134495614 cap 01 3 a 6 anos momentos decisivos do desenvolvimento infantil
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3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 19
primeira parte
Dos três aosseis anos
Na pracinha
A pracinha estava cheia. Crianças correndo com
seus cuidadores ou suas babás, e as mães agru-
padas nos bancos. Vários cães correndo em
grupo voltavam ocasionalmente para cheirar os
pés de “suas” crianças antes de retornar para o
grupo. As crianças tinham, na sua maioria, me-
nos de quatro anos. Seus irmãos estavam na
escola – pré-escola e escola “de verdade”. Livres
da pressão da dominação de seus irmãos, as
crianças de dois e três anos corriam de uma
atividade para outra. Pais ou cuidadores atentos
precisavam correr para cima e para baixo com
elas para manter as conversas. As crianças eram
estimuladas a acompanhar as atividades umas
das outras. As caixas de areia eram as áreas
silenciosas. Os escorregadores e o carrossel
eram locais ativos. Quatro crianças, dois meni-
nos e duas meninas – nossos quatro atores prin-
cipais neste livro – faziam parte dessa confusão.
Um menino ativo e um menino tranqüilo, Billy
e Tim; uma menina persuasiva, Minnie; e uma
menina alegre e extrovertida, Marcy, brincavam
com as outras crianças.
Billy, um menininho alegre, ativo, chegou
neste cenário com sua mãe. Seu rosto redondo
tinha uma aparência de querubim. Suas boche-
chas macias e cheias, seus olhos grandes, seu
cabelo revolto, sua tagarelice e dedo na boca –
tudo parecia planejado para torná-lo cativante.
Era difícil não querer abraçar Billy. Quando ele
estava disposto, tudo bem. Mas quando não
estava, ele se esquivava. Ele queria ficar livre
para perambular, indagar, descobrir seu mundo.
Ele ainda parava com os pés separados, embora
mais firmemente agora. Ocasionalmente, tro-
peçava. Ele estava afobado. Ainda não tinha
dominado o planejamento motor, antecipando
como seu corpo teria que se mover a compasso
para chegar aonde queria. Aos três anos, chegar
lá é mais importante do que imaginar como.
Na maioria das vezes, contudo, seu desenvolvi-
mento motor lhe permitia movimentar-se com
maior segurança e domínio. Como resultado,
ele queria estar com todos, mas nem sempre
com pessoas que representassem abraços. Ele
precisava explorar o mundo; e, para ele, a parte
mais importante do mundo eram as pessoas.
Billy era sempre sorridente e sociável. Ele
se aproximou de um grupo de crianças de três
anos na caixa de areia. “Oi. Eu sou Billy.” Nin-
guém levantou a cabeça. Impávido, ele se sen-
tou ao lado de um menino que estava fazendo
um castelo de areia. Imitando-o, começou a
fazer um castelo exatamente como o da outra
criança. Sem se olharem, os meninos torna-
vam-se cada vez mais conscientes dos movi-
mentos um do outro. Billy pegou uma tigela,
encheu-a com areia, e virou-a no chão; quando
1Três anosO que eu faço tem importância
22 Brazelton & Sparrow
ele a desvirou, a areia tomou a forma da tigela.
A outra criança ficou claramente impressiona-
da. Os dois chegaram mais perto um do outro
e começaram a construir juntos. A mãe de Billy
estava impressionada com a capacidade de Billy
de se “entrosar”.
Assim que Billy fez uma amizade, as outras
crianças pareceram reconhecer a força deles
como um par. “Billy, olhe aqui.” “Tommy, você
me ajuda a construir?” Eles chegaram mais
perto uns dos outros. Uma outra criança, uma
menina, reconheceu uma afinidade com Billy.
“Você tem cabelo encaracolado. A sua mãe faz
isso?” “Faz o quê?” “Encrespa ele. Meu cabelo
é encaracolado, também, mas as crianças ca-
çoam de mim.” Billy retornou a sua construção
de areia como se isso tivesse que ser ignorado.
A menina chegou mais perto dele. “Quer andar
na minha bicicleta?” Billy olhou para ela, ani-
mado. “Claro.” Ela correu até seu triciclo. Billy
seguiu-a o mais rápido que podia. Ela segurou
no guidão enquanto ele subia. Assim que se
acomodou, ele tentou pedalar. A princípio, seu
pé escorregou. A menina riu. Billy olhou em
volta, embaraçado. Colocando seu pé mais reto
sobre os pedais, ele começou a mover-se, mas
para trás. Ela riu. “Assim não”, disse. Billy per-
cebeu seu erro e começou a pedalar para a fren-
te. Orgulhoso de sua realização, ele começou a
gritar: “Olhem!” As outras crianças de três anos
pararam para olhar com admiração.
Aprender a pedalar um triciclo é uma grande
façanha. De caminhar a correr e a empurrar
um carrinho são marcos na vida de uma criança
de dois anos. Então, um ano mais tarde, ser
capaz de dar impulso, de alternar os pés, de
pedalar com suas próprias pernas e ser capaz
de inverter o movimento é uma vitória impor-
tante para uma criança de três anos. Não é de
admirar que Billy estivesse orgulhoso. Sua ca-
pacidade de controlar seu próprio comporta-
mento para adaptar-se ao de outras crianças, e
ingressar em suas brincadeiras, é uma medida
de sua capacidade de adaptação. Ele está ansio-
so para conquistar essas crianças para brincar
com elas. Sua persistência e determinação em
ter sucesso na interação social é uma amostra
de seu temperamento.
A mãe de Billy sentou-se no banco com as
outras mães. Ela estava confiante de que Billy
poderia tomar conta de si mesmo. Ele já sabia
como tranqüilizá-la com sua habilidade? En-
quanto ela observava Billy com as outras crian-
ças de sua idade, ela percebeu o quanto ele era
carinhoso. Um certo momento, uma criança
atirou um punhado de terra nele. Billy olhou
firme para o culpado. “Não! Não atira.” A Sra.
Stone ficou fascinada com o fato de que ele ti-
vesse assimilado sua repreensão e estivesse
agora pronto para usá-la para proteger-se. Em
vez de atirar terra de volta, ele tinha usado pala-
vras que ouvira antes. As outras crianças olha-
ram com surpresa, escutaram e pararam.
Marcy já estava na área dos brinquedos. Em-
bora ela ainda caminhasse, às vezes, com passo
incerto – movendo-se com seu andar de base
larga, com passos bastante desajeitados, era bo-
nito observá-la. Se ela tropeçava, caía e levanta-
va em um único movimento sem parar. Seu
olhos faiscavam. Seu sorriso era contagiante.
Ela subia a escada com deliberada concentra-
ção, mas escorregava quando distraída. Subia
e descia do escorregador. Andava em seu triciclo
com destreza. Em casa, conseguia colocar a cha-
ve na porta da frente, embora tateasse desajei-
tadamente, e podia desamarrar seus próprios
sapatos. Ela podia empilhar dez blocos um em
cima do outro formando uma torre, colocando
cada canto precisamente em cima do topo do
bloco de baixo.
Como sua mãe, Marcy era alta – alta para
sua idade. Sua pele era de uma cor chocolate
claro, seus cachos macios, apertados, eram de
um preto brilhante. Ela era encantadora. Seu
lindo rosto com seus olhos negros, atraentes,
olhavam para você com confiança. Quando seu
rosto se abria em um sorriso, era de emocionar.
Ela era animadamente responsiva, e todos à sua
volta pareciam responder a ela.
Quando entrou na pracinha, ela já entrou
pulando. Seus membros eram flexíveis e fortes,
com covinhas ainda em seus cotovelos e ao lado
dos joelhos quando começava a correr. Então,
a ligeira amplitude em seu andar parecia desa-
parecer, ou quase. Essa imaturidade quase im-
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perceptível faz um adulto sentir-se mais prote-
tor do que se sentirá em relação a Marcy aos
quatro e cinco anos. Mas os movimentos de
Marcy são intencionais e entusiasmados. De-
monstram impetuosidade com aventura, e todas
as atividades de Marcy parecem visar à diversão.
Cada novo objeto precisa ser examinado, ser
experimentado. Uma grande folha deve ser de-
senterrada e virada para um exame minucioso.
Uma pedra torna-se um objeto de curiosidade –
“Ela é pesada? É áspera? Está suja? O que há
debaixo dela?” Aquela minhoca se contorcendo
deve ser pega e examinada. Uma admiração ativa
marca cada experiência. Cada folha é a primeira.
Marcy corria para cada criança. “Estou
aqui!” Ela esperava uma resposta antes de pas-
sar para a próxima criança. Ao se aproximar de
um menininho que estava sentado no colo de
sua mãe, ela o cumprimentou. Quando ele se
retraiu e se virou para sua mãe, ela repetiu seu
cumprimento apelando para a mãe dele. Com
sensibilidade, ela baixou sua voz para dizer “Eu
sou Marcy. Eu também sou tímida.” Ela obvia-
mente não era.
Naturalmente, as outras crianças começa-
ram a dar-se conta de sua presença. Várias delas
começaram a segui-la. Ela rapidamente tornou-
se a líder das crianças de sua idade. Ela levava
seu papel a sério. “Vamos para os brinquedos.”
Os outros a seguiam. “Vamos atravessar o tú-
nel.” Eles a seguiam. “Vamos andar na minha
bicicleta.” Eles a seguiam. Todos eles tentaram
subir no triciclo ao mesmo tempo. Ele virou.
Ninguém conseguiu andar.
Todas as realizações de Marcy eram acompa-
nhadas por seu bom coração. Embora freqüen-
temente tivesse que se esforçar para completar
uma tarefa, ela terminava com um largo sorri-
so. Parecia como se estivesse não apenas satis-
feita consigo mesma, mas quisesse comparti-
lhar sua alegria no sucesso com os outros. Isso
não era feito com qualquer fanfarronice, mas
mais com o sentimento de “Não é divertido es-
tar vivo?”. Não é de admirar que ela fosse po-
pular com seus pares e com os adultos que a
encontravam. “Ela é sempre assim?”, as pes-
soas perguntavam. “Ela sempre foi encantado-
ramente fácil”, era o que sua mãe respondia.
24 Brazelton & Sparrow
“Quando bebê, ela parecia apreciar tudo o que
fazíamos para ela. Seu irmão era exatamente o
oposto. Ele é mais fácil agora, mas não era no
início. Todos adoram Marcy. Seu irmão gostaria
de tornar sua vida difícil, mas ela o venera e
aprende muito com ele. Ele não consegue ficar
zangado com Marcy por muito tempo.”
Tim sentou-se, observando as outras crianças
do colo de sua mãe. Ele tinha ido à pracinha
apenas uma vez antes, mas havia apenas uma
criança. Ele tinha se agarrado a sua mãe, escon-
dendo seu rosto no ombro dela. Após alguns
minutos, ele tinha começado a espiar a outra
criança. Sua mãe sentia o quanto ele estava an-
sioso por conhecer e entender outras crianças.
Ela trouxera Tim novamente hoje, esperando
que ele ficasse tímido. E ele ficara. Mesmo junto
com seu irmão mais velho, ele se agarrava a
sua mãe ou seu pai. Todos em casa tinham cons-
ciência da timidez de Tim. Isso os atemorizava.
Quando bebê, ele era quieto demais, facilmente
perturbado por ruídos e pessoas. Seus pais o ti-
nham protegido, porque parecia muito doloroso
forçá-lo. Se eles levavam Tim a uma festa baru-
lhenta ou a um lugar cheio de pessoas, ele ficava
trêmulo. Ele se esquivava daqueles que chega-
vam perto, desviando o rosto e os olhos. Em
casa, ele era igualmente calado e retraído. Ele
era claro, entretanto, em relação a suas necessi-
dades – fome e sono – e fazia algumas exigên-
cias. Neste sentido, seus pais achavam que ele
tinha sido fácil. A princípio, eles o tinham
levado a todos os lugares, assim como a seu
irmão mais velho. Mas ele era muito calado,
muito pouco irresponsivo quando eles saíam
com ele. As pessoas se perguntavam porque ele
era tão calado. Quando a família voltava para
casa, Tim chorava muito, em longos soluços, o
que apertava o coração de seus pais. Era mais
fácil simplesmente ficar em casa com ele.
Tim tinha andado na época esperada. Tinha
falado no momento certo. Cada marco em seu
desenvolvimento tranqüilizava seus pais de que
ele estava indo bem. Esta criança calada era
tão meiga! Quando uma nova pessoa vinha à
sua casa, ele escondia seu rosto ou tapava os
ouvidos. Quando começou a andar, ele desapa-
recia silenciosamente. Sua própria mãe tran-
qüilizava o Sr. McCormick; ela chamava seu fi-
lho de “meu calado e sensível Tim”.
O irmão mais velho de Tim, Philip, implicava
com ele. Tim se iluminava quando conseguia
sua atenção. As intenções de seu irmão, entre-
tanto, não eram tão benignas. Ele procurava
as fraquezas de Tim. Quando Philip via Tim
abrir-se para ele, ele aumentava a implicância.
“Nyah, nyah, nyah. Olha o Tim, ele é um bebê.”
Tim ficava ansioso. Então Philip tentava apos-
sar-se do cobertor de Tim. Tim não suportava
isso. Ele se enroscava como uma bolinha para
proteger o cobertor. Ele choramingava silencio-
samente e chupava o polegar ruidosamente –
o pedido mais declarado de ajuda. A Sra. Mc-
Cormick corria para Tim para pegá-lo no colo.
Ela se sentava em uma cadeira de balanço, can-
talorando em voz baixa. Tim relaxava visivel-
mente. Seu rosto se iluminava. Ele olhava em
volta e mostrava interesse por tudo, mas apenas
enquanto estivesse seguro no colo de sua mãe.
A Sra. McCormick sabia que era necessária. O
irmão mais velho de Tim retirava-se, irritado e
frustrado. “Tim sempre consegue o que quer.”
Quando a Sra. McCormick segurava Tim em
seu colo na pracinha, ela se sentava sozinha
em um banco do lado oposto das outras mães
como se tivesse vergonha do apego de Tim. Ela
sabia que se ela se sentasse com as outras mães,
todas elas lhe dariam conselhos: “Simplesmen-
te coloque-o no chão e deixe-o chorar – ele vai
superar isso.” “Minha filhinha era exatamente
assim, mas ela finalmente se acostumou com
as outras crianças.” “Convide uma criança para
brincar com ele. Assim ele pode aprender sobre
outras crianças.”
Eles observaram as outras crianças brincan-
do, e, à medida que a Sra. McCormick foi rela-
xando, a vigilância de Tim começou a diminuir.
Ele procurou seu cobertor. Ele ficara em casa,
então ele agarrou-se ao vestido da mãe, aper-
tou-o em uma mão, e chupou seu polegar com
a outra. Enquanto fazia isso, ele começou a rela-
xar. Ele observava e observava. Ele até começou
a falar sobre as crianças que estava observando.
“Ele não gosta daquele escorregador. Ele não
quer subir nele.” Ele não estava falando para
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 25
ela, mas ela podia dizer que essa era uma ten-
tativa de Tim participar com as outras crianças.
Algumas das outras crianças de três anos
eram curiosas em relação a Tim e sua mãe. Elas
os observavam pelos cantos dos olhos. Após
uma menininha ter se machucado em um brin-
quedo, ela aninhou-se no colo da mãe; ela chu-
pava seu polegar e manuseava o vestido de sua
mãe como se estivesse imitando Tim. Quando
as outras crianças viram, elas olharam para Tim
e para a menininha. Elas tinham feito a associa-
ção. A completa dependência de Tim era uma
ameaça a todas elas, porque elas apenas recen-
temente haviam começado a viver por conta
própria. Um menininho correu até a Sra.
McCormick: “Põe ele no chão! Faz ele brincar!”
Nesta idade, todas as crianças ainda estão ela-
borando sua independência. É assustador ver
alguém representando sua própria luta.
Minnie entrou correndo na pracinha. Suas per-
nas e seus braços pareciam asas, seu rosto, an-
sioso. Enquanto corria, ela se inclinava para a
frente, como se suas pernas não fossem conse-
guir levá-la até aonde ela queria ir. “Ei, estou
aqui!”, gritou ela para ninguém em particular.
Sua mãe caminhava silenciosamente atrás dela.
Ela não esperava acompanhá-la. Durante estes
três anos, a mãe de Minnie tinha se perguntado
de onde Minnie tinha vindo. A doce, paciente
e cativante irmã mais velha de Minnie, May,
não tinha preparado seus pais para Minnie. Ela
era diferente de tudo o quanto a Sra. Lee jamais
havia vivenciado. Um rolo compressor, ela nun-
ca parava de se movimentar. Ela escalava, ela
saltava, ela testava cada peça de mobília, cada
pedra da calçada, cada brinquedo da pracinha.
Enquanto sua mãe a observava, seu coração pal-
pitava a cada nova audácia da filha. A advertên-
cia, “Minnie, não suba até em cima até eu che-
gar aí!”, foi ignorada. Minnie parecia ter sido
engolida pela excitação física do movimento.
Ela tinha um tipo de imprudência que fazia sua
mãe exasperar-se ao observá-la. Quando a Sra.
Lee chegou ao “grande” escorregador, Minnie
já havia subido e descido do outro lado. Quanto
mais a Sra. Lee tentava acompanhá-la, mais
Minnie parecia acelerar-se. Quando Minnie
voltou para subir, sua mãe segurou seu braço
em uma tentativa de fazê-la desacelerar;
Minnie desvencilhou-se e continuou subindo.
Sua imprudência, misturada com sua capacida-
de de realizar essas proezas físicas, faziam sua
mãe sentir-se desconecta e um pouco inútil.
O pai de Minnie adorava a intrepidez atlética
de sua filha. Ele a valorizava intensamente. Va-
lorizava sua capacidade de atingir objetivos
atléticos, e ela sabia disso. Havia um vínculo
tácito entre eles. De tempos em tempos, ele di-
zia: “Minnie, você é incrível! Eu não posso
acreditar na rapidez com que você sobe no es-
corregador!” Ela, entretanto, nunca parecia
responder a ele, embora ele acreditasse detectar
um ligeiro sorriso após suas palavras de enco-
rajamento. Minnie prestava pouca atenção ao
pai quando ele tentava desacelerá-la com pala-
vras. Em vez disso, ele a atirava para cima no
ar. Ela gritava de alegria. Eles inventavam todo
tipo de jogos juntos. Quando ela queria brincar,
pedia o “carrinho de mão”. Ele a segurava pelos
tornozelos, a levantava e ela corria pelo chão
com as mãos. Então, exausta, ela caía no chão
tão forte que seu pai se perguntava se não a
machucara. Ela ria de contentamento: “Mais!
Mais!”
Em desespero, a Sra. Lee incluía o marido
quando era necessário disciplinar Minnie, mas
as tentativas dele de corrigi-la eram provavel-
mente quase tão ignoradas quanto as dela. Ten-
tar parar essa menininha ativa era como tentar
represar um rio violento.
A pracinha é freqüentemente a primeira aven-
tura de uma criança no mundo mais amplo.
Aqui, as crianças aprendem com e sobre outras
crianças, sobre a individualidade de cada uma.
Os seres humanos são animais sociais desde o
início. No começo, os bebês são “ligados” para
procurar e envolver-se em relacionamentos. Por
volta dos três anos, eles não apenas aprende-
ram, mas podem pensar sobre a importância
da comunicação e das relações com os seme-
lhantes. “Você é meu melhor amigo.” Relacio-
namentos sustentadores com os pais estabele-
cem o tom. Uma criança sabe o quanto pode
ser recompensador olhar, falar, escutar, tocar e
26 Brazelton & Sparrow
exigir atenção de um adulto importante. Os ir-
mãos foram modelos para o aprendizado sobre
relacionamentos ambivalentes – às vezes rivais,
às vezes carinhosos, mas sempre excitantes. Um
irmão fornece os lados positivo e negativo de
um relacionamento apaixonado, bem como a
oportunidade sedutora de envolver um pai, que
tentará acabar com a rivalidade!
O grupo de iguais oferece às crianças uma
janela para dentro da qual elas podem olhar e
ver a si mesmas. Freqüentemente, elas estão
no mesmo estágio de desenvolvimento, lutando
com os mesmos problemas, encarando as de-
mandas dos próximos passos do desenvolvi-
mento. Contudo, elas também são diferentes.
As diferenças oferecem um caleidoscópio de ex-
periências, uma forma de testar quais poderiam
ser nossos próprios sentimentos. Uma criança
pode ver-se em um espelho, à medida que expe-
rimenta as reações de outra criança. A chance
de brincar com seus iguais e modelar-se a partir
de suas reações e seus estilos de aprendizado
oferece a oportunidade para aprender sobre si
mesma.
As crianças de três anos são agora menos
dominadas pelo angustiante negativismo. Não
mais ligadas ao brinquedo paralelo das crianças
de dois anos (embora mesmo nesta idade, as
crianças já sejam mais interativas do que se
pensava antes), elas são agora capazes de pres-
tar atenção à outra criança de uma forma mais
complicada – lendo sinais, combinando ritmos
de resposta, aguardando e ficando atentas à
outra resposta – o ritmo de interação. Elas po-
dem aprender a ler os choros da outra criança
e responder a eles adequadamente. Desde o iní-
cio, o bebê aprende a partir de interações com
cuidadores atenciosos; mas aprender como cap-
tar e responder a iguais com suas próprias agen-
das é um passo maior.
Com seus iguais, uma criança pode provar
e experimentar seu próprio impacto sobre o
mundo à sua volta. Ela pode começar a apren-
der sobre si mesma como participante ativa no
mundo, não mais apenas dentro de sua própria
família.
Temperamento
Na pracinha, as crianças deixam muito claro
suas diferenças individuais em suas brincadei-
ras, na forma como fazem relacionamentos. A
forma como as crianças adquirem os próximos
passos evolutivos variará de acordo com sua in-
dividualidade, pressionando seus pais a encarar
cada “momento decisivo” de forma diferente,
também. O temperamento, um conceito valioso
para os pais, descreve as diferenças no modo
como as crianças recebem, digerem e expres-
sam suas experiências. O entendimento das
variações de temperamento de cada criança
pode nos esclarecer sobre a forma como a crian-
ça lida com novas experiências do desenvolvi-
mento, suas respostas a cada desafio que en-
contra à medida que se desenvolve.
Certas mudanças do desenvolvimento, cer-
tos momentos decisivos, provavelmente serão
perturbadores não apenas para os pais, mas
para a família inteira. No entanto, os pais que
aprenderam a entender o temperamento da
criança podem confiar na forma individual de
cada criança preparar-se para um desafio,
transformando o tumulto em um evento mais
previsível. O temperamento é constituído de
muitos fatores: nível de atividade, distratibili-
dade, persistência, abordagem/retraimento, in-
tensidade, adaptabilidade, regularidade, limiar
sensorial, humor. Provavelmente, esses traços
sejam, em grande parte, inatos. Stella Chess e
Alexander Thomas identificaram esses elemen-
tos do temperamentos das crianças e salienta-
ram o quanto eles afetam poderosamente o re-
lacionamento pais-filho. Chess e Thomas cria-
ram o termo ajustamento de boa qualidade para
descrever quão bem o temperamento do filho
e dos pais pode misturar-se em um relaciona-
mento íntimo e sustentador. Meu primeiro li-
vro, Infants and Mothers, demonstra como o estilo
ou temperamento do bebê afeta as reações dos
pais desde os primeiros dias. No processo de
ajustamento, o bebê e o pai desenvolvem uma
previsibilidade de expectativas um com o outro.
O entendimento dos pais em relação ao tem-
peramento de seu filho limita a imprevisibili-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 27
dade das formas que tomarão as mudanças do
desenvolvimento.
Se os pais puderem aceitar e valorizar a for-
ma de saudação de seu filho e como ele dirige
sua vida, eles darão uma contribuição positiva
para o senso de conquista e auto-estima da
criança. Se os pais puderem apreciar o estilo
do filho se proteger de sentimentos ou expe-
riências que o sobrecarregam, eles estarão
apoiando seu senso de segurança. A primeira e
mais importante tarefa de um pai é entender a
criança como indivíduo. Isso significa estar
atento, escutar, observar cada mudança em seu
desenvolvimento e as formas individuais com
que ele domina seu ambiente. A nova energia
requerida para cada nova tarefa é abastecida
quando uma criança encontrou suas próprias
estratégias para lidar com a mudança. Os aspec-
tos estáveis do temperamento de uma criança
fornecem a base para a instabilidade e a excita-
ção que vêm com cada novo momento decisivo.
O temperamento é fixo? Ele é preditivo do
futuro? De certa forma, sim. Mas muitas coisas
influenciam o temperamento; dentre elas a ma-
neira como os pais entendem seu filho e inte-
ragem com ele, e as experiências (positivas e
negativas) que desafiam as estratégias usadas
para lidar com seu filho.
Por volta dos três anos, o temperamento se
tornou uma parte segura e reconhecível do rela-
cionamento pais-filho. Ele não pode mais ser
desconsiderado. Um pai não pode mais esperar
mudá-lo. A poderosa contribuição da criança
afeta cada aspecto da interação: comunicação,
atenção, cuidado e disciplina. A menos que seu
poder seja entendido, um pai pode facilmente
sentir-se manipulado e impotente.
Os pais são ajudados a entender o tempera-
mento do filho quando vêem a criança como
um participante ativo em seu relacionamento.
As chances de conseguir se ajustar aos ritmos
e à linguagem comportamental daquela crian-
ça – o “ajustamento de boa qualidade” – au-
mentam significativamente. Também ajuda,
quando os pais são capazes de entender seus
estilos particulares e de ver suas próprias rea-
ções como subjetivas.
Três agrupamentos de características variam
de acordo com cada criança e afetam a forma
como ela lida com seu mundo. Juntamente com
os ritmos individuais de sono, fome e outras
funções corporais, eles definem o temperamen-
to da criança:
1. Orientação à tarefa – intervalo de aten-
ção e persistência, distratibilidade e nível
de atividade.
2. Flexibilidade social – abordagem/retrai-
mento (como uma criança lida com os
estímulos externos) e adaptabilidade.
3. Reatividade – limiar sensorial de respon-
sividade (alto ou baixo), qualidade do
humor e intensidade de reações.
Observem as diferenças na maneira em que
as quatro crianças que acabamos de conhecer
abordariam a chegada a uma piscina. Marcy,
por exemplo, abordaria a tarefa com a determi-
nação de ser bem-sucedida. Se ela tivesse que
vencer seus medos em relação a entrar em uma
piscina, ela observaria as outras crianças da sua
idade. Ela as abordaria com “É divertido?”
28 Brazelton & Sparrow
“Está fria?”. Quando elas a recebessem com
uma resposta, qualquer que fosse, ela sentiria
um vínculo que a ajudaria a dominar sua ansie-
dade. Ela olharia para seu irmão, Amos, e para
seus pais, para ver se eles estavam atrás dela.
Ela colocaria um pé na água para experimentá-
la. Deixando-o ali até acostumar-se com a água
e a temperatura, ela então escorregaria para
dentro d’água. Ela olharia para as outras crian-
ças buscando aprovação. Se nenhuma respon-
desse, ela chegaria perto de uma outra criança
na água. Logo elas estariam brincando juntas
na piscina.
O temperamento de Tim seria claramente
evidente em sua abordagem esquiva à piscina.
Ele ficaria assoberbado pelas várias visões e
pelos sons reverberantes: o cheiro do cloro, os
choros altos e os ecos do barulho das crianças
na água, a alegria frenética. Lutando, mesmo
apertado nos braços de sua mãe, ele conseguiria
cobrir o rosto com a blusa dela. À medida que
ele gradualmente relaxasse em seu colo, pode-
ria espiar através da cortina que baixara. Com
um olho, ele observaria as outras crianças.
Quando elas gritassem, ele estremeceria. Se al-
guém sentasse ao lado de sua mãe, ele se retrai-
ria ainda mais em seu colo. Se o pai ou o irmão
tentassem persuadi-lo a sair de seu abrigo, seu
rosto se franziria. Ele se encolheria em uma po-
sição fetal e deixaria o mínimo possível de pele
à mostra. Sua mãe, sem intenção, reforçaria
esse comportamento, protegendo-o da pressão
a que o pai ou o irmão o estivessem submeten-
do. “Ele simplesmente não está pronto. Ele é
muito sensível.” Enquanto isso, com um olho,
Tim assistiria à atividade das outras crianças
na piscina.
Billy, entretanto, se precipitaria para a pisci-
na. “Oi, crianças!” De pé na borda da piscina,
ele olharia em volta procurando um amigo. Ele
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 29
observaria a atividade com fascinação, tão inte-
ressado que poderia inclinar-se para a frente e
cair dentro da piscina. Se isso acontecesse, sua
mãe correria para retirá-lo. Engasgado e tossin-
do, o rosto vermelho, Billy soltaria um gemido
e um minuto mais tarde diria: “Me deixa ir. Eu
estou pronto.” Logo ele se tornaria o líder, en-
quanto nadasse em volta na parte mais rasa da
piscina. Rindo, ele poderia respingar água na
mãe: “Billy, pare com isso. Lembre-se de manter
a cabeça levantada! Olhe pra você agora. Você
vai se engasgar.” Como se relembrando rapida-
mente da tragédia recente, Billy pareceria
ansioso por um momento, mas então se voltaria
para as outras crianças. “Vamos brincar!”
Minnie, naturalmente, correria para a pisci-
na, imprudente; sua mãe em alarmada perse-
guição. “Minnie, cuidado! Isto não é uma pisci-
na rasa. É de verdade. Não entre. Deixe-me
ajudá-la!” Mas Minnie simplesmente se jogaria
na água. A água tinha que servir. Espirrando,
espalhando água, ela ficaria de pé para mergu-
lhar. Ignorando as outras crianças, ela espalha-
ria água excitadamente. Quanto mais água ela
espirrasse, mais ela tossiria. Irreprimida, ela
correria na volta ignorando sua mãe, e estimula-
da por seus apelos ansiosos para “acalmar-se”.
Minnie poderia causar tanto tumulto na água
que as outras crianças começariam a evitá-la.
Estas crianças, com seus diferentes tempe-
ramentos, têm quase tanto efeito sobre seus
pais quanto seus pais têm sobre elas. Elas es-
tão moldando o tipo de parentagem que estão
recebendo, bem como seus próprios futuros. A
ansiedade inevitável dos pais sobre o futuro
muitas vezes pode ser aliviada, se eles puderem
aprender a aceitar – e até valorizar – o tempe-
ramento de seus filhos e suas formas de respon-
der a dificuldades e novas experiências.
Uma “criança difícil”
Os pais de Minnie enfrentaram problemas de
temperamento cedo. Uma criança ativa, que di-
rige sua energia para realizações motoras,
Minnie sempre estava em dificuldades. Aos três
anos de idade, ela tinha caído seriamente três
vezes – uma vez ela tinha sofrido uma concus-
são, outra ela tinha quebrado um braço e a ter-
ceira ela tinha caído sobre uma pilha de casca-
lho e arranhado seu rosto e seus braços. Contu-
do, ela sempre se recuperava, impávida e pronta
para outra. Era sua mãe que mais sofria com
os reveses de Minnie.
Devido à impulsividade, freqüentemente a
menina estava longe da ajuda de um adulto.
Era difícil acompanhá-la. Mas mesmo perto,
ela podia criar problemas. Quando ela tinha 15
meses, sua mãe estava cozinhando, e Minnie
estava quieta. Aquilo deveria ter sido um sinal
de que alguma coisa estava errada, conforme
lembrou a Sra. Lee, mas Minnie a tinha esgota-
do tanto que ela estava aliviada por estar sozi-
nha. Minnie estava brincando em um canto,
de modo que parecia segura. Quando a Sra. Lee
olhou para a filha, viu, para seu horror, que
Minnie estava bebendo avidamente de uma
garrafa de detergente. A Sra. Lee ficou apavo-
rada e ligou para a emergência. Quando a equi-
pe de emergência chegou, Minnie estava borbu-
lhando tanto que mal podia respirar. Ela foi le-
vada às pressas para o pronto-socorro e passou
a semana seguinte em tratamento intensivo,
borbulhando. Ela teve que ser colocada em um
ventilador a fim de que o oxigênio pudesse ul-
trapassar as bolhas e chegar a seus pulmões;
sua sobrevivência parecia muito difícil.
Os pais de Minnie sentiram-se pressionados
contra a parede. Ela aprendeu com a crise? Não.
Seus pais aprenderam? Sim. Eles aprenderam
a nunca confiar nela. Eles aprenderam que não
podiam deixá-la fora de suas vistas nem por
uma fração de segundos. Eles recolheram ra-
toeiras e venenos e tomaram precauções que
nunca haviam sido necessárias com sua primei-
ra filha. Eles trancaram armários, limparam
prateleiras. Cobriram todas as tomadas elétri-
cas. Eles seguiram as regras no folheto sobre
venenos e acidentes, enviado por um hospital
infantil. Eles se abaixaram sobre as mãos e os
joelhos e olharam o mundo do ponto de vista
de uma criança pequena. Apesar de tudo isso,
Minnie ainda encontrava um jeito de envolver-
se em problemas.
30 Brazelton & Sparrow
Os pais de Minnie consideravam-na uma
criança “propensa a acidentes”. A Sra. Lee sen-
tia-se na beira de um precipício quando estava
com Minnie. Todo tipo de castigo – desde “sus-
pensão” até mantê-la confinada em seu quarto,
desde repreensão até a retirada de recompensas
– falhou. Minnie era impulsiva demais para
esse tipo de ação disciplinar breve. Durante as
suspensões, ela esperava pacientemente, então,
uma vez liberada, prosseguia em seu comporta-
mento como se nada tivesse acontecido. Seus
pais começaram a perceber que Minnie estava
dando pouca atenção a suas advertências com-
preensivelmente gastas: “Cuidado! Tenha cui-
dado ou você vai se meter em problemas nova-
mente.” Eles viam que sua tarefa era tentar
fazê-la desenvolver um senso de responsabili-
dade e consciência.
O perigo em ter que vigiar uma criança todo
o tempo até que ela seja capaz de assumir res-
ponsabilidade por si mesma é que toda essa
atenção dos pais perpetua a atividade impru-
dente. Como os pais podem estar em constante
vigilância para a próxima catástrofe, sem inad-
vertidamente instigar a criança a ela? A criança
começa a experimentar a atividade imprudente
como uma forma de permanecer no foco de
seus pais. Isso era especialmente um risco para
Minnie, que podia perceber que era muito mais
compensador para seus pais cuidar de sua filha
mais velha.
Minnie não era apenas imprudente. Ela era
muito adepta a proezas físicas. Elas eram sua
oportunidade de reconhecimento. Outras crian-
ças a admiravam. Mas ela raramente respondia-
lhes. Um menino de sua idade poderia dizer:
“Oi! Vamos andar de escorregador juntos.” Ig-
norado. “Ei, quer brincar comigo?” Ignorado.
Os pais de Minnie se perguntavam se não have-
ria algum problema com a audição de sua filha,
pois ela parecia tão inacessível. Seus pais viam
que, quando brincava com uma criança de sua
idade, ela tinha bastante consciência da outra
criança, embora não parecesse interessada em
seu amiguinho. Talvez ela ainda não soubesse
como demonstrar seu interesse por uma outra
criança. Quando seu pai tentava uma nova ati-
vidade, como jogar bola, era evidente que ela
estava observando com atenção. Ela aprendia
o jeito dele de atirar a bola, observando-o. Não
é de admirar que o Sr. Lee fosse “fisgado”.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 31
O repertório social limitado de Minnie alie-
nava os outros e a deixava isolada. Outras crian-
ças, por exemplo, já tinham consciência de que
deviam ficar em fila para andar no escorregador.
Seus pais os lembravam e continham. Eles pre-
cisavam dos pais para aventurar-se no escorre-
gador grande. Minnie não. Ela empurrava as
outras crianças de seu caminho enquanto corria
para o escorregador. A Sra. Lee sentia-se inca-
paz de controlá-la e ficava embaraçada. Ela ten-
tava dizer: “Minnie! Espere! Não é sua vez! Ve-
nha aqui e eu espero com você.” Nenhuma res-
posta de Minnie. A Sra. Lee murchava por den-
tro. Ela sentia que Minnie tornava seu papel
na pracinha de mera observadora, não de par-
ticipante. Ela observava os rostos das outras
crianças de três anos, invejando a obediência
delas às orientações de seus pais. Quando um
pai dizia: “Não, apenas aguarde na fila”, as crian-
ças paravam obedientemente, procuravam a
mão do pai, às vezes colocando um polegar na
boca. O par ficava em um tipo de entendimento
e intimidade que a Sra. Lee tanto desejava.
Minnie subia no escorregador novamente.
A Sra. Lee estremecia a uma fração de segundos
de inabilidade. Minnie escorregava em um de-
grau, mas rapidamente endireitava os pés e re-
cuperava o equilíbrio. Sua mãe tinha que ad-
mirar sua flexibilidade. Ela tinha visto Minnie
andar cedo aos nove meses. Ela a tinha visto
subir escadas aos doze meses e descer de volta
com competência. Ela a tinha visto escalar seu
berço para descer aos dezoito meses. Minnie
tinha ficado tão encantada consigo mesma que
a Sra. Lee podia festejar com ela. Mas sua velo-
cidade incomodava sua mãe. Será que Minnie
realmente precisava dela?
Qualquer uma das outras mães podia ter
dito a Sra. Lee para ser firme e decidida. Por
que ela não podia? Minnie teria escutado, à sua
maneira, assimilando alguma coisa, mesmo
que ela ainda não estivesse pronta para usá-la.
Mas era difícil para a Sra. Lee reconhecer por-
que Minnie era uma criança que ainda comuni-
cava o que estava aprendendo por meio de sua
atividade mais do que por palavras. Os pais de
crianças de três anos já estão começando a con-
tar com a linguagem para saber quando seus
filhos estão aprendendo. O aprendizado de
Minnie ainda era expressado por comporta-
mento motor. Isso, juntamente com a indife-
rença de Minnie, fazia a Sra. Lee sentir-se inútil.
Sentindo-se inútil como mãe, cria um tipo de
desespero irritado, que pode tornar uma mãe
ainda menos eficiente. A Sra. Lee se continha,
ou reagia apenas experimentalmente, porque
ela tinha medo de expressar sua brabeza em
relação a Minnie. Elas não tinham um relacio-
namento fácil.
Aprendizado
Curiosidade
Por que as estrelas ficam lá no céu? A excitação em
aprender sobre seu mundo é evidente nas per-
guntas de uma criança de três anos sobre tudo.
Sua curiosidade nunca parece satisfeita. “Por
quê?” é um tema repetidamente recorrente,
todo o dia e até mesmo noite adentro.
Um problema para os pais nesta idade pode
ser dar respostas que tenham significado para
uma criança de três anos. Tentar explicar por
que um carro anda pode ser uma tarefa impor-
tante. Lembram da causalidade de uma criança
de dois anos? “Se você der corda em um brin-
quedo, ele vai andar. Se você não der, ele não
vai andar.” Se traduzido para a pergunta “Por
que o carro anda?”, a resposta seria simples:
“Porque você gira a chave.” Mas o padrasto de
Billy agora acrescenta: “Você ouve o barulho
do motor? Ele liga quando eu giro a chave. A
chave liga o motor. O motor é o que impulsiona
o carro a andar. Ouve isso? Quando eu desligo,
ele pára.” A expressão de Billy é de espanto.
“Ohhh.” O padrasto observa a reação de Billy.
Ele parece reconhecer o poder da chave, da mão
que a girou, do motor invisível e do adulto que
sabe tudo isso. Billy olha para o rosto de seu
padrasto como se fosse fazer a próxima pergun-
ta: “Mas por que ele anda se você gira a chave?”
Como Billy poderia entender aquilo? Em vez
disso, ele fala abruptamente: “Eu quero fazer
isso.” Após algumas tentativas de girar a chave,
ele salta do colo do padrasto para correr para
seu carro de brinquedo. Ele salta para o assento
32 Brazelton & Sparrow
e faz o carro andar com seus pés. Como se não
bastasse, e não bastava, ele sobe em seu triciclo
e tenta pedalá-lo para “fazê-lo andar”. A asso-
ciação entre o “porquê” original e fazer o triciclo
andar pode ter passado desapercebida para o
adulto que observa. Não para ele. Em vez de
ficar intrigado pelo que ele não pode entender,
Billy transformou essa simples comunicação
em uma ação que ele mesmo pode realizar.
Billy tem que absorver a relação causal entre
o girar da chave e o movimento do carro. A
ânsia de Billy em entender esses passos e as
vistosas explicações de seu padrasto dirigiram-
no para o triciclo, sobre o qual ele tem controle.
Ele está se esforçando para fazer a associação à
sua própria maneira. Billy sabe que pode apren-
der fazendo. Ele não exige mais de seu padrasto,
porque ele sente os limites de seus poderes ex-
planatórios; e o Sr. Stone se sente aliviado por
ficar livre de uma situação difícil.
Um outro tipo de aprendizado é experimen-
tar alguma coisa: “Deixe-me fazer isso sozi-
nho!” Com isso vem o apelo irresistível: “Me
ajude! Me mostre!” Billy e sua mãe estavam
no estacionamento de um imenso centro co-
mercial perto de sua casa. Billy estava exausto,
e a Sra. Stone estava correndo para levá-lo para
casa antes que ele se desgastasse. Enquanto ela
o arrastava para dentro do elevador, ele tropeça-
va e ficava para trás. Ela pegou-o no colo. “Va-
mos, Billy. Estamos indo para casa.” Ele chora-
mingava. A Sra. Stone apertou o botão sem pen-
sar; a criança de três anos ao seu lado desfez-
se em um acesso de gritos. “Eu queria fazer!”
Billy berrou. Sua mãe também estava cansada.
“Na próxima vez.” Billy continuou gritando. Ela
reconheceu sua “oportunidade perdida”. Eles
subiram até parar. Ela então deixou Billy pres-
sionar o botão para voltar para baixo; ele estava
de novo no controle e alegremente pressiona-
va e pressionava e pressionava.
Tendo se tornado consciente de que o botão
“fazia andar”, o passo seguinte de Billy é ver
que se “eu empurro o botão, eu faço ele andar”.
Uma sensação de poder! Uma criança de três
anos exige aquele poder e tem dificuldade em
abandoná-lo. Tendo se perguntado “por que o
elevador anda?”, ele encontra sua resposta: “Eu
consegui!” “Eu fiz ele andar!”
A intensa tendência ao domínio que a crian-
ça de três anos revela é um momento crítico
em seu desenvolvimento e apresenta novas
complexidades para seus pais. Juntamente com
seu novo esforço para entender “por que” e “o
que faz as coisas andarem”, está uma nova ca-
pacidade de testar essas perguntas. Com isso
vem a frustração e o desgaste quando ela se
depara com o que não pode entender ou com o
que não lhe será permitido fazer para entender
e exercer seu domínio.
O próximo dilema da Sra. Stone era por
quanto tempo ela deveria deixar Billy operar o
elevador. Uma outra família entrou. A menini-
nha tentou empurrar Billy, e um outro acesso
estava para começar. A mãe da menininha ten-
tou contê-la. Billy triunfou. Mas a mãe de Billy
sentiu a importância de limitar suas ações. Ela
o puxou para perto de si. “Billy, você teve sua
vez. Agora é a vez desta menininha.” “Eu quero
fazer! Eu quero fazer!” A outra família estava
intimidada por suas exigências exaltadas. A
Sra. Stone agarrou-o com força. “Sinto muito,
Billy. É a vez dela.”
Para os pais, há um novo equilíbrio a ser
considerado. Quando é hora de apoiar a explo-
ração? Como um pai pode dizer quando a explo-
ração foi longe demais e deve ser interrompida?
Um pai pode deixar-se levar pela tranqüilidade
que vem com a limitação da exploração, mas
um outro – por medo de impedir a curiosidade
importante para o aprendizado – pode tolerar
risco ou dano suficientemente violento para
amedrontar a criança. Ambos os pais podem
temer a perda de uma certa intimidade.
Deve-se permitir que a criança experimente
tudo? Toda pergunta deveria ser respondida?
Um pai gostaria de encorajar uma busca por
conhecimento, mas sem sobrecarregar uma
criança com respostas complicadas. A coisa
mais importante a ser lembrada é que a criança
desejará ter a sensação de domínio por si pró-
pria. Seu mundo ainda faz sentido apenas
quando diz respeito a ela. A fim de entender,
ela pode ter que agir, usar seu corpo, ver seu
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 33
corpo fazer as coisas acontecerem e também
ouvir suas perguntas respondidas. Nem limitar
a exploração, nem soltar as rédeas é certo todo
o tempo. Os pais terão que encontrar um equilí-
brio que eles possam tolerar e que se ajuste ao
estilo de aprendizado de seu filho.
Um dia, Marcy perguntou a seu pai: “Como
essas pessoas entram dentro da TV? Elas são
pessoas de verdade?” O Sr. Jackson mal sabia
como responder-lhe. “Que boa pergunta! Ligue
o aparelho e você tem uma imagem daquelas
pessoas. Quando você desliga, elas vão embora.
Elas estão apenas representando para nós, em
algum lugar longe daqui, e a TV mostra suas
atuações como uma imagem. Elas são pessoas
de verdade, mas elas não estão dentro da TV.”
Marcy ligou e desligou a televisão. “Aonde elas
foram?” Pai: “Elas ainda estão aí. Você está ven-
do a imagem delas. Quando você desliga, a ima-
gem delas sai de suas vistas. Mas elas ainda
estão lá em algum lugar. Elas ainda estão atuan-
do. Mas nós não as vemos.” Como alguém po-
deria entender isso? A resposta atrapalhada do
Sr. Jackson não pareceu adequada para ele.
Nem para Marcy, mas ele queria encorajá-la a
fazer essas perguntas. O que ele deveria fazer?
Seu objetivo era não tentar ajudá-la a entender
completamente, mas encorajar sua imaginação
inquisitiva. Muitas partes de nossas vidas são
complexas e difíceis de entender em qualquer
idade. Se o pai de Marcy une-se a ela com sua
própria admiração, provavelmente ela não de-
sistirá de sua curiosidade. Ligar e desligar a TV
ajudou-a a dominar a pergunta. As respostas
eram apenas uma provocação.
(Quando criança, eu me perguntava, na
época antes da televisão, onde estavam as pes-
soas no rádio da família. Meu irmão menor e
eu desmontamos todo ele para descobrir. Quan-
do minha mãe chegou em casa e encontrou o
precioso rádio em pedaços no chão, nós acanha-
damente explicamos: “Estávamos procurando
o locutor.” Eu me lembro da dificuldade que
ela teve para esconder seu sorriso.)
34 Brazelton & Sparrow
Tim estava sentado na varanda com seu pai.
Uma lagarta caiu da árvore sobre a mesa onde
eles estavam sentados. Ele e seu pai assistiam,
enquanto a lagarta se arrastava em cima da me-
sa. “Olhe aonde ele vai”, Tim sussurrou excita-
damente. O Sr. McCormick podia ver isso na
observação concentrada de Tim e disse timida-
mente: “Tim, como você sabe que esta lagarta
é um menino?” Tim respondeu rapidamente:
“Oh, ela é um menino.” “Como você pode di-
zer?” “Seu cabelo é espetado para cima – exata-
mente como o meu.”
Diferenças de gênero
As crianças de três anos entendem as coisas
em termos concretos que se baseiam em suas
percepções; uma característica visível é sufi-
ciente para colocar alguma coisa em uma cate-
goria. Diferenças genitais estão fora da visão a
maior parte do tempo, portanto, elas não são
predominantes nas mentes de crianças de três
anos. Se fosse pressionado a nomear as diferen-
ças entre um menino e uma menina, Tim se
referiria aos atributos que ele mais vê: cabelo
comprido; meninas usam vestidos, meninos
não; meninas brincam com bonecas, meninos
não. Características simples distinguem dife-
renças importantes.
Uma percepção importante para uma crian-
ça de três anos é que todo mundo é um menino
ou uma menina, e eles são diferentes. “Como
você sabe se é uma menina?” “Porque ela não
é um menino.” “Mas como você sabe?” “Eu
apenas olho.” “A mamãe é uma menina?” “Não,
ela é uma mamãe!” “Bem, quem é menina?”
“Susie.” “O papai é um menino?” “Não, bobo.
Ele é um papai.” “Quem é menino?” “Eu.”
Uma criança de três anos sabe que meninos
e meninas não são iguais e nunca serão, embora
um menino possa dizer acanhadamente: “Quan-
do eu crescer, eu quero ser uma menina.” Ele
sabe e também sabe que sabemos.
Quem apresenta as diferenças mais óbvias,
mais significativas? Mamãe e papai. Não é de
admirar que uma das primeiras tarefas na busca
de uma criança de três anos por si mesma e seu
gênero seja aprender sobre mamãe e papai e re-
conhecer seus diferentes significados para ela.
As diferenças estavam lá desde o início. Pais
e mães têm ritmos diferentes. Já aos dois meses
de idade, os bebês aprendem as diferenças na
comunicação e nas brincadeiras de seus pais.
Desde a mais tenra idade, os bebês reagem com
surpresa e prazer a uma mudança em suas ex-
pectativas do ritmo com o qual aprenderam a
interagir. Eles podem diferenciar mãe e pai por
meio dos padrões de ritmo de suas interações.
Quando o bebê tem entre seis a oito meses,
a mãe agirá de uma certa maneira quando
brinca com ele. Se ele estiver acomodado em
sua cadeirinha de bebê, ela se sentará calma-
mente na frente dele, se inclinará sobre ele para
envolvê-lo tranqüilamente com sua voz, seu
rosto, suas mãos. Ela dirá: “Olá! Você pode dizer
olá para mim?” “Gugu.” “Isso. Agora outro.”
“Gugu.” “Mais um.” O bebê olha para ela com
olhar suave. Os braços, as pernas, o rosto se
animam e se estendem, para recolher-se em rit-
mos tranqüilos e leves. Esses ritmos calmantes
se tornam o que o bebê espera de sua mãe.
Não com os pais. Um pai excita naturalmen-
te. Quando os pais se sentam na frente de um
bebê, eles recostam-se como se estivessem in-
teiramente confortáveis. Então, como se para
alertar o bebê muito quieto, eles começam a
cutucá-los. Eles cutucam dos pés até o topo da
cabeça. O bebê de dois meses se sobressalta,
então se ativa parecendo ansioso e surpreso.
Seu rosto se ilumina, os ombros para cima, os
dedos das mãos e dos pés apontados na direção
do pai. O pai começa a cutucar novamente –
do pé à cabeça. Ele cutuca três vezes. O bebê
solta gritinhos de prazer a cada vez. Todo seu
corpo mostra as diferentes expectativas que
foram estabelecidas por essa diferença previsí-
vel nas rotinas da brincadeira. Por volta das oito
semanas, o bebê assumirá uma aparência de
antecipação, aumentada quando ouve a voz ou
vê o rosto de seu pai. Daí em diante, seu pai o
saúda com brincadeiras vigorosas.
Violações de ritmos, violações de expectati-
vas que foram criadas no brinquedo rítmico
desde a infância se tornam uma fonte garantida
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 35
para humor. Mesmo com bebês, primeiro esta-
belecemos um ritmo quando brincamos de es-
conde-esconde. O ritmo molda a expectativa.
Então, quando violamos a expectativa quebran-
do o ritmo, o bebê ri. Esses jogos se tornam
ainda mais prováveis ao final do primeiro ano.
As violações se tornam oportunidades para
o bebê aprender sobre expectativas. Elas evo-
cam o comportamento do bebê para restabele-
cer o que ele esperava. O humor vem de um
conhecimento compartilhado: o bebê sabe que
sabemos que ele sabe que o que ele esperava
acontecer mudou. Os pais usam isso repetida-
mente, porque sempre resulta em uma reação.
Qualquer bebê conhece isso como uma diferen-
ça entre pais e mães. Os pais tendem a transmi-
tir humor naturalmente. No começo, eles ofere-
cem à criança uma “violação” do que ela espera.
As mães são para fazer carinho, para alimentar
e para outros negócios sérios. Os pais são para
brincar – mesmo quando o bebê tem apenas
dois meses!
O Sr. Lee adorava brincar com Minnie. Quando
ela era bebê, ele descobriu que ela respondia
quando era surpreendida. Eles passavam do es-
conde-esconde para jogos de canções, nos quais
eles irrompiam com uma exclamação para sur-
preender o outro, a jogos de embalo à noite
antes de dormir. Ele embalava, embalava, em-
balava, até que Minnie parecia serenar. Então,
ele parava de provocá-la. Ela ficava tão excita-
da que não dormia. Sua mãe tinha que dar um
fim a esse jogo.
Tão logo começou andar, Minnie subia no
colo de seu pai quando ele estava sentado.
“Vavá! Vavá!” Ele sabia que era “Fui a cavalo
para Boston; Fui a cavalo para Lynn; Fui a
cavalo para Boston; Opa! Caí!” No “Opa”, ele
lançava Minnie no ar com seu pé e a apanhava
enquanto ela caía. Ela adorava esses jogos. E
ele também.
Expectativas são aprendidas e são importan-
tes de aprender em qualquer idade; elas são
feitas para serem quebradas e para serem expe-
rimentadas. Dessa forma, uma criança aprende
a importância das regras de vida. O humor cer-
tamente ajuda. Uma criança acostuma-se a ro-
tinas diárias; elas são reconfortantes e, quando
são quebradas, podem até ser divertidas. Pais
como o Sr. Lee têm um papel especial nesse
aprendizado.
Ele descobriu que a gangorra era feita para
esse tipo de aprendizado. Ele estabelecia a ex-
pectativa com subidas e descidas regulares. En-
tão, ele quebrava o ritmo, parando a gangorra
no meio, ou batendo com ela no chão. Os gestos
e paroxismos de risadas de Minnie faziam o Sr.
Lee sentir-se como um rei.
É fácil reconhecer como cada criança já come-
çou a absorver de forma diferente as diferenças
de gênero. Aos dois anos, um menininho anda
como seu pai, os braços balançando. Uma meni-
na não apenas caminha como sua mãe – obser-
vando a mãe e a irmã se afastando dela – mas
inclina a cabeça suavemente, quando quer ser
atraente. Seus gestos (especialmente sob pres-
são) imitam facilmente os membros femininos
de sua família, incluindo irmãs mais velhas.
Sempre fiquei maravilhado de ver a rapidez
com que uma criança pequena repete o compor-
tamento de uma mais velha. Enquanto uma
criança de dois ou três anos domina uma tarefa
em passos quando um adulto a apresenta, ela
absorve a tarefa inteira quando uma criança
de quatro ou cinco anos a realiza. O que, então,
influencia uma menina de três anos como
Marcy a aprender uma forma “feminina” de
atuação, quando seu irmão mais velho é um
modelo tão poderoso para ela? Seu senso de si
mesma como mulher já deve ser um determi-
nante poderoso. Por exemplo, quando ela imita
a mamãe, o papai pode tornar-se mais acessível
e curioso. Se ela começa a caminhar como seu
irmão, ninguém na verdade aprova. Isso não é
expressado abertamente em muitas famílias,
mas sutilmente. As diferenças sutis, mas defini-
das nas expectativas desde o nascimento, tam-
bém podem ser uma resposta de um dos pais a
diferenças sutis, mas reais, no comportamento
do bebê recém-nascido.
Aos três anos de idade, diferenças sutis no
comportamento já são tratadas diferentemente
pelos pais. Quando Marcy se portava como sua
mãe, ou imitava a sua linguagem, ambos os pais
36 Brazelton & Sparrow
tinham uma resposta recompensadora. “Marcy,
você parece exatamente sua mãe.” A observa-
ção de seu pai poderia vir com um tapinha cari-
nhoso, um tom de voz de aceitação. Marcy reco-
nhecia um tipo de comunicação com ele que
seria difícil para ela evocar de qualquer outra
maneira.
Na pracinha, Marcy reuniu-se alegremente
às outras crianças de sua idade, e elas monta-
ram uma casinha de brinquedo. Elas usaram
utensílios da caixa de areia e imaginaram uma
casa e um forno de faz-de-conta. Cada criança
tinha sua própria receita. Marcy dizia: “Aqui
está seu chá, querida. Beba.” Muito disso era
em imitação a sua mãe. A Sra. Jackson tinha
que rir enquanto observava e escutava sentada
no banco. Os gestos de Marcy eram precisos.
Quando Marcy arrumava o cabelo com uma
mão, a Sra. Jackson se reconhecia naquele gesto.
Quando o Sr. Jackson chegou na cena, o
comportamento de Marcy mudou. Seus movi-
mentos, que tinham tido uma qualidade suave,
fluida, se tornaram mais vigorosos, mais mus-
culares. Ela correu para o escorregador grande.
“Olhe, Papai. Este é assustador. Eu consigo su-
bir.” Ela subiu desajeitadamente a escada até
em cima. O Sr. Jackson correu para pegá-la no
caso de ela cair. Ela olhou para ele lá de cima
com um sorriso forçado. “Eu não tenho medo.
Está vendo?” Ela se inclinou sobre o último
degrau, ficando sobre o estômago enquanto
descia o escorregador. Essa foi sua primeira
tentativa nessa nova técnica, e ela não tinha
consciência da possibilidade de cair de rosto no
chão ao final da descida. O Sr. Jackson correu
para pegá-la quando ela chegasse ao chão.
Quando ele a pegou, ela olhou para ele agrade-
cida. Em uma tentativa de ser triunfante, ela
disse: “Eu não estava com medo.” Mas seu pai
estava.
O movimento corajoso de Marcy atraiu uma
outra menininha. Minnie lançou-se para o es-
corregador para imitar o triunfo de Marcy. A
Sra. Lee saltou de seu banco para proteger sua
filha propensa a acidentes. Minnie escalou o
escorregador, sentou-se e deslizou. Agora, cabia
a Marcy imitá-la. O Sr. Jackson desejou ter po-
dido levá-la dali. Não conseguiu! Marcy come-
çou a subir, escorregando uma vez. O coração
do Sr. Jackson parou. Ela conseguiu, sentou-
se e deslizou. “Agora Marcy, você já conseguiu.
Vamos fazer outra coisa.” Marcy deu a Minnie
um último olhar, mas acompanhou seu pai até
o outro lado da pracinha. Seu andar era um
pouco como o dele. Seus gestos até se tornaram
um pouco mais como os dele. Ela olhava-o de
baixo com adoração. Ela tinha usado palavras
para convencer-se de que não tinha medo. Seu
pai quase acreditara nela, e ela também.
Linguagem e fala
Aprender a linguagem é uma nova aventura
excitante para uma criança de três anos. Ela
tenta evocar reações com sua fala. Ela está des-
cobrindo que a fala influencia os outros. A lin-
guagem também está moldando seu entendi-
mento do mundo à sua volta e ajudando-a a
moldar seus próprios pensamentos. As palavras
dão a uma criança um novo poder sobre si mes-
ma e o mundo, simplesmente porque ela está
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 37
tendo consciência de quão poderoso o mundo
à sua volta pode ser.
Mais adiante, ainda em seu terceiro ano, um
novo desenvolvimento em Minnie pegou a Sra.
Lee de surpresa. Ela não tinha imaginado que,
em algum ponto, o ritmo de Minnie diminuiria
quando seu interesse pela linguagem se desen-
volvesse. Agora, algumas palavras de sua mãe
prendiam a atenção de Minnie. Ela freqüente-
mente respondia a sugestões como “Você conse-
gue andar no escorregador grande?”. Isso resul-
tava em uma demonstração da parte dela, para
espanto de sua mãe. Mas, se a fila no escorre-
gador fosse muito longa, ou se houvesse qual-
quer outra distração, Minnie mudava de direção
como se a mãe nunca tivesse feito a pergunta.
Se o pedido envolvesse alguma coisa menos
atraente, Minnie poderia nem perceber que
haviam falado com ela. Quando a Sra. Lee viu
que Minnie era capaz de captar e responder a
orientações verbais, ela ficou confusa pelo fato
de que às vezes ela o fazia e às vezes não. Ela
não podia deixar de interpretar as ocasiões em
que Minnie não a escutava como uma rejeição.
Ela ainda não entendia que a capacidade de
Minnie seguir orientações dependia do que es-
tava acontecendo a mais em torno dela e de
seus próprios impulsos interiores.
Quando Minnie estava preparando-se para
sair correndo, a Sra. Lee tentou várias táticas:
“Vamos brincar com sua bola.” “Pegue sua bo-
neca e a segure no colo.” Ou ela dizia alguma
coisa espantosa para prender o interesse de Mi-
nnie: “Olhe aquele menininho correndo! Apos-
to que você pode correr mais rápido do que ele!”
Minnie começou a imitá-la. “Meninos cor-
rendo.” “Isso, Minnie. O menino está corren-
do.” Minnie desacelerou o suficiente para falar
sobre o menino que estava indo tão rápido.
Então ela saiu ao encalço dele. Minnie ainda
era mais ação que conversa.
Mas a mãe de Minnie estava começando a
usar a nova abertura de Minnie à linguagem,
para moldar seu comportamento. Se ela tives-
se corrigido diretamente a fala de Minnie, ela
teria se afastado e parado de escutar. Mas repe-
tir sua frase e, ao mesmo tempo, incorporar
uma correção sutil mostra que Minnie tinha
sido ouvida e que suas palavras são importan-
tes: transmite uma mensagem de respeito.
Minnie começava a escutar mais a si mesma.
A fala, e o uso de palavras com autoridade, é
crucial para a criança de três anos. Sem pensar,
os pais as ajudam a sentir-se ainda mais compe-
tentes ampliando o vocabulário de seus filhos.
Após uma criança de três anos ter deixado es-
capar um substantivo e um verbo, ela será capaz
de completar a frase. A criança de três anos está
ansiosa para assimilar as novas palavras que
significam que ela foi entendida. Na verdade,
é assim que as crianças aprendem a formar fra-
ses e a aumentar seus vocabulários. A exposição
à linguagem é necessária para aprendê-la.
Igualmente importante são as emoções que
vêm com a comunicação. A satisfação interior
de ser entendida e o reforço externo do poder
das palavras impulsionam o aprendizado da lin-
guagem para a frente. Uma criança de três anos
fica encantada com ambos. Ambos são apoia-
dos pela impressionante capacidade das crian-
ças dessa idade de absorver nova linguagem,
uma capacidade que ultrapassa em muito a de
seus pais!
Crianças dessa idade quase sempre assimi-
lam as palavras ativas essenciais da frase de
um adulto. “Tire suas calças” pode mudar para
“tira calça”. “Coloque seus sapatos”, para “colo-
ca sapatos”. Ou uma ordem: “Cinto de seguran-
ça, vovô.” Juntamente com as muitas palavras
novas que uma criança aprende no terceiro ano,
aprende novas formas de juntá-las em frases.
Seus ritmos e inflexões de fala também imita-
rão aqueles dos adultos à sua volta. “Eu não
QUERO aquilo” ou “Não me EMPURRE”. Essa
grande etapa de produções monotônicas de
uma criança de dois anos poderia facilmente
passar despercebido. É um outro sinal da forte
necessidade da criança de comunicar-se. O sen-
timento de controlar o mundo através da lin-
guagem é excitante para uma criança. Mas,
quando ela pode falar e pode imitar a fala e os
gestos de outros à sua volta, torna-se parte do
mundo deles.
38 Brazelton & Sparrow
A rápida arrancada na linguagem a partir
do segundo ano é um outro momento impor-
tante para a criança de três anos. Aprender
como atrair e seduzir as pessoas é uma motiva-
ção e tanto. A descoberta de que a fala pode
fazer as coisas acontecerem é significativa. Ela
sabe agora o quanto as palavras podem ser
poderosas não apenas para expressar-se, mas
também para controlar o que acontece em volta
dela. Entretanto, a frustração com sua capaci-
dade ainda limitada de usar o poder da lingua-
gem pode levar à gagueira, à tartamudez e
mesmo a acessos de raiva. Ela sabe o que quer
dizer, o que torna não ser capaz de dizer ainda
mais difícil de suportar. Quando ela se desespe-
ra, é sua consciência de ser incapaz de realizar
esse poder que a deixa tão devastada. É nesses
momentos que os pais podem achar que devem
proteger seu filho da frustração completando
as frases para ele ou realizando seus desejos
antes que ele os tenha expressado. Esse é o mo-
mento de os pais recuarem e confiarem na frus-
tração para motivar a criança a dominar esse
passo por si mesma.
Billy queria tanto comunicar-se e agradar
os adultos à sua volta que ele freqüentemente
gaguejava. Ele dizia: “E-e-e-e eu não posso.”
Às vezes, ele ficava tão frustrado que se lançava
ao chão, gritando: “Eu não posso dizer isto.”
Ele era determinado, mas suas idéias atropela-
vam sua capacidade. Seu rosto se contorcia,
suas mãos se agitavam. Ele parecia ansioso e
infeliz. A Sra. Stone tentou ajudá-lo. “Calma,
Billy, você consegue.” Ele protestava com os
olhos. Ela procurava o que ele poderia querer.
Ele sentia o desespero dela bem como o seu
próprio. Mas quando finalmente ele relaxava,
suas palavras transbordavam.
Muitas crianças de três anos passam por
uma fase de gagueira ou disfluência (dificulda-
de em começar a falar). É o desejo de falar
adiante de sua capacidade. Se ninguém ficar
muito envolvido nisso, ou colocar mais pres-
são sobre uma área já oprimida, a gagueira e a
disfluência provavelmente desaparecem em
alguns meses.
A gagueira de Billy pareceu desaparecer
quando ele adquiriu mais fluência em sua fala.
Foi como se suas palavras tivessem emparelha-
do com as novas idéias e perguntas girando em
sua cabeça. Ele dançava enquanto falava; usava
suas mãos, seu rosto, todo seu corpo. Quando
enfatizava um substantivo em sua fala, seus
ombros se levantavam, suas mãos quase repre-
sentando a palavra. A Sra. Stone estava maravi-
lhada pelo súbito aumento de vocabulário de
seu filho e pelos novos conceitos que ele podia
representar. “A vaca pulou sobre a lua” – Billy
saltava e apontava para o céu. “Onde Billy
aprendeu isso? Ele estava adquirindo esses con-
ceitos teatrais na escola maternal?” Todo pai
de uma criança de três anos experimenta es-
panto e admiração pela absorção do filho de
todas as coisas novas como uma “esponja”.
Quando a criança de três anos absorve alguma
coisa que eles ofereceram, os pais sabem que
são importantes.
Billy aprendeu como seduzir todo mundo.
“Oi. Eu sou Billy.” Quando isso não funcionou
por si só, ele aprendeu a levantar a mão para
atrair os adultos. Aprendeu a usar palavras em
suas brincadeiras para atrair seus pares. A lin-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 39
guagem corporal oferecia um outro conjunto
de significados para ampliar o efeito de suas
palavras. Ele pedia um brinquedo de uma outra
criança. “Eu posso?” Nenhuma resposta. “Eu
quero ele.” Nenhuma resposta. “É meu. Eu
peguei.” Nenhuma resposta. Billy apertava os
punhos, inclinava-se para a frente e ficava en-
carando o outro. Quando a outra criança se
desmanchava em lágrimas, Billy poderia até
dizer “Desculpe” e afagar a criança em prantos
para consolá-la. Mas ele ia embora com o brin-
quedo.
Como mãe experiente, a Sra. Stone contri-
buiu pelo menos com três coisas: (1) ela ajus-
tava conceitos excitantes à sua própria maneira;
(2) ela oferecia a Billy bases para lembrar e ex-
pressar idéias lendo para ele (a vaca e a lua);
(3) ela evocava a fala através de suas perguntas
e acrescentava sua própria excitação vital a tudo
o que eles liam ou conversavam.
Para Tim, linguagem e fala eram tanto excitan-
tes quanto apavorantes. Tim era calado em si-
tuações sociais. Ele se protegia em um ambiente
ruidoso e ficava quieto quando estava em um
grupo. Mas, quando estava em casa, sua fala
era bem desenvolvida. Tim podia expressar-se
em frases com verbos e um substantivo adequa-
damente colocados. Também podia usar pala-
vras e conceitos sofisticados: “Mamãe, eu ob-
servei a lua. O que faz ela brilhar?”
Quando já estava falando há vários meses,
ele começou a gaguejar. “E-e-e-eu tenho que i-
i-i-ir ao banheiro.” Seus pais ficaram surpresos.
“Tim, calma. Você não precisa se apressar tanto.
Então você não vai gaguejar assim.” “E-e-e-eu
não posso evitar.” “Tudo bem. Mas, se você for
mais devagar, ficará mais fácil.” Era quase como
se Tim precisasse demonstrar seu problema, e
tagarelava em cada oportunidade. Ele era até
um pouco mais expansivo. Mas com cada ex-
pressão vinha a gagueira.
A Sra. McCormick ficou impaciente. “Tim,
apenas tente. Não continue gaguejando.”
Quanto mais ela se preocupava e deixava Tim
ver sua preocupação, mais ele gaguejava. Ele
começou a contorcer o rosto, a empertigar os
ombros, a ficar tenso antes de falar. Esses gestos
aumentaram a preocupação da Sra. McCormick.
A gagueira era um lembrete constante das
desconcertantes diferenças de Tim, que ela
achava difícil encarar. Ela consultou o médico
do menino, que tentou tranqüilizá-la. Mas isso
não funcionou. Ela não podia suportar. A luta
de Tim continuou. Finalmente, o Sr. McCor-
mick tentou aliviar a situação. “Não aumente
a coisa. Ele já está preocupado. Eu acho que
sua ansiedade está contribuindo para isso.”
“Mas o que acontece se ele continuar gaguejan-
do? Como você sabe que eu não o ajudo, tentan-
do fazê-lo se acalmar?” “Porque ele simples-
mente parece ficar pior e mais contorcido quan-
do você tenta.” O Sr. McCormick estava certo;
a pressão não ajuda a resolver o problema de
gagueira da criança. É mais sensato ser paciente
e esperar (antes de procurar ajuda de um espe-
cialista de fala) para ver se isso se resolve espon-
taneamente. A gagueira freqüentemente desa-
parece quando a capacidade motora oral da
criança emparelha com sua capacidade mental.
“Que tagarela!” Marcy agora fala sem parar.
Sua conversa constante mostra o quanto ela
está motivada a aprender a comunicar-se com
sucesso. Ela está quase desesperada para ali-
nhar suas novas capacidades de linguagem com
as novas coisas que ela pode fazer, ou quase
faz, ou desejaria poder fazer. Cada frase repre-
senta um enorme impulso para aprender sobre
seu mundo e como influenciá-lo. Às vezes dizer
alguma coisa compensa não estar pronto para
fazê-la ainda.
“Não me diga pra sentar no vaso”, diz Marcy
para que sua mãe pare de pressioná-la a ir ao
banheiro. Sua mãe terá agora que pensar duas
vezes antes de pedir para Marcy ir ao banheiro.
Marcy aprende o quanto sua fala pode ser pode-
rosa para influenciar os outros. Mas ela pode
descobrir que, quando fala, ela terá que agir de
acordo com o que disse. Ela pode deixar escapar
algo como “Eu não preciso ir ao banheiro agora”,
em resposta à pressão de sua mãe. Mas assim
que disse isso, ela ficou confusa. Ela não pode
ir ao banheiro nesse momento ou ficará desmo-
ralizada. A fala se torna uma forma poderosa
de criar expectativas e responsabilidades para
si mesma.
40 Brazelton & Sparrow
A Sra. Jackson começou a perceber que
Marcy usava diferentes inflexões com diferen-
tes pessoas. Com uma criança da mesma idade:
“Eu quero isso.” Com sua mãe: “Dá pra mim,
mamãe.” Com seu pai, nunca era uma ordem,
mas um pedido: “Posso pegar, papai?” E, para
surpresa de sua mãe, ela perguntou à sua avó:
“Vovó, eu posso brincar com isso, por favor?”
Marcy estava começando a aprender boas ma-
neiras. A Sra. Jackson percebeu que ela já esta-
va diferenciando pessoas e ajustando o que di-
zia a elas.
Marcy estava aprendendo que as palavras
podiam levar seus pais a uma ação. Ela podia
usar adequadamente sua capacidade de imitar
falas. Marcy se dirigia a seu pai com o mesmo
ritmo, os mesmos tons que sua mãe usava. O
Sr. Jackson respondia como se estivesse falando
com sua esposa. Marcy dizia: “Venha cá, queri-
do.” Ele ia. E ambos caíam na risada.
A criança de três anos pode descobrir outras
maneiras nas quais as palavras são poderosas.
A babá de Marcy relatou que Marcy estava dizen-
do “droga” e “merda” quando seus pais saíam à
noite. Quando ela corrigiu Marcy, a criança dis-
se: “Mamãe e papai não vão me deixar dizê-
las, também.” Ela estava experimentando no-
vas palavras que tinha ouvido de seu irmão
mais velho, testando o poder delas, testando
sua babá. Marcy tinha em seu poder uma nova
maneira de atingir os adultos. A curiosidade
de Marcy sobre essas palavras cujo poder era
evidente, mesmo que seu significado lhe fosse
desconhecido, estava guiando a testagem e o
aprendizado.
Uma criança de três anos também descobre
o poder da palavra escrita, especialmente quan-
do ela foi exposta a livros. Aos três anos, os
livros há muito deixaram de ser para mastigar,
esmigalhar ou arrastar pela casa. Uma criança
de três anos que foi exposta a livros sabe que
eles têm histórias para contar, que as histórias
têm um início e, se elas puderem esperar e escu-
tar, um fim. Ela pode até ter algum senso de
que as marcas pretas na página são chamadas
de letras e que “ler” é quando os pais olham as
letras e sabem o que dizer. A criança de três
anos sabe que não pode ler, mas pode ficar tão
fascinada pelo poder dos misteriosos símbolos
a ponto de contar uma história que finge que
pode ler. Com a repetição, ela pode tentar me-
morizar histórias simples, como se já pudesse
realizar seu desejo de ser capaz de ler. Uma
criança de três anos como esta não precisará
ser estimulada; sua própria motivação – que
pode tão facilmente transformar-se em frus-
tração – deve ser protegida.
Tempo e espaço
A criança de três anos não consegue ler um reló-
gio, mas pode usar palavras para organizar o
tempo. Ela pode experimentar suas idéias sobre
tempo com palavras e ver se elas funcionam
ou fazem os pais parar com suas objeções. As
rotinas do dia de uma criança contribuem para
seu aprendizado sobre tempo. Hora do lanche,
hora da sesta, hora do jantar, hora do banho,
hora de dormir – essas são as horas do relógio
da criança de três anos. Ela está pronta para
esperá-las. Sua natureza dependente previsível
a ajuda a abandonar a atividade em que está
envolvida e passar para a seguinte. Tornando
as horas invariáveis, contudo, salientando que
elas inevitavelmente terminam, os pais podem
diminuir os conflitos que surgem com as horas
regulares indesejadas. “Você sempre tira um co-
chilo depois do almoço.” “Por quê?” “Porque é
hora da sesta.” “Mas eu não estou cansado.”
“Você pode levantar, quando a hora da sesta
terminar.”
Essas respostas não satisfarão uma criança
de três anos; ela precisa saber por que a hora é
importante. “É dia, mas a noite está chegando.”
“É hora do papai chegar em casa.” Um dia,
quando Marcy e seu irmão estavam brincando
fora de casa, ela olhou para o céu. “Quando as
nuvens aparecem, é dia. Você não pode vê-las
à noite. Quando as nuvens aparecem, eu não
tenho que ir para a cama.”
O tempo, assim como outros novos concei-
tos, adquirem significado na medida em que
têm relação com a vida de uma criança. Ela
experimenta o mesmo espaço de tempo de for-
ma diferente em várias circunstâncias. “Em
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 41
quinze minutos, nós iremos ao supermercado”
provavelmente parecerão intermináveis quin-
ze minutos. Mas “em quinze minutos, você terá
que ir para a cama” parece extremamente curto.
Minnie estava deslizando no escorregador,
repetidamente. A Sra. Lee advertiu-a: “Minnie,
daqui a quinze minutos nós temos que ir. Te-
nho que ir para casa fazer o jantar. O papai pode
até já estar lá.” Quando a hora chegou, Minnie
ignorou-a. “Já se passaram os quinze minutos,
chega”, disse a Sra. Lee interrompendo sua pró-
xima subida no escorregador. “Agora!” Minnie
agiu como se estivesse machucada e se atirou
no chão, gritando. A Sra. Lee estava num dile-
ma. Ceder ou fazê-la cumprir as advertências?
Naturalmente, a última alternativa parece mais
apropriada. Não se podia esperar que Minnie
cedesse, mas a Sra. Lee lhe tinha dado bastante
tempo para preparar-se. Agora era hora de ir. A
menina estava aprendendo sobre limites de
tempo. Tempo também significa que um acon-
tecimento termina e um outro começa. A mu-
dança é desafiadora para qualquer criança de
três anos. Embora a preparação ajude a lidar
com transições, elas não serão necessariamente
tranqüilas.
Quando uma criança tem três anos, o tempo
passa por um relógio interno subjetivo, que é
muito mais irresistível do que os relógios nas
paredes, que são misteriosos e indecifráveis.
Quando Minnie e seu pai estavam caminhan-
do no parque, ela gritou excitada: “Veja! Uma
flor!” “Você sabia que hoje é o primeiro dia de
primavera?” Minnie olhou para seu pai intensa-
mente e perguntou: “E amanhã é o primeiro
dia de verão?” O tempo interior – menos de-
marcado pelo mundo à sua volta – expande-se
e contrai-se de acordo com o sentimento do
momento. O tempo exterior ainda é tão longo,
tão curto, tão difícil de entender!
Eventualmente o tempo – tão difícil para
uma criança de três anos medir – dirá quando
se deve esperar separações e quando elas ter-
minarão. Uma separação pode parecer durar
para sempre, mas um sentido de tempo e de
sua importância logo será útil. A mãe de Billy
trabalhava meio expediente, e todo mundo es-
perava que Billy chorasse, quando sua mãe ti-
vesse que deixá-lo na creche. A princípio ele
chorou. Mas, então, ele teve uma idéia que o
ajudou a aceitar isso. Uma manhã, ele pergun-
tou à sua mãe (ele estava tentando não chorar
na frente dela): “Que dia é hoje?” “É terça-feira,
Billy.” “Não, eu quero dizer é dia de trabalho
ou dia de casa?” “Você quer dizer para mim?”
Ele sacudiu a cabeça afirmativamente. “É dia
de trabalho.” “Quando vai ser um dia de casa?”
“Amanhã.” “Oh.” Billy estava aprendendo a
medir o tempo de uma forma que uma criança
de três anos é capaz de fazer, ou seja, de acordo
com quando os eventos importantes em sua
vida ocorrem. Perder sua mãe era um pouco
mais fácil quando ele sabia que podia antecipar
as separações e contar com os reencontros.
O aprendizado sobre espaço surge quando uma
criança tem três anos ou três anos e meio. “A
mamãe saiu. Mas ela está voltando.” A criança
de três anos pode imaginar onde ela foi? “Pa-
pai está no escritório. É em um outro edifício –
muito longe daqui.” “Mamãe foi buscar livros
na biblioteca.” É difícil saber que imagens isso
evoca para uma criança de três anos.
O espaço é organizado em torno do que está
dentro do alcance da criança, ou está muito
alto, do que está dentro de seu ângulo de visão,
ou dobrando a esquina – e ainda é lembrado.
Espaço contém uma implicação de ação de sua
parte. “Onde você dorme?” “Em meu quarto,
bobo.” “Mas onde ele fica?” “Do lado do quarto
da mamãe e do papai.” “Onde ele fica?” “Eu
caminho no corredor e passo a porta deles.
Então, é a minha. Se você vai ao banheiro, tem
que caminhar muito.” Ele visualiza sua porta,
imaginando-se caminhando até ela. Atividade
e espaço estão estreitamente ligados – a criança
precisa movimentar-se para aprender sobre es-
paço; então, ela pode nomear os lugares e as
relações no espaço que veio a conhecer através
dessa atividade.
O uso da linguagem para explorar idéias
também modela o senso de espaço de uma
criança de três anos. Sobre, sob, acima, abaixo,
dentro, fora e especialmente “muito alto” são
palavras que ela passa a entender. “O brinquedo
está embaixo da mesa.” “Você pode colocá-lo
42 Brazelton & Sparrow
em cima da mesa?” “Claro.” “Quando você faz
isso, o brinquedo muda?” “Agora eu posso vê-
lo.” “Ele é um brinquedo diferente?” “Não, mas
agora eu quero brincar com ele.”
A criança de três anos usa a linguagem para
planejar como usará seu corpo, onde colocará
seu corpo no espaço de modo a chegar no lugar
que decidiu ir. Observe uma criança de três anos
dizer baixinho “Sobe, sobe, sobe”, enquanto es-
cala o escorregador. Nós podemos contar com
os pensamentos e as palavras que vêm com eles,
que guiam nossos movimentos no espaço em
direção ao nosso objetivo. A criança de três anos
ainda não pode.
A exploração ativa do espaço de uma criança
pequena, portanto, ajuda-a a aprender sobre a
permanência do objeto, a causalidade e a plane-
jar seus movimentos corporais. “Se você for
para trás desta parede, eu sei que você ainda
estará aqui do outro lado.” “Se eu fechar esta
porta, não serei mais capaz de ver dentro daque-
la sala.” “Se eu quiser abrir esta porta na minha
direção, é melhor tirar meu corpo do caminho
primeiro.” Tudo o que uma criança aprende por
meio dessas investigações espaciais a levará a
encontrar seu caminho e a descobrir seu lugar
no mundo.
Desenvolvimento moral
Empatia
Com o que se parece o mundo para um meni-
no como Billy? Ele é menos da metade do ta-
manho dos adultos à sua volta. Tem que olhar
para cima para ver as pessoas e lutar para ser
como elas. Precisa começar a abandonar seus
próprios impulsos, a fim de ajustar-se às expec-
tativas delas. Ele pode aprender por imitação
ou por experiência. Suas antenas estão para
fora. Ele também deve aprender sobre o signi-
ficado de suas ações – um grande passo.
Uma vez que Billy acha a maior parte de
seu mundo misterioso, ele deverá ou excluí-lo
(ignorá-lo), ou ser perturbado por sua falta de
entendimento. Ele procura explicar o que pode
por meio de referências a si mesmo, porque ain-
da não pode imaginar o mundo através dos
olhos de uma outra pessoa. Ele conhece seu
próprio ponto de vista – o que vê, ouve, sente,
o que pode fazer – então ele deve confiar nisso.
Suas perguntas intermináveis, “Por quê, ma-
mãe?” “O que é isto, papai?” “Quando é que
podemos sair e fazer alguma coisa?”, parecem
a seus pais mais como preenchedoras de espaço
do que uma busca por respostas. Billy quer ex-
plorar e encontrar as respostas ele mesmo. As
respostas de seus pais são apenas parcialmente
satisfatórias. Sua própria busca é muitíssimo
mais divertida.
O escorregador grande, sua investigação
atual, é “muito alto”. Qualquer escorregador
atrairá a atenção de Billy, mas este, este aqui e
agora, tem um significado extra para ele. “Ele
é muito alto para mim.” O menino está come-
çando a usar o julgamento para avaliar seu
mundo, para decidir o que é útil ou perigoso
para ele. Uma criança atirando areia lembra
Billy de um outro momento, quando uma crian-
ça atirou terra nele com força e fez arder sua
pele. Doeu e, portanto, precisa ser evitado. Ele
pode lembrar e comparar: “Aquele escorregador
é diferente.” “Esta criança está fazendo a mes-
ma coisa.”
A Sra. Stone tinha advertido Billy a sempre
andar nos balanços que tivessem a barra prote-
tora “assim você não vai cair”. Ele sempre con-
siderava sua advertência na pracinha “deles”;
mas um dia quando foram a uma outra praci-
nha, Billy correu para subir em um balanço
normal – sem barra. “Billy, apenas os balanços
com barra!” Ele pareceu surpreso e triste. “Nes-
ta pracinha também?” O menino deve apren-
der agora a generalizar de uma situação para
outra, de uma proibição para outra. Uma crian-
ça de três anos deve conviver com muitas ou-
tras da mesma idade. Mas Billy está aprenden-
do que pode avaliar cada nova experiência em
relação a anteriores e pode julgá-la no que diz
respeito a diferenças, perigo e prazer.
Essa mesma memória para eventos passa-
dos ajuda a criança a aprender o que é certo e o
que é errado. Ela usa reações passadas de seus
pais como guia. Mas pode generalizá-las de
uma experiência para a outra?
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 43
Billy arrancou uma pá de plástico das mãos
de uma outra criança, na frente das mães dos
dois. “Devolva!”, disse a Sra. Stone. “Mas é mi-
nha.” Um desejo se torna realidade. O outro
menino começou a chorar. “Não, não é”, disse
a Sra. Stone. “Eu vi você tirá-la dele.” “Eu tirei
dele, porque eu queria ela. Ela é minha.” A fran-
queza conciliatória de Billy disse à sua mãe que
ele ainda não sabia mentir o suficiente. Deveria
ela castigá-lo e dar margem a mentiras no futu-
ro? Ou deveria deixá-lo sentir seu próprio re-
morso? Billy estava muito excitado em relação
à pá para ser capaz de considerar os sentimen-
tos da outra criança. Ele estaria pronto quando
começasse a importar-se mais com o amigo do
que com a pá.
Enquanto brinca com seus iguais, a criança
de três anos começa a ter a consciência de
querê-los como “amigos”. A empatia com os
outros está começando. Ela agora sabe que pre-
cisa deles. Uma criança de três anos está apenas
começando a querer agradar outras crianças, a
fim de poder mantê-las próximas. Ela sabe que
seus amigos têm sentimentos e que deve respei-
tar esses sentimentos se quiser fazer amizades.
Billy brincava na caixa de areia perto de al-
guns novos amigos. Juntos, eles construíram
um castelo de areia. Billy queria enfeitá-lo com
um copinho vermelho e amarelo que pertencia
a uma criança próxima. Ele observou-a encher
e esvaziar o copinho de areia e esperou até que
a criança estivesse distraída. Cuidadosamente,
deslizou pela caixa de areia e surrupiou-o. Pare-
cendo culpado, escondeu o copinho debaixo de
sua camiseta e se arrastou de volta para o seu
lugar. A criança enganada virou-se para pegar
seu copinho, para enchê-lo novamente. Quan-
do ela percebeu que ele não estava ali, desfez-
se em lágrimas. “Para onde ele foi? Onde está
meu copinho?” Quando olhou em volta na cai-
xa de areia para procurá-lo, Billy escondeu-o
novamente. Vendo seu sofrimento, ele sacou-o
de debaixo da camiseta e estendeu-o para ela.
“Está aqui. Eu encontrei.” A criança olhou para
ele agradecida. Ele devolveu o olhar com um
sorriso e virou-se para sua mãe, que tinha assis-
tido tudo: “É dela, mamãe – não é meu.” A Sra.
Stone relaxou, reconhecendo que o filho estava
desenvolvendo uma consciência.
Billy parecia ter tido consciência da realiza-
ção. Ele dominara um forte impulso. Esse pas-
so em direção ao desenvolvimento moral pode
parecer pequeno a um observador externo; mas,
para um pai, é uma grande realização. As pes-
soas à volta de Billy podem confiar nele. O
menino pode começar a entender que seu mun-
do abrange as necessidades e os sentimentos
dos outros, não apenas os seus. Ele está agora
tendo consciência de que pode afetar os outros.
Billy ainda pensa em seu mundo na maio-
ria das vezes, na medida em que ele o afeta.
Avalia pessoas e coisas, na medida em que elas
têm relação com ele. Quando elas se aproxi-
mam para brincar com ele, ele gosta delas. É o
centro do seu mundo e entende aquele mundo
por intermédio de sua própria experiência, ain-
da não podendo realmente conhecê-lo além de
sua experiência imediata, além do alcance dos
seus sentidos. Mas está cheio de excitação em
relação ao mundo mais amplo e dá os primei-
ros passos para descobri-lo.
Agressão: brigas e mordidas
Uma onda renovada de sentimentos agressivos
aparece no terceiro ano. Em comparação com
os acessos de raiva do segundo ano, essa agres-
sividade é dirigida mais aos outros. Ela pode
ser perturbadora para todos – para os pais e
para a criança. Traz consigo um preço, que está
na angústia que a própria agressividade da
criança provoca nela. Medos e pesadelos, embo-
ra mais elaborados em uma outra idade, são
uma expressão dessa angústia. A agressividade
e os medos que resultam são um momento críti-
co do terceiro ano. Como os pais podem ajudar
o filho a enfrentar seus próprios sentimentos
agressivos com menos medo, em preparação
para a eventual tarefa de aprender a lidar com
eles?
Minnie estava empurrando para o lado uma
outra menininha, para sentar-se na mesa do
lanche de sua creche. Ela a empurrou com for-
ça. A menina caiu e bateu com a cabeça em
um bloco. Isso resultou em um machucado. A
44 Brazelton & Sparrow
Sra. Thompson tinha visto tudo isso acontecer.
Ela entrou em pânico e correu para confortar a
vítima e aplicar um pano molhado na contu-
são. A menina estava gritando “Eu odeio ela!”
Isso lembrou a Sra. Thompson da responsabi-
lidade de Minnie. Levou a criança ferida para
uma ajudante e pegou Minnie no colo. A me-
nina estava rígida e parecia desviar o olhar. Mas,
quando a Sra. Thompson falou, ela começou a
escutar. “Minnie, eu sei que você sente muito
e talvez a criança que você empurrou saiba dis-
so. Mas você tem que dizer a ela que sente
muito. E apenas quando estiver realmente sen-
tindo isso.” Então, Minnie olhou para a Sra.
Thompson ansiosamente e deixou escapar “Eu
sinto muito”. E ela sentia.
O conforto da Sra. Thompson à agressora
ofereceu-lhe uma chance de arrepender-se em
segurança – em vez de se sentir arrasada com
sua perda de controle. Quando a criança é pres-
sionada, ela deve defender-se – isso evitará res-
sentimento para com a outra criança e para
consigo mesma. A abordagem da Sra.
Thompson permitiu que Minnie enfrentasse
seu próprio medo de perder o controle e arre-
pender-se das conseqüências de seus atos. Ela
pode pedir desculpas e ver que isso ajuda.
Mesmo empurrando a outra criança com
tanta força a ponto de fazê-la cair, a consciência
de Minnie de seu próprio papel era evidente
em seus olhos e seu rosto. Ela arrependeu-se?
Certamente. Mas precisava de tempo para reco-
nhecer. Seu medo de perder o controle empur-
rou-a para uma atividade ainda mais implacá-
vel. Minnie precisava de conforto tanto quanto
a criança que ela tinha atacado. O conforto não
deveria ser uma aceitação do que ela fizera. O
objetivo era tranqüilizar Minnie de que ela não
estava mais fora de controle e dar-lhe esperan-
ça. Muito cuidado deve ser tomado para
encorajá-la – a fim de, naturalmente, não repe-
tir o que tinha feito, mas acreditar que aprende-
rá a controlar-se.
Uma criança que é repetidamente deixada
sozinha nesses momentos corre o risco de sentir
que é realmente má e de agir sob essa influên-
cia. A pergunta de um responsável deve ser: a
criança está pronta para lidar com suas próprias
reações de culpa? Ou ela terá que virar as costas
para essa experiência a fim de proteger-se? A
criança precisa estar consciente de suas ações
e das conseqüências que delas derivam, mas se
for arrasada, não aprenderá. Ao contrário, ela
será forçada a proteger-se contra a dor de sentir-
se culpada e amedrontada, decidindo que é
realmente “má”. É nesse momento que o “mau
comportamento” se instala, para ser repetido
novamente, quando a criança passa a acreditar
que ela é sempre “má”. O objetivo é ajudá-la a
reconhecer seus sentimentos de culpa e seu po-
der de parar. Enquanto isso, precisará de ajuda
para adquirir a esperança de que pode conseguir.
Morder e bater podem ser um comporta-
mento postergado. No primeiro ano, todas as
crianças passam por um período de morder seus
cuidadores. Então, no segundo ano, uma crian-
ça morde um amigo. As mães ficam horroriza-
das. A criança mordida grita. Todos correm para
ela. O mordedor fica surpreso, desolado, talvez
até um pouco fascinado pela resposta e por
como todos estão nervosos. Há pouca chance
de aprender sobre controle nesse tipo de episó-
dio. Reações violentas dos pais apenas contri-
buirão para esse comportamento.
Qualquer comportamento impulsivo como
morder ou bater é assustador para a criança.
Ela não sabe como parar. Ela o repete inúmeras
vezes, como se estivesse tentando descobrir por
que ele produz uma resposta tão poderosa.
Morder, arranhar e bater começam todos como
comportamentos exploratórios normais. Quan-
do os adultos exageram ou desconsideram o
comportamento, a criança repetirá o compor-
tamento, como se quisesse dizer “eu estou fora
de controle. Ajude-me.”
Uma estratégia é ensinar à criança uma técni-
ca à qual possa recorrer quando sentir a neces-
sidade de morder: “Que tal pegar seu brinque-
do favorito, quando você estiver aborrecido?” A
mãe de uma criança “mordedora” de três anos
deu-lhe um osso de cachorro de borracha para
amarrar em volta de seu pescoço. Quando ela
sentia a necessidade, apelava para ele.
Billy tinha acabado de bater em sua irmãzinha,
novamente, e a Sra. Stone estava aborrecida.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 45
“Você mordeu sua irmãzinha?” “É claro que
mordi. Ela me deixou realmente maluco.” “Por
que você fez isso? Você não sabe que não podia
mordê-la?” “Eu quis.” A mãe de Billy ficou ator-
doada com a ingênua honestidade de Billy. Ela
deveria puni-lo? A punição o faria mentir no
futuro? Naturalmente que ele precisa ser puni-
do pela mãe, mas atormentá-lo agora poderia
apenas enfraquecer seu sentimento de respon-
sabilidade: “A mamãe é tão malvada! É por cul-
pa dela que eu mordo Abby.” Ela deveria deixar
Billy sentir seu próprio remorso? Essa é a fonte
da futura moralidade – mas não aparecerá até
daqui a um ano ou mais. Agora, limites são
necessários. Billy tinha indicado que precisava
deles.
Respostas desvairadas provavelmente não
ajudarão. Os limites devem ser firmes e consis-
tentes. Após um episódio como esse, a resposta
do pai deveria ser definitiva e efetiva para fazer
a criança parar. Uma repreensão é uma forma
de fazer isso. A expressão facial e o tom de voz
do pai devem ser inequívocos – essa é a fonte
de informação para o aprendizado. Ajudar a
criança a encontrar palavras para os sentimen-
tos que ela expressou pode ajudá-la na próxima
vez. Mas abandoná-la nessas ocasiões não é
útil. Antes, ajuda pegá-la no colo e confortá-la.
Lembre-a do quanto foi assutador perder o con-
trole. “Eu sinto muito, e você também sente.”
Diga-lhe que você estabelecerá limites para ela,
até que ela possa percebê-los por si mesma.
Tranqüilize-a de que ela aprenderá a parar por
si mesma. Saliente um exemplo de alguém que
é importante para ela. Use você mesmo como
exemplo. Quando ela lhe vê a ponto de perder
o controle, mas contendo-se, mostre-lhe o que
você está fazendo. As crianças aprendem mais
sobre autocontrole copiando o comportamento
de seus pais.
A controvérsia atual em relação a rigor versus
permissividade não trata do mais importante.
Uma criança precisa de limites e apoio; nenhum
deles sozinho é suficiente para uma criança
crescer. Aos três anos, a criança pode não estar
pronta para assimilar, lembrar e saber quando
esperar os limites. Ela pode precisar de lem-
bretes de uma ocasião para outra. Pouco a pou-
co, a repetição paciente dos pais a ajudarão a
assimilá-los e torná-los parte de si mesma.
Disciplina
Disciplina significa ensinar. Não é a mesma
coisa que punição e não deveria ser confundido
com ela. A disciplina visa a um objetivo impor-
46 Brazelton & Sparrow
tante – autodisciplina. Fazer a criança parar é
importante, mas não é suficiente: o objetivo é
ensinar a criança a parar por si própria. Estabe-
lecer limites sobre o comportamento, sobre
aprender a controlar os desejos e impulsos é
um trabalho para a vida toda. A criança que
reconhece e pode agir sobre seus próprios limi-
tes já é uma criança segura. Aquela que não
consegue parar por si mesma provavelmente é
ansiosa, exigente, ávida por alguém dizer “Pare!
Já chega!”
No terceiro ano, para disciplinar efetiva-
mente, os pais devem ter calma, mas consisten-
temente interromperem o ciclo de perda de con-
trole da criança. Segurar no colo, embalar e re-
tirá-la da situação excitante pode realizar isso,
assim como ignorá-la ou isolá-la brevemente,
até que ela tenha se acalmado. Então, rapida-
mente pegá-la no colo para tranqüilizá-la: “Eu
sinto muito, tenho que fazer você parar, até que
possa parar sozinha. Toda vez que fizer isso, eu
vou fazê-la parar.” Consistência e uma aborda-
gem calma são difíceis para os pais, mas são
um objetivo importante. A disciplina bem-suce-
dida cria sua própria recompensa. A criança que
foi disciplinada com sucesso olha para seus pais
agradecida, como se dizendo: “É muito bom
alguém saber como me fazer parar!”
Bater na criança, com ou sem raiva, é uma
falta de respeito; transmite a mensagem de que
o pai também está fora de controle. Isso força
a criança a reprimir sua própria raiva, mas por
medo – não há domínio nisso. Isso diz para ela:
“Eu sou maior que você, então eu posso con-
trolá-la (no momento).” O castigo físico trans-
mite a mensagem de que a violência é uma for-
ma de acertar as coisas. Em nossa sociedade
violenta, não é mais permissível transmitir essa
mensagem a nossos filhos.
Alguns dos pais de hoje foram criados em
famílias nas quais os pais eram extremamente
permissivos, tentando não corrigir seus filhos.
Eles achavam que essa era a forma de as crian-
ças assumirem responsabilidades e encontra-
rem o controle por si próprias. Mas crianças de
três anos não conseguem fazer isso. Ao final
do dia, pode-se esperar que uma criança de três
anos nessas famílias esteja escalando as pare-
des. Reunir-se para jantar significa comparti-
lhar a refeição com uma criança selvagem, des-
controlada. Uma criança sem limites vai querer
mandar, chorará, atirará comida até se cansar.
Eu vi esse tipo de criança finalmente deitar-se
no meio da sala, polegar na boca, olhos fixos
no nada. Qualquer tentativa de confortá-la
apenas provoca gritos: “Não! Não! Não!” Pode
ser um pesadelo.
Muito antes que essa situação surja, um pai
firme dirá: “Não! Isso já foi longe demais! Está
na hora de dormir e você está mostrando a to-
dos como precisa de ajuda para ficar relaxado
para dormir.” Uma criança “mimada” é uma
criança desesperada – procurando desesperada-
mente entendimento e estrutura. Essa criança
sabe que não tem a capacidade de autocontrole.
Sua ansiedade surge quando ela não consegue
controlar aqueles à sua volta. O aspecto mais
sério dessa parentagem inefetiva é que a criança
nunca tem a chance de aprender a controlar
sua própria frustração. Ensinar a criança a se
controlar e a desenvolver habilidades para tole-
rar a frustração é o melhor presente que se pode
dar a ela.
Alguns pais sentem que devem reagir contra
suas próprias criações. Talvez eles tenham cres-
cido em famílias com expectativas rigidamente
altas. Muito foi exigido deles, então eles exigem
muito pouco de seus filhos. Nenhum extremo
funciona. Quando um pai diz “Não!”, a criança
freqüentemente precisa descobrir se ele real-
mente quer dizer isso. Uma resposta inconsis-
tente ou fraca provocará uma nova tentativa.
Uma punição severa deixará a criança focaliza-
da no sofrimento e no ressentimento, sem ne-
nhum interesse na lição a ser aprendida e ne-
nhuma motivação para fazer melhor da próxima
vez. O pai está andando em uma corda bamba.
Minnie era sempre insuportável no supermer-
cado. Enquanto ela e sua mãe andavam pelas
diferentes seções, a menina queria pegar tudo.
Até agora, a Sra. Lee não tinha percebido o
quanto teria sido mais fácil mantê-la confinada
no carro de compras, quando era menor. Agora,
ela empurrava coisas para fora das prateleiras
e ignorava os pedidos desesperados de sua mãe
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 47
para não mexer em nada. Uma vez, derrubou
uma caixa de arroz por todo o chão com um
estrondo. Quando a Sra. Lee tentou pará-la,
Minnie fugiu, desaparecendo no final do cor-
redor. Quando o gerente da loja a trouxe de
volta, olhou com reprovação para a Sra. Lee.
Ao terminarem as compras, ela estava exausta,
tomada pela raiva que vinha alimentando con-
tra a filha. No caixa, quando Minnie começou
a provocar e tentar fugir novamente, a Sra. Lee
apelou para as balas. “Minnie, se você ficar
perto de mim, eu lhe compro algumas balas.”
A menina olhou para as balas, para avaliar a
proposta. Então correu novamente. A Sra. Lee
ficou desesperada.
A Sra. Lee sabia que sua disciplina era ambí-
gua. Nem ela nem Minnie a levavam muito a
sério. Por que ela era tão insegura? Ela hesitava,
porque temia que pudesse desencadear sua rai-
va por Minnie, não apenas em relação a hoje,
mas por todas as vezes que a filha a tinha feito
sentir-se rechaçada e ineficiente? Outras consi-
derações tolhiam a mãe de Minnie em sua bus-
ca por disciplina; alguma coisa é desconfortável
em seu relacionamento com a menina.
Mais tarde, naquele dia, Minnie estava jo-
gando bola com seu pai. Como estavam dentro
de casa, usavam uma bola macia de algodão
recheada com lanugem. Em sua excitação,
Minnie lançou a bola tão alto, que passou por
cima da cabeça de seu pai, caindo na sala de
visitas proibida. A bola atingiu a estatueta de
porcelana preferida de sua mãe. A estatueta
caiu, quebrando-se em pedaços. O Sr. Lee fi-
cou desorientado. Minnie parecia trêmula. Ela
correu para se esconder, gritando: “Foi culpa
do papai. Ele fez isso. Eu não quebrei.” O Sr.
Lee ficou imobilizado. Sabia que tinha sido tan-
to culpa sua quanto de Minnie, mas por que
ela não podia encarar seu papel no desastre?
Quando a Sra. Lee entrou correndo na sala e
viu sua adorada estatueta aos pedaços, caiu em
uma cadeira, chorando. O Sr. Lee sentiu-se for-
çado a castigar Minnie. Ela tinha se escondido
na lavanderia e, quando o Sr. Lee a encontrou,
sua raiva tinha aumentado. Ele puxou-a de
detrás da máquina de lavar roupas e começou
a espancá-la.
Então, memórias de sua própria infância
voltaram à sua mente. Ele tinha odiado as sur-
ras que seus pais lhe tinham dado e jurara nun-
ca bater em seus próprios filhos. Minnie enco-
lheu-se quando sentiu sua raiva e sua perda de
controle. O Sr. Lee derreteu-se e pegou a filha
nos braços. “Eu sinto muito, Minnie. Nós fize-
mos isso juntos – e eu estava pronto para pôr
toda a culpa em você. Não é justo, é?” A Sra.
Lee se sentiu ferida. “Você e Minnie estão sem-
pre metidos em problemas. Não posso confiar
em nenhum de vocês! Primeiro você deixa para
mim a tarefa de levar Minnie para fazer as com-
pras no supermercado, quando sabe o quanto
isso é difícil para mim e para ela. Então, você
nem mesmo pode castigar Minnie quando ela
precisa. Simplesmente deixa isso para mim!”
Embora fosse sua culpa mais do que de Minnie
dessa vez, ele sabia que o que a Sra. Lee dizia
era verdade. Ele não podia resolver-se a ser o
disciplinador. Sua própria infância sempre vol-
tava para torná-lo servil.
Entre os recursos mais importantes para os
pais estão as experiências que eles podem ex-
trair de suas próprias infâncias. Um dos desa-
fios mais dolorosos, contudo, é evitar ser con-
duzido, inconscientemente, pelo passado. É di-
fícil ensinar disciplina, quando “fantasmas” da
criação do próprio pai o fazem sentir-se, na-
quele momento, ele próprio uma criança: dese-
jar afastar-se da responsabilidade de ensinar,
ou temer ser incapaz de refrear sua raiva.
A disciplina é, talvez, a tarefa mais difícil
para muitos pais. Ela lhes lembra demais suas
próprias criações. Pais, por exemplo, que sofre-
ram abusos quando crianças, podem ter dificul-
dades em aplicar uma punição que não seja
abusiva. Podem nunca ter aprendido alternati-
vas à violência com seus próprios pais.
“Castigo”, isolamento, conter a criança em
seus braços e confiná-la em seu quarto são to-
das respostas efetivas, imediatas a comporta-
mento fora de controle – da criança e do pai.
Mas essas respostas precisam ser acompanha-
das rapidamente pela tranqüilização da criança
de que ela pode contar consigo mesma para re-
cuperar o controle e enfrentar o que fez. Em
seguida, o pai pode oferecer à criança uma
48 Brazelton & Sparrow
chance de desculpar-se, de reparar o dano e de
sentir-se perdoada. Eu não acredito que bater
seja a solução. As crianças aprendem pouco
com uma surra, exceto a ficarem magoadas e
furiosas.
Acessos de raiva
Billy queria muito ser como seu padrasto. Um
dia ele mexeu no computador do Sr. Stone para
tentar achar seu jogo favorito. Tinha visto como
seu padrasto acessara o jogo de computador na
noite anterior, então sentiu-se competente para
imitá-lo. Tentou diferentes teclas conforme ele
achava que tinha visto seu padrasto fazer.
Quando sua mãe finalmente o encontrou, Billy
estava agitado. Não estava apenas furioso, mas
estava atacando o computador. Sua mãe ficou
apavorada. O que Billy tinha feito aos precio-
sos documentos de seu padrasto? “Eu quero
fazer! Igual ao papai!” Ela chamou o Sr. Stone,
que correu para casa para avaliar o dano. Feliz-
mente, os documentos puderam ser recupera-
dos. Mas o que deveria ser feito em relação a
Billy?
O Sr. Stone sabia que tinha que levar em
consideração o desejo de Billy de imitá-lo no
computador. Mas naturalmente Billy precisava
de disciplina; ele devia entender o que tinha
feito. O Sr. Stone percebeu que precisava tran-
car seu computador; deveria ligá-lo apenas
quando estivesse lá para usá-lo com Billy. Ao
mesmo tempo, ele queria que Billy aprendesse
uma lição com esse acontecimento. No momen-
to, Billy estava tendo um acesso de raiva com-
pleto. Apavorado com o que tinha feito, e ante-
cipando a raiva de seu padrasto, atirou-se no
chão, debatendo-se.
O Sr. Stone sentou-se para esperar. Quando
finalmente parou de gritar, Billy olhou para ter
certeza de que seu padrasto ainda estava lá. O
Sr. Stone disse calmamente: “Billy, eu preciso
fazer você parar. Você sabe que isso não é um
brinquedo seu. É o meu valioso computador.
Quero ter certeza de que você nunca mais vai
tocar nele quando eu não estiver aqui.” Por um
momento, Billy começou a rir com alívio. “Do
que você está rindo? Não percebe como isso é
sério?” Então Billy não aguentou e começou a
soluçar. Sabia o quanto isso era sério e estava
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 49
tendo dificuldades para enfrentar. Encolheu-
se no chão, desolado. O Sr. Stone ainda ficou
sentado por algum tempo. Após o que parecia
um longo, longo tempo, pegou Billy em seus
braços. “Eu sei que você estava tentando fazer
o que eu fiz ontem à noite, mas isso é complica-
do demais. Você não pode fazer todas as coisas
que eu faço ainda, mesmo que queira. Algum
dia poderá – mas eu sei que isso não ajuda você
agora. Como eu posso ter certeza de que nunca
mais vai mexer no meu computador novamen-
te?” O Sr. Stone não precisava ter se preocupado.
Sua abordagem tranqüila foi muito mais efetiva
do que uma violenta. Billy nunca esqueceu sua
lição.
Mais tarde, o padrasto de Billy usou o com-
putador para ajudar Billy a entender a si mes-
mo. Mostrou-lhe como ligar o jogo do compu-
tador, então sentou-se e ficou assistindo. Billy
tentou a seqüência, falhou, ficou frustrado.
“Mostre-me novamente, papai.” Mais duas
vezes e Billy conseguiu. Aprendeu o valor de
dominar uma tarefa, dominando sua frustra-
ção. Seu padrasto teve o prazer e a tranqüilida-
de de assistir a mente de Billy funcionando na
tarefa. Ele também teve a oportunidade de aju-
dar Billy a tolerar sua frustração e aprender a
acalmar-se. A postura calma do Sr. Stone no
episódio foi uma vantagem real para ambos.
Se tivesse somado sua própria frustração à de
Billy, a tensão com que teria que lidar seria bem
maior. Ela teria interferido na chance de Billy e
no sentimento mágico de “eu mesmo fiz”.
Pais, como o Sr. Stone, que estão fora todo
o dia e que provavelmente estão eles próprios
sobrecarregados, acharão difícil deixar a criança
aprender por conta própria. Pode ser difícil para
eles suportarem a frustração da criança. Mos-
trar-lhe e deixá-la ver o quanto pode fazer por
si mesma pode ser muito mais difícil do que
intervir e fazer pela criança. Tendo estado fora
o dia todo, um pai pode preferir ser o “cara le-
gal” e resolver os problemas imediatamente.
No sábado, Billy foi ao supermercado com
seu padrasto. Ele apanhou latas e caixas de ali-
mentos sob a orientação de seu padrasto por
um bom tempo. Finalmente, contudo, ele se
cansou e começou a jogar no carrinho coisas
de sua escolha. O Sr. Stone ficou aborrecido.
“Billy, eu vou ter que pagar por tudo isso, ou
separar tudo e colocar os seus de volta nas pra-
teleiras.” Visto que o menino tinha agarrado
caixas de cereal com açúcar e uma lata de refri-
gerante que o Sr. Stone nunca teria comprado,
não foi difícil para ele colocá-las de volta.
Quando chegaram no caixa, Billy começou
a choramingar: “Eu quero bala.” “Billy, você
não pode comer balas e sabe disso.” Billy se
atirou no chão em um acesso de raiva. “Eu que-
ro! Eu quero!” O Sr. Stone sentiu-se impotente.
Todos olhavam para ele como que dizendo:
“Você não consegue lidar com essa criança?”
Ele sentiu vontade de tapar sua boca ou lhe
dar uma palmada. Billy sentiu a raiva de seu
padrasto. Isso o fez sentir-se ainda pior. “Papai,
papai, eu quero bala! Eu preciso!” O que o Sr.
Stone podia fazer?
O Sr. Stone poderia afastar-se de Billy, o que
certamente teria interrompido o acesso. Mas
ele estava no meio da fila do caixa e com pressa,
e o menino sabia disso. Um outro pai apareceu
para solidarizar-se. “Por que, vocês sempre têm
que vender balas bem na frente dos caixas?” À
medida que a raiva do Sr. Stone desaparecia,
Billy também acalmou-se. A crise tinha passa-
do. Mas, enquanto eles se afastavam da caixa
registradora, o Sr. Stone ouviu o empacotador
murmurar: “Que pirralhinho mimado!”
Quando tudo terminou, Billy ficou envergo-
nhado. Ele disse, entre risadinhas: “Eu sou bobo,
papai.” Começou a pular em volta do estaciona-
mento, envergonhado, dançando e cantando:
“Hi, hi, hi!” O Sr. Stone sabia que Billy estava
perdendo o controle novamente, mas ele tam-
bém estava. Agarrou o braço do menino, então
levantou-o bruscamente. A expressão de medo
de Billy o fez parar, e o padrasto o abraçou. “É
tão difícil fazer compras, não é? Realmente cha-
to. Você acha que deveríamos parar agora e ir
para casa, ou podemos ir a uma outra loja?” Billy,
apaziguado, disse: “Eu vou parar, papai. Me des-
culpe.” E o fez. Ele agarrou a mão do padrasto,
orgulhoso de seus novos controles internos.
O Sr. Stone, compartilhando sensivelmente a
frustração de Billy, ajudou-o a entender a si
50 Brazelton & Sparrow
mesmo. Ele também deu ao menino uma opor-
tunidade de romper o ciclo e parar por si pró-
prio. Se o Sr. Stone tivesse explodido com Billy,
ele o teria distraído de sua própria responsabili-
dade, e o ciclo teria continuado. As crianças de
três anos são ávidas por limites firmes, seguros,
desde que eles sejam acompanhados de amor.
A necessidade de disciplina (ensino) e limites
firmes é sempre aos três anos. O amor não ape-
nas impede que a criança recuse-se a ver os li-
mites, mas também ajuda-a a sentir-se suficien-
temente confortável em relação a eles, a fim de
estar pronta para torná-los seus.
No terceiro ano, os pais começam a apresen-
tar seus filhos a padrões e expectativas exter-
nos. O Sr. Stone sabia que Billy estava aborreci-
do. Ele podia ter tolerado seu comportamento
“fora de controle”, e tolerou, até que viu os ros-
tos dos outros clientes. Queria proteger Billy
desses tipos de reação, mas também queria pro-
teger a si mesmo. Billy precisa lidar com sua
própria frustração e, aos três anos, felizmente
está pronto para aprender. A abordagem do Sr.
Stone, segurando Billy para acalmá-lo, expli-
cando a ele o que tinha acabado de passar e
servindo de modelo para o menino, enquanto
acalmava a si mesmo, é uma abordagem efi-
ciente. Quando funciona, todos se sentem
satisfeitos.
Quando os pais conseguem esperar que o
acesso de raiva do filho ou que suas próprias
reações exageradas passem, segurando-o no
colo para ajudá-lo a recuperar o controle, a cri-
ança terá aprendido a como conduzir-se no fu-
turo. Após um breve período de isolamento ou
um “castigo”, um pai pode pegar a criança, ago-
ra acalmada, e dizer: “Sinto muito, mas você
simplesmente não pode fazer aquilo. Toda vez
que fizer, vou ter que pará-lo – até que você
possa parar por si próprio.” Se os pais puderem
evitar de assustar a criança ainda mais, repri-
mindo suas próprias explosões, e ajudá-la a
acalmar-se, a chance de a criança assumir seu
próprio papel naquilo que fez será muito maior.
Explodindo, um pai estará apenas distraindo a
criança desse desafio crucial. Não exagere a lição
a ser aprendida. Dê espaço para a criança. O obje-
tivo da disciplina é o autocontrole. Alcançá-lo
leva anos – muitas vezes toda uma vida.
Orientações de disciplina
Uma vez que os pais de crianças de três anos
devem esperar mais frustração à medida que
seus filhos crescem e precisam satisfazer as ex-
pectativas crescentes da cultura à sua volta,
aqui estão algumas orientações para ajudar a
criança a aprender quando tiver transgredido
sem deixá-la sentindo-se abandonada:
� A primeira tarefa de um pai em relação
à disciplina é sobreviver ao colapso no
comportamento, então tranqüilizar a
criança de que estará junto dela para
pará-la até que possa parar sozinha. Per-
gunte a você mesmo o que ela provavel-
mente aprendeu com esse episódio.
� Desenvolver técnicas, como abraçar e
conter a criança, manobras calmantes,
castigo ou isolamento, como forma de
conter a criança e de dar-lhe uma chance
de reestabelecer-se. Estabelecer limites
dessa forma é tranqüilizador.
� Intervir antes que a criança esteja desola-
da. Saber quando leva tempo para um
pai aprender. Avaliar os estresses (transi-
ções, frustração, estimulação excessiva)
e o comportamento não-verbal da crian-
ça, que ocorrem repetidamente antes das
explosões.
� A frustração é uma força saudável de
aprendizado, desde que a criança tenha
oportunidades de dominá-la. Quando,
finalmente, conseguir, após um momen-
to de frustração, será provável que sin-
ta: “Eu mesma fiz.”
� Tolerar a frustração é uma realização im-
portante para a criança. É difícil para um
pai ver um filho frustrado; isso provoca
frustração no próprio pai, que a criança
provavelmente sente e responde. Você
precisa estar preparado para retrocessos
e progresso lento, e permanecer fo-
calizado no resultado final – o sucesso.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 51
Você não pode evitar erros na disciplina –
acessos de raiva podem ocorrer, mas eles não
são o fim do mundo. Tanto você quanto seu
filho aprenderão com eles. Os pais freqüente-
mente ficam espantados com a capacidade que
seus filhos têm de perdoar, com as chances que
surgem a cada dia.
Relacionamentos:construindo uma família
O novo bebê: questões dos pais
A mãe de Billy levou-o a seu médico para a ava-
liação dos dois anos e meio. Toda vez que Billy
se curvava para deitar-se no chão, ele deixava
escapar um pequeno grunhido. A princípio, o
médico imaginou que Billy estivesse dolorido
por causa da constipação (não, seu abdômen
não estava sensível) ou tivesse uma dor no
quadril ou nas costas. Nada disso revelou-se a
razão para os grunhidos da criança. Finalmente,
o médico descobriu a explicação. No meio do
exame, ele perguntou à Sra. Stone. “Você está
grávida?” “Não. Billy tem só dois anos e eu quero
esperar até que ele tenha quatro ou cinco antes
de ter um outro bebê. Por que você perguntou?”
“Eu apenas imaginei”, respondeu o médico.
Quando a Sra. Stone descobriu, alguns dias
depois, que estava realmente grávida, telefonou
ao pediatra, que disse: “Bem, Billy soube antes
de você. Eu acho que você não precisa anunciar
que está grávida para ele.” O menino estava
imitando sua mãe! Tão íntimos são seus senti-
mentos compartilhados que Billy sabia que sua
mãe estava diferente, mesmo que isso estives-
se apenas recém começando. Ele tinha come-
çado a imitar seu comportamento, e a Sra.
Stone nem mesmo se dera conta disso.
“Quando devemos contar ao nosso filho?”,
os pais perguntam. Minha resposta é: “Nunca
deixem de lhe contar. Ele saberá pelas mudan-
ças em seu comportamento. Falem sobre isso
logo que quiserem, mas não enfatizem até pró-
ximo do final. Senão será uma longa espera.”
Mesmo uma criança de três anos deseja saber:
“Como o bebê entra lá? Como ele sai? Será que
ele sai como o meu cocô?” Eis aqui uma nova e
importante razão para segurar seu cocô “como
a mamãe”.
Mais para o final da gravidez de sua mãe,
quando Billy imitava seu andar, seu estômago
protuberante, as pernas separadas, os braços
balançando, todos riam. “Vejam o Billy! Ele está
imitando sua mãe. Mas, Billy, menininhos não
têm bebês!” Billy sentia desaprovação no hu-
mor deles. Por que ele não podia ter um bebê?
O que era um bebê afinal? Todos apontavam
bebês para ele nessa época e não eram tão inte-
ressantes assim. Eles faziam caretas, e grita-
vam, e choravam, e faziam cocô. Após ele ter
sido forçado a ver o bebê de uma vizinha, ati-
rou-se no chão, gritando. “Billy, levante! Você
é um menino grande agora.” Nada que ele fi-
zesse parecia agradá-los.
A nova gravidez da mãe pode ser um mo-
mento crítico – não apenas para a criança, mas
também para os pais, que sentem que estão
“abandonando” o primeiro filho e “forçando-o
a crescer muito rápido”.
Billy terá perguntas a fazer. “De onde vêm
os bebês?” “Como ele entra dentro de você?”
“Eu posso ter um dentro de mim?” “Como va-
mos tirá-lo dali?” E ele precisará de respostas.
Sempre responda a suas perguntas. Nunca per-
ca a chance de manter o canal de comunicação
aberto. Evitar essas perguntas agora apenas as
tornarão mais desconfortáveis e difíceis para o
pai explicar mais tarde. As respostas podem ser
curtas, testes pelos quais os pais podem sentir
quando a criança está satisfeita ou está pronta
para mais. Billy certamente sentirá o orgulho e
a excitação que seus pais estão sentindo.
Antes desse “bebê” estar “lá dentro”, os pais
de Billy o atendiam toda vez que solicitava.
Mas, agora, muitas vezes sentia que sua mãe
estava longe, em um mundo de sonhos. Ele
começou a equiparar seu estado sonhador e a
preocupação de seus pais com esse bebê. Nada
disso era consciente, mas Billy sentia um ligei-
ro empurrão “para fora do ninho”. Adorava
cada chance de ser pegado no colo e abraçado
ainda mais do que antes.
A Sra. Stone encontrou-o por acaso sentado
em sua cadeira, chupando o polegar. A visão
partiu seu coração. Pegou-o para acariciá-lo,
52 Brazelton & Sparrow
mas sua enorme barriga a fez hesitar quando
se abaixou para levantá-lo. Billy sentiu que as
coisas simplesmente não eram mais as mesmas.
As insistências para sentir a barriga de sua
mãe era o pior. Ela estava grande e esticada. E
parecia desconfortável. O que estava para acon-
tecer? O padrasto de Billy parecia muito preocu-
pado com ela. “Ela nunca mais vai me pegar
no colo.” Todos o chamavam “esse meninão”.
Mas ele apenas queria ser abraçado. “A mamãe
está doente? Ela vai para o hospital. Posso ir
com ela?” O menino se perguntava quem to-
maria conta dele.
Por que os pais se sentem constrangidos de
falar sobre a gravidez e o novo bebê? Eu acho
que todo pai antecipa a chegada do segundo
filho como se isso fosse um abandono do pri-
meiro. As mães, em meu consultório, que anun-
ciam “Adivinhe! Estou grávida do meu segun-
do”, freqüentemente começam a chorar, quan-
do pergunto se elas sentem que estão abando-
nando o primeiro filho. Os pais precisam reco-
nhecer esse sentimento, antes de poderem en-
frentar abertamente as reações inevitavelmente
confusas de seu primeiro filho ao novo bebê.
“Billy ainda precisa de mim.” A Sra. Stone
abraçou Billy apertado. O filho ficou surpreso
e confuso. Ele tentou afastar-se vigorosamente.
A Sra. Stone olhou-o com tristeza. “Eu ainda
vou lhe mostrar que ele é o centro de nosso
universo.” Ele será – até que o novo bebê che-
gue. Então – apesar de todas as intenções em
contrário – quando uma mãe se volta para seu
novo bebê, afasta-se imperceptivelmente de seu
primeiro filho. Mesmo durante a gravidez, uma
mãe começa a afastar-se e a preparar-se.
A Sra. Stone pode ajudar a preparar Billy,
conversando com ele e enfatizando que precisa
dele. Mas ele ainda pode sentir o afastamento
de sua mãe; vai experimentá-la para descobrir
se ela ainda é dele. Ele pode mesmo fazer pres-
são. Uma mãe fica vulnerável nessa época à sua
própria culpa por deixar o filho mais velho. A
criança testará isso. Eu insistiria para que a Sra.
Stone se tornasse mais presente ainda. Ficas-
se junto com ele nesse momento. “Você e eu
podemos fazer coisas juntos” tem um significa-
do extra. “Podemos vencer esta separação jun-
tos.” Encarar esses sentimentos dá aos pais uma
chance de ver que a chegada de um novo bebê
na família também pode ser um presente para
o filho mais velho.
Conseguindo reconhecer os sentimentos
“egoístas” que têm em relação ao desejo por
um segundo filho, os pais podem ser mais efe-
tivos para ajudar o primeiro filho a encarar o
nascimento como um novo evento importante.
Seus esforços para recuperar o filho mais velho
deveriam permitir que ele tanto se ressentisse
quanto amasse o novo bebê. O objetivo será
ajudá-lo a sentir que “este é o meu bebê”, tanto
quanto o bebê de seus pais.
Mais para o final da gravidez, conversar jun-
tos sobre o que esperar é fundamental. A grande
preocupação para o filho mais velho é em rela-
ção à separação. “Se a mamãe teve que ir para
o hospital, ela está doente? Ela vai ficar lá? Ela
vai voltar para casa?” Por trás dessas perguntas
sempre está: “Quem vai ficar comigo?” Esse é
um momento para escutar as perguntas.
O problema do treinamento decontrole do esfíncter
Os Stones tinham esperado até que Billy tives-
se dois anos para ajudá-lo com seu treinamen-
to da higiene. Eles acreditavam que tinham
deixado isso por conta dele, que tinham feito
tudo corretamente. Quando começaram, ele ti-
nha dois anos e tinha demonstrado sua pronti-
dão com três avanços cognitivos importantes:
podia dizer “não”, se não quisesse ir; estava
pronto para sentar-se e imitar os outros à sua
volta; e tinha até mesmo descoberto o conceito
de colocar as coisas nos lugares a que perten-
ciam. O menino pegava seus brinquedos peque-
nos, quando tinha terminado de brincar, e os
colocava no cesto em seu quarto. A Sra. Stone
estava maravilhada com o senso de ordem de
seu filho de dois anos e seu reconhecimento
das expectativas dos adultos à sua volta. Ela se
perguntava: “Será que eu exigi demais dele?
Ele é tão inteligente e tão disposto a nos agra-
dar!” Mas talvez ela soubesse intuitivamente
que essas realizações eram sinais de que ele
estava pronto.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 53
Ela tinha seguido os passos sobre os quais
havia lido:
1. Ela comprou-lhe um “troninho” e lhe
disse que era dele. Billy tinha ficado
muito orgulhoso. Ele sentou-se nele
onde colocou seus caminhões e seu ur-
sinho. Imitava sua mãe, tranqüilizando
seu ursinho: “Um dia você vai sentar
nele como nós fazemos.”
2. A Sra. Stone o pegava uma vez por dia,
totalmente vestido, para sentar-se em
seu penico, enquanto ela sentava no vaso
sanitário. Ele se inclinava contra ela, en-
quanto ela lia para ele uma parte do Mr.
Bear Goes to the Potty (O ursinho vai ao
banheiro). Porém, ele logo ficava aborre-
cido e fugia. Mas, no dia seguinte, ele
estava pronto e disposto a ouvir a histó-
ria, enquanto sentava-se em seu penico.
3. Após uma semana sentando-se no vaso
totalmente vestido, Billy parecia pronto
para sentar-se lá sem as roupas. Todo dia,
sua mãe falava: “Isto é para mostrar-lhe
o que a mamãe e o papai têm que fazer
para ir ao vaso quando querem fazer cocô
e xixi.” Ele parecia pronto. Um dia, gru-
nhiu enquanto estava sentado lá. Ne-
nhuma produção.
4. Na terceira semana, ela levou Billy com
sua fralda suja até o penico e largou a
fralda dentro. Ele disse: “Mamãe, não
suje o meu penico!” Ela disse: “Mas,
Billy, é aqui que queremos que você co-
loque seu cocô um dia. Um dia, pode até
fazer dentro do penico.” “Não! Não! É
para o meu ursinho.” “É para você tam-
bém. Veja, este é meu e do papai. Este é
para você. Seu ursinho pode usá-lo tam-
bém.” Billy: “Mas imagina se o cocô dele
cheirar mal como o meu?” “O cocô sem-
pre cheira mal. Por isso é que usamos
um vaso sanitário. Um dia você poderá
ir sozinho.” O rosto de Billy se iluminou.
“Assim como o urso. Assim como papai,
Tio John e mamãe. Vocês querem usar o
nosso?” Billy olhou para o enorme assen-
to do vaso. Queria subir nele. Mas olhou
para dentro do vaso com uma certa dose
de horror. “Eu posso cair dentro!” Tentou
colocar uma perna dentro da água. Sua
mãe apressou-se em impedi-lo. “Você te-
ria que sentar nele. Ele é muito grande
para você agora. Seu assento é exata-
mente do tamanho certo para você. Ten-
te.” Ele olhou para as duas opções e
olhou para ela. “Tudo bem. Eu vou ten-
tar.”
5. Duas semanas mais tarde, a Sra. Stone
arriscou-se a tentar fazer Billy usar o
penico, quando ele estava sem roupas.
Ela colocou seu penico no quarto de brin-
quedos, para lembrá-lo. “Billy, posso
entrar para lembrá-lo como se faz?” Ele
concordou. Quando ela entrou pela pri-
meira vez, ele sentou-se para urinar; sua
urina esparramou-se no chão em volta
do penico e sobre o assento, mas uma
pequena quantidade caiu dentro do pe-
nico. “Limpa, mamãe! Limpa!” Ele pa-
recia desvairado. Ela limpou a urina es-
palhada, mas guardou o penico com suas
poucas gotas de urina para seu pai ver.
Todos os três admiraram a produção de
Billy. Na próxima vez que o menino foi,
seu padrasto disse: “Billy, mantenha seu
xixi para baixo e ele cairá dentro do pe-
nico. Ele faz um barulho enorme quan-
do bate no penico!” Billy olhou para bai-
xo para concentrar-se, experimentando
a sugestão. Quando segurou seu pênis e
atingiu o fundo de plástico com o xixi,
Billy ficou impressionado com o som que
podia fazer. Ele fazia todas as vezes com
alegria e orgulho. Quando finalmente
produziu fezes para o penico, foi motivo
para celebração. Mas olhou para aquilo
dentro do penico. “Mamãe, mamãe, lim-
pa! Isso está sujando o meu penico!” A
Sra. Stone ia começar a despejar o cocô
de Billy dentro do vaso sanitário para dar
descarga. “Aqui não! Ele vai se perder!”
Ela viu sua ansiedade e se deteve para
confortá-lo. Ela lhe perguntou: “Billy,
este é seu. O que você quer que eu faça
com ele?” “Deixe-o em paz. Eu vou ta-
54 Brazelton & Sparrow
par.” Apanhou papel higiênico e cobriu
o penico. “Ele cheira mal.” “Isso mesmo,
Billy, vamos lavar nossas mãos.” Com
grande sensibilidade, ela deixou o assun-
to de lado até que Billy perdeu o interesse
e correu para brincar com seus brinque-
dos. Com a atenção desviada, a Sra.
Stone pôde despejar as fezes no vaso sa-
nitário. Billy tentou novamente alguns
dias depois. Recompensou a sensibilida-
de de sua mãe, olhando-a bem no rosto,
após ter notado o penico vazio. Ela perce-
beu o quanto ele ficara preocupado por
perder uma parte de si mesmo, suas fe-
zes. Após aqueles primeiros dias, ficou
menos preocupado com a remoção de
suas fezes. Lavava as mãos todas as ve-
zes. Nem mesmo perguntava para onde
suas fezes tinham ido, mas a Sra. Stone
sabia que a pergunta estava em sua men-
te. Ela discutiu o que deveria lhe dizer
com seu marido. O Sr. Stone pareceu
confuso e surpreso. “Eu acho que pode-
mos dizer-lhe que é ali que todos nós co-
locamos nossas fezes. É para onde todas
vão.” “Onde?” “Ugh. Eu acho que para
o depósito de fezes.” “Como uma criança
de dois anos vai entender uma coisa
como essa?” “Eu não sei. Como é que
nós entendemos também? Apenas não
seja tão insegura. Ele está preocupado.
Podemos assegurar-lhe de que todo
mundo se preocupa com isso.”
6. Quando estava com quase três anos, o
aprendizado da higiene de Billy parecia
completo durante o dia. Ele falava sobre
sua realização na escola. Perguntava aos
seus amigos: “Você também?” Todos eles
respondiam: “Sim”, embora apenas
metade tivesse completado esse treina-
mento diurno.
O treinamento de higiene diurno de Billy
tinha sido tão fácil que foi surpresa para os
Stones quando ele parou de usar o banheiro.
Tudo tinha parecido tão uniformemente recom-
pensador quando Billy tinha dois anos. Por que
ele deveria retroceder agora que tem três? Pode-
ria ser o bebê? Poderia ser o início da creche?
Billy tinha sido exposto a um evento traumáti-
co? Todas essas perguntas passavam pela cabe-
ça dos pais de Billy. Ele estava tão aborrecido
quanto eles. “Mamãe, mamãe, estou molhado.”
Isso aconteceu algumas vezes, mas o mais
perturbador é que ele estava retendo suas fezes.
Alguns dias se passaram antes que a Sra.
Stone percebesse que eles estavam todos em
uma situação difícil. As fezes estavam sendo
mantidas como reféns. Ela chamou o médico
de Billy. “O que eu faço?” “Dê-lhe caldo de
ameixa seca duas vezes por dia e até um la-
xante, se ele continuar preso.” Após algumas
doses de caldo de ameixa-seca, Billy produziu
fezes duras. Isso machucou-o. Ele sentou-se em
seu penico e ficou vermelho com o esforço. Cho-
ramingou. Em certo momento, saltou fora do
penico e correu em volta do quarto. “Cocô não!
Cocô não!” Ele parecia torturado. Atirou-se no
chão, juntou as pernas e levantou-as. Enquanto
retesava o corpo, sua mãe pôde ver que ele esta-
va prendendo as fezes. Ela tentou novamente
aliviar a agonia do filho. “Apenas sente no vaso.
Isso vai ajudá-lo.”
Billy estava realmente preocupado com sua
mãe e o novo bebê. Ele estava irritado. Mesmo
antes de terem falado sobre a gravidez da Sra.
Stone, Billy tinha começado a prender suas fe-
zes, quando sentia que sua mãe estava se afas-
tando dele. Ele inconscientemente prendia suas
fezes, mas, quando o fazia, sua barriga ficava
grande. Billy tinha sentido sua mãe recolher-se
sutilmente à sua nova gravidez. Ser exatamente
como ela era sua forma de agarrar-se a ela.
A ansiedade na casa centralizava-se agora
em Billy e suas fezes, não na gravidez. “Você
não pode fazer, apenas pela mamãe? Você sabe
que está desconfortável.” Ninguém parecia per-
ceber o que o tornara preocupado em relação a
suas fezes e por que ele precisava prendê-las.
Este era um momento crítico – Billy estava ten-
tando lidar com toda a excitação e a ansiedade
da gravidez de sua mãe. Sua necessidade de
regredir em uma área que acabara de dominar
devia ser algo esperado. Exatamente no mo-
mento em que os pais de Billy estavam se preo-
cupando sobre como lidariam com um novo be-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 55
bê, o menino os estava forçando a enxergar o
quanto ele ainda precisaria deles. A tensão de
seus pais, e a raiva que sentiam com essa regres-
são, reforçava sua ansiedade. Billy estava im-
plorando pela compreensão e ajuda deles.
Em sua ansiedade, a Sra. Stone chamou o
médico de Billy novamente. “Ele não está ab-
sorvendo toxinas dessa forma? Devo aplicar-
lhe um enema?” “Não, eu não acho. Muitos
meninos, quando já estão treinados, começam
a reter suas fezes. É quase como se eles estives-
sem dizendo ‘eu quero ter o controle total’. O
único perigo é que ele irá prender, até que suas
fezes duras o firam quando descerem. Então,
vocês terão um problema duplo. O esfíncter do-
lorido sente as fezes vindo. Ele se contrai. Se
doer de novo, Billy pode começar a reter por
um tempo mais longo – por medo.”
“O que eu devo fazer?” “Primeiro de tudo,
desculpe-se com ele. Deixe-o ver que ele tem o
controle da situação. Diga-lhe que você sente
muito por ter se intrometido. O treinamento
do controle do esfíncter é problema dele, você
sabe.” “Mas eu não me intrometi. Apenas o
lembro agora a cada duas horas mais ou menos
para ir e tentar. Eu nunca o castiguei. Ele fez
tudo isso por conta própria.” “Muitas crianças
que entendem a idéia de colocar suas fezes e
sua urina onde todo mundo coloca e que apren-
dem isso com um treinamento descontraído
como o seu ainda precisam provar que estão
no controle. Elas fazem isso retendo suas fezes.
Não podem provar para si mesmas (ou para os
outros) de nenhuma outra forma. É hora de
dizer: ‘Você decide. Eu estou fora. Se quer usar
uma fralda na hora da sesta ou à noite, pode
usá-la para fazer cocô. Você pode ir ao banheiro
quando quiser.’” A Sra. Stone tinha percebido
isso há muito tempo. Mas sua gravidez, e a rea-
ção de Billy a esse fato, tornou difícil para ela
aplicar o que sabia.
Ela queria defender-se. “Mas eu não inter-
feri. Estava tranqüila! Ele simplesmente deve
ter imaginado que o forcei!” A Sra. Stone e pais
como ela dificilmente podem acreditar que um
filho seja tão sensível em relação a ser treinado
que interprete exageradamente qualquer decla-
ração de um pai como interferência. Ele quer
muito que o sucesso seja “dele”, não de outra
pessoa.
O médico sentiu a defensiva da Sra. Stone
em relação ao comportamento de Billy. “Mais
um conselho. Por enquanto, por favor, não jo-
gue fora a produção dele até que ele tenha per-
dido o interesse por ela. O menino pode sentir
que está perdendo uma parte de seu corpo.”
“Mas ele parece adorar colocá-la no vaso e
dar descarga, e até vê-la indo embora”, ela res-
pondeu. “Até me disse ontem na banheira en-
quanto a água saía: ‘Viu mamãe? Olha a água
indo embora. Se meu cocô estivesse aqui ele
iria embora também’”.
“Talvez ele pareça adorar isso”, disse o médi-
co de Billy, “mas muitas crianças ficam choca-
das vendo-o ir embora. Afinal, lembre-se de que
as crianças vêem as fezes como parte de si mes-
mas e olhá-las indo embora significa uma perda
para sempre para elas.”
“Eu devo mencionar quando for hora de ele
ir? Ele não vai tentar?”
“Absolutamente não. Fique fora disso com-
pletamente agora. Simplesmente deixe tudo
56 Brazelton & Sparrow
por conta dele e diga-lhe que vai deixar tudo
com ele. Aposto que o problema vai se resolver
quando ele estiver pronto para recuperar o con-
trole.”
E foi o que aconteceu. Dentro de uma sema-
na, Billy estava orgulhosamente usando sua
fralda para fazer cocô. Estava orgulhoso do
monte que fazia. Após a segunda semana,
quando fazer cocô não doía mais, tudo ficou
bem. Ele voltou para o penico em um mês e
estava muito orgulhoso. (Ver “Problemas de Hi-
giene Revisitados” na Parte II.)
O novo bebê: ajustes ao irmão
Quando a pequena Abby e seus pais voltaram
para casa, do hospital, Billy estava com eles.
Os Stones tinham feito tudo que puderam para
ajudá-lo a fazer um ajustamento fácil ao bebê.
Ele tinha visitado sua mãe no hospital. Sua avó
tinha vindo para ficar com ele, e seu padrasto,
que, por sua vez, ficara o mais disponível que
pudera para Billy: “Eu sou todo seu”, e fora.
Eles tinham se divertido juntos e descobriram
uma proximidade que foi muito valorizada por
ambos. Precisavam um do outro.
Para as horas em que estaria menos dispo-
nível, o Sr. Stone tinha comprado um panda
de brinquedo, que ele podia alimentar e que
urinava e precisava ser trocado. O panda tinha
um choro gravado, que Billy podia ligar sem-
pre que desejasse. O brinquedo fez um enorme
sucesso. Billy agora se arriscava a fazer suas
perguntas. Ele tinha “perdido” seu próprio pai,
agora parecia como se tivesse perdido sua mãe.
“Por que mamãe foi com o novo bebê?” “Ela
precisava tirar o bebê de sua barriga, então nós
vamos poder tê-lo aqui para brincar. Ela vai ser
sua irmã.” “O que é uma irmã?” “É alguém a
quem você pode amar e com quem pode crescer.
E ela vai amar você também.” “Mas eu não que-
ro ela. Quero a mamãe de volta.” “Você vai tê-
la de volta. Nós todos a queremos. Mas sei que
você sente falta da mamãe. Ela estará de volta
em um ou dois dias. Nós vamos buscá-la jun-
tos.” Os olhos de Billy estavam abatidos. A pos-
tura sisuda. Ninguém mais o escutava. Ele sim-
plesmente não queria esse bebê.
Billy sentia a ausência de sua mãe. Ele sen-
tava-se em sua cadeira, chupava o polegar e
torcia seu cobertor. Sua avó chegou perto dele.
“Billy, você sente falta da mamãe, não sente?”
“Talvez ela não volte.” “Oh, Billy, ela vai voltar.
E ela também sente a sua falta. Venha cá que
vou embalá-lo. Escolha sua história favorita que
você lê com a mamãe. Vamos ler juntos.” Billy
saiu para buscar um livro. Primeiro pegou Boa-
Noite, Lua. Então, como se tivesse pensado me-
lhor, atirou o livro de volta e pegou um livro ao
acaso para sua avó ler. Enquanto eles se embala-
vam e liam, os olhos de Billy permaneciam fixos
no nada. Não ousara trazer o “melhor” livro de
sua mãe. Era uma lembrança muito dolorosa.
Quando chegou o dia de ir ao hospital bus-
car o novo bebê, o padrasto de Billy disse: “Está
na hora de irmos buscar Abby e sua mãe.” Billy
desapareceu. Correu para sua cama, engati-
nhou sobre ela, e se encolheu com o polegar na
boca. Sr. Stone: “Billy, saia daí. É hora de ir-
mos!” Nenhuma resposta. Sua avó tentou: “Bil-
ly, sua mãe deve estar esperando. Ela está ansio-
sa para vê-lo. Você pode trazer o panda tam-
bém”. Nenhuma resposta. Ninguém entendia
o quanto era doloroso para Billy ter sido aban-
donado e substituído. Finalmente, o Sr. Stone
puxou seu enteado por uma perna, colocou-lhe
à força seu casaco de neve e arrastou-o esper-
neando para o carro. “Billy, eu estou cheio disso!
Você deveria estar contente por trazer sua mãe
para casa.”
O menino sentiu-se pequeno e sozinho, en-
quanto as enfermeiras vestiam “sua” irmã e sua
mãe se arrumava. Todos se agruparam em vol-
ta do bebê. “Ela não é uma gracinha?” Ele não
achava. Ela parecia tão pequena e gorducha e
contorcida. Nem mesmo olhara para Billy. Ape-
nas se espremia. Ele tinha pensado que ela po-
deria ser sua “irmã” como eles tinham dito.
Uma irmã deveria querer brincar com você, e
olhar para você, e falar com você. Ela não. Billly
se sentia rejeitado por ela e não gostou dela
desde o primeiro momento em que a viu. To-
dos queriam que ele a amasse. As enfermeiras
no hospital pairavam a sua volta e diziam: “Ela
não é um doce? Ela é sua irmã e você vai amá-
la um dia.” Quando era “um dia”?
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 57
Billy afastou-se para um canto do quarto
com seu panda. Ele podia fazer esse panda fazer
tudo. Podia fazê-lo chorar – e fazê-lo parar tam-
bém. Podia fazer tudo o que quissesse para o
panda, sem que todos se aproximassem dele.
O panda era dele, e ele já sentia um carinho e
uma intimidade pelo panda que não sentia por
Abby. Os adultos quase o esqueceram, quando
começaram a sair do quarto. Ele estava encolhi-
do no canto para ficar fora do caminho. O Sr. e
a Sra. Stone se aproximaram da porta com o
bebê. Então, se viraram para procurá-lo. “Billy,
venha. Vamos para casa agora.” O menino sen-
tiu-se triste. Lançou-se ao chão como se fosse
ter um acesso de raiva. Seu padrasto se virou
realmente aborrecido. Billy pulou e seguiu-os
pelo corredor. Viu a mão de sua mãe balançan-
do ao seu lado. Correu e agarrou-a. A Sra. Stone
olhou para ele. “Billy, que saudades eu senti de
você. Estou tão feliz que tenha vindo me buscar.
Espero que goste de Abby. Ela ficará tão orgu-
lhosa de você! Irmãzinhas são sempre orgulho-
sas de irmãos mais velhos.” Billy pareceu apazi-
guado, mas sentiu a pressão naquela observa-
ção. Todos queriam que ele crescesse!
Quando chegaram em casa, todos se esque-
ceram dele novamente e correram para o quarto
do bebê. Eles abraçavam, arrulhavam, faziam
ruídos bobos. A avó era tão má quanto seus
pais. Mas ele ainda tinha seu panda e tentou
voltar-se para ele. Fez “uuus” e “guus” algumas
vezes para o panda, mas se sentia bastante vazio
por dentro – e solitário. Finalmente, seu padras-
to saiu “daquele” quarto para procurá-lo. No
momento, só queria se esconder; ele se retiraria
para sua própria cama e se encolheria ao lado
do panda. Quando o Sr. Stone tentou pegá-lo
no colo, ele deixou escapar um gemido e tentou
esconder-se em um canto.
“Oh Billy, por favor, não seja tão negativo
agora. Todos nós o amamos, mas nós temos que
acomodar o bebê.” A voz de seu padrasto era
tão trivial! Ele tinha abandonado Billy também.
O que o menino poderia fazer a não ser enco-
lher-se e esperar? Ele certamente nunca espe-
rou ser esquecido. Sua mãe nem sequer tinha
olhado para ele depois que chegaram em casa.
Sua avó finalmente veio e sentou-se em sua
cama para confortá-lo, e ele se sentiu melhor.
“Billy, eu quero ler um livro com você.” E ela
não mencionou o bebê ou falou em crescer!
Quando Billy viu Abby mamando, ele quis
tentar fazer o mesmo, também. “Meninos gran-
des não bebem o leite das mamães”, disse o Sr.
Stone nervosamente. “Eu não quero ser um
menino grande como papai. Eu quero ser um
bebê.” Encostou-se em sua mãe e sugava alto
como Abby, mas não tinha nada em sua boca.
Seus pais riram. “Você quer tentar sugar o meu
peito, Billy?” Ele colocou a boca em seu mamilo.
Nada aconteceu. Então começou a sugar da
mesma forma que fazia com seu polegar. O ma-
milo da mãe ficou de pé em sua boca e ele sentiu
esse doce, doce gosto. Ele fez uma careta.
“Arghh”, ele disse, e voltou ao seu polegar. Após
aquilo, ficou observando Abby, mas não quis
tentar mamar novamente. Sua mãe puxou-o
para perto dela. “Billy, é bom abraçar você de
novo.” Ele deu um pequeno gemido enquanto
se espremia no espaço entre o braço e o peito
de sua mãe.
Seus pais e sua avó prestaram mais atenção
nele após aquilo. Eles o abraçavam bastante.
Deixavam-no ajudar, quando trocavam as fral-
das de Abby. Eles o deixavam ir buscar as fral-
das. Quando ele começou a molhar-se de novo,
até o deixaram usar fraldas “como Abby”. Ele
ouviu sua mãe dizer: “Oh, espero que Billy não
volte a prender suas fezes!” Mas ele, na verdade,
não precisava das fraldas. Molhou-se algumas
poucas vezes sem elas. Mas, visto que seus pais
agora respeitavam isso como sua luta, logo des-
cobriu que tinha de novo o controle. Ele se sen-
tia como o menino grande que todos queriam
que fosse. É verdade que ainda precisava de
fraldas à noite, mas aquilo não parecia incomo-
dar ninguém.
Agora, quando sua mãe estava ocupada
amamentando Abby, Billy tentava uma nova
forma de lidar com o fato. Retirava-se e procu-
rava seu padrasto. Uma manhã, quando sua
mãe ainda estava na cama amamentando o
bebê, Billy calçou os sapatos de seu padrasto e
caminhou até a porta da frente. Sentou-se no
alpendre e falou sobre todas as coisas que faria
quando fosse “grande como papai”.
58 Brazelton & Sparrow
Billy estava se esforçando para abandonar seu
papel como o bebê da família. Sua recompensa,
às vezes excitante, e às vezes não o suficiente,
seria ser “grande como o papai”. “Ser como
papai ou mamãe” é uma forma de sentir-se pró-
ximo deles, quando eles estão ocupados e pare-
cem distantes. O ajustamento a um irmão cria
um momento decisivo para uma criança de três
anos. Nenhuma quer aprender a compartilhar.
Nenhuma criança quer aprender a compartilhar
seus pais, nem abandonar seu papel especial
como o bebê da família. Mas o filho mais velho
em uma família deve aprender. Ele fatalmente
se sentirá abandonado. As lições sobre partilhar,
ensinadas através da chegada de um novo ir-
mão, são difíceis e dolorosas, mas necessárias
e, finalmente, inestimáveis.
Todo pai sonha em tornar possível que o fi-
lho mais velho consiga “amar a nova pessoa”.
Isso é muito importante para os pais, devido
ao seu próprio pesar por “afastar-se” do primei-
ro filho, para cuidar do seguinte. Uma mulher
que é mãe pela segunda vez sente-se culpada
em relação à invasão da família pelo novo bebê.
Ela deve encarar a separação e a culpa decorrente
por escolher ter um outro filho. Pergunta-se se
ela e o filho mais velho são capazes de fazê-lo.
E, contudo, devem. Ela pode ser mãe de dois –
ou três? Deve enfrentar o fato de ter que “abra-
çar o mundo com as pernas”. E pode reservar
tempo e energia para o filho mais velho?
A preparação para a partida da mãe para o
parto é muito importante. Apresente o filho
mais velho para os substitutos previstos: seu
pai, sua avó, sua tia. Assegure-lhe de que ele
não está sendo abandonado, que é uma separa-
ção temporária. Use o telefone para ajudá-lo;
faça-lhe cartões para dar para sua mãe e para o
novo bebê; e deixe-o ir ao hospital.
Quando o bebê chegar, dê ao filho mais ve-
lho uma nova boneca ou um bichinho de pelú-
cia para que ele ame e cuide enquanto os pais
atendem seu novo bebê. Tão logo seja possível,
deixe-o ajudá-lo na troca de fraldas; deixe-o
participar da amamentação, deixe-o segurar,
embalar. Introduza a idéia de que ele também
pode ser responsável pelo bebê. Mas deixe-o
afastar-se por conta própria e espere ressenti-
mentos como algo normal.
Todo os dias, talvez enquanto o bebê cochila
ou na hora de dormir do filho mais velho, um
pai pode reservar um tempo para ficar sozinho
com ele e retomar antigos rituais ou criar no-
vos. Ajuda planejar horas especiais juntos pelo
menos semanalmente. Fale sobre esses mo-
mentos com alegria e convicção. Durante esses
momentos, concentre-se na criança. Escute e
observe. Observe o comportamento, que é a sua
linguagem.
Incentive o filho mais velho a auxiliá-lo no
cuidado do novo bebê, sem forçá-lo a assumir
mais responsabilidades do que é capaz. Elogie-
o, quando ajudar, mas aceite seu desinteresse
e ressentimento pelo bebê quando os expressar.
Encoraje-o, quando se identifica com você e
com seu cuidado com o bebê. Ele pode experi-
mentar de modo sofrido os cuidados que você
dispensa ao novo bebê. Mas respeite a necessi-
dade do filho mais velho de ser cuidado direta-
mente por você, mesmo quando precise atender
o novo bebê.
Quando Abby começou a engatinhar por volta
dos oito ou nove meses, Billy começou a “afron-
tar” novamente. A nova capacidade de sua irmã
de mover-se, de fazer todo mundo gritar quan-
do ela se aproximava de uma mesa ou de uma
tomada de luz constituía um outro momento
decisivo. Billy começou a afastar os brinquedos
de Abby para longe dela. Ele os deixava fora de
alcance; então sua mãe tinha que vir para
defendê-la. Quando ela aprendeu a engatinhar,
ele parava na frente dela, de modo que ela não
podia se mover. “Billy, você está no caminho
de Abby!” ou “Não leve os brinquedos dela para
longe. Brinque com seus próprios brinquedos.”
Ele descobriu que atormentar sua irmã era uma
forma segura de tirar sua mãe do telefone ou
afastá-la da cozinha. De algum modo, seu com-
portamento parecia lhe satisfazer. Talvez ele até
gostasse de ver seus pais aborrecidos, exata-
mente como se sentira quando sofrera as inva-
sões de Abby. Sentia-se excitado e até poderoso.
Mas percebia a irritação na voz de sua mãe mes-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 59
mo antes de ela demonstrá-la. Era como se tives-
se que fazer sua mãe ficar irritada, como se tivesse
que fazer Abby chorar. Era como se precisasse
se tornar um menininho agressivo, barulhento,
a fim de poder enfrentar mais facilmente os
desafios de “crescer”.
Billy tinha que descobrir como lidar com
essa invasão em seu mundo. Todos tratavam a
nova mobilidade de Abby como se isso fosse
algum tipo de milagre. Os “oohs” e “ahs” que
ela evocava lembravam-lhe de toda a aprovação
que ele costumava receber. Ninguém mais fica-
va do lado de Billy. Sua avó tinha ido para casa.
Seu padrasto se voltara para Abby e dizia “que
gracinha ela era”, quando voltava para casa.
Ele não chegava mais em casa cedo. A Sra.
Stone parecia irritada com Billy a maior parte
do tempo. “Billy, não toque nisso! Não deixe as
coisas espalhadas. Abby pode se machucar. Se
você tirar mais um brinquedo dela, vai ficar de
castigo de uma vez por todas!” O menininho
se sentia abandonado. Ele sofria.
Para ajudar o filho mais velho que está so-
frendo, o pai pode desviar um pouco da atenção
para ele, permitindo-lhe ajudar a tomar conta
do bebê. O filho mais velho pode ficar orgulhoso
de si mesmo por entreter sua irmã. Quando
queria brincar com Abby, Billy aprendera a falar
com uma voz bem fina. Ele guinchava: “Oi,
Abby! Vamos brincar!” Abby está pronta para
brincar com Billy a qualquer hora. Quando ele
imita a voz da mãe, Abby se prepara para ma-
mar. Ela se amolece e começa a ser mais bebê.
Ele bate de leve na sua cabeça, oferece a ma-
madeira para a irmã e cantarola para ela. Logo,
entretanto, perde o interesse por aquele tipo
de brinquedo. Começa a fazer caretas, inicia um
brinquedo mais grosseiro. Abby muda também.
Ela se torna mais cautelosa, mais pronta para
defender-se. Reconhece o velho Billy.
Todos na família estavam conscientes da ne-
cessidade de Billy regredir e implicar. Mas até
onde eles deveriam deixá-lo ir? Ele passava boa
parte do tempo implicando com Abby e provo-
cando sua mãe, que no final do dia estava demo-
lida. Quando o Sr. Stone chegava em casa, ela se
virava para ele e dizia: “Ele é seu! Assuma – eu
não agüento mais ele.” Billy olhava para seu
padrasto, procurando um lampejo de aprova-
ção. Não ali. “Billy, por que você tem que tornar
a vida tão penosa para todo mundo? Nós sabe-
mos que está com ciúmes de Abby, mas nós
apenas ficamos mais irritados com você, quan-
do fica implicando com sua mãe e com Abby.”
Billy queria perguntar: “O que é ‘ciúmes’?” Tu-
do o que ele sentia era vazio e solidão. Ninguém
ouvia o seu lado. Queria agradar as pessoas tan-
to quanto elas queriam agradá-lo – mas sempre
acabava mal. Ele não podia evitar.
A rivalidade entre irmãos é um emaranhado
de sentimentos positivos e negativos. A chega-
da de um novo irmão fatalmente representará
um ou mesmo uma série de momentos decisi-
vos para o filho mais velho; esses são tempos
de regressão e reorganização. Um filho mais
velho eventualmente regride, mesmo que não
o faça a princípio. Freqüentemente, isso ocorre
no momento de um estirão no desenvolvimento
do bebê – quando o momento decisivo do bebê
o torna mais atraente para todos – aos quatro a
cinco meses, quando ele se torna sociável, aos
sete a oito meses, quando ele engatinha, com
um ano, quando ele começa a pegar os brinque-
dos do irmão mais velho e a invadir seu territó-
rio. O filho mais velho geralmente regride para
um estágio anterior de desenvolvimento: falan-
do de forma imatura, regredindo no treinamen-
to da higiene, acordando com mais freqüência
à noite, comendo menos e criando confusão na
hora das refeições, exigindo disciplina em mo-
mentos especiais. Espere esse comportamento.
O filho mais velho está (1) regredindo para ob-
ter a energia necessária para fazer a transição;
(2) experimentando sua identificação com o
bebê intruso, com a fala do bebê e com o com-
portamento do bebê; (3) tentando desviar um
pouco da energia de seus pais de volta para ele;
(4) comunicando aos pais os custos para ele de
assumir novas responsabilidades, renunciar a
antigos papéis e repartir seus pais com uma
outra criança. Esse comportamento certamen-
te terá um efeito sobre os pais e os tornará preo-
cupados com seus próprios papéis como respon-
sáveis por ele.
60 Brazelton & Sparrow
Os pais devem colocar de lado esses senti-
mentos de culpa que os levam a oferecer gestos
de reafirmação ao filho mais velho. Parem e
escutem as perguntas e preocupações da crian-
ça e deixem-na saber que elas são bem-vindas.
Respondam-nas simplesmente, mas sempre
com franqueza. Não esperem demais – levará
muitos anos para que ela perceba que, tendo
um outro filho, vocês lhe deram um novo rela-
cionamento, que é tão importante quanto o re-
lacionamento com vocês. Ainda assim, quando
os pais entendem e valorizam tudo o que os
irmãos podem dar uns aos outros, eles acham
fácil oferecer esperança e encorajamento, ao
mesmo tempo que aceitam os sentimentos ne-
gativos do filho mais velho.
Tentem não levar o comportamento regres-
sivo para o lado pessoal ou considerá-lo tão
urgente. Vejam-no como necessário para o re-
ajustamento. Apóiem a criança, entendendo
seu sofrimento. Embora o filho mais velho deva
ser supervisionado com o bebê, tente perma-
necer fora do relacionamento deles. A rivalida-
de entre irmãos e o carinho entre eles são dois
lados da mesma moeda – se puderem desenvol-
ver um relacionamento sem a intromissão dos
pais. A chance de aprender a lidar com a perda
de um relacionamento único com os pais pode
ser o presente mais vulnerável que um pai pode
dar para um filho mais velho.
Trocando um pai pelo outro
O pai de Minnie foi à pracinha após seu jogo
de softball. Seu time tinha vencido, e ele estava
animado com o sucesso. Estava jovial e pronto
para a atividade energética de Minnie. Quando
o Sr. Lee entrou na pracinha, sua filha lançou-
se em sua direção. Sem olhar para o rosto dele,
sem chamar por ele, apenas se atirou em seus
braços. Orgulhosamente, ele girou-a no ar. Os
dois tinham esquecido a catástrofe da estatueta
quebrada. A Sra. Lee podia dizer que ele tinha
vencido seu jogo de softball. “Você pode cuidar
de Minnie agora. Eu estou em frangalhos. Olhe
aquele escorregador! Ela fica se balançando lá
em cima!” O Sr. Lee abraçou sua filha. “Que
menina corajosa! Mas cuidado com o escorre-
gador. Ele é muito alto para mim!” Assim que
ele pronunciou seu elogio, ela correu de volta
para o escorregador. Sua impetuosidade deixou-
a desajeitada. Seu pé escorregou através de dois
degraus. A beirada bateu em sua virilha. Ela se
encolheu brevemente e seu pai foi em sua dire-
ção. Mas Minnie ignorou a dor e continuou a
escalar o escorregador alto. Lá em cima, parou
reta. Olhava para a frente o mais longe que
podia ver, mas sua coragem enlouqueceu sua
mãe. Seu pai olhava tudo com orgulho. Sua
mãe prendeu a respiração até que Minnie sen-
tou-se.
O impulso de Minnie para realizar alguma
coisa lhe emprestava um tipo de insensibilidade
à dor. A dor é uma forma de o ambiente dizer:
“Cuidado – você não prestou muita atenção.”
Podemos traçar um paralelo entre a falta de
atenção de Minnie a mensagens de outros e
sua relativa insensibilidade a suas próprias
mensagens internas. Ela pode ignorá-las. Isso
é bom, desde que a dor não esteja sinalizando
perigo real. O encorajamento de seu pai ajudou
a promover sua irresponsabilidade.
Minnie está à mercê de elogios, como toda
criança nessa idade. Ela cresce com eles e tira
coragem deles. Elogio demais ou estressa a
criança por criar um tipo de dependência, ou
perde sua importância completamente. “Ma-
mãe sempre diz que eu sou uma boa menina.”
O elogio precisa ser reservado para realizações
importantes, de modo que transmita seu signi-
ficado total e encoraje mais crescimento. O elo-
gio pode ser um guia poderoso ao que é aceitá-
vel e ao que não é; entretanto, ele também pode
prejudicar a motivação da própria criança, sua
capacidade de tomar suas próprias decisões.
Embora Minnie parecesse prestar pouca
atenção à presença de seu pai, era fácil para
um observador ver que isso afetava sua ativida-
de. Agora, ela queria que ele jogasse bola com
ela. A menina podia lançar a bola com precisão,
se seu pai ficasse perto. Ainda não tinha domi-
nado a tarefa de apanhar a bola, mas o Sr. Lee
tentava mostrar-lhe como juntar as mãos e es-
perar pela bola. Isso não funcionava com muita
freqüência. Minnie queria que seu pai partici-
passe com ela em todos os brinquedos da praci-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 61
nha. Implorava para que ele brincasse com ela
na gangorra. Ele concordava animadamente e
se sentia um menino novamente. Ele subia, ela
descia. Ele subia, ela batia no solo. Enquanto
brincavam, ele aumentava a excitação batendo
a extremidade de sua gangorra no chão. Minnie
dava gargalhadas. Ele adicionava alguma sur-
presa ao jogo de balançar, batendo sua extremi-
dade primeiro rapidamente, na vez seguinte
lentamente. O pai permanecia embaixo. A filha
ficava lá em cima. Ele fazia a gangorra parar
no meio de um embalo. Ela gargalhava. Ele ado-
rava sua responsividade. Toda vez, ele tentava
uma nova surpresa. Ela ria alto, e ele ria com
ela. Divertiam-se na companhia um do outro.
Nenhum deles prestava atenção no quanto a
Sra. Lee devia sentir-se excluída.
O pai de Tim também chegou à pracinha
para substituir sua esposa. A Sra. McCormick
levantou-se rapidamente, e Tim agarrou-se a
ela ainda mais forte. Ele parecia um macaco
bebê agarrando-se ao pêlo de sua mãe. Ela ten-
tou afastá-lo para entregá-lo ao seu pai.
As mãos de Tim pareciam garras presas à
mãe. Ele tentou apelar para a sucção do polegar,
mas descobriu que isso significava soltar uma
mão. Rapidamente voltou à sua agarração, en-
terrando a cabeça no ombro da mãe.
O Sr. McCormick ficou embaraçado com essa
demonstração de dependência na frente de ou-
tros pais e fez uma breve tentativa de conseguir
a atenção de Tim. “Timmy! Eu vim para ficar
com você para brincarmos juntos. Você não quer
vir comigo?” Nenhuma resposta. Seu pai deixou
cair os braços, resignado. A Sra. McCormick esta-
va segurando Tim um pouco mais apertado?
Ela tinha encorajado o menino a grudar-se ne-
la? Não havia evidência clara disso.
Tim pode sentir que, quanto mais ele se
apega, menor é a probabilidade de sua mãe
deixá-lo. Talvez ela o segure de um jeito que
diz: “Eu não quero deixá-lo. Você precisa de
mim.” Enquanto isso, o pai de Tim sente-se
excluído e impotente; fatalmente gerará res-
sentimento tácito por Tim e sua mãe. Quando
ambos os pais se preocupam com um filho, irão
competir por aquela criança; isso tudo é parte
de uma profunda preocupação. O Sr. McCormick
poderia facilmente pensar consigo mesmo: “Se
ela o desse para mim, ele não seria tão covar-
de.” O apego de Tim aumenta a tensão de seus
pais. Eles provavelmente descarregam-na um
no outro. O menino pode estar pagando um
preço ainda maior – perder a chance de apren-
der sobre sua identidade masculina, perder a
chance de independizar-se da necessidade da
presença constante de sua mãe.
Independência e separação
A creche
Talvez o grande estresse dos pais de crianças
pequenas hoje seja a luta para encontrar uma
creche ideal, compatível com sua renda. A mãe
de Tim teve que voltar ao trabalho após o nas-
cimento do menino, porque a família precisa-
va do salário de ambos os pais. O pai estava
sob demasiado estresse. A Sra. McCormick sen-
tia que precisava deixar de ser “apenas uma
mãe” em casa. Às vezes, ela tinha medo de per-
der sua sanidade. Amava estar com Tim e as-
sistir sua mente observadora, inquisitiva em ati-
vidade. Mas, após três anos de observação e
espera – e preocupação com ele – precisava da
companhia de adultos. Precisava voltar ao tra-
balho – por ela mesma e também pelo dinheiro
extra.
Mas, enquanto pensava em voltar ao traba-
lho, a Sra. McCormick olhava para Tim com
novas preocupações. Será que ele vai ficar bem?
Seu cuidador iria entendê-lo? Ele sofreria? Ela
começou a perceber a extensão de sua própria
ansiedade e até de sua própria dor em deixá-lo
com uma outra pessoa. Tentou preparar-se.
Todos os pais devem passar por isso quando
deixam um filho aos cuidados de outros.
Ela pesquisou para encontrar o lugar per-
feito para Tim. Apelou para amigos e para livros
em busca de orientação. Examinou cada canto
da creche para verificar se havia lugares perigo-
sos, limpeza, proporção de adultos para crian-
ças. (Ver “Creche” na Parte II.) Ela tentou ava-
liar a atmosfera do centro pelo comportamento
das crianças. Os cuidadores gostavam delas?
Eles desciam ao nível das crianças para brincar
62 Brazelton & Sparrow
e comunicar-se? As crianças estavam felizes e
interessadas? O centro tinha um currículo di-
rigido ao aprendizado da criança? Mas, toda
vez, ela se pegava voltando à questão principal:
“Eles iriam gostar de Tim?” Tim parecia ser
incomum comparado a outras crianças de três
anos. Ela observou cada cuidador em busca de
sensibilidade e uma capacidade de relacionar-
se com crianças tímidas em cada classe. Muitos
dos centros eram francamente orientados a
crianças extrovertidas que se ajustavam e que
sabiam se virar sozinhas. Ela não tinha a menor
idéia de como Tim se ajustaria e ainda menos
fé em se ele poderia ou não se ajustar.
Quando finalmente fez sua escolha, a Sra.
McCormick pode encarar o marido novamente.
Ele tinha desdenhado de quanto tempo ela le-
varia. Quando ela se decidiu por uma creche,
levou o marido para visitá-la. “Você acha que
ele vai se dar bem aqui?”, ela lhe perguntou. O
Sr. McCormick respondeu rapidamente: “Vai
ser bom para ele. Ele vai se tornar um menino
normal. Nós o temos mimado.” Mas, por den-
tro, ele também sentia-se desconfortável. Esses
cuidadores seriam capazes de gostar de Tim?
Desde o princípio, os pais de Tim tinham pensa-
do em contratar uma pessoa para tomar conta
de Tim. Mas simplesmente não podiam se dar
o luxo de ter uma babá; todas que podiam pagar
não tinham treinamento, tinham algum vício
ou comportamento de risco. Uma creche pode-
ria também incentivar Tim a ser como outras
crianças. Ambos sonhavam dia e noite com essa
possibilidade.
Quando chegou a hora de levar Tim para a
creche, a Sra. McCormick sentiu-se quase imo-
bilizada por um tipo de pressentimento. Ficou
dizendo ao filho repetidamente que sempre vol-
taria para pegá-lo. Seu rosto sério fez seu cora-
ção dar saltos. Percebeu que mal podia supor-
tar a separação. Quando ela o pegou aquela ma-
nhã, sua voz estava tão sufocada que nem pôde
dizer bom-dia ao marido ou ao irmão de Tim.
Tim sentou-se silenciosamente, quase impas-
sível, ao lado dela no carro. Nem uma palavra,
nem um movimento da parte dele. Ele parecia
sentir sua tristeza e respeitá-la. Mas sua imobi-
lidade apavorou a Sra. McCormick. E se ele não
conseguisse se ajustar na creche? Ela estaria
lhe causando um mal irreparável ao deixá-lo?
Ele parecia tão vulnerável!
Quando entraram na creche, Tim se enrije-
ceu, mas continuou caminhando ao lado dela.
A Sra. McCormick apertou sua mãozinha. Ela
sentiu uma lágrima brotar em cada olho. A pro-
fessora da creche, Sra. Thompson, veio recebê-
los. “Bem-vindos! Oi, Tim. Espero que você
goste daqui!” O retraimento de Tim, seu olhar
desviado, sua falta de contato com ela, tudo
foi registrado pela Sra. Thompson. Ela parou
de conversar e esperou que a Sra. McCormick
fizesse o próximo movimento. A Sra. McCormick
disse: “Eu acho melhor nos sentarmos aqui um
pouco até que Tim se acostume.” “Por favor,
façam isso.” Durante três dias, Tim e a Sra.
McCormick se grudaram um no outro e obser-
varam as outras crianças brincar. Finalmente,
a Sra. Thompson disse: “Por que não deixa Tim
aqui por uma ou duas horas? Você vai. Ele e eu
nos sentamos aqui e observamos as crianças.”
Ela pensou, “Talvez ele se solte, se sua mãe o
deixar”. A Sra. McCormick disse a Tim diversas
vezes que estava indo. Nenhuma palavra, ne-
nhum movimento, nenhuma resposta da parte
dele. Quando ela finalmente saiu, não pôde sair
realmente. Escondeu-se em um canto, esperan-
do que Tim exigisse que ela voltasse. Nenhuma
palavra, nenhum movimento. Ele ficou sentado
imóvel onde ela o tinha deixado. A Sra.
Thompson tentou diversas manobras para
encorajá-lo a brincar com as outras crianças,
que vinham persuadi-lo. Nenhuma palavra,
nenhum movimento. Finalmente, em desespe-
ro, a Sra. Thompson foi brincar com os outros.
Tim permaneceu calado, imóvel. Após algum
tempo, as outras crianças se acostumaram com
a irresponsividade de Tim; ele sentou-se em um
canto, observando. As outras crianças brinca-
vam na volta dele, basicamente ignorando-o.
De vez em quando, uma criança fazia uma ou-
tra tentativa. “Venha brincar conosco.” Mas
elas sentiam que Tim preferia observar e ser
deixado em paz. Nenhuma palavra, nenhum
movimento da parte dele.
Quando sua mãe voltou uma hora depois,
Tim ainda estava sentado onde ela o havia dei-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 63
xado. Ele olhou-a sem uma palavra. A Sra.
Thompson assegurou à mãe de Tim que ele tinha
ficado feliz, mas não se mexera. Ela não sabia
como chegar até ele, ela disse. A Sra. McCormick
falou que isso era normal com Tim; a Sra.
Thompson assegurou-lhe que muitas crianças
necessitam que um dos pais permaneça com
ela pelo menos nas primerias semanas.
Para surpresa e satisfação da Sra. McCormick,
assim que eles tinham saído da creche para ir
para casa, Tim se abriu no carro. Contou a sua
mãe sobre as duas crianças que tinham tido
uma briga, sobre a menininha que brincou de
casinha e que tinha alimentado suas bonecas,
sobre o menino que escalara o trepa-trepa e fi-
cara lá pedindo ajuda para descer. Enquanto
falava, seu rosto se iluminou, ele ficou anima-
do. A Sra. McCormick percebeu que Tim tinha
vivenciado todos esses episódios de uma certa
distância. Ele tinha participado observando. Ela
mal podia esperar para contar à Sra. Thompson,
para tranqüilizá-la, assim como ela se sentia
tranqüilizada.
Para a Sra. McCormick, isso pareceu um
primeiro passo em direção à “normalidade”
para Tim. Sua responsividade ao que tinha as-
sistido era um sinal de que tinha se arranjado
sem ela. Um sinal de fracasso teria sido demais
para ela, que precisava da reafirmação dele de
que podia deixá-lo na creche.
A separação pela manhã é sempre um obstáculo
quando as crianças vão pela primeira vez para
a creche. Muitas crianças se desorganizam. Elas
se queixam e choram todos os dias. Quando
têm uma professora com quem se relacionam
bem, isso pode ajudar. Mas a separação prova-
velmente ainda será difícil e dolorosa. Esse pro-
testo é saudável para a criança, mas não é fácil
para os pais. Todos eles devem criar coragem
para sair após um até-logo choroso. Se necessi-
tarem de tranqüilização, podem esperar e obser-
var de um canto. A maioria das crianças pare-
cem readquirir o domínio de si mesmas. Elas
aceitam a oferta de conforto dos cuidadores.
Eventualmente, se voltam para relacionamen-
tos com outras crianças para preencher a per-
da do pai. As crianças realmente aprendem ha-
bilidades sociais e a apreciar seus pares, à me-
dida que fazem esse tipo de ajustamento.
Os pais de Minnie também tinham examinado
todas as orientações para uma creche de alta
qualidade antes de decidirem-se a deixá-la. Eles
observaram medidas de segurança, medidas
nutricionais e medidas de saúde (os cuidadores
lavavam as mãos entre as trocas de fraldas de
cada criança?). Procuraram uma proporção ideal
de adultos para crianças (não mais de quatro
crianças para um adulto) e cuidadores que ti-
vessem experiência com crianças pequenas.
Essa creche custava duas vezes mais do que as
creches que eram menos bem equipadas. Por
exemplo, o custo se tornava quase proibitivo
para mais de um filho de cada vez; isso certa-
mente afetou a decisão dos Lees sobre ter mais
filhos.
A Sra. Lee lembrava que não tinha voltado
ao trabalho até Minnie ter um ano de idade.
Naquela época, tinha sentido uma terrível carga
de culpa e aflição cada vez que tinha que deixar
Minnie. Ela sabia que a menina não seria fácil
para os cuidadores. Seus acidentes tinham pro-
vado isso. Sentia que Minnie era desligada de
relacionamentos sociais e temia o que poderia
acontecer. Todas as mães se perguntam se os
cuidadores irão gostar de seu filho “como ele
é” e incentivarão seu crescimento ideal. A im-
pessoalidade de Minnie podia ser um problema.
A Sra. Lee ficou observando para ver como
a professora entrevistava Minnie e se relaciona-
va com ela. A princípio, os Lees tinham achado
uma coisa boba uma criança de um ano ser en-
trevistada em uma creche, mas posteriormente
ficaram gratos pela entrevista. A Sra. Lee viu a
professora abaixar-se no chão ao nível de
Minnie. Ela tentou conversar enquanto olhava
o rosto de Minnie. Não funcionou. Minnie ficou
mais agitada e ativa. A Sra. Lee ficou ansiosa.
Minnie era realmente uma criança difícil? Ela
pôde ver a Sra. Thompson franzir as sobrance-
lhas levemente enquanto essa pergunta surgia
em sua mente também. Então a Sra. Thom-
pson sentou-se reta, afastando-se ligeiramen-
te de Minnie. Ela desistiu rapidamente de sua
tentativa de fazer contato direto. Em vez disso,
64 Brazelton & Sparrow
pegou uma boneca e construiu um edifício de
blocos para a boneca escalar, cantando baixinho
para si mesma enquanto construía. Então mo-
veu a boneca e disse: “Agora ela quer caminhar
e ficar de pé sobre os blocos. Quer escalar e ser
uma menina muito grande.” Tão logo a Sra.
Thompson reduziu suas tentativas sociais e co-
locou os brinquedos entre elas, Minnie come-
çou a prestar atenção. À medida que a Sra.
Thompson falava, o interesse de Minnie au-
mentava. Ela moveu-se e sentou-se perto da
Sra. Thompson, que empurrou alguns blocos
para Minnie, mas não disse nada. Minnie ten-
tou construir sobre a casa. Logo as duas esta-
vam brincando juntas. O interesse de Minnie
não desapareceu. Ao final de 15 minutos de
brincadeira, a Sra. Thompson disse: “Eu acho
que agora entendo Minnie e acho que ela me
entende. Podemos fazer isso uma com a outra
e é isso que quero saber. Ela é ativa e não gosta
de aberturas sociais intrusivas, mas ela pode
envolver-se em uma tarefa. Ela pode relacionar-
se com alguém como eu, desde que eu a deixe
assumir a liderança. Gosto de Minnie e acho
que ela gosta de mim. Também acho que vamos
nos dar muito bem.” A Sra. Lee estava quase
em lágrimas, estava tão agradecida! Era um alí-
vio ver alguém com autoridade lutando para en-
tender Minnie da forma como a Sra. Thompson
fizera. Sentia que a Sra. Thompson podia ajudá-
la a entender melhor a filha.
Agora que Minnie tinha três anos, ela e sua
mãe brigavam para que ela se vestisse quase
todas as manhãs. A menos que a Sra. Lee tivesse
escolhido todas as roupas de Minnie antecipa-
damente, a menina era capaz de disparar de
uma lugar para outro, enquanto sua mãe para-
va para escolher roupa de baixo, meias, calças,
camiseta. Quando ela se virava, Minnie não
estava mais. Quando a Sra. Lee tinha localizado
meias e sapatos, ela desaparecia novamente.
Macacões tinham que ser abotoados correndo
de um lado para outro, porque Minnie nunca
parava de se mexer. Os sapatos vinham por últi-
mo; uma vez que eles podiam ser fechados com
tiras de velcro, a menina adorava tirá-los,
colocá-los, tirá-los novamente. Durante todo o
café da manhã, o som rasgado do velcro abafava
os estalidos do cereal. Minnie desafiava sua
mãe a cada refeição. Especialmente no café da
manhã, ela se queixava, subia e descia da cadei-
ra, brincava com seus sapatos. Parecia óbvio
para a Sra. Lee que ela queria adiar a inevitável
partida. Ela não sentia que era particularmente
importante para Minnie. Como ela ansiava por
sinais de ternura!
Minnie descobriu que podia despir-se a ca-
minho da escola, enquanto sua mãe estava diri-
gindo. Ela chegava na escola completamente
nua. A Sra. Lee ficava morta de vergonha.
Embora as professoras dissessem rindo: “Ape-
nas nos dê as roupas dela. Nós a vestiremos.
Ela não nos provoca desta maneira”, a Sra. Lee
ficava embaraçada demais para continuar. O
Sr. Lee assumiu a tarefa de levar Minnie para a
creche. Com ele, a menina não se despia. Os
dois conversavam e riam durante todo o cami-
nho para a escola. Ele lhe contava histórias
absurdas; ela ria e acrescentava uma ou duas
frases. “A vaca saltou sobre o mundo inteiro e
caiu de cabeça para baixo!” Minnie ria: “Seu
leite caiu em cima dela!” Gargalhadas.
Quando chegavam na escola, tinham rido
tanto que era difícil tirar Minnie do assento do
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 65
carro. Ela chutava seu pai, enquanto ele tentava
desafivelar o cinto de segurança. Ele lhe fazia
cócegas e os dois entravam pulando na creche.
Quando Minnie chegou, sua professora, a
Sra. Thompson, disse: “Vejam quem está aqui!
Minnie e seu papai! Bem-vindos.” A Sra.
Thompson deixou o Sr. Lee tirar o casaco e as
botas de Minnie. Ele fez um jogo disso. “Tire
seu casaco, mas não sua camiseta. Tire suas
botas, mas deixe seus pés no lugar.”
Minnie entrou correndo na sala, já cheia de
crianças. Várias a cumprimentaram, e o Sr. Lee
parou para observar. Ele estava fascinado de
ver Minnie assumir um papel de liderança com
seus colegas. Ela pulava, dançava, os guiava até
o trepa-trepa. “Minnie! Minnie!” Ele estava
emocionado. Não conseguia ir embora. Olhou
para o relógio: hora de trabalhar. Ele ignorou o
fato.
A Sra. Thompson disse: “Agora é hora do
círculo!”
Todas as crianças pararam no mesmo ins-
tante o que estavam fazendo, como se tivessem
combinado. Elas desceram do trepa-trepa, cho-
caram-se umas com as outras para encontrar
seus lugares em um círculo. A hora do círculo
era o ponto alto do novo dia. Elas sentaram-se
em um círculo. “Aplausos!” Bem-vinda, Takie-
sha! Bem-vindo, Aaron! Bem-vinda, Rosa!” Ao
redor do círculo, cada um se levantava quando
seu nome era chamado. “Agora vamos cantar
nossa canção matinal!” “Estamos felizes de es-
tar aqui! Todos nós sentimos sua falta na noite
passada!” Enquanto as crianças cantavam,
pronunciando suas contribuições entusiastica-
mente, estendiam os braços e se davam as
mãos. A atmosfera era carregada de sentimen-
tos de ternura. As crianças estavam radiantes.
Minnie ondulou-se com um sorriso para seu
pai, que ainda não conseguira ir embora.
A Sra. Thompson disse: “Agora, cada um vai
contar alguma coisa legal!” Aaron contou so-
bre seu novo porquinho-da-índia chamado
Woodrow. “Ele deixa eu abraçá-lo e faz xixi em
cima de mim!” Todos riram. Isso foi um lembre-
te do quanto eram recentes suas próprias reali-
zações. Algumas delas tocaram suas próprias
calcinhas para sentir se ainda estavam secas.
“Minnie, conte-nos algo interessante!”
“Bem, meu papai me trouxe para a escola. Ele
não foi embora!” O Sr. Lee ficou radiante. Todas
as crianças olharam na direção do Sr. Lee. Que
excitação sua presença causava! Mas isso tam-
bém lembrava as crianças de suas próprias ca-
sas e dos pais que elas haviam deixado.
A Sra. Thompson sentiu isso e apressou-se
em continuar. “Carlos, você é o próximo!”
A creche tinha sido um sucesso desde o iní-
cio; o Sr. e a Sra. Lee tinham confiança de que
Minnie estava em boas mãos. Eles participavam
de todos os eventos de pais por verdadeira grati-
dão. A Sra. Lee usou cada uma das professoras
de Minnie para tentar entendê-la melhor e para
expiar seu sentimento de que não estava “em
sintonia” com sua filha. Embora tenha havido
muitos altos e baixos, as coisas tinham ido bem.
Um dia, recentemente, Minnie tinha se de-
sestruturado na creche um pouco antes da hora
de ir para casa. Quando a Sra. Lee chegou para
pegá-la, a menina encolerizou-se. Atirou-se ao
chão esperneando e gemendo. Quando a Sra.
Lee tentou levantá-la, Minnie chutou o rosto
de sua mãe. A Sra. Lee ficou espantada por esse
acesso de raiva. “Ela está furiosa comigo por
tê-la deixado?”, perguntou-se. O incidente
reviveu todas as suas preocupações. O quanto
esses sentimentos de culpa tornavam mais difícil
para ela enfrentar o acesso de raiva de Minnie e
soltar-se. A professora assistente colocou mais
lenha na fogueira: “Eu simplesmente não en-
tendo; Minnie nunca age assim conosco.” Que
golpe! Naturalmente Minnie nunca age assim
com ela – a cuidadora não é tão importante
assim. Nenhum pai que trabalha está adequa-
damente preparado para o descontrole da crian-
ça que ocorre quando ele entra pela porta ao
final do dia. Pais que precisam deixar seus filhos
todo o dia têm medo de não poderem estar à
altura dos cuidadores; este era o pior pesadelo
da Sra. Lee, e Minnie parecia estar provando
que isso era verdade através de seu comporta-
mento. Mas a observação da assistente é apenas
um exemplo da barreira competitiva entre
cuidador e pai, e a Sra. Lee precisará estar pre-
parada para isso.
66 Brazelton & Sparrow
A desorganização de Minnie ao final do dia
na creche é muito comum. Uma criança acu-
mula toda sua frustração, toda sua sobrecarga
durante todo o dia. Ela a acumula até estar
dentro de uma zona de segurança que seus pais
oferecem a fim de poder desabafar com eles,
porque esses são seus sentimentos mais pro-
fundos, mais importantes. Ela está dizendo:
“Graças a Deus, você está aqui. Eu posso con-
fiar-lhe meus sentimentos mais profundos e to-
das as minhas angústias.” A Sra. Lee precisa
ouvir isso e entender o que está acontecendo.
Em vez disso, ela sentiu-se dilacerada e culpada
por deixar Minnie. Imaginou que tipo de am-
biente Minnie experimentou o dia inteiro. “Será
que a castigaram e a reprimiram? Ela aprenderá
com essa experiência ou eu a estou condenan-
do a uma vida menor por deixá-la? Minha mãe
sempre estava em casa para mim.”
O pressentimento fatalmente surgirá na mente
de todas as mães; ele reflete o sofrimento que
todos os pais devem experimentar quando com-
partilham a guarda da criança com uma outra
pessoa. Para enfrentar a dor de partilhar sua
filha, a Sra. Lee precisa encontrar uma forma
de lidar com seus sentimentos.
Estas são as defesas universais que os pais
podem usar para lidar com essa dor:
1. Negação – negando que isso diz respeito
a eles ou ao filho, tentando convencer-
se de que isso não é tão importante.
2. Projeção – projetando toda a boa paren-
tagem no cuidador e não sentindo nada
além de culpa por si mesmos – ou o opos-
to: botando a culpa no cuidador por tudo
o que acontece.
3. Afastamento – um distanciamento emo-
cional, uma necessidade de sentirem-se
menos envolvidos com a criança; não se
importando, porque dói muito se impor-
tar.
Essas são defesas universais e, de certo mo-
do, necessárias para lidar com uma separação
dolorosa. Quando elas interferem na confiança
que é necessária entre pai e cuidador, entretan-
to, precisam ser trazidas à tona e compartilha-
das. De outro modo, é muito fácil sentir-se res-
sentido com a professora ou cuidador de seu
filho. “Competição” e uma relação repleta de
estresse poderiam ser o resultado disso.
A mãe de Marcy voltou ao trabalho cedo; ela
precisava de seu salário e não podia tirar os três
meses de licença não-remunerada. Marcy tinha
apenas dois meses de idade. A Sra. Jackson
preocupou-se com meses de antecedência, mes-
mo durante a gravidez, em relação a deixar sua
filha com uma outra pessoa. Seu filho mais
velho tinha experimentado esse tipo de dificul-
dade quando ela voltara ao trabalho – houve
momentos em que ela sentia que o havia perdi-
do e preocupava-se se algum dia poderia tê-lo
de volta.
Agora, Marcy precisava de um cuidador, de
modo que a Sra. Jackson pudesse trabalhar em
período integral sem ter que se preocupar. Ela
escolheu o que lhe pareceu ser uma creche bem
conduzida. Mas os Jacksons logo descobriram
o que todos nós sabemos: que o salário dos fun-
cionários das creches é tão inadequado que a
rotatividade de cuidadores é um grande proble-
ma. Em um ano, Marcy teve quatro cuidadores
diferentes! Como um bebê poderia ajustar-se a
tantas pessoas diferentes? Marcy demonstrava
o estresse das mudanças em casa todas as vezes.
Ela dormia intermitentemente, comia mal,
chupava mais seu polegar. Os Jacksons sentiam
que ela ficava mais apegada e ávida por eles,
cada vez que ela tinha um novo cuidador. Mas
Marcy se recuperava rápido. A cada vez, voltava
ao normal em algumas semanas. Voltava a ser
o bebê alegre, extrovertido após cada episódio
e parecia desenvolver habilidades sociais mara-
vilhosas à medida que crescia. Atravessara cada
período de percepção de estranhos, aos oito,
doze e dezoito meses, com alguma angústia,
mas sem desgaste real e parecia ter aprendido
a apelar para seus pares em busca de conforto.
Sempre que tinha um novo cuidador, Marcy
queria mais tempo de brinquedo com as outras
crianças na classe. A Sra. Jackson percebeu isso
e organizou dias de brinquedo após o trabalho.
Para a Sra. Jackson, tinha havido uma outra
preocupação: “Será que eles realmente gostam
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 67
de crianças negras ou eles a estão recebendo
bem apenas superficialmente? Porque eu preci-
so saber se eles não vão dar vazão a seus senti-
mentos em relação a Marcy quando eu for
embora.” Os Jacksons tinham escolhido uma
creche com crianças de raças e etnias diversas.
Agora, aos três anos, Marcy parecia satisfeita e
tinha um amplo círculo de amigos. A Sra.
Jackson considerava isso como um sinal de que
eles tinham feito a escolha certa desde o início.
Contudo, a Sra. Jackson continuou a imagi-
nar como eram os dias de Marcy. Ela precisava
experimentar por si mesma. Ao invés de impor
horas de visitas rígidas para os pais, nessa cre-
che eles eram bem-vindos a qualquer momen-
to. Embora não seja um bom sinal uma creche
não ter horários de visitas flexíveis, os pais de-
veriam reconhecer que a presença deles é pre-
judicial para as crianças que estão trabalhando
o afastamento dos pais. Percebe-se isso pela ân-
sia que as crianças demonstram em relação a
qualquer pai. Separação e independência po-
dem ser seus maiores desafios nesse momento.
A Sra. Jackson visitou a creche, mas sentiu-
se culpada por ainda nutrir tal desconfiança.
Ela visitou a sala de Marcy e pôde observar sua
filha através de um vidro de uma só direção. A
menina estava orgulhosamente liderando duas
outras crianças ao redor da sala em um jogo de
marchar. Quando suas companhias tentaram
parar, Marcy disse: “Não, continuem até eu di-
zer que é hora de parar!” “Arrogante ela, não?”,
pensou sua mãe. Uma criança começou a cam-
balear. Marcy foi até ela e lhe deu um tapinha
na cabeça. “John, sinto muito.” A Sra. Jackson
ficou surpresa de que Marcy fosse tão simpática.
Fortalecida, a Sra. Jackson entrou na sala.
“Mamãe! Mamãe! Você está aqui!”, gritou
Marcy. Todas as outras crianças se amontoaram
em torno dela. Marcy disse: “É a minha mamãe!
Ela veio para visitar.” A Sra. Jackson sentou-se
em uma cadeira alta. As crianças brigaram por
um lugar no seu colo. Marcy foi excluída. A
Sra. Jackson percebeu isso, quando viu Marcy
do outro lado da sala, chupando seu polegar.
“Marcy, venha aqui. Eu vim para ver você!” Ela
olhou para as professoras, pedindo ajuda para
tirar algumas crianças do seu colo.
A Sra. Thompson veio e pediu que as crian-
ças dessem espaço para Marcy ficar com sua
mãe. “Quando há um pai na sala”, disse ela,
“as crianças sempre nos tratam como se não
estivéssemos aqui ou fossemos peças de mobí-
lia. O pai de qualquer uma serve; o pai não pre-
cisa ser o delas.” Enquanto a Sra. Jackson abra-
çava Marcy, e a menina se aninhava conforta-
velmente em seus braços, as outras crianças ob-
servavam com olhos ternos, ansiosos. Muitas
delas apelaram para seus polegares. Um meni-
ninho tinha uma fralda presa a sua camiseta.
Ele a agarrou e esfregou. Era seu objeto querido.
O fato de essas crianças parecerem tão feli-
zes e bem-ajustadas por um lado, mas demons-
trarem tal saudade por outro, entristeceu a Sra.
Jackson. Ela pegou-se novamente imaginando
se era realmente certo deixá-los. (Ver também
“Trabalho e Atenção”, na Parte II.)
Preparando para a separação
Como os pais auxiliam o ajustamento de seus
filhos quando precisam retornar ao trabalho?
A primeira tarefa dos pais é encarar seus pró-
prios sentimentos de perda. A menos que pos-
sam reconhecer e enfrentar seus próprios senti-
mentos, não serão suficientemente livres para
ajudar o filho com os dele.
Preparar a criança com antecipação é o passo
seguinte. O pai pode dizer:“Você sabe, eu preci-
so deixá-lo na escola. Você e eu vamos sentir
saudades um do outro todo o dia. Mas a profes-
sora estará lá para cuidar de você. E quando eu
voltar no final do dia, você poderá me contar
todas as coisas divertidas que você fez.” Esse
tipo de preparação dá à criança uma chance de
antecipar a separação.
Em seguida, o pai deve estar preparado para
a reação da criança; isso provavelmente será
um momento decisivo em seu desenvolvimen-
to. A regressão é provável e aprofundará a vul-
nerabilidade de um pai em deixá-la.
A criança fatalmente sentirá a ansiedade da
mãe, confundindo e intensificando a sua pró-
pria ansiedade. O comportamento que se vê na
superfície é sua tentativa de lidar com essa difi-
68 Brazelton & Sparrow
culdade da separação. Logicamente será difícil
porque geralmente é a primeira vez que uma
criança tem que lidar com um longo período
sem um de seus pais. Ela deve encarar um cui-
dador que quer se aproximar dela – invadir sua
dependência de seus pais. Suas reações – apego,
protesto, regressão em casa – são todas expres-
sões de suas tentativas de lidar com a situação.
Seus padrões de reação provavelmente se inten-
sificarão com esse estresse. Ela pode tornar-se
hipersensível a estímulos ou pode retrair-se e
afastá-los, e isso pode ser perturbador. A ativi-
dade motora pode ser afetada – uma criança
tão ativa quanto Minnie poderia tornar-se ainda
mais ativa e mais insensível; ou uma criança
tão calada quanto Tim poderia tornar-se ainda
mais calada e mais imobilizada.
Cobertores, objetos queridos e ohábito de chupar o polegar
A maioria das crianças necessita de um objeto
de transição, especialmente durante a separa-
ção. Uma criança que já se firmou a um cobertor
ou ao polegar está mais bem preparada para
recorrer aos seus próprios recursos. Pais aflitos
poderiam achar difícil observar a criança substi-
tuí-los ativamente por um objeto. Esse é um
momento decisivo no desenvolvimento de uma
criança – aprender a tornar-se ainda mais inde-
pendente. A regressão e a reorganização são ne-
cessárias tanto para os pais quanto para a crian-
ça. Nessas ocasiões, uma criança precisa de uma
lembrança confortadora de casa e do relaciona-
mento familiar. Marcy voltou-se para um amigo
imaginário. “Quando a mamãe sair, vamos con-
versar.” Ela dizia isso em casa e fora dela, sem-
pre quando sua mãe podia ouvi-la. A Sra.
Jackson estremecia toda vez que Marcy falava
com seu amigo imaginário; mas a menina sen-
tia-se segura quando descarregava suas triste-
zas sobre seu amigo. “Mamãe está sempre fu-
riosa. O papai diz para não dar importância.”
O cobertor de Billy assumiu nova importân-
cia, quando ele começou a freqüentar a creche.
Enfiava o dedo nele, cobria sua cabeça com ele
e o chupava. Ele era sujo e malcheiroso, e a
Sra. Stone desejava poder lavá-lo. Uma noite,
enquanto Billy dormia, ela tirou o cobertor fur-
tivamente de sua mão e o levou para lavá-lo.
Mais tarde, um grito penetrante veio do quarto
de Billy. Seu padrasto correu até ele. “Meu co-
bertor! Meu cobertor!” O Sr. Stone reconheceu
sua angústia e correu para recuperar o cobertor
da secadora. Levou-o de volta para Billy, que o
examinou cuidadosamente para assegurar-se
de que era seu antigo objeto querido. Seus solu-
ços diminuíram quando ele o examinou. Era
um objeto diferente. O Sr. Stone desculpou-se,
“Billy, é seu velho e querido amigo. Mamãe
achou que ele precisava ser lavado, mas ainda
é o mesmo.” Billy olhou para ele com olhos tris-
tes, assustados, como se dizendo: “Como você
pôde fazer isso sem me pedir?” O Sr. Stone dis-
se: “Sinto muito termos feito isso à noite. Nós
não pensamos no quanto você ama o cobertor
do jeito que ele era. Você perdoa a mamãe e a
mim?” Ele agarrou Billy e o abraçou. Embala-
ram-se juntos por um longo tempo, enquanto
as lágrimas de Billy diminuíam. Ele se agarrou
ao seu cobertor querido, enfiando o dedo na
sua borda de seda como se isso fosse especial-
mente reconfortante para ele. Os lamentos e
murmúrios de Billy a seu querido amigo, o obje-
to querido, eram um lembrete do quanto era
profunda sua confiança. Finalmente ele ador-
meceu, ainda agarrado a seu amado cobertor.
Na manhã seguinte, quando ele saiu da
cama, Billy anunciou triunfantemente: “Ma-
mãe tentou roubar meu cobertor, mas o papai
o salvou.” Isso era um golpe baixo para a Sra.
Stone e um triunfo para o padrasto de Billy.
Eles precisariam reparar essa falha juntos.
Reconhecer essa necessidade intensificada
de dependência e dar-lhe crédito é uma forma
importante de apoiar a criança através de mu-
dança e estresse. O padrasto de Billy respeitava
a necessidade que o menino tinha de seu objeto
querido. Abraçá-lo sozinho com o cobertor foi
uma outra forma de afirmar os esforços do pró-
prio Billy de tornar-se mais independente. En-
corajar sua esposa a fazer o mesmo ajuda a di-
minuir a barreira que, de outro modo, poderia
intensificar-se entre eles.
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 69
A avó de Tim reconhecia sua fragilidade e queria
ajudar; ela achava que um “objeto querido”
para ele poderia ajudá-lo a proteger-se em situa-
ções estressantes. O menino tinha chupado o
polegar implacavelmente quando bebê. Ele
sempre apelava para seu polegar quando estava
agitado. Sugava alto, como se seu polegar fosse
quase saboroso. Seus olhos se reviravam para
cima, enquanto ele chupava o dedo. A princípio,
os McCormicks não ficaram preocupados, mas,
à medida que seu filho se retraía cada vez mais,
eles responderam tentando interromper o hábi-
to. Quando ele tinha nove meses, eles enrola-
ram seu polegar. Aplicaram remédio com gosto
ruim nele. Quando o menino esfregou o remé-
dio dentro dos olhos, causou-lhe uma conjunti-
vite grave. Finalmente, por sugestão da avó, eles
ofereceram a Tim um cobertor macio para abra-
çar. Ele o enrolou como uma bola, chamava-o
de seu “bebê” e carregava-o por todo o lado.
Freqüentemente agora, quando chupava o po-
legar, e seus pais o repreendiam, era capaz de
desistir do polegar por seu “bebê”. À medida
que ele experimentava cada nova tarefa do de-
senvolvimento – ficar de pé, caminhar, tentar
novas palavras e frases – precisava do seu
“bebê” sempre que chegava a um ponto de frus-
tração.
A Sra. McCormick viu-se ressentida com o
cobertor de Tim tanto quanto em relação ao seu
hábito de chupar o polegar. Ela queria que ele
se tornasse mais extrovertido. Achava que seu
cobertor era apenas uma “muleta” e reforçava
seu retraimento. Ressentia-se disso quando ele
se desestruturava por estar sem o cobertor. Fre-
qüentemente, ela “esquecia” seu cobertor
quando eles saíam. Tim era mais frágil sem ele.
Procurava-o pela casa, choramingando: “Bebê.”
Quando não podia fazer mais nada, ele se en-
tristecia, voltava a chupar o polegar ruidosa-
mente e fechava os olhos, ou enterrava a cabeça
no ombro da mãe. Sua cor mudava, ele tremia
e se enrijecia. A Sra. McCormick sentia o quanto
ele estava aborrecido, então cedia ao seu com-
portamento dependente. Quanto mais sujo e
mais esfarrapado o cobertor ficava, mais devo-
tado Tim era a ele.
Os pais podem achar que, por estar na escola,
agora a criança precise abandonar o cobertor,
ou o bico, ou o polegar. Esse não é o momento
para um passo desse tipo. É hora de aceitar a
necessidade de regressão, enquanto a criança
luta para tornar-se independente. Conforme
Billy e Tim demonstraram, esse é um momento
de maior dependência – não apenas dos pais,
mas do objeto de transição querido que veio
representá-los.
Esse objeto ajuda a criança a acalmar-se
após um evento traumático. Um dia, Minnie
caiu enquanto corria para a escola, esfolando o
joelho. A escoriação parecia séria, mas era su-
perficial. A Sra. Lee sabia que a esfoladura não
necessitava de pontos, mas sabia que doía. Ela
correu com Minnie para dentro de casa para
lavar o joelho com água e sabão e colocar um
curativo. “Não! Não! Não!”, Minnie gritava.
“Mas eu tenho que limpar e fazer um curativo!”
“Não! Não! Não me toque! Está doendo!” Na-
quele instante, a Sra. Lee teve uma inspiração
e se lembrou da boneca preferida de Minnie,
Googie. “Googie também caiu, Minnie. Ela sabe
o quanto seu joelho está doendo. Olhe, ela tam-
bém está chorando. Vamos lavar o joelho dela
e colocar um band-aid nele?” Os olhos de Minnie
70 Brazelton & Sparrow
se iluminaram. “Oh!” Ela agarrou Googie, em-
balando-a para frente e para trás. A Sra. Lee
trouxe a água morna com sabão. Enquanto la-
vava o joelho de Googie e também o joelho de
Minnie, ela suspirou com alívio. Essa batalha
tinham vencido juntas – ela e Googie!
Reuniões e rituais
Todo pai que deve ficar fora o dia inteiro quer
desesperadamente recuperar o tempo perdido.
Estar juntos novamente deve ser a expectativa.
A noção de “qualidade do tempo” é muito sim-
ples. Ela pode ajudar um pai a sentir-se menos
culpado, mas o que a criança realmente precisa
é de um senso de união e intimidade. Pais que
trabalham podem tentar economizar energia
durante o dia a fim de poderem lidar com a
desestruturação do filho sem eles próprios se
desestruturarem. Então eles podem pegar a
criança no colo para acariciá-la e reunir a famí-
lia ao final do dia.
Eu recomendo uma cadeira de balanço bem
grande. No final do dia, quando chega em casa,
o pai que trabalha não deveria desaparecer den-
tro da cozinha ou do escritório para seus afaze-
res. Deixe para depois. A primeira tarefa impor-
tante é reunir-se como uma família e ficar jun-
tos novamente. Enquanto você embala seu fi-
lho, olhe para seu rosto. “Senti sua falta todo o
dia. Como foi o seu dia?” “Uma droga”. “O meu
também, mas agora estamos juntos.” Quando
o pai sente a criança se amolecendo em seus
braços sem o embalo, pode perceber que estão
juntos como uma família novamente. Naquele
ponto, os pais podem levar a criança para a cozi-
nha com eles. Mesmo sendo pequena, ela pode
ajudar na cozinha; pode colocar os guardanapos
na mesa, misturar alguma coisa e lavar algumas
louças (inquebráveis). Isso pode criar um pou-
co mais de trabalho para os pais, mas é impor-
tante incluir a criança nos rituais diários. Ela
se sentirá orgulhosa e saberá que é uma parte
importante da família, pois está participando
do trabalho como os demais.
Procure arranjar algumas horas durante o
dia nas quais você largue tudo para ficar com
seu filho nos termos dele. É difícil abrir mão de
seu próprio dia, de seu bip, de seu e-mail, de
suas ligações telefônicas, das preocupações de
trabalho que atropelam seus pensamentos;
mas, se você não o fizer, estará passando a men-
sagem para seu filho de que ele vem em segun-
do lugar. Aquela mensagem não é algo com que
um pai possa viver. Você precisa que sua família
venha em primeiro lugar, da mesma forma que
eles precisam disso.
Outros rituais enviam às crianças a mensa-
gem de que “Eu sou seu agora. Sinto sua falta
quando não estou aqui”:
� As horas da manhã podem servir para
ficar juntos antes de você ir trabalhar.
Isso significa levantar-se mais cedo para
organizar-se. Dar às crianças um suco de
laranja na cama, ou quando elas levanta-
rem, para que elas se sintam energiza-
das. Use a hora do café da manhã para
comunicar-se.
� Leitura na hora de dormir, embalo, can-
tar canções juntos se tornam uma hora
de reunião importante. Freqüentemente,
as mesmas histórias repetidamente se
tornam um lembrete de que “isto é o que
nós sempre fazemos. Estamos juntos, e
ler esta história é nosso jeito.”
� A hora do banho pode ser uma hora ma-
ravilhosa apenas para sentar-se e assistir
às crianças brincarem. Você está confir-
mando que os próprios rituais da criança
são tão importantes para você quanto
para elas. Sua chance de auto-exploração
segura, em questões sobre seu corpo, a
oportunidade de compartilhá-las com
você enquanto se senta ao seu lado po-
dem ser poderosas.
Enfrentar as separações é mais fácil para
pais e filhos quando ambos sabem que podem
contar com uma intimidade novamente ao se
reunirem. “A hora do chão” é um conceito do
Dr. Stanley Greenspan. Um adulto se senta no
chão para brincar com a criança e juntar-se a
ela no seu nível. A criança reconhece isso ime-
diatamente. “Ele é meu. Ele quer brincar comi-
go.” Um pai ocupado pode rapidamente trans-
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 71
mitir um senso de focalização inteiramente na
criança. A hora do chão é um tempo de qualida-
de genuíno.
Marcy estava brincando com suas bonecas.
“Esta é a mamãe. Ela me diz: ‘Vá para a cama!’
Meu papai diz: ‘ainda não’.” O irmão de Marcy,
Amos, observava de sua cadeira na frente do
computador. “Brinquedo de maricas – bonecas!
Argh!” O Sr. Jackson entrou na sala e observou
Marcy de uma certa distância. Intrigado, sen-
tou-se no chão perto dela, e Marcy sentiu que
ele estava interessado. “Papai diz: ‘Que menina
boazinha. Ela pode dar saltos mortais!’” A bo-
neca de Marcy virou e virou. A menina gradual-
mente moveu suas bonecas para mais perto de
seu pai. “Esta é a casa. Eles brincam no quintal.
Ela gosta que seu papai a empurre.” Marcy colo-
cou a boneca em um balanço. O Sr. Jackson
estava seduzido. Ele esticou o braço e empurrou
o balanço. Com aquilo, pai e filha cantaram
juntos: “Me embale para cima e para baixo.”
O Sr. Jackson foi sensato em não assumir o
brinquedo, ou usar a chance para tentar conver-
sar. Assistiu e tornou-se disponível para brincar.
Não é fácil para adultos esquecer o papel
parental. É muito fácil querer ensinar “lições”
sobre como viver ou ensinar habilidades; mas
uma criança sente-se mais segura e mais grati-
ficada quando o pai dispõe-se a ser “seu”.
“Você é o papai e eu serei a mamãe”, disse
Marcy. “Agora, seja o bebê e chore. Não, chore
alto.” Após o teste inicial de sua capacidade de
controlar seu pai, Marcy pode deixá-lo entrar
na brincadeira. “Agora, mamãe vai botar você
na cama. Deite.” Quando o Sr. Jackson estava
estirado sobre o tapete, o impulso de Marcy foi
jogar-se sobre seu estômago. Então ela trouxe
um livro para ler para ele e assim reproduzir
seus rituais da hora de dormir. O brinquedo era
a hora em que o pai era seu, quando ela o tinha
todo para si.
A mãe de Marcy achava difícil relaxar dessa
forma. Ela se sentia esgotada por causa de seu
trabalho. O trânsito estava terrível, um longo
engarrafamento. Seu chefe vigiava para ver se
ela chegava na hora. Seus colegas não eram tão
amigáveis quanto gostaria. Tudo isso aumenta-
va o estresse de continuar todo dia. A Sra.
Jackson deixou o café da manhã e a tarefa de
vestir as crianças para seu marido. Um dia,
Marcy disse: “Mamãe, eu nunca vejo você!” A
Sra. Jackson respondeu rapidamente: “Você me
tem todas as noites – e nos fins de semana.”
“Mas eu não a vejo de manhã.” A Sra. Jackson
começou a defender-se: “Eu estou com muita
pressa.” Mas algo dentro dela disse: “Isso é im-
portante. Eu preciso escutar.” Quando ela pega-
va Marcy no colo, havia geralmente uma longa
discussão sobre que roupas vestir. A menina fi-
cava correndo pela casa e estava sempre atrasa-
da para a mesa do café. Elas terminavam bri-
gando, e a Sra. Jackson achava que isso dificil-
mente valia a pena. Ela iria para o trabalho
pronta para uma batalha com seus colegas.
Mas a observação de Marcy prendeu sua
atenção. A Sra. Jackson decidiu mudar o padrão
matinal e estabelecer um novo conjunto de ri-
tuais que os ajudariam a todos: ela acertava o
despertador para meia hora mais cedo e então
havia menos sensação de pressa; escolhia as
roupas de Marcy na noite anterior – apenas
uma escolha no máximo; oferecia à filha um
copo de suco de laranja para ela beber antes de
sair da cama. Algumas crianças podem estar
hipoglicêmicas (baixo teor de açúcar no san-
gue) nas primeiras horas da manhã. Reforçar
o açúcar antes que o corpo em atividade neces-
site dele pode reduzir um pouco do mau-humor
e a disposição para brigar. Muitas crianças cuja
taxa de açúcar no sangue é normal também
respondem positivamente a gestos extras como
o de uma bebida e o de um pai interessado para
começar o dia. Esse breve primeiro momento
juntos também pode acabar com a agitação na
hora de vestir-se e certamente seduz um pai.
Em seguida, a Sra. Jackson providenciava para
que todos viessem para o café da manhã juntos.
Na mesa, ela não deixava lugar para escolhas;
àquela hora do dia era muito difícil de lidar com
isso. Era mais fácil ter um tipo de cereal, um
tipo de torrada e todos comiam ou não. A Sra.
Jackson encorajava sua família a falar sobre o
dia que começava e antecipar o que estava por
vir: “Você vai se encontrar com Billy e Minnie,
Marcy. Eles gostam de você.” Ao final da refei-
72 Brazelton & Sparrow
ção, todos se despediam com beijos. “Nos vere-
mos esta noite.”
Uma outra forma de compensar as separa-
ções necessárias é estabelecer um “momento”
regular e sagrado – um dos pais para cada filho;
você precisa disso por você mesmo, bem como
por seu filho. O “momento” não tem que ser
longo (não mais de duas horas), mas tem que
ser confiável e previsível. A criança pode deci-
dir sobre o que fazer durante esse tempo. Con-
verse sobre isso toda a semana: “Nós não temos
tempo suficiente para ficarmos juntos agora,
mas teremos. Lembra do nosso momento? Você
pode me dizer o que fazer para variar”.
Valorize todos os rituais – os diários; a hora
das refeições; a saída da creche; o jantar em
família; as horas em que a família pode estar
junta. Os grandes rituais, hora da igreja – Natal,
chanukah, Ação de Graças, Páscoa – se tornam
mais importantes do que nunca. Eles se tornam
oportunidades para proximidade e também
para compartilhar valores familiares. Esses são
momentos para reunir a família extensiva.
Quando os pais trabalham, as crianças precisam
mais do que nunca da estrutura e das expectati-
vas de experiências compartilhadas.
Cada momento ritualizado tem uma forma
de invocar todos os outros que ocorreram e que
ocorrerão. Rituais que envolvem várias gerações
da família aumentam o senso da criança de seu
próprio lugar nessa família. Uma criança tem
um senso de segurança em seu mundo, quando
ela pode alinhar-se ao lado de um pai e de um
avô. Nós costumávamos ir jantar na casa de mi-
nha sogra todo domingo. Todos se queixavam
de “ter de abrir mão de um dia tão lindo” a cami-
nho de sua casa. Mas, depois de termos estado
todos juntos, – três gerações –, cada um de nós
tinha uma sensação de paz. Meus filhos nunca
esqueceram essa ocasião ritual. Os pais de hoje
em dia podem querer arranjar ou reviver esses
rituais e até inventam novos; eles podem agir
como estabilizadores em nosso mundo caótico.
Hora das refeições
Aos três anos, se houve algum problema rela-
cionado com a falta de apetite nos primeiros
dois anos – comer pouco e ganhar pouco peso,
vômitos após as refeições, ocultação de comida,
recusa de um alimento após o outro – é hora
de os pais reavaliarem a situação. Tudo isso su-
gere um risco de problemas alimentares no fu-
turo. Uma criança de três anos pode estar im-
plorando por estrutura na hora das refeições.
Não estará o comportamento da criança indi-
cando que ela não tem o controle da situação,
devendo usar o comportamento desviante para
satisfazer sua necessidade de autocontrole?
Jogos de “quero” ou “não quero” ou implicân-
cias na hora das refeições são sinais de que a
comida perdeu sua importância exceto como
permuta. Mais importante, a hora da refeição
perdeu seu significado como uma hora familiar
para comunicação e intimidade.
Uma criança de três anos acabou de abando-
nar a luta torturante dos primeiros passos por
independência. Aprendeu a dizer “sim” ou
“não”, mas ainda não aprendeu quando procu-
rar um terreno intermediário. Recém começou
a desfrutar do senso de ser capaz de fazer suas
próprias escolhas e tomar suas próprias deci-
sões. Pode dizer “eu quero” e querer dizer isso;
mesmo que seja estonteante para ela. Cada
passo na direção da independência é uma luta.
Alimento, roupas e banho se tornam todos en-
volvidos. Para os pais, isso pode parecer uma
luta pelo poder. Para a criança de três anos, é
uma luta para aprender sobre si mesma.
Minnie recusava-se categoricamente a comer
vegetais. A Sra. Lee não podia aceitar isso. Ela
telefonou para sua mãe para pedir ajuda, por-
que se lembrava de todos os vegetais frescos
que comia quando criança. Ela quase podia sen-
tir o gosto de brócolis em sua boca agora. Odi-
ava brócolis, mas fora ensinada a comê-lo.
“Brócolis contém as vitaminas mais valiosas.
Você vai crescer com cabelo e olhos lindos.” Ela
ainda estava esperando pelas recompensas. Seu
cabelo e olhos eram bons, mas nada que lhe
recompensasse por todos os detestáveis bróco-
lis. Agora, Minnie torcia o nariz para os brócolis
da Sra. Lee, apesar de toda sua engambelação.
Era certo forçá-la? Sua mãe, no telefone, confir-
mou toda a determinação da Sra. Lee. “É claro,
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 73
Minnie tem que ser ensinada a comer vegetais.
Culturas inteiras não comem nada além de ve-
getais e são saudáveis. Como uma criança pode
existir sem eles? Você sempre os comeu. Eu pro-
videnciei isso!” Sem se dar conta, a Sra. Lee
tinha descoberto um “fantasma em sua cria-
ção” que tornava importante para ela forçar
Minnie a comer vegetais.
A alimentação e a hora das refeições prova-
velmente se tornarão um problema no terceiro
ano. As crianças dominaram agora a mecâni-
ca, e as expectativas dos pais por obediência
podem aumentar. A recusa em comer prova-
velmente evocará os próprios problemas dos
pais – a obrigação de alimentar seus filhos jun-
tamente com as próprias experiências passadas
com comida e família. Conseqüentemente, isso
torna-se um momento crítico para diminuir a
luta e transformá-la em uma experiência com-
partilhada positiva. Aprender a comer com a
família – boas maneiras, sentar-se e assim por
diante – é aprendido através de um modelo.
1. As horas das refeições são momentos
para as famílias ficarem juntas. O café
da manhã e o jantar são oportunidades
importantes para rituais e expectativas.
2. Nenhuma criança de três anos aceitará
essas expectativas facilmente, mas elas
devem ser vistas como momentos impor-
tantes para aprender a viver com outros
e aceitar seus valores. Não brigue por
elas, mas não reforce a rebeldia.
3. Se necessário, comece a alimentar a crian-
ça de três anos antes do jantar da família,
de modo que ela possa sentar-se e con-
versar no jantar.
4. Não empurre comida como um problema.
5. Ofereça porções pequenas – menos do
que a criança provavelmente vai querer.
6. Tão logo a criança comece a implicar, a
atirar comida, a deixá-la cair ou a andar
na volta da sala, seu jantar está chegando
ao fim. Ignore seu comportamento, quan-
do ela tentar ser o centro das atenções.
7. Uma vez que a criança seja dispensada,
ninguém deve reforçá-la fazendo piadas
ou brincando com ela.
8. Não ofereça alimento entre as refeições.
Não ofereça lanches. Quando as refei-
ções terminam, a comida não está mais
disponível.
9. Não converse sobre ou ensine maneiras
à mesa. Maneiras e padrões são aprendi-
dos através de modelos aos quatro ou
cinco anos.
10.Mantenha seus próprios padrões durante
toda a refeição – não importa o que aconteça!
(Ver também “Problemas de Alimentação”
na Parte II.)
Problemas de sono
O sono é um problema de separação para pais
e filho. A separação à noite pode ser difícil para
todos os pais que ficam fora durante o dia. Os
pais que trabalham não conseguem abandonar
o filho à noite, e ele não consegue separar-se
de seus pais. A hora de dormir e os episódios
de despertar durante a noite se tornam “oportu-
nidades” para uma reunião de pai-filho. O sono
é uma separação mais séria do que pode parecer.
À noite, Tim implorava que lhe contassem uma
história após a outra. Em certo ponto, ele indi-
cava uma necessidade de ouvir música na hora
de dormir. Seus pais cediam. Achavam que a
música poderia ser um calmante para um uma
criança com sono leve. Eles tentaram música
clássica. Tim choramingava. Tentaram rock and
roll. Isso simplesmente parecia acelerá-lo, como
qualquer um poderia ter previsto. Finalmente,
tentaram Ella Fitzgerald e suas canções de
amor. Tim as adorou. Ele se enroscava, polegar
na boca, cobertor enrolado como “seu bebê”.
Mas o Sr. e a Sra. McCormick descobriram que
Tim exigia que se trocasse de CD assim que ele
terminasse. A princípio, eles foram complacen-
tes. Finalmente, uma noite após três trocas, o
Sr. McCormick se rebelou. “Por que ele precisa
de todas essas trocas? Nós simplesmente não
podemos parar após uma troca?” A Sra.
McCormick resistia. Ela tinha de volta em sua
mente a dificuldade que tivera em acudir Tim
a cada três horas, quando ele era menor. Ele
74 Brazelton & Sparrow
tinha tido um terrível problema de sono no pri-
meiro ano. Ela tinha amamentado e embalado
o filho para dormir em seus braços. Após
colocá-lo delicadamente em seu berço, ela es-
capava silenciosamente. Mas cada três ou qua-
tro horas, a cada ciclo de sono leve, quando ele
despertava, chorava e se debatia no berço, ela
tinha corrido até ele. Ela tinha cantado, emba-
lado e acariciado para ele adormecer de novo.
O Sr. McCormick tinha se enfurecido: “Você não
fez isso para Philip. Deixe-o sozinho.” A tensão
deles cresceu quando Tim passou a despertar a
cada quatro horas.
Finalmente, em desespero, no ano anterior,
a Sra. McCormick tinha procurado ajuda para
os problemas de sono de Tim, que ficava acorda-
do e acabava precisando dela quase seis horas
por noite. Ela tinha virado uma ruína privada
de sono. O especialista salientou que ela nunca
tinha ajudado Tim a aprender a dormir por con-
ta própria. Quando o colocara no berço, ela ti-
nha se tornado uma parte do padrão de sono
dele. Embalava-o para dormir em seus braços,
preocupada com sua sensibilidade. Se o colocas-
se no berço antes de ele adormecer, ele saltava
e chorava. Cada vez que despertava de um ciclo
de sono leve – a cada três a quatro horas – ele
se desestruturava e não tinha nenhum padrão
para voltar a dormir que não envolvesse sua
mãe. “Você precisa deixar isso para ele. Se for
muito difícil para você, por que não deixar seu
marido ajudá-lo a aprender a dormir?” Isso
nunca lhe tinha ocorrido. Ela tinha medo que
o pai de Tim dissesse: “Simplesmente deixe-o
chorar.” Ao contrário, o especialista sugeriu:
“Vocês não precisam abandonar Tim, mas vocês
precisam deixá-lo aprender que pode voltar a
dormir por conta própria. Comecem quando
vocês o colocarem no berço pela primeira vez.
Embalem, cantem, leiam para ele como tem
sido seu ritual. Mas coloquem-no na cama após
ele estar calmo e quieto, mas antes de adorme-
cer. Então sentem e dêem tapinhas nele, dizen-
do: ‘Você consegue, você consegue’. Dêem-lhe
seu objeto querido e mostrem-lhe seu polegar;
deixem-no saber que esses são substitutos para
vocês.” A Sra. McCormick estremeceu.
O especialista previu que o processo levaria
várias semanas. E levou, mas Tim logo foi capaz
de dormir a noite toda despertando apenas uma
vez. Sua mãe estava agradecida. Seu pai estava
aliviado. Tim estava orgulhoso.
Agora, quando Tim começou na creche, sua
dificuldade renovada em separar-se e dormir
sozinho à noite reviveu todos os antigos medos
de seus pais. Ele parecia ainda mais frágil nesses
dias. Sua mãe e seu pai estavam tão sintoniza-
dos com as vulnerabilidades de Tim que temiam
uma regressão aos problemas de sono anterio-
res. Isso tornou-se um novo momento decisivo.
Os pais de Tim examinaram as mudanças
na vida dele. Sua mãe estava trabalhando e o
menino apenas começando a sentir a sua pró-
pria necessidade e a dos outros de fazer relacio-
namentos. Também pode ter havido outros
estresses que eles não tinham identificado, e
esses eram bastante suficientes para ocasionar
a regressão à noite.
Estabelecer limites e um final firme às exi-
gências foi tranqüilizador para Tim, como teria
sido para qualquer criança. Seu pai disse-lhe:
“Dois CD’s são suficientes. Nós vamos trocá-lo
uma vez e colocá-lo para dormir. Enquanto isso,
você tem seu polegar e seu ‘bebê’. Você assume
o resto e vai dormir.” Tim precisava da tranqüi-
lização daquele tipo de firmeza. Prolongar sua
aparente carência para uma briga familiar fa-
talmente passaria a mensagem errada e reforça-
ria seu senso de si mesmo como vulnerável.
Dos três anos em diante
A criança de três anos apenas começou a ter
consciência de como pode aprender sobre seu
mundo – e sobre ela mesma. Aos dois anos,
estava presa dentro de si mesma, tentando en-
tender a diferença entre “sim” ou “não” “que-
ro?” ou “não quero?”. Agora, sua perturbação
ainda está lá, mas ela exerce mais controle sobre
quando e por que a irá demonstrar. Aprendeu
que, se necessitar de atenção, pode atirar-se ao
chão em um acesso de raiva deliberado, um
contraste com aqueles que pareciam vir de não
sei onde há apenas um ano. Se quiser carinho,
3 a 6 anos: momentos decisivos do desenvolvimento infantil 75
pode fazer um apelo apropriado por ele – e ge-
ralmente pode consegui-lo. Ela está apenas co-
meçando a sentir o quanto seu comportamento
pode ser poderoso. Com esse senso de poder,
veio a fala; ela pode moldar o mundo com sua
linguagem. Também molda a si mesma, e isso
lhe traz uma nova consciência.
Ela começou a aprender sobre tempo, sobre
espaço e sobre responsabilidade para com os
outros. Esta última é em resposta à percepção
de que outras pessoas são importantes para ela
– muito. Quer pendurar-se na mamãe e no pa-
pai – freqüentemente ao mesmo tempo. A cons-
ciência de seu gênero – e como cada um dos
pais representa o seu próprio gênero – está des-
pontando. Tornou-se consciente de que ainda
tem necessidade de outras pessoas – irmãos,
colegas – e está começando a perceber que pode
afetá-los. Ela está começando a ter consciência
de que pode ferir outras pessoas, bem como
agradá-las. O uso mais importante de toda essa
consciência é aprender sobre si mesma: seu
gênero, sua individualidade, sua competência
e como se sente em relação ao seu mundo.
Com todo esse crescimento, haverá “mo-
mentos críticos” durante o ano que incluem re-
gressão e desgaste. Não é de admirar que esses
períodos de regressão sejam tão dramáticos –
para pais e filhos. Quando consegue readquirir
o domínio de si mesma, a criança tem uma
enorme sensação de orgulho e poder. Ela pode
afetar seu mundo – e está começando a saber
disso. A seguir, seu mundo a ensinará sobre
quem ela está se tornando.