134do4 pdarrodtidparpau3l - rcaap
TRANSCRIPT
bernardino antónio gomes
1
Bernardino António Gomes Ilustre médico iluminista nascido em Paredes de CouraCARLOS SUBTIL
Coordenação · Bárbara AzevedoDesign · Olinda MartinsRevisão de texto · Maria David Castro Data da edição · maio de 2017Tiragem · 300 exemplaresExecução Gráfica · Depósito legal ·
11 prefácio
13 introdução
17 i parte
Asociedade,asaúdeeamedicinaaotempodonascimentoevidadeBernardinoAntónioGomes
19 Omodelodegovernoedeadministraçãodasaúdepública
Aassistênciaeasaúdeduranteamonarquiacorporativa
26 AsaúdepúblicanosalvoresdoLiberalismo
29 Oestadodaartemédica:damedicinahipocrático-galénicaatéamodernidade
35 ii parte
Origem,dadosbiográficoseaspetosdavidafamiliardeBernardinoAntónioGomes
48 Obotânico,sanitaristaedermatologista
Obotânico
54 Omédicodesaúdepública,fundadordaInstituiçãoVacínica
75 Ofundadordadermatologiaportuguesa
79 Ashomenagensquelheforamfeitas
82 Àguisadeconclusão
86 Fontes
91 ReferênciasBibliográficas:
Conteúdos
36 Figura1—GenogramadafamíliadeBernardinoAntónioGomes
46 Figura2—EstátuadeBernardinoAntónioGomesnoJardimBotânicodeLisboa
50 Figura3—Páginasdo1º.VolumedeManuscritosdeBernardinoAntónioGomes,comoregistodasobservaçõesdedoentescomsezõestratadoscomaquinadeGoiares,enquantomédicodaArmadaeCapitãodeFragataGraduado(1798-1808).Oferecidoporseuneto,PadreBernardinoBarrosGomes,em1910,aoJardimBotânico,daUniversidadedeCoimbra(?)
58 Figura4—Capadosdoisprimeirosopúsculossobreavacina,dosnovequeforampublicadosentre1812e1813
62 Figura5—PrimeirapáginadaRecopilaçãohistóricadostrabalhosdaInstituiçãoVaccinicaduranteoseuprimeiroanno.
68 Figura6—PrimeirapáginadaContaannualdaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanasessãopublicade1815
74 Figura7—CapadeEnsaiodermosográfico
76 Figura8—CapadaCartaaosmédicosportugueses
78 Figura9—SinaléticadaR.Dr.BernardinoAntónioGomesemParedesdeCoura
80 Figura10—SinaléticadoLargoBernardinoAntónioGomes,ondetambémexisteumbustoseu,juntoaoCampodeSantaClara
Figuras
41 Quadro1—Tabelacronológico-biográficadeBernardinoAntónioGomesincluindoadatadepublicaçãodassuasobraseacontecimentosrelevantesdavidanacional
57 Quadro2—OpúsculospublicadosdesdeafundaçãodaInstituiçãoVacínicaatéfevereirode1813
64 Quadro3—NúmerodevacinadosduranteotrimestreemqueBernardinoAntónioGomesfoidiretor,porlocalidadesepordistrito
70 Quadro4—Número,nomeetempodeserviçodosvacinadoresdaprovínciadoMinho,noterceiroanodeexistênciadaInstituiçãoVacínica(1815)
Quadros
11
A história local continua muito viva e assim será nos próximostempos. Num mundo em que tudo muda, a um ritmo alucinante enumtempoemqueasfronteirassãocadavezmaisinvisíveis,háumatendêncianostálgicaparaprocurarasraízesedescobrircommaisprofundidade quem somos. É uma boa compensação porque nãopodemos compreender o mundo e avançarmos com maior lucidezparaofuturosemsabermosquemsomoseparaondequeremosir.
Estelivroé,nasuaessência,sobreumhomemilustre,umcien-tista,quetemumaligaçãomuitoíntimaàhistóriadeParedesdeCouraedoprópriopaís.Étambém,porisso,umahomenagemjus-tíssima,masé,sobretudo,avontadededarmosaconheceroespi-rito científico de Bernardino António Gomes que, no seu tempo,abriunovoscaminhosàciência.
Estamos, portanto, muito gratos ao Professor Doutor CarlosSubtilpornosdaraconheceravidadestecourense,eportuguêsímpar,queabriunovoscaminhosàmedicina,comespecialrelevoàfarmacologiaeàdermatologia,mastambémàquímica,àbotânicaeatéàsaúdepública.
Pelautilizaçãoprivilegiadadasfontesprimárias,pelaclarezaecorreçãodalinguagemepelacoerênciaglobalpodemosdizerqueestaobraultrapassaafronteiradamonografialocaleseafirmanocontextodeumaamplahistóriadeíndolenacional.
ParabénsProfessorDoutorCarlosSubtilpeloexcelentetrabalhoepelograndecontributoquedeuàhistóriadeParedesdeCouraeàhistóriadonossopaís.
VítorPauloPereiraPresidentedaCamaraMunicipaldeParedesdeCoura
Maio2017
PREFÁCIO
13
Nopercursodotrabalhodeinvestigaçãopara«AsaúdepúblicaeosenfermeirosentreoVintismoeaRegeneração»,quedeuorigemàteseapresentadaàUniversidadeCatólicaPortuguesaparaprovasdoutorais,deparamo-noscomumadasfigurasmaisrelevantesdasaúdepúblicanoperíododoestudoemcausa.
O Doutor Bernardino António Gomes, nascido em Paredes deCoura,foi,naexpressãodeum«grupodeadmiradores»,queerigi-ramumaestátuaemsuahomenagemnoJardimBotânicodeLisboa,em1926,um«beneméritodaciênciaebenfeitordaHumanidade».
Abiografiadesteilustrehomemfoiregistadanumamemóriadoseuprópriofilho,em1857,e,jánoséculoXX,em1925,porVirgílioMachado. É, aliás, nestes autores que recolhemos grande partedosseusdadosbiográficos,quepermitemcompreendermelhorasua trajetória como médico e investigador. João Pedro M. Xavierde Brito também apresentou a sua biografia, numa comunicaçãoà Academia da Marinha, em 2011. A obra de Bernardino AntónioGomeséreferidaporvárioshistoriadoresdaMedicina,FarmáciaeQuímicataiscomoJorgeCrespo(1990),RuiPita(2006),LuísMora(2012),AnaCarneiroeBernardoJ.Herold.
Paraalémdaapresentaçãodosdadosbioebibliográficos,comestapublicaçãopretende-setraçarumquadrogeraldasaúdepúblicae da medicina coeva de Bernardino António Gomes, para eviden-ciarocarácterinovadorevisionáriodestehomemdeciênciaedes-tacaroseupapelcomomembrodaAcademiaRealdasCiênciasedaJuntadeSaúdePúblicaecomofundadordaInstituiçãoVacínica,quedesempenhouoimportantepapeldelutacontraavaríola.
OnossoprincipalcampodepesquisafoiaAcademiadasCiênciasdeLisboa,ondeforamcompulsadosostrabalhosqueiremosrefe-rireorganizadosnostrêsmomentosdoseupercursoprofissional
INTRODUÇÃO
carlos subtil
14
como médico da Armada, médico de saúde pública e dermatolo-gista.Estamos,pois,peranteumadasfigurasmédicasmaisrele-vantesdosséculosXVIIIeXIX,anívelnacionaleeuropeu.
Este é, pois, mais um gesto de homenagem à figura ímpar domédicoBernardinoAntónioGomese,deigualmodo,aosmunicí-pioseaosprofissionaisque,ontemcomohoje,orientamasuaati-vidadeparaasaúdepública.
Aos municípios, pela função que têm vindo a desempenharnestecampoaolongodostemposequehojereassumem,emnovasdimensõeseemnovoscontextossociaisepolíticos.
Aosprofissionaisdasaúdepública,porseremoslegítimosher-deiros do altruísmo modernista de Bernardino António Gomes edosanónimosmédicosdo partidorepresentadosnafiguradoJoãoSemanaedosmédicosdeprovínciaquepovoamoimagináriodasPupilas do Senhor Reitor.
AsbiografiasanterioresrealçamaobradeBernardinoAntónioGomes no domínio da Botânica e da Dermatologia. Neste traba-lho,queremosdestacaroseupapelcomofundadordaInstituiçãoVacínica, instituição percursora do atual Plano Nacional deVacinação.
NaIPartedestelivro,traçamosumbrevequadrodasaúdeedamedicinadaépoca,caracterizandoasformasdegovernoedeadmi-nistração da saúde pública em dois momentos que, sendo contí-guos,assinalamatransiçãodoAntigoRegimeparaoLiberalismo,períodoemquenasceueviveuBernardinoAntónioGomes.
NaIIParte,reunimososseusdadosbiográficos,procurandotra-çaroseuperfilcomohomem,profissionaldasaúdeeinvestigadornas áreas da botânica, da vacinação e da dermatologia. Todas assuasbiografiasestãoatravessadasporextensoserasgadosencó-mios pessoais e, menos frequentemente, por aspetos da sua vidafamiliar.Aambosnosreferiremospara,deseguida,destacarasuaobracomocientistaemédico,sobretudonaáreadasaúdepúblicaenopioneirismodotratamentodiferenciadodasdoençasdepele.
A grandeza da sua obra suscitou o reconhecimento e louvorpúblicos que posteriormente lhe foram dispensados e que nãopoderíamosomitirnestetrabalho.Porisso, incluímosumabrevereferênciaàshomenagensquelheforamfeitas,inventariadasporJofredeLimaMonteiroAlves.
bernardino antónio gomes
15
Umaadvertênciafinalparaonúmeroeaextensãodasnotasderodapé.Trata-sedeumaopçãoparanãoprivaroleitordasfontesedetodaabibliografiaquefoiusadaeparafazeranotaçõesque,ficandonotextoprincipal,corriamoriscodeotornarmaisextensoeirregular.
NãopossodeixardeexpressaragradecimentosaomunicípiodeParedesdeCoura,napessoadoseupresidenteVítorPauloPereira,que acolheu com entusiasmo esta proposta. De igual modo, aosresponsáveispelasduasimportantesestruturasaoserviçodalei-tura,doconhecimentoedapreservaçãodopatrimóniodocumen-tal:AníbalAlmeida,daBibliotecaMunicipal,eFátimaCabodeira,do Arquivo Municipal, que têm sido inexcedíveis na disponibi-lização dos seus serviços. Também um agradecimento à SandraSousa,agualonguensedenascimento,técnicasuperiornoCentrodeDocumentaçãodaEscolaSuperiordeSaúdedeViana,pelaqua-lidadeerigorcomqueprocedeuàrevisãodasnotasderodapéedasreferênciasbibliográficas.Deigualmodo,àBárbaraAzevedo,pelacoordenaçãográfica,àOlindaMartins,pelacapaepaginação,eàMariaDavidCastro,pelarevisãodetexto.
Coura,29deoutubrode2016CarlosSubtil
(248anosapósonascimentodeBernardinoAntónioGomes)
17
i parte A SOCIEDADE, A SAÚDE E A MEDICINA AO TEMPO DO NASCIMENTO E VIDA DE BERNARDINO ANTÓNIO GOMES
À época do nascimento de Bernardino António Gomes (1768),estavaemcursoumaruturahistóricaentreaculturado«público»eaculturado«privado»,entreoparadigmacorporativoeopara-digmaindividualista.
Àesferadavidaprivadapoucopertencia,detalformaavidadecadaumeavidaemfamíliaeramsistemáticaepermanentementeescrutinadaspelosoutros.Natransição,«assiste-se,assim,àpas-sagemdeumasociabilidadealargadaparaumasociabilidaderes-trita,deumasociedadeemqueopúblicoeoprivadoseconfundem,paraumasociedadeemqueoprivadoseseparadopúblico»1.
Aformaculturaldopúblicorefletia-senaorganizaçãopolíticaeadministrativadopaís,atravésdoparadigmacorporativo,
«ogovernogravitavaemtornodeumpluralismodepode-resedejurisdições(ordinária,eclesiástica,régia,privile-giada)emquecadapolo(corpo,grupoouestado,desdea
1 SUBTIL,CarlosLouzadaLopes–ASaúdePúblicaeosEnfermeirosentreoVin-tismoeaRegeneração,p.55.
carlos subtil
18
família,Igreja,comunidadeslocais,senhorios)eradotadodeautonomiajurisdicionalparaproduzirassuasprópriasnormas,parasegovernareparaseautocontrolar,sendoque,outrasvezes,ocontroloerafeitoatravésderedesdeinformação sobrepostas (visitadores, pregoeiros, notá-rios, escrivães, denúncias, devassas). Tratava-se de umasociedademolecular,ondesecombinavaminteresses,nãoporforçadeumacentralizaçãodopoder,masporviadorespeitomútuodosdireitosparticulares(justiça)»2.
A partir de meados do século XVIII, a este modelo corporativoopor-se-iaummodeloindividualista,caracterizadoporumanovaformadegovernarbaseadanaideiadeumEstado intervencionistaecentralizadordasdecisõesquedeviampromoverafelicidadedospovos,aoarrepiodomodelocorporativo3.Osprincípiosdoutriná-riosdesteestado de políciaestavamreunidosnocélebreTraité de la Police,deNicolasDelamare4que,emPortugal,tiveramexpres-são,depoisdoterramotode1755,nacriaçãodaIntendênciaGeraldaPolícia.
No campo da saúde, foram o filósofo e professor Padre LuísAntónioVerneyeomédicoRibeiroSanchesquemmelhorexpres-souestasnovasideiasatravésdassuasobrasO Verdadeiro MétododeEstudar (1746)eTratado de Conservação da Saúde dos Povos(1756), respetivamente. Tanto estas obras como, mais tarde, oTratado de Polícia Médica (1818), de José Pinheiro de FreitasSoares, terão tido uma forte influência em Bernardino AntónioGomes,emboraesteúltimotenhasidoescritojánosúltimostem-pos da sua vida. Aliás, entre Bernardino António Gomes e JoséPinheirodeFreitasSoaresteráhavido,porcerto,grandeproximi-dadeintelectual,doutrinaleprofissional.Ambosforammembros
2 Idem,p.56.
3 HESPANHA,AntónioManuel–Depois do Leviathan.
4 DELAMARE,Nicolas–Traité de la Police, où l´on trouvera l´Histoire de son éta-blissement, les fonctions et les prérogatives de ses magistrats, toutes les loix et tous les règlements qui la concernent, etc.Sobreestetema,cf.SUBTIL,C.L.;VIEIRA,M.–Os Tratados de Polícia, fundadores da Moderna Saúde Pública(1707-1856).
bernardino antónio gomes
19
detrêsimportantesinstituições:aJuntadeSaúdePública,oprin-cipalórgãodegovernodasaúdepúblicadaaltura;aAcademiaRealdasCiências,que,apardaUniversidadedeCoimbra,estevenavan-guardadadifusãodoconhecimentocientíficoedenovossaberes;eaInstituiçãoVacínica,emcujafundaçãoseempenhouBernardinoAntónioGomes.
O modelo de governo e de administração da saúde pública
Paramelhorcompreenderaruturahistóricaqueestavaemcurso,consideremosdoisperíodos:oprimeiro,anterioraonascimentodeBernardinoAntónioGomesequevaiaté1755,refere-seàmonar-quiasustentadanoparadigmacorporativo;osegundo,posterioraoterramotodeLisboaequevaiatéàsvésperasdoLiberalismo(1755-1820),caracterizadopeloestado de polícia.
A assistência e a saúde durante a monarquia corporativa
Durante o primeiro período, os ofícios da saúde estavam orga-nizados em dois grandes grupos: os empregados maiores, queincluíammédicos,cirurgiõeseboticários,eosempregadosmeno-res,queincluíamenfermeiros,algebristas,cristaleirosesangrado-res.Paraalémdestesgrupos,merecemumareferênciaespecialasparteiraseasamas,queprestavamassistêncianopartoeàscrian-çasexpostas.
ACoroatinhaporprincipalfunçãofazerocontroloevigilânciadestes ofícios, o que quase sempre fez sem grande sucesso, porfaltaderecursoshumanosefinanceirosepeladeficienterededemeiosdecomunicaçãonoReino.Paraoexercíciodestafunçãoderegulaçãodosofíciosdasaúdedispunhadeduasfigurasderecortepolítico:oFísico-moreoCirurgião-mor.
Aassistênciaaospobres,doentes,desfavorecidoseexcluídoseraasseguradapelasconfrarias,pelasmisericórdiaseseushospitaise por uma rede municipal de «médicos de partido». Sob a gestãodaCoroaestavamapenasoprincipalhospitaldoReino,oHospitaldeTodos-os-Santos,oHospitalTermaldasCaldase,maistarde,oHospitalRealdeSantoAntónio,noPorto.
carlos subtil
20
Para coordenar o trabalho de combate às epidemias – um dosprincipaisproblemasdesaúdepúblicadaépoca–,aCoroainstituiuocargodeProvedor-mordaSaúde,paraafiscalizaçãodosportosdemarefronteirasterrestres.
OsmédicosformadospelaUniversidadedeCoimbraerampou-coseinsuficientesparaasnecessidades.Parasesupriracarênciaemmédicos,usou-seaestratégiadeconcedercartasprofissionaisàqueles que, mediante exame perante o Físico-mor, demonstras-semestarpreparadosparaoexercíciodamedicina.Estaformadeacreditaçãonemsemprefoieficaznemimpediuquemuitoschar-latães e curiosos exercessem o ofício sem qualquer formação ecertificação,apesardeesteprocessotervindoaserreformuladoeatualizadoaolongodostempos.
Nolimite,noslugaresondenãohouvessefísicosexaminadoseaprovados, admitia-se que os «homens e mulheres, que pela ven-turacuremalgumasinfirmidadesporexperiencia»podiamreque-rerexameaoFísico-mor,desdequetrouxessemcertidõesoucartasdosconcelhosassinadaspelosoficiaiscamarários.Noutrassitua-ções,devidoàgrandecarênciadessesprofissionaissentidapelosmunicípios,eramosprópriosconcelhosarequereremoexamedosseus «físicos», desde que estes tivessem adquirido alguma repu-tação.Oscandidatosquesesubmetiamaexameeram,pois,indi-víduos cujo saber era experiencial, feito em família, transmitidopelospaiseavós,queseconstituíamcomomestres.
Havia,portanto,trêstiposdemédicos:os(poucos)médicoslicen-ciadospelaUniversidadedeCoimbra,osmédicoslicenciadospeloFísico-mor,queexerciamnasgrandesvilasecidades,eosmédicoslicenciadosparacurarsódeterminadasenfermidades,noslugaresmaisdistantesemenospovoados.
Pelas Ordenações Filipinas (1603)5, e em legislação posterior,foramsendotomadasmedidasnosentidoderecenseareverificaras cartas dos vários profissionais, desde os físicos às parteiras,com a aplicação de coimas aos prevaricadores. Para tornar maiseficaz a ação do Físico-mor, acabaria por ser criada uma rede decolaboradores,atravésdeumaProvisãodoDesembargodoPaço,de
5 ORDENAÇÕESFilipinas:dosCorregedoresdasComarcas:LivroI,TítuloLVIII,
parágrafo33.
bernardino antónio gomes
21
17deagostode1740,estabelecendocomissáriosdeFísico-moremtodasascomarcasdoReino.Note-sequeestaredejáexistiamasera constituída, não por profissionais da saúde, mas por oficiaisrégios que exerciam a magistratura. De igual modo, o Cirurgião-morlegitimavaoexercícioprofissionaldoscirurgiõese,apartirde16316,oRegimentodava-lheaprerrogativadeexaminarsangrado-res,dentistaseparteiras,competênciaquelhefoiatribuídaatéàcriaçãodaJuntadoProtomedicato.
Detenhamo-nos nos médicos de «partido». Foi nesta qualidadeque o pai de Bernardino António Gomes exerceu em Paredes deCouraeopróprioiniciouasuacarreira,emAveiro.
Este tipo de médicos teve uma enorme importância no sis-tema assistencial. Tendo ordenado fixo, eram contratados paraprestarassistênciagratuitaagruposespecíficosdepessoas(v.g.,pobres, expostos, amas) ou instituições (v.g., Casa Real, Casa daSuplicação, municípios). O seu salário era pago pela vereação,mas estava sujeito a consulta do Desembargo do Paço e a despa-cho régio. A Coroa chegava mesmo a abdicar de parte das sisase das fintas para que o município pudesse pagar os ordenados enãoficassesemmédicodaterra7.Foraisso,estesfísicosexerciamclínicaprivada,cobrandohonoráriosporsiestabelecidos.Muitosdeles,eboticáriostambém,erambolseirosqueiamfrequentarosseuscursosparaaUniversidadedeCoimbra,àcustadeimpostosarrecadadospelosmunicípios.
OProvedor-mor,aquejáfizemosreferência,paraalémdopapeldecontrolodeentradasesaídaspelosportosefronteirasedafis-calizaçãodasmedidasdequarentena,superintendiaemtudooquedissesserespeitoàsaúdepública,nomeadamentenasmedidasdeprevençãodasepidemiasederepressãoàmendicidadeevadiagem.
PorDecretode15dedezembrode1707,tambémficaramentre-guesàsuaguardaainspeçãoefiscalizaçãodeoutrosassuntosdepolíciamédica,taiscomoainspeçãodavendadegénerosalimentí-ciosedasfábricasdecurtumes,opoliciamentodasruasdacidadeeoexamedebebidasespirituosas.PorPortariade28deagostode
6 SOUSA,JoséR.M.–Systema, ou Collecção dos Regimentos Reaes,p.343-349.
7 SUBTIL,CarlosLouzadaLopes–op. cit.,p.80.
carlos subtil
22
1813,estecargofoiextinto,dandolugaràJuntadeSaúdedaqualviriaafazerparteBernardinoAntónioGomes.
Pelosregimentosde1693,ocombateàsepidemiaspassouacon-tarcomumprovedordesaúdeemcadavilaoucidade,cujafunçãoestavaatribuídaaomunicípio,naspessoasdovereadordopelourodasaúdeedeumalmotacé,oficialsanitário.Eradasuacompetên-ciaencerrarcasas,mandarqueimarroupas,isolardoentes,recru-tarmédicoseboticárioseescolherumlugarforadapovoaçãoparaerguerumaCasadeSaúde,tendoaoseuserviçofísicos,cirurgiõesesangradoreseumaboticaprópria8,parainternartodososdoen-tescontagiososoususpeitosdecontágio.
Nasfreguesias,haviacabeçasde saúde,«homenshonrados»quedeviamauxiliaroprovedornastarefasdeprevençãoevigilânciadahigienedascasas,dalimpezadasruasedosenterros.
OmovimentoconfraternalteveassuasraízesnaIdadeMédia,recebendo um forte impulso depois do Concílio de Trento (1545-1563), com a chamada dos leigos à participação ativa na vida daIgrejaeoaprofundamentodacrençareligiosanoPurgatórioquedesencadeariaumcrescimentoexponencialdelegadospiosparaafundaçãodesufrágiosdaalma9.
Asobrasdecaridadeemisericórdiapraticadaspelasconfrarias10traduziam-seem«dardecomeraquemtemfome,dardebeberaquem tem sede, dar abrigo aos peregrinos, visitar os presos e osdoentes,vestirquemnãotemroupaeenterrarosmortos»11.Ascon-frariasestavam,portanto,associadasàsmanifestaçõesdepiedade
8 Idem,p.85-86.
9 MuitodoaquiseráditoseguedepertoasobrasdeLaurindaAbreu,MariaAn-tóniaLopeseIsabeldosGuimarãesSá.Paraosdetalhesevolutivosdoshos-pitais anexos às misericórdias, ver o caso de Setúbal estudado por ABREU,Laurinda—Memórias da Alma e do Corpo, a Misericórdia de Setúbal na Mo-dernidade.Paraalémdeservirparaumenquadramentogeral,traçapormeno-resdavidaquotidianadestasorganizações,emespecialnoqueserefereaoshospitaisdaAnunciadaedaMisericórdia.
10 Paraumasíntesedomovimentoconfraternalnesteperíodoesobreoambientede conflitualidade entre as confrarias e os restantes poderes locais, ver SÁ,IsabeldosGuimarães–As Confrarias e as Misericórdias,p.55-60.
11 ARIÈS, Philippe; CHARTIER, Roger – História da Vida Privada, do Renasci-mento ao SéculodasLuzes,p.97.
bernardino antónio gomes
23
e devoção, à instituição de missas, sermões, responsos e outrosmeios de salvação da alma dos seus fundadores e familiares oudasalmasdoPurgatório.ApartirdoséculoXVIII,osmendigoseospobrespassaramadeixardeserlegendasparaapráticareligiosadasalvaçãoparaseremconsideradospeloEstadocomoelementosperigososemarginaisqueeranecessárioisolardasociedade.
Algumasconfrarias,continuandoaterporpanodefundoestadimensãoreligiosa,acabaramporsededicaràassistênciaeàfun-daçãodehospitais,acabandoporcobrirascarênciasnãoresolvi-daspelaCoroanempelosmunicípiosnaassistênciaaospobresedesvalidos,nalimpezadosespaçospúblicos,noabastecimentodeáguas,noassegurardaqualidadedoaredosalimentosenodisci-plinardosenterrosnasigrejas12.Foiassimquemuitosfundosqueeram destinados ao culto, passaram a ser orientados e aplicadosnasdespesascomoshospitais13.DepoisdoConcíliodeTrento,asconfrarias passaram a dividir-se em eclesiásticas e laicas, desta-cando-se,destassegundas,asmisericórdias.
ComarainhaD.Leonorseriafundadaaprimeiramisericórdia,a Misericórdia de Lisboa (1498), cujo modelo serviu de exemploparaacriaçãodequantasselheseguiram.AolongodosreinadosdeD.ManuelI,D.JoãoIII,doperíodofilipino,entreaRestauraçãoe1750,desdePombalatéaofinaldaguerracivilentreliberaiseabso-lutistas(1834),foiimplementadaumaextensarededemisericór-diasquecobriupraticamentetodasasnecessidadesdosconcelhoscommaispopulação.
Emboranuncadeixassemdecumprircomasobrasdenaturezaespiritual,asmisericórdiascomhospitaisanexospassaramapri-vilegiar o tratamento dos hospitalizados, a distribuição de dotesàs raparigas pobres, o internamento de mulheres abandonadas,
12 Tudoporqueascâmaras,emespecial,osalmotacés(OrdenaçõesFilipinas,Li-vroI,TítuloX),nãocuidavamdascondiçõesdehigieneesanitárias,deruascheiasde“estercoseimundícies”,dosanimaisqueportodooladopropaga-vamdoenças.Cf.SÁ,IsabeldosGuimarães—Quando o Rico se faz Pobre.
13 SÁ,IsabeldosGuimarães–As Confrarias e as Misericórdias,p.55-60eemA Assistência: as Misericórdias e os Poderes Locais,p. 136-143.Maisrecente-mente,ver,também,SÁ,IsabeldosGuimarães;LOPES,MariaAntónia-Histó-ria Breve das Misericórdias (1498-2000)eLOPES,MariaAntónia–Proteção Social em Portugal na Idade Moderna.
carlos subtil
24
a visita aos presos, o acompanhamento domiciliário de doentesemsofrimento,aorganizaçãodefuneraisgratuitosparaosmaispobres e o tratamento dos militares feridos e doentes, atravésde contratos que estabeleciam com a Coroa. Também recolhiammulheres em dificuldade, davam apoio às viúvas e, embora per-tencesseàscâmarasfazê-lo,asseguravamacriaçãodeenjeitadoseórfãoseopagamentoàsamas.Socorriamigualmenteosviajan-teseasseguravamumserviçodetransportedosdoentesparaoshospitais (cadeirinha), sustentavam róis de entrevados e pobres(os visitados) e mulheres merceeiras, que recebiam vários tiposdesocorro.
DetodasasfunçõesexercidaspelasMisericórdias,asquediziamrespeitoàsaúdeeramasmaisimportantes,namedidaemqueper-mitiamaassistênciaaospobresnoshospitais,asvisitasdomici-liáriaspelos«mordomosvisitadores»eaentregagratuitaderemé-diosqueproduziamnassuasboticas.Eram,pois, instituiçõesdeenormevalorsociale,porviadisso,espaçodedisputaporlugaresnassuasmesas,comoformadeadquirirprestígiosocialeconquis-tarumlugarnacarreirapolítica.Estepoder,quefoiaumentandoàmedidaqueasmisericórdiasseforamconsolidando,conferiu-lhestalestatutoquelogosurgiramconflitosentreestaseosmagistra-dosrégiosouasautoridadesreligiosasouosmunicípios,porcausadoincumprimentodestesdoisúltimosemrelaçãoàassistênciaaosmaispobresouaopagamentoàsamasdosexpostosou,comospri-meiros,quantoadesentendimentosrelativosaoandamentodepro-cessosjudiciaisdospresos.
Quanto aos hospitais, «eram instituições de caridade, pois sóospobrespediamointernamento,istoé,aquelesquenãotinhammeiosparapagaravisitamédicadomiciliária,paracomprarmedi-camentos e as imprescindíveis galinhas»14. O hospital não apre-sentava grandes vantagens sobre o tratamento aplicado em casadosmaisabastados,ondeerapossívelconfecionardietasricasemcarneecaldosdegalinha,teraassistênciadafamíliaedecriados,terafacilidadedecomprarmezinhasaviadasnasboticase,even-tualmente,fazersangriasouclisteresaplicadaspeloscirurgiões,barbeirosoucristaleiros.
14 LOPES,MariaAntónia–Proteção Social em Portugal na Idade Moderna,p.69.
bernardino antónio gomes
25
Para os pobres, o hospital era um último recurso, sob pena deterem de pedir esmola. A «cura» não correspondia a nenhumadoença,mas,sobretudo,àmelhoriadoestadodenutrição,higieneeamparo,devidoàalimentação,cuidadosdehigieneerepousodequeusufruíam.
Namaioriadoshospitaiserapráticanãoseprescreveremmedi-camentos,atéseverificarareaçãodos«doentes»aodescansoeali-mentaçãoe,sónocasodesemanteremossintomasdedebilidade,se admitia que podiam, de facto, estar enfermos e necessitar deumaterapia15.
A partir do final do século XVI, eliminaram-se ou reuniram-semuitos dos hospitais pequenos e procedeu-se ao alargamento emelhoramento dos hospitais das misericórdias nos concelhos. Oprocessoiniciou-seemLisboa,comafusãodepequenasunidadeshospitalares(1492)noHospitaldeTodososSantos,oqualpassouaagregar43hospitaisdacidadeearredores.
DepoisdeD. JoãoIII,a incorporaçãodoshospitaisnasmiseri-córdias disparou, tendo como consequência a transformação dasmisericórdiasnasinstituiçõesmaispoderosaseinterventivasnocampodasaúde,oquefezcomqueacabassem,também,porcontro-lareinfluenciararededasboticas.
Agrandemaioriadesteshospitaistinhaminstalaçõespequenas,reduzidasaumoudoisquartos,umparaahospitaleiraeoutropara«nelleserecolheremedormiremalgunspobres»16,istoé,umauti-lizaçãoquetinhapordestinoalimentareacomodarosdesgraça-dos e, sobretudo, garantir serviços religiosos (missas, confissõeseextrema-unções)quepudessemajudarosinternados(mendigos,peregrinoseviajantes)aentrarnoReinodosCéus,umavezqueadoençaeravistacomoumaetapanocaminhodamortee,porisso,oscuidadoscomaalmasuperavamoscuidadoscomocorpo.
15 Existe,porém,umaexceção,queéadoHospitaldeTodososSantos,emcujoregimentoseilustraatransformaçãodohospitalcomo«instituiçãodecarida-de»emhospitalcomolocaldetratamentoecuradosdoentes.
16 ABREU,Laurinda–Memórias da Alma e do Corpo: a Misericórdia de Setúbal na Modernidade,p.123.Também,deSÁ,IsabeldosGuimarães—Os Hospitais Portugueses entre a Assistência Medieval e a Intensificação dos Cuidados MédicosnoPeríodo Moderno,p.87-103.
carlos subtil
26
A saúde pública nos alvores do Liberalismo
No segundo período que consideramos, a partir de 1755 até àRevoluçãoLiberalde1820,trêsanosantesdamortedeBernardinoAntónio Gomes, as instituições que incorporaram a doutrina doestado de políciaeamaterializaramforamaIntendênciaGeraldaPolícia,aJuntadoProtomedicatoeaJuntadeSaúdePública,àqualpertenceuBernardinoAntónioGomes.
A nível dos serviços centrais e do comando político do setorda saúde, a instabilidade foi permanente, isto é, o Físico-mor e oCirurgião-morviriamasersubstituídasporumajunta,aJuntadoProtomedicato,queacabouporterumavidarelativamenteefémera—25anos—poisfoiextintaem1809,depoisdasInvasõesFrancesasedaretiradadaCorteparaoRiodeJaneiro,tendosidorestauradosos antigos cargos de Físico-mor e de Cirurgião-mor, que, por suavez,foramdefinitivamenteextintosem1813,dandolugaràJuntadeSaúdePública,quedurouatéàRevoluçãode1820.
Tendosidocriadaem25deJunhode1760,poriniciativadofuturoMarquêsdePombal,aIntendênciaGeraldaPolíciafoiainstituiçãoque,nafasefinaldoAntigoRegime,maisinterveionasquestõesdasaúdepública,deformadeterminanteeinovadora.
ComatomadadepossedePinaManique(1780),ajurisdiçãodaintendênciasobreacidadedeLisboaeascomarcasfoiampliada,nomeadamentesobreasalubridadedasfontes,dasruaseomelho-ramentodahigiene.
UmadasiniciativasmaisemblemáticasdaIntendênciaGeraldaPolíciafoiacriaçãodaRealCasaPia,quetinhaporobjetivoocom-bateàmarginalidadecomoconsequênciadapequenacriminalidade,ociosidadeefaltadeinstrução.Intervinha,igualmente,norecolhi-mentodecriançasabandonadasouemdificuldadesfamiliares.
SegundooprojetodeDiogoInácioPinaManique,omodelodaReal Casa Pia de Lisboa, depois de aperfeiçoado, devia ser repli-cadoemtodasascomarcas,formandoumarededeapoiosocialdoEstadoemsubstituiçãodastradicionais instituiçõesdecaridadedependentesdaIgrejaedasoligarquiaslocais.
Ao arrepio da autoridade da Junta do Protomedicato, aIntendênciaGeraldaPolíciaintrometeu-seemdiversosassuntos
bernardino antónio gomes
27
dasaúdepública.Fiscalizavaaprodução,distribuiçãoecomercia-lização de víveres, controlava a mobilidade de pessoas, exercia avigilânciasobreconcubinasemancebos,inspecionavaaqualidadedosedifícios,intervinhanoscasosdeepidemias,febresenosbair-rosdeprostituição,promoviaavacinaçãocontraavaríolaeousodoleitedecabraedevacaparaalimentarosexpostose,inclusive,vigiavaodesempenhoprofissionaldosmédicos.
ComooFísico-moreoCirurgião-mornãoestavamacumpriroobjetivoderegularasprofissõesdasaúdeecomo,poroutrolado,mantinham uma permanente litigiosidade com a UniversidadedeCoimbraeoHospitaldeTodososSantos,D.MariaIcriou,emsuasubstituição,atravésdaLeide17deJulhode1782,aJuntadoProtomedicatoaquenosreferimos.
Um dos documentos mais importantes que a Junta do Proto-medicato produziu foi o alvará que definia, pela primeira vez emPortugal,aFarmacopeiaGeraldoReino17,18.Em1799,foielevadaàcategoriadetribunalrégio19,passandoausufruirdascompetênciasde um tribunal independente. Já com este novo estatuto, elaborouo «Plano de Exames dos Médicos e Cirurgiões Estrangeiros ou deNacionaisqueestudaramemUniversidadesEstrangeiras»,mas,naverdade,esteplanoabrangiatodososexamesrealizadosamédicos,cirurgiões,boticários,droguistas,químicosedestiladores20.Contudo,estajuntaacabariaporserextintadevidoàssuasfragilidadesepro-blemasdeafirmaçãopolítica,querinternaquerexternamente.
JádepoisdeaCorteteridoresidirparaoRiodeJaneiro,retomou--seavelhafórmuladoscargosdeFísico-moreCirurgião-mor,pararegularasprofissõesdasaúde,ecriou-seaJuntadeSaúdePública,para prevenir e resolver o problema das epidemias e contágios.Dela fizeram parte eminentes médicos (José Pinheiro de FreitasSoares, Joaquim Xavier da Silva e Bernardino António Gomes),
17 ALVARÁde3deMarçode1795,inSILVA,AntónioDelgado–SupplementoáCollecçãodeLegislaçãoPortugueza:Annode1791a1820,p.58-83.
18 Paraumestudomaisdetalhadosobreoassunto,consultarPITA, JoãoRui –Farmácia, Medicina e Saúde Pública em Portugal(1771-1836),p.171-176.
19 ANNAESdoConselhodeSaudePublicadoReino,p.27.
20 AVISOdaJuntaem23deMaiode1800,inSILVA,AntónioDelgadoda–Supple-mentoáCollecçãodeLegislaçãoPortugueza:Annode1791a1820,p.193-202.
carlos subtil
28
magistrados (Luís António Rebello da Silva e António MaurícioMascarenhasdeMansellos),nobres(oMarquêsdeTancos,DuarteManueldeMeneseseNoronha)eoficiaisrégios.
O aparecimento e a forma como atuou a Junta, entre 1813 e1820,possibilitaraminovaçõespolíticasecientíficasnocombateàpesteeoutrasdoençascontagiosas21.Dopontodevistaorganiza-tivo,ainovaçãoconsistiuemaglutinarnumsónúcleodepoderasvárias autoridades sanitárias dispersas pelo território, copiandoo modelo pombalino da Intendência Geral da Polícia. A Junta deSaúdePúblicapassouaterjurisdiçãodeâmbitonacional,cobrindotodooterritóriodoReinoe,comacriaçãodocargodeInspetordoRamodaSaúde,nointeriordaprópriajunta,tornou-seaindamaiscélere a capacidade de decisão, uma vez que o inspetor passavaa poder despachar diretamente com o secretário de Estado, semestarsujeitoàsdeliberaçõestomadasnamesadaJunta.
Os membros da Junta eram médicos, sócios da Academia RealdasCiênciasdeLisboa,amaisimportantedasinstituiçõesdepro-duçãodesaberquealgumaveztinhaexistidoemPortugaleondetiveramassentoreformistaspolíticos,teóricosdaeconomia,cien-tistasdediversasáreaseclérigosdegrandemérito, todosponti-ficando com trabalhos de grande alcance e atualidade científica,paraalémdasligaçõesinternacionaisquemantinhamcomoutrasacademiasestrangeirasoquelhespermitiaestaremaocorrentedoquedemelhorsefaziaepensavanaEuropa,nodomíniodapreven-çãoecombateàsdoençascontagiosas22.
Aprincipalmissãoda Juntaconsistiu emdarcumprimentoàsregras e medidas sanitárias, nos portos de mar e fronteiras ter-restres, implementando novas medidas e técnicas, tais como avigilância e a desinfeção da correspondência, a implantação doslazaretos e o controlo da navegabilidade do Tejo, para evitar odesenvolvimentodequalquerepidemia.Ajuntapassou,também,afazer«MappasNecrologicosdosÓbitos»eacontrolarosenterros23.
21 SUBTIL,CarlosLouzadaLopes–op. cit.,p.118.
22 Idem,p.120.
23 PORTARIAde9deAgostode1814,inSILVA,AntonioDelgadoda–Collecção da Legislação Portugueza: desde a última compilação das Ordenações: Legis-lação de 1811 a 1820,p.316-317.
bernardino antónio gomes
29
No entanto, não interferiu na polícia sanitária das cidades, vilasealdeias,nomelhoramentodasprisõesehospitaisnemnacons-trução de cemitérios fora das igrejas, competências que estavamadstritasàIntendênciaGeraldaPolíciaeàscâmarasmunicipais.
Peranteofervilhardasideiasliberais,opaíscareciadereformaspolíticaseaRevoluçãode 1820viriaextinguir a Junta de Saúde,substituindo-apelaComissãodeSaúdePública.
O estado da arte médica: da medicina hipocrático- -galénica à modernidade
OséculoXVIII,oSéculodasLuzes,comoficariaconhecidonaHistóriadomundoocidental,foiumdosperíodosmaisprofícuosdahistóriadasideias,daculturaedadogmáticapolítica.Nelesedesenvolveram e alicerçaram os programas revolucionários quedariamorigemàRevoluçãoFrancesa(1789)easqueselhesegui-ram por toda a Europa, implantando regimes constitucionais detipoliberalcomasconsequentestransformaçõesnosmaisvaria-doscamposdeintervençãodopoderpúblico,incluindoodaadmi-nistraçãodasaúde.
SegundoMichelFoucault24,napassagemdoAntigoRegimeparaacontemporaneidade,assistiu-seaumacrescenteintervençãoporpartedoaparelhodeEstadonosentidodedarrespostaaosignifica-tivoaumentodemográficoe,consequentemente,àemergênciadapopulaçãocomoumanovaentidade.
Nestanosopolíticaforamevidentesnovaspráticasnodomíniodasaúdepública,naregulaçãodoexercíciodasváriasprofissõesenaredefiniçãodosobjetivosdoshospitaise,consequentemente,nasuareorganização.Foiassimquea«medicalização»davidafami-liar,o interessee investimentonainfância25,osfilhosilegítimoseosexpostospassaramasernovaspreocupações.Asestratégiasdeprevençãodasdoençascontagiosasedasepidemiaspassaramaincluirmedidasdehigienedashabitações,deorganizaçãourbana,deconstruçãodecemitériosedepolíticasdevacinação.
24 FOUCAULT,Michel–Microfísica do Poder.
25 ARIÈS,Philippe–A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime.
carlos subtil
30
Este foi o período de confronto entre o pensamento hipocráti-co-galénico–atéaídominante–easnovasideias,defensoras,porexemplo, da introdução das vacinas, da abolição dos espartilhosnovestuáriofemininooudaaplicaçãodosprincípiosdafísicaedamecânicanabuscadaexplicaçãoparaalgumasdoenças.
OestadodaartemédicapoucoteriaevoluídoemrelaçãoaotempoemqueGilVicente,noprincípiodoséculoXVI,tinhacaricaturadooconhecimentoeaspráticasdecurar,emA Farsa dos Físicos26.
UmadécadaantesdonascimentodeBernardinoAntónioGomes,JoséAcúrciodeTavares,pseudónimodeBentoMorganti,escritorportuguês nascido em Roma e filho de pais portugueses, tinhapublicadoSustos da Vida nos Perigos da Cura,sobaformadeumacarta enviada a um amigo, onde também caricaturava de formamordazamedicinapraticadanaépoca27.
Para descrever essas práticas, tomemos o exemplo de um dostratados médicos mais significativos da época, Luz de Medicina, Pratica Racional e Metódica, Guia de Enfermeiros (1664)28, daautoria de Morato Roma. Como à data da primeira edição aindanão tinham sido elaboradas as teorias acerca da iatromecânica(Boerhaave,1708), ou a teoria do animismo (Georg Stahl, 1707), etendoemcontaque,aquandodaquartaedição,em1753,estaobracontinuavaadefenderospressupostosdasteoriasdeHipócratese Galeno, podemos deduzir que Morato Roma seria um daqueles“velhosmédicos”aquem,emPortugal,jáoutrosseopunham,comoLuisVerney,quepugnavaporumnovoensinodamedicina.
Nestaobrade1664éindicadooremédioparaasmaisvariadassituações,desdeasarna,aslêndeaseaquedadecabelo,aanúriaea
26 VICENTE,Gil;CARLOS,João;BRITO,AlbertodaRocha–Auto chamado Farsa dos Físicos de Gil Vicente, com um Estudo do Prof. Doutor A. da Rocha Brito e Desenhos de João Carlos.
27 MORGANTI,Bento–Sustos da Vida nos Perigos da Cura ou Carta que hum Amigo Escreveo a outro, Estando Convalescendo, depois de uma Enfermidade.Aestapublicaçãoseguiu-seumaoutra,nasemanaseguinte,domesmoautor,sobotítuloJuízo Verdadeiro sobre a Carta Contra os Medicos, Cirurgioens, e Boticariosondeoautorserefereàsmesmaspráticas,masdeformamaisrefi-nadaemordaz.
28 Acercadestaobra,seguimosdepertoSUBTIL,CarlosLouzadaLopes–op. cit.,p.135-140.
bernardino antónio gomes
31
poliúria,gota,fístulas,verrugas,queimadurasefrieiras,remédiosparaotimpanismo,ashemorroidaseparaváriostiposdeferidas.Para Morato Roma, o corpo humano é obra de Deus, que «conhe-cendo a fraqueza da natureza humana tão sojeita a misérias, eachaques,creouaMedicina»,29ciênciaqueteriaporobjetivocon-servarourestituirasaúdequeseperdeouganhaporobradanatu-rezaoudaartemédica.Asdoenças«leves»resolver-se-iamapenascomaintervençãodanatureza,semsernecessárioremédiosouaintervençãomédica;paraas«graves»eranecessáriaaintervençãodamedicina,coadjuvadapelaFarmácia.Ométodoracionalconsis-tianoconhecimentoquesustentavaoatomédico,istoé,«saberoque são cousas naturais, não-naturais, preternaturais», conhecer«as doenças, suas causas e os acidentes que se lhes sobrevêm»,conhecerosremédiosmedicinais,suasqualidadesequantidades,aplicações,formaehoráriodeadministraçãoe,finalmente,saberainda«porondeseeliminamascausasdadoença»30.
O médico era, então, um artífice cujo ofício consistia em com-bater as doenças curáveis, quer ajudando a natureza a intervir,quer,noutroscasos,intervindoelepróprioparacorrigir«membrosdeslocadosforadoseulugar»ou«ajuntaroslábioseroturasdasferidas».Nocasodasdoençasincuráveis,nadamaishaviaafazersenão«deixá-lascombomregimento»,istoé,paliarasituação”31.
A«práticaracionalemetódica»dividia-seemtrêspartes:adie-tética,afarmacêuticaeacirúrgica,sendoaprimeiraamaisneces-sáriaparaconservarerestituirasaúdeaosenfermos.Adietaeraumaprescriçãoquefaziaparte,juntamentecomosdemaisremé-dios,dacuradosenfermos.Osalimentoscumpriamduasfunções:adealimentopropriamenteditoeademedicamento.Unseramdefácildigestão,outrosnão.Deviamrespeitar-senãosóasquantida-descomoohoráriodasrefeições.
As bebidas tinham três funções: delir os alimentos, ajudar àdigestãoousaciarasede.Aáguanãoeraconsideradaumalimento.Havia bebidas que eram consideradas medicinais (cozimentos,
29 ROMA, Francisco Morato – Luz da Medicina, Pratica Racional,e Methodica, Guia de Enfermeiros,p.2.
30 Ibidem.
31 Ibidem.
carlos subtil
32
sumos de ervas destiladas e xaropes) e outras alimentícias, taiscomoovinho,oleiteeoscaldos.
Acuradasdoençasfazia-sepelaaplicaçãoordenadadetrêsele-mentos:adieta,apurgaeasangria.Adieta, juntamentecomasdemais «seis cousas não naturais« (exercício, repouso, «o ar queserespira»,as«paixõesdaalma«,asevacuaçõeseas«retenções»quotidianas),eramosuficienteparatratarosachaques,sempur-gar,nemsangrar.Purgaresangrar,raramentesefaziamaomesmotempo.Raroeraocasodecirurgiaemquesenãopurgavaeodefebreemquenãosesangrasse.
Acuratambémsefaziaatravésdemedicamentos,ferrooufogo.Os medicamentos podiam ser interiores e exteriores. Os medica-mentosinteriorespodiamserlíquidos(bebíveis,taiscomopurgas,xaropes,bocadosepílulasouintroduzidospormeiodeclisteres,noventre,nabexigaounamadre)ousólidos,asmechas.Osmedica-mentosexterioreseramosbanhosgeraisouparciais,asemborca-ções(banhosdemeiocorpo),oslavatórios,asunturas,osemplas-tros e outros que se aplicavam às partes externas. As curas comferroconsistiamemsangrias,mastambémnaextirpaçãode“carnepodre ou sobeja”, que se fazia com a navalha, as pressões que sefaziamcomalanceta,ouassarjaduras(escarificações)ecosturasdasferidassimples,quesefaziamcomagulhas.Ofogoerausadopara furar apostemas (abcessos) ou abrir as “fontes e sedenhos”,onde se introduziamfiosoumechas para impedirqueas feridasfechassemantesdeficarlimpas.
Numa outra parte da obra, abordam-se matérias diversas, taiscomo:ousodaáguanoscasosdefebre,oscasosdeproibiçãooude prescrição de vinho aos doentes, as situações em que se deveprovocar o sono ou impedi-lo, aquelas em que está recomendadooexercícioouorepouso,aspaixõesdaalmaouosmovimentosdeânimo, o ato venéreo e as vantagens e desvantagens da retençãointempestivada«semente»e,finalmente,oarqueserespira.
MoratoRomadenunciavaoestadomiserávelemqueseencon-travaaMedicinaporqueamaiorpartedosmédicosfaziamdapro-fissão uma fonte de lucro, exercendo-a mesmo antes de aprende-remoofício.Porisso,defendiaqueserianecessárioretomaralei
bernardino antónio gomes
33
queobrigavaa«andardoisanosàpráticacomosmédicosdoutoseexperimentados»32.
Todaasuaobraéatravessadapelaideiadeserprecisodivulgarconhecimentos médicos essenciais para que enfermeiros, princi-piantesepaisdefamíliapudessemacudiraalgumassituaçõesnaausênciademédicos–queescasseavam–eminimizarosefeitosdapráticafrequenteeincontroladadecharlatõeseignorantes,que,aopôrempráticaalgunsdosremédiosmaisdrásticos–purgasesan-grias–,punhamemriscoavidadosdoentes.Estemédicojápers-crutava o futuro em termos de prevenção, mas tinha ainda umaconceçãodivinadohomemedaMedicinaeeraconservadorquantoaoconhecimentoquedavaporadquiridoesagrado,pertençadosdivinosmestres.
Naverdade,oconhecimentodominanteestavaassentenopensa-mentohipocrático-galénicocontidoemduasteoriasfundamentais:a teoria da divisão do corpo humano à imagem e semelhança dadivisãodo“mundogrande”eateoriadacomposiçãodomundoele-mentar(corpossimplesecompostos)queerasemelhanteàcompo-siçãodomundopequeno(corpohumanoanimado),ondeseincluíaateoriadosquatrohumores.Énestepensamentoqueseconsubs-tanciavamtodasasprescrições.EmborajásefizessesentiroecodasnovidadesqueocorriampelaEuropa,aindaseestavalongedeaplicar os conhecimentos da química e da física à medicina e deaceitarosbenefíciosdainoculaçãoantivariólica.
32 Ibidem.
35BernardinoAntónioGomes33,filhodoDoutorJoséManuelGomesedeJosefaMariaClaradeSousa,naturaisdeCoimbra,nasceua29deoutubrode1768,tendosidobatizadoa3denovembrodomesmoano,nafreguesiadeSantaMariadeParedes,peloabadeJoãoBentodeBritoAraújoeCastro34(Figura1).
33 OregistodenascimentodeBernardinoAntónioGomesencontra-seafls72dolivrodebatizadosdaIgrejadeSantaMariadeParedes(OragodeSantaMaria),conforme MACHADO, Virgílio – O Doutor Bernardino António Gomes (1768-1823),p.7.
HáduasdiscrepânciasnagenealogiadeBernardinoAntónioGomes.Aprimei-rarefere-seàordemdenascimentodosseusirmãos.Seguimosaordemrefe-ridaporJofreMonteiroAlves,enquantoVirgílioMachadoomiteonascimentodeFranciscaerefereJoãoeAntóniocomotendonascidoantesdeBernardino(verop.cit.,p.7).QuantoàproledeBernardinoAntónioGomes,JofreMonteiroAlvesreferequetevecincofilhos:BernardinoJosé(falecidoemtenraidade),HenriquetaLeonor,BernardinoAntónioGomes,CustódioManueleAntónioMaria;VirgílioMachado,nomeiaseisfilhos,tendofalecido,paraalémdofilhoreferidoporJofreAlves,umoutrofilhodetenraidade(op. cit.,p.9).
34 SobreanaturalidadedeBernardinoAntónioGomesforamconsultados:SILVA,InnocencioFranciscoda;ARANHA,Brito–Diccionario Bibliographico Portuguez;
ii parte ORIGEM, DADOS BIOGRÁFICOS E ASPETOS DA VIDA FAMILIAR DE BERNARDINO ANTÓNIO GOMES
carlos subtil
36
MACHADO,Virgílio–ODoutorBernardinoAntónioGomes; CUNHA,NarcizoCândidoAlvesda–No Alto Minho, Paredes de Coura; Blogue“Escavaremruínas”(consultadoemoutubrode2009),daautoriade
JofreMonteiroAlves,queodesativouemvirtudedeváriosplágiosdosseusartigosdehistória,genealogiaeetnografiaaípublicados.
TodosreferemS.MariadeParedescomolocaldenascimento,emboraSilva&AranhaincluamestafreguesianoconcelhodeArcosdeValdevez.
DeacordocomVirgílioMachado,otextodoassentodebatismoéoseguinte:“Bernardino,filholegítimodoDoutorJoséManuelGomesedesuamulherJo-sefaMariaClara,naturaisdeCoimbra,netopaternodeJoséGomesedesuamulherMarianaJosefaRosaematernodeJoséCoimbraedesuamulherLaraMaria,todosdacidadedeCoimbra,quenasceuaosvinteenovedeOutubrodemilsetecentosesessentaeoitoefoibatizadosolenementepormim,JoãoBentodeBritoAraújoeCastro,abadedestafreguesia,aostrêsdeNovembrodamesmaerasupraelheliosexorcismoselhepusossantosóleoseforampadrinhosBernardinodeCastroBarretoeMenezesesuamulherDonaMariae,comsuaprocuração,seufilhoAntóniodeCastroeforãotestemunhasAn-tónioPereiradaCunha,SebastiãoPereiradaCunhaeFranciscoJoséPereiradeCastro.Eporverdadefizestetermoqueassignoetestemunhas,diaannoemêsetsupra”(1925,p.7-8).
Figura1—GenogramadafamíliadeBernardinoAntónioGomes
JoséGomes
JoséManuelGomes
MarianaJosefaRosaGomes
MarianaMariaClaradeSousa
Francisca
1767-?
JoséBento
1770-?
BernardinoJoséGomes
1802-?
AntónioBento
1771-?
HenriquetaLeonor
1804-1882
78
BernardinoAntónioGomes
1806-1877
71
CustódioManuelGomes
1810-1881
71
1775-1864
LeonorViolante
89
AntónioMariaGomes
1814-1896
82
1768-1823
BernardinoAntónioGomes
5555
C:15OUT1801
bernardino antónio gomes
37
Tal como Virgílio Machado, Narciso Alves da Cunha35 tambémrefere Paredes de Coura como local de nascimento. Contudo, háoutros autores como José Augusto Vieira36 e o próprio filho deBernardinoAntónioGomes,homónimo,quedizemternascidoemArcosdeValdevez.
ARevistaPopular(1850)37tambémlheatribuianaturalidadeemArcos,comarcadeViana.Osautoresesclarecemqueapenasapre-sentamumanotíciabiográficaresumidaequeoelogiohistóricodeBernardinoAntónioGomesiriaserfeito,tantoquantosabiam,pelo seu filho. Em 1957, apareceu, de facto, a memória Noticia sobre a Vida e Trabalhos Científicos do MédicoBernardinoAntónioGomes38,compostanaTipografiadaAcademiaesemindicaçãodeautor, que, seguramente, era o seu filho, porque manifestava tertidoasortede«herdaramemóriadeumnomequeficourespeito-samente impresso na lembrança de quantos conheceram o varãoqueotransmitiu».AautoriadestetrabalhoviriaaserconfirmadanumanotabibliográficainsertaemOInstituto39,jornalcientíficoeliterárioondesedizqueaqueletrabalhoeraum«tributofilialpagoaumamemóriacaraeveneranda».
Seupaitinhasidoum«modestíssimo»médicomunicipalnocon-celhodeParedesdeCoura,entre1766e1772,ondenasceramtodososseusfilhos.DoutoremMedicinaaos25anos(1793),BernardinoAntónioGomesexerceuemAveiro,primeirocomomédicomunici-palinterino(1793-1795)e,depois,comomédicodopartidomunici-pal,atéjaneirode1797.
35 CUNHA,NarcizoCândidoAlvesda–No Alto Minho, Paredes de Coura.
36 MACHADO,Virgílio,op. cit.,p.8.
37 ARevistaPopularfoiumsemanáriode«literatura,ciênciaeindústria»cujoseditoreseramJoaquimHenriqueFradessodaSilveira,JoséMariaLatinoCoe-lho,FranciscoPereiradeAlmeidaeAugustoJoséGonçalvesLima.Cadanú-mero iniciava sempre com uma imagem alusiva a uma notícia de relevo oumonumentoe,frequentemente,afigurasilustresdasquaiserafeitaumanotabiográficaerespetivoelogio.OelogiodeBernardinoAntónioGomeséfeitononúmero49,de1850,p.387.
38 NOTICIA da Vida e Trabalhos Scientíficos do MédicoBernardinoAntónioGo-mes,p.4.
39 O Instituto,jornalscientificoelitterario,p.70-71.
carlos subtil
38
Éoprópriofilhoquenosesclareceacercadamudançaderumodacarreiradoseupaiaoreferirque,desdeoprincípio,estedavamostrasdecultivarmaisaciênciaeainvestigaçãodoqueapráticadamedicinae,nessesentido,aprovínciaerademasiadoacanhadaparaassuasambições.Daí,aidaparaacapital,onde,poucotempodepois de chegar, foi nomeado capitão-de-fragata, como médicodaArmada.
Em1801,regressadodeumamissãonoBrasil,casoucomLeonorViolanteRosaMourão,viúvaeseteanosmaisnova.LeonorViolantetinhacasadoaos19anoseenviuvadoem1799,com24anos.
Em1805,jácomdoisfilhos,aesposasaiudecasaerecolheu-senumamoradianoCampoGrande,poralegadoadultériodomarido.Regressou ao lar depois de pedir «perdão pelos seus desatinos»,mas,maistarde, voltariaainsistirnatesedoadultériodomarido,tendo-se retratado novamente (1814). D. Leonor Violante tambémpatrocinou a ideia do casamento da filha, Henriqueta Leonor,com um contratador de tabaco, «um homem de uma grande for-tuna» (1818), mas Bernardino António Gomes recolheu a filha àcustódiadoRealMosteirodaEncarnaçãoparaimpediressecasa-mento(1819).NestemesmoanoocorreuolibelodedivórcioentreD.LeonorViolanteeBernardinoGomes,acabandoaquelaporserinternadanoMosteirodeSant’Ana(Lisboa),poravisodirigidoaoIntendenteGeraldaPolíciadaCorteeReino.Opedidodedivórcioperpétuo intentado por D. Leonor Violante foi negado por acór-dão do Patriarcado, por não ter provado as acusações de adulté-rioemaus-tratos,tendorecorridodasentençaparaoTribunaldaNunciatura(1820).Esteprocessolitigioso,relacionadocomareclu-sãodaesposaeoseupedidodedivórcio,deuorigem,nosúltimosanosdasuavida,aalgunsopúsculosporsiredigidosequeforamdodomíniopúblico40.
40 EmSILVA,InnocencioFrancisco;ARANHA,Brito—Diccionario Bibliographi-co Portuguez,referem-seostítulos:× História justificativa da reclusão de D. Leonor Violante Rosa Mourão
noconventodeS.Anna,comosrespetivosdocumentos.PorseumaridoB.A.G.Lisboa,naImprensaNacional,1821;
× DecisãojurídicaproferidapelocorregedordoCiveldacidadeLuísPin-toCaldeiradeMendanhanaepochadanossaRegeneração(janeirode1822).Lisboa,1822;
bernardino antónio gomes
39
BernardinoAntónioGomesteráfeitoumgrandeesforçopecu-niárioparaajudarasacudirojugodosfrancesesaquandodasinva-sõesnapoleónicas,queconsistiuemprescindirdemetadedoven-cimentoqueauferianoHospitalMilitarenoHospitaldaMarinha,«metade,porassimdizerdopãoquetinhaparaaminhafamília»,pois o tempo que ocupava com aqueles doentes não lhe permitiafazerclínicaprivada.Esseesforçotraduziu-seem1391$660eestaalegação fazia-a sempre que se sentia vítima de agravos ou deinjustiças por parte daqueles que não reconheciam nem aprecia-vamosseusserviços41.
Virgílio Machado também reproduz o teor de seis cartas queBernardino António Gomes escreveu ao filho quando este esteveaestudaremCoimbra.Todaselasestãotrespassadaspelaideiade«praticarreligiosamenteosseusdeveresdehomemdebem»,pelodesejodequeofilhofosseumbomfilho,queoenchessedesatisfa-çãoeorgulhoemerecesseaamizadedopaipelanobrezadossen-timentosqueviacrescernele,quefosseumalunoreconhecidoaosmestres, sem invejas ou imposturices, digno da estima de todos.Não se cansou de lhe repetir para seguir o seu exemplo, ou seja,o que ele próprio era devia-o ao seu bom comportamento, ao tra-balhoabnegadoeaodesejodesaber,aoamoràciência,aocultodepolidosenobressentimentoseaoreconhecimento,tudoatribu-tosessenciaisànobrezadecarácteregarantiadabenevolênciaeestimadosoutros.
Reconhecendoosméritosdofilhoeaformacomoseguiaosseusconselhos,foiperentórionaformacomoselhedirigenumacartade30deoutubrode1822,numpaísqueviviaosalvoresdoliberalismo:
«(…) É verdade que alguns tem feito fortuna por imora-lidades, mas que triste fortuna a que está ligado com oopróbrio!Nãoéestaaquequeremasalmasnobres;aminha,e,peloconceitoquejámedeves,tambématua.
× AnálisedassentençasproferidasnaLegaciasobreacausadedivórcioqueD.LeonorViolanteRosaMourãomoveuaBernardinoAntónioGo-mes,Lisboa,1822.
41 MACHADO,Virgílio,op. cit.,p.10.
carlos subtil
40
Devoagoradizer-tequetutensoforodeFidalgoCavaleiro(queéomaiordosforos)desdequeeuvimdoBrasil;nuncatomostrei,nemfaziatensãodeixar-to,setu,pelanobrezados teus sentimentos e comportamento, te não mostras-sesdignodanobrezacivilqueeutetinhagrangeado»42.
Note-se que a Bernardino António Gomes foram atribuídosos títulos honoríficos de Cavaleiro da Ordem de Cristo (1812), demédicohonoráriodaCâmara(1813),deCavaleiroFidalgo(1815)edeFidalgo Cavaleiro (1818). Este último título também foi atribuídoaos seus três filhos, mas o pai omitiu-lhes o facto enquanto nãotivesseprovasdeomerecerem,comoseverificanestacartadiri-gidaaofilho.
BernardinoAntónioGomesacabariaporfalecer,com54anos,nasuaresidência,naPraçadaAlegria,emLisboa,devidoa«afeçãonoestomagodenaturezamaligna»,deixandoaoseufilhohomónimoaterça«porseterdistinguido,entretodososirmãos,naobediênciaeexcelentecomportamento,comacondiçãodeprestaraseuirmãoAntónioMariaGomestodooauxílioquepuderparaasuaeducaçãoemanutenção».
BernardinoAntónioGomeseraumhomemhumildedopontodevistacientífico,masnuncadeixouderealçaroseuesforçoeabne-gaçãoemproldaciência,dasaúdepúblicaedopaís,comosefoipercebendo ao longo desta apresentação, perfil que pode ser sin-tetizadonassuasprópriaspalavrasproferidasnasessãopúblicada Academia em 24 de junho de 1813, ao referir-se ao grupo demembrosdaAcademiaquetinhamcriadoa InstituiçãoVacínica:«Oresultadodellafoioqueeradeesperar-sedehomenscheiosdeluzes(fallodosmeuscollegas)edehomenscomvivossentimentosdehumanidadeedepatriotismo(falloagoratambémdemim)»43.Contudo,estasuahumildadecientíficanuncaoimpediudefazerumaconvictadefesadosseuspontosdevistaedosresultadosdas
42 MACHADO,Virgilio—op. cit.,p.16.
43 GOMES,BernardinoAntónio–Recopilação histórica dos trabalhos da Insti-tuição Vacínica durante o seu primeiro ano,p.77.
bernardino antónio gomes
41
Quadro1—Tabelacronológico-biográficadeBernardinoAntónioGomes,incluindoadatadepublicaçãodassuasobraseacontecimentos
relevantesdavidanacional
data acontecimento
1768Nascimento (29deoutubro)nafreguesiadeSantaMariadeParedes,ParedesdeCoura.
1782Extinção dos cargos de Físico-mor e Cirurgião-mor. Criação da Junta doProtomedicato.
1793ConclusãodocursodeMedicina.Iníciodaatividadeprofissionalcomomédicodepartido,emAveiro,até1797.
1797 NomeadomédicodaArmadaReal,embarcandoparaoBrasil.
1798Observações sobre a canela do Rio de Janeiro, escritas a rogo do Senado daCâmaradamesmaCidade,em8demaiode1798.
1801RegressodoBrasil.Casamentocom LeonorViolanteRosaMourão. Memória sobre a Ipecacuanha fusca do Brasil ou cipó das nossas boticas.
1802Nascimentodo1.ºfilho,BernardinoJosé.A2deabril,vainafragata-hospitaldebelarumaepidemianumaesquadradoGibraltar,ondepermaneceuaté1803
1803Observações botânico-médicas sobre algumas plantas do Brasil, escritas emlatimeportuguês.
1804IníciodoexercíciodaatividademédicanoHospitaldaMarinha.Nascimentodo2.ºfilho,HenriquetaLeonor.
1805 Aesposasaidecasa.
1806
Método de Curar o Tifo ou Febres Malignas Contagiosas pela Efusão da Água Fria, com a Teoria do Tifo, Segundo os Princípios da Zoonomia de Darwin e Explicação do Modo de Obrar da Efusão Fria e uma Carta ao Dr. James Currie com Reflexões e Observações sobre este Método.Nascimentodo3.ºfilho,BernardinoAntónio.
1807 IInvasãoFrancesaepartidadoReiedaCorteparaoBrasil.
1809
IIInvasãoFrancesa.RefundaçãodoscargosdeFísico-moreCirurgião-mor.Memória sobre a Canella do Rio de Janeiro, oferecida ao Príncipe do Brasil pelo Senado da Camara.
1810IIIInvasãoFrancesa.AbandonodacarreirademédicodaArmada.Nascimentodo4.ºfilho,CustódioManuel.
1811 RetiradadeMassena.
carlos subtil
42
1812
EleitomembroefetivodaAcademiaRealdasCiênciasdeLisboa.FundaçãodaInstituiçãoVacínica.Ensaio sobre o Cinchonino e sobre a sua influência na virtude da Quina e dou-tras Cascas.CartadeBernardinoAntónioGomesdirigidaaosredatoresdoJornal de Coimbra.SegundaeúltimareplicaaossenhoresredatoresdoJornal de Coimbra.
1813
CriaçãodaJuntadeSaúdePública.Carta aos redatores do «Investigador Português», seguida de um Artigo em Resposta ao que a seu Respeito dissera o «Jornal de Coimbra»nº.XII.NomeadomembrodaJuntadeSaúde.Recopilação Histórica dos Trabalhos da Instituição Vacínica durante o seu Primeiro Ano,pronunciadanasessãopúblicadaAcademiaRealdaCiênciasdeLisboa,em24dejunhode1813.
1814 Nascimentodo5.ºfilho,AntónioMaria.Aesposaacusa-odeadultério.
1815
Memória sobre as Boubas.Memória Sobre a Desinfeção das Cartas.Conta Anual da Instituição Vacínica da Academia Real das Ciências de Lisboa,pronunciadanasessãopúblicade1815.
1816 MortedeD.MariaIesubidaaotronodeD.JoãoVI.
1817Nomeado médico da Câmara Real. Viagem de Livorno para o Rio de Janeiro,comomédicodaprincesaMariaLeopoldina.
1819 LitígiodedivórcioerecolhimentodafilhanoMosteirodaEncarnação.
1820
RevoluçãoLiberaldoPorto.Ensaio Dermosográfico ou Sucinta e Systemática Descripção das Doenças Cutâneas, Conforme os Princípios e Observações dos Doutores Willan e Bateman.
1821
RegressodaCorteaPortugal.D.JoãoVIjuraaConstituição.Memória sobre os Meios de diminuir a Elefantíase em Portugal e de aperfeiçoar o Conhecimento e a Cura das Doenças Cutâneas.Carta aos MédicosPortuguezes sobre a Elephantíase noticiando-lhes um Novo Remédio para a Cura desta Enfermidade.
1822AprovaçãodaConstituiçãoeIndependênciadoBrasil.Memória sobre a Virtude Tenífuga da Romeira, com Observações Zoológicas e Zoonómicas relativas à Ténia.
1823Confrontosentreliberaiseabsolutistasculminamna«Vilafrancada».Mortea13dejaneiro,com54anos,naPraçadaAlegria,emLisboa
bernardino antónio gomes
43
suas investigações, acatando, contudo, as observações que eramfeitaspelosseusparesdaAcademia.
Estaatitudehumildeeaustera,derigorededicaçãoaotrabalhodeinvestigação,mesmoquandojágozavadeprestígioereconheci-mentocomomembrodaAcademiaRealdasCiências,estendia-seàsuavidasocialefamiliar,comosepodeverificarnumadasdiver-sascartasqueendereçouaofilho,aconselhando-oaseguiroseuexemplo:«Tusabescomoéomeugénio;nãogostodefausto,masamomuitoadecênciae,porconseguinte,oasseio,andapoissem-preasseado,masnãocomdemasiadalouçania,mostra-te,emtudo,meufilho,sequeresveromelhordosPayseoteumaioramigo»44.
QuandoBernardinoAntónioGomesfaleceu,oseufilhocontava17 anos. Só passados 34 anos, isto é, aos 51 anos, e já com umabrilhante carreira como lente catedrático de medicina na EscolaMédico-cirúrgicadeLisboa,équeestepublicouabiografiadeseupai,ondesãoreferidosalgunsaspetosqueesclarecemapersonali-dadedopaiealgunsacontecimentosrelevantesdavidadeste.
AprimeiradesilusãodeseupaiterásidoprovocadapelaformacomooConselhodeRegênciarespondeuaoseupedidodedemis-são, em 1810, sem uma única palavra de reconhecimento pelosserviços prestados com zelo, desinteresse e patriotismo duranteos anos da ocupação francesa. Mais tarde, aquando da sua mis-são como médico da princesa Leopoldina, na sua viagem para oBrasil, recebera testemunhos de apreço e presentes por parte daprópriaprincesaedassuasdamas,doimperadordaÁustriaedoGrão-Duque da Toscana, ao invés do governo português, que nãolheconcedeuqualquergratificaçãoouindeminizaçãopecuniária,paraminimizaroprejuízodeinterromperoexercíciodamedicinaparticular,queeraoseuúnicorecursoedasuafamília.Apesardeter falecido precocemente, o filho considera que, mesmo assim,conseguiu granjear o património suficiente para a educação dosfilhosque«deviamdepoissaberacharnomundoposiçãohonestaedecente;mascomissolhesdeixou,sobretudo,agrandeherançadeumnome,quesemprerepetirametiveramasatisfaçãodeouvirrepetircomrespeitoehonrosarecordação»45.
44 MACHADO,Virgílio,op. cit.,p.12.
45 NOTÍCIA,op. cit.,p.25.
carlos subtil
44
Ofilhodefinia-ocomotendoummododesentirquefaziacomquenemsemprefossetãofelizcomomerecia,umcarácteressen-cialmenteproboeaustero,consubstanciadonoconselhoquerepe-tiaaosfilhos:«Façamprincipalmenteporserhomensdebem».Eraum homem independente e desinteressado no exercício das fun-çõespúblicas,queexerceucomabnegaçãoesacrifício,nemsempreavaliadosereconhecidos.Terásidonoreconhecimentopúblicodoseutrabalhoepublicações,dentroeforadopaís,enasatisfaçãodeterdeixadoarecordaçãodeserútilaosoutros,queteráencontrado«acompensaçãodetodasassuasfadigas»46.
Virgílio Machado também ensaia o perfil psicológico deBernardinoAntónioGomes,começandoporfazermençãoaoprémiodecinquentamilreisquereceberapeloprovimentodospartidos,nofinaldoprimeiroanodepreparatóriosqueantecediamocursodemedicina,porterdadoprovasde«capacidade,deaplicaçãoedeestudos».ComomédicodaArmada,debelaraasepidemiasquegras-savamnaesquadraportuguesa,emGibraltar.Aomesmotempoemque continuava o seu labor investigativo, aceitou, gratuitamente,fazer parte da Junta de Saúde, acompanhar a princesa CarolinaLeopoldinanaviagemdeLivornoparaoRiodeJaneiro,naquali-dadedemédicodaRealCâmara,fundareorganizaraInstituiçãoVacínicaededicar-seaoestudoetratamentodosleprosos.
Como clínico, exalta-lhe os «dotes especiais de inteligência edesensibilidadeafetiva»,asqualidadesdeobservação,vigilânciaeprudência,oseucarinho,dedicaçãoetolerânciapara«suportarashumanasfraquezas».Segundoestebiógrafo,muitosdossuces-sosclínicosquealcançouficaramadever-se«àinfluênciaporeleexercidasobreamoraldosseusdoentes»,realizandoprodígiosdepsicoterapiaempírica,queestavamaoníveldemédicosdeprestí-gio quase místico, «conhecedores a fundo da psicologia humananos estados hígido e mórbido». Realça-lhe o bom trato com indi-víduosdetodososníveissociais,desdeospescadoresemarujosaosrepresentantesdasclassesmaiselevadas,príncipesereiseoempenhoemprocurardefendersempreoprestígiodaprofissãoedoscolegas.
46 Ibidem.
bernardino antónio gomes
45
Doscadernosdecontasemquefaziaacontabilidadedasuaclí-nicaparticular,constamatosdeconsultoriasolicitadaporcolegasdosmaismodestosaosmaiscompetentes,a6400reiscada,ouodobro; muitos clientes não lhe pagavam em dinheiro, «mas retri-buíamcomgénerosalimentícioseoutrosdamaisvariadanaturezaevariadograudeutilidade».
VirgílioMachadodescreve-oaindacomoumhomemávidopeloconhecimento em Botânica, Química e Medicina, conhecimentoessequeampliavacomaleituradasnovidadescientíficasescritaseminglês,francêse latim, línguasquedominavacommestria.Apardasuacuriosidadeeentusiasmopelaciênciaepesquisa,erahábil nas manipulações de laboratório, perseverante e pacienteperanteascontrariedadesdainvestigação.
Das «horas de amargura e de desalento», Virgílio MachadoretomaoepisódiodoLazaretodaTrafaria,aquenosreferiremosmaisàfrente,oseupedidodedemissãocomomédicodaArmadaeasuamissãocomomédicoaoserviçodaCoroa,socorrendo-sedeapontamentosautobiográficosemqueBernardinoAntónioGomesdesabafava o quanto fora prejudicado por prestar estes serviçossemqualquerajudadecusto:
«Se eu não tivesse quatro filhos, se eu não sentisse ossymptomasdasaúdemuitoarruinadaedevelhiceprema-tura,dava-meporbempagodetodososmeusserviços,comashonrasde CavalleirodaOrdem de Christo,de MedicodaCamaraedeFidalgoCavalleirodaCasadeS.M.queS.M.metemconferido;mascomoasqualificaçoensexigemumtratomaisnobreemaisdispendioso,comosemsaúdeparamasminhasrendasecomohenoserviçodoEstadoquetenhoperdidoaquellaeestas,doEstadotenhorazãodeesperargraçasdemanutençãoeporissoesperodeumSoberanogeneroso,justoemagnanimoquenãodeixesen-tirindigênciaaquemestariaagorabemlivredellasenãotivessetantozelopelobemdoEstadoeserviçodeS.M.F.queDeusguarde»47.
47 MACHADO,Virgilio–op. cit., p.74-75.
Figura2—EstátuadeBernardinoAntónioGomes,noJardimBotânicodeLisboa.
bernardino antónio gomes
47
OautorrefereaindaoincidentecomoDr.Brotero,osdissabo-res que Bernardino Gomes teve quando isolou a cinchocina e ascampanhasquecontraelesefizeramnoúnicojornalmédicoque,àépoca,existiaemPortugal.
De certa forma, Virgílio Machado responsabiliza o próprioBernardino Gomes por achar que este dispensava pouca atençãoaos seus trabalhos científicos, apresentando-os com excessivamodéstia,cautelaeponderação,nãose julgandoumaautoridadena matéria. No entanto, essas mágoas foram sendo expiadasmais tarde, já nos últimos anos de vida, como, por exemplo, nadedicatóriadasuaobrasobreaspropriedadesanti-helmínticasdaraizdaromeira:
«À minha injusta, todavia, sempre amada pátria, esteténue, mas não inútil, undécimo testemunho dos meusconstantesdesejosediligenciasemcontribuirparaobempublicoeglorianacional,comolegitimo,eporissosem-preseuafeiçoadofilho,dedicoeofereçoB.A.G.»48.
Na Carta aos Médicos Portuguezes sobre a Elefantíase Noticiando-lhes um Novo Remédio para a Cura desta Enfermidade…,Bernardino António Gomes é já um homem exausto, magoado edesiludido.Exprimemaisumadassituaçõesqueperturbavaoseutrabalhoeasuasaúdequandoserefereaumacerta«megera»–tra-tar-se-iadasuaprópriaesposa–queestariaaimpedirquetivessea tranquilidade necessáriaparaareflexãoeredaçãodos resulta-dosdassuasobservações.Nestamesmacarta,napágina8,referemesmo:«…eporquetenhoadesgraçadeterumamulher,queporintrigas, e abominações me tem grangeado inumeráveis inimi-gos…».Receianãotercondiçõesparaterminarosseustrabalhosou,piorainda,serpresoouterdesairdopaís.Napartefinaldacartacontinuaosseusqueixumesefazumpedidopúblicoparaqueasociedadesecompadeçadosseusfilhosqueaeleseassemelhamnosseussentimentospatrióticos.Oqueatodosviesseasuceder,nãoseriaporculpaprópria,masporculpadesuamãe,«quetem,
48 Idem,p.77.
carlos subtil
48
porimoralidadesassaznotóriasdissipadoafortunaquelheshaviadeficar».
O botânico, sanitarista e dermatologista
Estabelecendoumarelaçãoentreoseupercursoprofissionaleaproduçãocientífica,asuavidapodeserrepartidaportrêsperíodosquecorrespondemàssuasprincipaisfacetascomobotânico,sanita-ristaedermatologista.Oprimeiro,comobotânico,enquantomédicoe capitão-de-fragata (1799-1810); o segundo como sanitarista ehomem de saúde pública, fundador da Instituição Vacínica (1810-1817);e,oterceiro,comodermatologista(de1817atéàsuamorte).
O botânico
NaArmadaReal,integrouaEsquadraNavaldoBrasilatéoutu-brode1801,cumprindoumacomissãodecincoanos.
Esteperíodo(1797-1801)foiomaisprodutivodopontodevistacientíficoparaoqueconcorreuoseuespíritodededicaçãoàinves-tigação,asuapreparaçãoacadémicaemCoimbraeodesafioqueeraoBrasilenquantoterra«quasevirgemdeexploraçõeseondeanatureza,vastaeimensamentevariadanassuasproduções,ofere-ciatantoqueexplorar»49.
Escreveu três obras sobre botânica: uma memória sobre aipecacuanha fusca do Brasil50, trabalho de investigação que noestrangeirochegouacircularcomodaautoriadobotânicoAvelarBrotero51; um trabalho com observações botânico-médicas sobre
49 NOTICIA, op. cit.,p.5.
50 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre a Ipecacuanha Fusca do Brasil ou Cipó das Nossas Boticas.
51 NOTÍCIA, op. cit.,p.6-7.BernardinoAntónioGomester-se-áapressadoemdaraconheceraBroteroosresultadosdasuainvestigaçãoque,porsuavez,osco-municouàSociedadeLinneanadeLondres,passandoafigurar,devidoaoseuprestígio,comoautordotrabalho.TambémnoDicionário Grande das Ciências MédicascomeçouasurgironomedeColombcomooprimeiroadarnotíciassobreaculturadaipecacuanhaquandootinhasidoBernardinoAntónioGo-
bernardino antónio gomes
49
algumas plantas do Brasil52 e outro sobre a canela do Rio deJaneiro53.
Emrelaçãoaesteúltimo,eduranteasuaestadianoRiodeJaneiro,fezaobservaçãoeestudodasboubas,doençamuitofrequentenoBrasil, que viria a dar origem a este ensaio publicado em 181554.Considerouasboubasumadoençadecarácterendémico,referin-do-seàsuaocorrênciaedistribuiçãoporidades,tiposemanifesta-çõesecaracterísticasdasferidas.Aindanocapítuloterceirodestetrabalho, ensaia o diagnóstico diferencial relativamente ao PianeaoYaws.Sendoumadoençamaisfrequentenosnegrosquenosbrancos,consideravaaalimentaçãooprincipalfatorresponsávelpela doença, embora fossem predisponentes o clima e as condi-çõesdehigiene;discutiuatransmissãodadoençapor«herança»eporviadaamamentação,dasrelaçõessexuaisevetorestaiscomomoscasemosquitos.Aocontráriodeoutrosmédicos,BernardinoGomes considerava que não se tratava de uma doença venérea.Quantoaoprognóstico,consideravaqueadoençaevoluíaemtrêsfases – crueza, cocção e crise – resolvendo-se, espontaneamente,
mes.Peranteestasfalsidades,BernardinoAntónioGomesentrouemcontactocomosProf.VireyeChaumeton,comosquaissecorrespondia,eosequívocosforamdesfeitos.
52 GOMES,BernardinoAntónio–Observações Botânico-Médicas sobre algumas Plantas do Brasil, Escriptas em Latim e Portuguez, oferecidas à Academia Real das Ciências.
53 GOMES,BernardinoAntónio–Observações sobre a Canela do Rio de Janeiro, Escriptas a Rogo do Senado da Câmara da mesma Cidade, em 8 de Maio de 1798, e Ultimamente Rectificadas, Adicionadas e Oferecidas ao mesmo Sena-do.
54 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre as Boubas,p.1-35.Esteensaiotevedoispareceres,umdeFranciscodeMeloFrancoeoutrodeFranciscoTa-vares,membrosdaAcademia.BernardinoAntónioGomespronunciou-seso-breoscomentáriosqueforamfeitos,nosseguintestermos:«Reconheço-meobrigado aos meus censores pela aprovação que deram ao ensaio sobre asboubas,nãomenospelasadvertênciascomqueprocurarammelhorá-lo;nãomeparecendoporémdeveradotartodasestasdevodizeralgumacoisaares-peitodelasparamejustificar.Aconselha-meumdoscensoresquesuprimanapágina6…»(éumaextensacontestação).Asboubassãoumadoençatropicalinfeciosadapele,ossosecartilagenscausadapelabactériaEspiroqueta Tre-ponema Pertenue.
Figura3—Páginasdo1º.VolumedeManuscritosdeBernardinoAntónioGomes,comoregistodasobservaçõesdedoentescomsezõestratadoscomaquinade
Goiares,enquantomédicodaArmadaeCapitãodeFragataGraduado(1798-1808).Oferecidoporseuneto,PadreBernardinoBarrosGomes,em1910,ao
JardimBotânico,daUniversidadedeCoimbra(?).
bernardino antónio gomes
51
sobacondiçãodeboaalimentação,cuidadosdehigieneedemedi-dasgeraisparaumavidasaudável.Quantoaotratamento,eporquesetratavadeumaenfermidadevirulentaeulcerosa,sugeriaquesedeviafacilitaraerupçãoulcerosa,erradicarovíruse«detergir»asúlcerasparacicatrizarem;aconselhavaasváriasinfusõesemuso,fazendoreferênciaàsalsaparrilhaeàcaroba,plantaautóctone;e,para que fosse mais rápida a cura, indicava o uso tópico de mer-cúrio,dandoindicaçõesparaapreparaçãodeinfusõeserelatandováriasobservaçõesquefizerasobreaevoluçãodadoençaeformasdetratamento.
Depois de uma missão em Gibraltar (abril de 1802-março de1803), foi louvadopelosseusserviçosduranteaepidemiadetifoqueocorreunatripulaçãodaquelaesquadra55.
Publicoumaisumaobra,descrevendooresultadodassuasobser-vaçõeseostratamentosqueaplicoucomêxito56,pormenorizandoasformasdeaplicaçãoeosefeitosdofrio,métododoqualtinhatomadoconhecimento,em1800,atravésdeumapublicaçãodoDr.Currie,de1797,emEdimburgo.OsucessodométodoaplicadoporBernardinoAntónioGomeschegouaesteautor,aoqualmaistardeviriaaenviarumaextensacartaquefoipublicadanaúltimaediçãodoseutrabalho«Medicalreportsontheeffectsofwatercoldandwarmasaremedyonfeverandotherdiseases»,comainclusãodeumanotadeapreçopelomédicoportuguês.
Em virtude dos seus bons serviços e devido ao seu estado desaúdefoiisentodoserviçoemmare,em1804,passouafazerser-viçonoHospitaldaMarinha,aoDesterro,sendo,noanoseguinte,nomeadoprimeiromédicodoHospitalMilitardaCorte.
FoiporestaalturaquevieramdoBrasildiversasqualidadesdecascas, na esperança de «suprir a quina peruviana». O Governomandou-asparaoshospitaisdeLisboaeCoimbraparaseremestu-dadaseavaliadasquantoaoseuvalor.Eis,pois,maisumaoportuni-dadedeinvestigaçãoqueBernardinoAntónioGomesnãoenjeitou,
55 Olouvorfoi-lheconcedidoporCartade21deagostode1802,peloministrodaMarinha,ViscondedeAnadia.
56 Método de Curar o Tifo ou Febres Malignas Contagiosas pela Efusão da Água Fria, com a Teoria do Tifo, segundo os Princípios da Zoonomia de Darwin e Explicação do Modo de Obrar da Efusão fria e uma Carta ao Dr. James Currie, com Reflexões e Observações sobre este Método,Lisboa,1806.
carlos subtil
52
fazendo parte de uma comissão nomeada pela Academia57, em1812.PorordemdaSecretariadeEstadodaGuerraedaMarinha,a Academia tinha estabelecido um prazo para a apresentação doestudo,mas,àqueladata,aindanãohaviadadossobrearecristali-zaçãodacinchonina,razãopelaqualorelatório«Experiênciaschy-micassobreaquinadoRiodeJaneirocomparadacomoutras»foielaboradosemessesresultados,que,maistarde,viriamaserapre-sentadosno«Ensaiosobreochinchoninoesobreasuainfluêncianavirtudedaquinaedoutrascascas»58,59.
TrabalhandosobreosdadosjáconseguidospelomédicofrancêsVauquelin, conseguiu isolar o cinchonino. Este ensaio foi repro-duzidonoEdinburgh Medical and Surgical Journal60enoMedical and Physical Journal(vol.27),ondefoimuitobemrecebido.AsuapublicaçãonojornalO Investigador Portuguez61deuorigemaumapolémica entre o autor e os redatores do Jornal de Coimbra, quecontestaramasuadescoberta62.
57 DessaComissãofaziamparteoreferidoeossóciosJoséBonifáciodeAndra-deeSilva,SebastiãoFranciscodeMendoTrigosoeJoãoCroft,osquaisapre-sentaramosresultadosdoseutrabalhonumamemóriapublicadaem1811,notomo3.º,parte2.ªdasMemórias de Mathematica e PhysicadaAcademia.
58 GOMES,BernardinoAntónio–Ensaio sobre o Chinchonino e sobre a sua In-fluência na Virtude da Quina e doutras Cascas.EsteensaioteveparecerdomembrodaAcademiaFranciscoTavares,em31/7/1810.
59 Aestepropósito,consultar:HEROLD,Bernardo;CARNEIRO,Ana–Bernardino António Gomes 1768-1823.
60 Vol.7,p.120.
61 Númerodenovembrode1811,p.297;evol.1812,p.36.
62 Segundo SILVA, Innocencio Francisco; ARANHA, Brito – Diccionario Biblio-graphico Portuguez,daquiderivaramosseguintesescritos:
–«CartaaosRedatoresdoInvestigador Português,seguidadeumArtigoemRespostaaoqueaseuRespeitodisseraoJornal de Coimbra n.ºXII»,inseridaemO Investigadorn.ºXXIIdemarçode1813,p.206;
–RespostaaoDoutorJoséFelicianodeCastilho,sobreoquearespeitodeleedoseuartigoinsertoemO Investigadorn.ºXXIIescreveranoJornal de Coim-bran.ºsXXVIeXXIX,inseridaemO Investigadorn.ºXXII,p.662a671;
–RespostaaoPapeldeJoséFelicianodeCastilhointitulado«Reflexõesetc.»,noJornal de Coimbran.ºXXXV,parte1.ª,inseridaemO Investigador,n.ºLV,dejaneirode1816,p.313a325;
–Respostaàsdenominadas«ReflexõesdeJoséFelicianodeCastilho»noJornal
bernardino antónio gomes
53
Ao isolar o primeiro alcaloide da quina, Bernardino AntónioGomesfoiinovadoraofazerumadescobertafundamentalnodomí-niodahistóriadaterapêuticamedicamentosa,desafiandoosabercientíficoinstituído63,condicionadoporescassosrecursos,etra-balhandoàmargemdaUniversidade.
Finalmente, como médico militar, o seu último serviço foi noLazaretodeLisboaondecurou445doentesdetifovindosdaesqua-dra fundeada em Gibraltar e teve a oportunidade de confirmar aeficácia do seu tratamento pela água fria. Todavia, esta foi umaexperiênciamuitodesagradávelequeBernardinoAntónioGomesexerceu com estoicismo, não se recusando ao exercício de fun-çõesenquantoempregadodasaúdenempedindoademissãoparanãodarasoaquepensassemquenãoestavaàalturadamissão.A«ordem»paratratarosdoentesdoLazaretotinha-lhesidodadaporumcontadorqueestavaasubstituiroIntendentedaMarinha,estrutura que, pelo Regulamento, superintendia os empregadosde saúde do Hospital da Marinha (Desterro). Essa ordem tinhasidodadaemtermosindecorosos,sujeitandoBernardinoAntónioGomesariscosquedeviamserassumidospelosmédicosdaJuntadeSaúdenoLazareto.Findaamissão,agastado,pediuademissão,alegandoproblemasdesaúde.
de Coimbran.ºXLI,parte1.ª,inseridaemO Investigador Português,n.ºLXVII,dejaneirode1817,p.261a275.
63 RIEDER,P.[et al.]–História Ecológico-Institucional do Corpo,p.37.
carlos subtil
54
O médico de saúde pública, fundador da Instituição Vacínica
Passou,então,aexercereaviverexclusivamentedaclínicapri-vadasem,contudo,descuraroudiminuiroseuinteressepelainves-tigação.
Acabaria por ser eleito sócio correspondente da Academia dasCiênciasdeLisboa,em7dejaneirode1810,passandoasóciolivrevolvidos dois anos (6 junho 1812), e a sócio substituto de efetivoalgunsdiasdepois(19junho).Apartirde1814,passouasócioefe-tivode1.ªclasse.Foinesteperíodoquedesenvolveuumaobraver-dadeiramentenotáveleinovadoranodomíniodavacinaçãocontraavaríola,doençapopularmentedesignadapor«bexigas».
Avaríolatinhadizimadomilharesdevidas,tantoemPortugalcomonaEuropa.NoanoseguinteàdescobertadavacinaporJenner(1798),fizeram-seasprimeirasvacinaçõesemPortugal.
Em1804,pordiligênciadovice-reitordaUniversidade,criara-seumInstitutoVacínico,emCoimbra.Em1805tinhamsidovacina-dososinfantesD.IsabeleD.Miguele,em1806-1807,avacinafoiintroduzidanaÍndiaPortuguesa.
Os progressos eram poucos e lentos, a par de muitas vozescontrárias vindas dos «médicos velhos», que se apoiavam na sualonga experiência e nos ensinamentos de Hipócrates, Galeno eBoerhaave.Desconfiavamdainovaçãocientífica,dosbenefíciosdavacinaedasaplicaçõesdaQuímicaàMedicina.
Contraaformaçãodestes«médicosvelhos»jásetinhainsurgidoLuísAntónioVerney,naCartaDuodécimadoVerdadeiro Método de estudar para ser Útil à República e à Igreja (1746) 64. Estávamosnumperíododeconfrontonítidoentredoisparadigmasmédicos,umquerepresentavaopassadoe,outro,representadopelos«médi-
64 EstaobraestáreferidacomotendosidoimpressaemValença,naOficinadeAntónioBalle.Contudo,segundoahistoriadoraAnaCristinaAraújo,«apri-meiraediçãode1746,publicadaemNápoles,foiapreendidaeproibidadecir-cularemPortugal.Areimpressãoclandestinadestaediçãofez-senomesmoanocomreferênciaaoeditorAntonioBaleeaolocalsupostodeValença.Nemoeditornemacidadecorrespondemàtipografiaeàcidadeemqueseimpri-miuo livro.Todosos investigadoresqueestudaramestaediçãoclandestinaconcordamquesetratadeumasegundaediçãoreimpressaemNápoles».
bernardino antónio gomes
55
cosnovos»,quesevinculavamàsnovasteoriasdeCullen,Brown,PinelouBroussais.
Entre os detratores, contava-se o médico Heliodoro Jacinto deAraújoCarneiro,quefezpublicar,emLondres(1808),edepoisemPortugal,umtrabalhointitulado«ReflexõeseObservaçõessobreaPráticadaInoculaçãodaVacinaedosseusFunestosEfeitos»quemereceu um comentário violento de Bernardino António Gomes,comparandoessaatitudeaospropósitosdeEróstratoquandoquei-mouotemplodeDianaemÉfeso65.Aoposiçãoeasdificuldadesàintroduçãodavacinatambémvinhamdealgunspaisdefamíliaedo revés que tinha sido a morte de um filho do Conde de Lafõesque,poucodepoisdeservacinado,teveumquadrodeconvulsõeseacabouporfalecer66.
AsInvasõesFrancesas(1807-1811)tinhamsidooutrodurogolpeque obstaculizou a cobertura vacínica em todo o reino. Perantetantasadversidades,em1812,BernardinoAntónioGomesdirigiuuma nota à Academia chamando à atenção para a eficácia e, porconseguinte,paraaimportânciadavacinação.Destegesto,enessemesmoano,resultouacriaçãodaInstituiçãoVacínica67,68,acujacomissão pertenceu, juntamente com Francisco Elias Rodriguesda Silveira, José Feliciano de Castilho, José Pinheiro de Freitas
65 EróstratoeraumdesconhecidohabitantedeÉfesoque,pretendendotornar-seimortalporumfeitomemorável,incendiouotemplodedicadoàdeusaDiana,umadasSeteMaravilhasdoMundoAntigo.Osefésiosficaramtãoindignadosqueproibiramtodosdepronunciaremoseunome,sobpenademorte.
66 SobreahistóriadosprimeirostemposdaInstituiçãoVacínicapodeconsultar--seamemóriadeALMEIDA,Antóniode–Annaes Vaccinicos de PortugalouMemoria Chronologica da Vaccinação em Portugal,desdeasuaintroduçãoatéoestabelecimentodaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboa,p.196-218.
67 NOTICIAop. cit.,p.19.
68 Sobre os desenvolvimentos posteriores da Instituição Vacínica, consultarSUBTIL, Carlos Lousada; VIEIRA, Margarida – Os Primórdios do Programa Nacional de Vacinação em Portugal,p.167-174.
carlos subtil
56
Soares69, José Martins da Cunha, Francisco Soares Franco70 eFranciscodeMeloFranco.
Bernardino António Gomes foi um intrépido combatente na«cruzada» da vacinação, tendo participado na elaboração doRegulamento da Instituição Vacínica de que foi o primeiro dire-tor, entre a fundação da Instituição (7 de junho de 1812) e 30 desetembrodessemesmoano71.Redigiuoprimeirorelatóriocorres-pondenteaesseperíodoe,porcerto,participounaelaboraçãode«BreveInstrucçãodoquehámaisEssencialaRespeitodaVacina»,umdetalhadoopúsculocontendotodaa informaçãoe instruçõesacercadavacina,suascontraindicações,característicaseproprie-dades, formas de a recolher, meios de conservação e técnicas devacinação72.
Os trabalhos da Instituição Vacínica, em 1812-1813, estão reu-nidos em nove opúsculos (Quadro 2), impressos na Tipografia daAcademia.
O Regulamento determinava que o diretor fosse nomeado porvontadeexpressadoprópriofacultativo,peloperíododeummês.Competia-lhe dirigir presencialmente as operações de vacinação,examinar os vacinados, tomar notas, providenciar a colheita damatériavacínicaecompilarasobservaçõesreferentesaessemês.Esperava-se que os restantes membros da instituição estivessempresentesnosdiasdavacinação,nomínimodois,paraqueoser-viço fosse mais célere, em termos de registos e para realizarem
69 TalcomoBernardino,JoséPinheirodeFreitasSoaresfoimembrodaJuntadeSaúdePública,aprincipalorganizaçãodeSaúdePúblicadoReino,eautordoTratado de Polícia Médica(1818).
70 FranciscoSoaresFrancofoideputadoemembrodaComissãodeSaúdePúbli-cadasCorteseapresentouoprimeiroprojetodeRegulamentoGeraldaSaúdePúblicaemoutubrode1821.Esteprojetonãoviriaaserdiscutidoetevequeseesperaraté1834paraqueumregulamentofosseaprovado.
71 GOMES,BernardinoAntónio–ContadadanaCongregaçãodosMembrosdaInstituiçãoVacínicadaAcademiaRealdasCiênciaspeloDirectorBernardinoAntónioGomesem15deoutubrode1812,p.19-24.
72 COLLECÇÃO de Opúsculos sobre a Vacina feitos pelos Sócios da AcademiaRealdasSciencias,quecompõemaInstituiçãoVaccinica:epublicadosdeor-demdamesmaAcademia,n.ºsIIIatéIX,p.25-69.
bernardino antónio gomes
57
as experiências que entendessem por bem. A Academia tambémdesignariaumoudoiscirurgiõesparacoadjuvaremaoserviço,ape-nasnasinstalaçõesdaInstituiçãoVacínica,atítulogratuito.
Os membros reunir-se-iam a meio e no fim de cada mês, paranomearem o próximo diretor, proporem melhoramentos no ser-viçoefazeremobalançoquantoaonúmerodedoentesobservadosevacinados,experiênciasfeitas,obstáculosefatoresfavoráveisàvacinação,tantonacapitalcomonasprovíncias.
ORegulamentotambémestabeleciaosdiasdasemana(domin-gosequartas-feiras),ohorárioeasnormasparaseprocederaumregistosistematizadodoatovacinalquepermitisseoestudoepide-miológicodadoença.Assim,deviaserregistadoonúmerodeindi-víduosvacinadospordia,sinaisqueapresentavam,nome,natura-lidade,idade,filiação,ocupação,residência,doençasexistenteseoestadodesaúdedecadaum,antesduranteaapósavacinação.
Paraalémdoslivrosderegisto,haveriaosinstrumentosprópriosparaavacinaelâminasparaacolheitadematéria.Deviaindicar-seodiadaobservaçãodoaspetodolocaldainoculaçãoedarestante
0púsculo assunto autorperíodo a que diz respeito
IRegulamentoda
InstituiçãoVacínica- -
II Conta BernardinoAntónioGomes7junhoa30
setembrode1812
IIIBreveInstrucçãodo
quehámaisessencialarespeitodavacina
Vários -
IV Conta FranciscodeMeloFranco outubro
V ContaJoséPinheirodeFreitas
Soaresnovembro
VI Conta JoséMariaSoares, dezembro
VII ContaFranciscoEliasR.da
Silveirajaneiro1813
VIII Conta WenceslaoAnselmoSoares fevereiro
IXContadasobservações
doscorrespondentesnasProvíncias
JoséFelicianodeCastilhooutubroe
novembrode1812
Quadro2–OpúsculospublicadosdesdeafundaçãodaInstituiçãoVacínicaatéfevereirode1813
Figura4—Capadosdoisprimeirosopúsculossobreavacina,dosnovequeforampublicadosentre1812e1813.
bernardino antónio gomes
59
pele, o dia dos primeiros sinais de inflamação, do aparecimentoda «bexiga» e sua configuração, idem para a auréola, existênciadesintomasfebris,sea«bexiga»semantinhaintactaousetinhahavidoinflamaçãoesupuração,seacrostaerasemitransparenteouopaca,lisaouásperaese,duranteoudepoisdavacinação,tinhasobrevindoalgumaenfermidade.Tambémestavaprevistooregistodosfaltosos,dasrevacinações,asimbologiaparaváriassituaçõesprevisíveis,instruçõespormenorizadasparaavacinaçãopropria-menteditaeparaacolheitadematériavacínica.Comosevê,umregulamento pormenorizado com o objetivo claro de permitir aanáliseestatísticadosdadoseoestudoepidemiológicodadoença.
No primeiro relatório (conta), elaborado por si, anotou quedesde a fundação da instituição até 30 de setembro tinham sidovacinados195indivíduos,emborahouvesseummaiornúmerodevacinadosforadaInstituição,pelaD.MariaAngelicaTamagnini.Daqueles,85tinhamvacinaregular,30duvidosa,12falsa,19nulae49semresultadoporquenãovoltaramaoinstituto.Dos85quefizeramavacinaçãodeformaregular,algunsprecisaramdevoltaraservacinados,amaiorparteeramcriançasdepeitooudetenraidade,mashaviaadultos,deambosossexos.Umdestestinha34anosequatrofilhos;passoutãobemque,aseuexemplo,umseuamigomaisidosoestavaresolvidoafazeroseu«segurodevida»contra o risco das bexigas. Um outro caso foi de uma criança daRuaAugustacujosirmãostinhammorridodebexigasequesesal-vougraçasàvacina.
A vacinação continuava apenas a ter como efeito colateral umestadosubfebril,entreosétimoeoitavodiadainoculação.Apenasfoireferidaasituaçãodeumameninadequatroanosqueapresen-toufebre,vómitosedoresdebarriga,masacriançatinhahistóriadehisteriaeataquesepiléticos.Omédicoacaboupordebelarfacil-menteasituação,àcustadeuma«tisanarefrigeranteeecoproticae-coprótica».BernardinoAntónioGomesrelatavaocasoparaserfielàverdade,emborareceassequeosdetratoresdavacinapudessemaproveitar-sedestecasoparainvalidarasuaaplicação.Aplicou-seavacinaaindivíduosquejátinhamtidoadoença,aoutrosquejátinhamsidovacinadosevacinou-sesegundováriosmétodos.
Acontaterminavacomareferênciaaosobstáculosedificulda-des ao bom andamento da vacinação, que, em sua opinião, eram
carlos subtil
60
devidasàpoucainstruçãodopovoe,noutroscasos,apreocuparem--seapenascomosproblemasdesaúdequeselhesapresentavamdeformamaisevidente.ReconhecequeoopúsculodoDr.Heliodorotemsidonefastoerecomenda,porisso,queseinsistaemdivulgarosprejuízosdasbexigasemmortes,deformidadesetodososincó-modosdeumadoençapustulosae,poroutrolado,asvantagensdavacinaqueestavaaseraplicadanasnaçõesmaiscivilizadas,divul-garocalendáriodavacinaçãocomosdiasdasemanaemqueestavadisponível e divulgar os resultados obtidos. Se fosse necessário,fazerinterviraautoridade,comonocasodosexpostos.
AproveitouparafazerumrasgadoelogioaoIntendenteGeraldaPolicia,odesembargadorJoãodeMatoseVasconcelosBarbosadeMagalhães, que acedeu mandar vacinar os órfãos da Casa Pia. Etermina:
«Porestesmeioseporoutroqueosmeuscolegas,otempoeascircunstanciashão-sesugerir,esperoqueestaInstituiçãoquetantahonrafazàFaculdadeMedicaquantomostraindisputa-velmenteossentimentosliberaisepatrióticosdosseusindiví-duos,prosperarámaisemais.Equandosucessivasepidemiasdebexigas,desabusandoospreocupadoseconfundindoosper-versosqueporsinistrosmotivosimpugnamavacinação,mos-traremaossolícitospaisdefamíliaaimunidadedosvacinados;nossos nomes serão proferidos com estima e nossos serviçosterãoarecompensaquemaislisonjeiaasalmasnobresqueéa
aprovaçãoeoaplausodosbonseinteligentes».
A «Breve Instrução do que há mais Essencial a Respeito daVacina» é procedida de uma introdução e contém 11 artigos aolongo dos quais se apresentam os fundamentos e explicaçõesdetalhadassobreascontraindicaçõesdavacina(artigo1),oqueécomum observar-se ao longo da evolução da vesícula no local dainoculação (artigo2),propriedadesevantagensdavacina (artigo3),característicasealturaemquesedeverecolheromaterialvací-nicodasvesículas(artigo4),técnicasdecolheitaeconservaçãodavacina(artigos5e6),técnicadevacinação(artigo7),fasesdareac-çãoàvacina(artigo8),formasdereconheceraeficáciadamatériavacínica(artigo9),cuidadosparamanteraintegridadedavesículaecomoresolveralgunsefeitoscolateraisdavacina,nomeadamente
bernardino antónio gomes
61
em lactentes (artigo 10) e diferenças entre a vacina verdadeira efalsa(artigo11).
Na introdução, são feitas várias considerações sobre as virtu-des da descoberta da vacina e do seu reconhecimento por partedomundocientíficoeacadémicodospaísesmaisevoluídos;reco-menda-sequeopovosigaaopiniãodosmédicoscommaisconhe-cimento, mais prudentes e desapaixonados, não dando ouvidosaos detratores da vacina, entre os quais há alguns médicos, mastambémeclesiásticos;lamenta-sequeemPortugalsetenhademo-radotantotempoaintroduziravacina,aoinvésdepaísescomoaAlemanha, França, Itália e Inglaterra; exortam-se os médicos e oclero, como educadores e responsáveis pela formação da opiniãopúblicaepelasmudançasdecomportamentodaspessoassimplesehumildes,aaderiremàcausadavacina,omeiomaiseficazparasalvartantasvidasceifadaspelasbexigas.Paraconvenceroclero,citaocasodaInstituiçãoVacínicadeEdimburgo,quesedirigiuaoclero do seu país nos seguintes termos: «Cada pároco, depois debatizarumacriança,podeagora,cheiodeconfiançaecerteza,inti-maraseuspaisestequasepreceitoemrazãodasuagrandeauto-ridade, dizendo-lhes: se esta criança morrer de bexigas naturais,vóssomentesoisoculpadodasuamorteporquetendesnavossamãoumprontoeeficazmeiodealivrardestafatalenfermidade.Estemeioéavacina,dádivadocéuparaalíviodaflageladahuma-nidade».
Enaltece Jenner, o seu dedicado trabalho de investigação e osprimeirospassosparavalidaraaplicaçãodavacinaeasuaprontadisseminaçãoportodaaEuropaeEstadosUnidos.
NasessãopúblicadaAcademiaRealdasCiências,de14dejunhode1813,apresentouumimportanteeextensorelatórioquecome-çavaporfazerahistóriadarecém-criadaInstituiçãoVacínicaeostrabalhosdesenvolvidosdesdeasuafundação.
Porque já havia um número suficiente de membros para seiniciaravacinaçãoeporqueavacinaguardadaemvidrosnemsem-pre«pegava»,corria-seoriscodeinsucessoedescredibilizaçãodavacina.Paraobstaratalsituação,tinha-sedecididocomeçaropro-cessopelosórfãosdaCasaPia,porduasrazões:ascrianças,nasuacondiçãode«filhosdoestado»beneficiavamdavacinae,poroutrolado, garantia-se o fornecimento de «vacina fresca» nos dias em
Figura5—PrimeirapáginadaRecopilaçãoHistóricadosTrabalhosdaInstituiçãoVaccinicaduranteoseuPrimeiroAnno.
bernardino antónio gomes
63
quefosseprecisa.Assim,foipedidoaoIntendenteGeraldaPolíciaqueasmandasse,emgruposdequatroaseis,nosdiasdavacina-ção,paraseremvacinadas,observadaseselhescolheroprodutovacínico.Aprontidãoeoentusiasmocomqueoprocessofoifeito,mereceramumapalavradereconhecimentoelouvordasuaparte.
Oplanotinhacomeçadoaserpostoempráticanodia7dejunhode1812,«commatériasecaqueoDoutorFranciscodeMeloFrancoobtevedaSrª.D.AngelicaTamagnini».NessediaforamvacinadasseiscriançasdaCasaPia,sendoquequatroeramsuspeitasdebexi-gas,porisso,avacinasóterásidoeficaznuma.Nodia14,revaci-naram-seduasemaiscinco;avacinaterá«pegado»emquatro.Nodia21,vacinaram-seerevacinaram-senovecriançasdaCasaPiaeumadacidade.Havendojávacinasuficiente,anunciou-se,atravésda Gazeta de 23 de junho, a vacinação gratuita aos domingos demanhã.Nodia28, foramvacinar-se13 indivíduos,paraalémdosdaCasaPia.Onúmerodevacinadosfoiaumentandoe,paraumamelhorobservaçãodosefeitosdavacina,passouafazer-setambémàsquartas-feiras.
Depoisdecumpriroprimeiroobjetivodevacinaropovodacapi-tal,eranecessárioestenderavacinaçãoatodooReino.Paratanto,a13desetembro,escreveramaalgunsmédicos«decujafilantro-piasetinhanaInstituiçãoalgumaideia»,emPenafiel,Mealhada,Cartaxo,ValençadoMinho,Elvas,Santarém,eaalgunsoutrosqueeram correspondentes da Instituição. Fizeram um convite maisalargado,atravésdaGazetade13deoutubroeaadesãofoiimediata:alistaram-se, como correspondentes, 42 médicos e 26 cirurgiões,paraalémdeduassenhorasque«parecemterporessênciaoamordahumanidadeoutodosossentimentosbenfazejos»,assenhorasAngelicaTamagnini(Tomar)eIsabelVanzeller(Porto).Estaúltimasenhoraterávacinado5030pessoas,desde15deagostode1809atéaofinaldeabrildaqueleanode1813.
Esse relatório incluiu, ainda, a referência às diligências quetinhamsidofeitasjuntodoMarquêsdeBorbaeaprontarespostadoReinoconcedendoprivilégioparaacorrespondência,fatordeci-sivoparaageneralizaçãodavacinaemtodooReino,eàaprovaçãodapropostaderegulamentoporsiapresentadanasessãoordináriadaAcademia,de14deoutubrode1812.
carlos subtil
64
Orelatóriocontémmapascomonúmerodevacinações,onúmerodasvacinaçõesduvidosasedasquesedesconheciaoresultadopor-queaspessoasnãotinhamvoltado.Notrimestreemquetinhasidodiretor,tinhamsidovacinadas2116pessoas(Quadro1).Noperíodoanterior,nasinstalaçõesdaInstituição,tinhamsidovacinadas196pessoase,nasprovíncias,530.SegundoBernardinoGomes,admi-tindoquemetadetinhamtidovacinaduvidosaenãotinhamsidoobservados,estariamimunes,nesteprimeiroano,3323pessoas.
Quadro3—NúmerodevacinadosduranteotrimestreemqueBernardinoAntónioGomesfoidiretor,porlocalidadesepordistrito.
* *? =
minho
Penafiel 57 10 11
Porto 582 0 9
Valença 52 1 0
VilaMeã 66 4 9
VeigadePenso 105 1 0
862 16 29
trás-os-montes
Cerva 87 0 0
Chaves 20 9 11
Montalegre 48 1 3
Murça 11 0 0
VilaReal 5 1 0
171 11 14
beira
Aveiro 2 0 3
Buarcos 33 22 24
Monforte 67 0 0
Tondela 4 1 0
Viseu 61 3 171
167 26 198
*Vacinados;*?Vacinaduvidosa;=Resultadodesconhecido
bernardino antónio gomes
65
Os dados sugeriam-lhe duas reflexões. Se a mortalidade entreos«bexigosos»estavacalculadanaproporçãodeumsexto,avaci-nação já tinha salvo 353 compatriotas e livrado muitos outrosde sequelas da doença. Por outro lado, porque é que, causando adoençatantasmortesesequelasehavendomeiogratuitodeapre-venir,eratãobaixoonúmerodevacinados,queremLisboaquernaprovíncia?Aexplicaçãoestariaemtrêscausas:oferecer-seobemdavacina,aignorânciademuitoseamaledicênciadealguns.
Descreve as várias formas que têm sido usadas para efetuar avacina,ocarácterbenignodossintomasquedeladecorrem,inde-
estremadura
Cartaxo 147 6 0
Cascais 24 3 0
Colares 98 20 27
Ericeira 61 0 4
Lisboa 74 6 60
Peniche 36 5 4
Santarém 9 6 20
Sardoal 6 1 0
455 47 115
alentejo
Crato 76 5 47
Elvas 41 1 0
Evora 11 0 0
Niza 1 0 0
129 6 47
algarve
Lagos 147 9 106
Silves 78 9 0
VilaNovadePortimão 107 0 108
332 18 214
*Vacinados;*?Vacinaduvidosa;=Resultadodesconhecido
fonte:GOMES,BernardinoAntónio–«RecopilaçãoHistóricadosTrabalhosdaInstituiçãoVaccinicaduranteoseuPrimeiroanno»,inMemórias de Mathematica e Phisica da Academia Real das Sciencias de Lisboa,p.84-85.
carlos subtil
66
pendentemente do método usado, e a suscetibilidade individualàdoença.Assinalaobservaçõesquetinhamsidofeitasporváriosvacinadoresnoquerespeitaàevoluçãodasvesículas.Fala,ainda,da observação de casos de erupção vesicular em partes do corpoonde não tinha sido feita a inoculação e discute-os refutando asexplicaçõesdadasporalgunscolegaseoutrasinstituiçõesestran-geiras.Porfim,concluiqueavacinanãoserelacionacomoutrosvírusefazaapologiadavacinacomoprevençãodavaríola.
Para ultrapassar os obstáculos à vacinação que vinham sendoapontadospeloscorrespondentes,aInstituiçãoVacínicatinhadiri-gidoaogovernoumamemóriaasugeriramelhorcolaboraçãodosministrosterritoriaisnasvisitasefetuadaseainstarocleroausar«asuapoderosavozparaadvertirincessantementeeparapersua-diraoschefesdefamília»dequeerasuaobrigaçãoevitarumadasmoléstiasmaisperigosas.
Quantoaosministrosterritoriais,emboramuitosjáestivessemaprestaramáximacolaboraçãoaoscorrespondestesdaInstituição,foi-lhesenviadoumavisoaenunciaraerradicaçãodavaríolacomoumdosobjetivosdaCoroa,avisoessequesefaziaacompanhardeumexemplarcomasInstruçõesaquejánosreferimos.Solicitava-lhesainformaçãosobreaidentidadeenúmerodosvacinadoreseaformadeasseguraragratuitidadedavacina;quepublicassemedi-taisadequadosàcompreensãodetodos,comonomeearesidên-ciadosvacinadores,asvantagensdavacinaçãoearecomendaçãoparaquetodosseguissemasorientaçõesdadaspelosvacinadores.Pedia-se-lhes para persuadir «todas as classes do povo», mais doque reprimir pela autoridade; que mandassem vacinar todos osindivíduosquenãotivessemtidoasbexigasequeestivessemsoba sua jurisdição, isto é, órfãos, empregados de hospitais, indiví-duos com alta hospitalar, presos, expostos e alunos das casas deeducação.Estaordemdeviasercomunicadaaosjuízesordináriosoudeforaparaexecuçãoimediata,sobasuafiscalização.Paraasdioceses seguiram idênticas recomendações para aplicar a todosquantosestivessemsobasuajurisdição:párocos,alunosdossemi-náriosedeoutrascorporaçõesepessoasinfluentes73.
73 GOMES,BernardinoAntónio–«RecopilaçãoHistóricadosTrabalhosdaInsti-tuiçãoVaccinicaduranteoseuPrimeiroAnno».
bernardino antónio gomes
67
Em1815,voltariaaapresentar,emsessãopública,acontaanualdaInstituiçãoVacínica,naqualidadedeseudiretor74.Começouporfazer diversas considerações de natureza política, considerandoque a vacina constituía um meio de fazer prosperar o país, namedida em que, evitando mortes, permitia o aumento da popula-çãoe,consequentemente,aumentaraprodução,fazendofloresceras artes, o comércio e a agricultura, numa palavra, criar riquezaeassegurarahonraeindependêncianacional.Aumentarapopu-laçãoeraumobjetivoacumprirparacolocarPortugalaoníveldaFrançaedaEspanha,comdensidadespopulacionaismaiores.Emmédia,emFrança,haviamais156habitantesporléguaquadradaqueemPortugal.AEspanhatinhamaisdotriplodapopulaçãodePortugal.Alémdomais,Portugalnãoselimitavaaopequenoter-ritório europeu, tinha possessões «em ilhas e no continente dasoutras três partes do mundo». Porém, a população ultramarinaestava na razão inversa da extensão do país, particularmente noBrasil, onde, mais de um quarto da população era escrava. Emsuma,ageneralizaçãodavacinatinhadeserencaradanaperspe-tivadaabsolutanecessidadedeaumentodapopulação.
Avacinaçãotinha-setornadonograndedesígniodosgovernosmaiscivilizados.OParlamentoinglêstinhadadoaJennerumpré-miode90000cruzadose,apesardascríticasdeMoseley,Goldsone de outros detratores antivacínicos, voltou a ser homenageadocom um novo prémio, com o dobro do valor, mediante parecerfavorável do Colégio de Médicos de Londres. Faziam-se grandesinvestimentos no apoio à Instituição Vacínica daquele país. EmEspanha,saíamexpediçõesdaCorunhaparavacinarnascolónias.EmFrançaacabaradesercriadaumaassociaçãodaqualerapre-sidenteopróprioMinistrodosNegóciosdoReinoeaplicavam-seavultados fundos em despesas e prémios. Na Prússia, Alemanha,Dinamarca e Suécia, os membros das famílias reais tinham sidovacinados.
Nesteúltimopaís,oRealColégiodeSaúdedeEstocolmotinhasido incumbido de promover a vacina por todos os meios, desti-
74 GOMES,BernardinoAntonio–«ContaAnnualdaInstituiçãoVaccinicadaAca-demiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanaSessãoPublicade1815».
Figura6—PrimeirapáginadaContaannualdaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanaSessãoPublicade1815.
bernardino antónio gomes
69
nando 900 dólarespara prémios àqueles que mais se distinguis-sem;quemnãodenunciasseadoençaestavasujeitoacoimaseosbexigosos eram recolhidos no Hospital das Bexigas; no hospitalgeraldasparidas,aononodia,todososrecém-nascidoseramvaci-nados.Tinham-secriadoestaçõesvacinaisnacapitaleportodaaprovíncia.Estabeleceram-sedoistiposdeprémiosparaosvacina-doresmaisdistintos:um,pecuniárioeoutrosobaformademeda-lhashonorárias;amboseramentreguesemcerimóniasverdadeira-menteaparatosas.
Mencionandosempreasfontes,BernardinoGomesmostravaterinformaçãoatualizadaacercadoquedepositivoseestavaapas-sarpelaEuropa.SegundoosmapasnecrológicosdeParis,em1809tinhammorridonaquelacidade213pessoas,masessenúmeroerainfinitamenteinferioràs20000mortesquetinhamocorridosemanosanterioresdevidoàsbexigas.EmFrança,em1805,tinham-sevacinado400000pessoas.
Aoinvés,emPortugal,oquadroeradoloroso.NoFaial,em1812,tinhammorrido418pessoas;emBraga,em1814,tinhammorrido1000pessoas.
Apresentou,finalmente,ascontaspordistrito,concluindoquetinhahavidoprogressos,conquantonoprimeiroanotinhamsidovacinados2866eagorahavia9602comvacinaverdadeirae2699com duvidosa. Estes números seriam consequência das ordensqueforamemanadaspelogovernoaoscorregedoresepreladosdasdioceses,particularmenteemPinhelenaGuarda,ondeosrespe-tivosbisposconseguiramdemoverosseusdiocesanosaadotaravacinação,«pormeiodesábiaspastorais».Asuapreocupaçãoemganharadeptosparaacausafoitalquenãosepoupouacomentá-rioselogiososeàenumeração,umaum,dosprelados,ministrosterritoriaisevacinadoresque,nospontosmaisrecônditosdopaís,exerciamcomzeloasuamissão.
Atítulodeexemplo,eisascontasdaprovínciadoMinho,comareferência dos vacinadores por povoação (Quadro 4). Note-se quedoconjuntode17vacinadores,háseiscirurgiões,cincomédicoseseispessoasquenãoexerciamestesofícios.ApenasnoPortohaviadoisvacinadoresesóovacinadordePontedeLimafoivacinadoroanointeiro,sendoqueamaiorpartedestestinhamsidorecrutadoshátrêsoumenosmeses,oquedáindicaçõessobreaevoluçãoeoprogressodavacinaçãonoReino.
carlos subtil
70
Concluiu a sua apresentação com várias observações sobre aspropriedadesdavacina,oseucarácterpreventivo,situaçõesdeine-ficácia,diferentesformasdeinoculação,contraindicaçõesesitua-çõesemquenãoestavacontraindicadaavacina.
Enunciou as povoações onde não havia vacinadores, denun-ciouodesmazeloemalgunscorrespondenteseadiminutavacina-ção na própria Instituição Vacínica, uma epidemia em Braga e anegligênciacomosórfãoseexpostos,àexceçãodosdaCasaPia,por mérito e obra do Intendente Geral da Polícia. Elogiou, final-mente,ogovernoporterconcedidoumalotariade50contosderei(50000$000)paraseinstituiravacinaemtodooReino.
Quadro4–Número,nomeetempodeserviçodosvacinadoresdaprovínciadoMinho,noterceiroanodeexistênciadaInstituiçãoVacínica(1815).
minho
povoação vacinadores meses vv vd
ArcoseSabadim GabrielAntóniodaCosta Cir 3 59 19
Gerês JosédosSantosDias Med 3 5 2
Guimarães ManuelLuísPereira 1 9 …
Lanheses NicolaudeSousaGalião Cir 8 198 20
Louredo SebastiãoJosédeCarvalho Med 1 15 55
PaçosdeSousa JoséAntónioMoreiradaSilva 3 27 11
Penafiel AntóniodeAlmeida Med 3 83 28
PontedeLima AntónioJoaquimdeCarvalho Med 12 3585 55
Porto DonaMariaIsabeldeVanzeler 2 124455
Porto JoséDuarteSalustianoArnaud Med 2 23
S.Tirso JoséAntónioBarbosadaSilva 1 17 6
S.VicentedePenso ManuelJoséM.daCostaeLima 2 643 27
Travanca JoséPintodaCunha Cir 1 15 1
Viana JoséLuísPintodaCunha Cir 8 215 …
ViladoConde DomingosAntóniodaCostaFlores Cir 2 20 6
VilaMeã A.CoelhodeMagalhãesQueirós Cir 1 7 ...
VilardePerdizes AntónioLuís 1 8 …
5051 685
vv:Vacinaverdadeira;vd:vacinaduvidosa
fonte: GOMES,BernardinoAntónio–«ContaAnnualdaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboapronunciadanaSessãoPublicade1815», in História e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, p.37.
bernardino antónio gomes
71
Paraincrementaravacinaçãonamaioriadascomarcas,foramcriadas comissões compostas pelo pároco, o médico ou o cirur-gião,comumagratificaçãode1200réisporcadadiadevacinaçãoecomprémiosparaosqueefetuassemmaisatosvacinais.Assim,em 1816, lograram vacinar-se 18 111 pessoas e, em 1817, 19 993.Contudo,começaramaescassearossubsídios,namedidaemquenãofoiconcedidaumasegundalotaria,nemmesmoaatribuiçãodocontodereisanual,valorparaquetinhasidoreduzidoosubsí-dio.Nestascircunstâncias,foinecessáriosuspenderasatividadesdas comissões e dos vacinadores nas capitanias-mores, manten-do-seapenasativososdacidadedeLisboa.Comoconsequência,onúmerodevacinadosreduziu-sedrasticamente:em1818,passarampara10541,em1819,para9320e,em1820,para3630indivíduos.
A Academia Real das Ciências fazia chegar às Cortes, logo noiníciodasuaatividade,em1821,umarepresentaçãodaInstituiçãoVacínica, acompanhada de um relatório, onde se previa que avacinaçãoregularemtodooReinoorçariaemseiscontosdereisanuais75.
Embora a Comissão de Saúde Pública das Cortes tivesse sau-dadoereconhecidootrabalhodesenvolvido,talnãofoisuficienteparademoveralgunsdeputadosquemanifestavamdúvidasacercadautilidadedaInstituiçãoVacínica,entreeles,FranciscoSimõesMargiochi,céticosobreasvirtudesdavacina76.AsCortesacabarampordeliberarquesecontinuasse«adarocontoderéisannualparaseconservaroEstabelecimentoVaccinicodeLisboa,queellades-tinaparaserabasefundamentaldosoutrosEstabelecimentosdasProvincias:assimcomoquesecontinueaconcederacorresponden-ciafrancadeCartas,eremessasdaVaccinacomasAuctoridadesCivís,eEcclesiasticas,ecomasCameras;eespera-sedozelodosseusMedicos,eChirurgiões,quenãoaffrouxemdobom,edesin-teressadoserviço,queatéaquitemfeitoembeneficiodaPatria»77.
75 Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa,Atan.º36,de16/03/21,p.280.
76 OdeputadoMargiochierasóciolivredaAcademiaRealdasCiênciasnacapital.
77 Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa,Atan.º36,de16/03/21,p.281.
carlos subtil
72
Veja-seaargumentaçãodeSoaresFranco,membrodaComissãodeSaúdePúblicadasCortes,easuapreocupaçãoemacompanharospaísesmaisevoluídosdaEuropaeodesenvolvimentodoconhe-cimentocientífico,faceaoflagelodavaríola:
«[…] …mas não será estranho que eu diga que quandoGenner estabeleceu em Inglaterra o seu invento, teve aoposiçãoquetemtodososnovosestabelecimentos;poremoParlamentooacolheu,earbitrouparaoestabelecimentodaVacinadezmillibrasesterlinas(pertode100milcru-zados). Depois passou a França, onde o Instituto a esta-beleceu:estabeleceu-setambémemViena:estabeleceu-seemBerlim,ondeDuilandfoioprincípiopropagador:esta-beleceu-seemEspanha,eosEspanhóisatémandarãoásFilipinas hum navio para propagar. Quando isto estavaestabelecidoemtodaaEuropa;quandoemtodasaspartessetenhareconhecidoasuautilidade,equandoaAcademiadas Ciências de Lisboa, fundada nestes conhecimentos,acolheuaquiesteestabelecimento,julgouaComissãoquenãopodiadeixardemerecerosmesmoselogiosqueporigual causa receberão as Sociedades de outras Nações.EmconsequênciaaComissãonãofezmaisdoqueseguiroexemplodeoutras.Emquantoapôr-seduvidasobreautilidade, ou não utilidade deste estabelecimento, o queseidizeréqueoshomensmaisinstruídostemconvindoemqueéomaiordescobrimentodoséculo18.°;esealgu-mas vezes falha é, ou por falta dos vacinadores, ou poroutrascausasestranhasámesmavacina.Bastasaberqueas Bexigas destruíam a espécie humana, e que a vacinaéreputadacomoumdosmelhorespreservativos.Nestascircunstancias,eporqueaAcademiaseprestougratuita-menteaesteserviçoútiláhumanidade,fazendoconheceroseuzelo, foiqueaComissão julgouquesedeviamdaragradecimentosámesmaAcademia»(Apoiado)78.
78 Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, Atan.º38,de20/03/21,p.304.
bernardino antónio gomes
73
Apesardetudo,aconvicçãosobreosbenefíciosdavacinaçãofoivingandoportodooReino.
Foinesteperíodo,porméritoereconhecimentodoseutrabalho,que acabaria por ser nomeado, a 28 de agosto de 1813, membrovogaldaJuntadeSaúdePública.
Porestaalturapublicoumaisumamemóriasobreadesinfeçãodascartas,colocandoaseguintequestão:paraprotegeroReinodapesteoudafebre-amarela,seriasuficientedaralgunsgolpesnascartasvindasdepartessuspeitasefumigá-lassemasabriresempassarempelovinagreou,passando-aspelovinagre,poderiaevi-tar-seabri-las?
O Regimento de Saúde do Porto de Belém determinava que ascartasvindasdelugaresempestadosoususpeitosfossemabertasepassadasporvinagre,masaJuntadeSaúde,temendoapesteepre-ferindopecarantesporexcessoquepordefeito,achavaqueomaisseguroeraabrirascartas.EsteenunciadonãotinhasidounânimeentreosmembrosdaJunta.Unsachavamquenãoeranecessárioabrirascartas,bastavafumigá-laspeloprocessodeMr.Morveau,mas como havia a preocupação de não violar a correspondênciavindadelugaresempestadosoususpeitos,decidiu-sequeasprimei-rasseriamabertaseassegundasapenasgolpeadas.Estaresoluçãopareceu-lheperigosapeloquepropôsquesepedisseaoGovernoasuspensão da portaria enquanto, pela experiência, não se confir-massem ou infirmassem as suas dúvidas. Assim foi feito e a talanuiuogoverno.Emconsequência,oMarquêsdeTancos,odesem-bargadorBartolomeuGiraldes,oprimeirosecretárioLuizAntónioRebello, os Doutores José Pinheiro de Freitas Soares, HenriqueXavierBaeta,IgnacioXaviereeleprópriodecidiraminvestigarocaso no Laboratório Químico da Casa da Moeda. As experiênciaslevaram-noàconclusãodequeoácidosulfurosotinhamaiorpoderdesinfetantequeovinagreouocloroequeerapossívelfazer-seadesinfeçãonointeriordascartassemasabrirougolpear79.
79 GOMES,BernardinoAntónio–Memória Sobre a Desinfecção das Cartas.
Figura7—CapadeEnsaiodermosografico
bernardino antónio gomes
75
O fundador da dermatologia portuguesa
Porvoltade1817,reorientouosseusinteressescientíficosparaas doenças da pele, em particular a elefantíase. Recolheu toda ainformaçãodisponívelefoiautorizadoainiciaraobservaçãodosdoentesqueseencontravamnoHospitaldeS.Lázaro,observaçãoqueefetuoudurantecincomeses.Conformereferenoprefáciodoensaiodermosográfico80,quededicouàRainhaD.MariaII,paraoescreveraproveitouotempodeócioduranteaviagemquefizeraentreLivornoeoRiodeJaneirocomomédicodesuamãe,aprincesaLeopoldinaCarolinaJosefa,àalturanoivadeD.PedrodeBragança81.ASociedadePortuguesadeDermatologiaeVenereologiaconsideraesteensaiooprimeirotratadoportuguêsdeDermatologia.
A permanência de seis meses no Brasil também lhe permitiufazer mais observações sobre a elefantíase e outras doenças dapele aí muito frequentes. Em consequência, escreveu ainda uma
80 GOMES,BernardinoAntónio–Ensaio Dermosográfico ou Sucinta e Systemá-tica Descripção das Doenças Cutaneas conforme os Princípios e Observações dos Doutores Willan, e Bateman, com Indicação dos Respectivos Remédios Aconselhados por estes Celebres Authores e Alguns Outros.EsteensaioteveumparecerdosócioJoséPinheirodeFreitasGomes,de20/02/1819,quetermi-nanosseguintestermos:«Àvistadoqueficouexpostoconcluoqueotrabalhodoautoraindaestádistantedaperfeiçãodequecareceesóàcustadeconti-nuadoestudoeobservaçãoqueoautorpoderáconcluiroedifícioquecome-çara.Todavia,estetrabalho,talqualexiste,setornajámuiinteressanteaosprogressosdaMedicinaesendodahonraaoseuautor,seformuidignodeserimpressoporordemdestaRealAcademia».
Otermodermosográficoécriadopeloautor,emsubstituiçãodaparáfrasequedeveriaserusada:quadrosucintoesistemáticodasdoençascutâneas.Estaobrateve,pelomenos,umasegundaediçãoem1823.
81 Apropósito,consultaroromancehistóricoD. Maria II, Tudo por um Reino,deIsabelStillwell.
Figura8–CapadaCartaaosmédicosportugueses.
bernardino antónio gomes
77
memóriasobreaelefantíaseeoutrasdoençasdapele82eumacartaaosmédicosportuguesessobreotratamentodestadoença83.
Nessacarta,BernardinoAntónioGomescomeçaporreferirquefazia observações e investigação sobre a doença há cinco anos eque tinha oferecido os seus serviços ao governo para tratar gra-tuitamenteosportadoresdeelefantíasedoHospitaldeS.Lázarodurante um ano. O governo tinha dado instruções ao Senado daCâmara,entidadequeadministravaaquelehospital,paralhepres-tartodooapoio,mas,poracçãodealguém«poderosoeinfluente»,a cooperação do Senado deixou de se fazer e o seu trabalho deinvestigação junto dos doentescomeçou aser boicotado. Emsuaopinião, S. Lázaro era mais uma albergaria do que um hospital,mas,mesmoassim,conseguiuatingirosseusobjetivosapesardesermuitodifícilacompanharaevoluçãodosdoenteseobservarosefeitosdaterapêuticaporsiinstituída.
Sobre a doença e terapêutica conclui que os tratamentos compreparaçõesmercuriaisassociadasaomeseriãooudearsenitedepotassadeviamsersubstituídosporumoutroremédioquetinhaensaiadocombonsresultadosemquatrodoentes,omuriatodecal.Recomendava,porisso,quesefizessemmaisobservaçõesparacon-firmarouinfirmarosefeitosdaquelesaleconvidavaosseuscole-gasmédicosaajudarem-nonadescobertadoremédioparadebelartãograveenfermidadeque,nãosendonenhumadelas,tinhatraçosdeescrófula,demalvenéreoouartrite.
Nestes trabalhos, Bernardino António Gomes fez a história dadoença,doshospitaisdelázarosegafariasemPortugal,comparouasituaçãocomoutrospaísesepropôsquesereunissemosváriosedis-persoshospitaisemapenastrês,emLisboa,PortoeCoimbraonde,
82 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre os Meios de Diminuir a Elefan-tíase em Portugal e de Aperfeiçoar o Conhecimento e a Cura das Doenças Cutâ-neas, Oferecida às Cortes de Portugal de 1821, pedindo a sua Atenção para o Estado da Elefantíase em Portugal.
83 GOMES,BernardinoAntónio–Carta aos Médicos Portuguezes sobre a Ele-phantíase noticiando-lhes um Novo Remédio para a Cura desta Enfermidade, pelo seu Colega, e Compatriota Bernardino António Gomes, Cavaleiro Professo na Ordem de Christo, Fidalgo Cavaleiro da Casa de S. M. F., Médico da sua Real Camara, e Socio d’Academia Real das Sciencias de Lisboa.
Figura9—SinaléticadaR.Dr.BernardinoAntónioGomes,emParedesdeCoura.
bernardino antónio gomes
79
alémdeserviremparatratarosdoentes,serviriamparaoestudoeoensinodaespecialidade;sugeriuqueserevertessemosrendimentosdasgafariasedasmercearias84eafavordedoentesgafos.
Viria a ser no Hospital do Desterro que, a partir dos finais doséculoXIX,nasceuagrandeescoladeDermatologiaportuguesa85.O papel pioneiro que desempenhou, conferiu-lhe o estatuto depatronodaSociedadePortuguesadeDermatologiaeVenereologia,fundadaem1942.
Umdosseusúltimostrabalhos,umanoantesdefalecer(1822),versava as propriedades anti-helmínticas da raiz da romeira86.SegundoBernardinoAntónioGomes,estaplantatinhasidoprofu-samenteusadanaAntiguidadeeconstavadoslivrosdeCelso,masfoisendoignoradanaEuropaatéque,emInglaterra,osmédicosBreton e Buchanan a retomaram como anti-helmíntico. Atentoe atualizado acerca das novidades médicas fora do país, logo seprontificouaaplicarcozimentosdacascadaraizdaromeira,comêxito87.
As homenagens que lhe foram feitas
Jofre de Lima Monteiro Alves inventariou as várias iniciativasqueforamtomadasnosentidodehomenagearBernardinoAntónioGomesequepassamosareferir.
AprimeirahomenagemterásidofeitapelaAcademiaRealdasCiênciasdeLisboa,em20dejunhode1901.
84 Merceeiro(a)eraapessoaquerecebiaumacertapensãoporencomendaraDeusaalmadealgumdefunto,istoé,tinhamporofíciorezar,ouvirmissasourezarpelaalmadealguémque,pormorte,tivessedeixadoesmolaouumacertarendaàpessoaqueatalseprestasse.
85 MORA,LuizDamas–Hospital do Desterro,p.84.
86 GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre a Virtude Tenífuga da Romeira, com Observações Zoológicas e Zoonómicas relativas à Ténia,p.1-39.
87 Paraalémdasobrasquereferimos,háaindaareferênciaaoopúsculoMemó-ria sobre a Enfermidade de que faleceu o Desembargador Joaquim José Vieira Godinho, na qual se Refuta a Opinião do Doutor I…T… (Ignacio Tamagnini?) sobre a sua Causa, etc.Lisboa,impressonaOff.deSimãoThadeoFerreira.
Figura10–SinaléticadoLargoBernardinoAntónioGomes,ondetambémexisteumbustoseu,juntoaoCampodeSantaClara.
bernardino antónio gomes
81
Maistarde,a8demarçode1924,foiavezdaSecçãodeHistóriadaMedicina,daSociedadedasCiênciasMédicasdeLisboatomarainiciativa.A21domesmomês,emsessãodaCâmaraMunicipaldeLisboa,foiaprovadaumapropostaparasecolocarumalápidenon.º21daPraçadaAlegria,casaondeviveu.
Porocasiãodascomemoraçõesdocentenáriodoseufalecimento,aComissãoExecutivadaCâmaraMunicipaldeParedesdeCoura,a 16 de outubro de 1924, doou 100 000 reis e determinou que seabrisseumasubscriçãopúblicaparajuntaraosubsídioatribuídoàcomissãodemédicosquetinhampromovidoahomenagem.A12desetembrode1925,oseuretratofoicolocadonoSalãoNobredomunicípio,tendoJúliodeLemosdiscursadosobreavidadocien-tistaeJoãoLuísAfonsoVianadescerradoopano.A12denovem-bro desse mesmo ano, por proposta do vice-presidente FranciscoAlexandre de Sousa Mata, a Câmara Municipal de Paredes deCouraatribuiuadesignaçãodeRua Dr. Bernardino António GomesaoarruamentoquepartedoLargodoViscondedeMozelosatéaoLargodaFeiradoGado(Fig.9).
A14denovembrode1926foiinauguradaaestátuaqueseencon-tranoJardimBotânicodeLisboa.
Por edital da Câmara Municipal de Lisboa, a 27 de agosto de1930,foiatribuídooseunomeaumlargonafreguesiadeS.VicentedeFora(Fig.10).
Em1968,foideclaradofundadordaDermatologiaportuguesaepatronodaSociedadePortuguesadeDermatologiaeVenereologia.
A 6 de fevereiro de 1984, foi aprovada uma proposta do verea-dorMárioMontenegroparasemandarerigirumbustoassenteempedestal,numapraçapúblicadeParedesdeCoura.
Em 1996, o farmacêutico Gaspar Simões Viana, de Viana doCastelo,inseriunojornalA Aurora do Limaumartigosobreavidaeobradeste«alto-minhotoilustre»88.
88 VIANA,GasparSimões–Bernardino António Gomes, Alto Minhoto Ilustre.
carlos subtil
82
À guisa de conclusão
Do quadro que traçamos na primeira parte, gostaria de real-çartrêsaspetos:ocarácterdetransiçãodoAntigoRegimeparaoLiberalismo, ao nível do modelo de governação, da passagem daculturadopúblicoparaaculturadoprivadoedoparadigmacorpo-rativoparaoindividual.
Só a partir da segunda metade do século XVIII é que a saúdecomeçouaserencaradacomoumassuntodointeressepúblicoeacargodopodercentral.
Num país pobre e ruralizado, a população era constituída pormendigos, crianças abandonadas e órfãs, marginais, doentes edeficientes que, a par das vítimas das epidemias, doenças conta-giosasemalnutrição,constituíamumexércitodedesfavorecidoseexcluídos.
Assim,aotempoemquenasceuecresceuBernardinoAntónioGomes, foram-se reunindo as condições para se consumar o pri-meirosinalderutura,deslocando-seadoençaeapreservaçãodasaúdedodomínioprivadoparaopúblico,delógicasassistenciaisecorporativasparaaorganizaçãodeumestadoforteedeterminadoaocupar-sedessesproblemas.
OscargosdoFísico-mor,doCirurgião-moredoProvedor-mordasaúdeestavamdescredibilizadosporquenãoconseguiamregularosváriosofíciosdasuaáreanemaproduçãoevendademedica-mentos;osfísicosecirurgiõeserampoucosenãodavamrespostaàsnecessidadesdapopulação,apesardosesforçosdosmunicípiose do aumento progressivo das misericórdias; a criação da JuntadoProtomedicatoe,maistarde,daJuntadeSaúdePública,foramsinaisdavontadedealterarasituação.
Durante este período, esboçou-se uma política de medicinacomunitária apoiada numa rede de «físicos e cirurgiões de par-tido»pagospelosmunicípioseque,paraalémdamedicinaprivada,tinhamaincumbênciadeprestarassistênciagratuitaaosoficiaisdecertasinstituiçõeseseusfamiliareseàpopulaçãomaispobre,fazer a vigilância das amas e dos expostos e atestar as mortes,entreoutrasfunções.
Desdecedo,BernardinoAntónioGomesdecidiradedicarasuavidaprofissionalàciênciaeinvestigação,refletindoosventosde
bernardino antónio gomes
83
inovação e mudança que se viviam pela Europa e que chegavamrelativamenterápidoaonossopaís,particularmenteàUniversidadede Coimbra, onde fez os seus estudos de Medicina. Nas palavrasdoprópriofilho,opropósitodesefixaremLisboaconfirmaasuaambiçãoeaescolhadecultivarmaisaciênciaeainvestigaçãodoque a prática da medicina. Nesse sentido, a província era dema-siadoacanhadaparaassuasambições,comojáreferimos.
Paraumjovemde25anos,iniciaracarreiracomomédicocapi-tão-de-fragatadaArmadaeraumsinalauspicioso,permitindo-lheampliar o seu conhecimento em fitologia, agora num territóriomarcadoporumagrandevariedadevegetal.Mastambémdedicar--seaoestudodeumadoençadeelevadaprevalêncianoBrasilequejálhevinhadespertandoacuriosidadeháanos.
Depois,combateucomêxitoumaepidemiadetifo,numaesqua-dra portuguesa em Gibraltar, tendo a oportunidade de verificaroefeitodofrionocombateàsfebresprovocadasporestadoençainfeciosa, tratamento que iria repetir quando foi «colocado» noLazareto.Masoseutrabalhopioneirodeisolaroprimeiroalcaloidedaquinafoioquemaisreconhecimentointernacionallhedeu,cau-sando,paradoxalmente,fortecontestaçãonopaís,vindaealimen-tadapelosseuscolegasdaUniversidade.
Estavamassimreunidasascondiçõesparaseradmitidonainsti-tuiçãomaisprestigiadaeapetecidaporqualquermédicodesejosodenotoriedade,aAcademiadasCiências.
Inicia,entãoosegundociclodasuacarreira,agoracomosani-tarista e grande obreiro do plano de vacinação contra a varíola,combateaoqualsededicoucomêxitoduranteváriosanos.Oreco-nhecimento do seu trabalho abnegado guindou-o a membro daJuntadeSaúde,amaisaltainstânciadepoderemmatériadesaúdepública. Quer na Instituição Vacínica quer na Junta de Saúde,privoucomduasfigurasdasmaisimportantesnoplanoideológicoe organizativo da Saúde Pública no Portugal saído da RevoluçãoLiberal de 1820: José Pinheiro de Freitas Soares, o autor do pri-meiroTratado de Polícia Médica(1818)eFranciscoSoaresFranco,oeloquentedeputadoquefezpartedaComissãodeSaúdePúblicadasCorteseautordaprimeirapropostadoRegulamento Geral da Saúde Pública(1821).
Incansável, a parte final da sua carreira dedicou-a às doençasdapeleeaumdosseusprincipaisflagelos,alepra.Tambémaqui
carlos subtil
84
serevelou,maisumavez,umvisionárioeuminovadornoensinoenaorganizaçãodosserviçosassistenciais.Pugnoupelacriaçãoda especialidade médica de dermatologia, pela especialização ereorganização dos hospitais que recebiam este tipo de doentes.Defendeuumtipodeensinomaisprático,feitonospróprioshospi-taisque,paraisso,sedeveriaminstituiremcentrosdeformação,aliáscomojásevinhaverificandonasescolasmédico-cirúrgicasdeLisboaedoPortoqueganhavamprestigioedisputavamahegemo-niadaUniversidadedeCoimbra.
Sobreasuavidafamiliareoscontextosemquefoivivida,abiblio-grafia consultada não dá elementos que permitam uma melhorcompreensãodapersistenteacusaçãodeadultério;oprópriofilhoomiteesteaspetonabiografiadeseupai,remetendo-seexclusiva-menteaoseupercursoprofissionaleproduçãocientífica.Todavia,dasnotasautobiográficasqueVirgílioMachadoreuniu,doteordaCarta aos Médicos Portugueses sobre a Elefantíaseedadedicató-riadasuaMemória sobre as Virtudes Tenífugas da Romeira,per-cebe-seasuadoretristezapelasituaçãofamiliarcriadapelasuaesposa,afaltadereconhecimentodasuadedicaçãoàcausapúblicaporpartedoestadoeasignomíniasaquefoisujeitoporpartedosseuspares.
Mas o que nos interessa destacar é que estamos perante umapersonalidade verdadeiramente iluminista que soube perscrutaros sinais do seu tempo, tempo a que ele próprio fez jus, partici-pandonasuadefinição.
EsemuitojustamenteaSociedadePortuguesadeDermatologiae Venereologia o elegeu seu patrono, é de igual justiça reconhe-cer nele o obreiro do primeiro programa sistematizado de vaci-nação contra a varíola, percursor do moderno Plano Nacional deVacinação.
carlos subtil
86
Fontes
ALVARÁ de 3 de Março de 1795, in SILVA, António Delgado –Supplemento á Collecção de Legislação Portugueza: Anno de 1791 a 1820.Lisboa:TipografiadeLuisCorreiadaCunha,1847,p.58-83.
AVISO da Junta em 23 de Maio de 1800,inSILVA,AntónioDelgadoda–Supplemento á Collecção de Legislação Portugueza: Anno de 1791 a 1820.Lisboa:TipografiadeLuisCorreiadaCunha,1847,p.193-202.
ALMEIDA,Antóniode–Annaes Vaccinicos de Portugal ou Memoria Chronologica da Vaccinação em Portugal, desde a sua introdu-çãoatéoestabelecimentodaInstituiçãoVaccinicadaAcademiaRealdasScienciasdeLisboa.Lisboa:AcademiadasCiênciasdeLisboa,[s.d.],p.196-218.
ANNAES do Conselho de saúde pública do Reino.Lisboa:ConselhodeSaúdePúblicadoReino,1838-1842.
COLLECÇÃO de Opúsculos sobre a Vacina feitos pelos Sóciosda Academia Real das Sciencias, que compõem a Instituição Vaccinica: e Publicados de Ordem da mesma Academia N.ºIeII.Lisboa:TypografiadaAcademia,1812.
COLLECÇÃO de Opúsculos sobre a Vacina feitos pelos Sóciosda Academia Real das Sciencias, que compõem a Instituição Vaccinica: e Publicados de Ordem da mesma Academia N.ºsIIIatéIX.Lisboa:TypografiadaAcademia,1813.
DELAMARE, Nicolas – Traité de la Police où l’on trouvera l’His-toire de son Établissement, les Fonctions et les Prérogatives de ses Magistrats, toutes les Lois et tous les Règlements qui la Concernent, etc. Paris: Jean & Pier e Cot, 1707. [consultado em2013-07-18]. Disponível em: http://books.google.pt/books?id=F_nTi6vhf58C&printsec=frontcover&hl=pt-PT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
DIÁRIO das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, Ata nº. 36, de 16/03/21. [Em linha]. Lisboa: Cortes Geraes eExtraordinariasdaNaçãoPortugueza,1821.Disponívelem:http://
bernardino antónio gomes
87
debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/036/1821-03-16/280
DIÁRIO das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, Ata nº. 38, de 20/03/21. [Em linha]. Lisboa: Cortes Geraes eExtraordinariasdaNaçãoPortugueza,1821.Disponívelem:http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/038/1821-03-20
DIÁRIO das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, Ata nº. 10, de 09/02/22. [Em linha]. Lisboa: Cortes Geraes eExtraordinariasdaNaçãoPortugueza,1821.Disponívelem:http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821/01/01/01/010/1822-02-09
GOMES, Bernardino António – Carta aos Médicos Portuguezes sobre a Elephantíase noticiando-lhes um novo Remédio para a Cura desta Enfermidade, pelo seu Colega, e Compatriota Bernardino António Gomes, Cavaleiro Professo na Ordem de Christo, Fidalgo Cavaleiro da Casa de S. M. F., Médico da sua Real Camara, e socio d’Academia Real das Sciencias de Lisboa.Lisboa:ImprensaNacional,1821.
GOMES, Bernardino António – «Conta Annual da InstituiçãoVaccinica da Academia Real das Sciencias de Lisboa pronun-ciada na Sessão Publica de 1815», in História e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa.Lisboa:NaTypografiadaAcademia,1815,TomoIV,ParteII,p.XXVII-XLIX.
GOMES, Bernardino António – «Conta dada na Congregação dosMembrosdaInstituiçãoVacínicadaAcademiaRealdasCiênciasem 15 de Outubro de 1812», in Collecção de Opúsculos sobre a Vacina feitos pelos Sócios da Academia Real das Sciencias, que compõem a Instituição Vacínica e Publicados de Ordem da mesma Academia (n.ºs I e II).Lisboa:TipografiadaAcademia,1812.
GOMES,BernardinoAntónio–Ensaio Dermosográfico ou Sucinta e Systemática Descripção das Doenças Cutaneas conforme os Princípios e Observações dos Doutores Willan, e Bateman, com Indicação dos Respectivos Remédios Aconselhados por estes Celebres Authores e Alguns Outros. Lisboa: Typographia daAcademia,1820.
carlos subtil
88
GOMES, Bernardino António – «Ensaio sobre o Chinchonino esobreasuaInfluêncianaVirtudedaquinaeDoutrasCascas»,inHistória e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa.Lisboa:TipografiadaAcademia,1812.TomoIII,parteI.
GOMES,BernardinoAntónio–«MemóriaSobreaDesinfecçãodasCartas»,inHistória e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa.Lisboa:TipografiadaAcademia,1815.TomoIV,ParteI, p. 36-57. Memória constante de um capítulo designado por«Memóriadossócios».
GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre a Ipecacuanha Fusca do Brasil ou Cipó das Nossas Boticas.Lisboa:TypographiadoArcodoCego,1801.
GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre a Virtude Tenífuga da Romeira, com Observações Zoológicas e Zoonómicas relati-vas à Ténia. Lisboa e com huma Estampa. Lisboa: Na Typ. DaAcademia Real das Sciencias, 1822. [em linha]. [s. l., s.n, s. d.][Consultadoem9outubro2012].Disponívelem:<http://archive.org/details/memoriasobrevirt00gome
GOMES, Bernardino António – «Memória sobre as Boubas», inHistória e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa.Lisboa:TipografiadaAcademia,1815.TomoIV,ParteI,p.1-35.Memóriaconstantedeumcapítulodesignadopor«Memóriadossócios».
GOMES,BernardinoAntónio–Memória sobre os Meios de Diminuir a Elefantíase em Portugal e de aperfeiçoar o Conhecimento e a Cura das Doenças Cutâneas, oferecida às Cortes de Portugal de 1821, pedindo a sua Atenção para o Estado da Elefantíase em Portugal.Lisboa:OfficinadeJ.F.MonteirodeCampos,1821.
GOMES, Bernardino António – Método de curar o Tifo ou Febres Malignas Contagiosas pela Efusão da Água Fria, com a Teoria do Tifo, segundo os Princípios da Zoonomia de Darwin e Explicação do modo de obrar da Efusão Fria e uma Carta ao Dr. James Currie com Reflexões e Observações sobre este Método.Lisboa,[s.n.],1806.
GOMES, Bernardino António – Observações Botânico-Médicassobre Algumas Plantas do Brasil, Escriptas em Latim e
bernardino antónio gomes
89
Portuguez, Offerecidas àAcadermiaRealdasSciencias.Lisboa:TypographiadaAcademia,tomo3,parte1.ª,1812.
GOMES,BernardinoAntónio–Observações sobre a Canela do Rio de Janeiro, Escriptas a rogo do Senado da Câmara da mesma Cidade em 8 de Maio de 1798 e ultimamente retificadas, adicio-nadas e oferecidas ao mesmo Senado.RiodeJaneiro,[s.n.],1798.
GOMES, Bernardino António – «Recopilação Histórica dosTrabalhos da Instituição Vaccinica durante o seu PrimeiroAnno», in Memórias de Mathematica e Phisica da Academia Real das Sciencias de Lisboa.Lisboa:NaTypografiadamesmaAcademia,1814.TomoIII,ParteII,p.LXXVI-XCIX.
HISTÓRIA e Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa.Lisboa:NaTypografiadaMesmaAcademia,1815.TomoIV,ParteI.
MORGANTI, Bento – Juízo Verdadeiro sobre a Carta Contra os Medicos, Cirurgioens, e Boticario. Lisboa: Officina de JosephFilippe,1758.
MORGANTI,Bento–Sustos da Vida nos Perigos da Cura ou Carta que hum Amigo escreveo a outro, estando convalescendo, depois de uma Enfermidade. Lisboa: Oficina de António Vicente daSilva,1758.
NOTÍCIA da Vida e Trabalhos Scientíficos do MédicoBernardino António Gomes.Lisboa:TipografiadaAcademia,1857.
O Instituto, Jornal Scientifico e Litterario. Coimbra: Imprensa daUniversidade.1858,VolumeSexto.
ORDENAÇÕES Filipinas: dos Corregedores das Comarcas: Livro I, Título LVIII. [Em linha]. [s. l: s. n., s. d.]. [Consultado em 17 dejulhode2013].Disponívelem: http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/fili-pinas/
PORTARIA de 9 de Agosto de 1814, iIn SILVA,AntonioDelgadoda – Collecção da Legislação Portugueza: desde a Última Compilaçãodas Ordenações: Legislação de 1811 a 1820. Lisboa:TypografiaMaigrense,1825,p.316-317.
Revista Popular: Semanário de Litteratura, Sciencia, e Industria.Lisboa:ImprensaNacional.1849-1850,Vol.2,n.º49.
carlos subtil
90
ROMA, Francisco Morato – Luz da Medicina, Prática racional, e methodica, Guia de Enfermeiros.Coimbra:OfficinadeFranciscodeOliveira,impressordaUniversidade,edoSanctoOfficio,1753.
SILVA,AntonioDelgadoda– Collecção da Legislação Portugueza: desde a Última Compilação das Ordenações: Legislação de 1811 a 1820. Lisboa:TypografiaMaigrense,1825.
SILVA,AntonioDelgadoda – Supplemento à Collecção de LegislaçãoPortuguesa: Anno de 1791 a 1820. Lisboa: Imprensa Nacional,1842.
SILVA, Innocencio Francisco; ARANHA, Brito – Diccionario Bibliographico Portuguez. [CD-ROM]. [s. l.]: Comissão NacionalparaasComemoraçõesdosDescobrimentosPortugueses[s.d.].(BibliotecaVirtualdosDescobrimentosPortugueses;9.)
SOUSA,JoséR.M. – Systema, ou Collecção dos Regimentos Reaes: Tomo VI. [Em linha]. Lisboa: Oficina de Francisco Borges deSousa,1791.[Consultadoem17dejulhode2013].Disponívelem:<URL: http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_par-te=116&id_obra=74&pagina=419
VERNEY,LuísAntónio–Verdadeiro Métodode Estudar para ser Útil a Republica, e à Igreja.[Emlinha].Valensa:OfficinadeAntonioBalle,1746.[consultadoem20deagostode2013]Disponívelem:http://books.google.pt/books?id=q5DmfuAnt1EC&printsec=-frontcover&hl=pt-PT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=one-page&q&f=false
VICENTE,Gil;CARLOS,João;BRITO,AlbertodaRocha–Auto cha-mado Farsa dos Físicos de Gil Vicente, com um Estudo do Prof. Doutor A. da Rocha Brito e Desenhos de João Carlos. Lisboa:LaboratóriosdeBenfica,1946.
bernardino antónio gomes
91
Referências Bibliográficas
ABREU, Laurinda – «A Política Religiosa do Marquês de Pombal:Algumas Leis que abalaram a Igreja», in Revista Século XVIII.Lisboa.VolI,Tomo1(2000),p.223-233.
ABREU, Laurinda – European Health and Social Welfare Polices.Santiago de Compostela: Compostela Group of Universities,2004.
ABREU, Laurinda – Igreja, Caridade e Assistência na Península Ibérica (sécs. XVI-XVIII). Lisboa: Edições Colibri – CIDEHUS –UniversidadedeÉvora,2005.
ABREU,Laurinda–Memórias da Alma e do Corpo: a Misericórdia de Setúbal na Modernidade.Viseu:Palimage,1999.
ABREU,Laurinda–«Misericórdias:PatrimonializaçãoeControloRégio (Séculos XVI e XVII)», in Ler História. Lisboa. N.º 44(2003),p.5-24.
ABREU,Laurinda–«OqueensinamosRegimentosHospitalares?UmEstudoComparativoentreosHospitaisdasMisericórdiasdeLisboaedoPorto(séculosXVIeXVII)»,inA Solidariedade nos Séculos: a Confraternidade e as Obras: Actas do I Congresso de História da Santa Casa da Misericórdia do Porto.Porto:SantaCasa da Misericórdia do Porto e Alêtheia Editores, 2009, p.267-285.
ABREU, Laurinda – «Um Sistema Antigo num Regime Novo:PermanênciaseMudançasnasPolíticasdeAssistênciaeSaúde(1780-1840): O Caso do Alentejo», in FONSECA, T.; FONSECA,J. – O Alentejo entre o Antigo Regime e a Regeneração. Lisboa:EdiçõesColibri/CIDEHUS/UE,2011.
ABREU, Laurinda – «A Organização e Regulação das ProfissõesMédicas no Portugal Moderno: entre as Orientações da Coroae os Interesses Privados», in CARDOSO, Adelino, (Coord.);OLIVEIRA,António,(Coord.);MARQUES,Manuel,(Coord.)–Arte Médica e Imagem do Corpo: de Hipócrates ao Final do SéculoXVIII.Lisboa:BibliotecaNacional,2010,p.97-122.
ARIÈS,Philippe–A Criança e a Vida Familiar no Antigo Regime.Lisboa:Relógiod’Água,1988.
carlos subtil
92
ARIÈS, Philippe; CHARTIER, Roger – História da Vida Privada, do Renascimento ao Século das Luzes, Vol. 3. Lisboa: EdiçõesAfrontamento,1990.
BRITO, João Pedro Manso Xavier de Brito – Bernardino António Gomes, Capitão-de-fragata MédicoNaval – Um Notável Cientista mal Conhecido do Dealbar do SéculoXIX.Comunicaçãoapresen-tadanaAcademiadaMarinha,7dejunhode2011.Disponívelem:http://megaslides.org/doc/457598/bernardino-ant%C3%B3nio--gomes--capit%C3%A3o-de
CRESPO,Jorge–A História do Corpo.Lisboa:Difel,1990.
CUNHA, Narcizo Cândido Alves da – No Alto Minho, Paredes de Coura. Porto: Tipografia do Porto Médico, 1909 (Reimpressãofac-similadaem2001).
FOUCAULT,Michel–Microfísica do Poder.14.ªed.RiodeJaneiro:EdiçõesGraal,1999.
HEROLD, Bernardo J.; CARNEIRO, Ana – Bernardino António Gomes 1768-1823.Disponívelem:http://www.spq.pt/files/docs/Biografias/BAGomesport.pdf
HESPANHA,AntónioManuel–«DepoisdoLeviathan»,inAlmanack Braziliense.[Emlinha].N.º5(maio2007).[Consultadoem17dejulhode2013].Disponívelem:http://www.almanack.usp.br/
LOPES Maria Antónia – Protecção Social em Portugal na Idade Moderna. Coimbra:ImprensadaUniversidadedeCoimbra,2010.
LOPES,M.A.daS.F.,ePAIVA,J.P.–«Introdução»,inPortugaliae Monumenta Misericordiarum: Sob o Signo da Mudança: de D. José I a 1834. Lisboa: CentrodeEstudosdeHistóriaReligiosa,daUniversidadeCatólica/UniãodasMisericórdias,2008.Vol7,p.7-35.
LOPES, Maria A. – «Instituições de Piedade e Beneficência doDistritodeCoimbranaDécadade1870»,inRevista de História da Sociedade e da Cultura.Coimbra.N.º11(2011),p.317-358.
LOPES,MariaAntónia–Pobreza, Assistência e Controlo Social em Coimbra: (1750-1850).Viseu:Palimage,2000.
MACHADO,Virgílio–O Doutor Bernardino António Gomes (1768-1823): a sua Vida e a sua Obra.Lisboa:PortugáliaEditora,1925.
bernardino antónio gomes
93
MORA,LuizDamas–«HospitaldoDesterro»,inOmnia Sanctorum: Histórias da História do Hospital Real de Todos-os-Santos.Lisboa:BytheBook:CentroHospitalardeLisboaCentral,2012.
PITA, João Rui – Farmácia, Medicina e Saúde em Portugal (1772-1836). Lisboa:Minerva,1996.(Minerva-História;14)
RIEDER,Philip;PEREIRA,AnaLeonor;PITA, JoãoRui–História Ecológico-Institucional do Corpo. Coimbra: Imprensa daUniversidadedeCoimbra,2006.
SÁ, IsabeldosGuimarães–«AAssistência:asMisericórdiaseosPoderesLocais»,inOLIVEIRA,Cesar–História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia).Lisboa:CírculodeLeitores,1996,p.136-142.
SÁ, Isabel dos Guimarães – «As Confrarias e as Misericórdias»,inOLIVEIRA,César–História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia).Lisboa:CírculodeLeitores,1996,p.55-60.
SÁ, Isabel dos Guimarães – «Os Hospitais Portugueses entre aAssistênciaMedievaleaIntensificaçãodosCuidadosMédicosnoPeríodoModerno»,inCongresso Comemorativo do V Centenário da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora.Évora:FundaçãodoHospitalRealdoEspíritoSanto,1996,p.87-103.
SÁ, Isabel dos Guimarães – Quando o Rico se faz Pobre: Misericórdias, Caridade e Poder no Império Português, 1500-1800. Lisboa: Comissão Nacional para a Comemoração dosDescobrimentosPortugueses,1997.
SÁ, Isabel dos Guimarães; LOPES, Maria Antónia – História Breve das Misericórdias Portuguesas (1498-2000). Coimbra:UniversidadedeCoimbra,2008.
SÁ,IsabelG.–AsCriançaseasIdadesdaVida,inMATTOSO,José(dir.)– História da Vida Privada em Portugal: A Idade Moderna.Lisboa:TemaseDebates/CírculodeLeitores,2011,p.72-95.
STILWELL,Isabel–D. Maria II, tudo por um Reino. Lisboa:AEsferadosLivros,2012.
carlos subtil
94
SUBTIL,CarlosLousada;VIEIRA,Margarida–«OsPrimórdiosdaOrganizaçãodoProgramaNacionaldeVacinaçãoemPortugal»,inReferência.Coimbra,n.º4(2011),p.167-174.
SUBTIL,CarlosLouzadaLopes–A Saúde Pública e os Enfermeiros entre o Vintismo e a Regeneração(1821-1852).Porto:UniversidadeCatólicaEditora,2016.
VIANA,GasparSimões–«Bernardino António Gomes, Alto Minhoto Ilustre», in A Aurora do Lima,nº.75(13denovembrode1996),p.1.