13º prêmio escriba de poesia - 2015

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Coletânea do 13º Prêmio Escriba de Poesia 2015 de Piracicaba da Biblioteca Municipal Ricardo Ferraz de Arruda Pinto. A publicação têm 31 textos, que foram escolhidos entre 1.368 poesias inscritas, de 684 participantes, de 27 Estados brasileiros e sete países.

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XIII Prêmio Escriba de Poesia

Realização Prefeitura do Município de Piracicaba Secretaria Municipal da Ação Cultural

Biblioteca Pública Municipal “Ricardo Ferraz de Arruda Pinto”

Prefeito Gabriel Ferrato

Secretária da Ação Cultural Rosângela Rizzolo Camolese

Comissão Organizadora

Aparecida Rosana Bueno de Godoy Oriani Adrielle Camargo dos Santos

Alexandre José Cruz Antonio Filogenio de Paula Junior

Elcio Queiroz Couto Fausto Rodrigues Neto

Josy Romani Sandalo (in memoriam)

Comissão Julgadora Ana Marly de Oliveira Jacobino

André Bueno de Oliveira Lisiane Ferreira da Silva Pereira Lucila Maria Calheiros Silvestre

Sandra Regina Sanchez Baldessin

Arte da Capa Eric Mazini

Edição em e-book Elcio Queiroz Couto

Revisão

Adrielle Camargo dos Santos Elcio Queiroz Couto

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Sumário

Agradecimentos .............................................................................................................................. 4

1º lugar - Refúgios para guardar meu pai .................................................................................... 9

2º lugar - ExComunGado ............................................................................................................ 11

3º lugar - Verão ............................................................................................................................. 13

Melhor de Piracicaba - Agonia da palavra................................................................................. 14

Menções Honrosas ....................................................................................................................... 16

Ilusões perdidas ........................................................................................................................ 17

Aquém e além da cajaraneira .................................................................................................. 18

Poemartírio ................................................................................................................................ 20

Poema em perspectiva ............................................................................................................. 21

Súplica ........................................................................................................................................ 22

Despedida de barco .................................................................................................................. 24

Iluminura ................................................................................................................................... 25

Selecionados ................................................................................................................................... 26

Via litterae .................................................................................................................................. 27

Casa dos rolos de papiro ......................................................................................................... 28

Clarice L´Spectre ...................................................................................................................... 29

Caos ............................................................................................................................................ 31

Pseudopsicologia da composição .......................................................................................... 33

Hei .............................................................................................................................................. 34

Borboletas rupestres ................................................................................................................ 35

De ser em hiato ......................................................................................................................... 38

Faz de conta .............................................................................................................................. 39

Hipnos ........................................................................................................................................ 41

Palavras ...................................................................................................................................... 42

As coisas vivas .......................................................................................................................... 43

Hashtag lua ................................................................................................................................ 45

Medusa ....................................................................................................................................... 46

Corpo e alma - I ........................................................................................................................ 47

Page 4: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

Vó e vô ....................................................................................................................................... 48

Ménage à trois ........................................................................................................................... 49

Curriculum Verax ..................................................................................................................... 51

Água nua .................................................................................................................................... 53

Paradoxo .................................................................................................................................... 54

Page 5: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 4

13º Prêmio Escriba de Poesia

O Prêmio Escriba de Poesia é mais um dos movimentos culturais que enchem

de orgulho os piracicabanos. Podemos dizer que Piracicaba está completa em se

tratando de manifestações dessa natureza: temos o Salão de Belas Artes, que já

completou 63 anos, o SAC (Salão de Arte Contemporânea), que chega à 47ª

edição, o Salão de Aquarelas, que nasceu este ano, representando muito bem as

artes plásticas. Há também o Salão de Humor, na área do humor gráfico, o

Fentepira (Festival Nacional de Teatro de Piracicaba) e o Feimep (Festival

Internacional de Música Erudita de Piracicaba) e muitos outros.

O Escriba de Poesia, assim como as versões Contos e Crônicas, deixa uma

herança riquíssima e eternizada para a literatura de um modo geral por meio de

suas coletâneas. E vale destacar a qualidade destes textos. Neste ano, em meio a

1368 poesias, os jurados selecionaram o que havia de melhor, deixando apenas 31

dessas poesias para serem apreciadas.

Também é preciso destacar que se trata de um estímulo aos escritores, já que

há um prêmio em dinheiro significativo para os 1º, 2º e 3º lugares e para o melhor

de Piracicaba, vencidos este ano por Patrícia Claudine Hoffman, Carlos Alberto

Bellini, Adriano Wintter Sobrosa e o piracicabano Ésio Antonio Pezzato,

respectivamente.

Parabéns aos que contribuíram para o sucesso de mais esta realização, aos

escritores e, de forma particular, aos piracicabanos!

Gabriel Ferrato dos Santos

Prefeito de Piracicaba

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13º Prêmio Escriba de Poesia 5

Prêmio Escriba de Poesia - 2015

Realizado pela Prefeitura de Piracicaba, por meio da Secretaria Municipal da

Ação Cultural (SEMAC), o Prêmio Escriba de Poesia, que acontece anualmente,

alternando a cada ano a realização com o Escriba de Contos e o Escriba de

Crônicas, tem missões nobres: valorizar e incentivar o trabalho de poetas e levar

aos amantes da poesia textos de qualidade.

E este ano, mais uma vez, podemos comemorar diante dos números que

desenham o Escriba de Poesias. Temos um total de 684 participantes, de 27

Estados e 7 países, que enviaram 1368 poesias. Vinte desses participantes são de

Piracicaba.

A participação nacional foi marcante, com trabalhos vindos dos estados do

Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo,

Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba,

Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do

Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins. Do

exterior, vieram poesias dos EUA, Itália, Moçambique, Portugal, Reino Unido,

Romênia e Suíça.

Agradeço aos membros das Comissões Organizadora e Julgadora, que tiveram

muito trabalho para escolher os melhores entre tantos, aos funcionários da

Secretaria Municipal da Ação Cultural e Biblioteca Pública Municipal “Ricardo

Ferraz de Arruda Pinto”, à Academia Piracicabana de Letras e a todos os

inscritos, que mais uma vez ajudaram a tornar o Prêmio Escriba um grande

sucesso!

Rosângela Rizzolo Camolese

Secretária Municipal da Ação Cultural

Page 7: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 6

Uma vida poética

A realização da 13ª edição do Prêmio Escriba de Poesia foi bastante

gratificante por reunirmos na equipe de trabalho, na comissão organizadora e na

comissão julgadora, pessoas que, além de apreciadoras da arte literária, procuram

em suas vidas ter uma conduta harmoniosa. No entanto, após alguns meses com

este grupo, o destino nos faria uma surpresa, e uma das pessoas que compunham

esta equipe se ausentaria definitivamente daqueles momentos tão mágicos que se

tornavam as reuniões de organização do prêmio. Foi assim que sentimos a partida

da nossa colega de trabalho e amiga em tempo integral Josy Romani Sandalo.

Uma pessoa que fez da sua vida uma poesia onde a tristeza, o medo e a dúvida

sempre ganharam cores da compreensão, da maturidade, do conhecimento e da

iluminação. Sim, esta edição do prêmio foi gratificante, pois mesmo nesta falta

física dolorosa, pudemos sentir a sua presença em todos os instantes, enchendo-

nos de ânimo, de vida. Deste modo, esperamos que o leitor possa apreciar nas

poesias escolhidas um pouco do sublime desta vida poética.

Rosana Oriani

Diretora da Biblioteca Municipal de Piracicaba

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13º Prêmio Escriba de Poesia 7

Saudade...

Falar da Comissão Organizadora do Prêmio Escriba é uma tarefa importante:

trata-se de um grupo de pessoas de distintas áreas do conhecimento técnico e

científico que se reuniram e, por mais um ano, organizaram e levaram adiante o

projeto vitorioso denominado Prêmio Escriba. Este ano, o foco é a poesia, e nos

anos anteriores o conto e a crônica, sendo essas as três modalidades contempladas

pelo concurso e que se revezam a cada ano.

No sentido weberiano da palavra, é uma atividade de ordem burocrático-

administrativa que, além de montar a estrutura para o recebimento e

armazenamento de trabalhos vindos do Brasil e do exterior, no rigor das normas

pré-estabelecidas, convoca a comissão julgadora e mantém sucessivos encontros

com objetivo de garantir a boa seleção e premiação das obras. Neste ano,

enquanto meros espectadores e apoiadores do trabalho da comissão julgadora,

temos a convicção de que os leitores ficarão impressionados não só com a

qualidade como também com a variedade dos textos elaborados. Um segundo

ponto que gostaríamos de destacar é o aprendizado que tivemos por termos o

privilégio de ficar ao lado de pessoas tão capacitadas e críticas, para decidir o

destino das obras que estavam sendo avaliadas.

Por fim, gostaríamos de nos posicionar sobre a mensagem mais importante

que nos cabe nesta edição: uma comissão burocrático-administrativa tem também

o seu lado romântico quando entre nós se desponta a temática VIDA. É consenso

entre nós que as pessoas não são substituíveis; tivemos a prova este ano quando

perdemos a amiga Josy Sândalo, que, durante anos, foi nossa companheira de

trabalho e membro desta comissão. Uma pessoa que agia com alegria, felicidade e

solidariedade, sendo honesta e despretensiosa; o tipo de amizade que estendemos

para os nossos círculos familiares. O sentimento que temos por ela é de amor e

gratidão. Em tempos em que estar acima de tudo e ser melhor que todos é

determinante, diríamos que uma célula gigante de amorosidade que tínhamos bem

ao nosso lado subiu aos céus, deixou-nos sem aviso, indo ao encontro do infinito

e fazendo o nosso coração explodir de saudade.

É com este sentimento fraterno que esperamos que os leitores encontrem

estímulo e sentido de vida em cada uma das linhas dos trabalhos publicados.

Comissão Organizadora

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13º Prêmio Escriba de Poesia 8

Viagem pela palavra

Julgar nunca é uma tarefa fácil, mas a sensação da comissão julgadora no final

do trabalho foi de alegria e dever prazerosamente cumprido. A seleção foi

realizada com muito critério e cumplicidade pela equipe, todos movidos pela

mesma paixão: literatura.

Foram lidos e analisados 1368 poemas de 684 poetas de primeira grandeza.

Assistimos a um desfile de diversas formas poéticas e temas variados,

presenciamos uma conversa afiada entre presente, passado e futuro.

É sempre um deleite para alma sentir e apreciar a palavra elevada à categoria de

arte. Nosso agradecimento a todos os participantes por nos proporcionar

momentos agradabilíssimos de boa literatura.

O concurso apresentou candidatos de várias partes do Brasil (Acre, Alagoas,

Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás,

Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba,

Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do

Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins) e

também do exterior (Estados Unidos, Itália, Moçambique, Portugal, Reino Unido,

Romênia e Suíça). Essa participação tão expressiva de brasileiros de lugares tão

variados ratifica a importância desse tipo de iniciativa para valorizar e fortalecer

cada vez mais a literatura contemporânea.

Parabéns aos premiados e contemplados pelo Prêmio Escriba 2015!

Parabéns à Secretaria Municipal da Ação Cultural pela seriedade com que

realiza o evento e pelo comprometimento com a cultura brasileira.

Agora é hora de iniciar a viagem pela palavra. Que sua aventura seja tão

prazerosa, reflexiva e emocionante quanto foi a nossa! Boa leitura!

Comissão Julgadora

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13º Prêmio Escriba de Poesia 9

Refúgios para guardar meu pai

Patrícia Claudine Hoffman

Balneário Barra do Sul - SC

A saudade desenha seus estiletes,

de dentro para fora, pai.

Teus molinetes agora

ornamentam a casa

com inconformável beleza:

procuram tua pesca.

Nenhuma fresta entre nós.

Nenhuma isca.

Na antifesta de estar,

o mar desfeito

não comemora comigo:

estamos sós.

E não há pacto

de anzóis que capture

a precocidade de tua ausência

ou te devolva

como devolvíamos os peixes para a água.

Apareceram uns cansaços nas paredes.

Onde antes teu descanso

sobre o dorso das redes,

agora memórias rendadas

avarandam a chuva

em chamamento.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 10

Enquanto o vento motiva algum sol,

embala-me ainda teu riso

nos braços já fracos

da infância...

- As tarrafas cresceram, pai.

Ainda não aprendi a dobrá-las.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 11

ExComunGado

Carlos Alberto Bellini

Porto Ferreira - SP

Meu anjo

abriu a guarda

Minha estrela

caiu na guia

Meus sonhos

foram embora

enquanto

eu dormia

Minha alma

desarmada

Atirou e

errou a mira

Minha paz

ficou vermelha

Nas asas

da pombagira

Meu santo

foi pro outro canto

Foi baixar

noutro terreiro

Eu fiquei

na encruzilhada

despachado

por inteiro

Page 13: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 12

A coisa

ficou preta

Vira e mexe

dá um branco

E babando

colorido

Rezo um

poema manco

Rezo os trancos

e barrancos

Da Sagrada

Escritura

Na procura

de um arrimo

rimo rente

à loucura

Excomungado

do rebanho

Minha reza

berra e xinga

Sou poeta

e minha igreja

Não tem papas

pela língua

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13º Prêmio Escriba de Poesia 13

Verão

Adriano Wintter Sobrosa

Porto Alegre - RS

o dia arcífero

com dardos canoros

tende o fio do horizonte

e fere o ar de amarelos

revoada de alvos: alvorecer

setas explodem nos pátios

no peito crespo dos pássaros

filetes lentos de chamas

atravessam venezianas

ruas são Romas

raios são Neros

com a carne em labaredas

debate-se a natureza

a vida

sob chagas centígradas

num ruivo uivo agoniza

e tomba no túmulo

noturno

para amanhã

fenixmente

ressurgir das cinzas 3º

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13º Prêmio Escriba de Poesia 14

Agonia da palavra

Ésio Antonio Pezzato

Piracicaba - SP

A palavra está quebrada

O pincel – feito caneta

Já não consegue moldá-la

Digito meu nome em códigos

Escrevo torto nas pautas

Desenho através de enigmas

As letras estão em forma

Falta decodificá-las

E o teclado é analfabeto

Esta morte antecipada

É a agonia da palavra

Que não sabe traduzir-se

Caminha já não registra

Para El-Rei de Portugal

As glórias da nova Terra

Einstein faz o seu brinquedo

De maneira relativa

Somente através de números

Camões desenha epopeias

Em versos de oitavas rimas

De maneira quase heroica

Mel

hor

de

Pir

aci

cab

a

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13º Prêmio Escriba de Poesia 15

Pessoa confunde nomes

E se perde em heterônimos

Pelas ruas de Lisboa

Edison põe voz à palavra

Em ondas médias e curtas

Em ruídos e chiados

Chateaubriand convoca a imagem

Que já despreza a palavra

Em atos sujos e obscenos

Chaplin anda no silêncio

E através de rudes gestos

Consegue comunicar-se

O cego em linguagem Braille

Faz o seu som de silêncio

Na digital de seus dedos

O Dicionário fechado

Num eterno embolorar-se

É banquete para as traças

A Palavra fica oculta

Pelos tetos da Sistina

Em cores luzes e sons

Da Vinci no seu silêncio

Traduz por meio de sombras

A palavra do sorriso

E o poeta ainda canta

Mas até a voz é morta

– Não ressuscita a Palavra!

Page 17: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

Menções

Honrosas

Menções

Honrosas

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13º Prêmio Escriba de Poesia 17

Ilusões perdidas

Leda Coletti

Piracicaba - SP

O que sonhava acontecer na vida,

gozar de grande amor puro, sincero

ficou só na ilusão, mágoa sentida

de relação confusa, sem tempero.

Muita provação tive nesta lida,

ausência de carinho, pouco esmero

em me fazerem ser mulher querida,

ludibriada por falso lero-lero.

Como esperei ansiosa, apaixonada

trocar beijos ardentes, ser amada

por quem amei até em demasia.

Em troca encontrei dor, triste mentira

que me fez muito mal, levou-me à ira

por ver à mostra tanta hipocrisia.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 18

Aquém e além da cajaraneira

Vicência Maria Freitas Jaguaribe

Fortaleza - CE

O pé de cajarana da casa de minha avó

dividia em dois mundos apartados

um quintal só.

Aquém da grande árvore,

o ligeiro desenrolar do fio da realidade.

Além da grande árvore,

o lento desfiar do fio da fantasia.

Do lado de cá, tínhamos hora marcada:

hora de dormir, hora de acordar, hora de comer,

hora de estudar, hora de brincar, hora de tomar banho.

Do lado de lá, não havia relógio

— o grande carcereiro do tempo.

E, não havendo cárcere para encarcerar o tempo,

o tempo abandonava-se em nossas mãos.

E, do lado de lá, criávamos um mundo

sem tempo e sem relógio – sem hora marcada.

E desse novo mundo

partíamos para terras encantadas.

Íamos à terra de Aladim e,

esfregando a lâmpada mágica,

fazíamos os três pedidos:

que papai e mamãe tivessem vida eterna;

que Papai Noel nos trouxesse o presente aguardado;

que as férias fossem mais longas do que as aulas.

Mas eu ousava um quarto pedido:

que ganhasse todos os livros desejados.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 19

Quando montávamos o tapete voador

para visitar o reino da fada azul

eis que o grito da realidade

quebra o silêncio da fantasia.

Tivemos que transpor os limites indesejáveis.

Um dia, perdemos a chave do mundo de lá,

estávamos crescendo, despedíamo-nos da infância.

Depois, viramos adultos.

Não tínhamos mais as chaves do mundo de lá,

em cujo portão sentinelava o anjo da razão

empunhando a espada do bom-senso

e o escudo da responsabilidade.

Depois, o mundo de cá invadiu o mundo de lá.

E os dois mundos fundiram-se em um só:

o mundo da realidade.

E nunca mais a vida nos permitiu

dividir o mundo em dois

como fazíamos no quintal de minha avó.

Também haviam derrubado o pé de cajarana!

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13º Prêmio Escriba de Poesia 20

Poemartírio

Geraldo Trombin

Americana - SP

Tem um anzol enfiado

bem na goela do poema.

Ele está se debatendo!

Uma bala perdida

sangrando o peito da poesia!

Ela está se definhando!

Tem uma fita métrica intimando

a métrica dos meus versos;

verdadeira camisa de força

colocando na forca

quem nasceu para ser livre.

Uma mordaça de cacos de vidro

dilacerando o "boca a boca"

da minha prosa poética.

Tem um espinho espetado

sob as unhas das minhas estrofes:

uma dor que atrofia o dia.

Queria poemar

– nadar em poemas –

mas, que mar... tírio:

tanto anzol e bala perdida

fisgando a carne,

deixando na pele

a derradeira ferida!

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13º Prêmio Escriba de Poesia 21

Poema em perspectiva

Ronaldo Henrique Barbosa Junior

Campos dos Goytacazes - RJ

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13º Prêmio Escriba de Poesia 22

Súplica

Samuel Antunes dos Santos

Ponta Grossa - PR

Ama-me como se você estivesse louca,

como se eu fosse a última gota

a cair na sua boca.

Ama-me como se eu fosse seu porta-estandarte,

a sua outra parte,

a sua obra de arte.

Ama-me como se eu fosse o seu marido,

o seu amor perdido,

o último a ser traído.

Ama-me como se eu fosse a sua voz,

como se estivéssemos a sós

e o mundo fosse apenas nós.

Ama-me como o peixe ama o rio,

como o aventureiro ama o desafio,

como um animal que está no cio.

Ama-me como dia ama a claridade,

como o mendigo ama a piedade,

como o pássaro ama a liberdade.

Ama-me como o mago ama a magia,

como o músico ama a melodia,

como o poeta ama a poesia.

Page 24: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 23

Ama-me sem demora,

ama-me sempre e agora,

quando eu estiver presente

e quando eu já tiver ido embora.

Page 25: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 24

Despedida de barco

Baktalaia de Lis Andrade Leal

Caetité - BA

Pés no cais, coração a bordo.

Adeus mil vezes.

Beija-se a mão,

a mão beija o vento,

o vento beija a mão,

a mão guarda o beijo no peito.

Só o mar veste o adeus

com todas as cores mais demoradas

que todas as lágrimas poderiam ter.

A dor da distância é tão aguda

quando o longe é lento,

quando o vento leva o cheiro

que o abraço deixou!

As gotas da despedida

salgaram o mar...

Amargo mar,

que faz espuma e desfaz nela

o louco anseio de correr sobre as águas

e abraçar de novo.

Faz o tempo alongar-se

e o coração diminuir,

diminuir

diminuir lá no cais.

Então apenas o céu, o mar, o vento e a saudade...

Page 26: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 25

Iluminura

Luiz Claudio Bento Rodrigues

Belo Horizonte - MG

Nasce a palavra

Entre pedras e flores

Pousa sobre águas

Já maduras de marés

Percorre sem medo

Os caminhos da solidão

O poema ilumina-se

Em desafio e angústia

E instaura afinal na carne

O enigma da palavra poesia

Page 27: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 26

Selecionados

Selecionados

Page 28: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 27

Via litterae

Rafaela Gomes Figueiredo

Rio de Janeiro - RJ

aventurar-se num poema

é exercício coordenado:

linguagem nave

que atravessa dimensões

do tempo;

músculos, ritmos

em movimentos lentos

sob gravidade alguma

um poema pode

recriar o mundo!

transcender barreiras

sonoras, linguísticas…

na galáxia dos versos

o sistema língua

tem planetas signos

— unidades morfológicas,

semânticas, sintáticas

a orbitar o espaço

sob atração sintagmática

Page 29: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 28

Casa dos rolos de papiro

Diego Martins de Paula

Piracicaba - SP

O nômade que monta dromedários

Nos montes dum deserto de madorna

É o homem da areia – quem assopra

Pirâmides de sono sobre os gatos.

A traça da cultura – que devora

Palavras em desuso no alfarrábio

Co’a pútrida costura de seus lábios –

Murmura, como múmia, mil memórias.

A antiga idade mofa os pergaminhos.

O tempo embolora meus neurônios

E a Antiguidade escrita nos papiros.

No teto, as teias. Crônico domingo.

Meu templo se esfarela. Faraônico,

O eterno Império cresce enquanto mínguo...

Page 30: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 29

Clarice L´Spectre

Sonia Marçal Pavan

São Paulo - SP

Clarice, L´Spectre,

E se eu roubasse um verso teu?

Assim, angular como tua face

Em carne lapidada?

Se eu, um só verso

Te roubasse

Pro meu poema/vida não ser em vão?

Tu me dirias, Bruxa-Mor,

Mãe das minhas águas,

Tu me dirias que os versos

Não são de ninguém...

E que se roubas

O que a ninguém pertence

Tu não roubas:

Adoças com cubos de açúcar

O paladar dos equinos, dos belos,

Das foices e dos martelos,

Dos livros velhos, dos traços destroçados...

Anseio por teu colo e sei-o!

Caminhar por tua via-láctea

Há de fazer-me bem

Há de fazer confrontar-me com os astros

A dizer, a dizer...

Page 31: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 30

(óbvios astros, onde está o Maestro que vos rege?

Que é a ele que quero

Para afinar todos os anjos

No mesmo diapasão

Da nota pura, da mais clara Clarice).

E eu, mulher que, precocemente,

É Não!

Fruta mais que madura,

Ah, Clarice L´Spectre,

Ovo do meio,

Perdoa!

Mas me deixa roubar um verso teu!

Page 32: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 31

Caos

Rosicler Antoniacomi Alves Gomes

Ponta Grossa - PR

Estou cansado desse mundo

Fútil

Cheio dessa ignorância

Fétida

E de nossa cumplicidade

Patética

E de toda essa inocência

Inútil

Dessa dupla-coisa-imunda

Sem personalidade

Não há nada mais natural

Do que o mundo ser uma cópia

Do nosso interior infernal

Perdidos entre a inocência e o mal

Confundidos pela nossa própria

Inteligência

Esse é o mundo das incoerências

Do ignorante bem intencionado

Detonando a bomba

Da incompetência

Do inocente mal localizado

Obstruindo a ação

Da providência

Do desastrado no lugar errado

Jogando merda e dor

No ventilador

Page 33: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 32

Estou cansado dessa inteligência

Dessa merda de incoerência

De encarar com naturalidade

Essa dupla personalidade

Que colore a inocência

De cumplicidade

Com todo esse mal

Que inferniza nosso nada animal

E o transforma em

Caos.

Page 34: 13º Prêmio Escriba de Poesia - 2015

13º Prêmio Escriba de Poesia 33

Pseudopsicologia da composição

A João Cabral

Augusto Sergio Bastos

Rio de Janeiro - RJ

Espero meu poema

com as mãos lavadas.

A folha em branco,

sem máculas e pudica,

é berço de palavras,

solo fértil para poesia.

Nela não há o amanhã

nem as incontáveis vésperas.

Em breve o texto se revelará.

Faço um pedido:

seja mineral

o papel onde o verso se inscreve,

seja mineral o próprio verso.

Mas que eu possa debulhar as palavras,

recolher as sílabas

e fecundar o poema.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 34

Hei

Fernanda Silva Lopes

Caçapava do Sul - RS

Hei de sugar de cada dia o seu mais simples momento,

Hei de ver em cada gota de orvalho o mais puro encanto,

Hei de escutar em cada sibilar do vento algum canto,

Hei de expandir a minha mente e mantê-la em movimento;

Hei de amar com toda a força existente em meu coração,

Hei de fazer a cada dia desse amor o alimento

Que me supre, regenera e me dá o desejado alento

Para seguir adiante com garra e determinação.

Hei de ser eu mesma (esse conjunto de “eus”) a cada instante;

Juro levar comigo sempre os valores que aprendi,

Prometo levar virtudes de todos que conheci,

Carregarei sorriso e lágrima de cada semblante.

Só não prometo que minha face será sempre enxuta,

Nem que minhas lágrimas estarão sempre resguardadas,

Mas hei de fazer valer a pena todas as jornadas,

Pois precisa a guerra pra existir paz na mais tensa luta.

E quando a morte cobrir-me os ombros com seu negro manto,

Direi que vivi intensamente, mais do que foi preciso;

Direi, sem pestanejar, que fiz valer cada sorriso,

Direi, mirando seus olhos, que fiz valer cada pranto.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 35

Borboletas rupestres

Pedro Jorge Rodrigues Gomes

Fortaleza - CE

Transito pelo quadrante do Infinito...

Sophya me disse que nossa evolução

provém de seres inanimados,

cuspidores de ideias sub-reptícias

e arquétipos de ilusões.

Ó Sophya, a velocidade do mundo

não anistia a beleza que há em nossas retinas almadas.

Outrora homens louvavam e temiam as ondas salgadas

(no mar, ó Sophya, jazem deuses esquecidos, heróis fortes,

vagabundos vencidos, almas caladas, navegantes perdidos

e o enigma do Desconhecido).

Ah..., a metafísica do mundo

esconde-se nos seios, nos labirintos, no universo que ascende em nossas almas.

Não é isso que o homem absorve, após modelar

e resguardar a poesia dentro de si?

Estamos numa colossal cidade

onde nas ruas esquecidas,

encontra-se a fome canina

nas cavernas dos olhos de crianças pequeninas.

Mas nesta cidade...nesta maldita cidade...

o canto seco das fumaças

e o Grande Computador Veloz,

trazem-nos a divina evolução!!!

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13º Prêmio Escriba de Poesia 36

Estamos no âmago de uma cidade evoluída,

com pessoas apressadas, mal amadas, mal almadas,

naufragadas

no mar feroz de suas próprias feridas.

Andamos por estas calçadas, ó deusa desconhecida...

Ah..., a metafísica dos passos

envolvem-nos gloriosamente...

Tenhamos cautela, ó Musa perene, ao andarmos

por esta cidade que cospe fogo

e massifica os sonhos dos infelizes que anseiam por utopias.

Ah..., eterna Sophya, recordo-me

daquelas paisagens que comprovavam

minha existência sobre a Terra,

é o sertão do imaginário, ó deusa, que evocava a felicidade nos jardins desta vida

terna.

O nosso habitat é o sertão calado

que branda no espírito de quem alvorece junto com o dia

e canta no enigma dos galos!

Porém estamos na cidade.

Continuamos na cidade.

Continuaremos na cidade...

Eu, miserável homem utópico,

adaptei-me à esta cidade.

Cidade esta que me enche os pulmões com fumaça taciturna

e que contamina minhas retinas com olhares infelizes e temerosos...

Além disso, sou perenemente

vigiado por homens vestidos de deuses

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13º Prêmio Escriba de Poesia 37

(capciosos, malditos seres!!!)

que voam em bestas aladas

decretando

o fim de minha pouca utopia.

Ah..., e as utopias metamorfoseiam-se em borboletas rupestres...

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13º Prêmio Escriba de Poesia 38

De ser em hiato

Matheus Vinicius de Souza Fernandes

Florianópolis - SC

De ser,

findei minha pequena existência.

De(ter) a mim mesmo,

um ser in(pré)visível.

Re(encontro), me re(faço).

Re(ajo), reflito, aflito re(nasço).

E na imensidão dos acontecimentos, re(surjo),

Utopicamente, ao tempo de me des(estruturar),

Re(produzo), a fim de me re(conhecer).

Re(transmito) para não me perder.

Entre tantos parênteses, não me defino.

Trans(“cendo”) não sendo (um) ser só.

Encerro, ladeado ao esmo,

busca incompleta do ser, (eu) mesmo.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 39

Faz de conta

Paulo Cesar Paschoalini

Piracicaba - SP

Outro dia mesmo estava me divertindo,

assim meio descuidado, meio distraído,

e pelas brincadeiras de infância atraído.

Vieram outros dias, outras noites,

e, então, o tempo, sorrateiramente,

foi levando para longe de mim, dia após dia,

o pião que fazia girar as minhas fantasias;

as bolinhas de sabão, que eram meu alento,

foram desmanchando-se ao sopro do vento.

O faz de conta, os pés descalços, as “partidas”,

o “bate-bola” nos campinhos de terra batida;

as alegres brincadeiras de “esconde-esconde”,

me escondiam do mundo adulto, não sei onde.

Enfim, até me dar conta que chegou o dia

de que esconder já não mais conseguia.

Eu não gostei de ter crescido, realmente.

Vez por outra eu me perco à minha procura.

Eu queria ter de novo aquela estatura,

aquela inocência, aquela candura.

Não queria esse mundo de loucura,

onde a verdade se vai e a mentira perdura.

Eu queria ser um menino eternamente.

Na verdade sou criança, apesar da aparência,

e luto para não ser adulto, com veemência,

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13º Prêmio Escriba de Poesia 40

para não adulterar de vez a minha essência.

O pião perdeu-se num mundo que continua a girar,

as bolinhas de sabão desfizeram-se de vez pelo ar

e nas ruas asfaltadas meus pés calçados vêm pisar.

Mas eu sigo brincando de esconde-esconde, contudo,

com o tempo que insiste em transformar tudo;

faz de crianças alegres, adultos sisudos.

Meu corpo de adulto pelo tempo foi esculpido,

embora me sinta criança, num corpo crescido,

com roupas de adultos, mas espírito despido.

Quanto mais ele muda, mais me contraponho,

pois muda um reino encantado de sonhos,

em um mundo ainda mais infeliz e tristonho.

Cresci e não gostei; isso me desaponta.

Por isso mantenho esse desejo oculto,

insistindo em brincar de faz de conta

e fazendo de conta que sou adulto.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 41

Hipnos

Rubens Chinali Canarim

Bauru - SP

Da crueldade da noite fiz um manto,

A cobrir-me de enganos e de ausências,

Nas vísceras da noite fiz-me essência

Despida da inconstante seiva humana.

Da treva fria o ventre degredado,

Primevo, da agonia, fiz-me um berço,

E em suas fímbrias de estrelas bordejadas

Fiz-me ao translúcido inconsútil peito.

As drapejantes asas, destinadas

Às incertezas, turvações, distâncias

Trespassadas, às horas arrastadas,

O Serafim das ébrias inconstâncias.

Trânsfuga das tormentas que não findam,

Fiz-me da noite, e a noite fez-se em mim.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 42

Palavras

Patrícia Costa

Rio de Janeiro - RJ

Latejando dentro das mãos insones

Palavras não conseguem ficar caladas

Inquietas, tagarelas e cheias de fome

Devoram verbos, adjetivos e metáforas.

Percorrem avidamente numerosas linhas

Sem ter a necessidade de responder

Ao súdito Poeta que doa em sua tinta

A sensibilidade para o texto acontecer.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 43

As coisas vivas

Ana Flávia de Melo Mendes Carvalho

Mateus Leme - MG

as coisas vivas têm seus espaços

têm seus tumores

e os interstícios destes

as coisas vivas têm sua espera

sua desespera

têm seus aumentos

têm teras

têm telos

têm taras

e escárnios

também há seus bons floemas

e os caldos de suas carnes

as coisas vivas esperam

com paciência

para aumentar

depois viram outras coisas

com pedaços delas mesmas

e os pedaços mais antigos

morrem

pra que os novos continuem

a perpetuar a honra do que foi

eu já fui minha bisavó

e há pedaços de Salomé

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13º Prêmio Escriba de Poesia 44

em gentes que eu não conheço

minha bisavó

antes de coacervar-se

foi pó

e há pedaços de ostracodermes

em genes que eu reconheço

as coisas vivas não são demais

as coisas vivas não são de menos

são apenas o que é preciso

do que é preciso

não somos nós

- galhinhos mirrados de coisas vivas -

que vamos saber fazer juízo

as coisas vivas estão aqui

e, tão bonitas, continuam

as coisas vivas continuam

as coisas vivas continuam

as coisas vivas são sim

as coisas vivas têm uma coisa

talvez de coisa delicada

que é diferente de coisa bruta

as coisas vivas são coisas úmidas

esta verdade não se discute

por mais que a casca seja crocante

e o cerne pra lá de duro

as coisas vivas

só estão vivas

por um constante barulho d'água que repercute

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13º Prêmio Escriba de Poesia 45

Hashtag lua

Pseudônimo: Minguante

Carmen Maria da Silva Fernandez Pilotto

Piracicaba - SP

E nas cheias

caminhamos noites

incansavelmente

Passos em minguantes

solitários

Tribos em redes sociais

desatrelaram-se dos astros

atores brilhantes sem plateia

A luz fria do quarto

lâmpada eclíptica no teto caiado

ausência de sonhos, estrelas e luar....

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13º Prêmio Escriba de Poesia 46

Medusa

Rodolfo Elias Minari

Rio Branco - AC

Ganhei uma espada e asas de besouro

Pra ir à distância que a Deusa deseja

Trazer, da Medusa, em uma bandeja

A feia cabeça, que vale tesouros

Mas não sou herói, não desejo fortuna

Eu não sou Arjuna, nem Thor, nem Ulisses

Quem foi que lhe disse que aceito dinheiro?

Prefiro, primeiro, o sossego das matas

Recolha sua prata, e guarde seu ouro

Me dê só um couro pro meu tamborzinho

Teci com carinho uma rede de malha

Casinha de palha pros meus mamulengos

Eu tenho um balaio cheinho de dengos

Pra quando o amor de minh’alma chegar

Eu espero uma vida no mesmo lugar

Pra ver aportar a metade perdida

Eu tenho um baú onde guardo segredos

Vestidos e medos que ninguém mais usa

A espada e o olhar da horrenda Medusa

Que a Deusa pediu, mas não veio buscar

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13º Prêmio Escriba de Poesia 47

Corpo e alma - I

Sergio Fonseca

Mesquita - RJ

Que amor é esse que, triste, se contenta

só com lembrar a criatura amada?

Que, quando está distante, se apresenta,

que, quando está por perto, não diz nada?

Que amor é esse que, livre, se acorrenta

e se embalsama em cada punhalada?

Que, fonte de si mesmo, dessedenta

a própria lucidez alucinada?

Que amor é esse que, à moda de Vinícius,

se deixa maculado de pureza,

se quer purificado pelos vícios?

Amor que me arrebata e que me acalma,

que, quando se ilumina de tristeza,

descansa a dor do corpo à sombra da alma...

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13º Prêmio Escriba de Poesia 48

Vó e vô

Andre Telukazo Kondo

Jundiaí - SP

minha avó é uma aranha

é verdade

eu a vejo

tecendo sua teia

– vô diz que é crochê –

ponto a ponto

uma grande teia branca

– vô diz que é toalha de mesa –

e quando a teia está pronta

de tardezinha no sítio

minha avó

coloca ao centro

da toalha de crochê sobre a mesa:

um bolo de fubá

os netos caem na teia

– vô diz que é amor –

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13º Prêmio Escriba de Poesia 49

Ménage à trois

Jacqueline Salgado

Bauru - SP

“Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas."

(Agustina Bessa-Luís)

O sujeito,

meio torto, meio lírico,

debruça-se sobre o universo.

Ele,

quotidiano,

toma para si a intimidade da poética.

Ela,

quase mínima,

recria os objetos,

refaz os conceitos

e aceita a rotina imposta pelo sujeito.

Eis então que surge a palavra,

e ela chega silenciosa,

para desalinhar todos os versos,

para desafiar as rimas,

para verter todos os verbos

em regatos de sensações.

Aquele eu lírico

tomado por comichões

e centelhas,

pede passagem no tempo

e no espaço,

abre brechas no texto

ou ocupa um lugar

concreto

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13º Prêmio Escriba de Poesia 50

no abandono das paredes.

Aquele quase lírico,

aquele quase eu,

fruto de um ménage à trois

entre o sujeito,

o quotidiano

e a poética,

começa a crescer

dentro da palavra-ventre,

dentro da palavra-corpo.

É dessa gestação

(ou desse buraco negro)

que vai surgir,

assim,

lento ou afoito,

o mais puro

(ou o mais vira-lata)

dos poemas.

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13º Prêmio Escriba de Poesia 51

Curriculum Verax

Lucas Bronzatto Silveira

São Paulo - SP

Desculpe não ter anexado uma foto

é que às vezes a gente vê mais com a imaginação

do que com os olhos

Meu rosto é comum

barba óculos cabelo curto nariz de batata olhos atentos

Tenho os sentidos aguçados

bastante permeáveis ao sofrimento do mundo

Vivo levando para o travesseiro dores que não são minhas

poemas que não chego a escrever

Ficarei muito feliz se puder trabalhar de chinelo

bermuda de surfista e camisa de time de futebol

ou qualquer outra roupa que não precise passar

Esse diploma de farmacêutico que vai anexo

conferiu-me um grau enorme de indignação

com a indústria farmacêutica e suas táticas de colonização

Resisto a uma dipirona como criança a um xarope

Minhas melhores referências não virão dos patrões

sempre acabo deixando transparecer

a indigestão que engolir hierarquias me causa

Como referências bibliográficas

cito os livros que ainda não li

e algumas tirinhas da Mafalda protagonizadas pelo Felipe

Da infância ligada no videogame

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13º Prêmio Escriba de Poesia 52

carrego essa ideia estúpida de invulnerabilidade

traduzida em convenientes anestesias na vida adulta

mas carrego também a capacidade de enxergar um continue

sempre depois de qualquer game over

Passei da fase de viver jogando

por isso não conte comigo para jogos de poder

Ambição e orgulho não foram salpicados na minha argila

Mas se ainda assim quiser jogar te alerto de antemão

que sentirá primeiro aquela raiva infantil

que a indiferença causa nos adultos

depois colocará um chapéu de burro no meu peão

e me deixará rodadas e rodadas sem jogar

Ah, em jogos desse tipo meu peão é o branco

está sempre do lado dos outros peões

e leva dentro meus sonhos vermelhos

bem maiores que qualquer mesquinharia

Você talvez dirá que sendo assim

caminho rumo a lugar nenhum

e é exatamente lá que eu quero chegar

Se as pessoas fascinantes que conheci que são assim

e as que ainda não conheci

também têm como destino esse lugar chamado nenhum

quando chegarmos todos lá

vamos colocar na entrada uma placa

feita à mão com as palavras

bem vindo a um lugar onde gente é tratada como gente

vamos hastear nossas bandeiras

e construir no meio das árvores casas feitas de sonhos

tornados realidade

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13º Prêmio Escriba de Poesia 53

Água nua

Ilda Pinto Almeida

New Jersey - EUA

Toma-me, ó rio, nos teus abraços

E rega a minha magreza

Eu sou chão aplastado

Que minto e finjo o verde prado

No lamento dos meus cansaços

Minhas entranhas bramam, o abraço

Em teu leito fresco e alongado

Rega-me o ventre já lasso

E fecunda este solo ávido

Sou pragana lançada no sequio

Se me não me visitas com teu cio

Quero ser tua predileta

Em teus braços me secumbir

Ser terra grávida a florir

Neste sedutor acasalamento

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13º Prêmio Escriba de Poesia 54

Paradoxo

Mateus Felipe dos Reis Martins

Belo Horizonte - MG

A vida une o insano ao sensato

Mescla fantasia e fato

A vida afirma

E contradiz

Na vida o eterno é efêmero

O sempre é nunca

E ser triste

É ser feliz

A vida faz do nosso muito tão pouco

Faz do racional o louco

Confunde princípio e fim

Na vida os fracos são fortes

Toda união é corte

O próprio viver é morte

Enfim

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