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Título: A arte das iluminuras: uma proposta de sala de aula.
Por: Priscila Aquino Silva1
O presente relato detalha uma atividade de História desenvolvida no interior de
um Projeto Literário mais amplo intitulado “O amor e as aventuras de Tristão e Isolda”.
A atividade “A arte das iluminuras medievais” foi desenvolvida no primeiro semestre
de 2012 com as turmas de 7º ano do Ensino Fundamental do Instituto GayLussac e teve
como produto final a produção individual de uma página iluminada nos moldes dos
pergaminhos medievais.
A atividade “A arte das Iluminuras Medievais” se insere no interior de um
amplo projeto interdisciplinar que conjuga três disciplinas: História, Português e
Produção Textual. Utiliza-se como apoio didático do projeto o livro de Maria Nazareth
Alvim de Barros2 cuja leitura e análise perpassam todas as referidas disciplinas. O livro
foi considerado, em 2000, Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil – FNLIJ – e a autora é mestre em língua e literatura francesa. Em
Português, com a orientação da professora Dra. Simone Maria Bacellar, os alunos
traçam uma comparação da história de amor impossível de Tristão e Isolda com mitos e
lendas clássicas da Literatura mundial e da história, aprofundando casais como Eros e
Psiquê, Júlio César e Cleópatra, Maria Bonita e Lampião. A professora estimula a
pesquisa de histórias de amor entre casais famosos da realidade e da ficção. Em
Produção Textual, sob supervisão da professora Maria Clara Maiolino, o objetivo é
reconhecer, na narrativa do livro, aspectos da novela de cavalaria, identificando as
partes e os elementos da narrativa em cada episódio, contextualizando na Idade Média
as características do gênero. Além disso, os alunos estudam o gênero carta e produzem
uma carta de amor. A produção da carta envolve um sorteio que divide a turma em
Tristões e Isoldas. Tristão redige uma carta para sua amada, que recebendo sua carta,
1 Doutora em História Antiga e Medieval pela Universidade Federal Fluminense
2 BARROS, Maria Nazareth Alvim de. O amor e as Aventuras de Tristão e Isolda. São Paulo: Companhia
das Letrinhas, 2000.
precisa responder. A produção da carta exige o conhecimento do gênero e um grande
exercício de imaginação.
Já em História o projeto, desenvolvido por mim3, cumpre amplos objetivos.
Trabalha-se, em primeiro lugar, com a noção da literatura como fonte histórica ao
mostrar aos alunos diversos trechos do livro que abordam o contexto medieval, focando
na figura do cavaleiro, da nobreza medieval, da relação de suserania e vassalagem e do
rico imaginário medievo, repleto de fadas, gigantes, dragões e seres mágicos. O livro
aborda também aspectos da forte religiosidade medieval, revelando uma sociedade
teocêntrica. Por fim, ao estudarmos o poder da Igreja no mundo medieval, os alunos são
convidados a imaginar o trabalho dos monges copistas nos Scriptoriuns medievais,
descobrindo que os livros na Idade Média eram verdadeiros tesouros, muitas vezes
cravejados de pedras preciosas e folheados a ouro. Assim, todos observam pergaminhos
medievais iluminados através de projeções dessas imagens pesquisadas na internet, e
analisamos em conjunto sua estrutura básica – a presença da letra capital iluminada, da
borda iluminada e de iluminuras (figuras) que sempre se relacionam e dialogam com o
texto. Para mostrar aos alunos uma imagem mais realista de um mosteiro medieval e do
trabalho dos monges copistas em seu Scriptorium, assiste-se a trechos do filme “O
nome da Rosa”4, analisando no caderno suas principais características.
O projeto é finalizado com duas grandes atividades: uma prova, onde o aluno
mostra seus conhecimentos do mundo medieval através da leitura do texto e a atividade
inscrita no projeto, intitulada “A arte das iluminuras medievais”. Através da análise de
diversas iluminuras, os alunos precisam elaborar uma página iluminada medieval que
servirá de suporte para iluminar a novela de cavalaria escrita em Produção Textual,
mostrando que as disciplinas trabalham em sintonia.
3 Importante notar que o trabalho sobre o contexto medieval é desenvolvido por uma professora que
possui mestrado e doutorado em História Antiga e Medieval pela Universidade Federal Fluminense (UFF) 4 Título original: (Der Name Der Rose) Lançamento: 1986 (Alemanha) Direção: Jean-Jacques Annaud
Atores: Sean Connery, Christian Slater, Helmut Qualtinger, Elya Baskin. Duração: 130 min Gênero:
Ficção
O livro de Maria Nazareth Alvim de Barros auxilia no aprofundamento e
aplicação de conceitos históricos. Procederemos aqui uma breve exemplificação da
utilização de trechos do livro para análise histórica. Assim, o livro inicia contando sobre
a violência do contexto histórico medieval, marcado principalmente na Alta Idade
Média por invasões e lutas por terras. O trecho é analisado em conjunto com os alunos,
que são orientados a relacionar a leitura do livro com o contexto material e simbólico do
mundo medieval:
“Houve uma época, há muito tempo, em que a guerra era comum
entre os povos. Os homens brigavam pela terra, pelos animais,
pelos alimentos e até mesmo para passar o tempo. Foi numa
dessas desavenças que o rei de Leonês morreu em combate”5.
A suserania e a vassalagem, relação fundamental da Idade Média, que
estabelecia um vínculo de fidelidade entre o vassalo, que recebia um privilégio –
geralmente um feudo - e o suserano, também é abordado pelo livro em diversos trechos,
lidos e analisados em conjunto durante a aula:
“Assim, Tristão foi criado por um fiel vassalo do rei e, apesar de
não ter conhecido o carinho dos pais, nem de ter tido irmãos com
quem pudesse brincar (e brigar), era feliz e muito amado”6.
Além disso, o estudo do livro facilita a compreensão do feudalismo, revelando a
importância da terra no contexto medieval como maior valor daquela época, conforme
mostra o trecho: “Naqueles tempos distantes, as riquezas eram as terras, os homens que
a cultivavam e os animais que ajudavam com sua força ou alimentavam as pessoas com
suas carnes”7.
5 BARROS, Maria Nazareth Alvim de. op. cit. p. 8.
6 Idem. ibidem. p. 10.
7 Idem. ibidem.
A profunda religiosidade do homem medieval é abordada no livro na forma de
um ordálio, ou seja, um juízo de Deus. Acreditando que Deus protegeria os inocentes, a
justiça medieval submetia os homens a ordálios, provas com fogo, água fervente ou
afogamentos. Isolda é submetida a um ordálio, analisado em sala de aula para incentivar
o entendimento de um pensamento focado em Deus, teocêntrico, mesmo nos aspectos
relativos à justiça:
“Convencidos da culpa de Isolda, eles a obrigaram a enfrentar o
julgamento divino. Essa prova era muito usada porque as pessoas
acreditavam que, quando Deus agia como juiz, não havia
possibilidade de erro ou engano na sentença. O acusado devia
segurar um ferro em brasa e se defender das acusações. Se o ferro
em brasa queimasse a sua mão, ele era inocente, caso contrário,
sua culpa ficaria marcada no próprio corpo”8.
O relato da trajetória de Tristão convida os alunos a mergulharem no sedutor
mundo da cavalaria medieval, revelando os valores de um cavaleiro, como honra,
fidelidade, coragem, força e também a educação do jovem guerreiro, que envolvia
música da harpa, a poesia, enfim, habilidades que o tornavam apto para a convivência
no interior da corte do rei. A escrita do livro também reforça a forma de hereditariedade
do trono na Idade Média - o herdeiro é o parente masculino mais próximo ao rei,
geralmente seu filho primogênito. Assim, o livro fala: “Assim, durante três anos, Tristão
encantou a Cornualha com sua música, com os poemas que compunha, com o trinado
dos pássaros que imitava à perfeição. Marcos, todo bobo, tecia planos para o futuro: a
coroa seria passada a Tristão, seu único herdeiro”.
Além de aspectos materiais o livro também é um rico manancial de aspectos
relacionados ao imaginário medieval. Assim, os alunos entram em contato com seres e
elementos considerados reais pelos homens da época medieval, como fadas, gigantes,
dragões, poções mágicas – criaturas que povoam, aliás, nosso imaginário
cinematográfico até os dias atuais.
8 Idem. ibidem. p. 32.
Depois da leitura detalhada do livro, os alunos conhecem a arte das iluminuras.
Utiliza-se como recurso didático uma apresentação em PowerPoint com diversos
exemplos de iluminuras medievais. Instiga-se que os alunos imagem uma cena:
cercados por livros amontoados, sentado em um banco alto onde as pernas ficam
suspensas a palmos do chão, o monge encontra-se diante de um códice em branco feito
de pele de carneiro - disposto em posição inclinada - e com uma longa pena na mão. Um
pouco acima vemos outro códice – este não está em Branco. Trata-se de um escrito de
Santo Agostinho. O monge copia letra por letra, num trabalho exaustivo, já que entre
mão e pena não existe nenhum apoio. Os olhos ardem e incomodam pelo esforço da
leitura feita na maioria das vezes com pouca luz. Mas ele não está sozinho neste lugar
úmido e frio: outros monges trabalham nas mesmas condições. Algumas vezes – quando
se necessita de mais uma cópia de um mesmo manuscrito, um dos religiosos dita e os
demais copiam. Estamos dentro de um Scriptorium medieval.
Para os monges medievais a leitura e a escrita é uma privação, uma ascese, como
uma disciplina corporal, quase uma penitência. A leitura e a meditação eram formas de
engrandecimento espiritual. O fato é que as condições de leitura e de escrita – que para
os monges copistas, por exemplo, andavam juntas, eram realmente muito cansativas.
Esse aspecto fica claro para os monges que seguiam a regra beneditina, uma vez que
São Bento previa que os monges deveriam trabalhar para alcançar a ascese, e um
trabalho extremamente cansativo e doloroso, que só poderia ser feito por letrados, é o
trabalho de cópia e leitura.9
Assim, analisam-se o local de produção dos livros – os Scriptoriuns medievais,
localizados nos mosteiros – e os agentes produtores desses livros – os monges copistas
(que copiavam os documentos). Ler e escrever na Idade Média eram habilidades
específicas de um grupo social distinto: os orattores. A Igreja toma para si a função de
biblioteca e copista desse mundo – supervisionando assim o que era digno de leitura e
devia ser reproduzido ou não. Os alunos aprendem o que é uma iluminura - nome que
9 DUBY, Georges. O tempo das Catedrais. A arte e a sociedade. 980-1420. Lisboa: Editorial Estampa.
1979. p. 76.
se dá às imagens que ilustram as páginas dos livros na Idade Média. Era comum que os
reis ou nobres muito ricos fizessem encomendas desses livros, caríssimos, no local onde
eram produzidos: os Scriptoriums.
Os alunos aprendem, também, que todo trabalho manual na Idade Média era
considerado inferior, inclusive o trabalho da escrita. Os monges copistas faziam essa
atividade por penitência, pois era muito dolorosa. Toda a atividade era feita à pena, em
pergaminho (nome dado a uma pele de animal, geralmente de cabra, carneiro, cordeiro
ou ovelha, preparada para nela se escrever) o que dificultava a escrita. Outra dificuldade
é que a escrita era feita em posição inclinada àquele que estava escrevendo. Muitos
monges copistas desenvolviam artrites, tendinites e outras dores nas articulações pela
repetição de movimentos. Assim, os alunos observam imagens de monges copistas
trabalhando e imaginam esse tipo de trabalho doloroso durante muitas horas. Nesse
tempo não existia a imprensa, então todo livro era feito à mão. Depois do trabalho do
monge copista, o livro era encaminhado para um iluminador, que faria nele as
iluminuras, figuras que enfeitariam o livro. O livro, nessa época, era considerado uma
raridade. Por serem muito caros, apenas os reis, a alta nobreza e as próprias Igrejas que
os produziam poderiam possuir esse bem. Além de ser destinado aos poucos que
poderiam pagar por ele, o livro era uma verdadeira obra de arte, muitas vezes banhado a
ouro e decorado com pedras preciosas. A tinta também encarecia o produto e quanto
mais colorido, mais caro um livro.
Depois de estudar sobre os mosteiros e os monges copistas, os alunos conhecem,
através da projeção do PowerPoint, diversas imagens de pergaminhos medievais
iluminados. O objetivo é que eles estudem as estruturas que compõe um pergaminho
medieval iluminado – como, por exemplo, a letra capital iluminada, a borda iluminada,
e exemplos diversos de iluminuras no interior do pergaminho. Para materializar de
forma efetiva a imagem de um mosteiro medieval e de um Scriptorium, os alunos
assistem trechos do filme “O nome da Rosa”, baseado no Best-seller do medievalista
Umberto Eco. Além de mostrar o interior dos mosteiros medievais, o filme também traz
imagens que ajudam no entendimento da diferença entre as Ordens da Igreja –
notadamente os franciscanos e os beneditinos – além de mostrar o pagamento do dízimo
feito pelos camponeses. As seguintes cenas do filme foram assistidas fazendo, no
caderno, anotações ditadas pela professora:
Cena 1 - Dois frades franciscanos chegam a cavalo a um Mosteiro Beneditino
visivelmente afastado de centros urbanos.
Cena 2 – Adson e Guilherme caminham pelo mosteiro. Atrás deles uma fila de
camponeses com cestas de sua produção na terra ou animais em mãos. – “Tudo que ofereces na
terra receberás cem vezes mais no paraíso”, diz o monge em latim, recebendo o dízimo.
Cena 3 – Os frades entram no Scriptorium e o monge bibliotecário fecha uma porta ao
vê-los se aproximar. Guilherme pede para ver o trabalho dos monges mortos ao bibliotecário.
Na mesa de Adelmo encontram iluminuras que revelam o lado cômico e desafiador do
iluminador. – “Um burro ensinando as escrituras aos bispos. O papa é uma raposa. O abade é
um macaco”. Um monge grita e sobe na cadeira com medo de um rato. Os outros riem.
Esse conhecimento é utilizado para fazer o trabalho “A arte das iluminuras
medievais”. A proposta é que cada aluno elabore uma página iluminada para o texto
produzido na disciplina de Produção Textual utilizando as estruturas dos pergaminhos
medievais estudados durante as aulas. No anexo 1, confere-se a proposta da atividade
das iluminuras e no anexo 2, 3 e 4, três exemplos de iluminuras feitas pelos alunos.
Como professora e medievalista avalio que essa atividade possui originalidade e a
importância de trabalhar o conteúdo histórico aliado a uma atividade lúdica de produção
individual. Agradeço ao Instituto GayLussac, à minha coordenadora, Marília Cerqueira
e ás professoras Simone Barcellar e Maria Clara Maiolino pela parceria e oportunidade
de desenvolver um trabalho tão rico.
ANEXO 1
Atividade de História – Projeto Literário Tristão e Isolda
A arte das Iluminuras
Dentro do Projeto Literário Tristão e Isolda a proposta de atividade de História
é viajar no tempo e usar a imaginação histórica para nos tornarmos monges copistas e
iluminadores medievais.
Todos já aprendemos em sala de aula que os livros medievais são verdadeiras
obras de arte. Muitas vezes cobertos de pedras preciosas ou folheados a ouro, ter um
livro em casa é sinônimo de riqueza. Através das aulas de História também estudamos
a arte das iluminuras, o trabalho dos monges copistas e a estrutura de uma iluminura
medieval. Aprendemos que uma página de um livro medieval geralmente contém as
seguintes estruturas:
1) Borda iluminada: as bordas do texto medieval são iluminadas, ou seja,
decoradas com motivos figurativos ou não. Geralmente as figuras que
aparecem nas bordas possuem relação com o texto.
2) Capital iluminada: A letra capital – primeira letra de um texto – é
ricamente decorada nas iluminuras medievais. Muitas vezes essas letras
possuem desenhos que também estão relacionados ao texto.
3) Iluminuras: Iluminura é a arte de iluminar o texto com desenhos e figuras
que facilitam o entendimento desse texto. Vimos vários exemplos durante as
aulas.
4) Texto: O texto que deverá ser iluminado em nosso pergaminho medieval
será de autoria própria e deve abordar elementos históricos do mundo
medieval. O texto deve ser inspirado na história de Tristão e Isolda e no
trabalho feito em Produção Textual.
Valor da Atividade: 3,0 pontos
A iluminura será avaliada pela sua beleza e riqueza de detalhes que
remetam ao universo medievo. Não deixem de pesquisar na internet iluminuras
medievais que possam inspirar na hora de fazer a sua. O texto será avaliado pela
quantidade de referências medievais.
Boa sorte e divirta-se!
Prof. Priscila
ANEXO 2
ANEXO 3
ANEXO 4
BIBLIOGRAFIA
BARROS, Maria Nazareth Alvim de. O amor e as Aventuras de Tristão e Isolda. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 2000.
DUBY, Georges. O tempo das Catedrais. A arte e a sociedade. 980-1420. Lisboa:
Editorial Estampa. 1979.
MANGUEL, Alberto. Leitura de Imagens. Uma História da Leitura. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
FAILLACE, Vera Lúcia Miranda. Catálogo do Livro de Horas da Biblioteca Nacional
do Brasil. Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2009.
FILMOGRAFIA:
(Der Name Der Rose) Lançamento: 1986 (Alemanha) Direção: Jean-Jacques Annaud
Atores: Sean Connery, Christian Slater, Helmut Qualtinger, Elya Baskin. Duração: 130
min Gênero: Ficção