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353 PERÍCIA NA PINTURA DE JHERONIMUS BOSCH – AS TENTAÇÕES DE SANTO ANTÃO – MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO - MASP S.D.A.C.Hitner Pesquisa concluída no IA -UNICAMP - apoio FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de são Paulo) Introdução A análise científica realizada com métodos laboratoriais da pintura de Hieronymus Bosch, As Tentações de Santo Antão, do MASP, tem como propósito verificar se a atribuição feita ao nome do pintor se confirma. Entre as obras de Bosch, a temática da vida de Santo Antão foi abordada de muitas maneiras sendo que a mais atraente e mais completa de todas está configurada em forma de um tríptico, onde a história da vida santo está mostrada nos três painéis. Esta obra se encontra atualmente no Museu Nacional de Arte Antiga na cidade de Lisboa e a representação do painel central é muito semelhante à do MASP. A obra de Bosch do MASP é um painel único. Chegou a São Paulo na segunda metade dos anos 50. Alegava- se ser a primeira versão do painel central lisboeta por muitos especialistas. Durante os anos 70, o quadro do MASP tornou a ser objeto de análise de uma historiadora de arte flamenga que, pesquisando a fundo as Tentações de Lisboa, Fig A Obra-prima de Jheronimus Bosch – Museu Nacional de Arte Antiga - Lisboa (painel central das Tentações de Santo Antão) se deparou com a do Brasil: Fig B Jheronimus Bosch, As Tentações de Santo Antão – Museu de Arte de São Paulo - MASP e, diante das semelhanças, penetrou profundamente no âmbito da questão sobre a autenticidade das Tentações de Bosch que se assemelhassem particularmente no intuito de estabelecer uma tese sobre as etapas de elaboração anteriores à obra-prima lisboeta. Na tese da historiadora estas etapas ocorriam da seguinte maneira: primeiramente Bosch teria elaborado as Tentações do MASP e depois de Lisboa. Todavia, a tese da historiadora não se concretizou completamente por carência de material técnico e historiográfico deficiente advindo do Brasil da época. Ao longo destes anos, no entanto, os historiadores da arte especialistas em Bosch, ao citarem a obra de São Paulo, ou limitavam-se a acolher as opiniões supra Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação. Vol.1, No.6, pp. 353 - 357 Copyright © 2007 AERPA Editora

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medieval painting

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353

PERÍCIA NA PINTURA DE JHERONIMUS BOSCH – AS TENTAÇÕES DE SANTO ANTÃO – MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO - MASP

S.D.A.C.Hitner Pesquisa concluída no IA -UNICAMP - apoio FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de são Paulo)

Introdução

A análise científica realizada com métodos laboratoriais

da pintura de Hieronymus Bosch, As Tentações de

Santo Antão, do MASP, tem como propósito verificar

se a atribuição feita ao nome do pintor se confirma.

Entre as obras de Bosch, a temática da vida de Santo

Antão foi abordada de muitas maneiras sendo que a

mais atraente e mais completa de todas está

configurada em forma de um tríptico, onde a história

da vida santo está mostrada nos três painéis. Esta obra

se encontra atualmente no Museu Nacional de Arte

Antiga na cidade de Lisboa e a representação do painel

central é muito semelhante à do MASP.

A obra de Bosch do MASP é um painel único. Chegou

a São Paulo na segunda metade dos anos 50. Alegava-

se ser a primeira versão do painel central lisboeta por

muitos especialistas. Durante os anos 70, o quadro do

MASP tornou a ser objeto de análise de uma

historiadora de arte flamenga que, pesquisando a fundo

as Tentações de Lisboa,

Fig A Obra-prima de Jheronimus Bosch – Museu

Nacional de Arte Antiga - Lisboa (painel central das

Tentações de Santo Antão)

se deparou com a do Brasil:

Fig B Jheronimus Bosch, As Tentações de Santo

Antão – Museu de Arte de São Paulo - MASP

e, diante das semelhanças, penetrou profundamente no

âmbito da questão sobre a autenticidade das Tentações

de Bosch que se assemelhassem particularmente no

intuito de estabelecer uma tese sobre as etapas de

elaboração anteriores à obra-prima lisboeta. Na tese da

historiadora estas etapas ocorriam da seguinte maneira:

primeiramente Bosch teria elaborado as Tentações do

MASP e depois de Lisboa. Todavia, a tese da

historiadora não se concretizou completamente por

carência de material técnico e historiográfico deficiente

advindo do Brasil da época.

Ao longo destes anos, no entanto, os historiadores da

arte especialistas em Bosch, ao citarem a obra de São

Paulo, ou limitavam-se a acolher as opiniões supra

Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação. Vol.1, No.6, pp. 353 - 357 Copyright © 2007 AERPA Editora

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citadas, ou catalogavam a obra como uma mera cópia,

entre muitas de configuração semelhantes espalhadas

pelo mundo (quinze oficiais – p.99, 100).

Materiais Utilizados Na Pesquisa

Os principais métodos científicos adotados na análise

da obra do MASP compreenderam:

a) radiação ultravioleta

Fig.C: Fotografia Ultravioleta - MASP

b) radiação infravermelha

FigD: Detalhe fotografado em infravermelho - MASP

FigE: Fotografia em infravermelho - MASP

c) radiografia

Fig F: Detalhe da obra em preparação para res-

tauro (limpa) com inserção de fotografia Raio X

MASP

d) registros fotográficos detalhados e à luz rasante

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FigG: Detalhe fotografado à luz rasante - MASP

e) investigação minuciosa do suporte de madeira

Fig H: Detalhe do reverso da moldura (com sinal de

autenticidade) – MASP

f) exame pontual de avaliação da tinta, que implica na

retirada de amostras para análise química da tinta e dos

pigmentos

Fig I: Estratigrafia da camada (MASP)

Fig J : Detalhe da camada marrom esverdeada –

envelhecimento fotoquímico - MASP

(A competência dos pintores flamengos medievais

para fazer suas pinturas veio do assim chamado

MANUSCRITO DE STRASBOURG, um trabalho do

século XV sobre a técnica de pintura). O manuscrito

foi destruído pelo fogo em 1870 mas, felizmente, uma

cópia dele tinha sido feita alguns anos antes por um

inglês empenhado num livro de história da pintura a

óleo1. O autor do MANUSCRITO DE STRASBOURG

explicita a metodologia de como “temperar” as cores

com óleo:

“... Agora eu irei também ensinar como todas as cores

são para serem temperadas com óleo... e em primeiro

lugar como o óleo é para ser preparado para este

propósito de maneira que possa ficar límpido e claro, e

que seque rapidamente.

Como preparar óleo para as cores: Pegue o óleo de

linhaça ou de cânhamo ou óleo velho de nogueira ou

de aveleira, quanto for necessário. Coloque nisso

ossos mantidos por longo tempo, escandecidos até

tornarem-se brancos com uma quantidade igual a de

pedra-pomes; deixe-os cozinhar no óleo, removendo a

espuma. Então retire o óleo do fogo e deixe-o esfriar

bem. Se a quantidade for de aproximadamente um

quarto, adicione a isto uma onça de sulfato de zinco.

Isto irá difundir-se no óleo que se tornará bem límpido

e claro.

Mais tarde esprema o óleo num pedaço de pano de

linho limpo dentro de uma bacia limpa, e o ponha no

sol por quatro dias. Deste modo ele adquirirá uma

consistência densa, e também se tornará tão

transparente como um cristal fino. E este óleo seca

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muito rapidamente e faz todas as cores clarearem e

sobretudo tornarem-se transparentes. Os pintores não

estão familiarizados com isto. Esta excelência foi

chamada de oleum preciosum; e com este óleo as cores

deverão ser firmadas e temperadas. Todas as cores

deveriam ter base firme e depois serem temperadas em

um estado meio-líquido, nem muito denso nem muito

delgado...”2 .

Os pintores flamengos tinham recursos limitados,

entretanto, altos padrões. Era comum que usassem as

cores da terra circulando através dos amarelos

atingindo vermelhos surdos, até chegarem nos marrons.

As nuanças coloridas podiam ser mudadas

artificialmente através de aquecimento.

Os pigmentos azuis eram difíceis de ser adquiridos e

difíceis de ser usados. Um dos mais preciosos era o

ultramarino natural (Na,Ca)8[(SO4,S,Cl)2|(AlSiO4)6],

feito de lápis lazuli moído. O lápis lazuli, vindo das

minas de Badakhshan (N.Afeganistão) e do Egito, era

um item muito importante no comércio da Europa

Medieval. Era carregado por caravana ao porto de Acre

e daí transportado para Veneza. (Os venezianos o re-

exportavam para as cidades da França, Alemanha e dos

Países Baixos).

Resultados

-Origem da obra não é conhecida;

-Estado geral de desgaste. O leitor poderá observar o

desgaste do painel por meio das fotografias elaboradas

durante a limpeza e restauro da obra no Brasil.

Fig K: Fotografia da obra “limpa”pronta para

restauro - MASP

- Pentimenti vistos a olho nu: em dez áreas (p. 78).

- O exame do desenho subjacente apresenta mudanças

de composição em diversos grupos (p. 75-77). Todas as

zonas pintadas mostraram um bom resultado para o

estudo dos traços subjacentes pouco se assemelhando,

no entanto, com os estudados no painel de Tentações

Lisboa.

-Mudança na composição: O exame de Raio X

demonstrou certos elementos não existem na camada

pictórica efetiva. São eles: (área central) No lugar do

monstro verde de mantilha que está saindo do nicho em

frente à mesa carregando a bandeja com coruja

aparecem dois rostos diferentes, para citar somente um

exemplo.

- Apresentação de detalhes diferentes e detalhes

inéditos entre os dois painéis (p. 94).

Conclusão

Há detalhes inéditos na composição do óleo do MASP,

que fazem dele uma autêntica versão de pesquisa por

parte do artista. Estes detalhes foram minuciosamente

catalogados, pois pode tratar-se de uma obra em etapa

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de evolução até atingir a perfeição demonstrada no

painel de Lisboa (laudo completo da autora - p. 101) .

Isto de acordo com as conclusões de Friedländer3 ,

Eigenberger4 e Lievens de Waegh.5

Referências

P.S.: As páginas de referência desta palestra podem ser

encontradas no site:

www.bosch-masp.com.br/congresso Olinda 2006.

1- Materials for a History of Oil Painting, por Charles

Lock Eastlake, 1847.

2- Apud Baron Van der Elst, J.- The Last Flowering of

the Middle Ages, Doubleday, Doran & Company, New

York, 1944, p.38.

N.A.: Apesar dos progressos ultimamente efetuados

nos métodos instrumentais de análise e dos esforços de

muitos investigadores, parece que os pintores

flamengos misturavam ao óleo secativo um aditivo

especial [x] que, segundo alguns, seria uma resina, e

segundo outros, água. Entretanto, continua sem

esclarecimento o tipo de composição deste famoso

aglutinante oleoso. Na ocasião do exame e tratamento

da obra de Van Eyck L’AGNEAU MYSTIQUE, sob a

direção de Paul Coremans- Les Primitifs Flamands, III

Contributions a l’étude des Primitifs Flamands 2, De

Sikkel, Anvers, 1953, p.76, o autor diz: “Nous ne

pouvons préciser, avec une certitude suffisante, la

nature exacte de la substance “x” ajoutée à l’huile

siccative. Nous sommes portés à croire que cette

matière a des propriétés proches de celles de certaines

résines naturelles, soit donc d’une substance

complètement soluble dans l’huile siccative et formant

avec elle un film de structure homogène. Nous pensons

que ces caractéristiques ne se retrouvent pas dans une

émulsion”.

3- Friedländer, M.J. Die Altniederländische Malerei,

Leiden, 1937, Vol. XIV, p. 99,100.

4- Director der Gemalde Sammlung Akademie der

Bildende Kunst, Viena, Áustria (doc. no corpus, p. 110,

conforme carta ao MASP).

5- Lievens Waegh, M.L, Les Tentations de Saint

Antoine de Jérôme Bosch au Musée de Lisbonne –

Étapes de l’Élaboration d’un Chef-d’-Oeuvre, Bulletin

de l’Institute royal du Patrimoine artistique, t. XIV,

Bruxelles, 1973/4.

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