13-rogerio sanches - comentários à lei 12.830 - 13

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www.cers.com.br 1 Lei 12.830/13: BREVES COMENTÁRIOS A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1 o Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Constatada a prática de uma infração penal, surge para o Estado, com absoluta exclusividade, o direito (dever) de punir, fazendo com que o delinquente se submeta à reprimenda, donde se extraem não só os efeitos retributivo e ressocializador, como também o de prevenção, todos visando, em última análise, a reintegração social do agente do crime. Ocorre que o alcance destas finalidades pressupõe o trâmite de um procedimento destinado a apurar as circunstâncias do fato criminoso, a processar o agente, e, uma vez comprovada a autoria delitiva, a sujeitá-lo à pena. É a persecução penal 1 , fragmentada em três fases: a) investigação preliminar; b) ação penal; c) execução penal. Note-se que, não obstante a regra seja a de que cumpre a um órgão oficial a realização de diligências para a apuração do fato criminoso, não há vedação a que um particular, estando diante da infração penal, reúna elementos relativos à materialidade e autoria delitivas, e, documentando-os, os encaminhe à autoridade policial ou ao órgão do Ministério Público, que, por sua vez, se verificar a suficiência das informações, poderá iniciar a ação penal sem prévia investigação policial. Ocorrerá esta hipótese, por exemplo, quando a infração penal puder ser demonstrada eminentemente por meio de documentos, que dispensam a oitiva de pessoas, a realização de perícias e de outras atividades inerentes aos órgãos estatais. Embora haja a possibilidade acima destacada, a regra, reiteramos, é a da investigação por parte de órgãos oficiais, normalmente pela polícia judiciária, por meio do inquérito policial (eis o objeto da Lei em comento). Art. 2 o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. § 1 o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. § 2 o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos. § 3 o (VETADO). § 4 o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação. 1 A investigação preliminar, como pressuposto do exercício do direito de punir, é exercida, em regra, de forma autônoma, não se submetendo sequer à manifestação do ofendido (exceto nos crimes em que a ação penal somente se inicia por representação do ofendido ou se exercita mediante iniciativa privada). Por isso, não prevalece, nesta fase, o princípio da inércia, característico da jurisdição, vez que as autoridades incumbidas da apuração de fatos criminosos devem, no mais das vezes, agir de ofício.

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    Lei 12.830/13: BREVES COMENTRIOS

    A PRESIDENTA DA REPBLICA Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Esta Lei dispe sobre a investigao criminal conduzida pelo delegado de polcia.

    Constatada a prtica de uma infrao penal, surge para o Estado, com absoluta exclusividade, o direito (dever) de punir, fazendo com que o delinquente se submeta reprimenda, donde se extraem no s os efeitos retributivo e ressocializador, como tambm o de preveno, todos visando, em ltima anlise, a reintegrao social do agente do crime. Ocorre que o alcance destas finalidades pressupe o trmite de um procedimento destinado a apurar as circunstncias do fato criminoso, a processar o agente, e, uma vez comprovada a autoria delitiva, a sujeit-lo pena. a persecuo penal1, fragmentada em trs fases: a) investigao preliminar; b) ao penal; c) execuo penal. Note-se que, no obstante a regra seja a de que cumpre a um rgo oficial a realizao de diligncias para a apurao do fato criminoso, no h vedao a que um particular, estando diante da infrao penal, rena elementos relativos materialidade e autoria delitivas, e, documentando-os, os encaminhe autoridade policial ou ao rgo do Ministrio Pblico, que, por sua vez, se verificar a suficincia das informaes, poder iniciar a ao penal sem prvia investigao policial. Ocorrer esta hiptese, por exemplo, quando a infrao penal puder ser demonstrada eminentemente por meio de documentos, que dispensam a oitiva de pessoas, a realizao de percias e de outras atividades inerentes aos rgos estatais. Embora haja a possibilidade acima destacada, a regra, reiteramos, a da investigao por parte de rgos oficiais, normalmente pela polcia judiciria, por meio do inqurito policial (eis o objeto da Lei em comento).

    Art. 2o As funes de polcia judiciria e a apurao de infraes penais exercidas pelo delegado de polcia so de natureza jurdica, essenciais e exclusivas de Estado. 1o Ao delegado de polcia, na qualidade de autoridade policial, cabe a conduo da investigao criminal por meio de inqurito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apurao das circunstncias, da materialidade e da autoria das infraes penais. 2o Durante a investigao criminal, cabe ao delegado de polcia a requisio de percia, informaes, documentos e dados que interessem apurao dos fatos. 3o (VETADO). 4o O inqurito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poder ser avocado ou redistribudo por superior hierrquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse pblico ou nas hipteses de inobservncia dos procedimentos previstos em regulamento da corporao que prejudique a eficcia da investigao.

    1 A investigao preliminar, como pressuposto do exerccio do direito de punir, exercida, em regra, de

    forma autnoma, no se submetendo sequer manifestao do ofendido (exceto nos crimes em que a ao

    penal somente se inicia por representao do ofendido ou se exercita mediante iniciativa privada). Por isso,

    no prevalece, nesta fase, o princpio da inrcia, caracterstico da jurisdio, vez que as autoridades

    incumbidas da apurao de fatos criminosos devem, no mais das vezes, agir de ofcio.

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    5o A remoo do delegado de polcia dar-se- somente por ato fundamentado. 6o O indiciamento, privativo do delegado de polcia, dar-se- por ato fundamentado, mediante anlise tcnico-jurdica do fato, que dever indicar a autoria, materialidade e suas circunstncias.

    A ao estatal de investigao (a exemplo da ao penal e da execuo da pena) no de abrangncia indefinida, encontrando limites no prprio ordenamento jurdico, em especial na Constituio Federal, que elenca uma srie de princpios (explcita ou implicitamente) delimitadores das funes desempenhadas pelos agentes pblicos. Esses princpios limitadores so dotados de grande relevncia em razo dos efeitos radicais comumente verificados na apurao criminal, que submete o investigado a constrangimentos (legais) sem que, nesta altura da persecuo penal, haja a certeza necessria da culpa (lato sensu). Por essa razo, as manobras investigativas devem seguir um trmite que atinja da forma menos lesiva possvel o status dignitatis do investigado. O instrumento comumente utilizado na investigao preliminar o inqurito policial, procedimento administrativo2 informativo, composto por um conjunto de diligncias policiais, destinado a reunir os elementos necessrios apurao da infrao penal, s suas circunstncias e os indcios da autoria. Importa, assim, em investigar e recolher provas de tudo quanto possa servir para instruir e fundamentar futura ao penal (de iniciativa pblica ou privada). Cabe, em regra, autoridade policial a iniciativa de proceder s investigaes para a apurao de um fato com caractersticas de infrao penal, procurando, inclusive, determinar a respectiva autoria3. Sua atuao pressupe inqurito policial (mas pode atuar por meio de outros procedimentos, como o termo circunstanciado no caso de infrao penal de menor potencial ofensivo). Instaurado o inqurito policial, enunciam os arts. 6o e 7o do Cdigo de Processo Penal algumas diligncias que, na medida do possvel, devem ser empreendidas para que a autoridade esclarea o fato delituoso e as suas circunstncias. Atuando como polcia judiciria, a autoridade policial, durante ou aps a concluso das investigaes, est incumbida de auxiliar a Justia, fornecendo informaes de interesse para o deslinde da causa. Cumpre-lhe, ainda, realizar as diligncias requisitadas pelo Juiz ou Promotor de Justia - desde que no ilegais, evidentemente. O 3 do art. 2 da Lei em estudo dizia anunciava que o Delegado de Polcia conduzir a investigao criminal de acordo com seu livre convencimento tcnico-jurdico, com iseno e imparcialidade. Para alguns afoitos, este dispositivo poderia significar que o Delegado estaria, de acordo com seu livre convencimento, autorizado a no cumprir requisies de outros rgos. Para evitar o esperado conflito

    2 Mesmo a nova Lei, no seu art. 2, caput, anunciar que as funes de polcia judiciria e a apurao de

    infraes penais so de natureza jurdica, me parece que no retira do inqurito policial a sua

    caracterstica de procedimento administrativo. O Ministrio Pblico, com funo nitidamente jurdica,

    preside o inqurito civil, procedimento administrativo. No podemos ignorar que nos trabalhos de

    investigao no vigora o princpio constitucional do contraditrio, por isso expediente administrativo e

    inquisitorial. Esta caracterstica, contudo, no autoriza a polcia judiciria a violar as garantias jurdicas

    3 Esta afirmao no exclui outros entes pblicos do poder de investigar, dentre os quais se incluem o

    Ministrio Pblico e as Comisses Parlamentares de Inqurito.

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    (repito: fruto de afoiteza), a Presidenta da Repblica vetou o pargrafo, arrazoando: Da forma como o dispositivo foi redigido, a referncia ao convencimento tcnico-jurdico poderia sugerir um conflito com as atribuies investigativas de outras instituies, previstas na Constituio Federal e no Cdigo de Processo Penal. Desta forma, preciso buscar uma soluo redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polcias e a convivncia harmoniosa entre as instituies responsveis pela persecuo penal. Outro ato que integra o inqurito policial o indiciamento, que significa atribuir a autoria de uma infrao penal a determinada pessoa no mbito da investigao. No basta a mera suspeita para que a autoridade se decida pelo indiciamento, que exige indcios coerentes e firmes de autoria. O correto, alis, a autoridade sempre fundamentar esse ato, que ser direto quando o investigado estiver presente e indireto quando estiver ausente. Esse dever de fundamentar, agora, mandamento legal (art. 2, 6). A nova Lei, no art. 2, 4o, garante que o inqurito policial ou outro procedimento oficial em curso somente poder ser avocado ou redistribudo por superior hierrquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse pblico ou nas hipteses de inobservncia dos procedimentos previstos em regulamento da corporao que prejudique a eficcia da investigao. Busca, assim, impedir nefasta ingerncia na atuao dos Delegados. Com o mesmo esprito, temos o 5o, assegurando que a remoo do delegado de polcia dar-se- somente por ato fundamentado. No se criou (infelizmente) a garantia da inamovibilidade, mas certamente busca inibir a remoo arbitrria do zeloso Delegado por conta de presses polticas, quase sempre existentes quando o seu trabalho orgulha a sociedade (e no cede a interesses escusos).

    Art. 3o O cargo de delegado de polcia privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pblica e do Ministrio Pblico e os advogados.

    Apesar da sua importante atuao na persecuo penal, na prtica o Delegado de Polcia no recebia o mesmo tratamento protocolar dos demais personagens (magistrados, membros do Ministrio Pblico e Defensoria Pblica). Agora, com a novel Lei, ficou estampada a saudvel isonomia. Juzes, Defensores, Promotores e Delegados so Excelncias nas suas funes. Eis o tratamento protocolar a que alude o dispositivo, no permitindo concluir que ao Delegado se estende garantias outras constitucionalmente previstas para os demais rgos. Aqui deixo minha indignao. Esta Lei, com quatro artigos, pouco alterou a vida prtica (como se uma mudana no tratamento protocolar significasse valorizao do rgo). O que se espera uma Lei que melhore as condies de vida profissional dos Delegados, implicando em melhores salrios e garantias. isso que a sociedade certamente esperava.

    Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao.