11 de setembro. onze minutos, nove segundos...

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ANDRE LUIS AQUINO DA SILVA 11 DE SETEMBRO. ONZE MINUTOS, NOVE SEGUNDOS E UMA IMAGEM Um estudo da produção de imagens do atentado de 11 de setembro de 2001 SÃO PAULO 2015

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  • UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

    ANDRE LUIS AQUINO DA SILVA

    11 DE SETEMBRO.

    ONZE MINUTOS, NOVE SEGUNDOS E UMA IMAGEM

    Um estudo da produção de imagens do atentado de 11 de

    setembro de 2001

    SÃO PAULO

    2015

  • ANDRE LUIS AQUINO DA SILVA

    11 DE SETEMBRO.

    ONZE MINUTOS, NOVE SEGUNDOS E UMA IMAGEM

    Um estudo da produção de imagens do atentado de 11 de

    setembro de 2001

    Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.(a) Sheila Schvarzman.

    SÃO PAULO

    2015

  • Silva, André Luis Aquino da 11 de Setembro. Onze minutos, nove segundos e uma imagem. Um estudo da produção de imagens do atentado de 11 de Setembro de 2001 / André Luis Aquino da Silva. – 2015. 63f; 30 cm. Orientadora: Dr.(a) Sheila Schvarzman. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2015. Bibliografia: f.58-62.

    1. 11 de Setembro. 2. Imagem. 3. Imaginário. 4. Midiatização. I. Título.

  • ANDRE LUIS AQUINO DA SILVA

    11 DE SETEMBRO.

    ONZE MINUTOS, NOVE SEGUNDOS E UMA IMAGEM

    Um estudo da produção de imagens do atentado de 11 de

    setembro de 2001

    Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.(a) Sheila Schvarzman.

    Aprovado em ----/-----/-----

    Nome do orientador

    Nome do convidado

    Nome do convidado

  • DEDICATÓRIA

    Dedico este trabalho aos meus familiares e

    professores.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeço aos meus familiares, em especial a minha esposa; sem ela não seria

    possível concluir este mestrado. À professora Sheila, que teve paciência e respeito,

    em todo o desenvolvimento do trabalho.

  • RESUMO

    O 11 de Setembro vem sendo considerado o marco cronológico do início do século XXI, por suas múltiplas significações. Dentre elas, o confronto material, mas sobretudo visual e simbólico entre o Oriente e o Ocidente, no coração daquela que se constrói como a mais desenvolvida e midiática potência ocidental: os Estados Unidos. No presente estudo, identificaremos no filme 11’09”01 (Onze minutos, nove segundos e uma imagem), projeto do francês Alain Brigand, com 11 diretores que produziram curtas de 11 minutos, um ano após o atentado, de que forma abordaram e reconstruíram este evento. Serão alvo do estudo, portanto, imagens produzidas sobre o atentado terrorista ao World Trade Center (11 de Setembro de 2001), focando em três filmes: o britânico Ken Loach, que compara o evento norte-americano à derrubada do governo Allende em 1973, em um outro 11 de setembro; o do israelense Amos Gitai, que apresenta um atentado em Israel no mesmo dia, e as questões midiáticas ali envolvidas; e o do americano Sean Penn, que retrata o cotidiano de um viúvo. Dessa forma, observaremos como imaginários e representações são convocados e dialogam com o evento maior, em seus aspectos históricos, socioculturais e cinematográficos, e que diálogos propõem aos espectadores de suas produções.

    Palavras-chave: 11 de setembro. Imagem. Imaginário. Midiatização.

    Representações. Espetacularização.

  • ABSTRACT

    September 11th has been considered the chronological landmark in the beginning of the XXI century, for its multiple meanings. Among them, the material confrontation, but rather the visual and symbolic confrontation between the East and the West, in the heart of the nation built as the most developed and Western mediatic power: the United States. In this study, we will identify on the film 11'09 "01 (eleven minutes, nine seconds and a image), a France production project by Alain Brigand, together with 11 directors who has produced, a year after the attack, short movies with 11 minutes, and how they have addressed and rebuilt that event. This study will focus on the images produced on the terrorist attack to the World Trade Center (September 11, 2001), focusing on three films: the British Ken Loach, which compares the US event to the depose of the Allende government in 1973 in a forgotten September 11th; the Israeli Amos Gitai, which presents an attack in Israel the same day, and mediatic issues involved there; and the American director Sean Penn, who focus the daily life of a widower. Thus, we look at how imaginary and representations are called and dialogue with the biggest event in its historical, cultural and cinematographic aspects, and what dialogues they propose to their productions viewers.

    Keywords: September 11th. Image. Imaginary. Mediatization. Representations.

    Spectacularization.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CNN- Cable News Network (canal a cabo de notícias norte-americano)

    WTC- World Trade Center

    ICA- Institute of Contemporary Arts (Londres)

  • SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

    1 CAPÍTULO I: O 11 DE SETEMBRO .............................................................. 13

    1.1 11 de Setembro: O evento ....................................................................... 13

    1.2 A transmissão dos Atentados: Espetáculo Midiático ................................ 15

    1.2.1 Imagens que marcaram o mundo ...................................................... 17

    1.3 Um outro 11 de Setembro ou a História reprimida: o Chile .................... 23

    2 CAPÍTULO II: CULTURA DE MÍDIA E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO ....... 28

    2.1 Midiatização ............................................................................................. 28

    3 CAPÍTULO III: REALIDADES HISTÓRICAS, REPRESENTAÇÃO E CINEMA

    ...................................................................................................................... 33

    3.1 Cinema e História ................................................................................... 33

    3.2 O projeto “11 minutos, 09 segundos e 01 imagem” ............................... 36

    3.2.1 Ficha técnica ....................................................................................... 36

    3.2.2 Sobre o filme ...................................................................................... 37

    3.2.3 Descrição dos curtas ........................................................................ 39

    3.2.3.1. Ken Loach ............................................................................... 39

    3.2.3.2. Amos Gitai ............................................................................. 45

    3.2.3.3. Sean Penn .............................................................................. 49

    CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 54

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 58

  • INTRODUÇÃO

    O atentado de 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, vem sendo

    considerado um marco histórico do início do século XXI, por seu caráter de ruptura e

    choque entre Ocidente e Oriente, e por sua eclosão construída como evento midiático

    espetacular, para a sua veiculação e reprodução incessante na mídia. No entanto,

    nessas imagens, se vê um cuidado imediato em ocultar os corpos dos milhares de

    mortos. Apesar das várias operações de resgate, do papel ressaltado dos bombeiros,

    ao contrário da imagem paradigmática das torres desmoronando, não temos na

    memória, e não conhecemos ainda, nenhuma imagem feita com os feridos e mortos.

    Mas, elas certamente existem e, talvez, daqui a cinquenta anos, sejam conhecidas.

    Desta forma, desde a sua concepção, o evento terrorista se constitui como uma

    guerra de imagens, na qual os serviços de inteligência americanos souberam, no ato,

    controlar a divulgação de imagens do horror, exceto aquelas que se repetiram

    indefinidamente naquele dia e nos subsequentes. A partir deste momento,

    produziram-se alguns documentários, programas de televisão, imagens com

    bombeiros e outros heróis, que o evento produziu e consagrou.

    Paulo José Cunha (2001) 1 menciona a transmissão dos atentados de 11 de

    setembro, dizendo que a televisão tem o estranho poder de fazer a face do

    telespectador praticamente roçar a face da realidade e, ao mesmo tempo, provocar

    uma sensação de ficcionalização do fato real, o que segundo ele, gera um estado de

    alheamento, um autismo crítico que amortece a explosão emocional imediata,

    sobretudo quando o fato aparece na tela sob forma de catástrofe.

    O jornalista cita ainda o fato de o que a tela da tevê exibiu durante a terça-feira

    de 11 de Setembro não parecia cinema, era cinema, e as imagens foram tratadas

    pelos narradores como tal. Destaca que é curioso verificar o tom da narração dos

    âncoras das principais televisões do mundo, ante as primeiras imagens que chegaram

    às telas; as exclamações só atingiam o espetáculo.

    1 Artigo publicado no portal www.observatoriodaimprensa.com.br, em 19/09/2001, a respeito dos

    atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque. (acesso em março/2014)

    http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

  • Só depois alguém começou a se lembrar que ali dentro e em volta haviam pessoas, filhos de pessoas, cachorros, bocejos de sono, tíquetes de metrô e gente cheirando a loção de barba no início de uma manhã nova-iorquina como qualquer outra. (CUNHA, 2001)

    Cunha (2001) diz ainda que os autores do atentado poderiam atingir muito mais

    vidas humanas se tivessem produzido uma explosão em local de grande densidade

    populacional. Contudo, não teria o efeito desejado. O alvo, segundo o jornalista, não

    foi o World Trade Center, mas o que este representa, mirou-se o símbolo, e não o

    prédio. O avião não acertou apenas um fantástico edifício-símbolo do poder

    econômico norte-americano, e sim o olho da câmera de televisão, e a subsequente

    atenção de milhares de telespectadores pelo mundo.

    Um ano depois dos acontecimentos começam a surgir projetos para dialogar,

    compreender e pensar as consequências e reverberações desse fato fundamental.

    Um deles foi o documentário 11 minutos, 09 segundos e 01 imagem (Alain Brigand,

    2002), com diretores de 11 países diferentes. O foco deste estudo será identificar

    como esses diretores representaram o evento de 11 de Setembro e o que tiraram dele,

    a partir de diferentes olhares.

    Dentre os 11 filmes, que reúnem diretores como o francês Claude Lelouch,

    Youssef Chahine (segmento Egito), Amos Gitai (segmento Israel), Alejandro González

    Iñárritu (segmento México), Shohei Imamura (segmento Japão), Ken Loach

    (segmento Reino Unido), Samira Makhmalbaf (segmento Irã), Mira Nair (segmento

    Índia), Idrissa Ouedraogo (segmento Burkina-Faso), Sean Penn (segmento Estados

    Unidos) e Danis Tanovic (segmento Bósnia-Herzegovina), selecionamos os filmes de

    Sean Penn, Amos Gitai e Ken Loach.

    Seja pela importância e o significado individual de cada um desses filmes, seja

    pelas realidades históricas e socioculturais que enfocam, bem como o tratamento

    cinematográfico que cada diretor utiliza, nos incitam a compreender aquilo que

    representam e de que forma dialogam com o evento que evocam. Pode-se ainda

    justificar a escolha dos três curtas uma vez que Sean Penn é um diretor norte-

    americano, e retrata do local em que o fato ocorreu; o de Amos Gitai, diretor

    israelense, que trabalha com um atentado terrorista em Israel abordando o seu caráter

    midiático; e o de Ken Loach, diretor britânico que traz a lembrança de um outro 11 de

    Setembro, o do Chile em 1973.

  • A metodologia hipotético/dedutiva se desenvolveu de forma a relacionar o

    evento aos filmes produzidos um ano depois, destacando os processos históricos e

    socioculturais que se desenvolveram e que vemos se reproduzir, refletir, pensar e

    criticar, nas imagens produzidas pelos curtas. A pesquisa bibliográfica e documental

    a respeito do 11 de Setembro e suas repercussões imediatas também foi mobilizada,

    de forma a embasar os temas e realidades a serem abordados neste estudo. A partir

    disto, são as imagens dos filmes selecionados que nos remetem aos seus processos

    históricos e sócios culturais, em suas relações com o 11 de Setembro norte

    americano, em 2001.

    O trabalho será estruturado da seguinte forma: No capítulo I, abordaremos

    sobre o 11 de Setembro de 2001, dados do evento, e sua transmissão na mídia. Além

    disso, mencionaremos outro 11 de Setembro, o Golpe Militar que derrubou o governo

    de Salvador Allende, em 1973, no Chile, tema do curta de Ken Loach.

    No Capítulo II, trataremos do caráter midiático do atentado em Nova Iorque,

    considerado até mesmo uma nova forma de terrorismo, um terrorismo

    contemporâneo, ao adequar-se às inúmeras ferramentas de comunicação e de

    informação, que possibilitaram a transmissão de dados simultaneamente ao mundo,

    em tempo “real”. E, devido a esta midiatização do fato, trataremos também o conceito

    de midiatização, sociedade midiatizada e a cultura do espetáculo na sociedade atual.

    No capítulo III, o cinema como documento da história será abordado, bem como

    as possíveis “outras histórias” e “contra histórias”, presentes nas imagens

    cinematográficas. A partir disto, os filmes selecionados serão observados em maiores

    detalhes.

    Nos embasaremos nos conceitos discutidos em outros capítulos, e

    avaliaremos o foco de cada filme e o tipo de relação que estes estabelecem com o

    acontecimento matriz, quais as críticas e diálogos que proporcionaram, procurando

    pensar, por fim, o que esse evento fortemente midiatizado suscita e introduz .

  • CAPITULO I

    O 11 DE SETEMBRO

    1.1. 11 DE SETEMBRO DE 2001: O EVENTO

    Nosso ponto de partida será mostrar de que forma o evento ocorreu e como foi

    apresentado pela mídia. A partir daí, discutiremos em capítulos posteriores as

    relações que se estabeleceram entre a produção dos curtas-metragens selecionados

    para o estudo e o evento.

    O ataque ocorreu por volta das 08:45 horas da manhã (horário de Brasília), do

    dia 11 de Setembro de 2001, quando a aeronave do voo 175 da American Airlines se

    chocou contra a torre norte do World Trade Center, em Nova Iorque. Cerca de quinze

    minutos depois, outra aeronave, a do voo 11 da United Airlines, que também iria de

    Boston para Los Angeles, bate contra a torre sul do complexo. O choque, aliado ao

    incêndio causado pelo combustível dos aviões, causou uma explosão e o colapso na

    estrutura dos prédios. Numa manhã de terça-feira, as duas torres, as mais altas da

    cidade, símbolos do poderio americano, desabaram provocando a morte de cerca de

    três mil pessoas, além de pânico na cidade e estupefação global, uma vez que foi

    transmitido ao vivo pela televisão.

    Além destes, um terceiro avião, o do voo 77 da American Airlines de

    Washington, com destino a Los Angeles, foi lançado sobre o Pentágono, sede da

    defesa norte-americana, por volta das 10:40h.

    Por fim, às 11 da manhã, o avião do voo 93 da United Airlines, que saíra de

    Nova Jersey com destino a São Francisco, caiu perto de Pittsburgh, na Pensilvânia.

    O que ocorreu neste voo ainda não se sabe, mas a hipótese mais aceita é que os

    passageiros tenham tentado impedir os pilotos de chegarem ao provável destino: a

    Casa Branca, em Washington, tema inclusive de um filme que desenvolve esse

    argumento (Voo 93, de 2006, dirigido por Peter Markle).

    Após os atentados, uma série de investigações, por parte do governo norte

    americano, levou à conclusão de que tais atos haviam sido cometidos por terroristas

    de origem árabe, cujo plano fora cuidadosamente planejado. Estes teriam entrado

    legalmente no país, tendo aulas de defesa pessoal e pilotagem, com pelo menos um

  • ano de antecedência. Eles sequestrariam quatro aviões comerciais de empresas

    norte-americanas, para lançá-los contra os principais símbolos norte-americanos.

    As autoridades dos Estados Unidos apontaram o saudita Osama Bin Laden,

    líder da rede terrorista Al-Qaeda, como o mentor intelectual do golpe. Bin Laden, que

    já era procurado pelos EUA sob acusação de ter planejado os atentados contra o

    destroyer USS Cole e às embaixadas dos Estados Unidos no Quênia e na Tanzânia

    (em agosto de 1998), tornou-se inimigo nº 1 do país. O terrorista, que usava o

    Afeganistão como base para suas operações, nunca assumiu diretamente o ataque

    de Setembro, mas apareceu em vídeos, de autenticidade questionada pelas

    autoridades americanas, comemorando o feito.

    O que levaria a um ato terrorista como o de 11 de Setembro? Pode-se dizer

    que a estratégia foi justamente atacar a imagem do capitalismo norte-americano – as

    “Torres Gêmeas”, e transmitir ao mundo, ao vivo (graças à alta tecnologia dos meios

    de comunicação), o símbolo do império ruindo. As espetacularizações da mídia

    tornaram o evento semelhante a filmes catástrofe de Hollywood, com os clichês das

    produções norte-americanas voltando-se contra eles mesmos. Assim, certamente, a

    mídia era também o alvo de Osama Bin Laden.

    Acerca disso, Thierry Meyssan (2003 p.07) afirma que os acontecimentos de

    11 de Setembro de 2001 foram seguidos ao vivo por centenas de milhões de pessoas,

    “hipnotizadas” diante de seus televisores. O espanto diante da amplitude do ataque e

    o choque diante da gratuidade da violência deixaram os telespectadores

    “boquiabertos”, inclusive os comentaristas. A ausência de informações sobre a atitude

    das autoridades americanas, assim como a espetacular violência das imagens,

    levaram as redes de televisão a exibir incessantemente as mesmas imagens da

    colisão dos aviões contra o World Trade Center, e o desabamento das torres.

    Chomsky (2002) comenta que, desde o século XIX, os Estados Unidos não

    sofriam um ataque em território nacional. Na chamada Guerra de 1812, a Inglaterra

    invadiu cidades dos Estados Unidos, inclusive a capital Washington D.C., em uma

    espécie de segundo conflito pela independência norte-americana. A vitória nessa

    guerra, de três anos de duração, é tida como uma grande incentivadora do patriotismo

    americano. Contudo, em 11 de Setembro de 2001, o ataque não era cogitado, pois

    não havia desavença prévia concreta, nem envolvimento militar direto. O atentado

    atingiu mais do que o coração financeiro dos Estados Unidos, abalou principalmente

    a alma patriótica do país.

  • O autor aponta ainda que os Estados Unidos são uma das culturas mais

    fundamentalistas do mundo, pois com sua cultura popular, como o cinema, a literatura,

    televisão e música, entretêm, influenciam e sensibilizam muitas pessoas no mundo.

    Enquanto produto midiático instantâneo, o próprio 11 de setembro se desenvolveu, nas coberturas ao vivo das emissoras de televisão, como marco da história contemporânea. Após o atentado, filmes, documentários e séries de televisão foram produzidos, tornando os desdobramentos e as consequências dos ataques parte da cultura popular norte-americana – e, no contexto da sociedade em rede, da cultura global. (CHOMSKY, 2002)

    De acordo com Baudrillard (2003), o acontecimento simbólico maior foi o

    desabamento das torres. Derrubar o emblema da potência, segundo ele, foi o triunfo

    da Al-Qaeda. O Ground Zero ou Marco Zero, como ficou conhecido o local antes

    ocupado pelas torres, é “um espaço em que impera sozinha uma imensa compaixão

    do povo norte-americano por si mesmo”. (BAUDRILLARD, 2003, p. 32).

    1.2. A TRANSMISSÃO DOS ATENTADOS: ESPETÁCULO MIDIÁTICO

    O 11 de Setembro, de acordo com Resende (2010, p.208), foi um

    acontecimento experimentado pessoal, visual, digital, virtual, global e

    simultaneamente, como nenhum outro evento da História. Sua transmissão e

    retransmissão, por inúmeras mídias, no mundo, tornou-o um marco na memória

    histórica e midiática.

    Vamos relembrar a apresentação que nos foi feita dos atentados de Nova York. Terça-feira, 11 de Setembro de 2001, às 8h50m, a rede de televisão de informação contínua CNN interrompe seus programas para anunciar que um avião comercial havia atingido a Torre Norte do World Trade Center. Como não tem imagens da catástrofe, ela retransmite na tela um plano fixo dos telhados de Manhattan que deixa ver espirais de fumaça saindo da Torre. (MEYSSAN, 2003, p. 25)

    Posteriormente, uma após a outra, as redes de televisão americanas

    suspendem seus programas para entrar com notícias ao vivo de Nova Iorque. Logo

    em seguida, um segundo avião comercial atinge a Torre Sul do World Trade Center,

    enquanto várias redes de televisão mostravam as imagens da Torre Norte em

  • chamas. Esse segundo impacto é, portanto, filmado sob diversos ângulos e visto ao

    vivo por milhões de telespectadores, o que causou um impacto global.

    Segundo Paulo José Cunha (2001), se o atentado terrorista do dia 11 em Nova

    Iorque e Washington tivesse ocorrido há 60 anos, provavelmente teria havido uma

    imediata reação de pânico coletivo, ao contrário da grande sensação de impotência e

    horror com que se comportou o mundo inteiro diante das telas de TV.

    Para ilustrar tal fato, Cunha cita Orson Welles, que em 30 de outubro de 1938,

    com a simples dramatização radiofônica da chegada dos marcianos, provocou um

    pânico assustador, com famílias entulhando as estradas, num tumulto que beirou o

    caos. Comparando com o atentado terrorista, que ao contrário, teve um efeito

    paralisante. As imagens eram reais, mas pode-se dizer, que de certo modo, evocaram

    no imaginário das pessoas cenas de um filme catástrofe, e não a possibilidade de algo

    verdadeiro. Entretanto, se houve pânico, ele não foi coberto pelas redes de TV, assim

    como os gritos das pessoas naquele momento, o que permitiu intensificar a sensação

    de ser um espetáculo filmado.

    De tudo o que se assistiu é possível tirar a conclusão de que o centro da ação não estava nas vítimas nem nos danos materiais – e sim na mídia. O espetáculo foi minuciosamente produzido para passar na televisão, criando, com o avião perfurando a segunda torre do WTC, a primeira imagem a simbolizar o novo século. Aquilo lá não parecia cinema. Era cinema. Com todos os efeitos especiais que só Hollywood é capaz de realizar. (CUNHA, 2001).

    Para Noam Chomsky (2002), o ataque de 11 de Setembro foi um evento

    histórico, mas não por suas dimensões de catástrofe. Segundo ele, em termos de

    escala, não foi algo incomum, por existirem outros crimes terroristas com efeitos mais

    duradouros e mais extremos. Mas, o 11 de Setembro foi um evento histórico,

    principalmente por ter ocorrido uma mudança: a direção em que as armas foram

    apontadas. Depois de muitos anos na História, têm-se os Estados Unidos como vítima

    de um atentado. E tal fato tornou-se muito mais notável devido a sua repercussão na

    mídia.

    O jornalista Nelson de Sá intitulou as transmissões dos atentados de “filme de

    guerra”, que duraram cerca de uma hora e meia, nas cronologias da CNN e da BBC,

    entre as cenas da primeira torre em chamas e a queda da segunda. De acordo com

    ele, na locução do “espetáculo”, ouvíamos: “A torre está caindo. Está no chão o World

  • Trade Center, um dos maiores símbolos do poder econômico dos Estados Unidos. O

    mundo está perplexo, parado diante da TV, vendo aquilo que ninguém podia

    imaginar.” (SÁ, Nelson de. Tv transmite, consciente, o espetáculo. Disponível em:

    acesso em março 2014)

    Para Vânia Vlach (2003), atos terroristas e o terror são tão antigos quanto às

    primeiras civilizações, contudo, não apenas se revestiu do Novo em relação ao alvo

    dos atores que o desencadearam, mas, também, em relação às suas características

    básicas. Ela afirma que, em outras palavras:

    [...] hoje, esse fenômeno é indissociável da mídia, uma mídia também globalizada, de sorte que os atos terroristas expõem (ou vendem?) o espetáculo proporcionado por dramas humanos, tal como a destruição material ocorrida no território norte-americano, mas, sobretudo o drama da morte de milhares de pessoas, cujas vidas se desmancharam no ar” e/ou se “desmancharam” em cinzas, em uma bela manhã de verão, [...] utilizando-se de “veículos” das próprias vítimas (as empresas de aviação). (VLACH, 2003, p.65).

    1.2.1. Imagens que marcaram o mundo

    As primeiras imagens a serem captadas pelas emissoras de televisão foram a

    partir da aproximação do segundo avião às Torres Gêmeas, tendo já como cenário a

    Torre Norte em chamas. Grande parte das emissoras de vários países que

    transmitiram o atentado restringiram as imagens ao World Trade Center, ao símbolo,

    colocando em segundo plano as milhares de vítimas, as reações dos governantes,

    transformando a notícia em uma produção tipicamente cinematográfica.

    http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

  • Figura 1 Momento em que o Boeing se aproxima da torre sul do WTC.

    Foto: Seth McCallister/AFP/VEJA Fonte: Galeria Revista Veja (online), 2011. disponível em:

    acesso em novembro 2014.

    http://veja.abril.com.br/multimidia/galeria-fotos/nova-york-11-de-setembro-de-2001/

  • Figura 2 Momento após a colisão do Boeing na torre sul do WTC.

    Foto: Spencer Platt/Getty Images/VEJA Fonte: Galeria Revista Veja (online), 2011. disponível em: acesso em novembro 2014. .

    http://veja.abril.com.br/multimidia/galeria-fotos/nova-york-11-de-setembro-de-2001/

  • Figura 3

    Vista de Manhatan logo após a queda das torres gêmeas do WTC.

    Foto: Hubert Boesl/dpa/Corbis/VEJA Fonte: Galeria Revista Veja (online), 2011. disponível em: acesso em novembro 2014.

    http://veja.abril.com.br/multimidia/galeria-fotos/nova-york-11-de-setembro-de-2001/

  • Figura 4 Destroços do World Trade Center após o ataque terrorista.

    Foto: Alex Fuchs/AFP/VEJA) Fonte:Galeria Revista Veja (online), 2011. disponível em: acesso em novembro 2014.

    Muitos fotógrafos e cinegrafistas (profissionais e amadores) registraram

    vítimas, bem como a ação dos bombeiros durante os salvamentos, e inúmeros outros

    fatos. Mas, desde o princípio, eles não foram usados. Houve certa censura da mídia

    (jornais, emissoras de televisão, internet) e, possivelmente, do Departamento de

    Estado, uma vez que nos últimos anos começam timidamente a aparecer relatos ainda

    muito traumatizados de pessoas que estavam próximas aos prédios. No entanto, não

    aparecem novas imagens.

    Outra cena marcante, ainda durante a cobertura ao vivo do que acontecia, foi

    a de pessoas que se lançavam pelas janelas das Torres, em uma tentativa

    desenfreada de escaparem das explosões.

    http://veja.abril.com.br/multimidia/galeria-fotos/nova-york-11-de-setembro-de-2001/

  • Figura 5 Pessoa salta da torre norte, a primeira a ser atingida.

    Foto: Richard Drew/AP/VEJA Fonte: Galeria Revista Veja (online), 2011. disponível em: acesso em novembro 2014.

    Um dos poucos momentos em que se viu parte das vítimas ou o salvamento de

    alguns, pelos bombeiros – transformados em celebridades midiáticas e personagens

    dos melodramas habituais como em Torres Gêmeas (World Trade Center), filme de

    Oliver Stone (2006), um dos primeiros filmes de ficção sobre o doloroso tema.

    O atentado de 11 de Setembro possuiu um caráter simbólico e estratégico para

    os terroristas e parte da mídia, principalmente a americana, pois ambos utilizaram de

    imagens afim de “moldarem” seus discursos. Os terroristas, para mostrar ao mundo

    todo o “declínio” e a “ruína” do império americano e o seu próprio poder e astúcia em

    atacá-lo, provando sua vulnerabilidade. A mídia, utilizando as torres para construir a

    imagem dos Estados Unidos como vítima do terror e violência, e assim poder justificar

    os ataques ao Afeganistão e Iraque.

    E, justamente por ter tido este caráter fortemente simbólico e memorável

    globalmente que, após o atentado, vários filmes e documentários foram produzidos

    para retratar este que foi considerado o evento que inaugura o século XXI.

    http://veja.abril.com.br/multimidia/galeria-fotos/nova-york-11-de-setembro-de-2001/

  • O filme 11”09’01 (11 minutos, 09 segundos e uma imagem), objeto deste

    estudo, foi um exemplo, no qual 11 diretores de 11 países e culturas diferentes foram

    chamados para produzir curtas metragens, e dialogar com o fato, sob diferentes

    percepções.

    1.3. UM OUTRO 11 DE SETEMBRO OU A HISTÓRIA REPRIMIDA: O CHILE

    No filme coletivo 11’09”01, o cineasta britânico Ken Loach desloca a discussão

    do 11 de Setembro norte-americano para a discussão do 11 de Setembro chileno,

    ocorrido no ano de 1973. Um golpe de Estado em que Salvador Allende, presidente

    do Chile, eleito democraticamente, foi alijado do poder e destituído pelo exército

    comandado pelo general Augusto Pinochet, que toma o Palácio de La Moneda e leva

    o presidente ao suicídio. Um golpe que resultou na morte de trinta mil2 pessoas e

    milhares de desaparecidos e exilados, ao longo do regime militar. Como houve a

    participação efetiva e o apoio dos EUA, preocupados em derrotar processos

    revolucionários que colocavam em risco a sua hegemonia na América Latina, Loach

    recupera as imagens históricas do ataque atroz a La Moneda, que contou com a

    conivência e o devido ocultamento histórico e midiático dos Estados Unidos, e da

    mídia internacional em geral. A Guerra Fria, com seus blocos e antagonismos

    ideológicos marcavam esse período de forte autoritarismo, que se insurgia na Europa

    – Itália, Alemanha, entre outros. Nesse outro 11 de Setembro, Loach questiona quem

    são os terroristas.

    Sobre o acontecimento no Chile, logo nas primeiras horas da manhã, os

    militares tomaram a cidade de Valparaíso e interromperam a sua comunicação com o

    restante do país. O então presidente, Salvador Allende, faz um discurso por rádio à

    população, informando que os oficiais da Marinha tinham se rebelado em Valparaíso,

    mas declarou que a situação em Santiago era normal.

    Logo após, duas estações de rádio ligadas aos militares tocaram o hino chileno

    e passaram uma mensagem oficial de que as Forças Armadas haviam criado uma

    Junta Militar. Os membros da Junta eram o comandante do Exército, Augusto

    Pinochet, o comandante da Força Aérea, Gustavo Leight, o almirante José Torbirio

    2 Dados retirados do filme de Ken Loach, diretor britânico que participou do projeto “11 minutos, 09 segundos e

    01 imagem” (2001), a respeito do 11 de Setembro chileno, em 1973.

  • Merino e o general Cézar Mendoza. Naquele momento, os militares exigiam a

    renúncia de Allende. Este, em um novo pronunciamento, anuncia que não largaria o

    posto e, posteriormente, os militares fizeram uma ameaça de invasão ao palácio

    presidencial.

    Foguetes disparados de dois aviões de guerra penetraram o segundo andar do

    La Moneda. Quando soube que os militares tinham tomado conta do país, Allende

    determinou a rendição do pessoal que resistia no La Moneda. No momento em que

    os militares entraram no palácio, ouviram-se dois tiros. Salvador Allende, o presidente

    do Chile, estava morto. E o país estava sob novo poder, uma ditadura que durou 17

    anos. Com o término da ditadura de Pinochet, Allende teve um funeral com honras

    militares, em 1990, no Cemitério Geral de Santiago.

    Para Anibal Quijano (2004), a decisão dos Estados Unidos em apoiar este

    golpe militar no Chile, então sob condução do presidente Richard Nixon e do

    Secretário de Estado Henry Kissinger, vem desde a campanha eleitoral, quando se

    buscava impedir a eleição de Allende e destruir o regime da Unidade Popular que este

    presidia. Isto não foi somente resultado da pressão das empresas norte-americanas,

    afetadas pela política de nacionalizações, nem das disputas hegemônicas com a

    União Soviética durante a “Guerra Fria”. Um regime como o de Allende, que era

    resultado do desenvolvimento de um movimento político-social, e que era acolhido

    pelos trabalhadores e socialistas como alternativa possível ao “socialismo real”, na

    visão imperialista de Kissinger, não poderia continuar. Ele já percebia os sinais de

    uma crise mundial, e os riscos da proposta de Allende para o poder capitalista mundial,

    e, principalmente para a hegemonia dos Estados Unidos.

    Hegemonia que ultrapassa o caráter político-social, e se sustenta na

    modelagem das transmissões da mídia a respeito de alguns fatos, como o 11 de

    Setembro norte-americano. Dessa forma, o filme de Loach, certamente o mais

    politizado dos 11 curtas, discute não somente a hegemonia simbólica do novo 11 de

    Setembro, enquanto recupera as igualmente dolorosas e arbitrárias imagens de 1973.

    O “11 de Setembro chileno” se apresenta ainda com uma profunda carga simbólica, tanto para os opositores do regime quanto para seus defensores. Para os primeiros, a data caracteriza a interrupção de uma experiência única no Chile e na América Latina, enquanto para outros significa o início da reconstrução do país através de uma obra transformadora, de sucesso e que salvou a sociedade chilena. Percebendo esse simbolismo, o governo de Pinochet – salvaguardado

  • institucionalmente pelas Forças Armadas chilenas e respaldado por setores da sociedade -, buscou impedir, com relativo sucesso, o desenvolvimento de um relato negativo acerca do que aconteceu nessa data e a partir dela. (MENDES, 2013, p.184)

    Arlindo Machado (2011) reflete sobre a escolha da data dos atentados pelos

    perpetradores. Vários acontecimentos trágicos no mesmo dia são descritos por ele.

    Em 1857, acontece o chamado “massacre do 11 de Setembro” nos EUA. Nessa

    data, 150 colonos em Montain Meadows, perto de St. George (estado de Utah) são

    assassinados por mórmons radicais.

    Em 11 de Setembro de 1971, morre o líder soviético Nikita Khruchtchëv, que

    sucedeu Stalin depois da morte deste e iniciou uma série de reformas que muitos

    consideram progressistas na então chamada URSS3, com o desmonte da polícia

    política (KGB)4 e algumas promessas de liberdade e democracia. O acontecimento

    mais polêmico foi quando Kruchtchëv acusou Stalin de ter cometido o maior genocídio

    da história da União Soviética e iniciou um dossiê mostrando os crimes do ditador

    durante seu governo. Kruchtchëv foi afastado do poder por causa de suas denúncias

    e por incriminar gente que ainda estava viva, para dar lugar a Leonid Brejnev. Acredita-

    se que a sua morte em 11 de Setembro não tenha sido “natural”.

    Em 11 de Setembro de 1969, a Junta Militar brasileira edita o Ato Institucional

    número 15, que depõe o marechal Costa e Silva e coloca em seu lugar o general

    Garrastazu Médici, de linha dura e tendência de extrema direita. Logo em seguida,

    (no dia 19 de Dezembro) morre o marechal Costa e Silva, e sua morte também não é

    considerada “natural”. Dentro das restritas regras hierárquicas do exército, o poder

    máximo só pode ser exercido pelo militar de mais alta patente, no caso, um marechal.

    Mas, na época, só existiam dois marechais em condições de governabilidade (Castelo

    Branco e Costa e Silva), enquanto que o exército queria alguém de punho mais forte,

    uma espécie de Pinochet brasileiro, como era o caso do general Médici. Então, era

    preciso eliminar os marechais para que os generais pudessem governar.

    3 União das Repúblicas Socialistas Soviéticas ou simplesmente União Soviética ,foi um Estado socialista localizado na Eurásia que existiu entre 1922 e 1991. Uma união de várias repúblicas soviéticas subnacionais, a URSS era governada por um regime unipartidário altamente centralizado comandado pelo Partido Comunista e tinha como sua capital a cidade de Moscou

    4 Comité de Segurança do Estado. Esta era a principal organização de serviços secretos da União

    Soviética, que desempenhou as suas funções entre 1954 e 1991.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_socialistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_socialistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Eur%C3%A1siahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_pol%C3%ADticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblicas_da_Uni%C3%A3o_Sovi%C3%A9ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblicas_da_Uni%C3%A3o_Sovi%C3%A9ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Unipartidarismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Comunista_da_Uni%C3%A3o_Sovi%C3%A9ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Moscouhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Sovi%C3%A9ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Sovi%C3%A9ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/1954http://pt.wikipedia.org/wiki/1991

  • Quantos não foram os 11 de Setembro, e porque priorizar um acontecimento a

    outro? Arlindo Machado (2011, p.63) acredita que se trata de uma questão de agenda

    setting (agendamento). Uma ideia que foi formulada nos anos de 1970, por Maxwell

    McCombs e Donald Shaw (1977), dizendo que o agendamento era uma hipótese

    sobre como a mídia funciona, mas as teorias da comunicação estenderam a ideia e a

    transformaram em teoria. Segundo esta, a mídia nos impõe os seus temas,

    determinando a pauta de discussão e o que a opinião pública discutirá em seguida.

    Certos temas serão colocados em ordem de prioridade, outros ocuparão nela um lugar

    menor e secundário, e outros serão descartados, porque são considerados de menor

    importância. Portanto, a mídia tem a função de pautar os assuntos que serão

    discutidos na esfera pública, não necessariamente dizendo como as pessoas devem

    pensar, mas, sobretudo, sobre o que elas devem pensar.

    Os profissionais da mídia (sobretudo os seus chefes, diretores e proprietários)

    funcionam como gatekeepers (vigias) da informação, que decidem o que vai ser

    noticiado ou transmitido e o que não; por consequência, o que grande público estará

    discutindo ou não.

    Machado (2011, p.64) cita ainda o 11 de Setembro de 2001 como

    demonstração de que o fenômeno do agendamento é ambíguo, pois quem determina

    a pauta nem sempre é apenas a mídia, mas também forças políticas. Segundo ele,

    eventos como o 11 de Setembro de 2001 revelam a fragilidade da própria mídia, que

    nem sempre consegue organizar as representações dos acontecimentos nas direções

    previamente elaboradas nas linhas editoriais das redações. Não por acaso, nas

    organizações midiáticas e instituições governamentais, há a discussão sobre se a

    imprensa e a televisão devem reportar ou transmitir atos terroristas, pois isso gera

    publicidade, visibilidade, eventualmente, até legitimidade a forças de contestação.

    Mas, ainda de acordo com Machado (2011), há o problema da perda de credibilidade,

    quando eventos de grandes proporções, presenciados ao vivo por massas imensas,

    são ignorados pela televisão e pela mídia, como por exemplo, as manifestações de

    massa da Campanha das Diretas em prol das eleições diretas, abafados sobretudo

    pela emissora Rede Globo, em 1984. O que significa que, em situações excepcionais,

    a agenda pública pode determinar a agenda midiática, mesmo que à revelia dos

    interesses desta.

    O que nos recoloca a questão de sempre: quem detém o poder político de

    condução e de representação dos grandes eventos? O 11 de Setembro americano

  • parece indicar que, a sobriedade e o respeito às vítimas e à morte se sobrepôs ao

    espetáculo midiático, por intervenção de agentes políticos do Estado. Centenas de

    pessoas perderam a vida no 11 de Setembro, e muitos acontecimentos sobre os

    resgates, a atitude das autoridades do governo americano foram suprimidos pelas

    imagens do choque dos aviões contra as torres. Muitos fatos e informações só vieram

    à tona muito tempo depois; os bombeiros tidos como heróis na tragédia, a justificativa

    da implantação da “guerra contra o terror”, a criação de “vilões” e “vítimas” do evento

    em Nova Iorque, entre outros.

  • CAPÍTULO II

    CULTURA DE MÍDIA E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

    Como vimos, a sociedade atual tem sido marcada pelo uso abundante de

    ferramentas de comunicação e divulgação de imagens, bem como uma grande

    espetacularização de fatos pela mídia, como o que constatamos no 11 de Setembro

    norte-americano. Nesse capítulo, passamos a estudar a cultura das mídias e a

    midiatização, de forma a compreender este fenômeno e suas interferências no

    contexto sociocultural contemporâneo.

    2.1. MIDIATIZAÇÃO

    Para Arlindo Machado (2011), os acontecimentos de 11 de Setembro de 2001

    são nitidamente intervenções na grande mídia, sobretudo na televisão, que desde o

    início transmitiu ao vivo as imagens da tragédia. Muitos consideram que até mesmo o

    atraso de 17 minutos entre um ataque e outro às Torres Gêmeas tenha sido proposital,

    pois o primeiro deveria atrair a mídia, e enquanto acontecesse o segundo ataque, a

    mídia já estaria no local para transmissão ao vivo. O caráter espetacular e quase

    hollywoodiano dos atentados evidenciam o propósito de seus autores de produzir um

    acontecimento para a televisão, um acontecimento midiático, que lhes desse

    notoriedade.

    Para Muniz Sodré (2006), este processo de midiatização refere-se à tendência

    à virtualização ou tele virtualização das relações humanas. A midiatização pode ser

    entendida como o funcionamento articulado das tradicionais instituições sociais com

    a mídia, e é objeto de pensamento da comunicação social contemporânea, uma vez

    que sustenta a hipótese de uma mutação sociocultural, centrada no funcionamento

    atual das tecnologias da comunicação.

    Há uma diferença entre o termo midiatização e mediação, que por sua vez

    distingue-se de interação, que é uma forma operativa do processo mediador.

    Mediação significa a ação de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes (o que

  • implica diferentes tipos de interação). A linguagem é, por isto, considerada mediação

    universal. (SODRÉ, 2006)

    Já midiatização é uma ordem de mediações socialmente realizadas – um tipo

    particular de interação, portanto, a que poderíamos chamar de tecnomediações –

    caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade

    sensível. Trata-se de dispositivo cultural, historicamente emergente no momento em

    que o processo da comunicação é técnica e mercadologicamente redefinido pela

    informação.

    Em entrevista a revista IHU Online (concedida em 2009, disponível em:

    acesso em agosto 2014), Sodré comenta que afirmar o efeito SIG

    (simultaneidade, instantaneidade e globalidade) da mídia não implica, em princípio,

    afirmar a sua capacidade de mudança profunda da vida das pessoas ou do rumo da

    sociedade. Implica sustentar que a aceleração temporal, por intervenção tecnológica

    nas coordenadas do espaço-tempo, altera modos de percepção e práticas correntes

    na mídia tradicional, logo, altera comportamentos e atitudes na esfera dos costumes,

    normalmente pautados pela mídia. Isto significa que está se gerando uma nova

    ecologia simbólica, com consequências para a vida social. (SODRE, 2009)

    A respeito dessas mudanças no comportamento da sociedade contemporânea,

    uma sociedade mais informatizada, e que vive este ambiente de simultaneidade,

    instantaneidade e globalidade, ambiente este criado e ampliado com as novas

    ferramentas da mídia, podemos citar o diretor Amos Gitai, que em seu curta no projeto

    11 minutos, 09 segundos e 01 imagem observa criticamente esta forma de utilização

    da mídia e o caráter espetacular da transmissão.

    Para Sodré (2006), outro ponto importante é o que chama de ethos midiatizado,

    que consiste em uma atmosfera afetiva (emoções, sentimentos, atitudes) em que se

    movimenta uma determinada formação social. O ethos midiatizado caracteriza-se pela

    manifesta articulação dos meios de comunicação e informação com a vida social.

    Passamos a acreditar naquilo que se mostra no espelho industrial.

    E com o imediatismo da informação nos dias de hoje, através das inúmeras

    ferramentas de comunicação e novas tecnologias, o espaço de tempo dedicado a

    reflexão sobre os fatos diminui, ou seja, a partir de uma informação teríamos a

    tendência a aceitá-la, dada a velocidade e pluralidade dos meios que a reproduzem.

    http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2476&secao=289http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2476&secao=289

  • Velocidade e pluralidade ainda mais ampliada com o advento de novas

    tecnologias, como a internet. Paul Virilio (1999) afirma que o século XX não foi o da

    imagem, como se pensa, mas, o da ótica e, sobretudo, da ilusão de ótica. Refere-se

    a crescente utilização deste canal de comunicação, e suas consequências na criação

    de uma cibercultura, no que ele chama de “bomba informática” – a interatividade da

    informação, que seria a 2ª bomba, após a atômica:

    Com efeito, a globalização em tempo real das telecomunicações, cujo modelo selvagem é a Internet, a revolução da informação revela-se como uma delação sistemática que provoca um fenômeno- pânico de boatos, suspeitas, o qual está prestes a minar as bases deontológicas da “verdade”, e, portanto da liberdade de imprensa, como todos puderam testemunhar, por exemplo, na atuação Internet no caso Clinton/ Lewinsky: dúvidas sobre a veracidade dos fatos enunciados/denunciados, manipulação descontrolada das fontes e, portanto, da própria opinião pública, que constituem outras tantas mostras de que a revolução da informação real é igualmente a da desinformação virtual e, pois, da história que está sendo escrita. (VIRILIO, 1999, p. 106)

    Com o advento da internet, a transmissão de dados simultâneos se tornou

    possível, em tempo “real” do acontecimento. O fato de poder assistir ao vivo a um

    acontecimento causa impressão de participação. Com base neste interesse cada vez

    maior das pessoas, chegou-se a ponto de disponibilizar na internet cenas de guerra

    ao vivo.

    O encanto por aquilo que é passível de visibilidade torna-se marcante na época

    contemporânea, e Vilém Flusser observa que:

    Tudo, atualmente, tende para as imagens técnicas: são elas a memória eterna de todo empenho. Todo ato científico, artístico e político visa eternizar-se em imagem técnica, visa ser fotografado, filmado, videoteipado. Como a imagem técnica é a meta de todo ato, este deixa de ser histórico, passando a ser um ritual de magia. (FLUSSER, 1985, p. 24).

    A respeito disso, e fazendo menção ao atentado de 11 de Setembro, Monica

    Kornis (2008) comenta que hoje temos o sentimento de que a história acontece neste

    exato momento, dado o acesso a informação sobre um acontecimento no instante em

  • que esta se desenrola. O atentado às Torres Gêmeas do World Trade Center, em 11

    de setembro de 2001, na cidade de Nova Iorque, visto enquanto ocorria, é

    paradigmático desse fenômeno. “E então o mundo foi levado ao mais terrível

    espetáculo do novo milênio, o ataque terrorista de 11 de setembro, que deflagrou a

    Guerra ao Terror.” (KELLNER, 2003. p.09)

    Vivemos uma cultura da mídia, que de acordo com Kellner (2003), promove

    espetáculos tecnologicamente ainda mais sofisticados para atender às expectativas

    do público. As formas de entretenimento invadem a notícia e a informação, e uma

    cultura tabloide, do tipo ‘infoentretenimento’ se torna cada vez mais popular. Segundo

    ele, a vida político-social também é cada vez mais moldada pelo espetáculo, e os

    conflitos sociais e políticos estão cada vez mais presentes nas telas da cultura da

    mídia, que apresentam casos sensacionalistas de assassinatos, bombardeios

    terroristas, violência, entre outros. A cultura da mídia não aborda apenas os grandes

    momentos da vida comum, mas proporciona material ainda mais farto para as

    fantasias e sonhos, modelando o pensamento, o comportamento e as identidades.

    (KELLNER,2003, p.05)

    O conceito de “sociedade do espetáculo”, desenvolvido pelo teórico francês

    Guy Debord (1967), descreve uma sociedade de mídia e de consumo, organizada em

    função da produção e consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais. Kellner

    (2003), baseado neste conceito, argumenta que espetáculos são aqueles fenômenos

    de cultura de mídia que representam os valores básicos da sociedade

    contemporânea, determinando o comportamento dos indivíduos e dramatizando suas

    controvérsias e lutas.

    Eles incluem extravagâncias da mídia, eventos esportivos, fatos políticos e acontecimentos que chamam muito a atenção, os quais denominamos noticia – fenômenos que têm se submetido à lógica do espetáculo e à compactação na era do sensacionalismo da mídia, dos escândalos políticos e contestações, simulando uma guerra cultural sem fim e o fenômeno atual da Guerra do Terror.(KELLNER, 2003. p.05)

    O evento de 11 de Setembro de 2001 possui este caráter midiático e

    midiatizado, e representa esta sociedade que vive em função da produção e consumo

    de imagens, de informações e “espetáculo”.

  • Acerca disso, Hobsbawn (2007) também comenta:

    [...] o alcance universal da televisão desde então fez com que as ações politicamente mais efetivas não mais fossem as que visavam diretamente os dirigentes políticos, e sim as que buscavam o máximo impacto na divulgação. Afinal, atos assim puseram fim à presença militar formal dos Estados Unidos no Líbano na década de 1980, na Somália na década de 1990 e, com efeito, na Arábia Saudita depois de 2001. Um dos sinais infelizes de barbarização está na descoberta, pelos terroristas, de que, sempre que tenha vulto suficiente para aparecer nas telas do mundo, o assassinato em massa de homens e mulheres em lugares públicos tem mais valor como provocador de manchetes do que todos os outros alvos das bombas, com exceção dos mais célebres e simbólicos. (HOBSBAWN, 2007, p. 131)

    O atentado às torres gêmeas conciliou os dois fatores citados pelo autor acima:

    um alvo muito simbólico e célebre, e um alvo para a mídia.

  • CAPITULO III

    REALIDADES HISTÓRICAS, REPRESENTAÇÃO E CINEMA

    3.1. CINEMA E HISTÓRIA

    Com o objetivo de embasarmos o estudo sobre os filmes produzidos um ano

    após o atentado ao WTC, do ponto de vista de suas relações com os aspectos

    socioculturais e históricos, além dos processos de midiatização que dizem respeito às

    formas como o próprio evento foi concebido e reproduzido nas mídias, abordaremos

    também os conceitos que tratam das relações entre o Cinema e a História. De que

    forma o cinema pode ser tomado como um documento histórico, de um determinado

    período e lugar, e de informação sobre o contexto histórico e social que observa. Ao

    mesmo tempo, é possível também observar a sua capacidade de produzir

    representações da história.

    De acordo com Marc Ferro (1992), na concepção dos historiadores do início do

    século XX, o filme não era considerado como documento histórico, porém servia para

    entender o contexto da época. Somente nos anos sessenta e setenta é que começou

    a se afirmar uma nova concepção, que admitia tratar a história enquanto processo, e

    utilizar o filme como documento.

    Foi a partir do momento em que os historiadores passaram a olhar o filme como

    algo além de expressão estética e de diversão, que se percebeu tal formato como

    registro histórico e agente transformador. A partir disto, o cinema passou a ser usado,

    também, como instrumento documental.

    Por outro lado, o cinema já era utilizado desde a Primeira Grande Guerra

    Mundial, para documentação visual sobre as batalhas e, sobretudo, sobre as

    condições dos inimigos. Eram vistos pelos generais para desenvolverem suas táticas,

    para permitir o conhecimento das armas dos inimigos e seus efeitos nas trincheiras

    adversárias. As imagens eram usadas também nos Cinejornais, que serviam para

    informar e infundir ânimo na retaguarda, junto à nação e aos seus aliados.

    A respeito disso, Ferro (1992) diz que é preciso considerar a história a partir

    das imagens, e não procurar nelas a confirmação ou a negação de um outro saber,

  • como o da tradição escrita, fazendo-se necessário associar o produto cinematográfico

    ao mundo que o produz.

    Sobre o aspecto de representamem, Vilém Flusser (1985), afirma que:

    Imagens são superfícies que pretendem representar algo. (...) As imagens são, portanto, resultado do esforço de se abstrair duas das quatro dimensões espácio-temporais, para que se conservem apenas as dimensões do plano. Devem sua origem à capacidade de abstração específica quer podemos chamar de imaginação. (FLUSSER, 1985, p. 13)

    Para o autor, a imaginação é a capacidade de fazer e decifrar as imagens, cujo

    significado encontra-se na superfície, e que pode ser captado por um passar de olhos.

    No entanto, o significado mais “aprofundado”, ou seja, a restituição das dimensões

    abstraídas pela representatividade é alcançado através de um scanning, como

    denomina o autor, que permite captar a estrutura da imagem e os impulsos do

    observador, resultando, portanto, numa interpretação das intenções do emissor.

    Neste estudo, identificaremos como os diretores dos curtas-metragens

    interpretaram e construíram imagens a respeito do evento, de cada contexto criado

    por eles. Na representação de Ken Loach, temos um fato histórico apagado (o 11 de

    Setembro chileno), do qual muitas pessoas não tinham imagens registradas. Imagens,

    para Flusser “são códigos que traduzem eventos em situações, processos em cenas.

    Não que as imagens eternalizem eventos; elas substituem eventos por cenas”. (1985,

    p.13)

    As imagens tornam-se, portanto, uma mediação entre o homem e o mundo,

    representando em sua superfície as ideias que devem ser desmembradas para sua

    compreensão, ou seja, dos fatos por elas traduzidos.

    Ferro (1992) ressalta ainda que a história pode ser escrita através do cinema,

    e, sendo assim, este é uma forma onde se observa um tipo de escritura histórica, e

    pode ser também um agente da história, não apenas um produto.

    Imagem ou não da realidade, o cinema é história e, dentro desta concepção,

    devem fazer parte também as crenças, intenções e, até mesmo, o imaginário humano.

    Da mesma forma que nos documentos escritos, nas películas, o pesquisador não

    consegue apreender imediatamente os significados intrínsecos contidos no filme, o

    que permite que encontre, também, seus conteúdos latentes ou mesmo aqueles que

  • escaparam ao seu realizador. E, assim, o filme transforma-se em documento, em fonte

    de conhecimento.

    O desejo de retratar a realidade sempre existiu, mas as técnicas anteriores à

    fotografia, como a pintura e a escultura, por exemplo, eram explicitamente carregadas

    da interpretação do artista. O fato de a fotografia ter a máquina como mediadora

    apresentou ao homem uma falsa ideia de impessoalidade.

    O cinema segue a mesma teoria, neste contexto da fotografia, pois ambos não

    expressam diretamente o que é real, justamente por não ser uma representação total.

    Mas, é o desenvolvimento e a captação, através da reprodução, que cria uma

    construção de fatos reais, criando a ligação entre a memória e o imaginário. Ao criar

    essa construção, a fotografia e o cinema são capazes de eternizar os eventos, ao

    transformá-los em cena.

    O caráter aparentemente não simbólico, objetivo, das imagens técnicas faz com seu observador as olhe como se fossem janelas e não imagens. O observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia em seus próprios olhos. [...] A aparente objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois na realidade, são tão simbólicas quanto o são todas as imagens. Devem ser decifradas por quem

    deseja captar-lhes o significado. (FLUSSER, 1985, p. 20)

    Para Ferro (1992, p.202), a possibilidade de o historiador buscar na imagem o

    que existe e o que não é visível no filme, ou não é conhecido da historiografia, é uma

    contribuição importante que pode trazer dados inéditos. Comenta ainda que, a

    imagem cinematográfica supera a ideia de ser apenas uma ilustração, e reafirma não

    ser somente confirmação ou negação da informação contida no documento escrito.

    Dessa forma, o filme trata de uma outra história, o que o autor chama de contra-

    história, o que possibilita uma contra análise da sociedade.

    (o cinema) destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo se tinha constituído diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar. Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus “lapsus”. É mais do que preciso para que, após a hora do desprezo venha a da desconfiança, a do temor (...). A ideia de que um gesto poderia ser uma frase, esse olhar, um longo discurso é totalmente insuportável: significaria que a imagem, as imagens (...) constituem a matéria de

  • outra história que não a História, uma contra análise da sociedade. (FERRO, 1992, p. 202-203).

    Como demonstração destas contra histórias, ou outras histórias, que

    encontramos nas produções cinematográficas, com uma visão fora das leituras oficiais

    a respeito de um evento histórico - como o 11 de Setembro, por exemplo - pode-se

    considerar o filme alvo de estudo 11 minutos, 09 segundos e uma imagem. Os curtas

    procuram trabalhar as inúmeras significações, leituras, o imaginário que se associa

    ao evento, através de narrativas ficcionais ou não, mediadas por seus próprios

    contextos socioculturais. Isto é que buscaremos identificar neste estudo: de que forma

    os diretores dos curtas selecionados representaram o evento de 2001 em Nova

    Iorque, e que visões produziram a respeito do fato retratado.

    3.2. O PROJETO: “11 minutos, 09 segundos e 1 imagem”

    3 .2.1. Ficha Técnica

    Gênero: Documentário

    Ano Lançamento: 2002

    Duração: 134 minutos

    Direção: Samira Makhmalbaf, Claude Lelouch, Youssef Chahine, Danis Tanovic,

    Idrissa Ouedraogo, Ken Loach, Alejandro González Iñárritu, Amos Gitai, Mira Nair,

    Sean Penn, Shohei Imamura.

    Sinopse:

    Um mesmo tema, sob diferentes perspectivas. Após os

    acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, o produtor artístico Alain

    Brigand pediu a 11 diretores que contribuíssem cada um, com um curta-

    metragem, para uma coletânea que seria exibida internacionalmente.

    Baseados nos fatos daquele dia, todos os realizadores tiveram liberdade

    artística para refletir sobre o atentado, obedecendo à duração de 11

    minutos, 9 segundos e 1 frame - ou 11'09''01.

  • Menos de um ano depois dos atentados, 11 de Setembro

    (11’09’’01) já havia sido exibido em diversos países do mundo, sendo

    um dos filmes mais procurados do Festival do Rio BR de 2002, e ganhou

    prêmio especial no Festival de Cannes 2002.

    3.2.2. Sobre o Filme

    No dia 11 de Setembro de 2001, o cineasta francês Claude Lelouch estava

    saindo de casa para montar seu último filme quando recebeu um telefonema do filho,

    pedindo para ele ligar a televisão e assistir ao que acontecia nos Estados Unidos. A

    tevê mostrava, ao vivo, o terror que se espalhou em Nova Iorque, quando aviões

    bateram e acabaram por derrubar as Torres Gêmeas do World Trade Center. O diretor

    contou que precisou de vários dias para acordar daquele pesadelo e conseguir voltar

    a montar seu filme.

    Lelouch é um dos onze diretores convidados pelo produtor artístico Alain

    Brigand, a participar de um projeto que reúne, em um único longa-metragem, onze

    curtas, que representam os acontecimentos daquele dia.

    Os outros dez diretores que participam do projeto são: Youssef Chahine

    (segmento Egito), Amos Gitai (segmento Israel), Alejandro González Iñárritu

    (segmento México), Shohei Imamura (segmento Japão), Ken Loach (segmento Reino

    Unido), Samira Makhmalbaf (segmento Irã), Mira Nair (segmento Índia), Idrissa

    Ouedraogo (segmento Burkina-Faso), Sean Penn (segmento Estados Unidos) e Danis

    Tanovic (segmento Bósnia-Herzegovina).

    O diretor Ken Loach recebeu o Prêmio dos Críticos Internacionais (Fipresci) Do

    Festival de Veneza por seu episódio no filme, que narra o 11 de Setembro de 1973,

    quando o presidente chileno Salvador Allende foi deposto do governo.

    A realizadora Idrissa Ouedraogo produziu uma comédia que se passa em

    Burkina Faso, onde meninos querem capturar o terrorista Osama Bin Laden para

    receber uma recompensa e com o dinheiro curar a mãe de um deles, que está doente.

    Já Samira Makhmalbaf mostra uma professora que tenta explicar o ataque a

    um grupo de crianças iranianas que vivem em uma realidade distante da americana.

    Shonei Imamura recorre às memórias japonesas da Segunda Guerra Mundial, e Mira

  • Nair mostra os problemas que os árabes e seus descendentes tiveram de enfrentar,

    depois do atentado em Nova Iorque.

    Danis Tanovic conta o episódio do dia 11 de Julho de 1995, quando ocorreu o

    massacre em Srebrnica. O israelense Amos Gitai dá a sua interpretação sobre o papel

    da mídia local em um evento de significado internacional, enquanto o egípcio Youssef

    Chahine protagoniza seu próprio filme refletindo sobre a perspectiva do Oriente Médio.

    Claude Lelouch descreve as reações de um casal (ela surda e muda) que

    testemunharam o evento. O ator e diretor americano Sean Penn conta a rotina de um

    viúvo que morava a sombra das torres. Já o mexicano Alejandro González Iñárritu

    apresenta 11 minutos de preces na escuridão.

  • 3.2.3. Descrição dos Curtas

    Nos curtas desenvolvidos no projeto coletivo 11’ 09” 01, realizados a partir de

    um fato verídico, os diretores tiveram liberdade nas abordagens a respeito de uma

    imagem primeira comum (o atentado de 11 de Setembro de 2001) .

    Descreveremos, a seguir, os três curtas selecionados para o estudo, seguindo

    a ordem em que estão dispostos no projeto, a saber: o de Ken Loach (Inglaterra, 6º

    curta), Amos Gitai (Israel, 8º curta) e Sean Penn (Estados Unidos, 10º curta).

    Observaremos como os imaginários e representações são convocados, qual o foco

    de cada filme, que relações os diretores estabelecem com o acontecimento matriz,

    bem como quais críticas, diálogos, percepções e memórias eles incitam nos

    espectadores de suas produções.

    3.2.3.1. Ken Loach

    O diretor britânico Ken Loach, socialista e autor de A procura de Eric (2009),

    Agenda Secreta (1990), Pão e Rosas (2000) e Ventos da Liberdade (2006) - todos

    filmes de conteúdo político- optou por abordar um outro fato, também ocorrido em um

    11 de Setembro: o golpe de Estado dado por Augusto Pinochet, no Chile, em 1973,

    que apoiado pelos EUA , destituiu o governo de Salvador Allende.

    O 11 de Setembro chileno. Um fato histórico ocorrido e esquecido, uma vez que

    foi devidamente apagado da memória e das mídias.

    Neste episódio temos o ator, compositor e escritor chileno Vladimir Vega, que

    mora em Londres, como único personagem em cena. O curta-metragem é construído

    sobre um depoimento de Veja, com imagens de um 11 de Setembro mais distante: o

    de 1973, data do golpe militar que derrubou o presidente do Chile, Salvador Allende,

    pelos conspiradores que colocaram no poder o ditador Augusto Pinochet.

    Ken Loach faz um paralelo entre estes dois 11 de Setembro: Chile de 1973-

    com a presença do então governo americano (Richard Nixon, o presidente; e o

    secretário de Estado, Henry Kissinger)- e os Estados Unidos de 2001- o ano dos

    atentados terroristas contra o World Trade Center e o Pentágono.

    O episódio começa com um homem em sua mesa escrevendo:

  • “Queridas mães, pais e entes queridos daqueles que morreram em 11 de

    Setembro em Nova Iorque. Eu sou chileno, e moro em Londres, e gostaria de dizer

    que talvez tenhamos algo em comum”. Nessa mesma hora, aparecem cenas de

    época, em que pessoas correm. A locução continua: “Seus entes queridos foram

    assassinados como os meus... e nós temos uma data em comum: 11 de Setembro”.

    Voltam imagens de época, para contextualizar a narração, retrocedendo até

    1970, quando acontecia a eleição presidencial do Chile, na qual foi eleito Salvador

    Allende. Na sequencia, mais uma frase marcante da narração: “Tínhamos um lindo

    sonho de construir uma sociedade, na qual o nosso povo repartisse o fruto do seu

    trabalho, a riqueza do país”.

    O filme mostra uma época em que as pessoas tinham e exerciam os seus

    direitos, um período próspero. A economia estava em crescimento, existindo, portanto,

    um início de igualdade social no Chile. Nesse instante, sai a narração do protagonista

    para a entrada da voz de uma mulher chilena:

    - “Porque eu sempre tenho confiança na inteligência do povo. O povo

    organizado é inteligente. Porque deveríamos ter medo de uma organização popular”?

    A partir disto, inicia-se a explicação do golpe Chileno, mostrando o Secretário dos

    Estados Unidos da época, Henry Kissinger, e o então presidente Nixon, falando sobre

    o Chile e comunicando que não viam razão para um país ser comunista, devido a

    irresponsabilidade de seu próprio povo.

    “O mercado, o lucro, eram mais importantes que a democracia”, comenta o

    chileno. E continua: “O presidente de vocês, Nixon, disse que nossa economia ia

    gritar. Ele ordenou que a CIA se envolvesse em um golpe militar, um golpe de Estado.”

    “Amigos, os líderes de vocês estavam decididos a nos destruir”. O caos foi gerado no

    Chile.

    O filme vem questionar que o mercado e a economia eram mais importantes

    que os anseios e os desejos do seu próprio povo. Mais que a própria democracia, que

    os americanos diziam defender. O curta mostra as imagens da “guerra” que se iniciava

    com o bombardeio, e o povo chileno gritando o nome de Allende. Ao fundo, neste

    momento, ouve-se um trecho do discurso de presidente chileno: “Aqui estamos

    defendendo nosso direito de construir um porvir de justiça e liberdade”.

    O maior lema defendido pelos americanos, “justiça e liberdade”. O narrador

    pergunta: -“Então, o que os EUA fizeram?”. Talvez, uma das frases mais impactantes

    do filme, ao questionar o apoio dos EUA. Na sequencia, imagens do presidente dos

  • EUA, George W. Bush, discursando após o atentado às torres gêmeas: “Em 11 de

    Setembro, inimigos da liberdade cometeram um ato de guerra contra o nosso país e,

    à noite, o mundo era outro. Um mundo onde a própria liberdade estava sendo

    atacada”. Simultaneamente, mostram-se aviões americanos bombardeando o palácio

    presidencial do Chile, onde Allende e seus secretários estavam.

    O personagem chileno, em seguida, utiliza da mesma frase usada por Bush,

    enquanto aparecem imagens do Chile sendo atacado.

    É feita, nessa hora, a principal comparação entre os dois eventos de 11 de

    Setembro. Logo após, outro discurso de Allende: “Eles têm a força. Podem nos

    subjugar, mas não se detém os processos sociais, nem com crimes, nem com a força.

    A história é nossa. Ela é feita pelos povos. Viva o Chile! Viva o povo! Vivam os

    trabalhadores!”.

    - “Terça feira! Também foi numa terça feira! 11 de setembro de 1973. Um dia

    que destruiu nossa vida para sempre!” O chileno começa a contar, em sua carta, todas

    as atrocidades cometidas durante o regime militar.

    Iniciam-se imagens do pós-golpe; pessoas sendo mortas, maltratadas,

    apanhando. Nessa hora, o protagonista começa a cantar uma música melancólica,

    retratando os atos terroristas cometidos, comentando que 30 mil foram mortos

    violentamente. Quase no final, aparece o Secretário Americano, ao lado de Pinochet,

    dando os parabéns pelo sucesso da ação. “E os dólares começaram a entrar

    novamente no Chile”, comenta o personagem.

    O protagonista então começa a falar que teve que se exilar, para garantir a

    segurança dos seus amigos, e que sua maior vontade era voltar ao Chile. - “Não posso

    voltar para o Chile agora, embora só pense nisso”.

    “Mães, pais e entes queridos dos que morreram em Nova Iorque. Logo chegará

    o 29º aniversário de nossa terça-feira, 11 de Setembro, e o 1º aniversário da sua.

    Vamos nos lembrar de vocês. Espero que vocês se lembrem de nós. Assinado: Pablo”.

    O filme vem recordar esse 11 de Setembro esquecido no tempo, um Golpe

    liderado por Augusto Pinochet e apoiado pelos Estados Unidos, implantando uma das

    maiores ditaduras da América Latina.

    O período em que Salvador Allende governou o Chile configura-se como um dos momentos mais significativos da história contemporânea da América Latina. Retornar a ele pode ser um excelente exercício de reflexão em torno dos temas da democracia e da ditadura na América

  • Latina. Tão logo se começa a rememorar o período, de pronto vem a mente as imagens que correram o mundo ao registrarem o assalto ao Palácio La Moneda, em Santiago, onde Allende caiu morto, no dia 11 de Setembro de 1973. Cenas chocantes, especialmente em se tratando de um país que cultivava, interna e externamente, a imagem de estabilidade política e solidez institucional. (FICO, 2008, p.77)

    O 11 de Setembro nos Estados Unidos teve sua transmissão e retransmissão

    por inúmeras mídias, no mundo, e tornou-se um marco na memória histórica e

    midiática. E o acontecimento no Chile, anos antes, fora esquecido. Um golpe militar,

    que implantou um regime de ditadura que durou cerca de 17 anos, gerando milhares

    de mortes, violência e maus tratos a cidadãos chilenos.

    No Chile a violência com que irrompeu o golpe militar de 11 de Setembro de 1973 costuma ser vista como um fenômeno parecido ao estouro dos aviões que em 11 de Setembro de 2001 cortaram pela metade as duas torres gêmeas em Nova Iorque. É como se esses fatos surgissem no cenário politico nacional e mundial a maneira de cataclismos naturais, de repente, pegando todo mundo desprevenido.

    (HOSIASSON, Laura, em SOUZA, Celeste Ribeiro.(org.) Poéticas da violência: da bomba atômica ao 11 de setembro, 2008)

    Ken Loach retoma este acontecimento, fazendo também críticas ao governo

    americano, e trazendo o questionamento de quem são realmente os terroristas. Os

    Estados Unidos, que haviam anteriormente apoiado e comandado um ataque a um

    governo popular, democraticamente eleito no Chile, com objetivos políticos e

    econômicos, gerando consequências a milhares de cidadãos chilenos, estavam sendo

    vítima, em 2001, de um atentado terrorista, mas cujo alvo não fora abalar a

    democracia, e nem as milhares de vitimas. O alvo era quebrar a “imagem” da potência

    inabalável, do símbolo do poderio mundial. A hegemonia norte americana tornou-se

    vítima. Mas, e as muitas vítimas atingidas, durante a História, por ataques

    comandados pelo próprio governo americano?

    Mendes (2013) comenta que, mesmo não avaliando que o 11 de Setembro no

    Chile tenha sido desencadeado pelos Estados Unidos, não há como desconsiderar o

    protagonismo norte-americano neste acontecimento. A Casa Branca já estava por

    apoiar, com verbas significativas, as candidaturas presidenciais de centro e de direita,

    desde 1964, mas não conteve a eleição de Allende. O autor ainda destaca que a CIA

    foi coparticipante das tentativas de sequestro do General Schneider em 1970, uma

  • delas resultando na sua morte. A intervenção norte-americana fez-se mais intensa

    após a posse de Allende.

    Por que este fato em Nova Iorque tornou-se memorável e marcante no século

    XXI, e o outro 11 de Setembro, ocorrido em uma terça feira também, foi esquecido

    pelo tempo?

    Uma das hipóteses seria a desenfreada utilização da mídia e das inúmeras

    ferramentas de comunicação que temos hoje. Relembrando um conceito de Vânia

    Vlach (2003), citado em capítulos anteriores, o fenômeno do novo terrorismo, o

    terrorismo que se faz presente hoje, é indissociável da mídia. É um espetáculo

    proporcionado por dramas humanos.

    A televisão, particularmente, funciona como uma verdadeira caixa de ressonância, estabelecendo-se entre terrorismo e televisão uma verdadeira reciprocidade: o teleterrorismo age com predileção para a televisão e, em troca, a televisão tem o poder de propalar e irradiar os atos terroristas no instante mesmo em que são praticados. O terrorismo é mostrado em espetáculo, às vezes em ritmo de folhetim ou de novela. [...] Hoje a mídia expõe tudo instantaneamente [...] e tudo isso provoca um impacto muito forte nas pessoas. Com relação às imagens das explosões das torres gêmeas do World Trade Center, tudo ainda se parece como um filme. (WELLAUSEN, 2002, p.96-97)

    Mas, além disto, existe a questão de ocultamento de informações de acordo

    com interesses políticos, reprimindo alguns acontecimentos. Como é o caso deste

    golpe, “apagado” de acordo com intenções políticas, econômicas e sociais.

    O “11 de Setembro chileno” se apresenta ainda com uma profunda carga simbólica, tanto para os opositores do regime quanto para seus defensores. Para os primeiros, a data caracteriza a interrupção de uma experiência única no Chile e na América Latina, enquanto para outros significa o início da reconstrução do país através de uma obra transformadora, de sucesso e que salvou a sociedade chilena. Percebendo esse simbolismo, o governo de Pinochet – salvaguardado institucionalmente pelas Forças Armadas chilenas e respaldado por setores da sociedade -, buscou impedir, com relativo sucesso, o desenvolvimento de um relato negativo acerca do que aconteceu nessa data e a partir dela. (MENDES, 2013, p.184)

  • Ricardo Mendes (2013), em seu artigo Quarenta anos do 11 de Setembro: o

    golpe militar no Chile, diz que a análise sobre os acontecimentos relativos ao 11 de

    Setembro chileno apresenta-se pertinente, em um momento caracterizado pela

    continuidade e uma intensa disputa no plano das memórias.

    Os “perigos” na rememorização de algumas datas são significativos. Através do resgate de determinados acontecimentos, as questões, os embates e projetos de sociedade distintos a eles relacionados, podem retornar à superfície e, em função da sua contemporaneidade, “despertar a sociedade” para problemas que muitas vezes se quer esquecer ou relegar ao submundo. É dentro dessa perspectiva que pretendo abordar o Golpe Civil-Militar no Chile, acontecimento que completou 40 anos de sua ocorrência. (MENDES, 2013, p. 174)

    Um golpe cuja violência então estabelecida não teve paralelo em qualquer outro

    golpe latino-americano até aquele momento. Ao longo de um ano, aproximadamente

    30 a 50.000 vítimas foram feitas. Perseguições, assassinatos, tortura, até chegar ao

    símbolo de realização da violência no país: o bombardeio do Palácio La Moneda, com

    a morte do presidente que se recusou a render-se. (MENDES, 2013)

    Ken Loach rememora este trágico 11 de Setembro de 1973, e resgata um fato

    histórico significativo, em um dos curtas mais politizados e críticos do projeto 11” 09’

    01.

  • 3.2.3.2. Amos Gitai

    Amos Gitai é um cineasta israelense, conhecido por retratar os conflitos

    existentes no Oriente Médio, tendo sido premiado em diversos festivais de cinema.

    Estudou arquitetura, seguindo os passos de seu pai, quando a Guerra do Yom Kippur

    interrompeu seus estudos. E foi o uso de sua câmera Super-8, enquanto voava em

    missões de helicóptero, que levou à sua carreira como cineasta.

    Em cerca de 40 filmes, entre documentários e ficção, Gitai explorou as

    camadas de história no Oriente Médio e, além disso, incluiu a sua história pessoal,

    através de temas como pátria e exílio, religião, controle social e utopia. Seu estilo inclui

    longas tomadas, com movimentos de câmera escassos, mas significativos, e um

    senso de humor inteligente. O trabalho de Gitai tem sido alvo de grandes

    retrospectivas, nomeadamente no Centre Pompidou (Paris), NFT e ICA (Londres),

    Lincoln Center (Nova York), Kunstwerk (de Berlim), e cinematecas em Madrid,

    Jerusalém, Paris, São Paulo, Tóquio e Toronto.

    Em seu curta a respeito do 11 de Setembro, o diretor israelense inicia com a

    imagem de um policial abaixado, que mexe em uma bolsa, parecendo ser uma bomba.

    Coloca-a em um canto, pega o rádio e diz:

    - “Dois carros explodiram. Carros bomba”. A câmera se movimenta e mostra

    que o alvo que ainda está em chamas. E o policial continua a dizer:

    - “Muitos feridos. Rápido! Rápido!”. A cena, em uma única tomada, transita

    entre alguns atores e, nesse instante, um personagem aparece para controlar o

    trânsito, e chama uma ambulância.

    A câmera parece parada, apenas movimentando de um lado para o outro,

    deixando você como observador, assistindo a tudo como se estivesse ali. Diversos

    fotógrafos e cinegrafistas começam a aparecer, interagindo naquelas cenas. Muita

    gente da imprensa em cima do ocorrido, chegando até mesmo a atrapalhar o trabalho

    dos agentes antibomba e das ambulâncias.

    Após alguns minutos de filme, retratando o atentado terrorista, aparece uma

    nova equipe de TV, com uma repórter que tem por objetivo captar e descrever o

    ocorrido.

  • Em um determinado momento, após a investida da repórter em tentar captar

    cenas e entrevistas, o editor da emissora comenta sobre o atentado de Nova Iorque,

    e ela pergunta:

    -“Eu não estou ao vivo? Você é louco ou o que? Quem se importa com Nova

    Iorque? Há pessoas por toda parte! Eles vieram pro 11 de Setembro fazer compras,

    uma semana antes do Rosh Hashana (ano novo judaico)”.

    Ao falar isso, entre o trânsito de outros personagens diante da câmera, a

    repórter continua e pergunta:

    - “Quantas vítimas?” E uma policial responde:

    -“Não muitas, foi um ataque terrorista, apenas.”

    E, a repórter começa a falar sobre alguns fatos importantes, ocorridos na

    mesma data. Diz:

    - “11 de Setembro. Washington foi conquistada pelos ingleses, certo? Minha

    filha? Diga para ela ir para casa. Em 11 de Setembro de 1854/1855, franceses

    conquistaram Malakoff. 11 de Setembro de 1944 – Roosevelt e Churchill se reuniram

    e dividiram a Alemanha nazista em 03 partes: inglesa, americana e russa. Em 11 de

    Setembro de 1997, relâmpagos mataram 19 na Índia”. E, ao relatar isso, ainda

    comenta:

    - “Não estou ao vivo? Um avião atingiu as torres gêmeas! Um avião atingiu as

    torres gêmeas? Um ataque terrorista contra o outro. Um ataque terrorista em Nova

    Iorque, e outro na Av. Jerusalém. Jerusalém, a cidade santa. A cidade que simboliza,

    mais que qualquer outra, a essência do povo judeu”. E, com certo ar de indignada,

    ainda comenta:

    -“Eu não vou entrar no ar?” Chega a informação do ataque terrorista em Nova

    Iorque. “Você não irá ao ar!” E a repórter começa a reclamar, e questiona com o editor

    do programa. “Nem adianta ligar para o editor. Você não irá ao ar! Algo grave ocorreu

    em Nova Iorque. Lembre-se da hora e da data! 9 da manhã, 11 de Setembro. Ninguém

    jamais esquecerá esta data!”

    A câmera mostra a equipe de reportagem indo embora e algumas pessoas já

    transitando, como se nada tivesse acontecido.

    Esse é o retrato que Amos Gitai faz do acontecimento; interliga atentados

    terroristas recorrentes em sua região com o de Nova Iorque, além de mostrar o tempo

    todo o trabalho de fotógrafos, cinegrafistas e repórteres.

  • Vale lembrar aqui, também, da existência de uma aliança diplomática entre os

    Estados Unidos e Israel. O diretor israelense faz uma crítica à cultura americana,

    utilizando um acontecimento terrorista, que é muito comum no Estado israelense, em

    contrapartida com um atentado no território americano. Como os fatos são vistos pelo

    mundo, pela mídia, e de que forma são percebidos? São questionamentos

    subentendidos neste curta.

    Diep Truong (2007)5 , diz que:

    [...] Com este filme, Amos Gitai quer criticar o tratamento dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 pela mídia: A televisão. Quem não hesitou em utilizar, reutilizar, e reutilizar a dimensão espetacular deste evento chocante” [...], os meios de comunicação simplesmente espetacularizam e amplificam os eventos. (TRUONG, 2007, p.66-67)

    Esse retrato, caracterizado por uma cultura formada não só pelos eventos

    históricos da região, mas pela cultura midiática criada em torno desses fatos, é

    representado na produção do israelense. Os acontecimentos midiáticos cada vez

    mais presentes.

    A televisão (e também o rádio um pouco antes) conseguiu a façanha de nos trazer a história ao vivo: eu estou dentro dela, eu a estou vivendo neste momento, estou sendo conclamado a me posicionar como protagonista (e não apenas como espectador ou analista) sobre algo que ainda não é passado. Dayan e Katz atribuem a esses acontecimentos transmitidos ao vivo pela televisão o nome de media events (acontecimentos midiáticos), ou seja, eles são situações que acontecem na e para a televisão, ou, se não é esse o caso, situações que estão sendo reportadas ao vivo e em tempo presente a uma massa imensa de espectadores, muitos deles envolvidos diretamente nos eventos (imaginem o drama dos parentes dos passageiros dos voos e dos funcionários do World Trade Center e do Pentágono). (MACHADO, 2001, p. 57)

    5 Em trabalho publicado na “Université Du Québec à Montréal” sobre o 11 de Setembro, intitulado “A objetividade jornalística de olho no 11 de Setembro”, com título original “L'objectivité Journalistique Dans L’ceil Du 11 Septembre 2001”

  • Amos Gitai mostra, também, o “ofuscamento” de outros acontecimentos pelo

    atentado nos Estados Unidos. A equipe de reportagem que estava filmando em

    Jerusalém tem as imagens retiradas do ar ao vivo, para a transmissão da queda das

    Torres Gêmeas, pois, segundo a própria emissora, este era um acontecimento muito

    mais importante, e não deveriam “perder tempo” colocando no ar mais uma explosão

    “comum” de um homem-bomba, enquanto, no mesmo dia e horário, havia um fato

    muito mais espetacularizado.

    O que aconteceu naquele dia capaz de gerar tal representação? O que houve de tão especial, ou inédito? Mais do que a perda de vidas e os prejuízos financeiros, aquele dia gerou um sentimento generalizado de que o mundo havia mudado. O tempo havia-se partido e a data de 11 de setembro de 2001 passou a significar algo único: o Onze de Setembro. (RESEN