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    Soluo para Portugal: fazer mais com os portugueses.

    Ricardo Reis

    Captulo 3.8 no livro Portugal e o Futuro: Homenagem a Ernni Lopes

    Se uma nao uma histria, uma cultura, e um grupo de pessoas, ento Portugal e o seupovo tm razes para sentir orgulho. A nossa histria est recheada de faanhas e distines, anossa cultura nica depois de sculos de luta para manter a independncia, e os nossoscidados distinguem-se nos mais variados campos pelo mundo fora. Um feliz exemplo eraErnni Lopes, um profundo conhecedor da nossa histria, um orgulhoso portugus, e uma pessoade qualidades e mritos exemplares. Honrar Ernni Lopes , por isso, tambm honrar a naoportuguesa.

    Em 2011, os portugueses esto apreensivos. Isto apesar de terem um nvel de vida maiordo que sempre e de a sua riqueza ter aumentado em relao Europa a um dos ritmos maisrpidos de sempre. Apesar tambm de viverem numa democracia estvel, na qual podem pensar,falar, e fazer com uma liberdade que nunca tiveram antes. E, por fim, apesar ainda de seremmembros de direito de uma Unio Europeia, no terem receio de guerra iminente, e poderemviajar em paz por quase todo o mundo.

    A apreenso resulta antes de uma dcada terrvel para Portugal. Entre 2000 e 2010, o PIBreal per capita de Portugal cresceu cerca de 2,2%. Essa seria uma taxa de crescimento anualrazovel para Portugal, ou qualquer outro pas no mundo, perto da mdia obtida nos pasesdesenvolvidos durante o sculo XX. Mas 2,2% no foi a mdia anual. Foi o crescimento totaldurante estes 10 anos.

    Para pr este nmero em perspectiva, o Japo, entre 1992 e 2002, viveu uma estagnaoeconmica quase sem par no mundo desenvolvido. Nunca no ps-guerra tinha um pas to rico

    passado tantos anos com to pouco crescimento. Logo surgiram inmeras questes e teorias e atuma designao prpria: a "Dcada Perdida". Neste perodo, o Japo cresceu 5,7%, bem mais doque Portugal nos ltimos dez anos.

    Outro cataclismo econmico, to marcante que levou ao nascimento da macroeconomia,foi a "Grande Depresso" americana que comeou em 1929. Em 1939, a economia americana

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    tinha crescido 2,1%, quase o mesmo que Portugal. Que eu saiba, ainda nenhum comentador ouhistoriador inventou uma boa expresso para caracterizar o comeo do sculo XXI em Portugal,mas tenho poucas dvidas que o termo adequado vira. Esta ltima dcada ficar na histriaeconmica portuguesa como uma das mais negras pelas quais passmos.

    Embora o objectivo deste ensaio seja olhar para a frente, difcil faz-lo sem enfrentar,nem que levemente, duas questes de partida: Porque Portugal mais pobre do que os seusvizinhos europeus? O que falhou nesta ltima dcada? Depois de encontrarmos algumas pistassobre as respostas a estas duas perguntas, podemos ento passar s solues propostas nesteensaio.

    Porque somos pobres?

    Um bom indicador da riqueza de um povo o Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Elemede o rendimento total gerado num pas durante um ano, dividido pelo nmero de habitantes.Da mesma forma que uma medida razovel da riqueza de uma famlia a soma do rendimentode todos, dividida pelo nmero de membros, o PIB per capita o nmero mais natural paramedir a riqueza de um povo. Riqueza no felicidade, mas esta medida tem uma correlao fortecom indicadores de sade, liberdade, literacia, e at mesmo com as resposta aos inquritos:"Quo feliz voc de 1 a 10?" O PIB per capita tem tambm muitos defeitos, mas continua a ser

    a melhor medida disponvel.

    A primeira linha da tabela 1 tem o nvel do nosso PIB per capita em 2000 em relao adois pases europeus prximos do nosso nvel de desenvolvimento, a Grcia e a Espanha, e emrelao a dois pases mais desenvolvidos, a Alemanha e os Estados Unidos. Os gregos eram em2000, 10% mais ricos do que os portugueses, enquanto a nossa distncia para Espanha era de32%. Por cada euro que os portugueses produziram nesse ano, os alemes produziram 1,62euros, enquanto os americanos tinham mais do dobro da nossa riqueza.

    Dinheiro no poder de compra. Embora os portugueses sejam mais pobres que osalemes, talvez os bens que compramos sejam mais baratos. A segunda linha da tabela investigaesta possibilidade, ajustando o nvel de riqueza de cada pas para ter em conta o respectivo nveldos preos. Este ajustamento tem o termo tcnico de "paridade de poder de compra" e consisteem aumentar o nvel de riqueza de um pas na proporo em que os bens sejam mais baratos

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    nesse pas. Com a leitura da tabela aprendemos que mesmo com ajustamento, o custo de vida emPortugal sensivelmente o mesmo que nos outros pases em considerao.

    Tabela 1: O atraso econmico portugus

    Indicador Grcia Espanha Alemanha EUAPIB per capita 10% 32% 62% 106%

    PIB per capita ajustado aopoder de compra (PPP)

    12% 33% 61% 104%

    Trabalhadores per capita -18% -12% -6% -1%

    Horas por trabalhador -26% -11% -8% 26%

    Produto por hora 83% 65% 92% 63%

    Nota: Cada entrada mostra o atraso de Portugal em relao a outro pas numa categoria. Nmerosnegativos implicam que Portugal est frente neste indicador.

    Outra explicao simples para o nosso atraso seria os portugueses trabalharem menos doque os cidados dos outros pases. As duas linhas seguintes da mesma tabela investigam estahiptese. O PIB per capita igual multiplicao de trs termos: (i) o nmero de trabalhadoresper capita, (ii) o nmero de horas por trabalhador, e (iii) o produto por hora de trabalho. Os doisprimeiros factores permitem ver se Portugal pobre porque poucos portugueses trabalham, ouporque trabalham poucas horas. Os dados dizem claramente que qualquer uma destas duaspossibilidades est errada. Primeiro, uma maior frao da nossa populao est empregue do que

    em qualquer dos quatro pases em comparao. Portugal em 2000 ainda tinha uma taxa dedesemprego baixa, assim como uma populao relativamente jovem e saudvel. Segundo, s osamericanos nos batem em horas de trabalho, e os portugueses trabalham mais de um tero do quetrabalham os gregos.

    Chegamos por isso ltima linha da tabela com o mistrio da pobreza portuguesa intacto.Pior, o puzzle aprofundou-se: por hora de trabalho, geramos muito menos riqueza do quequalquer dos outros quatro pases.

    A tabela 2 continua a busca das causas do atraso portugus. Aqui, separa-se o produtoportugus por hora em trs componentes: capital fsico, capital humano e produtividade. (Para osleitores mais curiosos, o apndice do captulo explica as frmulas usadas nesta decomposio).

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    Para perceber esta decomposio, pense no que determina aquilo que voc consegueproduzir na sua profisso numa hora. Por um lado, com certeza que precisa de equipamento,incluindo o edifcio em que trabalha, as mquinas que usa, ou o meio de transporte que usou parachegar ao local. A tabela 2 mostra que em Portugal, h tanto deste capital fsico como nos pasesda comparao. No est aqui tambm a explicao para a pobreza de Portugal. Tendo em conta

    o que produzimos, a quantidade de capital usado no parece desadequada.

    Tabela 2: As causas imediatas do atraso portugus

    Indicador Grcia Espanha Alemanha EUA

    Produto por hora 83% 65% 92% 63%

    Capital fsico -4% -5% -2% -14%

    Capital humano 12% 16% 33% 44%

    Produtividade 43% 32% 30% 20%

    Nota: Cada entrada mostra o atraso de Portugal em relao a outro pas numa categoria. Nmerosnegativos implicam que Portugal est frente neste indicador.

    O segundo fator, o capital humano, est relacionado com as capacidades dostrabalhadores portugueses. No fcil medir estas capacidades. Para a tabela, considerei os doisindicadores que so provavelmente mais relevantes. Primeiro, o nmero mdio de anos de

    escolaridade. Segundo, a rentabilidade de uma hora adicional de trabalho, medida em termos doaumento de salrio a que ela conduz. A prxima seo explica os detalhes desta medida. Aterceira linha da tabela mostra que o fator capital humano explica uma grande parte do atrasoportugus. Em relao aos outros pases, os portugueses trazem poucas competncias para olocal de trabalho.

    O terceiro fator, a que chamei produtividade, seria mais adequadamente chamado "tudo oresto". Ou seja, toda a diferena entre a nossa riqueza e a dos outro pases que no foi explicadapor todos os outros factores aparece neste termo. Porqu chamar-lhe produtividade? Porque este

    fator captura a capacidade que temos (ou no) de combinar horas de trabalho, equipamentos econhecimentos para produzir riqueza. Imagine que existe outro pas onde as pessoas trabalhamtanto como os portugueses, tm o mesmo capital fsico sua disposio e a mesma educao. Seesse pas consegue com estes meios produzir mais do que ns, a diferena vem de ser maisprodutivo do que Portugal. Como a tabela mostra, este terceiro factor to importante como afalta de capital humano em Portugal.

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    Chegamos assim ao fim da expedio arqueolgica em busca das causas da pobrezaportuguesa com algumas respostas. Os portugueses no so mais pobres porque trabalham menosou porque tm menos capital fsico sua disposio. Antes, somos pobres porque temos pouca

    educao formal e porque no conseguimos combinar os meios nossa disposio de uma formaprodutiva.

    O que falhou na ltima dcada?

    A tabela 3 usa o mesmo mtodo que as tabelas 1 e 2 para responder quais os factores quecontriburam para a estagnao da economia portuguesa desde 2000. Mais concretamente, num

    primeiro passo efetuei a mesma decomposio que nas tabelas 1 e 2 mas agora usando os dadospara 2007, o ltimo ano antes da recesso global. Depois, subtrai a estes nmeros as entradascorrespondentes nas tabelas 1 e 2. Nmeros positivos implicam que, nessa categoria, aumentou adistncia que separa Portugal dos seus parceiros.

    Tabela 3: O aumento na diferena entre Portugal e os outros pases de 2000 a 2007

    Indicador Grcia Espanha Alemanha EUA

    PIB real per capita 24% 9% 0% 4%

    Produto por hora 34% 2% -1% 13%

    Capital fsico -7% -2% -7% -1%

    Capital humano 2% 1% 4% -3%

    Produtividade 24% 2% 4% 9%

    Nota: Cada entrada mostra a diferena entre o nmero correspondente a tabela 2 para 2007 e onmero na tabela 2. Nmeros negativos implicam que Portugal ganhou terreno neste indicador.

    A primeira linha mostra que perdemos terreno em relao aos nossos parceiros entre2000 a 2007. A perda maior em relao Grcia. S em relao Alemanha, que tambmatravessou uma dcada terrvel, nos mantivemos a par.

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    Olhando para o produto por hora, na linha seguinte na tabela, vemos que as diferenasso semelhantes s diferenas no produto per capita. Ou seja, no houve uma mudanasignificativa nas horas que o povo portugus trabalha em relao a este grupo de pases. Emtodos eles diminui o nmero de trabalhadores com o envelhecimento da populao, mas Portugalno se distingue neste respeito. A exceo a Espanha, onde a queda do desemprego e um

    grande influxo de imigrantes explicam grande parte do seu crescimento econmico desde 2000.

    Tambm no foi na acumulao de capital fsico que nos distinguimos. Alis, nestacategoria melhormos a nossa posio em relao aos nossos parceiros. Estes nmeros talvezsejam uma surpresa tendo em conta a baixa taxa de poupana em Portugal na ltima dcada.Menos poupana deveria levar a menos acumulao de capital. Mas, contra este efeito, existiramdurante estes 7 anos, outros dois factores. Primeiro, apesar de no pouparem, os portuguesescontinuaram a investir. Como? Pedindo emprestado ao exterior, o famoso dfice externo de 10%

    do PIB que temos. Segundo, preciso recordar que o produto mal cresceu durante estes 7 anos.Logo, bastou manter o capital existente para manter a mesma contribuio para o produto.

    Claro que, se tivessem trabalhado mais ou investido mais, os portugueses teriam tambmcrescido mais. Os nmeros na tabela mostram antes que, em relao aos nossos parceiros, nodeixmos de trabalhar mais do que eles, nem investimos menos em relao nossa riqueza. Omesmo se aplica ao nosso capital humano. Perdemos algum terreno em relao Alemanha e Grcia e ganhmos algum terreno em relao aos EUA. Acima de tudo, apesar de todas as

    campanhas feitas em volta do investimento na educao, os resultados em termos de aumentodos anos de escolaridade no foram assim to significativos que permitissem um salto dedesenvolvimento.

    O grosso da recesso portuguesa do sculo XXI fica explicado por um decrscimo deprodutividade em relao aos outros pases. Por outras palavras, enquanto nos outros paseshouve um normal progresso na capacidade de criar novos produtos e no processo de combinardiferentes capitais em riqueza, em Portugal houve uma total estagnao desde 2000. Daqui sederiva a estagnao da economia portuguesa no perodo em causa.

    Fazer mais com os portugueses: a qualidade da educao.

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    Como vimos, uma das principais razes para o nosso atraso a falta de escolarizaoformal. chocante que, at h pouco tempo, quatro anos de escola e saber ler e escrever fossemo nvel de literacia que a maioria dos portugueses podia esperar. Em 2010, em mdia, umportugus passou 7,7 anos na escola, contra os 10,4 anos dos nossos vizinhos espanhis, e os12,4 anos dos norte-americanos. Neste critrio, Portugal destoa muito dos outros pases

    ocidentais.

    Este ensaio est longe de ser o primeiro a apontar este facto. O diagnstico h muitoconhecido e j h pelo menos 15 anos que governos sucessivos reafirmam a sua paixo pelaeducao. Mas ento porque continuamos com to grande atraso nos anos de escolaridade?

    No com certeza por falta de dinheiro. Portugal j gasta, em percentagem do PIB, tanto

    na educao como os outros pases nas tabelas. Tambm no por falta de incentivos para osalunos. O prmio por cada ano a mais de escola em termos de aumento mdio no salrio enorme em Portugal, dos maiores entre os pases desenvolvidos. Talvez seja apenas uma questode tempo e persistncia. Mantendo-se este esforo de forma continuada e criando mais emelhores opes para que as pessoas que abandonaram a escola possam regressar, talvez daqui auma dcada consigamos apagar o atraso que a democracia portuguesa herdou.

    No entanto, como vimos na seco anterior, os anos de escolaridade no foram o

    contributo dominante para o atraso portugus. Em quantidade, Portugal s tem metade dos anosde educao dos americanos ou dois teros da educao dos espanhis. Mas, em qualidade, anossa educao vale s um quinto do que vale um ano de escola nos EUA, ou dois quintos dovalor acrescentado pelas escolas espanholas.

    Aferir a qualidade da educao no fcil, quanto mais obter os nmeros precisos queacabei de afirmar. Estas estimativas so o culminar de dcadas de trabalho de vrios economistasnesta rea. Resultam de dois passos que vou explicar.

    Primeiro, para julgar o valor de um ano extra de escola, olhamos para grupos deindivduos a trabalhar no mesmo pas, idnticos numa srie de caractersticas que podemosobservar, como a idade, o sexo ou os anos de experincia no emprego. Comparamos ento osalrio mdio de quem tem x anos de escolaridade com quem tem x+1. O aumento derendimento pessoal reflete o aumento na riqueza produzida pelo indivduo. Se este aumento

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    reflete tambm o contributo extra da pessoa para a riqueza geral do pas, ento temos aqui umamedida da riqueza extra no pas por cada ano extra de escolaridade.

    importante fazer um parntesis para realar que qualidade neste contexto se refereapenas gerao de riqueza. No minha inteno menosprezar o impacto que a educao temna cultura, no civismo, ou mesmo na felicidade dos alunos. O tpico deste ensaio a riqueza dopas, e apenas isso.

    Se pararmos por aqui, enfrentamos um obstculo. Para comparar o rendimento obtido emdiferentes pases preciso ter em conta que eles tm mercados de trabalho diferentes. Um bomexemplo o enorme retorno que um ano extra de escolaridade produz em Portugal, mesmo emcomparao com os EUA. Em parte, talvez seja o resultado de uma melhor qualidade do ensino

    em Portugal. Mais plausvel, este retorno reflete a enorme escassez de mo-de-obra qualificadano nosso pas. O retorno alto no est a recompensar passar um ano a mais nas escolasportuguesas. Est sim a recompensar ter mais um ano de qualificaes no mercado de trabalhoportugus.

    Para evitar este problema preciso dar um segundo passo e olhar para o retorno de umano de educao no mesmo mercado de trabalho. Um bom tubo de ensaio o mercadoamericano. Os EUA tm a vantagem de ter imigrantes de todo o mundo, assim como bons dados

    acerca dos seus rendimentos e nvel de escolaridade. A sugesto por isso usar os imigrantes aresidir nos EUA para medir o aumento de rendimentos nos EUA por ter mais um ano de escolanos seus pases de origem.

    Um receio com esta estratgia que pode haver algo de especial no mercado de trabalhoamericano que desconhecemos e enviese os dados. Por exemplo, talvez um ano a mais deescolaridade no Reino Unido tenha um valor especial nos EUA devido a semelhanas no sistemade educao, sem que a elas corresponda uma capacidade de produo de riqueza efetiva quandofora do contexto especial dos EUA. preciso, por isso, encontrar outro mercado de trabalho paravalidar os resultados. O Canad oferece uma alternativa: tambm tem muitos imigrantesoriundos do mundo inteiro, e o seu mercado de trabalho bem diferente do americano.

    Considerando estes dois mercados de trabalho, um estudo recente do economista ToddSchoellman calculou a qualidade dos anos de ensino em diferentes pases. O imigrante portugus

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    ganha 2% mais nos EUA por cada ano extra de escola portuguesa. O imigrante grego aufere mais4,1%, enquanto o espanhol tem um ano de escola em Espanha recompensado com 4,8% maisrendimento. Os alemes ganham 8,3% mais por ano escolar.

    Ou seja, a qualidade da nossa escola muito, mas mesmo muito, inferior dos nossosparceiros. Os portugueses no esto a adquirir as competncias na escola que levam a maiorcriao de riqueza. Em grande parte, Portugal pobre por causa deste fracasso.

    Este ensaio no o primeiro a preocupar-se com a qualidade da educao em Portugal.Sempre que se realiza mais um teste internacional de conhecimento, os resultados dos alunosportugueses so desoladores e j h bons livros sobre o assunto, como o recente Difcil educ-los de David Justino. O ponto que tentei realar que o presente e futuro da economia

    portuguesa no so decididos no Ministrio das Finanas ou da Economia, mas antes noMinistrio da Educao. Quer na definio das prioridades, quer no concreto das polticasimplementadas, no parece ser esta a percepo que vem da poltica educativa em Portugal,disparidade bem ilustrada no livro de Nuno Crato, "O Eduqus em Discurso Directo."

    Uma soluo para pr Portugal a crescer por isso to simples quanto difcil: pr osportugueses a aprender. Sobretudo, no basta pr os portugueses na escola. Mais difcil mastambm mais importante, a escola tem de melhorar muito, e a sociedade em geral tem de

    contribuir para isto. preciso fazer mais com os portugueses quando estes se sentam na sala deaulas.

    Fazer mais com os portugueses: gesto

    Para alm da falta de anos e qualidade na educao, vimos que a principal barreira aodesenvolvimento portugus a falta de produtividade. Existem muitos factores que podem tornar

    um pas mais produtivo. Por onde comear? Felizmente, tal como os dados da seco anteriorapontavam para a qualidade como a principal barreira na educao, tambm no que diz respeito produtividade, a claridade dos dados pode levar-nos longe.

    Dois investigadores ingleses, Nick Bloom e John Van Reenen, dedicaram os ltimos anosa um projeto original: medir as prticas de gesto volta do mundo. Basta entrar em qualquer

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    livraria para encontrar dezenas de livros sobre gesto. Quase todos so muito maus, em parteporque se preocupam mais em dar conselhos avulsos do que em procurar dados que confirmemou rejeitem as suas hipteses, e porque lhes falta a boa dose de cepticismo que exigida emqualquer investigao mais sria. Entre os bons livros, uma limitao difcil de ultrapassar afalta de dados comparveis. preciso investir algum tempo para aferir as prticas de gesto

    numa empresa individual, pelo que a maioria dos estudos se concentram em poucas empresas eno cobrem o pas todo. Quando chegamos s comparaes internacionais, ento praticamenteno existem dados fiveis.

    Estes dois investigadores decidiram enfrentar este problema sem rodeios. Eles redigiramum questionrio rigoroso, mas simples, sobre as prticas de gesto numa empresa, que podia serimplementado por telefone e deixava algum espao livre para explorar as respostas. As perguntasavaliavam a capacidade da empresa de gerir informao interna, fixar metas, dar incentivos e

    recompensar os trabalhadores com base no mrito e no desempenho.

    Para executar o questionrio, os investigadores recrutaram uma vasta equipa de dezenasde alunos de MBA que conjugavam duas qualidades importantes: a energia para ser persistentenos inquritos, e alguns conhecimentos de gesto que lhes permitiam interpretar as respostas ereagir adequadamente a elas durante a entrevista. Muito importante, os entrevistadores nosabiam a performance ou sucesso da firma, e os gestores no sabiam os critrios pelos quaisestavam a ser julgados.

    Por fim, os investigadores conseguiram o patrocnio dos institutos de estatstica e bancoscentrais nacionais, assim como do Banco Central Europeu. Comeando com uma amostranumerosa de empresas com mais de 100 empregados e menos de 5000, estes apoios permitiram-lhes persuadir os entrevistados a perderem uma hora do seu tempo a responder s perguntas.

    Este processo exaustivo levou a mais de 8000 entrevistas em 17 pases diferentes.Felizmente, Portugal foi um deles pelo que podemos, pela primeira vez, avaliar a qualidade dasnossas prticas de gesto em comparao com outros pases. Talvez no surpreenda muita genteque a qualidade da nossa gesto m. Mas a surpresa est em saber quo m ela . As prticas degesto portuguesas esto abaixo das mexicanas ou polacas. Alis, s esto acima das brasileiras edas gregas.

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    Olhando para as categorias individuais, portugueses do-se pior nos recursos humanos.Deste estudo fica a impresso que, comparado com outros pases, praticamente no existem bonsincentivos no local de trabalho em Portugal. Recompensar os melhores funcionrios e castigar ospiores, incluindo despedi-los, so atos invulgares na indstria portuguesa. De uma perspectivadiferente, os gestores portugueses no so capazes de "consertar" pessoas, ou seja recuperar

    membros improdutivos das suas equipas e elevar o seu desempenho.

    Bloom e van Reenen tambm confirmam que esta m gesto tem efeitos reais. Alinhandoas empresas por ordem da sua nota na avaliao da gesto, ou ordenando-as antes em termos dasua produo por hora, leva praticamente ao mesmo alinhamento. As empresas com m gestoso as pouco produtivas, enquanto que as que tm boas prticas so as mais competitivas. Isto verdade quer considerando s as empresas em Portugal, quer misturando as empresas dediferentes pases.

    Uma outra pista que aponta para a m gesto vem da observao do desempenho dasmultinacionais americanas. Mesmo num pas onde as prticas de gesto nas empresas sua voltaso muito ms, a multinacional consegue implementar uma boa gesto e ser muito maisprodutiva do que as empresas nacionais. No h nada de inato ou cultural que torna os habitanteslocais ineficientes. So, simplesmente, mal geridos.

    O que fazer acerca desta problema? Ao contrrio dos problemas na educao, a tentaode culpar governos e polticos tem de ser contida neste caso. Afinal, a pior resposta a esteproblema seria ver o Estado interferir na forma como as empresas so geridas. No s os agentesdo Estado no so especialistas em gesto, como tambm na implementao realidade decada empresa que est normalmente o segredo, e nestes micro-detalhes que a intervenopblica usualmente resulta pior.

    Tal como no caso da educao, a resposta tem de vir necessariamente da sociedade comoum todo. Uma parte imprescindvel passa pela reforma profunda do cdigo do trabalho e dosistema de justia que, por vezes, parecem desenhados para sabotar o normal funcionamento dasempresas e os seus sistemas naturais de sancionamento de funcionrios. No entanto, so tantas asrazes para mudar de alto a baixo o nosso sistema de justia, e tantas as vozes que o dizem htempo sem que nada, nunca, de substancial seja feito, que difcil estar optimista.

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    Felizmente, os dados apontam para uma alternativa mais exequvel. Olhando no apenaspara a mdia das prticas de gesto, mas para toda a distribuio, salta vista que h umaenorme disperso nas praticas de gesto. Algumas empresas portuguesas so to bem (ou mesmomelhor) geridas do que empresas equivalentes noutros pases. A maior parte da diferena entrePortugal e outros pases est antes no fundo da distribuio. Ou seja, no que o topo 25% das

    empresas em Portugal seja gerido de uma forma assim to diferente das suas congneres noutrospases. Antes, so as empresas no fundo da distribuio que, no s so mal geridas, mas somuito piores do que as piores empresas nos outros pases.

    Estes factos sugerem uma sada para o problema: deixar a concorrncia fazer o seutrabalho. As empresas mal geridas so tambm empresas pouco produtivas. Se o mercadofuncionasse, elas deveriam ir falncia abrindo o caminho para empresas mais eficientes. Alis,nem preciso que estas ms empresas vo falncia. Basta a ameaa de isso acontecer para lhes

    dar os incentivos para melhorar a sua gesto.

    H muitas formas de aumentar a concorrncia em Portugal. Reforar os poderes daAutoridade da Concorrncia um dos mais bvios. (Embora, isso passe novamente por umsistema judicial mais clere e eficaz.) Reduzir os custos e tempo necessrio para abrir empresas eobter as licenas necessrias outro. Uma terceira medida passa por limitar a interveno doministrio da economia na salvao de empresas: removendo o risco de falncia remove-se oincentivo para uma boa gesto. O desemprego que resulta do encerramento de uma fabrica

    doloroso no curto prazo, mas a longo prazo mais custoso continuarmos pobres numa economiarecheada de maus gestores. E, por fim, preciso ter coragem para lutar no dia a dia contra osgrupos de interesse.

    Se Portugal pobre por ser pouco produtivo, a raiz deste problema est na m gesto dasempresas portuguesas. Uma soluo melhorar a qualidade dos nossos gestores. Esta soluovem aliada com o enfse na educao na seco anterior. Uma maior qualidade de ensinoproduzir tambm melhores gestores. Mas, para isso, preciso tambm que estes melhoresgestores possam competir, em termos justos, com os maus gestores instalados.

    Concluso

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    No h solues fceis para os problemas econmicos do pais. Estagnar durante dez anosno resultado de problemas em apenas uma industria especifica, de uma qualquer polticaerrada, ou de um azar aqui ou ali. So conhecidos h muito anos os problemas estruturais dopais, que passam pela justia, pelo mercado de trabalho, e pelo excessivo peso do Estado.

    A contribuio deste ensaio foi tentar quantificar quais so as causas prximas do atrasoportugus e da estagnao no sculo XXI. Os dados apontam para as deficincias na educao,com especial enfse para a baixa qualidade das escolas, e para a falta de produtividade dosportugueses, notando em particular as fracas prticas de gesto. Os portugueses trabalham muitoe investiram no passado o suficiente para ter os equipamentos necessrios, mas falta-lhescompetncias para produzir mais riqueza com estes meios.

    preciso, por isso, fazer mais com o que j temos. Como? Este ensaio aponta duasprioridades. Primeiro, melhorar a qualidade do que ensinado nas escolas. No basta tentaraumentar os anos que os portugueses passam na escola. To ou mais importante fazer maisdurante esses anos. Segundo, melhorar a qualidade da gesto em Portugal, para que nasempresas, os portugueses possam ver o seu esforo melhor organizado e recompensado. Temosde fazer mais com as muitas horas passadas no local de trabalho. Ou seja, numa frase, precisofazer mais com os portugueses.

    Apndice

    Designando o PIB total de um pas por Y, em unidades PPP, a premissa por trs dosclculos nas tabelas que existe uma funo de produo agregada: ! ! !!!!!!!!!!. Asvariveis so:A, produtividade,Kcapital fsico, hcapital humano,Lhoras de trabalho,Nnmerode trabalhadores, P populao e y produto por hora. O parmetro ! igual a 1/3. Adecomposio na tabela 1 :

    !

    ! ! !!

    !

    ! !

    !

    ! !

    A decomposio na tabela 2 :

    ! !!

    !

    !!!!!!!

    !!!!!!!!!!!.

    Para mais explicaes sobre esta metodologia, ver o trabalho recente de Hsieh e Klenow. Porfim, o capital humano construdo usando a expresso:

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    ! ! !"#!!!! !!!!.

    Nesta expresso, Sso os anos mdios de escolaridade na populao com mais de 25 anos, e wo retorno de um ano a mais de escolaridade, como explicado no texto.

    Os dados vm das bases: Penn World Tables, Barro-Lee, e AMECO.

    Referncias

    Hsieh, Chang-Tai e Peter J. Klenow (2010). Development Accounting. American EconomicJournal: Macroeconomics, 2, 207-223.

    Schoellman, Todd (2010). Education Quality and Development Accounting. Arizona StateUniversity, unpublihsed manuscript.

    Bloom, Nick S. and John Van Reenen (2010). Human resource management and productivity.In: Ashenfelter, Orley and Card, David, (eds.)Handbook of labor economics. Elsevier.