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14. Formulação de políticas e planejamento Regina Lúcia Dodds Bomfim Neste capítulo discutiremos a formulação de políticas e o planejamento como duas funções gestoras indissociáveis e pontuaremos sua impor- tância para o SUS, pois possibilitam e subsidiam a tomada de decisões dos gestores dos diferentes níveis de governo, referentes a definição de prioridades, modelagem, organização e operação do sistema de saúde. A formulação de políticas como parte integrante do planejamento estratégico A definição das políticas públicas é orientada pelas prioridades de governo e explicitada nos seus planos plurianuais. Sua formulação deve ocorrer a partir de diagnósticos capazes de indicar as necessidades de investimentos e a forma pela qual irão se concretizar. A implantação de políticas pode se dar por meio de ações e programas de governo, a partir: (i) de execução direta; (ii) por execução descentralizada via indução financeira, na qual pode haver transferência de recursos tanto de um ente federativo a outro, como de governos para entidades sem fins lucrativos; (iii) por incentivos fiscais, entre outras modalidades. Como foi visto no Capítulo 3 da Parte I deste livro, a deliberação das políticas de saúde ocorre de maneira bipartite e tripartite e com a par- ticipação do controle social. A escolha da forma pela qual a política irá se concretizar deve estar vinculada a alguns aspectos relevantes, tais como o seu objeto; a pre- mência no alcance de metas; a capacidade que os entes federativos têm de assumir a sua execução; e a capacidade de regulação do estado.

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14. Formulação de políticas e planejamento Regina Lúcia Dodds Bomfim

Neste capítulo discutiremos a formulação de políticas e o planejamento como duas funções gestoras indissociáveis e pontuaremos sua impor-tância para o SUS, pois possibilitam e subsidiam a tomada de decisões dos gestores dos diferentes níveis de governo, referentes a definição de prioridades, modelagem, organização e operação do sistema de saúde.

A formulação de políticas como parte integrante do planejamento estratégicoA definição das políticas públicas é orientada pelas prioridades de governo e explicitada nos seus planos plurianuais. Sua formulação deve ocorrer a partir de diagnósticos capazes de indicar as necessidades de investimentos e a forma pela qual irão se concretizar. A implantação de políticas pode se dar por meio de ações e programas de governo, a partir: (i) de execução direta; (ii) por execução descentralizada via indução financeira, na qual pode haver transferência de recursos tanto de um ente federativo a outro, como de governos para entidades sem fins lucrativos; (iii) por incentivos fiscais, entre outras modalidades. Como foi visto no Capítulo 3 da Parte I deste livro, a deliberação das políticas de saúde ocorre de maneira bipartite e tripartite e com a par-ticipação do controle social.

A escolha da forma pela qual a política irá se concretizar deve estar vinculada a alguns aspectos relevantes, tais como o seu objeto; a pre-mência no alcance de metas; a capacidade que os entes federativos têm de assumir a sua execução; e a capacidade de regulação do estado.

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Parte-se do princípio de que a formulação de políticas deve envolver o conjunto de atores interessados na sua concretização, ou seja, ela deve ser discutida e formulada de maneira coletiva e participativa, com a presença de agentes técnico-políticos e da população-alvo, por meio de suas representações.

Na saúde pública tem se tornado cada vez mais frequente a inclusão da formulação de políticas no processo de planejamento. Um impor-tante marco do planejamento em saúde foi a introdução na América Latina da metodologia do Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela da Organização Pan-Americana de Saúde (Cendes/Opas), desenvolvida junto à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), que representava uma adaptação do modelo de programação econômico à área de saúde. O estudo que originou essa metodologia, desenvolvido por Mário Testa, constituiu-se no modelo de planejamento e programação adotado nos países da América Latina por cerca de uma década.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) é uma das cinco comissões econômicas da organização das nações unidas (onu). Foi criada pelo Conselho Econômico e Social das nações unidas em 1948, com o objetivo de incentivar a cooperação econômica entre os países membros e reúne grandes nomes do pensamento desenvolvimentista latino-americano. Além dos países da América latina e Caribe, fazem parte da Cepal: Canadá, França, Japão, Países baixos, Portugal, Espanha, reino unido, itália e Estados unidos da América.

A Conferência de Punta del Este, ocorrida em 1961, reuniu autoridades dos governos do continente americano, acertando um programa de financiamento voltado para a obtenção de apoio internacional para os países da América latina, desde que fossem desenvolvidos planos

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nacionais para o crescimento econômico contendo projetos para saúde, educação, habitação e reforma agrária. Esse programa ficou conhecido como Aliança para o Progresso. os governos da América latina defrontaram-se, assim, com algumas dificuldades, uma vez que não existia experiência acumulada que desse conta da elaboração de planos nacionais de saúde. os planos nacionais de desenvolvimento, até então, haviam sido elaborados utilizando-se técnicas voltadas para o planejamento econômico. Assim, a opas, a partir do Centro de Estudos de Desenvolvimento (Cendes), elaborou importante documento acerca da programação em saúde, por meio do informe “Problemas Conceptuales y Metodológicos de la Programacion de la Salud”, publicado em abril de 1965.

O método foi estruturado em torno da noção de eficiência e ancorava-se em critérios técnicos/racionais que comandavam o processo de tomada de decisão e de definição de prioridades que, em última análise, definia como e onde deveriam ser aplicados os recursos. Os critérios estabele-cidos pelo método, para priorização dos problemas, eram: a magnitude do dano ou agravo (verificada pela abrangência ou alcance do agravo na população e que no método era medida pelo número de óbitos decor-rentes do agravo); a transcendência do dano ou agravo (medida pela relevância do agravo, isto é, pelo nível de impacto ou custo individual, social, econômico e cultural do agravo sobre a população); a vulnerabi-lidade (que corresponde a quanto o agravo pode ser controlado a partir da adoção de medidas apropriadas de investimentos e conhecimentos específicos); e o custo da adoção das medidas apropriadas para evitar o óbito pelo agravo estudado. Os três primeiros critérios têm caráter direto, isto é, quanto maiores os resultados obtidos, maior a necessidade de priorização do problema, e o último critério tem caráter inverso, ou seja, quanto menor o resultado, maior a necessidade de intervenção.

A implantação da metodologia trouxe a necessidade da figura do pla-nejador, que era o técnico que dominava os conhecimentos sistema-tizados voltados para a utilização eficiente dos recursos e que passou a ter função central na tomada de decisões relativas à priorização de atividades a serem implementadas. À exceção do Brasil, esses técnicos planejadores pertenciam aos Ministérios da Saúde de diversos países da América Latina e eram responsáveis pela gestão da maior parte dos serviços de saúde. O planejamento e a programação de recursos passa-ram a ser os grandes instrumentos para a implementação das políticas nacionais de saúde.

A metodologia Cendes/Opas, definida sob a égide da eficiência, implicou um processo de planejamento normativo no qual as ações necessárias

no brasil, à época, não existia um Sistema nacional de Saúde estruturado, ficando a assistência médica previdenciária a cargo do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e as ações de saúde pública ligadas ao Ministério da Saúde.

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são definidas a priori pelos planejadores, isto é, as ações surgem a partir da identificação dos problemas ou nós críticos. O contexto, seus determi-nantes e os atores sociais envolvidos não são considerados para a cons-trução do plano. O planejamento se desenvolve objetivando a elaboração de propostas de solução para os problemas levantados, estando o plane-jador fora da ação. Entre a situação inicial levantada e o alcance dos obje-tivos (problemas solucionados), há uma trajetória capaz de transformar a realidade encontrada – trata-se de um planejamento unidimensional.

Na década de 1970, devido às transformações políticas ocorridas na América, iniciou-se uma grande produção teórica acerca do processo de planejamento adotado pelos principais países membros da Cepal, sendo alvo de inúmeras críticas a metodologia normativa do planeja-mento em saúde adotada até então. Surge aí uma nova concepção de planejamento, que admite: a) a existência de conflitos que interferem no plano; b) que o planejador é um dos atores sociais envolvidos no sis-tema; e c) que não existe apenas um diagnóstico, como não existe ape-nas uma explicação para cada problema – o planejamento estratégico.

O que é planejamento estratégico Carlos Matus (1997), a partir de reflexões acerca da conjuntura política e econômica da América Latina, iniciou seus trabalhos críticos e analí-ticos da programação econômica normativa, propondo a sua substitui-ção pelo planejamento estratégico situacional. Caracterizou o planeja-mento a partir da definição do seu objeto: a situação, entendida como um recorte da realidade, onde todos os elementos que a compõem são relevantes para o planejador elaborar sua ação.

O planejamento estratégico contrapõe-se ao normativo e seu eixo prin-cipal está na aliança com a ação, num processo que não é definido exclusivamente por quem está na “liderança”.

O planejamento e a ação são inseparáveis. O plano é o cálcu-lo que precede e preside a ação. Se não a preceder, o plano é inútil porque chega tarde. E se chega a tempo e não a preside, o plano é supérfluo. Por sua vez, a ação sem cálculo que a pre-ceda e a presida é mera improvisação (matus, 1993).

O planejador não tem o domínio de todos os passos, mas procede à condução do planejamento a partir da análise do contexto, tentando orientar para alguns objetivos previamente escolhidos, permitindo a interação destes com os demais atores sociais e as ações. O planeja-mento representa um processo contínuo de construção, no qual, mesmo quando o plano apresenta falhas, os atores envolvidos podem extrair

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dos erros verificados aprendizagem, o que demonstra a possibilidade de um planejamento ser falível, mas válido.

Durante o processo de planejamento estratégico, deve-se ter sempre em mente a análise da viabilidade das propostas surgidas e ainda a ela-boração conjunta de propostas de construção de viabilidade. “O proce-dimento estratégico, ao invés de superpor-se à realidade, emerge dela, e se distingue dela porque busca um meio de modificá-la, baseando-se em um conhecimento preciso de seu funcionamento” (matus, 1972).

Apresentamos, a seguir, uma síntese das principais diferenças entre os planejamentos normativo e estratégico.

Quadro 1 – Pressupostos dos planejamentos normativo e estratégico

Planejamento normativo Planejamento estratégico

o sujeito do planejamento é o Estado e o objeto é a realidade econômico-social; sujeito e objeto são independentes e o primeiro controla o segundo.

o sujeito que planeja está comprometido no “objeto planejado”.

o diagnóstico se guia pela busca da verdade objetiva e deve ser único.

Há várias explicações da realidade condicionadas pelas respectivas inserções de cada ator. não há diagnóstico único.

Explicar é descobrir as leis que regem os objetos.

os atores sociais geram possibilidades num sistema social criativo que somente em parte segue leis.

A planificação pode identificar-se com o cálculo do “desenho” de um “deve ser”, que é discrepante do “tende a ser”, que revela o diagnóstico.

o planejamento tem que abarcar o problema de vencer a resistência dos outros ao próprio plano. Em consequência, não pode se restringir ao “deve ser”, mas deve abarcar o “pode ser” e a “vontade de fazer”.

Desconsideram-se as incertezas e os eventos probabilísticos.

todo plano é impregnado de incertezas.

o plano é um produto de uma capacidade exclusiva do Estado, e tem um final fechado.

o plano não é monopólio do Estado, há vários planos em conflito e o final está aberto.

Fonte: Elaboração própria com base na síntese de Matus (1982; 1993).

Segundo Matus (1993), o planejamento no governo induz transforma-ções e definição de prioridades que podem gerar conflitos de interesses entre os diversos atores sociais, internos ou externos à gestão pública, promovendo a adesão ou oposição desses mesmos atores ao plano pro-posto. Sendo assim, o ato de planejar implica a identificação precisa das partes interessadas e a definição de estratégias de articulação entre

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essas partes, com vistas ao alcance dos objetivos pretendidos. O plano pressupõe, portanto, uma intensa relação entre política e gestão.

O autor apresenta sua ideia de conformação do planejamento para a administração pública por meio da figura de um Triângulo de Governo, onde cada vértice representa uma variável e a articulação entre elas viabiliza o plano. O primeiro vértice representa o Projeto ou Plano de Governo, que expressa o propósito do governo ou a direção que o governante pretende seguir com sua administração; o segundo vértice representa a Capacidade de Governo, determinada pela capacidade de condução de certos processos sociais, relacionada à competência téc-nica e aos recursos financeiros disponíveis; e o último vértice repre-senta a Governabilidade, ou seja, o potencial do ator para promover adesão/articulação com os agentes sociais internos e externos envol-vidos, ou de controlar as variáveis que influenciam na realização das ações previstas no plano de governo.

Figura 1 – Triângulo de Governo

Fonte: Matus (1993).

A função do governo, segundo Carlos Matus (1993), é agir e transfor-mar a realidade e, para tanto, o gestor deve ser capaz de organizar e conduzir suas ações em torno de metas claras, visando dar direcionali-dade às mesmas.

O planejador Mário Testa (1989), incorporando as reflexões teóricas de Matus (1993) acerca do planejamento normativo tradicional, desenvolveu, na década de 1990, novos estudos incluindo em suas críticas a proposta metodológica de planejamento do Cendes/Opas, da qual ele mesmo foi

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um dos idealizadores. Seus estudos possibilitaram o surgimento de um pensamento estratégico para o planejamento, que admite a impossi-bilidade de diagnósticos neutros perante as inúmeras possibilidades de descrição da realidade, uma vez que estas estão profundamente relacio-nadas aos atores sociais e seus projetos políticos.

O autor fundamenta suas reflexões a partir de considerações sobre o Poder, considerado central para a problemática estratégica e sobre o conflito de interesses advindo das distintas avaliações da realidade dos diferentes grupos ou atores sociais, o que impõe ao processo de planejamento a necessidade da inclusão de análises e de estruturação de pactos políticos para viabilização do plano, ao que Testa (1989) chamou de “postulado de coerência”. Esse postulado “estabelece uma relação necessária entre os propósitos (de governo), os métodos para alcançá-los e a organização das instituições que se encarregam de realizá-los” (testa, 1989).

O propósito do processo de planejamento em saúde, para Testa, é de mudança social (giovanella, 1990), o que significa que a resolução dos problemas de saúde, para o autor, só pode ocorrer a longo prazo. No entanto, seus estudos não levaram à conformação de um novo método de planejamento estratégico, até porque o autor questiona as metodo-logias universais de planejamento. Na verdade, Testa apresenta novos elementos para o processo de planejamento a partir do entendimento de que os problemas de saúde têm uma determinação social e que as práticas de saúde representam práticas ideológicas.

Barrenechea Garcia e Trujillo Uribe, planejadores cuja produção teórica se destacou na Escola de Medellín, como é chamada a Faculdade Nacional de Saúde Pública de Antioquia, na Colômbia, desenvolveram uma linha de planejamento em saúde que foi incorporada ao planejamento do desen-volvimento econômico-social, no início da década de 1960, tendo sido largamente utilizado pela área de planejamento da Opas.

A proposta de Medellín foi expressa por meio do documento “Salud para Todos en el Año 2000: Implicaciones para la Planificación y Admi-nistración de los Sistemas de Salud” (BarrenecHea; truJillo, 1987) e representou a contribuição das Américas à Conferência de Alma-Ata, em 1978.

A proposta de “saúde para todos no ano 2000” tem como principal estratégia a atenção primária em saúde voltada à diminuição das desi-gualdades de acesso ao sistema de saúde. O estudo sugere a adoção de

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estratégias regionais que utilizem, como objeto do processo de planeja-mento, “espaços-população”, entendidos para além de um mero espaço geográfico e sim como um território que se constitui como um imbri-cado complexo social, econômico, cultural, epidemiológico e político, onde vivem grupos de indivíduos relativamente homogêneos quanto às condições de vida e às necessidades de saúde.

Esses “espaços-população” configuram sistemas sociais complexos, frag-mentados e conflituosos. Para os autores, são essas características dos sistemas sociais, e em particular do sistema de saúde, que justificam a adoção do enfoque estratégico do planejamento e da administração. A partir deste entendimento os autores elaboraram proposições que pro-blematizaram o campo de prática do planejamento.

Em síntese, admite-se a existência de três grandes vertentes para a abor-dagem ou visão estratégica do processo de planejamento: (i) o planeja-mento estratégico situacional de Carlos Matus; (ii) o pensamento estra-tégico de Mário Testa; e (iii) o enfoque estratégico da Escola de Medellin.

Para refletir

Qual das vertentes analisadas você identifica como mais presente no processo de planejamento em vigor no seu estado/município? Que fatos revelam essa identificação?

Como pode ser o planejamento O processo de planejamento, entendido como prática social, envolve atores sociais dotados de vontade política.

Segundo Chorny (2010), podem ser pensadas três premissas para o planejamento:

O objetivo principal do planejamento em saúde é a saúde – con-tribuir para a melhoria do nível de saúde da população tanto quan-to seja possível, dado o conhecimento e recursos disponíveis;

Planejar não é fazer o plano – o plano é apenas um instru-mento, um meio, contendo orientações que visam concretizar as mudanças desejadas;

O planejamento não deve ser apenas a expressão dos dese-jos de quem planeja – os objetivos e estratégias expressos no plano devem ser factíveis, do ponto de vista técnico, e viáveis, do ponto de vista político, guardando, portanto, relação com a realidade.

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O planejamento deve ser desenvolvido a partir dos problemas iden-tificados em espaços ou territórios determinados em uma perspectiva intersetorial sob a forma de

um conjunto de ações articuladas em função dos objetivos a alcançar, isto é, não se trata de fazer tudo que é possível tec-nicamente e sim aquilo que é necessário para dar conta dos problemas reais existentes na população de um determinado território, seja este uma área de abrangência de uma Unidade de Saúde, seja um município inteiro, um estado ou até o país como um todo (teixeira, 1999).

Matus (1993) expõe que o processo de planejamento ocorre, grosso modo, em quatro momentos, ressaltando que, em determinadas circunstâncias, existirá um momento que terá maior relevância do que os outros.

1. Momento explicativo – Identificação dos problemas de saúde e dos possíveis fatores causais a eles relacionados; seleção dos problemas.

2. Momento normativo – Definição de prioridades de intervenção e de implementação de soluções; elaboração do plano.

3. Momento estratégico – Definição de estratégias/ações necessárias para a solução dos problemas priorizados e dos responsáveis/grupos de responsáveis pelo desenvolvimento das ações; análise de viabilidade.

4. Momento tático-operacional – Definição dos procedimentos/instrumentos de avaliação para monitoramento das ações e dos resultados esperados. É o momento de agir, recalcular e efetuar correções no plano no médio e longo prazos visando aos objetivos que se quer alcançar – imagem-objetivo. No momento das correções se insere a programação de saúde que tem, tradicionalmente, se ocupado em determinar as ações que otimizam os recursos disponíveis para o alcance dos objetivos estratégicos.

Método SWOT para planejamento estratégico: potencialidades para uso em sistemas e serviços de saúde São diversas as modalidades ou metodologias de planejamento estraté-gico desenvolvidas pelos autores para instrumentalizar esse processo de planejamento em saúde. Optamos por apresentar um modelo para que você, gestor, seja capaz de usá-lo em seu serviço de saúde.

A definição de estratégias e ações visa ao alcance da situação ideal considerada para cada caso – a imagem-objetivo.

os métodos de planejamento estratégico representam conjuntos ordenados de procedimentos e técnicas de intervenção voltadas ao enfrentamento/superação de realidades sociais complexas e de situações de conflito de interesses.

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O método SWOT, cuja sigla em inglês significa Forças ou Pontos Fortes (S – Strengths), Fraquezas ou Pontos Fracos (W – Weaknesses), Oportu-nidades (O – Opportunities) e Ameaças (T – Threats), tem sua criação atribuída a Kenneth Andrews e Roland Christensen, dois professores da Harvard Business School, EUA.

Originalmente foi concebido como um modelo de avaliação da posição competitiva de uma organização ou empresa no mercado. Entenda-se por mercado o espaço privado em que empresas concorrem e precisam constantemente avaliar sua posição (no mercado) e tratar de implemen-tar estratégias para melhor posicionamento. Essa avaliação da posição competitiva é feita por meio de uma matriz de dois eixos (o eixo das variáveis internas e o eixo das variáveis externas), cada um dos quais composto por duas variáveis: pontos fortes (Strenghts) e pontos fracos (Weaknesses) da organização; oportunidades (Opportunities) e ameaças (Threats) do meio externo.

Matriz SWOTObserve a representação gráfica da matriz, com as sugestões genéricas para cada um dos quadrantes que a compõem.

Figura 2 – Matriz SWOT

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SWot.png.

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EstratégiasTomando essa matriz por referência, análises estratégicas são realiza-das, considerando:

� a missão da organização (referencial);

� o balanço (positivo ou negativo) entre os pontos fortes e fracos;

� o balanço (positivo ou negativo) em relação a oportunidades e ameaças do ambiente.

Realizadas as análises acima, devem ser sintetizadas as principais ques-tões do ambiente institucional e identificadas as opções para a estraté-gia ou as estratégias a serem adotadas.

Com base na matriz da Figura 2, quatro grandes estratégias podem ser identificadas.

Estratégia de sobrevivência

Ambiente e organização em situação “delicada”: alto índice de pontos fracos internos e ameaças externas.

� Redução de custos

� Desinvestimento

� Fechamento do serviço, atividade, negócio

Estratégia de manutenção

Predominam ameaças, mas a organização tem uma série de pontos fortes.

� Manter estabilidade

� Estratégia de nicho

� Estratégia de especialização (única ou poucas atividades)

Estratégia de crescimento

Predominância de pontos fracos, mas com oportunidades no ambiente.

� Estratégia de inovação

� Internacionalização

� Associações

� Expansão

Missão é a razão de ser de uma organização, as necessidades sociais por ela atendidas e seu foco fundamental de negócios.

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Qualificação de Gestores do sus

Estratégia de desenvolvimento

Predominância de pontos fortes e oportunidades.

� Ampliar “mercado”

� Introduzir novos serviços/produtos

� Capitalização (ações na bolsa)

Ao construir a matriz, as variáveis são sobrepostas, facilitando a sua análise e a procura de sugestões para a tomada de decisões. É, portanto, uma ferramenta imprescindível na formação de planos de negócio e na definição de estratégias.

Para a construção da matriz são necessários dois tipos de análises: interna e externa. A análise interna permite identificar aspectos em que a organização apresenta pontos fortes e aspectos em que apresenta pontos fracos. De maneira geral, tais pontos merecem ser identificados de forma comparativa a outras organizações similares (outros hospitais, sistemas de saúde etc.). Quanto à análise externa, esta consiste numa avaliação do ambiente externo que envolve a organização, de forma a identificar oportunidades e ameaças com que esta se depara ou possa vir a se deparar.

Qualquer uma dessas análises deve ser efetuada não apenas numa pers-pectiva estática, mas também numa perspectiva dinâmica e permanente.

O planejamento e a programação no sistema de saúde brasileiroO planejamento, como prática política e possibilidade organizativa do setor de saúde, não tem uma larga tradição no Brasil, onde foi introduzido mais tardiamente do que na maior parte dos países latino-americanos, uma vez que somente em 1975 foi elaborada a primeira política nacional de saúde, por meio da criação do Sistema Nacional de Saúde (SNS).

Nesse mesmo ano foi regulamentado o Plano de Pronta Ação (PPA), que previa uma ampliação da cobertura dos serviços assistenciais – atendimentos de urgência – e, em 1976, o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (Piass), do MS. Fazem parte também das iniciativas organizativas desde o período de implantação do Sistema Nacional de Previdência Social (Simpas), em 1977, e da criação do Ins-tituto Nacional da Previdência Social (Inamps) em 1978.

A título de exemplo da matriz SWot aplicada a um

serviço de saúde, veja o caso do Hospital universitário de Florianópolis, Santa Catarina, disponível em: http://www.hu.ufsc.br/~plano2012/

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o Piass “busca absorver as orientações das proposições de Atenção Primária de Saúde” e de “Saúde para todos até o ano 2000”, oriundas da organização Mundial de Saúde, e propicia expressivo incremento na oferta de serviços ambulatoriais básicos a populações completamente excluídas do acesso a equipamentos sociais, em especial no nordeste” (NoRoNhA; leVCoVitZ, 1994, p. 79).

Todas essas iniciativas representaram ações de planejamento normativo da saúde.

Durante a realização da 7a Conferência Nacional de Saúde (1980), o governo, por meio do Ministério da Saúde, anunciou o Programa Nacio-nal de Serviços Básicos de Saúde – Prev-Saúde (noronHa; levcovitz, 1994), que propunha uma extensão do Piass em âmbito nacional. O Prev-Saúde tinha como principais estratégias a regionalização, a hie-rarquização, a integração das ações, a ampliação da oferta de serviços e a participação comunitária.

O Prev-Saúde acabou não sendo implantado, uma vez que o governo cedeu às pressões oriundas da medicina liberal e entidades empresariais de saúde e, ainda, às fortes resistências no interior do Inamps. Dessa forma, começaram a ser encaminhadas novas propostas de reformulação para o setor saúde, que culminaram com a criação, em 1981, do Conse-lho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (Conasp).

A programação de saúde no Brasil, como etapa sistematizada de pla-nejamento normativo, tem como marco histórico a Portaria MPAS n. 3046/82, documento elaborado pelo Conasp com o intuito de racio-nalizar as despesas com assistência médica da população previdenciária. Assim, foram formulados parâmetros visando reduzir os gastos, ajustar a oferta de serviços contratados e conveniados pelo Inamps, e eliminar ou reduzir as fraudes que ocorriam até então. O conjunto de propostas e ações do trabalho desenvolvido pelo Conasp ficou conhecido como Plano Conasp, sendo definidos “critérios para a integração das institui-ções em um sistema regionalizado e hierarquizado” (Brasil, 1982).

O Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), tomando por base o diagnóstico da assistência médica elaborado pelo Conasp, e ainda as “estatísticas” do Inamps, fez publicar, em julho de 1982, a Portaria MPAS n. 3.046/82, que definiu os “parâmetros para planejamento assis-tencial a serem utilizados pelo Inamps”.

o Sistema nacional de Saúde seria conduzido por uma cogestão do MS e do MPAS, sob a coordenação e supervisão dos estados e executado pelos municípios.

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Foram concebidos dois tipos de parâmetros: os de cobertura, destina-dos ao cálculo das necessidades de assistência da população, e os de produtividade, destinados ao cálculo da capacidade desejável de pro- dução de serviços, diante dos recursos existentes ou a serem credencia-dos/contratados.

Dentre as propostas do Plano Conasp, situam-se o Programa das Ações Integradas de Saúde (Pais), posteriormente denominado simplesmente Ações Integradas de Saúde (AIS); o Sistema de Assistência Médico Hospitalar da Previdência Social (Samhps) e a Programação e Orça-mentação Integrada (POI).

A POI configurou-se como um instrumento de planejamento e progra-mação das ações e serviços de saúde e sua concepção representava um avanço no sentido de inclusão de outros atores na formulação dessa etapa do planejamento, já que previa a existência e incorporação das discussões realizadas nas Comissões Interinstitucionais de Saúde (CIS), sob coordenação dos estados. Visava também à integração dos recur-sos públicos e a conformação de redes assistenciais regionalizadas e hierarquizadas por meio do orçamento de recursos do Inamps/MPAS. Somente em 1986, no entanto, passou efetivamente a ser utilizada como instrumento único de planejamento para as Secretarias Munici-pais, Estaduais e Superintendências Regionais do Inamps.

A atuação do Ministério da Saúde na década de 1990 caracterizou-se pela publicação de um grande número de normas, decretos e portarias de regulamentação, planejamento, financiamento, avaliação e controle do Sistema Único de Saúde.

A publicação das normas operacionais básicas (NOBs 01/91 e 01/92) definiu as transferências financeiras federais por intermédio da moda-lidade pós-pagamento, reprimindo o avanço representado pela imple-mentação da POI.

A NOB 96, dentre outras inovações, instituiu a Programação Pactuada Integrada (PPI), como instrumento de planejamento que deve expres-sar a direcionalidade da política de saúde e definir objetivos, metas e recursos financeiros do SUS, devendo ser fruto da negociação/pactua-ção entre os gestores das três instâncias de governo.

A chegada dos anos 2000 trouxe a discussão acerca da configuração de sistemas resolutivos de atenção à saúde, sendo editadas duas normas operacionais: a Noas-SUS 01/01 e a Noas-SUS 01/02. A reorganização da atenção preconizada não deveria obedecer, necessariamente, aos limites

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político-administrativos dos municípios, sendo resgatados os princípios de regionalização e hierarquização, redefinidas as responsabilidades das instâncias de governo, com ênfase no papel coordenador dos estados, e estabelecidos novos critérios de transferência de recursos financeiros.

As Noas 01 e 02 propuseram a formação de “módulos assistenciais reso-lutivos”, formados por um ou mais municípios, para garantir o acesso dos cidadãos a um conjunto de ações de saúde frequentemente necessárias para atender aos problemas mais comuns, e que nem sempre podem ser oferecidas em todos os municípios. A regionalização obedecia, portanto, a critérios predefinidos nos moldes do planejamento normativo.

Configuravam-se como principais estratégias das Noas importantes ins-trumentos de planejamento regional, tais como:

� Plano Diretor de Regionalização (PDR), que deveria ser elaborado a partir da conformação de sistemas de saúde funcionais e resolutivos nos diversos níveis de atenção, visando à organização regionalizada da assistência.

� Plano Diretor de Investimentos (PDI), que deveria estabelecer as necessidades de investimentos em saúde para viabilizar a regionalização proposta no PDR;

� Programação Pactuada e Integrada ambulatorial e hospitalar por unidade federada;

� Instrumentalização dos gestores estaduais e municipais para o desenvolvimento de funções de planejamento/programação, regulação, controle e avaliação, incluindo instrumentos de consolidação de compromissos entre gestores.

É importante ressaltar que as recomendações para elaboração do PDR e PDI talvez se configurem no maior avanço que essa Norma Operacional possa ter trazido.

Em julho de 2002, a SAS/MS publicou uma portaria que atualizou os parâmetros de programação de saúde após submetê-los a consulta pública: Portaria GM/MS n. 1.101/2002. Se estabelecermos uma análise comparativa entre os parâmetros de programação em saúde propostos por ela e os utilizados pela Portaria n. 3.046/82, poderemos perceber que houve pouca mudança entre eles.

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Qualificação de Gestores do sus

Quadro 2 – Comparativo entre os parâmetros assistenciais

Parâmetros Portaria n. 3.046 Portaria n. 1.101

Concentração de consultas 2 beneficiários/ano 2 a 3 habitantes/ano

Consulta básica 65% do total 63% do total

Consulta especializada 20% do total 22% do total

Consultas de urgência 15% do total 12% do total

Consulta de urgência pré-hospitalar 3% do total

Sadt 70% das consultas/ano 30 a 50% das consultas/ano

Essa similitude entre os parâmetros, a despeito das profundas transfor-mações ocorridas no sistema de saúde nacional nos 20 anos que separam a Portaria n. 3.046 da Portaria n. 1.101, pode ser explicada, em parte, pela característica de atuação normativa e fragmentada do Ministério da Saúde, no período de 1990 a 2002, “na condução das políticas nacionais, com um baixíssimo grau de integração entre as várias áreas e campos de atuação”(macHado, 2007) e pelo modelo de programação de saúde adotado de cunho racionador elaborado a partir de séries históricas de produção.

O planejamento do SUS a partir do Pacto pela SaúdeO Pacto pela Saúde, conforme definido na Portaria GM/MS n. 399/2006, envolve três componentes: o Pacto pela Vida, o Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão. É neste último que se localizam as diretrizes

Parâmetros de programação de saúde

o número total de consultas/ano previstas apresenta como concentração mínima o mesmo parâmetro da “3.046”, e uma concentração máxima que pode representar até 50% de ampliação do número de consultas em relação à portaria. os parâmetros relativos às consultas básicas, a despeito do consenso entre gestores sobre a priorização dessa área de cuidado, apresentaram um decréscimo de 2% do número total de consultas previstas. Em relação à urgência, o parâmetro anterior de 15% do total de consultas foi desmembrado em 3% para a atenção pré-hospitalar e 12% para as consultas de urgência propriamente ditas. A análise comparativa entre os parâmetros propostos para os Serviços de Apoio Diagnóstico e terapêuticos (Sadt) demonstra a redução em relação aos parâmetros da Portaria n. 3.046. A base para a formulação desses parâmetros, nos dois momentos enfocados, é o número total de consultas.

373

Formulação de políticas e planejamento

favoráveis à efetivação do processo de planejamento e a sua incorpo-ração como um importante mecanismo para a eficiência da gestão des-centralizada, a funcionalidade das pactuações e o emprego estratégico dos recursos disponíveis.

O Pacto de Gestão faz, na verdade, um resgate da necessidade de empregar o planejamento em saúde, uma vez que no arcabouço legal do SUS já existem diversas referências à necessidade de utilização do planejamento e seus instrumentos nas três esferas de gestão.

O processo de planejamento e orçamento do SUS será ascen-dente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deli-berativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos municípios, dos estados, do Distrito Federal e da União (Brasil, 1991).

A adesão ao Pacto e sua implementação por parte de estados e muni-cípios estão diretamente relacionadas ao processo de planejamento, uma vez que as medidas necessárias à definição e ao cumprimento dos compromissos pactuados no Termo de Compromisso da Gestão (TCG), e os mecanismos a serem utilizados para a execução dos mesmos devem estar previstas no Plano de Saúde (PS) e nas Programações Anuais de Saúde (PAS) do período correspondente, devendo ser avaliadas nos Relatórios Anuais de Gestão (RG) do mesmo período.

O planejamento, como diretriz do Pacto de Gestão, deve ser realizado por cada uma das esferas de governo, buscando a articulação e a integração de seus objetivos, contemplando as especificidades e realidades de saúde regionais. O Pacto pressupõe, ainda, que devem ser consideradas no pro-cesso de planejamento, no que tange à responsabilidade de coordená-lo, as diversidades existentes entre as três esferas de governo, de modo a contribuir para a consolidação do SUS e para a resolubilidade e a quali-dade da sua gestão e das ações e serviços prestados à população.

Foram considerados, no Pacto de Gestão, cinco pontos primordiais de pactuação para o planejamento:

• Adoção das necessidades de saúde da população como crité-rio para o processo de planejamento no âmbito do SUS.

• Integração dos instrumentos de planejamento, tanto no con-texto de cada esfera de gestão, quanto do SUS como um todo.

• Institucionalização e fortalecimento do Sistema de Planeja-mento do SUS, com adoção do processo de planejamento, neste incluído o monitoramento e a avaliação, como instru-mento estratégico de gestão do SUS.

o Termo de Compromisso da Gestão é um instrumento criado no Pacto pela Saúde com o objetivo de formalizar a assunção das responsabilidades e atribuições inerentes a cada esfera de governo na condução do processo de aprimoramento e consolidação do SuS.

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Qualificação de Gestores do sus

• Revisão e adoção de um elenco de instrumentos de plane-jamento – tais como: planos, relatórios, programações – a serem adotados pelas três esferas de gestão, com adequação dos instrumentos legais do SUS no tocante a este processo e instrumentos dele resultantes.

• Cooperação entre as três esferas de gestão para o fortaleci-mento e a equidade no processo de planejamento no SUS (conselHo nacional de secretários de saúde, 2009).

A regionalização, um dos pressupostos do SUS, é reafirmada no Pacto de Gestão como uma de suas diretrizes e como eixo estruturante da gestão do sistema. Já o processo de planejamento do sistema estadual de saúde deve se dar a partir de três fatores: identificação das regiões de saúde; elaboração da programação integrada da oferta dos serviços e recursos financeiros de saúde; identificação das necessidades de saúde e dos investimentos essenciais para o seu atendimento. Para tanto, deve-rão ser utilizados os instrumentos de planejamento regional reafirma-dos pelo Pacto.

Instrumentos de planejamento regional reafirmados no Pacto pela Saúde Esses instrumentos são: o Plano Diretor de Regionalização (PDR); a Programação Pactuada e Integrada da Atenção em Saúde (PPI) e o Plano Diretor de Investimento (PDI), que detalharemos a seguir.

Plano Diretor de Regionalização

O PDR, já previsto pelas Noas 01 e 02, expressa o arranjo organizacional estabelecido entre gestores municipais, sob a coordenação estadual, e tem por objetivo promover equidade, ampliar acesso e garantir a atenção inte-gral, otimizando recursos e qualificando o processo de descentralização.

O Plano deve:

a) prever a divisão do território estadual em regiões de saúde, segundo critérios sanitários, epidemiológicos, geográficos, sociais, de oferta de serviços e de acessibilidade, conformando redes regionalizadas de atenção à saúde em articulação com o processo da PPI;

b) conter o diagnóstico dos principais problemas de saúde das regiões;

c) definir as prioridades de intervenção para viabilizar o planejamento regional de curto, médio e longo prazos;

d) definir os fluxos de referência para todos os níveis de complexidade e os mecanismos de relacionamento intermunicipal.

375

Formulação de políticas e planejamento

As recomendações para a elaboração do PDR apontam para a impossibi-lidade de se construir qualquer planejamento em saúde que não esteja voltado para a atenção integral e que não estabeleça inicialmente as necessidades populacionais de saúde. Ao serem identificadas necessida-des populacionais regionais, a demanda por serviços de saúde e a capa-cidade operacional necessária e quando tiverem sido estabelecidos os fluxos de referência e contrarreferência, estarão definidos os elementos necessários para a estruturação das necessidades de investimentos e cus-teio para operacionalização, de forma satisfatória, do sistema de saúde.

Programação Pactuada e Integrada da Atenção em Saúde

Esse instrumento foi instituído pela NOB 96 e se manteve no Pacto não só pela possibilidade de se estabelecer um planejamento ascendente, de base municipal, como também para viabilizar as questões intermu-nicipais relativas ao acesso da população aos serviços existentes nas regiões de saúde definidas no PDR. Com a elaboração da PPI passaram a ser determinadas as programações financeiras relativas aos repasses federais destinados aos tetos financeiros de média e alta complexidade das instâncias gestoras estaduais e municipais.

Plano Diretor de Investimento

Expressa as necessidades de recursos de investimentos para atender às pactuações ocorridas no processo de planejamento regional e estadual (PDR). Deve incorporar as necessidades identificadas de tal forma que a atenção básica seja resolutiva, que haja resolução de parte das neces-sidades de ações de média complexidade no âmbito regional e de ações de alta complexidade no âmbito macrorregional.

A partir do resgate da regionalização, como princípio organizativo do SUS, é que o Pacto pela Saúde propõe a conformação de Colegiados de Gestão Regional (CGR), pensados como espaços permanentes de pactuação formados por representantes do gestor estadual e pela totali-dade de gestores municipais de saúde da região. É nos CGRs, pelas suas características de instância regional de cogestão, que deve se desenvol-ver o processo de planejamento regional, considerando:

as responsabilidades dos gestores com a saúde da população do território e o conjunto de objetivos e ações que contribui-rão para a garantia do acesso e da integralidade da atenção, devendo as prioridades e as responsabilidades definidas regio-nalmente estar refletidas no plano de saúde de cada município e do estado (conselHo nacional de secretários de saúde, 2009).

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Qualificação de Gestores do sus

As diretrizes operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão, relativas ao processo de planejamento, foram regulamentadas por meio da Portaria GM/MS n. 699/2006, ficando estabelecido que: a) os Termos de Com-promisso da Gestão dos três níveis de governo devem ser elaborados segundo os respectivos Planos de Saúde; e b) o relatório de indicadores de monitoramento deve ser gerado por um sistema informatizado.

Instrumentos básicos do planejamento do SUSO sistema de planejamento do SUS foi regulamentado por meio de duas portarias ministeriais, ambas de dezembro de 2006: a PT GM/MS n. 3.085, que estabelece como instrumentos básicos do sistema de pla-nejamento o Plano de Saúde e a Programação Anual em Saúde (PAS), além do Relatório Anual de Gestão (RAG), e a PT GM/MS n. 3.332, que aprova orientações gerais relativas ao Relatório de Gestão. Esses instrumentos devem ser compatíveis com o Plano Plurianual (PPA) e com as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Orçamentária Anual (LOA), referentes ao mesmo período e instância gestora.

O Plano de Saúde é o instrumento básico que define a Programação Anual da gestão do sistema, para cada nível de governo, e das ações e serviços de saúde prestados no SUS. Deve conter os objetivos traça-dos assim como os resultados esperados no período de quatro anos, expressos em metas, configurando-se como a base para a execução, o acompanhamento, a avaliação e a gestão do sistema de saúde em cada nível de governo. Devem estar contidas também no Plano as medidas necessárias à execução e ao cumprimento dos prazos pactuados nos Termos de Compromissos de Gestão.

A Programação Anual de Saúde (PAS) constitui-se como instrumento de operacionalização do Plano de Saúde e determina o conjunto de ações que devem ser desenvolvidas para o atingimento das metas pro-postas no Plano. Deve conter a relação dos indicadores que servirão ao monitoramento da programação bem como o total de recursos orça-mentários necessários ao cumprimento desta Programação.

O Relatório Anual de Gestão é o instrumento básico para a avaliação do Plano de Saúde, uma vez que apresenta os resultados alcançados com a PAS e orienta os redirecionamentos que se fizerem necessários, subsidiando a elaboração de um novo Plano.

377

Formulação de políticas e planejamento

Em termos de estrutura, o relatório Anual de Gestão deve conter os itens a seguir, apurados com base no conjunto de indicadores definidos na Programação e com o objetivo de acompanhar o cumprimento das metas nela fixadas:

i. o resultado da apuração dos indicadores;

ii. a análise da execução da programação (física e orçamentária/financeira); e

iii. as recomendações julgadas necessárias (como revisão de indicadores, reprogramação etc.).

Considerações importantes sobre o planejamento no SUSO processo contínuo de planejamento, previsto no Pacto pela Saúde, pode significar um salto de qualidade na implementação do SUS, a partir da ênfase no processo de regionalização e da adoção do plane-jamento como função gestora capaz de promover a estruturação de redes, a organização do cuidado e a otimização de recursos.

Para tanto, os CGRs são as bases para a efetivação das transformações idealizadas e se configuram como os espaços legítimos de formulação de políticas e de planejamento estratégico de cunho regional.

Acreditamos que o processo de pactuação pode assumir formas distin-tas, como nos chama a atenção Mattos (2008). Suas origens no Brasil remontam, como vimos, à década de 1980; sua consolidação se deu com as normas operacionais da década de 1990 e passou a ocupar papel central a partir do Pacto de Gestão. Medina, Aquino e Carvalho (2000) realizaram estudos acerca dos processos de pactuação a partir do Pacto de Indicadores da Atenção Básica e identificaram dois tipos de pactua-ções: a burocrática e a dinamizadora.

A burocrática decorre do entendimento de alguns gestores de que o Pacto da Atenção Básica era uma demanda do governo federal, sem grande relevância locorregional, o que acarretou pactuações realizadas apenas com o intuito de habilitar estados e municípios e acessar os incentivos financeiros federais. A dinamizadora representa a identifica-ção, por parte dos gestores, de que a pactuação representa um processo de qualificação da gestão estadual ou municipal e de grande relevância para a população.

o Pacto de indicadores da Atenção básica foi instituído formalmente em 1999, no contexto da nob 96.

378

Qualificação de Gestores do sus

Para que os compromissos expressos nos Termos de Compromissos de Gestão assumidos pelos gestores com a assinatura do Pacto pela Vida promovam os efeitos esperados, os diversos pactos assumidos devem fazer parte dos Planos de Saúde e demais instrumentos de planeja-mento do SUS, representando efetivamente o modelo de pactuação dinamizadora descrita por Medina.

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