134495614 cap 01 3 a 6 anos momentos decisivos do desenvolvimento infantil

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primeira parte Dos três aos seis anos

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 19

primeira parte

Dos três aosseis anos

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Na pracinha

A pracinha estava cheia. Crianças correndo com

seus cuidadores ou suas babás, e as mães agru-

padas nos bancos. Vários cães correndo em

grupo voltavam ocasionalmente para cheirar os

pés de “suas” crianças antes de retornar para o

grupo. As crianças tinham, na sua maioria, me-

nos de quatro anos. Seus irmãos estavam na

escola – pré-escola e escola “de verdade”. Livres

da pressão da dominação de seus irmãos, as

crianças de dois e três anos corriam de uma

atividade para outra. Pais ou cuidadores atentos

precisavam correr para cima e para baixo com

elas para manter as conversas. As crianças eram

estimuladas a acompanhar as atividades umas

das outras. As caixas de areia eram as áreas

silenciosas. Os escorregadores e o carrossel

eram locais ativos. Quatro crianças, dois meni-

nos e duas meninas – nossos quatro atores prin-

cipais neste livro – faziam parte dessa confusão.

Um menino ativo e um menino tranqüilo, Billy

e Tim; uma menina persuasiva, Minnie; e uma

menina alegre e extrovertida, Marcy, brincavam

com as outras crianças.

Billy, um menininho alegre, ativo, chegou

neste cenário com sua mãe. Seu rosto redondo

tinha uma aparência de querubim. Suas boche-

chas macias e cheias, seus olhos grandes, seu

cabelo revolto, sua tagarelice e dedo na boca –

tudo parecia planejado para torná-lo cativante.

Era difícil não querer abraçar Billy. Quando ele

estava disposto, tudo bem. Mas quando não

estava, ele se esquivava. Ele queria ficar livre

para perambular, indagar, descobrir seu mundo.

Ele ainda parava com os pés separados, embora

mais firmemente agora. Ocasionalmente, tro-

peçava. Ele estava afobado. Ainda não tinha

dominado o planejamento motor, antecipando

como seu corpo teria que se mover a compasso

para chegar aonde queria. Aos três anos, chegar

lá é mais importante do que imaginar como.

Na maioria das vezes, contudo, seu desenvolvi-

mento motor lhe permitia movimentar-se com

maior segurança e domínio. Como resultado,

ele queria estar com todos, mas nem sempre

com pessoas que representassem abraços. Ele

precisava explorar o mundo; e, para ele, a parte

mais importante do mundo eram as pessoas.

Billy era sempre sorridente e sociável. Ele

se aproximou de um grupo de crianças de três

anos na caixa de areia. “Oi. Eu sou Billy.” Nin-

guém levantou a cabeça. Impávido, ele se sen-

tou ao lado de um menino que estava fazendo

um castelo de areia. Imitando-o, começou a

fazer um castelo exatamente como o da outra

criança. Sem se olharem, os meninos torna-

vam-se cada vez mais conscientes dos movi-

mentos um do outro. Billy pegou uma tigela,

encheu-a com areia, e virou-a no chão; quando

1Três anosO que eu faço tem importância

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22 Brazelton & Sparrow

ele a desvirou, a areia tomou a forma da tigela.

A outra criança ficou claramente impressiona-

da. Os dois chegaram mais perto um do outro

e começaram a construir juntos. A mãe de Billy

estava impressionada com a capacidade de Billy

de se “entrosar”.

Assim que Billy fez uma amizade, as outras

crianças pareceram reconhecer a força deles

como um par. “Billy, olhe aqui.” “Tommy, você

me ajuda a construir?” Eles chegaram mais

perto uns dos outros. Uma outra criança, uma

menina, reconheceu uma afinidade com Billy.

“Você tem cabelo encaracolado. A sua mãe faz

isso?” “Faz o quê?” “Encrespa ele. Meu cabelo

é encaracolado, também, mas as crianças ca-

çoam de mim.” Billy retornou a sua construção

de areia como se isso tivesse que ser ignorado.

A menina chegou mais perto dele. “Quer andar

na minha bicicleta?” Billy olhou para ela, ani-

mado. “Claro.” Ela correu até seu triciclo. Billy

seguiu-a o mais rápido que podia. Ela segurou

no guidão enquanto ele subia. Assim que se

acomodou, ele tentou pedalar. A princípio, seu

pé escorregou. A menina riu. Billy olhou em

volta, embaraçado. Colocando seu pé mais reto

sobre os pedais, ele começou a mover-se, mas

para trás. Ela riu. “Assim não”, disse. Billy per-

cebeu seu erro e começou a pedalar para a fren-

te. Orgulhoso de sua realização, ele começou a

gritar: “Olhem!” As outras crianças de três anos

pararam para olhar com admiração.

Aprender a pedalar um triciclo é uma grande

façanha. De caminhar a correr e a empurrar

um carrinho são marcos na vida de uma criança

de dois anos. Então, um ano mais tarde, ser

capaz de dar impulso, de alternar os pés, de

pedalar com suas próprias pernas e ser capaz

de inverter o movimento é uma vitória impor-

tante para uma criança de três anos. Não é de

admirar que Billy estivesse orgulhoso. Sua ca-

pacidade de controlar seu próprio comporta-

mento para adaptar-se ao de outras crianças, e

ingressar em suas brincadeiras, é uma medida

de sua capacidade de adaptação. Ele está ansio-

so para conquistar essas crianças para brincar

com elas. Sua persistência e determinação em

ter sucesso na interação social é uma amostra

de seu temperamento.

A mãe de Billy sentou-se no banco com as

outras mães. Ela estava confiante de que Billy

poderia tomar conta de si mesmo. Ele já sabia

como tranqüilizá-la com sua habilidade? En-

quanto ela observava Billy com as outras crian-

ças de sua idade, ela percebeu o quanto ele era

carinhoso. Um certo momento, uma criança

atirou um punhado de terra nele. Billy olhou

firme para o culpado. “Não! Não atira.” A Sra.

Stone ficou fascinada com o fato de que ele ti-

vesse assimilado sua repreensão e estivesse

agora pronto para usá-la para proteger-se. Em

vez de atirar terra de volta, ele tinha usado pala-

vras que ouvira antes. As outras crianças olha-

ram com surpresa, escutaram e pararam.

Marcy já estava na área dos brinquedos. Em-

bora ela ainda caminhasse, às vezes, com passo

incerto – movendo-se com seu andar de base

larga, com passos bastante desajeitados, era bo-

nito observá-la. Se ela tropeçava, caía e levanta-

va em um único movimento sem parar. Seu

olhos faiscavam. Seu sorriso era contagiante.

Ela subia a escada com deliberada concentra-

ção, mas escorregava quando distraída. Subia

e descia do escorregador. Andava em seu triciclo

com destreza. Em casa, conseguia colocar a cha-

ve na porta da frente, embora tateasse desajei-

tadamente, e podia desamarrar seus próprios

sapatos. Ela podia empilhar dez blocos um em

cima do outro formando uma torre, colocando

cada canto precisamente em cima do topo do

bloco de baixo.

Como sua mãe, Marcy era alta – alta para

sua idade. Sua pele era de uma cor chocolate

claro, seus cachos macios, apertados, eram de

um preto brilhante. Ela era encantadora. Seu

lindo rosto com seus olhos negros, atraentes,

olhavam para você com confiança. Quando seu

rosto se abria em um sorriso, era de emocionar.

Ela era animadamente responsiva, e todos à sua

volta pareciam responder a ela.

Quando entrou na pracinha, ela já entrou

pulando. Seus membros eram flexíveis e fortes,

com covinhas ainda em seus cotovelos e ao lado

dos joelhos quando começava a correr. Então,

a ligeira amplitude em seu andar parecia desa-

parecer, ou quase. Essa imaturidade quase im-

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 23

perceptível faz um adulto sentir-se mais prote-

tor do que se sentirá em relação a Marcy aos

quatro e cinco anos. Mas os movimentos de

Marcy são intencionais e entusiasmados. De-

monstram impetuosidade com aventura, e todas

as atividades de Marcy parecem visar à diversão.

Cada novo objeto precisa ser examinado, ser

experimentado. Uma grande folha deve ser de-

senterrada e virada para um exame minucioso.

Uma pedra torna-se um objeto de curiosidade –

“Ela é pesada? É áspera? Está suja? O que há

debaixo dela?” Aquela minhoca se contorcendo

deve ser pega e examinada. Uma admiração ativa

marca cada experiência. Cada folha é a primeira.

Marcy corria para cada criança. “Estou

aqui!” Ela esperava uma resposta antes de pas-

sar para a próxima criança. Ao se aproximar de

um menininho que estava sentado no colo de

sua mãe, ela o cumprimentou. Quando ele se

retraiu e se virou para sua mãe, ela repetiu seu

cumprimento apelando para a mãe dele. Com

sensibilidade, ela baixou sua voz para dizer “Eu

sou Marcy. Eu também sou tímida.” Ela obvia-

mente não era.

Naturalmente, as outras crianças começa-

ram a dar-se conta de sua presença. Várias delas

começaram a segui-la. Ela rapidamente tornou-

se a líder das crianças de sua idade. Ela levava

seu papel a sério. “Vamos para os brinquedos.”

Os outros a seguiam. “Vamos atravessar o tú-

nel.” Eles a seguiam. “Vamos andar na minha

bicicleta.” Eles a seguiam. Todos eles tentaram

subir no triciclo ao mesmo tempo. Ele virou.

Ninguém conseguiu andar.

Todas as realizações de Marcy eram acompa-

nhadas por seu bom coração. Embora freqüen-

temente tivesse que se esforçar para completar

uma tarefa, ela terminava com um largo sorri-

so. Parecia como se estivesse não apenas satis-

feita consigo mesma, mas quisesse comparti-

lhar sua alegria no sucesso com os outros. Isso

não era feito com qualquer fanfarronice, mas

mais com o sentimento de “Não é divertido es-

tar vivo?”. Não é de admirar que ela fosse po-

pular com seus pares e com os adultos que a

encontravam. “Ela é sempre assim?”, as pes-

soas perguntavam. “Ela sempre foi encantado-

ramente fácil”, era o que sua mãe respondia.

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24 Brazelton & Sparrow

“Quando bebê, ela parecia apreciar tudo o que

fazíamos para ela. Seu irmão era exatamente o

oposto. Ele é mais fácil agora, mas não era no

início. Todos adoram Marcy. Seu irmão gostaria

de tornar sua vida difícil, mas ela o venera e

aprende muito com ele. Ele não consegue ficar

zangado com Marcy por muito tempo.”

Tim sentou-se, observando as outras crianças

do colo de sua mãe. Ele tinha ido à pracinha

apenas uma vez antes, mas havia apenas uma

criança. Ele tinha se agarrado a sua mãe, escon-

dendo seu rosto no ombro dela. Após alguns

minutos, ele tinha começado a espiar a outra

criança. Sua mãe sentia o quanto ele estava an-

sioso por conhecer e entender outras crianças.

Ela trouxera Tim novamente hoje, esperando

que ele ficasse tímido. E ele ficara. Mesmo junto

com seu irmão mais velho, ele se agarrava a

sua mãe ou seu pai. Todos em casa tinham cons-

ciência da timidez de Tim. Isso os atemorizava.

Quando bebê, ele era quieto demais, facilmente

perturbado por ruídos e pessoas. Seus pais o ti-

nham protegido, porque parecia muito doloroso

forçá-lo. Se eles levavam Tim a uma festa baru-

lhenta ou a um lugar cheio de pessoas, ele ficava

trêmulo. Ele se esquivava daqueles que chega-

vam perto, desviando o rosto e os olhos. Em

casa, ele era igualmente calado e retraído. Ele

era claro, entretanto, em relação a suas necessi-

dades – fome e sono – e fazia algumas exigên-

cias. Neste sentido, seus pais achavam que ele

tinha sido fácil. A princípio, eles o tinham

levado a todos os lugares, assim como a seu

irmão mais velho. Mas ele era muito calado,

muito pouco irresponsivo quando eles saíam

com ele. As pessoas se perguntavam porque ele

era tão calado. Quando a família voltava para

casa, Tim chorava muito, em longos soluços, o

que apertava o coração de seus pais. Era mais

fácil simplesmente ficar em casa com ele.

Tim tinha andado na época esperada. Tinha

falado no momento certo. Cada marco em seu

desenvolvimento tranqüilizava seus pais de que

ele estava indo bem. Esta criança calada era

tão meiga! Quando uma nova pessoa vinha à

sua casa, ele escondia seu rosto ou tapava os

ouvidos. Quando começou a andar, ele desapa-

recia silenciosamente. Sua própria mãe tran-

qüilizava o Sr. McCormick; ela chamava seu fi-

lho de “meu calado e sensível Tim”.

O irmão mais velho de Tim, Philip, implicava

com ele. Tim se iluminava quando conseguia

sua atenção. As intenções de seu irmão, entre-

tanto, não eram tão benignas. Ele procurava

as fraquezas de Tim. Quando Philip via Tim

abrir-se para ele, ele aumentava a implicância.

“Nyah, nyah, nyah. Olha o Tim, ele é um bebê.”

Tim ficava ansioso. Então Philip tentava apos-

sar-se do cobertor de Tim. Tim não suportava

isso. Ele se enroscava como uma bolinha para

proteger o cobertor. Ele choramingava silencio-

samente e chupava o polegar ruidosamente –

o pedido mais declarado de ajuda. A Sra. Mc-

Cormick corria para Tim para pegá-lo no colo.

Ela se sentava em uma cadeira de balanço, can-

talorando em voz baixa. Tim relaxava visivel-

mente. Seu rosto se iluminava. Ele olhava em

volta e mostrava interesse por tudo, mas apenas

enquanto estivesse seguro no colo de sua mãe.

A Sra. McCormick sabia que era necessária. O

irmão mais velho de Tim retirava-se, irritado e

frustrado. “Tim sempre consegue o que quer.”

Quando a Sra. McCormick segurava Tim em

seu colo na pracinha, ela se sentava sozinha

em um banco do lado oposto das outras mães

como se tivesse vergonha do apego de Tim. Ela

sabia que se ela se sentasse com as outras mães,

todas elas lhe dariam conselhos: “Simplesmen-

te coloque-o no chão e deixe-o chorar – ele vai

superar isso.” “Minha filhinha era exatamente

assim, mas ela finalmente se acostumou com

as outras crianças.” “Convide uma criança para

brincar com ele. Assim ele pode aprender sobre

outras crianças.”

Eles observaram as outras crianças brincan-

do, e, à medida que a Sra. McCormick foi rela-

xando, a vigilância de Tim começou a diminuir.

Ele procurou seu cobertor. Ele ficara em casa,

então ele agarrou-se ao vestido da mãe, aper-

tou-o em uma mão, e chupou seu polegar com

a outra. Enquanto fazia isso, ele começou a rela-

xar. Ele observava e observava. Ele até começou

a falar sobre as crianças que estava observando.

“Ele não gosta daquele escorregador. Ele não

quer subir nele.” Ele não estava falando para

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 25

ela, mas ela podia dizer que essa era uma ten-

tativa de Tim participar com as outras crianças.

Algumas das outras crianças de três anos

eram curiosas em relação a Tim e sua mãe. Elas

os observavam pelos cantos dos olhos. Após

uma menininha ter se machucado em um brin-

quedo, ela aninhou-se no colo da mãe; ela chu-

pava seu polegar e manuseava o vestido de sua

mãe como se estivesse imitando Tim. Quando

as outras crianças viram, elas olharam para Tim

e para a menininha. Elas tinham feito a associa-

ção. A completa dependência de Tim era uma

ameaça a todas elas, porque elas apenas recen-

temente haviam começado a viver por conta

própria. Um menininho correu até a Sra.

McCormick: “Põe ele no chão! Faz ele brincar!”

Nesta idade, todas as crianças ainda estão ela-

borando sua independência. É assustador ver

alguém representando sua própria luta.

Minnie entrou correndo na pracinha. Suas per-

nas e seus braços pareciam asas, seu rosto, an-

sioso. Enquanto corria, ela se inclinava para a

frente, como se suas pernas não fossem conse-

guir levá-la até aonde ela queria ir. “Ei, estou

aqui!”, gritou ela para ninguém em particular.

Sua mãe caminhava silenciosamente atrás dela.

Ela não esperava acompanhá-la. Durante estes

três anos, a mãe de Minnie tinha se perguntado

de onde Minnie tinha vindo. A doce, paciente

e cativante irmã mais velha de Minnie, May,

não tinha preparado seus pais para Minnie. Ela

era diferente de tudo o quanto a Sra. Lee jamais

havia vivenciado. Um rolo compressor, ela nun-

ca parava de se movimentar. Ela escalava, ela

saltava, ela testava cada peça de mobília, cada

pedra da calçada, cada brinquedo da pracinha.

Enquanto sua mãe a observava, seu coração pal-

pitava a cada nova audácia da filha. A advertên-

cia, “Minnie, não suba até em cima até eu che-

gar aí!”, foi ignorada. Minnie parecia ter sido

engolida pela excitação física do movimento.

Ela tinha um tipo de imprudência que fazia sua

mãe exasperar-se ao observá-la. Quando a Sra.

Lee chegou ao “grande” escorregador, Minnie

já havia subido e descido do outro lado. Quanto

mais a Sra. Lee tentava acompanhá-la, mais

Minnie parecia acelerar-se. Quando Minnie

voltou para subir, sua mãe segurou seu braço

em uma tentativa de fazê-la desacelerar;

Minnie desvencilhou-se e continuou subindo.

Sua imprudência, misturada com sua capacida-

de de realizar essas proezas físicas, faziam sua

mãe sentir-se desconecta e um pouco inútil.

O pai de Minnie adorava a intrepidez atlética

de sua filha. Ele a valorizava intensamente. Va-

lorizava sua capacidade de atingir objetivos

atléticos, e ela sabia disso. Havia um vínculo

tácito entre eles. De tempos em tempos, ele di-

zia: “Minnie, você é incrível! Eu não posso

acreditar na rapidez com que você sobe no es-

corregador!” Ela, entretanto, nunca parecia

responder a ele, embora ele acreditasse detectar

um ligeiro sorriso após suas palavras de enco-

rajamento. Minnie prestava pouca atenção ao

pai quando ele tentava desacelerá-la com pala-

vras. Em vez disso, ele a atirava para cima no

ar. Ela gritava de alegria. Eles inventavam todo

tipo de jogos juntos. Quando ela queria brincar,

pedia o “carrinho de mão”. Ele a segurava pelos

tornozelos, a levantava e ela corria pelo chão

com as mãos. Então, exausta, ela caía no chão

tão forte que seu pai se perguntava se não a

machucara. Ela ria de contentamento: “Mais!

Mais!”

Em desespero, a Sra. Lee incluía o marido

quando era necessário disciplinar Minnie, mas

as tentativas dele de corrigi-la eram provavel-

mente quase tão ignoradas quanto as dela. Ten-

tar parar essa menininha ativa era como tentar

represar um rio violento.

A pracinha é freqüentemente a primeira aven-

tura de uma criança no mundo mais amplo.

Aqui, as crianças aprendem com e sobre outras

crianças, sobre a individualidade de cada uma.

Os seres humanos são animais sociais desde o

início. No começo, os bebês são “ligados” para

procurar e envolver-se em relacionamentos. Por

volta dos três anos, eles não apenas aprende-

ram, mas podem pensar sobre a importância

da comunicação e das relações com os seme-

lhantes. “Você é meu melhor amigo.” Relacio-

namentos sustentadores com os pais estabele-

cem o tom. Uma criança sabe o quanto pode

ser recompensador olhar, falar, escutar, tocar e

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26 Brazelton & Sparrow

exigir atenção de um adulto importante. Os ir-

mãos foram modelos para o aprendizado sobre

relacionamentos ambivalentes – às vezes rivais,

às vezes carinhosos, mas sempre excitantes. Um

irmão fornece os lados positivo e negativo de

um relacionamento apaixonado, bem como a

oportunidade sedutora de envolver um pai, que

tentará acabar com a rivalidade!

O grupo de iguais oferece às crianças uma

janela para dentro da qual elas podem olhar e

ver a si mesmas. Freqüentemente, elas estão

no mesmo estágio de desenvolvimento, lutando

com os mesmos problemas, encarando as de-

mandas dos próximos passos do desenvolvi-

mento. Contudo, elas também são diferentes.

As diferenças oferecem um caleidoscópio de ex-

periências, uma forma de testar quais poderiam

ser nossos próprios sentimentos. Uma criança

pode ver-se em um espelho, à medida que expe-

rimenta as reações de outra criança. A chance

de brincar com seus iguais e modelar-se a partir

de suas reações e seus estilos de aprendizado

oferece a oportunidade para aprender sobre si

mesma.

As crianças de três anos são agora menos

dominadas pelo angustiante negativismo. Não

mais ligadas ao brinquedo paralelo das crianças

de dois anos (embora mesmo nesta idade, as

crianças já sejam mais interativas do que se

pensava antes), elas são agora capazes de pres-

tar atenção à outra criança de uma forma mais

complicada – lendo sinais, combinando ritmos

de resposta, aguardando e ficando atentas à

outra resposta – o ritmo de interação. Elas po-

dem aprender a ler os choros da outra criança

e responder a eles adequadamente. Desde o iní-

cio, o bebê aprende a partir de interações com

cuidadores atenciosos; mas aprender como cap-

tar e responder a iguais com suas próprias agen-

das é um passo maior.

Com seus iguais, uma criança pode provar

e experimentar seu próprio impacto sobre o

mundo à sua volta. Ela pode começar a apren-

der sobre si mesma como participante ativa no

mundo, não mais apenas dentro de sua própria

família.

Temperamento

Na pracinha, as crianças deixam muito claro

suas diferenças individuais em suas brincadei-

ras, na forma como fazem relacionamentos. A

forma como as crianças adquirem os próximos

passos evolutivos variará de acordo com sua in-

dividualidade, pressionando seus pais a encarar

cada “momento decisivo” de forma diferente,

também. O temperamento, um conceito valioso

para os pais, descreve as diferenças no modo

como as crianças recebem, digerem e expres-

sam suas experiências. O entendimento das

variações de temperamento de cada criança

pode nos esclarecer sobre a forma como a crian-

ça lida com novas experiências do desenvolvi-

mento, suas respostas a cada desafio que en-

contra à medida que se desenvolve.

Certas mudanças do desenvolvimento, cer-

tos momentos decisivos, provavelmente serão

perturbadores não apenas para os pais, mas

para a família inteira. No entanto, os pais que

aprenderam a entender o temperamento da

criança podem confiar na forma individual de

cada criança preparar-se para um desafio,

transformando o tumulto em um evento mais

previsível. O temperamento é constituído de

muitos fatores: nível de atividade, distratibili-

dade, persistência, abordagem/retraimento, in-

tensidade, adaptabilidade, regularidade, limiar

sensorial, humor. Provavelmente, esses traços

sejam, em grande parte, inatos. Stella Chess e

Alexander Thomas identificaram esses elemen-

tos do temperamentos das crianças e salienta-

ram o quanto eles afetam poderosamente o re-

lacionamento pais-filho. Chess e Thomas cria-

ram o termo ajustamento de boa qualidade para

descrever quão bem o temperamento do filho

e dos pais pode misturar-se em um relaciona-

mento íntimo e sustentador. Meu primeiro li-

vro, Infants and Mothers, demonstra como o estilo

ou temperamento do bebê afeta as reações dos

pais desde os primeiros dias. No processo de

ajustamento, o bebê e o pai desenvolvem uma

previsibilidade de expectativas um com o outro.

O entendimento dos pais em relação ao tem-

peramento de seu filho limita a imprevisibili-

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dade das formas que tomarão as mudanças do

desenvolvimento.

Se os pais puderem aceitar e valorizar a for-

ma de saudação de seu filho e como ele dirige

sua vida, eles darão uma contribuição positiva

para o senso de conquista e auto-estima da

criança. Se os pais puderem apreciar o estilo

do filho se proteger de sentimentos ou expe-

riências que o sobrecarregam, eles estarão

apoiando seu senso de segurança. A primeira e

mais importante tarefa de um pai é entender a

criança como indivíduo. Isso significa estar

atento, escutar, observar cada mudança em seu

desenvolvimento e as formas individuais com

que ele domina seu ambiente. A nova energia

requerida para cada nova tarefa é abastecida

quando uma criança encontrou suas próprias

estratégias para lidar com a mudança. Os aspec-

tos estáveis do temperamento de uma criança

fornecem a base para a instabilidade e a excita-

ção que vêm com cada novo momento decisivo.

O temperamento é fixo? Ele é preditivo do

futuro? De certa forma, sim. Mas muitas coisas

influenciam o temperamento; dentre elas a ma-

neira como os pais entendem seu filho e inte-

ragem com ele, e as experiências (positivas e

negativas) que desafiam as estratégias usadas

para lidar com seu filho.

Por volta dos três anos, o temperamento se

tornou uma parte segura e reconhecível do rela-

cionamento pais-filho. Ele não pode mais ser

desconsiderado. Um pai não pode mais esperar

mudá-lo. A poderosa contribuição da criança

afeta cada aspecto da interação: comunicação,

atenção, cuidado e disciplina. A menos que seu

poder seja entendido, um pai pode facilmente

sentir-se manipulado e impotente.

Os pais são ajudados a entender o tempera-

mento do filho quando vêem a criança como

um participante ativo em seu relacionamento.

As chances de conseguir se ajustar aos ritmos

e à linguagem comportamental daquela crian-

ça – o “ajustamento de boa qualidade” – au-

mentam significativamente. Também ajuda,

quando os pais são capazes de entender seus

estilos particulares e de ver suas próprias rea-

ções como subjetivas.

Três agrupamentos de características variam

de acordo com cada criança e afetam a forma

como ela lida com seu mundo. Juntamente com

os ritmos individuais de sono, fome e outras

funções corporais, eles definem o temperamen-

to da criança:

1. Orientação à tarefa – intervalo de aten-

ção e persistência, distratibilidade e nível

de atividade.

2. Flexibilidade social – abordagem/retrai-

mento (como uma criança lida com os

estímulos externos) e adaptabilidade.

3. Reatividade – limiar sensorial de respon-

sividade (alto ou baixo), qualidade do

humor e intensidade de reações.

Observem as diferenças na maneira em que

as quatro crianças que acabamos de conhecer

abordariam a chegada a uma piscina. Marcy,

por exemplo, abordaria a tarefa com a determi-

nação de ser bem-sucedida. Se ela tivesse que

vencer seus medos em relação a entrar em uma

piscina, ela observaria as outras crianças da sua

idade. Ela as abordaria com “É divertido?”

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28 Brazelton & Sparrow

“Está fria?”. Quando elas a recebessem com

uma resposta, qualquer que fosse, ela sentiria

um vínculo que a ajudaria a dominar sua ansie-

dade. Ela olharia para seu irmão, Amos, e para

seus pais, para ver se eles estavam atrás dela.

Ela colocaria um pé na água para experimentá-

la. Deixando-o ali até acostumar-se com a água

e a temperatura, ela então escorregaria para

dentro d’água. Ela olharia para as outras crian-

ças buscando aprovação. Se nenhuma respon-

desse, ela chegaria perto de uma outra criança

na água. Logo elas estariam brincando juntas

na piscina.

O temperamento de Tim seria claramente

evidente em sua abordagem esquiva à piscina.

Ele ficaria assoberbado pelas várias visões e

pelos sons reverberantes: o cheiro do cloro, os

choros altos e os ecos do barulho das crianças

na água, a alegria frenética. Lutando, mesmo

apertado nos braços de sua mãe, ele conseguiria

cobrir o rosto com a blusa dela. À medida que

ele gradualmente relaxasse em seu colo, pode-

ria espiar através da cortina que baixara. Com

um olho, ele observaria as outras crianças.

Quando elas gritassem, ele estremeceria. Se al-

guém sentasse ao lado de sua mãe, ele se retrai-

ria ainda mais em seu colo. Se o pai ou o irmão

tentassem persuadi-lo a sair de seu abrigo, seu

rosto se franziria. Ele se encolheria em uma po-

sição fetal e deixaria o mínimo possível de pele

à mostra. Sua mãe, sem intenção, reforçaria

esse comportamento, protegendo-o da pressão

a que o pai ou o irmão o estivessem submeten-

do. “Ele simplesmente não está pronto. Ele é

muito sensível.” Enquanto isso, com um olho,

Tim assistiria à atividade das outras crianças

na piscina.

Billy, entretanto, se precipitaria para a pisci-

na. “Oi, crianças!” De pé na borda da piscina,

ele olharia em volta procurando um amigo. Ele

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observaria a atividade com fascinação, tão inte-

ressado que poderia inclinar-se para a frente e

cair dentro da piscina. Se isso acontecesse, sua

mãe correria para retirá-lo. Engasgado e tossin-

do, o rosto vermelho, Billy soltaria um gemido

e um minuto mais tarde diria: “Me deixa ir. Eu

estou pronto.” Logo ele se tornaria o líder, en-

quanto nadasse em volta na parte mais rasa da

piscina. Rindo, ele poderia respingar água na

mãe: “Billy, pare com isso. Lembre-se de manter

a cabeça levantada! Olhe pra você agora. Você

vai se engasgar.” Como se relembrando rapida-

mente da tragédia recente, Billy pareceria

ansioso por um momento, mas então se voltaria

para as outras crianças. “Vamos brincar!”

Minnie, naturalmente, correria para a pisci-

na, imprudente; sua mãe em alarmada perse-

guição. “Minnie, cuidado! Isto não é uma pisci-

na rasa. É de verdade. Não entre. Deixe-me

ajudá-la!” Mas Minnie simplesmente se jogaria

na água. A água tinha que servir. Espirrando,

espalhando água, ela ficaria de pé para mergu-

lhar. Ignorando as outras crianças, ela espalha-

ria água excitadamente. Quanto mais água ela

espirrasse, mais ela tossiria. Irreprimida, ela

correria na volta ignorando sua mãe, e estimula-

da por seus apelos ansiosos para “acalmar-se”.

Minnie poderia causar tanto tumulto na água

que as outras crianças começariam a evitá-la.

Estas crianças, com seus diferentes tempe-

ramentos, têm quase tanto efeito sobre seus

pais quanto seus pais têm sobre elas. Elas es-

tão moldando o tipo de parentagem que estão

recebendo, bem como seus próprios futuros. A

ansiedade inevitável dos pais sobre o futuro

muitas vezes pode ser aliviada, se eles puderem

aprender a aceitar – e até valorizar – o tempe-

ramento de seus filhos e suas formas de respon-

der a dificuldades e novas experiências.

Uma “criança difícil”

Os pais de Minnie enfrentaram problemas de

temperamento cedo. Uma criança ativa, que di-

rige sua energia para realizações motoras,

Minnie sempre estava em dificuldades. Aos três

anos de idade, ela tinha caído seriamente três

vezes – uma vez ela tinha sofrido uma concus-

são, outra ela tinha quebrado um braço e a ter-

ceira ela tinha caído sobre uma pilha de casca-

lho e arranhado seu rosto e seus braços. Contu-

do, ela sempre se recuperava, impávida e pronta

para outra. Era sua mãe que mais sofria com

os reveses de Minnie.

Devido à impulsividade, freqüentemente a

menina estava longe da ajuda de um adulto.

Era difícil acompanhá-la. Mas mesmo perto,

ela podia criar problemas. Quando ela tinha 15

meses, sua mãe estava cozinhando, e Minnie

estava quieta. Aquilo deveria ter sido um sinal

de que alguma coisa estava errada, conforme

lembrou a Sra. Lee, mas Minnie a tinha esgota-

do tanto que ela estava aliviada por estar sozi-

nha. Minnie estava brincando em um canto,

de modo que parecia segura. Quando a Sra. Lee

olhou para a filha, viu, para seu horror, que

Minnie estava bebendo avidamente de uma

garrafa de detergente. A Sra. Lee ficou apavo-

rada e ligou para a emergência. Quando a equi-

pe de emergência chegou, Minnie estava borbu-

lhando tanto que mal podia respirar. Ela foi le-

vada às pressas para o pronto-socorro e passou

a semana seguinte em tratamento intensivo,

borbulhando. Ela teve que ser colocada em um

ventilador a fim de que o oxigênio pudesse ul-

trapassar as bolhas e chegar a seus pulmões;

sua sobrevivência parecia muito difícil.

Os pais de Minnie sentiram-se pressionados

contra a parede. Ela aprendeu com a crise? Não.

Seus pais aprenderam? Sim. Eles aprenderam

a nunca confiar nela. Eles aprenderam que não

podiam deixá-la fora de suas vistas nem por

uma fração de segundos. Eles recolheram ra-

toeiras e venenos e tomaram precauções que

nunca haviam sido necessárias com sua primei-

ra filha. Eles trancaram armários, limparam

prateleiras. Cobriram todas as tomadas elétri-

cas. Eles seguiram as regras no folheto sobre

venenos e acidentes, enviado por um hospital

infantil. Eles se abaixaram sobre as mãos e os

joelhos e olharam o mundo do ponto de vista

de uma criança pequena. Apesar de tudo isso,

Minnie ainda encontrava um jeito de envolver-

se em problemas.

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30 Brazelton & Sparrow

Os pais de Minnie consideravam-na uma

criança “propensa a acidentes”. A Sra. Lee sen-

tia-se na beira de um precipício quando estava

com Minnie. Todo tipo de castigo – desde “sus-

pensão” até mantê-la confinada em seu quarto,

desde repreensão até a retirada de recompensas

– falhou. Minnie era impulsiva demais para

esse tipo de ação disciplinar breve. Durante as

suspensões, ela esperava pacientemente, então,

uma vez liberada, prosseguia em seu comporta-

mento como se nada tivesse acontecido. Seus

pais começaram a perceber que Minnie estava

dando pouca atenção a suas advertências com-

preensivelmente gastas: “Cuidado! Tenha cui-

dado ou você vai se meter em problemas nova-

mente.” Eles viam que sua tarefa era tentar

fazê-la desenvolver um senso de responsabili-

dade e consciência.

O perigo em ter que vigiar uma criança todo

o tempo até que ela seja capaz de assumir res-

ponsabilidade por si mesma é que toda essa

atenção dos pais perpetua a atividade impru-

dente. Como os pais podem estar em constante

vigilância para a próxima catástrofe, sem inad-

vertidamente instigar a criança a ela? A criança

começa a experimentar a atividade imprudente

como uma forma de permanecer no foco de

seus pais. Isso era especialmente um risco para

Minnie, que podia perceber que era muito mais

compensador para seus pais cuidar de sua filha

mais velha.

Minnie não era apenas imprudente. Ela era

muito adepta a proezas físicas. Elas eram sua

oportunidade de reconhecimento. Outras crian-

ças a admiravam. Mas ela raramente respondia-

lhes. Um menino de sua idade poderia dizer:

“Oi! Vamos andar de escorregador juntos.” Ig-

norado. “Ei, quer brincar comigo?” Ignorado.

Os pais de Minnie se perguntavam se não have-

ria algum problema com a audição de sua filha,

pois ela parecia tão inacessível. Seus pais viam

que, quando brincava com uma criança de sua

idade, ela tinha bastante consciência da outra

criança, embora não parecesse interessada em

seu amiguinho. Talvez ela ainda não soubesse

como demonstrar seu interesse por uma outra

criança. Quando seu pai tentava uma nova ati-

vidade, como jogar bola, era evidente que ela

estava observando com atenção. Ela aprendia

o jeito dele de atirar a bola, observando-o. Não

é de admirar que o Sr. Lee fosse “fisgado”.

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 31

O repertório social limitado de Minnie alie-

nava os outros e a deixava isolada. Outras crian-

ças, por exemplo, já tinham consciência de que

deviam ficar em fila para andar no escorregador.

Seus pais os lembravam e continham. Eles pre-

cisavam dos pais para aventurar-se no escorre-

gador grande. Minnie não. Ela empurrava as

outras crianças de seu caminho enquanto corria

para o escorregador. A Sra. Lee sentia-se inca-

paz de controlá-la e ficava embaraçada. Ela ten-

tava dizer: “Minnie! Espere! Não é sua vez! Ve-

nha aqui e eu espero com você.” Nenhuma res-

posta de Minnie. A Sra. Lee murchava por den-

tro. Ela sentia que Minnie tornava seu papel

na pracinha de mera observadora, não de par-

ticipante. Ela observava os rostos das outras

crianças de três anos, invejando a obediência

delas às orientações de seus pais. Quando um

pai dizia: “Não, apenas aguarde na fila”, as crian-

ças paravam obedientemente, procuravam a

mão do pai, às vezes colocando um polegar na

boca. O par ficava em um tipo de entendimento

e intimidade que a Sra. Lee tanto desejava.

Minnie subia no escorregador novamente.

A Sra. Lee estremecia a uma fração de segundos

de inabilidade. Minnie escorregava em um de-

grau, mas rapidamente endireitava os pés e re-

cuperava o equilíbrio. Sua mãe tinha que ad-

mirar sua flexibilidade. Ela tinha visto Minnie

andar cedo aos nove meses. Ela a tinha visto

subir escadas aos doze meses e descer de volta

com competência. Ela a tinha visto escalar seu

berço para descer aos dezoito meses. Minnie

tinha ficado tão encantada consigo mesma que

a Sra. Lee podia festejar com ela. Mas sua velo-

cidade incomodava sua mãe. Será que Minnie

realmente precisava dela?

Qualquer uma das outras mães podia ter

dito a Sra. Lee para ser firme e decidida. Por

que ela não podia? Minnie teria escutado, à sua

maneira, assimilando alguma coisa, mesmo

que ela ainda não estivesse pronta para usá-la.

Mas era difícil para a Sra. Lee reconhecer por-

que Minnie era uma criança que ainda comuni-

cava o que estava aprendendo por meio de sua

atividade mais do que por palavras. Os pais de

crianças de três anos já estão começando a con-

tar com a linguagem para saber quando seus

filhos estão aprendendo. O aprendizado de

Minnie ainda era expressado por comporta-

mento motor. Isso, juntamente com a indife-

rença de Minnie, fazia a Sra. Lee sentir-se inútil.

Sentindo-se inútil como mãe, cria um tipo de

desespero irritado, que pode tornar uma mãe

ainda menos eficiente. A Sra. Lee se continha,

ou reagia apenas experimentalmente, porque

ela tinha medo de expressar sua brabeza em

relação a Minnie. Elas não tinham um relacio-

namento fácil.

Aprendizado

Curiosidade

Por que as estrelas ficam lá no céu? A excitação em

aprender sobre seu mundo é evidente nas per-

guntas de uma criança de três anos sobre tudo.

Sua curiosidade nunca parece satisfeita. “Por

quê?” é um tema repetidamente recorrente,

todo o dia e até mesmo noite adentro.

Um problema para os pais nesta idade pode

ser dar respostas que tenham significado para

uma criança de três anos. Tentar explicar por

que um carro anda pode ser uma tarefa impor-

tante. Lembram da causalidade de uma criança

de dois anos? “Se você der corda em um brin-

quedo, ele vai andar. Se você não der, ele não

vai andar.” Se traduzido para a pergunta “Por

que o carro anda?”, a resposta seria simples:

“Porque você gira a chave.” Mas o padrasto de

Billy agora acrescenta: “Você ouve o barulho

do motor? Ele liga quando eu giro a chave. A

chave liga o motor. O motor é o que impulsiona

o carro a andar. Ouve isso? Quando eu desligo,

ele pára.” A expressão de Billy é de espanto.

“Ohhh.” O padrasto observa a reação de Billy.

Ele parece reconhecer o poder da chave, da mão

que a girou, do motor invisível e do adulto que

sabe tudo isso. Billy olha para o rosto de seu

padrasto como se fosse fazer a próxima pergun-

ta: “Mas por que ele anda se você gira a chave?”

Como Billy poderia entender aquilo? Em vez

disso, ele fala abruptamente: “Eu quero fazer

isso.” Após algumas tentativas de girar a chave,

ele salta do colo do padrasto para correr para

seu carro de brinquedo. Ele salta para o assento

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32 Brazelton & Sparrow

e faz o carro andar com seus pés. Como se não

bastasse, e não bastava, ele sobe em seu triciclo

e tenta pedalá-lo para “fazê-lo andar”. A asso-

ciação entre o “porquê” original e fazer o triciclo

andar pode ter passado desapercebida para o

adulto que observa. Não para ele. Em vez de

ficar intrigado pelo que ele não pode entender,

Billy transformou essa simples comunicação

em uma ação que ele mesmo pode realizar.

Billy tem que absorver a relação causal entre

o girar da chave e o movimento do carro. A

ânsia de Billy em entender esses passos e as

vistosas explicações de seu padrasto dirigiram-

no para o triciclo, sobre o qual ele tem controle.

Ele está se esforçando para fazer a associação à

sua própria maneira. Billy sabe que pode apren-

der fazendo. Ele não exige mais de seu padrasto,

porque ele sente os limites de seus poderes ex-

planatórios; e o Sr. Stone se sente aliviado por

ficar livre de uma situação difícil.

Um outro tipo de aprendizado é experimen-

tar alguma coisa: “Deixe-me fazer isso sozi-

nho!” Com isso vem o apelo irresistível: “Me

ajude! Me mostre!” Billy e sua mãe estavam

no estacionamento de um imenso centro co-

mercial perto de sua casa. Billy estava exausto,

e a Sra. Stone estava correndo para levá-lo para

casa antes que ele se desgastasse. Enquanto ela

o arrastava para dentro do elevador, ele tropeça-

va e ficava para trás. Ela pegou-o no colo. “Va-

mos, Billy. Estamos indo para casa.” Ele chora-

mingava. A Sra. Stone apertou o botão sem pen-

sar; a criança de três anos ao seu lado desfez-

se em um acesso de gritos. “Eu queria fazer!”

Billy berrou. Sua mãe também estava cansada.

“Na próxima vez.” Billy continuou gritando. Ela

reconheceu sua “oportunidade perdida”. Eles

subiram até parar. Ela então deixou Billy pres-

sionar o botão para voltar para baixo; ele estava

de novo no controle e alegremente pressiona-

va e pressionava e pressionava.

Tendo se tornado consciente de que o botão

“fazia andar”, o passo seguinte de Billy é ver

que se “eu empurro o botão, eu faço ele andar”.

Uma sensação de poder! Uma criança de três

anos exige aquele poder e tem dificuldade em

abandoná-lo. Tendo se perguntado “por que o

elevador anda?”, ele encontra sua resposta: “Eu

consegui!” “Eu fiz ele andar!”

A intensa tendência ao domínio que a crian-

ça de três anos revela é um momento crítico

em seu desenvolvimento e apresenta novas

complexidades para seus pais. Juntamente com

seu novo esforço para entender “por que” e “o

que faz as coisas andarem”, está uma nova ca-

pacidade de testar essas perguntas. Com isso

vem a frustração e o desgaste quando ela se

depara com o que não pode entender ou com o

que não lhe será permitido fazer para entender

e exercer seu domínio.

O próximo dilema da Sra. Stone era por

quanto tempo ela deveria deixar Billy operar o

elevador. Uma outra família entrou. A menini-

nha tentou empurrar Billy, e um outro acesso

estava para começar. A mãe da menininha ten-

tou contê-la. Billy triunfou. Mas a mãe de Billy

sentiu a importância de limitar suas ações. Ela

o puxou para perto de si. “Billy, você teve sua

vez. Agora é a vez desta menininha.” “Eu quero

fazer! Eu quero fazer!” A outra família estava

intimidada por suas exigências exaltadas. A

Sra. Stone agarrou-o com força. “Sinto muito,

Billy. É a vez dela.”

Para os pais, há um novo equilíbrio a ser

considerado. Quando é hora de apoiar a explo-

ração? Como um pai pode dizer quando a explo-

ração foi longe demais e deve ser interrompida?

Um pai pode deixar-se levar pela tranqüilidade

que vem com a limitação da exploração, mas

um outro – por medo de impedir a curiosidade

importante para o aprendizado – pode tolerar

risco ou dano suficientemente violento para

amedrontar a criança. Ambos os pais podem

temer a perda de uma certa intimidade.

Deve-se permitir que a criança experimente

tudo? Toda pergunta deveria ser respondida?

Um pai gostaria de encorajar uma busca por

conhecimento, mas sem sobrecarregar uma

criança com respostas complicadas. A coisa

mais importante a ser lembrada é que a criança

desejará ter a sensação de domínio por si pró-

pria. Seu mundo ainda faz sentido apenas

quando diz respeito a ela. A fim de entender,

ela pode ter que agir, usar seu corpo, ver seu

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 33

corpo fazer as coisas acontecerem e também

ouvir suas perguntas respondidas. Nem limitar

a exploração, nem soltar as rédeas é certo todo

o tempo. Os pais terão que encontrar um equilí-

brio que eles possam tolerar e que se ajuste ao

estilo de aprendizado de seu filho.

Um dia, Marcy perguntou a seu pai: “Como

essas pessoas entram dentro da TV? Elas são

pessoas de verdade?” O Sr. Jackson mal sabia

como responder-lhe. “Que boa pergunta! Ligue

o aparelho e você tem uma imagem daquelas

pessoas. Quando você desliga, elas vão embora.

Elas estão apenas representando para nós, em

algum lugar longe daqui, e a TV mostra suas

atuações como uma imagem. Elas são pessoas

de verdade, mas elas não estão dentro da TV.”

Marcy ligou e desligou a televisão. “Aonde elas

foram?” Pai: “Elas ainda estão aí. Você está ven-

do a imagem delas. Quando você desliga, a ima-

gem delas sai de suas vistas. Mas elas ainda

estão lá em algum lugar. Elas ainda estão atuan-

do. Mas nós não as vemos.” Como alguém po-

deria entender isso? A resposta atrapalhada do

Sr. Jackson não pareceu adequada para ele.

Nem para Marcy, mas ele queria encorajá-la a

fazer essas perguntas. O que ele deveria fazer?

Seu objetivo era não tentar ajudá-la a entender

completamente, mas encorajar sua imaginação

inquisitiva. Muitas partes de nossas vidas são

complexas e difíceis de entender em qualquer

idade. Se o pai de Marcy une-se a ela com sua

própria admiração, provavelmente ela não de-

sistirá de sua curiosidade. Ligar e desligar a TV

ajudou-a a dominar a pergunta. As respostas

eram apenas uma provocação.

(Quando criança, eu me perguntava, na

época antes da televisão, onde estavam as pes-

soas no rádio da família. Meu irmão menor e

eu desmontamos todo ele para descobrir. Quan-

do minha mãe chegou em casa e encontrou o

precioso rádio em pedaços no chão, nós acanha-

damente explicamos: “Estávamos procurando

o locutor.” Eu me lembro da dificuldade que

ela teve para esconder seu sorriso.)

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34 Brazelton & Sparrow

Tim estava sentado na varanda com seu pai.

Uma lagarta caiu da árvore sobre a mesa onde

eles estavam sentados. Ele e seu pai assistiam,

enquanto a lagarta se arrastava em cima da me-

sa. “Olhe aonde ele vai”, Tim sussurrou excita-

damente. O Sr. McCormick podia ver isso na

observação concentrada de Tim e disse timida-

mente: “Tim, como você sabe que esta lagarta

é um menino?” Tim respondeu rapidamente:

“Oh, ela é um menino.” “Como você pode di-

zer?” “Seu cabelo é espetado para cima – exata-

mente como o meu.”

Diferenças de gênero

As crianças de três anos entendem as coisas

em termos concretos que se baseiam em suas

percepções; uma característica visível é sufi-

ciente para colocar alguma coisa em uma cate-

goria. Diferenças genitais estão fora da visão a

maior parte do tempo, portanto, elas não são

predominantes nas mentes de crianças de três

anos. Se fosse pressionado a nomear as diferen-

ças entre um menino e uma menina, Tim se

referiria aos atributos que ele mais vê: cabelo

comprido; meninas usam vestidos, meninos

não; meninas brincam com bonecas, meninos

não. Características simples distinguem dife-

renças importantes.

Uma percepção importante para uma crian-

ça de três anos é que todo mundo é um menino

ou uma menina, e eles são diferentes. “Como

você sabe se é uma menina?” “Porque ela não

é um menino.” “Mas como você sabe?” “Eu

apenas olho.” “A mamãe é uma menina?” “Não,

ela é uma mamãe!” “Bem, quem é menina?”

“Susie.” “O papai é um menino?” “Não, bobo.

Ele é um papai.” “Quem é menino?” “Eu.”

Uma criança de três anos sabe que meninos

e meninas não são iguais e nunca serão, embora

um menino possa dizer acanhadamente: “Quan-

do eu crescer, eu quero ser uma menina.” Ele

sabe e também sabe que sabemos.

Quem apresenta as diferenças mais óbvias,

mais significativas? Mamãe e papai. Não é de

admirar que uma das primeiras tarefas na busca

de uma criança de três anos por si mesma e seu

gênero seja aprender sobre mamãe e papai e re-

conhecer seus diferentes significados para ela.

As diferenças estavam lá desde o início. Pais

e mães têm ritmos diferentes. Já aos dois meses

de idade, os bebês aprendem as diferenças na

comunicação e nas brincadeiras de seus pais.

Desde a mais tenra idade, os bebês reagem com

surpresa e prazer a uma mudança em suas ex-

pectativas do ritmo com o qual aprenderam a

interagir. Eles podem diferenciar mãe e pai por

meio dos padrões de ritmo de suas interações.

Quando o bebê tem entre seis a oito meses,

a mãe agirá de uma certa maneira quando

brinca com ele. Se ele estiver acomodado em

sua cadeirinha de bebê, ela se sentará calma-

mente na frente dele, se inclinará sobre ele para

envolvê-lo tranqüilamente com sua voz, seu

rosto, suas mãos. Ela dirá: “Olá! Você pode dizer

olá para mim?” “Gugu.” “Isso. Agora outro.”

“Gugu.” “Mais um.” O bebê olha para ela com

olhar suave. Os braços, as pernas, o rosto se

animam e se estendem, para recolher-se em rit-

mos tranqüilos e leves. Esses ritmos calmantes

se tornam o que o bebê espera de sua mãe.

Não com os pais. Um pai excita naturalmen-

te. Quando os pais se sentam na frente de um

bebê, eles recostam-se como se estivessem in-

teiramente confortáveis. Então, como se para

alertar o bebê muito quieto, eles começam a

cutucá-los. Eles cutucam dos pés até o topo da

cabeça. O bebê de dois meses se sobressalta,

então se ativa parecendo ansioso e surpreso.

Seu rosto se ilumina, os ombros para cima, os

dedos das mãos e dos pés apontados na direção

do pai. O pai começa a cutucar novamente –

do pé à cabeça. Ele cutuca três vezes. O bebê

solta gritinhos de prazer a cada vez. Todo seu

corpo mostra as diferentes expectativas que

foram estabelecidas por essa diferença previsí-

vel nas rotinas da brincadeira. Por volta das oito

semanas, o bebê assumirá uma aparência de

antecipação, aumentada quando ouve a voz ou

vê o rosto de seu pai. Daí em diante, seu pai o

saúda com brincadeiras vigorosas.

Violações de ritmos, violações de expectati-

vas que foram criadas no brinquedo rítmico

desde a infância se tornam uma fonte garantida

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 35

para humor. Mesmo com bebês, primeiro esta-

belecemos um ritmo quando brincamos de es-

conde-esconde. O ritmo molda a expectativa.

Então, quando violamos a expectativa quebran-

do o ritmo, o bebê ri. Esses jogos se tornam

ainda mais prováveis ao final do primeiro ano.

As violações se tornam oportunidades para

o bebê aprender sobre expectativas. Elas evo-

cam o comportamento do bebê para restabele-

cer o que ele esperava. O humor vem de um

conhecimento compartilhado: o bebê sabe que

sabemos que ele sabe que o que ele esperava

acontecer mudou. Os pais usam isso repetida-

mente, porque sempre resulta em uma reação.

Qualquer bebê conhece isso como uma diferen-

ça entre pais e mães. Os pais tendem a transmi-

tir humor naturalmente. No começo, eles ofere-

cem à criança uma “violação” do que ela espera.

As mães são para fazer carinho, para alimentar

e para outros negócios sérios. Os pais são para

brincar – mesmo quando o bebê tem apenas

dois meses!

O Sr. Lee adorava brincar com Minnie. Quando

ela era bebê, ele descobriu que ela respondia

quando era surpreendida. Eles passavam do es-

conde-esconde para jogos de canções, nos quais

eles irrompiam com uma exclamação para sur-

preender o outro, a jogos de embalo à noite

antes de dormir. Ele embalava, embalava, em-

balava, até que Minnie parecia serenar. Então,

ele parava de provocá-la. Ela ficava tão excita-

da que não dormia. Sua mãe tinha que dar um

fim a esse jogo.

Tão logo começou andar, Minnie subia no

colo de seu pai quando ele estava sentado.

“Vavá! Vavá!” Ele sabia que era “Fui a cavalo

para Boston; Fui a cavalo para Lynn; Fui a

cavalo para Boston; Opa! Caí!” No “Opa”, ele

lançava Minnie no ar com seu pé e a apanhava

enquanto ela caía. Ela adorava esses jogos. E

ele também.

Expectativas são aprendidas e são importan-

tes de aprender em qualquer idade; elas são

feitas para serem quebradas e para serem expe-

rimentadas. Dessa forma, uma criança aprende

a importância das regras de vida. O humor cer-

tamente ajuda. Uma criança acostuma-se a ro-

tinas diárias; elas são reconfortantes e, quando

são quebradas, podem até ser divertidas. Pais

como o Sr. Lee têm um papel especial nesse

aprendizado.

Ele descobriu que a gangorra era feita para

esse tipo de aprendizado. Ele estabelecia a ex-

pectativa com subidas e descidas regulares. En-

tão, ele quebrava o ritmo, parando a gangorra

no meio, ou batendo com ela no chão. Os gestos

e paroxismos de risadas de Minnie faziam o Sr.

Lee sentir-se como um rei.

É fácil reconhecer como cada criança já come-

çou a absorver de forma diferente as diferenças

de gênero. Aos dois anos, um menininho anda

como seu pai, os braços balançando. Uma meni-

na não apenas caminha como sua mãe – obser-

vando a mãe e a irmã se afastando dela – mas

inclina a cabeça suavemente, quando quer ser

atraente. Seus gestos (especialmente sob pres-

são) imitam facilmente os membros femininos

de sua família, incluindo irmãs mais velhas.

Sempre fiquei maravilhado de ver a rapidez

com que uma criança pequena repete o compor-

tamento de uma mais velha. Enquanto uma

criança de dois ou três anos domina uma tarefa

em passos quando um adulto a apresenta, ela

absorve a tarefa inteira quando uma criança

de quatro ou cinco anos a realiza. O que, então,

influencia uma menina de três anos como

Marcy a aprender uma forma “feminina” de

atuação, quando seu irmão mais velho é um

modelo tão poderoso para ela? Seu senso de si

mesma como mulher já deve ser um determi-

nante poderoso. Por exemplo, quando ela imita

a mamãe, o papai pode tornar-se mais acessível

e curioso. Se ela começa a caminhar como seu

irmão, ninguém na verdade aprova. Isso não é

expressado abertamente em muitas famílias,

mas sutilmente. As diferenças sutis, mas defini-

das nas expectativas desde o nascimento, tam-

bém podem ser uma resposta de um dos pais a

diferenças sutis, mas reais, no comportamento

do bebê recém-nascido.

Aos três anos de idade, diferenças sutis no

comportamento já são tratadas diferentemente

pelos pais. Quando Marcy se portava como sua

mãe, ou imitava a sua linguagem, ambos os pais

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36 Brazelton & Sparrow

tinham uma resposta recompensadora. “Marcy,

você parece exatamente sua mãe.” A observa-

ção de seu pai poderia vir com um tapinha cari-

nhoso, um tom de voz de aceitação. Marcy reco-

nhecia um tipo de comunicação com ele que

seria difícil para ela evocar de qualquer outra

maneira.

Na pracinha, Marcy reuniu-se alegremente

às outras crianças de sua idade, e elas monta-

ram uma casinha de brinquedo. Elas usaram

utensílios da caixa de areia e imaginaram uma

casa e um forno de faz-de-conta. Cada criança

tinha sua própria receita. Marcy dizia: “Aqui

está seu chá, querida. Beba.” Muito disso era

em imitação a sua mãe. A Sra. Jackson tinha

que rir enquanto observava e escutava sentada

no banco. Os gestos de Marcy eram precisos.

Quando Marcy arrumava o cabelo com uma

mão, a Sra. Jackson se reconhecia naquele gesto.

Quando o Sr. Jackson chegou na cena, o

comportamento de Marcy mudou. Seus movi-

mentos, que tinham tido uma qualidade suave,

fluida, se tornaram mais vigorosos, mais mus-

culares. Ela correu para o escorregador grande.

“Olhe, Papai. Este é assustador. Eu consigo su-

bir.” Ela subiu desajeitadamente a escada até

em cima. O Sr. Jackson correu para pegá-la no

caso de ela cair. Ela olhou para ele lá de cima

com um sorriso forçado. “Eu não tenho medo.

Está vendo?” Ela se inclinou sobre o último

degrau, ficando sobre o estômago enquanto

descia o escorregador. Essa foi sua primeira

tentativa nessa nova técnica, e ela não tinha

consciência da possibilidade de cair de rosto no

chão ao final da descida. O Sr. Jackson correu

para pegá-la quando ela chegasse ao chão.

Quando ele a pegou, ela olhou para ele agrade-

cida. Em uma tentativa de ser triunfante, ela

disse: “Eu não estava com medo.” Mas seu pai

estava.

O movimento corajoso de Marcy atraiu uma

outra menininha. Minnie lançou-se para o es-

corregador para imitar o triunfo de Marcy. A

Sra. Lee saltou de seu banco para proteger sua

filha propensa a acidentes. Minnie escalou o

escorregador, sentou-se e deslizou. Agora, cabia

a Marcy imitá-la. O Sr. Jackson desejou ter po-

dido levá-la dali. Não conseguiu! Marcy come-

çou a subir, escorregando uma vez. O coração

do Sr. Jackson parou. Ela conseguiu, sentou-

se e deslizou. “Agora Marcy, você já conseguiu.

Vamos fazer outra coisa.” Marcy deu a Minnie

um último olhar, mas acompanhou seu pai até

o outro lado da pracinha. Seu andar era um

pouco como o dele. Seus gestos até se tornaram

um pouco mais como os dele. Ela olhava-o de

baixo com adoração. Ela tinha usado palavras

para convencer-se de que não tinha medo. Seu

pai quase acreditara nela, e ela também.

Linguagem e fala

Aprender a linguagem é uma nova aventura

excitante para uma criança de três anos. Ela

tenta evocar reações com sua fala. Ela está des-

cobrindo que a fala influencia os outros. A lin-

guagem também está moldando seu entendi-

mento do mundo à sua volta e ajudando-a a

moldar seus próprios pensamentos. As palavras

dão a uma criança um novo poder sobre si mes-

ma e o mundo, simplesmente porque ela está

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 37

tendo consciência de quão poderoso o mundo

à sua volta pode ser.

Mais adiante, ainda em seu terceiro ano, um

novo desenvolvimento em Minnie pegou a Sra.

Lee de surpresa. Ela não tinha imaginado que,

em algum ponto, o ritmo de Minnie diminuiria

quando seu interesse pela linguagem se desen-

volvesse. Agora, algumas palavras de sua mãe

prendiam a atenção de Minnie. Ela freqüente-

mente respondia a sugestões como “Você conse-

gue andar no escorregador grande?”. Isso resul-

tava em uma demonstração da parte dela, para

espanto de sua mãe. Mas, se a fila no escorre-

gador fosse muito longa, ou se houvesse qual-

quer outra distração, Minnie mudava de direção

como se a mãe nunca tivesse feito a pergunta.

Se o pedido envolvesse alguma coisa menos

atraente, Minnie poderia nem perceber que

haviam falado com ela. Quando a Sra. Lee viu

que Minnie era capaz de captar e responder a

orientações verbais, ela ficou confusa pelo fato

de que às vezes ela o fazia e às vezes não. Ela

não podia deixar de interpretar as ocasiões em

que Minnie não a escutava como uma rejeição.

Ela ainda não entendia que a capacidade de

Minnie seguir orientações dependia do que es-

tava acontecendo a mais em torno dela e de

seus próprios impulsos interiores.

Quando Minnie estava preparando-se para

sair correndo, a Sra. Lee tentou várias táticas:

“Vamos brincar com sua bola.” “Pegue sua bo-

neca e a segure no colo.” Ou ela dizia alguma

coisa espantosa para prender o interesse de Mi-

nnie: “Olhe aquele menininho correndo! Apos-

to que você pode correr mais rápido do que ele!”

Minnie começou a imitá-la. “Meninos cor-

rendo.” “Isso, Minnie. O menino está corren-

do.” Minnie desacelerou o suficiente para falar

sobre o menino que estava indo tão rápido.

Então ela saiu ao encalço dele. Minnie ainda

era mais ação que conversa.

Mas a mãe de Minnie estava começando a

usar a nova abertura de Minnie à linguagem,

para moldar seu comportamento. Se ela tives-

se corrigido diretamente a fala de Minnie, ela

teria se afastado e parado de escutar. Mas repe-

tir sua frase e, ao mesmo tempo, incorporar

uma correção sutil mostra que Minnie tinha

sido ouvida e que suas palavras são importan-

tes: transmite uma mensagem de respeito.

Minnie começava a escutar mais a si mesma.

A fala, e o uso de palavras com autoridade, é

crucial para a criança de três anos. Sem pensar,

os pais as ajudam a sentir-se ainda mais compe-

tentes ampliando o vocabulário de seus filhos.

Após uma criança de três anos ter deixado es-

capar um substantivo e um verbo, ela será capaz

de completar a frase. A criança de três anos está

ansiosa para assimilar as novas palavras que

significam que ela foi entendida. Na verdade,

é assim que as crianças aprendem a formar fra-

ses e a aumentar seus vocabulários. A exposição

à linguagem é necessária para aprendê-la.

Igualmente importante são as emoções que

vêm com a comunicação. A satisfação interior

de ser entendida e o reforço externo do poder

das palavras impulsionam o aprendizado da lin-

guagem para a frente. Uma criança de três anos

fica encantada com ambos. Ambos são apoia-

dos pela impressionante capacidade das crian-

ças dessa idade de absorver nova linguagem,

uma capacidade que ultrapassa em muito a de

seus pais!

Crianças dessa idade quase sempre assimi-

lam as palavras ativas essenciais da frase de

um adulto. “Tire suas calças” pode mudar para

“tira calça”. “Coloque seus sapatos”, para “colo-

ca sapatos”. Ou uma ordem: “Cinto de seguran-

ça, vovô.” Juntamente com as muitas palavras

novas que uma criança aprende no terceiro ano,

aprende novas formas de juntá-las em frases.

Seus ritmos e inflexões de fala também imita-

rão aqueles dos adultos à sua volta. “Eu não

QUERO aquilo” ou “Não me EMPURRE”. Essa

grande etapa de produções monotônicas de

uma criança de dois anos poderia facilmente

passar despercebido. É um outro sinal da forte

necessidade da criança de comunicar-se. O sen-

timento de controlar o mundo através da lin-

guagem é excitante para uma criança. Mas,

quando ela pode falar e pode imitar a fala e os

gestos de outros à sua volta, torna-se parte do

mundo deles.

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38 Brazelton & Sparrow

A rápida arrancada na linguagem a partir

do segundo ano é um outro momento impor-

tante para a criança de três anos. Aprender

como atrair e seduzir as pessoas é uma motiva-

ção e tanto. A descoberta de que a fala pode

fazer as coisas acontecerem é significativa. Ela

sabe agora o quanto as palavras podem ser

poderosas não apenas para expressar-se, mas

também para controlar o que acontece em volta

dela. Entretanto, a frustração com sua capaci-

dade ainda limitada de usar o poder da lingua-

gem pode levar à gagueira, à tartamudez e

mesmo a acessos de raiva. Ela sabe o que quer

dizer, o que torna não ser capaz de dizer ainda

mais difícil de suportar. Quando ela se desespe-

ra, é sua consciência de ser incapaz de realizar

esse poder que a deixa tão devastada. É nesses

momentos que os pais podem achar que devem

proteger seu filho da frustração completando

as frases para ele ou realizando seus desejos

antes que ele os tenha expressado. Esse é o mo-

mento de os pais recuarem e confiarem na frus-

tração para motivar a criança a dominar esse

passo por si mesma.

Billy queria tanto comunicar-se e agradar

os adultos à sua volta que ele freqüentemente

gaguejava. Ele dizia: “E-e-e-e eu não posso.”

Às vezes, ele ficava tão frustrado que se lançava

ao chão, gritando: “Eu não posso dizer isto.”

Ele era determinado, mas suas idéias atropela-

vam sua capacidade. Seu rosto se contorcia,

suas mãos se agitavam. Ele parecia ansioso e

infeliz. A Sra. Stone tentou ajudá-lo. “Calma,

Billy, você consegue.” Ele protestava com os

olhos. Ela procurava o que ele poderia querer.

Ele sentia o desespero dela bem como o seu

próprio. Mas quando finalmente ele relaxava,

suas palavras transbordavam.

Muitas crianças de três anos passam por

uma fase de gagueira ou disfluência (dificulda-

de em começar a falar). É o desejo de falar

adiante de sua capacidade. Se ninguém ficar

muito envolvido nisso, ou colocar mais pres-

são sobre uma área já oprimida, a gagueira e a

disfluência provavelmente desaparecem em

alguns meses.

A gagueira de Billy pareceu desaparecer

quando ele adquiriu mais fluência em sua fala.

Foi como se suas palavras tivessem emparelha-

do com as novas idéias e perguntas girando em

sua cabeça. Ele dançava enquanto falava; usava

suas mãos, seu rosto, todo seu corpo. Quando

enfatizava um substantivo em sua fala, seus

ombros se levantavam, suas mãos quase repre-

sentando a palavra. A Sra. Stone estava maravi-

lhada pelo súbito aumento de vocabulário de

seu filho e pelos novos conceitos que ele podia

representar. “A vaca pulou sobre a lua” – Billy

saltava e apontava para o céu. “Onde Billy

aprendeu isso? Ele estava adquirindo esses con-

ceitos teatrais na escola maternal?” Todo pai

de uma criança de três anos experimenta es-

panto e admiração pela absorção do filho de

todas as coisas novas como uma “esponja”.

Quando a criança de três anos absorve alguma

coisa que eles ofereceram, os pais sabem que

são importantes.

Billy aprendeu como seduzir todo mundo.

“Oi. Eu sou Billy.” Quando isso não funcionou

por si só, ele aprendeu a levantar a mão para

atrair os adultos. Aprendeu a usar palavras em

suas brincadeiras para atrair seus pares. A lin-

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 39

guagem corporal oferecia um outro conjunto

de significados para ampliar o efeito de suas

palavras. Ele pedia um brinquedo de uma outra

criança. “Eu posso?” Nenhuma resposta. “Eu

quero ele.” Nenhuma resposta. “É meu. Eu

peguei.” Nenhuma resposta. Billy apertava os

punhos, inclinava-se para a frente e ficava en-

carando o outro. Quando a outra criança se

desmanchava em lágrimas, Billy poderia até

dizer “Desculpe” e afagar a criança em prantos

para consolá-la. Mas ele ia embora com o brin-

quedo.

Como mãe experiente, a Sra. Stone contri-

buiu pelo menos com três coisas: (1) ela ajus-

tava conceitos excitantes à sua própria maneira;

(2) ela oferecia a Billy bases para lembrar e ex-

pressar idéias lendo para ele (a vaca e a lua);

(3) ela evocava a fala através de suas perguntas

e acrescentava sua própria excitação vital a tudo

o que eles liam ou conversavam.

Para Tim, linguagem e fala eram tanto excitan-

tes quanto apavorantes. Tim era calado em si-

tuações sociais. Ele se protegia em um ambiente

ruidoso e ficava quieto quando estava em um

grupo. Mas, quando estava em casa, sua fala

era bem desenvolvida. Tim podia expressar-se

em frases com verbos e um substantivo adequa-

damente colocados. Também podia usar pala-

vras e conceitos sofisticados: “Mamãe, eu ob-

servei a lua. O que faz ela brilhar?”

Quando já estava falando há vários meses,

ele começou a gaguejar. “E-e-e-eu tenho que i-

i-i-ir ao banheiro.” Seus pais ficaram surpresos.

“Tim, calma. Você não precisa se apressar tanto.

Então você não vai gaguejar assim.” “E-e-e-eu

não posso evitar.” “Tudo bem. Mas, se você for

mais devagar, ficará mais fácil.” Era quase como

se Tim precisasse demonstrar seu problema, e

tagarelava em cada oportunidade. Ele era até

um pouco mais expansivo. Mas com cada ex-

pressão vinha a gagueira.

A Sra. McCormick ficou impaciente. “Tim,

apenas tente. Não continue gaguejando.”

Quanto mais ela se preocupava e deixava Tim

ver sua preocupação, mais ele gaguejava. Ele

começou a contorcer o rosto, a empertigar os

ombros, a ficar tenso antes de falar. Esses gestos

aumentaram a preocupação da Sra. McCormick.

A gagueira era um lembrete constante das

desconcertantes diferenças de Tim, que ela

achava difícil encarar. Ela consultou o médico

do menino, que tentou tranqüilizá-la. Mas isso

não funcionou. Ela não podia suportar. A luta

de Tim continuou. Finalmente, o Sr. McCor-

mick tentou aliviar a situação. “Não aumente

a coisa. Ele já está preocupado. Eu acho que

sua ansiedade está contribuindo para isso.”

“Mas o que acontece se ele continuar gaguejan-

do? Como você sabe que eu não o ajudo, tentan-

do fazê-lo se acalmar?” “Porque ele simples-

mente parece ficar pior e mais contorcido quan-

do você tenta.” O Sr. McCormick estava certo;

a pressão não ajuda a resolver o problema de

gagueira da criança. É mais sensato ser paciente

e esperar (antes de procurar ajuda de um espe-

cialista de fala) para ver se isso se resolve espon-

taneamente. A gagueira freqüentemente desa-

parece quando a capacidade motora oral da

criança emparelha com sua capacidade mental.

“Que tagarela!” Marcy agora fala sem parar.

Sua conversa constante mostra o quanto ela

está motivada a aprender a comunicar-se com

sucesso. Ela está quase desesperada para ali-

nhar suas novas capacidades de linguagem com

as novas coisas que ela pode fazer, ou quase

faz, ou desejaria poder fazer. Cada frase repre-

senta um enorme impulso para aprender sobre

seu mundo e como influenciá-lo. Às vezes dizer

alguma coisa compensa não estar pronto para

fazê-la ainda.

“Não me diga pra sentar no vaso”, diz Marcy

para que sua mãe pare de pressioná-la a ir ao

banheiro. Sua mãe terá agora que pensar duas

vezes antes de pedir para Marcy ir ao banheiro.

Marcy aprende o quanto sua fala pode ser pode-

rosa para influenciar os outros. Mas ela pode

descobrir que, quando fala, ela terá que agir de

acordo com o que disse. Ela pode deixar escapar

algo como “Eu não preciso ir ao banheiro agora”,

em resposta à pressão de sua mãe. Mas assim

que disse isso, ela ficou confusa. Ela não pode

ir ao banheiro nesse momento ou ficará desmo-

ralizada. A fala se torna uma forma poderosa

de criar expectativas e responsabilidades para

si mesma.

Page 21: 134495614 Cap 01 3 a 6 Anos Momentos Decisivos Do Desenvolvimento Infantil

40 Brazelton & Sparrow

A Sra. Jackson começou a perceber que

Marcy usava diferentes inflexões com diferen-

tes pessoas. Com uma criança da mesma idade:

“Eu quero isso.” Com sua mãe: “Dá pra mim,

mamãe.” Com seu pai, nunca era uma ordem,

mas um pedido: “Posso pegar, papai?” E, para

surpresa de sua mãe, ela perguntou à sua avó:

“Vovó, eu posso brincar com isso, por favor?”

Marcy estava começando a aprender boas ma-

neiras. A Sra. Jackson percebeu que ela já esta-

va diferenciando pessoas e ajustando o que di-

zia a elas.

Marcy estava aprendendo que as palavras

podiam levar seus pais a uma ação. Ela podia

usar adequadamente sua capacidade de imitar

falas. Marcy se dirigia a seu pai com o mesmo

ritmo, os mesmos tons que sua mãe usava. O

Sr. Jackson respondia como se estivesse falando

com sua esposa. Marcy dizia: “Venha cá, queri-

do.” Ele ia. E ambos caíam na risada.

A criança de três anos pode descobrir outras

maneiras nas quais as palavras são poderosas.

A babá de Marcy relatou que Marcy estava dizen-

do “droga” e “merda” quando seus pais saíam à

noite. Quando ela corrigiu Marcy, a criança dis-

se: “Mamãe e papai não vão me deixar dizê-

las, também.” Ela estava experimentando no-

vas palavras que tinha ouvido de seu irmão

mais velho, testando o poder delas, testando

sua babá. Marcy tinha em seu poder uma nova

maneira de atingir os adultos. A curiosidade

de Marcy sobre essas palavras cujo poder era

evidente, mesmo que seu significado lhe fosse

desconhecido, estava guiando a testagem e o

aprendizado.

Uma criança de três anos também descobre

o poder da palavra escrita, especialmente quan-

do ela foi exposta a livros. Aos três anos, os

livros há muito deixaram de ser para mastigar,

esmigalhar ou arrastar pela casa. Uma criança

de três anos que foi exposta a livros sabe que

eles têm histórias para contar, que as histórias

têm um início e, se elas puderem esperar e escu-

tar, um fim. Ela pode até ter algum senso de

que as marcas pretas na página são chamadas

de letras e que “ler” é quando os pais olham as

letras e sabem o que dizer. A criança de três

anos sabe que não pode ler, mas pode ficar tão

fascinada pelo poder dos misteriosos símbolos

a ponto de contar uma história que finge que

pode ler. Com a repetição, ela pode tentar me-

morizar histórias simples, como se já pudesse

realizar seu desejo de ser capaz de ler. Uma

criança de três anos como esta não precisará

ser estimulada; sua própria motivação – que

pode tão facilmente transformar-se em frus-

tração – deve ser protegida.

Tempo e espaço

A criança de três anos não consegue ler um reló-

gio, mas pode usar palavras para organizar o

tempo. Ela pode experimentar suas idéias sobre

tempo com palavras e ver se elas funcionam

ou fazem os pais parar com suas objeções. As

rotinas do dia de uma criança contribuem para

seu aprendizado sobre tempo. Hora do lanche,

hora da sesta, hora do jantar, hora do banho,

hora de dormir – essas são as horas do relógio

da criança de três anos. Ela está pronta para

esperá-las. Sua natureza dependente previsível

a ajuda a abandonar a atividade em que está

envolvida e passar para a seguinte. Tornando

as horas invariáveis, contudo, salientando que

elas inevitavelmente terminam, os pais podem

diminuir os conflitos que surgem com as horas

regulares indesejadas. “Você sempre tira um co-

chilo depois do almoço.” “Por quê?” “Porque é

hora da sesta.” “Mas eu não estou cansado.”

“Você pode levantar, quando a hora da sesta

terminar.”

Essas respostas não satisfarão uma criança

de três anos; ela precisa saber por que a hora é

importante. “É dia, mas a noite está chegando.”

“É hora do papai chegar em casa.” Um dia,

quando Marcy e seu irmão estavam brincando

fora de casa, ela olhou para o céu. “Quando as

nuvens aparecem, é dia. Você não pode vê-las

à noite. Quando as nuvens aparecem, eu não

tenho que ir para a cama.”

O tempo, assim como outros novos concei-

tos, adquirem significado na medida em que

têm relação com a vida de uma criança. Ela

experimenta o mesmo espaço de tempo de for-

ma diferente em várias circunstâncias. “Em

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 41

quinze minutos, nós iremos ao supermercado”

provavelmente parecerão intermináveis quin-

ze minutos. Mas “em quinze minutos, você terá

que ir para a cama” parece extremamente curto.

Minnie estava deslizando no escorregador,

repetidamente. A Sra. Lee advertiu-a: “Minnie,

daqui a quinze minutos nós temos que ir. Te-

nho que ir para casa fazer o jantar. O papai pode

até já estar lá.” Quando a hora chegou, Minnie

ignorou-a. “Já se passaram os quinze minutos,

chega”, disse a Sra. Lee interrompendo sua pró-

xima subida no escorregador. “Agora!” Minnie

agiu como se estivesse machucada e se atirou

no chão, gritando. A Sra. Lee estava num dile-

ma. Ceder ou fazê-la cumprir as advertências?

Naturalmente, a última alternativa parece mais

apropriada. Não se podia esperar que Minnie

cedesse, mas a Sra. Lee lhe tinha dado bastante

tempo para preparar-se. Agora era hora de ir. A

menina estava aprendendo sobre limites de

tempo. Tempo também significa que um acon-

tecimento termina e um outro começa. A mu-

dança é desafiadora para qualquer criança de

três anos. Embora a preparação ajude a lidar

com transições, elas não serão necessariamente

tranqüilas.

Quando uma criança tem três anos, o tempo

passa por um relógio interno subjetivo, que é

muito mais irresistível do que os relógios nas

paredes, que são misteriosos e indecifráveis.

Quando Minnie e seu pai estavam caminhan-

do no parque, ela gritou excitada: “Veja! Uma

flor!” “Você sabia que hoje é o primeiro dia de

primavera?” Minnie olhou para seu pai intensa-

mente e perguntou: “E amanhã é o primeiro

dia de verão?” O tempo interior – menos de-

marcado pelo mundo à sua volta – expande-se

e contrai-se de acordo com o sentimento do

momento. O tempo exterior ainda é tão longo,

tão curto, tão difícil de entender!

Eventualmente o tempo – tão difícil para

uma criança de três anos medir – dirá quando

se deve esperar separações e quando elas ter-

minarão. Uma separação pode parecer durar

para sempre, mas um sentido de tempo e de

sua importância logo será útil. A mãe de Billy

trabalhava meio expediente, e todo mundo es-

perava que Billy chorasse, quando sua mãe ti-

vesse que deixá-lo na creche. A princípio ele

chorou. Mas, então, ele teve uma idéia que o

ajudou a aceitar isso. Uma manhã, ele pergun-

tou à sua mãe (ele estava tentando não chorar

na frente dela): “Que dia é hoje?” “É terça-feira,

Billy.” “Não, eu quero dizer é dia de trabalho

ou dia de casa?” “Você quer dizer para mim?”

Ele sacudiu a cabeça afirmativamente. “É dia

de trabalho.” “Quando vai ser um dia de casa?”

“Amanhã.” “Oh.” Billy estava aprendendo a

medir o tempo de uma forma que uma criança

de três anos é capaz de fazer, ou seja, de acordo

com quando os eventos importantes em sua

vida ocorrem. Perder sua mãe era um pouco

mais fácil quando ele sabia que podia antecipar

as separações e contar com os reencontros.

O aprendizado sobre espaço surge quando uma

criança tem três anos ou três anos e meio. “A

mamãe saiu. Mas ela está voltando.” A criança

de três anos pode imaginar onde ela foi? “Pa-

pai está no escritório. É em um outro edifício –

muito longe daqui.” “Mamãe foi buscar livros

na biblioteca.” É difícil saber que imagens isso

evoca para uma criança de três anos.

O espaço é organizado em torno do que está

dentro do alcance da criança, ou está muito

alto, do que está dentro de seu ângulo de visão,

ou dobrando a esquina – e ainda é lembrado.

Espaço contém uma implicação de ação de sua

parte. “Onde você dorme?” “Em meu quarto,

bobo.” “Mas onde ele fica?” “Do lado do quarto

da mamãe e do papai.” “Onde ele fica?” “Eu

caminho no corredor e passo a porta deles.

Então, é a minha. Se você vai ao banheiro, tem

que caminhar muito.” Ele visualiza sua porta,

imaginando-se caminhando até ela. Atividade

e espaço estão estreitamente ligados – a criança

precisa movimentar-se para aprender sobre es-

paço; então, ela pode nomear os lugares e as

relações no espaço que veio a conhecer através

dessa atividade.

O uso da linguagem para explorar idéias

também modela o senso de espaço de uma

criança de três anos. Sobre, sob, acima, abaixo,

dentro, fora e especialmente “muito alto” são

palavras que ela passa a entender. “O brinquedo

está embaixo da mesa.” “Você pode colocá-lo

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42 Brazelton & Sparrow

em cima da mesa?” “Claro.” “Quando você faz

isso, o brinquedo muda?” “Agora eu posso vê-

lo.” “Ele é um brinquedo diferente?” “Não, mas

agora eu quero brincar com ele.”

A criança de três anos usa a linguagem para

planejar como usará seu corpo, onde colocará

seu corpo no espaço de modo a chegar no lugar

que decidiu ir. Observe uma criança de três anos

dizer baixinho “Sobe, sobe, sobe”, enquanto es-

cala o escorregador. Nós podemos contar com

os pensamentos e as palavras que vêm com eles,

que guiam nossos movimentos no espaço em

direção ao nosso objetivo. A criança de três anos

ainda não pode.

A exploração ativa do espaço de uma criança

pequena, portanto, ajuda-a a aprender sobre a

permanência do objeto, a causalidade e a plane-

jar seus movimentos corporais. “Se você for

para trás desta parede, eu sei que você ainda

estará aqui do outro lado.” “Se eu fechar esta

porta, não serei mais capaz de ver dentro daque-

la sala.” “Se eu quiser abrir esta porta na minha

direção, é melhor tirar meu corpo do caminho

primeiro.” Tudo o que uma criança aprende por

meio dessas investigações espaciais a levará a

encontrar seu caminho e a descobrir seu lugar

no mundo.

Desenvolvimento moral

Empatia

Com o que se parece o mundo para um meni-

no como Billy? Ele é menos da metade do ta-

manho dos adultos à sua volta. Tem que olhar

para cima para ver as pessoas e lutar para ser

como elas. Precisa começar a abandonar seus

próprios impulsos, a fim de ajustar-se às expec-

tativas delas. Ele pode aprender por imitação

ou por experiência. Suas antenas estão para

fora. Ele também deve aprender sobre o signi-

ficado de suas ações – um grande passo.

Uma vez que Billy acha a maior parte de

seu mundo misterioso, ele deverá ou excluí-lo

(ignorá-lo), ou ser perturbado por sua falta de

entendimento. Ele procura explicar o que pode

por meio de referências a si mesmo, porque ain-

da não pode imaginar o mundo através dos

olhos de uma outra pessoa. Ele conhece seu

próprio ponto de vista – o que vê, ouve, sente,

o que pode fazer – então ele deve confiar nisso.

Suas perguntas intermináveis, “Por quê, ma-

mãe?” “O que é isto, papai?” “Quando é que

podemos sair e fazer alguma coisa?”, parecem

a seus pais mais como preenchedoras de espaço

do que uma busca por respostas. Billy quer ex-

plorar e encontrar as respostas ele mesmo. As

respostas de seus pais são apenas parcialmente

satisfatórias. Sua própria busca é muitíssimo

mais divertida.

O escorregador grande, sua investigação

atual, é “muito alto”. Qualquer escorregador

atrairá a atenção de Billy, mas este, este aqui e

agora, tem um significado extra para ele. “Ele

é muito alto para mim.” O menino está come-

çando a usar o julgamento para avaliar seu

mundo, para decidir o que é útil ou perigoso

para ele. Uma criança atirando areia lembra

Billy de um outro momento, quando uma crian-

ça atirou terra nele com força e fez arder sua

pele. Doeu e, portanto, precisa ser evitado. Ele

pode lembrar e comparar: “Aquele escorregador

é diferente.” “Esta criança está fazendo a mes-

ma coisa.”

A Sra. Stone tinha advertido Billy a sempre

andar nos balanços que tivessem a barra prote-

tora “assim você não vai cair”. Ele sempre con-

siderava sua advertência na pracinha “deles”;

mas um dia quando foram a uma outra praci-

nha, Billy correu para subir em um balanço

normal – sem barra. “Billy, apenas os balanços

com barra!” Ele pareceu surpreso e triste. “Nes-

ta pracinha também?” O menino deve apren-

der agora a generalizar de uma situação para

outra, de uma proibição para outra. Uma crian-

ça de três anos deve conviver com muitas ou-

tras da mesma idade. Mas Billy está aprenden-

do que pode avaliar cada nova experiência em

relação a anteriores e pode julgá-la no que diz

respeito a diferenças, perigo e prazer.

Essa mesma memória para eventos passa-

dos ajuda a criança a aprender o que é certo e o

que é errado. Ela usa reações passadas de seus

pais como guia. Mas pode generalizá-las de

uma experiência para a outra?

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 43

Billy arrancou uma pá de plástico das mãos

de uma outra criança, na frente das mães dos

dois. “Devolva!”, disse a Sra. Stone. “Mas é mi-

nha.” Um desejo se torna realidade. O outro

menino começou a chorar. “Não, não é”, disse

a Sra. Stone. “Eu vi você tirá-la dele.” “Eu tirei

dele, porque eu queria ela. Ela é minha.” A fran-

queza conciliatória de Billy disse à sua mãe que

ele ainda não sabia mentir o suficiente. Deveria

ela castigá-lo e dar margem a mentiras no futu-

ro? Ou deveria deixá-lo sentir seu próprio re-

morso? Billy estava muito excitado em relação

à pá para ser capaz de considerar os sentimen-

tos da outra criança. Ele estaria pronto quando

começasse a importar-se mais com o amigo do

que com a pá.

Enquanto brinca com seus iguais, a criança

de três anos começa a ter a consciência de

querê-los como “amigos”. A empatia com os

outros está começando. Ela agora sabe que pre-

cisa deles. Uma criança de três anos está apenas

começando a querer agradar outras crianças, a

fim de poder mantê-las próximas. Ela sabe que

seus amigos têm sentimentos e que deve respei-

tar esses sentimentos se quiser fazer amizades.

Billy brincava na caixa de areia perto de al-

guns novos amigos. Juntos, eles construíram

um castelo de areia. Billy queria enfeitá-lo com

um copinho vermelho e amarelo que pertencia

a uma criança próxima. Ele observou-a encher

e esvaziar o copinho de areia e esperou até que

a criança estivesse distraída. Cuidadosamente,

deslizou pela caixa de areia e surrupiou-o. Pare-

cendo culpado, escondeu o copinho debaixo de

sua camiseta e se arrastou de volta para o seu

lugar. A criança enganada virou-se para pegar

seu copinho, para enchê-lo novamente. Quan-

do ela percebeu que ele não estava ali, desfez-

se em lágrimas. “Para onde ele foi? Onde está

meu copinho?” Quando olhou em volta na cai-

xa de areia para procurá-lo, Billy escondeu-o

novamente. Vendo seu sofrimento, ele sacou-o

de debaixo da camiseta e estendeu-o para ela.

“Está aqui. Eu encontrei.” A criança olhou para

ele agradecida. Ele devolveu o olhar com um

sorriso e virou-se para sua mãe, que tinha assis-

tido tudo: “É dela, mamãe – não é meu.” A Sra.

Stone relaxou, reconhecendo que o filho estava

desenvolvendo uma consciência.

Billy parecia ter tido consciência da realiza-

ção. Ele dominara um forte impulso. Esse pas-

so em direção ao desenvolvimento moral pode

parecer pequeno a um observador externo; mas,

para um pai, é uma grande realização. As pes-

soas à volta de Billy podem confiar nele. O

menino pode começar a entender que seu mun-

do abrange as necessidades e os sentimentos

dos outros, não apenas os seus. Ele está agora

tendo consciência de que pode afetar os outros.

Billy ainda pensa em seu mundo na maio-

ria das vezes, na medida em que ele o afeta.

Avalia pessoas e coisas, na medida em que elas

têm relação com ele. Quando elas se aproxi-

mam para brincar com ele, ele gosta delas. É o

centro do seu mundo e entende aquele mundo

por intermédio de sua própria experiência, ain-

da não podendo realmente conhecê-lo além de

sua experiência imediata, além do alcance dos

seus sentidos. Mas está cheio de excitação em

relação ao mundo mais amplo e dá os primei-

ros passos para descobri-lo.

Agressão: brigas e mordidas

Uma onda renovada de sentimentos agressivos

aparece no terceiro ano. Em comparação com

os acessos de raiva do segundo ano, essa agres-

sividade é dirigida mais aos outros. Ela pode

ser perturbadora para todos – para os pais e

para a criança. Traz consigo um preço, que está

na angústia que a própria agressividade da

criança provoca nela. Medos e pesadelos, embo-

ra mais elaborados em uma outra idade, são

uma expressão dessa angústia. A agressividade

e os medos que resultam são um momento críti-

co do terceiro ano. Como os pais podem ajudar

o filho a enfrentar seus próprios sentimentos

agressivos com menos medo, em preparação

para a eventual tarefa de aprender a lidar com

eles?

Minnie estava empurrando para o lado uma

outra menininha, para sentar-se na mesa do

lanche de sua creche. Ela a empurrou com for-

ça. A menina caiu e bateu com a cabeça em

um bloco. Isso resultou em um machucado. A

Page 25: 134495614 Cap 01 3 a 6 Anos Momentos Decisivos Do Desenvolvimento Infantil

44 Brazelton & Sparrow

Sra. Thompson tinha visto tudo isso acontecer.

Ela entrou em pânico e correu para confortar a

vítima e aplicar um pano molhado na contu-

são. A menina estava gritando “Eu odeio ela!”

Isso lembrou a Sra. Thompson da responsabi-

lidade de Minnie. Levou a criança ferida para

uma ajudante e pegou Minnie no colo. A me-

nina estava rígida e parecia desviar o olhar. Mas,

quando a Sra. Thompson falou, ela começou a

escutar. “Minnie, eu sei que você sente muito

e talvez a criança que você empurrou saiba dis-

so. Mas você tem que dizer a ela que sente

muito. E apenas quando estiver realmente sen-

tindo isso.” Então, Minnie olhou para a Sra.

Thompson ansiosamente e deixou escapar “Eu

sinto muito”. E ela sentia.

O conforto da Sra. Thompson à agressora

ofereceu-lhe uma chance de arrepender-se em

segurança – em vez de se sentir arrasada com

sua perda de controle. Quando a criança é pres-

sionada, ela deve defender-se – isso evitará res-

sentimento para com a outra criança e para

consigo mesma. A abordagem da Sra.

Thompson permitiu que Minnie enfrentasse

seu próprio medo de perder o controle e arre-

pender-se das conseqüências de seus atos. Ela

pode pedir desculpas e ver que isso ajuda.

Mesmo empurrando a outra criança com

tanta força a ponto de fazê-la cair, a consciência

de Minnie de seu próprio papel era evidente

em seus olhos e seu rosto. Ela arrependeu-se?

Certamente. Mas precisava de tempo para reco-

nhecer. Seu medo de perder o controle empur-

rou-a para uma atividade ainda mais implacá-

vel. Minnie precisava de conforto tanto quanto

a criança que ela tinha atacado. O conforto não

deveria ser uma aceitação do que ela fizera. O

objetivo era tranqüilizar Minnie de que ela não

estava mais fora de controle e dar-lhe esperan-

ça. Muito cuidado deve ser tomado para

encorajá-la – a fim de, naturalmente, não repe-

tir o que tinha feito, mas acreditar que aprende-

rá a controlar-se.

Uma criança que é repetidamente deixada

sozinha nesses momentos corre o risco de sentir

que é realmente má e de agir sob essa influên-

cia. A pergunta de um responsável deve ser: a

criança está pronta para lidar com suas próprias

reações de culpa? Ou ela terá que virar as costas

para essa experiência a fim de proteger-se? A

criança precisa estar consciente de suas ações

e das conseqüências que delas derivam, mas se

for arrasada, não aprenderá. Ao contrário, ela

será forçada a proteger-se contra a dor de sentir-

se culpada e amedrontada, decidindo que é

realmente “má”. É nesse momento que o “mau

comportamento” se instala, para ser repetido

novamente, quando a criança passa a acreditar

que ela é sempre “má”. O objetivo é ajudá-la a

reconhecer seus sentimentos de culpa e seu po-

der de parar. Enquanto isso, precisará de ajuda

para adquirir a esperança de que pode conseguir.

Morder e bater podem ser um comporta-

mento postergado. No primeiro ano, todas as

crianças passam por um período de morder seus

cuidadores. Então, no segundo ano, uma crian-

ça morde um amigo. As mães ficam horroriza-

das. A criança mordida grita. Todos correm para

ela. O mordedor fica surpreso, desolado, talvez

até um pouco fascinado pela resposta e por

como todos estão nervosos. Há pouca chance

de aprender sobre controle nesse tipo de episó-

dio. Reações violentas dos pais apenas contri-

buirão para esse comportamento.

Qualquer comportamento impulsivo como

morder ou bater é assustador para a criança.

Ela não sabe como parar. Ela o repete inúmeras

vezes, como se estivesse tentando descobrir por

que ele produz uma resposta tão poderosa.

Morder, arranhar e bater começam todos como

comportamentos exploratórios normais. Quan-

do os adultos exageram ou desconsideram o

comportamento, a criança repetirá o compor-

tamento, como se quisesse dizer “eu estou fora

de controle. Ajude-me.”

Uma estratégia é ensinar à criança uma técni-

ca à qual possa recorrer quando sentir a neces-

sidade de morder: “Que tal pegar seu brinque-

do favorito, quando você estiver aborrecido?” A

mãe de uma criança “mordedora” de três anos

deu-lhe um osso de cachorro de borracha para

amarrar em volta de seu pescoço. Quando ela

sentia a necessidade, apelava para ele.

Billy tinha acabado de bater em sua irmãzinha,

novamente, e a Sra. Stone estava aborrecida.

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 45

“Você mordeu sua irmãzinha?” “É claro que

mordi. Ela me deixou realmente maluco.” “Por

que você fez isso? Você não sabe que não podia

mordê-la?” “Eu quis.” A mãe de Billy ficou ator-

doada com a ingênua honestidade de Billy. Ela

deveria puni-lo? A punição o faria mentir no

futuro? Naturalmente que ele precisa ser puni-

do pela mãe, mas atormentá-lo agora poderia

apenas enfraquecer seu sentimento de respon-

sabilidade: “A mamãe é tão malvada! É por cul-

pa dela que eu mordo Abby.” Ela deveria deixar

Billy sentir seu próprio remorso? Essa é a fonte

da futura moralidade – mas não aparecerá até

daqui a um ano ou mais. Agora, limites são

necessários. Billy tinha indicado que precisava

deles.

Respostas desvairadas provavelmente não

ajudarão. Os limites devem ser firmes e consis-

tentes. Após um episódio como esse, a resposta

do pai deveria ser definitiva e efetiva para fazer

a criança parar. Uma repreensão é uma forma

de fazer isso. A expressão facial e o tom de voz

do pai devem ser inequívocos – essa é a fonte

de informação para o aprendizado. Ajudar a

criança a encontrar palavras para os sentimen-

tos que ela expressou pode ajudá-la na próxima

vez. Mas abandoná-la nessas ocasiões não é

útil. Antes, ajuda pegá-la no colo e confortá-la.

Lembre-a do quanto foi assutador perder o con-

trole. “Eu sinto muito, e você também sente.”

Diga-lhe que você estabelecerá limites para ela,

até que ela possa percebê-los por si mesma.

Tranqüilize-a de que ela aprenderá a parar por

si mesma. Saliente um exemplo de alguém que

é importante para ela. Use você mesmo como

exemplo. Quando ela lhe vê a ponto de perder

o controle, mas contendo-se, mostre-lhe o que

você está fazendo. As crianças aprendem mais

sobre autocontrole copiando o comportamento

de seus pais.

A controvérsia atual em relação a rigor versus

permissividade não trata do mais importante.

Uma criança precisa de limites e apoio; nenhum

deles sozinho é suficiente para uma criança

crescer. Aos três anos, a criança pode não estar

pronta para assimilar, lembrar e saber quando

esperar os limites. Ela pode precisar de lem-

bretes de uma ocasião para outra. Pouco a pou-

co, a repetição paciente dos pais a ajudarão a

assimilá-los e torná-los parte de si mesma.

Disciplina

Disciplina significa ensinar. Não é a mesma

coisa que punição e não deveria ser confundido

com ela. A disciplina visa a um objetivo impor-

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46 Brazelton & Sparrow

tante – autodisciplina. Fazer a criança parar é

importante, mas não é suficiente: o objetivo é

ensinar a criança a parar por si própria. Estabe-

lecer limites sobre o comportamento, sobre

aprender a controlar os desejos e impulsos é

um trabalho para a vida toda. A criança que

reconhece e pode agir sobre seus próprios limi-

tes já é uma criança segura. Aquela que não

consegue parar por si mesma provavelmente é

ansiosa, exigente, ávida por alguém dizer “Pare!

Já chega!”

No terceiro ano, para disciplinar efetiva-

mente, os pais devem ter calma, mas consisten-

temente interromperem o ciclo de perda de con-

trole da criança. Segurar no colo, embalar e re-

tirá-la da situação excitante pode realizar isso,

assim como ignorá-la ou isolá-la brevemente,

até que ela tenha se acalmado. Então, rapida-

mente pegá-la no colo para tranqüilizá-la: “Eu

sinto muito, tenho que fazer você parar, até que

possa parar sozinha. Toda vez que fizer isso, eu

vou fazê-la parar.” Consistência e uma aborda-

gem calma são difíceis para os pais, mas são

um objetivo importante. A disciplina bem-suce-

dida cria sua própria recompensa. A criança que

foi disciplinada com sucesso olha para seus pais

agradecida, como se dizendo: “É muito bom

alguém saber como me fazer parar!”

Bater na criança, com ou sem raiva, é uma

falta de respeito; transmite a mensagem de que

o pai também está fora de controle. Isso força

a criança a reprimir sua própria raiva, mas por

medo – não há domínio nisso. Isso diz para ela:

“Eu sou maior que você, então eu posso con-

trolá-la (no momento).” O castigo físico trans-

mite a mensagem de que a violência é uma for-

ma de acertar as coisas. Em nossa sociedade

violenta, não é mais permissível transmitir essa

mensagem a nossos filhos.

Alguns dos pais de hoje foram criados em

famílias nas quais os pais eram extremamente

permissivos, tentando não corrigir seus filhos.

Eles achavam que essa era a forma de as crian-

ças assumirem responsabilidades e encontra-

rem o controle por si próprias. Mas crianças de

três anos não conseguem fazer isso. Ao final

do dia, pode-se esperar que uma criança de três

anos nessas famílias esteja escalando as pare-

des. Reunir-se para jantar significa comparti-

lhar a refeição com uma criança selvagem, des-

controlada. Uma criança sem limites vai querer

mandar, chorará, atirará comida até se cansar.

Eu vi esse tipo de criança finalmente deitar-se

no meio da sala, polegar na boca, olhos fixos

no nada. Qualquer tentativa de confortá-la

apenas provoca gritos: “Não! Não! Não!” Pode

ser um pesadelo.

Muito antes que essa situação surja, um pai

firme dirá: “Não! Isso já foi longe demais! Está

na hora de dormir e você está mostrando a to-

dos como precisa de ajuda para ficar relaxado

para dormir.” Uma criança “mimada” é uma

criança desesperada – procurando desesperada-

mente entendimento e estrutura. Essa criança

sabe que não tem a capacidade de autocontrole.

Sua ansiedade surge quando ela não consegue

controlar aqueles à sua volta. O aspecto mais

sério dessa parentagem inefetiva é que a criança

nunca tem a chance de aprender a controlar

sua própria frustração. Ensinar a criança a se

controlar e a desenvolver habilidades para tole-

rar a frustração é o melhor presente que se pode

dar a ela.

Alguns pais sentem que devem reagir contra

suas próprias criações. Talvez eles tenham cres-

cido em famílias com expectativas rigidamente

altas. Muito foi exigido deles, então eles exigem

muito pouco de seus filhos. Nenhum extremo

funciona. Quando um pai diz “Não!”, a criança

freqüentemente precisa descobrir se ele real-

mente quer dizer isso. Uma resposta inconsis-

tente ou fraca provocará uma nova tentativa.

Uma punição severa deixará a criança focaliza-

da no sofrimento e no ressentimento, sem ne-

nhum interesse na lição a ser aprendida e ne-

nhuma motivação para fazer melhor da próxima

vez. O pai está andando em uma corda bamba.

Minnie era sempre insuportável no supermer-

cado. Enquanto ela e sua mãe andavam pelas

diferentes seções, a menina queria pegar tudo.

Até agora, a Sra. Lee não tinha percebido o

quanto teria sido mais fácil mantê-la confinada

no carro de compras, quando era menor. Agora,

ela empurrava coisas para fora das prateleiras

e ignorava os pedidos desesperados de sua mãe

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 47

para não mexer em nada. Uma vez, derrubou

uma caixa de arroz por todo o chão com um

estrondo. Quando a Sra. Lee tentou pará-la,

Minnie fugiu, desaparecendo no final do cor-

redor. Quando o gerente da loja a trouxe de

volta, olhou com reprovação para a Sra. Lee.

Ao terminarem as compras, ela estava exausta,

tomada pela raiva que vinha alimentando con-

tra a filha. No caixa, quando Minnie começou

a provocar e tentar fugir novamente, a Sra. Lee

apelou para as balas. “Minnie, se você ficar

perto de mim, eu lhe compro algumas balas.”

A menina olhou para as balas, para avaliar a

proposta. Então correu novamente. A Sra. Lee

ficou desesperada.

A Sra. Lee sabia que sua disciplina era ambí-

gua. Nem ela nem Minnie a levavam muito a

sério. Por que ela era tão insegura? Ela hesitava,

porque temia que pudesse desencadear sua rai-

va por Minnie, não apenas em relação a hoje,

mas por todas as vezes que a filha a tinha feito

sentir-se rechaçada e ineficiente? Outras consi-

derações tolhiam a mãe de Minnie em sua bus-

ca por disciplina; alguma coisa é desconfortável

em seu relacionamento com a menina.

Mais tarde, naquele dia, Minnie estava jo-

gando bola com seu pai. Como estavam dentro

de casa, usavam uma bola macia de algodão

recheada com lanugem. Em sua excitação,

Minnie lançou a bola tão alto, que passou por

cima da cabeça de seu pai, caindo na sala de

visitas proibida. A bola atingiu a estatueta de

porcelana preferida de sua mãe. A estatueta

caiu, quebrando-se em pedaços. O Sr. Lee fi-

cou desorientado. Minnie parecia trêmula. Ela

correu para se esconder, gritando: “Foi culpa

do papai. Ele fez isso. Eu não quebrei.” O Sr.

Lee ficou imobilizado. Sabia que tinha sido tan-

to culpa sua quanto de Minnie, mas por que

ela não podia encarar seu papel no desastre?

Quando a Sra. Lee entrou correndo na sala e

viu sua adorada estatueta aos pedaços, caiu em

uma cadeira, chorando. O Sr. Lee sentiu-se for-

çado a castigar Minnie. Ela tinha se escondido

na lavanderia e, quando o Sr. Lee a encontrou,

sua raiva tinha aumentado. Ele puxou-a de

detrás da máquina de lavar roupas e começou

a espancá-la.

Então, memórias de sua própria infância

voltaram à sua mente. Ele tinha odiado as sur-

ras que seus pais lhe tinham dado e jurara nun-

ca bater em seus próprios filhos. Minnie enco-

lheu-se quando sentiu sua raiva e sua perda de

controle. O Sr. Lee derreteu-se e pegou a filha

nos braços. “Eu sinto muito, Minnie. Nós fize-

mos isso juntos – e eu estava pronto para pôr

toda a culpa em você. Não é justo, é?” A Sra.

Lee se sentiu ferida. “Você e Minnie estão sem-

pre metidos em problemas. Não posso confiar

em nenhum de vocês! Primeiro você deixa para

mim a tarefa de levar Minnie para fazer as com-

pras no supermercado, quando sabe o quanto

isso é difícil para mim e para ela. Então, você

nem mesmo pode castigar Minnie quando ela

precisa. Simplesmente deixa isso para mim!”

Embora fosse sua culpa mais do que de Minnie

dessa vez, ele sabia que o que a Sra. Lee dizia

era verdade. Ele não podia resolver-se a ser o

disciplinador. Sua própria infância sempre vol-

tava para torná-lo servil.

Entre os recursos mais importantes para os

pais estão as experiências que eles podem ex-

trair de suas próprias infâncias. Um dos desa-

fios mais dolorosos, contudo, é evitar ser con-

duzido, inconscientemente, pelo passado. É di-

fícil ensinar disciplina, quando “fantasmas” da

criação do próprio pai o fazem sentir-se, na-

quele momento, ele próprio uma criança: dese-

jar afastar-se da responsabilidade de ensinar,

ou temer ser incapaz de refrear sua raiva.

A disciplina é, talvez, a tarefa mais difícil

para muitos pais. Ela lhes lembra demais suas

próprias criações. Pais, por exemplo, que sofre-

ram abusos quando crianças, podem ter dificul-

dades em aplicar uma punição que não seja

abusiva. Podem nunca ter aprendido alternati-

vas à violência com seus próprios pais.

“Castigo”, isolamento, conter a criança em

seus braços e confiná-la em seu quarto são to-

das respostas efetivas, imediatas a comporta-

mento fora de controle – da criança e do pai.

Mas essas respostas precisam ser acompanha-

das rapidamente pela tranqüilização da criança

de que ela pode contar consigo mesma para re-

cuperar o controle e enfrentar o que fez. Em

seguida, o pai pode oferecer à criança uma

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48 Brazelton & Sparrow

chance de desculpar-se, de reparar o dano e de

sentir-se perdoada. Eu não acredito que bater

seja a solução. As crianças aprendem pouco

com uma surra, exceto a ficarem magoadas e

furiosas.

Acessos de raiva

Billy queria muito ser como seu padrasto. Um

dia ele mexeu no computador do Sr. Stone para

tentar achar seu jogo favorito. Tinha visto como

seu padrasto acessara o jogo de computador na

noite anterior, então sentiu-se competente para

imitá-lo. Tentou diferentes teclas conforme ele

achava que tinha visto seu padrasto fazer.

Quando sua mãe finalmente o encontrou, Billy

estava agitado. Não estava apenas furioso, mas

estava atacando o computador. Sua mãe ficou

apavorada. O que Billy tinha feito aos precio-

sos documentos de seu padrasto? “Eu quero

fazer! Igual ao papai!” Ela chamou o Sr. Stone,

que correu para casa para avaliar o dano. Feliz-

mente, os documentos puderam ser recupera-

dos. Mas o que deveria ser feito em relação a

Billy?

O Sr. Stone sabia que tinha que levar em

consideração o desejo de Billy de imitá-lo no

computador. Mas naturalmente Billy precisava

de disciplina; ele devia entender o que tinha

feito. O Sr. Stone percebeu que precisava tran-

car seu computador; deveria ligá-lo apenas

quando estivesse lá para usá-lo com Billy. Ao

mesmo tempo, ele queria que Billy aprendesse

uma lição com esse acontecimento. No momen-

to, Billy estava tendo um acesso de raiva com-

pleto. Apavorado com o que tinha feito, e ante-

cipando a raiva de seu padrasto, atirou-se no

chão, debatendo-se.

O Sr. Stone sentou-se para esperar. Quando

finalmente parou de gritar, Billy olhou para ter

certeza de que seu padrasto ainda estava lá. O

Sr. Stone disse calmamente: “Billy, eu preciso

fazer você parar. Você sabe que isso não é um

brinquedo seu. É o meu valioso computador.

Quero ter certeza de que você nunca mais vai

tocar nele quando eu não estiver aqui.” Por um

momento, Billy começou a rir com alívio. “Do

que você está rindo? Não percebe como isso é

sério?” Então Billy não aguentou e começou a

soluçar. Sabia o quanto isso era sério e estava

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 49

tendo dificuldades para enfrentar. Encolheu-

se no chão, desolado. O Sr. Stone ainda ficou

sentado por algum tempo. Após o que parecia

um longo, longo tempo, pegou Billy em seus

braços. “Eu sei que você estava tentando fazer

o que eu fiz ontem à noite, mas isso é complica-

do demais. Você não pode fazer todas as coisas

que eu faço ainda, mesmo que queira. Algum

dia poderá – mas eu sei que isso não ajuda você

agora. Como eu posso ter certeza de que nunca

mais vai mexer no meu computador novamen-

te?” O Sr. Stone não precisava ter se preocupado.

Sua abordagem tranqüila foi muito mais efetiva

do que uma violenta. Billy nunca esqueceu sua

lição.

Mais tarde, o padrasto de Billy usou o com-

putador para ajudar Billy a entender a si mes-

mo. Mostrou-lhe como ligar o jogo do compu-

tador, então sentou-se e ficou assistindo. Billy

tentou a seqüência, falhou, ficou frustrado.

“Mostre-me novamente, papai.” Mais duas

vezes e Billy conseguiu. Aprendeu o valor de

dominar uma tarefa, dominando sua frustra-

ção. Seu padrasto teve o prazer e a tranqüilida-

de de assistir a mente de Billy funcionando na

tarefa. Ele também teve a oportunidade de aju-

dar Billy a tolerar sua frustração e aprender a

acalmar-se. A postura calma do Sr. Stone no

episódio foi uma vantagem real para ambos.

Se tivesse somado sua própria frustração à de

Billy, a tensão com que teria que lidar seria bem

maior. Ela teria interferido na chance de Billy e

no sentimento mágico de “eu mesmo fiz”.

Pais, como o Sr. Stone, que estão fora todo

o dia e que provavelmente estão eles próprios

sobrecarregados, acharão difícil deixar a criança

aprender por conta própria. Pode ser difícil para

eles suportarem a frustração da criança. Mos-

trar-lhe e deixá-la ver o quanto pode fazer por

si mesma pode ser muito mais difícil do que

intervir e fazer pela criança. Tendo estado fora

o dia todo, um pai pode preferir ser o “cara le-

gal” e resolver os problemas imediatamente.

No sábado, Billy foi ao supermercado com

seu padrasto. Ele apanhou latas e caixas de ali-

mentos sob a orientação de seu padrasto por

um bom tempo. Finalmente, contudo, ele se

cansou e começou a jogar no carrinho coisas

de sua escolha. O Sr. Stone ficou aborrecido.

“Billy, eu vou ter que pagar por tudo isso, ou

separar tudo e colocar os seus de volta nas pra-

teleiras.” Visto que o menino tinha agarrado

caixas de cereal com açúcar e uma lata de refri-

gerante que o Sr. Stone nunca teria comprado,

não foi difícil para ele colocá-las de volta.

Quando chegaram no caixa, Billy começou

a choramingar: “Eu quero bala.” “Billy, você

não pode comer balas e sabe disso.” Billy se

atirou no chão em um acesso de raiva. “Eu que-

ro! Eu quero!” O Sr. Stone sentiu-se impotente.

Todos olhavam para ele como que dizendo:

“Você não consegue lidar com essa criança?”

Ele sentiu vontade de tapar sua boca ou lhe

dar uma palmada. Billy sentiu a raiva de seu

padrasto. Isso o fez sentir-se ainda pior. “Papai,

papai, eu quero bala! Eu preciso!” O que o Sr.

Stone podia fazer?

O Sr. Stone poderia afastar-se de Billy, o que

certamente teria interrompido o acesso. Mas

ele estava no meio da fila do caixa e com pressa,

e o menino sabia disso. Um outro pai apareceu

para solidarizar-se. “Por que, vocês sempre têm

que vender balas bem na frente dos caixas?” À

medida que a raiva do Sr. Stone desaparecia,

Billy também acalmou-se. A crise tinha passa-

do. Mas, enquanto eles se afastavam da caixa

registradora, o Sr. Stone ouviu o empacotador

murmurar: “Que pirralhinho mimado!”

Quando tudo terminou, Billy ficou envergo-

nhado. Ele disse, entre risadinhas: “Eu sou bobo,

papai.” Começou a pular em volta do estaciona-

mento, envergonhado, dançando e cantando:

“Hi, hi, hi!” O Sr. Stone sabia que Billy estava

perdendo o controle novamente, mas ele tam-

bém estava. Agarrou o braço do menino, então

levantou-o bruscamente. A expressão de medo

de Billy o fez parar, e o padrasto o abraçou. “É

tão difícil fazer compras, não é? Realmente cha-

to. Você acha que deveríamos parar agora e ir

para casa, ou podemos ir a uma outra loja?” Billy,

apaziguado, disse: “Eu vou parar, papai. Me des-

culpe.” E o fez. Ele agarrou a mão do padrasto,

orgulhoso de seus novos controles internos.

O Sr. Stone, compartilhando sensivelmente a

frustração de Billy, ajudou-o a entender a si

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50 Brazelton & Sparrow

mesmo. Ele também deu ao menino uma opor-

tunidade de romper o ciclo e parar por si pró-

prio. Se o Sr. Stone tivesse explodido com Billy,

ele o teria distraído de sua própria responsabili-

dade, e o ciclo teria continuado. As crianças de

três anos são ávidas por limites firmes, seguros,

desde que eles sejam acompanhados de amor.

A necessidade de disciplina (ensino) e limites

firmes é sempre aos três anos. O amor não ape-

nas impede que a criança recuse-se a ver os li-

mites, mas também ajuda-a a sentir-se suficien-

temente confortável em relação a eles, a fim de

estar pronta para torná-los seus.

No terceiro ano, os pais começam a apresen-

tar seus filhos a padrões e expectativas exter-

nos. O Sr. Stone sabia que Billy estava aborreci-

do. Ele podia ter tolerado seu comportamento

“fora de controle”, e tolerou, até que viu os ros-

tos dos outros clientes. Queria proteger Billy

desses tipos de reação, mas também queria pro-

teger a si mesmo. Billy precisa lidar com sua

própria frustração e, aos três anos, felizmente

está pronto para aprender. A abordagem do Sr.

Stone, segurando Billy para acalmá-lo, expli-

cando a ele o que tinha acabado de passar e

servindo de modelo para o menino, enquanto

acalmava a si mesmo, é uma abordagem efi-

ciente. Quando funciona, todos se sentem

satisfeitos.

Quando os pais conseguem esperar que o

acesso de raiva do filho ou que suas próprias

reações exageradas passem, segurando-o no

colo para ajudá-lo a recuperar o controle, a cri-

ança terá aprendido a como conduzir-se no fu-

turo. Após um breve período de isolamento ou

um “castigo”, um pai pode pegar a criança, ago-

ra acalmada, e dizer: “Sinto muito, mas você

simplesmente não pode fazer aquilo. Toda vez

que fizer, vou ter que pará-lo – até que você

possa parar por si próprio.” Se os pais puderem

evitar de assustar a criança ainda mais, repri-

mindo suas próprias explosões, e ajudá-la a

acalmar-se, a chance de a criança assumir seu

próprio papel naquilo que fez será muito maior.

Explodindo, um pai estará apenas distraindo a

criança desse desafio crucial. Não exagere a lição

a ser aprendida. Dê espaço para a criança. O obje-

tivo da disciplina é o autocontrole. Alcançá-lo

leva anos – muitas vezes toda uma vida.

Orientações de disciplina

Uma vez que os pais de crianças de três anos

devem esperar mais frustração à medida que

seus filhos crescem e precisam satisfazer as ex-

pectativas crescentes da cultura à sua volta,

aqui estão algumas orientações para ajudar a

criança a aprender quando tiver transgredido

sem deixá-la sentindo-se abandonada:

� A primeira tarefa de um pai em relação

à disciplina é sobreviver ao colapso no

comportamento, então tranqüilizar a

criança de que estará junto dela para

pará-la até que possa parar sozinha. Per-

gunte a você mesmo o que ela provavel-

mente aprendeu com esse episódio.

� Desenvolver técnicas, como abraçar e

conter a criança, manobras calmantes,

castigo ou isolamento, como forma de

conter a criança e de dar-lhe uma chance

de reestabelecer-se. Estabelecer limites

dessa forma é tranqüilizador.

� Intervir antes que a criança esteja desola-

da. Saber quando leva tempo para um

pai aprender. Avaliar os estresses (transi-

ções, frustração, estimulação excessiva)

e o comportamento não-verbal da crian-

ça, que ocorrem repetidamente antes das

explosões.

� A frustração é uma força saudável de

aprendizado, desde que a criança tenha

oportunidades de dominá-la. Quando,

finalmente, conseguir, após um momen-

to de frustração, será provável que sin-

ta: “Eu mesma fiz.”

� Tolerar a frustração é uma realização im-

portante para a criança. É difícil para um

pai ver um filho frustrado; isso provoca

frustração no próprio pai, que a criança

provavelmente sente e responde. Você

precisa estar preparado para retrocessos

e progresso lento, e permanecer fo-

calizado no resultado final – o sucesso.

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 51

Você não pode evitar erros na disciplina –

acessos de raiva podem ocorrer, mas eles não

são o fim do mundo. Tanto você quanto seu

filho aprenderão com eles. Os pais freqüente-

mente ficam espantados com a capacidade que

seus filhos têm de perdoar, com as chances que

surgem a cada dia.

Relacionamentos:construindo uma família

O novo bebê: questões dos pais

A mãe de Billy levou-o a seu médico para a ava-

liação dos dois anos e meio. Toda vez que Billy

se curvava para deitar-se no chão, ele deixava

escapar um pequeno grunhido. A princípio, o

médico imaginou que Billy estivesse dolorido

por causa da constipação (não, seu abdômen

não estava sensível) ou tivesse uma dor no

quadril ou nas costas. Nada disso revelou-se a

razão para os grunhidos da criança. Finalmente,

o médico descobriu a explicação. No meio do

exame, ele perguntou à Sra. Stone. “Você está

grávida?” “Não. Billy tem só dois anos e eu quero

esperar até que ele tenha quatro ou cinco antes

de ter um outro bebê. Por que você perguntou?”

“Eu apenas imaginei”, respondeu o médico.

Quando a Sra. Stone descobriu, alguns dias

depois, que estava realmente grávida, telefonou

ao pediatra, que disse: “Bem, Billy soube antes

de você. Eu acho que você não precisa anunciar

que está grávida para ele.” O menino estava

imitando sua mãe! Tão íntimos são seus senti-

mentos compartilhados que Billy sabia que sua

mãe estava diferente, mesmo que isso estives-

se apenas recém começando. Ele tinha come-

çado a imitar seu comportamento, e a Sra.

Stone nem mesmo se dera conta disso.

“Quando devemos contar ao nosso filho?”,

os pais perguntam. Minha resposta é: “Nunca

deixem de lhe contar. Ele saberá pelas mudan-

ças em seu comportamento. Falem sobre isso

logo que quiserem, mas não enfatizem até pró-

ximo do final. Senão será uma longa espera.”

Mesmo uma criança de três anos deseja saber:

“Como o bebê entra lá? Como ele sai? Será que

ele sai como o meu cocô?” Eis aqui uma nova e

importante razão para segurar seu cocô “como

a mamãe”.

Mais para o final da gravidez de sua mãe,

quando Billy imitava seu andar, seu estômago

protuberante, as pernas separadas, os braços

balançando, todos riam. “Vejam o Billy! Ele está

imitando sua mãe. Mas, Billy, menininhos não

têm bebês!” Billy sentia desaprovação no hu-

mor deles. Por que ele não podia ter um bebê?

O que era um bebê afinal? Todos apontavam

bebês para ele nessa época e não eram tão inte-

ressantes assim. Eles faziam caretas, e grita-

vam, e choravam, e faziam cocô. Após ele ter

sido forçado a ver o bebê de uma vizinha, ati-

rou-se no chão, gritando. “Billy, levante! Você

é um menino grande agora.” Nada que ele fi-

zesse parecia agradá-los.

A nova gravidez da mãe pode ser um mo-

mento crítico – não apenas para a criança, mas

também para os pais, que sentem que estão

“abandonando” o primeiro filho e “forçando-o

a crescer muito rápido”.

Billy terá perguntas a fazer. “De onde vêm

os bebês?” “Como ele entra dentro de você?”

“Eu posso ter um dentro de mim?” “Como va-

mos tirá-lo dali?” E ele precisará de respostas.

Sempre responda a suas perguntas. Nunca per-

ca a chance de manter o canal de comunicação

aberto. Evitar essas perguntas agora apenas as

tornarão mais desconfortáveis e difíceis para o

pai explicar mais tarde. As respostas podem ser

curtas, testes pelos quais os pais podem sentir

quando a criança está satisfeita ou está pronta

para mais. Billy certamente sentirá o orgulho e

a excitação que seus pais estão sentindo.

Antes desse “bebê” estar “lá dentro”, os pais

de Billy o atendiam toda vez que solicitava.

Mas, agora, muitas vezes sentia que sua mãe

estava longe, em um mundo de sonhos. Ele

começou a equiparar seu estado sonhador e a

preocupação de seus pais com esse bebê. Nada

disso era consciente, mas Billy sentia um ligei-

ro empurrão “para fora do ninho”. Adorava

cada chance de ser pegado no colo e abraçado

ainda mais do que antes.

A Sra. Stone encontrou-o por acaso sentado

em sua cadeira, chupando o polegar. A visão

partiu seu coração. Pegou-o para acariciá-lo,

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52 Brazelton & Sparrow

mas sua enorme barriga a fez hesitar quando

se abaixou para levantá-lo. Billy sentiu que as

coisas simplesmente não eram mais as mesmas.

As insistências para sentir a barriga de sua

mãe era o pior. Ela estava grande e esticada. E

parecia desconfortável. O que estava para acon-

tecer? O padrasto de Billy parecia muito preocu-

pado com ela. “Ela nunca mais vai me pegar

no colo.” Todos o chamavam “esse meninão”.

Mas ele apenas queria ser abraçado. “A mamãe

está doente? Ela vai para o hospital. Posso ir

com ela?” O menino se perguntava quem to-

maria conta dele.

Por que os pais se sentem constrangidos de

falar sobre a gravidez e o novo bebê? Eu acho

que todo pai antecipa a chegada do segundo

filho como se isso fosse um abandono do pri-

meiro. As mães, em meu consultório, que anun-

ciam “Adivinhe! Estou grávida do meu segun-

do”, freqüentemente começam a chorar, quan-

do pergunto se elas sentem que estão abando-

nando o primeiro filho. Os pais precisam reco-

nhecer esse sentimento, antes de poderem en-

frentar abertamente as reações inevitavelmente

confusas de seu primeiro filho ao novo bebê.

“Billy ainda precisa de mim.” A Sra. Stone

abraçou Billy apertado. O filho ficou surpreso

e confuso. Ele tentou afastar-se vigorosamente.

A Sra. Stone olhou-o com tristeza. “Eu ainda

vou lhe mostrar que ele é o centro de nosso

universo.” Ele será – até que o novo bebê che-

gue. Então – apesar de todas as intenções em

contrário – quando uma mãe se volta para seu

novo bebê, afasta-se imperceptivelmente de seu

primeiro filho. Mesmo durante a gravidez, uma

mãe começa a afastar-se e a preparar-se.

A Sra. Stone pode ajudar a preparar Billy,

conversando com ele e enfatizando que precisa

dele. Mas ele ainda pode sentir o afastamento

de sua mãe; vai experimentá-la para descobrir

se ela ainda é dele. Ele pode mesmo fazer pres-

são. Uma mãe fica vulnerável nessa época à sua

própria culpa por deixar o filho mais velho. A

criança testará isso. Eu insistiria para que a Sra.

Stone se tornasse mais presente ainda. Ficas-

se junto com ele nesse momento. “Você e eu

podemos fazer coisas juntos” tem um significa-

do extra. “Podemos vencer esta separação jun-

tos.” Encarar esses sentimentos dá aos pais uma

chance de ver que a chegada de um novo bebê

na família também pode ser um presente para

o filho mais velho.

Conseguindo reconhecer os sentimentos

“egoístas” que têm em relação ao desejo por

um segundo filho, os pais podem ser mais efe-

tivos para ajudar o primeiro filho a encarar o

nascimento como um novo evento importante.

Seus esforços para recuperar o filho mais velho

deveriam permitir que ele tanto se ressentisse

quanto amasse o novo bebê. O objetivo será

ajudá-lo a sentir que “este é o meu bebê”, tanto

quanto o bebê de seus pais.

Mais para o final da gravidez, conversar jun-

tos sobre o que esperar é fundamental. A grande

preocupação para o filho mais velho é em rela-

ção à separação. “Se a mamãe teve que ir para

o hospital, ela está doente? Ela vai ficar lá? Ela

vai voltar para casa?” Por trás dessas perguntas

sempre está: “Quem vai ficar comigo?” Esse é

um momento para escutar as perguntas.

O problema do treinamento decontrole do esfíncter

Os Stones tinham esperado até que Billy tives-

se dois anos para ajudá-lo com seu treinamen-

to da higiene. Eles acreditavam que tinham

deixado isso por conta dele, que tinham feito

tudo corretamente. Quando começaram, ele ti-

nha dois anos e tinha demonstrado sua pronti-

dão com três avanços cognitivos importantes:

podia dizer “não”, se não quisesse ir; estava

pronto para sentar-se e imitar os outros à sua

volta; e tinha até mesmo descoberto o conceito

de colocar as coisas nos lugares a que perten-

ciam. O menino pegava seus brinquedos peque-

nos, quando tinha terminado de brincar, e os

colocava no cesto em seu quarto. A Sra. Stone

estava maravilhada com o senso de ordem de

seu filho de dois anos e seu reconhecimento

das expectativas dos adultos à sua volta. Ela se

perguntava: “Será que eu exigi demais dele?

Ele é tão inteligente e tão disposto a nos agra-

dar!” Mas talvez ela soubesse intuitivamente

que essas realizações eram sinais de que ele

estava pronto.

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 53

Ela tinha seguido os passos sobre os quais

havia lido:

1. Ela comprou-lhe um “troninho” e lhe

disse que era dele. Billy tinha ficado

muito orgulhoso. Ele sentou-se nele

onde colocou seus caminhões e seu ur-

sinho. Imitava sua mãe, tranqüilizando

seu ursinho: “Um dia você vai sentar

nele como nós fazemos.”

2. A Sra. Stone o pegava uma vez por dia,

totalmente vestido, para sentar-se em

seu penico, enquanto ela sentava no vaso

sanitário. Ele se inclinava contra ela, en-

quanto ela lia para ele uma parte do Mr.

Bear Goes to the Potty (O ursinho vai ao

banheiro). Porém, ele logo ficava aborre-

cido e fugia. Mas, no dia seguinte, ele

estava pronto e disposto a ouvir a histó-

ria, enquanto sentava-se em seu penico.

3. Após uma semana sentando-se no vaso

totalmente vestido, Billy parecia pronto

para sentar-se lá sem as roupas. Todo dia,

sua mãe falava: “Isto é para mostrar-lhe

o que a mamãe e o papai têm que fazer

para ir ao vaso quando querem fazer cocô

e xixi.” Ele parecia pronto. Um dia, gru-

nhiu enquanto estava sentado lá. Ne-

nhuma produção.

4. Na terceira semana, ela levou Billy com

sua fralda suja até o penico e largou a

fralda dentro. Ele disse: “Mamãe, não

suje o meu penico!” Ela disse: “Mas,

Billy, é aqui que queremos que você co-

loque seu cocô um dia. Um dia, pode até

fazer dentro do penico.” “Não! Não! É

para o meu ursinho.” “É para você tam-

bém. Veja, este é meu e do papai. Este é

para você. Seu ursinho pode usá-lo tam-

bém.” Billy: “Mas imagina se o cocô dele

cheirar mal como o meu?” “O cocô sem-

pre cheira mal. Por isso é que usamos

um vaso sanitário. Um dia você poderá

ir sozinho.” O rosto de Billy se iluminou.

“Assim como o urso. Assim como papai,

Tio John e mamãe. Vocês querem usar o

nosso?” Billy olhou para o enorme assen-

to do vaso. Queria subir nele. Mas olhou

para dentro do vaso com uma certa dose

de horror. “Eu posso cair dentro!” Tentou

colocar uma perna dentro da água. Sua

mãe apressou-se em impedi-lo. “Você te-

ria que sentar nele. Ele é muito grande

para você agora. Seu assento é exata-

mente do tamanho certo para você. Ten-

te.” Ele olhou para as duas opções e

olhou para ela. “Tudo bem. Eu vou ten-

tar.”

5. Duas semanas mais tarde, a Sra. Stone

arriscou-se a tentar fazer Billy usar o

penico, quando ele estava sem roupas.

Ela colocou seu penico no quarto de brin-

quedos, para lembrá-lo. “Billy, posso

entrar para lembrá-lo como se faz?” Ele

concordou. Quando ela entrou pela pri-

meira vez, ele sentou-se para urinar; sua

urina esparramou-se no chão em volta

do penico e sobre o assento, mas uma

pequena quantidade caiu dentro do pe-

nico. “Limpa, mamãe! Limpa!” Ele pa-

recia desvairado. Ela limpou a urina es-

palhada, mas guardou o penico com suas

poucas gotas de urina para seu pai ver.

Todos os três admiraram a produção de

Billy. Na próxima vez que o menino foi,

seu padrasto disse: “Billy, mantenha seu

xixi para baixo e ele cairá dentro do pe-

nico. Ele faz um barulho enorme quan-

do bate no penico!” Billy olhou para bai-

xo para concentrar-se, experimentando

a sugestão. Quando segurou seu pênis e

atingiu o fundo de plástico com o xixi,

Billy ficou impressionado com o som que

podia fazer. Ele fazia todas as vezes com

alegria e orgulho. Quando finalmente

produziu fezes para o penico, foi motivo

para celebração. Mas olhou para aquilo

dentro do penico. “Mamãe, mamãe, lim-

pa! Isso está sujando o meu penico!” A

Sra. Stone ia começar a despejar o cocô

de Billy dentro do vaso sanitário para dar

descarga. “Aqui não! Ele vai se perder!”

Ela viu sua ansiedade e se deteve para

confortá-lo. Ela lhe perguntou: “Billy,

este é seu. O que você quer que eu faça

com ele?” “Deixe-o em paz. Eu vou ta-

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54 Brazelton & Sparrow

par.” Apanhou papel higiênico e cobriu

o penico. “Ele cheira mal.” “Isso mesmo,

Billy, vamos lavar nossas mãos.” Com

grande sensibilidade, ela deixou o assun-

to de lado até que Billy perdeu o interesse

e correu para brincar com seus brinque-

dos. Com a atenção desviada, a Sra.

Stone pôde despejar as fezes no vaso sa-

nitário. Billy tentou novamente alguns

dias depois. Recompensou a sensibilida-

de de sua mãe, olhando-a bem no rosto,

após ter notado o penico vazio. Ela perce-

beu o quanto ele ficara preocupado por

perder uma parte de si mesmo, suas fe-

zes. Após aqueles primeiros dias, ficou

menos preocupado com a remoção de

suas fezes. Lavava as mãos todas as ve-

zes. Nem mesmo perguntava para onde

suas fezes tinham ido, mas a Sra. Stone

sabia que a pergunta estava em sua men-

te. Ela discutiu o que deveria lhe dizer

com seu marido. O Sr. Stone pareceu

confuso e surpreso. “Eu acho que pode-

mos dizer-lhe que é ali que todos nós co-

locamos nossas fezes. É para onde todas

vão.” “Onde?” “Ugh. Eu acho que para

o depósito de fezes.” “Como uma criança

de dois anos vai entender uma coisa

como essa?” “Eu não sei. Como é que

nós entendemos também? Apenas não

seja tão insegura. Ele está preocupado.

Podemos assegurar-lhe de que todo

mundo se preocupa com isso.”

6. Quando estava com quase três anos, o

aprendizado da higiene de Billy parecia

completo durante o dia. Ele falava sobre

sua realização na escola. Perguntava aos

seus amigos: “Você também?” Todos eles

respondiam: “Sim”, embora apenas

metade tivesse completado esse treina-

mento diurno.

O treinamento de higiene diurno de Billy

tinha sido tão fácil que foi surpresa para os

Stones quando ele parou de usar o banheiro.

Tudo tinha parecido tão uniformemente recom-

pensador quando Billy tinha dois anos. Por que

ele deveria retroceder agora que tem três? Pode-

ria ser o bebê? Poderia ser o início da creche?

Billy tinha sido exposto a um evento traumáti-

co? Todas essas perguntas passavam pela cabe-

ça dos pais de Billy. Ele estava tão aborrecido

quanto eles. “Mamãe, mamãe, estou molhado.”

Isso aconteceu algumas vezes, mas o mais

perturbador é que ele estava retendo suas fezes.

Alguns dias se passaram antes que a Sra.

Stone percebesse que eles estavam todos em

uma situação difícil. As fezes estavam sendo

mantidas como reféns. Ela chamou o médico

de Billy. “O que eu faço?” “Dê-lhe caldo de

ameixa seca duas vezes por dia e até um la-

xante, se ele continuar preso.” Após algumas

doses de caldo de ameixa-seca, Billy produziu

fezes duras. Isso machucou-o. Ele sentou-se em

seu penico e ficou vermelho com o esforço. Cho-

ramingou. Em certo momento, saltou fora do

penico e correu em volta do quarto. “Cocô não!

Cocô não!” Ele parecia torturado. Atirou-se no

chão, juntou as pernas e levantou-as. Enquanto

retesava o corpo, sua mãe pôde ver que ele esta-

va prendendo as fezes. Ela tentou novamente

aliviar a agonia do filho. “Apenas sente no vaso.

Isso vai ajudá-lo.”

Billy estava realmente preocupado com sua

mãe e o novo bebê. Ele estava irritado. Mesmo

antes de terem falado sobre a gravidez da Sra.

Stone, Billy tinha começado a prender suas fe-

zes, quando sentia que sua mãe estava se afas-

tando dele. Ele inconscientemente prendia suas

fezes, mas, quando o fazia, sua barriga ficava

grande. Billy tinha sentido sua mãe recolher-se

sutilmente à sua nova gravidez. Ser exatamente

como ela era sua forma de agarrar-se a ela.

A ansiedade na casa centralizava-se agora

em Billy e suas fezes, não na gravidez. “Você

não pode fazer, apenas pela mamãe? Você sabe

que está desconfortável.” Ninguém parecia per-

ceber o que o tornara preocupado em relação a

suas fezes e por que ele precisava prendê-las.

Este era um momento crítico – Billy estava ten-

tando lidar com toda a excitação e a ansiedade

da gravidez de sua mãe. Sua necessidade de

regredir em uma área que acabara de dominar

devia ser algo esperado. Exatamente no mo-

mento em que os pais de Billy estavam se preo-

cupando sobre como lidariam com um novo be-

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 55

bê, o menino os estava forçando a enxergar o

quanto ele ainda precisaria deles. A tensão de

seus pais, e a raiva que sentiam com essa regres-

são, reforçava sua ansiedade. Billy estava im-

plorando pela compreensão e ajuda deles.

Em sua ansiedade, a Sra. Stone chamou o

médico de Billy novamente. “Ele não está ab-

sorvendo toxinas dessa forma? Devo aplicar-

lhe um enema?” “Não, eu não acho. Muitos

meninos, quando já estão treinados, começam

a reter suas fezes. É quase como se eles estives-

sem dizendo ‘eu quero ter o controle total’. O

único perigo é que ele irá prender, até que suas

fezes duras o firam quando descerem. Então,

vocês terão um problema duplo. O esfíncter do-

lorido sente as fezes vindo. Ele se contrai. Se

doer de novo, Billy pode começar a reter por

um tempo mais longo – por medo.”

“O que eu devo fazer?” “Primeiro de tudo,

desculpe-se com ele. Deixe-o ver que ele tem o

controle da situação. Diga-lhe que você sente

muito por ter se intrometido. O treinamento

do controle do esfíncter é problema dele, você

sabe.” “Mas eu não me intrometi. Apenas o

lembro agora a cada duas horas mais ou menos

para ir e tentar. Eu nunca o castiguei. Ele fez

tudo isso por conta própria.” “Muitas crianças

que entendem a idéia de colocar suas fezes e

sua urina onde todo mundo coloca e que apren-

dem isso com um treinamento descontraído

como o seu ainda precisam provar que estão

no controle. Elas fazem isso retendo suas fezes.

Não podem provar para si mesmas (ou para os

outros) de nenhuma outra forma. É hora de

dizer: ‘Você decide. Eu estou fora. Se quer usar

uma fralda na hora da sesta ou à noite, pode

usá-la para fazer cocô. Você pode ir ao banheiro

quando quiser.’” A Sra. Stone tinha percebido

isso há muito tempo. Mas sua gravidez, e a rea-

ção de Billy a esse fato, tornou difícil para ela

aplicar o que sabia.

Ela queria defender-se. “Mas eu não inter-

feri. Estava tranqüila! Ele simplesmente deve

ter imaginado que o forcei!” A Sra. Stone e pais

como ela dificilmente podem acreditar que um

filho seja tão sensível em relação a ser treinado

que interprete exageradamente qualquer decla-

ração de um pai como interferência. Ele quer

muito que o sucesso seja “dele”, não de outra

pessoa.

O médico sentiu a defensiva da Sra. Stone

em relação ao comportamento de Billy. “Mais

um conselho. Por enquanto, por favor, não jo-

gue fora a produção dele até que ele tenha per-

dido o interesse por ela. O menino pode sentir

que está perdendo uma parte de seu corpo.”

“Mas ele parece adorar colocá-la no vaso e

dar descarga, e até vê-la indo embora”, ela res-

pondeu. “Até me disse ontem na banheira en-

quanto a água saía: ‘Viu mamãe? Olha a água

indo embora. Se meu cocô estivesse aqui ele

iria embora também’”.

“Talvez ele pareça adorar isso”, disse o médi-

co de Billy, “mas muitas crianças ficam choca-

das vendo-o ir embora. Afinal, lembre-se de que

as crianças vêem as fezes como parte de si mes-

mas e olhá-las indo embora significa uma perda

para sempre para elas.”

“Eu devo mencionar quando for hora de ele

ir? Ele não vai tentar?”

“Absolutamente não. Fique fora disso com-

pletamente agora. Simplesmente deixe tudo

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56 Brazelton & Sparrow

por conta dele e diga-lhe que vai deixar tudo

com ele. Aposto que o problema vai se resolver

quando ele estiver pronto para recuperar o con-

trole.”

E foi o que aconteceu. Dentro de uma sema-

na, Billy estava orgulhosamente usando sua

fralda para fazer cocô. Estava orgulhoso do

monte que fazia. Após a segunda semana,

quando fazer cocô não doía mais, tudo ficou

bem. Ele voltou para o penico em um mês e

estava muito orgulhoso. (Ver “Problemas de Hi-

giene Revisitados” na Parte II.)

O novo bebê: ajustes ao irmão

Quando a pequena Abby e seus pais voltaram

para casa, do hospital, Billy estava com eles.

Os Stones tinham feito tudo que puderam para

ajudá-lo a fazer um ajustamento fácil ao bebê.

Ele tinha visitado sua mãe no hospital. Sua avó

tinha vindo para ficar com ele, e seu padrasto,

que, por sua vez, ficara o mais disponível que

pudera para Billy: “Eu sou todo seu”, e fora.

Eles tinham se divertido juntos e descobriram

uma proximidade que foi muito valorizada por

ambos. Precisavam um do outro.

Para as horas em que estaria menos dispo-

nível, o Sr. Stone tinha comprado um panda

de brinquedo, que ele podia alimentar e que

urinava e precisava ser trocado. O panda tinha

um choro gravado, que Billy podia ligar sem-

pre que desejasse. O brinquedo fez um enorme

sucesso. Billy agora se arriscava a fazer suas

perguntas. Ele tinha “perdido” seu próprio pai,

agora parecia como se tivesse perdido sua mãe.

“Por que mamãe foi com o novo bebê?” “Ela

precisava tirar o bebê de sua barriga, então nós

vamos poder tê-lo aqui para brincar. Ela vai ser

sua irmã.” “O que é uma irmã?” “É alguém a

quem você pode amar e com quem pode crescer.

E ela vai amar você também.” “Mas eu não que-

ro ela. Quero a mamãe de volta.” “Você vai tê-

la de volta. Nós todos a queremos. Mas sei que

você sente falta da mamãe. Ela estará de volta

em um ou dois dias. Nós vamos buscá-la jun-

tos.” Os olhos de Billy estavam abatidos. A pos-

tura sisuda. Ninguém mais o escutava. Ele sim-

plesmente não queria esse bebê.

Billy sentia a ausência de sua mãe. Ele sen-

tava-se em sua cadeira, chupava o polegar e

torcia seu cobertor. Sua avó chegou perto dele.

“Billy, você sente falta da mamãe, não sente?”

“Talvez ela não volte.” “Oh, Billy, ela vai voltar.

E ela também sente a sua falta. Venha cá que

vou embalá-lo. Escolha sua história favorita que

você lê com a mamãe. Vamos ler juntos.” Billy

saiu para buscar um livro. Primeiro pegou Boa-

Noite, Lua. Então, como se tivesse pensado me-

lhor, atirou o livro de volta e pegou um livro ao

acaso para sua avó ler. Enquanto eles se embala-

vam e liam, os olhos de Billy permaneciam fixos

no nada. Não ousara trazer o “melhor” livro de

sua mãe. Era uma lembrança muito dolorosa.

Quando chegou o dia de ir ao hospital bus-

car o novo bebê, o padrasto de Billy disse: “Está

na hora de irmos buscar Abby e sua mãe.” Billy

desapareceu. Correu para sua cama, engati-

nhou sobre ela, e se encolheu com o polegar na

boca. Sr. Stone: “Billy, saia daí. É hora de ir-

mos!” Nenhuma resposta. Sua avó tentou: “Bil-

ly, sua mãe deve estar esperando. Ela está ansio-

sa para vê-lo. Você pode trazer o panda tam-

bém”. Nenhuma resposta. Ninguém entendia

o quanto era doloroso para Billy ter sido aban-

donado e substituído. Finalmente, o Sr. Stone

puxou seu enteado por uma perna, colocou-lhe

à força seu casaco de neve e arrastou-o esper-

neando para o carro. “Billy, eu estou cheio disso!

Você deveria estar contente por trazer sua mãe

para casa.”

O menino sentiu-se pequeno e sozinho, en-

quanto as enfermeiras vestiam “sua” irmã e sua

mãe se arrumava. Todos se agruparam em vol-

ta do bebê. “Ela não é uma gracinha?” Ele não

achava. Ela parecia tão pequena e gorducha e

contorcida. Nem mesmo olhara para Billy. Ape-

nas se espremia. Ele tinha pensado que ela po-

deria ser sua “irmã” como eles tinham dito.

Uma irmã deveria querer brincar com você, e

olhar para você, e falar com você. Ela não. Billly

se sentia rejeitado por ela e não gostou dela

desde o primeiro momento em que a viu. To-

dos queriam que ele a amasse. As enfermeiras

no hospital pairavam a sua volta e diziam: “Ela

não é um doce? Ela é sua irmã e você vai amá-

la um dia.” Quando era “um dia”?

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 57

Billy afastou-se para um canto do quarto

com seu panda. Ele podia fazer esse panda fazer

tudo. Podia fazê-lo chorar – e fazê-lo parar tam-

bém. Podia fazer tudo o que quissesse para o

panda, sem que todos se aproximassem dele.

O panda era dele, e ele já sentia um carinho e

uma intimidade pelo panda que não sentia por

Abby. Os adultos quase o esqueceram, quando

começaram a sair do quarto. Ele estava encolhi-

do no canto para ficar fora do caminho. O Sr. e

a Sra. Stone se aproximaram da porta com o

bebê. Então, se viraram para procurá-lo. “Billy,

venha. Vamos para casa agora.” O menino sen-

tiu-se triste. Lançou-se ao chão como se fosse

ter um acesso de raiva. Seu padrasto se virou

realmente aborrecido. Billy pulou e seguiu-os

pelo corredor. Viu a mão de sua mãe balançan-

do ao seu lado. Correu e agarrou-a. A Sra. Stone

olhou para ele. “Billy, que saudades eu senti de

você. Estou tão feliz que tenha vindo me buscar.

Espero que goste de Abby. Ela ficará tão orgu-

lhosa de você! Irmãzinhas são sempre orgulho-

sas de irmãos mais velhos.” Billy pareceu apazi-

guado, mas sentiu a pressão naquela observa-

ção. Todos queriam que ele crescesse!

Quando chegaram em casa, todos se esque-

ceram dele novamente e correram para o quarto

do bebê. Eles abraçavam, arrulhavam, faziam

ruídos bobos. A avó era tão má quanto seus

pais. Mas ele ainda tinha seu panda e tentou

voltar-se para ele. Fez “uuus” e “guus” algumas

vezes para o panda, mas se sentia bastante vazio

por dentro – e solitário. Finalmente, seu padras-

to saiu “daquele” quarto para procurá-lo. No

momento, só queria se esconder; ele se retiraria

para sua própria cama e se encolheria ao lado

do panda. Quando o Sr. Stone tentou pegá-lo

no colo, ele deixou escapar um gemido e tentou

esconder-se em um canto.

“Oh Billy, por favor, não seja tão negativo

agora. Todos nós o amamos, mas nós temos que

acomodar o bebê.” A voz de seu padrasto era

tão trivial! Ele tinha abandonado Billy também.

O que o menino poderia fazer a não ser enco-

lher-se e esperar? Ele certamente nunca espe-

rou ser esquecido. Sua mãe nem sequer tinha

olhado para ele depois que chegaram em casa.

Sua avó finalmente veio e sentou-se em sua

cama para confortá-lo, e ele se sentiu melhor.

“Billy, eu quero ler um livro com você.” E ela

não mencionou o bebê ou falou em crescer!

Quando Billy viu Abby mamando, ele quis

tentar fazer o mesmo, também. “Meninos gran-

des não bebem o leite das mamães”, disse o Sr.

Stone nervosamente. “Eu não quero ser um

menino grande como papai. Eu quero ser um

bebê.” Encostou-se em sua mãe e sugava alto

como Abby, mas não tinha nada em sua boca.

Seus pais riram. “Você quer tentar sugar o meu

peito, Billy?” Ele colocou a boca em seu mamilo.

Nada aconteceu. Então começou a sugar da

mesma forma que fazia com seu polegar. O ma-

milo da mãe ficou de pé em sua boca e ele sentiu

esse doce, doce gosto. Ele fez uma careta.

“Arghh”, ele disse, e voltou ao seu polegar. Após

aquilo, ficou observando Abby, mas não quis

tentar mamar novamente. Sua mãe puxou-o

para perto dela. “Billy, é bom abraçar você de

novo.” Ele deu um pequeno gemido enquanto

se espremia no espaço entre o braço e o peito

de sua mãe.

Seus pais e sua avó prestaram mais atenção

nele após aquilo. Eles o abraçavam bastante.

Deixavam-no ajudar, quando trocavam as fral-

das de Abby. Eles o deixavam ir buscar as fral-

das. Quando ele começou a molhar-se de novo,

até o deixaram usar fraldas “como Abby”. Ele

ouviu sua mãe dizer: “Oh, espero que Billy não

volte a prender suas fezes!” Mas ele, na verdade,

não precisava das fraldas. Molhou-se algumas

poucas vezes sem elas. Mas, visto que seus pais

agora respeitavam isso como sua luta, logo des-

cobriu que tinha de novo o controle. Ele se sen-

tia como o menino grande que todos queriam

que fosse. É verdade que ainda precisava de

fraldas à noite, mas aquilo não parecia incomo-

dar ninguém.

Agora, quando sua mãe estava ocupada

amamentando Abby, Billy tentava uma nova

forma de lidar com o fato. Retirava-se e procu-

rava seu padrasto. Uma manhã, quando sua

mãe ainda estava na cama amamentando o

bebê, Billy calçou os sapatos de seu padrasto e

caminhou até a porta da frente. Sentou-se no

alpendre e falou sobre todas as coisas que faria

quando fosse “grande como papai”.

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58 Brazelton & Sparrow

Billy estava se esforçando para abandonar seu

papel como o bebê da família. Sua recompensa,

às vezes excitante, e às vezes não o suficiente,

seria ser “grande como o papai”. “Ser como

papai ou mamãe” é uma forma de sentir-se pró-

ximo deles, quando eles estão ocupados e pare-

cem distantes. O ajustamento a um irmão cria

um momento decisivo para uma criança de três

anos. Nenhuma quer aprender a compartilhar.

Nenhuma criança quer aprender a compartilhar

seus pais, nem abandonar seu papel especial

como o bebê da família. Mas o filho mais velho

em uma família deve aprender. Ele fatalmente

se sentirá abandonado. As lições sobre partilhar,

ensinadas através da chegada de um novo ir-

mão, são difíceis e dolorosas, mas necessárias

e, finalmente, inestimáveis.

Todo pai sonha em tornar possível que o fi-

lho mais velho consiga “amar a nova pessoa”.

Isso é muito importante para os pais, devido

ao seu próprio pesar por “afastar-se” do primei-

ro filho, para cuidar do seguinte. Uma mulher

que é mãe pela segunda vez sente-se culpada

em relação à invasão da família pelo novo bebê.

Ela deve encarar a separação e a culpa decorrente

por escolher ter um outro filho. Pergunta-se se

ela e o filho mais velho são capazes de fazê-lo.

E, contudo, devem. Ela pode ser mãe de dois –

ou três? Deve enfrentar o fato de ter que “abra-

çar o mundo com as pernas”. E pode reservar

tempo e energia para o filho mais velho?

A preparação para a partida da mãe para o

parto é muito importante. Apresente o filho

mais velho para os substitutos previstos: seu

pai, sua avó, sua tia. Assegure-lhe de que ele

não está sendo abandonado, que é uma separa-

ção temporária. Use o telefone para ajudá-lo;

faça-lhe cartões para dar para sua mãe e para o

novo bebê; e deixe-o ir ao hospital.

Quando o bebê chegar, dê ao filho mais ve-

lho uma nova boneca ou um bichinho de pelú-

cia para que ele ame e cuide enquanto os pais

atendem seu novo bebê. Tão logo seja possível,

deixe-o ajudá-lo na troca de fraldas; deixe-o

participar da amamentação, deixe-o segurar,

embalar. Introduza a idéia de que ele também

pode ser responsável pelo bebê. Mas deixe-o

afastar-se por conta própria e espere ressenti-

mentos como algo normal.

Todo os dias, talvez enquanto o bebê cochila

ou na hora de dormir do filho mais velho, um

pai pode reservar um tempo para ficar sozinho

com ele e retomar antigos rituais ou criar no-

vos. Ajuda planejar horas especiais juntos pelo

menos semanalmente. Fale sobre esses mo-

mentos com alegria e convicção. Durante esses

momentos, concentre-se na criança. Escute e

observe. Observe o comportamento, que é a sua

linguagem.

Incentive o filho mais velho a auxiliá-lo no

cuidado do novo bebê, sem forçá-lo a assumir

mais responsabilidades do que é capaz. Elogie-

o, quando ajudar, mas aceite seu desinteresse

e ressentimento pelo bebê quando os expressar.

Encoraje-o, quando se identifica com você e

com seu cuidado com o bebê. Ele pode experi-

mentar de modo sofrido os cuidados que você

dispensa ao novo bebê. Mas respeite a necessi-

dade do filho mais velho de ser cuidado direta-

mente por você, mesmo quando precise atender

o novo bebê.

Quando Abby começou a engatinhar por volta

dos oito ou nove meses, Billy começou a “afron-

tar” novamente. A nova capacidade de sua irmã

de mover-se, de fazer todo mundo gritar quan-

do ela se aproximava de uma mesa ou de uma

tomada de luz constituía um outro momento

decisivo. Billy começou a afastar os brinquedos

de Abby para longe dela. Ele os deixava fora de

alcance; então sua mãe tinha que vir para

defendê-la. Quando ela aprendeu a engatinhar,

ele parava na frente dela, de modo que ela não

podia se mover. “Billy, você está no caminho

de Abby!” ou “Não leve os brinquedos dela para

longe. Brinque com seus próprios brinquedos.”

Ele descobriu que atormentar sua irmã era uma

forma segura de tirar sua mãe do telefone ou

afastá-la da cozinha. De algum modo, seu com-

portamento parecia lhe satisfazer. Talvez ele até

gostasse de ver seus pais aborrecidos, exata-

mente como se sentira quando sofrera as inva-

sões de Abby. Sentia-se excitado e até poderoso.

Mas percebia a irritação na voz de sua mãe mes-

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 59

mo antes de ela demonstrá-la. Era como se tives-

se que fazer sua mãe ficar irritada, como se tivesse

que fazer Abby chorar. Era como se precisasse

se tornar um menininho agressivo, barulhento,

a fim de poder enfrentar mais facilmente os

desafios de “crescer”.

Billy tinha que descobrir como lidar com

essa invasão em seu mundo. Todos tratavam a

nova mobilidade de Abby como se isso fosse

algum tipo de milagre. Os “oohs” e “ahs” que

ela evocava lembravam-lhe de toda a aprovação

que ele costumava receber. Ninguém mais fica-

va do lado de Billy. Sua avó tinha ido para casa.

Seu padrasto se voltara para Abby e dizia “que

gracinha ela era”, quando voltava para casa.

Ele não chegava mais em casa cedo. A Sra.

Stone parecia irritada com Billy a maior parte

do tempo. “Billy, não toque nisso! Não deixe as

coisas espalhadas. Abby pode se machucar. Se

você tirar mais um brinquedo dela, vai ficar de

castigo de uma vez por todas!” O menininho

se sentia abandonado. Ele sofria.

Para ajudar o filho mais velho que está so-

frendo, o pai pode desviar um pouco da atenção

para ele, permitindo-lhe ajudar a tomar conta

do bebê. O filho mais velho pode ficar orgulhoso

de si mesmo por entreter sua irmã. Quando

queria brincar com Abby, Billy aprendera a falar

com uma voz bem fina. Ele guinchava: “Oi,

Abby! Vamos brincar!” Abby está pronta para

brincar com Billy a qualquer hora. Quando ele

imita a voz da mãe, Abby se prepara para ma-

mar. Ela se amolece e começa a ser mais bebê.

Ele bate de leve na sua cabeça, oferece a ma-

madeira para a irmã e cantarola para ela. Logo,

entretanto, perde o interesse por aquele tipo

de brinquedo. Começa a fazer caretas, inicia um

brinquedo mais grosseiro. Abby muda também.

Ela se torna mais cautelosa, mais pronta para

defender-se. Reconhece o velho Billy.

Todos na família estavam conscientes da ne-

cessidade de Billy regredir e implicar. Mas até

onde eles deveriam deixá-lo ir? Ele passava boa

parte do tempo implicando com Abby e provo-

cando sua mãe, que no final do dia estava demo-

lida. Quando o Sr. Stone chegava em casa, ela se

virava para ele e dizia: “Ele é seu! Assuma – eu

não agüento mais ele.” Billy olhava para seu

padrasto, procurando um lampejo de aprova-

ção. Não ali. “Billy, por que você tem que tornar

a vida tão penosa para todo mundo? Nós sabe-

mos que está com ciúmes de Abby, mas nós

apenas ficamos mais irritados com você, quan-

do fica implicando com sua mãe e com Abby.”

Billy queria perguntar: “O que é ‘ciúmes’?” Tu-

do o que ele sentia era vazio e solidão. Ninguém

ouvia o seu lado. Queria agradar as pessoas tan-

to quanto elas queriam agradá-lo – mas sempre

acabava mal. Ele não podia evitar.

A rivalidade entre irmãos é um emaranhado

de sentimentos positivos e negativos. A chega-

da de um novo irmão fatalmente representará

um ou mesmo uma série de momentos decisi-

vos para o filho mais velho; esses são tempos

de regressão e reorganização. Um filho mais

velho eventualmente regride, mesmo que não

o faça a princípio. Freqüentemente, isso ocorre

no momento de um estirão no desenvolvimento

do bebê – quando o momento decisivo do bebê

o torna mais atraente para todos – aos quatro a

cinco meses, quando ele se torna sociável, aos

sete a oito meses, quando ele engatinha, com

um ano, quando ele começa a pegar os brinque-

dos do irmão mais velho e a invadir seu territó-

rio. O filho mais velho geralmente regride para

um estágio anterior de desenvolvimento: falan-

do de forma imatura, regredindo no treinamen-

to da higiene, acordando com mais freqüência

à noite, comendo menos e criando confusão na

hora das refeições, exigindo disciplina em mo-

mentos especiais. Espere esse comportamento.

O filho mais velho está (1) regredindo para ob-

ter a energia necessária para fazer a transição;

(2) experimentando sua identificação com o

bebê intruso, com a fala do bebê e com o com-

portamento do bebê; (3) tentando desviar um

pouco da energia de seus pais de volta para ele;

(4) comunicando aos pais os custos para ele de

assumir novas responsabilidades, renunciar a

antigos papéis e repartir seus pais com uma

outra criança. Esse comportamento certamen-

te terá um efeito sobre os pais e os tornará preo-

cupados com seus próprios papéis como respon-

sáveis por ele.

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60 Brazelton & Sparrow

Os pais devem colocar de lado esses senti-

mentos de culpa que os levam a oferecer gestos

de reafirmação ao filho mais velho. Parem e

escutem as perguntas e preocupações da crian-

ça e deixem-na saber que elas são bem-vindas.

Respondam-nas simplesmente, mas sempre

com franqueza. Não esperem demais – levará

muitos anos para que ela perceba que, tendo

um outro filho, vocês lhe deram um novo rela-

cionamento, que é tão importante quanto o re-

lacionamento com vocês. Ainda assim, quando

os pais entendem e valorizam tudo o que os

irmãos podem dar uns aos outros, eles acham

fácil oferecer esperança e encorajamento, ao

mesmo tempo que aceitam os sentimentos ne-

gativos do filho mais velho.

Tentem não levar o comportamento regres-

sivo para o lado pessoal ou considerá-lo tão

urgente. Vejam-no como necessário para o re-

ajustamento. Apóiem a criança, entendendo

seu sofrimento. Embora o filho mais velho deva

ser supervisionado com o bebê, tente perma-

necer fora do relacionamento deles. A rivalida-

de entre irmãos e o carinho entre eles são dois

lados da mesma moeda – se puderem desenvol-

ver um relacionamento sem a intromissão dos

pais. A chance de aprender a lidar com a perda

de um relacionamento único com os pais pode

ser o presente mais vulnerável que um pai pode

dar para um filho mais velho.

Trocando um pai pelo outro

O pai de Minnie foi à pracinha após seu jogo

de softball. Seu time tinha vencido, e ele estava

animado com o sucesso. Estava jovial e pronto

para a atividade energética de Minnie. Quando

o Sr. Lee entrou na pracinha, sua filha lançou-

se em sua direção. Sem olhar para o rosto dele,

sem chamar por ele, apenas se atirou em seus

braços. Orgulhosamente, ele girou-a no ar. Os

dois tinham esquecido a catástrofe da estatueta

quebrada. A Sra. Lee podia dizer que ele tinha

vencido seu jogo de softball. “Você pode cuidar

de Minnie agora. Eu estou em frangalhos. Olhe

aquele escorregador! Ela fica se balançando lá

em cima!” O Sr. Lee abraçou sua filha. “Que

menina corajosa! Mas cuidado com o escorre-

gador. Ele é muito alto para mim!” Assim que

ele pronunciou seu elogio, ela correu de volta

para o escorregador. Sua impetuosidade deixou-

a desajeitada. Seu pé escorregou através de dois

degraus. A beirada bateu em sua virilha. Ela se

encolheu brevemente e seu pai foi em sua dire-

ção. Mas Minnie ignorou a dor e continuou a

escalar o escorregador alto. Lá em cima, parou

reta. Olhava para a frente o mais longe que

podia ver, mas sua coragem enlouqueceu sua

mãe. Seu pai olhava tudo com orgulho. Sua

mãe prendeu a respiração até que Minnie sen-

tou-se.

O impulso de Minnie para realizar alguma

coisa lhe emprestava um tipo de insensibilidade

à dor. A dor é uma forma de o ambiente dizer:

“Cuidado – você não prestou muita atenção.”

Podemos traçar um paralelo entre a falta de

atenção de Minnie a mensagens de outros e

sua relativa insensibilidade a suas próprias

mensagens internas. Ela pode ignorá-las. Isso

é bom, desde que a dor não esteja sinalizando

perigo real. O encorajamento de seu pai ajudou

a promover sua irresponsabilidade.

Minnie está à mercê de elogios, como toda

criança nessa idade. Ela cresce com eles e tira

coragem deles. Elogio demais ou estressa a

criança por criar um tipo de dependência, ou

perde sua importância completamente. “Ma-

mãe sempre diz que eu sou uma boa menina.”

O elogio precisa ser reservado para realizações

importantes, de modo que transmita seu signi-

ficado total e encoraje mais crescimento. O elo-

gio pode ser um guia poderoso ao que é aceitá-

vel e ao que não é; entretanto, ele também pode

prejudicar a motivação da própria criança, sua

capacidade de tomar suas próprias decisões.

Embora Minnie parecesse prestar pouca

atenção à presença de seu pai, era fácil para

um observador ver que isso afetava sua ativida-

de. Agora, ela queria que ele jogasse bola com

ela. A menina podia lançar a bola com precisão,

se seu pai ficasse perto. Ainda não tinha domi-

nado a tarefa de apanhar a bola, mas o Sr. Lee

tentava mostrar-lhe como juntar as mãos e es-

perar pela bola. Isso não funcionava com muita

freqüência. Minnie queria que seu pai partici-

passe com ela em todos os brinquedos da praci-

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 61

nha. Implorava para que ele brincasse com ela

na gangorra. Ele concordava animadamente e

se sentia um menino novamente. Ele subia, ela

descia. Ele subia, ela batia no solo. Enquanto

brincavam, ele aumentava a excitação batendo

a extremidade de sua gangorra no chão. Minnie

dava gargalhadas. Ele adicionava alguma sur-

presa ao jogo de balançar, batendo sua extremi-

dade primeiro rapidamente, na vez seguinte

lentamente. O pai permanecia embaixo. A filha

ficava lá em cima. Ele fazia a gangorra parar

no meio de um embalo. Ela gargalhava. Ele ado-

rava sua responsividade. Toda vez, ele tentava

uma nova surpresa. Ela ria alto, e ele ria com

ela. Divertiam-se na companhia um do outro.

Nenhum deles prestava atenção no quanto a

Sra. Lee devia sentir-se excluída.

O pai de Tim também chegou à pracinha

para substituir sua esposa. A Sra. McCormick

levantou-se rapidamente, e Tim agarrou-se a

ela ainda mais forte. Ele parecia um macaco

bebê agarrando-se ao pêlo de sua mãe. Ela ten-

tou afastá-lo para entregá-lo ao seu pai.

As mãos de Tim pareciam garras presas à

mãe. Ele tentou apelar para a sucção do polegar,

mas descobriu que isso significava soltar uma

mão. Rapidamente voltou à sua agarração, en-

terrando a cabeça no ombro da mãe.

O Sr. McCormick ficou embaraçado com essa

demonstração de dependência na frente de ou-

tros pais e fez uma breve tentativa de conseguir

a atenção de Tim. “Timmy! Eu vim para ficar

com você para brincarmos juntos. Você não quer

vir comigo?” Nenhuma resposta. Seu pai deixou

cair os braços, resignado. A Sra. McCormick esta-

va segurando Tim um pouco mais apertado?

Ela tinha encorajado o menino a grudar-se ne-

la? Não havia evidência clara disso.

Tim pode sentir que, quanto mais ele se

apega, menor é a probabilidade de sua mãe

deixá-lo. Talvez ela o segure de um jeito que

diz: “Eu não quero deixá-lo. Você precisa de

mim.” Enquanto isso, o pai de Tim sente-se

excluído e impotente; fatalmente gerará res-

sentimento tácito por Tim e sua mãe. Quando

ambos os pais se preocupam com um filho, irão

competir por aquela criança; isso tudo é parte

de uma profunda preocupação. O Sr. McCormick

poderia facilmente pensar consigo mesmo: “Se

ela o desse para mim, ele não seria tão covar-

de.” O apego de Tim aumenta a tensão de seus

pais. Eles provavelmente descarregam-na um

no outro. O menino pode estar pagando um

preço ainda maior – perder a chance de apren-

der sobre sua identidade masculina, perder a

chance de independizar-se da necessidade da

presença constante de sua mãe.

Independência e separação

A creche

Talvez o grande estresse dos pais de crianças

pequenas hoje seja a luta para encontrar uma

creche ideal, compatível com sua renda. A mãe

de Tim teve que voltar ao trabalho após o nas-

cimento do menino, porque a família precisa-

va do salário de ambos os pais. O pai estava

sob demasiado estresse. A Sra. McCormick sen-

tia que precisava deixar de ser “apenas uma

mãe” em casa. Às vezes, ela tinha medo de per-

der sua sanidade. Amava estar com Tim e as-

sistir sua mente observadora, inquisitiva em ati-

vidade. Mas, após três anos de observação e

espera – e preocupação com ele – precisava da

companhia de adultos. Precisava voltar ao tra-

balho – por ela mesma e também pelo dinheiro

extra.

Mas, enquanto pensava em voltar ao traba-

lho, a Sra. McCormick olhava para Tim com

novas preocupações. Será que ele vai ficar bem?

Seu cuidador iria entendê-lo? Ele sofreria? Ela

começou a perceber a extensão de sua própria

ansiedade e até de sua própria dor em deixá-lo

com uma outra pessoa. Tentou preparar-se.

Todos os pais devem passar por isso quando

deixam um filho aos cuidados de outros.

Ela pesquisou para encontrar o lugar per-

feito para Tim. Apelou para amigos e para livros

em busca de orientação. Examinou cada canto

da creche para verificar se havia lugares perigo-

sos, limpeza, proporção de adultos para crian-

ças. (Ver “Creche” na Parte II.) Ela tentou ava-

liar a atmosfera do centro pelo comportamento

das crianças. Os cuidadores gostavam delas?

Eles desciam ao nível das crianças para brincar

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62 Brazelton & Sparrow

e comunicar-se? As crianças estavam felizes e

interessadas? O centro tinha um currículo di-

rigido ao aprendizado da criança? Mas, toda

vez, ela se pegava voltando à questão principal:

“Eles iriam gostar de Tim?” Tim parecia ser

incomum comparado a outras crianças de três

anos. Ela observou cada cuidador em busca de

sensibilidade e uma capacidade de relacionar-

se com crianças tímidas em cada classe. Muitos

dos centros eram francamente orientados a

crianças extrovertidas que se ajustavam e que

sabiam se virar sozinhas. Ela não tinha a menor

idéia de como Tim se ajustaria e ainda menos

fé em se ele poderia ou não se ajustar.

Quando finalmente fez sua escolha, a Sra.

McCormick pode encarar o marido novamente.

Ele tinha desdenhado de quanto tempo ela le-

varia. Quando ela se decidiu por uma creche,

levou o marido para visitá-la. “Você acha que

ele vai se dar bem aqui?”, ela lhe perguntou. O

Sr. McCormick respondeu rapidamente: “Vai

ser bom para ele. Ele vai se tornar um menino

normal. Nós o temos mimado.” Mas, por den-

tro, ele também sentia-se desconfortável. Esses

cuidadores seriam capazes de gostar de Tim?

Desde o princípio, os pais de Tim tinham pensa-

do em contratar uma pessoa para tomar conta

de Tim. Mas simplesmente não podiam se dar

o luxo de ter uma babá; todas que podiam pagar

não tinham treinamento, tinham algum vício

ou comportamento de risco. Uma creche pode-

ria também incentivar Tim a ser como outras

crianças. Ambos sonhavam dia e noite com essa

possibilidade.

Quando chegou a hora de levar Tim para a

creche, a Sra. McCormick sentiu-se quase imo-

bilizada por um tipo de pressentimento. Ficou

dizendo ao filho repetidamente que sempre vol-

taria para pegá-lo. Seu rosto sério fez seu cora-

ção dar saltos. Percebeu que mal podia supor-

tar a separação. Quando ela o pegou aquela ma-

nhã, sua voz estava tão sufocada que nem pôde

dizer bom-dia ao marido ou ao irmão de Tim.

Tim sentou-se silenciosamente, quase impas-

sível, ao lado dela no carro. Nem uma palavra,

nem um movimento da parte dele. Ele parecia

sentir sua tristeza e respeitá-la. Mas sua imobi-

lidade apavorou a Sra. McCormick. E se ele não

conseguisse se ajustar na creche? Ela estaria

lhe causando um mal irreparável ao deixá-lo?

Ele parecia tão vulnerável!

Quando entraram na creche, Tim se enrije-

ceu, mas continuou caminhando ao lado dela.

A Sra. McCormick apertou sua mãozinha. Ela

sentiu uma lágrima brotar em cada olho. A pro-

fessora da creche, Sra. Thompson, veio recebê-

los. “Bem-vindos! Oi, Tim. Espero que você

goste daqui!” O retraimento de Tim, seu olhar

desviado, sua falta de contato com ela, tudo

foi registrado pela Sra. Thompson. Ela parou

de conversar e esperou que a Sra. McCormick

fizesse o próximo movimento. A Sra. McCormick

disse: “Eu acho melhor nos sentarmos aqui um

pouco até que Tim se acostume.” “Por favor,

façam isso.” Durante três dias, Tim e a Sra.

McCormick se grudaram um no outro e obser-

varam as outras crianças brincar. Finalmente,

a Sra. Thompson disse: “Por que não deixa Tim

aqui por uma ou duas horas? Você vai. Ele e eu

nos sentamos aqui e observamos as crianças.”

Ela pensou, “Talvez ele se solte, se sua mãe o

deixar”. A Sra. McCormick disse a Tim diversas

vezes que estava indo. Nenhuma palavra, ne-

nhum movimento, nenhuma resposta da parte

dele. Quando ela finalmente saiu, não pôde sair

realmente. Escondeu-se em um canto, esperan-

do que Tim exigisse que ela voltasse. Nenhuma

palavra, nenhum movimento. Ele ficou sentado

imóvel onde ela o tinha deixado. A Sra.

Thompson tentou diversas manobras para

encorajá-lo a brincar com as outras crianças,

que vinham persuadi-lo. Nenhuma palavra,

nenhum movimento. Finalmente, em desespe-

ro, a Sra. Thompson foi brincar com os outros.

Tim permaneceu calado, imóvel. Após algum

tempo, as outras crianças se acostumaram com

a irresponsividade de Tim; ele sentou-se em um

canto, observando. As outras crianças brinca-

vam na volta dele, basicamente ignorando-o.

De vez em quando, uma criança fazia uma ou-

tra tentativa. “Venha brincar conosco.” Mas

elas sentiam que Tim preferia observar e ser

deixado em paz. Nenhuma palavra, nenhum

movimento da parte dele.

Quando sua mãe voltou uma hora depois,

Tim ainda estava sentado onde ela o havia dei-

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 63

xado. Ele olhou-a sem uma palavra. A Sra.

Thompson assegurou à mãe de Tim que ele tinha

ficado feliz, mas não se mexera. Ela não sabia

como chegar até ele, ela disse. A Sra. McCormick

falou que isso era normal com Tim; a Sra.

Thompson assegurou-lhe que muitas crianças

necessitam que um dos pais permaneça com

ela pelo menos nas primerias semanas.

Para surpresa e satisfação da Sra. McCormick,

assim que eles tinham saído da creche para ir

para casa, Tim se abriu no carro. Contou a sua

mãe sobre as duas crianças que tinham tido

uma briga, sobre a menininha que brincou de

casinha e que tinha alimentado suas bonecas,

sobre o menino que escalara o trepa-trepa e fi-

cara lá pedindo ajuda para descer. Enquanto

falava, seu rosto se iluminou, ele ficou anima-

do. A Sra. McCormick percebeu que Tim tinha

vivenciado todos esses episódios de uma certa

distância. Ele tinha participado observando. Ela

mal podia esperar para contar à Sra. Thompson,

para tranqüilizá-la, assim como ela se sentia

tranqüilizada.

Para a Sra. McCormick, isso pareceu um

primeiro passo em direção à “normalidade”

para Tim. Sua responsividade ao que tinha as-

sistido era um sinal de que tinha se arranjado

sem ela. Um sinal de fracasso teria sido demais

para ela, que precisava da reafirmação dele de

que podia deixá-lo na creche.

A separação pela manhã é sempre um obstáculo

quando as crianças vão pela primeira vez para

a creche. Muitas crianças se desorganizam. Elas

se queixam e choram todos os dias. Quando

têm uma professora com quem se relacionam

bem, isso pode ajudar. Mas a separação prova-

velmente ainda será difícil e dolorosa. Esse pro-

testo é saudável para a criança, mas não é fácil

para os pais. Todos eles devem criar coragem

para sair após um até-logo choroso. Se necessi-

tarem de tranqüilização, podem esperar e obser-

var de um canto. A maioria das crianças pare-

cem readquirir o domínio de si mesmas. Elas

aceitam a oferta de conforto dos cuidadores.

Eventualmente, se voltam para relacionamen-

tos com outras crianças para preencher a per-

da do pai. As crianças realmente aprendem ha-

bilidades sociais e a apreciar seus pares, à me-

dida que fazem esse tipo de ajustamento.

Os pais de Minnie também tinham examinado

todas as orientações para uma creche de alta

qualidade antes de decidirem-se a deixá-la. Eles

observaram medidas de segurança, medidas

nutricionais e medidas de saúde (os cuidadores

lavavam as mãos entre as trocas de fraldas de

cada criança?). Procuraram uma proporção ideal

de adultos para crianças (não mais de quatro

crianças para um adulto) e cuidadores que ti-

vessem experiência com crianças pequenas.

Essa creche custava duas vezes mais do que as

creches que eram menos bem equipadas. Por

exemplo, o custo se tornava quase proibitivo

para mais de um filho de cada vez; isso certa-

mente afetou a decisão dos Lees sobre ter mais

filhos.

A Sra. Lee lembrava que não tinha voltado

ao trabalho até Minnie ter um ano de idade.

Naquela época, tinha sentido uma terrível carga

de culpa e aflição cada vez que tinha que deixar

Minnie. Ela sabia que a menina não seria fácil

para os cuidadores. Seus acidentes tinham pro-

vado isso. Sentia que Minnie era desligada de

relacionamentos sociais e temia o que poderia

acontecer. Todas as mães se perguntam se os

cuidadores irão gostar de seu filho “como ele

é” e incentivarão seu crescimento ideal. A im-

pessoalidade de Minnie podia ser um problema.

A Sra. Lee ficou observando para ver como

a professora entrevistava Minnie e se relaciona-

va com ela. A princípio, os Lees tinham achado

uma coisa boba uma criança de um ano ser en-

trevistada em uma creche, mas posteriormente

ficaram gratos pela entrevista. A Sra. Lee viu a

professora abaixar-se no chão ao nível de

Minnie. Ela tentou conversar enquanto olhava

o rosto de Minnie. Não funcionou. Minnie ficou

mais agitada e ativa. A Sra. Lee ficou ansiosa.

Minnie era realmente uma criança difícil? Ela

pôde ver a Sra. Thompson franzir as sobrance-

lhas levemente enquanto essa pergunta surgia

em sua mente também. Então a Sra. Thom-

pson sentou-se reta, afastando-se ligeiramen-

te de Minnie. Ela desistiu rapidamente de sua

tentativa de fazer contato direto. Em vez disso,

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64 Brazelton & Sparrow

pegou uma boneca e construiu um edifício de

blocos para a boneca escalar, cantando baixinho

para si mesma enquanto construía. Então mo-

veu a boneca e disse: “Agora ela quer caminhar

e ficar de pé sobre os blocos. Quer escalar e ser

uma menina muito grande.” Tão logo a Sra.

Thompson reduziu suas tentativas sociais e co-

locou os brinquedos entre elas, Minnie come-

çou a prestar atenção. À medida que a Sra.

Thompson falava, o interesse de Minnie au-

mentava. Ela moveu-se e sentou-se perto da

Sra. Thompson, que empurrou alguns blocos

para Minnie, mas não disse nada. Minnie ten-

tou construir sobre a casa. Logo as duas esta-

vam brincando juntas. O interesse de Minnie

não desapareceu. Ao final de 15 minutos de

brincadeira, a Sra. Thompson disse: “Eu acho

que agora entendo Minnie e acho que ela me

entende. Podemos fazer isso uma com a outra

e é isso que quero saber. Ela é ativa e não gosta

de aberturas sociais intrusivas, mas ela pode

envolver-se em uma tarefa. Ela pode relacionar-

se com alguém como eu, desde que eu a deixe

assumir a liderança. Gosto de Minnie e acho

que ela gosta de mim. Também acho que vamos

nos dar muito bem.” A Sra. Lee estava quase

em lágrimas, estava tão agradecida! Era um alí-

vio ver alguém com autoridade lutando para en-

tender Minnie da forma como a Sra. Thompson

fizera. Sentia que a Sra. Thompson podia ajudá-

la a entender melhor a filha.

Agora que Minnie tinha três anos, ela e sua

mãe brigavam para que ela se vestisse quase

todas as manhãs. A menos que a Sra. Lee tivesse

escolhido todas as roupas de Minnie antecipa-

damente, a menina era capaz de disparar de

uma lugar para outro, enquanto sua mãe para-

va para escolher roupa de baixo, meias, calças,

camiseta. Quando ela se virava, Minnie não

estava mais. Quando a Sra. Lee tinha localizado

meias e sapatos, ela desaparecia novamente.

Macacões tinham que ser abotoados correndo

de um lado para outro, porque Minnie nunca

parava de se mexer. Os sapatos vinham por últi-

mo; uma vez que eles podiam ser fechados com

tiras de velcro, a menina adorava tirá-los,

colocá-los, tirá-los novamente. Durante todo o

café da manhã, o som rasgado do velcro abafava

os estalidos do cereal. Minnie desafiava sua

mãe a cada refeição. Especialmente no café da

manhã, ela se queixava, subia e descia da cadei-

ra, brincava com seus sapatos. Parecia óbvio

para a Sra. Lee que ela queria adiar a inevitável

partida. Ela não sentia que era particularmente

importante para Minnie. Como ela ansiava por

sinais de ternura!

Minnie descobriu que podia despir-se a ca-

minho da escola, enquanto sua mãe estava diri-

gindo. Ela chegava na escola completamente

nua. A Sra. Lee ficava morta de vergonha.

Embora as professoras dissessem rindo: “Ape-

nas nos dê as roupas dela. Nós a vestiremos.

Ela não nos provoca desta maneira”, a Sra. Lee

ficava embaraçada demais para continuar. O

Sr. Lee assumiu a tarefa de levar Minnie para a

creche. Com ele, a menina não se despia. Os

dois conversavam e riam durante todo o cami-

nho para a escola. Ele lhe contava histórias

absurdas; ela ria e acrescentava uma ou duas

frases. “A vaca saltou sobre o mundo inteiro e

caiu de cabeça para baixo!” Minnie ria: “Seu

leite caiu em cima dela!” Gargalhadas.

Quando chegavam na escola, tinham rido

tanto que era difícil tirar Minnie do assento do

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 65

carro. Ela chutava seu pai, enquanto ele tentava

desafivelar o cinto de segurança. Ele lhe fazia

cócegas e os dois entravam pulando na creche.

Quando Minnie chegou, sua professora, a

Sra. Thompson, disse: “Vejam quem está aqui!

Minnie e seu papai! Bem-vindos.” A Sra.

Thompson deixou o Sr. Lee tirar o casaco e as

botas de Minnie. Ele fez um jogo disso. “Tire

seu casaco, mas não sua camiseta. Tire suas

botas, mas deixe seus pés no lugar.”

Minnie entrou correndo na sala, já cheia de

crianças. Várias a cumprimentaram, e o Sr. Lee

parou para observar. Ele estava fascinado de

ver Minnie assumir um papel de liderança com

seus colegas. Ela pulava, dançava, os guiava até

o trepa-trepa. “Minnie! Minnie!” Ele estava

emocionado. Não conseguia ir embora. Olhou

para o relógio: hora de trabalhar. Ele ignorou o

fato.

A Sra. Thompson disse: “Agora é hora do

círculo!”

Todas as crianças pararam no mesmo ins-

tante o que estavam fazendo, como se tivessem

combinado. Elas desceram do trepa-trepa, cho-

caram-se umas com as outras para encontrar

seus lugares em um círculo. A hora do círculo

era o ponto alto do novo dia. Elas sentaram-se

em um círculo. “Aplausos!” Bem-vinda, Takie-

sha! Bem-vindo, Aaron! Bem-vinda, Rosa!” Ao

redor do círculo, cada um se levantava quando

seu nome era chamado. “Agora vamos cantar

nossa canção matinal!” “Estamos felizes de es-

tar aqui! Todos nós sentimos sua falta na noite

passada!” Enquanto as crianças cantavam,

pronunciando suas contribuições entusiastica-

mente, estendiam os braços e se davam as

mãos. A atmosfera era carregada de sentimen-

tos de ternura. As crianças estavam radiantes.

Minnie ondulou-se com um sorriso para seu

pai, que ainda não conseguira ir embora.

A Sra. Thompson disse: “Agora, cada um vai

contar alguma coisa legal!” Aaron contou so-

bre seu novo porquinho-da-índia chamado

Woodrow. “Ele deixa eu abraçá-lo e faz xixi em

cima de mim!” Todos riram. Isso foi um lembre-

te do quanto eram recentes suas próprias reali-

zações. Algumas delas tocaram suas próprias

calcinhas para sentir se ainda estavam secas.

“Minnie, conte-nos algo interessante!”

“Bem, meu papai me trouxe para a escola. Ele

não foi embora!” O Sr. Lee ficou radiante. Todas

as crianças olharam na direção do Sr. Lee. Que

excitação sua presença causava! Mas isso tam-

bém lembrava as crianças de suas próprias ca-

sas e dos pais que elas haviam deixado.

A Sra. Thompson sentiu isso e apressou-se

em continuar. “Carlos, você é o próximo!”

A creche tinha sido um sucesso desde o iní-

cio; o Sr. e a Sra. Lee tinham confiança de que

Minnie estava em boas mãos. Eles participavam

de todos os eventos de pais por verdadeira grati-

dão. A Sra. Lee usou cada uma das professoras

de Minnie para tentar entendê-la melhor e para

expiar seu sentimento de que não estava “em

sintonia” com sua filha. Embora tenha havido

muitos altos e baixos, as coisas tinham ido bem.

Um dia, recentemente, Minnie tinha se de-

sestruturado na creche um pouco antes da hora

de ir para casa. Quando a Sra. Lee chegou para

pegá-la, a menina encolerizou-se. Atirou-se ao

chão esperneando e gemendo. Quando a Sra.

Lee tentou levantá-la, Minnie chutou o rosto

de sua mãe. A Sra. Lee ficou espantada por esse

acesso de raiva. “Ela está furiosa comigo por

tê-la deixado?”, perguntou-se. O incidente

reviveu todas as suas preocupações. O quanto

esses sentimentos de culpa tornavam mais difícil

para ela enfrentar o acesso de raiva de Minnie e

soltar-se. A professora assistente colocou mais

lenha na fogueira: “Eu simplesmente não en-

tendo; Minnie nunca age assim conosco.” Que

golpe! Naturalmente Minnie nunca age assim

com ela – a cuidadora não é tão importante

assim. Nenhum pai que trabalha está adequa-

damente preparado para o descontrole da crian-

ça que ocorre quando ele entra pela porta ao

final do dia. Pais que precisam deixar seus filhos

todo o dia têm medo de não poderem estar à

altura dos cuidadores; este era o pior pesadelo

da Sra. Lee, e Minnie parecia estar provando

que isso era verdade através de seu comporta-

mento. Mas a observação da assistente é apenas

um exemplo da barreira competitiva entre

cuidador e pai, e a Sra. Lee precisará estar pre-

parada para isso.

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66 Brazelton & Sparrow

A desorganização de Minnie ao final do dia

na creche é muito comum. Uma criança acu-

mula toda sua frustração, toda sua sobrecarga

durante todo o dia. Ela a acumula até estar

dentro de uma zona de segurança que seus pais

oferecem a fim de poder desabafar com eles,

porque esses são seus sentimentos mais pro-

fundos, mais importantes. Ela está dizendo:

“Graças a Deus, você está aqui. Eu posso con-

fiar-lhe meus sentimentos mais profundos e to-

das as minhas angústias.” A Sra. Lee precisa

ouvir isso e entender o que está acontecendo.

Em vez disso, ela sentiu-se dilacerada e culpada

por deixar Minnie. Imaginou que tipo de am-

biente Minnie experimentou o dia inteiro. “Será

que a castigaram e a reprimiram? Ela aprenderá

com essa experiência ou eu a estou condenan-

do a uma vida menor por deixá-la? Minha mãe

sempre estava em casa para mim.”

O pressentimento fatalmente surgirá na mente

de todas as mães; ele reflete o sofrimento que

todos os pais devem experimentar quando com-

partilham a guarda da criança com uma outra

pessoa. Para enfrentar a dor de partilhar sua

filha, a Sra. Lee precisa encontrar uma forma

de lidar com seus sentimentos.

Estas são as defesas universais que os pais

podem usar para lidar com essa dor:

1. Negação – negando que isso diz respeito

a eles ou ao filho, tentando convencer-

se de que isso não é tão importante.

2. Projeção – projetando toda a boa paren-

tagem no cuidador e não sentindo nada

além de culpa por si mesmos – ou o opos-

to: botando a culpa no cuidador por tudo

o que acontece.

3. Afastamento – um distanciamento emo-

cional, uma necessidade de sentirem-se

menos envolvidos com a criança; não se

importando, porque dói muito se impor-

tar.

Essas são defesas universais e, de certo mo-

do, necessárias para lidar com uma separação

dolorosa. Quando elas interferem na confiança

que é necessária entre pai e cuidador, entretan-

to, precisam ser trazidas à tona e compartilha-

das. De outro modo, é muito fácil sentir-se res-

sentido com a professora ou cuidador de seu

filho. “Competição” e uma relação repleta de

estresse poderiam ser o resultado disso.

A mãe de Marcy voltou ao trabalho cedo; ela

precisava de seu salário e não podia tirar os três

meses de licença não-remunerada. Marcy tinha

apenas dois meses de idade. A Sra. Jackson

preocupou-se com meses de antecedência, mes-

mo durante a gravidez, em relação a deixar sua

filha com uma outra pessoa. Seu filho mais

velho tinha experimentado esse tipo de dificul-

dade quando ela voltara ao trabalho – houve

momentos em que ela sentia que o havia perdi-

do e preocupava-se se algum dia poderia tê-lo

de volta.

Agora, Marcy precisava de um cuidador, de

modo que a Sra. Jackson pudesse trabalhar em

período integral sem ter que se preocupar. Ela

escolheu o que lhe pareceu ser uma creche bem

conduzida. Mas os Jacksons logo descobriram

o que todos nós sabemos: que o salário dos fun-

cionários das creches é tão inadequado que a

rotatividade de cuidadores é um grande proble-

ma. Em um ano, Marcy teve quatro cuidadores

diferentes! Como um bebê poderia ajustar-se a

tantas pessoas diferentes? Marcy demonstrava

o estresse das mudanças em casa todas as vezes.

Ela dormia intermitentemente, comia mal,

chupava mais seu polegar. Os Jacksons sentiam

que ela ficava mais apegada e ávida por eles,

cada vez que ela tinha um novo cuidador. Mas

Marcy se recuperava rápido. A cada vez, voltava

ao normal em algumas semanas. Voltava a ser

o bebê alegre, extrovertido após cada episódio

e parecia desenvolver habilidades sociais mara-

vilhosas à medida que crescia. Atravessara cada

período de percepção de estranhos, aos oito,

doze e dezoito meses, com alguma angústia,

mas sem desgaste real e parecia ter aprendido

a apelar para seus pares em busca de conforto.

Sempre que tinha um novo cuidador, Marcy

queria mais tempo de brinquedo com as outras

crianças na classe. A Sra. Jackson percebeu isso

e organizou dias de brinquedo após o trabalho.

Para a Sra. Jackson, tinha havido uma outra

preocupação: “Será que eles realmente gostam

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 67

de crianças negras ou eles a estão recebendo

bem apenas superficialmente? Porque eu preci-

so saber se eles não vão dar vazão a seus senti-

mentos em relação a Marcy quando eu for

embora.” Os Jacksons tinham escolhido uma

creche com crianças de raças e etnias diversas.

Agora, aos três anos, Marcy parecia satisfeita e

tinha um amplo círculo de amigos. A Sra.

Jackson considerava isso como um sinal de que

eles tinham feito a escolha certa desde o início.

Contudo, a Sra. Jackson continuou a imagi-

nar como eram os dias de Marcy. Ela precisava

experimentar por si mesma. Ao invés de impor

horas de visitas rígidas para os pais, nessa cre-

che eles eram bem-vindos a qualquer momen-

to. Embora não seja um bom sinal uma creche

não ter horários de visitas flexíveis, os pais de-

veriam reconhecer que a presença deles é pre-

judicial para as crianças que estão trabalhando

o afastamento dos pais. Percebe-se isso pela ân-

sia que as crianças demonstram em relação a

qualquer pai. Separação e independência po-

dem ser seus maiores desafios nesse momento.

A Sra. Jackson visitou a creche, mas sentiu-

se culpada por ainda nutrir tal desconfiança.

Ela visitou a sala de Marcy e pôde observar sua

filha através de um vidro de uma só direção. A

menina estava orgulhosamente liderando duas

outras crianças ao redor da sala em um jogo de

marchar. Quando suas companhias tentaram

parar, Marcy disse: “Não, continuem até eu di-

zer que é hora de parar!” “Arrogante ela, não?”,

pensou sua mãe. Uma criança começou a cam-

balear. Marcy foi até ela e lhe deu um tapinha

na cabeça. “John, sinto muito.” A Sra. Jackson

ficou surpresa de que Marcy fosse tão simpática.

Fortalecida, a Sra. Jackson entrou na sala.

“Mamãe! Mamãe! Você está aqui!”, gritou

Marcy. Todas as outras crianças se amontoaram

em torno dela. Marcy disse: “É a minha mamãe!

Ela veio para visitar.” A Sra. Jackson sentou-se

em uma cadeira alta. As crianças brigaram por

um lugar no seu colo. Marcy foi excluída. A

Sra. Jackson percebeu isso, quando viu Marcy

do outro lado da sala, chupando seu polegar.

“Marcy, venha aqui. Eu vim para ver você!” Ela

olhou para as professoras, pedindo ajuda para

tirar algumas crianças do seu colo.

A Sra. Thompson veio e pediu que as crian-

ças dessem espaço para Marcy ficar com sua

mãe. “Quando há um pai na sala”, disse ela,

“as crianças sempre nos tratam como se não

estivéssemos aqui ou fossemos peças de mobí-

lia. O pai de qualquer uma serve; o pai não pre-

cisa ser o delas.” Enquanto a Sra. Jackson abra-

çava Marcy, e a menina se aninhava conforta-

velmente em seus braços, as outras crianças ob-

servavam com olhos ternos, ansiosos. Muitas

delas apelaram para seus polegares. Um meni-

ninho tinha uma fralda presa a sua camiseta.

Ele a agarrou e esfregou. Era seu objeto querido.

O fato de essas crianças parecerem tão feli-

zes e bem-ajustadas por um lado, mas demons-

trarem tal saudade por outro, entristeceu a Sra.

Jackson. Ela pegou-se novamente imaginando

se era realmente certo deixá-los. (Ver também

“Trabalho e Atenção”, na Parte II.)

Preparando para a separação

Como os pais auxiliam o ajustamento de seus

filhos quando precisam retornar ao trabalho?

A primeira tarefa dos pais é encarar seus pró-

prios sentimentos de perda. A menos que pos-

sam reconhecer e enfrentar seus próprios senti-

mentos, não serão suficientemente livres para

ajudar o filho com os dele.

Preparar a criança com antecipação é o passo

seguinte. O pai pode dizer:“Você sabe, eu preci-

so deixá-lo na escola. Você e eu vamos sentir

saudades um do outro todo o dia. Mas a profes-

sora estará lá para cuidar de você. E quando eu

voltar no final do dia, você poderá me contar

todas as coisas divertidas que você fez.” Esse

tipo de preparação dá à criança uma chance de

antecipar a separação.

Em seguida, o pai deve estar preparado para

a reação da criança; isso provavelmente será

um momento decisivo em seu desenvolvimen-

to. A regressão é provável e aprofundará a vul-

nerabilidade de um pai em deixá-la.

A criança fatalmente sentirá a ansiedade da

mãe, confundindo e intensificando a sua pró-

pria ansiedade. O comportamento que se vê na

superfície é sua tentativa de lidar com essa difi-

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68 Brazelton & Sparrow

culdade da separação. Logicamente será difícil

porque geralmente é a primeira vez que uma

criança tem que lidar com um longo período

sem um de seus pais. Ela deve encarar um cui-

dador que quer se aproximar dela – invadir sua

dependência de seus pais. Suas reações – apego,

protesto, regressão em casa – são todas expres-

sões de suas tentativas de lidar com a situação.

Seus padrões de reação provavelmente se inten-

sificarão com esse estresse. Ela pode tornar-se

hipersensível a estímulos ou pode retrair-se e

afastá-los, e isso pode ser perturbador. A ativi-

dade motora pode ser afetada – uma criança

tão ativa quanto Minnie poderia tornar-se ainda

mais ativa e mais insensível; ou uma criança

tão calada quanto Tim poderia tornar-se ainda

mais calada e mais imobilizada.

Cobertores, objetos queridos e ohábito de chupar o polegar

A maioria das crianças necessita de um objeto

de transição, especialmente durante a separa-

ção. Uma criança que já se firmou a um cobertor

ou ao polegar está mais bem preparada para

recorrer aos seus próprios recursos. Pais aflitos

poderiam achar difícil observar a criança substi-

tuí-los ativamente por um objeto. Esse é um

momento decisivo no desenvolvimento de uma

criança – aprender a tornar-se ainda mais inde-

pendente. A regressão e a reorganização são ne-

cessárias tanto para os pais quanto para a crian-

ça. Nessas ocasiões, uma criança precisa de uma

lembrança confortadora de casa e do relaciona-

mento familiar. Marcy voltou-se para um amigo

imaginário. “Quando a mamãe sair, vamos con-

versar.” Ela dizia isso em casa e fora dela, sem-

pre quando sua mãe podia ouvi-la. A Sra.

Jackson estremecia toda vez que Marcy falava

com seu amigo imaginário; mas a menina sen-

tia-se segura quando descarregava suas triste-

zas sobre seu amigo. “Mamãe está sempre fu-

riosa. O papai diz para não dar importância.”

O cobertor de Billy assumiu nova importân-

cia, quando ele começou a freqüentar a creche.

Enfiava o dedo nele, cobria sua cabeça com ele

e o chupava. Ele era sujo e malcheiroso, e a

Sra. Stone desejava poder lavá-lo. Uma noite,

enquanto Billy dormia, ela tirou o cobertor fur-

tivamente de sua mão e o levou para lavá-lo.

Mais tarde, um grito penetrante veio do quarto

de Billy. Seu padrasto correu até ele. “Meu co-

bertor! Meu cobertor!” O Sr. Stone reconheceu

sua angústia e correu para recuperar o cobertor

da secadora. Levou-o de volta para Billy, que o

examinou cuidadosamente para assegurar-se

de que era seu antigo objeto querido. Seus solu-

ços diminuíram quando ele o examinou. Era

um objeto diferente. O Sr. Stone desculpou-se,

“Billy, é seu velho e querido amigo. Mamãe

achou que ele precisava ser lavado, mas ainda

é o mesmo.” Billy olhou para ele com olhos tris-

tes, assustados, como se dizendo: “Como você

pôde fazer isso sem me pedir?” O Sr. Stone dis-

se: “Sinto muito termos feito isso à noite. Nós

não pensamos no quanto você ama o cobertor

do jeito que ele era. Você perdoa a mamãe e a

mim?” Ele agarrou Billy e o abraçou. Embala-

ram-se juntos por um longo tempo, enquanto

as lágrimas de Billy diminuíam. Ele se agarrou

ao seu cobertor querido, enfiando o dedo na

sua borda de seda como se isso fosse especial-

mente reconfortante para ele. Os lamentos e

murmúrios de Billy a seu querido amigo, o obje-

to querido, eram um lembrete do quanto era

profunda sua confiança. Finalmente ele ador-

meceu, ainda agarrado a seu amado cobertor.

Na manhã seguinte, quando ele saiu da

cama, Billy anunciou triunfantemente: “Ma-

mãe tentou roubar meu cobertor, mas o papai

o salvou.” Isso era um golpe baixo para a Sra.

Stone e um triunfo para o padrasto de Billy.

Eles precisariam reparar essa falha juntos.

Reconhecer essa necessidade intensificada

de dependência e dar-lhe crédito é uma forma

importante de apoiar a criança através de mu-

dança e estresse. O padrasto de Billy respeitava

a necessidade que o menino tinha de seu objeto

querido. Abraçá-lo sozinho com o cobertor foi

uma outra forma de afirmar os esforços do pró-

prio Billy de tornar-se mais independente. En-

corajar sua esposa a fazer o mesmo ajuda a di-

minuir a barreira que, de outro modo, poderia

intensificar-se entre eles.

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 69

A avó de Tim reconhecia sua fragilidade e queria

ajudar; ela achava que um “objeto querido”

para ele poderia ajudá-lo a proteger-se em situa-

ções estressantes. O menino tinha chupado o

polegar implacavelmente quando bebê. Ele

sempre apelava para seu polegar quando estava

agitado. Sugava alto, como se seu polegar fosse

quase saboroso. Seus olhos se reviravam para

cima, enquanto ele chupava o dedo. A princípio,

os McCormicks não ficaram preocupados, mas,

à medida que seu filho se retraía cada vez mais,

eles responderam tentando interromper o hábi-

to. Quando ele tinha nove meses, eles enrola-

ram seu polegar. Aplicaram remédio com gosto

ruim nele. Quando o menino esfregou o remé-

dio dentro dos olhos, causou-lhe uma conjunti-

vite grave. Finalmente, por sugestão da avó, eles

ofereceram a Tim um cobertor macio para abra-

çar. Ele o enrolou como uma bola, chamava-o

de seu “bebê” e carregava-o por todo o lado.

Freqüentemente agora, quando chupava o po-

legar, e seus pais o repreendiam, era capaz de

desistir do polegar por seu “bebê”. À medida

que ele experimentava cada nova tarefa do de-

senvolvimento – ficar de pé, caminhar, tentar

novas palavras e frases – precisava do seu

“bebê” sempre que chegava a um ponto de frus-

tração.

A Sra. McCormick viu-se ressentida com o

cobertor de Tim tanto quanto em relação ao seu

hábito de chupar o polegar. Ela queria que ele

se tornasse mais extrovertido. Achava que seu

cobertor era apenas uma “muleta” e reforçava

seu retraimento. Ressentia-se disso quando ele

se desestruturava por estar sem o cobertor. Fre-

qüentemente, ela “esquecia” seu cobertor

quando eles saíam. Tim era mais frágil sem ele.

Procurava-o pela casa, choramingando: “Bebê.”

Quando não podia fazer mais nada, ele se en-

tristecia, voltava a chupar o polegar ruidosa-

mente e fechava os olhos, ou enterrava a cabeça

no ombro da mãe. Sua cor mudava, ele tremia

e se enrijecia. A Sra. McCormick sentia o quanto

ele estava aborrecido, então cedia ao seu com-

portamento dependente. Quanto mais sujo e

mais esfarrapado o cobertor ficava, mais devo-

tado Tim era a ele.

Os pais podem achar que, por estar na escola,

agora a criança precise abandonar o cobertor,

ou o bico, ou o polegar. Esse não é o momento

para um passo desse tipo. É hora de aceitar a

necessidade de regressão, enquanto a criança

luta para tornar-se independente. Conforme

Billy e Tim demonstraram, esse é um momento

de maior dependência – não apenas dos pais,

mas do objeto de transição querido que veio

representá-los.

Esse objeto ajuda a criança a acalmar-se

após um evento traumático. Um dia, Minnie

caiu enquanto corria para a escola, esfolando o

joelho. A escoriação parecia séria, mas era su-

perficial. A Sra. Lee sabia que a esfoladura não

necessitava de pontos, mas sabia que doía. Ela

correu com Minnie para dentro de casa para

lavar o joelho com água e sabão e colocar um

curativo. “Não! Não! Não!”, Minnie gritava.

“Mas eu tenho que limpar e fazer um curativo!”

“Não! Não! Não me toque! Está doendo!” Na-

quele instante, a Sra. Lee teve uma inspiração

e se lembrou da boneca preferida de Minnie,

Googie. “Googie também caiu, Minnie. Ela sabe

o quanto seu joelho está doendo. Olhe, ela tam-

bém está chorando. Vamos lavar o joelho dela

e colocar um band-aid nele?” Os olhos de Minnie

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70 Brazelton & Sparrow

se iluminaram. “Oh!” Ela agarrou Googie, em-

balando-a para frente e para trás. A Sra. Lee

trouxe a água morna com sabão. Enquanto la-

vava o joelho de Googie e também o joelho de

Minnie, ela suspirou com alívio. Essa batalha

tinham vencido juntas – ela e Googie!

Reuniões e rituais

Todo pai que deve ficar fora o dia inteiro quer

desesperadamente recuperar o tempo perdido.

Estar juntos novamente deve ser a expectativa.

A noção de “qualidade do tempo” é muito sim-

ples. Ela pode ajudar um pai a sentir-se menos

culpado, mas o que a criança realmente precisa

é de um senso de união e intimidade. Pais que

trabalham podem tentar economizar energia

durante o dia a fim de poderem lidar com a

desestruturação do filho sem eles próprios se

desestruturarem. Então eles podem pegar a

criança no colo para acariciá-la e reunir a famí-

lia ao final do dia.

Eu recomendo uma cadeira de balanço bem

grande. No final do dia, quando chega em casa,

o pai que trabalha não deveria desaparecer den-

tro da cozinha ou do escritório para seus afaze-

res. Deixe para depois. A primeira tarefa impor-

tante é reunir-se como uma família e ficar jun-

tos novamente. Enquanto você embala seu fi-

lho, olhe para seu rosto. “Senti sua falta todo o

dia. Como foi o seu dia?” “Uma droga”. “O meu

também, mas agora estamos juntos.” Quando

o pai sente a criança se amolecendo em seus

braços sem o embalo, pode perceber que estão

juntos como uma família novamente. Naquele

ponto, os pais podem levar a criança para a cozi-

nha com eles. Mesmo sendo pequena, ela pode

ajudar na cozinha; pode colocar os guardanapos

na mesa, misturar alguma coisa e lavar algumas

louças (inquebráveis). Isso pode criar um pou-

co mais de trabalho para os pais, mas é impor-

tante incluir a criança nos rituais diários. Ela

se sentirá orgulhosa e saberá que é uma parte

importante da família, pois está participando

do trabalho como os demais.

Procure arranjar algumas horas durante o

dia nas quais você largue tudo para ficar com

seu filho nos termos dele. É difícil abrir mão de

seu próprio dia, de seu bip, de seu e-mail, de

suas ligações telefônicas, das preocupações de

trabalho que atropelam seus pensamentos;

mas, se você não o fizer, estará passando a men-

sagem para seu filho de que ele vem em segun-

do lugar. Aquela mensagem não é algo com que

um pai possa viver. Você precisa que sua família

venha em primeiro lugar, da mesma forma que

eles precisam disso.

Outros rituais enviam às crianças a mensa-

gem de que “Eu sou seu agora. Sinto sua falta

quando não estou aqui”:

� As horas da manhã podem servir para

ficar juntos antes de você ir trabalhar.

Isso significa levantar-se mais cedo para

organizar-se. Dar às crianças um suco de

laranja na cama, ou quando elas levanta-

rem, para que elas se sintam energiza-

das. Use a hora do café da manhã para

comunicar-se.

� Leitura na hora de dormir, embalo, can-

tar canções juntos se tornam uma hora

de reunião importante. Freqüentemente,

as mesmas histórias repetidamente se

tornam um lembrete de que “isto é o que

nós sempre fazemos. Estamos juntos, e

ler esta história é nosso jeito.”

� A hora do banho pode ser uma hora ma-

ravilhosa apenas para sentar-se e assistir

às crianças brincarem. Você está confir-

mando que os próprios rituais da criança

são tão importantes para você quanto

para elas. Sua chance de auto-exploração

segura, em questões sobre seu corpo, a

oportunidade de compartilhá-las com

você enquanto se senta ao seu lado po-

dem ser poderosas.

Enfrentar as separações é mais fácil para

pais e filhos quando ambos sabem que podem

contar com uma intimidade novamente ao se

reunirem. “A hora do chão” é um conceito do

Dr. Stanley Greenspan. Um adulto se senta no

chão para brincar com a criança e juntar-se a

ela no seu nível. A criança reconhece isso ime-

diatamente. “Ele é meu. Ele quer brincar comi-

go.” Um pai ocupado pode rapidamente trans-

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 71

mitir um senso de focalização inteiramente na

criança. A hora do chão é um tempo de qualida-

de genuíno.

Marcy estava brincando com suas bonecas.

“Esta é a mamãe. Ela me diz: ‘Vá para a cama!’

Meu papai diz: ‘ainda não’.” O irmão de Marcy,

Amos, observava de sua cadeira na frente do

computador. “Brinquedo de maricas – bonecas!

Argh!” O Sr. Jackson entrou na sala e observou

Marcy de uma certa distância. Intrigado, sen-

tou-se no chão perto dela, e Marcy sentiu que

ele estava interessado. “Papai diz: ‘Que menina

boazinha. Ela pode dar saltos mortais!’” A bo-

neca de Marcy virou e virou. A menina gradual-

mente moveu suas bonecas para mais perto de

seu pai. “Esta é a casa. Eles brincam no quintal.

Ela gosta que seu papai a empurre.” Marcy colo-

cou a boneca em um balanço. O Sr. Jackson

estava seduzido. Ele esticou o braço e empurrou

o balanço. Com aquilo, pai e filha cantaram

juntos: “Me embale para cima e para baixo.”

O Sr. Jackson foi sensato em não assumir o

brinquedo, ou usar a chance para tentar conver-

sar. Assistiu e tornou-se disponível para brincar.

Não é fácil para adultos esquecer o papel

parental. É muito fácil querer ensinar “lições”

sobre como viver ou ensinar habilidades; mas

uma criança sente-se mais segura e mais grati-

ficada quando o pai dispõe-se a ser “seu”.

“Você é o papai e eu serei a mamãe”, disse

Marcy. “Agora, seja o bebê e chore. Não, chore

alto.” Após o teste inicial de sua capacidade de

controlar seu pai, Marcy pode deixá-lo entrar

na brincadeira. “Agora, mamãe vai botar você

na cama. Deite.” Quando o Sr. Jackson estava

estirado sobre o tapete, o impulso de Marcy foi

jogar-se sobre seu estômago. Então ela trouxe

um livro para ler para ele e assim reproduzir

seus rituais da hora de dormir. O brinquedo era

a hora em que o pai era seu, quando ela o tinha

todo para si.

A mãe de Marcy achava difícil relaxar dessa

forma. Ela se sentia esgotada por causa de seu

trabalho. O trânsito estava terrível, um longo

engarrafamento. Seu chefe vigiava para ver se

ela chegava na hora. Seus colegas não eram tão

amigáveis quanto gostaria. Tudo isso aumenta-

va o estresse de continuar todo dia. A Sra.

Jackson deixou o café da manhã e a tarefa de

vestir as crianças para seu marido. Um dia,

Marcy disse: “Mamãe, eu nunca vejo você!” A

Sra. Jackson respondeu rapidamente: “Você me

tem todas as noites – e nos fins de semana.”

“Mas eu não a vejo de manhã.” A Sra. Jackson

começou a defender-se: “Eu estou com muita

pressa.” Mas algo dentro dela disse: “Isso é im-

portante. Eu preciso escutar.” Quando ela pega-

va Marcy no colo, havia geralmente uma longa

discussão sobre que roupas vestir. A menina fi-

cava correndo pela casa e estava sempre atrasa-

da para a mesa do café. Elas terminavam bri-

gando, e a Sra. Jackson achava que isso dificil-

mente valia a pena. Ela iria para o trabalho

pronta para uma batalha com seus colegas.

Mas a observação de Marcy prendeu sua

atenção. A Sra. Jackson decidiu mudar o padrão

matinal e estabelecer um novo conjunto de ri-

tuais que os ajudariam a todos: ela acertava o

despertador para meia hora mais cedo e então

havia menos sensação de pressa; escolhia as

roupas de Marcy na noite anterior – apenas

uma escolha no máximo; oferecia à filha um

copo de suco de laranja para ela beber antes de

sair da cama. Algumas crianças podem estar

hipoglicêmicas (baixo teor de açúcar no san-

gue) nas primeiras horas da manhã. Reforçar

o açúcar antes que o corpo em atividade neces-

site dele pode reduzir um pouco do mau-humor

e a disposição para brigar. Muitas crianças cuja

taxa de açúcar no sangue é normal também

respondem positivamente a gestos extras como

o de uma bebida e o de um pai interessado para

começar o dia. Esse breve primeiro momento

juntos também pode acabar com a agitação na

hora de vestir-se e certamente seduz um pai.

Em seguida, a Sra. Jackson providenciava para

que todos viessem para o café da manhã juntos.

Na mesa, ela não deixava lugar para escolhas;

àquela hora do dia era muito difícil de lidar com

isso. Era mais fácil ter um tipo de cereal, um

tipo de torrada e todos comiam ou não. A Sra.

Jackson encorajava sua família a falar sobre o

dia que começava e antecipar o que estava por

vir: “Você vai se encontrar com Billy e Minnie,

Marcy. Eles gostam de você.” Ao final da refei-

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72 Brazelton & Sparrow

ção, todos se despediam com beijos. “Nos vere-

mos esta noite.”

Uma outra forma de compensar as separa-

ções necessárias é estabelecer um “momento”

regular e sagrado – um dos pais para cada filho;

você precisa disso por você mesmo, bem como

por seu filho. O “momento” não tem que ser

longo (não mais de duas horas), mas tem que

ser confiável e previsível. A criança pode deci-

dir sobre o que fazer durante esse tempo. Con-

verse sobre isso toda a semana: “Nós não temos

tempo suficiente para ficarmos juntos agora,

mas teremos. Lembra do nosso momento? Você

pode me dizer o que fazer para variar”.

Valorize todos os rituais – os diários; a hora

das refeições; a saída da creche; o jantar em

família; as horas em que a família pode estar

junta. Os grandes rituais, hora da igreja – Natal,

chanukah, Ação de Graças, Páscoa – se tornam

mais importantes do que nunca. Eles se tornam

oportunidades para proximidade e também

para compartilhar valores familiares. Esses são

momentos para reunir a família extensiva.

Quando os pais trabalham, as crianças precisam

mais do que nunca da estrutura e das expectati-

vas de experiências compartilhadas.

Cada momento ritualizado tem uma forma

de invocar todos os outros que ocorreram e que

ocorrerão. Rituais que envolvem várias gerações

da família aumentam o senso da criança de seu

próprio lugar nessa família. Uma criança tem

um senso de segurança em seu mundo, quando

ela pode alinhar-se ao lado de um pai e de um

avô. Nós costumávamos ir jantar na casa de mi-

nha sogra todo domingo. Todos se queixavam

de “ter de abrir mão de um dia tão lindo” a cami-

nho de sua casa. Mas, depois de termos estado

todos juntos, – três gerações –, cada um de nós

tinha uma sensação de paz. Meus filhos nunca

esqueceram essa ocasião ritual. Os pais de hoje

em dia podem querer arranjar ou reviver esses

rituais e até inventam novos; eles podem agir

como estabilizadores em nosso mundo caótico.

Hora das refeições

Aos três anos, se houve algum problema rela-

cionado com a falta de apetite nos primeiros

dois anos – comer pouco e ganhar pouco peso,

vômitos após as refeições, ocultação de comida,

recusa de um alimento após o outro – é hora

de os pais reavaliarem a situação. Tudo isso su-

gere um risco de problemas alimentares no fu-

turo. Uma criança de três anos pode estar im-

plorando por estrutura na hora das refeições.

Não estará o comportamento da criança indi-

cando que ela não tem o controle da situação,

devendo usar o comportamento desviante para

satisfazer sua necessidade de autocontrole?

Jogos de “quero” ou “não quero” ou implicân-

cias na hora das refeições são sinais de que a

comida perdeu sua importância exceto como

permuta. Mais importante, a hora da refeição

perdeu seu significado como uma hora familiar

para comunicação e intimidade.

Uma criança de três anos acabou de abando-

nar a luta torturante dos primeiros passos por

independência. Aprendeu a dizer “sim” ou

“não”, mas ainda não aprendeu quando procu-

rar um terreno intermediário. Recém começou

a desfrutar do senso de ser capaz de fazer suas

próprias escolhas e tomar suas próprias deci-

sões. Pode dizer “eu quero” e querer dizer isso;

mesmo que seja estonteante para ela. Cada

passo na direção da independência é uma luta.

Alimento, roupas e banho se tornam todos en-

volvidos. Para os pais, isso pode parecer uma

luta pelo poder. Para a criança de três anos, é

uma luta para aprender sobre si mesma.

Minnie recusava-se categoricamente a comer

vegetais. A Sra. Lee não podia aceitar isso. Ela

telefonou para sua mãe para pedir ajuda, por-

que se lembrava de todos os vegetais frescos

que comia quando criança. Ela quase podia sen-

tir o gosto de brócolis em sua boca agora. Odi-

ava brócolis, mas fora ensinada a comê-lo.

“Brócolis contém as vitaminas mais valiosas.

Você vai crescer com cabelo e olhos lindos.” Ela

ainda estava esperando pelas recompensas. Seu

cabelo e olhos eram bons, mas nada que lhe

recompensasse por todos os detestáveis bróco-

lis. Agora, Minnie torcia o nariz para os brócolis

da Sra. Lee, apesar de toda sua engambelação.

Era certo forçá-la? Sua mãe, no telefone, confir-

mou toda a determinação da Sra. Lee. “É claro,

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 73

Minnie tem que ser ensinada a comer vegetais.

Culturas inteiras não comem nada além de ve-

getais e são saudáveis. Como uma criança pode

existir sem eles? Você sempre os comeu. Eu pro-

videnciei isso!” Sem se dar conta, a Sra. Lee

tinha descoberto um “fantasma em sua cria-

ção” que tornava importante para ela forçar

Minnie a comer vegetais.

A alimentação e a hora das refeições prova-

velmente se tornarão um problema no terceiro

ano. As crianças dominaram agora a mecâni-

ca, e as expectativas dos pais por obediência

podem aumentar. A recusa em comer prova-

velmente evocará os próprios problemas dos

pais – a obrigação de alimentar seus filhos jun-

tamente com as próprias experiências passadas

com comida e família. Conseqüentemente, isso

torna-se um momento crítico para diminuir a

luta e transformá-la em uma experiência com-

partilhada positiva. Aprender a comer com a

família – boas maneiras, sentar-se e assim por

diante – é aprendido através de um modelo.

1. As horas das refeições são momentos

para as famílias ficarem juntas. O café

da manhã e o jantar são oportunidades

importantes para rituais e expectativas.

2. Nenhuma criança de três anos aceitará

essas expectativas facilmente, mas elas

devem ser vistas como momentos impor-

tantes para aprender a viver com outros

e aceitar seus valores. Não brigue por

elas, mas não reforce a rebeldia.

3. Se necessário, comece a alimentar a crian-

ça de três anos antes do jantar da família,

de modo que ela possa sentar-se e con-

versar no jantar.

4. Não empurre comida como um problema.

5. Ofereça porções pequenas – menos do

que a criança provavelmente vai querer.

6. Tão logo a criança comece a implicar, a

atirar comida, a deixá-la cair ou a andar

na volta da sala, seu jantar está chegando

ao fim. Ignore seu comportamento, quan-

do ela tentar ser o centro das atenções.

7. Uma vez que a criança seja dispensada,

ninguém deve reforçá-la fazendo piadas

ou brincando com ela.

8. Não ofereça alimento entre as refeições.

Não ofereça lanches. Quando as refei-

ções terminam, a comida não está mais

disponível.

9. Não converse sobre ou ensine maneiras

à mesa. Maneiras e padrões são aprendi-

dos através de modelos aos quatro ou

cinco anos.

10.Mantenha seus próprios padrões durante

toda a refeição – não importa o que aconteça!

(Ver também “Problemas de Alimentação”

na Parte II.)

Problemas de sono

O sono é um problema de separação para pais

e filho. A separação à noite pode ser difícil para

todos os pais que ficam fora durante o dia. Os

pais que trabalham não conseguem abandonar

o filho à noite, e ele não consegue separar-se

de seus pais. A hora de dormir e os episódios

de despertar durante a noite se tornam “oportu-

nidades” para uma reunião de pai-filho. O sono

é uma separação mais séria do que pode parecer.

À noite, Tim implorava que lhe contassem uma

história após a outra. Em certo ponto, ele indi-

cava uma necessidade de ouvir música na hora

de dormir. Seus pais cediam. Achavam que a

música poderia ser um calmante para um uma

criança com sono leve. Eles tentaram música

clássica. Tim choramingava. Tentaram rock and

roll. Isso simplesmente parecia acelerá-lo, como

qualquer um poderia ter previsto. Finalmente,

tentaram Ella Fitzgerald e suas canções de

amor. Tim as adorou. Ele se enroscava, polegar

na boca, cobertor enrolado como “seu bebê”.

Mas o Sr. e a Sra. McCormick descobriram que

Tim exigia que se trocasse de CD assim que ele

terminasse. A princípio, eles foram complacen-

tes. Finalmente, uma noite após três trocas, o

Sr. McCormick se rebelou. “Por que ele precisa

de todas essas trocas? Nós simplesmente não

podemos parar após uma troca?” A Sra.

McCormick resistia. Ela tinha de volta em sua

mente a dificuldade que tivera em acudir Tim

a cada três horas, quando ele era menor. Ele

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74 Brazelton & Sparrow

tinha tido um terrível problema de sono no pri-

meiro ano. Ela tinha amamentado e embalado

o filho para dormir em seus braços. Após

colocá-lo delicadamente em seu berço, ela es-

capava silenciosamente. Mas cada três ou qua-

tro horas, a cada ciclo de sono leve, quando ele

despertava, chorava e se debatia no berço, ela

tinha corrido até ele. Ela tinha cantado, emba-

lado e acariciado para ele adormecer de novo.

O Sr. McCormick tinha se enfurecido: “Você não

fez isso para Philip. Deixe-o sozinho.” A tensão

deles cresceu quando Tim passou a despertar a

cada quatro horas.

Finalmente, em desespero, no ano anterior,

a Sra. McCormick tinha procurado ajuda para

os problemas de sono de Tim, que ficava acorda-

do e acabava precisando dela quase seis horas

por noite. Ela tinha virado uma ruína privada

de sono. O especialista salientou que ela nunca

tinha ajudado Tim a aprender a dormir por con-

ta própria. Quando o colocara no berço, ela ti-

nha se tornado uma parte do padrão de sono

dele. Embalava-o para dormir em seus braços,

preocupada com sua sensibilidade. Se o colocas-

se no berço antes de ele adormecer, ele saltava

e chorava. Cada vez que despertava de um ciclo

de sono leve – a cada três a quatro horas – ele

se desestruturava e não tinha nenhum padrão

para voltar a dormir que não envolvesse sua

mãe. “Você precisa deixar isso para ele. Se for

muito difícil para você, por que não deixar seu

marido ajudá-lo a aprender a dormir?” Isso

nunca lhe tinha ocorrido. Ela tinha medo que

o pai de Tim dissesse: “Simplesmente deixe-o

chorar.” Ao contrário, o especialista sugeriu:

“Vocês não precisam abandonar Tim, mas vocês

precisam deixá-lo aprender que pode voltar a

dormir por conta própria. Comecem quando

vocês o colocarem no berço pela primeira vez.

Embalem, cantem, leiam para ele como tem

sido seu ritual. Mas coloquem-no na cama após

ele estar calmo e quieto, mas antes de adorme-

cer. Então sentem e dêem tapinhas nele, dizen-

do: ‘Você consegue, você consegue’. Dêem-lhe

seu objeto querido e mostrem-lhe seu polegar;

deixem-no saber que esses são substitutos para

vocês.” A Sra. McCormick estremeceu.

O especialista previu que o processo levaria

várias semanas. E levou, mas Tim logo foi capaz

de dormir a noite toda despertando apenas uma

vez. Sua mãe estava agradecida. Seu pai estava

aliviado. Tim estava orgulhoso.

Agora, quando Tim começou na creche, sua

dificuldade renovada em separar-se e dormir

sozinho à noite reviveu todos os antigos medos

de seus pais. Ele parecia ainda mais frágil nesses

dias. Sua mãe e seu pai estavam tão sintoniza-

dos com as vulnerabilidades de Tim que temiam

uma regressão aos problemas de sono anterio-

res. Isso tornou-se um novo momento decisivo.

Os pais de Tim examinaram as mudanças

na vida dele. Sua mãe estava trabalhando e o

menino apenas começando a sentir a sua pró-

pria necessidade e a dos outros de fazer relacio-

namentos. Também pode ter havido outros

estresses que eles não tinham identificado, e

esses eram bastante suficientes para ocasionar

a regressão à noite.

Estabelecer limites e um final firme às exi-

gências foi tranqüilizador para Tim, como teria

sido para qualquer criança. Seu pai disse-lhe:

“Dois CD’s são suficientes. Nós vamos trocá-lo

uma vez e colocá-lo para dormir. Enquanto isso,

você tem seu polegar e seu ‘bebê’. Você assume

o resto e vai dormir.” Tim precisava da tranqüi-

lização daquele tipo de firmeza. Prolongar sua

aparente carência para uma briga familiar fa-

talmente passaria a mensagem errada e reforça-

ria seu senso de si mesmo como vulnerável.

Dos três anos em diante

A criança de três anos apenas começou a ter

consciência de como pode aprender sobre seu

mundo – e sobre ela mesma. Aos dois anos,

estava presa dentro de si mesma, tentando en-

tender a diferença entre “sim” ou “não” “que-

ro?” ou “não quero?”. Agora, sua perturbação

ainda está lá, mas ela exerce mais controle sobre

quando e por que a irá demonstrar. Aprendeu

que, se necessitar de atenção, pode atirar-se ao

chão em um acesso de raiva deliberado, um

contraste com aqueles que pareciam vir de não

sei onde há apenas um ano. Se quiser carinho,

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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 75

pode fazer um apelo apropriado por ele – e ge-

ralmente pode consegui-lo. Ela está apenas co-

meçando a sentir o quanto seu comportamento

pode ser poderoso. Com esse senso de poder,

veio a fala; ela pode moldar o mundo com sua

linguagem. Também molda a si mesma, e isso

lhe traz uma nova consciência.

Ela começou a aprender sobre tempo, sobre

espaço e sobre responsabilidade para com os

outros. Esta última é em resposta à percepção

de que outras pessoas são importantes para ela

– muito. Quer pendurar-se na mamãe e no pa-

pai – freqüentemente ao mesmo tempo. A cons-

ciência de seu gênero – e como cada um dos

pais representa o seu próprio gênero – está des-

pontando. Tornou-se consciente de que ainda

tem necessidade de outras pessoas – irmãos,

colegas – e está começando a perceber que pode

afetá-los. Ela está começando a ter consciência

de que pode ferir outras pessoas, bem como

agradá-las. O uso mais importante de toda essa

consciência é aprender sobre si mesma: seu

gênero, sua individualidade, sua competência

e como se sente em relação ao seu mundo.

Com todo esse crescimento, haverá “mo-

mentos críticos” durante o ano que incluem re-

gressão e desgaste. Não é de admirar que esses

períodos de regressão sejam tão dramáticos –

para pais e filhos. Quando consegue readquirir

o domínio de si mesma, a criança tem uma

enorme sensação de orgulho e poder. Ela pode

afetar seu mundo – e está começando a saber

disso. A seguir, seu mundo a ensinará sobre

quem ela está se tornando.