima. Ele se considerou desprestigiado, então, porescrito, cortou relações comigo. Mas foi o único caso.

I.F. - Mas aí o senhor fazia as visitas aos distritos e trazia o material todo para oMinistério.

A.A. - É. Outro ponto que eu tive que atender... Evidentemente eu tinha queadministrar. Mas os recursos estavam todos estourados. Não havia mais recursos naMarinha, verba na Marinha, para atender às necessidades. Aí é que eu tive que apelarpara o Válter Moreira Sales e consegui o aumento das verbas. Ele foi altamentegeneroso - eu sou imensamente grato a ele: todas as verbas que eu pedi desuplementação, ele mas deu e eu pude resolver todos os problemas, dentro, digamos, doexame que eu havia feito. E consciente de que eu não podia fazer tudo o que queria, esim tudo o que podia... Por que o almirante Frontin dizia: "Quando não se pode fazertudo o que se deve, deve-se fazer tudo o que se pode." [risos] Essa é uma frase naMarinha muito usada. E eu procurei tudo o que podia, embora eu achasse que deviafazer muito mais, mas não podia. Então, paciência... Mas obtive as verbas para as coisasde maior urgência; o Valter me deu todos os recursos que eu pedi. Depois já tive a votação do orçamento para 62. Consegui o orçamento como eu queria.E ainda tem um detalhe curioso: é que quando foi criado o Ministério da Aeronáutica,diziam que o almirante... O Ministério da Aeronáutica havia sido criado para fazereconomia. Porque juntavam a aviação naval e a aviação militar, então ia ser umaaviação única e esse orçamento ia ser muito menor do que os outros orçamentos. Masquando eu assumi o Ministério da Marinha, o orçamento da Aeronáutica já era maior doque o da Marinha.

I.F. - Maior do que a Marinha, já?

A.A. - Era. E eu consegui fazer o meu orçamento maior do que o da Aeronáutica. [risos]

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I.F. - Não devem ter gostado nada.

A.A. - Não sei se eles compararam, se lembraram disso. Mas eu consegui obter osmeios para que o meu orçamento... Embora não fosse uma diferença astronômica ouaérea, não é?

I.F. - Mas conseguiu aumentar.

A.A. - Mas consegui fazer com que o meu orçamento fosse maior um bocadinho do queo da Aeronáutica, para não ficar em situação inferior. [risos] Agora, aí houve um casointeressante. Eu tinha que pagar os navios hidrográficos que haviam sido comprados -inclusive esse que o Bierreubach comandou -, eram o Sírius e o Canopos e os outrosnavios. E então eu reuni o fundo naval, aí eu verifiquei o seguinte: o pagamento dessesnavios era feito pela forma mais esquisita, mais irregular possível. Quando meexplicaram, o secretário geral da Marinha me explicou... Tinha que vencer umaprestação justamente na ocasião em que o fundo naval estava reunido, uns 15, vinte diasdepois. Mas a Marinha fazia o seguinte... Eu não sei quando começou isso. Mas aMarinha mandava o intendente comprar os dólares necessários para fazer o pagamentodos navios nas casas de câmbio. Uma operação completamente... eu nunca tinha visto,não sabia. O que eu sei é que há as dotações, orçamentárias, então há um órgão noMinistério da Fazenda para converter aquelas dotações em dólares e havia a delegaciado Tesouro etc., que fazia as dotações em dólares para pagar isso. E eu estranhei aquilo.

I.F. - Mas era feito pelo câmbio negro, em casa de câmbio?

A.A. - É. Compravam no câmbio negro: na época compravam o dólar a quatrocentoscruzeiros e, pela dotação orçamentária, a conversibilidade era de cem cruzeiros pordólar.

P.R. - Era o dólar oficial

A.A. - Pelo câmbio oficial, que era o que o governo fazia para todos os ministérios.Então nós retirávamos a dotação em cruzeiros do fundo naval, para pagar as prestaçõesdesses navios, mandando comprar os dólares na casa de câmbio.

I.F. - E pagando quatro vezes mais caro.

A.A. - Pagando quatro vezes mais caro. A senhora está entendendo; como o secretáriogeral não entendia, eu não sei. Então eu disse: "Mas é um absurdo isso, como vamosfazer isso?" "Não, mas é assim que se faz." Eu digo: "Mas não poso aceitar isso. Então,se não há outro recurso, então vou converter uma grande parte do fundo naval em dólar.Porque a tendência do dólar é subir. Eu pago o dólar hoje a quatrocentos cruzeiros;amanhã vou pagar a 450, a seiscentos e por aí vai." Aí o secretário me perguntou, medisse: "Ah, mas e se o dólar baixar?" Eu disse: "Bom, eu não vou a esse otimismo. Arealidade que eu tenho visto desde que nasci é dólar subir. Mas se o dólar baixar, todo oBrasil vai lucrar. Porque a verba de combustível que nós temos, que paga em dólar, tudoisso, nós vamos recuperar isso. Mas nós não vamos pagar isso como estamos devendo.Vamos chamar o diretor da Ishikawajima, o responsável, aqui, dizendo que nós vamospedir uma prorrogação do pagamento dessa prestação, que nós vamos contabilizar osjuros pelo atraso, mas nós vamos tentar obter os dólares pelo Ministério da Fazenda."

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Eu fiz uma exposição de motivos ao Valter Moreira Sales. Durou uma semana; em umasemana ele botou a verba do pagamento à disposição da Marinha na delegacia doTesouro, e eu passei a economizar trezentos cruzeiros em cada...

I.F. - Eu nunca tinha ouvido falar nisso! Que poderia fazer isso: um órgão...

A.A. - Oficial.

I.F. - ... como o Ministério da Marinha, oficial, comprando dólar no câmbio negro.

A.A. - Fizemos o que nós ali fazemos para fazer turismo, para não sei o quê, no paralelo- praticamente era o paralelo. Mas fazíamos isso. De modo que eu achei interessantemencionar esse fato, essas irregularidades que eu encontrei...

V.A. - Por que o senhor acha que havia essa prática?

A.A. - Havia essa prática acho que por timidez. Timidez, ignorância, não sei bem o queera. Mas eu sei que essa prática talvez houvesse surgido pelo seguinte: porque quando oalmirante Guillobel encomendou os navios transporte de tropa... Ele encomendou erecebeu a oferta e fechou contrato - depois de examinado pela engenharia... Os naviosforam oferecidos a quarenta mil cruzeiros por navio, por unidade, mas o pagamentofeito em cruzeiros - não havia a palavra dólar. O pagamento era feito em cruzeiros;quarenta mil cruzeiros em várias prestações. Então não havia o que comprar de dólar. Oque saía do fundo naval era cruzeiro. Então era perfeitamente pagável, como umacompra feita no Brasil.

I.F. - É lógico.

A.A. - Então esses navios foram sendo... Daí, possivelmente, surgiu a idéia, a idéiamaravilhosa, de evitar complicações, burocracia, de pedir verba ao Ministério daFazenda, qualquer coisa assim, e continuar fazendo... comprar os dólares em cruzeirosna casa de câmbio. Eu nunca entendi isso. Mas eu estranhei e recusei isso e obtiveprontamente do Ministério da Fazenda... O nosso relacionamento - como devia ser dosgovernos anteriores - tinha que ser um relacionamento... Tinha que ser perfeitamente emcompartimentos vaso-comunicantes, não estanques, não é? Cada ministério não éindependente, cada ministério tem ligação com os outros. E eu tive sempre muitaligação com o Ministério da Fazenda, como tinha com o Ministério do Exterior... Osministérios que estavam ligados a mim de coisas mais importantes, eu tive sempreperfeita permeabilidade. E com os demais, também. Mas eu não entendi, fiquei perplexoquando vi essa situação. Mas enfim, eu consegui contornar e passei a pagar e a reduzir adespesa da Marinha no pagamento dessas prestações. Um outro caso muito interessante que aconteceu foi o seguinte: eu estava no Estado-Maior, a Marinha americana ofereceu à Marinha brasileira a venda de 15 rebocadores deestuário, sendo oito novos, a cinco mil dólares cada um. Ofereceu mais um navio-oficina para ser entregue à Marinha e mais um dique flutuante de cinco mil toneladas,com alojamento para a guarnição e uma oficina também ligada ao dique, tudo isso,desde que nós pagássemos duzentos mil dólares para o transporte dos navio para cá.Quer dizer: era dado, a despesa era toda com transporte etc. Isso veio, nós remetemos aexposição e a oferta ao ministro da Marinha, que era o meu colega Heck, mas tinha umprazo: era até agosto. Vencido esse prazo, o governo americano - que era a Pan-

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American Division que cuidava disso... Então eles ofereciam a outras nações. E o tempoestava passando e o Ministério da Marinha não se manifestou. E eu, em cólicas, vendoaquilo, aquele presente maravilhoso, e a Marinha rejeitando aquilo sem se manifestar. Acontece que no dia oito eu assumi o Ministério - oito de setembro. Já tinha passado oprazo. Eu cheguei em Brasília, assumi o Ministério, quando cheguei no aeroporto, eufalei com meu chefe, com o chefe do Estado-Maior, que era o almirante Rongel, e dissea ele: "O senhor telefona para o nosso adido naval, que há essa oferta, e diz a ele para irdiretamente ao Pentágono para dizer que a Marinha aceita a oferta deles." Era ocomandante Beirute, Hilton Beirute - o Jânio Quadros tinha cortado vários adidosnavais e tinha cortado também a lotação, o posto de oficial-general, que eraanteriormente adido naval em Washington - que era muito necessário esse posto -, etinha transformado para capitão-de-mar-e-guerra para economizar os alfinetes. Então eletelefonou. No dia seguinte então o comandante Beirute respondeu que lá a Pan-American Division tinha dito que os rebocadores nós já tínhamos perdido - o prazo játinha decorrido. Mas ainda restava o navio-oficina e o dique flutuante. Eu não tinha os duzentos mil dólares. Mas eu joguei, porque achava que eu iaconseguir, como consegui. Achava que ia conseguir. Então os duzentos mil dólaresseriam para as despesas de transporte do navio, tudo o que fosse para os navios virem,como vieram. E aqui foram reativados e estão prestando relevantes serviços até hoje.Porque nós já não tínhamos mais um navio-oficina. O Belmonte, o tender Belmonte játinha sido desativado, não prestava mais. Nós não tínhamos um navio-oficina paraacompanhar a esquadra. E esse navio veio - que eu botei o nome também de Belmonte -e está prestando relevantes serviços - quando a esquadra sai, ele sai com a esquadra. E a engenharia naval, quando o navio chegou, foi examinar o navio-oficina: só dematerial sobressalente, o navio trouxe nos paióis mais de um milhão de dólares. O diqueflutuante já ganhou rios de dinheiro porque ele não só doca os navios da Marinhabrasileira como doca para o meio particular e as docagens são geralmente muito caras.De modo que, quando os diques estão ociosos, as docagens são feitas e o Arsenalrecebe... É o que se chama renda... Tem um nome especial, renda particular, uma coisaqualquer assim.

V.A. - Agora, ministro, essa quantia de duzentos mil dólares não era para o transportedos rebocadores também?

A.A. - Não, não. Para o transporte...

V.A. - Do navio e do dique.

A.A. - Dos navios, preparo dos navios para virem, porque é um transporte de reboquemuito caro. Os rebocadores poderiam vir escoltados por seus próprios meios, desde quedevidamente protegidos. Mas os rebocadores foram vendidos, oito eram novos emfolha. Eu não queria os rebocadores para a Marinha só. Eu queria ficar com osrebocadores... Porque cinco mil dólares era preço de automóvel nos Estados Unidos. Euqueria os rebocadores... Uma parte era para eu ceder para o Ministério da Viação eObras Públicas, que naquela época existia. Porque vários portos brasileiros não tinhamrebocadores para manobra de navio. E não tinham porque não tinha dinheiro paracomprar, porque os navios são caros. Então eu ia pegar esses rebocadores, uma parteficaria para a Marinha, e outra parte eu ofereceria ao Ministério da Viação e ObrasPúblicas, para utilizar e lotar esses portos aí carentes de rebocadores para manobra de

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navio, evitando batidas e mantendo a segurança e... Até para salvamento no mar, tudoisso.

V.A. - E por que na gestão do Sílvio Heck não foi decidido isso?

A.A. - Eu não sei e fico admirado que isso tenha passado assim. Porque eu senti foi umdesinteresse ou um descuido, pelo menos, muito grande, ou uma avaliaçãocompletamente errada do valor daquilo. Ou se apavoraram com duzentos mil dólares.Eu sempre pensei como o almirante Guillobel: a gente quando administra não podepensar em termos da economia própria, não é? Para nós, duzentos dólares é muita coisa,duzentos mil é uma fortuna. Mas para o governo, para a administração, é uma coisa queé uma gota d'água no oceano, no meio desses bilhões etc., que nós temos.

I.F. - E esses duzentos mil dólares o senhor conseguiu através do Valter Moreira Sales?

A.A. - Eu não consegui através do Valter Moreira Sales, porque aconteceu uma coisacuriosa. O Estado-Maior tinha considerado o navio-escola Guanabara ocioso. Porque onavio à vela era altamente dispencioso - há divergências nesse julgamento -, eraaltamente dispendioso e só era utilizado praticamente uma ou duas vezes durante o ano.E a despesa com a manutenção da guarnição permanente ali, treinada etc., a despesacom a manutenção dos panos todos, das velas para aquele navio... Todo aquelematerial... poliame , massame, tudo aquilo... Então não compensava a existênciadaquele navio, quando nós tínhamos até um navio-escola.

V.A. - Como é ? Poliame?

A.A. - É parte de cabos e aquela...

[FINAL DA FITA 33-B]

A.A. - Cabos e aquelas roldanas para reduzir esforço, que a gente vê umas peçasredondas...

I.F. - Sei. Isso se chama massame?

A.A. - Massame também.

A.A. - Mas então o Estado-Maior, através dos seu estudos, achou que não valia a penanós termos esse navio. E o governo português estava interessado na aquisição de umnavio à vela para servir de navio-escola. porque eles sempre mantiveram um navio àvela. E se candidataram, se ofereceram para comprar o navio. E como era o governoportuguês, o governo brasileiro ofereceu o navio, cobrou um preço muito barato emrelação ao preço do navio, e eram justamente os duzentos mil dólares.

I.F. - E o senhor então aplicou no transporte...

A.A. - Então quando chegou esse dinheiro que veio do céu... Eu digo que paraadministrar a gente precisa ter sorte. Mas eu, de qualquer jeito, conseguiria, com o

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Válter eu conseguiria o depósito lá etc. E depois nós já estamos acostumados a deveraos americanos...

I.F. - Mais um pouquinho não faz diferença.

A.A. - Não ia ser por levar mais dois meses para pagar que o americano ia cortarrelações conosco, ou a gente pedir moratória, não é? [risos] De modo que eu consegui,graças a Deus, e os navios estão aí, estão prestando relevantes serviços. E eu acho quesó porque eu fui ministro da Marinha, porque quando vim de Brasília, eu vinha com acabeça, com o pensamento nessa oferta. E no próprio aeroporto eu pedi ao almiranteRongel para telefonar imediatamente e dizer que nós... Porque eu sabia que o tempoestava esgotado. Mas ainda salvamos os dois, que era o mais importante para nós.6

Os submarinos, por exemplo. Nós estávamos carentes de submarinos, estávamospraticamente sem submarinos, e eu consegui então pedir ao governo americano que nosemprestasse, por arrendamento etc., um grupo de submarinos que eles nos forneceram. aparte de contratorpedeiros não foi possível porque eles não puderam nos ceder.

I.F. - Quantos submarinos o senhor conseguiu?

A.A. - Parece que vieram quatro.

I.F. - E submarinos modernos, ou como eram?

A.A. - Não; modernos, não. Submarinos já usados por eles, remodelados etc., que elesjá estavam para encostar, mas que para nós serviam, prestavam ainda serviços. Porqueeles não têm material... A política americana, como política de um país com oscompromissos que tem, de um país que tem recursos para isso... Não digo que seja rico.Os americanos, todo mundo acha que todo americano é rico. Não, eles têm os recursos,mas não esbanjam nem são milionários. Mas eles têm os recursos necessários paramanter uma esquadra pronta para a guerra. Eles não tem navio que esteja suscetível deencostar, que tenha que encostar, que esteja fazendo figura só. O navio chega a umdeterminado número de anos, de desgaste, eles acham que aquele navio não serve maise eles afastam e desfazem-se dos navios. Há coisa de uns dois anos eu estava vendo oprimeiro submarino atômico Nautilus, com vinte anos de serviço, estava em perfeitaforma, foi desativado. Porque eles já tinham submarinos atômicos...

I.F. - Muito mais modernos.

A.A. - Muito mais modernos. Aquele já estava praticamente... Embora estivesse emcondições operativas muito boas, já estava obsoleto. Então não interessa a eles ter essesnavios. Eles renovam o material de acordo com o programa que eles têm para atender aeventualidade, a iminência de uma guerra. Nós, não; nós consideramos a guerra umacoisa ainda remota, e podemos esperar mais um pouco e por aí vai. Mas nós não temos aresponsabilidade deles. A nossa responsabilidade é da salvaguarda, da segurança dacosta do país no Atlântico Sul- os tratados que nós temos. Mas, de qualquer jeito, aindaque seja precário, nós fazemos o que podemos. Mas o nosso compromisso, como o daArgentina etc., é de manter a inviolabilidade dessa área.

I.F. - E que tipo de submarinos eram esses? Não era atômico. 6 O entrevistado consulta suas anotações

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A.A. - Não, não. Atômicos nós nunca tivemos. Agora, é que estamos falando em naviosatômicos. É o que nós chamamos de submarinos convencionais. São submarinos comSchnorkel.

V.A. - O que é isso?

A.A. - É um dispositivo bolado pelos alemães. Porque os submarinos, quando estão emimersão, eles consomem muito oxigênio, porque viram os motores elétricos, que nãoprecisam de oxigênio para a combustão. E essa imersão, quando eles estão debaixod'água, o navio traz uma sériede ampolas de oxigênio, que é para oxigenar o ar para a guarnição poder sobreviver e osalemães bolaram o seguinte: bolaram uma tubulação... O submarino fica abaixo d'água,mas aquela tubulação vai à superfície d'água e flutua, e ali aspira o ar que vem paraoxigenar os compartimentos do submarino. Evidentemente é a uma determinadaprofundidade. E com isso eles conseguem andar com limitações, mas sem seremvisíveis, sem serem detectados pelo radar, eles conseguem navegar as escondidas,digamos assim, com esse Schnorkel - também não sei como é que se escreve; eu seipronunciar. [riso] Mas foi de grande utilidade na guerra esse dispositivo. E essessubmarinos convencionais têm esse aparelho. Porque isso evita o consumo de oxigênioquando eles têm que fazer grandes imersões para fazer a caça de um alvo, de uma coisaqualquer. Aí então eles submergem a uma profundidade mais aguda etc. Masnormalmente, quando eles querem navegar às escondidas, eles andam com o Schnorkelfuncionando e assim economizam o ar. E eu não sei - eu não sou submarinista -, masparece que a respiração, mesmo com as ampolas de oxigênio, não é saudável. Ela pareceque até provoca sonolência nos homens etc. Ao passo que essa aspiração direta, é muitomais saudável. E, com isso, eles conseguem fazer as suas singraduras a salvo dessedesgaste. Porque na América do Norte submarino não anda na superfície de um modogeral.

I.F. - Sempre submerso.

A.A. - Eu tive colegas submarinistas que foram fazer curso lá. Eles saem de um portopara o outro, eles vão para baixo d'água e vão embora. Eles têm um treinamentopermanente de eventualidade de guerra, de guerra eminente. Eles estão, depois de PearlHarbour...

I.F. - Estão sempre prontos.

A.A. - Estão sempre prontos. Eu estive nos Estados Unidos e vi justamente que elesaprenderam com Pearl Harbour. Eles estão sempre prontos para a guerra.7

Agora, uma coisa importante também foi o seguinte: nós estávamos sem navio...Chamamos de navio-tanque - o navio transporte de óleo. E eu queria construir o navio-transporte de óleo aqui no Brasil. E eu já tinha conseguido uma verba para atender àencomenda. Abri a concorrência; quem venceu a concorrência foi a Ishikawajima. Erapara fazer um navio-transporte de óleo que atendesse às necessidades da Marinhabrasileira. E não assinei a concorrência, embora eu tivesse os elementos para pagar,tivesse tudo direitinho... A minha escrita era de dona de casa, de dono de armazém: eutinha tudo muito arrumadinho, embora eu seja um relaxado na minha vida particular. 7 O entrevistado consulta suas anotações.

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[risos] Mas eu não quis assinar, porque a concorrência tinha chegado praticamente nofim da minha administração. E eu, por uma, vamos dizer, preocupação muito grandecom a minha pessoa, não quis assinar a concorrência. Porque podia amanhã parecer queeu tinha sido desonesto, que eu tinha assinado a concorrência no apagar das luzes, parareceber aquele navio, para entrar numa porcentagem qualquer, numa gorjeta qualquer.Porque todo homem público geralmente fica com fama de ladrão. [risos] E eu não quis;deixei para quem me sucedesse, para assinar a concorrência. Bom, qual foi a minhasurpresa quando a concorrência foi anulada, não se construiu nem esse, nem nenhum. Averba que tinha não sei que fim levou. Eu sei que o meu sucessor não botou no bolso.Mas, enfim, o dinheiro foi malbaratado em outras coisas. Mas o navio... A finalidade desses fundos era para construir esse navio e não foiempregado nisso. E nós não tivemos construído o navio com uma série de prejuízos.Primeiro, de preço, de custo: o navio ficou muito mais caro. Segundo, que, se o naviotivesse ficado pronto logo, esse navio ia ser utilizado fazendo transportes também...Quando não fosse utilizado na Marinha, faria o transporte de petróleo etc. para aPetrobrás. E nós ganharíamos o frete, que pagaria uma parte do navio. Perdemos essetempo todo. Só quem foi cogitar da construção do navio-tanque, já foi - duasadministrações posteriores, ou três -, foi quando o almirante Bosísio assumiu oMinistério. E aí ele cometeu um erro muito grande - não sei, acho eu o erro. Ele, em vezde procurar fazer com todos os elementos obtidos mesmo aqui, ele resolveu ir pedirtroço aos Estados Unidos. Os Estados Unidos sempre fritaram bolinhos conosco,deixam cozinhar em banho-maria, por aí vai. E o tempo que ele perdeu para angariarcertos elementos, uma meia dúzia de elementos nos Estados Unidos, fez com que aIshikawajima... O cronograma de construção do navio era de oito meses; o navio levoumais de dois anos, parece, para ser construído. Com isso, a mão-de-obra aqui encareceu,tudo isso. O preço do navio foi muito maior talvez do que a economia que se fezrecebendo o material pequeno dos Estados Unidos. Mas, de qualquer forma, a idéia donavio-tanque, a concorrência, quem abriu e tinha recursos... eu tive a satisfação de fazerisso. Não assinei por cuidado...

I.F. - E arrependeu-se por esse cuidado...

A.A. - Me arrependi porque eu, pela Marinha, faria tudo. Mas eu achei que o outropodia assinar, tudo isso, não havia prejuízo. Teria a satisfação de assinar o contrato e eunão ficaria com a posição de suspeição de ter assinado um contrato para me beneficiarde alguma remuneração imoral etc. Mas, de qualquer forma...8

Outro problema importante também foi o problema da aviação embarcada. Eu fiz...com o dr. Tancredo, procurei compatibilizar as aspirações da Marinha com aAeronáutica etc., não consegui. Então aí eu decidi fazer a aquisição dos aviões para onavio que já estava há dois anos aqui e não tinha os aviões. Então eram os T-28 comgancho para fazer treinamento das guarnições etc. Então eu, no peito e na raça, mandeicomprar os aviões nos Estados Unidos. Teve um problemazinho, que o meu colegaRademaker errou. Porque nós tínhamos dificuldades de adquirir os aviões nos EstadosUnidos por causa da intervenção da Aeronáutica. Mas o Rademaker que era, que eubotei... Ele era o maior entusiasta, um dos grandes entusiastas do negócio da aviaçãoembarcada, um dos batalhadores. Eu botei na direção da Diretoria da Aeronáutica. E elevai para o Renato Archer, que era subsecretário do Ministério da...

I.F. - Relações Exteriores. 8 O entrevistado consulta suas anotações.

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A.A. - Ministério do Exterior, e, em vez de dizer ao Renato para autorizar o nossoembaixador, que era o Roberto Campos, autorizar a vinda dos aviões, ele para oRenato... Era um colega de Marinha! Ele diz para o Renato que era para autorizar avinda de sobressalentes.

I.F. - Ah, o senhor nos contou isso. Deu uma confusão danada.

A.A. - O Renato, quando é depois...

I.F. - Que abrem as caixas e descobrem que não era sobressalente.

A.A. - Vem a questão então que eu já contei... O Peralta, que era da Aeronáutica... Eraum verdadeiro peralta mesmo. [risos] Chegou e denunciou a coisa e deu aquelatrapalhada toda que eu já contei e que acabei então a duras penas conseguindo botar osaviões aqui. Mas essa compra de aviões também foi feita por mim e, como eu já disse, oproblema da aviação embarcada... Eu disse e repito: nós não tivemos o problema daaviação embarcada resolvido por nossa culpa. Porque se a Marinha tivesse uma outraforma de ver as coisas, nós teríamos conseguido. Porque o navio teria vindo com osaviões - como eu contei aqui -, já os aviões no convés.

I.F. - No convés e não tem mais jeito.

A.A. - Deixa eu ver aqui se me ocorre mais alguma coisa.9 Ah: construção de São Pedroda Aldeia, também.

I.F. - Ah, foi o senhor que fez?

A.A. - Não, já estava iniciado. E eu dei todas as verba que eles necessitavam durante operíodo em que eu fui ministro para a continuação do programa de São Pedro da Aldeia.

I.F. - Ali é uma base grande, não é?

A.A. - É uma base grande, e o local... Embora nós não fôssemos assim tão ligados àAeronáutica, o local é ótimo por questões de tempo. E uma porção de ocasiões em queaqui está tudo obscuro, com cerração etc., lá geralmente está limpo. Ficou um lugar derecurso até para pouso em caso de dificuldade de pousar aqui etc.

I.F. - É base aero-naval, não é?

A.A. - É base aero-naval de São Pedro da Aldeia. Agora uma outra coisa interessante eimportante foi a remodelação do almirante Saldanha. Já tinha chegado...

I.F. - Do navio-escola, não é?

A.A. - Do navio-escola. Já se tinha chegado à conclusão que o navio-escola nãocomportava mais os aspirantes, os guarda-marinhas etc., porque tinha uma lotação parasetenta aspirantes. Então não cabia mais ser utilizado como navio-escola. Então a idéia

9 O entrevistado consulta suas anotações.

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de adaptar o navio para navio oceanográfico. Aí é que entra, vamos dizer assim, omérito do Paulo Moreira. Não sei se ouviu falar no Paulo Moreira.

I.F. - Sei.

A.A. - Então o Paulo Moreira era o comandante do navio. E nós conseguimos umacordo com a UNESCO. A UNESCO nos daria uma série de elementos necessários paraque o navio atuasse como navio oceanográfico- esses elementos de prospecção, detécnica, de análise de água, tudo isso, de pesquisa -, nos fornecia isso gratuitamente. Enós daríamos o navio. Então o Paulo Moreira estava já no comando do navio e ia seriniciada a reconstrução do navio. Aí queriam... Estava na época, porque os comandos são contados... Geralmente ocomandante do navio fica um ano, depois tem que mandar embora, vem outro etc. E eudisse que o Paulo Moreira não saia do navio. Porque quem entendia daquilo era ele, amãe daquele projeto todo era ele, e quem tinha credenciais e conhecimentos para levaraquilo a cabo era ele. E ele ficou dois ou três anos no comando do navio, até o navioficar completamente pronto e operar como está operando hoje como naviooceanográfico.

I.F. - Ele opera lá no porto do Rio Grande?

A.A. - Em toda a costa do Brasil.

I.F. - Porque lá na cidade do Rio Grande tem uma universidade de oceanografia daMarinha muito boa, não é?

A.A. - Eu não sabia, ignorava isso. Eu sei dessa parte aqui em Cabo Frio.

I.F. - A Álcalis, também.

A.A. - Lá também tem. Mas o Paulo Moreira é o grande idealizador dessa coisa toda.Ele é um profundo estudioso desses assuntos e de sacrificar o próprio conforto. Porqueele foi estudar na França etc. por conta própria. Ele pediu licença da Marinha e foirecebendo os proventos dele em cruzeiros etc., com grande sacrifício, para seespecializar e estudar na França.

I.F. - Oceanografia.

A.A. - Oceanografia.

A.A. - Era um homem de grande, grande...

I.F. - Foi ele que imaginou esse estudo grande aqui perto de Álcalis, aqui em Cabo Frio,não é?

A.A. - Tudo isso. É, tudo isso é dele, toda essa parte é dele. Estudos do mar, auniversidade, tudo isso é bolação dele. Eu tenho uma admiração muito grande. E acheicurioso, até me emocionou muito, porque eu já tinha deixado o Ministério e, quando éum belo dia, eu recebo uma carta dele muito atenciosa, me considerando como um dosgrandes cooperadores para o êxito da questão do navio hidrográfico...

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I.F. - Oceanográfico.

A.A. - Oceanográfico. Então me mandando um prato da primeira louça do AlmiranteSaldanha, que eu tenho lá em casa como lembrança. A primeira louça do navio, quandoo navio foi construído, que recebeu da Inglaterra, um prato do navio, do Saldanha, queele mandou como lembrança, com uma carta muito bonita etc. E enaltecendo a minhaajuda a esse problema do navio, do navio oceanográfico. A transferência da administração naval para Brasília: nós estávamos em Brasília,quando uma ocasião, o presidente João Goulart manifestou o desejo, e instruiu osministérios, de enfatizarem a transferência de todos os órgãos, a mudança para Brasília.Porque nós vivíamos na ponte aérea: uma parte aqui, outra lá, e lá tinha só o gabinete doministro e muito pouca coisa. E aí então eu tive que fazer um contato com a CaixaEconômica, porque eu tinha pressa. E ia pela engenharia naval...Isso demandava, nósnão tínhamos infra-estrutura para isso. E a Caixa Econômica já estava acostumada comesse problema todo de construções civis, já tinha feito construções civis em quantidadepara Brasília, tudo isso. E então eu tinha que fazer os prédios todos para colocar opessoal. Porque eu tinha que dar os recursos para o pessoal poder ser transferido para lá.Então o projeto já estava pronto de quantos blocos de apartamentos nós precisávamos,quantas casas, tudo isso. Então eu consegui com a Caixa Econômica um plano muitointeressante. Porque isso tudo ia custar... A gente fala no passado sem saber acorrespondência do presente. Isso tudo custaria à Marinha brasileira oitocentos milcruzeiros! Oitocentos mil cruzeiros é quase que uma passagem de ônibus hoje, noscruzeiros antigos. [risos] Então isso tudo me custaria oitocentos mil cruzeiros, pagáveisem cem mil cruzeiros por ano.

I.F. - Por ano?

A.A. - É, por ano. E eu tinha que...

I.F. - Sem juros, sem nada?

A.A. - Sem juros. Não havia juros nem correção monetária. Eu teria que dar um sinal deduzentos mil cruzeiros para iniciar...

I.F. - A construção.

A.A. - A construção etc. Ela cobrava de todo mundo... Todo mundo que tinhafinanciamento tinha que pagar 20%, não sei quanto. Daria duzentos mil cruzeiros. Essesduzentos mil cruzeiros seriam contabilizados no correr do tempo que ela levaria para aconstrução. No fim, ela contabilizava isso e devolvia fazendo abatimento no preço dasobras. E assim foi feito. Me deu os melhores terrenos que havia em Brasília porqueestava tudo entregue a ela, para fazer os quatro blocos de apartamentos e ainda umasérie de casas para residência de oficiais-generais, tudo isso. Então eu fechei o contrato,e rapidamente - porque eles têm uma infra-estrutura tremenda para construção -,imediatamente isso passou a ser construído.

I.F. - E essas negociações eram feitas entre o senhor, Ministro da Marinha e o presidenteda Caixa Econômica?

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A.A. - Era direto. Eu tinha autonomia para fazer isso. Como podia ter entregue àengenharia naval, para fazer, para projetar. E isso ia levar um tempo enorme a nossaengenharia não está preparada para isso. E eu, então, corri várias construções emBrasília e pedi então para verificar as especificações daqueles prédios todos queestavam construídos. E não me lembro o nome do construtor cujas especificações, cujasconstruções eu vi prontas e sendo usadas, que me pareceram as mais perfeitas. Comconversa com os engenheiros navais etc., chegamos à conclusão que as especificaçõesdeviam ser daquele tipo de construção civil - era do Graça Cortes.

I.F. - Ah, Graça Cortes.

A.A. - Graça Cortes. E assim foram feitas as construções. Para encarregado dafiscalização de tudo isso eu botei um oficial-de-gabinete meu de grande valor, que era oJonas. O Jonas foi escalado para isso e era um oficial de valor muito grande ecomprovou, porque ele se manteve no Lóide durante, parece, 14 ou 15 anos depois, jáno governo do Geisel, do Médici etc. E saiu foi agora com esse movimento. JonasCorreia da Costa. Ele é que era encarregado de fiscalizar a execução disso e as obrascorriam rapidamente. Quando eu passei, estavam todas em pleno andamento, comprédios já que em vias de inauguração e já estava em condições de poder receber oprimeiro escalão da Marinha, com funcionários, com tudo isso. Ah, outra coisa: construção de reparos na base de Aratu. Isso também fazia parte domeu programa. Porque o regime parlamentarista estabelece um programa deadministração. E eu tinha visto que tudo o que a Marinha tinha projetado e programadono tempo do almirante Guillobel, praticamente tudo tinha sido paralisado. Porque tinhasido feito pelo almirante Guillobel na era Getúlio Vargas. O Renato Archer me contouaté uma ocasião uma declaração do Amorim do Vale: "Se é coisa do Renato Archer, nãocontinua10."

I.F. - Do Getúlio?

A.A. - Não, do Renato. O Renato Archer foi conversar com o Amorim do Vale, oAmorim do Vale, que era o ministro, disse: "Coisas do Renato Guillobel eu nãocontinuo." Era assim. Quer dizer, um regime de prevenção e não de continuidade.Estava tudo parado. E essa base de Aratu era importantíssima para nós. E eu então fuivisitar - as visitas que eu fiz, examinei as bases... A base de Aratu. E resolvi darcontinuidade e comecei a dar as verbas, tudo isso. O governador era o Juraci Magalhães,estive no palácio conversando com ele. Fizemos um tratado, negócio de fornecimentode água - a água que seria comum à cidade e a Aratu também. E a base, foi continuandoa sua construção, e depois não houve mais interrupção. E hoje está funcionandoperfeitamente. E fiz um convênio também com a Petrobrás.

I.F. - Que é lá também...

A.A. - E ela me ajudar numa série de coisas para eu dar assistência aos navios daPetrobrás na base de Aratu. Houve umas alterações pequenas, depois de proclamado, naquestão do comprimento do cais. Parece que foi aumentado, que era de quinhentosmetros, passou a ser mais um pouco, e a profundidade também do cais. Mas agora estáfuncionando, está perfeitamente em condições e está prestando grandes serviços. Mas

10 Refere-se a Renato Guillobel, como foi retificado logo a seguir.

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quem recomeçou fui eu, e dando os recursos necessários para a continuidade dentro daminha administração.Ah, outra coisa: o Centro de Adestramento Almirante Marques Leão. Esse Centro deAdestramento tem ligações comigo durante o tempo em que eu era um dos chefes doEstado-Maior. O material para melhoramento do centro de instrução - o material desimulador de ataques, tudo isso -, esse material todo era fornecido pelos EstadosUnidos. E os americanos já nos conheciam mais do que nós a nós mesmos, e havia doisoficiais encarregados disso, que estavam no Centro de Instrução Almirante MarquesLeão: eram o Borba e o Saerp - dois oficiais de grande valor e altamente entusiasmadoscom isso. Os dois estavam interessados também diretamente nisso. Mas foramconversar lá na missão americana, e o americano disse: "Olha aqui, nós temos essematerial para você. Mas a Marinha brasileira pede o material e fica tudo encaixotado, aíninguém resolve nada. Pede material, mas não prepara infra-estrutura para utilização domaterial. De modo que eu..." Eu não me recordo qual foi o capitão-de-mar-e-guerra quedisse. "Eu só estou pronto a atender - falando francamente - a essa aspiração daMarinha, se antes informarem aqui amissão que já têm o local, já têm as condições todas para utilizar esse material."

V.A. - Que material era esse?

A.A. - Era material de simulação de ataque, material especializado em tática anti-submarina, de movimento, manobra de navios, tudo isso. Em vez de fazer com osnavios em andamento... Hoje tem uma porção de brinquedos aí, de simulados. E era ummaterial assim mais especializado. Inclusive, havia uma parte do material que eles nãotinham, porque eles não são completamente auto-suficientes. Quando eles acham quenão é econômico produzir, eles compram no estrangeiro. Então tinha uma parte domaterial que seria encomendado da Inglaterra. E aí eles me vieram falar. Eu estava no Estado-Maior, era subchefe. E a situação eradifícil. Então eu fui com eles procurar no Arsenal de Marinha, conseguir uma área quefosse aproveitada para instalar lá o Centro de Instrução Almirante Marques Leão. Econseguimos um edifício que estava...

[FINAL DA FITA 34-A]

A.A. - ... um edifício que estava... Podia ser considerado ocioso mediante o atendimentode umas mudanças lá etc. Então conseguimos o edifício. Conseguido o edifício, não foidifícil conseguir...

I.F. - O material.

A.A. - ... que o americano providenciasse a oferta do material. Mas essa oferta dematerial também implicava numa necessidade de verba para a instalação, e isso nãoestava previsto - até aí o americano não foi. Bom, e aí, então, dá-se o fato seguinte: eu...

[INTERRUPÇÃO DE FITA]

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A.A. - Mas, então, no Arsenal de Marinha conseguimos o edifício para podermos dizeraos americanos que nós já tínhamos o local para fazer as instalações do Centro deInstrução Almirante Marques Leão. Bom. E o tempo está correndo, o material começoua chegar e, neste ínterim, veio a questão de eu ir parar no Ministério da Marinha, de euser ministro da Marinha. De modo que eu tinha sido o fiador inicial... Felizmente euassumi, senão a gente ia ficar com uma cara de pau... [risos] E aí então, o Borba veio com o projeto da instalação do material, projeto que importavaem orçamento das companhias, do que ele precisava: ar condicionado, uma série deinstalações. E então com um projeto que custava 43.000...cruzeiros - eu já estouacostumado a falar "cruzados": 43.000 cruzados... 43.000 cruzeiros, o que é hoje, não é?

I.F. - É.

A.A. - Mas então eu dei a dotação de 43.000 cruzeiros para eles fazerem as obras todas.Ficaram entusiasmadíssimos e começaram a tocar o negócio para diante. Essa dotação vinha da Secretaria de Marinha e o curioso foi o seguinte - asmesquinharias... Eu chamo de mesquinharias porque foi o que me pareceu, pode ser quenão tenha sido. Mas essa dotação foi feita por mim; eu deixei o Ministério, asconstruções estavam sendo feitas, então... Aquilo em duodécimos, ou coisa que o valha,ia sendo dado para pagar o material. Mas quando eu deixei o Ministério, houve a crisena Marinha da devolução da Ordem do Mérito Naval. Porque o ministro da Marinha,que era o Suzano, condecorou o Brizola com o Mérito Naval. Aí explodiu a coisa,porque o Bierrenbach, que era capitão-de-mar-e-guerra, fez um expediente restituindo aOrdem de Mérito Naval ao ministro da Marinha, por considerar a Ordem do MéritoNaval completamente desmoralizada com o condecoração que foi dada ao Brizola e poraí vai. E outros oficiais fizeram a mesma coisa. Inclusive o Borba, que estava naconstrução da base Almirante Marques Leão. Isso é que ele me contou depois - o Borbame contou. Disse: "Almirante, o senhor não imagina!" "O que foi?" "Começaram aprender as verbas. O ministro da Marinha, almirante Suzano, começou a prender asverbas, não queria me pagar, porque eu tinha restituído a Ordem do Mérito Naval."Mas, de qualquer forma, a coisa já estava muito adiantada e conseguiu-se realizar aobra, e nós não caímos no conceito dos americanos porque o Centro de Instrução estáfuncionando. E era um centro de instrução que funcionava com... Havia umcompromisso também de nós facilitarmos a realização de cursos de outras Marinhas daAmérica do Sul - veja a grandiosidade dessa instalação.

I.F. - Convênios com as outras Marinhas.

A.A. - Um convênio com as outras Marinhas, porque os americanos... não era só para oBrasil.

I.F. - E chegaram a participar?

A.A. - Chegaram; tem vindo oficiais participar desses treinamentos aqui. Tem outro ponto que eu já focalizei: o fornecimento de óleo diretamente pelaPetrobrás.

I.F. - É11.

11 O entrevistado consulta suas anotações.

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A.A. - Alienação de material, também cuidei, porque tinha uma série de coisas queestavam demoradas para serem... Eram inscrevíeis, tinha que se desfazer daquilo, eficava aí sendo postergado para outro tempo e ocupando espaço etc. Consegui darandamento nisso.12

Também a parte de Diretoria de Portos e Costas: as capitanias estavam completamentedesaparelhadas. Porque capitão do porto tem que ter condição [inaudível] não é?, Entãouma série de capitanias não tinha as embarcações para prestar vigilância. É como apolícia aqui, que não tem carro. É um negócio assim: incumbido de vigiar, de fiscalizar,de multar o que não tinha. Então eu fiz um projeto e mandei estabelecer uma série detipo-padrão de embarcações, para a Diretoria de Portos e Costas entregar às capitanias edotar todas as capitanias com essas embarcações, e tinha dotação para, justamente aconstrução dessas embarcações para não dizer que não podia fazer porque não tinhamaterial.13

Cursos no estrangeiro. É uma outra coisa também muito séria. Nós pagávamos osoficiais e mandávamos fazer curso no estrangeiro. Muito bem. O que é natural, o que éintuitivo, é que o oficial vá fazer um curso e venha aplicá-lo quando chega aqui no Rio.Não: o oficial ia fazer o curso, aprendia lá o que tinha que a aprender, e depois vinha serutilizado numa função completamente diferente que aquela em que ele tinha se reveladoem condições de se aperfeiçoar, tudo isso. Issome constrangia muito. Então eu estabeleci o seguinte: o oficial que era indicado parafazer o curso previamente era nomeado para o lugar a que ele teria que vir. Ele vai fazero curso; quando vier, vai servir em tal lugar para aplicar o que ele tinha aprendido noestrangeiro. E eu soube que isso causou uma boa impressão até na missão americana -porque eles analisavam tudo o que nós fazíamos -, esta providência minha, de fazer comque os oficiais fizessem o curso e já fossem designados para o lugar, já sabiam paraonde tinham que vir. Eu dou um exemplo de um caso curioso. Eu servia no Estado-Maior da Armada e erasubchefe das informações. Os americanos faziam muito mistério do ensino do serviçode informações na América. E eu consegui que eles concedessem quatro vagas parafazer curso de informações. É o Intelligence que eles têm. Então eu peguei um oficialque servia comigo na subchefia de informações, para designar para ir fazer o curso.Peguei um oficial que servia no comando da Esquadra na parte de informações. Pegueium oficial que servia na Escola de Guerra Naval que ministrava instrução deinformações. E o outro não me lembro qual foi. E mandei esses quatro oficial - dei onome para o ministro designar. E eu estava certo que esses oficiais, quando viessem,iam voltar para as comissões, dar curso também aqui, para ir divulgando em cadeia esseaprendizado. Cada um foi para coisa completamente diferente.

I.F. - É um investimento completamente perdido.

A.A. - Investimento perdido. Um deles, eu me lembro, que era do Estado-Maior, que erao Resende Rocha, que chegou a almirante-de-esquadra, foi diretor do Arsenal etc. Masele nunca utilizou, na Marinha, o serviço de informações. Nem os outros. Cada umvoltou, foi para um outro lugar qualquer, servir em coisa completamente diferentedaquela para a qual a gente estava esperando que ele fosse servir. Então, quando euestava no Ministério, eu designava previamente. Não sei se, quando eu deixei oMinistério, essa doutrina foi...

12 Idem13 Idem

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I.F. - É, porque essas empresas particulares todas, quando mandam um funcionário parao estrangeiro, eles assinam antes um compromisso de que continuarão na empresa portantos anos.

A.A. - Mas nós fazíamos completamente diferente. Nós mandávamos um oficial, tiravao curso, ficava com os seus conhecimentos próprios, e a Marinha não lucrava nadadisso.

I.F. - Nem o país, porque afinal de contas é um investimento de todo o país, não é?

A.A. - É o óbvio ululante, não é? Mas que nós não seguíamos. [risos] Mas, enfim, acoisa era assim.14

Adidos navais, por exemplo. O nosso presidente Jânio Quadros cortou vários adidosnavais para fazer economia. Adidos navais e militares também - todos os adidos. Parasalvar o Brasil tem que se cortar os adidos navais e militares... E eu não me conformavacom isso. Então eu consegui restabelecer todos os adidos navais e estabelecer maisserviço de adido naval na França, que não tinha, e no México. Hoje já não sei mais ondeé que tem, mas restabeleci e nomeei os adidos navais para esses lugares todos. O únicooficial que eu nomeei para adido naval e que não seguiu foi o comandante Palhares, quedepois foi ajudante-de-ordens do Castelo Branco. O comandante Palhares, eu tinhadesignado para ser adido naval em Paris, e fiquei muito triste porque eu assinei... Eu, opresidente, o Tancredo... Os decretos estavam prontos, mas foram para o GabineteMilitar. Neste instante nós renunciamos. O Kruel parece que não tolerava aqueleprocesso meu, de obter as assinaturas do presidente depois mandar só para publicar, nãopublicou os decretos. E o que faz? Quando o Suzano assume, o Kruel pega o decreto emanda para o Suzano confirmar os decretos. E o Suzano não teve a delicadeza de dizer:"Bom, se já está assinado, se é do meu antecessor, está feito e não tem o que modificar."Não: ele mudou o nome e nomeou um protegido dele, um recomendado dele, e o oficialque tinha sido nomeado adido naval não seguiu. Felizmente, esses oficiais que eunomeei adidos navais não me pediram, nem eu comuniquei. Eu só comunicava depoisde ter sido assinado o decreto. De modo que ele não teve a desagradável surpresa...Depois, eu estava na América do Norte, ele me escreveu uma carta - ele estava naBahia, se não me engano - agradecendo, porque ele tinha sabido que eu o tinhanomeado para adido naval, mas que ele tinha sabido que o decreto dele, por razões queele não sabia quais eram, tinha sido cortado, e tinha sido nomeado outro. Mas, dequalquer forma, ele agradecia muito a escolha e a nomeação que eu tinha propiciado.15

Parte de uniformes, também. O uniforme na Marinha, a marujada andava com unsuniformes horrorosos, muito fraco de pagamento de uniforme. Chamamos depagamento é a entrega de uniformes, porque a Marinha dá os uniformes. E eu conseguimelhorar isso, mandei fazer exame de qualidade de material através do Serviço deInteligência, e fiz uma dotação para aquisição do material, para que tudo fosse posto emdia. Deixei tudo funcionando com os recursos necessários, para que não houvessecarência de material, para que os marinheiros pudessem ser licenciados etc., e os oficiaispudessem inspecionar o apuro de uniformes sem a desculpa de dizer: "Não, eu estoumal uniformizado porque não tem uniforme." Porque uma coisa importante é o aspectopessoal, não é?16

14 O entrevistado consulta suas anotações.15 O entrevistado consulta suas anotações.16 Idem

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Serviço de reembolsáveis, também, que a Marinha tinha de assistência pessoal. Eu deium adiantamento grande para esse serviço de reembolsáveis do fundo naval, para queele tivesse um capital de giro para comprar nas fontes todo o material de alimentos etc.,que nós precisássemos, em vez de usar os intermediários. Todo mundo se queixa dosintermediários, não é? E eu então queria que a Marinha fizesse isso diretamente parapoder vender mais barato. Porque nos Estados Unidos é mais barato. Nos EstadosUnidos, a gente compra naquelas bases tudo o que é fornecimento. Torna a vida domilitar mais acessível. Porque nós tínhamos o transporte de tropa, podíamos ir buscararroz, feijão, não sei que; tudo isso vinha pelo transporte, não nos custava, a não ser ogasto de combustível do navio e não tinha o lucro dos intermediários, e o capital eles játinham. E assim eu procurei fazer, para justamente fornecer o material mais barato.17

A Escola de Guerra Naval estava parada, estava em esqueleto ali na Praia Vermelha.Também tinha sido iniciado pelo almirante Guillobel, estava parada desde aquele dia.Eu acho que eu já disse aqui...

I.F. - O senhor falou, é.

A.A. - Eu já contei, parece, a história da Escola de Guerra Naval, que eu mandeireiniciar etc. Que faltava até o tabuleiro eletrônico.

I.F. - Exatamente.

A.A. - Então desculpem, isso é redundante, de modo que eu me furto a comentar isso.Deixa eu ver se tem mais alguma coisa18... Ah, as escolas de aprendizes, também. Tinhauma escola modelar sendo construída lá em Alagoas, que eu fui visitar, fiquei com pena:estava tudo parado, parecia que tinha havido uma paralisação de todas as pessoas... oshomens tinham largado as obras assim, colher de cimento no chão, tudo aquilo. E euentão consegui dar a verba para continuar a escola - que, depois, o Adalberto Nunesentregou a uma secretaria porque mudaram a política de escola de aprendizes. Mas erauma beleza de escola.I.F. - Porque tinha uma muito boa em Florianópolis, não é?

A.A. - Tinha, em Florianópolis.

I.F. - Tinha em Recife...

A.A. - Tinha na Bahia, tinha em Recife. Essa da Bahia, justamente, até estava paratransferir para Alagoas. Apesar do governo da Bahia fazer força para manter lá, porquea escola de aprendizes é um elemento de aproveitamento desses menores carentes deassistência.

I.F. - Exato. A de Florianópolis, eu lembro que era muito procurada.

A.A. - É muito procurada. Mas essa de Alagoas era uma beleza de escola.

I.F. - Essa chegou a ficar pronta.

17 Idem18 Idem

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A.A. - Chegou a ficar pronta, mas depois a Marinha mudou a política, e então, naAdministração do Adalberto Nunes, ele cedeu a uma secretaria de estado de Alagoas, eeu não sei para que seria utilizada. Mas que era uma instalação maravilhosa... Era umaárea imensa, com praia, construções de primeira ordem. Não sei em que está sendoutilizada. Foi uma pena que tivessem desativado essa escola. E eu terminei a minha gestão... acho que não tenho mais nada a falar sobre isso, a nãoser que eu queria manifestar aqui o meu agradecimento ao presidente da República, odr. João Goulart, e ao dr. Tancredo, pela ajuda que prestaram. Porque eu não tive nuncadificuldade de ajuda por parte, tanto do presidente, quanto do primeiro-ministro. Todosdois me ajudaram intensamente, os desentendimentos, enfim, as discordâncias foramsempre superadas. Eu só tenho que agradecer em nome da Marinha, a atuação dos dois.E enaltecer... na dos ministros, eu queria salientar a cooperação do nosso amigo VálterMoreira Sales.

I.F. - Sem ele, não poderia ter feito tanta coisa.

A.A. - Não poderia ter feito tanta coisa.

I.F. - Quer dizer que o senhor achou que realmente foi uma experiência muitoenriquecedora, tanto pessoal, para o senhor, como em benefícios que o senhorconseguiu, através das verbas, para a melhoria da Marinha.

A.A. - Ah, foi.

I.F. - Embora num momento de crise do país, uma crise política, deu para se dedicar àMarinha propriamente dita.

A.A. - Deu. Foi difícil porque a primeira parte foi essa de resolver o problema depermeabilização de entendimento entre uma parte da Marinha, que não podia ver combons olhos e tinha medo que degringolasse o governo numa caminhada para ocomunismo, qualquer coisa assim... e que eu conseguisse inspirar confiança no regimedo presidente João Goulart. E eu tive até o seguinte: eu consegui botar todos osalmirantes, inclusive as - depois - "irmãs Dione", todos eles a bordo do navioaeródromo, do Minas-Gerais, numa cerimônia com o João Goulart, com a senhora dele,com o governador de Minas Gerais. Porque houve a entrega de uma bandeira brasileirafeita pelas senhoras de Minas Gerais, foi oferecida ao Minas Gerais. E no dia dorecebimento, da inauguração, do hasteamento da bandeira, então, eu convidei opresidente João Goulart para vir. Ele veio com a mulher e os dois filhinhos. Hoje estãouns homens, estão casados etc. E assistiu também o governador do estado de MinasGerais e todos os almirantes estavam presentes. E o João Goulart cumprimentou um porum, todos os almirantes presentes no Rio de Janeiro foram a essa cerimônia. Quer dizer,eu tive a sorte de conseguir que não houvesse nenhuma ausência, nenhumademonstração de prevenção.

I.F. - Está ótimo. O senhor teria mais alguma coisa de especial que o senhor quisessenos contar?

A.A. - Bom, que me ocorra assim, não. Depois eu saí do cargo de ministro, fui nomeadopara o Conselho do Almirantado. Depois então fui para os Estados Unidos, onde

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aprendi muita coisa, observei muita coisa. O que eu só tenho a dizer é a minha gratidãoà Marinha.

I.F. - Quer dizer que, se o senhor fosse começar tudo de novo, o senhor voltava a seroficial de Marinha?

A.A. - Voltava para a Marinha. Eu nasci praticamente no mar. [risos] Eu me lembroaté... a minha devoção pelo mar faz lembrar os versos de um poeta. Deixa eu ver se eume lembro..." E o mar, então... Não me lembro agora. É uma devoção ao mar. "Mar,então, velho confidente de sonhos que a mim mesmo hesito em confessar, atrai. Sua vozchamam-me docemente, dá-me uma embriaguez como feita de luar. O mar é para mimcomo o céu é para o crente."

I.F. - Ótimo. Então, almirante, nós gostaríamos de agradecer muito esse seudepoimento, para nós foi uma experiência muito interessante. E vamos agora fazer arevisão toda do depoimento, qualquer dúvida que a gente tenha, nós telefonamos para osenhor, o senhor completa...

[FINAL DO DEPOIMENTO]

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