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Aves e Ovos

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Aves e Ovos

Leonor Almeida de Souza-Soares Frank Siewerdt �2UJDQL]DGRUHV��

Aves e Ovos

Pelotas, RS 2005

Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas Reitor: Prof. Dr. Antonio Cesar G. Borges Vice-Reitor: Prof. Dr. Telmo Pagana Xavier Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Prof. Vitor Hugo Borba Manzke Pró-Reitor de Graduação: Prof. Luiz Fernando Minello Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof. Alci Enimar Loeck Pró-Reitor Administrativo: Francisco Carlos Gomes Luzzardi Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Prof. Élio Paulo Zonta Diretor da Editora e Gráfica Universitária: Prof. Fernando de Oliveira Vieira

Conselho Editorial MEMBROS TITULARES

Prof. Antonio Jorge do Amaral Bezerra Prof. Regina Maria Balzano de Mattos Prof. Manoel Luiz Brenner de Moraes Prof. José Justino Faleiros Prof. Elomar Antonio Callegaro Tambara Prof. Renato Luiz Mello Varoto Prof. Neusa Mariza Rodrigues Félix Profa. Ligia Antunes Leivas Prof. Francisco Elifalete Xavier Prof. Teófilo Alves Galvão

MEMBROS SUPLENTES Prof Álvaro Luiz Moreira Hipólito Prof. Isabel Bonat Hirsch Prof. Nicola Caringi Lima Prof. Valter Eliogabalos Azambuja

Editora e Gráfica Universitária R Lobo da Costa,447 – Pelotas, RS – CEP 96010-150 Fone/fax: (53) 3227 3677 e-mail: [email protected]

Designers: Nathanael Anasttacio, Frank Siewerdt Impresso no Brasil

Edição: 2005

ISBN 85-7192-295-0 Tiragem: 300 exemplares © Copyright dos organizadores

Dados de catalogação na fonte:

(Marlene Cravo Castillo – CRB-10/744)

A955 Aves e ovos / org. / por / Leonor Almeida de Souza-Soares

e Frank Siewerdt. Pelotas: Ed. da Universidade UFPEL, 2005.

138 p.: il. ISBN 85-7192-295-0

1. Codornas 2. Aves 3. Ovos 4. Legislação 5.

Produção de aves 6. Avicultura 7. Carne de frango I. Souza-Soares, Leonor Almeida de II. Siewerdt, Frank

CDD 636.513

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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SUMÁRIO PREFÁCIO 9 SOBRE OS ORGANIZADORES 10 CREDENCIAIS DOS AUTORES 11 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE AVES E OVOS 13

Leonor Almeida de Souza-Soares DECRETO No 30.691 DE 29 DE MARÇO DE 1952 13 DECRETO No 56.585 DE 20 DE JULHO DE 1965 17 RESOLUÇÃO No 005 DE 05 DE JULHO DE 1991 19

BIOSSEGURANÇA NA PRODUÇÃO DE FRANGOS 23

Frank Siewerdt POR QUE ESTABELECER UM PROGRAMA DE BIOSSEGURANÇA? 23 EPIDEMIOLOGIA DE ORGANISMOS PATOGÊNICOS 25 ETAPAS DE IMPLANTAÇÃO 27 MEDIDAS DE PROTEÇÃO NAS GRANJAS 29 MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE AMPLO IMPACTO 31 MEDIDAS GOVERNAMENTAIS E LEGISLAÇÃO 32 BIOSSEGURANÇA EM SISTEMAS ALTERNATIVOS DE PRODUÇÃO 32 CUSTO DE UM PROGRAMA DE BIOSSEGURANÇA 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 33

CRIAÇÃO DE CODORNAS 35

Dariane Beatriz Schoffen-Enke, Djalma Gisler Dutra e Leandro Cruz Freitas INTRODUÇÃO 35 HISTÓRICO DA COTURNICULTURA 35 BIOLOGIA DA ESPÉCIE 36 INSTALAÇÕES E OS CUIDADOS NA CRIAÇÃO 37

Instalações Incubadoras e nascideiras Criadeiras

MANEJO 38 Manejo reprodutivo Manejo da ave jovem Manejo da recria e da postura Manejo dos ovos

NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO 39 Doenças provocadas por carências nutricionais

PRODUÇÃO DE OVOS 40 Formação do ovo Gema Clara Práticas de manejo Comercialização de ovos

PRODUÇÃO DE CARNE 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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CRIAÇÃO DE EMAS 45 Maria do Carmo Malicheski Victória

INTRODUÇÃO 45 JUSTIFICATIVA 45 HISTÓRICO 46 A ESPÉCIE 46

Características da espécie PRODUTOS 48

Carne Gordura Couro Penas Ovos Outros produtos

ALIMENTAÇÃO E FISIOLOGIA DIGESTIVA 50 Exigências nutricionais e alimentação Fisiologia digestiva

CRIAÇÃO E ABATE 51 Terminação das aves Seleção de aves para abate Aspectos burocráticos Transporte das aves Sacrifício, esfola e evisceração Desossa Embalagem e conservação da carne

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 53

CARACTERÍSTICAS E ASPECTOS NUTRICIONAIS DO OVO 57

Cibelem Iribarrem Benites, Patrícia Bauer Silva Furtado e Neusa Fátima Seibel INTRODUÇÃO 57 CONCEITUAÇÃO E ESTRUTURA DO OVO 57 COMPOSIÇÃO E VALOR NUTRITIVO DO OVO 58 PAPEL DAS VITAMINAS DO OVO 60 TIPOS DE OVO 61 CLASSIFICAÇÃO COMERCIAL DOS OVOS 62 OVOS ENRIQUECIDOS 62 CONSIDERAÇÕES FINAIS 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 64

INFLUÊNCIA DA DIETA NO CONTEÚDO DE LIPÍDIOS DA CARNE

E DO OVO 65 Patrícia Bauer Silva Furtado e Dariane Beatriz Schoffen-Enke

INTRODUÇÃO 65 COMPOSIÇÃO DO OVO 65

Fração lipídica do ovo Influência da dieta na composição lipídica do ovo Características físico-químicas do ovo

CARNE DE AVES 67 Distribuição da gordura no músculo das aves Influência da dieta na deposição de gordura na carcaça Caracterização dos lipídios da carne de aves Fatores que influenciam a consistência e qualidade da carne

ÁCIDOS GRAXOS 71 COLESTEROL 72

Influência da dieta nos níveis de colesterol no ovo e na carcaça REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 74

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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TRANSFORMAÇÕES BIOQUÍMICAS DURANTE O PROCESSAMENTO DO OVO: UMA REVISÃO 77 Neusa Fátima Seibel

TIPOS DE TROCAS BIOQUÍMICAS 77

Pasteurização do ovo Congelamento da gema Desidratação por atomização

PROTEÍNAS DO OVO 78 Proteínas da clara Proteínas da gema

LIPÍDIOS DO OVO 86 Biossíntese dos lipídios Degradação dos lipídios

INFLUÊNCIA DA DIETA NAS TROCAS LIPÍDICAS 89 CONCLUSÃO 90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 90

PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE OVOS 91

Neusa Fátima Seibel INTRODUÇÃO 91 MICROBIOLOGIA DO OVO 91

Controle microbiológico Prevenção de contaminação na indústria

ARMAZENAMENTO DE OVOS 93 Métodos de conservação durante o armazenamento Mudanças durante o armazenamento

IMPORTÂNCIA NUTRICIONAL E TECNOLÓGICA DO OVO 97 Propriedades emulsificantes Formação de espumas Poder aromático e corante Coagulação e gelificação Cocção Outras propriedades funcionais do ovo

TECNOLOGIAS APLICADAS 101 Descascamento Operações de separação e de fracionamento Pasteurização Salga e açucaramento Concentração Congelamento Desidratação Desglicosamento Adição de conservantes

USOS INDUSTRIAIS 107 Qualidades funcionais de alguns produtos do ovo Utilização dos produtos do ovo como ingredientes principais Moléculas de interesse tecnológico e farmacêutico

PERSPECTIVAS FUTURAS 108 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 109

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PROCESSAMENTO DO OVO POR DESIDRATAÇÃO 111 Cibelem Iribarrem Benites

INTRODUÇÃO 111 DESIDRATAÇÃO 111

Secagem versus desidratação Atividade de água Métodos de secagem Métodos de desidratação Instantaneização Liofilização Alterações nos alimentos provocadas pela desidratação Influência da desidratação sobre microorganismos e enzimas

OVO EM PÓ 117 PROCESSAMENTO DO OVO EM PÓ 118 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 119

ANATOMIA E FISIOLOGIA REPRODUTIVA DAS AVES E FORMAÇÃO

DO OVO 121 Cibelem Iribarrem Benites e Vinícius Coitinho Tabeleão

IMPORTÂNCIA DO OVO 121 REPRODUÇÃO DAS AVES 121

Considerações sobre os machos Considerações sobre as fêmeas

INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL 127 RAÇAS DE GALINHAS 127 EXAME DOS OVOS 127 FENÔMENOS DO ENVELHECIMENTO 127 MANEJO DO OVO ARMAZENADO 128 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 128

TÓPICOS EM CITOLOGIA E FISIOLOGIA DE AVES 129

Djalma Gisler Dutra CITOLOGIA SANGÜÍNEA DAS AVES 129

Eritrócitos Granulócitos Agranulócitos

FISIOLOGIA DO SISTEMA DIGESTIVO DAS AVES 131 Anatomia do canal alimentar Regulação da ingestão de alimentos Deglutição e motilidade esofagiana e do papo Motilidade gastroduodenal Motilidade do íleo, cólon e ceco Secreção e digestão Funções dos cecos Absorção de nutrientes

FISIOLOGIA DO SISTEMA RESPIRATÓRIO DAS AVES 135 Anatomia do sistema respiratório Mecânica da respiração Interesses práticos

LITERATURA CONSULTADA 136

UMA FÁBULA BUDISTA: “AS CODORNAS” 137

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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PREFÁCIO

A indústria avícola no Brasil fez importante progresso nas últimas três décadas. Nossos produtos e sistemas de produção são respeitados, admirados e copiados em outros países. A competitividade e eficiência de nossa indústria avícola são reconhecidas como pontos de referência no mundo todo. Hoje somos responsáveis por quase 13% do volume de produção mundial de carne de frango e por 2,5% do volume de produção mundial de ovos. O volume de exportações de carne de frango atingiu 2,47 milhões de toneladas, ou 28% da comercialização mundial em 2004, o que tornou o Brasil o maior exportador mundial deste produto. Poucos setores de produção primária no Brasil podem exibir estas credenciais, que conferem ao país invejável posição de liderança no mercado internacional.

“Aves e Ovos” presta uma singela homenagem ao sucesso desta indústria. Nosso intuito foi de produzir um texto híbrido, de caráter tanto científico quanto didático. Os temas abordados foram selecionados com triplo intuito, de forma a cobrir áreas pouco exploradas na literatura nacional, divulgar recentes resultados de pesquisa em áreas relevantes à produção avícola e sumariar conhecimentos já consagrados, apresentando-os em um formato simplificado a estudantes, produtores e estudiosos das ciências de alimentos e agrárias.

Em momento algum a produção de Aves e Ovos teve a pretensão de cobrir exaustivamente temas relevantes à avicultura. Nossa decisão foi de oferecer uma pequena coletânea de tópicos de domínio dos autores dos capítulos. De modo similar, os capítulos também não pretendem exaurir os assuntos abordados, tampouco imputar um caráter excessivamente científico ao texto. Nossa expectativa é de que esta estratégia tenha resultado em um texto correto, sem perda do rigor técnico e cuja leitura seja educativa e agradável.

Os organizadores assumem total responsabilidade pelos erros e omissões que insistiram em escapar às muitas iterações de leitura, discussão e correção a que foram submetidos os originais.

Pelotas, RS, outubro de 2005

Leonor Almeida de Souza-Soares Frank Siewerdt

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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SOBRE OS ORGANIZADORES

Leonor Almeida de Souza-Soares

Formação Acadêmica

Bacharel em Ciências Domésticas (Universidade Federal de Pelotas) Especialista em Bioquímica (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Doutora em Ciência de Alimentos – Bioquímica (Universidade Estadual de Campinas)

Vinculação Atual

Professora Colaboradora – Biotério Central, Universidade Federal de Pelotas Professora Colaboradora – Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência de

Alimentos, Fundação Universidade Federal do Rio Grande Rua Voluntários da Pátria 440, apt. 101 96015-730 Pelotas, RS [email protected]

Experiência Profissional

Professora Titular, Departamento de Bioquímica (1977-1993) Assessora de Apoio e Desenvolvimento - Pró-Reitoria de Extensão (1985-1989) Chefe do Escritório de Apoio e Prestação de Serviços à Comunidade – Pró-Reitoria de

Extensão (1983-1984) Universidade Federal de Pelotas

Professora Assistente e Titular, Departamento de Ciências Fisiológicas (1971-1977) Faculdade de Medicina, Instituição Pró-Ensino Superior no Sul do Estado, Pelotas, RS

Professora Assistente, Departamento de Química (1975-1976) Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS

Professora Auxiliar, Departamento de Nutrição e Alimentos (1965-1971) Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS

Frank Siewerdt

Formação Acadêmica

Engenheiro Agrônomo (Universidade Federal de Pelotas) Mestre em Ciências (Universidade Federal de Pelotas) Doctor of Philosophy (North Carolina State University)

Vinculação Atual

Department of Animal and Avian Sciences University of Maryland, Animal Science Center College Park, MD 20742-2311, EUA [email protected]

Experiência Profissional

Oficial de Produção Animal – Melhoramento Genético (2004-2005) Food and Agriculture Organization das Nações Unidas, Roma, Itália

Geneticista (2000-2004) Perdue Farms, Inc., Salisbury, MD, EUA

Professor Visitante (1999-2000) Department of Animal Science North Carolina State University, Raleigh, NC, EUA

Professor Assistente e Adjunto (1991-2000) Departamento de Matemática, Estatística e Computação Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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CREDENCIAIS DOS AUTORES

Cibelem Iribarrem Benites Bacharel em Ciências Biológicas (Universidade Federal de Pelotas) Mestre em Engenharia de Alimentos (Fundação Universidade Federal do Rio Grande) Cursando Doutorado em Alimentos e Nutrição (Universidade Estadual de Campinas) [email protected]

Dariane Beatriz Schoffen-Enke Engenheira de Alimentos (Fundação Universidade Federal do Rio Grande) Mestre em Engenharia e Ciência de Alimentos (Fundação Universidade Federal do Rio

Grande) Cursando Doutorado em Zootecnia (Universidade Federal de Pelotas) [email protected]

Djalma Gisler Dutra Médico Veterinário (Universidade Federal de Pelotas) [email protected]

Leandro Cruz Freitas Médico Veterinário (Universidade Federal de Pelotas) Agropecuária Aliança (Rio Grande, RS) [email protected]

Maria do Carmo Malicheski Victória Bacharel em Química de Alimentos (Universidade Federal de Pelotas) Cursando Mestrado em Engenharia e Ciência de Alimentos (Fundação Universidade

Federal do Rio Grande) Departamento de Bioquímica (Universidade Federal de Pelotas) [email protected]

Neusa Fátima Seibel Engenheira de Alimentos (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das

Missões) Mestre em Engenharia de Alimentos (Fundação Universidade Federal do Rio Grande) Cursando Doutorado em Ciência de Alimentos (Universidade Estadual de Londrina) [email protected]

Patrícia Bauer Silva Furtado Engenheira de Alimentos (Fundação Universidade Federal do Rio Grande) Mestre em Engenharia e Ciência de Alimentos (Fundação Universidade Federal do Rio

Grande) Avipal Elegê (São Lourenço do Sul, RS) [email protected]

Vinícius Coitinho Tabeleão Médico Veterinário (Universidade Federal de Pelotas) Cursando Mestrado em Clínica Veterinária (Universidade Federal de Pelotas)

[email protected]

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE AVES E OVOS

Leonor Almeida de Souza-Soares Universidade Federal de Pelotas

Pelotas, RS

Reuniram-se, neste capítulo, dois decretos e uma resolução da Legislação Brasileira sobre Aves e Ovos, que apresentam os aspectos mais relevantes sobre produção, armazenamento, processamento e comercialização de aves e ovos.

A coletânea consiste do Decreto No 30.691, de 29 de marco de 1952, do Decreto No

56.585, de 20 de julho de 1965 e da Resolução No 005, de 05 de julho de 1991. Existem outros decretos que também regulamentam, contudo eles são menos relevantes para a finalidade deste livro.

A análise dos diferentes decretos e resolução mostra o aprimoramento dos aspectos abordados em relação às aves e aos ovos. A legislação reflete a evolução havida na ciência e na tecnologia em relação ao assunto, neste tempo de quase 40 anos. Enquanto a legislação de 1952 menciona e se atém aos ovos e às diferentes situações em que se encontram, a de 1965 aprova as novas especificações para a classificação e fiscalização do ovo e a de 1991 especifica com detalhes o ovo integral, partes dele e de suas misturas.

DECRETO NO 30.691 DE 29 DE MARÇO DE 1952

Este é o decreto mais antigo. Por ser muito abrangente, apresentam-se apenas as porções mais relevantes, pois o mesmo na sua íntegra é muito extenso e detalhado. Estão reproduzidos a seguir os trechos que tratam diretamente da legislação sobre carnes e ovos. O texto integral do mesmo pode ser encontrado no Diário Oficial da União de 7 de julho de 1952.

DECRETO No 30.691, DE 29 DE MARÇO DE 1952 Ministério da Agricultura Aprova o novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem

Animal. O Presidente da República usando da atribuição que lhe confere o Art. 97, nº 1, da

Constituição e tendo em vista o que dispõe o Art. 14 da Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950, decreta:

Art. 1º - Fica aprovado o novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de

Origem Animal, que com este abaixo assinado pelo Ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, a ser aplicado nos estabelecimentos que realizem comércio interestadual ou internacional, nos termos do artigo 4º, alínea "a", da Lei nº 1.283, de dezembro de 1950.

Art. 2º - Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições

em contrário. Rio de Janeiro, 29 de março de 1952, 131º da Independência e 64º da República. GETÚLIO VARGAS João Cleofas (Publicado no DOU, de 7 de julho de 1952)

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REGULAMENTO DA INSPEÇÃO INDUSTRIAL E SANITÁRIA DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º - O presente Regulamento estatui as normas que regulam, em todo o território

nacional, a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Art. 2º - Ficam sujeitos a inspeção e reinspeção, previstos neste Regulamento, os animais de

açougue, a caça, o pescado, o leite, o ovo, o mel e a cera de abelhas e seus subprodutos derivados.

§ 1º - A inspeção a que se refere o presente artigo abrange, sob o ponto de vista industrial e

sanitário, a inspeção "ante" e "post mortem" dos animais, o recebimento, manipulação, transformação, elaboração, preparo, conservação, acondicionamento, embalagem, depósito, rotulagem, trânsito e consumo de quaisquer produtos e subprodutos, adicionados ou não de vegetais, destinados ou não à alimentação humana.

§ 2º - A inspeção abrange também os produtos afins tais como: coagulantes, condimentos,

corantes, conservadores, antioxidantes, fermentos e outros usados na indústria de produtos de origem animal.

Art. 3º - A inspeção a que se refere o artigo anterior é privativa da Divisão da Inspeção de

Produtos de Origem Animal (D.I.P.O.A.), do Departamento Nacional de Origem Animal (D.N.P.A.), do Ministério da Agricultura, (M.A.), sempre que se tratar de produtos destinados ao comércio interestadual ou internacional.

Art. 4º - A inspeção de que trata o artigo anterior pode ainda ser realizada pela Divisão de

Defesa Sanitária Animal (D.D.S.A.), do mesmo Departamento, nos casos previstos neste Regulamento ou em instruções especiais.

Art. 5º - A inspeção de que trata o presente Regulamento será realizada: 1 - nas propriedades rurais fornecedoras de matérias-primas, destinadas ao preparo de

produtos de origem animal; 2 - nos estabelecimentos que recebem, abatem ou industrializam as diferentes espécies, de

açougue, entendidas como tais as fixadas neste Regulamento; 3 - nos estabelecimentos que recebem o leite e seus derivados para beneficiamento ou

industrialização; 4 - nos estabelecimentos que recebem o pescado para distribuição ou industrialização; 5 - nos estabelecimentos que recebem e distribuem para consumo público animais

considerados de caça; 6 - nos estabelecimentos que produzem ou recebem mel e cera de abelha, para

beneficiamento ou distribuição; 7 - nos estabelecimentos que produzem e recebem ovos para distribuição em natureza ou

para industrialização; 8 - nos estabelecimentos localizados nos centros de consumo que recebem, beneficiam,

industrializam e distribuem, no todo ou em parte, matérias-primas e produtos de origem animal procedentes de outros Estados, diretamente de estabelecimentos registrados ou relacionados ou de propriedades rurais;

9 - nos portos marítimos e fluviais e nos postos de fronteira. Art. 6º - A concessão de inspeção pelo D.I.P.O.A. isenta o estabelecimento de qualquer outra

fiscalização, industrial ou sanitária federal, estadual ou municipal. Art. 7º - Os produtos de origem animal, fabricados em estabelecimentos sujeitos a inspeção

do D.I.P.O.A. ficam desobrigados de análises ou aprovações prévias a que estiverem sujeitos por força de legislação federal, estadual ou municipal.

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Parágrafo único - Na rotulagem desses produtos, ficam dispensadas todas as exigências relativas a indicações de análises ou aprovações prévias. Art. 8º - Entende-se por estabelecimento de produtos de origem animal, para efeito do

presente Regulamento, qualquer instalação ou local nos quais são abatidos ou industrializados animais produtores de carnes, bem como onde são recebidos, manipulados, elaborados, transformados, preparados, conservados, armazenados, depositados, acondicionados, embalados e rotulados com finalidade industrial ou comercial, a carne e seus derivados, a caça e seus derivados, o pescado e seus derivados, o leite e seus derivados, o ovo e seus derivados, o mel e a cera de abelhas e seus derivados e produtos utilizados em sua industrialização.

Art. 9º - A inspeção do D.I.P.O.A., se estende às casas atacadistas e varejistas, em caráter

supletivo, sem prejuízo da fiscalização sanitária local, e terá por objetivo: 1 - reinspecionar produtos de origem animal, destinados ao comércio interestadual ou

internacional; 2 - verificar se existem produtos de origem animal procedentes de outros Estados ou

Territórios, que não foram inspecionados nos postos de origem ou quando o tenham sido, infrinjam dispositivos deste Regulamento.

Art. 10º - O presente Regulamento e atos complementares que venham a ser baixados, serão executados em todo o território nacional, podendo os Estados, os Territórios e o Distrito Federal expedir legislação própria, desde que não colida com esta regulamentação.

Parágrafo único - A inspeção industrial e sanitária em estabelecimentos de produtos de

origem animal, que fazem comércio municipal e intermunicipal, se regerá pelo presente Regulamento, desde que os Estados, Territórios ou Municípios não disponham de legislação própria.

Art. 11º - A inspeção Federal será instalada em caráter permanente ou periódico. Parágrafo único - Terão inspeção federal permanente: 1 - os estabelecimentos de carnes e derivados que abatem e industrializam as diferentes

espécies de açougue e de caça; 2 - os estabelecimentos onde são preparados produtos gordurosos; 3 - os estabelecimentos que recebem e beneficiam leite e o destinem, no todo ou em parte, ao

consumo público; 4 - os estabelecimentos que recebem, armazenam e distribuem o pescado; 5 - os estabelecimentos que recebem e distribuem ovos; 6 - os estabelecimentos que recebem carnes em natureza de estabelecimentos situados em

outros Estados. Art. 12º - A inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal, a cargo do

D.I.P.O.A., abrange: 1 - a higiene geral dos estabelecimentos registrados ou relacionados; 2 - a captação, canalização, depósito, tratamento e distribuição de água de abastecimento

bem como a captação, distribuição e escoamento das águas residuais; 3 - o funcionamento dos estabelecimentos; 4 - o exame "ante" e "post-mortem" dos animais de açougue; 5 - as fases de recebimento, elaboração, manipulação, preparo, acondicionamento, conserva-

ção, transporte de depósito, de todos os produtos e subprodutos de origem animal e suas matérias primas, adicionadas ou não de vegetais;

6 - a embalagem e rotulagem de produtos e subprodutos; 7 - a classificação de produtos e subprodutos, de acordo com os tipos e padrões previstos

neste Regulamento ou fórmulas aprovadas;

AVES E OVOS Souza-Soares e Siewerdt (2005)

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8 - os exames tecnológicos, microbiológicos, histológicos e químicos das matérias-primas e produtos, quando for o caso;

9 - os produtos e subprodutos existentes nos mercados de consumo, para efeito de verificação do cumprimento de medidas estabelecidas no presente Regulamento;

10 - as matérias primas nas fontes produtoras e intermediárias bem como em trânsito nos portos marítimos e fluviais e nos postos de fronteira;

11 - os meios de transporte de animais vivos e produtos derivados e suas matérias primas, destinados à alimentação humana.

Art. 13º - Só podem realizar comércio internacional os estabelecimentos que funcionam sob

inspeção federal permanente. Art. 14º – Nos estabelecimentos de carnes e derivados sob inspeção do D.I.P.O.A., a entrada

de matérias-primas procedentes de outros sob fiscalização estadual ou municipal, só é permitida, a juízo da mesma Divisão.

Art. 15º - Os estabelecimentos registrados, que preparam subprodutos não destinados à

alimentação humana, só podem receber matérias-primas de locais não fiscalizados, quando acompanhados de certificados sanitários da Divisão de Defesa Sanitária Animal da região.

Art. 16º - os servidores incumbidos da execução do presente Regulamento, terão carteira de

identidade pessoal e funcional fornecida pelo D.I.P.O.A, ou pela D.D.S.A., da qual constarão, além da denominação do órgão, o número de ordem, nome, fotografia, impressão digital, cargo e data de expedição.

Parágrafo único - Os servidores a que se refere o presente artigo, no exercício de suas

funções, ficam obrigados a exibir a carteira funcional, quando convidados a se identificarem.

Art. 17º - Por "carne de açougue" entendem-se as massas musculares maturadas e demais

tecidos que as acompanham, incluindo ou não a base óssea correspondente, procedentes de animais abatidos sob inspeção veterinária.

§ 1º - Quando destinada à elaboração de conservas em geral, por "carne" (matéria-prima)

devem-se entender as massas musculares, despojadas de gorduras, aponevroses vasos, gânglios, tendões e ossos.

§ 2º - Consideram-se "miúdos" os órgãos e vísceras dos animais de açougue, usados na

alimentação humana (miolos, línguas, coração, fígado, rins, rumem, retículo), além dos mocotós e rabada.

Art. 18º - O animal abatido, formado das massas musculares e ossos, desprovidos da

cabeça, mocotós, cauda, couro, órgãos e vísceras torácicas e abdominais tecnicamente preparado, constitui a "carcaça”.

§ 1º - Nos suínos a "carcaça" pode ou não incluir o couro, cabeça e pés. § 2º - A "carcaça" dividida ao longo da coluna vertebral dá as "meias carcaças" que,

subdivididas por um corte entre duas costelas, variável segundo hábitos regionais, dão os "quartos" anteriores ou dianteiros e posteriores ou traseiros.

§ 3º - Quando as carcaças, meias carcaças ou quartos se destinam ao comércio internacional, podem ser atendidas as exigências do país importador.

Art. 19º - A simples designação "produto", "subproduto", "mercadoria", ou "gênero" significa,

para efeito do presente Regulamento, que se trata de "produto de origem animal ou suas matérias primas".

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CLASSIFICAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS Art. 20º - A classificação dos estabelecimentos de produtos de origem animal abrange: 1 - os de carnes e derivados; 2 - os de leite e derivados; 3 - os de pescado e derivados; 4 - os de ovos e derivados; 5 - os de mel e cera de abelhas e seus derivados; 6 - as casas atacadistas ou exportadoras de produtos de origem animal. Parágrafo único - A simples designação "estabelecimento" abrange todos os tipos e

modalidades de estabelecimentos previstos na classificação do presente Regulamento.

DECRETO No 56.585 DE 20 DE JULHO DE 1965

A finalidade deste decreto foi de regulamentar a nova especificação para a

classificação e fiscalização do ovo. O texto está apresentado em sua integra.

DECRETO Nº 56.585 DE 20 DE JULHO DE 1965 Aprova as novas especificações para a classificação e fiscalização do ovo. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 87, inciso I, da Constituição e tendo em vista o que dispõe o art. 6º do Decreto – lei nº 334, de 15 de março de 1938, e o art. 94 do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 5.730, de 29 de maio de 1940, decreta: Art. 1º Ficam aprovadas as novas especificações que com este baixam expedidas pelo Ministro de Estado dos Negócios da Agricultura dispondo sobre a classificação e fiscalização do ovo. Art. 2º Este decreto entrará em vigor trinta (30) dias após a sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário. Brasília, 20 de julho de 1965; 144º da Independência e 77º da República. H. Castello Branco Hugo de Almeida Leme Novas especificações para a classificação e fiscalização do ovo, aprovadas pelo Decreto – lei nº 334, de 15 de março de 1938 e do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 5.739 de 29 de maio de 1940. Art. 1º Pela designação de ovo, entende-se o ovo de galinha, sendo os demais, acompanhados da indicação da espécie de que procedem. Art. 2º O ovo será classificado em grupos, classes e tipos, segundo a coloração da casca, qualidade e peso, de acordo com as especificações que ora se estabelecem. Art. 3º O ovo, segundo a coloração da casca, será ordenado em 2 (dois) grupos: I – Branco II – De cor § 1º enquadra-se no Grupo I o ovo que apresente casca de coloração branca ou esbranquiçada. § 2º enquadra-se no Grupo II o ovo que apresente casca de coloração avermelhada.

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Art. 4º O ovo, segundo a qualidade será ordenado em 3 (três) classes, a saber: Classe – A Classe – B Classe – C § 1º Classe A – constituída de ovos que apresentem: a) casca limpa, íntegra e sem deformação; b) câmara de ar fixa e com o máximo de 4 (quatro) milímetros de altura; c) clara límpida, transparente, consistente e com as chalazas intactas; d) gema translúcida, consistente, centralizada e sem desenvolvimento de germe. § 2º Classe B – constituída de ovos que apresentem: a) casca limpa, íntegra, permitindo-se ligeira deformação e discretamente manchada; b) câmara de ar fixa e com máximo de 6 (seis) milímetros de altura; c) clara límpida, transparente, relativamente consistente e com as chalazas intactas; d) gema consistente, ligeiramente descentralizada e deformada, porém com contorno bem definido e sem desenvolvimento do germe. § 3º Classe C – constituída de ovos que apresentem: a) casca limpa, íntegra, admitindo-se defeitos de textura, contorno e manchada; b) câmara de ar solta e com o máximo de 10 (dez) milímetros de altura; c) clara com ligeira turvação, relativamente consistente e com as chalazas intactas. d) gema descentralizada e deformada, porém com contorno definido e sem desenvolvimento do germe. Art. 5º Para as classes A e B será tolerada, no ato da amostragem a percentagem de até 5% (cinco por cento) de ovos da classe imediatamente inferior. Art. 6º O ovo, observadas as características dos grupos e classes será classificado segundo seu peso em 4 (quatro) tipos: Tipo 1 (extra) – com peso mínimo de 60 (sessenta) gramas por unidade ou 720

(setecentos e vinte) gramas por dúzia. Tipo 2 (grande) – com peso mínimo de 55 (cinqüenta e cinco) gramas por unidade ou 660

(seiscentos e sessenta) gramas por dúzia. Tipo 3 (médio) – com peso mínimo de 50 (cinqüenta) gramas por unidade ou 600

(seiscentas) gramas por dúzia. Tipo 4 (pequeno) – com peso mínimo de 45 (quarenta e cinco) gramas por unidade ou 540

(quinhentas e quarenta) gramas por dúzia. Art. 7º O ovo que não apresente as características mínimas exigidas para as diversas classes e tipos estabelecidos será considerado impróprio para o consumo, sendo permitida sua utilização apenas para a indústria. Art. 8º Para os tipos 1 (um), 2 (dois) e 3 (três) será tolerada, no ato da amostragem a percentagem de até 10% (dez por cento) de ovos do tipo imediatamente inferior. Art. 9º Os ovos devem ser acondicionados em caixas padrões, indicando nas testeiras o grupo, a classe e o tipo contidos. Parágrafo único. O serviço de Padronização e Classificação, através de portaria, baixará instruções visando a perfeita execução das especificações de que trata este artigo. Art. 10º Na embalagem de ovos é proibido acondicionar em um mesmo envase, caixa ou volume: 1 – ovos oriundos de espécies diferentes; 2 – ovos de grupos, classes e tipos diferentes; Parágrafo único. Essa proibição estende-se e aplica-se a todas as fases de comercialização do produto.

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Art. 11º Os casos omissos serão resolvidos pelo Diretor do Serviço de Padronização e Classificação do Ministério da Agricultura. – Hugo de Almeida Leme. Publicado D.O.U. de 22/07/1965.

RESOLUÇÃO No 005 DE 05 DE JULHO DE 1991

A finalidade desta Resolução foi de especificar com detalhes o ovo integral, suas partes e suas misturas. O texto da Resolução não está reproduzido integralmente abaixo. Apenas as seções mais importantes foram incluídas.

RESOLUÇÃO Nº 005 DE 05 DE JULHO DE 1991 I - O Coordenador-Geral da Coordenação-Geral de Inspeção de Produtos de Origem Animal - CIPOA, no uso de suas atribuições e com base no disposto no Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal -RIISPOA, baixada pelo Decreto nº 30.691 de 29.03.52, que regulamentou a Lei nº 1.283 de 18.12.50, e atendimento ao que preceitua o Decreto nº 99.427 de 31.07.90, resolve baixar padrões de identidade e qualidade para os seguintes produtos: 22. Ovo integral 23. Gema 24. Ovo em natureza 25. Clara 26. Misturas de produtos de ovos II - 0s referidos padrões poderão ser alterados a qualquer momento, após uma avaliação tecnológica que comprove o seu aperfeiçoamento. III - Esta resolução entra em vigor a partir desta data, revogadas as disposições anteriores em contrário. PADRÃO DE IDENTIDADE E QUALIDADE PARA O OVO INTEGRAL 1. DESCRIÇÃO 1.1 DEFINIÇÃO Entende-se por “ovo integral" o produto de ovo homogeneizado que contém as mesmas proporções de clara e gema de um ovo em natureza.

1.2 DESIGNAÇÃO O produto é designado por ovo integral acompanhado de sua classificação. Ex: ovo integral pasteurizado resfriado. 1.3. CLASSIFICAÇÃO O ovo integral, de acordo com as suas características de processamento e conservação, é classificado em: a. resfriado – produto obtido pelo ovo integral, devendo permanecer sob refrigeração. b. congelado – produto obtido pelo congelamento do ovo integral, devendo permanecer sob temperatura abaixo de –18ºC(dezoito graus centígrados negativos). c. pasteurizado resfriado – produto obtido pela pasteurização do ovo integral, devendo permanecer sob refrigeração. d. pasteurizado congelado – produto obtido pela pasteurizado do ovo integral, devendo permanecer sob temperatura abaixo de –18ºC (dezoito graus centígrados negativos). e. desidratado – produto obtido pela desidratação do ovo integral pasteurizado.

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2. COMPOSIÇÃO E FATORES ESSENCIAIS DE QUALIDADE 2.1 INGREDIENTES OBRIGATÓRIOS Gemas e claras de ovos na mesma proporção dos ovos em natureza. 2.2 FATORES ESSENCIAIS DE QUALIDADE 2.2.1 Características visuais e organolépticas

a. Cor – O produto deverá apresentar a cor que lhe é própria, ou seja, amarelo característica. b. Sabor e odor – O produto deve ser isento de sabores e odores estranhos a apresentar sabor e odor de ovos frescos. c. Aspecto – O produto deve ser homogêneo, livre de cascas, chalazas, membranas e outras matérias estranhas.

2.2.2 Características Físicas – Químicas

OVO INTEGRAL OVO INTEGRAL LÍQUIDO DESIDRATADO

Sólidos totais, mínimo (%) 23,0 96,0 pH 7,0 – 7,8 7,0 – 9,0 Cinzas, máxima (%) 1,1 4,0 Proteínas (N x 6,25), mínimo (%) 11,7 45,0 Gordura, mínimo (%) 10,0 40,0

2.2.3 Padrões Microbiológicos a. ovo integral líquido

Contagem padrão: máx. 5 x 10 4. Coliformes fecais: ausência em 1g. Salmonela: ausência em 25g. S. aureus: ausência em 1g.

b. ovo desidratado Contagem padrão: máx. 5 x10 4. Coliformes fecais: ausência em 1g. S. aureus: ausência em 0,1g. Salmonela: ausência em 25g.

2.2.4 Classes de Qualidade Poderá ou não constar do rótulo o padrão de qualidade da matéria prima utilizada para o produto. 3. ADITIVOS INTENCIONAIS E COADJUVANTES DE TECNOLOGIA DE FABRICAÇÃO

3.2 ADITIVOS INTENCIONAIS 3.2.1 Ovo integral líquido ADITIVO FUNÇÃO LIMITE (%) Ácido cítrico Preservador de cor 0,5 Fosfato monossódico Preservador de cor Quantidade suficiente para obter o efeito desejado. 3.2.2 Ovo integral desidratado ADITIVO FUNÇÃO LIMITE MÁXIMO (%) Dióxido de silício Antiumectante Alumínio silicato de sódio Antiumectante 1,0 4. ADITIVOS INCIDENTAIS Deve atender a legislação em vigor 5. HIGIENE Deverão se obedecidos os requisitos mínimos de higiene, constantes das Normas Técnicas e Higiênico-Sanitárias para Indústria de Produtos de Ovos.

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6. PESOS E MEDIDAS Deve atender a legislação em vigor. 7. ROTULAGEM Deve atender a legislação em vigor. 7.1 Designação correta do produto de acordo com o item 1.3 do presente Padrão. 7.2 Classificação correspondente à qualidade de acordo com item 2.2.4 do presente Padrão. 7.3 Carimbo do SIF, de acordo com a Legislação em vigor. 7.4 Peso líquido 7.5 Identificação do lote, data de fabricação e prazo de validade, declarados expressamente. 8. MÉTODO DE ANÁLISE E AMOSTRAGEM A avaliação de identidade e qualidade, através dos paradigmas de análise, deve ser realizada de acordo com os planos de tomada de amostras e métodos de análise adotados pelo Instituto Adolfo Lutz e/ou recomendados por Association of Official Analytical Chemists (AOAC) última edição, Organização Internacional de Normalização (ISO), Food Chemicals Codex, Comissão do Codex Alimentarius e seus Comitês específicos, ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.

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BIOSSEGURANÇA NA PRODUÇÃO COMERCIAL DE FRANGOS

Frank Siewerdt

University of Maryland College Park, MD, EUA

POR QUE ESTABELECER UM PROGRAMA DE BIOSSEGURANÇA?

No enfoque deste texto, biossegurança é um conjunto de normas e práticas destinado a proteger um grupo de aves ou de ovos contra exposição ou contaminação por organismos patogênicos. Um programa efetivo de biossegurança visa evitar a introdução e a transmissão de vírus, bactérias, fungos e parasitas nas instalações usadas para a criação de frangos. O objetivo final de programas de biossegurança é evitar que os agentes infecciosos mencionados acima causem doenças nas aves. A presença de doenças pode causar redução da produtividade ou mesmo mortalidade elevada, com sérias conseqüências econômicas.

Programas de biossegurança são processos que exigem dedicação e continuidade. Alguns resultados aparecerão em curto prazo como, por exemplo, a proteção do lote de aves sendo criado. Mas as maiores vantagens aparecerão em longo prazo, como o estabelecimento da solidez da empresa agrícola, critério essencial para possibilitar a obtenção de contratos de produção de longa duração. Não é plausível esperar resultados de programas de biossegurança quando ocorrerem repetidas falhas, quer intencionais ou não. Também não é possível adotar simplificações por razão de conveniência ou por economia de tempo ou de recursos e ainda assim esperar que o programa de biossegurança seja efetivo. Biossegurança é um processo que envolve a conscientização e a educação de todas as pessoas envolvidas no ciclo produtivo; estas devem exibir uma atitude de constante vigilância, para que a viabilidade da empresa agrícola e o patrimônio do investidor sejam protegidos.

Os sistemas industriais modernos de criação de frangos caracterizam-se pela alta concentração de aves por unidade de área. Esta prática é necessária devido à intensa competitividade dos mercados doméstico e internacional. Nos Estados Unidos, no ano de 2004, o lucro médio líquido por quilograma de carne de frangos de corte processada – excluindo o frango comercializado inteiro – foi de aproximadamente 2 centavos de dólar (POLLOCK, 2005). Estima-se que em 2004, no Brasil, esta margem de lucro tenha sido de 4,5 centavos de dólar. Tanto os Estados Unidos quanto o Brasil valem-se de elevada tecnologia na produção de frangos.

O uso de altas densidades populacionais na criação de frangos não é uma opção, mas uma necessidade para otimizar a utilização de recursos e manter a competitividade industrial. A elevada concentração de aves por unidade de área torna os lotes susceptíveis a infecções por organismos patogênicos; epidemias podem se espalhar em altíssima velocidade, com resultados potencialmente catastróficos. Uma vez introduzidas em um lote, doenças podem se alastrar com muita facilidade e sua erradicação se torna problemática ou mesmo inviável sob os pontos de vista sanitário e econômico. Desta forma, estabelece-se a justificativa para o estabelecimento e implementação de programas de biossegurança na indústria avícola. Manter os lotes de frangos livres de microorganismos prejudiciais é a forma mais eficiente de assegurar a integridade sanitária das aves, permitindo que todo o seu potencial econômico possa ser explorado.

A maioria das doenças das aves não é zoonótica, ou seja, as doenças não são transmissíveis a seres humanos. A gripe aviária é uma importante exceção. Em 2004 foram registrados surtos de gripe aviária em várias regiões do mundo. No sudeste da Ásia, especialmente na Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã e na porção peninsular da Malásia, a variedade H5N1 HPAI, de alta virulência e patogenicidade, foi responsável pela destruição de milhões de aves e por processos infecciosos e mesmo óbitos em humanos. Organismos internacionais de cooperação técnica foram chamados para auxiliar no esforço de contenção da epidemia, mas, até meados de 2005, esta ainda não havia sido totalmente debelada. Na mesma ocasião da epidemia na Ásia, três estados na costa atlântica central dos Estados Unidos (Delaware, Maryland e Virginia), onde a avicultura de corte é altamente desenvolvida,

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também foram atingidos por focos epidêmicos de gripe aviária. Embora a variedade H5N1 HPAI, perigosa para o homem, não tenha sido detectada (NATIONAL ASSOCIATION OF STATE DEPARTMENTS OF AGRICULTURE, 2002), as variedades identificadas, especialmente a H7N2, também apresentavam alta virulência, com potencial para rápida disseminação na região. Neste cenário, as potenciais perdas ficariam restritas à produção comercial, sem risco para a população humana.

Um exame detalhado de vários aspectos das duas situações descritas no parágrafo anterior é importante para se realizar uma análise mais profunda do impacto que programas de biossegurança podem ter na proteção da saúde de aves e de humanos. Os Estados Unidos lideram a produção mundial de frangos e são o segundo maior exportador de carne de frango, atrás do Brasil (JANK, 2004). A indústria avícola norte-americana é uma das mais avançadas do mundo. Predominam as grandes empresas que se valem de genética avançada – própria ou adquirida – e que incorporam as últimas novidades de tecnologia aplicadas à produção. Cuidados veterinários são constantes nas granjas e as condições de sanidade nos frigoríficos são impecáveis. A fiscalização dos frigoríficos, a cargo do departamento de agricultura norte-americano, é realizada diariamente, de forma agressiva e completa. Normas de biossegurança são parte integral de qualquer empreendimento sério na indústria avícola norte-americana. Existem extensos sistemas de registros de produção em todas as etapas do processo.

Nos países do sudeste asiático, dois sistemas de produção, que empregam propostas diametralmente contrárias, dominam a avicultura de corte. O sistema moderno emprega material genético de qualidade superior, geralmente oriundo das grandes empresas de melhoramento genético dos Estados Unidos ou Grã-Bretanha; os frangos são criados em sistema intensivo de produção semelhante ao da avicultura comercial brasileira. Grandes operações utilizam rações balanceadas especialmente produzidas para este fim, programa de luz, cronograma de vacinação e outros cuidados veterinários, acompanhamento técnico, e empregam medidas de conforto ambiental, como ventilação e controle de temperatura nos galpões. Estas medidas têm por objetivo assegurar o crescimento rápido e eficiente dos frangos e a obtenção de um produto uniforme. Os frangos são abatidos em frigoríficos inspecionados. Programas de biossegurança estão estabelecidos na maioria destas grandes operações. Este sistema responde por mais de dois terços da produção de carne de frango na maioria dos países do sudeste asiático; alguns países são exportadores de modestas quantidades de carne de frango.

O outro sistema de criação empregado no sudeste da Ásia é o tradicional. Produtores de médio e pequeno porte valem-se primordialmente de aves autóctones, adquiridas nos mercados locais e criadas em sistemas extensivos ou semi-extensivos. Alguns produtores oferecem ração às aves, em quantidades reduzidas, efetivamente servindo como um suplemento alimentar e não como base da alimentação das mesmas. A busca pelo restante do alimento é deixada a cargo das aves, que consomem vegetação, insetos, dejetos e resíduos alimentares de humanos. O aporte final de nutrientes da dieta é muito variado. Dificilmente as aves logram suprir suas necessidades diárias, especialmente calóricas e protéicas. As aves são tipicamente criadas ao ar livre ou em galpões simples, sem acesso aos confortos ambientais mencionados para o sistema intensivo. A imunização é limitada às vacinações administradas aos pintos de um dia. Partindo-se de aves geneticamente inferiores – apesar de serem consideradas melhor adaptadas ao ambiente local – e sem acesso a condições ideais de nutrição, sanidade e manejo, é esperado que estes frangos tenham velocidade de crescimento mais baixa quando comparados àqueles do sistema intensivo de produção. O abate pode ser realizado em pequenos frigoríficos locais ou pelo próprio produtor. Amiúde frangos são vendidos vivos em mercados públicos. Nas criações de pequeno tamanho ou de subsistência, a maioria dos frangos é retida para consumo familiar. Em alguns países, até um terço da produção de carne de frango é produzida por estes sistemas que, por sua intrínseca estrutura e organização, não comportam normas de biossegurança.

Esta descrição dos sistemas típicos de produção nos dois cenários ajuda na compreensão do impacto que os surtos de gripe aviária tiveram sobre as respectivas indústrias avícolas. Nos Estados Unidos, a organização da indústria e a existência de efetivas políticas governamentais para regular a movimentação de aves e de pessoas em situações de suspeita de epidemia, resultaram em um eficiente processo de contenção da doença. Apesar

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do grande volume de trânsito de pessoas e de cargas nas estradas norte-americanas, a obediência a exigências sanitárias, a períodos de quarentena e a restrições de movimentação resultou em efetivo isolamento e controle dos focos da doença. Testes rotineiros periódicos foram de capital importância na detecção dos primeiros focos da doença, desencadeando um sistema de alerta e pondo em prática um plano de emergência, o qual governo e indústria estavam muito bem preparados para implementar. O trabalho de erradicação da doença foi facilitado e os custos da operação foram baixos. Já no sudeste asiático, a falta de legislação eficiente e a inexistência de planos de ação, aliadas às diferenças nas estruturas de produção descritas acima, resultou na desestabilização da indústria. Como a detecção dos focos de infecção foi tardia, a doença espalhou-se rapidamente entre localidades e atravessou fronteiras, atingindo vários países. A quebra na produção em alguns países chegou a 80%, resultando em comprometimento da produção local e inviabilizando os contratos de exportação existentes. A falta de sistemas efetivos de registros de produção e de movimentação de aves e de produtos serviu como catalisador para a disseminação da doença, dificultando sobremaneira o trabalho de isolamento e de erradicação do vírus. A análise desta situação e do desfecho em cada um dos cenários serve para mostrar o impacto que um programa de biossegurança pode ter sobre a segurança da indústria avícola.

Antes de prosseguir, apresentam-se três breves esclarecimentos sobre a terminologia empregada. No contexto deste documento, os termos organismos patogênicos e patógenos têm o mesmo significado, sendo empregados para referir-se unicamente àqueles microorganismos que podem distintamente debilitar a saúde das aves, prejudicando o crescimento ou reprodução e dificultando ou impossibilitando a sua exploração comercial de forma econômica. Em segundo lugar, quando se faz referência a distintos grupos genéticos de aves, tais como raças, linhagens ou variedades, estas serão tratados simplesmente como linhagens. Não se pretende preconizar este termo como o mais apropriado para representar todos os grupos de frangos usados na produção comercial ao redor do mundo; o fito é de padronizar a terminologia usada. O terceiro esclarecimento se refere aos adjetivos limpo e sujo, quando usados em referência a ovos, frangos, lotes ou linhagens. O termo limpo tem a conotação de ovos, frangos, lotes ou linhagens que são sabidamente ou supostamente livres de organismos patogênicos; similarmente, sujo será empregado para identificar ovos, frangos, lotes ou linhagens sabidamente ou supostamente portadores de organismos patogênicos.

EPIDEMIOLOGIA DE ORGANISMOS PATOGÊNICOS

A presença de microorganismos é essencial à vida das aves. Populações microbianas necessárias para auxiliar na digestão e para que ocorra a absorção adequada de nutrientes são encontradas no estômago e no intestino das aves. Outra função desta microflora é servir como a uma das primeiras linhas de defesa da ave contra a presença de microorganismos estranhos, sejam estes causadores de patologias ou não. Por estar firmemente estabelecida e em equilíbrio no trato digestivo, a microflora dificulta ou, em alguns casos, impede a multiplicação e o estabelecimento de microorganismos invasores. Por isso, não se deve ter como objetivo exterminar todas as formas de microorganismos dos lotes de frangos, limitando-se a ação de programas de biossegurança a exercer controle sobre a introdução e a transmissão de organismos patogênicos. Uma série de aspectos deve ser levada em consideração na elaboração e implementação da estratégia de cuidados sanitários, com o objetivo de preservar as microfloras estomacal e intestinal. Destaca-se a manutenção de boas condições de sanidade nos galpões e o uso responsável de antibióticos – tanto os de caráter preventivo quanto os de caráter terapêutico – evitando alterar a estabilidade da microflora no trato digestivo.

A simples presença de organismos patogênicos não resultará necessariamente no aparecimento de doenças na ave. O desenvolvimento de doenças infecciosas ocorrerá quando a concentração dos organismos patogênicos à qual uma ave é exposta superar a capacidade de defesa de seu sistema imunológico; a presença da enfermidade também dependerá da virulência do patógeno em questão. O sistema imunológico da ave possui formas generalizadas de combater doenças; esta é uma capacidade intrínseca de todo organismo animal que se vale, dentre outros mecanismos, da ação dos leucócitos. Um programa de vacinação visa complementar as defesas naturais da ave, estimulando a produção de anticorpos que proporcionarão proteção específica contra determinados

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antígenos. Os anticorpos não são responsáveis pela destruição de vírus ou de bactérias. Sua função é de se ligar ao patógeno e bloquear seus receptores. Desta forma, o patógeno fica inativado, pois é impedido de ligar-se às células da ave. Imobilizado, o patógeno é posteriormente destruído por um macrófago. O papel de um programa de biossegurança é evitar que as aves sejam de expostas desnecessariamente a organismos patogênicos, contribuindo para manter intacta a funcionalidade de seu sistema imunológico e agindo em sinergia com o programa de vacinação.

A resistência a doenças é um caráter determinado geneticamente. Cada linhagem de aves apresenta certo grau de resistência a um tipo de doença. Dentro de cada linhagem, existe variação na resistência a doenças entre famílias de indivíduos e mesmo entre os indivíduos de uma mesma família. Diferentes linhagens podem apresentar diferentes padrões de resistência a diferentes doenças. Não se tem notícia de que as grandes companhias de melhoramento genético de aves dêem ênfase à resistência a doenças em seus programas de seleção (VINT, 1997). De fato, existe grande pressão do mercado por linhagens de aves com grande velocidade de crescimento, alta eficiência alimentar, alto rendimento de carcaça (POLLOCK, 1997) e boa aptidão reprodutiva. Para que o processo de seleção seja efetivo, só é possível incluir um pequeno número de caracteres nos índices de seleção. Índices de seleção para frangos de corte tipicamente incluem dois ou três caracteres, não mais do que quatro. A inclusão de mais caracteres nos índices de seleção resultaria na redução da velocidade dos ganhos genéticos em cada um dos caracteres, o que torna difícil justificar a inclusão de medidas de resistência a doenças nos índices usados. Outro aspecto pragmático é a dificuldade de obtenção, com segurança e precisão, de medidas objetivas de resistência a doenças. Destarte, o uso do melhoramento genético para aumento da resistência a doenças está, por ora, descartado.

A virulência dos organismos patogênicos é outro fator sobre o qual não se tem controle. Resta a alternativa de tomar providências para reduzir o máximo possível a concentração de patógenos nas instalações onde os frangos serão criados. Isto pode ser alcançado com o estabelecimento e implantação de boas práticas de biossegurança em todas as etapas de produção. Não é possível nem desejável estabelecer criações de frangos em ambientes esterilizados, pelas razões mencionadas no início desta seção. Como toda atividade que envolve animais, a presença de microorganismos é constante e mesmo necessária. Um dos indicadores do sucesso de um programa de biossegurança de frangos é a eliminação de organismos patogênicos das granjas. Porém, é importante registrar que a ocorrência destes organismos, em níveis nos quais a sua presença não oferece risco às aves, também pode ser estabelecida como um objetivo aceitável do programa de biossegurança.

Tipicamente a transmissão de doenças em frangos de corte se dá por meio da introdução de organismos patogênicos oriundos de outras granjas. Os principais vetores de organismos patogênicos são humanos, aves, répteis, roedores e outros mamíferos, insetos, vestuário, veículos, ferramentas e outros equipamentos, ração, maravalha e vacinas. Na maioria dos casos os organismos patogênicos morrem em menos de 48 horas como, por exemplo, Mycoplasma. No entanto, Salmonella e os agentes responsáveis pelas doenças de Marek e de Newcastle são estáveis por várias semanas nas condições ambientais típicas encontradas nos galpões de criação, mesmo após a retirada das aves. O parasita causador da coccidiose é um exemplo ainda mais extremo de sobrevivência, mantendo-se viável por vários meses. Quando condições ideais se apresentam, proporcionando uma combinação adequada de umidade, temperatura e substrato, a sobrevivência dos patógenos pode ser prolongada e sua multiplicação facilitada. Uma das funções de um programa de biossegurança é de identificar todos os potenciais vetores para organismos patogênicos e traçar estratégias para conter sua introdução e dificultar sua disseminação nas granjas. Em termos práticos, erradicar organismos patogênicos de uma granja é mais difícil do que evitar a sua introdução; desta forma, é importante estabelecer estratégias centradas em dificultar a introdução de patógenos nas granjas.

Os atuais sistemas de produção de frangos tornam indispensável a presença de humanos nas granjas. Humanos são os vetores mais importantes de organismos patogênicos para frangos, havendo muitas oportunidades para que sejam portadores de patógenos para as granjas. Tipicamente o homem pode transmitir organismos patogênicos por meio de sua roupa, calçados, cabelo, pele e unhas. Cuidados específicos, que serão discutidos a seguir, devem ser tomados para reduzir ou eliminar a possibilidade de introduzir patógenos nas

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granjas. O homem não é hospedeiro dos organismos patogênicos que representam risco a frangos, exceto o vírus da gripe aviária. Todos os outros patógenos são adquiridos pela presença de humanos em outras localidades onde haja aves sujas ou por contato indireto com outras pessoas ou animais que foram expostos aos organismos patogênicos.

Ao contrário dos humanos, as aves domésticas e silvestres são hospedeiros naturais de vários organismos causadores de doenças em frangos, assim como o são répteis, roedores, outros mamíferos e insetos. Ao limitar a presença destes nas granjas e nos galpões, fica reduzida a oportunidade de contágio e de disseminação de doenças entre os frangos.

As rações podem conter patógenos, principalmente Salmonella. Outro material que pode servir como vetor de Salmonella é a maravalha utilizada como matéria-prima para a cama dos frangos. Recomenda-se adquirir ração e maravalha de fabricantes idôneos que sigam normas de higiene adequadas no seu processo industrial. O mesmo se aplica aos laboratórios fornecedores de vacinas.

Existe um risco de introdução de patógenos nas granjas cada vez que a presença de um veículo na propriedade se faz necessária. Carros e caminhões podem trazer patógenos nos pneus ou na lataria, especialmente embaixo e nos pára-lamas. Situação similar ocorre com ferramentas e outros equipamentos que precisam ser trazidos para as granjas. Embora os veículos, ferramentas e outros equipamentos sejam basicamente materiais inertes, a sobrevivência de patógenos fora do organismo das aves por períodos prolongados de tempo é uma realidade e precauções especiais devem ser tomadas, conforme será descrito a seguir.

Os tópicos cobertos até este ponto trataram da transmissão horizontal de organismos patogênicos. Nestes casos, uma ave limpa é contaminada diretamente (contato físico) ou indiretamente (contato com dejetos) por outra ave suja ou por um dos vetores previamente mencionados. Portanto, a transmissão horizontal se dá entre aves de um mesmo lote ou de uma mesma geração. Existe outra forma de transmissão de patógenos, que será chamada de transmissão vertical. Este tipo de transmissão ocorre entre aves de gerações sucessivas durante o processo reprodutivo, passando de um genitor contaminado (na maioria dos casos a mãe) para a progênie, por meio do ovo. Dois exemplos de transmissão vertical são Mycoplasma, que pode ser transmitido pelo ovo por mães contaminadas e o vírus da leucose aviária. Um programa de biossegurança efetivo deve contemplar as duas modalidades de transmissão de organismos patogênicos em sua elaboração e implementação.

É muito mais simples e eficiente planejar a eliminação de patógenos cuja transmissão é exclusivamente vertical: basta identificar as aves portadoras e eliminá-las do plantel reprodutivo. Alguns problemas podem ocorrer que preveniriam a erradicação do patógeno já na primeira geração. Resultados falsos nos testes utilizados são uma possibilidade real e que poderia ser resolvida com melhoras nas técnicas utilizadas. A realização de múltiplos testes em cada ave é uma alternativa que, no entanto, encarece o processo. Outro problema que ocorre, especialmente quando se quer detectar a presença de um vírus, é o fato de que alguns destes microorganismos exibem virulência cíclica (“cyclical shedding”). No período entre dois surtos de virulência, o vírus não apresenta atividade e, portanto, não codifica proteínas. A ausência temporária destas proteínas circulando no sangue das aves resulta em falsos resultados negativos, que não tem relação com a precisão do teste empregado.

A eliminação de patógenos cuja transmissão é horizontal é mais complexa e envolve uma série de medidas baseadas em identificação e isolamento (ou destruição) das aves sujas. Para que sejam eficientes, estas medidas precisam ser adotadas nas granjas de crescimento, de postura e nos incubatórios.

ETAPAS DE IMPLANTAÇÃO

Para que seja efetivo, um programa sério de biossegurança deve ser implantado obedecendo a uma série de normas veterinárias e respeitando a estrutura das populações alvo. Cada empresa ou cooperativa de criadores deverá encontrar a fórmula mais adequada para sua situação particular. Todo programa de biossegurança deve levar em consideração dois aspectos fundamentais: o fluxo de genes e a estrutura etária dos lotes de aves.

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Sob o ponto de vista da genética, as aves estão distribuídas em três estratos. O fluxo de genes em populações de aves é unidirecional, partindo do estrato de mais alto nível (núcleo) para o de mais baixo nível (comercial). É imperativo não permitir o retorno de aves de um estrato mais baixo para um mais alto, já que as medidas de biossegurança nos estratos altos são mais rigorosas do que nos estratos baixos.

O estrato núcleo abriga as aves de elite e é pouco numeroso. A avaliação genética é feita neste estrato, fornecendo elementos para decisões de seleção de reprodutores, visando melhorar caracteres de interesse econômico das aves. A progênie dos machos e fêmeas deste estrato tem dois destinos. As melhores aves são reservadas para regenerar o estrato núcleo. O grupo seguinte de aves em termos de qualidade é usado para disseminar os ganhos genéticos ao próximo estrato.

O estrato multiplicador é um intermediário entre o núcleo e o estrato comercial. A principal finalidade deste estrato é de multiplicar os recursos genéticos vindos do estrato núcleo, gerando ovos para incubação em quantidade suficiente para suprir a demanda do estrato comercial. Outra função do estrato multiplicador é a de realizar cruzamentos entre as diferentes linhagens existentes, com o fim de criar o híbrido comercial. Na avicultura prática, o estrato multiplicador é composto por vários grupos hierárquicos. As aves em cada um destes grupos recebem apelidos que indicam seu grau de parentesco com as aves do estrato comercial: bisavós, avós ou pais (matrizes). Todas as aves saudáveis geradas no estrato multiplicador destinam-se ao estrato comercial.

O estrato comercial é o ponto terminal da estrutura populacional. As aves deste estrato se destinam ao abate em frigorífico. Machos e fêmeas podem ser criados separadamente ou em conjunto. As aves são sacrificadas antes de atingir a maturidade sexual, logo as aves neste estrato não se reproduzirão.

Em um sistema de produção integrado, a implantação de medidas de biossegurança deve ser iniciada nos níveis mais altos sob o ponto de vista genético, ou seja, nas aves pertencentes ao estrato núcleo. Quando as instalações estiverem protegidas e os cuidados com tramitação de pessoal e de veículos estiverem estabelecidos, pode-se passar à etapa seguinte, que cuida da implementação das medidas apropriadas no grupo seguinte na hierarquia, no estrato multiplicador. Desta forma é assegurado o fornecimento de material genético limpo ao estrato seguinte. Estes ciclos são repetidos até que se chegue às aves do estrato comercial, podendo levar vários anos até que todas as granjas estejam adequadamente protegidas. As exigências de proteção serão mais rigorosas nos estratos mais altos. Ressalta-se que, ao contrário de outras espécies como bovinos, o fluxo de genes é unidirecional. Não há retorno de material genético – aves ou ovos – a um estrato superior ao qual aquele foi originado.

Em granjas onde houver lotes de aves com idades diferentes é necessário respeitar a estrutura etária das aves. No estrato comercial, normalmente todas as aves em uma granja estão no mesmo grupo etário e este tipo de cuidado é desnecessário. No estrato multiplicador, especialmente em lotes de avós e bisavós, aves com diferentes idades são freqüentemente encontradas em uma mesma granja para que se possa garantir a continuidade do abastecimento de ovos no estrato comercial. Nas granjas onde forem alojadas aves de idades diferentes, é necessário restringir ao máximo o fluxo de pessoal e de equipamento entre grupos etários. Em situações práticas nem sempre isto será possível, por causa da necessidade de um mesmo funcionário ter que supervisionar diferentes lotes de aves. A solução mais adequada é organizar as visitas de forma que as aves mais jovens sejam as primeiras a serem inspecionadas, com posterior movimentação entre os lotes de aves respeitando ordem crescente de idade.

Pode haver a necessidade de alojar aves de várias linhagens na mesma granja. A medida apropriada de biossegurança é determinar se alguma das linhagens pode ser considerada mais perigosa, ordenando que os cuidados de manejo (inspeção dos lotes, remoção de aves mortas, verificação da temperatura e do adequado suprimento de alimento e de água) e visitas sejam feitas obedecendo à ordem crescente de risco, partindo das linhagens mais limpas para as mais sujas. As visitas a aves contaminadas ou suspeitas de portarem patógenos devem ser feitas em último lugar, o que evita a transmissão de doenças para as aves limpas.

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As granjas comerciais geralmente não dispõem de áreas onde seja possível isolar os lotes de aves sujas ou suspeitas de contaminação. O cumprimento à risca das regras estabelecidas para ordem de visitação torna-se de vital importância para evitar a transmissão desnecessária de patógenos entre linhagens num mesmo galpão ou granja.

MEDIDAS DE PROTEÇÃO NAS GRANJAS

As medidas de biossegurança adotadas nas granjas fazem parte de um conjunto harmônico de regras profiláticas que se complementam. A abrangência de algumas normas pode resultar em sobreposição de atividades com o mesmo fim. Isto deve ser visto como virtude do programa de biossegurança e não como uma fonte de ineficiência ou de duplicação de esforços. Como o objetivo final é de manter as aves livres de enfermidades, a existência de múltiplas oportunidades para bloquear a transmissão de organismos patogênicos é uma medida da qualidade do programa de biossegurança.

As granjas onde são alojadas as aves do estrato núcleo são aquelas onde o maior número de medidas de biossegurança deve ser adotado. O impacto de uma doença num lote de aves deste estrato é muito grande e o investimento é justificado. Algumas medidas podem ser dispensadas nas granjas do estrato multiplicador, especialmente aquelas que alojam avós ou pais. No estrato comercial apenas as normas de biossegurança mais elementares e de baixo custo são adotadas, pois as aves deste estrato são terminais, sem responsabilidade de deixar descendência.

As medidas de proteção iniciam com a área física da granja. O perímetro da propriedade deve ser provido de cerca de arame ou de madeira que impeça a entrada de animais de grande porte na propriedade. Aves silvestres são difíceis de controlar. Uma das medidas mais efetivas para inibir sua presença é de inspecionar a granja semanalmente e remover quaisquer ninhos que forem encontrados. Aqui fica clara a importância de eliminar algumas árvores da granja, especialmente aquelas próximas aos galpões. Não é aceitável a presença de açudes na granja, especialmente em áreas que são rotas de aves migratórias.

A vegetação deve ser mantida cortada rente ao solo. Muitos roedores de hábitos diurnos não se sentem à vontade em áreas descobertas e instintivamente procuram uma cobertura vegetal que lhes sirva de proteção contra predadores. Destarte, devem-se eliminar arbustos e não permitir que partes ociosas da granja sejam ocupadas com lavouras. Calçamentos como cimento e asfalto também desencorajam a permanência de roedores nas granjas. Como medida profilática, pode-se calçar uma faixa de extensão entre 5 e 10 metros ao redor de cada galpão. Em granjas que abrigam aves do estrato núcleo o uso de cimento pode ser ampliado, pois o retorno no investimento é maior do que nas granjas que abrigam frangos comerciais.

Para que uma pessoa seja admitida a uma granja de frangos, esta deve preparar-se adequadamente para entrar na área limpa da propriedade. O modo mais efetivo de evitar que funcionários ou visitantes tragam organismos patogênicos para a granja é exigir que cada pessoa tome uma ducha, com uso de xampu e de sabonete bactericidas. As roupas devem ficar armazenadas em local apropriado na entrada dos chuveiros. Por razões de privacidade e de higiene pessoal, é tolerável que roupas íntimas sejam trazidas para a granja. A granja deve fornecer toalhas e vestimentas adequadas para serem usadas enquanto a pessoa estiver na granja. Macacões ou abrigos esportivos são exemplos de vestimentas apropriadas. Os calçados de preferência devem ser botas ou sapatos de borracha, que facilitam sua limpeza e desinfecção. Toucas, bonés, máscaras contra pó, luvas e casacos devem estar disponíveis como equipamento opcional. Ressalta-se que todas as peças de vestuário devem ser laváveis ou descartáveis. O uso de calçados de borracha facilita sua limpeza com água e desinfetantes. O serviço de lavagem de vestuário e toalhas deve ser feito na própria granja. O vestuário de uma granja jamais deve deixar a propriedade.

O uso de pedilúvios nas granjas é um ponto fundamental do programa de biossegurança, permitindo a rápida e eficiente desinfecção de calçados. Os pedilúvios podem ser feitos com grandes bacias de borracha reforçada onde são colocados água e um desinfetante. Embora o uso de detergentes e de amônia quaternária como desinfetantes seja bastante difundido, estes produtos não são eficientes para desinfecção de granjas de aves

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(BRUNET, 1997). O ácido cresílico o desinfetante mais eficiente para este propósito, apresentando alto efeito residual, mesmo em baixas concentrações. Para auxiliar na desinfecção da sola do calçado, o fundo das bacias dever ser rugoso e não liso. Deve haver uma mangueira de alta pressão e uma escova à mão para a limpeza das laterais do calçado. Em todos os pontos estratégicos da granja devem ser colocados pedilúvios, como permitindo que os calçados sejam desinfetados freqüentemente. Exemplos de locais onde deve haver um pedilúvio são as entradas dos galpões e a saída dos banheiros. Quando houver suspeita de contaminação em um lote, pedilúvios adicionais podem ser colocados dentro do galpão correspondente, para que os calçados possam ser desinfetados cada vez que se entra em uma repartição nova. Os pedilúvios devem ser limpos ao menos duas vezes por dia, esvaziando-se completamente seu conteúdo, enxaguando a bacia com água limpa e preparando nova solução de desinfetante.

A entrada e permanência de pessoas dentro dos galpões devem ser restritas ao mínimo necessário para executar todas as práticas de manejo. Os galpões devem permanecer chaveados quando estiverem ocupados por aves. Regras de acesso às chaves devem ser claramente definidas. Um cenário plausível é determinar que o capataz de uma granja tenha acesso a todas as chaves, enquanto que os funcionários possuam apenas as chaves dos galpões de sua respectiva responsabilidade. Cópias de segurança de todas as chaves devem ser mantidas dentro e fora da granja.

Todo equipamento trazido para dentro de uma granja, tais como ferramentas, maletas de computadores e botijões de gás deve ser cuidadosamente esterilizado externamente antes de ser introduzido na granja. Materiais recebidos de fornecedores também devem ser desinfetados antes de entrar na granja. Alguns organismos são resistentes a desinfetantes, como oocistos da coccidiose e a bactéria que causa a tuberculose aviária. Desinfetantes não são milagrosos e seu potencial só pode ser explorado quando as instalações e equipamentos utilizados estão livres de sujeiras.

O intervalo entre lotes é definido como o período de tempo entre a saída de um lote de aves e a entrada do lote subseqüente. Neste período não há a presença de aves na granja. Quanto maior for o intervalo entre lotes, melhor a possibilidade de eliminação dos patógenos que permaneceram viáveis nos galpões e outras áreas da granja. Usualmente a limitação para manter a granja desocupada é de ordem econômica. O correto planejamento do intervalo entre lotes deve levar em consideração a biologia dos principais patógenos na região e o custo de manutenção de uma granja vazia. Durante o período em que a granja estiver desocupada, esta deve ser submetida a limpeza e desinfecção. As medidas de sanitização da granja serão mais completas quando se dispuser de um intervalo entre lotes maior. Alguns patógenos, como o vírus da bursite infecciosa, resistem por longos períodos de tempo fora do organismo hospedeiro e somente são eliminados eficientemente com desinfecção dos galpões.

A cama usada nos galpões fica mais contaminada com o passar do tempo. Embora seja possível reaproveitar a cama em lotes sucessivos, é preciso avaliar os riscos desta prática. A troca ou esterilização da cama pode ser substituída pelo aumento do intervalo entre lotes. No entanto, desaconselha-se o reaproveitamento da cama usada anteriormente em lotes de aves sabidamente sujas.

Todos os lotes devem ser cuidadosamente inspecionados diariamente. Aves mortas devem ser removidas dos galpões imediatamente. Aves moribundas, cuja recuperação é improvável, devem ser sacrificadas e removidas dos galpões. O destino das aves mortas deve ser a compostagem, feita num galpão localizado em um canto remoto da granja. Em caso de grande mortalidade ou de surtos de doenças, as aves devem ser incineradas ou removidas para localidades designadas para este fim.

A estrutura dos galpões deve ser inspecionada regularmente, em busca de rachaduras ou buracos que permitam a entrada animais indesejáveis, principalmente roedores. Além de facilitar o acesso destes animais, a falta de integridade dos galpões pode ocasionar oscilações na temperatura interna. Remendos rápidos podem ser feitos com espumas instantâneas, deixando-se o conserto adequado para ser realizado quando o lote de aves for removido do galpão.

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Um recurso curioso para controle de roedores, empregado com sucesso por algumas companhias, é o uso de gatos nos galpões. Apenas os candidatos que apresentarem resultados negativos em testes contra os tipos mais perigosos de Salmonella poderão ser admitidos nas granjas. Tipicamente, apenas um animal é colocado em cada galpão e ali ‘e mantido durante toda a permanência das aves. Quando as aves são retiradas ao final do período de crescimento ou de reprodução, os gatos devem ser submetidos a nova bateria de exames de saúde ou então serem sacrificados. Para assegurar que os animais serão tratados com respeito e dignidade, a última alternativa deve ser empregada apenas quando for detectada a presença de algum organismo patogênico em um gato, que possa oferecer risco ao lote subseqüente de aves. O emprego de gatos implicará na necessidade de aquisição de ração e de cama específicas para os gatos; é importante incluir normas de biossegurança análogas àquelas existentes para a aquisição e uso da ração e da cama das aves. O emprego de gatos não substitui as demais práticas de controle de roedores e deve ser considerado como um recurso adicional para reduzir a possibilidade de introdução e transmissão de agentes patogênicos nas granjas.

Granjas devem ser projetadas com estradas vicinais para fornecedores, evitando a entrada destes na granja. Caminhões trazendo ração devem preferencialmente permanecer do lado de fora das granjas. Um sistema de silos deve ser imediatamente dentro da área cercada da granja e deve ser possível alimentar estes silos sem a necessidade de o caminhão e o motorista ganharem acesso à granja. Ainda assim os caminhões devem passar por um rodolúvio e serem lavados antes de entrar na estrada vicinal. A parte de dentro dos veículos, incluindo caçambas abertas ou cabinadas também deve ser considerada contaminada e submetida aos mesmos procedimentos. Isto é uma forte razão para evitar a presença de veículos externos nas granjas.

MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE AMPLO IMPACTO

Medidas de amplo impacto são aquelas que visam proteger simultaneamente dois ou mais locais de produção. Estas diretrizes são complementares àquelas executadas em cada granja e podem beneficiar todas as granjas envolvidas no processo produtivo.

É preciso preparar planos de emergência prontos para serem postos em prática caso haja suspeita de contaminação. Estes planos devem ser comunicados a todas as pessoas envolvidas na produção e serem discutidos regularmente. Estratégias que incluam critérios a serem adotados para a eliminação de lotes devem existir, bem como um plano para reposição do mesmo. Quanto mais alto o nível do lote na pirâmide genética, mais críticas e importantes se tornam as ações. Em empresas com integração da produção, a reposição de um lote de frangos destinados à engorda é feita sem maiores transtornos. Porém se este lote pertencer ao estrato dos bisavós, as conseqüências podem ser bem mais sérias e o conjunto de medidas a serem tomadas pode bem mais drástico, para evitar que a doença se alastre. Enumera-se a necessidade de realizar testes ou de sacrificar alguns lotes de avós, pais ou mesmo de aves no estrato comercial.

Uma exigência fundamental para que um visitante seja admitido numa granja é a de que estes obedeçam a um período mínimo de 48 horas sem contato direto ou indireto com quaisquer aves. Os funcionários das granjas não podem ter aves de estimação em casa. Deve-se evitar freqüentar casas de pessoas que possuam aves de estimação, exceto se a moratória de 48 horas possa ser cumprida. O mesmo se aplica à visitação a zoológicos e outros locais com concentração de aves.

Cada granja deve manter um registro escrito de todos os seus visitantes. Sugere-se colher o nome da pessoa, sua afiliação profissional, telefone para contato, data e a hora da entrada e da saída de cada visitante. É útil registrar o último local visitado pela pessoa antes de vir para a granja, pois isto pode auxiliar na investigação do rastreamento da disseminação de um surto. Esta informação deve ser processada diariamente e enviada para uma localidade central, como o setor de serviços veterinários ou o departamento de genética (no caso de aves elite ou reprodutores), onde possa ser rapidamente acessada em caso de uma emergência. Um sistema eficiente de coleta de dados resume-se a capturar apenas aquela informação que possa ser utilizada. A padronização do formulário usado na coleta de dados facilitará a posterior integração e consolidação desta informação.

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É importante estabelecer regras para as visitas de técnicos, geneticistas e veterinários. Quando for necessário conduzir necrópsias, estas devem ser feitas sempre fora dos galpões, possivelmente em área apropriada de trabalho. É preciso queimar o material descartável usado e as aves inspecionadas, além de desinfetar equipamento cirúrgico e a área utilizada para a necrópsia. Todas as outras visitas devem consideradas não-essenciais, e restritas ao absoluto mínimo, sempre apreciando e pesando o risco envolvido com o que se tem a ganhar com a visita. Comparar, por exemplo, os méritos da visita de um novo vice-presidente de produção com a de um vice-presidente do departamento de recursos humanos.

Aves adquiridas de outras companhias devem passar por uma quarentena de pelo menos 30 dias. Este período é, em geral, suficiente para que se possam conduzir testes serológicos nas aves e detectar a presença de patógenos. O mesmo se aplica para ovos comprados de outros produtores: os pintos devem obedecer à mesma quarentena. No caso de compra de novas linhagens para o programa de melhoramento genético, as conseqüências de uma contaminação são muito maiores. Como conseqüência, a quarentena pode-se estender por vários anos até que as novas linhagens sejam trazidas para as granjas principais.

Um plano de monitoramento sorológico deve ser estabelecido em nível de companhia. Testes regulares em aves de vários estratos permitirão detectar focos emergentes de doenças e impedir que estas se alastrem. A quantidade de testes é maior nas aves em estratos mais elevados. Em aves do estrato comercial os testes são raros, restringindo-se a investigar casos onde haja suspeita de focos de doenças.

MEDIDAS GOVERNAMENTAIS E LEGISLAÇÃO

Em alguns países foi desenvolvida legislação pertinente ao controle da importação e movimentação doméstica de aves e ovos. As primeiras têm como objetivo impedir a entrada no país de doenças exóticas. A Grã-Bretanha é o exemplo mais proeminente. Por se tratar de uma ilha com isolamento geográfico natural do restante da Europa, seus animais e aves não compartilharam, historicamente, a resistência às doenças de seus pares no continente. Isto fez com que a pecuária e a avicultura locais se tornassem altamente vulneráveis a doenças que causariam dano limitado nos efetivos continentais. A legislação britânica também é rigorosa nos critérios de importação de carne, leite, ovos e seus derivados.

Medidas governamentais são estabelecidas a partir das leis, tendo por objetivo auxiliar na contenção de doenças, evitando que se disseminem para outras regiões do país. Uma medida eficiente é o fechamento de fronteiras regionais ou estaduais, criando uma barreira física para o transporte de aves contaminadas. Outra medida efetiva é a imposição de restrições para o comércio de aves vivas, especialmente aquelas sem procedência, em mercados públicos e feiras livres.

A maior barreira para a efetiva observação da legislação vigente é a falta de divulgação das leis. O poder executivo da Escócia (SCOTLAND EXECUTIVE, 2005) apresenta um exemplo positivo de iniciativa de popularização das normas do país. Além de adotar uma postura agressiva com seu serviço de extensão de agricultura (Scottish Agricultural Service), há recursos eletrônicos disponíveis onde são comunicadas novidades, atualizações nas normas governamentais. Uma gama de manuais está disponibilizada para orientar produtores sobre medidas de biossegurança específicas para seus sistemas de produção, bem como outras de amplo impacto.

BIOSSEGURANÇA EM SISTEMAS ALTERNATIVOS DE PRODUÇÃO

Medidas convencionais de biossegurança não podem ser empregadas integralmente nos sistemas de produção destinados aos mercados de produtos orgânicos ou de “frango caipira”. Alguns destes sistemas de produção são verdadeiros sistemas extensivos, que mantém as aves ao ar livre, mas com acesso a abrigo. A adoção de medidas de biossegurança deve ser feita de forma a respeitar as normas de certificação de produtos orgânicos, devido à rigidez das normas de produção destes produtos.

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Uma estratégia alternativa para contenção de roedores deve ser empregada, devido à inexistência da barreira física do galpão onde as aves são alojadas nos sistemas convencionais de produção. A vegetação deve ser mantida baixa e uma faixa de bordadura com cimento deve ser criada no perímetro da propriedade. A entrada de roedores pode ser combatida com a colocação de armadilhas próximas à cerca. Outra alternativa é de estabelecer cercas duplas de telas de arame fino, com ratoeiras ou veneno colocadas entre as duas faixas de cerca. Isto adiciona ao investimento, mas proporciona melhor proteção contra a entrada de roedores e, ao mesmo tempo, evita que as aves acidentalmente se contaminem ou sejam vitimizadas pelas ratoeiras. Os custos de produção de frango caipira ou orgânico são tradicionalmente mais altos devido à ineficiência destes sistemas de produção. Porém os custos de implantação de boas cercas serão parcialmente compensados pela inexistência de galpões e dos gastos com ventilação e com programas de luz.

O acesso de pessoas a estas granjas deve obedecer todas as normas especificadas anteriormente para sistemas convencionais produção. A uso de pedilúvios deve ser avaliado cuidadosamente por duas razões: evitar que as aves tenham acesso ao conteúdo das bacias (evitando que possam ingerir seu conteúdo) e adequação substâncias desinfetantes àquelas permitidas nas normas de produção de produtos orgânicos.

CUSTO DE UM PROGRAMA DE BIOSSEGURANÇA

Sistemas econômicos de produção resultam do uso de insumos e da venda dos produtos e subprodutos a um preço mais elevado do que a soma de todos os custos de produção. Cada insumo a ser incluído num sistema de produção deve agregar valor ao produto final de forma a permitir recuperar o investimento. A implantação de um programa de biossegurança também deve ser considerada como um insumo adicional, cuja finalidade maior é a de proteção dos lotes de aves.

Os modelos econômicos usados na avaliação da viabilidade de um programa de biossegurança levam em consideração os custos operacionais do programa e a potencial economia no tratamento de aves se estas forem contaminadas por um patógeno. Qualquer que seja o modelo econômico adotado como ideal para um programa de biossegurança, é evidente que o custo de implantação será mais baixo do que o gasto com tratamento das doenças resultantes como conseqüência de sua inexistência.

O intervalo entre lotes é parte integral da criação de frangos, sendo essencial para contribuir para a efetividade de programas de biossegurança. Quando as granjas estão vazias, o processo produtivo está parado, logo é essencial mantê-las vazias apenas pelo tempo absolutamente necessário. O risco de reduzir o intervalo entre lotes deve ser pesado contra a possibilidade de perda parcial ou total do novo lote. Um bom trabalho de esclarecimento ajudará a eliminar a crença, entre produtores, de que galpões vazios equivalem significam dinheiro perdido.

O custo de uma contaminação pode ser refletido na redução da velocidade de crescimento dos frangos, menor eficiência de utilização do alimento, redução da taxa de fertilidade e de postura dos reprodutores além de provocar aumento do número de condenações ao abate. Todas estas variáveis podem ser incluídas em modelos econômicos, determinando o limiar de investimento que pode ser feito nos programas de biossegurança. Como o passar do tempo e a conseqüente consolidação destes processos na empresa agrícola, sua efetividade aumentará e seu custo será reduzido, com benefício adicional para os produtores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CRIAÇÃO DE CODORNAS

Dariane Beatriz Schoffen-Enke Universidade Federal de Pelotas

Pelotas, RS

Djalma Gisler Dutra Universidade Federal de Pelotas

Pelotas, RS

Leandro Cruz Freitas Agropecuária Aliança

Rio Grande, RS

INTRODUÇÃO

Um ramo da avicultura que tem atraído extraordinário interesse é a coturnicultura (criação de codornas). Por sua natureza, esta atividade possibilita rápida reversão do capital investido, além de ser uma alternativa para a alimentação humana. Os principais produtos da coturnicultura são a carne, de alta qualidade, e os ovos, cada vez mais apreciados. Como alternativa relevante para diversificar a produção animal, destaca-se pelo baixo investimento de capital, a utilização de pequenas áreas físicas e os baixos gastos com mão-de-obra. Isto faz da criação de codornas a possibilidade de se adaptar às condições de exploração doméstica.

A criação de codornas originou-se na Ásia. O Japão foi um dos primeiros países a iniciar uma criação comercial, no início do século XX. A coturnicultura espalhou-se do Japão para a China e logo chegou à Europa. Uma codorna adulta, com 45 dias de idade, pesa aproximadamente 120 gramas e põe cerca de 20 ovos por mês, consumindo em média 10 g de alimento por dia. A título de curiosidade, ao redor do mundo a codorna é chamada de quail em inglês, de caille em francês, de codorniz em espanhol, de quaglia em italiano e de Wachtel em alemão. Ovos de codorna são denominados de quail eggs em inglês, oeufs de caille em francês, huevos de codorniz em espanhol, uove di quaglia em italiano e Wachteleier em alemão. O primeiro registro escrito que se refere à codorna verificou-se em 1320, com o uso do vocábulo coacula, em latim vulgar.

De acordo com o INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (1992), em 1990 o efetivo de codornas do Brasil era de 2.464.000 aves. Estima-se que em 2004 este número tenha atingido a casa de 3.500.000 aves.

HISTÓRICO DA COTURNICULTURA

A codorna é originária do norte da África, da Europa e da Ásia, pertencendo à ordem dos Galináceos, família dos Fasianídeos (Phasianidae), da subfamília dos Perdicinidae e do gênero Coturnix, sendo, portanto, da mesma família das galinhas e perdizes. A codorna japonesa foi introduzida no Brasil após 1950. As codornas selvagens aqui existentes, embora semelhantes à codorna japonesa, não pertencem à mesma família desta. As espécies autóctones Nothura boraquira (do nordeste), Nothura minor (mineira ou buraqueira) e a Nothura maculosa (comum ou perdizinha) pertencem à família dos tinamídeos (Tinamidae).

A codorna doméstica teria chegado ao Brasil pelas mãos de Oscar Molena que tinha como hobby a caça desta ave na Itália. No Brasil, entretanto, esta prática era impossível, pelo fato de que não havia codornas domesticadas. Assim, em 1959, o italiano retornou a passeio, trazendo 20 dúzias de ovos fertilizados, acondicionados numa caixa de sapatos.

Chegando ao Brasil, como não havia equipamentos especializados, Molena usou incubadeiras, criadeiras e outros materiais destinados à produção de galinhas. Passou, então, a criar codornas em seu sítio em Cabreúva, SP, exclusivamente para a caça. Em 1961, o criador mudou-se para Atibaia, SP, com o intuito de estabelecer uma área vasta destinada à caça. Para cobrir seus custos, Molina cobrava de cada caçador uma taxa por ave abatida;

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entretanto, ele percebeu que os caçadores matavam as aves e enterravam as carcaças para não pagar a taxa. Para contornar este problema, Molina decidiu criar a ave para fins comerciais, inicialmente para postura e, mais tarde, para abate. O ovo foi imediatamente aceito como alimento, principalmente pelo sabor semelhante ao do ovo de galinha. Molina teve sucesso em sua iniciativa devido à alta taxa de postura das fêmeas (23 a 25 ovos/ave/mês) e à curiosidade da população em consumir aquela ave, privilégio de poucos. Além do sabor delicado, o ovo é rico em proteínas, lipídios, glicídios, vitaminas e sais minerais.

Em 1963, o consumo de ovo de codorna ganhou grande impulso, quando foi lançada uma marcha carnavalesca que dizia: “Eu quero ovo de codorna pra comer / o meu problema ele tem que resolver...”. Destarte foi criada e difundida a fama do ovo de codorna como alimento de propriedades afrodisíacas. O sucesso da produção de Molina fez com que muitos outros criadores começassem a se interessar em produzir codornas. O pioneiro começou a venda de ovos fertilizados para produtores nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Amazonas.

As codornas atualmente criadas em cativeiro são o resultado de vários cruzamentos efetuados no Japão e na China, a partir da subespécie selvagem Coturnix coturnix coturnix. No século XIV a codorna foi domesticada pelos japoneses em função do canto melodioso dos machos. Na primeira década do século XX, os japoneses conseguiram, após inúmeras tentativas, promover a criação de codornas de forma racional, em pequenas gaiolas, com produção em série, visando sua exploração comercial. A sua alta fertilidade, abundante postura de ovos e exigência de pouco espaço para sua criação, aliadas à facilidade de transporte, tornaram a codorna uma das principais fontes de alimentação para os vietnamitas durante a guerra contra os Estados Unidos.

Recentemente tem-se verificado um aumento na exploração da coturnicultura no Brasil, principalmente nas regiões sudeste, nordeste e sul do país. Os principais catalisadores para o desenvolvimento da coturnicultura são o rápido crescimento das aves, a precocidade na produção e na maturidade sexual (35 a 42 dias de idade), alta produtividade de ovos, a longevidade em alta produção (14 a 18 meses), o baixo investimento inicial de capital e o rápido retorno financeiro. A Coturnix coturnix japonica, comumente chamada de “doméstica” ou “japonesa”, é a preferida para produção de ovos, enquanto que a Coturnix coturnix coturnix, também conhecida como “selvagem” ou “européia”, é empregada para a produção de carne.

BIOLOGIA DA ESPÉCIE

Segundo ALBINO e NEME (1998) as codornas japonesas são aves de pequeno porte, com peso adulto entre 120 e 180g. A incubação dos ovos dura 16 dias. As aves nascem pesando 10g. Os neonatos crescem muito rápido, duplicando o seu peso corporal aos cinco dias de idade. A maturidade sexual é alcançada aos 42 dias nas fêmeas e aos 48 dias nos machos. O período de postura dura 10 meses e cada ovo pesa cerca de 12g. As aves atingem o peso de abate aos 45 dias de idade. A codorna é uma ave rústica que se adapta a regiões de climas frios e quentes. No entanto, a faixa ideal de temperatura para proporcionar conforto ambiental às aves varia entre 21 e 25ºC.

A codorna (Figuras 1 e 2) apresenta baixo dimorfismo sexual, sendo difícil identificar os critérios de diferenciação dos sexos difíceis de serem visualizados, especialmente em aves jovens. A principal diferença que pode ser observada é a presença de pintas pretas no peito das fêmeas, inexistentes nos machos. Esta diferenciação só pode ser feita após os 14 dias de vida, quando inicia o desenvolvimento das penas no peito. Na codorna japonesa, as fêmeas são ligeiramente mais pesadas do que os machos; as fêmeas têm o aparelho reprodutivo bastante desenvolvido, que pode chegar a 10% do seu peso vivo. Isto não é observado na codorna européia, em que o peso de macho e de fêmeas é praticamente o mesmo (VILLELA, 1998). Algumas características inerentes a machos e fêmeas da codorna japonesa são apresentadas na Tabela 1.

As manchas nos ovos, que vão desde cores escuras como preto ou castanho até tons mais claros como esverdeado ou amarelo, são típicas de cada fêmea, refletindo a

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concentração de minerais como ferro, cálcio e cobre, que atuam no processo de transpiração do ovo, durante a fase de incubação (Figura 3).

Tabela 1. Características das codornas japonesas (Coturnix coturnix japonica).

Características Macho Fêmea

Peso corporal 155 – 160g 170 – 180g

Coloração no peito Castanha (pescoço e garganta) Coberto de pintas escuras

Região da cloaca Glândulas, identificadas como saliências por cima da cloaca

Maturidade sexual 48 dias 42 – 45 dias

Aparição do primeiro ovo fértil – 18 a 20 horas após a cópula

Sobrevivência do ovo fértil e espermatozóides

Ótima (1 – 5 dias) Regular (6 – 10 dias)

5 – 10 dias

Adaptado de REIS (1986).

INSTALAÇÕES E OS CUIDADOS NA CRIAÇÃO Primeiros passos na criação

Os primeiros passos do criador interessado em produzir ovos de codornas são a construção das instalações e a aquisição de boas poedeiras. Estas devem ser compradas de um matrizeiro idôneo. Hoje em dia, a produção de matrizes é mais lucrativa do que a produção de ovos, exigindo, porém, investimento e grau de especialização superior aos necessários para criar aves para postura. Uma granja matrizeira necessita de galpões para alojar as codornas de procriação e estrutura adequada de choca.

Instalações

A criação de codornas é feita geralmente em galpões. Os três tipos de galpões mais comuns se diferenciam pelo modo de arranjo das gaiolas:

• no sistema de baterias, as gaiolas são sobrepostas e divididas por bandejas onde se depositam as fezes dos animais; a alimentação é feita manualmente e o esterco tem que ser retirado duas a três vezes por semana;

• no sistema com gaiolas em degrau, o fornecimento de água e de ração é automatizado; a remoção do esterco é menos freqüente porque este é depositado no solo;

• no sistema em pirâmide, as gaiolas são suspensas, com as outras características sendo similares ao do sistema em degrau.

Os galpões devem ser providos de exaustores, para facilitar a circulação de ar e

ajudar a manter a temperatura entre 21 a 25°C. A remoção dos gases produzidos pela decomposição do esterco é necessária para garantir melhores condições de higiene na produção. Não é recomendável a instalação de ventiladores, pois as codornas são muito sensíveis ao vento.

As codornas consomem grandes quantidades de água, que não pode faltar. Existem no mercado vários tipos de bebedouros apropriados para os diferentes sistemas de gaiolas. A qualidade da água deve ser verificada periodicamente; água de procedência duvidosa, ou que apresente turbidez, deve ser analisada e, se necessário, corrigida para torná-la potável.

Um programa que forneça 18 horas de luz é importante para se obter bom crescimento, por tornar as codornas mais ativas. Já no galpão de postura, quanto mais abundante for a luz solar, melhor será o desempenho das aves, pois é através do estímulo

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luminoso que o hormônio folículo estimulante e o hormônio luteinizante irão atuar sobre o ovário, desenvolvendo e liberando os óvulos (FAICHAK, 1987).

Incubadoras e nascideiras

Pequenas chocadeiras elétricas são suficientes para criadores menores. Grandes matrizeiros trabalham com incubadoras automáticas, que têm controle de calor e umidade e que fazem a viragem dos ovos de hora em hora. Os ovos devem ser colocados nas bandejas de incubação com a ponta fina para baixo. Depois de 14 dias, os ovos são transferidos para as nascideiras. Uma bandeja pode ser retirada da nascideira quando cerca de 70% das aves jovens já romperam a casca.

Criadeiras

A criadeira é o espaço onde as aves jovens permanecerão do primeiro ao 42o dia de vida, quando são transferidos para os galpões. Até o 15o dia, deve-se cercar uma área dentro da criadeira com um anteparo redondo, para limitar a circulação das aves e facilitar seu acesso à água e alimento. Durante este período, as aves jovens necessitam de aquecimento artificial a uma temperatura de cerca de 39oC, fornecido por uma estufa elétrica ou a gás. O chão deve ser forrado com palha ou outro material macio, removido regularmente com o cuidado de não levantar poeira, que é prejudicial ao sistema respiratório das aves.

As características específicas da criação de codornas dependem diretamente do tipo de produto que é alvo da criação, do nível de conhecimento do criador e da quantidade de capital disponível para investimento. Pode-se dizer que há cinco tipos básicos de criação de codornas:

• Codornas de corte: aves ideais para abate, por causa do maior rendimento da carne; • Codornas com 30 dias: para criadores iniciantes, com conhecimento básico de criação

ou também para criadores que queiram ganhar tempo na produção, diminuindo o período de recria;

• Codornas matrizes: aves destinadas à reprodução; estes criadores fornecem aves jovens para outros criadores;

• Codornas de postura: aves que produzem ovos para consumo ou para comércio; • Codornas de um dia: para criadores experientes, com conhecimento no manejo da

criação.

MANEJO

Manejo reprodutivo

As codornas em reprodução devem ser mantidas de preferência em gaiolas coletivas com machos e fêmeas. Um sistema de rotação de periodicidade semanal deve ser estabelecido para trocar os machos das gaiolas. Recomenda-se utilizar um macho para cada duas ou três fêmeas. Outro cuidado que deve ser tomado é evitar o acasalamento de parentes próximos; as codornas são sensíveis à consangüinidade, que pode acarretar em efeitos nocivos. Os ovos férteis devem ser incubados artificialmente.

Manejo da ave jovem

Decorridas as primeiras 24h da eclosão, as aves jovens devem receber aquecimento, ração e água à vontade. A temperatura inicial de criação deve ser 39°C. A temperatura deve ser reduzida em 1oC a partir do terceiro dia de vida, até que a temperatura se torne ambiente. O piso da criadeira deve ser forrado com papel nos três primeiros dias. A ração é oferecida em comedouros do tipo bandeja. Os bebedouros devem ser lavados e sua água trocada duas vezes por dia.

Manejo da recria e da postura

A recria compreende o período entre 16 e 45 dias. Nesta época, as aves continuam recebendo ração e água à vontade. A quantidade diária de ração por ave deve ser de 25g. Para um índice elevado de postura, o ambiente da criação das codornas em produção deve ser iluminado na base de uma lâmpada incandescente de 15W para cada 5m2 de galpão. Recomenda-se que o dia seja prolongado para 17h, através da combinação de horas de luz

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natural com horas de luz artificial, estabelecendo-se um esquema de acendimento das lâmpadas durante a madrugada e à noite.

Manejo dos ovos

Uma coleta diária de ovos é recomendada, feita preferencialmente durante a manhã. Os ovos devem ser acondicionados em recipientes próprios e mantidos sob refrigeração para garantir sua integridade. Ovos destinados à incubação serão mantidos em ambiente fresco e arejado por um período não superior a sete dias.

NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO

A codorna silvestre apresenta uma alimentação bastante variada. Suas necessidades diárias de nutrientes são supridas com o consumo de sementes, insetos e frutos silvestres. Em criações comerciais, as codornas são alimentadas com rações industrializadas e balanceadas, visando suprir suas necessidades diárias de nutrientes (Tabela 2). É importante destacar que estas aves estão passando por processos constantes de melhoramento genético, seja para a produção de ovos ou de carne. Por isso, os valores tabelados não devem ser tomados como estáticos e devem ser alvo de constante verificação e atualização por nutricionistas (VILLELA, 1998).

Tabela 2. Necessidades nutricionais das codornas de acordo com a fase da criação.

Nutrientes Inicial e crescimento Postura

Proteína (%) 24 20

Energia Metabolizável (kcal/kg) 2800 2800

Metionina (%) 0,50 0,45

Metionina + Cistina (%) 0,90 0,80

Cálcio (%) 0,80 3,00

Fonte: VILLELA (1998).

As exigências nutricionais variam de acordo com a idade das aves. Nas três primeiras semanas de vida, a exigência de proteína (e, consequentemente, de alguns aminoácidos essenciais) é maior devido ao rápido crescimento das codornas. Vencida esta fase, a velocidade de crescimento diminui e a exigência nutricional também. Durante a fase de postura ou reprodução, a exigência nutricional visa suprir as necessidades de mantença e de reprodução. A principal mudança é a elevação do conteúdo de cálcio na ração.

A formulação de rações comerciais exibe os seguintes componentes básicos:

• concentrado energético: é o componente que fornece principalmente energia (exemplos: farelo de trigo e milho);

• concentrado protéico: é o componente que fornece principalmente proteína (exemplos: farelo de soja e farinha de carne);

• suplemento mineral: fornece os minerais necessários ao metabolismo das aves; • suplemento vitamínico: fornece as vitaminas necessárias à nutrição das aves.

Em geral o suplemento mineral e o vitamínico são adquiridos em conjunto e misturados aos outros ingredientes no momento do preparo da ração. Na ração de boa qualidade, estes componentes participam na proporção adequada para cada fase de crescimento ou produção da codorna, respeitando as normas adequadas de exigências nutricionais.

A ração deve ter granulometria fina. O recomendável é que se utilize uma peneira fina na moagem do milho. A moagem serve para impedir que as aves façam uma seleção visual dos grânulos maiores e mais atraentes; o consumo em excesso do milho alterará a composição média da dieta efetivamente ingerida pela ave. O resultado do consumo

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excessivo de milho é um menor aporte protéico, podendo baixar os níveis de produtividade. As rações de melhor qualidade são peletizadas (granuladas). A transformação em ração granulada ocorre por meio de aquecimento a vapor e compactação da ração na forma de pequenos grãos, chamados de pellets. A peletização aumenta a digestibilidade da ração e diminui os riscos de contaminação das aves por microorganismos patogênicos (VILLELA, 1998).

Doenças provocadas por deficiências nutricionais

Algumas doenças são causadas por deficiências nutricionais resultantes de alimentação deficiente ou desequilibrada. As enfermidades variam de acordo com a especificidade da carência de minerais e vitaminas na ração. Distúrbios metabólicos resultam em redução no crescimento ou na produção das aves.

O raquitismo é causado pela deficiência de cálcio, fósforo e pela carência de vitaminas do complexo B. A partir da segunda semana de vida, as codornas começam a apresentar desequilíbrio metabólico que resulta em atraso no crescimento e fragilidade dos ossos.

A perose é causada pela carência de manganês, zinco e vitaminas do complexo B, inclusive a colina. Os principais sintomas são anomalias no crescimento, plumagem deficiente e engrossamento dos tarsos, com deslocamento do tendão de Aquiles (BANKS, 1992).

PRODUÇÃO DE OVOS

O ovo de codorna é um alimento de excelente qualidade, com alta digestibilidade, elevada quantidade de proteína (14%), e baixo teor de colesterol (0,3%). É um alimento protéico de ótima qualidade. A proteína do ovo contém todos os aminoácidos essenciais, aqueles que o organismo humano não consegue sintetizar. O ovo é um rico complexo de vitaminas e de minerais. Encontram-se no ovo elevados teores de ferro, manganês, cobre, fósforo, cálcio, vitaminas A, B1 e B2, D, E, H, fator PP, ácido pantotênico e piridoxina. Como ilustração, um ovo de codorna equivale em calorias, vitaminas e proteínas a 100 gramas de leite, com um conteúdo maior de ferro (VILLELA, 1998). Seu sabor é semelhante ao do ovo da galinha, porém é mais pronunciado e exótico. O ovo de codorna pode ser usado em pratos quentes, frios ou gelados, em doces e salgados, em receitas de forno ou fogão e na preparação alimentos como pães, bolos, tortas, suflês, molhos, sobremesas e conservas.

Formação do ovo

Passa 25 a 26 horas desde o momento em que o oócito é liberado pelo ovário até que o produto final, o ovo, seja expelido pelo corpo. Não se considera que o infundíbulo desempenhe algum papel na formação do ovo, além daquele de transporte e servir como local para fecundação.

A elaboração da casca se dá ativamente durante as últimas 15 horas de permanência do ovo no útero. A casca é composta predominantemente por carbonato de cálcio (98%) e uma matriz de glicoproteína (2%). A parte cristalina da casca consiste de colunas de materiais embutidos na membrana externa da casca. Essas colunas estão separadas por poros que se estendem desde o exterior do ovo até as membranas da casca, permitindo que o embrião realize trocas gasosas. O exterior da casca é uma fina camada protéica, a cutícula, capaz de bloquear a entrada de bactérias.

Muitas aves põem ovos padronizados ou de cor uniforme. Os ovos de cor uniforme, marrons, azuis ou verdes, são coloridos por pigmentos derivados de eritrócitos, característicos de cada fêmea e refletem a concentração de minerais como ferro, cálcio e cobre, que atuam no processo de transpiração do ovo, na fase de incubação (BELYIAVIN E MARANGOS, 1988). Esses pigmentos porfirínicos são distribuídos através da casca, mas estão mais concentrados na camada externa.

A fonte de cálcio utilizada na formação da casca é assunto de grande interesse. O aporte primário de cálcio para o organismo é através da dieta, mas as fêmeas de aves apresentam mecanismos para mobilizar grandes quantidades de cálcio em um período de tempo relativamente curto. Cerca de 2g de cálcio sobre o ovo em 15 horas. Esta quantia é

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equivalente à remoção da quantidade total de cálcio circulante a cada 15 minutos, durante a formação da casca. À medida que a puberdade se aproxima, a secreção ovariana de estrogênio possibilita modificações acentuadas na distribuição de cálcio nas aves.

Sob a influência hormonal do estrogênio, os níveis de cálcio elevam-se, sendo o aumento na fração ligada à proteína (não-difusível). Este hormônio também estimula a deposição de 4 a 5g de cálcio na região medular oca dos ossos. Com o início da atividade reprodutiva, as proteínas que se ligam a este mineral aumentam na mucosa do intestino e a absorção de cálcio se torna mais eficiente. Todos os sais de cálcio secretados no lúmen uterino durante a formação da casca são derivados do sangue e o cálcio sangüíneo é obtido dos alimentos e dos ossos. A insuficiência de cálcio pode acarretar na formação imperfeita da casca e inibir a enzima anidrase carbônica, que catalisa a conversão de CO2 e H2O em H2CO3. Temperaturas ambientais elevadas, associadas à polipnéia e baixo CO2 sangüíneo, podem resultar em cascas de ovo finas (VILLELA, 1998).

Gema

A gema amarela do ovo é uma mistura complexa de água, lipídios, proteínas e outros microcomponentes, incluindo vitaminas e minerais. A maioria dos lipídios está sob a forma de lipoproteína e esses compostos costumam formar complexos com cálcio e ferro. Fosfolipídios, tais como a lecitina e a cefalina, também são encontrados em quantidades substanciais na gema. As proteínas e lipoproteínas da gema formam-se no fígado, sob a influência de estrogênios, sendo transportadas para o ovário e depositadas nos folículos em desenvolvimento.

A gema não é uma substância fisicamente homogênea, mas consiste em frações granulares suspensas em uma fase contínua. Muitas das proteínas livres na gema são idênticas às proteínas do sangue e é provável que se originem delas (VILLELA, 1998). A composição química típica da gema inclui lipídios (60%), fosfolipídios (35%), esteróis (5%) – com particular importância para a lecitina, aneurina ou cerebrina e colesterina (0,2 a 11%) (BAUNGARTNER, 1994).

Clara

A clara é rica em água e pobre em gorduras (apenas 0,1 a 0,2%), resultando em valor calórico baixo. A clara é formada em poucas horas e representa 60% do peso total do ovo. A clara é rica em proteínas, destacando-se a ovoalbumina (80%), a ovomucóide (10%), a ovomucina (7%) e a ovoglobina (3%) (BAUNGARTNER, 1994).

Práticas de manejo

Para otimizar a postura das fêmeas, deve-se atentar para o bem-estar e à longevidade das aves. Os seguintes procedimentos são preconizados como essenciais para que se atinjam níveis elevados de produção:

• Arraçoamento: três vezes ao dia; • Coleta de ovos: uma vez ao dia, pela manhã; • Limpeza de esterco: três vezes por semana; • Iluminação: branda, natural ou artificial, totalizando 17 a 18h por dia; • Não permitir a entrada de outros animais ou de pessoas estranhas nos galpões; • Não falar em voz alta ou fazer movimentos bruscos; • Observar a temperatura, ventilação e o comportamento das aves, fazendo os ajustes

necessários.

Comercialização de ovos

Segundo a Associação Paulista de Coturnicultura, existem três formas de comercialização dos ovos de codorna. A venda de ovos embalados dá a melhor apresentação ao produto. São utilizadas embalagens de papelão, em geral para 24 ovos, ou de isopor, que comportam 30 ovos. É o melhor sistema para a comercialização no varejo. Os principais clientes são os supermercados, lojas avícolas e feiras livres. Além de acondicionar os ovos com segurança, as embalagens servem como veículo de divulgação comercial da granja ou de outros produtos.

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Os ovos em conserva são um produto relativamente novo, com boa aceitação no mercado. Os ovos são cozidos, descascados e colocados em conserva à base de salmoura e de vinagre. O processamento aumenta o valor agregado do ovo de codorna, resultando em maior margem de lucro. As conservas são vendidas em frascos de vidro, plástico ou de outro material com higienização perfeita. O uso de conservas permite distribuição geográfica mais ampla do produto.

Por último, a venda de ovos a granel é uma alternativa para suprir os grandes utilizadores do produto fresco. Por reduzir os custos de embalagem, o valor final do produto é mais baixo.

PRODUÇÃO DE CARNE

A maior parte da carne de codorna disponível no mercado é proveniente do descarte de fêmeas de postura ou da engorda dos machos excedentes. Esta carne possui baixa qualidade, podendo ser considerada como um subproduto da indústria de postura. Criadores cujo objetivo seja a produção de aves para o abate devem adquirir animais de origem européia ou americana, cujo tamanho é maior comparado às codornas japonesas. Na atual situação de produção, as carcaças pesam cerca de 100 gramas, com idade ótima de abate ao redor de cinco semanas.

O abate de codornas ocorre normalmente entre 28 e 30 de idade, embora seja possível levá-las até 50 ou 55 dias. Em geral esta prática não é vantajosa porque a conversão alimentar das codornas mais velhas é mais elevada; um estudo econômico deve ser feito para decidir a idade ou o peso ideal de abate, levando-se em consideração o custo adicional de produção, o peso final da codorna e o preço que pode ser alcançado pela venda da ave ou da carcaça. A tendência atual dos criadores é de abater as codornas mais jovens, com cerca de quatro semanas de idade.

O rendimento de carcaça oscila entre 75 e 78%. À mesma idade, as fêmeas apresentam, em média, peso vivo mais elevado do que os machos. Com cinco semanas de idade, as codornas podem atingir 100 a 120g; aos 45 dias podem alcançar entre 170 e 180g (VIEIRA, 2001).

Apenas uma empresa no Brasil (Perdigão) produz codornas para abate em escala industrial; esta companhia dobrou a capacidade de produção de carne de codorna desde 2002. De acordo com as projeções de PARAVISI (2002), a granja mantida por esta empresa em Videira, SC, produz mensalmente cerca de 150 toneladas de carne. A linhagem usada foi importada da França e recebe alimentação adequada para estimular o ganho de peso; as aves estão prontas para o abate um tanto tardiamente, aos 60 dias de idade.

Na Tabela 3, apresenta-se uma seleção da informação nutricional sobre carne de codorna, conforme declarada nas embalagens de codorna congelada da marca Perdigão. Destaca-se que o conteúdo de gordura saturada na carne de codorna é baixo.

Tabela 3. Informação nutricional de codornas congeladas da marca Perdigão.

Nutrientes Conteúdo (100g de produto)

Calorias 220 kcal

Carboidratos 1g

Proteínas 18g

Gordura Total 16g

Gordura Saturada 5mg

Colesterol 65mg

Sódio ausente

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBINO, L.F.T., NEME, R. Codornas: Manual prático de criação . Viçosa, MG: Aprenda Fácil, 1998, 56 p.

BANKS, W. J. Histologia Veterinária Aplicada . São Paulo: Ed. Manole, 658p. 2ª ed.1992.

BAUNGARTNER, J. Japanese quail production, breeding and genetics. World’s Poultry Science 50:228-235, 1994.

BELYIAVIN, C. G., MARANGOS, A. G. Natural products for egg yolk pigmentation. In: COLE, D.J.A., HARESIGN, W. (Eds.) Recent developments in poultry nutrition. London: Butterworths, 1988. p.239-260.

FAICHAK, I. Codorna: Criação, Instalação e Manejo. São Paulo: Nobel, 1987, 72p.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatística de Produtos Agropecuários , 2000. Disponível em: <http://www.ibge.com.br>. Acesso em: agosto de 2002.

PARAVISI, W. Gazeta Mercantil . Disponível em: <http://www.aviculturaindustrial.com.br>. Acesso em agosto de 2002.

REIS, L.F.S.D. Codornizes, criação e exploração , Lisboa: Agros, 10, 1980. 222p.

VIEIRA, M. I. Codornas. Disponível em: <www.ruralnews.com.br>. Acesso em julho de 2001.

VILLELA, Jorge Luis, Criação de codornas . Cuiabá: SEBRAE/MT, 1998. 91p. (Coleção Agroindústria, v. 14).

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Figura 1. Codorna (C. coturnix japonica) Figura 2. Codorna (C. coturnix japonica)

Fontes: http://www.kolkatabirds.com/japanesequail8.jpg (Figura 1) http://www.floranimal.ru/pages/animal/p/1306.jpg (Figura 2)

Figura 3. Ovos de codorna japonesa.

Fonte: http://imagesource.allposters.com/images/LPIPOD04/BN6218_2.jpg

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CRIAÇÃO DE EMAS

Maria do Carmo Malicheski Victória Universidade Federal de Pelotas

Pelotas, RS

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos a criação de animais silvestres no Brasil cresceu consideravelmente, tanto para finalidade conservacionista como para produção comercial. Dentre as espécies contempladas, a ema (Rhea americana) vem se destacando devido a seu potencial reprodutivo, adaptabilidade e produtos de excelente qualidade com demanda no mercado mundial, tais como carne, couro, plumas, penas e gordura.

A ema é uma ave da família das ratitas, um grupo de aves que não voam e que, em geral, possuem grande porte e capacidade de corrida. Medem 1,30 a 1,50m de altura e pesam de 25 a 35 quilos. As emas são aves corredoras e onívoras. Alimentam-se à base de pasto, ingerindo também insetos e pequenos animais. São sociáveis e longevas, vivendo por até 40 anos.

A recente procura por carnes vermelhas mais saudáveis, sobretudo com baixos níveis de colesterol e calorias, abriu um mercado para comercialização de carne de ema. Nesse segmento, a carne de ema apresenta-se como uma alternativa superior, podendo participar de cardápios para pessoas que almejam uma alimentação sadia.

A carne é o produto de maior interesse do setor produtivo, tendo em vista suas características, como o alto nível protéico, baixos teores de lipídios e de colesterol, maciez e facilidade de utilização na culinária. A carne de ema é muito saudável, nutritiva e saborosa. Uma ema adulta produz cerca de 12 quilos de carne. O baixo teor de gordura faz com que a carne de ema não apresente marmorização; seu cozimento deve ser rápido para evitar endurecimento.

O óleo extraído de ema é de excelente qualidade e tem propriedades medicinais atribuídas a ele. É utilizado em diversos países pelas indústrias cosmética e farmacêutica. Um animal adulto de 25 quilos produz 2kg de gordura bruta, que gera 1,6 a 1,8L de óleo purificado.

No Brasil, o primeiro estado a se organizar, formando uma associação de criadores, foi o Rio Grande do Sul. Em 1998 foi criada a Associação Gaúcha de Criadores de Emas (AGCE). Neste estado, o abate de emas já vem sendo realizado regularmente e sua carne colocada nos mercados da grande Porto Alegre, serra gaúcha, São Paulo e Rio de Janeiro. Um aumento no volume de produção já tem colocação garantida no mercado exterior, atendendo aos pedidos de importação feitos pelo Uruguai, Alemanha e Itália. Para atender às exigências dos mercados internacionais, trabalhos complementares visam realizar a caracterização físico-química da carne e do óleo de ema, descrever seus perfis lipídicos e padronizar os cortes congelados para exportação.

JUSTIFICATIVA

A criação comercial de emas em cativeiro no Brasil iniciou em 1997, por sua importância para o equilíbrio ecológico e após pesquisas terem revelado o seu potencial econômico. O Brasil tem perspectiva de se tornar o maior produtor mundial da espécie. As criações são atualmente regulamentadas e disciplinadas pelo IBAMA e pelo Ministério da Agricultura. Outros países que exploram comercialmente a ema são o Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Canadá, Estados Unidos, México, Espanha, França e Reino Unido.

Devido ao fato de não haver no Rio Grande do Sul conhecimento da composição química da carne e do óleo desta espécie regional, as atividades de pesquisa devem buscar, inicialmente, contemplar estes aspectos. Posteriormente, o enfoque deve ser dado aos cortes de carne, para que os mesmos, devidamente padronizados e caracterizados, possam ser colocados em condições de exportação.

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HISTÓRICO

A ema foi incluída pela primeira vez na nomenclatura cientifica atual recebendo o nome científico de Rhea americana por Linnaeus, na décima edição de sua obra “Systema Naturae”, em 1758 (JIMÉNEZ E JIMÉNEZ, 2004). No entanto, sabe-se que é um animal que data da pré-história. Foram encontrados fósseis de ema compatíveis com a ossatura do animal atual, datados do Eoceno, com idade superior a 40 milhões de anos. Além disso, por todo o Brasil onde quer que haja pinturas rupestres (do Piauí ao Paraná e no Mato Grosso), encontra-se a figura da ema. É sabido também que os índios já criavam a ema antes da chegada dos europeus ao Brasil. O padre Anchieta escreveu de Porto Seguro, em 1555, dizendo: “... também vi em poder dos índios dois avestruzes”. Mais tarde descobriu-se que não eram avestruzes (antigos conhecidos dos portugueses), mas sim emas, que os índios tinham como criação doméstica (A EMA, 2004).

De acordo com DANI (1993), citado por NEO (2000), a denominação ema, provavelmente de molucana, refere-se à seriema (Cariama cristata), ave pernalta da família Cariamidae, de ocorrência comum nos campos e cerrados. A denominação ñandu é mais fidedigna, uma vez que reflete melhor uma das características da ema, a de ave corredora. O nome ema parece ser mais adequado, por já ser coloquial no Brasil.

Na década de 80, devido a sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos à África do Sul, o alto custo dos reprodutores de avestruz e da importação de couros fez com que os criadores norte-americanos buscassem novas alternativas. Uma alternativa foi o estudo e criação das emas, conhecidas como avestruz sul-americano. Hoje o plantel dos Estados Unidos supera aquele dos países de origem. Em 1991 foi fundada a Associação Norte-Americana de Criadores de Ema (North American Rhea Association). Em 1994 já havia mais de 15.000 emas criadas em fazendas nos EUA, onde a legislação as considera animais domésticos, desde que tenham nascido em cativeiro (SILVA, 2001). No Canadá existe também um grande número de fazendas de emas que originaram a Canadian Rhea Association. No Uruguai existe uma associação semelhante, denominada Asociación Uruguaya de Criadores de ñandu).

As maiores populações de ema se concentram nos estados de Mato Grosso e Goiás, podendo ainda ser encontradas nos cerrados das regiões oeste e nordeste do estado de Minas Gerais. Há divergências entre pesquisadores quanto à classificação taxonômica destes grupos de emas e quanto ao número de populações naturais. Em muitos locais de ocorrência podem existir grupos diferenciáveis como subespécies. Para elucidar estas dúvidas são necessários estudos com o auxílio de tecnologias modernas, como análise citogenética e de DNA, complementadas com um censo abrangendo os locais de ocorrência (ALMEIDA, 2003).

A criação de emas está surgindo como uma alternativa para atividades agropecuárias que têm devastado o solo do planeta com mais intensidade que as duas guerras mundiais. As emas têm potencial para se tornarem verdadeiras máquinas de transformar alimentos de qualidade inferior, produzidos em solos fracos, em proteínas animais de alta qualidade e mais saudáveis que as tradicionais (SILVA, 2001).

A ESPÉCIE

A ordem Rheiformes é encontrada exclusivamente no continente sul-americano (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e sul da Bolívia). Esta ordem é caracterizada por aves pernaltas de grande porte, não voadoras. Seus principais representantes são a ema (Rhea americana) na América do Sul, o avestruz (Struthio camelus) na África, o casuar (Casuarius sp.) e emu (Dromaius sp.) na Austrália, e o kiwi ou quiuí (Apteryx sp.) na Nova Zelândia (Figuras 1 – 5).

De acordo com GIANNONI (1997), citado por SILVA (2001), são conhecidas três “raças geográficas”, ou subespécies, de emas:

• Rhea americana americana – nativa das regiões brasileiras do Nordeste, Sudoeste, Centro –Oeste e norte do Paraná;

• Rhea americana intermediaria – estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sul do Paraná, Argentina, Uruguai e Paraguai;

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• Rhea americana albascens – sul da Bolívia, Paraguai, Argentina e sudoeste do Mato Grosso do Sul.

Estas subespécies diferenciam-se principalmente pelo tamanho e pelo peso das aves. A diferenciação destes grupos se torna cada vez mais difícil, já que os acasalamentos entre aves de subespécies diferentes são comuns, devido à continuidade geográfica das regiões; por se tratar de acasalamentos entre subespécies, a descendência é fértil. A classificação taxonômica completa da ema é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1. Classificação taxonômica da ema.

Taxa Classificação

Reino Animal

Sub-reino Eumetazoa

Filo Chordata

Subfilo Vertebrata

Classe Aves

Subclasse Neormithes

Superordem Paleognathae

Ordem Rheiformes

Família Rheidae

Gêneros Rhea

Pterocnemia

Espécies Rhea americana

Pterocnemia sp.

Subespécies Rhea americana intermédia

Rhea americana americana

Rhea americana albescens

Fonte: HOSKEN E SILVEIRA (2003).

Características da espécie

Classificar a ema como uma ave exótica não é correto. O termo “exótico” significa ser um estrangeiro, ou não nativo. A terminologia correta a ser empregada é de que a ema é uma espécie silvestre.

As ratitas são de fácil adaptação às variações climáticas, com exigências mínimas de alojamento (WESTENDORF E ALTIZIO, 1997). São aves possuidoras de asas bastante grandes com regressão para o vôo, mas que compensam essa limitação por terem capacidade para correr, alcançando velocidades de até 60 Km/h. Suas asas são de utilidade para o equilíbrio na corrida, no acasalamento, na proteção dos filhotes, como radiador para refrescar-se nos dias quentes e como objeto de exibicionismo na conquista e na disputa entre machos por dominância (SILVA, 2001).

As penas do dorso inferior e do ventre são brancas. A cabeça e o pescoço têm penas de cor cinza-pardo, a base do pescoço, o peito anterior e a parte mediana do dorso são negras e a base do pescoço é encoberta por um tufo de penas laterais cinzas. As penas das asas são brancas desde a origem até a metade, aproximadamente, com a porção restante cinza escuro. As penas maiores podem medir até 60 cm. Cada asa tem entre 130 e 140 penas orientadas para cima e para trás.

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A ema adulta atinge alturas que varia entre 134 e 170cm, dependendo da postura adotada. A ema é a maior e a mais pesada ave brasileira. Os machos são maiores do que as fêmeas, chegando a atingir 34,4kg. A cor negra é mais acentuada nos machos, apresentando-se em maior extensão na base do pescoço, peito anterior e parte mediana do dorso anterior. A parte posterior do corpo é mais pontiaguda no macho. A ema possui pouco dimorfismo sexual.

O macho prepara o único ninho onde todas as suas fêmeas põem os ovos. A choca é responsabilidade do macho. Enquanto o macho toma conta do ninho, as fêmeas deslocam-se para formarem outro harém com um macho distinto. Segundo WESTENDORF E ALTIZIO (1997), há ninhadas de até 60 ovos, porém as mais comuns são de 30 a 40 ovos. A maturidade sexual nas fêmeas é atingida a partir dos 18 meses.

PRODUTOS

Carne

A ema é uma alternativa para suprir a demanda de proteína de origem animal de alta qualidade. A produção de carne é o fator que dá maior impulso à criação comercial dessa espécie. A carne da ema é apreciada por sua semelhança à carne bovina em termos de aspecto, sabor e textura (HOSKEN E SILVEIRA, 2003).

A carne de ema se caracteriza pela natureza das proteínas que a compõem, não somente do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Além de sua riqueza em aminoácidos essenciais, ela contém umidade, gordura, vitaminas, glicídios e sais minerais como elementos nutritivos complementares. O músculo é o principal componente da carne. Em sua composição química, apresenta água, proteína, lipídios, substâncias nitrogenadas não protéicas, carboidratos e componentes inorgânicos.

O músculo magro das diferentes espécies de animais domésticos tem composição relativamente constante no que diz respeito ao conteúdo de proteína, glicídios, minerais e água. A gordura é o principal diferencial entre espécies. O conteúdo de gordura pode variar entre 0,7 e 28,7% em bovinos adultos, entre 8 e 55% em suínos e entre 4 e 39% em ovinos. Isto resulta na modificação da proporção da proteína e demais constituintes da carne. A composição dos diferentes cortes de carne é também variável, dependendo da função exercida pelos músculos no organismo (PARDI et al., 1995).

A composição da carne varia também de acordo com a idade, o sexo, a raça, o manejo, a alimentação e a espécie animal. A carne de animais jovens contém maior proporção de umidade e menor de gordura, proteínas e minerais que a carne de animais adultos. Os jovens são menos predispostos ao acúmulo de gordura subcutânea. Fêmeas têm menor predisposição do que machos inteiros para a formação de gordura, sendo que os animais castrados tendem a depositar mais gordura.

As características da carne de ema fazem com que a perda de peso na cocção seja baixa, favorecendo o processamento e auxiliando na manutenção da aparência depois que o produto é embalado e mesmo após o congelamento (HOSKEN E SILVEIRA, 2003). A ema produz de 10 a 13kg de carne vermelha, magra, com baixíssimos níveis de colesterol e calorias; em alguns lugares do mundo o consumo da carne de ema é difundido com divulgação da idéia de que é “a carne vermelha saudável”.

A carne tem uma característica única: contém menos de 1% de lipídios. Os lipídios são abundantes em ácidos graxos polissaturados do tipo ômega-3, que reduzem a pressão arterial, melhoram a elasticidade das artérias e influem positivamente na prevenção e na redução de tumores (SILVA, 2001). Essa característica da carne é proveniente da distribuição das gorduras no organismo do animal. As gorduras se localizam primordialmente ao redor do estômago e sob a pele, resultando em cortes de carne magra e couro extremamente macio (HOSKEN E SILVEIRA, 2003). A capacidade de correr da ema faz com que seus músculos, já adaptados a essa atividade há mais de 80 milhões de anos, gerem grande quantidade de ATP. Nos Estados Unidos é produzido um concentrado protéico (extrato de carne) de carcaças de emas, usado como suplemento alimentar por pessoas que necessitem complementos energéticos ou vitamínicos em sua dieta (SILVA, 2001).

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Na Tabela 2 são apresentados os valores nutricionais de carne de diversas origens. Além do alto teor protéico, pode-se notar que a carne de ema apresenta um dos teores mais baixos de gordura (incluindo o teor mais baixo de colesterol) e que o teor de proteína é alto. A carne de ema é pouco calórica quando comparada à carne de suíno e de bovino, além de apresentar alto conteúdo de alguns minerais.

Os maiores mercados consumidores de carne de ema são os Estados Unidos e o Canadá, onde esta carne é encontrada facilmente em supermercado, na forma de hambúrgueres, embutidos, dentre outros (HOSKEN E SILVEIRA, 2003).

Tabela 2. Comparação dos valores nutricionais de carne de diversas espécies.

Análises Ema Suíno Bovino Frango Peixe

Água (%) 74,8 70,0 75,0 73,0 – 75,0 82,0

Gordura (%) 1,2 25,0 2,0 – 14,7 1,0 – 3,0 1,0

Proteína (%) 22,9 18,0 – 28,0 18,0 – 22,0 23,0 – 24,0 16,0

Colesterol(mg/100g) 57 80 – 105 63 64 – 90 í

Cálcio (mg/100g) 14,6 10,0 10,0 8,0 – 17,0 20,0 – 40,0

Potássio (%) 105,4 í í í 250 – 400

Magnésio (mg/100g) 26,8 17-25 20 20-27 25 – 50

Fósforo (mg/100g) 219 í í í 240 – 500

Colágeno (%) 0,11 í 0,05 í í

Calorias (Kcal/100g) 105 319,3 157,2 114,4 70 – 120

Fonte: SILVA (2001).

Gordura

Uma ave pesando 34kg ao abate produz cerca de 6,5kg de gordura. O óleo de ema é biodegradável, apresentando-se líquido em baixas temperaturas e necessitando de pouco processamento, além de ser estável por longos períodos de tempo (HOSKEN E SILVEIRA, 2003).

As principais propriedades cosméticas e farmacêuticas atribuídas ao óleo são a penetrabilidade na pele (permitindo seu uso como veículo para vacinas e insulinas), hidratação, anti-reumático e antiinflamatório. A ema difere de outras espécies de animais pelo curto tempo necessário ao metabolismo da gordura. Uma conseqüência desta particularidade é que a gordura, e posteriormente o óleo purificado, não contém resíduos de metais nem de outros contaminastes. Estudos feitos na família das ratitas mostram que estes óleos são triacilgliceróis, indo desde o ácido láurico ao lignocérico (SILVA, 2001). Os triglicerídios são os componentes mais abundantes nos lipídios da pele humana. Os ácidos graxos do óleo de ema são semelhantes ao extrato córneo (a camada externa) da pele humana.

Estudos também confirmam que o óleo de ema contém ácido linolênico, uma substância que alivia temporariamente as dores articulares. O ácido araquidônico, recentemente identificado no óleo de ema, é um precursor da síntese dos eicosanóides, prostaglandina e leucotrienos, desempenhando um papel muito importante no processo inflamatório, e está sendo objeto de pesquisa. O ácido oléico, o ácido graxo mais abundante no óleo de ema, é bem conhecido por sua capacidade de transportar compostos bioativos através da pele. Estudos sobre a capacidade de os mesmos transportarem outros compostos não presentes no óleo (vitamina, peptídeos naturais ativos e proteínas necessárias à regeneração da pele) para o interior da epiderme, resultaram na descoberta da capacidade de transporte de até mesmo proteínas com alto peso molecular (60.000 Daltons) devido à relação especial de ácidos graxos não-saturados e uma composição natural deste óleo com um transportador biológico (SILVA, 2001).

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Couro

A pele da ema tem uma textura atraente e singular beleza. Após passar por processo de curtimento e tingimento, o couro pode ser utilizado para confecção de bolsas, cintos, sapatos e casacos. É um produto resistente, de bom caimento e flexibilidade, excelente para confecções de calçados, bolsas, cintos e roupas.

Penas

As penas das emas podem ser utilizadas para confecção de espanadores e outros artigos. Hoje também são usadas na indústria automobilísticas na limpeza de carrocerias antes da pintura, e na informática em limpeza de microchips e circuitos integrados, por não transportarem cargas elétricas (SILVA, 2001).

Ovos

As emas põem ovos que pesam entre 400 e 700g, com diferenças marcantes de tamanho entre subespécies. Os ovos são grandes e nutritivos e possuem gemas que equivalem a 15 ovos de galinha. O ovo não fertilizado pode ser consumido à semelhança do de galinha, usado na indústria de xampus e no preparo de vacinas, como também em artesanato.

O ovo de ema apresenta a seguinte composição centesimal (74,2% de umidade): 14,90g de casca, 47,25g de albúmen, 37,85g de gema, 11,3g de proteína, 12,1g de lipídios, 1,74g de cinzas e 220mg de colesterol. A casca contém 98,5% de carbonato de cálcio e apresenta grande potencial para várias aplicações médicas.

Estudos realizados com o objetivo de avaliar o conteúdo de colesterol e ácidos graxos, mostram que estes se encontram próximos (16,41) a valor encontrados para galinha (15-19 mg/g) e avestruz (13 mg/g). A relação ácidos graxos saturados (SFA), ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) e ácidos graxos polinsaturados (PUFA), em gemas de ovos de ema encontrada por HORBANCZUK et al. (2003), foi de 1:1:1, o que é muito importante do ponto de vista dietético.

Outros produtos

O fígado pode ser usado na produção de patês. As pestanas servem para fabricar cílios postiços. O couro da canela é semelhante ao dos répteis, sendo usado em pulseiras de relógio, cintos e outros itens decorativos. A pepsina, extraída do estômago, é usada na composição de medicamentos digestivos. O bico e as unhas também são usadas em artesanato.

ALIMENTAÇÃO E FISIOLOGIA DIGESTIVA

Exigências nutricionais e alimentação

As emas são aves onívoras. Apresentam preferência alimentar por brotos de plantas, insetos – como gafanhotos e lagartas – e vertebrados de pequeno porte, tais como lagartos, rãs, e algumas cobras. As emas também comem sementes, raízes e frutas. É parte de seu hábito natural caminhar longas distâncias em busca de alimento.

A alimentação é uma parte importante no manejo das ratitas. Atualmente são formuladas dietas baseadas em valores nutricionais da avicultura, devido à falta de conhecimento específico nesta área (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1994). É sabido que água fresca e fontes arenosas devem estar disponíveis para as aves. Pequenas pedras ingeridas do solo, ou incluídas na formulação de dietas comerciais, servem como auxiliares à digestão (DUTRA, 2005). A conversão alimentar típica das emas durante seu primeiro ano de vida é de 3,0.

Ao longo da vida das aves ocorrem mudanças nas exigências nutricionais. Aves com idade entre seis e dezoito meses devem consumir uma ração comercial de ratitas, ou ração para perus, com 24 a 26% de proteína. Na ausência de disponibilidade de pastagem, deve-se disponibilizar uma fonte suplementar de alimento contendo de 11 a 12% de fibras. Após a maturidade sexual, suplementos de cálcio devem ser adicionados à dieta das fêmeas, para dar suporte à produção de ovos (WESTENDORF E ALTIZIO,1997).

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Fisiologia digestiva

Há importantes diferenças entre o sistema digestivo das ratitas e o dos ruminantes, não-ruminantes e de outras aves. Emas não possuem dentes nem papo. A parte cranial do esôfago é dilatada, semelhante a uma bolsa, permitindo o acúmulo de alimento que, quando deglutido, move-se para baixo. O esôfago desemboca diretamente no estômago glandular (pró-ventrículo), o qual possui em sua porção dorsal glândulas com a função de secretar o suco gástrico (SILVA, 2001).

Os alimentos são conduzidos para o ventrículo (moela) onde são triturados por ação mecânica, com o auxílio de pequenas pedras. Após o processo de moagem, os alimentos passam pelo esfíncter, que tem a função de reter alimentos ainda grosseiros, para o intestino delgado, onde alguns nutrientes são absorvidos e mais suco digestivo é adicionado ao bolo alimentar.

O intestino delgado ou íleo é muito longo e é separado do colo por dois cecos de comprimentos diferentes. São especialmente os dois cecos e o colo que caracterizam as ratitas como herbívoras. Sua alimentação se constitui principalmente de ervas tenras e são comedoras seletivas, preferindo as leguminosas (trevos, cornichão, pega-pega) e brotos de gramíneas.

Em uma ave de seis meses de idade, o alimento passa pelo sistema digestivo em 36 a 40 horas, permitindo o crescimento de bactérias anaeróbicas e a fermentação microbiana, importantes para a digestão da parede celular das plantas, principalmente celulose e hemicelulose. Os ácidos graxos produzidos são quase totalmente absorvidos e utilizados para a produção de energia (SILVA, 2001).

CRIAÇÃO E ABATE

O abate comercial de emas no Brasil iniciou no Rio Grande do Sul em 1999. Esse primeiro abate, realizado com Serviço de Inspeção Estadual, teve capital importância na definição dos processos adequados ao processamento da ave em frigorífico, bem como o estabelecimento de cortes, a definição de embalagens e condições ideais de conservação (HOSKEN E SILVEIRA, 2003). Naquele momento, o conhecimento existente era derivado da exploração comercial da ema no Uruguai, onde sua criação datava do início da década de 1990.

A pequena quantidade de produtores e animais inviabilizou a construção de frigoríficos específicos para o abate de emas. Rapidamente foi percebido que a ema poderia ser abatida em praticamente qualquer frigorífico de bovinos, ovinos, caprinos ou suínos, com mínima ou nenhuma adaptação necessária. Esta descoberta facilitou, reduziu custos e investimentos e viabilizou a implantação dessa nova cadeia produtiva (HOSKEN E SILVEIRA, 2003).

A então recém-criada AGCE – que viria a dar origem à atual Associação Brasileira dos Criadores de Emas – cujo enfoque foi fomentar a atividade com vista ao mercado externo, percebeu a necessidade de realizar abates sob os auspícios do Serviço de Inspeção Federal (S.I.F.), para poder abordar, num primeiro momento, os principais mercados do Brasil e, na seqüência, o mercado de exportação (HOSKEN E SILVEIRA, 2003). Para tanto, fez-se necessário definir procedimentos e identificar as doenças, enfermidades e eventuais zoonoses que a ema poderia apresentar. Após vários meses de trabalho realizou-se, em 25 de julho de 2000, o primeiro abate nacional experimental de emas com S.I.F. no Frigorífico Pampeano, na cidade de Hulha Negra, RS. Muitos outros abates seguiram, bem como a habilitação de outros frigoríficos no Rio Grande do Sul. Este trabalho sofre constante aperfeiçoamento, com o objetivo final de estabelecer um padrão de procedimentos que viabilize a exploração comercial de emas e avestruzes em todo o Brasil.

A criação de emas tem duas fases distintas. A primeira é a formação de plantéis, com a conseqüente consolidação das técnicas de manejo, alimentação e sanidade. Neste período, deve-se fomentar a formação da cadeia produtiva, o desenvolvimento e consolidação do mercado. Os criadores pioneiros terão desafios com todos esses aspectos, porém, terão um bom mercado de matrizes e animais ornamentais. Alguns produtores são tentados a

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especular com a venda de matrizes, praticando preços exagerados e fora da realidade da cadeia produtiva e do mercado internacional. Este fato foi observado principalmente com criadores de avestruzes (HOSKEN E SILVEIRA, 2003).

A segunda fase é considerada a “hora da verdade”, o momento no qual a renda dos produtores se resumirá quase que exclusivamente à venda dos subprodutos obtidos pelo abate dos animais. Essa fase é ditada pela eficiência produtiva; daí a importância e zelo que devem ser dedicados a todo o processo de produção. HOSKEN E SILVEIRA (2003) apresentaram sugestões de procedimentos para que se realizem abates com alta eficácia. As principais etapas são apresentadas e discutidas a seguir.

Terminação das aves

Abater os animais com a idade, peso e estado de terminação corretos é fundamental para a lucratividade do produtor e da indústria. O produtor que deseja ter alta lucratividade e desempenho com seus animais deve adotar um programa alimentar sem restrições e rígidas medidas profiláticas e de controle sanitário. A boa carcaça e a qualidade das penas e do couro são conseqüência direta de boa alimentação, adotada desde a eclosão do pinto.

Seleção de aves para abate

No sul do Brasil, Uruguai e Argentina, emas adultas pesam tipicamente entre 25 e 35kg. O ponto ideal de abate varia entre 22 e 30kg de peso vivo com idades que poderão variar dos 7 aos 18 meses. Quanto mais cedo a ema atinge o peso e terminação (cobertura de gordura) para abate, mais lucro proporcionará o animal. Isso se deve a que a melhor conversão alimentar da ave ocorre dos 30 aos 180 dias de idade.

Aspectos burocráticos

A ema ainda é considerada um animal nativo silvestre e sua criação, sob o ponto de vista ambiental, está disciplinada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e, sob o ponto de vista sanitário, pertence à alçada do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. A exploração comercial da ema deve obedecer às portarias específicas destes dois órgãos. O frigorífico deverá estar licenciado junto ao IBAMA para o abate de animais silvestres.

Transporte das aves

O transporte das aves é uma das operações mais delicadas e comprometedoras do bom desempenho do abate e seu rendimento. As aves devem ser levadas em veículos que proporcionem conforto e segurança no transporte. Limites de carga devem ser respeitados e, quando existem opções para o abate, o transporte das emas deve cumprir a menor distância possível. Transporte em distâncias longas e sob condições de superlotação ou com pouca ventilação são causas de estresse para as aves e podem resultar principalmente na redução da qualidade da carne.

Sacrifício, esfola e evisceração

Dentro do frigorífico as aves deverão descansar durante, pelo menos, 24 horas antes do sacrifício; devem ter à sua disposição água limpa mas estar privadas de alimento. De uma maneira geral, as mangueiras de contenção para outras espécies não necessitam adaptação para as emas, mas é bom fazer uma vistoria para evitar fugas. O abate é feito após atordoamento. As penas são retiradas após um banho em água quente e a pele removida cuidadosamente, para evitar que seja perfurada desnecessariamente. A evisceração deve ser feita de acordo com normas sanitárias estabelecidas, separando-se as vísceras comestíveis daquelas não-comestíveis.

Desossa

A desossa deverá acontecer, preferencialmente, 12 a 24 horas após o abate. Tempo excessivo de repouso na câmara de resfriamento tende a oxidar e escurecer a carcaça. Deve-se evitar o congelamento ou a simples exposição das carcaças a temperaturas abaixo de zero, que poderão queimar a carne nas suas faces externas.

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Embalagem e conservação da carne

A embalagem, além dos aspectos técnicos da conservação, deve ser também estudada de acordo com o mercado alvo, respeitando aspectos de marketing (HOSKEN E SILVEIRA, 2003). Como todo produto de origem animal vendido in natura, a carne de ema deve ser mantida sob refrigeração até o momento do seu preparo para consumo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALMEIDA, M.A. Influência dos sistemas artificiais e naturais de incubação e criação de emas (Rhea americana ) nos índices reprodutivos de criadouros do estado de São Paulo, 2003. Dissertação (Mestrado em Reprodução Animal) Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

DUTRA, D.G. Tópicos em citologia e fisiologia de aves. In: SOUZA-SOARES, L.A.; SIEWERDT, F. Aves e Ovos . Pelotas: UFPEL, 2005. p.129-136.

HORBANCZUK, J.O.; COOPER, R.G.; JOZWIK, A.; KLEWIEC, J.; KRZYZEWSKI, J.; CHYLINSKI, W.; KUBASIK, W.; KAWKA, M. Cholesterol content and fatty acid composition of egg yolk of grey nandu (Rhea americana). Animal Science Papers and Reports 21:265-269. 2003.

HOSKEN, F. M.; SILVEIRA, A.C. Criação de emas . Viçosa: Aprenda Fácil, 2003. 366 p.

JIMÉNEZ, M.; JIMÉNEZ, M.G. El ñandú grande Rhea americana taxonomia. Disponível em: <http://www.rheacultura.com.br>. Acesso em 10.nov.2004.

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PARDI, M.C.; SANTOS, I.F.; SOUZA, E.R.; PARDI, H.S.; Ciência, Higiene e Tecnologia de Carne. Goiânia: UFG v.1. p.49-61.1995.

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WESTERFORF, M.; ALTIZIO, B. Ostrich, emu, and rhea production. Disponível em: <http://www.rce.rutgers.edu>. Acesso em: 10.set.2004.

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Figura 1. Ema (Rhea americana) Fonte: http://www.pantanal.it/Fauna.htm

Figura 2. Avestruz (Struthio camelus) Fonte: http://www.damisela.com/zoo/photo/co1/gostrich.jpg

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Figura 3. Casuar (Casuarius sp.) Figura 4. Emu (Dromaius sp.)

Fontes: http://www.gondwanaguides.com.au/web%20gallery%20pics%20only.htm (Figura 3)

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/53/Emu-250.jpg (Figura 4)

Figura 5. Kiwi (Apteryx sp.)

Fonte: http://globemonnaies.free.fr/photos/nz%20kiwi.jpg

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CARACTERÍSTICAS E ASPECTOS NUTRICIONAIS DO OVO

Cibelem Iribarrem Benites Universidade Estadual de Campinas

Campinas, SP

Patrícia Bauer Silva Furtado Avipal Elegê

São Lourenço do Sul, RS

Neusa Fátima Seibel Universidade Estadual de Londrina

Londrina, PR

INTRODUÇÃO

O ovo comercial é o produto de uma eficiente transformação biológica feita pela galinha de postura. Esta ave transforma recursos alimentares de menor valor biológico em um produto com alta qualidade nutricional para o consumo humano. A transformação depende de fatores biológicos relacionados à fisiologia da ave e é influenciada pelo aporte nutricional e práticas de manejo e ambiente adequados para a sua criação (BERTECHINI, 2004).

O ovo é um dos alimentos mais completos que existe, sendo composto de proteínas, glicídios, lipídios, vitaminas, minerais, ácidos graxos essenciais. Cada um dos componentes exerce uma função específica, cabendo ressaltar que estes componentes podem ser alterados, através da manipulação da composição da dieta usada.

Mundialmente, a produção de ovos comerciais apresentou crescimento de 54% entre os anos de 1990 e 2001. No Brasil, porém, o crescimento foi somente de 8,8% no mesmo período. Este fato se deve, em parte, ao baixo consumo de ovos per capita(94 ovos por ano) comparado a outros países. A evolução do consumo de ovos no Brasil também não tem acompanhado o aumento do consumo de carnes, tendo apresentado incremento muito baixo, mesmo considerando-se que a proteína apresenta melhor valor biológico, menor preço e que a grande maioria da população brasileira sofre deficiência nutricional (BERTECHINI, 2004).

CONCEITUAÇÃO E ESTRUTURA DO OVO

A denominação genérica de ovo será empregada apenas para identificar os ovos de galinhas. Ovos de outras aves são designados indicando-se a espécie da qual procedem. O ovo é um corpo unicelular, formado no ovário ou oviduto. Compõe-se de protoplasma, vesículas germinativas e envoltórios, e contém os nutrientes essenciais para nutrir o gérmen da respectiva espécie (ORNELLAS, 1985). As quatro partes principais do ovo são a casca, a membrana da casca, a gema e a clara. A casca representa 10% do peso do ovo, enquanto que a gema, ou oócito, representa 30% do peso total do ovo e a clara, ou albume, representa 60% do peso do ovo. O peso da membrana da casca é desprezível.

A casca é constituída por uma armação de substâncias orgânicas (escleroproteína e colágeno) e minerais (carbonato de cálcio e de magnésio) (ORNELLAS, 1985). A casca externa do ovo possui pequenos poros para a troca dos gases. Estes poros estão cobertos por uma cutícula composta de cera que protege o ovo contra a perda de água e impede a penetração de microrganismos (PROUDLOVE, 1996). A membrana interna e a casca externa, formadas por queratina, agem como camadas protetoras contra rompimentos e invasões microbianas. Sua espessura é de apenas 0,01 a 0,02 mm (MADRID et al., 1996).

A membrana da casca é constituída de duas camadas: uma mais espessa (externa), chamada “esponjosa”, próxima à casca; e outra mais fina (interna), também chamada “mamilária”. Ambas são formadas por fibras protéicas intercruzadas. Na extremidade mais larga do ovo, essas membranas estão separadas, dando lugar a um espaço normalmente considerado como câmara de ar. Este espaço é preenchido por ar que entra através da casca, depois que o ovo é posto. O ovo sofre resfriamento após a postura, pois deixa o corpo da galinha, onde a temperatura era de aproximadamente 39ºC e passa à temperatura

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ambiente; o resfriamento provoca uma contração e o vácuo resultante favorece a entrada de ar na câmara. A casca permite a troca de gases (entrada de oxigênio e saída de gás carbônico), o que é necessário para o desenvolvimento do embrião. No ovo fresco, devem-se encontrar ainda duas estruturas esbranquiçadas e enroladas, que ficam ligadas à gema e incluídas na clara. Essas estruturas, as chalazas, sustentam a gema no centro do ovo (BEIG E GARCIA, 1987).

A clara é uma solução de várias proteínas, com viscosidade mínima nas proximidades da casca e da gema é máxima (estado gel) à distância média destes dois componentes (BOBBIO E BOBBIO, 1992). Três camadas constituem a clara: uma fina camada externa (23%), uma camada grossa (57%) e a uma fina camada interna (20%). A clara contém de 85 a 90% de água, sendo a proteína o outro componente principal, porém também existem pequenas quantidades de glicoproteínas e glicose (menos de 1%) e sais minerais (MULLER E TOBIN, 1996). A clara é pobre em gorduras (apenas 0,1 a 0,2%), o que resulta em baixo valor calórico. Ela é formada em poucas horas e é rica em proteínas, destacando-se a ovalbumina, a conalbumina e os ovomucóides. A ovalbumina, uma fosfoglicoproteína, responde por mais de 50% do conteúdo protéico (MADRID et al., 1996).

A gema é uma dispersão de fosfoproteínas e lipoproteínas. Há também algumas lecitinas que, juntamente com certa quantidade de lipoproteínas, tornam a gema de ovo um ótimo emulsificante. Esta parte do ovo é composta por aproximadamente 50% de sólidos. Durante o período de armazenamento ocorre migração de aproximadamente 2% de água da clara para a gema (MULLER E TOBIN, 1996; PROUDLOVE, 1996). Também é na gema que se encontra a gordura do ovo, incluindo o colesterol. A composição da gema pode variar bastante de acordo com o tipo de alimentação oferecida às aves. Uma pequena parte dos carboidratos é formada de glicose em estado livre; estes e as cinzas podem chegar a 1%, sendo os principais elementos o fósforo, o cálcio e o potássio (MADRID et al., 1996). A coloração amarelada da gema é devida principalmente à presença de carotenóides.

Apresenta-se na Figura 1 um diagrama esquemático de um ovo. A gema contém camadas de cor amarelo claro e escuro, alternadas, cercadas pela membrana vitelina e inclui uma pequena gema branca que se estende do centro para o germe, onde o desenvolvimento do embrião, no ovo fértil, tem início. Essa gema branca nem sempre endurece completamente durante a cocção. A calaza, que mantém a gema em sua posição, no interior do ovo, é uma estrutura fibrosa, opaca, que se estende através da clara até as extremidades do ovo, de forma contínua, com uma camada calazífera recobrindo a gema. Uma camada fluida da clara vem em seguida à gema, cercada após por uma clara espessa e, finalmente, por uma nova camada externa de clara fluida. A clara espessa, também chamada saco albuminoso, adere à casca em cada extremidade do ovo, e cerca a camada albuminosa fina, mais interna. A casca tem estrutura granulosa e é suficientemente porosa para permitir a respiração do embrião quando em desenvolvimento. É coberta com uma cutícula externa fina, que se constitui, principalmente, de matéria orgânica. Na parte interior da casca existem duas membranas que se separam para formar a câmara de ar (espaço aéreo) na extremidade mais larga do ovo (GRISWOLD, 1972).

COMPOSIÇÃO E VALOR NUTRITIVO DO OVO

A composição do ovo depende de vários fatores que serão discutidos a seguir. Cabe ressaltar que a idade de ave influi apenas no tamanho do ovo, mas não em sua composição. A dieta influencia a composição protéica, a composição dos ácidos graxos e o conteúdo de colesterol da gema. Quando a taxa de ácidos graxos poliinsaturados da dieta aumenta, aumenta também a proporção de ácido linoléico e diminui a de ácido oléico, mas a quantidade total de ácidos graxos saturados permanece constante, especialmente os ácidos palmítico e esteárico. Os conteúdos de ácido palmítico e de ácido esteárico da gema oscilam entre 30 e 40% do total de gordura.

A composição aproximada da clara e da gema é apresentada na Tabela 1. Pode-se notar que a gema é composta por aproximadamente 50% de água sendo também muito rica em gorduras e proteínas e pobre em carboidratos. A gordura da gema é composta por colesterol (só 5% do total gorduroso) e, sobretudo, por triacilgliceróis e fosfolipídios. A composição pode variar bastante, dependendo do tipo de alimentação. Uma pequena parte

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dos carboidratos é formada de glicose em estado livre. Quanto ao conteúdo de minerais, o fósforo, o cálcio e o potássio são os mais importantes.

Figura 1. Diagrama de um ovo. (Fonte: http://curlygirl.naturlink.pt/ovoave.jpg)

Tabela 1. Composição média do ovo de galinha.

Componentes Gema Clara

Umidade (%) 51,0 – 52,0 87,0 – 88,0

Gorduras (%) 30,0 – 34,0 0,1 – 0,2

Proteínas (%) 16,0 – 17,0 10,6 – 10,9

Carboidratos (%) 1,0 – 1,5 0,8 – 1,5

Sais Minerais (%) 1,5 – 2,0 0,6 – 0,9

Valor Calórico (cal/100g) 360 50

Fonte: MADRID et al. (1996).

A Tabela 2 apresenta os tamanhos e a composições centesimais de ovos de diferentes espécies de aves. Nota-se que o maior ovo é o de gansa, que em termos calóricos, protéicos e lipídicos não difere tanto das demais espécies. É importante ressaltar que o ovo não é uma fonte de fibra alimentar.

As composições detalhadas de aminoácidos das proteínas do ovo (Tabela 3) e de ácidos graxos dos lipídios (Tabela 4) de ovos de galinha são apresentadas a seguir, tomando-se como referência um ovo de 50g de peso. As tabelas foram adaptadas de ENGLERT (1998).

O complexo de proteínas do ovo serve como fonte significativa de dez aminoácidos, o que lhe atribui um alto valor biológico, especialmente se parte de uma alimentação variada. O conteúdo total de lipídios do ovo é de apenas 11% do seu peso, o que não é muito alto. Mais importante do que o simples conteúdo total de lipídios, deve-se atentar para o fato de que o conteúdo de ácidos graxos saturados é baixo, tanto em valores absolutos (1,7g por ovo) quanto em valores relativos (cerca de 31% dos lipídios totais).

A conteúdo de minerais e de vitaminas do ovo de galinha é apresentado na Tabela 5. A casca tem, em média, 5,6g de matéria inorgânica, sendo que a maior parte é carbonato de

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cálcio (98%). O restante da matéria orgânica é composto por carbonato de magnésio e fosfato tricálcico. A matéria orgânica, bastante reduzida, apresenta-se na forma de proteínas e água.

Tabela 2. Composição centesimal de ovos produzidos por diferentes espécies de aves.

Componente Perua Galinha Gansa Pata Codorna

Tamanho (g) 79 50 144 70 9

Calorias (cal/100g) 168 155 185 185 160

Umidade (%) 72,50 74,57 70,43 70,83 74,35

Proteínas (%) 13,68 12,14 13,85 12,81 13,05

Lipídios (%) 11,88 11,15 13,27 13,77 11,09

Carboidratos (%) 1,15 1,20 1,35 1,45 0,41

Fibras (%) 0 0 0 0 0

Cinzas (%) 0,79 0,94 1,08 1,14 1,10

Adaptado de STADELMAN et al. (1988) e de TERRAVISTA (2001).

Adaptado de ENGLERT (1998).

PAPEL DAS VITAMINAS DO OVO

O ovo tem um conteúdo de vitaminas capaz de sustentar o embrião durante todo o seu desenvolvimento e de permitir a eclosão do pinto ao final do período de incubação. Este processo é alimentado exclusivamente pelas fontes de energia e de nutrientes existentes no ovo.

As composições vitamínicas da clara e da gema diferem em quantidade e qualidade. A clara, composta essencialmente por albúmen, é pobre em vitaminas, contendo apenas aquelas do complexo B. Em contraste, a gema é farta no conteúdo de vitaminas, tanto as lipossolúveis quanto as hidrossolúveis, com a notória ausência do ácido ascórbico (vitamina

Tabela 3. Composição aminoacídica das proteínas do ovo.

Tabela 4. Composição de ácidos graxos dos lipídios do ovo.

Aminoácidos Quantidade (g) Ácidos Graxos Quantidade (g)

Arginina 0,41 Insaturados, subtotal (3,60)

Histidina 0,17 Oléico 2,10

Isoleucina 0,43 Linoléico 1,20

Leucina 0,52 Linolênico 0,16

Lisina 0,42 Araquidônico 0,13

Metionina 0,22 Saturados, subtotal (1,70)

Fenilalanina 0,33 Palmítico 1,30

Treonina 0,34 Esteárico 0,40

Triptofano 0,12 Lipídios, total 5,50

Valina 0,50 Adaptado de ENGLERT (1998).

Proteína, total 6,10

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C). A gema proporciona ao embrião elementos para os processos de oxi-redução, metabolismo de glicídios e de lipídios, transporte de cálcio, entre outros. Modificações na dieta causam alterações no conteúdo de certas vitaminas do ovo. Por este motivo, deve-se fornecer às poedeiras alimentos que tenham vitaminas em quantidades suficientes para manter suas necessidades de mantença e de produção. As vitaminas influirão no processo de incubação e podem também servir como agentes de profilaxia dirigida. Pode-se, via de regra, obter um suplemento adequado de vitaminas acrescentando-se à ração das reprodutoras uma mistura preparada com vitaminas e minerais. A adição de vitaminas e minerais à ração merece cuidados especiais. Como o contato com o ar pode prejudicar a estabilidade de certas vitaminas, deve-se ter especial cuidado para que não se passem muitos dias entre a preparação e a administração das rações às aves.

Tabela 5. Conteúdo de minerais e de vitaminas do ovo.

Minerais Quantidade Vitaminas Quantidade

Cálcio 26 mg Vitamina A 550 UI

Fósforo 101 mg Vitamina D 50 UI

Sódio 66 mg Vitamina E 1 mg

Cloro 74 mg Tiamina (B1) traços

Potássio 76 mg Riboflavina (B2) 0,5 mg

Enxofre 67 mg Ácido Pantotênico 0,14 mg

Magnésio 27 mg Colina 0,8 mg

Ferro 1,3 mg Niacina 261 mg

Cobre 0,15 mg Piridoxina (B6) 0,5 mg

Zinco 0,5 mg Ácido Fólico 60 µg

Iodo 3 µg Biotina (H) 3 µg

Manganês 6 µg Cobalamina (B12) 5 µg

Molibdênio, cobalto traços Inositol 0,5 µg

Adaptado de ENGLERT (1998).

TIPOS DE OVO

Em termos estritamente técnicos, o produto que o consumidor encontra no comércio é um óvulo e não um ovo. Não há presença de machos nas granjas de produção e, portanto, os ovos não são fertilizados. Convencionou-se chamar o produto que é comercializado de ovo por questão legal. A coloração é típica da raça, ou seja, é determinada pela herança genética da ave. A cor da casca varia do branco ao marrom escuro e a pigmentação se deve à presença de porfirinas. A coloração da casca dos ovos é controlada por vários genes que regulam a deposição de pigmentos derivados do anel de porfirina do grupo heme. As poedeiras brancas produzem quantidades normais de protoporfirina na glândula calcífera da casca (útero); por outro lado, depositam pouquíssima quantidade deste pigmento na parte mais interna da casca. Já as de ovos vermelhos, possuem diferentes alelos em vários loci que codificam a deposição de protoporfirina nas regiões mais externas da casca (BERTECHINI, 2004).

As poedeiras de origem da raça Leghorn branca dão origem aos ovos com casca branca; já as aves de origem das raças Rhode Island Red, New Hampshire e Leghorn vermelha produzem ovos de casca marrom. Os dois tipos de poedeiras são híbridos comerciais e suas características fisiológicas são essencialmente idênticas. As poedeiras de ovos marrons são geralmente um pouco mais pesadas no início de postura e, portanto, um pouco menos eficientes do que as poedeiras de ovos brancos. A qualidade da casca dos ovos é semelhante. Tem sido observado que ovos de casca marrom quebram menos, devido,

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provavelmente, à resistência ligeiramente superior da casca branca dos ovos brancos (BERTECHINI, 2004).

Contrário à crença popular, a cor da casca do ovo não tem relação alguma com a qualidade comestível ou valor nutritivo do ovo (HAWTHORN, 1983). O decreto número 30.691 de 29 de março de 1952 do CIPOA/DNDA/SNAD regulamenta o padrão de identidade e qualidade para ovo comercial. De acordo com a lei, existem dois tipos de ovos comerciais produzidos e disponíveis no mercado: o ovo de casca branca e o ovo de casca vermelha, também denominada de marrom. No Brasil, o plantel de aves de postura alojadas é de 43 milhões de poedeiras de ovos brancos e de 18 milhões de poedeiras de ovos vermelhos (BERTECHINI, 2004).

CLASSIFICAÇÃO COMERCIAL DOS OVOS

O único método de classificação praticável comercialmente é o adotado pelo uso do ovoscópio. A condição do ovo é julgada, segurando-o à frente de um foco de luz, numa sala escura. A luz do ovoscópio revela a condição da casca, o tamanho da câmara de ar, a nitidez, a cor e a mobilidade da gema, valendo-se de voltas rápidas do ovo na esteira. O estado da clara pode também ser determinado pela posição e pela liberdade de movimento da gema: claras mais espessas estão associadas a gemas menos móveis e menos visíveis. Anormalidades, tais como manchas de sangue ou de carne, desenvolvimento embrionário e deterioração também são evidentes. Manchas de sangue são devidas à ruptura de um vaso sangüíneo no saco da gema (folículo) dentro do ovário da galinha. Se ocorrer vários dias antes da ovulação, transforma-se em manchas, por causa das mudanças químicas que alteram sua cor (GRISWOLD, 1972).

Para efeito de comercialização, os ovos são agrupados em três classes (MADRID et al., 1996):

• Ovos frescos: aqueles que, apresentando cor e sabor característicos, não sofreram outras manipulações além de limpeza a seco. Observados em um ovoscópio, aparecem completamente claros, sem qualquer tipo de sombra. A clara é firme, transparente e sem turvações. A gema é de cor uniforme, podendo oscilar do amarelo claro ao laranja avermelhado, sem aderência com a casca e conservando-se fechada e inteira. Mantém este status se forem comercializados em até 15 dias após a postura.

• Ovos refrigerados: os que se mantêm de 15 a 30 dias após a postura, em câmaras frigoríficas ou locais onde a temperatura não passe dos 4°C.

• Ovos conservados: aqueles que permaneceram em câmara frigorífica a 0°C durante um período entre um e seis meses.

Foram estabelecidas três categorias para a comercialização de ovos, como pode ser visto no Quadro 1. A categoria A corresponde exclusivamente a ovos frescos. As categorias B e C correspondem a ovos frescos, refrigerados e conservados. Os ovos da categoria C não são destinados ao consumo in natura, sendo utilizados como matéria-prima nas indústrias alimentícias.

OVOS ENRIQUECIDOS

A possibilidade de enriquecimento de ovos já é conhecida desde 1934. Várias técnicas empregam processos científicos para alterar beneficamente a gema do ovo. Uma das linhas de trabalho mais comuns se dedica à modificação do perfil de ácidos graxos da gema, aumentando o teor de ácidos graxos poliinsaturados da série ω-3, através da inclusão de fontes ricas desses ácidos na dieta (BERTECHINI, 2004). Atribui-se aos ácidos graxos desta série a redução do risco de arteriosclerose e, em dieta materna, estimulam o desenvolvimento cerebral e da retina do neonato. A baixa incidência de doenças cardiovasculares nos esquimós e orientais, também é atribuída ao fato de estes povos consumirem uma dieta rica em ácidos graxos ω3, proveniente especialmente de pescado. São também atribuídas aos ácidos graxos ω3 a diminuição dos níveis de triacilgliceróis plasmáticos, a redução dos níveis de colesterol sangüíneo, principalmente a fração LDL (low

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density lipoprotein, ou lipoproteínas de baixa densidade) diretamente responsável por doenças coronarianas, redução da pressão arterial e redução da agregação de plaquetas.

Quadro 1. Categorias de ovos conforme suas características.

Parte a qualificar Categoria A Categoria B Categoria C

Casca e cutícula Normal, intacta, limpa. Normal e intacta. Manchada em menos de 25% da superfície

Câmara de ar Altura não excede 6 mm. Altura não excede 9 mm.

Clara do ovo Transparente, limpa de consistência gelatinosa, isenta de corpos estranhos.

Transparente, limpa e isenta de corpos estranhos.

Transparente. Isenta de corpos estranhos.

Gema do ovo Visível contra a luz apenas sob a forma de sombra, sem contorno aparente, não separando sensível da posição central em caso de rotação do ovo. Isenta de corpos estranhos.

Visível contra a luz apenas sob a forma de sombra. Isenta de corpos estranhos de todo tipo.

Visível contra a luz apenas sob a forma de sombra. Isenta de corpos estranhos de todo tipo.

Germe Desenvolvimento imperceptível. Desenvolvimento imperceptível.

Desenvolvimento imperceptível.

Aroma e sabor Isento de cheiro e sabores estranhos.

Isento de cheiro e sabores estranhos.

Isento de cheiro e sabores estranhos.

Adaptado de MADRID et al. (1996).

Existe também a possibilidade de enriquecimento de ovos com vitaminas; é possível enriquecer ovos com vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) e com vitaminas do complexo B (riboflavina, ácido pantotênico, folacina, biotina e cianocobalamina). Quanto a minerais, pode-se enriquecer a gema com ferro. Ovos desta natureza poderiam contribuir na redução da anemia em crianças. Outra forma de enriquecimento de ovos é a de empregá-los como pequenas usinas para a produção de substâncias biologicamente ativas (BERTECHINI, 2004).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas duas décadas tem existido a percepção de que é aconselhável limitar o consumo de ovos devido ao alto teor de colesterol encontrado na gema. Ao colesterol foi originalmente atribuído o aumento da colesterolemia e associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV). Pesquisas recentes têm reavaliado esta idéia e os resultados tendem a indicar que a ingestão de gordura saturada, e não o colesterol, é a maior responsável pelas DCV.

O ovo é considerado um alimento de baixo teor de gordura tendo na sua fração lipídica maiores concentrações de ácidos graxos insaturados. Um ovo de 60 g, por exemplo, possui somente 1,5 g de gordura saturada, quantidade relativamente pequena em relação a outros alimentos normalmente consumidos.

Um grande número de recentes estudos clínicos e epidemiológicos sobre a relação entre colesterol da dieta, ovos e risco de DCV teve como resultado a acumulação de evidências de que não há relação de causalidade entre o colesterol da dieta e a incidência de DCV. Embora o colesterol da dieta influa nas frações do colesterol aterogênico e anti-aterogênico, estes efeitos são mínimos e, mais importante, não afetam a proporção entre os colesteróis LDL e HDL (high density lipoprotein, ou lipoproteína de alta densidade). Uma vez vencido este mito, o ovo continuará sendo um alimento com importância estratégica para combate à subnutrição, pela versatilidade de uso em pratos culinários e por ser ótima fonte de vários nutrientes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEIG, D.; GARCIA, F.C.M. O embrião de galinha . Campo Grande, Proed.1987.

BERTECHINI, A. G. Mitos e verdades sobre o ovo e consumo. Disponível em: <http://www.ovoonline.com.br>. Acesso em: agosto de 2004.

BOBBIO, P.; BOBBIO, F. Introdução à química de alimentos . 2. ed. São Paulo: Varela. 1992. p.127-132.

ENGLERT, S. Avicultura. Tudo sobre raças, manejo e alimentação. Guaíba: Agropecuária, 7ª ed. 238p. 1998.

GRISWOLD, R. M. Estudo Experimental dos Alimentos. Rio de Janeiro: Edgard Blücher. 1972.

HAWTHORN, J. Fundamentos de Ciéncia de los Alimentos. Zaragoza: Acribia, 1983, p.114-122.

MADRID, A.V.; CENZANO, J.; VICENTE, J.M. Manual de Indústria dos Alimentos. São Paulo: Varela. p. 489-495. 1996.

MULLER, H.G.; TOBIN, G. Nutrición y Ciéncia de los alimentos. Zaragoza: Acribia. p.221-226.1996.

ORNELLAS, L. H. Técnica Dietética. 4ª edição. São Paulo: Atheneu, 1985, p.107-114.

PROUDLOVE, K. Os alimentos em debate: uma visão equilibrada. São Paulo: Varela. 1996. p.108-111.

STADELMAN, W. J.; OLSON, V. M.; SHEMWELL, G.A.; PASCH, S. Egg and Poultry Meat Processing. New York: VCH, 1988, p.20-61.

TERRAVISTA. Disponível em: <http://www.terravista.pt/ilhadomel/5682/Tabelas%20de%20calorias/caloriasO.htm>. Acesso em: julho de 2001.

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INFLUÊNCIA DA DIETA NO CONTEÚDO DE LIPÍDIOS DA CARNE E DO OVO

Patrícia Bauer Silva Furtado

Avipal Elegê São Lourenço do Sul, RS

Dariane Beatriz Schoffen-Enke Universidade Federal de Pelotas

Pelotas, RS

INTRODUÇÃO

Os conteúdos de colesterol e lipídios totais e a composição de ácidos graxos de alimentos de origem animal relatados na literatura internacional variam largamente. Estas variações podem ser atribuídas a uma série de fatores, tais como dieta, idade, sexo, porção analisada, raça, espécie, condições de criação, estação do ano, método de cozimento e, em grande parte, ao método analítico empregado.

A quantidade de gordura presente na carne é uma característica de qualidade que vem ganhando cada vez mais importância, devido à crescente conscientização do homem com sua imagem corporal e pelo fato de que dietas com alto teor de gordura levam ao aumento de problemas cardiovasculares. Com a evolução do conhecimento científico e com a influência da mídia sobre o comportamento da sociedade, grande parte da população passou a se preocupar mais com a saúde e, conseqüentemente com o tipo de dieta mais adequada a seguir. Este fato se traduz na procura mais acentuada por alimentos adequados, saudáveis e com baixos níveis de alguns componentes, particularmente a gordura e o colesterol.

Alguns autores consideram o ovo como um alimento funcional, pois contribui para a nutrição com uma proteína de alta qualidade e com 13 minerais e vitaminas, aliados a uma reduzida concentração calórica e baixo custo (SAKANAKA et al., 2000; TURATTI, 2001). O ovo pode ser considerado um pacote nutricional completo e uma das melhores opções para solucionar os problemas de nutrição da América Latina.

A coturnicultura vem ganhando espaço nos últimos anos, pois esta pode ser uma alternativa na alimentação humana, através da carne de alta qualidade, e dos ovos, cada vez mais apreciados. Uma das formas de garantir a produção de carne de ave contendo lipídios de boa qualidade é fornecer dietas cuja composição favoreça a deposição de gorduras mais saudáveis para o homem. O enriquecimento de dietas para aves com suplementos de origem marinha pode contribuir para a diminuição do conteúdo de colesterol e ainda melhorar a qualidade dos ácidos graxos presentes nos produtos disponibilizados para a população, oriundos destas aves.

COMPOSIÇÃO DO OVO

Na Tabela 1, a seguir, são apresentadas as composições dos ovos de galinha e de codorna. O ovo de codorna contém mais proteína, mais lipídios totais, mais cinzas e tem menor teor de água do que o ovo de galinha.

Fração lipídica do ovo

Os lipídios do ovo são constituídos de triacilgliceróis, fosfolipídios e colesterol. Os fosfolipídios são mais ricos em ácidos graxos insaturados do que os triacilgliceróis, sendo que a composição dos ácidos graxos destes lipídios pode variar em função do alimento ingerido pela ave. A composição dos ácidos graxos saturados, principalmente palmítico e esteárico, não varia com a alimentação (MADRID et al., 1996).

Os lipídios da gema do ovo têm digestibilidade elevada no homem (94 a 96%), por se encontrarem em estado emulsionado. Esta digestibilidade é maior para os triacilgliceróis (98%), que é a fração mais rica em ácidos graxos saturados. A digestibilidade dos

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fosfolipídios pode chegar a 90%. A riqueza da gema do ovo em ácidos graxos insaturados (cerca de dois terços dos ácidos graxos totais) e especialmente em ácido linoléico, é nutricionalmente importante para o homem (CLOSA, et al., 1999).

Tabela 1. Composição centesimal dos ovos de galinha e de codorna.

Componente Galinha Codorna

Água (g/100g) 74,9 ± 1,0 71,9 ± 1,4

Proteína (g/100g) 12,0 ± 0,5 13,6 ± 0,3

Lipídios totais (g/100g) 11,8 ± 0,5 13,3 ± 1,1

Cinzas (g/100g) 0,95 ± 0,02 1,10 ± 0,20

Fonte: CLOSA et al., 1999.

Influência da dieta na composição lipídica do ovo

Alguns nutrientes são mais críticos do que outros na produção de ovos. É importante estar ciente a respeito da deficiência de alguns nutrientes nos ingredientes usados na formulação da ração industrial. Uma galinha em estágio de postura utiliza aproximadamente 2,2 gramas de cálcio por ovo e tem necessidades adicionais deste mineral para outras funções do corpo. Um nível mínimo de 3,5% de cálcio na ração é recomendado; valores mais elevados podem ser necessários em climas quentes em situações em que o consumo da ração é menor. Quando mais de 6% de cálcio são usados, a produção geralmente decresce (ACKER E CUNNINGHAM, 1991).

Resultados dos primeiros trabalhos realizados para estudar a influência da dieta sobre a composição lipídica da gema foram publicados em 1934. Algumas conclusões gerais derivadas de sete décadas de acumulação de resultados são:

• a dieta influi pouco na porcentagem de gordura do ovo; • a composição em ácidos graxos de gordura da gema é modificável pela dieta; • os ácidos graxos insaturados da dieta trocam as proporções dos ácidos graxos

presentes na gema.

A dieta da ave influencia a composição protéica, a composição de ácidos graxos e o conteúdo de colesterol da gema. Quando a taxa de ácidos graxos poliinsaturados da dieta aumenta, aumenta também a proporção de ácido linoléico, e decresce a de oléico, sendo que a quantidade total de ácidos graxos saturados permanece constante (principalmente os ácidos palmítico e esteárico). O conteúdo de ácido palmítico e esteárico da gema oscila entre 30 e 40% (MULLER E TOBIN, 1996).

Os ácidos graxos monoinsaturados parecem não influir no nível plasmático de LDL-colesterol. Existe alguma evidência de que o ácido linoléico possa reduzir o nível plasmático de LDL-colesterol. A capacidade dos ácidos graxos poliinsaturados, principalmente o linoléico, para reduzir a concentração de colesterol no plasma, é aproximadamente a metade da que têm os ácidos graxos saturados para aumentá-la (KEY, 1957 e NETTLETON, 1995 apud MATEOS et al., 1999).

Os ácidos graxos de cadeia longa, pertencentes à família dos poliinsaturados, depositam-se exclusivamente nos fosfolipídios da gema, preferencialmente na fração de fosfatidiletanolamina. O aumento de ácido oléico e de ácido linoléico na gema ocorre principalmente nos triacilgliceróis. A incorporação de ácido linoléico tem lugar tanto nos triacilgliceróis como na fração fosfatidilcolina dos fosfolipídios (CHERIAN E SIM, 1991, apud MATEOS et al., 1999).

HARGIS et al. (1991) analisaram ovos de galinhas alimentadas com dietas contendo óleo de tubarão por 12 a 14 semanas, e concluíram que não houve diferença significativa no conteúdo total de gordura da gema, embora o nível de colesterol tenha sido significativamente

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reduzido, e a classe dos ácidos graxos nas gemas alterada. Os teores de ácidos graxos ômega-6 foram reduzidos, enquanto que os de ômega-3 aumentaram.

JIANG et al. (1991) observaram um aumento de 17% de ácido oléico nas gemas de ovos de galinhas alimentadas com dietas com o dobro do conteúdo deste ácido, em comparação com a dieta padrão. Já os ácidos linoléico e linolênico apresentaram quantidades proporcionais na gema de acordo com a alimentação dada. O conteúdo mais baixo de ácido linolênico de duas dietas com sementes de girassol foi também refletido no total de lipídios da gema, resultando numa queda significativa deste ácido e do conteúdo total de ácidos graxos omega-3 na gema.

DADALT et al., (1999) analisaram ovos de codornas alimentadas com dietas comerciais e contendo 3,5% de beldroega. Após as análises, os autores concluíram que, no geral, as diferentes dietas não afetaram o peso dos ovos, o teor de lipídios, colesterol e a composição de ácidos graxos. Os principais ácidos graxos encontrados foram: oléico, palmítico, esteárico, linoléico, palmitoléico e araquidônico, em ordem decrescente em todas as amostras, com apenas uma exceção onde o ácido linoléico foi maior que o esteárico na ração comercial. Também foram encontradas pequenas quantidades de ácidos graxos trans e de omega-3 (DHA). Os autores também comentam que os altos teores de ácido linoléico (28,7%) e linolênico (28,3%) presentes na beldroega, não foram encontrados, na mesma proporção.

Características físico-químicas do ovo

O ovo é um alimento perecível, e começa a perder sua qualidade interna imediatamente após a postura. Para retardar a velocidade do processo de perda da qualidade do ovo, devem-se utilizar baixas temperaturas de armazenamento após a coleta (SOUZA et al., 1993/94). Estes mesmos autores, em outro trabalho, verificaram que a qualidade do ovo de codorna se mantém melhor na temperatura ambiente, quando comparado com o de galinha, pois o ovo de codorna apresenta a membrana da casca mais espessa.

Os fatores que influenciam a qualidade interna do ovo são: viscosidade da clara, condições da gema, tamanho e condições da câmara de ar, entre outros. As medidas que melhor representam a qualidade interna dos ovos são a unidade Haugh e o Índice Gema (SOUZA et al., 1998). A unidade Haugh relaciona o peso do ovo (g) com a altura da clara (mm). O Índice Gema é a relação entre a altura e o diâmetro da gema. A idade da ave, a época de postura e a dieta foram relatados como fatores que influenciam a qualidade interna do ovo, o peso dos ovos e a proporção de seus componentes. Com o aumento da idade da ave há um correspondente aumento do peso do ovo e, consequentemente, do peso da clara e da gema (YANNAKOPOULOS et al., 1998; PEEBLES et al., 2000).

CARNE DE AVES

Por carne entendem-se os tecidos animais de natureza muscular utilizados como alimento. Em geral as carnes podem ser divididas em carnes vermelhas e carnes brancas. As carnes chamadas brancas são provenientes de aves domésticas, com mais freqüência as de galinhas e perus. Pode-se ainda distinguir nas aves dois tipos de músculos: os do peito, efetivamente brancos, e os da coxa, com predominância de fibras vermelhas (PARDI et al., 1995).

A carne de aves, além de ser rica em proteínas, é também importante fonte de energia e de outros nutrientes como vitaminas, minerais e lipídios. A carne de frango é bastante rica em ferro e vitaminas do complexo B, em especial niacina (músculo escuro) e riboflavina (músculo claro).

Na Tabela 2 são apresentados os teores de minerais, vitaminas, lipídios e nutrientes típicos da carne crua de frango e de codorna, com e sem pele.

O músculo magro de diferentes espécies tem uma composição relativamente constante no que diz respeito ao teor de proteína, minerais e conteúdo aquoso. A gordura é a sua principal variável. Dependendo do músculo, a carne magra pode conter uma proporção de gordura, variando de 0,5 a 10%. A carne de frango contém aproximadamente 5,6% de gordura. Isto leva à flutuação da proporção da proteína e demais constituintes encontrados na

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Tabela 2. Composição centesimal da carne de frango e de codorna com e sem pele.

Unidade Carne de frango, crua Carne de codorna, crua

Nutrientes (por 100g) com pele sem pele com pele sem pele

Água G 65,90 75,46 69,60 70,03

Energia Kcal 215 119 192 134

Proteína G 18,60 21,39 19,63 21,76

Lipídio total G 15,06 3,08 12,05 4,53

Carboidrato G 0 0 0 0

Fibra G 0 0 0 0

Minerais

Cálcio Mg 11 12 13 13

Ferro Mg 0,90 0,89 3,97 4,51

Magnésio Mg 20 25 23 25

Fósforo Mg 147 173 273 307

Potássio Mg 189 229 216 237

Sódio Mg 70 77 53 51

Zinco Mg 1,31 1,54 2,42 2,70

Cobre Mg 0,05 0,05 0,51 0,59

Manganês Mg 0,02 0,02 0,02 0,02

Selênio Mcg 14,4 15,7 16,6 17,4

Vitaminas

Vitamina C Mg 1,6 2,3 6,1 7,2

Tiamina Mg 0,06 0,07 0,25 0,28

Riboflavina Mg 0,12 0,14 0,26 0,29

Niacina Mg 6,80 8,24 7,54 8,20

Ac. Pantotênico Mg 0,91 1,06 0,77 0,79

Vitamina B6 Mg 0,35 0,43 0,6 0,53

Folato Total Mcg 6 7 8 7

Vitamina B12 Mcg 0,31 0,37 0,43 0,47

Retinol Mcg 42 16 73 17

Lipídios

AG Saturados G 4,31 0,79 3,31 1,32

AG Monoinsaturados G 6,24 0,90 4,18 1,28

AG Poliinsaturados G 3,23 0,75 2,98 1,17

Colesterol Mg 75 70 76 70

Fonte: USP (2003).

carne. A composição dos diferentes cortes de carne é também variável, dependendo da função exercida por cada um deles no organismo (PARDI et al., 1995). As vísceras comestíveis, também chamadas carnes viscerais, são mais ricas em água e mais pobres em gordura que a carne muscular.

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Comparando-se os valores tabelados, observa-se que existe uma grande semelhança entre a carne de codorna e de frango no que diz respeito à sua composição. A maior concentração de lipídios totais está na pele, bem como uma grande fração da energia total. É interessante notar, no entanto, os teores de colesterol da carne com pele são comparáveis aos da carne sem pele.

Distribuição da gordura no músculo das aves

Na galinha, os dois músculos responsáveis pelo movimento das asas (Pectoralis major e Pectoralis minor) são muito macios e têm baixo conteúdo de gordura. Isto ocorre porque as galinhas são aves com baixa capacidade de vôo, o que leva a uma quantidade pequena de movimentos quando comparado com músculos localizados em outras áreas. Os músculos peitorais, que têm rotas de utilização energética que dependem primordialmente do catabolismo de carboidratos, são classificados como Tipo II B (glicolíticos de rápida contração). A sua população de mitocôndrias e mioglobinas é muito baixa, o que explica a sua coloração clara. O Pectoralis minor é muito mais macio que o Pectoralis major, devido ao fato de que o músculo maior é o responsável pelo movimento de vôo propriamente dito, enquanto que o músculo menor é utilizado apenas para o movimento de retorno das asas à posição de repouso, requerendo muito menos utilização de força (STURKIE, 1986).

A proporção de tecido conectivo é muito importante para determinar a maciez da carne e está relacionada com a função desempenhada pelo músculo e pela sua localização. Entretanto, processos que ocorrem com o avançar da idade dos animais, como a formação de ligações cruzadas entre moléculas adjacentes de colágeno, a calcificação das extremidades ósseas, e aumento de diâmetro das fibras musculares, ajudam a explicar a redução na maciez da carne das aves com o tempo. Perus apresentam uma tendência contrária ao aumento da rigidez muscular com o avançar da idade. Isto pode ser explicado observando-se a taxa de crescimento de endomísio e perimísio de Pectoralis major, que não acompanha aquela obtida durante o crescimento em diâmetro das suas fibras musculares (SWATLAND, 1990).

A quantidade de gordura presente na carne é uma medida de sua qualidade. A carne de peito de ave tem teor muito baixo de gordura devido à reduzida necessidade de estocar energia nestes músculos. Os depósitos de gordura subcutâneos, na cavidade abdominal e nas sobrecoxas são bastante acentuados, caracterizando regiões onde a reserva de energia é importante, seja para o isolamento térmico ou para facilitar atividades físicas de longa duração. Depósitos de gordura são proporcionalmente maiores em fêmeas do que em machos; isto é causado principalmente pela existência de adipócitos de maior tamanho nas fêmeas.

O frango de corte moderno é um animal selecionado para rápido crescimento e, portanto, para consumir grandes quantidades de alimento. As modernas linhagens comerciais apresentam importantes diferenças no conteúdo de gordura na carcaça. VIEIRA E MORAN (1998) observaram diferenças de até 20% na quantidade de gordura abdominal entre diferentes linhagens comerciais.

Influência da dieta na deposição de gordura na carcaça

Alterações na dieta também levam a alterações na composição da carne produzida. A relação entre energia e proteína parece ser o fator mais importante. Altas relações energia:proteína levam à excessiva deposição de gordura, enquanto alto conteúdo de proteína tende a estimular a deposição de tecido magro.

Os tecidos musculares do frango crescem a taxas distintas. À medida que a ave se aproxima do peso corporal adulto, aumenta a proporção de crescimento dos músculos do peito em comparação às demais partes. Nesta fase, aumentos nas concentrações de lisina favorecem o aumento da síntese protéica, levando a um maior rendimento de carne peito (ACKER E CUNNINGHAM, 1991). Suplementações com outros aminoácidos essenciais, como a metionina, também são importantes fatores na alteração da composição de carcaça, mas os seus níveis ótimos nas dietas variam dependo da linhagem utilizada (MORAN, 1994).

Praticamente todos os nutrientes podem afetar a composição dos diversos tecidos animais, uns de uma forma mais acentuada que outros. Assim, o tecido esquelético, sendo

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basicamente constituído de cálcio e fósforo, é altamente dependente dos níveis destes minerais na dieta (ACKER E CUNNINGHAM, 1991).

FRANZOI et al. (2000) avaliaram o efeito do uso de farelo de canola sobre a composição de carcaça de frangos de corte da linhagem Ross. As aves foram alimentadas com dietas contendo farelo de canola em substituição parcial (0 a 40%) ao farelo de soja, do nascimento aos 42 dias de idade. As dietas continham entre 18 e 22% de proteína bruta e entre 3000 e 3150 kcal de energia metabolizável / kg de ração. Níveis mais altos de farelo de canola nas dietas elevaram o teor de proteína bruta e reduziram o teor de lipídios na carcaça. O rendimento de carcaça não foi alterado, nem seus teores de energia bruta e de cinzas. O uso de farelo de canola nas dietas para frango é recomendado, pois resultou na melhoria da qualidade das carcaças, sem prejuízo do peso ou rendimento.

Outro estudo (MOREIRA et al., 1998) foi realizado para determinar o efeito da restrição de vitaminas e minerais na alimentação de frangos de corte sobre o rendimento e a composição da carne. As aves que receberam dieta sem suplementos vitamínico e mineral, entre 21 a 42 dias de idade, apresentaram uma quantidade de gordura mais alta. A restrição de suplementos causa maior formação de gordura devido, provavelmente, à falta de vitaminas que atuam como fatores nas reações de síntese protéica, havendo, assim, um desvio para a via de síntese de gordura. Os teores de proteínas e lipídios foram diferentes em função do tratamento e do tipo de músculo avaliado. O rendimento de carcaça não foi afetado pela restrição de vitaminas e minerais.

Caracterização dos lipídios da carne de aves

Segundo PARDI et al. (1995) os lipídios da carne encontram-se basicamente armazenados no organismo animal de três maneiras. As gorduras extracelulares e intermusculares podem ser apreciadas à simples vista, ao passo que a intramuscular faz parte do tecido que constitui os músculos sob a forma de fibras muito finas. Os diversos tipos de gordura citados se encontram intercalados no tecido conjuntivo. O organismo possui ainda uma pequena quantidade de gordura representada por pequenas gotas no líquido intercelular, isto é, no suco da carne.

A deposição de gorduras nas carcaças ocorre em depósitos subcutâneos e ao redor das vísceras, ou pela distribuição mais dispersa pela musculatura entre as fibras musculares, ou ainda como integrante da célula.

Ainda que em pequenas proporções, as gorduras da carne contêm outras substâncias como fosfolipídios, esteróis, proteínas, ácidos graxos livres, água e outros componentes celulares. As propriedades das gorduras são condicionadas pela diversificação qualitativa e quantitativa dos ácidos graxos encontrados em sua composição (PARDI et al., 1995).

Fatores que influenciam na consistência e qualidade da carne

Muitos fatores concorrem para as propriedades físicas da carne, como o estado de rigidez, retenção de água, gordura intramuscular, tecido conjuntivo e proporções dos feixes musculares. Como fatores ante mortem, são importantes a espécie, a carga genética, fisiologia, alimentação e o manejo dos animais (PARDI et al.,1995).

Vários fatores influenciam a duração e a qualidade de transformação do músculo em carne. Animais que se debatem muito antes do abate gastam as suas reservas de glicogênio muito rapidamente. O mesmo pode ser esperado em animais sob estresse calórico. O músculo, quando desossado imediatamente após o abate, possui capacidade de contração devido a ainda possuir energia armazenada. Sob o ponto de vista de maciez ideal, a carne de ave deve ser maturada por um período que varia de 6 a 24 horas (MELLONI et al., 1992).

Outros fatores importantes para a qualidade final da carne de frango são a temperatura do tecido muscular e a velocidade do resfriamento após o abate. Como as reações bioquímicas têm velocidade reduzida em baixas temperaturas, o resfriamento rápido imediatamente após o abate leva à redução na velocidade dos processos de amaciamento. A estimulação elétrica pode acelerar este processo, por estimular o uso da energia armazenada no músculo com a produção rápida de ácido láctico. Apesar de acelerar o gasto de energia, a estimulação elétrica não substitui os processos de maturação natural. Nenhum efeito positivo da estimulação elétrica foi encontrado quando a carne foi desossada imediatamente após a

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evisceração, embora a rigidez tenha sido bastante reduzida quando foram usados curtos períodos de tempo de refrigeração com gelo (UIJTTENBOOGAART E REIMERT, 1994).

ÁCIDOS GRAXOS

São denominados ácidos graxos todos os ácidos monocarboxílicos alifáticos. Com poucas exceções, todos os ácidos encontrados na natureza são de alto peso molecular, em geral de cadeia linear, saturados e insaturados. Poderão também ter substituintes na cadeia, como grupos metílicos, hidoxílicos ou carbonílicos. Os principais ácidos saturados são o láurico, o palmítico e o esteárico e insaturados: o oléico, o linolênico e o linoléico (BOBBIO E BOBBIO, 1992).

As gorduras de animais e plantas terrestres são compostas por ácidos com cadeia de dezesseis a dezoito átomos de carbono, com predominância destes últimos. Ácidos com vinte ou mais carbonos são comuns em gorduras de animais marinhos. A grande maioria dos ácidos graxos encontrados em gorduras naturais têm número par de carbonos na cadeia e, quando insaturados, predomina a configuração cis. Esses ácidos existem na natureza principalmente na forma de ésteres do glicerol ou de álcoois alifáticos de cadeia longa. Podem ainda ocorrer, em menor quantidade, na forma de ésteres da vitamina A, de esteróis ou de outros compostos cíclicos e, ainda, em quantidades negligenciáveis, na forma de ácidos livres (BOBBIO E BOBBIO, 1992).

Ácidos com duas ou mais dupla ligações são conhecidos como “ácidos poliinsaturados” (como exemplo os ácidos linoléico, linolênico e araquidônico) Esses ácidos não podem ser sintetizados pelo organismo, portanto devem ser ingeridos pela alimentação. Estes ácidos são chamados de ácidos graxos essenciais e o ácido linoléico é o mais abundante deste grupo (BERK, 1976; HUNTER E ROBERTS, 2000).

A tabela 3 apresenta os ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa de interesse nutricional. Para humanos, é válido que ácidos graxos saturados aumentem o colesterol sangüíneo, enquanto que os poliinsaturados diminuem-no. Na nutrição humana, o consumo de um excesso de ácidos graxos poliinsaturados é desejável, devido ao esperado efeito anti-arteriosclerótico do ômega-3 e do ácido linoléico, um ácido ômega-6 (GRASHORN, 1995).

Tabela 3. Ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa de interesse nutricional.

Número de carbonos e de insaturações

Posição das insaturações

Série Nome comum

18:2 9, 12 ω6 Linoléico

18:3 6, 9, 12 ω6 γ-Linolênico

18:3 9, 12, 15 ω3 α- Linolênico

20:4 5, 8, 11, 14 ω6 Araquidônico

20:5 5, 8, 11, 14, 17 ω3 Eicosapentaenóico (EPA)

22:6 4, 7, 10, 13, 16, 19 ω3 Docosahexaenóico (DHA)

Fonte: Adaptado de MURRAY (2002).

Existe alta correlação entre os níveis de ácidos ômega-3 nas dietas de aves e estes níveis nas gemas dos ovos produzidos (LEESON et al., 1998). O ovo é naturalmente pobre em ácido linolênico e não possui EPA e DHA, como se pode observar a seguir na Tabela 4. GAO E CHARTER (2000) observaram o aumento da concentração dos ácidos linolênico e DHA e a diminuição do ácido araquidônico nos ovos de galinhas alimentadas com dietas contendo fontes de ácidos graxos poliinsaturados. Este decréscimo também foi observado por MELUZZI et al. (2000), quando óleo de pescado foi incluído na dieta das aves. Os autores também notaram um aumento de ácido linolênico, EPA e DHA. BRAGAGNOLO E RODRIGUEZ-AMAYA (2003) também compararam o conteúdo de colesterol de ovos de

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galinhas e codornas. Foi constatado que não houve diferença significativa no conteúdo de colesterol de ovos de codorna e ovos de galinha. O cozimento do ovo de galinha também não afetou seu conteúdo de colesterol.

Tabela 4. Conteúdo de lipídios totais, ácidos graxos e colesterol no ovo de galinha e de codorna.

Componentes (mg/100g) Galinha Codorna

Ácidos graxos saturados 3,18 4,16

Ácidos graxos monoinsaturados 4,53 5,45

Ácidos graxos poliinsaturados 2,09 1,44

Ácido mirístico 0,03 ± 0,006 0,05 ± 0,001

Ácido palmítico 2,54 ± 0,123 2,96 ± 0,051

Ácido esteárico 0,61 ± 0,066 1,15 ± 0,021

Ácido palmitoléico 0,31 ± 0,044 0,44 ± 0,009

Ácido oléico 4,22 ± 0,306 5,01 ± 0,029

Ácido linoléico 1,79 ± 0,186 1,18 ± 0,044

Ácido linolênico 0,07 ± 0,038 0,01 ± 0,003

Ácido araquidônico 0,23 ± 0,038 0,25 ± 0,015

Colesterol, ovo inteiro 449 ± 25 430 ± 36

Colesterol, gema 1000 ± 80 1315 ± 23

Adaptado de CLOSA et al. (1999) e de BRAGAGNOLO E RODRIGUEZ-AMAYA (2003).

COLESTEROL

O colesterol é amplamente distribuído em todas as células do organismo, particularmente no tecido nervoso. Ele é o maior constituinte da membrana plasmática e das lipoproteínas plasmáticas. É freqüentemente encontrado em combinações com ácidos graxos como ésteres do colesterol (MURRAY et al., 2002). Sua estrutura química está apresentada na Figura 1.

As lipoproteínas transportam o colesterol livre na circulação, onde rapidamente se equilibra com o colesterol de outras lipoproteínas e de membranas. O éster de colesterol é uma forma de armazenamento do colesterol encontrada na maioria dos tecidos, sendo transportado como carga nas lipoproteínas. A LDL é a mediadora na capacitação do colesterol e éster do colesterol por muitos tecidos. O colesterol livre é removido dos tecidos pela HDL e transportado para o fígado para conversão em ácidos biliares (HOUSSAY, 1980).

A síntese do colesterol ocorre em muitos tecidos a partir da acetil-CoA e é, finalmente, eliminado do organismo pela bile como colesterol ou como sais biliares. O colesterol é o precursor de todos os outros esteróides do organismo, tais como: corticosteróides, hormônios sexuais, ácidos biliares e vitamina D. Ele é um produto típico do metabolismo animal, estando presente na gema de ovo, carne, fígado e cérebro (MURRAY et al., 2002).

O nível de colesterol no organismo é mais dependente de sua síntese endógena do que do aporte pela dieta (STURKIE, 1986). A síntese no fígado é rapidamente deprimida pelo colesterol ingerido através dos alimentos (HARPER et al., 1982), mas a redução muito acentuada de níveis de colesterol pode aumentar sua síntese. O nível de colesterol sangüíneo é dependente da eficiência da eliminação dos metabólitos de colesterol (ácidos biliares) e da LDL (HOUSSAY, 1980). O local e a proporção da síntese de colesterol variam com a espécie, idade e alimentação. Aproximadamente dois terços da síntese ocorre no fígado, 25% na

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carcaça e 6% no intestino e na pele. Outros locais para a síntese são o tórax e a aorta abdominal, especialmente em aves jovens (STURKIE, 1986).

Figura 1. Estrutura do colesterol.

(Fonte: http://www.mansfield.ohio-state.edu/~sabedon/048chol.gif)

O efeito do consumo de gordura na composição de ácidos graxos da carcaça e do ovo é bem conhecido. Enquanto os lipídios da carcaça tornaram-se mais insaturados ou mais saturados após a ingestão de quantidades apropriadas de gordura, os lipídios do ovo foram influenciados apenas pelos ácidos graxos insaturados.

Influência da dieta nos níveis de colesterol no ovo e na carcaça

FERREIRA et al. (1999) estudaram o efeito do tipo de óleo adicionado à dieta sobre o teor de colesterol em partes da carcaça de frangos de corte .Observaram que os níveis de energia empregados nas rações de frangos de cortes obtidos pela inclusão de óleos vegetais (canola, soja ou palma) alteraram os teores de colesterol encontrados na pele e nos músculos da coxa e peito. Os óleos de canola e de palma tenderam a causar uma menor formação de colesterol, embora o óleo de palma seja mais saturado,

Segundo MENDONÇA et al. (2000), não houve diferença significativa nos níveis de colesterol na gema do ovo de galinhas poedeiras alimentadas com ração suplementada à base de óleo de peixe com níveis de 1% a 4%. O uso de óleo de peixe em 2% na dieta reduziu nominalmente as concentrações de triacilgliceróis e colesterol plasmáticos, embora significância estatística não tenha sido observada devido à alta variabilidade do experimento.

SKRIVAN et al. (2000) analisaram o efeito da alimentação de galinhas com suplementação de gordura suína e óleo de canola e sulfato de cobre penta-hidratado, no depósito de gordura e conteúdo de colesterol na carne. A uso do óleo de canola em substituição à gordura suína diminuiu o colesterol do músculo do peito em 13%. A suplementação com sulfato de cobre penta-hidratado reduziu o conteúdo de colesterol em 25%.

CRESPO E ESTEVE-GARCIA (2001) estudaram o efeito de dietas contendo óleo de oliva, girassol, sebo ou linhaça na composição da carne de frango. O conteúdo de colesterol do músculo da coxa foi significativamente diminuído com o uso dos óleos de girassol e de linhaça, comparados aos demais óleos.

KJOS et al. (2001) estudaram o efeito de dietas com silagem de peixe e gordura de peixe no desempenho e qualidade de ovos de galinhas. A silagem de peixe não afetou o consumo alimentar, a produção de ovos ou a composição de ácidos graxos da gema, quando comparado com a dieta controle. Altos níveis de gordura de peixe na dieta causaram um modesto aumento no nível de ácidos graxos poliinsaturados da família ômega-3 na gema do ovo.

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ZOTTE (2002) estudou os principais fatores que influenciam a qualidade da carne e da carcaça de coelhos, e observou que entre as diversas variáveis avaliadas, a inclusão de lipídios na dieta e a fonte de tais lipídios alteram a qualidade da carne e da carcaça.

No passado, a análise de colesterol era feita com o uso de métodos colorimétricos ou gravimétricos. Nos métodos gravimétricos, o colesterol é isolado por precipitação e medido por pesagem. Para quantificar o colesterol total, uma saponificação prévia é necessária para transformar ésteres em colesterol livre. O procedimento é demorado e de baixa sensibilidade. Esteróis, além de colesterol e fosfolipídios, também precipitam, e, assim, o método perde a especificidade (BRAGAGNOLO E RODRIGUEZ-AMAYA, 1997). Os métodos colorimétricos tendem a superestimar o teor de colesterol, pela presença de substâncias interferentes. A reação é de baixa sensibilidade e é afetada pela temperatura, luz e pequenas quantidades de umidade.

Para alimentos que contenham outros esteróis além do colesterol, os métodos cromatográficos são mais eficientes e amplamente utilizados, pois separam os esteróis e outros possíveis interferentes. A cromatografia gasosa é a mais usada (BRAGAGNOLO E RODRIGUEZ-AMAYA, 1997). NOGUEIRA E BRAGAGNOLO (2002) sugeriram o uso de enzimas como técnica alternativa para determinação de colesterol em massa com ovos. Enzimas têm baixo custo, são rápidas e seguras, com eficiência comparável à da cromatografia líquida de alta resolução. HWANG et al. (2003) estabeleceram um método rápido e simplificado para determinar colesterol total em gorduras e óleos através de cromatografia gasosa. O método permite uma economia significativa de solvente e reduz pela metade o tempo requerido para esta determinação, quando comparado com o método oficial da Association of Official Analytical Chemists (AOAC,1995).

A composição da carne e do ovo são afetados pela alimentação. É preciso atentar para a qualidade e a quantidade dos ingredientes usados na formulação de dietas para aves para que os produtos comerciais estejam de acordo com os objetivos do produtor e com as exigências dos mercados a que se destinam.

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TRANSFORMAÇÕES BIOQUÍMICAS DURANTE O PROCESSAMENTO DO OVO: UMA REVISÃO

Neusa Fátima Seibel

Universidade Estadual de Londrina Londrina, PR

TIPOS DE TROCAS BIOQUÍMICAS

São duas as justificativas básicas para o emprego de técnicas de preservação de ovos. Uma delas é de estender a vida útil do produto, se este não for ser consumido in natura dentro de um período curto após sua produção. A outra é a criação de alimentos e produtos culinários que usam os ovos como matéria prima. Nas duas situações, é importante atentar para mudanças bioquímicas que ocorrem nos componentes do ovo, especialmente na clara e gema.

Pasteurização do ovo

A pasteurização do ovo tem pouco efeito sobre a gema. No entanto, a clara pode ter diminuída sua capacidade de formar espumas estáveis, produzindo uma espuma de menor volume. A presença de glicose na clara leva à ocorrência do escurecimento não-enzimático pelo aquecimento (BOBBIO E BOBBIO, 1992).

A pasteurização da clara a 53°C durante 23 minutos resultará no aumento do tempo de batimento necessário, além de proporcionar escassa destruição de Salmonella e ter pouca influência nas propriedades espumantes. Quando a pasteurização da clara ocorrer à temperatura de 58°C por 2 minutos (ou então por alguns segundos a 60°C), ocorre um aumento na sua turbidez e viscosidade e seu poder espumante decresce. Por outro lado, o ovo inteiro e a gema podem ser pasteurizados entre 60 e 63°C sem que se originem trocas importantes nas suas propriedades físicas e funcionais (FENNEMA, 1993).

Congelamento da gema

A preservação do ovo por congelamento produz pequenas alterações na viscosidade da clara. Entretanto, alterações irreversíveis ocorrem na gema que sofre gelificação de suas lipoproteínas, resultando num produto final com menor capacidade emulsificante. Esse efeito pode ser parcialmente reduzido pela adição de agentes crioprotetores ou enzimas proteolíticas antes do congelamento. O armazenamento no estado congelado deve ser feito a temperaturas de, no máximo, -18°C (CAMARGO, 1996).

A sacarose, glicose e a galactose, em concentração de 10%, são agentes crioprotetores eficazes, que não alteram de um modo significativo a viscosidade da gema; o sal, em níveis de 10%, previne a gelificação durante o congelamento, além de aumentar a viscosidade da gema sem congelar. Já as enzimas proteolíticas, como a tripsina e a papaína, previnem a gelificação durante o congelamento, porém ocasionam redução do poder emulsificante da gema (FENNEMA, 1993).

Desidratação por atomização

Um processo de desidratação efetuado corretamente não afeta as propriedades nutritivas do ovo. MULLER E TOBIN (1996) afirmam que o valor biológico das proteínas permanece inalterado, assim como os conteúdos de vitamina A, tiamina, riboflavina, ácido pantotênico e ácido nicotínico.

As alterações provocadas pela secagem são pouco evidentes quando o produto é estocado por pouco tempo. Após algumas semanas, entretanto, as alterações são consideráveis tanto na gema como na clara, cujas propriedades estruturais ficam alteradas. Essa alteração é, pelo menos em parte, ligada às transformações provenientes da reação de Maillard, da polimerização de ácidos graxos insaturados e da reação dos fosfolipídios com os aldeídos (BOBBIO E BOBBIO, 1992). A adição de sacarose em pó à gema, antes da atomização, retarda a aparição da reação de Maillard no produto desidratado e diminui a perda de capacidade espumante ocasionada pela desidratação. A estabilidade do aroma

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também melhora gradualmente quando o conteúdo de sacarose adicionada é de 5%. Em níveis elevados de adição de açúcar (10 a 15%), a velocidade de auto-oxidação dos lipídios aumenta e um odor desagradável se desenvolve gradualmente (FENNEMA, 1993).

PROTEÍNAS DO OVO

As proteínas da clara e da gema diferem na composição e função biológica. As funções tecnológicas destas duas porções do ovo também são diferentes. Enquanto a maioria das propriedades funcionais da clara em produtos alimentícios é a habilidade de formar espumas estáveis, a principal função da gema é a capacidade de estabilizar emulsões água-óleo (BERK, 1976).

Proteínas da clara

A clara está composta, em quase sua totalidade, por água e proteínas, com alguns minerais. Este produto de origem animal é único, pois 90% de sua matéria seca é composta de proteínas. Também contém glicose livre, com concentração duas vezes maior do que no plasma sangüíneo. O pH da clara no ovo fresco é de 7,6 a 7,9, aumentando para até 9,7 durante o armazenamento de acordo com a temperatura e a difusão do CO2 através da casca (BELITZ E GROSCH, 1988; LINDEN E LORIENT, 1996).

A clara pode ser considerada um sistema protéico composto de fibras de ovomucina e de uma solução coloidal de várias proteínas globulares, que são ativadas com enzimas, inibidores ou anticorpos. A proteína mais abundante é a ovoalbumina, seguida da conalbumina, ovomucóide e lisozima. As quantidades relativas e algumas características físicas e químicas das principais proteínas de clara de ovo estão apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 . Características físicas e químicas das principais proteínas de clara de ovo.

Proteína Porcentagem da clara

pI PM

(Daltons)

VPE

(cm 3/g)

Carboidrato (%)

Ovalbumina 54 4,5 45.000 0,750 3,2

Ovotransferrina 12 6,0 76.600 0,732 2,2

Ovomucóide 11 4,1 28.000 0,685 20,0 – 25,0

Ovoinibidor 1,5 5,0 49.000 - -

Ovomucina 3,5 4,5 – 5,0 110.000 - -

Lisozima 3,4 10,7 14.307 0,703 -

Ovoglicoproteína 1,0 3,9 24.400 - -

Ovoflavoproteína 0,8 4,0 32.000 0,700 14,0

Ovomacroglobulina 0,5 4,5 900.000 0,745 -

Avidina 0,5 10,0 68.300 0,730 -

pI: ponto isoelétrico; PM: peso molecular; VPE: volume parcial específico. Adaptado de BERK (1976) e de SGARBIERI (1996).

Várias proteínas da clara possuem atividade biológica como, por exemplo enzimática (lisozima), inibidores enzimáticos (ovomucóide e ovoinibidor), e como formadores de complexos de coenzimas (flavoproteína, avidina). É possível que esta atividade biológica exista como proteção do ovo frente à decomposição microbiana (BELITZ E GROSCH, 1988).

Ovalbumina A ovalbumina é a proteína predominante na clara do ovo, sendo classificada como uma fosfoglicoproteína por possuir carboidrato e fosfatos ligados ao polipeptídio. A ovalbumina representa 54% das proteínas da clara e é encontrada em três formas: A1, A2 e A3 na proporção 85:12:3, respectivamente. A diferença entre as

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três formas está na quantidade de fósforo ligada à proteína – dois, um ou nenhum átomo de fósforo por mole de ovalbumina, respectivamente (FENNEMA, 1993; SGARBIERI, 1996).

A ovalbumina possui peso molecular 45.000, uma ponte dissulfeto e quatro grupos sulfidrilos livres que só reagem após a desnaturação da proteína, indicando que, na forma original, os grupos sulfidrilos estão protegidos em regiões hidrofóbicas da proteína. Cerca de 50% dos aminoácidos da ovalbumina são hidrofóbicos. A ovalbumina possui uma glicina acetilada no terminal N e uma prolina no terminal carboxílico. Contém uma única cadeia lateral de carboidrato formada de D-manose (2%) e N-acetilglicosamina (1,2%).

Podem existir na clara do ovo duas proteínas derivadas da ovalbumina. A placalbumina resulta da clivagem de um heptapeptídio C-terminal pela ação da enzima subtilopeptidase A, produzida pelo Bacillus subtilis. A ovalbumina S é encontrada em pequena quantidade na clara de ovo fresco, porém, chegando a representar 81% da ovalbumina após seis meses de estocagem da clara em refrigeração. A principal característica dessa proteína é a maior resistência à desnaturação devido à troca sulfidrilo-dissulfuro. As transformações que ocorrem na conversão da ovalbumina em ovalbumina S, não são bem conhecidas (FENNEMA, 1993; LINDEN E LORIENT, 1996; SGARBIERI, 1996).

A ovalbumina em solução é facilmente desnaturada por exposição a superfícies, como por exemplo na agitação ou batimento em solução aquosa, mas é relativamente estável ao tratamento térmico. O aquecimento da clara a 62 °C por 35 minutos em pH 9,0 altera apenas 3 a 5% da ovalbumina, enquanto que em pH 7,0 praticamente não há alteração (BELITZ E GROSCH, 1988; SGARBIERI, 1996).

Ovotransferrina ou conalbumina A ovotransferrina, também chamada de conalbumina, é uma glicoproteína facilmente isolada por precipitação fracionada com sulfato de amônio. Representa 12% das proteínas da clara e tem peso molecular 76.600. É formada por um único polipeptídio, contendo 0,8% de hexose e 1,4% de hexosamina na molécula; não possui grupo sulfidrilo livre ou radical prostético. Seu ponto isoelétrico é ao redor de pH 6,0. Todas as transferrinas conhecidas ligam-se ao ferro, dando uma coloração vermelha e uma absorção máxima a 465nm. Os sítios de complexação de ferro pelas diferentes transferrinas parecem ser similares e os ligantes são, em geral, cadeias laterais dos mesmos aminoácidos (FENNEMA, 1993; SGARBIERI, 1996).

A conalbumina é capaz de ligar íons ferro; isto foi determinado quando a clara foi capaz de inativar microrganismos que necessitavam deste íon para sua sobrevivência. Grupos amino, carboxílicos e amidas são essenciais para a atividade da proteína (MEYER, 1976).

A ovotransferrina complexa-se a dois moles de Fe+3/mole de proteína e para isso requer a presença de íons bicarbonato (HCO3

-1). Forma também complexo com o Cu+2 (cor amarelada)e com o Zn+2 (incolor). O Fe+3 complexa-se através de ligação extremamente forte (coloração roxa). Dois íons metálicos se ligam estequiometricamente em dois sítios específicos do polipeptídio, sendo que (Fe+3 > Cu+2 > Zn+2). A ligação do Fe+3 à ovotransferrina lhe confere maior estabilidade, ou seja, maior resistência à desnaturação pelo calor, por agentes químicos, ação enzimática e pressão. Três formas de ovotransferrina podem ser reconhecidas com diferentes conteúdos de Fe+3, com nenhum, um ou dois moles Fe+3 / mole de proteína. A ligação do Fe+3 com a ovotransferrina envolve dois resíduos de histidina, três de tirosina e íons HCO3

-1. Estes complexos metálicos são mais termoestáveis que a proteína nativa (LINDEN E LORIENT, 1996; SGARBIERI, 1996).

A seqüência completa dos aminoácidos da ovotransferrina ainda não foi estabelecida. A forte tendência de ligação do ferro à ovotransferrina confere a esta proteína, como às transferrinas em geral, propriedade bacteriostática. Quando não ligada ao ferro, a ovotransferrina é mais sensível ao tratamento térmico do que a ovalbumina, porém menos suscetível à desnaturação de superfície. Em tampão fosfato-bicarbonato, em concentração de 1% por volume, apresenta estabilidade térmica mínima em pH 6,0.

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Nestas condições há alteração de 40% da proteína quando aquecida a 57 °C por 10 minutos. Quando o pH é elevado a 9,0 não há alteração significativa da proteína, com o mesmo tratamento térmico. A estabilidade térmica da ovotransferrina na clara é semelhante à da ovotransferrina isolada e em solução (SGARBIERI, 1996).

Ovomucóide A ovomucóide é uma proteína presente na clara de ovo. Ela é uma glicoproteína termo-resistente que pode ser isolada da clara por precipitação das demais proteínas com ácido tricloracético em pH 3,5, e posterior precipitação da ovomucóide com acetona. Esta glicoproteína possui uma única cadeia polipeptídica com segmentos helicoidais (aproximadamente 22%) e segmentos desorganizados (estrutura primária). A molécula contém oito ligações dissulfeto e há ocorrência de um resíduo de cistina, em média, a cada 11 resíduos de aminoácidos (SGARBIERI, 1996).

A ovomucóide representa 11% das proteínas da clara. É formada de uma única cadeia polipeptídica de peso molecular 28.000 e ponto isoelétrico (pI) 4,1. A seqüência completa de seus aminoácidos ainda não foi determinada. Contém 20-25% de carboidrato na molécula, representados por cinco sacarídeos diferentes ligados à asparagina através de N-acetilglicosamina. Os carboidratos que compõem a ovomucóide são a D-galactose (1,0 a 1,5%), D-manose (4,3 a 4,7%), 2-amino-2-desoxi-D-glicose (12,5 a 15,4%), ácido siálico (0,4 a 4%) e hexose total (6,0 a 9,0%) (SGARBIERI, 1996).

A ovomucóide se diferencia bioquimicamente da albumina e da conalbumina porque não se coagula com o calor. Ela tem ação de anti-enzima para a tripsina, diminuindo a atividade da protease. Os grupos essenciais para a atividade da tripsina são carboxílicos e fenóis, pois reagem com o grupo amino da tripsina. A inibição representa alguma troca da molécula de enzima e não o tipo onde a anti-enzima e o substrato atuam (MEYER, 1976).

Em solução ácida, a ovomucóide é muito resistente à desnaturação térmica, mas na região alcalina (pH 9,0) e em presença da lisozima, ela se desnatura rapidamente a 80°C. O critério de monitoração da desnaturação térmica poderá ser o aumento da proteólise por quimiotripsina e a perda de atividade antitríptica. A ovomucóide é um inibidor específico da tripsina, formando com essa enzima um complexo 1:1. A complexação com tripsina aumenta a estabilidade da ovomucóide à desnaturação térmica (FENNEMA, 1993; LINDEN E LORIENT, 1996; SGARBIERI, 1996).

Ovoinibidor Da mesma forma que a ovomucóide, a ovoinibidor, uma serina-protease, inibe duas moléculas de tripsina e duas de quimiotripsina simultaneamente. A ovoinibidor representa apenas 1,5% das proteínas da clara, com peso molecular 49.000 e pI 5,1. Além da tripsina e da quimiotripsina, a ovoinibidor inibe também proteases de fungos e de bactérias. Tanto a ovoinibidor como a ovomucóide contêm arginina em seus centros ativos (FENNEMA,1993; SGARBIERI, 1996).

Ovomucina A ovomucina é uma glicosulfoproteína e representa 3,5% do total de proteínas da clara. Difere das demais proteínas da clara de ovo por conter galactosamina, ésteres sulfúricos, grande quantidade de cistina que interliga as subunidades por meio de pontes intermoleculares e por conter cerca de 50% de todo o ácido siálico da clara (SGARBIERI, 1996). A estrutura estirada da molécula é resultado das repulsões eletrostáticas devidas às cargas negativas dos resíduos de ácido siálico responsáveis pela viscosidade da capa gelificada do albúmen (LINDEN E LORIENT, 1996).

A ovomucina pode ser obtida por precipitação, diluindo-se a clara com 2 a 3 volumes de água (pH 6,0 a 8,0) ou por diminuição do pH até 4,0; como é constituída por três compostos, pode-se separá-los com uso de eletroforese de interfase livre. O precipitado de ovomucina é solúvel em soluções salinas diluídas em pH superior ou igual a 7,0 ou em soluções alcalinas (FENNEMA,1993; LINDEN E LORIENT, 1996). Cabe ressaltar que esta proteína é insolúvel em água.

Para minimizar a contaminação da ovomucina com lisozima, a lisozima deverá ser removida da clara antes da precipitação da ovomucina. Até 85% da quantidade de lisozima poderá ser cristalizada juntando-se 5% de NaCl a uma solução alcalina (pH

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9,5) de clara. O conteúdo de carboidrato da ovomucina tem sido relatado como 33%. Para a ovomucina não reduzida encontrou-se 10 a 12% de hexosamina, 15% de hexose e 2,6 a 8% de ácido siálico; quando reduzida e purificada, encontrou-se 9,3% de galactose, 1,4% de manose, 9,1% de glicosamina, 4,8% de galactosamina e 8,7% de ácido siálico (SGARBIERI, 1996).

Após hidrólise da ovomucina com tripsina, pronase e papaína, três tipos de carboidratos podem ser isolados do hidrolisado com as seguintes composições: galactose – galactosamina – ácido siálico – sulfato (1:1:1:1) ou galactose – glicose (1:1). O primeiro carboidrato estava ligado ao polipeptídio através de ligação O-glicosídica à serina e à treonina (SGARBIERI, 1996).

Ovomucina e lisozima em solução podem interagir por ligações eletrostáticas formando complexos insolúveis em água. Na faixa de pH 7,2-10,4, a interação dessas proteínas decresce com o aumento de pH. Na clara de ovo, a formação do complexo decresce quando o pH se aproxima do pI (pH 10,7) da lisozima. O complexo ovomucina – lisozima provavelmente tem papel importante na diminuição da viscosidade da clara de ovo durante o armazenamento (BELITZ E GROSCH,1988; SGARBIERI, 1996).

Durante o armazenamento, o pH da clara de ovo se eleva de 6,5 para valores ao redor de 9,5, devido à perda de CO2 através da casca. Tem sido sugerido que a diminuição da viscosidade da clara é parcialmente devida à diminuição na quantidade do complexo ovomucina–lisozima, com a elevação do pH para 9,0 ou 9,5 (SGARBIERI, 1996).

Vários mecanismos têm sido propostos na tentativa de explicar a perda de viscosidade da clara com o envelhecimento do ovo, dentre eles (SGARBIERI, 1996):

• interação da mucina com a lisozima, diminuindo a solubilidade dessas proteínas;

• diminuição da quantidade de complexo ovomucina–lisozima em pH mais alcalino, diminuindo a viscosidade da solução coloidal de proteínas da clara;

• cisão redutiva de ligações dissulfeto com a elevação do pH; • perda de carboidrato das moléculas de ovomucina; • mudança na solubilidade da ovalbumina que representa mais que 50% das

proteínas da clara; • perda de consistência por interação da glicose com proteínas da clara; • perda de ácido siálico ligado às proteínas.

O peso molecular do complexo ovomucina–lisozima é da ordem de 7,6 x 106. Na presença de 6M de cloreto de guanidina e 0,2M de 2-mercaptoetanol, foram encontrados pesos moleculares 1,1 e 1,5 x 105. Ficou também demonstrado que a mucina possui elevada proporção de estrutura em α-hélice (SGARBIERI, 1996).

Lisozima A lisozima tem este nome devido à sua ação sobre Micrococcus lysodeikticus. Ela representa 3,4% das proteínas da clara do ovo, tem o peso molecular mais baixo (14.307) e o pI mais alto (10,7) dentre todas as proteínas da clara. Sua ação enzimática inclui a clivagem de polissacarídeos, ligação glicosídica β-1,4 entre N-acetilglicosamina e ácido murâmico, em parede celular de bactérias. Além da atividade glicosídica, possui também atividade de transglicosidade e de esterase, exercendo ação antimicrobiana. A lisozima da clara de ovo é homóloga à lisozima humana e à α-lactalbumina. Ela se apresenta como um dímero em pHs entre 5,0 e 9,0 (FENNEMA,1993; LINDEN E LORIENT, 1996; SGARBIERI, 1996).

A lisozima é uma proteína básica com alta porcentagem de histidina, lisina e arginina. Apresenta estabilidade ao calor, ao frio e a muitos agentes de desnaturação, porém não é estável em álcalis. Algumas proteases, como a tripsina e a papaína, não a atacam (MEYER, 1976). É uma das proteínas mais bem estudadas dentre todas as conhecidas, tendo tido papel importante na investigação de outras proteínas. Foi a partir do estudo da estrutura terciária e da conformação da lisozima que foi lançada a hipótese de que a conformação de uma molécula de proteína é determinada pela estrutura primária, e que a síntese da cadeia peptídica, na célula, se dá a partir da

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extremidade N-terminal da molécula. Foi a primeira enzima e a terceira proteína cuja estrutura terciária foi totalmente esclarecida por cristalografia de raios-X. Foi a primeira enzima em que o mecanismo da reação pôde ser estabelecido com base na análise estrutural de seus cristais. A lisozima é formada de um único polipeptídio com 129 resíduos de aminoácidos e quatro pontes dissulfeto, não possuindo grupos sulfidrilos livres (SGARBIERI, 1996).

Como enzima, a lisozima apresenta excepcional estabilidade. Após estocagem à temperatura ambiente e exposição a luz natural e artificial durante 6 anos, em pHs entre 3,4-9,1, ainda manteve atividade; em pHs entre 4,0 e 5,0 mantém 75% de sua atividade. Permanece estável ao aquecimento a 100°C, em pH de 4,5 por 2 minutos. Não se inativa quando aquecida por 10 minutos em tampão fosfato de pH 6,5. Entretanto, em aquecimento a 65°C, pH 9,0, pelo mesmo tempo, a atividade cai a 70% do nível original. Aquecida a 63°C por 10 minutos, a lisozima é inativada 50 vezes mais rapidamente na clara de ovo do que em tampão fosfato. Em pH alcalino é inativada por íons Cu+2, tanto em ambiente aeróbico quanto anaeróbico (SGARBIERI, 1996).

Pouca alteração estrutural pode ser notada quando a lisozima é exposta a 9,0 M de uréia, porém, alteração sensível ocorra a 6,0 M de hidrocloreto de guanidina. A grande estabilidade da lisozima pode ser atribuída à estrutura compacta da molécula, com quatro pontes dissulfeto intramolecular e a presença de apenas três moléculas de água por molécula de lisozima (SGARBIERI, 1996).

Ovoglicoproteína A ovoglicoproteína representa cerca de 1% das proteínas da clara. É uma glicoproteína ácida (pI 3,9) de peso molecular 24.400, com a seguinte composição de carboidratos: manose mais galactose, (13,6%, em proporção de 2:1, respectivamente), glicosamina (13,8%); ácido siálico, (3%.) Contém 11,6% de nitrogênio e treonina como aminoácido N-terminal da cadeia (SGARBIERI, 1996).

Ovoflavoproteína A ovoflavoproteína (RBP) é ligadora de riboflavina. Ela aparece na clara e na gema, bem como no soro sangüíneo de galinhas poedeiras. A clara de ovo de galinha contém quantidades aproximadamente iguais de flavoproteína e de apoproteína (proteína livre de riboflavina). Presume-se que a principal função da apoproteína é assegurar a transferência de riboflavina do soro sangüíneo para a clara. A quantidade de riboflavina que se complexa com a apoproteína é influenciada pela quantidade de riboflavina da dieta, embora a quantidade de RBP não seja influenciada pela dieta (FENNEMA, 1993; SGARBIERI, 1996).

A RBP poderá funcionar no armazenamento e transporte de riboflavina durante o desenvolvimento do embrião. Esta proteína é ácida (pI 4,2) e tem propriedades fracamente antimicrobianas. Em pHs mais ácidos que 4,2, a riboflavina se dissocia da apoproteína, e acima de 4,3, o complexo se forma novamente. Essa proteína representa 0,8% da proteína da clara e tem peso molecular 32.000. A apoproteína forma um complexo na proporção de 1:1 com a riboflavina, podendo ligar também os nucleotídeos de flavina (SGARBIERI, 1996).

A RBP contém 13,4% de N, além de manose e 7 a 8 grupos fosfato (todos ligados à serina) e nenhuma atividade enzimática. Perde a capacidade de se ligar à riboflavina pela ação da tripsina ou da quimiotripsina e também em 8M de uréia. Sua capacidade de ligação não é afetada pelo tratamento térmico a 100 °C por 15 minutos em tampão Tris 0,05 M com pH 7,0 (SGARBIERI, 1996).

Esta proteína apresenta cerca de 25% de sua estrutura em α-hélice. A riboflavina parece permanecer oculta em um núcleo ou região hidrofóbica da apoproteína; triptofano parece estar envolvido na ligação da vitamina à proteína. Outros radicais envolvidos na complexação parecem ser os da histidina além de grupos sulfidrilos e carboxílicos. Nem todas as pontes dissulfeto parecem ser necessárias para a atividade quelante da proteína, uma vez que a clivagem seletiva de suas pontes dissulfeto produziu um fragmento ativo de 24.000 daltons e outro inativo de 8.000. Todo o carboidrato e ¾ resíduos de ½ cisteína ficaram na subunidade de 24.000. A RBP contém 5% de hexose (na proporção de 2:1 de

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manose e galactose, respectivamente) e 9% de N-acetilglicosamina (SGARBIERI, 1996).

Ovomacroglobulina A ovomacroglobulina é uma glicoproteína de elevado peso molecular (900.000) que representa 0,5% das proteínas da clara e apresenta ponto isoelétrico em pH 4,5. É fortemente antigênica e mostra muita reatividade cruzada contra ovomacroglobulina de outras espécies de aves. É uma proteína praticamente esférica e sofre desnaturação em solução 6,0 M de hidrocloreto de guanidina, mas não em 8,0 M de uréia. Sofre desnaturação térmica em temperatura entre 62 e 64 °C em pH 7,0, apresentando baixo teor de α-hélice na molécula. Em pH 2,0 sofre dissociação em duas metades com coeficiente de fricção 1,6, idêntico ao da proteína nativa. Dois grupos indólicos e 24 grupos fenólicos foram expostos em cada subunidade pela dissociação (SGARBIERI, 1996).

Avidina A avidina representa 0,5% das proteínas da clara de ovo. A seqüência de aminoácidos é totalmente conhecida. Contém muito pouca ou nenhuma estrutura em α-hélice. A molécula é composta de quatro subunidades (polipeptídios), cada uma delas podendo ligar uma molécula de biotina de maneira irreversível. A avidina, por ser encontrada na clara do ovo quase sempre na forma livre de biotina, apresenta também atividade antimicrobiana (BELITZ E GROSCH, 1988; SGARBIERI, 1996).

Cada subunidade é formada de 128 resíduos de aminoácidos, 13 grupos amídicos, uma ponte dissulfeto e uma cadeia de carboidrato com 4 resíduos de N-acetilglicosamina e 5 manose, ligada à asparagina n°17. Possui alanina N-terminal e ácido glutâmico C-terminal. As subunidades se dissociam em soluções mais que 3,5 M de hidrocloreto de guanidina, apresentando-se em forma monomérica em solução 6,0 M de hidrocloreto de guanidina. A reassociação ocorre em solução com menos de 2,0 M de cloreto de guanidina. A avidina é estável em solução 8M de uréia. A ligação da biotina à avidina é muito forte, com mudança de energia livre da ordem de 20 kcal/mole (SGARBIERI, 1996).

A desnaturação térmica da avidina ocorre a 85 °C (pH 6,6) enquanto que a do complexo avidina-biotina ocorre a 132 °C. O complexo avidina-biotina é mais resistente à desnaturação e à ação das enzimas tripsina, quimiotripsina, pancreatina e pronase. O sítio de ligação da biotina não envolve grupos reativos como amídico, fenólico, imidazólico, carboxílico ou sulfidrilo. Contudo, o triptofano está diretamente envolvido, como se pode demonstrar através de espectros diferenciais e pela modificação química do triptofano com o reagente N-bromosuccinimida. Dois dos quatro resíduos de triptofano estão envolvidos no sítio de ligação da biotina (SGARBIERI, 1996).

Proteínas da Gema

A gema é uma dispersão de grânulos numa fase aquosa contínua ou plasma. De acordo com o tamanho das partículas, a gema pode ser classificada em (BELITZ E GROSCH, 1988):

• gotas de gema: o tamanho é bastante diferenciado, de 20-40 µ de diâmetro, que se assemelha a glóbulos de gordura. São compostas principalmente de lipídios, mas possuem membrana protéica. Esta parte é constituída essencialmente de lipoproteínas de baixa densidade LDL;

• grânulos: possuem diâmetro de 1,0 a 1,3 µm, sendo mais uniformes que as gotas de gema. Exibem uma subestrutura peculiar e compõem-se basicamente de proteínas, podendo também possuir lipídios e substâncias minerais.

As proteínas e os lipídios da gema devem ser considerados conjuntamente, tanto do ponto de vista químico quanto do funcional. A gema é uma fonte de lipídios facilmente dispersáveis na água e que permite a emulsão de outras substâncias. Estas propriedades são devidas ao elevado conteúdo em fosfolipídios e ao fato de que todos os lipídios – incluindo os triacilgliceróis – estão associados pelo menos a duas proteínas (vitelina e vitelenina). Na Tabela 2 é apresentada a composição da gema do ovo de galinha.

Os constituintes da gema podem ser separados por centrifugação. A centrifugação permite separar três frações: a fração de baixa densidade (LDF), a fração de elevada

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densidade (HDF) e a fração aquosa. A fração de baixa densidade flutua no topo do tubo da centrífuga; a de alta densidade sedimenta na forma de pellets. A fração aquosa fica entre as duas outras frações (SGARBIERI, 1996; LINDEN E LORIENT, 1996).

Tabela 2 . Composição da gema do ovo de galinha.

Proteína Extrato seco (%)

Proporção das proteínas na gema (%)

Peso molecular

Conteúdo de lipídios

(%)

Fósforo nas proteínas (%)

Localização

Fosvitina 4 10 36.000 0 10 Grânulos

Lipovitelina HDL

16 36 400.000 20 α = 0,5 β = 0,25

Grânulos

Lipoviteleninas LDL

68 24 3 e 10x106 88 0,1 Fase contínua

Livetinas 10 30 α = 80.000 β = 45.000 γ = 150.000

0 − Fase contínua

Yolk Riboflavin Binding Protein

1,5 0,4 36.000 0 0,2 −

Fonte: LINDEN E LORIENT (1996).

Proteínas da fração de baixa densidade A LDF parece possuir uma estrutura em micelas, contendo fosfolipoproteínas em que a porção rica em lipídios neutros constitui a parte central da micela, enquanto que a parte fosfolipídica e protéica se posicionariam na superfície da micela. Esse tipo de estrutura é corroborado pela susceptibilidade da LDF de ser atacada pela fosfolipase C e pela papaína. As forças que dão estabilidade a esse sistema formado por lipídios, fosfolipídios e glicoproteínas são do tipo interações hidrofóbicas ou de Van der Waals (SGARBIERI, 1996).

Um exemplo desta fração protéica de baixa densidade são as lipoviteleninas. Mediante centrifugação fracionada, se obtém diversos componentes de densidade variável. A fração lipídica constitui 84 a 90% do extrato seco e compõe-se em 74% de triglicerídios e 26% de fosfolipídios. A fração fosfolipídica contêm preferencialmente (75%) fosfatidilcolina, mas possui também fosfatidilcolamina (18%), esfingomielina e lisofosfolípidio (BELITZ E GROSCH, 1988).

A fração LDF é composta de duas lipoproteínas de elevado peso molecular, a LDF1 (com peso molecular 10,3 x 106 daltons e representando 20% do total da fração LDF) e LDF2 (com peso molecular 3,3 x 106 daltons e representando 80% daquele total). A fração LDF é formada de fosfolipoproteínas e de glicoproteínas, contendo 3,0% de carboidrato ligado à asparagina. As evidências sugerem ainda que as proteínas da fração LDF são formadas de duas unidades polipeptídicas de pesos moleculares 10.000 e 20.000 daltons (SGARBIERI, 1996).

Proteínas da fração de densidade elevada A HDF foi também denominada lipovitelina e aparece em grânulos, associadas com outra proteína, a fosvitina. Essa associação é provavelmente devida às propriedades acídicas e atípicas da fosvitina (LINDEN E LORIENT, 1996).

As lipovitelinas são lipoproteínas que têm as proteínas e os fosfolipídios situados na superfície de uma estrutura esférica, cuja fração lipídica constitui 22% do extrato seco e onde há aproximadamente 35% de triacilgliceróis, 60% de fosfolipídios e 5% de colesterol (LINDEN E LORIENT, 1996; BELITZ E GROSCH, 1988).

A eletroforese de poliacrilamida (PAGE), em presença de dodecil sulfato de sódio (SDS), revela duas formas distintas de lipovitelinas: lipovitelina α e lipovitelina β. Análises de aminoácidos, nitrogênio, enxofre e fósforo nessas proteínas, livres da fração lipídica (vitelinas), indicaram que a diferença entre as duas formas está no

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conteúdo de fósforo: 0,53% para a vitelina α e 0,30% para a vitelina β. A composição em aminoácidos parece ser idêntica para as duas vitelinas (SGARBIERI, 1996).

O fósforo na forma de fosfato se liga, presumivelmente, a resíduos de serina. Essas proteínas contêm ainda baixo teor (0,75%) de carboidrato. O peso de lipovitelina é de 4 x 105 daltons; os dois componentes (α e β) representam sub-unidades de pesos moleculares equivalentes. Cada subunidade α ou β é formada de dois polipeptídios contendo arginina e lisina nas extremidades N-terminal. Em pH inferiores a 7,0 as lipoproteínas formam dímeros, que se dissociam gradualmente em monômeros à medida que aumenta o pH. Grupos sulfidrilos e fosfóricos não estão envolvidos na dimerização, o que parece indicar que as associações são, predominantemente, do tipo hidrofóbico (FENNEMA, 1993; SGARBIERI, 1996).

A fosvitina é uma fosfoglicoproteína que contém cerca de 70% de todo o fósforo da gema de ovo, na forma de ortofosfato monoesterificado. Representa 12% da proteína total da gema que se apresenta na forma de um complexo nos grânulos da fração HDF. Todo o fósforo está ligado à proteína como O-fosforilserina (BELITZ E GROSCH, 1988).

O peso molecular da fosfovitina é 35.500, contendo um teor excepcionalmente elevado de serina (54% dos aminoácidos) ou 122 resíduos de serina dentre os 225 resíduos de aminoácidos totais. A fosvitina contém 120 resíduos de fosfato por mole de proteína. Contém ainda 6,5% de carboidrato ligado à molécula protéica como um único heteropolissacarídio, através de uma ligação glicosídica à asparagina. Não possui cisteína e, possivelmente, apenas um resíduo de tirosina e um de triptofano (SGARBIERI, 1996). Até recentemente, apenas seqüências parciais dessa fosfoglicoproteína eram conhecidas. Foi encontrada alanina como terminal N e tirosina no terminal carboxílico. Devido à sua composição e à seqüência de seus aminoácidos, a fosvitina comporta-se como um polieletrólito, ligando fortemente vários íons e substâncias polares como Ca+2, Mg+2, Mn+2, Co+2, Se+2, Fe+2, polilisina, protamina e citocromo C (SGARBIERI, 1996).

Esta fosfoproteína é separada por eletroforese, obtendo-se dois componentes da fosvitina, denominados α-fosvitina e β-fosvitina. Na presença de dodecilsulfato sódico os dois componentes se dissociam em polipeptídeos, que se agregam rapidamente em meio aquoso (FENNEMA, 1993).

Proteínas da fração hidrossolúvel As proteínas da fração hidrossolúvel (HSF) da gema foram denominadas livetina, constatando-se ser formada de três proteínas diferentes, α-, β- e γ-livetinas com pontos isoelétricos na faixa de pH entre 4,8 e 5,0. As livetinas α, β e γ estão presentes nas proporções 2:3:5, com pesos moleculares 80.000, 45.000 e 150.000 daltons, respectivamente. A livetina γ pode ser separada por precipitação de uma solução de 20% de isopropanol a 0°C ou 37% de sulfato de amônio. As livetinas α e β podem ser separadas por eletroforese (LINDEN E LORIENT, 1996).

O conteúdo de nitrogênio é de 14,3% para as livetinas α e β e 15,6% para a livetina γ. As livetinas β e γ são glicoproteínas contendo 7,0% de hexose (livetina β) e 2,6% hexose mais 1,8% de hexosamina para a livetina γ. Do ponto de vista imunológico, foi demonstrado que as livetinas α, β e γ são homólogas, respectivamente, à soralbumina, α2-glicoproteína e γ-globulina (SGARBIERI, 1996).

Outra proteína identificada na fração aquosa da gema foi uma proteína ligadora de riboflavina. Essa proteína representa apenas 0,4% da proteína total da gema do ovo. É uma fosfoglicoproteína que se liga à riboflavina, formando complexo na proporção de 1:1. A complexação com a riboflavina é bem mais forte do que com FMN ou FAD. Contém 0,2% de fósforo e pI entre 4,1 e 4,2, indicando tratar-se de uma proteína ácida. O complexo é estável na faixa de pH entre 3,8 e 8,5; a riboflavina se dissocia em pH 3,0. É formada por 297 resíduos de aminoácidos e 12% de carboidratos: 6 resíduos de glicosamina, 3 glicose, 5 galactose, e manose e 1 glicose/mole de proteína. O peso molecular é 36.000 com um volume parcial específico de 0,699 cm3/g de proteína (SGARBIERI, 1996).

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LIPÍDIOS DO OVO

Um exame da informação constante nas Tabelas 1 e 2 permite confirmar que a fração gordurosa do ovo localiza-se na gema. A quantidade de lipídios presente na clara é praticamente desprezível.

Gorduras e outros lipídios contribuem com os ácidos graxos essenciais na dieta. Já foi demonstrado que estes ácidos (linoléico, linolênico e araquidônico) são realmente necessários ao homem (MEYER, 1976). As gorduras também agem como solventes para vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) e para a pró-vitamina A, os carotenóides.

A fração lipídica do ovo é constituída de triacilgliceróis, fosfolipídios e colesterol. Os fosfolipídios são mais ricos em ácidos graxos insaturados do que os triacilgliceróis, sendo que a composição dos ácidos graxos destes lipídios pode variar em função da alimentação da galinha. Entretanto, o conteúdo dos ácidos graxos saturados, principalmente palmítico e esteárico, não varia com a alimentação (FENNEMA, 1993; LINDEN E LORIENT, 1996).

Biossíntese dos lipídios

Biossíntese dos triacilgliceróis Os triacilgliceróis e os glicerofosfolipídios, como a fosfatidiletanolamina, compartilham dois precursores (os acil-graxos-CoA e o glicerol-3-fosfato) e vários passos enzimáticos em suas respectivas vias de biossíntese nos tecidos animais. O glicerol-3-fosfato pode ser formado de duas maneiras, como mostra a Figura 1. Ele pode ser gerado da diidroxiacetona fosfato, que aparece durante a glicólise pela ação da glicerol-3-fosfato desidrogenase citosólica ligada ao NAD. Já no fígado e no rim ele também é formado do glicerol pela ação da glicerol quinase. De acordo com LEHNINGER et al. (1995), os outros precursores dos triacilgliceróis são os acil-graxos-CoA, formados a partir dos ácidos graxos pelas acil-CoA sintetases.

O primeiro estágio na biossíntese dos triacilgliceróis é a acilação dos dois grupos hidroxila livres do glicerol-3-fosfato por duas moléculas de acil-graxo-CoA para liberar o diacilglicerol-3-fosfato, comumente chamado fosfatidato. Embora o fosfatidato ocorra apenas em quantidades muito reduzidas nas células, ele é um intermediário de importância central na biossíntese dos lipídios, podendo ser convertido tanto em triacilgliceróis como em glicerofosfolipídios. Na via que leva aos triacilgliceróis, o fosfatidato é hidrolisado pela fosfatidato fosfatase para formar um 1,2-diacilglicerol; estes são posteriormente convertidos em triacilgliceróis por transesterificação com um terceiro acil-graxo-CoA.

Biossíntese dos fosfolipídios Em geral, a montagem dos fosfolipídios, a partir de precursores simples, ocorre em quatro etapas (LEHNINGER et al., 1995):

• síntese de uma molécula esqueleto (o glicerol ou a esfingosina); • ligação de ácidos graxos ao esqueleto, através de ligações éster ou amida; • adição de um grupo cabeça hidrofílico, unido ao esqueleto por ligação

fosfodiéster; • em alguns casos é necessário alterar o grupo cabeça para liberar o produto

fosfolipídico final.

Os primeiros passos na síntese dos glicerofosfolipídios são compartilhados com a via que leva aos triacilgliceróis. Dois grupos acil-graxos são esterificados em C-1 e C-2 do L-glicerol-3-fosfato para formar o fosfatidato. Freqüentemente, mas não invariavelmente, o ácido graxo em C-1 é saturado, e aquele em C-2 é insaturado. Uma segunda rota para o fosfatidato é a fosforilação de um diacilglicerol por uma quinase específica (LEHNINGER et al., 1995).

O grupo cabeça polar dos glicerofosfolipídios é ligado através de uma ligação fosfodiéster, na qual cada uma das hidroxilas alcoólicas (uma no grupo cabeça polar e uma no C-3 do glicerol) forma um éster com um ácido fosfórico. No processo biossintético, uma das hidroxilas é ativada inicialmente pela ligação de um nucleotídeo, a citidina difosfato (CDP). A citidina monofosfato (CMP) é então deslocada em um ataque nucleofílico pela outra hidroxila. De acordo com

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LEHNINGER et al. (1995), a CDP é ligada tanto ao diacilglicerol, formando de fato um fosfatidato ativado (CDP-diacilglicerol) quanto ao grupo hidroxila do grupo cabeça.

Biossíntese do colesterol O colesterol é construído com moléculas de acetil-CoA, sendo necessários quatro estágios (Figura 2). No estágio 1, as três unidades de acetato se condensam para formar um intermediário com seis carbonos, o mevalonato. O estágio 2 envolve a conversão do mevalonato em unidades de isopreno ativado e o estágio 3 consiste na polimerização das seis unidades com cinco átomos de carbono do isopreno para formar a estrutura linear do esqualeno, com 30 átomos de carbono. No estágio final, a ciclização do esqualeno forma os quatro anéis do núcleo esteróide e uma ulterior série de mudanças (oxidações, remoção ou migração de grupos metila) levam ao produto final, o colesterol.

Figura 1. Via biossintética do fosfatidato (Fonte: LEHNINGER et al., 1995).

Degradação dos lipídios

A degradação dos triacilgliceróis ocorre por uma esterase: a lipase pancreática. Como as moléculas dos triacilgliceróis são muito grandes para serem captadas eficientemente pelas células da mucosa intestinal, esta enzima remove preferencialmente os ácidos graxos nos

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Figura 2. Resumo da biossíntese do colesterol (Fonte: LEHNINGER et al., 1995).

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carbonos 1 e 3. Os produtos primários da hidrólise são uma mistura de 2-monoacilglicerol e ácidos graxos livres (CHAMPE E HARVEY, 1996).

A degradação dos fosfolipídios é realizada por fosfolipases encontradas em todos os tecidos e no suco pancreático, as quais removem o ácido graxo no carbono 2 do fosfolipídio, resultando num lisofosfolipídio. O ácido graxo restante no carbono 1 pode ser removido pela enzima lisofosfolipase, que deixa uma glicerilfosforilbase que pode ser excretada nas fezes ou subseqüentemente degradada e absorvida. A estrutura em anel do colesterol não pode ser metabolizada a CO2 e H2O em seres humanos. Em vez disto, o anel esterol intacto é eliminado do corpo por conversão em ácidos biliares. Este ácidos biliares são excretados nas fezes e secreção do colesterol na bile, a qual o transporta ao intestino para eliminação. Uma parte do colesterol no intestino é modificada por bactérias antes da excreção. Os compostos primários são derivados reduzidos do colesterol, isto é, coprostanol e colestanol, sendo a única diferença entre estes dois isômeros a orientação do átomo de hidrogênio entre os dois anéis.

Alguns medicamentos têm sido usados, em aves, para reduzir a síntese de colesterol ou aumentar sua eliminação, mediante a formação de ácidos biliares ou esteróis neutros. Substâncias como triparanol, azasterol, probucol e lovastatina são efetivas na redução do nível de colesterol. Já a D-tiroxina tem efeito contrário. O principal inconveniente é que muitas destas substâncias, ou alguns de seus metabólitos, se depositam no ovo, não sendo comercialmente aceitável a presença destas substâncias no produto (MATEO et al., 1999).

INFLUÊNCIA DA DIETA NAS TROCAS LIPÍDICAS

Trabalhos de pesquisa vêm sido conduzidos desde 1934 para se conhecer a influência da dieta sobre a composição lipídica da gema. As principais conclusões encontradas foram (MATEO et al., 1999):

• a dieta da ave influi pouco na porcentagem de gordura do ovo; • a composição em ácidos graxos da gordura da gema é modificável pela dieta; • os ácidos graxos insaturados da dieta trocam as proporções do ácidos graxos

presentes na gema.

A dieta da galinha tem influência sobre a composição dos ácidos graxos e o conteúdo de colesterol da gema. Quando a taxa de ácidos graxos poliinsaturados da dieta aumenta, aumenta também a proporção de ácido linoléico, e decresce a de ácido oléico, mas a quantidade total de ácidos graxos saturados permanece constante, especialmente os ácidos palmítico e esteárico. O conteúdo de ácido palmítico e esteárico da gema oscila entre 30 e 40%. Os carboidratos e as cinzas podem chegar a 1%, sendo os principais elementos o fósforo, o cálcio e o potássio (MULLER E TOBIN, 1996).

Os ácidos graxos monoinsaturados parecem não influir, e inclusive, comportam-se de forma efetiva, como o linoléico, na redução do nível plasmático de LDL-colesterol. A capacidade dos ácidos graxos poliinsaturados, principalmente o linoléico, para reduzir a concentração de colesterol no plasma, é aproximadamente a metade da que tem os ácidos graxos saturados para aumentá-la (KEY, 1957 e NETTLETON, 1995 apud MATEO et al., 1999).

Os ácidos graxos de cadeia longa pertencem à família dos poliinsaturados; depositam-se exclusivamente nos fosfolipídios da gema e, preferentemente, na fração de fosfatidiletanolamina. O aumento da concentração de ácido oléico e de linoléico na gema ocorre principalmente nos trigliceróis. A incorporação de ácido linoléico tem lugar tanto nos triglicerídios como na fração fosfatidilcolina dos fosfolipídios (CHERIAN E SIM, 1991 apud MATEO et al., 1999, SEIBEL E SOUZA-SOARES, 2002).

As matérias-primas ricas em ácidos graxos ω-3 se classificam pela sua origem em dois grandes grupos: marinho (algas, óleos de pescado e farinhas de pescado) e terrestre (sementes ou óleos vegetais). As algas possuem elevado conteúdo de grupo de ácidos, que em base seca pode atingir 10 a 12% da composição, por peso. Cabe ressaltar que, independente da fonte, o peso do ovo e da gema serão reduzidos com esta dieta (MATEO et al., 1999).

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CONCLUSÃO

O ovo sofre muitas transformações para a sua formação e durante o seu armazenamento até o consumo. Deve-se procurar manter condições favoráveis para que perdas causadas por transformações bioquímicas sejam reduzidas ao máximo.

As proteínas, principalmente as da clara, são muito importantes para as indústrias de alimentos, devido às suas propriedades, em especial, a formação de espumas. As proteínas da gema também possuem uma propriedade importante para estas indústrias: a de emulsificação.

Pode-se dizer que o ovo é alvo de curiosidades, devido à sua composição química, principalmente ao teor de colesterol. O colesterol é, sem dúvida, o lipídio mais comentado e pesquisado até hoje. Porém, como visto ao longo desta revisão, o colesterol não é um composto apenas com aspectos negativos: ele também é essencial para o adequado funcionamento do organismo animal.

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PRESERVAÇÃO E CONSERVAÇÃO DE OVOS

Neusa Seibel Universidade Estadual de Londrina

Londrina, PR

INTRODUÇÃO

O armazenamento tem papel fundamental na conservação dos ovos, pois é durante este período que ocorrem trocas de origem física, química e microbiana; portanto, o tempo e a temperatura devem estar ligados a outros fatores para garantir, assim, uma boa preservação. O emprego de tecnologia adequada logo após a postura é necessário para prolongar a vida útil do ovo e seus produtos derivados. As tecnologias mais comumente empregadas são a pasteurização, salga, açucaramento, concentração, congelamento, desidratação, desglicosamento e o uso de conservantes. Como nenhum método individual é absolutamente eficaz, muitas vezes eles devem ser combinados para se obter um melhor resultado. Adicionalmente, o emprego destes processos resulta em algumas perdas, como em qualquer método de preservação e conservação de alimentos.

MICROBIOLOGIA DO OVO

Uma alta contagem de bactérias é indesejável em qualquer produto derivado do ovo. As bactérias multiplicam-se rapidamente em produtos de ovos abertos e sempre surgem altas concentrações bacterianas quando esses produtos líquidos permanecem por várias horas em temperaturas superiores a 15°C. Nas operações sanitárias ou de controle industrial, pode-se usar as contagens de bactérias para julgar os cuidados no manuseio desses produtos. Quando se faz contagem direta, é importante identificar o tipo predominante de microrganismo. A presença de hifas de bolores e de bacilos grandes indica o uso de ovos com casca, que foram armazenados antes da manipulação; a presença de muitas diplocélulas curtas, com extremidades pontudas, indica más condições sanitárias e de manuseio na indústria (SHARF, 1972).

A maioria dos ovos, logo após a postura, é estéril internamente. As proteínas albuminas possuem propriedades biológicas antibacterianas diretas ou indiretas (atividades antiproteásicas e formação de complexos com vitaminas ou metais) que contribuem para a boa conservação do ovo. O exterior apresenta-se contaminado por microrganismos. As fontes mais comuns de contaminação matéria fecal são equipamentos e o homem. A casca e a cutícula que a recobre, assim como suas membranas, são barreiras à penetração de microrganismos, mas que podem ser vencida sob certas condições (CAMARGO, 1984; LINDEN E LORIENT, 1996).

As possibilidades de invasão microbiana são aumentadas se a casca estiver suja e for lavada, a não ser que seja usada água limpa e morna contendo sabão, detergente ou germicida. Mesmo se os microrganismos penetrarem pela casca, encontrarão as defesas naturais da clara, que incluem as membranas da casca, o pH alcalino e a proteína que dissolve bactérias, a lisozima. Raramente as contaminações maciças vencem os mecanismos de defesa e causam deterioração do ovo durante seu armazenamento (GRISWOLD, 1972).

Geralmente ovos de baixa qualidade apresentam contaminação elevada na casca e, após a quebra, fornecerão grande contagem inicial. Ovos com alta contagem inicial devem ser trabalhados com cuidados especiais para prevenir o desenvolvimento de populações muito grandes durante o manuseio e processamento.

A flora microbiana nos ovos se compõe de 38% de bactérias que não formam esporos, entre elas os germens de Pseudomonas e Proteus, 30% de bactérias que formam esporos, 25% de cocos, 4% de leveduras e 3% de actinomicetos; no ovo de galinha é raro encontrar bactérias patógenas como Salmonella (0,6%). Quanto aos mofos, foram encontradas espécies como Penicillium, Cladosporium e Sporotricum; além dessas espécies, também foi detectada a presença de Thamnidium e Mucor, que somente se desenvolvem com

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alta umidade do ar. A porcentagem de contaminação é sempre maior nas gemas do que nas claras (PLANK, 1963).

Controle microbiológico

O resfriamento do ovo é importante para controlar a perda de qualidade que tem início logo após a postura e que independe da ação de microrganismos. O armazenamento refrigerado deve ser feito entre 13 e 15°C, com 70% de umidade relativa. Em temperaturas entre –1,7o e –0,55oC com 80 a 85% de umidade relativa, a qualidade pode ser mantida por até seis meses. Tratamentos auxiliares podem ser administrados no armazenamento refrigerado, como a impregnação da casca com óleo mineral, causando o fechamento dos poros, e impedindo a desidratação e a perda de CO2 (CAMARGO et al., 1984).

Diminuindo a temperatura para perto do ponto de congelamento, muitos microrganismos interrompem desenvolvimento, como por exemplo, Staphylococcus e Micrococcus, que têm como temperatura ótima de crescimento 37°C. Por outro lado, vários mofos, como Achromobacterias e Pseudomonas (que causa putrefação), encontram em temperatura próxima de 0°C condições completamente favoráveis para seu crescimento. Sabe-se também que os ovos armazenados durante muito tempo são atacados com mais facilidade por agentes putrefativos do que os ovos frescos (PLANK, 1963).

O armazenamento de ovos líquidos congelados ou de ovos desidratados, resulta na redução do número de bactérias que podem apresentar atividade. Mas uma contagem bacteriana baixa nesses produtos não significa, necessariamente, alta qualidade. Para a avaliação da qualidade do ovo, deve-se conhecer algo sobre seu histórico de armazenamento. A pasteurização desses produtos no estado líquido provoca uma diminuição acentuada no número de bactérias ativas (SHARF, 1972). Em produtos não-pasteurizados, a presença de putrefativos anaeróbios, bolores e aeróbios esporulantes, é freqüente indicadora do uso de ovos que permaneceram em armazenamento por algum tempo. A presença de quantidades anormais de Pseudomonas pode indicar o uso de ovos armazenados após lavagem, ou ovos de recepção diária produzidos durante uma estação úmida. Claras de ovo desidratadas, produzidas por processo natural de fermentação, costumam apresentar elevadas quantidades de bactérias coliformes. A presença de mau cheiro nesse produto indica fermentação não controlada. Bactérias do tipo Serratia e Achromobacter são freqüentemente responsáveis por odores estranhos em claras de ovo fermentadas (SHARF, 1972).

A contagem direta em microscópio fornece uma indicação do tipo da matéria-prima usada e das condições sanitárias de manuseio, já que essa contagem revela tanto os organismos mortos como aqueles que podem apresentar atividade vital. Contagens diretas anormais são indicativas de baixa qualidade, independentemente do que possa mostrar a contagem de bactérias ativas. A contagem microscópica direta pode mostrar que produtos que sofreram tratamento, o qual diminui a população ativa, possuíam uma população inicial muito alta. Os efeitos da pasteurização, secagem, congelamento ou armazenamento prolongado podem reduzir a população ativa a ponto de o produto ser julgado como de boa qualidade sob o ponto de vista microbiológico, embora possa, de fato, conter material de má qualidade ou mesmo decomposto. Em tais casos, a contagem direta é importante para revelar o que não foi revelado pela contagem da população ativa (SHARF, 1972).

IAMANAKA et al. (1999) propõem outra forma de prevenir a contaminação microbiológica do ovo, com uso de luz ultravioleta para inativar a presença de Salmonella enteritidis. Até 95% de destruição deste microorganismo em ovos contaminados superficialmente pode ser obtida após exposição à radiação ultravioleta por 5 minutos, a 50 cm da fonte, seguido de lavagem em 100mL de água peptonada e massagem por 2 minutos. O uso de tempos mais curtos (30 segundos ou 1 minuto) não é suficiente para a destruição do microrganismo.

Prevenção de contaminação na indústria

Pela composição e características do ovo – contém proteínas, gorduras, açúcares e minerais – e diante da diversidade de usos, qualquer contaminação ou alteração, antes, durante ou depois do processamento, pode resultar em modificações da cor, consistência, até mesmo acarretar riscos à saúde do consumidor (BARRETO, 1998).

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Condições sanitárias deficientes na indústria, especialmente limpeza inadequada de tanques de espera, canalizações e bombas provocam um rápido aumento de concentração bacteriana. A lavagem imprópria de ovos sujos e a tentativa de salvar ovos duvidosos contribuem também para aumento da população bacteriana (SHARF, 1972). Já a lavagem mecânica, feita com certos cuidados, reduz o número de microrganismos na casca do ovo. Recomenda-se o emprego de detergentes e desinfetantes (clorados ou quaternários de amônio). A solução empregada na lavagem deve apresentar temperatura de 32°C a 60°C (dependendo dos compostos usados) e a água utilizada para remover esta solução deve estar a uma temperatura ligeiramente superior à da solução. A secagem deve ser feita com ar aquecido (CAMARGO et al., 1989).

O objetivo da limpeza do ovo é a remoção de resíduos orgânicos (proteínas, gorduras, açúcares) e minerais aderidos às superfícies. A sanitização visa reduzir para níveis seguros os microrganismos alteradores e eliminar microrganismos patogênicos (Salmonella, Staphilococcus aureus e coliformes fecais). O processo de lavagem e de sanitização do ovo é dividido três etapas (BARRETO, 1998):

• lavagem do ovo in natura em equipamento próprio com uso de um conjunto de escovas e solução de detergente, seguido de enxágüe e sanitização com solução de cloro. A lavagem do ovo é feita utilizando-se solução com temperatura de 10°C acima da temperatura interna do ovo, para evitar a sua contaminação interna.

• limpeza com espuma: Na quebradeira (equipamento que separa casca, gema e clara), a higienização é feita utilizando-se um jato de alta pressão com produto alcalino gerador de espuma. O sistema compreende pré- enxágüe com água, limpeza manual dos conjuntos de quebradores de ovos com solução de detergente alcalino, enxágüe com água, limpeza com espuma através de jato de alta pressão, enxágüe com água e sanitização com ácido peracético.

• CIP (cleaning in place), que consiste na limpeza de tubulações, tanques de padronização e homogeneização, pasteurizadores, sistemas de envase e carretas de ovo líquido a granel, feitas em circuito fechado, automático e permanente, onde os equipamentos e tubulações são higienizados sem serem desmontados. O programa de limpeza nessas seções se resume em pré- enxágüe com água em temperatura ambiente durante 5 minutos, para remover os resíduos de ovo líquido que ficam aderidos nas superfícies dos equipamentos e utensílios; limpeza alcalina pela circulação de solução alcalina (soda cáustica) durante 40 minutos a 75°C, para remover os resíduos protéicos e gordurosos das superfícies dos equipamentos; enxágüe com água para remover resíduos suspensos e traços dos componentes usados na limpeza alcalina; limpeza ácida, pela circulação de solução ácida (ácido nítrico) durante 40 minutos a 60°C, para a remoção de incrustações de minerais que possam ser formados nos equipamentos; enxágüe com água para remover resíduos e traços dos componentes utilizados na limpeza ácida e sanitização, feita pela circulação de solução sanitizante (ácido peracético) por 15 minutos em temperatura ambiente.

ARMAZENAMENTO DE OVOS

O armazenamento do ovo fresco deve ser cuidadoso, devido às perdas que ocorrem em qualidade, principalmente através de microrganismos, perdas de peso e todos os processos de desintegração químicos e físicos, que têm uma influência adversa sobre o estado original de frescor e sobre a palatabilidade.

Os ovos se alteram por putrefação bacteriana e fúngica, processo que se retarda mediante armazenamento em baixas temperaturas ou por tratamento da casca para fechar os poros. Por exemplo, com silicato sódico, pasta de hidróxido de cálcio, ou imersão em óleo mineral e produtos semelhantes resultam no fechamento dos poros (HAWTHORN, 1983).

Métodos de conservação durante o armazenamento

O ovo inteiro com casca pode ser armazenado por períodos relativamente longos em câmaras frigoríficas com atmosfera rica em dióxido de carbono e umidade controlada sem que

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sejam evidenciadas alterações químicas e físicas na clara e na gema. Entretanto, quando o ovo é armazenado sem tais cuidados, ocorre, em pouco tempo, sensível perda de consistência da clara, mantendo-se inalterada a gema por tempo mais longo (BOBBIO E BOBBIO, 1992).

Existem vários métodos de conservação e armazenagem de ovos, como resfriamento rápido, revestimento de óleo e controle de umidade. Testes comprovaram que houve pequenas perdas em lipídios totais, na composição dos ácidos graxos e no total de ácidos graxos em ovos armazenados por 40 dias a 12,8°C. Já em ovos armazenados por até 12 meses a 0°C, não houve mudanças quanto à distribuição lipídica e conteúdo de ácidos graxos (STADELMAN et al., 1988).

O principal método para a conservação de ovos é a refrigeração. Ovos podem ser armazenados em câmaras, onde a umidade é controlada e a temperatura é mantida não muito acima do ponto de congelamento do ovo (-2oC), para minimizar a perda de umidade. A umidade deve ser tão alta quanto possível sem que resulte no aparecimento de mofo. Umidades de 90% ou mais poderão ser mantidas, se a circulação de ar for boa e se a temperatura permanecer entre -1,7 e -0,6°C. Ainda que exista alguma deterioração no ovo durante o armazenamento, esta não é facilmente perceptível. A qualidade do ovo sob refrigeração pode ser mantida por seis meses. A deterioração parece ser mais rápida durante os primeiros três meses de armazenamento, tornando-se posteriormente mais vagarosa (GRISWOLD, 1972).

SOUZA E SOUZA (1995) relataram que houve leves mudanças em ovos de codorna armazenados por 21 dias em temperatura ambiente (23°C) e em temperatura de refrigeração (8°C), sendo que estas ocorreram ao final do tempo de armazenamento. Isto se deve ao fato de que o ovo de codorna apresenta uma membrana mais espessa do que o ovo de galinha. Por este mesmo motivo é que provavelmente não foram observadas perdas de peso no ovo nem mudança na relação ovo/casca. Várias mudanças foram observadas. A diferença na qualidade da clara, medida em unidades Haugh, UH = 100 log (H + 7,57 – 1,7W0,37), onde H é a altura da clara e W é o peso do ovo, só foi percebida entre 14 e 21 dias, pois os ovos refrigerados apresentaram UH superior à dos mantidos em temperatura ambiente. O pH da gema e da clara foi mais baixo nos ovos mantidos em refrigeração. A qualidade da gema foi significativamente melhor. A relação ovo/clara foi menor e a relação ovo/gema foi maior nos ovos refrigerados, devido à migração de água da clara para a gema durante o armazenamento.

ALLEONI E ANTUNES (1999) estudaram o efeito da temperatura e do período de armazenamento sobre as propriedades funcionais da clara de ovo de galinha. As temperaturas usadas foram: ambiente (25°C) e refrigeração (8°C) durante 21 dias. As propriedades funcionais do ovo decresceram com o armazenamento à temperatura ambiente e estas, em condições de refrigeração, foram inferiores às dos ovos frescos. Foi constatado, no entanto, que ovos com sete dias de armazenamento à temperatura de 25°C apresentam maior rigidez do que ovos frescos; já na temperatura de 8°C, não houve efeito do tempo de armazenamento na dureza dos géis. Em ovos com 14 dias de armazenamento à temperatura de 25°C, obteve-se maior solubilidade e menor estabilidade da espuma, dureza do gel e qualidade da clara.

Outro método para melhorar a qualidade de conservação a frio do ovo consiste em passá-lo rapidamente num líquido quente, processo conhecido como termoestabilização. Esse tratamento estabiliza a albumina espessa, pasteuriza o ovo e desvitaliza os que são, ou estão, férteis. Pode ser feita mantendo-se o ovo durante quinze minutos em água ou óleo à temperatura de 54°C. Comumente, o óleo mineral é usado no lugar da água, porque, além de termoestabilizar o ovo, deixa também uma película residual de óleo sobre a casca. A desvantagem da termoestabilização é que esta causa redução no poder de formação de espuma da clara do ovo (GRISWOLD, 1972). A fina camada de óleo que permanece fecha parcialmente os poros da casca, reduzindo a perda da umidade e de CO2 do ovo. Na realidade, o nível de CO2, no ovo mergulhado em óleo, é mais ou menos equivalente àquele do ovo armazenado em atmosfera com 1% de CO2, por causa da retenção desse gás à medida que é produzido pelo ovo. Medidas sanitárias cuidadosas devem ser tomadas, pois o óleo se contamina com microrganismos e pode inoculá-los no ovo nele mergulhado. O processo de mergulhar o ovo em óleo frio retarda a mudança da qualidade determinada pelo

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ovoscópio e a diminuição da viscosidade da clara, mas não retarda o aparecimento do sabor desagradável durante o armazenamento a frio ou o caseiro.

SOUZA et al. (1998) armazenaram ovos de galinha de casca branca e casca marrom durante 21 dias, simulando condições “ambiente”, a temperaturas de 27,2 ± 2,6°C e umidade de 68 ± 5%. Os ovos foram colocados em diferentes tipos de embalagens: filme plástico de poliéster termo-encolhível com espessura de 15µ, filme plástico co-extrusado B900 com espessura de 50µ, filme plástico co-extrusado PD961EZ com espessura de 15µ; outro grupo de ovos foi tratado com óleo mineral. Analisando estes ovos semanalmente, foi constatado que a qualidade dos mesmos diminuiu com o passar do tempo, independentemente da proteção utilizada. Verificou-se, no entanto, que o óleo mineral foi o mais eficiente e manteve a qualidade do ovo intacta durante 14 dias, seguido dos filmes co-extrusados. Também foi observado que ovos de casca marrom apresentaram qualidade significativamente superior aos de casca branca durante todo o período de armazenamento, embora tenham perdido mais peso neste período; entretanto, o tratamento com óleo mineral reduziu significativamente esta perda.

Mudanças durante o armazenamento

Logo que o ovo é posto, começam a ocorrer mudanças que baixam sua qualidade e, eventualmente, causam sua deterioração. Essas mudanças podem ser retardadas, porém não podem ser evitadas inteiramente. Durante a maturação, o tamanho da câmara de ar vai aumentando, a gema se alarga, suas membranas enfraquecem, a clara torna-se mais rala, o ovo torna-se mais alcalino e seu odor e sabor se deterioram (GRISWOLD, 1972).

O aumento de tamanho da câmara de ar, durante o armazenamento, é importante comercialmente, porque influi na aparência do ovo, quando examinado ao ovoscópio. Um ovo não possui célula de ar quando posto. À medida que se resfria, seu conteúdo se retrai e o ar entra através da casca porosa, criando a câmara de ar geralmente localizada na extremidade alargada do ovo. Essa câmara continua a crescer pela perda de umidade durante o armazenamento. O alargamento da câmara é retardado, aumentando-se a umidade do ar do local onde os ovos estão armazenados. Há também a perda de água, através da casca, pois existe um movimento da água da clara para a gema por causa da pressão osmótica maior da gema. Esse fato concorre para o alargamento da gema, diminuindo sua viscosidade e enfraquecendo suas membranas vitelinas. As mudanças ocorrem mais rapidamente à medida que a temperatura de armazenamento é aumentada. Isto explica porque é difícil, senão impossível, separar a gema da clara de alguns ovos, a gema de um ovo velho, freqüentemente, não é bem centralizada e, às vezes, chega a aderir à casca.

A evaporação pode ser controlada aumentando a umidade do local de armazenamento para 85%, mas isto ocasionaria a putrefação por fungos. Pode-se adicionar CO2 na atmosfera do armazenamento para evitar isto. Se for usado 60% de dióxido de carbono, a umidade pode ser mantida em 96%, reduzindo a evaporação a valores pequenos, juntamente com a prevenção do desenvolvimento de fungos. Com apenas 2,5% de CO2 e 80% de umidade relativa, impede-se o desenvolvimento de fungos, mas a velocidade de evaporação será relativamente rápida (HAWTHORN, 1983).

Durante o armazenamento do ovo ocorre transformação da ovoalbumina em S-ovoalbumina e a dissociação do complexo ovomucina-lisozima, com destruição do gel de ovomucina. Estas reações são importantes no plano tecnológico, pois provocam a perda, ao menos parcial, das propriedades gelificantes e espumantes e também a liquefação da clara de ovo (FENNEMA, 1993; LINDEN E LORIENT, 1996).

A conversão da clara espessa para clara fluida, durante o armazenamento, refletida por um índice de albumina de baixo valor, constitui uma mudança óbvia e importante comercialmente. Há uma recente evidência invalidando a teoria, inicialmente defendida, de que tal modificação era causada pela ação de enzimas proteolíticas sobre a clara espessa. Embora as claras tornem-se mais ralas durante o armazenamento, essa teoria não constitui o único fator determinante, já que ovos recém postos diferem consideravelmente entre si, na proporção de clara espessa. Ovos provenientes da mesma galinha são, todavia, relativamente uniformes.

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A clara é uma solução de proteínas em água, CO2 e sais. Entre os sais existem alguns, como o NaHCO3 e Na2CO3, que funcionam juntamente com o CO2 dissolvido, como um sistema tampão:

2HCO3-1 ↔ CO3

-2 + CO2 + H2O

Devido à porosidade da casca, haverá trocas gasosas com a atmosfera externa ao ovo e, conseqüentemente, perda de CO2 e evaporação de água da solução, se a umidade exterior for mais baixa do que no interior do ovo. Altera-se, assim, o sistema tampão com aumento do teor de Na2CO3 e elevação do pH, o que leva a uma alteração na estrutura do gel com diminuição da viscosidade da clara e da gema. A perda de água da clara para a atmosfera leva a uma perda de água também da gema, alterando a consistência dos dois géis (BOBBIO E BOBBIO, 1992).

Durante o armazenamento, o pH do ovo se eleva por causa da sua perda de dióxido de carbono. O pH da clara, originalmente cerca de 7,9, eleva-se para 9,3 nos três primeiros dias de armazenamento, mudando pouco daí em diante. O pH da gema, inicialmente cerca de 6,2, sobe vagarosamente, durante o armazenamento prolongado. O dióxido de carbono originado pelos processos metabólicos na galinha, dissolve-se no ovo para formar ácido carbônico e bicarbonatos que atuam como tampões. À medida que o ovo é armazenado, o dióxido de carbono se difunde através da casca até que se equilibre com a relativamente pequena quantidade existente no ar (GRISWOLD, 1972; LINDEN E LORIENT, 1996).

O aumento em alcalinidade influi, sem dúvida, nas mudanças físico-químicas que ocorrem no ovo durante o armazenamento. A mudança de pH, o crescimento microbiano, o enfraquecimento da membrana vitelina, a deterioração do sabor e a perda de CO2 dos ovos, podem ser contidas com a adição de CO2, em torno de 2,5%, ao ar da câmara de armazenamento a frio. Essas vantagens são obtidas, porém, à custa de um aumento na velocidade de diluição da clara espessa (GRISWOLD, 1972; LINDEN E LORIENT, 1996).

Alguma deterioração em odor e sabor ocorre durante o armazenamento do ovo. Odores desagradáveis podem ser absorvidos pelo ovo, se não houver cuidado de evitar sua ocorrência na câmara de armazenagem. O odor e o sabor azedo característicos aparecem, possivelmente, pelas leves modificações que ocorrem na proteína e na gordura do ovo. Além das mudanças inevitáveis, que se operam durante o envelhecimento do ovo, também ocorre, às vezes, a deterioração microbiana. Quando o ovo é posto, seu conteúdo geralmente é estéril, mas, à medida que o ovo se resfria, os microrganismos podem invadi-lo através da casca porosa (GRISWOLD, 1972).

HAMMACK et al. (1993), pesquisaram o crescimento de Salmonella enteritidis em ovos de classe A durante o armazenamento de 16 dias à temperatura ambiente (26°C). As cascas dos ovos foram inicialmente desinfetadas com solução de cloreto de mercúrio 1% por 1 hora, seguido por submersão em 70% de etanol por 30 minutos; ou com solução de cloreto de mercúrio 1% por 1 hora; ou com etanol 70% por 30 minutos; em seguida o microrganismo foi inoculado dentro do ovo e incubado. O tratamento de desinfecção foi eficiente em dois casos, porém nas cascas dos ovos submetidos a etanol 70% houve aparecimento do microrganismo. As gemas de ovos inoculadas e incubadas continham altos níveis de Salmonella enteritidis; já os ovos mantidos em temperaturas de refrigeração mostraram pouco ou nenhum crescimento deste microrganismo. O crescimento do microrganismo na gema pode explicado ser pela migração da bactéria da casca através da clara para a gema ou pela gema ter se aproximado do inóculo durante o armazenamento (HAMMACK et al., 1993).

SOUZA et al. (1993/1994), analisaram a qualidade interna de ovos de galinha, íntegros e trincados, não lavados, lavados com água e higienizados com 50 e 100ppm de hipoclorito de sódio, armazenados por 21 dias à temperatura ambiente (27,7°C). Concluíram que o estado da casca ou a forma de higienização não tiveram influência evidente sobre o pH da clara, pH da gema ou índice gema. Entretanto, a presença de trincas afetou negativamente a qualidade da clara, e resultou em maior perda de peso destes ovos quando comparados aos ovos íntegros. A diferença na concentração de hipoclorito de sódio não interferiu nos resultados.

Algumas propriedades organolépticas ou tecnológicas do ovo podem alterar-se durante o armazenamento, porém as trocas nutricionais se produzem apenas durante quatro semanas à temperatura ambiente. Quanto ao valor nutricional, observou-se diminuição de

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treonina em ovos estocados por 87 dias a 20°C, mas não se observou mudança no teor de proteína. Em ovos armazenados por 12 meses entre 0 e 2°C, houve perdas de 47% da vitamina B6, 27% de ácido fólico e 23% de vitamina B12. Em outro teste, com ovos estocados por 12 meses a 0°C, houve redução de 10% na vitamina A, sendo que a maior perda ocorreu entre o quarto e oitavo mês; não houve diferença de perda de vitamina A entre ovos com cascas limpas ou sujas (STADELMAN et al., 1988).

IMPORTÂNCIA NUTRICIONAL E TECNOLÓGICA DO OVO

As proteínas de ovo são consideradas de alto valor nutritivo por conter todos os aminoácidos essenciais ao homem em quantidades superiores às requeridas para o crescimento e demais funções vitais. A totalidade das proteínas dos ovos é melhor que a proteína do leite e da carne, sendo que as duas últimas são consideradas boas fontes de nutrientes. As proteínas do ovo são usadas como padrão de referência para avaliar a qualidade nutricional das proteínas de outros alimentos (SAKANAKA et al., 2000).

O ovo não deve ser consumido cru em quantidades elevadas, devido à presença de proteínas com propriedades antinutricionais, enquanto não desnaturadas. Nesta categoria se incluem os inibidores de enzimas digestivas (ovomucóide, ovoinibidor), a ovotransferrina (quelante de ferro), e a avidina (complexante de biotina). Com o tratamento térmico, essas proteínas se desnaturam e perdem as suas propriedades antinutricionais (SGARBIERI, 1996). A cocção do ovo, quando feita por mais de cinco minutos, pode induzir certas perdas vitamínicas sobre a vitamina A (até 30%), a vitamina B1 e, sobretudo, no ácido fólico (B9), de até 50% (LINDEN E LORIENT, 1996).

Além de o ovo ser uma fonte importante de ácidos graxos insaturados, sobretudo o ácido oléico, contém também ferro, fósforo e outros elementos em traços. Possui vitaminas A, E, K e do complexo B. O conteúdo de vitamina D só é superado por óleos de fígado de pescado. Por outro lado, o ovo possui somente traços da vitamina C e um baixo conteúdo de cálcio fora da casca (LINDEN E LORIENT, 1996; MULLER E TOBIN, 1996).

A gema é composta por 34% de gorduras, 16% de proteínas e 50% de água. Infelizmente cerca de 5% da gordura está na forma de colesterol. Isto levou a se aconselhar limitar o consumo a três ovos por semana. Todavia, a quantidade de colesterol absorvido pelo organismo a partir dos ovos pode não ser tão grande como se pensava no começo, e assim os ovos foram temporariamente isentados por conta disso (PROUDLOVE, 1996).

A clara e gema, ou suas proteínas, são muito utilizadas na indústria de alimentos pelas suas excelentes propriedades organolépticas e funcionais, como gosto, aroma, cor, viscosidade, emulsificação, espumabilidade, gelificação (SGARBIERI, 1996). A clara e suas proteínas são usadas principalmente na manufatura de produtos de baixa densidade e elevada expansibilidade, em virtude da capacidade que têm essas proteínas de incorporar ar ao formar espumas. A gema e suas proteínas são excelentes emulsificantes e usadas na fabricação de produtos como maionese, em que essa propriedade é muito importante. A gema de ovo é por si mesma uma emulsão; uma dispersão de gotículas de lipídios numa fase contínua de componentes aquosos.

A cor amarela da gema do ovo se deve à presença de xantofilas, derivadas dos carotenóides. Ao contrário de vários carotenóides, as xantofilas não podem ser convertidas em vitamina A pelo organismo (PROUDLOVE, 1996).

Por causa de seu valor nutritivo e de suas propriedades tecnológicas, o ovo é utilizado de muitas formas na indústria de alimentos. O Quadro 1 apresenta, resumidamente, alguns usos e propriedades dos ovos.

Propriedades emulsificantes

As importantes propriedades emulsificantes da gema de ovo são atribuídas aos fosfolipídios e, sobretudo, às lecitinas presentes na forma de complexos lipoprotéicos. As livetinas e as lipovitelinas contribuem para diminuir a tensão superficial e facilitam a formação da emulsão, pois não tem influência sobre a estabilidade. São as lipoproteínas de baixa densidade (LDL) que melhor estabilizam as emulsões (BELITZ E GROSCH, 1988; LINDEN E LORIENT, 1996).

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A hidrofobicidade das LDL da gema é superior à da seroalbumina bovina ou a da β-lactoglobulina. Os constituintes lipídicos que rodeiam a apoproteína na superfície da micela apontam uma queda hidrófoba que facilita a adsorção da apoproteína na interfase no curso da formação da emulsão. A desnaturação das LDL por tratamento térmico diminui a atividade e a capacidade emulsificante, assim como a estabilidade das emulsões (LINDEN E LORIENT, 1996).

Quadro 1. Propriedades e usos do ovo na indústria de alimentos.

Propriedades Agentes responsáveis

Fatores de variações Produtos de substituição

Aplicações industriais

Aromática (ovo inteiro)

Numerosos compostos voláteis

Alimentação da ave, condições de armazenamento, tratamentos tecnológicos

Todas as indústrias alimentícias

Corante (gema)

Xantofilas, carotenóides

Alimentação da ave, luz, presença de sal, secagem

Corantes Biscoitos, doces

Coagulante (ovo inteiro)

Proteínas coagulantes

Temperatura, pH, força iônica, presença de açúcares, diluição, tratamentos tecnológicos

Carragenatos, alginatos, amidos modificados

Biscoitos, pastelarias

Ligante (ovo inteiro)

Proteínas Aditivos que aumentam a viscosidade, tratamentos tecnológicos

Polissacarídios, pectinas, gomas, gelatinas, proteínas

Gelados, pastas alimentícias

Anticristalizante (clara)

Proteínas Presença de gema e de cátions, tratamentos tecnológicos

Polissacarídeos Doces

Espumantes (clara)

Globulina, lisozima, ovomucina, ovalbumina

Idade do ovo, pH, homogeneização, condições do batimento, diluição, presença de sal, de açúcar ou de gema, tratamentos tecnológicos

Caseínas e caseinatos, proteínas do soro do leite

Biscoitos, pastelarias, doces

Emulsificantes (gema)

Lecitinas, lipoproteínas, colesterol

Condições do batimento, pH, diluição, presença de sal, açúcar ou clara, tratamentos tecnológicos

Lecitinas de soja, proteínas lácteas

Biscoitos, pastelarias

Adaptado de LINDEN E LORIENT (1996).

A viscosidade da gema do ovo confere boa estabilidade às emulsões. Existe uma relação linear entre a estabilidade da emulsão e a raiz quadrada da viscosidade. A adição de clara de ovo à gema de ovo diminui a estabilidade das emulsões formadas e este efeito está essencialmente ligado a um decréscimo na viscosidade. Esta observação tem importância, já que a gema de ovo industrial pode, às vezes, conter até 20% de clara (LINDEN E LORIENT, 1996).

A viscosidade da gema aumenta com a adição de cloreto de sódio, o que melhora a estabilidade das emulsões por provocar uma importante diminuição da capacidade emulsificante dos constituintes da gema. O sal provoca uma desidratação dos complexos protéicos e lipoprotéicos da gema, pois o sódio utiliza uma parte de água para sua dissolução. As proteínas desidratadas tendem a associar-se, resultando no aumento da viscosidade. Além disso, o sal ajuda a conservar melhor as propriedades funcionais em tratamentos térmicos. Cabe ressaltar que a pasteurização, o congelamento e a concentração modificam pouco as propriedades emulsificantes (LINDEN E LORIENT, 1996).

Formação de espumas

A espuma de claras tem importante papel em muitos produtos alimentares porque os torna leves em textura e contribui para seu crescimento. A clara batida é um colóide constituído de bolhas de ar, cercadas de albumina, que passou por uma desnaturação da

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superfície líquido-ar. Essa desnaturação, que é devida à desidratação e ao estiramento da albumina durante o batimento, torna parte dessa proteína insolúvel, endurecendo e estabilizando a espuma. Durante a desnaturação, as moléculas de proteína se desdobram e suas cadeias polipeptídicas se distendem com seus eixos longos, paralelos à superfície. O batimento em excesso incorpora muito ar, distendendo a proteína de modo a torná-la fina e menos elástica. A elasticidade é necessária, especialmente nas espumas que vão ser assadas, de modo que, antes de a proteína ser coagulada pelo calor do forno, o ar incorporado possa expandir-se sem romper as paredes celulares (GRISWOLD, 1972; FENNEMA, 1993).

Ao incorporar o ar, dentro da clara de ovo se forma uma espuma estabilizada pelas proteínas de globulina, que incluem cerca de 10% das proteínas da clara de ovo, e a ovomucina. Essa proteínas têm a capacidade de desenvolver-se e formar um filme em volta das bolhas de ar à medida que são empurradas para dentro da clara de ovo. Este filme é como o emulsionador que envolve uma gotícula de gordura na água, fixando as gotículas e impedindo-as de se separarem da mistura. Quando o produto é cozido, a proteína é completamente desnaturada e conserva uma estrutura de espuma. Qualquer traço de gordura, mesmo gordura da gema do ovo, interferirá com o desenvolvimento do filme em volta das bolhas de ar. Neste caso, será impossível para as proteínas do ovo estabilizarem a espuma produzida ao bater (PROUDLOVE, 1996).

Em experiências realizadas com clara de ovo privada de ovomucina e globulina, foi observado que aumentou o tempo de batimento e diminuiu o volume na elaboração de biscoitos. Uma taxa excessivamente alta de ovomucina reduz a elasticidade do filme e diminui a estabilidade térmica da espuma, ocasionando rupturas das bolhas de ar (BELITZ E GROSCH, 1988).

As proteínas da clara de ovo manifestam qualidades de formação de espuma máximas tanto em seu pH natural entre 8 e 9 como na faixa de seu ponto isoelétrico (pH entre 4 e 5). O cloreto de sódio aumenta o esponjamento e reduz a estabilidade das espumas. Isto provavelmente provém da diminuição da viscosidade da solução protéica. Os íons Ca+2 podem melhorar a estabilidade, formando pontes entre os grupos carboxílicos da proteína (LINDEN E LORIENT, 1996).

COTTERILL et al. (1992) estudaram o efeito de cátions metálicos sobre as espumas provindas da clara de ovo. Os autores concluíram que o Cu+2 atua muito bem na conservação das categorias funcionais da clara, tanto com aquecimento ou não. Entretanto, o Fe+3 e o Al+3 causaram alguma melhora, mas o complexo Fe-conalbumina provoca cor avermelhada e o Zn+2 não contribuiu com a conservação das propriedades espumantes.

Os glicídios diminuem a expansão da espuma por melhorar sua estabilidade. Por isso, o papel estabilizante das espumas exercido pelas glicoproteínas da clara de ovo (ovomucóide e ovoalbumina) estaria ligado à sua capacidade de reter a água nas camadas. Sabe-se que baixas concentrações de lipídios (menos de 0,1%) alteram seriamente as propriedades espumantes das proteínas, colocando elos na interfase ar/água e impedindo, por adsorção competitiva, a conformação mais favorável das películas protéicas (LINDEN E LORIENT, 1996).

A clara de ovo é sensível ao batimento excessivo. Um batimento da clara de ovo ou de ovoalbumina que ultrapasse a faixa de 6 a 8 minutos provoca uma agregação-coagulação parcial das proteínas na interfase ar/água. Estas proteínas não-solubilizadas não são adsorvidas corretamente na interfase e não formam uma película coerente interfacial. Tratamentos térmicos moderados aplicados antes da formação da espuma melhoram as propriedades espumantes de numerosas proteínas entre as que se encontram nas claras de ovos; entretanto, os tratamentos severos de secagem alteram sensivelmente as propriedades esponjantes devido à diminuição de solubilidade que provocam (LINDEN E LORIENT, 1996).

Poder aromático e corante

O ovo inteiro, e em particular a gema, possui aromas característicos muito apreciados. Os aromas estão fixados sobre os lipídios da gema que contém mais de 100 compostos voláteis. A cor da gema determina o desejo e a aceitabilidade do ovo pelo consumidor. A coloração do vitelo, se deve à sua riqueza em pigmentos xantofílicos e carotenóides provenientes da alimentação da galinha (LINDEN E LORIENT, 1996).

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Coagulação e gelificação

A coagulação é produzida através da ação de agentes físicos e químicos. O ovo passa de um estado fluido a um estado sólido denominado coágulo. A termocoagulação se produz a partir de 62°C no caso da clara, e de 65°C no caso da gema, porém em pH maior que 11,9 a clara se gelifica na temperatura ambiente. As ovoalbumina e a conalbumina possuem boas propriedades gelificantes. Dentre as proteínas da clara, apenas a ovomucóide não coagula. As proteínas da gema estão igualmente sujeitas à termocoagulação, com exceção das livetinas e da fosvitina (BELITZ E GROSCH, 1988; LINDEN E LORIENT, 1996).

O sal e a sacarose protegem contra a desnaturação térmica e permitem o aumento da temperatura de pasteurização e o aumento da resistência a microrganismos. Este efeito protetor se explica pela diminuição da quantidade de água livre disponível na fase solúvel. A modificação da estrutura da água de hidratação das proteínas melhora a estabilidade térmica da mistura e retarda a desnaturação (LINDEN E LORIENT, 1996).

As propriedades gelificantes das proteínas da gema estão ligadas às lipoproteínas. As LDL são desnaturadas a partir de 60°C, perdem sua fluidez a 65°C e formam gel a 85°C. O gel obtido é mais estável que um gel de ovoalbumina ou de seroalbumina bovina preparado nas mesmas condições. Contrariamente a estas duas proteínas, as lipovitelinas dão géis estáveis entre pH 4 e 9. As modificações das propriedades funcionais trazidas pelo congelamento e descongelamento são essencialmente ligadas ao aumento da viscosidade (LINDEN E LORIENT, 1996).

Cocção

Às vezes, quando o ovo é cozido ao ponto de duro, apresenta a superfície da gema esverdeada devido à formação do sulfeto de ferro durante a cocção. O ferro, para esse composto, provém da gema, e o enxofre provém de alguma albumina como a ovoalbumina. A clara também contribui com o pH alcalino, pois este se eleva durante o armazenamento e é mais elevado que o da gema. O pH mais alcalino do ovo armazenados torna mais provável o aparecimento da cor verde em torno da gema do que no ovo frescos durante a cocção. Aquecendo-se o produto, o enxofre é liberado da proteína sob forma de gás de hidrogênio sulfurado (o típico cheiro de ovo cozido ou putrefato) que reage com o ferro, como pode acontecer com muitas reações químicas que são favorecidas pelo calor. O esfriamento rápido na água fria minimiza o efeito (GRISWOLD, 1972; PROUDLOVE, 1996).

As mudanças que ocorrem com a cocção no elevado valor nutritivo dos ovos não são grandes. Realmente, há pouca ou nenhuma mudança no referido valor da proteína, dos minerais e das vitaminas lipossolúveis, porém existem perdas nas vitaminas do complexo B, tiamina, riboflavina e perdas menores em treonina. A biotina é melhorada pela cocção. A clara crua contém uma proteína chamada avidina, que combina com a biotina, tornando-a inaproveitável; com a cocção o complexo avidina-biotina é inativado, liberando a biotina e deixando esta completamente utilizável (GRISWOLD, 1972; MULLER E TOBIN, 1996).

As proteínas, por um lado, são moléculas análogas a longos fios, normalmente enrolados sobre si mesmos em razão das forças que exercem entre os átomos de uma mesma molécula. Quando são aquecidas, estas forças fracas são rompidas, e como toda ligação rompida deixa dois átomos sem companheiros, o aquecimento favorece o encontro dos isolados, que podem ligar-se mesmo quando não pertencem à mesma molécula (THIS, 1998).

Quando a temperatura de um ovo aumenta, os novelos de fio, que são as proteínas, começam a formar cadeias sem se desenrolar (a clara permanece translúcida). Em seguida aparece uma rede opaca cujos filamentos são compostos de várias proteínas. Se for prolongado o aquecimento, os novelos se desenrolam e a água evapora. Os átomos que estavam ligados à água ligam-se entre si, endurecendo a massa coagulada; neste ponto é tarde demais para recuperar a flexibilidade gelatinosa do ovo (THIS, 1998).

A gema cozinha depois da clara, isto porque ela só coagula a uma temperatura 8°C superior à de coagulação das proteínas das claras (68oC e 60oC, respectivamente). Uma parte da clara ao redor da gema não coagula; a ovomucina coagula mais dificilmente que as demais proteínas da clara, pois ela é responsável por conferir viscosidade à parte das claras em contato com as gemas (THIS, 1998).

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Outras propriedades funcionais do ovo

A clara de ovo, e em menor quantidade a gema, possuem propriedades ligantes, que implicam em propriedades de retenção de água e de lipídios e em propriedades de adesão. A clara possui um poder anticristalizante. Por exemplo, retarda a cristalização da sacarose em solução saturada e melhora a homogeneidade e a textura dos produtos de confeitaria. As propriedades coagulantes e emulsificantes da gema são propriedades tecnofuncionais com papel importante no comportamento físico dos alimentos e suas características sensoriais; a capacidade de fixação de elementos minerais é uma propriedade raramente utilizada (LINDEN E LORIENT, 1996).

TECNOLOGIAS APLICADAS

O ovo sem casca pode ser preservado por secagem comum, pasteurização, atomização ou liofilização. Os dois primeiros processos envolvem aquecimento do produto (BOBBIO E BOBBIO, 1992). A Figura 1 mostra resumidamente as principais vias da tecnologia dos produtos de ovo.

Descascamento

Esta operação consiste em descascar os ovos individualmente, pois o descascamento em conjunto é proibido. O ovo é colocado automaticamente sobre uma espécie de um pequeno cubo, é golpeado por duas lâminas que cortam a casca o ovo ao meio. A seguir a clara é separada da gema com uma espátula de recepção. Descascadoras modernas possuem fotocélulas que detectam a presença de gema na clara (LINDEN E LORIENT, 1996).

Operações de separação e de fracionamento

Separação A qualidade da separação da clara e da gema depende principalmente da idade do ovo e das condições de armazenamento. Uma correta separação tem influência sobre as propriedades funcionais dos ovoprodutos obtidos. Por exemplo, a presença de gema na clara, faz com que a última tenha alteração no poder espumante. Com a operação de separação, é possível obter ovoprodutos líquidos em forma de gema, de claras ou de ovos inteiros sem resíduos de casca.

Técnicas de fracionamento Estas técnicas são usadas principalmente para extrair as proteínas do ovo com valores importantes. Técnicas cromatográficas operam por intercâmbio iônico para extrair a avidina, as flavoproteínas, as ovoglobulinas e a lisozima. A cromatografia de afinidade é empregada para extrair as proteínas com atividade biológica como a avidina, a flavoproteína e a conalbumina. A filtração em gel é utilizada como etapa preparativa na separação da ovomucina, e como método de dosagem da lisozima.

As técnicas de precipitação podem ser por diminuição ou aumento da força iônica (para a preparação da ovomucina, ou a precipitação da lisozima pelo NaCl) ou por emprego do sulfato de amônio para separar as proteínas ovoalbumina e da ovomucóide, em geral misturadas.

Pasteurização

A finalidade da pasteurização é eliminar os microrganismos patogênicos tais como a Salmonella presentes nos ovoprodutos líquidos. Aplicam-se tratamentos térmicos de 2 minutos ou 30 segundos a temperaturas de 58 ou 64,4°C respectivamente, quando se pasteuriza o ovo inteiro, gemas ou claras (LINDEN E LORIENT, 1996).

A pasteurização pouco afeta a gema, enquanto que a clara pode ter diminuída sua capacidade de formar espumas estáveis, dando uma espuma de menor volume. A presença de glicose na clara leva à ocorrência do escurecimento não-enzimático pelo aquecimento (BOBBIO E BOBBIO, 1992).

Salmonella é mais termorresistente na gema que no ovo inteiro, devido ao seu menor pH e maior conteúdo de sólidos; por esta razão, os requisitos mínimos de pasteurização diferem com o tipo de ovoproduto. Temperaturas elevadas de armazenamento destroem

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efetivamente Salmonella dos sólidos da clara do ovo, obtendo-se, assim, um produto livre deste microrganismo (MULLER E TOBIN, 1996).

A pasteurização do ovo é importante como operação que precede a aplicação de outros métodos de conservação, como o congelamento. O binômio tempo-temperatura deve ser bem controlado, pois a clara pode coagular-se pela ação do calor (CAMARGO et al., 1989).

Figura 1. Principais vias da tecnologia dos produtos do ovo. (Fonte: BOBBIO E BOBBIO, 1992)

Recepção dos ovos

Descascamento

Clara Inteiro Gema

Pasteurização Ultrafiltração Seca-adoçada Pasteurização Ultrafiltração

Salgado-adoçado

Congelamento Secagem

Secagem

Salgado-adoçado

CLARAS LÍQUIDAS FRESCAS

CLARAS CONGELADAS

CLARAS SECAS

CLARAS CONCENTRADAS

CLARAS PASTEURIZADAS

Congelamento Secagem

OVOS INTEIROS

SECOS

OVOS INTEIROS CONCENTRADOS

OU PASTEURIZADOS

OVOS INTEIROS

CONGELADOS

Pasteurização

GEMAS LÍQUIDAS

GEMAS SECAS

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Nos Estados Unidos praticamente todos os ovoprodutos são submetidos à pasteurização de 60°C durante 3,5 minutos para destruir Salmonella. No Reino Unido, a pasteurização ocorre a 64,5°C durante 2,5 minutos. Os americanos consideram a temperatura empregada pelos britânicos demasiadamente elevada e prejudicial às propriedades tecnológicas do ovo (MULLER E TOBIN, 1996). A pasteurização deve ser realizada de forma a evitar alteração destas propriedades tecnológicas.

O tempo e a temperatura de pasteurização são muito importantes, pois a gema e o ovo inteiro, quando pasteurizados entre 60 e 63°C por alguns segundos, não apresentam trocas significativas nas propriedades físicas e funcionais. Já a clara, se for pasteurizada a 58°C por 2 minutos ou a 60°C por alguns segundos, apresenta aumento da turbidez e da viscosidade (FENNEMA, 1993).

As técnicas empregadas utilizam trocadores de calor de placas tubulares, ou câmaras quentes para a pasteurização de claras desidratadas (6 dias a 52°C). Geralmente, a pasteurização em alta temperatura diminui o poder espumante das claras e não tem efeito sobre a capacidade emulsificante das gemas, se estas forem previamente salgadas (LINDEN E LORIENT, 1996).

Métodos de processos térmicos são constantemente usados na indústria de alimentos para aumentar a vida de prateleira e para livrar os alimentos de microrganismos patógenos e outros que possam danificá-los. Como os tratamentos térmicos podem afetar o sabor e os nutrientes dos produtos, surgiu interesse em técnicas de preservação não térmicas (MEDEIROS et al., 1998).

A pasteurização com pulsos de alta intensidade no campo elétrico envolve a aplicação de curta duração e alta voltagem para alimentos localizados entre dois eletrodos. O tratamento é realizado em temperatura ambiente, por menos de um segundo e as perdas de energia devido ao aquecimento são mínimas. Os produtos tratados desta maneira retém as características físicas, químicas e nutricionais de alimentos frescos e possuem uma vida de prateleira satisfatória (MEDEIROS et al., 1998). Este autores contaminaram amostras de ovos com Staphylococcus aureus e submeteram-nas à pasteurização não térmica, com 20 ou 40 pulsos. Após o tratamento não foi observada diferença na quantidade de microrganismos presentes, possivelmente porque o pico de intensidade aplicado não foi suficiente para a inativação. Também foi notado que, após 3 semanas de estocagem a 4°C, os ovos tratados permaneceram com praticamente a mesma viscosidade, e os ovos que não receberam a pasteurização tiveram esta propriedade diminuída.

Salga e açucaramento

A salga e o açucaramento são operações que têm por finalidade preparar os ovoprodutos para tratamentos posteriores de maneira que se preservem suas propriedades funcionais, melhorando sua conservação (LINDEN E LORIENT, 1996). A salga é uma operação preliminar da extração da lisozima da clara do ovo, usada como meio para aumentar a temperatura de coagulação com vista aos tratamentos térmicos mais severos aplicados aos ovos inteiros e às gemas. O açucaramento é usado com a mesma finalidade.

Concentração

A ultrafiltração é a técnica mais utilizada para concentrar ovoprodutos. Em média são usados 11 a 33% de extrato seco para a clara, 24 a 48% para o ovo inteiro e 46% para a gema. Os produtos obtidos são geralmente comercializados na forma concentrada ou podem ser submetidos a outros processos como a desidratação. Um aspecto importante da concentração é que não há o emprego de calor e, portanto, praticamente não ocorre desnaturação dos ovoprodutos. Apenas o poder espumante das claras é ligeiramente diminuído. Os produtos de ovo líquido com umidade intermediária, podem ser conservados à temperatura ambiente por 6 a 12 meses (LINDEN E LORIENT, 1996).

Congelamento

O método de congelamento é aplicado para conservação do ovo inteiro, sem a casca ou para a clara e a gema separadamente. Suas vantagens são a boa conservação do produto e a eliminação das perdas por putrefação e rupturas que podem ocorrer na câmara frigorífica. Os produtos devem ser usados logo após o descongelamento e não devem voltar a ser congelados (PLANK, 1963; ORNELLAS, 1985). Temperaturas elevadas não podem ser

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usadas para o seu descongelamento (GRISWOLD, 1972). O congelamento deve ser feito no máximo 12 horas após o descascamento (LINDEN E LORIENT, 1996).

O congelamento preserva eficientemente a qualidade do ovo. Os ovos rachados ou sujos podem ser usados, contanto que sejam de boa qualidade; nas fábricas, os ovos sujos são lavados momentos antes de serem quebrados. Dois ou mais ovos são quebrados ao mesmo tempo ou separados numa vasilha para exame antes de serem combinados com outros. As claras são congeladas, sem adição de quaisquer substâncias, porém açúcar, sal ou glicerina são acrescentados às gemas antes do congelamento, para que descongelem mais facilmente quando forem utilizadas e não apresentem partículas coaguladas ou pastosas. Essa adição pode ser feita ao congelar clara e gema juntas (GRISWOLD, 1972). O ovo é removido da casca antes de ser congelado, porque a expansão do conteúdo durante o congelamento pode provocar a quebra da casca. Se as gemas forem congeladas sem qualquer adição, a água tenderá a se separar dos sólidos, deixando grupos de aparência cerosa que permanecem mesmo depois do seu degelo, impedindo sua mistura perfeita com outros ingredientes. Isso pode ser causado pela separação e coagulação da lecitoproteína durante o congelamento e pode ser evitado pelo acréscimo de xarope de milho, açúcar ou sal aos ovos inteiros ou gemas antes do congelamento. Essas adições baixam o ponto de congelamento da água da gema, evitando, assim, sua separação dos sólidos.

Pela possibilidade de rápido crescimento de microrganismos nos ovos depois de abertos, uma higiene cuidadosa é necessária, em toda fábrica, a fim de que se possa assegurar um produto congelado de baixa contagem bacteriana. Mesmo com extremo cuidado, parece impossível evitar-se inteiramente a ocorrência de Salmonella no ovo líquido, a não ser que seja pasteurizado. Se a temperatura for controlada cuidadosamente pelo aquecimento rápido a 60°C durante três minutos, é possível se destruir Salmonella, sem a coagulação do ovo. Esse tratamento tem sido sugerido para o ovo ainda líquido, antes da desidratação ou do congelamento. É geralmente mais usado na desidratação que no congelamento (GRISWOLD, 1972).

A clara e a gema podem ser congeladas separadamente ou em conjunto. A preservação do ovo por congelamento produz pequenas alterações na viscosidade da clara, mas alterações irreversíveis ocorrem na gema, a qual sofre uma gelificação das suas lipoproteínas, resultando em um produto final com menor capacidade emulsificante. Esse efeito pode ser parcialmente reduzido pela adição de agentes crioprotetores como açúcares, sal ou glicerol (5%), ou enzimas proteolíticas antes do congelamento. O armazenamento do ovo congelado deve ser feito em temperaturas inferiores a -18oC (BOBBIO E BOBBIO, 1992).

A sacarose, glicose ou galactose, em concentração de 10%, são agentes crioprotetores eficazes, que não alteram, de um modo significativo, a viscosidade da gema. O sal, ao nível de 10%, igualmente previne a gelificação durante o congelamento, além de aumentar a viscosidade da gema. Já as enzimas proteolíticas, como a tripsina e a papaína, previnem a gelificação durante o congelamento, mas reduzem o poder emulsificante da gema (FENNEMA, 1993).

Antes do congelamento ou desidratação, o ovo integral, ou gema e clara separadas, são submetidos a um processo de moagem (homogeneização) e de pasteurização. Normalmente se inicia com uma batedura para produzir uma mistura uniforme. A moagem ou homogeneização produz a desintegração da clara pela fragmentação das fibras de mucina. A fragmentação dessas fibras até um máximo de 300µ de comprimento, melhora a velocidade de formação e o volume de espuma produzido pela clara, melhorando, também, suas propriedades funcionais. Os fragmentos de casca são retirados por filtragem e o ovo líquido é despejado em latas e congelado. O ovo desidratado é produzido de maneira similar, porém usualmente é desidratado a jato (PROUDLOVE, 1996; SGARBIERI, 1996).

O processo de congelamento é realizado em câmaras ou túneis a -45°C ou sobre cilindros geradores de escamas que permitem a obtenção de produtos na forma de lâminas, facilitando a dosificação e o rápido descongelamento. Quanto às propriedades funcionais, a viscosidade das gemas e dos ovos inteiros aumenta através de um descongelamento rápido, enquanto que permanece praticamente estável para as claras. A permanência destas qualidades está diretamente ligada à velocidade de congelamento (LINDEN E LORIENT, 1996).

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Desidratação

A secagem tem como objetivo reduzir o conteúdo de água dos diferentes ovoprodutos, porém os poderes emulsificantes e espumantes são afetados; as gemas, depois de reidratadas, apresentam viscosidade mais elevada, e a solubilidade das proteínas diminui no decorrer do armazenamento. Os principais procedimentos usados na desidratação são a atomização e a liofilização (LINDEN E LORIENT, 1996). A atomização é aplicada a ovoprodutos previamente concentrados. É preferível a atomização centrífuga à atomização por pressão, pela facilidade de operação. A liofilização é feita a partir de ovoprodutos congelados e permite obter produtos de excelente qualidade, mas de custo elevado para a utilização industrial.

Claras e gemas, separadas ou misturadas, podem ser desidratadas ou liofilizadas. As vantagens da desidratação de ovos são:

• permitir o armazenamento à temperatura ambiente, em locais frescos; • reduzir o espaço necessário para o armazenamento; o peso também é menor em

comparação com ovos inteiros ou ao conteúdo congelado.

Quando os processos de desidratação e de liofilização são feitos corretamente, as propriedades nutritivas do ovo não são afetadas. O valor biológico das proteínas permanece constante e não se observam alterações nos conteúdos de vitamina A, tiamina, riboflavina, ácido pantotênico e ácido nicotínico (PLANK,1963; MULLER E TOBIN,1996).

A secagem por atomização produz alterações semelhantes à pasteurização, mas freqüentemente mais intensas, pois a temperatura de secagem é também maior. Há mudança na coloração da gema. As alterações provocadas pela secagem são pouco evidentes quando o produto é estocado por pouco tempo. Após algumas semanas, entretanto, as alterações são consideráveis tanto na gema como na clara, cujas propriedades estruturais ficam alteradas. Essa alteração é, pelo menos em parte, ligada às transformações provenientes da reação de Maillard, da polimerização de ácidos graxos insaturados e da reação dos fosfolipídios com os aldeídos (PLANK, 1963; BOBBIO E BOBBIO, 1992).

Para evitar a reação de Maillard em produtos desidratados, é necessário que antes da atomização seja adicionada sacarose à gema. A sacarose também tem a propriedade de diminuir a perda da capacidade espumante, ocasionada pela desidratação. A estabilidade melhora gradualmente quando o conteúdo de sacarose adicionada é de 5%. Este nível é importante, pois se forem acrescentadas concentrações elevadas, como 10 a 15%, a velocidade de auto-oxidação dos lipídios aumentará, com o desenvolvimento de um aroma desagradável (FENNEMA, 1993).

Os ovos inteiros líquidos, bem como as gemas, são geralmente desidratados pelo método denominado spray dryer. Nesse processo, há um pré-aquecimento a 60°C e, então, pulverização em forma de chuvisco muito fino, por injetores, numa câmara de secagem, onde passa, em grande velocidade, uma corrente de ar quente com temperatura entre 121 e 149°C. O pó de ovo se deposita no fundo da câmara e é retirado automática e constantemente. No caso da clara de ovo, esta é primeiramente fermentada para remover o açúcar natural e fragmentar a clara espessa e, em seguida, desidratada. Devido à possível presença de Salmonella no ovo desidratado, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos recomenda que seja empregado somente em produtos que dependam de completa cocção. Naturalmente, a desidratação ocorrer sob rígido controle bacteriológico, incluindo-se a prévia pasteurização do ovo líquido, o ovo em pó poderá ser usado no preparo de qualquer produto alimentar (GRISWOLD, 1972).

Embora a clara em pó seja bastante estável durante o armazenamento, o ovo inteiro perde, provavelmente devido à falta de glicose, tanto em sabor como em solubilidade, bem como em suas qualidades de cocção. Os sólidos de ovos inteiros conservam-se melhor se o seu conteúdo de umidade inicial for baixo e se o produto for conservado em recipiente fechado. Temperaturas baixas de armazenamento são importantes para conservação da qualidade do ovo inteiro. Em temperaturas abaixo de 16°C este produto conserva sua qualidade durante treze meses, enquanto que em temperaturas abaixo de 21°C, suas

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qualidades resistem somente seis meses, baixando para apenas um mês ou menos, quando à temperatura de armazenamento é de 30°C (GRISWOLD, 1972).

Desglicosamento

Por volta de 1940, pesquisas mostraram que as reações de Maillard eram responsáveis pelas trocas de sabor, cor e solubilidade em alimentos. Para evitar esta reação, deve-se eliminar do ovo os açúcares redutores, pois as alterações dos ovoprodutos desidratados se devem a reações glicose-proteína e glicose-cefalinas, que se evitam eliminando a glicose do ovo. Esta eliminação pode ocorrer de três formas: por fermentação microbiana espontânea utilizando principalmente Uterobacter e Citrobacter; mediante fermentação controlada com espécies de Streptococcus ou Lactobacillus, assim como leveduras Saccharomyces apiculatus e Saccharomyces cerevisiae, e por introdução das enzimas glicose oxidase/catalase. Geralmente, o poder espumante é melhorado nas claras de ovos cujo açúcar é eliminado (LIDEN E LORIENT, 1996; MULLER E TOBIN, 1996).

Adição de conservantes

Como todo produto natural de origem animal, o ovo também é bastante perecível e começa a perder qualidade momentos após a postura, se não forem tomadas medidas adequadas para sua conservação. Entre os fatores que influem na perda da qualidade dos ovos estão tempo, temperatura, umidade e manuseio. Várias alternativas têm sido exploradas para aperfeiçoar o uso de conservantes para aumentar a vida útil deste alimento (SOUZA et al., 1998).

A demanda por produtos prontos o para consumo tem crescido consideravelmente. Esta preferência dos consumidores vem ocorrendo para todos os tipos de alimentos, inclusive para os ovos, principalmente os de codorna, que tiveram um grande aumento de produção nos últimos anos. A codorna é possuidora de alta capacidade de produção de ovos, os quais são altamente perecíveis à temperatura ambiente e, mesmo cozidos, não duram mais que dois dias sob refrigeração (BERBARI et al., 1998a).

PEREIRA et al. (1996), analisaram ovos de codorna em conserva. O princípio básico foi a redução do pH do ovo para níveis seguros a fim de permitir um processamento térmico mais suave que não interferisse nas características organolépticas do produto. Sendo assim, foram estudadas várias formulações de salmoura, utilizando ácidos orgânicos lático e cítrico associados a duas concentrações de NaCl. O produto ficou armazenado à temperatura ambiente por um período de seis meses. Os testes sensoriais indicaram que a formulação com ácido lático e 1,5% de sal apresentou maior aceitabilidade. Outro trabalho feito para a utilização de conservantes em ovos de codorna foi executado por BERBARI et al. (1998b). A formulação básica de salmoura foi: 2% de sal (NaCl) e ácido cítrico em quantidade suficiente para baixar o pH inicial dos ovos para 4,0. Os conservantes usados foram: benzoato de sódio e sorbato de potássio, nas concentrações de 0,05% e 0,1%. Os ovos foram embalados em recipientes plásticos e armazenados. O tempo de conservação também foi avaliado, em função da temperatura de armazenamento, ambiente e refrigeração (5°C). Foi constatado que a quantidade de ácido cítrico necessária para baixar o pH inicial (7,5) até o final (4,0) foi de 1,8g ácido cítrico/100g de ovos. A acidificação é necessária para que os conservadores possam atuar, pois o ácido sórbico e seus sais de sódio, potássio e cálcio e o ácido benzóico e seus sais de sódio e potássio agem somente quando estão na sua forma não-dissociada. Quanto ao tempo de armazenamento, percebeu-se que até 45 dias não houve presença de bactérias láticas, bolores ou leveduras.

BERBARI et al. (1998a), também estudaram a conservação de ovos de codorna com diferentes tipos de ácido: cítrico, fosfórico ou ácido cítrico junto com vinagre. Todos os ovos também continham salmoura de NaCl e sorbato de potássio. Os ovos foram acondicionados em recipientes plásticos e armazenados por 60 dias à temperatura de 5°C. Os resultados mostraram que a adição de ácido e conservador evitou a deterioração microbiológica do produto, mas a adição da mistura de ácido cítrico e vinagre prejudicou o gosto dos ovos, tornando-os inaceitáveis para consumo.

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USOS INDUSTRIAIS

Os ovoprodutos são amplamente utilizados na indústria alimentícia por suas propriedades funcionais muito eficazes, porém apresentam fatores limitantes, conforme apresentado no Quadro 2. Os ovoprodutos têm um custo elevado em relação a outros ligantes protéicos (proteínas de leite, sangue ou soja), mas as excelentes propriedades espumante e coagulante da clara e emulsificante da gema lhes conferem bases incontestáveis (LINDEN E LORIENT, 1996).

Qualidades funcionais de alguns produtos do ovo

Um estudo comparativo permitiu conhecer certas propriedades funcionais de alguns ovos em pó secados por atomização ou secados sobre bolas, comparando os resultados entre eles e com diferentes ovoprodutos (frescos, congelados, etc). Quanto aos resultados obtidos com ovos inteiros, este estudo mostrou que a temperatura e o tempo de gelificação eram muito próximos, qualquer que fosse o produto feito, e que existiam, em particular poucas diferenças a este nível entre pó e ovos frescos, as forças dos géis dependiam muito mais do pH do que a forma do ovo, pó ou fresco. Entretanto, a capacidade de emulsão dos ovos inteiros dependeu da forma do produto, sendo significativamente mais elevada no ovo fresco do que no ovo em pó (LINDEN E LORIENT, 1996).

Quadro 2. Vantagens e limites de utilizações dos principais ovoprodutos.

Tipo Vantagens Fatores limitantes

Ovoprodutos líquidos Propriedades funcionais parecidas aos ovos com casca; grande flexibilidade de emprego; preparação de produtos com variação de extrato seco, sal e açúcar.

Utilização imediata antes do conhecimento dos resultados dos controles microbiológicos.

Ovoprodutos congelados Aumento da viscosidade e possível retorno ao valor normal por adição de sal e/ou açúcar; qualidade bacteriológica idêntica ao produto fresco sem ser utilizado imediatamente após o descongelamento.

Armazenamento a -20°C e controle do descongelamento; falta de flexibilidade de utilização; propriedades funcionais modificadas.

Ovoprodutos em pó Economia em gastos de transporte e de armazenamento; conservação mais de 1 ano a 20 °C; qualidade bacteriológica estável; aumento da viscosidade dos ovos reidratados.

Propriedades funcionais diminuídas (em particular o poder esponjante, e cor); eliminação de açúcares das claras para uma boa conservação.

Fonte: LINDEN E LORIENT (1996).

Quanto aos resultados obtidos com claras de ovo, os tempos de gelificação da clara são comparáveis tanto se estas são frescas, congeladas ou em pó. As temperaturas de gelificação destes produtos são muito próximas, porém são ligeiramente inferiores no caso de ovo fresco. No entanto, os géis de clara de ovo obtidos a partir de pó são mais firmes que os obtidos com outros tipos de claras (LINDEN E LORIENT, 1996).

As propriedades emulsificantes das claras em pó estão estreitamente ligadas ao pH do produto. A capacidade emulsificante da clara de ovo fresca é sistematicamente mais elevada que a da clara em pó. A capacidade espumante da clara em pó é mais elevada que a da clara fresca ou congelada. Isto pode parecer surpreendente, pois, no geral, a secagem altera as propriedades espumantes das proteínas; no entanto, as claras de ovos em pó

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sofrem um pré-tratamento (eliminação do açúcar) e, sobretudo um pós-tratamento (estufamento) que aumenta a capacidade espumante e o poder gelificante (LINDEN E LORIENT, 1996).

A capacidade emulsificante das gemas em pó é notadamente inferior à das gemas frescas. Pelo contrário, a estabilidade das emulsões de gemas de ovo, obtidas a partir de gemas em pó, é superior à das obtidas com gemas frescas. As medidas de viscosidade realizadas em gemas de ovo têm mostrado que a gema em pó possui uma viscosidade cerca de 10 vezes maior que a gema fresca entre 25 e 60°C. No entanto, à temperatura de 70°C, as viscosidades são praticamente iguais (LINDEN E LORIENT, 1996).

Utilização dos produtos do ovo como ingredientes principais

Os ovoprodutos, devido às suas propriedades funcionais e nutricionais e também a suas diversas apresentações (líquidos, desidratados, congelados), podem constituir o elemento majoritário na composição de um produto e permitem pensar na elaboração de produtos industrializados como, por exemplo (LINDEN E LORIENT, 1996):

• ovos cozidos duros sem casca; • tortas congeladas ou desidratadas; • cubos de ovo duro para salada de ovo e aperitivos; • salsichão de ovos; • ketchup de ovo (salsa aromatizada à base de gema de ovo); • bebidas: suco de laranja misturado com ovos inteiros líquidos, licor de ovos; • ovos escoceses: ovos duros revestidos com uma pasta de legumes e fritos; • iogurte com clara de ovos.

Moléculas de interesse tecnológico e farmacêutico

Graças à utilização e ao desenvolvimento de técnicas de fracionamento, certas proteínas da clara e da gema, com propriedades biológicas interessantes, podem ser utilizadas e purificadas. Dentre as proteínas extraídas da clara menciona-se (LINDEN E LORIENT, 1996):

• a lisozima, conhecida por suas propriedades antitrípticas e antibacterianas, sobretudo frente a células vegetativas de Clostridium butyricum; muito utilizada nas indústrias láctea e farmacêutica;

• a conalbumina, cujas propriedades quelantes asseguram o transporte de substâncias minerais no organismo;

• a ovomucóide e a ovoinibidor, que são essencialmente utilizadas por suas propriedades antitrípticas;

• a avidina e a flavoproteína, com interesse nutricional, pois transportam, respectivamente, a biotina e a riboflavina.

Dentre as proteínas extraídas da gema se destacam:

• a lecitina, utilizada em produtos cosméticos e alimentares; entretanto, por razões econômicas, sua extração é normalmente feita a partir da soja (Glycine max);

• a fosvitina, que por ser diretamente assimilável se constitui em fonte de fósforo superior à caseína, possuindo também propriedades antioxidantes.

PERSPECTIVAS FUTURAS

O desenvolvimento do mercado de ovoprodutos e de produtos elaborados à base de ovo, mostra o dinamismo do setor para encontrar soluções para a necessidade de melhorar o valor nutricional dos produtos e aumentar o consumo. Numerosos trabalhos foram desenvolvidos e que contribuíram para os avanços logrados, porém as pesquisas devem ser intensificadas. Entre as linhas prioritárias de investigação LINDEN E LORIENT (1996) citam:

• produtos adaptados à evolução dos hábitos de consumo (produtos semi-elaborados ou elaborados);

• ovoprodutos adaptados a utilizações industriais e constituídos de proteínas de ovo ou de misturas que associem estas proteínas com proteínas de outras origens;

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• pesquisa de novas técnicas de fracionamento que permitam extrair, a preços competitivos, certos compostos do ovo com alto valor nutricional;

• estudo de novas técnicas de conservação capazes de preservar melhor as qualidades funcionais.

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PROCESSAMENTO DO OVO POR DESIDRATAÇÃO

Cibelem Iribarrem Benites Universidade Estadual de Campinas

Campinas, SP

INTRODUÇÃO

O ovo é um produto de origem animal de custo relativamente baixo que, em forma natural, encontra-se previamente embalado e pronto para a comercialização. Quando consumido em boas condições, o ovo fornece ao organismo humano um balanço quase completo de nutrientes. Tem-se recomendado aos produtores de ovos comerciais elegeram a meta de suprir o mercado consumidor com um produto de qualidade cada vez melhor. Para atingir este objetivo, os produtores têm que levar em consideração as características físicas visíveis e o odor do produto.

Segundo GRISWOLD (1972), logo que o ovo é posto, começam a ocorrer mudanças que baixam sua qualidade e que podem causar sua deterioração. As mudanças mais freqüentes são na câmara de ar, pH, perda de água, conversão de clara espessa em clara fluida e modificação do odor e sabor, devido a leves alterações nas proteínas e gordura. Odores e sabores estranhos ao ovo podem ser absorvidos e armazenados na câmara de ar.

A desidratação de alimentos é uma técnica antiga, sendo ainda hoje um dos processos mais utilizados em agropecuária. Algumas vantagens da desidratação de alimentos são prolongar a vida útil do alimento, facilitar o transporte e reduzir o espaço necessário para o armazenamento (SANTOS, 1998). Esta técnica pode contribuir para reduzir as perdas causadas por produção excessiva na época da safra, suprindo o mercado no período de escassez.

A avicultura brasileira de postura contribui de maneira expressiva para a geração de empregos e oferta de alimentos. O Brasil é o sétimo maior produtor mundial de ovos. O Rio Grande do Sul é o quarto estado em número de poedeiras, e o terceiro na produção de ovos. Entretanto, o consumo per capita de ovos no Brasil é relativamente baixo, em torno de 134 ovos por ano. A título de comparação, nos Estados Unidos o consumo anual per capita é de 234 ovos e em Israel e no Japão chega a 334 ovos por ano (TURATTI, 2001). O ovo em pó é uma alternativa para prolongar as condições de consumo do ovo. O armazenamento de ovo em pó é mais seguro e econômico do que o do produto fresco, além de manter as características químicas do produto in natura.

DESIDRATAÇÃO

A secagem é um dos processos mais antigos utilizados pelo homem na conservação de alimentos. É um processo copiado da natureza, o qual foi aperfeiçoado pelo homem (GAVA, 1984). Provavelmente este antigo método de conservar alimentos passou a ser usado a partir do momento em que o homem primitivo deve ter verificado que os grãos de cereais, feijões e ervilhas, sendo secos naturalmente no campo, poderiam ser armazenados por longos períodos. Ao imitar este fenômeno natural, o homem aperfeiçoou a secagem como um método prático para conservar outros produtos, como carnes, peixes, frutas e condimentos (BARUFFALDI, 1998).

Os produtos submetidos a secagem conservam quase intactas suas características físicas e nutritivas. Quando se lhes restitui a água retornam ao aspecto natural ou mudam muito pouco. O uso de produtos desidratados teve um grande estímulo durante a segunda Guerra Mundial. Os alimentos podem ser secados com ar, vapor superaquecido, a vácuo, em gás inerte ou pela aplicação direta de calor. O uso do ar é o que apresenta maior importância prática (GAVA, 1984).

A desidratação resulta na eliminação quase completa da água do alimento, atingindo-se normalmente de 3 a 5% de umidade no produto final. Exemplos comuns de produtos desidratados são o leite em pó, café solúvel e sopas. Os diversos processos de secagem dos

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produtos de origem vegetal e animal podem ser enquadrados dentro de dois grupos: secagem natural (ao sol) ou secagem artificial (desidratação).

Secagem versus desidratação

A escolha do sistema a ser usado depende de diversos fatores, como as condições da região, a natureza da matéria-prima, as exigências de mercado, o custo de produção e a disponibilidade de mão-de-obra (GAVA, 1984). O ponto principal é, sem dúvida, aquele relacionado com as condições climáticas da região. Para uso da secagem, o clima deve ser seco, com grau higrométrico baixo, pouca precipitação pluviométrica, grande quantidade de horas de sol, boa evaporação, regime favorável de ventos e temperatura relativamente alta. Caso contrário, deve-se recorrer à desidratação ou a um sistema misto (GAVA, 1984). A secagem com equipamentos à base de energia solar é uma alternativa que, conforme as condições ambientais e época do ano, pode reduzir gastos com energia (SANTOS, 1998).

A desidratação ao sol é o processo mais simples de desidratação. É muito usado nos países em desenvolvimento, pois sua principal vantagem é o baixo custo. As maiores inconveniências são: a sazonalidade, más condições sanitárias, exigência de uma superfície relativamente grande e lentidão. A morosidade deste processo também pode resultar na perda de sólidos totais por respiração e fermentação e as características do produto final também são alteradas devido a reações enzimáticas e bioquímicas (MULLER E TOBIN, 1996).

A desidratação é a secagem produzida artificialmente em condições de temperatura, umidade e corrente de ar cuidadosamente controladas (GAVA, 1984). A desidratação as condições são controladas e melhor controle das condições sanitárias do produto.

Tanto a secagem como a desidratação têm como objetivo a obtenção de um produto com atividade de água suficiente baixa para evitar o desenvolvimento de microorganismos e retardar consideravelmente as reações químicas. Alimentos com elevada atividade de água são altamente perecíveis. A magnitude das trocas físicas, químicas e bioquímicas dos tecidos depende, principalmente, do sistema de desidratação utilizado e da natureza do produto. O tempo e modo de tratamento secagem ao sol, secagem a vácuo, desidratação osmótica ou liofilização podem apresentar grandes diferenças para produtos distintos. Outra conseqüência da retirada de água é a alteração das propriedades químicas e físicas do produto (FENNEMA, 1993).

Atividade de água

Nem toda a água presente em um alimento pode ser utilizada para o crescimento de microorganismos. Teoricamente, a atividade aquosa é igual à fração molar da água em solução (MULLER E TOBIN, 1996). A Tabela 1 apresenta alguns exemplos dos teores de umidade e atividade aquosa dos alimentos.

Tabela 1. Atividade aquosa limitante do crescimento de alguns microorganismos associados aos alimentos.

Alimento Umidade (%) Atividade aquosa

Frutas 80 – 90 0,97

Ovos 75 0,97

Pescado 60 – 80 0,65 – 0,90

Carne 70 0,97

Queijo 40 – 50 0,96

Marmeladas 30 0,82 – 0,94

Mel 15 0,75

Açúcar 0,5 0,1

Fonte: (MULLER E TOBIN, 1996).

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A atividade aquosa pode ser reduzida pela adição de açúcares, glicerol, dióis ou sais. Reduzindo a atividade aquosa, produz-se um efeito antimicrobiano específico que freqüentemente é potencializado por conservantes químicos, como o ácido benzóico e dióxido de enxofre (MULLER E TOBIN, 1996). Freqüentemente, a eliminação quase total da água provoca o aparecimento de ligações importantes (interações proteína-proteína), especialmente se forem utilizadas temperaturas elevadas para a retirada da água. Temperaturas elevadas podem ocasionar perda de solubilidade e atividade superficial. A secagem é a última etapa da preparação de um ingrediente protéico, pois não podem ser esquecidos os efeitos da secagem sobre as propriedades funcionais (CHEFTEL, et al. 1989).

A atividade aquosa pode ser diminuída por várias operações relacionadas com a diminuição de água disponível, como: secagem, concentração, desidratação, liofilização, salga e concentração osmótica. A composição do alimento e o objetivo desejado determinam os processos de conservação a serem utilizados. Para produtos sensíveis ao calor, em que não é viável empregar os processos de pasteurização, esterilização, secagem, ou desidratação, pode-se lançar mão da liofilização (BARUFFALDI, 1998).

O armazenamento de produtos secos, desidratados e concentrados deve ser feito em recipientes que impeçam a permeação de vapor d’água do ambiente, mesmo que as condições ambientais sejam de diminuição de umidade relativa (BARUFFALDI, 1998).

Métodos de secagem

Secagem adiabática Utiliza condução de calor por meio de ar quente. Enquadram-se neste grupo o secador de cabine, secador de túnel, atomizador (spray-dryer), leito fluidizado, fornos secadores, puff-dryer e secador de colchão de espuma (foam mat dryer) (GAVA, 1984).

A desidratação convencional é realizada em secadores com circulação forçada de ar quente, na forma de silos ou túneis. A matéria prima é previamente preparada com geometria e tamanho convenientes, sendo geralmente colocada em bandejas, para facilitar a passagem de ar. O fluxo de ar pode ser contracorrente, em paralelo, em transversal, ou a combinações dos dois primeiros fluxos (duplo estágio), ou mesmo dos três fluxos (múltiplo estágio) (SANTOS, 1998).

Produções em larga escala requerem um secador do tipo transportador de correia em múltiplos estágios, caracterizado pela redução gradual da temperatura à medida que o produto se descola através do secador. Durante a secagem, o material deve ser revolvido sistematicamente para facilitar e uniformizar a operação, como também para evitar perdas que podem alcançar 10% em peso do material processado, decorrentes da aderência às superfícies das bandejas ou correias (SANTOS, 1998).

A desidratação de alimentos com circulação forçada de ar sob condições controladas apresenta inúmeras vantagens. CRUESS (1973) cita que a desidratação concentra o sabor dos alimentos, bem como seu valor nutritivo, facilita o transporte, manipulação e preparo. Para o pequeno agricultor, a desidratação permite aproveitar toda a produção, ajuda a comercializar produtos fora de época, facilita o armazenamento de excedentes e aproveita toda a mão-de-obra familiar.

Secagem por transferência de calor por superfície sólida Geralmente neste processo trabalha-se com vácuo. São usados o secador de tambor e outros equipamentos a vácuo. Estes equipamentos são de difícil manejo e custo elevado e por isso encontram pouco uso na indústria de alimentos. O uso de secadores a vácuo permite diminuir a temperatura de secagem e, conseqüentemente, a obter um produto de melhor qualidade, quando avaliado nos quesitos retenção de sabor e aroma (SANTOS, 1998).

Métodos de desidratação

O termo desidratação se refere em geral à retirada de água do alimento por vaporização. A diminuição da pressão dentro do equipamento resulta na redução da temperatura de ebulição da água (BARUFFALDI, 1998). Como conseqüência do processo de desidratação ocorre redução de peso pela eliminação da água e um aumento da durabilidade de um produto alimentício em comparação ao material fresco. São observados redução da

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água livre e aumento da pressão osmótica, com controle sobre o crescimento microbiano. A umidade final do produto desidratado é, em geral, inferior a 5%.

BARUFFALDI (1998) propõe classificar os métodos de desidratação, de acordo com o meio empregado para transmissão de calor, em:

• convecção: o produto é posto em contato com uma corrente de ar aquecida; • condução: desidratação por contato direto com a superfície aquecida; • irradiação: fornecida pelo próprio calor, por microondas, por fonte dielétrica ou por

infravermelho.

A desidratação de alimentos pode utilizar o ar como meio de aquecimento e de transporte da umidade ou ser realizada pelo contato com superfície aquecida em tambores ou rolos. O ar da convecção pode ser conduzido em túneis, em sistemas de leito fluidizado, em atomizadores e em estufa com circulação forçada de ar.

Os atomizadores são empregados na desidratação de alimentos sensíveis ao calor, líquidos ou pastosos, como leite, ovos, frutas, extratos de café e de tomate. Alimentos líquidos são atomizados em gotículas microscópicas de 10 a 200µm que entram em contato com fluxo de ar quente (180 a 230ºC). A desidratação ocorre muito rapidamente, entre 15 a 45 segundos, e a qualidade do produto é excelente, visto que as partículas atingem, no máximo, cerca de 80ºC (BARUFFALDI, 1998). As Figuras 1 e 2 mostram o esquema de um atomizador. Os equipamentos podem diferir em relação ao sistema de atomização, à forma de aquecimento do ar, à construção das câmaras e à maneira de recuperação do pó.

Figuras 1 e 2. Esquema e foto de um atomizador (BARUFFALDI, 1998).

A formação de gotículas atomizadas de tamanho uniforme é de suma importância para que a desidratação ocorra de forma adequada. Gotículas pequenas formam quantidade demasiada de pó fino, enquanto gotículas grandes não secam adequadamente antes de alcançarem as paredes e o fundo da câmara. A atomização pode ser obtida por discos centrífugos ou bicos sob pressão. Os discos centrífugos têm de 5 a 6cm de diâmetro e giram entre 3.500 e 50.000rpm. Apresentam as vantagens de mínimo desgaste, pequeno risco de entupimento e controle do tamanho das gotículas. É possível variar a velocidade de rotação, segurança e flexibilidade. A atomização por bicos é feita sob pressão no líquido da ordem de 100 a 600atm, proporcionada por bomba de alta pressão. Também pode ser efetuada de modo pneumático, por pressão de ar comprimido em orifício anelar ao redor do líquido a ser atomizado (BARUFFALDI, 1998).

O aquecimento do ar, para fornecer calor e retirar a umidade do produto, pode ser feito por vapor a alta pressão, aquecedor elétrico ou queimador a óleo ou gás. O ar aquecido é injetado tangencialmente na câmara de atomização, de modo a adquirir um movimento helicoidal, aumentando o tempo de residência das gotículas e evitando a necessidade de câmaras muito altas (BARUFFALDI, 1998).

As câmaras dos atomizadores são cilíndricas, com fundo cônico ou plano. O ar quente que sai, conduz todo o pó formado pelo fundo da câmara, ou parte dele, por saída lateral. A altura das câmaras chega a atingir cerca de 30m e a capacidade pode alcançar 25 toneladas

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de água evaporada por hora. A recuperação do pó arrastado pelo ar é feita pelo emprego de ciclones ou filtros de mangas. Os ciclones são estruturas cônicas em que o ar é injetado tangencialmente, adquirindo movimento centrífugo; podem ser simples ou múltiplos. O pó é recolhido pela parte inferior e o ar é aspirado por cima. A construção do atomizador é simples e a eficiência é alta (geralmente acima de 99,5%), além de serem de fácil limpeza. São geralmente empregados para a separação de materiais entre 5 e 200µm. À medida que o tamanho da partícula diminui, a eficiência também cai. Os filtros de mangas, formados por fibras sintéticas, são apropriados quando as partículas de pó do produto são muito pequenas para separação eficiente no ciclone. Contudo, os custos de aquisição e de manutenção são superiores (BARUFFALDI, 1998).

As gotículas formadas nos atomizadores são microscópicas e, por conseqüência, o pó obtido é muito fino e de difícil reidratação. Para melhorar a solubilidade, são empregados sistemas de instantaneização, baseados na aglomeração de partículas sólidas. Se a umidade das partículas de pó estiver na faixa de 6 a 12%, estas, ao se chocarem, tendem a se aglomerar, formando estruturas de maior tamanho, irregulares e porosas com melhor capacidade de reconstituição (BARUFFALDI, 1998). A aglomeração pode ser obtida em sistemas de leito fluidizado, onde ocorrem os choques entre as partículas. Ao mesmo tempo, os aglomerados são desidratados até 3% de umidade, passando, então, a um segundo leito fluidizado, para resfriamento.

Instantaneização

Os alimentos instantâneos são aqueles produtos que se dissolvem facilmente em água. As propriedades instantâneas de alguns produtos podem ser obtidas durante o processamento, auxiliadas pelo uso de substâncias dispersantes. Já outros produtos necessitam de mudança física na estrutura da partícula, o que pode ser obtido pelo processo de aglomeração (GAVA, 1984) já descrito acima.

Liofilização

O processo de liofilização, que também é uma desidratação, baseia-se na possibilidade de a água passar diretamente do estado sólido ao estado de vapor por sublimação, sob determinadas condições de temperatura e de pressão (BARUFFALDI, 1998).

A liofilização tem como objetivo estabilizar alimentos através das múltiplas operações às quais o material é submetido durante o processamento: congelamento, sublimação e secagem a vácuo, além do armazenamento do material seco em condições controladas. Desta forma, obtém-se produtos de alta qualidade, de reconstituição instantânea e de longa duração. A liofilização é uma técnica de conservação pela redução da umidade resultando em produtos de alta qualidade. Em alguns casos, é uma técnica reservada a usos especiais para produtos de alto valor comercial como café, alimentos dietéticos e para infância, produtos de pesca, vários tipos de hortaliças e alguns sucos de frutas (BARUFFALDI, 1998).

O limite superior de temperatura no qual pode ocorrer a sublimação da água pura é 0ºC, a uma pressão máxima de 4,58mm Hg. Estas condições de temperatura e pressão correspondem ao ponto triplo da água, onde ocorre o equilíbrio das fases: sólida, líquida e vapor. Em qualquer condição abaixo desta máxima indicada, a sublimação ocorre (BARUFFALDI, 1998). Nos produtos alimentares onde a água se encontra em solução, a temperatura de congelamento é inferior à citada, variando em função da natureza e concentração da substância dissolvida. Portanto, deve-se operar normalmente a temperaturas inferiores a -20ºC, e a pressões inferiores a 0,25mm Hg. Na Figura 3 encontra-se a representação esquemática de um liofilizador.

A qualidade do produto liofilizado é elevada, quando comparada ao produto desidratado a quente. A liofilização permite que o alimento seja desidratado, sem que haja reações típicas de deterioração ou perda de qualidade por ação de enzimas que alteram cor, aroma ou valor nutritivo. O produto continua com boa porosidade e a reidratação é fácil. O maior problema da liofilização é o custo elevado, quando comparado com outros métodos, pois o equipamento utilizado necessita manter baixas temperatura e pressão. O uso deste processo é limitado a situações em que a qualidade final obtida compensa o investimento (SANTOS, 1998).

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As condições de secagem influem no tamanho e na porosidade das partículas, tanto interna como superficial. Também influem nas propriedades de maleabilidade, absorção de água, dispersão e dissolução. Obtém-se em geral porosidade elevada quando a água é eliminada rapidamente em forma de vapor. Este fenômeno provoca uma concentração mínima de partículas e uma migração de sais e açúcares para a superfície do material a ser seco, o que é exatamente o que durante a liofilização ou atomização. Bolhas de gás podem ser incluídas na solução protéica, antes da secagem, para aumentar a porosidade da partícula (CHEFTEL, et al. 1989).

Figura 3. Esquema de um liofilizador (BARUFFALDI, 1998).

Pode-se dizer que a liofilização é um dos melhores métodos de desidratação; entretanto, para produtos líquidos, o valor adicionado ao produto final não se sobrepõe ao alto custo, que é cerca de quatro vezes mais alto que o da desidratação convencional.

Alterações nos alimentos provocadas pela desidratação

Quantificar a destruição de nutrientes produzida pela desidratação é virtualmente impossível. As perdas vão depender do alimento processado, do nutriente em questão e do processo empregado. O oxigênio, o pH e alguns metais também têm um grande efeito sobre a destruição de nutrientes. Há perda de 20 a 40 % de vitamina C, enquanto as perdas de tiamina variam entre 5 e 70% e as de β- caroteno entre 5 e 40% (MULLER E TOBIN, 1996).

Os sistemas de desidratação dos alimentos mais adequados são aqueles que modificam o mínimo possível as propriedades naturais do alimento. Dependendo das propriedades do produto, pode-se empregar sistemas mistos de desidratação. Durante o processo de desidratação, elimina-se água e os nutrientes são concentrados sobre a base de umidade original. É necessário diferenciar entre os produtos que não serão reconstituídos antes do consumo e os que serão (MULLER E TOBIN, 1996).

A textura de um produto desidratado depende principalmente do sistema de desidratação empregado, pois ela é afetada na maior parte dos casos. Se a desidratação for realizada a temperaturas elevadas, pode-se formar, na superfície do material, uma camada impermeável, tornando o produto com textura pastosa. Os mecanismos que envolvem as mudanças de textura de produtos desidratadas envolvem muitos fenômenos físico-químicos. O estado natural das macromoléculas, assim como as proteínas e polissacarídeos, depende das condições do meio aquoso circundante; pode-se supor que o uso de métodos de desidratação rudimentares possa resultar na troca de substâncias de forma irreversível (FENNEMA, 1993).

A principal troca de cor que ocorre nos tecidos desidratados é o escurecimento, que pode ser enzimático ou não-enzimático. O anidrido sulfuroso é utilizado principalmente para evitar o escurecimento não-enzimático, embora possa também pode prevenir o escurecimento enzimático. Se as enzimas forem inativadas pelo calor, os carotenóides dos produtos

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desidratados podem se manter estáveis. A natureza química da troca de cor provocadas nos pigmentos ainda não é totalmente conhecida (FENNEMA, 1993).

Mudanças no aroma do produto são comuns durante o processo de desidratação. Estas mudanças ocorrem quando há uma perda considerável de compostos aromáticos voláteis em conseqüência de diversas reações químicas, como a reação de Maillard e outras que geram novas substâncias (FENNEMA, 1993).

Os produtos podem perder parte dos nutrientes se não forem tomados cuidados para prevenir que ocorram reações oxidativas. O tratamento com anidrido sulfuroso pode prevenir algumas perdas. Além de causar mudança na cor do produto, as reações de escurecimento não-enzimático reduzem o valor biológico das proteínas (FENNEMA, 1993).

A desidratação é um método de conservação de alimentos que estabiliza a degradação natural por diminuir a umidade necessária aos microorganismos para seu desenvolvimento. As reações químicas nos alimentos também são reduzidas. A desidratação não é um método de esterilização e necessita ser complementada por métodos de conservação para prevenir que o alimento absorva água até o momento da reconstituição. Este método se diferencia da secagem por permitir que o alimento readquira as características do produto fresco quando reestabelecido.

O conteúdo celular de um alimento é formado por um complexo de soluções. À medida que a água vai sendo removida, estas soluções vão sendo concentradas. Há um momento em que não ocorrerão mais trocas, devido ao rompimento das ligações químicas; este fato não é interessante no processo de desidratação de alimentos e serve como ponto limítrofe para a desidratação. A água livre que se encontra na superfície de um alimento úmido ou nas soluções diluídas nas células cortadas, não apresenta nenhum obstáculo no processo de difusão, e está relacionada com o aspecto particular inicial da desidratação (RANKEN, 1993).

Influência da desidratação sobre microorganismos e enzimas

A retirada da água é um método de controle do crescimento microbiano, já que os microorganismos necessitam de água disponível para desenvolver suas atividades metabólicas. Certos mofos podem crescer em substratos alimentícios com umidade baixa, como 12%. São conhecidos alguns casos de mofos que crescem em alimentos com menos de 5% de umidade. As leveduras e bactérias requerem níveis mais altos de umidade, ao redor de 30%. As frutas secas apresentam 15 a 25% de umidade e permitirão que poucos microorganismos se desenvolvam. Produtos com alto conteúdo de amido devem ser desidratados até restar entre 2 e 5% de umidade, por causa do efeito osmótico (GAVA, 1984).

Enzimas são geralmente sensíveis às condições de calor úmido, especialmente em temperaturas superiores às da atividade enzimática, porém não são sensíveis ao calor seco. O controle da atividade enzimática é sempre necessário e deve ser feito inativando quimicamente as enzimas ou submetendo o alimento ao calor úmido (GAVA, 1984).

Um fenômeno importante que durante o armazenamento do ovo é a migração de lipídios da gema para a clara, alterando as propriedades funcionais do ovo. Em especial, a propriedade de formar espumas da clara pode ser perdida.

OVO EM PÓ

A pasteurização dos ovos líquidos tem como objetivo principal a destruição dos patógenos como Salmonella seftenberg. A destruição de microorganismos causadores das alterações no ovo também é almejada. As condições mínimas para que este processo ocorra são temperatura de 64,4ºC durante 2,5 minutos, ou então 60ºC durante 3,5 minutos (FELLOWS, 1994). A pasteurização é o passo no processamento do ovo em pó que garante que o produto fique livre de microorganismos prejudiciais.

Três colheres de sopa de ovo em pó equivalem a um ovo inteiro. O ovo em pó apresenta muitas vantagens em seu conteúdo nutricional, propriedades físico-químicas e facilidade de manuseio. O ovo em pó, que é um produto natural preservado sem aditivos, é uma ótima fonte de nutrientes. É um ótimo substituto para o produto in natura, por ser livre de

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patógenos e não necessita ser refrigerado. O ovo em pó serve como matéria prima para a confecção de ovos enriquecidos. A possibilidade de separar a clara da gema antes do processamento permite que seja oferecido no mercado um produto derivado do ovo, livre de colesterol.

PROCESSAMENTO DO OVO EM PÓ

Antes do processamento, os ovos são aclimatados a uma temperatura de 10°C. A Figura 4 apresenta um fluxograma operacional do processo de obtenção do ovo em pó. Ele pode ocorrer de forma separada para clara e gema, obtendo-se assim, a clara em pó e a gema em pó, além do ovo inteiro em pó.

Figura 4. Fluxograma operacional de processamento do ovo em pó.

O envase estéril e o produto são produzidos com a utilização de alta temperatura num curto período de tempo. Este conceito constitui a base do sistema de esterilização em temperaturas muito altas (ultra high temperatures, UHT). Os alimentos esterilizados por UHT podem, por sua alta qualidade, ser comparados com alimentos irradiados ou refrigerados com a importante vantagem de que sua vida útil é de, no mínimo, 6 meses, sem precisar de

Ovos Inteiros Matéria-prima

Recepção e Classificação

Lavagem e Sanitização

Quebra

Separação (Clara, Gema e Inteiro)

Homogeneização

Filtração

Pasteurização

Secagem

Envase

Produto Final em Pó Inteiro, Clara ou Gema

Cascas

Secagem

Envase

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refrigeração (FELLOWS, 1994). O ovo em pó está disponível no mercado em embalagens com capacidade de 200g, 1kg e 20kg.

Como conclusão, salienta-se que as qualidades nutricionais dos ovos são indiscutíveis, principalmente por serem fonte rica em proteínas de alta qualidade e de vitaminas lipossolúveis. A tecnologia para produção do ovo em pó é muito empregada por ser adequada na manutenção das características do produto in natura.

O ovo em pó é um produto econômico e prático. Sob o ponto de vista de processamento, não resta desafio algum a ser superado, em vista da qualidade do produto final. Seu uso para aplicações industriais é muito difundido e ganha cada vez mais adeptos. Entretanto, sua utilização caseira ainda é um pouco restrita. Um trabalho de educação do consumidor pode aumentar a demanda deste produto, que é mais seguro (por ser inócuo) e mais barato (pela alta eficiência do processo e pelas mínimas perdas) do que o produto original.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANATOMIA E FISIOLOGIA REPRODUTIVA DAS AVES E FORMAÇÃO DO OVO

Cibelem Iribarrem Benites

Universidade Estadual de Campinas Campinas, SP

Vinícius Coitinho Tabeleão Universidade Federal de Pelotas

Pelotas, RS

IMPORTÂNCIA DO OVO

A incubação é uma etapa da reprodução de algumas espécies ovíparas como as aves, os peixes e os répteis, que se caracteriza pelo desenvolvimento da progênie fora do organismo da fêmea. Após a postura, o embrião se desenvolve dentro do ovo durante o processo de incubação. Amiúde o ovo necessita ser aquecido durante a incubação. No processo natural o ovo é aquecido pela própria fêmea ou pela natureza quando, por exemplo, é enterrado pela fêmea em areias quentes; quando há interferência do homem pelo emprego de processos que fornecerão calor ao ovo, a incubação é denominada de artificial.

No entanto, o ovo também pode servir de alimento a outras espécies que exibem dependência deste tipo de alimento para seu sustento, como alguns mamíferos primitivos das espécies de monotrematas que habitam regiões da Austrália e da Nova Guiné; os exemplos mais conhecidos são o ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus, Ornithorhynchidae) e a équidna (Gênero espécie, Tachyglossidae). As aves reproduzem-se exclusivamente por meio de oviposição. Existem cerca de 9.000 espécies conhecidas de aves, distribuídas taxonomicamente em 43 famílias (LOPES, 1999). A maioria das 6.165 espécies de répteis também se reproduz desta forma.

De acordo com TURATTI (2001), o ovo é um pacote nutricional completo, e é uma das melhores opções para solucionar os problemas de subnutrição da América Latina. O ovo tem pouca influência nos altos níveis de colesterol sangüíneo ou na incidência de enfermidades cardiovasculares. O mesmo autor menciona estudos realizados em 22 países industrializados, que mostraram que a incidência de doenças cardiovasculares é mais baixa no Japão, onde o consumo de ovos é alto. Países onde o consumo de gordura saturada é elevado apresentam maior incidência de doenças cardiovasculares.

REPRODUÇÃO DAS AVES

A reprodução em aves pode ser caracterizada pela ovoviviparidade. A prole em potencial deixa do corpo da mãe após um período muito curto de desenvolvimento embrionário; a principal parte de seu desenvolvimento ocorre fora do organismo materno. Após completar sua formação, o ovo contém substâncias nutritivas na gema e na clara, água, várias membranas protetoras e uma casca protetora dura. Quando o ovo foi fecundado, ele contém um embrião na fase de gástrula.

Considerações sobre os machos

A estrutura e a localização do sistema reprodutivo masculino das aves (Figura 1) são significativamente diferentes dos daqueles da maioria das espécies de mamíferos. As descrições a seguir foram adaptadas do texto de MORAES (2004).

Testículo É um órgão duplo e simétrico com formato de feijão, coloração amarelada nos jovens e branco puro nos adultos, de localização intracavitária e crânio-ventral em relação aos rins; os testículos estão aderidos à parede dorsal pelo mesórquio. Cada testículo é formado por túbulos seminíferos anastomosados e tecido intersticial associado e circundado por uma fina capa de tecido conjuntivo, chamada túnica albugínea, a qual não forma septos conjuntivos como observado nos mamíferos. O

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epitélio seminífero é dividido em dois compartimentos distintos: basal e adluminal, por junções firmes entre as células de Sertoli adjacentes.

Os espermatozóides produzidos no interior do túbulo seminífero entram, nesta ordem, na rede testicular, ductos eferentes proximais, ducto eferente distal, ductos de conexão, ducto epididimário e ducto deferente. Os testículos têm a capacidade de produção de testosterona, androgênios e estrogênio; e sabe-se que a testosterona é importante para o crescimento e manutenção dos órgãos sexuais e para o comportamento de corte às fêmeas.

Figura 1. Sistema Reprodutor Masculino das Aves (Fonte: MORAES, 2004)

Epidídimo e ducto deferente O epidídimo é muito curto e sem importância para maturação dos espermatozóides que ocorre em 24 horas. Convencionalmente, é o conjunto de ductos eferentes, ductos de conexão e ducto deferente proximal associados com o hilo do testículo. O ducto deferente é o local onde cerca de 90% d0o sêmen é estocado antes da ejaculação (90% do total), em particular no seu receptáculo. É longo e altamente contorcido e torna-se reto e amplo na proximidade da cloaca para formar o receptáculo.

Os ductos deferentes terminam como papilas dentro da cloaca. Cada papila é uma pequena projeção com formato semelhante de um dedo, originada da parede lateral da cloaca, sendo que um corpo vascular para-cloacal é encontrado associado com cada receptáculo.

Espermatozóides e sêmen Os espermatozóides das aves são vermiformes, com largura máxima de aproximadamente 0,6µm e comprimento entre 75 e 90µm. São estáticos antes da ejaculação; uma vez liberados do epitélio seminífero, são carregados pela corrente do líquido do túbulo seminífero, fluindo através do lume em direção aos ductos deferentes dos testículos. A viabilidade dos espermatozóides na galinha varia entre 10 e 14 dias; na perua este tempo é de até 50 dias.

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O volume de ejaculado é pequeno (0,5 a 1,0ml) mas com alta concentração de espermatozóides (3,5 milhões/mm3). Devido à inexistência de glândulas bulbo-uretrais, próstata ou glândulas vesiculares, o líquido seminal tem origem nas células de Sertoli, epidídimo e possivelmente pelas pregas linfáticas da cloaca. À medida que passa pelo ducto deferente, o sêmen torna-se mais viscoso e os espermatozóides ganham mobilidade. Entretanto, os mecanismos envolvidos com a capacitação espermática e com o inicio da mobilidade dos espermatozóides ainda são ainda obscuros.

As aves apresentam aparelho copulatório localizado na extremidade caudal da cloaca, oculto por uma prega ventral no ânus em animais fora da excitação. O aparelho copulatório consiste de um par de papilas dos ductos deferentes, um par de corpos vasculares, um par de pregas linfáticas, um corpo fálico dividido em uma porção mediana (medindo de 1 a 3mm no galo e em torno de 5cm no pato) e duas laterais (direita e esquerda). A maturidade sexual ocorre entre os 5 e 9 meses.

Durante a ereção, a intumescência é principalmente linfática. Os órgãos acessórios são responsáveis pelo tecido linfático tumescente que acompanha a excitação sexual. A linfa é formada pela filtração do sangue arterial dentro dos corpos vasculares para-cloacais. A formação da linfa propicia a eversão dos grupos opostos de tecido linfático tumescente na abertura cloacal e o tecido evertido forma um falo não penetrante. A ejaculação ocorre quando os músculos lisos se contraem dentro da parede de cada receptáculo e é acompanhada da eversão do falo.

Considerações sobre as fêmeas

Na Figura 2 estão representadas esquematicamente as partes que compõem o sistema genital das aves. Exceto quando especificado em contrário, as descrições abaixo foram adaptadas de ENGLERT (1998) e se referem a galinhas.

Figura 2. Sistema Reprodutor Feminino das aves. Fonte: http://www.uc.cl/sw_educ/prodanim/caracter/fi6a.htm

Fotoperíodo A atividade reprodutiva de muitas espécies de aves é controlada pelo estímulo ambiental que sincroniza as estações reprodutivas como um período do ano favorável à sobrevivência da futura prole. A duração dos dias regula as estações reprodutivas de muitas espécies, silvestres e domésticas, portanto, a atividade sexual diminui com os dias mais curtos e aumenta naqueles mais longos.

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Sob condições naturais, a alteração na duração do fotoperíodo estimula as gônadas. Embora as condições ideais variem de acordo com a espécie de aves, na maioria destas o estímulo ocorre quando o período de luz atinge cerca de 12 horas diárias. O tempo total de exposição à luz não é tão importante como a percepção, pela ave, de que o fotoperíodo está se prolongando. A exposição a horas de luz adicionais faz com que o cérebro envie sinais ao hipotálamo ordenando a liberação de maiores quantidades de hormônio gonadotrópico (GnRH). Os níveis de hormônio folículo estimulante (FSH) e de hormônio luteinizante (LH) aumentam após um dia de exposição a um longo fotoperíodo.

O exato mecanismo pelo qual se dá o estímulo para a produção dos hormônios descritos acima ainda não está inteiramente elucidado A regulação da liberação de hormônios pelo uso de luz artificial é um instrumento comum usado para retardar ou estimular a reprodução. A perda da capacidade visual não interfere com a resposta da ave, sugerindo que a luz pode valer-se de vias não-visuais para estimular as gônadas.

Formação do Ovo No cacho ovárico há muitos grãos, apertados uns contra os outros. Quando a ave atinge a maturidade sexual, o número de grãos deixa de aumentar, pois está determinada a aptidão de cada fêmea. Os grãos formadores de cacho são semelhantes a uma gema em formação que crescem, alimentadas pelo sangue da ave. A sua cor torna-se amarela até atingir a maturidade. Quando o glóbulo chegar à maturidade, estes saem do individualmente do ovário e caem no oviduto, num fenômeno chamada de “postura interna”. Se relevante, é no infundíbulo que os glóbulos têm a oportunidade de serem fecundados. O processo de formação do ovo continua, cobrindo-se a gema com uma membrana tênue.

Aparelho Reprodutor – Ovário O aparelho reprodutor feminino das aves é composto pelo ovário, que é o aparelho formador do ovo, e pelo oviduto, que é o canal condutor do ovo. O ovário é único e encontra-se à altura do rim (SWENSON, 1996). Em todas as aves domésticas, apenas o ovário e o oviduto esquerdos são normalmente funcionais, embora haja registro de aves com os dois ovários e ovidutos. O ovário esquerdo funcional fica estreitamente fixado à parede dorsal do corpo, na anterior ao rim esquerdo e posterior ao pulmão esquerdo, e se adere à veia cava posterior (MORAES, 2004).

As gônadas das aves apresentam função celular e endócrina. A função celular se traduz como a produção dos ovócitos, também conhecidos como gemas. A função endócrina é representada pela produção de hormônios, que agem em diversas partes do corpo da ave, afetando o desenvolvimento de ductos reprodutivos, cristas, barbelas, penas, canto, composição sangüínea e comportamento (MORAES, 2004).

No ovário ocorre a formação da gema, através da incorporação ao citoplasma do oócito de nutrientes, tais como minerais, proteínas e lipídios. Os lipídios, originários do metabolismo hepático, são incorporados ao oócito através das células da granulosa. São três as fases de formação da gema. A primeira fase é a embrionária, que vai até o 14º dia de incubação; o ovário já está completamente formado no nascimento, com cerca de 4.000 oócitos. A segunda fase de formação da gema é a mais longa de todas e, portanto, muito lenta. Esta fase vai até 8 a 10 dias antes da ovulação que liberará cada oócito. Paulatinamente o organismo vai incorporando substâncias nutritivas à gema. A terceira fase ocorre nos últimos 8 a 10 dias antes da ovulação e caracteriza-se por um crescimento rápido da gema (entre 0,5 a 2,8g por dia no caso de galinhas). A ovogônia se desenvolve e o seu citoplasma torna-se rico em um vitelo amarelo (gema). Uma vesícula germinativa, encontrada no interior da gema, migra para a superfície, quando então se aplaina e forma o disco germinativo ou blastodisco. Quando a maturação do oócito é concluída, ocorre a ovulação. Uma vez fertilizado, o blastodisco forma o blastoderma e os folhetos embrionários (MORAES, 2004).

Embora a função hormonal não esteja inteiramente elucidada, sabe-se que os esteróides gonadais (estrogênio, progesterona e androgênios) são essenciais para o desenvolvimento e funcionamento do sistema reprodutivo das aves, além de outros

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hormônios não-esteróides (catecolaminas, prostaglandinas, ativador do plasminogênio e inibina) .

Função ovariana A camada da granulosa é a camada interna do folículo em um ovócito responsável principalmente pela produção de progesterona e baixa quantidade de estrógenos. À medida que o folículo amadurece, as células da granulosa se tornam mais sensíveis ao LH, ocorrendo aumento gradual na concentração de progesterona e redução na secreção de andrógenos e estrógenos. Aproximadamente a cada 25-27 horas um ovo é posto. Durante o ciclo ovulatório, ocorre um pico pré-ovulatório de LH, 4 a 6 horas antes da ovulação. Em contraste a essas modificações no LH, os níveis sangüíneos de FSH permanecem relativamente constantes durante o ciclo (MORAES, 2004).

Oviduto Esquerdo Na anatomia das aves, o termo oviduto é utilizado para descrever a genitália tubular completa da fêmea. O oviduto é uma mucosa pregueada com cerca de 70cm de comprimentos, altamente espiralada, que sai do ovário e termina na cloaca, seguindo pelo lado esquerdo da coluna vertebral. É no oviduto que a gema se reveste de albumina, membranas e casca (SWENSON, 1996). O oviduto pode ser dividido em cinco regiões funcionais a partir do ovário: infundíbulo, magno, istmo, útero e vagina.

O infundíbulo é uma estrutura tubular de parede simples que mede de 4 a 10cm com região cônica. Apresenta a mucosa pouco pregueada, de epitélio simples, cilíndrico e calciforme. Segue-se outra região tubular com pregas em espiral suave. O ovo percorre o infundíbulo em cerca de 15 minutos. As funções do infundíbulo são:

• captar o oócito; • servir de sede para a fecundação; • lubrificar a mucosa para a passagem do ovo; • formar as calazas, proteínas mucinas retorcidas que mantêm a gema no

centro do ovo.

É no infundíbulo que se dá a união do espermatozóide com o óvulo. A fecundação ocorre quando o espermatozóide chega ao oviduto e encontra-se com o óvulo, no qual penetra. Ao receber um espermatozóide, a membrana externa do óvulo torna-se dura, e impossibilita a entrada de outros espermatozóides.

O magno, também conhecido como glândula albuminífera, é uma mucosa muito pregueada e provida de epitélio estratificado com células caliciformes e cilíndricas ciliadas e glândulas tubulosas. Consiste de estrutura tubular, de parede mais espessa, com 20 a 48cm de comprimento. É a região mais longa do oviduto, sendo rica em glândulas tubulares dentro das pregas longitudinais da mucosa. O ovo em formação percorre o magno em cerca de 3 horas. As funções do magno são:

• formação da base do albúmen (cerca de 16g são depositadas); • adição de mucina;

• adição da maior parte do Na+, Ca++ e Mg++.

Durante o trajeto por esta região do oviduto a gema é envolvida pela clara. O estímulo para a liberação da albumina tem sido freqüentemente associado à distensão mecânica causada pela passagem da gema. Entretanto, a distensão causada pela gema não é absolutamente necessária, já que pequenos ovos que não têm gema são, às vezes, formados e postos. O volume de albumina, que rodeia o ovo quando ele se dirige ao magno, é apenas cerca de metade daquela do ovo acabado. Nessa ocasião a albumina é mais espessa e mais viscosa do que no ovo acabado e não está separada em camadas.

O istmo é uma mucosa com diminuto número de glândulas. Seu comprimento varia entre 4 e 12cm, a parede é muito grossa, com pregas longitudinais e diâmetro reduzido. O ovo em formação percorre o istmo em cerca de 1 hora e 15 minutos. As funções do istmo são:

• formação da membrana testácea, que é a membrana da casca do ovo constituída por ovo-queratina;

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• adição de proteínas ao albúmen; • adição de uma pequena quantidade de água.

Provido de partes da clara e das calazas, o ovo chega ao istmo onde é produzida uma secreção filamentosa que coagula com rapidez. Esta contém uma grande quantidade de gluconato de cálcio e forma a membrana testácea, composta de dois folhetos que cobrem a clara e separadas no polo maior do ovo formando uma câmara aérea (SWENSON, 1996).

Um movimento de rotação do ovo ocorre e logo são formadas duas membranas: a interna e a externa. No istmo são secretadas as membranas fibrosa e queratinosa da casca, que formam um saco fechado que ajuda a conter os componentes do ovo. Embora a deposição da maior parte da casca do ovo ocorra, no útero, a calcificação inicial de pontos específicos na membrana ocorre no istmo.

O útero apresenta a parede mais fina que a do istmo, sendo no entanto fortemente muscular, com pregas longitudinais e transversais e glândulas tubulosas. Tem de 4 a 12cm de comprimento e é uma região expandida em forma de saco. O ovo em formação permanece cerca de 20 horas neste compartimento (MORAES, 2004). As funções do útero são:

• adição de grande quantidade de água; • adição de vitaminas, da maior parte do K+; • formação de uma matriz orgânica seguida de deposição de íons Ca++,

formando a casca; • secreção de porfirinas que dão cor ao ovo; • formação da cutícula do ovo.

Além da formação da casca, a principal função do útero é a de regular o conteúdo salino e aquoso do ovo, assim como dotá-lo de pigmentos, embora seja sabido que estes pigmentos não têm origem no útero. Muitas aves põem ovos coloridos, em tons de azul, castanho ou verde. Os pigmentos são derivados dos eritrócitos. Pigmentos do tipo porfirina são distribuídos através da casca, concentrando-se em suas camadas externas. Os ovos que são manchados ou salpicados ou que têm um padrão de coloração, contêm pigmentos na camada cuticular. Estes pigmentos também derivam de porfirinas. O ovo recém posto é úmido, onde a cutícula e os pigmentos podem ser facilmente retirados. Algumas aves põem ovos com padrão uniforme de pigmentação (SWENSON, 1996).

A vagina é a região terminal do oviduto, ligando-se à cloaca. O comprimento típico é de 4 a 12cm, apresentando pregas longitudinais onde se deposita a maior parte dos espermatozóides após a cópula. Quando chega à vagina, o ovo está praticamente formado e percorre este segmento em poucos segundos. As funções da vagina são:

• transporte do ovo para o meio externo; • retenção dos espermatozóides para futuras fecundações.

O ovo chega à vagina, recebe a coloração característica da ave e passa à cloaca, onde é expulso, o que é chamado de postura propriamente dita ou “postura externa”. Nada é adicionada ao ovo durante sua passagem pela vagina. Quando uma galinha de postura é sacrificada, geralmente três ovos são encontrados: um próximo à cloaca, pronto para ser posto, outro no oviduto; e o terceiro, já maduro, no ovário (SWENSON, 1996).

Cloaca É o extremo final do aparelho reprodutor e é a região através da qual passam excretas e secreções do aparelho digestivo, dos rins e sistema genital. A cloaca é de fácil dilatação, permitindo que o ovo estabeleça contato apenas com as paredes. O prolapso da vagina no momento da postura evita o contato do ovo com resíduos de dejeções que estejam na cloaca. A cloaca não contribui para a formação do ovo.

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INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL

A fecundação pode ocorrer de duas formas: a natural e a artificial. A primeira é conseguida pelo coito, enquanto que a segunda é feita com intervenção do homem, que pode provocar a fecundação por meios artificiais. O uso da inseminação artificial (IA) não é resultado exclusivo do desejo de difundir bons genes, mas da baixa fertilidade obtida pelos meios naturais de fertilização. Aproximadamente 100 milhões de espermatozóides são necessários em cada IA para um máximo de fertilidade em galinhas, sendo a prática corrente inseminá-las em intervalos de 7 a 14 dias. Cada fêmea é inseminada com 0,025mL de sêmen dispensado em um pequeno canudo plástico, chamado de pallete.

RAÇAS DE GALINHAS

Existem mais de 280 raças de galinhas no mundo, mantidas por companhias de melhoramento genético e colecionadores (MORAES, 2004). Não existe comercialização de raças e sim de híbridos. Os híbridos de corte são destinados à produção de carne. As características mais desejáveis são o rápido ganho de peso, a baixa conversão alimentar, empenamento precoce e penas de cor branca, peito bem desenvolvido e pernas curtas, e resistência a doenças. Os híbridos comerciais mais usados no mundo hoje são comercializados pela Ross, Cobb-Vantress, Hubbard, Perdue e Arbor Acres. Já os híbridos destinados à postura são especializados na produção de ovos para consumo. As características mais desejáveis são a baixa mortalidade, alta taxa de postura, baixa conversão alimentar, casca resistente, ausência de pigmentação na casca e bom hábito de postura. Os híbridos mais comuns no mundo hoje são produzidos pelas companhias Hy-Line, Lohmann-Wesjohann e ISA.

EXAME DOS OVOS

O exame cuidadoso dos ovos é uma operação feita com vários objetivos. O exame possibilita a escolha dos ovos que serão utilizados para a postura e permite realizar a classificação comercial dos ovos destinados à venda.

Alguns ovos apresentam defeitos como resultado de condições exteriores atuando momentaneamente sobre as aves. Outros defeitos podem ser causados por alterações internas como resultado de doenças, afecções ou malformações do aparelho de postura. Outros defeitos podem aparecer por causa de fatores hereditários.

O exame do exterior do ovo permite identificar anormalidades no formato ou tamanho, se há irregularidades na formação da casca e se esta se apresenta intacta. O exame do interior do ovo é feito por meio do ovoscópio. O exame do interior do ovo com o uso do ovoscópio pode detectar alterações na clara, na gema, na câmara de ar e contaminação por bactérias.

O princípio de funcionamento do ovoscópio é bastante simples: o ovo fica situado entre uma fonte de luz e o operador, possibilitando o exame do seu interior. As indústrias de grande porte valem-se de ovoscópios que comportam alto fluxo de ovos por unidade de tempo. Ovoscópios artesanais são empregados em situações de pouco fluxo de ovos; a fonte luminosa pode ser a lâmpada elétrica, ou o lampião.

Os ovoscópios são usados em ambientes escuros para facilitar a miragem através do ovo, porém modelos mais modernos permitem visualização em ambiente claro. O orifício do ovoscópio varia de tamanho, mas em geral é pequeno e dá realce às sombras que se vêem no interior do ovo. O exame é mais fácil em ovos de casca clara. A rotação do ovo causa a rotação da gema e da clara, mas estes movimentos, nos ovos frescos, nem sempre são fáceis de perceber, a não ser quando se usam ovoscópios com orifícios pequenos.

FENÔMENOS DO ENVELHECIMENTO

À medida que o ovo envelhece, uma série de fenômenos complexos ocorre. A evaporação não apenas resulta na perda de peso e no alargamento da câmara de ar, mas

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também à liberação de ácido fosfórico. Este passa da gema à clara e com o tempo, aumenta o teor deste ácido livre na clara, que começa a se tornar fluída, devido às enzimas que contém.

A viscosidade do ovo varia de 36,8 no ovo recém posto a 8,3 no ovo conservado por um mês. A gema situa-se na superfície da clara e, se o ovo for conservado na posição horizontal, fixa-se na casca. O envelhecimento do ovo de galinha começa com a morte do disco germinativo, cerca de 25 dias após a postura.

MANEJO DO OVO ARMAZENADO

Extremos de temperatura são prejudiciais ao disco germinativo do ovo. A 20°C há indícios de desenvolvimento embrionário. Para que o ovo apresente, no dia em que se vai colocar para a incubação, as mesmas características do momento de postura, deve ser conservado num local com temperatura entre 10 a 14°C. É conhecido que quedas temporárias de temperatura, para 4 ou 5°C e mesmo abaixo de zero, não resultam na morte do embrião, desde que o interior do ovo não congele.

A posição recomendada para armazenamento é a horizontal. É aconselhável girar periodicamente ovos guardados nesta posição, como se procederia durante a incubação artificial , para impedir a aderência da gema à membrana da casca. Ovos armazenados na posição horizontal e girados periodicamente resultam em bons resultados de incubação, mesmo quando conservados por mais de oito dias. Se a opção for por armazenar o ovo na posição vertical, deve-se colocar o ovo com o pólo mais largo para cima. Toda trepidação deve ser evitada por ser prejudicial, assim como choques bruscos e sacudidas, que também podem causar dano aos ovos; em geral, estes danos ocorrem devido ao transporte.

Não deve haver corpos estranhos ou muita sujeira sobre a casca. O ovo pode ser limpo mas não deve ser raspado ou lavado. Estas práticas resultam em remoção parcial ou total da película, provocando a abertura excessiva dos poros que, além de aumentar a evaporação, criam entradas para microorganismos que poderão contaminar o ovo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACKER, D.; CUNNINGHAM, M. Animal Science and Industry . New Jersey: Prentice Hall. 1991. p. 600-627.

ENGLERT, S. Avicultura. Tudo sobre raças, manejo e alimentação. Guaíba: Agropecuária, 7ª ed. 238p. 1998.

LOPES, S. Bio . São Paulo: Saraiva, 1999. p.320-325.

MORAES, I. A. Fisiologia da Reprodução das Aves Domésticas. Disponível em: <http://www.uff.br/fisiovet/fisio_rep_aves.htm>. Acesso em: dezembro de 2004.

SWENSON, M. J. Dukes: Fisiologia dos Animais Domésticos . Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 902p. 11ªed. 1996.

TURATTI, J. M. A importância dos ovos numa dieta saudável. Revista Óleos e Grãos . Mar/abr.

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TÓPICOS EM CITOLOGIA E FISIOLOGIA DE AVES

Djalma Gisler Dutra Universidade Federal de Pelotas

Pelotas, RS

A curta seleção de tópicos aqui apresentada foi preparada pelo autor com base nos textos relacionados na última seção. A ênfase do autor foi de apresentar, abreviadamente, alguns elementos básicos em citologia aplicada e detalhes das fisiologias digestiva e respiratória das aves com imediato interesse para as áreas de nutrição animal e de diagnose clínica.

CITOLOGIA SANGÜÍNEA DAS AVES

O sangue é uma massa líquida que desempenha papéis vitais nos animais. O sangue está contido num compartimento fechado, o aparelho circulatório e é mantido em movimento regular e unidirecional devido, essencialmente, às concentrações rítmicas do coração. O sangue é formado de duas fases principais: os glóbulos sangüíneos e o plasma. No Quadro 1 estão apresentados e sucintamente caracterizados alguns dos componentes mais importantes do sangue.

Quadro 1. Principais componentes da citologia sangüínea.

Componente Descrição

Plasma Solução aquosa contendo componentes de pequeno e grande peso molecular, que correspondem a 10% do seu volume.

Glóbulos sangüíneos

Compostos pelos eritrócitos, plaquetas e diversos tipos de leucócitos.

Eritrócitos Glóbulos vermelhos do sangue. Sinonímia: hemáceas.

Plaquetas Corpúsculos anucleados em forma de disco. Existentes apenas nos mamíferos.

Leucócitos Corpúsculos incolores implicados na defesa celular e imunocelular do organismo. Sinonímia: glóbulos brancos.

Granulócitos Células com núcleo de forma irregular e que apresentam no citoplasma grânulos específicos.

Agranulócitos Células com núcleo de forma mais regular e cujo citoplasma não possui granulações específicas. Os dois tipos de agranulócitos são os linfócitos e os monócitos.

Adaptado de JUNQUEIRA E CARNEIRO (1995).

Eritrócitos

Os eritrócitos maduros normais do sangue das aves são células ovais com núcleo oval. As células têm entre 10 a 13 micrômetros de comprimento e de 6 a 7 micrômetros de largura. O núcleo alongado tem cerca da metade das dimensões celulares. A heterocromatina nuclear pode estar uniformemente distribuída em um núcleo oval. O nucléolo é ausente. A coloração do citoplasma pode variar do laranja-rosado ao vermelho, com as colorações hematológicas rotineiras. Os eritrócitos dos peixes e dos anfíbios são morfologicamente semelhantes aos das aves.

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Granulócitos

Os heterófilos das aves são equivalentes ao neutrófilo de outras espécies. O diâmetro é de 6 a 9 micrômetros. Apesar de suas propriedades amebóides, os heterófilos são usualmente vistos como uma célula arredondada nos esfregaços sanguíneos. O núcleo multilobado pode ter até cinco lóbulos e a heterocromatina forma massas densas. A característica diferencial é a presença de bastões eosinofílicos brilhantes de aspecto fusiforme. Essas inclusões específicas estão irregularmente espalhadas por toda a célula. Elas são facilmente dissolvidas em meio aquoso, podendo sobrar apenas um vacúolo ou corpo central corado em vermelho. Como resultado dessa dissolução, o citoplasma, normalmente claro, se torna acidófilo. Nessas condições, os heterófilos podem ser facilmente confundidos com os eosinófilos.

O eosinófilo das aves tem diâmetro entre 5 e 9 micrômetros. O núcleo é multilobulado com heterocromatina grosseiramente granulada. O citoplasma, ainda que usualmente obscurecido por grânulos estreitamente acondicionados, tinge-se de um azul muito claro. Esta característica é de significância diagnóstica na distinção entre os eosinófilos e os heterófilos nos quais os bastões foram parcialmente dissolvidos. Os grânulos de alguns eosinófilos podem aparecer como corpos homogêneos.

Os basófilos são semelhantes aos dos mamíferos. São menos numerosos do que os granulócitos e aproximadamente do mesmo tamanho dos neutrófilos. O núcleo é bilobado, embora mais lóbulos possam ocorrer. Os grânulos específicos são arredondados, esparsos, de dimensão variável, basófilos e metacromáticos. Geralmente a coloração é mais escura do que a do núcleo, podendo obscurecê-lo em parte. A função dos basófilos ainda é obscura. Essas células fagocitam e contêm grande quantidade de histamina. Suas células podem aumentar de tamanho em alguns tipos de parasitismo que o organismo animal esteja sendo atingido. Seu conteúdo de histamina é liberado em resposta à estimulação alérgica.

Agranulócitos

Os linfócitos das aves têm, aproximadamente, o mesmo tamanho destas células nos mamíferos. A célula geralmente é arredondada e de contornos regulares, mas projeções citoplasmáticas globulares podem ocorrer. Geralmente o núcleo fica centralmente localizado, mas algumas células podem ser polarizadas. Densas massas de heterocromatina são características desta estrutura. A proporção de núcleo para citoplasma é alta. Uma reentrância nuclear profunda também pode ser evidente. As características citoplasmáticas são variáveis. O citoplasma pode se corar fracamente até ficar homogêneo, ou pode se corar de forma intensa e se apresentar floculado com material basófilo. A floculação pode ser fina e levemente reticulada, ou pode ser densa e grosseiramente reticulada.

Os monócitos das aves são as maiores células dos elementos maduros da série dos agranulocítos. Geralmente o diâmetro médio do linfócito se aproxima do diâmetro do núcleo do monócito. Embora o monócito seja geralmente esférico, muitas outras configurações confirmam suas características amebóides. A proporção de núcleo para citoplasma é menor que a do linfócito. O núcleo reniforme ou em forma de feijão contém heterocromatina finamente reticulada. A região do citoplasma associada à depressão nuclear é característica dos monócitos. Esta região justanuclear contém grânulos laranja. A aparência de vidro fosco do citoplasma, os grânulos azurofílicos e as características justanucleares são associadas ao diagnóstico dos monócitos.

Os trombócitos das aves e de outros vertebrados submamíferos são células nucleadas. Essas células são um tanto menores que os eritrócitos e têm dimensões típicas de 9 micrômetros de comprimento por 5 micrômetros de largura. O núcleo alongado e centralmente localizado possui massas granuladas densas de heterocromatina. O citoplasma é finamente reticulado e basófilo, podendo conter numerosos grânulos específicos. Além de atuar na hemostasia de modo similar às plaquetas dos mamíferos, os trombócitos das aves demonstraram ser fagocíticos.

À guisa de comentário final, nota-se que, nas aves, as hemáceas são nucleadas, contrariamente às dos mamíferos, que são anucleadas.

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FISIOLOGIA DO SISTEMA DIGESTIVO DAS AVES

Anatomia do canal alimentar

O canal alimentar das aves diferencia-se daquele dos mamíferos pela presença de um papo no esôfago e pela existência de um estômago muscular, a moela. A boca e a faringe não são bem delimitadas na ave e, na maioria das espécies, não existe o palato mole. O palato duro comunica-se com as cavidades nasais. Aves não possuem dentes; suas funções são realizadas pelo bico córneo e pela moela, havendo uma grande variedade de adaptações do bico e da língua. As glândulas salivares e papilas gustativas estão presentes em número e localização variáveis. As dimensões do trato digestivo variam consideravelmente entre as espécies, dependendo dos hábitos alimentares. Nas espécies de maior altura, o comprimento do trato pode alcançar 210cm ou mais.

O esôfago das aves é comparativamente longo e de maior diâmetro, sendo mais largo nas espécies que deglutem pedaços maiores de alimento. O papo é uma dilatação do esôfago que está presente na maioria das espécies, com exceção das corujas e das espécies que se alimentam de insetos.

O estômago glandular, ou pró-ventrículo, funciona primordialmente como órgão de secreção, embora também possa ter uma ação de armazenamento nas aves que não têm papo e em algumas espécies que se alimentam de peixes. O estômago muscular é adaptado para a trituração nas espécies que ingerem alimentos duros, ou para misturar as secreções digestivas com o alimento, nas espécies carnívoras. Na maioria das espécies carnívoras, o estômago muscular compõe-se de dois pares musculares denominados músculos intermediários e músculos laterais ou, para seguir nomenclatura mais recente, músculos pares grosso e fino, respectivamente. Esses pares de músculos não estão presentes na maioria das aves carnívoras.

O intestino delgado das aves tem um duodeno semelhante ao dos mamíferos, mas além do duodeno não existem áreas delimitadas como o jejuno ou o íleo dos mamíferos. O vestígio do saco vitelínico (divertículo de Meckel) pode ser encontrado mais ou menos na metade do intestino delgado. O intestino delgado é muito mais longo nas aves herbívoras do que nas carnívoras, sendo que a sua mucosa é semelhante à dos mamíferos, exceto que as vilosidades são comumente mais altas, mais delgadas e mais numerosas nas aves. As glândulas de Brünner estão ausentes nos galináceos, embora em algumas espécies estejam presentes glândulas tubulares homólogas à glândula de Brünner dos mamíferos. A microscopia eletrônica das vilosidades da galinha revela uma rede bem definida de capilares sangüíneos, mas não de vasos quilíferos.

Localizado na junção dos intestinos grosso e delgado estão os cecos que, nas aves, em geral são em número par, ao contrário dos mamíferos. Suas dimensões são influenciadas pelos hábitos alimentares e não estão presentes em todas as espécies. O intestino grosso das aves é relativamente curto e não é bem demarcado em reto e cólon, como nos mamíferos.

Outro órgão importante para a digestão é o fígado. Este órgão é bilobado e relativamente grande na maioria das aves. O ducto hepático esquerdo comunica-se diretamente com o duodeno, enquanto o ducto direito envia um ramo para a vesícula biliar, ou pode dilatar-se localmente como uma vesícula biliar. A vesícula biliar está presente na galinha, no pato e no ganso, mas não em todas as espécies de aves. Ela dá origem aos ductos biliares que se esvaziam no duodeno, próximo a alça distal. O pâncreas fica na alça duodenal, consistindo de, no mínimo, três lobos; suas secreções atingem o duodeno através de três ductos.

Regulação da ingestão de alimentos

Nas aves, como nos mamíferos, os centros hipotalâmicos estão envolvidos no controle do apetite. As lesões hipotalâmicas ventro-mediais produzem hiperfagia e as lesões laterais resultam em afagia. Alguns outros fatores afetam a ingestão de alimentos. Altas temperaturas ambientais, altos níveis energéticos ou protéicos na dieta resultam em diminuição no consumo de alimento. Baixas temperaturas ambientais, a muda de penas e a produção de ovos aumentam a ingestão de alimentos. Se uma dieta tem altos níveis protéicos e baixos níveis energéticos, o consumo de alimentos, em volume, aumentará acima dos

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níveis normais. Aparentemente, o nível energético de uma dieta é um regulador mais importante da ingestão de alimentos do que o seu conteúdo protéico. As galinhas são, entretanto, capazes de escolher entre as dietas isocalóricas com diferentes teores de proteína; elas mostraram preferir uma dieta com 16% de proteína àquelas com 8, 12 ou 23%. Os pintos também são capazes de escolher dietas com teor adequado de metionina em lugar daquelas com deficiência ou excesso da mesma.

Injeções de colecistocinina, normalmente encontrada em vísceras e no cérebro, afetam o apetite, causando diminuição na ingestão de alimentos.

Deglutição e motilidade esofagiana e do papo

A extensão do pescoço e o levantamento da cabeça aparentemente desempenham um papel secundário na deglutição em aves. A língua, o aparelho hióide e a laringe deslocam ativamente o alimento ou líquidos para dentro do esôfago. A estimulação da faringe ou da língua pelo alimento resulta no fechamento reflexo da glote e das coanas.

O alimento desloca-se através do esôfago pelo peristaltismo. Supõe-se que o estágio do ciclo de contração gástrica, no momento em que uma porção de alimento é deglutida, seja um fator determinante da ida do alimento ingerido para o papo ou para o estômago. O movimento do bolo alimentar do papo para o estômago, posteriormente, parece ser controlado de maneira reflexa pelo estado de enchimento do estômago e dos intestinos. O ritmo é dado pelas ondas peristálticas do papo que variam consideravelmente e são influenciadas pelo estado nervoso da ave e por outros fatores.

Motilidade gastroduodenal

Um ciclo de contrações rítmicas pode ser observado no estômago muscular, mesmo na ausência de inervação extrínseca. Essa ritmicidade inata parece ser neurogênica. As contrações do estômago glandular e do duodeno também dependem de conexões neurais intrínsecas com o estômago muscular.

Nos estômagos muscular e glandular dos galináceos ocorrem duas a três contrações por minuto. Fome ou jejum diminuem a freqüência das contrações gástricas em galináceos, cuja duração tende a aumentar; as últimas diminuem quando são ingeridos alimentos fibrosos ou grosseiros. A presença de grãos de areia na moela aumenta a amplitude das contrações.

O esôfago, o papo, o pró-ventrículo e a moela são inervados pelo vago, um nervo parassimpático que é o principal nervo motor para estes órgãos, e pelas fibras simpáticas. A estimulação da terminação periférica do vago aumenta a motilidade e sua ligadura, particularmente a do vago esquerdo, diminui a motilidade.

Grãos de areia estão normalmente presentes no estômago muscular da maioria das aves herbívoras e graminívoras. São usados para triturar alimentos duros entre os músculos grossos do estômago muscular. Os grãos não parecem ser essenciais para a digestão normal, mas a digestão de alimentos duros é mais lenta e a digestibilidade total dos alimentos pode estar diminuída sem sua presença. Grãos são ingeridos regularmente, mas se não houver alimento disponível, podem ser retidos mais tempo no estômago muscular.

Motilidade do íleo, cólon e ceco

Pouco é conhecido sobre a motilidade do íleo nas aves. O peristaltismo e as contrações segmentares foram observados por meio de radiografias. A característica mais notável da motilidade do cólon é o antiperistaltismo, que se acredita ocorrer quase continuamente. Essa atividade parece ter duas funções:

• movimento da urina da cloaca para o cólon e ceco, para a absorção da água; • enchimento do ceco.

As contrações antiperistálticas se originam na cloaca e ocorrem a uma freqüência de dez a quatorze por minuto em galinhas e perus. O movimento antiperistáltico cessa imediatamente antes da defecação, durante a qual todo o cólon parece contrair-se simultaneamente.

Os bolos fecais do ceco da maioria das espécies de aves podem ser distinguidos facilmente por sua cor marrom achocolatada e textura homogênea. Uma ou duas defecações

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cecais diárias ocorrem nas espécies de galináceos, enquanto que vinte e cinco a cinqüenta defecações intestinais são produzidas.

Um ritmo diurno na motilidade do ceco acontece com maior freqüência de contrações diárias (cerca de uma contração por minuto), ocorrendo no fim da tarde; a freqüência mais baixa (cerca de meia contração por minuto) ocorre logo após o desligamento das luzes no aviário.

O tempo necessário para que o alimento passe por todo canal alimentar geralmente é maior nas espécies herbívora e menor nas carnívoras e frugívoras. A velocidade da passagem pode ser influenciada pela resistência, pela consistência, e pelo conteúdo de água dos alimentos, além da quantidade consumida. Aparentemente, a idade da ave também pode influenciar a velocidade da passagem, já que o alimento passa pelo trato digestivo dos pintos e aves jovens mais rápido do que nos adultos. Duas horas e meia após a digestão de um contraste de óxido de cromo pela galinha, este pode ser detectado nas excretas e maior parte pode ser recuperada em aproximadamente vinte e quatro horas. A excreção cecal do marcador pode, entretanto, ser detectada dois a três dias após a ingestão do mesmo.

Secreção e digestão

Trata-se inicialmente dos processos preliminares do processo digestivo, que ocorrem na boca, no papo e no esôfago. O número e a organização das glândulas salivares variam entre as espécies. Em geral as espécies que utilizam alimentos úmidos têm menos glândulas que aquelas que ingerem alimentos secos com pouca lubrificação natural. As glândulas salivares da maior parte das aves têm apenas células de secreção mucosa; entretanto, têm sido notificadas células serosas em umas poucas espécies e a amilase foi encontrada na saliva de aves domésticas. Mesmo que a amilase esteja presente na saliva, pouco da digestão ocorrerá na boca. Da mesma forma, o alimento passa rapidamente através do esôfago, cuja principal secreção é o muco para a lubrificação desta passagem.

O muco também é secretado pelo papo da galinha, que pode ainda secretar amilase. A amilase encontrada no papo ou na mucosa do mesmo, entretanto, pode ter se originado das glândulas salivares, do alimento ingerido, das bactérias do papo, dos conteúdos duodenais regurgitados ou da própria mucosa do papo.

A etapa seguinte da digestão ocorre no estômago. Dois tipos de glândulas predominam no estômago glandular: as mucosas simples, que secretam muco, e as compostas, que secretam, além do muco, ácido clorídrico e pepsinogênio. Embora o suco gástrico seja secretado pelo estômago glandular, a proteólise ácida preliminar ocorre em sua maior parte no estômago muscular. A digestão mecânica também ocorre predominantemente neste órgão na maioria das espécies.

O pH do suco gástrico é muito baixo, variando entre 0,5 a 2,5. A acidez é menos pronunciada nas espécies onívoras e herbívoras do que nas carnívoras e é apropriada para uma eficiente atividade péptica. Os valores de pH gástrico também variam consideravelmente, dependendo do método de coleta e análise do suco gástrico e do apetite da ave. A galinha secreta cerca de 8,8 ml de suco gástrico por hora, para cada quilo de peso corporal. A concentração de ácido é mais elevada e o conteúdo de pepsina é mais baixo do que na maioria dos mamíferos.

O revestimento do estômago muscular das aves é formado tanto pela atividade secretora das glândulas cilíndricas como pela retenção de células epiteliais descamadas e outros fragmentos. O revestimento é periodicamente substituído na maioria das espécies, sendo mais espesso nas espécies que ingerem alimentos duros do que naquelas que ingerem alimentos macios.

A etapa final da digestão ocorre no intestino delgado, que é o local primário da digestão química. Algumas enzimas digestivas são secretadas por suas células. A mucosa intestinal possui atividade proteolítica em galinhas, tendo sido encontradas aminopeptidases e carboxipeptidases na mucosa duodenal. A amilase intestinal foi encontrada em galinhas e a maltase e sacarase de origem intestinal foram encontradas em outras espécies. A atividade da esterase intestinal também foi observada.

O pH intestinal varia tipicamente entre 5,6 e 7,2. O pH do trato intestinal das aves aumenta da extremidade oral para a aboral, e o pH de cada porção do trato é regulado pela

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atividade secretora. Valores de pH entre 6 a 8 são considerados ideais. A produção bacteriana dos metabólitos ácidos diminui o pH no papo, ceco e cólon.

A digestão de nutrientes no intestino é resultado da atividade microbiana, das enzimas pancreáticas e das secreções intestinais. O pâncreas secreta enzimas digestivas e uma solução aquosa contendo compostos tamponados. Esta última secreção atua neutralizando o quimo ácido gástrico, assegurando um pH entre 6 e 8. O pâncreas é a fonte principal de amilase e a atividade amilolítica pancreática foi observada em várias espécies de aves. A presença da lípase pancreática foi verificada em galinhas e provavelmente está presente em outras espécies.

A secreção de bile no duodeno ajuda na neutralização do quimo. Os sais biliares são necessários para a emulsificação de gorduras, um processo que ajuda na sua digestão. Nas galinhas, como nos mamíferos, os sais biliares são reabsorvidos no íleo inferior e retornam ao fígado, para serem reaproveitados. A amilase está presente na bile de várias espécies.

Funções dos cecos

Apenas cerca de 10% da maioria das dietas ingeridas pelos galiformes recebe ação cecal. Apesar disso, acredita-se que várias funções importantes ocorram no ceco, a mais notável delas sendo a digestão microbiana da celulose. Galiformes silvestres aparentemente obtêm uma proporção significativa de suas necessidades diárias de energia a partir da fermentação bacteriana das fibras, especialmente durante o inverno, quando estão disponíveis apenas alimentos de baixa qualidade. Embora as galinhas domésticas em geral sejam consideradas menos capazes neste aspecto, essa hipótese pode ter surgido principalmente porque, na maioria dos estudos, não foram usadas dietas com alto teor em fibras antes do estudo experimental da função cecal em aves domésticas. Tais dietas deveriam estimular o desenvolvimento de uma flora cecal mais capacitada para o desdobramento de fibras. Galos silvestres em cativeiro, alimentados com rações comerciais, são menos capazes de digerir dietas naturais do que outros da mesma espécie em liberdade.

A urina vai da cloaca para o cólon, do qual pode passar para o ceco. A absorção de água dos conteúdos cecais parece ser a principal função do ceco.

A síntese microbiana de vitaminas também ocorre no ceco, mas as vitaminas aparentemente não são absorvidas pelo hospedeiro. Sintomas de deficiências vitamínicas, entretanto, não foram menos severos nas aves criadas convencionalmente, indicando que elas obtiveram pouco benefício das vitaminas sintetizadas por seus microorganismos cecais.

Absorção de nutrientes

A absorção de nutrientes nos intestinos das galinhas é bem conhecida. O íleo superior é o local mais importante para a absorção de produtos finais dos carboidratos, proteínas e lipídios digeridos. Sais biliares são absorvidos amplamente no íleo inferior e os produtos do metabolismo das proteínas endógenas são absorvidos primordialmente na metade inferior do íleo.

A absorção da D-glicose, da D-galactose, da D-xilose, da 3-metilglicose, ∝-metilglicosídico e, possivelmente, da D-frutose, é ativa. Sete outros monossacarídeos são, aparentemente, transportados de forma ativa. As galinhas possuem um sistema transportador móvel dependente de sódio para transporte ativo de açúcares similar ao dos mamíferos. Este sistema torna-se funcional antes da eclosão. A capacidade máxima de absorção de glicose, entretanto, parece ser atingida dentro da primeira semana de vida, decrescendo a partir desta idade.

Os aminoácidos também são transportados pelos processos mediados por transportadores em aves. O transporte não parece diminuir com a idade. Em aves, como em mamíferos, a maioria dos produtos protéicos são absorvidos como peptídios, mas aparecem no sangue mesentérico como aminoácidos. Os aminoácidos neutros são transportados mais rapidamente do que os aminoácidos ácidos ou básicos. Deve haver mais de um sistema de transporte para cada tipo de aminoácido (neutro, básico ou ácido) e um único aminoácido pode usar mais de um sistema de transporte. Por exemplo, o ácido glutâmico pode ser transportado tanto por difusão como por uma via mediada por transportadores; enquanto o transporte intestinal da cistina ocorre apenas por este último processo. Os aminoácidos

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levados pelo mesmo sistema de transporte, entretanto, contribuem para a inibição do transporte um do outro.

A taxa de absorção in vivo de L-aminoácidos não depende do seu peso molecular. Os aminoácidos com grandes cadeias laterais apolares, como a metionina, a valina e a leucina, são absorvidos mais rapidamente do que aqueles com cadeias laterais polares.

Através da determinação da concentração de glicose e nitrogênio amino no sangue venoso portal e da veia ilíaca, pode-se verificar que, quinze minutos após a ingestão de alimento, há uma concentração significativamente maior destas substâncias no sangue portal, indicando altas atividades de digestão e de absorção.

Aparentemente, a quantidade de gordura digerida e absorvida nas aves e nos mamíferos é semelhante. Os processos de absorção são, entretanto, diferentes entre as duas classes de vertebrados. Nos mamíferos, a gordura é absorvida nos vasos quilíferos das vilosidades, enquanto que nas aves as gorduras são absorvidas diretamente no sangue. Aproximadamente 80 a 95% dos ácidos graxos são absorvidos, mas os pintos recém-nascidos absorvem com menos eficiência.

FISIOLOGIA DO SISTEMA RESPIRATÓRIO DAS AVES

Anatomia do sistema respiratório

Em contraste com o sistema respiratório dos mamíferos, o sistema respiratório das aves tem pulmões rígidos de volume fixo e sacos aéreos complacentes que atuam para ventilar os pulmões. Os pulmões servem como o local onde ocorrem as trocas gasosas do sistema respiratório. Eles estão localizados na região torácica dorsal e cada um tem apenas três subdivisões brônquicas

• um único brônquio primário intrapulmonar; • brônquios secundários; • brônquios terciários ou parabrônquios.

Em galinhas, patos e perus há um total de nove sacos aéreos. Estes ocorrem em pares, à exceção do clavicular. Os divertículos surgem de muitos sacos aéreos e penetram em alguns ossos. O osso pneumático mais importante nas espécies domésticas é o úmero. O divertículo supra-umeral do saco aéreo clavicular estende-se dentro deste osso. É possível para a ave ventilar seu pulmão através de um úmero quebrado. É provável que a extensão dos sacos aéreos dentro dos ossos não desempenhe qualquer função na respiração normal.

O volume de gás dos sacos aéreos é aproximadamente dez vezes maior do que o dos pulmões. A capacidade total do sistema respiratório atinge 500 mililitros em galos adultos. Trocas gasosas nas paredes dos sacos aéreos são infreqüentes ou mesmo inexistentes.

Mecânica da respiração

A respiração causa modificação no volume corporal da ave, pela contração dos músculos responsáveis pela inspiração e pela expiração, ambos ativos e igualmente importantes, mesmo na ventilação em repouso. Ao contrário dos mamíferos, as aves não possuem diafragma e os músculos esqueléticos da parede corporal fornecem a energia para a modificação do volume do corpo. O volume corporal aumenta durante a inspiração por causa do movimento ventro-cranial do esterno e lateral das costelas. O complexo esterno-coracóide fixa-se à espádua e a ponta do esterno desloca-se em arco, enquanto a ave respira.

O aumento do volume torácico e abdominal durante a inspiração diminui a pressão nos sacos aéreos em relação à da atmosfera, com consequente deslocamento do gás, através dos pulmões, para dentro dos sacos aéreos. Durante a expiração, o volume corporal diminui, a pressão nos sacos aéreos aumenta em relação à da atmosfera e o gás é forçado para fora dos sacos aéreos, através dos pulmões, para o meio.

O resultado final das trocas gasosas no pulmão reflete-se nas tensões gasosas sangüíneas de oxigênio e CO2 e no pH do sangue arterial. O pH arterial geralmente é mais alto e a pressão parcial de gás carbônico é, em geral, mais baixa do que na maioria dos

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mamíferos. Tais diferenças podem acentuar-se em estados de excitação, se a ave estiver sob contenção.

O sistema de controle de ventilação atua no ajuste da quantidade e padrão de ventilação com o objetivo de obter constância relativa dos gases no sangue arterial em condições de repouso. Essa função parece ser exercida por influência de muitos impulsos de entrada aferentes, vindos tanto dos receptores periféricos como centrais. O oscilador respiratório central, por sua vez, controla os neurônios motores que inervam os músculos respiratórios.

O estresse pelo calor aumenta a freqüência respiratória modo acentuado, diminuindo o volume respiratório e resultando em polipnéia. A ventilação total em tais condições pode aumentar seis a sete vezes. Esta alteração na ventilação não resulta em modificações nos gases e no pH do sangue arterial em galinhas. O sistema de controle respiratório funciona para maximizar a ventilação do espaço morto das vias aéreas superiores – que aumenta a perda de água por evaporação servindo como sistema de refrigeração corporal – enquanto minimiza ou evita a superventilação dos parabrônquios. Em galinhas, a ventilação aumenta de forma acentuada durante a polipnéia, podendo resultar em severa hipocapnia ou alcalose.

Interesses Práticos

O movimento ventro-cranial do esterno é necessário para que a ave modifique seu volume corporal no processo de movimentação de gases através dos pulmões. Deve-se exercer extrema cautela para não conter uma ave de maneira que dificulte ou impeça o movimento do esterno, sob pena de a ave não poder ventilar seus pulmões adequadamente.

O controle da respiração e a conseqüente regulação da pressão de CO2 e a concentração de HCO3 arterial parecem influenciar diretamente o grau de calcificação da casca do ovo. É comum a formação de ovos de casca fina em condições de hiperventilação, como freqüentemente acontece no estresse causado pelo calor. Técnicas de manejo que provocam uma elevação na concentração de HCO3 plasmático na galinha podem ter um efeito benéfico na redução da quebra do ovo.

Durante procedimentos cirúrgicos em que a abertura da cavidade torácico-abdominal é necessária, os sacos aéreos correm risco de ruptura e a capacidade da ave para ventilar seus pulmões pode ficar seriamente comprometida. Muitas doenças das aves comprometem os sacos aéreos. Um bom conhecimento de suas localizações e extensões é importante no diagnóstico de várias doenças das aves.

As aves apresentam um fator de segurança muito baixo para a maioria dos anestésicos e é fácil induzir parada respiratória. Quando isso acontece, os pulmões podem ser artificialmente ventilados por delicada ação de bombeamento sob o esterno, comprimindo e expandindo assim a cavidade toraxicoabdominal. O gás deslocar-se-á através dos pulmões e as trocas gasosas poderão ocorrer até que a concentração do agente anestésico diminua e que se reinicie a respiração espontânea.

LITERATURA CONSULTADA

BANKS, W.J. Histologia Veterinária Aplicada. São Paulo: Ed. Manole, 658p. 2ª ed.1992.

SWENSON, M.J. Dukes: Fisiologia dos Animais Domésticos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 799p. 10ªed. 1988.

JUNQUEIRA L.C.; CARNEIRO J. Histologia básica. 8ªed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. p.178, 1995.

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UMA FÁBULA BUDISTA: “AS CODORNAS”

“Além de transformar a natureza, humanizando-a, além de proceder à comunhão dos homens, o trabalho transforma o próprio homem.”

(Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins)

Há tempos um bando de mais de mil codornas habitava uma floresta da Índia. Seriam felizes, mais temiam enormemente seu inimigo, o apanhador de codornas. Ele imitava seu chamado e, quando se reuniam para atendê-lo, jogava sobre elas uma enorme rede e as levava numa cesta para vender.

Mas uma das codornas era muito sábia e disse:

− Irmãs! Elaborei um plano muito bom. No futuro, assim que o caçador jogar a rede, cada uma de nós enfiará a cabeça por dentro de uma malha e todas alçaremos vôo juntas, levando-a conosco. Depois de tomarmos uma boa distância, deixaremos cair a rede sobre um espinheiro e fugiremos. Todas concordaram com o plano.

No dia seguinte, quando o caçador jogou a rede, todas juntas a içaram conforme a sábia codorna havia instruído, jogaram a rede sobre um espinheiro e fugiram. Enquanto o caçador tentava retirar a rede de cima do espinheiro, escureceu e ele teve que voltar para casa. Isso aconteceu durante vários dias, até que afinal a mulher do caçador se aborreceu e indagou:

− Por que você nunca mais conseguiu pegar nenhuma codorna?

O caçador respondeu:

− O problema é que todas as aves estão trabalhando juntas, ajudando-se. Se ao menos elas começassem a discutir, eu teria tempo de pegá-las.

Dias depois, uma das codornas acidentalmente esbarrou na cabeça de uma das irmãs quando pousaram para ciscar o chão.

− Quem esbarrou na minha cabeça? – perguntou raivosamente a codorna ferida.

− Não se aborreça. Não tive a intenção de esbarrar em você – disse a primeira.

Mas a irmã codorna continuou a discutir.

− Eu sustentei todo o peso da rede! Você não ajudou nem um pouquinho! – gritou a outra.

A primeira então se aborreceu e em pouco tempo estavam todas envolvidas na disputa. Foi quando o caçador percebeu sua chance. Imitou o chamado das codornas e jogou a rede sobre as que se aproximaram. Elas ainda estavam contando vantagem e discutindo, e não se ajudaram a içar a rede.

Portanto, o caçador a ergueu sozinho e enfiou as codornas dentro da cesta. Mas a sábia codorna reuniu as amigas e juntas voaram para bem longe, pois ela sabia que discussões dão origem a infortúnios.

Nota: Esta fábula budista faz parte do grupo de histórias budistas conhecido como “Contos

Jataka”. Fonte: O Livro das Virtudes II – O compasso moral , 2.ed., de William J. Bennett. Editora

Nova Fronteira, 1995.

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