17/05/2014 estado de minas

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Está na placa, na entrada da casa de forró, lá pelos lados de Santa Luzia, no caminho para Jaboticatubas: “É proibi- do dançar encostando o… (o irmão mais novo do frango) na mulher”. Assim, cur- to e grosso. O cliente chega, com roupa de domingo, na noite de sábado. More- no, estatura mediana, calça de brim (não jeans), camisa quadriculada no estilo country, gel no cabelo, botas da cano bai- xo brilhando nos pés e água de cheiro espalhada pelo corpo. Botou olho na pla- ca quando se preparava para enfiar a mão no bolso e pagar o ingresso. Expres- são indignada, foi ao porteiro. – Mas como é isso? Pode explicar? – Isso o quê? – Olhe a placa… – Ah, sim! Ordens do gerente. – Até parece que ele nunca dan- çou. Isso é discriminação! Pode dar até processo. – Discriminação? Como assim? – Numa dança, fico de frente para a mulher, vendo-a inteira. Meu nariz cap- ta o cheiro de fêmea e minhas mãos sentem o contato macio da pele femi- nina. Geralmente, nos cumprimenta- mos no salão com beijinho no rosto, que meus lábios degustam com prazer. E quando começamos a dançar, meu peito, inevitavelmente, roça no dela. Vê? Meu corpo se envolve, involunta- riamente, digamos assim, numa onda de prazer. E só ele, o dito cujo, escondi- dinho debaixo das calças, é assim vio- lentamente excluído? – Não posso fazer nada. Já disse, é or- dem do gerente. Se dançar encostado, o segurança bota na rua… – Querem que eu faça o quê? Man- dar o, o o… ficar quieto? Ele é incontro- lável. Indócil Não sei se o gerente tem um igual, ainda ativo. Se tiver, vai en- tender o que digo. Não há como, sim- plesmente, mandar o, o, o… ficar quie- to, como se faz com um menino, um cachorro. Eu, hein! – Deixe-o em casa… ou guarde-o no bolso. – Isso não é uma brincadeira, meu amigo. Não se trata de uma ferramenta, um relógio, que você descarta quando quer. Faz parte do corpo. E se eu fosse casado e viesse com a minha mulher? Podia encostar nela? Podia? – Não! Em ninguém. – Gente! Mas as mulheres não recla- mam desse contato quase inocente das coxas com o, o, o… Algumas até o pro- vocam. É uma espécie de jogo, gostoso. – Isso do seu ponto de vista. Do ge- rente é indecência pura… – E como vamos dançar? Com as par- tes de baixo para trás, numa postura ridí- cula, só para não permitir o contato? – Faça como quiser, mas não encoste. – E as mulheres, o que estão pensan- do dessa proibição? – Duas já disseram que dançar sem en- costar é como comer feijão sem tempero. Pergunta do Negão: Olhando o no- ticiário, daqui, dali e de acolá, não lhe dá um estranho cansaço? CULTURA ESTADO DE MINAS S Á B A D O , 1 7 D E M A I O D E 2 0 1 4 8 >> [email protected] M Me eu u c co or rp po o s se e e en nv vo ol lv ve e, , i in nv vo ol lu un nt ta ar ri ia am me en nt te e, , d di ig ga am mo os s a as ss si im m, , n nu um ma a o on nd da a d de e p pr ra az ze er r Feijão sem tempero ARNALDO VIANA SHIRLEY PACELLI Tudo na vida da artista ca- rioca Panmela Castro, de 32 anos, é grafite. Mas nem sem- pre foi assim. Ela já foi casada: cozinhou, lavou, passou e tam- bém apanhou do marido. Quando, enfim, em 2006, con- seguiu se livrar do seu agres- sor, teve a ideia de promover a Lei Maria da Penha por meio da arte nos muros. E assim ela convidou amigas – que convi- daram outras amigas – e em conversas e oficinas puderam compartilhar histórias, escla- recer dúvidas e, principalmen- te, repensar sua posição na so- ciedade. Em 2010, foi fundada a Rede Nami, organização que usa a arte urbana para promo- ver os direitos das mulheres. Amanhã, a organização reali- zará em BH a última etapa da campanha Brasil rumo ao fim da violência doméstica, que reunirá 20 artistas locais para grafitagem coletiva. O evento será realizado das 10h às 19h, na Rua Antão Gonçalves, 389, no Taquaril. A iniciativa já passou por Brasília, São Paulo, Porto Ale- gre e Salvador, cidades-sede da Copa do Mundo. Em cada estado há uma anfitriã local. Na capital mineira, a educado- ra social e grafiteira Lídia Soa- res Costa, de 27 anos, a Viber, foi a escolhida. Ela decidiu le- var a ação para a própria co- munidade, o Taquaril, na Re- gião Leste. “O grafite pode ser um meio de vida para a mu- lher, uma saída para a sobre- vivência”, afirma. Lídia não se contentou só com a arte nos muros e programou bate-pa- po sobre a violência domésti- ca, roda de capoeira, DJs e as MCs de As Minas Rima. Os grafiteiros selecionados se inscreveram em convocató- ria e enviaram croquis por e- mail para a Rede Nami. Eles ga- nharam kits de pintura e terão que criar murais sobre a torci- da brasileira e o fim da violên- cia contra a mulher. Cinco tra- balhos mais representativos participarão do concurso Tor- cida Graffiti, com votação on- line. Os melhores serão pre- miados com uma viagem para participar da etapa final no Rio de Janeiro, em 12 de junho. GRAFITE Poder na lata Lídia Soares, a Viber, é anfitriã da campanha nacional contra a violência doméstica HORACIUS DE JESUS/DIVULGAÇÃO

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Page 1: 17/05/2014 Estado de Minas

Está na placa, na entrada da casa deforró, lá pelos lados de Santa Luzia, nocaminho para Jaboticatubas: “É proibi-do dançar encostando o… (o irmão maisnovo do frango) na mulher”. Assim, cur-to e grosso. O cliente chega, com roupade domingo, na noite de sábado. More-no, estatura mediana, calça de brim (nãojeans), camisa quadriculada no estilocountry, gel no cabelo, botas da cano bai-xo brilhando nos pés e água de cheiroespalhada pelo corpo. Botou olho na pla-ca quando se preparava para enfiar amão no bolso e pagar o ingresso. Expres-são indignada, foi ao porteiro.

– Mas como é isso? Pode explicar?– Isso o quê?– Olhe a placa…– Ah, sim! Ordens do gerente.– Até parece que ele nunca dan-

çou. Isso é discriminação! Pode daraté processo.

– Discriminação? Como assim?– Numa dança, fico de frente para a

mulher, vendo-a inteira. Meu nariz cap-

ta o cheiro de fêmea e minhas mãossentem o contato macio da pele femi-nina. Geralmente, nos cumprimenta-mos no salão com beijinho no rosto,que meus lábios degustam com prazer.E quando começamos a dançar, meupeito, inevitavelmente, roça no dela.Vê? Meu corpo se envolve, involunta-riamente, digamos assim, numa ondade prazer. E só ele, o dito cujo, escondi-dinho debaixo das calças, é assim vio-lentamente excluído?

– Não posso fazer nada. Já disse, é or-dem do gerente. Se dançar encostado, osegurança bota na rua…

– Querem que eu faça o quê? Man-dar o, o o… ficar quieto? Ele é incontro-lável. Indócil Não sei se o gerente temum igual, ainda ativo. Se tiver, vai en-tender o que digo. Não há como, sim-plesmente, mandar o, o, o… ficar quie-to, como se faz com um menino, umcachorro. Eu, hein!

– Deixe-o em casa… ou guarde-ono bolso.

– Isso não é uma brincadeira, meuamigo. Não se trata de uma ferramenta,um relógio, que você descarta quandoquer. Faz parte do corpo. E se eu fossecasado e viesse com a minha mulher?Podia encostar nela? Podia?

– Não! Em ninguém.– Gente! Mas as mulheres não recla-

mam desse contato quase inocente dascoxas com o, o, o… Algumas até o pro-vocam. É uma espécie de jogo, gostoso.

– Isso do seu ponto de vista. Do ge-rente é indecência pura…

– E como vamos dançar? Com as par-tesdebaixoparatrás,numaposturaridí-cula, só para não permitir o contato?

– Faça como quiser, mas não encoste.– E as mulheres, o que estão pensan-

do dessa proibição?–Duasjádisseramquedançarsemen-

costarécomocomerfeijãosemtempero.

Pergunta do Negão: Olhando o no-ticiário, daqui, dali e de acolá, não lhe dáum estranho cansaço?

CULTURA

E S T A D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 1 7 D E M A I O D E 2 0 1 4

8

>> [email protected]

MMeeuu ccoorrppoo ssee eennvvoollvvee,,iinnvvoolluunnttaarriiaammeennttee,, ddiiggaammoossaassssiimm,, nnuummaa oonnddaa ddee pprraazzeerr

Feijão sem tempero

ARNALDO VIANA

SHIRLEY PACELLI

Tudo na vida da artista ca-rioca Panmela Castro, de 32anos, é grafite. Mas nem sem-pre foi assim. Ela já foi casada:cozinhou, lavou, passou e tam-bém apanhou do marido.Quando, enfim, em 2006, con-seguiu se livrar do seu agres-sor, teve a ideia de promover aLei Maria da Penha por meioda arte nos muros. E assim elaconvidou amigas – que convi-

daram outras amigas – e emconversas e oficinas puderamcompartilhar histórias, escla-recer dúvidas e, principalmen-te, repensar sua posição na so-ciedade. Em 2010, foi fundadaa Rede Nami, organização queusa a arte urbana para promo-ver os direitos das mulheres.Amanhã, a organização reali-zará em BH a última etapa dacampanha Brasil rumo ao fimda violência doméstica, quereunirá 20 artistas locais para

grafitagem coletiva. O eventoserá realizado das 10h às 19h,na Rua Antão Gonçalves, 389,no Taquaril.

A iniciativa já passou porBrasília, São Paulo, Porto Ale-gre e Salvador, cidades-sededa Copa do Mundo. Em cadaestado há uma anfitriã local.Na capital mineira, a educado-ra social e grafiteira Lídia Soa-res Costa, de 27 anos, a Viber,foi a escolhida. Ela decidiu le-var a ação para a própria co-munidade, o Taquaril, na Re-gião Leste. “O grafite pode serum meio de vida para a mu-lher, uma saída para a sobre-vivência”, afirma. Lídia não secontentou só com a arte nosmuros e programou bate-pa-po sobre a violência domésti-

ca, roda de capoeira, DJs e asMCs de As Minas Rima.

Os grafiteiros selecionadosse inscreveram em convocató-ria e enviaram croquis por e-mail para a Rede Nami. Eles ga-nharam kits de pintura e terãoque criar murais sobre a torci-da brasileira e o fim da violên-cia contra a mulher. Cinco tra-balhos mais representativosparticiparão do concurso Tor-cida Graffiti, com votação on-line. Os melhores serão pre-miados com uma viagem paraparticipar da etapa final no Riode Janeiro, em 12 de junho.

❚ GRAFITE

Poder na lata

Lídia Soares, a Viber, é anfitriãda campanha nacional contra

a violência doméstica

HORACIUS DE JESUS/DIVULGAÇÃO