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Notas de Aula de Hidrologia Prof a Rutinéia Tassi Fundação Universidade Federal do Rio Grande Departamento de Física – Setor de Hidráulica e Saneamento Av. Itália km 8/SN [email protected] Prof Walter Collischonn Universidade Federal do Rio Grande do Sul Isntituto de Pesquisas Hidráulicas Av. Bento Gonçalves, 9500 [email protected]

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Notas de Aula de Hidrologia

Profa Rutinéia Tassi Fundação Universidade Federal do Rio Grande

Departamento de Física – Setor de Hidráulica e Saneamento Av. Itália km 8/SN [email protected]

Prof Walter Collischonn Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Isntituto de Pesquisas Hidráulicas Av. Bento Gonçalves, 9500

[email protected]

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Índice 1. Introdução à Hidrologia ..........................................................................................................1

1.1 Definição .........................................................................................................................1 1.2 O que é a água? ...............................................................................................................1 1.3 Domínio da hidrologia ....................................................................................................1 1.4 A hidrologia na Engenharia.............................................................................................2

2. Ciclo Hidrológico....................................................................................................................3 3. Bacia Hidrográfica ..................................................................................................................5

3.1 O que é uma bacia hidrográfica?.....................................................................................5 3.2 Características físicas de uma bacia hidrográfica ...........................................................6 3.3 Balanço hídrico em uma bacia hidrográfica..................................................................13

4. Precipitação ...........................................................................................................................15 4.1 Definição .......................................................................................................................15 4.2 Qual a importância da precipitação? .............................................................................15 4.3 Formação da precipitação..............................................................................................15 4.4 Tipos de precipitação ....................................................................................................16 4.5 Aquisição de dados de precipitação ..............................................................................17

4.5.1 Pluviômetros..........................................................................................................18 4.5.2 Pluviógrafos ..........................................................................................................19 4.5.3 Radar .....................................................................................................................19 4.5.4 Satélite...................................................................................................................20

4.6 Características gerais da precipitação ...........................................................................20 4.6.1 Variação Espacial da Precipitação ........................................................................22 4.6.2 Variabilidade Sazonal da Precipitação..................................................................22 4.6.3 Variabilidade da Precipitação com a Altitude.......................................................23 4.6.4 Variabilidade da Precipitação com a Área ............................................................24

4.7 Precipitação Média em uma Área .................................................................................24 4.7.1 Método da média aritmética..................................................................................25 4.7.2 Método dos Polígonos de Thiessen.......................................................................25 4.7.3 Método das Isoietas...............................................................................................27

4.8 Tratamento dos Dados Pluviométricos .........................................................................29 4.8.1 Identificação de erros grosseiros ...........................................................................29 4.8.2 Preenchimento de falhas........................................................................................29 4.8.3 Análise de consistência das séries pluviométricas ................................................31

4.9 Análise de Séries de Mensais e Anuais de Precipitação....................................................35 4.10 Precipitações intensas....................................................................................................43 4.11 Distribuição temporal da precipitação...........................................................................46

5. Interceptação .........................................................................................................................47 6. Evapotranspiração .................................................................................................................48

6.1 Formação da evaporação...............................................................................................49 6.2 Fatores que afetam a evaporação ..................................................................................50 6.3 Medição de evaporação.................................................................................................52 6.4 Fatores que afetam a transpiração .................................................................................53 6.5 Medição da evapotranspiração ......................................................................................53 6.6 Estimativa da evapotranspiração através de equações ..................................................54

6.6.1 Balanço hídrico .....................................................................................................54 6.6.2 Método de Thorntwaith.........................................................................................55 6.6.3 Método de Blaney-Criddle ....................................................................................56

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6.6.4 Equações de Penman-Monteith.............................................................................56 7. Infiltração ..............................................................................................................................61

7.1 Movimento da água no solo ..........................................................................................61 7.2 Infiltração ......................................................................................................................63

7.2.1 Capacidade de infiltração e taxa de infiltração .....................................................64 7.3 Estimativa da Infiltração ...............................................................................................65

7.3.1 Medição direta – Infiltrômetro ..............................................................................65 7.3.2 Equação de Horton ................................................................................................66 7.3.3 Equação de Phillip.................................................................................................68 7.3.4 Método do SCS .....................................................................................................68 7.3.5 Método do Índice φ ...............................................................................................71

8. Análise do hidrograma ..........................................................................................................73 8.1 O hidrograma.................................................................................................................73 8.2 Fatores que influenciam a forma de um hidrograma.....................................................74 8.3 Analisando o hidrograma ..............................................................................................77 8.4 Separação do escoamento..............................................................................................78

9. Escoamento Superficial.........................................................................................................80 9.1 Método Racional ...........................................................................................................80 9.2 O Hidrograma Unitário (HU)........................................................................................82

9.2.1 Dedução do Hidrograma Unitário .........................................................................85 9.3 Hidrograma Unitário Sintético (HUS) ..........................................................................86

9.3.1 Hidrograma Unitário Sintético do Snyder.............................................................86 9.3.2 Hidrograma Unitário Sintético do SCS.................................................................88

9.4 Aplicação dos métodos do HU e HUS..........................................................................89 10. Propagação de Vazões.......................................................................................................90

10.1 Propagação do escoamento em rios e canais - Muskingum..........................................90 10.1.1 Ajuste dos parâmetros X e K.................................................................................92

10.2 Propagação de escoamento em reservatórios ................................................................93

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1.Introdução à Hidrologia 1.1 Definição A Hidrologia é a ciência da água. Trata da quantificação dos volumes de água que, em diversas formas, encontram-se distribuídos pela superfície terrestre e são suscetíveis de aproveitamento pelo homem. Ocupa-se, também, da movimentação dessas massas de água que, num fluxo contínuo, deslocam-se de um lugar a outro facilitando seu uso, mas causando também, às vezes, grandes dificuldades e prejuízos à atividade humana. Diversas especialidades têm surgido dentro das ciências hídricas relacionadas com os diferentes usos da água, e por isso aspectos como a hidrologia de águas subterrâneas e a qualidade das águas não estão aqui incluídas, tendo-se abordado apenas de forma preliminar a ocorrência das águas subterrâneas, constituídas hoje numa ciência especializada que poderá ser melhor consultada em textos próprios. 1.2 O que é a água?

A água é uma substância com características incomuns. É a substância mais presente na superfície do planeta Terra, cobrindo mais de 70% do globo. O corpo humano é composto por água mais ou menos na mesma proporção. Já um tomate é composto por mais de 90 % de água, assim como muitos outros alimentos. Todas as formas de vida necessitam da água para sobreviver. A água é a única substância na Terra naturalmente presente nas formas líquida, sólida e gasosa. A mesma quantidade de água está presente na Terra atualmente como no tempo em que os dinossauros habitavam o planeta, a milhões de anos atrás. A busca de vida em outros planetas está fortemente relacionada a busca de indícios da presença de água.

A estrutura molecular da água (H2O) é responsável por uma característica fundamental da água que é a sua grande inércia térmica, isto é, a temperatura da água varia de forma lenta. O sol aquece as superfícies de terra e de água do planeta com a mesma energia, entretanto as variações de temperatura são muito menores na água. Em função deste aquecimento diferenciado e do papel regularizador dos oceanos, o clima da Terra tem as características que conhecemos. Comparada com outros líquidos a água também apresenta uma tensão superficial relativamente alta. Esta tensão superficial é responsável pela organização da chuva na forma de gotas e pela ascensão capilar da água nos solos.

Os recursos de água têm determinado o destino de muitas civilizações ao longo da história. Povos entraram em conflito e guerras foram iniciadas em torno de problemas relacionados ao acesso à água. O crescimento da população mundial ao longo do último século tornou criticamente necessária a racionalização do uso da água.

No Brasil a geração de energia elétrica é apenas um dos usos da água, mas sua importância é muito grande, chegando a influenciar fortemente as estimativas do valor associado á água. 1.3 Domínio da hidrologia Tendo como objeto o estudo da água, podem-se dar várias sub-divisões dentro da Hidrologia. Hidrometeorologia é o estudo dos problemas intermediários, ou que afetam os campos da hidrologia e meteorologia. Limnologia é o estudo dos lagos. Criologia o estudo dos assuntos relacionados com neve e gelo. Potamologia é o estudo das correntes superficiais e Geohidrologia o estudo das águas subterrâneas.

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A maioria dos problemas reais envolve várias dessas especialidades, porquanto muitos dos fenômenos são interdependentes. A Hidrologia, por seu caráter abrangente, utiliza como suporte outras ciências específicas como a geologia, geografia, hidromecânica, estatística, computação e outras, fora das básicas de física e matemática (Gray, 1973). Linsley et Al. (1949) reconhecem três grandes temas a serem tratados na Hidrologia: a medição, registro e publicação de informações básicas, a análise dessa informação para desenvolver e expandir as teorias fundamentais, e a aplicação dessas teorias e dados na solução de problemas reais. 1.4 A hidrologia na Engenharia

Visto que o recurso água nem sempre se encontra no local oportuno e no momento oportuno, é necessária muitas vezes, a construção de obras hidráulicas. Em caso de secas, ou locais onde a água seja escassa, o objetivo das obras hidráulicas é aproximar o recurso do usuário, no mesmo momento que seja necessário, criando barragens, canais, aquedutos, redes de distribuição de água, sistema de irrigação. Nos casos de locais que sofrem com inundações, as obras hidráulicas devem proteger o homem dos efeitos devastadores das ondas de cheia, através da delimitação da planície de inundação e criando obras de defesa e drenagem, tanto urbana, como rural.

De forma mais ampla, o engenheiro deve responder a questões como: Qual é a vazão máxima que se pode esperar num vertedor de barragem ou num bueiro de rodovia ou no sistema pluvial de uma cidade? Qual é o volume de água necessário para garantir o fornecimento para irrigação durante uma seca? Quais serão os efeitos dos reservatórios e diques de controle sobre as ondas de cheia de um rio? Qual a possibilidade de abastecer uma população com água subterrânea? O engenheiro também é responsável pelo fornecimento de informações (níveis, velocidade, sedimentos, etc.) para obras de melhoramento das condições de navegabilidade de um rio, dragagem de trechos, fechamento de braços e projeto de espigões. Na construção de portos fluviais, diques de proteção e aterros, os estudos estatísticos de variação de níveis podem atribuir períodos de recorrência a esses valores, introduzindo o conceito de probabilidade e risco de ocorrência de eventos. A irrigação, a proteção contra erosão de solos agrícolas, a recuperação de terras, o estudo da poluição dos cursos d’água por defensivos agrícolas, tem na hidrologia o seu elemento básico.

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2.Ciclo Hidrológico

Ciclo hidrológico é o termo que se usa para descrever a circulação geral da água, desde o oceano até a atmosfera, até o sub-solo, e novamente até o oceano, conforme apresentado na Figura 2. 1.

Figura 2. 1- Representação esquemática do ciclo hidrológico

Pode-se dizer que o ciclo hidrológico não tem princípio e nem fim. A principal força motriz desse sistema é a energia solar, que provoca o aquecimento do ar, do solo e da água superficial. Como resultado desse aquecimento, temos a circulação de massas de ar e a evaporação. Esse vapor se condensa por meio de vários processos e è devolvida à terra em forma de precipitação, impulsionado pelas forças gravitacionais. Uma porção da água precipitada é retida temporariamente em depressões superficiais, vegetação e outros “objetos” (interceptação) e retorna à atmosfera por meio da evaporação e transpiração. O restante da água pode infiltrar no solo ou escoar sobre uma superfície até atingir um rio, lago ou mar, sendo que essa água também está igualmente sujeita à evaporação e transpiração durante todo o seu trajeto. A água infiltrada pode percolar até zonas mais profundas ao ser armazenada como água subterrânea, que pode mais tarde fluir como manancial ou incorporar-se a rios, lagos ou mar. Dessa maneira, o ciclo hidrológico sofre vários processos: precipitação, interceptação, transpiração, evaporação, infiltração, percolação, armazenamento e escoamento.

Essa é uma descrição do ciclo hidrológico sumamente simplificada. Na realidade, todas as fases do ciclo hidrológico ocorrem simultaneamente. À escala global, a quantidade de água contida em cada uma das fases do ciclo é constante, porém, visto em termos de uma área limitada, como, por exemplo, uma bacia hidrográfica, a quantidade de água contida em cada parte do ciclo varia muito. Por exemplo, a água precipitada que está escoando em um rio pode evaporar, condensar e novamente precipitar antes de retornar ao oceano. A água também sofre alterações de qualidade ao longo das diferentes fases do ciclo hidrológico. A água salgada do mar é transformada em água doce pelo processo de evaporação.

Estima-se que 1,4 km3 de água seja mundialmente disponível. Cerca de 97 % da água do mundo está nos oceanos, e dos 3% restantes, a metade (1,5% do total) está armazenada na forma de geleiras ou bancadas de gelo nas calotas polares (). A água doce de rios, lagos e aqüíferos (reservatórios de água no subsolo) corresponde a menos de 1% do total. Em valores totais, a

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água doce existente na Terra e a água que atinge a superfície dos continentes na forma de chuva é suficiente para atender todas as necessidades humanas. Entretanto, grandes problemas surgem com a grande variabilidade temporal e espacial da disponibilidade de água. A América do Sul é, de longe, o continente com a maior disponibilidade de água, porém a precipitação que atinge nosso continente é altamente variável, apresentando na Amazônia altíssimas taxas de precipitação enquanto o deserto de Atacama é conhecido como o lugar mais seco do mundo.

Tabela 2. 1 – Água disponível na terra (Gleick, 2000) Percentual água do planeta

(%) Percentual da água doce

(%) Oceanos/água salgada 97 Gelo permanente 1,7 69 Água subterrânea 0,76 30 Lagos 0,007 0,26 Umidade do solo 0,001 0,05 Água atmosférica 0,001 0,04 Banhados 0,0008 0,03 Rios 0,0002 0,006 Biota 0,0001 0,003

No Brasil a disponibilidade de água é grande, porém existem regiões em que há crescentes conflitos em função da quantidade de água, como na região semi-árida do Nordeste. Mesmo no Rio Grande do Sul ocorrem anos secos em que a disponibilidade de água de alguns rios não é suficiente para atender as demandas para abastecimento da população e para irrigação.

Algumas alterações produzidas pelo homem sobre o ecossistema podem alterar parte do ciclo hidrológico. Em nível global, a emissão de gases para a atmosfera produz aumento do efeito estufa, alterando as condições climáticas. A nível local, as obras hidráulicas que atuam sobre os rios, lagos e oceanos, além dos desmatamentos, atuam sobre o comportamento da bacia hidrográfica, e a urbanização também produz alterações localizadas nos processos do ciclo hidrológico terrestre.

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3. Bacia Hidrográfica 3.1 O que é uma bacia hidrográfica?

O ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase terrestre, onde o elemento fundamental da análise é a bacia hidrográfica (Figura 3. 1). Por definição, a bacia hidrográfica é a área de captação natural dos fluxos de água, originados a partir da precipitação, que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório.

Figura 3. 1 – Bacia hidrográfica

A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico sujeito a entradas de

água (eventos de precipitação) que gera saídas de água (escoamento e evapotranspiração). A bacia hidrográfica transforma uma entrada concentrada no tempo (precipitação) em uma saída relativamente distribuída na tempo (escoamento).

Para definir uma bacia hidrográfica, é necessário definir uma seção ou ponto de referência em um curso d’água selecionado, além de informações topográficas (relevo) do local. Uma bacia hidrográfica, por sua vez, pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias pode ser considerada uma bacia hidrográfica.

Na são apresentadas as bacias hidrográficas brasileiras, com a rede de drenagem disponibilizada pela Agência Nacional de Águas (ANA, 2005). No site da ANA (www.ana.gov.br) podem ser encontradas informações sobre as bacias hidrográficas brasileiras (Figura 3. 2), e para as sub-bacias também. Na Figura 3. 3 é apresentada a bacia do arroio Dilúvio, e a divisão em sub-bacias.

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Figura 3. 2 – Bacias hidrográficas brasileiras

Figura 3. 3 – Bacia hidrográfica do Arroio Dilúvio

3.2 Características físicas de uma bacia hidrográfica

As principais características físicas da bacia hidrográfica são a área, comprimento do rio principal, declividade do rio e bacia e cobertura do solo. A seguir são descritas algumas características físicas das bacias hidrográficas.

Área de drenagem

A área de drenagem (A) é a superfície em projeção horizontal, delimitada pelo divisor de águas. O divisor de águas é uma linha imaginária, que passa pelos pontos de maior nível topográfico, e separa a bacia hidrográfica em estudo de outras bacias hidrográficas vizinhas (Figura 3. 4). Deve-se considerar que essa linha não é, em geral, o contorno real da bacia

Bacia do rio Amazonas

Bacia Atlântico trecho Norte/Nordeste

Bacia do rio Tocantins

Bacia do rio São Francisco

Bacia Atlântico trecho Leste

Bacia do rio Paraná

Bacia do rio Uruguai

Bacia Atlântico trecho Sudeste

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hidrográfica, já que a influência da geologia pode fazer com que o contorno de aportes de águas subterrâneas e superficiais seja diferente. Em geral, a área de uma bacia hidrográfica é estimada a partir da delimitação dos divisores da bacia em um mapa topográfico. A área da bacia hidrográfica é um dado fundamental para definir a potencialidade hídrica de uma bacia, uma vez que é a região de captação da água da chuva. Assim, a área da bacia multiplicada pela lâmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o volume de água recebido pela bacia hidrográfica.

Figura 3. 4 – Determinação da área de drenagem de uma bacia hidrográfica

Comprimento do rio principal

Define-se o rio principal de uma bacia hidrográfica como aquele que drena a maior área no interior da bacia. O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental da bacia hidrográfica porque está relacionado ao tempo de viagem da água ao longo de todo o sistema. O tempo de viagem da gota de água da chuva que atinge a região mais remota da bacia até o momento em que atinge o exutório é chamado de tempo de concentração da bacia, conforme será explicado a seguir.

Declividade da bacia hidrográfica e do rio

A declividade média da bacia hidrográfica e do curso d’água principal também são características que afetam diretamente o tempo de viagem da água ao longo do sistema, além de ter relação com os processos de infiltração. A declividade do curso d’água pode ser determinada, por exemplo, através do cálculo da declividade média ou média ponderada. A declividade média é a relação entre a diferença de cotas (cota máxima menos a cota mínima) e o comprimento do mesmo. Em geral, recomenda-se usar o método da média ponderada, dividindo o rio em vários sub-trechos (Figura 3. 5) e ponderar as declividades parciais com os comprimentos de cada trecho. Definir a declividade da bacia é mais complicado, já que se trata de uma superfície curva com várias inclinações. Um dos métodos mais usados sub-divide a bacia em faixas de altitude e pondera a declividade individual de cada faixa com a área da mesma, conforme se indica na Figura 3. 6.

Divisor topográfico

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50

75

100

125

150

175

200

225

250

0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000

Comprimento (m)

Alti

tude

(m)

Figura 3. 5 - Perfil do fundo do arroio do Moinho em Porto Alegre (IPH, 1979)

Figura 3. 6 - Esquema para a determinação da declividade média na bacia hidrográfica

Tipo e uso do solo

O tipo predominante de solo na bacia controla a infiltração generalizada e daí sua importância nas bacias naturais; a permeabilidade dos terrenos é um fator decisivo na taxa de infiltração permitida pelo solo e a constituição geológica será a responsável pela percolação das águas e sua circulação através do subsolo, para mais tarde vir a alimentar os rios durante as épocas de estiagem. Assim como o tipo de solo, o uso do solo tem grande influência nos processos que ocorrem na bacia hidrográfica. Pode-se citar, por exemplo, o caso das bacias hidrográficas submetidas a processos de urbanização, a superfície natural da bacia é substituída por superfícies quase impermeáveis, impedindo a penetração da água no solo. Isso acarreta a ocorrência de picos de cheia muito altos e volumes de escoamento superficial grandes, concentrados em tempos curtos, condições estas as mais críticas para o comportamento hidrológico da bacia.

Além dessas características principais, também são características físicas de uma bacia hidrográfica:

Forma da bacia hidrográfica

Duas bacias hidrográficas que tenham a mesma área poderão ter respostas hidrológicas completamente diferentes em função de sua forma, já que esta condicionará o tempo de

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concentração. Entre os parâmetros utilizados para medir a forma de uma bacia hidrográfica encontram-se os índices de Greavelius ou coeficiente de compacidade (Kc) e o fator de forma (Kf). O Índice de compacidade ou de Gravelius é a relação entre o perímetro P da bacia hidrográfica e o perímetro de uma bacia circular da mesma área A. Este índice compara, portanto, a bacia com um círculo da mesma área; uma bacia compacta apresenta um índice de compacidade baixo (próximo de um).

AP

APKc 28.0

/)2(==

ππ (3.1)

Caso não existam fatores que interfiram, os menores valores de Kc indicam maior potencialidade de produção de picos de enchentes elevados. O fator de forma é definido como a relação existente entre a área da bacia e o quadrado do comprimento axial da mesma, medido ao longo do curso principal até a cabeceira mais distante da foz, no divisor de águas:

2/ LAKf = (3.2) Esse fator dá alguma indicação sobre a tendência da bacia a produzir enchentes ou inundações, pois um fator de forma baixo (grande comprimento axial) reflete uma menor probabilidade de ocorrer na bacia uma chuva intensa que atinja toda sua extensão, comparada com outra bacia da mesma área e menor comprimento axial (maior índice de forma).

Características do relevo Além da determinação das declividades médias da bacia hidrográfica e do curso d’água, podem ser obtidas outras informações sobre o relevo da bacia hidrográfica, como por exemplo, a curva hipsométrica. A curva hipsométrica é uma representação gráfica do relevo de uma bacia hidrográfica. É uma curva que indica a porcentagem da área da bacia hidrográfica que existe acima de uma determinada cota (Figura 3. 7). Uma curva hipsométrica pode dar algumas informações sobre a fisiografia da bacia hidrográfica. Por exemplo, uma curva hipsométrica com concavidade para cima indica uma bacia com vales extensos, e o contrário, indica uma bacia com vales profundos. A curva hipsométrica torna-se interessante à medida que a maior parte dos fatores hidrometeorológicos (precipitação, temperatura, ventos, etc.) apresenta variação com a altitude.

0255075

100125150175200225250275300325

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

% da área

Alti

tude

(m)

Figura 3. 7 – Curva hipsométrica da bacia hidrográfica do arroio Moinho (IPH, 1979)

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Índices de drenagem – A rede de drenagem da bacia hidrográfica joga papel importante na

geração de cheias. Em uma bacia eficientemente drenada, o escoamento concentra-se rapidamente na saída, causando vazões de pico elevadas e baixos valores de vazões mínimas. Um dos índices utilizados é a densidade de drenagem (DD), definida como o comprimento total (L) dos canais que formam a rede de drenagem, por unidade de área (A) da bacia da bacia hidrográfica. Outro índice utilizado é o de ordenamento dos canais da rede de drenagem da bacia hidrográfica. Destacam-se o sistema de Horton (1945) e Strahler (1957). No sistema de Horton os canais de primeira ordem são aqueles que não possuem tributários; os canais de segunda ordem têm apenas afluentes de primeira ordem; os canais de terceira ordem recebem afluência de canais de segunda ordem, podendo também receber diretamente canais de primeira ordem; sucessivamente, um canal de ordem u pode ter tributários de ordem u-1 até 1. Isto implica atribuir a maior ordem ao rio principal, valendo esta designação em todo o seu comprimento, desde o exutório da bacia até sua nascente. No sistema de Strahler é evitada a subjetividade de classificação das nascentes. Para Strahler, todos os canais sem tributários são de primeira ordem, mesmo que sejam nascentes dos rios principais e afluentes; os canais de segunda ordem são os que se originam da confluência de dois canais de primeira ordem, podendo ter afluentes também de primeira ordem; os canais de terceira ordem originam se da confluência de dois canais de segunda ordem, podendo receber afluentes de segunda e primeira ordens; sucessivamente, um canal de ordem u é formado pela união de dois canais de ordem u-1, podendo receber afluência de canais com qualquer ordem inferior. Portanto, no sistema de Strahler, o rio principal e afluentes não mantêm o número de ordem na totalidade de suas extensões, como acontece no sistema de Horton que tem problemas práticos de numeração (Figura 3. 8). A densidade de drenagem é uma característica que pode ser profundamente alterada pela construção de estruturas de drenagem. Por exemplo, a construção de galerias de drenagem das águas pluviais em áreas urbanas representa um aumento significativo na densidade de drenagem. A determinação dos índices de drenagem está relacionada com a qualidade (escala) da informação disponível, sendo que hoje em dia esses índices não têm merecido grande destaque dentro da hidrologia.

Figura 3. 8 – Sistema de ordenamento

Pode-se mencionar ainda o tempo de concentração da bacia hidrográfica, que não é

propriamente uma característica física da bacia hidrográfica, mas sim um parâmetro que está profundamente relacionado com as características físicas da mesma.

Tempo de concentração – Conceitualmente, o tempo de concentração é o tempo que uma

gota de chuva, que atinge a região mais remota da bacia hidrográfica, leva para atingir o exutório. Para entender o tempo de concentração, considere o ponto P1 da bacia hidrográfica

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da Figura 3. 9. Se nesse ponto precipitar uma gota de água, e houver condições para geração de escoamento, essa gota d’água escoará por regiões de maior declividade até atingir o curso d’água principal (P2). Quando a água atinge o rio principal, o escoamento passa a se desenvolver em um canal, até o exutório da bacia hidrográfica. O procedimento para o cálculo do tempo de concentração, com base na Figura 3. 9 é calcular o comprimento dos percursos (L1 – entre P1 e P2 e L2 – entre P2 e o exutório) e estimar as velocidades da água correspondente (V1 e V2). Posteriormente se calcula o tempo de viagem T1 e T2, sendo que o tempo de concentração total da bacia hidrográfica, nesse caso, seria T1+T2. Pode-se traçar, a partir de interpolação, para toda a bacia hidrográfica, isolinhas de tempo de deslocamento ou isócronas. As isócronas representam linhas de mesmo tempo de deslocamento na bacia hidrográfica. Por exemplo, na Figura 3. 10 ao observar a isócrona de 3h, tem-se uma estimativa do tempo de viagem de uma gota de água que atinge essa região.

Figura 3. 9 – Tempo de concentração em uma bacia hidrográfica

Figura 3. 10 – Esquema das isócronas em uma bacia hidrográfica

A maneira mais adequada de determinação do tempo de concentração é a partir de dados observados de precipitação e vazão. No entanto, são raras as bacias hidrográficas que dispõem desse tipo de informação. Para contornar esses problemas, são apresentadas na literatura algumas formulações empíricas para a determinação do tempo de concentração, como as apresentadas a seguir, na Tabela 3. 1. Recomenda-se, no entanto, muito cuidado na utilização dessas equações, visto que as mesmas foram desenvolvidas para bacias hidrográficas com determinadas características e em condições específicas. Deve-se, portanto, observar as condições para as quais as formulações foram desenvolvidas, e identificar a mais adequada para a bacia hidrográfica em questão.

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Tabela 3. 1 – Equações para o cálculo do tempo de concentração Equação Observações Kirpich (1940)

385,077,0989,3 −⋅⋅= SLtc

Desenvolvida com dados de sete pequenas bacias rurais do Tenessee com declividades variando de 3 a 10% e áreas de, no máximo, 0,5 km2. Embora o tipo de informação que a fórmula necessite (L e S) seja uma indicação de que ela reflete o escoamento em canais, o fato de ter sido desenvolvida para bacias tão pequenas é uma indicação de que os parâmetros devem representar o escoamento em superfícies. Quando o valor de L é superior a 10 km, a fórmula parece subestimar o valor de tc.

Federal Aviation Agency (1970)

( ) 33,050,01,173,22 −⋅⋅−⋅= SLCtc

Desenvolvida para drenagem de aeroportos, é válida, provavelmente, para casos em que predomine o escoamento em superfícies, ou seja, em bacias muito pequenas.

Onda cinemática (1963)

( ) 4,03,06,0447 −− ⋅⋅⋅⋅= ISLntc

Deduzida a partir da teoria da onda cinemática, aplicada a superfícies a partir das hipóteses de escoamento turbulento e chuva de intensidade constante. O comprimento das superfícies variou de 15 a 30 metros. É adequada para bacias muito pequenas, em que o escoamento em superfícies seja predominante.

SCS - "Lag formula" (1975)

( )[ ] 5,07,08,0 9/100042,3 −⋅−⋅⋅= SCNLtc

A fórmula do SCS foi desenvolvida em bacias rurais com áreas de drenagem de atá 8 km2 e reflete, fundamentalmente, o escoamento em superfícies. Para a aplicação em bacias urbanas, o SCS sugere procedimentos para ajuste em função da área impermeabilizada e da parcela dos canais que sofreram modificações. Essa fórmula superestima o valor de tc em comparação com as expressões de Kirpich e Dooge.

SCS - Método Cinemático (1975)

∑⋅=VLtc

601000

A fórmula diz que o tempo de concentração é a somatória dos tempos de trânsito dos diversos trechos que compõem o comprimento do talvegue. Na parte superior das bacias, em que predomina o escoamento em superfícies, ou em canais mal definidos, a velocidade pode ser determinada por meio de fórmulas como a 6.3. Em canais bem definidos e galerias deve ser usada a fórmula de Manning.

Dooge (1956)

17,041,0188,21 −⋅⋅= SAtc

Foi determinada com dados de dez bacias rurais da Irlanda, com áreas na faixa de 140 a 930 km2. Seus parâmetros refletem o comportamento de bacias médias e escoamento predominante em canais.

Em todas as fórmulas, o significado dos termos é o seguinte: tc = tempo de concentração em minutos A = área da bacia em km2 S = declividade do talvegue em m/m H = diferença entre as cotas da seção de saída e o ponto mais a montante da bacia em m C = coeficiente de escoamento superficial do Método Racional n = rugosidade de Manning I = intensidade da chuva em mm/h CN = número da curva (método do SCS) V = velocidade média no trecho em m/s L= comprimento do curso d’água principal em km.

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3.3 Balanço hídrico em uma bacia hidrográfica À relação entre as entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica, dá-se o nome de

balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia hidrográfica é a precipitação, enquanto a evapotranspiração e o escoamento, constituem-se as formas de saída. De forma geral, o balanço hídrico de uma bacia exige que seja satisfeita a equação:

QEPtV

−−=∆∆ (3.3)

onde: ∆V é a variação do volume de água armazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1).

Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em unidades de mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia.

QEP += (3.4) onde: P é a precipitação em mm.ano-1; E é a evapotranspiração em mm.ano-1 e Q é o escoamento em mm.ano-1.

As unidades de mm, ou lâmina de chuva, são mais usuais para a precipitação e para a evapotranspiração. Uma lâmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de água distribuído sobre uma área de 1 m2. O percentual da chuva que se transforma em escoamento é chamado coeficiente de escoamento e é dado por:

PQC = (3.5)

O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prática os valores vão de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias.

A Tabela 3. 2 apresenta dados de balanço hídrico para as grandes bacias brasileiras, de acordo com dados da Agência Nacional da Água (ANA). A região do Rio Grande do Sul está contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlântico Sul, onde a precipitação média é de 1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio Uruguai o escoamento é de 716 mm por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de vazão média. Na bacia do Atlântico Sul, em que está inserida a bacia do rio Guaíba, o escoamento é de 643 mm por ano, enquanto a evapotranspiração, que completa o balanço, é de 838 mm por ano. O coeficiente de escoamento nas duas bacias é um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de 40% da chuva é transformada em vazão, enquanto 60% retorna à atmosfera pelo processo de evapotranspiração.

Tabela 3. 2 – Balanço hídrico para algumas bacias hidrográficas brasileiras

Área Chuva Vazão Evapotr. Chuva Vazão Evapotr. Coef. Esc.Região (km2) (m3/s) (m3/s) (m3/s) (mm) (mm) (mm) (%) Amazonas - Total 6112000 493491 202000 291491 2546 1042 1504 41 Amazonas - Brasil 3884191 277000 128900 139640 2249 1047 1134 47 Tocantins 757000 42387 11300 31087 1766 471 1295 27 Atlântico Norte 242000 16388 6000 10388 2136 782 1354 37 Atlântico Nordeste 787000 27981 3130 24851 1121 125 996 11 São Francisco 634000 19829 3040 16789 986 151 835 15 Atlântico Leste (1) 242000 7784 670 7114 1014 87 927 9 Atlântico Leste (2) 303000 11791 3710 8081 1227 386 841 31 Paraná 877000 39935 11200 28735 1436 403 1033 28 Paraguai 368000 16326 1340 14986 1399 115 1284 8 Uruguai 178000 9589 4040 5549 1699 716 983 42 Atlântico Sul 224000 10519 4570 5949 1481 643 838 43 Brasil - Amazonas Total

10724000 696020 251000 445020 2047 738 1309 36

Brasil - Amazonas Parcial

8496191 479529 177900 293169 1780 660 1088 37

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A tabela mostra que a evapotranspiração tende a ser maior nas bacias mais próximas do

Equador. Observa-se também que a disponibilidade de água é menor na bacia do rio São Francisco e na bacia Atlântico Leste (1) que inclui as regiões mais secas da região Nordeste do Brasil.

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4. Precipitação 4.1 Definição A água da atmosfera, que atinge a superfície da terra, na forma de chuva, granizo, neve, orvalho, neblina ou geada é denominada precipitação. No Brasil a chuva é a forma mais importante de precipitação, embora grandes prejuízos possam advir da ocorrência de precipitação na forma de granizo e em alguns locais possa eventualmente nevar.

Em engenharia a forma de precipitação mais comum, e que tem maior interesse é a chuva. A chuva é a principal causa dos processos hidrológicos, e sua quantificação correta é um dos desafios que o hidrólogo ou o engenheiro enfrentam. 4.2 Qual a importância da precipitação?

Conforme mencionado quando abordado o assunto balanço hídrico, a precipitação é a

única forma de entrada de água em uma bacia hidrográfica. Assim sendo, ela fornece subsídios para a quantificação do abastecimento de água, irrigação, controle de inundações, erosão do solo, etc., e é fundamental para o adequado dimensionamento de obras hidráulicas, entre outros.

4.3 Formação da precipitação Para que ocorra uma precipitação, a condição básica é a presença de vapor de água na

atmosfera. A quantidade de vapor que o ar pode conter é limitada. A quantidade máxima de vapor que pode ser contida no ar sem condensar é a concentração de saturação (o ar a 20º C pode conter uma quantidade máxima de vapor de, aproximadamente, 20 gramas por metro cúbico – quantidades de vapor superiores a este limite acabam condensando). Uma característica muito importante da concentração de saturação é que ela aumenta com o aumento da temperatura do ar. Assim, o ar mais quente pode conter mais vapor do que ar frio. A Figura 4. 1 apresenta a variação da concentração de saturação de vapor no ar com a temperatura. Observa-se que o ar a 10º C pode conter duas vezes mais vapor do que o ar a 0º C.

O ar úmido, mais leve, eleva-se e atinge camadas mais frias da atmosfera. Ao se resfriar, pode chegar ao ponto de saturação, transformando o vapor de água em pequenas gotículas líquidas espalhadas no ar livre em forma de aerosol, constituindo nuvens. A formação das nuvens está ligada ao aumento do volume das gotículas, que flutuam graças às turbulências atmosféricas. O processo de aumento crescimento é possibilitado pela absorção de uma gotícula por outra, por choque entre elas ou pela condensação do vapor de água sobre as próprias gotículas, facilitada pela presença de núcleos de condensação (cristais de gelo, partículas de cloreto de sódio, poeira, resíduos, etc.) que normalmente flutuam no ar. Porém, em certas condições, as gotas das nuvens crescem, atingindo (entre 0,5 e 2 mm)e peso suficiente para vencer as correntes de ar que as sustentam. Nestas condições, a água das nuvens se precipita para a superfície da Terra, na forma de chuva.

Embora os volumes das gotas de chuva são de 105 a 106 vezes maiores que os das gotículas, a condensação de toda a água da nuvem geraria uma chuva imperceptível. É necessário admitir então uma constante alimentação de vapor de água de fora da nuvem por correntes de ar ascendente que conduzem ar quente e úmido e refazem constantemente a nuvem enquanto dura a precipitação.

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Figura 4. 1 – Relação entre a temperatura e o conteúdo de vapor de água no ar na condição de

saturação

4.4 Tipos de precipitação

De acordo com as características de localização, intensidade e abrangência, o ar úmido eleva-se sob diferentes condições, e dá origem a três tipos básicos de precipitação:

Convectiva: quando há pouca circulação de massas de ar, o ar próximo ao solo é aquecido

pela radiação emitida e refletida pela superfície terrestre. Esse ar quente, menos denso que o ar circundante, eleva-se na forma de células de conveção. Esse ar se esfria adiabaticamente, até atingir o nível de condensação, gerando nuvens de tipo cúmulos ou cúmulo-nimbus (Figura 4. 2). Esse tipo de precipitação é típico de zonas equatoriais, onde, o movimento do ar é essencialmente vertical. Nas zonas temperadas ocorrem nos períodos quentes, na forma de tormentas de verão, localizadas e violentas (na região sul esse tipo de precipitação também é conhecida como “chuva de verão”). As características principais de uma chuva convectiva são a sua pequena duração, intensidade elevada, atingindo áreas reduzidas; é também esse tipo de precipitação que gera o granizo. Problemas de inundação em áreas urbanas estão, muitas vezes, relacionados às chuvas convectivas

Figura 4. 2 – Esquema de formação da precipitação convectiva

Orográfica: quando os ventos carregados de umidade, soprando normalmente do oceano

para o continente, encontram uma barreira montanhosa (por exemplo, a serra do Mar), as massas de ar úmido elevam-se para transpor o obstáculo, resultando num resfriamento que pode alimentar a formação de nuvens e desencadear precipitações (Figura 4. 3). São localizadas nas encostas montanhosas que olham para o mar e quando os ventos conseguem ultrapassar a barreira montanhosa, do lado oposto projeta-se a sombra pluviométrica, dando lugar a zonas secas ou semi-áridas, causadas pelo ar seco, já que a umidade foi descarregada

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na encosta oposta. Esse tipo de precipitação geralmente tem ocorrência localizada, podendo atingir grande intensidade.

Figura 4. 3 – Esquema de formação de precipitação orográfica

Frontal: quando se encontram duas grandes massas de ar, de diferente temperatura e

umidade, o ar mais quente (mais leve e, normalmente, mais úmido) é empurrado para cima, onde atinge temperaturas mais baixas, resultando na condensação do vapor (Figura 4. 4). As massas de ar que formam as chuvas frontais têm centenas de quilômetros de extensão e movimentam se de forma relativamente lenta, conseqüentemente as chuvas frontais caracterizam-se pela longa duração e por atingirem grandes extensões. No Brasil as chuvas frontais são muito freqüentes na região Sul, atingindo também as regiões Sudeste, Centro Oeste e, por vezes, o Nordeste.

Figura 4. 4 – Esquema de formação da precipitação frontal

4.5 Aquisição de dados de precipitação

No Brasil a precipitação é convencionalmente medida por meio de aparelhos chamados de pluviômetros ou pluviógrafos. Existe ainda a possibilidade de se medir a precipitação por meio de radar (radares meteorológicos) ou imagens de satélite, mas os erros associados a esses métodos ainda são relativamente grandes. No entanto, pelo fato de apresentarem medidas em um contínuo espacial são excelentes ferramentas, que permitem a análise da distribuição espacial da chuva, ao contrário dos pluviômetros e pluviógrafos, que têm medição de caráter pontual.

Cadeia montanhosa

Vento úmido

Vento seco

Ar frio

Ar quente

Avanço da frente

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4.5.1 Pluviômetros

O pluviômetro é um aparelho dotado de uma superfície de captação horizontal, delimitada por um anel metálico e de um reservatório para acumular a água recolhida, ligado a essa área de captação. É um aparelho que fornece o total de água acumulado durante um intervalo de tempo.

Em função dos detalhes construtivos, há vários modelos de pluviômetros em uso no mundo. No Brasil é bastante difundido o tipo “Vile de Paris” (Figura 4. 5). Esse pluviômetro tem uma forma cilíndrica com uma área superior de captação da chuva de 400 cm2, de modo que um volume de 40 ml de água acumulado no pluviômetro corresponda a 1 mm de chuva.

A quantidade de chuva que entra no pluviômetro depende da exposição ao vento, da altura do instrumento e da altura dos objetos vizinhos ao aparelho. O efeito do vento altera as trajetórias do ar no espaço circundante ao pluviômetro e causa turbulência nas bordas do instrumento, produzindo erros na observação da chuva. A distância mínima dos obstáculos próximos (prédios, árvores, morros, etc.) deve ser igual a quatro vezes a altura desse obstáculo, devendo o local de instalação estar protegido do impacto direto do vento. O pluviômetro deve ser instalado a uma altura padrão de 1,50 m do solo (Figura 4. 5).

Figura 4. 5 – Pluviômetro “Ville de Paris”

Nos pluviômetros da rede de observação mantida pela Agência Nacional da Água (ANA)

a medição da chuva é realizada uma vez por dia, sempre às 7:00 da manhã, por um observador que anota o valor lido em uma caderneta.

Durante o processo de monitoramento e operação do instrumento podem ocorrer alguns erros que devem ser minimizados:

perdas por evaporação da água contida no coletor; contagem incorreta do número de provetas resultantes, no caso de chuvas importantes; água derramada durante a transferência do coletor para a proveta; graduação da proveta não correspondente à área da boca do pluviômetro; leitura defeituosa da escala da proveta; anotação incorreta na caderneta do observador.

A ANA tem uma rede de 2473 estações pluviométricas distribuídos em todo o Brasil. Além da ANA existem outras instituições e empresas que mantém pluviômetros, como o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), empresas de geração de energia hidrelétrica e empresas de pesquisa agropecuária. No banco de dados da ANA (www.hidroweb.ana.gov.br) estão cadastradas 14189 estações pluviométricas de diversas entidades, mas apenas 8760 estão em atividade atualmente.

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4.5.2 Pluviógrafos Quando é necessária informação mais detalhada da precipitação, como sua distribuição temporal ou a variação das intensidades, usa-se o pluviógrafo (Figura 4. 6). Esse tipo de instrumento permite um monitoramento contínuo, sendo que originalmente eram mecânicos, utilizavam uma balança para quantificar a água e um papel para registrar o total precipitado. Os pluviógrafos antigos com registro em papel foram substituídos, nos últimos anos, por pluviógrafos eletrônicos com memória (data-logger).

O pluviógrafo mais comum atualmente é o de cubas basculantes, em que a água recolhida é dirigida para um conjunto de duas cubas articuladas por um eixo central. A água é dirigida inicialmente para uma das cubas e quando esta cuba recebe uma quantidade de água equivalente a 20 g, aproximadamente, o conjunto báscula em torno do eixo, a cuba cheia esvazia e a cuba vazia começa a receber água. Cada movimento das cubas basculantes equivale a uma lâmina precipitada (por exemplo 0,25 mm), e o aparelho registra o número de movimentos e o tempo em que ocorre cada movimento.

Figura 4. 6 – Esquema de pluviógrafo de báscula

4.5.3 Radar

A chuva também pode ser estimada utilizando radares meteorológicos. A medição de

chuva por radar está baseada na emissão de pulsos de radiação eletromagnética que são refletidos pelas partículas de chuva na atmosfera, e na medição do da intensidade do sinal refletido (Figura 4. 7). A relação entre a intensidade do sinal enviado e recebido, denominada refletividade, é correlacionada à intensidade de chuva que está caindo em uma região. A principal vantagem do radar é a possibilidade de fazer estimativas de taxas de precipitação em uma grande região no entorno da antena emissora e receptora, embora existam erros consideráveis quando as estimativas são comparadas com dados de pluviógrafos.

No Brasil são poucos os radares para uso meteorológico, com a exceção do Estado de São

Paulo em que existem alguns em operação. Em alguns países, como os EUA, a Inglaterra e a Alemanha, já existe uma cobertura completa com sensores de radar para estimativa de chuva.

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Figura 4. 7 – Estimativa de chuva utilizando radar

4.5.4 Satélite

Também é possível fazer estimativas da precipitação a partir de imagens obtidas por sensores instalados em satélites (Figura 4. 8). A temperatura do topo das nuvens, que pode ser estimada a partir de satélites, tem uma boa correlação com a precipitação (quanto mais quente a nuvem, mais água ela contém). Além disso, existem experimentos de radares a bordo de satélites que permitem aprimorar a estimativa baseada em dados de temperatura de topo de nuvem.

Figura 4. 8 – Estimativa de chuva através de imagem de satélite

4.6 Características gerais da precipitação Do ponto de vista da engenharia, são necessários três parâmetros para definir completamente uma precipitação: sua altura pluviométrica, sua duração e sua freqüência de ocorrência ou probabilidade.

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Altura Pluviométrica (P): corresponde à espessura média da lâmina da água precipitada, que recobriria a região atingida pela precipitação, admitindo-se que esta água não se infiltrasse, não evaporasse nem escoasse para fora dos limites da bacia. A unidade de medição é o mm de chuva, definido como a quantidade de precipitação correspondente a um volume de 1 litro por metro quadrado de superfície. A altura pluviométrica total multiplicada pela área da bacia fornece o volume médio. A quantidade total de chuva (lâmina de água), dividida pela duração, indica a intensidade média dessa precipitação. Conceitualmente define-se como a quantidade de chuva por unidade de tempo (mm/h), ou taxa de transferência de água da atmosfera para o solo. A intensidade varia de um instante para outro dentro da mesma precipitação.

Duração: é o tempo transcorrido entre o início e o fim da chuva, expresso em horas ou

minutos.

Freqüência de ocorrência: é a quantidade de ocorrências de eventos iguais ou superiores ao evento de chuva considerado. Chuvas muito intensas tem freqüência baixa, isto é, ocorrem raramente. Chuvas pouco intensas são mais comuns. A Tabela 4. 1 apresenta a análise de freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes intensidades ao longo de um período de 23 anos em uma estação pluviométrica no interior do Paraná. Observa-se que ocorreram 5597 dias sem chuva (P = zero) no período total de 8279 dias, isto é, em 67% dos dias do período não ocorreu chuva. Em pouco mais de 17% dos dias do período ocorreram chuvas com intensidade baixa (menos do que 10 mm). A medida em que aumenta a intensidade da chuva diminui a freqüência de ocorrência.

Tabela 4. 1: Freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes alturas em um posto pluviométrico no interior do Paraná ao longo de um período de, aproximadamente, 23 anos

Bloco FreqüênciaP = zero 5597P < 10 mm 146410 < P < 20 mm 45920 < P < 30 mm 28930 < P < 40 mm 17740 < P < 50 mm 11150 < P < 60 mm 6660 < P < 70 mm 3870 < P < 80 mm 2880 < P < 90 mm 2090 < P < 100 mm 8100 < P < 110 mm 7110 < P < 120 mm 2120 < P < 130 mm 5130 < P < 140 mm 2140 < P < 150 mm 1150 < P < 160 mm 1160 < P < 170 mm 1170 < P < 180 mm 2180 < P < 190 mm 1190 < P < 200 mm 0P > 200 mm 0Total 8279

A variável utilizada na hidrologia para avaliar eventos extremos como chuvas muito

intensas é o tempo de retorno (TR), dado em anos. O tempo de retorno é uma estimativa do tempo em que um evento é igualado ou superado, em média. Por exemplo, uma chuva com intensidade equivalente ao tempo de retorno de 10 anos é igualada ou superada somente uma vez

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a cada dez anos, em média. Esta última ressalva “em média” implica que podem, eventualmente, ocorrer duas chuvas de TR 10 anos em dois anos subseqüentes.

O tempo de retorno pode, também, ser definido como o inverso da probabilidade de ocorrência de um determinado evento em um ano qualquer. Por exemplo, se a chuva de 130 mm em um dia é igualada ou superada apenas 1 vez a cada 10 anos diz-se que seu Tempo de Retorno é de 10 anos, e que a probabilidade de acontecer um dia com chuva igual ou superior a 130 mm em um ano qualquer é de 10%, ou seja

eobabilidadPr

1TR = (4.1)

A precipitação é uma variável hidrológica com grande aleatoriedade, tanto temporalmente quanto espacialmente. Podemos exemplificar a variabilidade espacial da chuva observando que, em algumas cidades é registrada a ocorrência de precipitação em uma região, enquanto em outras, a poucos quilômetros de distância, não se observa o evento chuvoso. Justamente pela dificuldade da correta definição da variabilidade temporal e espacial, a precipitação é uma das variáveis hidrológicas mais difíceis de ser avaliada. 4.6.1 Variação Espacial da Precipitação

Como já foi mencionado, uma das características da precipitação é sua extrema variabilidade espacial, existindo gradientes pluviométricos tanto horizontais como verticais. Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a medições executadas em áreas muito restritas (400 cm2), quase pontuais, não conseguindo, portanto, representar a variabilidade espacial da precipitação. Assim, durante um evento de chuva um pluviômetro pode ter registrado 60 mm de chuva enquanto um outro pluviômetro, a 30 km de distância registrou apenas 40 mm para o mesmo evento. Isto ocorre porque a chuva apresenta uma grande variabilidade espacial, principalmente se é originada por um processo convectivo.

Uma forma de visualizar essa variação são os mapas de isoietas, isso é, linhas que unem pontos de igual precipitação durante um certo período de tempo (dia, mês, ano). As isoietas são obtidas por interpolação dos dados de pluviômetros ou pluviógrafos, e podem ser traçadas de forma manual ou automática. A Figura 4. 9 apresenta um mapa de isoietas de chuva média anual do Estado de São Paulo, com base em dados de 1943 a 1988. Observa-se que a chuva média anual sobre a maior parte do Estado é da ordem de 1300 a 1500 mm por ano, mas há uma região próxima ao litoral com chuvas anuais de mais de 3000 mm por ano. As regiões onde as isoietas ficam muito próximas entre si é caracterizada por uma grande variabilidade espacial.

4.6.2 Variabilidade Sazonal da Precipitação Um dos aspectos mais importantes do clima e da hidrologia de uma região é a época de

ocorrência das chuvas. Existem regiões com grande variabilidade sazonal da chuva, com estações do ano muito secas ou muito úmidas. Na maior parte do Brasil o verão é o período das maiores chuvas. No Rio Grande do Sul, entretanto, a chuva é relativamente bem distribuída ao longo de todo o ano (em média). Isto não impede, entretanto, que em alguns anos ocorram invernos ou verões extremamente secos ou extremamente úmidos.

A variabilidade sazonal da chuva é representada por gráficos com a chuva média mensal, como o apresentado na Figura 4. 10 para Porto Alegre e Cuiabá. Observa-se que no Sul do Brasil existe uma distribuição mais homogênea das chuvas ao longo do ano, enquanto no Centro-Oeste ocorrem verões muito úmidos e invernos muito secos.

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Figura 4. 9 – Mapa de isoietas do Estado de São Paulo

Figura 4. 10- Variabilidade sazonal da precipitação 4.6.3 Variabilidade da Precipitação com a Altitude As observações indicam que, em geral, o volume de chuva precipitado aumenta com a altitude até atingir um máximo, a partir do qual decresce; isso permite elaborar perfis pluviomêtricos de grandes bacias ou áreas extensas.

No estudo de grandes bacias com relevo acidentado, essa característica não pode ser ignorada nas estimativas dos volumes precipitados; no traçado de isoietas, como consequência desse fato, as isolinhas em princípio devem ser paralelas às curvas de nível e isso deve ser levado em conta ao confeccionar os mapas referidos.

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4.6.4 Variabilidade da Precipitação com a Área A chuva não é homogênea numa dada extensão de terreno, mas se apresenta na forma de

células mais intensas que se movimentam de acordo com os ventos. Imaginando uma rede fixa de pluviômetros amostrando as chuvas que passam sobre eles, podem-se traçar curvas como as da Figura 4. 11 (Tucci, C.;1993), que deixam ver variações para cada região.

Figura 4. 11 – Curva relacionando o abatimento da precipitação em relação à área

4.7 Precipitação Média em uma Área Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a uma área de coleta de 400 cm2, ou seja, quase pontual. Porém, o maior interesse na hidrologia é por chuvas médias que atingem uma região, como a bacia hidrográfica. A precipitação média é considerada como uma lâmina de água, de altura uniforme sobre toda a área considerada (Figura 4. 12 a), dentro de um certo período de tempo (horas, dias, meses, anos) de tal forma que o volume precipitado assim gerado seja igual ao real.

Ao se fazer essa consideração, é feita uma abstração da condição real da distribuição espacial da precipitação. No entanto, a única forma de se conhecer essa distribuição real seria com a instalação de um grande número de pluviômetros na bacia hidrográfica. Como a manutenção e operação dos postos pluviométricos demandam dinheiro, normalmente contamos com um pequeno número de postos nas bacias hidrográficas, e é a partir dessa pequena amostra que devemos retirar o máximo de informações.

Figura 4. 12 – Precipitação média sobre uma bacia hidrográfica

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O cálculo da chuva média em uma bacia pode ser realizado utilizando o método da média aritmética; das Isoietas; dos polígonos de Thiessen ou através de interpolação em Sistemas de Informação Geográfica (SIGs). 4.7.1 Método da média aritmética É a forma mais simples de estimar a precipitação média em uma bacia hidrográfica. Como o próprio nome do método sugere, a precipitação média é calculada como a média aritmética dos valores médios de precipitação. Ao fazer esse processo, todos os postos pluviométricos têm a mesma importância.

Por exemplo, a precipitação média da bacia hidrográfica apresentada na Figura 4. 13 é dada por:

Figura 4. 13 – Bacia hidrográfica para o cálculo da precipitação média usando média aritmética

mmPm 504

)40445066(=

+++=

O método ignora as variações geográficas da precipitação e portanto é aplicável apenas em regiões onde isso possa ser feito sem incorrer em grandes erros, ou seja, em regiões planas com variação gradual e suave do gradiente pluviométrico e com cobertura de postos de medição bastante densa. 4.7.2 Método dos Polígonos de Thiessen

O método dos polígonos de Thiessen, também conhecido como método do vizinho mais próximo, é um dos mais utilizados. Nesse método é definida a área de influência de cada posto pluviométrico dentro da bacia hidrográfica. Por exemplo, vamos determinar a precipitação média na bacia hidrográfica apresentada na Figura 4. 14.

Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos. A seguir é determinado o ponto médio em cada uma destas linhas e, a partir desse ponto é traçada uma linha perpendicular. A interceptação das linhas médias entre si e com os limites da bacia irão definir a área de influência de cada um dos postos.

Área total = 100 km2

A seqüência é apresentada na Figura 4. 15.

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Figura 4. 14 – Bacia hidrográfica para determinação da precipitação média pelo método de

Thiessen

Traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos entre si.

Traçar linhas médias perpendiculares às linhas

que unem os postos pluviométricos.

Definir a região de influência de cada posto pluviométrico e medir a

sua área.

Figura 4. 15 – Determinação da precipitação média pelo método de Thiessen

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Área sob influência do posto com 120 mm = 15 km2 Área sob influência do posto com 70 mm = 40 km2 Área sob influência do posto com 50 mm = 30 km2 Área sob influência do posto com 75 mm = 5 km2 Área sob influência do posto com 82 mm = 10 km2 Precipitação média na bacia:

mmPm 7310,0.8205,0.7530,0.5040,0.7015,0.120 =++++= Se fosse utilizado o método da média aritmética haveria apenas dois postos no interior da

bacia, com uma média de 60 mm. Se fosse calculada uma média incluindo os postos que estão fora da bacia chegaríamos a 79,5 mm.

4.7.3 Método das Isoietas

Como já mencionado, as isoietas são linhas que unem pontos de igual precipitação. Depois de escrever os valores de chuva em cada posto se unem estes com linhas retas nas quais se interpolam linearmente os valores para os quais se pretende traçar as isolinhas.

A título de exemplo, vamos considerar a mesma Figura 4. 15, e o procedimento apresentado na Figura 4. 16.

Uma vez determinadas as isolinhas, determina-se a precipitação média na bacia hidrográfica. Calcula-se a área Ai, delimitada por duas isoietas e essa área é utilizada como ponderador, segundo a equação:

=

== n

i

n

i

Ai

AiPiPm

1

1.

(4.2)

Na Figura 4. 17 é apresentado o procedimento para obter os elementos necessários para

determinação da precipitação média. Esse método não é puramente mecânico como os anteriores e tem um certo grau de

dependência do julgamento do usuário, permitindo introduzir no traçado do mapa todo o conhecimento que se tenha da região, incluída a topografia, regime dos ventos, etc.

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Traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos entre si.

Dividir as linhas escrevendo os valores da precipitação interpolados

linearmente

Proceder com o traçado das isolinhas.

Figura 4. 16 – Determinação da precipitação média utilizando isoietas

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Figura 4. 17 – Procedimento para determinação da precipitação média utilizando o método das

isoietas 4.8 Tratamento dos Dados Pluviométricos

O objetivo de um posto de medição de chuvas é o de obter uma série ininterrupta de

precipitações ao longo dos anos (ou o estudo da variação das intensidades de chuva ao longo das tormentas). Em qualquer caso pode ocorrer a existência de períodos sem informações ou com falhas nas observações, devido a problemas com os aparelhos de registro e/ou com o operador do posto.

A seguir são descritos os processos empregados na consistência dos dados.

4.8.1 Identificação de erros grosseiros

As causas mais comuns de erros grosseiros nas observações são: a) preenchimento errado do valor na caderneta de campo; b) soma errada do número de provetas, quando a precipitação é alta; c) valor estimado pelo observador, por não se encontrar no local no dia da amostragem; d) crescimento de vegetação ou outra obstrução próxima ao posto de observação; e) danificação do aparelho; f) problemas mecânicos no registrador gráfico.

Após esta análise as séries poderão apresentar falhas, que devem ser preenchidas por alguns dos métodos indicados a seguir. 4.8.2 Preenchimento de falhas Conforme mencionado, quando se trabalha com precipitação deseja-se uma série ininterrupta e mais longa possível de dados. No entanto, podem ocorrer dias, ou períodos maiores em que a o dado de precipitação não foi obtido, caracterizando assim uma falha. Para o preenchimento dessas falhas podem ser utilizados alguns métodos, apresentados a seguir.

Elemento de área Ai

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Método de ponderação regional É um método simplificado, de fácil aplicação, e normalmente utilizado para o

preenchimento de séries mensais ou anuais de precipitações. Para exemplificar o método, considere um posto Y, que apresenta as falhas a serem

preenchidas. É necessário selecionar pelo menos três postos da vizinhança que possuam no mínimo dez anos de dados (X1, X2 e X3). Para preencher as falhas do posto Y, adota-se a equação

31.3.

32.

21.

1 ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛++= PX

PXPYPX

PXPYPX

PXPYPY (4.3)

onde: PY é a precipitação do posto Y a ser estimada; PX1, PX2 e PX3 são as precipitações correspondentes ao mês (ou ano) que se deseja preencher, observadas nas três estações vizinhas; PY é a precipitação média do posto Y; 1PX , 2PX e 3PX são as precipitações médias nas três estações circunvizinhas.

Os postos vizinhos escolhidos devem estar numa região climatológica semelhante ao posto a ser preenchido. Por exemplo, quando um posto se encontra próximo a um divisor importante como a Serra do Mar, mesmo havendo outro posto geograficamente próximo do outro lado do divisor, este não deve ser escolhido, pois provavelmente os mesmos terão comportamentos distintos devido à precipitação orográfica.

O preenchimento efetuado por esta metodologia é simples e apresenta algumas limitações, quando cada valor é visto isoladamente. Para o preenchimento de valores diários de precipitação não se deve utilizar esta metodologia, pois os resultados podem ser muito ruins. Normalmente valores diários são de difícil preenchimento devido a grande variação espacial e temporal da precipitação para os eventos de freqüências médias e pequenas.

Método da regressão linear

Um método mais aprimorado de preenchimento de falhas consiste em utilizar regressão linear simples ou múltipla. Na regressão linear simples, as precipitações do posto com falhas (Y) e de um posto vizinho (X) são correlacionadas. As estimativas dos dois parâmetros da equação podem ser obtidas graficamente ou através do critério de mínimos quadrados.

Para o ajuste da regressão linear simples, correlaciona-se o posto com falhas (Y) com outro vizinho (X). A correlação produz uma equação analítica, cujos parâmetros podem ser estimados por métodos como o de mínimos quadrados, ou graficamente através da plotagem cartesiana dos pares de valores (X, Y), traçando-se a reta de maior aderência que passa pelos pontos médios de X e Y. Uma vez definida a equação do tipo

XbaY .+= (4.4)

as falhas podem ser preenchidas.

Por exemplo, considerando as duas séries de precipitação dos postos P1-3252006 e P2-3252008 (ambos localizados próximos à Estação Ecológica do Taim/RS), apresentadas na Tabela 4. 2. O preenchimento das falhas dos meses de Abril e Maio de P1 pode ser feito com base na regressão linear simples. A equação obtida é apresentada no gráfico da Figura 4. 18. Assim, as precipitações dos meses de Abril e Maio seriam 108,7 e 112,1 mm, respectivamente.

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Tabela 4. 2 – Preenchimento de falhas de precipitação mensal para o ano de 2001

Precipitação mensal (mm) Mês/Ano Posto 3252006 Posto 3252008

1/2001 211.1 106.5 2/2001 58.9 75.2 3/2001 178.1 256.3 4/2001 109.6 5/2001 113.1 6/2001 183.6 161.0 7/2001 164.1 180.8 8/2001 27.6 24.8 9/2001 209.0 139.4

10/2001 144.4 161.7 11/2001 135.8 116.0 12/2001 127.9 142.6

Na regressão linear múltipla as informações pluviométricas do posto Y são

correlacionadas com as correspondentes observações de vários postos vizinhos (X1, X2, X3,...) através de equações como

...4.3.2.1. +++++= XeXdXcXbaY (4.5) onde: a, b, c, d, e,... são os coeficientes a serem estimados a partir dos dados.

P2xP1 P1 = 0.9706.P2 + 2.2754

0

50

100

150

200

250

0 50 100 150 200 250

P2

P1

Figura 4. 18 – Determinação da equação de regressão para preenchimento de falhas

4.8.3 Análise de consistência das séries pluviométricas

Um dos métodos mais conhecidos para a análise de consistência dos dados de precipitação é o Método da Dupla Massa, desenvolvido pelo Geological Survey (USA). A principal finalidade da aplicação do método é identificar se ocorreram mudanças no comportamento da precipitação ao longo do tempo, ou mesmo no local de observação.

O Método da Dupla Massa é baseado no princípio que o gráfico de uma quantidade acumulada, plotada contra outra quantidade acumulada, durante o mesmo período, deve ser uma

Falha

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linha reta, sempre que as quantidades sejam proporcionais. A declividade da reta ajustada nesse processo representa então, a constante de proporcionalidade.

Especificamente, devem ser selecionados os postos de uma região, acumular para cada um deles os valores mensais (se for o caso), e plotar num gráfico cartesiano os valores acumulados correspondentes ao posto a consistir (nas ordenadas) e de um outro posto confiável adotado como base de comparação (nas abscissas). Pode-se também modificar o método, considerando valores médios das precipitações mensais acumuladas em vários postos da região, e plotar esses valores no eixo das abscissas.

Na Figura 4. 19 é apresentada a análise de Dupla Massa para os postos 3252006 e 3252008, para um período de 37 anos de dados de precipitação mensal, onde pode-se observar que não ocorreram inconsistências. Quando não se observa o alinhamento dos dados segundo uma única reta, podem ter ocorrido as seguintes situações:

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

0 10000 20000 30000 40000 50000

Acumulados - 3252006

Acum

ulad

os -

3252

008

Figura 4. 19 – Análise de Dupla Massa – Sem inconsistências

Mudança na declividade da reta (Figura 4. 20(a)) Esse tipo de inconsistência pode ser oriundo de causas como: alterações de condições

climáticas ou condições físicas do local, mudança de observador, ou ainda devido a erros sistemáticos.

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

0 20000 40000Acumulados posto confiável

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

0 20000 40000

Acumulados posto confiável

Acum

ulad

os p

osto

em

aná

lise

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

0 20000 40000

Acumulados posto confiável

Acum

ulad

os p

osto

em

aná

lise

a) com mudança de tendência b) diferentes regimes c) erros de transcrição Figura 4. 20 – Análise de Dupla Massa – Postos com inconsistências

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Para se considerar a existência de mudança na declividade, é prática comum exigir a

ocorrência de pelo menos cinco pontos sucessivos alinhados segundo a nova tendência. Para corrigir os valores correspondentes ao posto sob análise, existem duas possibilidades: corrigir os valores mais antigos para a situação atual ou corrigir os valores mais recentes para a condição antiga. A escolha da alternativa de correção depende das causas que provocaram a mudança da declividade. Por exemplo, se foram detectados erros no período mais recente, a correção deverá ser realizada no sentido de preservar a tendência antiga. Os valores deverão ser acumulados a partir do período para o qual se deseja manter a tendência da reta, e os valores inconsistentes podem ser corrigidos de acordo com a equação

PoMoMaPacumPcorr ∆+= .' (4.6)

onde: Pcorr é a precipitação acumulada após o ajuste à tendência desejada; Pacum’ é o valor da ordenada correspondente à interseção das duas tendências; Ma é o coeficiente angular da tendência desejada; Mo é coeficiente angular da tendência a corrigir; e ∆Po representa a diferença Po-Pa, onde sendo Po é o valor acumulado a ser corrigido, e Pa é o valor acumulado da tendência desejada. Deve-se lembrar que o método de Dupla Massa não deve ser usado para valores diários de precipitação.

Tabela 4. 3 – Análise de Dupla Massa Postos Confiáveis Posto a ser consistido

Ano Apiuna Blumenau Ibirama Indaial

1945 1208.1 1352.4 1111.4 1319.5 1946 1770.8 1829 1645 2002.3 1947 1502.3 1516.7 1461.4 1976.1 1948 1409.9 1493.8 1471.8 1510.2 1949 1258.8 1301.2 1145.4 1432.9 1950 1358 1403.9 1443.9 1548 1951 1044.7 1230.2 1197.7 1295.4 1952 1159.1 1322.1 1243.8 1330.9 1953 1255.6 1289.4 1249 1356.8 1954 1851.3 1652.3 1673.3 1692.2 1955 1240 1289.8 1474.3 1274.4 1956 1237 1266.5 1402.8 1246.6 1957 1854.7 1941.1 1928.6 2036.6 1958 1758 1844.6 1404.5 1893.5 1959 1204 1564.6 1025.1 1287.5 1960 1318.9 1882.5 1224.9 1583.7 1961 1751.9 1808.3 1410.6 1712.1 1962 1219.5 1274.5 1178.2 1144.1

19d63 1530.9 1630 1392.4 1649

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Por exemplo, considerando os dados dos postos apresentados na Tabela 4. 3, fazer a consistência dos dados do posto de Indaial. Na Tabela 4. 4 é mostrado o procedimento para o traçado da Dupla Massa, e na Figura 4. 21 a análise é apresentada de forma gráfica (representação em forma gráfica da terceira e quarta coluna da Tabela 4. 4), ressaltado a mudança de tendência, bem como os coeficientes angulares. Para a análise de consistência considerou-se a manutenção do comportamento da série para o período antigo, portanto, os dados são acumulados a partir de 1945. Os valores ressaltados na coluna 5 da Tabela 4. 4 foram obtidos a partir da aplicação da equação 4.6. Os valores de precipitação apresentados na última coluna são obtidos a partir da desagregação dos dados da coluna 5.

Tabela 4. 4 – Correção dos valores de precipitação do Posto Indaial a partir da análise de Dupla Massa

Ano Precipitação

média da região (mm)

Precipitação acumulada

média da região (mm)

Precipitação acumulado

Indaial (mm)

Precipitação acumulada

corrigida Indaial (mm)

Precipitação Indaial

Corrigida (mm)

1945 1224.0 1224.0 1319.5 1319.5 1319.5 1946 1748.3 2972.2 3321.8 3321.8 2002.3 1947 1493.5 4465.7 5297.9 5297.9 1976.1 1948 1458.5 5924.2 6808.1 6808.1 1510.2 1949 1235.1 7159.3 8241.0 8241.0 1432.9 1950 1401.9 8561.3 9789.0 9789.0 1548.0 1951 1157.5 9718.8 11084.4 11084.4 1295.4 1952 1241.7 10960.5 12415.3 12415.3 1330.9 1953 1264.7 12225.1 13772.1 13772.1 1356.8 1954 1725.6 13950.8 15464.3 15508.9 1736.8 1955 1334.7 15285.5 16738.7 16905.9 1396.9 1956 1302.1 16587.6 17985.3 18272.3 1366.5 1957 1908.1 18495.7 20021.9 20504.8 2232.4 1958 1669.0 20164.7 21915.4 22580.3 2075.6 1959 1264.6 21429.3 23202.9 23991.6 1411.3 1960 1475.4 22904.7 24786.6 25727.6 1736.0 1961 1656.9 24561.7 26498.7 27604.3 1876.7 1962 1224.1 25785.7 27642.8 28858.5 1254.1

1963 1517.8 27303.5 29291.8 30666.0 1807.6

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0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

0 5000 10000 15000 20000 25000 30000

Precipitação Média Acumulada na Região (mm) - Postos de Apiuna, Blumenau e Ibirama

Prec

ipita

ção

Acum

ulad

a do

Pos

to In

daia

l (m

m)

Ponto de interseção

Pacum'

β = M a = 1,14

α = M o = 1,04

Po -

Pacu

m'

Figura 4. 21 – Análise de Dupla Massa

Alinhamento dos pontos em retas paralelas (Figura 4. 20 (c))

Esse tipo de inconsistência ocorre quando existem erros na transcrição de um ou mais

dados de precipitação, ou ainda pela ocorrência de eventos extremos de chuva dentro de um ano. Quando essa situação for identificada, pode-se estar fazendo a comparação de postos com diferentes regimes pluviométricos, portanto, sendo que nesse caso é necessário refazer a análise, buscando outros postos.

Distribuição errática dos pontos (Figura 4. 20 (b))

Esse tipo de inconsistência ocorre normalmente quando são comparados postos com

diferentes regimes pluviométricos. Nesse caso devem ser buscados outros postos para fins de comparação. 4.9 Análise de Séries de Mensais e Anuais de Precipitação

A precipitação é um processo aleatório, condicionando sua previsão a poucos dias de antecedência. Dada essa dificuldade, a previsão da precipitação é normalmente realizada em função de registros antigos de eventos, associando a freqüência de ocorrência de uma precipitação com dada magnitude a uma probabilidade teórica de ocorrência da mesma.

Em hidrologia freqüentemente são utilizadas séries de precipitação mensal e/ou anuais. Uma série de precipitação total mensal é obtida acumulando-se o volume de chuva diário ocorrido no mês correspondente (adição de precipitação diária de cada mês). Uma série de precipitação total anual é obtida pela adição dos totais mensais, ou ainda através da soma das precipitações diárias de cada ano. Na Tabela 4. 5 é apresentada uma série de precipitação total mensal e conjuntamente o total anual do posto Granja Santa Marta em Rio Grande, para o período compreendido entre 1960 e 1970.

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Tabela 4. 5 – Série de precipitação total mensal e anual do posto Granja Santa Marta em Rio Grande

Precipitação Total Mensal (mm) Ano Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez. Total Anual

(mm) 1960 99 29 238 103 6 146 272 149 164 89 81 51 1427 1961 111 87 110 39 19 215 110 107 266 113 73 54 1304 1962 65 83 181 65 29 32 100 80 148 98 36 37 954 1963 137 85 159 65 78 79 134 174 215 125 176,2 119,4 1546,6 1964 70 87,2 86,9 23,4 70,6 51,5 63,5 104,9 50,6 147 25,6 26,4 807,6 1965 8,1 35,1 181,9 114 40 52 33 217 234 79 58 66 1118,1 1966 84,9 27,7 143,5 65,8 14,1 78 200 45,4 61 63 23,2 83 889,6 1967 40,6 65,2 39,5 24,6 165,7 207,9 142 147,7 60,2 129 50,4 26,6 1099,4 1968 65,5 106,9 116,4 51,9 27,3 28,4 59,5 26,6 102,9 68,7 101,1 110,7 865,9 1969 43,1 48,4 30,5 18,7 223,7 134,4 52,7 69,2 96,7 29,2 62,3 17,3 826,2 1970 130,6 59,2 42 43,3 124,4 122,8 86,6 86,3 28,3 41,5 46,2 150 961,2

Quando usado o termo precipitação média anual, significa que foi obtida uma média a

partir dos totais anuais. Por exemplo, para a série apresentada na Tabela 4. 5, o precipitação média anual seria 1072,7 mm. É evidente que a série apresentada para esse exemplo é curta, e esse é um dos cuidados que deve ser tomado durante a determinação de dados médios da região; essa observação não é válida somente para dados de precipitação, ela diz respeito também a outros dados hidrológicos como a vazão, conforme trataremos posteriormente. Nesse processo a série utilizada deve ser representativa de um período que contemple períodos secos e chuvosos, para evitar qualquer tendenciosidade no ajuste. Por exemplo, uma série de precipitação de 2 anos é muito curta em termos de representatividade temporal, visto que a mesma pode possuir unicamente registros de chuva em anos de el niño, o que levaria a uma super-estimativa da precipitação.

Para exemplificar, na região de Porto Alegre, por exemplo, chove aproximadamente 1300 mm por ano, em média. Em muitas regiões da Amazônia chove mais do que 2000 mm por ano, enquanto na região do Semi-Árido do Nordeste há áreas com menos de 600 mm de chuva por ano. O clima, entretanto, não é constante, e ocorrem variações importantes em torno da média da precipitação anual. Nesse caso, o uso de um histograma de freqüências de uma amostra de uma variável aleatória permite conhecer a freqüência com que esta variável assumiu valores dentro de um dado intervalo, durante as observações realizadas para a formação da amostra. A Figura 4. 22 apresenta um histograma de freqüências de chuvas anuais de um posto localizado no interior de Minas Gerais, no período de 1942 a 2001. A chuva média neste período é de 1433 mm, mas observa-se que ocorreu um ano com chuva inferior a 700 mm, e um ano com chuva superior a 2300 mm.

Como normalmente estamos interessados em saber o que acontecerá no futuro em termos de precipitação (situações de projeto), um tratamento estatístico deve ser dado ao registro de precipitação, de forma a permitir a estimativa da precipitação em outro cenário. É claro que ao utilizar uma amostra obtida no passado para prever uma situação no futuro, admite-se probabilisticamente que não ocorrerão mudanças substanciais no processo de formação das chuvas no local. Isto deve ser entendido como: embora não seja possível prever as chuvas máximas que ocorrerão no futuro, pode-se afirmar que as freqüências de ocorrência observadas no passado serão válidas para descrever as probabilidades de ocorrência no futuro. (Tucci, C., 1993).

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Figura 4. 22 – Histograma de freqüência de chuvas anuais posto 02045005, no município de Lamounier (MG).

Observa-se no histograma da Figura 4. 22 que a distribuição de freqüência segue

aproximadamente a Distribuição de Gauss (distribuição Normal). A partir dessa observação, verifica-se que um ajuste de distribuição de probabilidade Normal pode ser utilizado para representar a ocorrência de um evento que ainda não foi observado.

Lembrando, que segundo a teoria da distribuição Normal, uma variável aleatória X tem uma distribuição Normal se sua função densidade de probabilidade segue a expressão

)5,0(2

.2

1)(⎥⎦⎤

⎢⎣⎡ −

−= σ

µ

πσ

x

exf (4.7)

onde: f(x) é a função densidade de probabilidade; µ é a média; e σ é o desvio padrão da amostra. Pode-se ver que para cada par de valores dos parâmetros média e desvio padrão existe uma curva diferente (Figura 4. 23).

Figura 4. 23 – Representação das funções de densidade de probabilidade da distribuição Normal

Entre as propriedades da distribuição Normal, temos que:

i) a curva é simétrica em torno da média, e a área total sob a curva é definida como 100%, e cada metade da curva tem 50% da área total; ii) a probabilidade de que a variável aleatória X esteja dentro do intervalo (a,b), P(a≤X≤b), é dada pela área sob a curva entre esses dois intervalos.

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A grande vantagem da distribuição Normal é que com o conhecimento da média e do desvio padrão é possível calcular qualquer valor de probabilidade. No entanto, como existe uma distribuição Normal diferente para cada par de valores dos parâmetros média e desvio padrão, a obtenção dos resultados se torna muito trabalhosa. O cálculo do valor da probabilidade acumulada desde menos infinito até o valor de a, denominada como probabilidade acumulada até a, P(-∞≤X≤a), sendo conhecidos os valores da média e do desvio padrão, exige que seja integrada a expressão f(x). Assim, para facilitar os cálculos foi desenvolvido um procedimento com uma única curva de distribuição. Denominada como distribuição normal padronizada, sendo aplicado o desvio padrão normalizado Z como operador de transformação.

σµ−

=XZ (4.8)

Assim a função de densidade da distribuição normal padronizada tem segue a função

)2

(2

.21)(

Z

eZf−

(4.9)

com as seguintes propriedades: i) média zero e desvio padrão igual a 1; ii) f(Z) tende a zero, quando Z tende a ± infinito; iii) a curva é simétrica em torno da média, e a área total sob a curva é definida como 100%, e

cada metade da curva tem 50% da área total; iv) a probabilidade de que a variável aleatória Z esteja dentro do intervalo (z1,z2), P(z1≤X≤

z2), é dada pela área sob a curva entre esses dois intervalos. Os cálculos da distribuição normal padronizada podem ser realizados a partir de uma

tabela de probabilidades. O aplicativo Excel também pode ser utilizado para esse fim, através da função NORMDIST. Na Tabela 4. 6 é apresentada a curva de distribuição de Z, P(Z≤Z’), onde Z’é o resultado da equação 4.8.

Por exemplo, o desvio padrão da chuva anual no posto pluviométrico da Figura 4. 22 é de

298,8 mm e a média de 1433 mm. Deseja-se estimar qual o valor de precipitação anual que é igualado ou superado apenas 5 vezes a cada 200 anos. Esse exemplo remete aos conceitos de freqüência de ocorrência e tempo de retorno apresentados no item 4.6 Características gerais da precipitação. Nesse exemplo teríamos um tempo de retorno do evento de 40 anos (200/5), ou seja, a cada 40 anos em média esse evento se repetiria. Lembrando que o inverso do tempo de retorno (TR) fornece a probabilidade de ocorrência do evento, teríamos:

025,0401

TR1.obPr === ou 2,5%

como essa é a probabilidade do evento ser igualado ou superado, temos que a probabilidade da variável reduzida Z ser menor ou igual, é 100%-2,5%=97,5%=0,975, que nesse caso resulta em um valor de variável reduzida de 1,96.

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Tabela 4. 6 – Distribuição de Z - P(Z≤Z’)

Z 0 0.01 0.02 0.03 0.04 0.05 0.06 0.07 0.08 0.09 0.0 0.5000 0.5040 0.5080 0.5120 0.5160 0.5199 0.5239 0.5279 0.5319 0.5359 0.1 0.5398 0.5438 0.5478 0.5517 0.5557 0.5596 0.5636 0.5675 0.5714 0.5753 0.2 0.5793 0.5832 0.5871 0.5910 0.5948 0.5987 0.6026 0.6064 0.6103 0.6141 0.3 0.6179 0.6217 0.6255 0.6293 0.6331 0.6368 0.6406 0.6443 0.6480 0.6517 0.4 0.6554 0.6591 0.6628 0.6664 0.6700 0.6736 0.6772 0.6808 0.6844 0.6879 0.5 0.6915 0.6950 0.6985 0.7019 0.7054 0.7088 0.7123 0.7157 0.7190 0.7224 0.6 0.7257 0.7291 0.7324 0.7357 0.7389 0.7422 0.7454 0.7486 0.7517 0.7549 0.7 0.7580 0.7611 0.7642 0.7673 0.7704 0.7734 0.7764 0.7794 0.7823 0.7852 0.8 0.7881 0.7910 0.7939 0.7967 0.7995 0.8023 0.8051 0.8078 0.8106 0.8133 0.9 0.8159 0.8186 0.8212 0.8238 0.8264 0.8289 0.8315 0.8340 0.8365 0.8389 1.0 0.8413 0.8438 0.8461 0.8485 0.8508 0.8531 0.8554 0.8577 0.8599 0.8621 1.1 0.8643 0.8665 0.8686 0.8708 0.8729 0.8749 0.8770 0.8790 0.8810 0.8830 1.2 0.8849 0.8869 0.8888 0.8907 0.8925 0.8944 0.8962 0.8980 0.8997 0.9015 1.3 0.9032 0.9049 0.9066 0.9082 0.9099 0.9115 0.9131 0.9147 0.9162 0.9177 1.4 0.9192 0.9207 0.9222 0.9236 0.9251 0.9265 0.9279 0.9292 0.9306 0.9319 1.5 0.9332 0.9345 0.9357 0.9370 0.9382 0.9394 0.9406 0.9418 0.9429 0.9441 1.6 0.9452 0.9463 0.9474 0.9484 0.9495 0.9505 0.9515 0.9525 0.9535 0.9545 1.7 0.9554 0.9564 0.9573 0.9582 0.9591 0.9599 0.9608 0.9616 0.9625 0.9633 1.8 0.9641 0.9649 0.9656 0.9664 0.9671 0.9678 0.9686 0.9693 0.9699 0.9706 1.9 0.9713 0.9719 0.9726 0.9732 0.9738 0.9744 0.9750 0.9756 0.9761 0.9767 2.0 0.9772 0.9778 0.9783 0.9788 0.9793 0.9798 0.9803 0.9808 0.9812 0.9817 2.1 0.9821 0.9826 0.9830 0.9834 0.9838 0.9842 0.9846 0.9850 0.9854 0.9857 2.2 0.9861 0.9864 0.9868 0.9871 0.9875 0.9878 0.9881 0.9884 0.9887 0.9890 2.3 0.9893 0.9896 0.9898 0.9901 0.9904 0.9906 0.9909 0.9911 0.9913 0.9916 2.4 0.9918 0.9920 0.9922 0.9925 0.9927 0.9929 0.9931 0.9932 0.9934 0.9936 2.5 0.9938 0.9940 0.9941 0.9943 0.9945 0.9946 0.9948 0.9949 0.9951 0.9952 2.6 0.9953 0.9955 0.9956 0.9957 0.9959 0.9960 0.9961 0.9962 0.9963 0.9964 2.7 0.9965 0.9966 0.9967 0.9968 0.9969 0.9970 0.9971 0.9972 0.9973 0.9974 2.8 0.9974 0.9975 0.9976 0.9977 0.9977 0.9978 0.9979 0.9979 0.9980 0.9981 2.9 0.9981 0.9982 0.9982 0.9983 0.9984 0.9984 0.9985 0.9985 0.9986 0.9986 3.0 0.9987 0.9987 0.9987 0.9988 0.9988 0.9989 0.9989 0.9989 0.9990 0.9990 3.1 0.9990 0.9991 0.9991 0.9991 0.9992 0.9992 0.9992 0.9992 0.9993 0.9993 3.2 0.9993 0.9993 0.9994 0.9994 0.9994 0.9994 0.9994 0.9995 0.9995 0.9995 3.3 0.9995 0.9995 0.9995 0.9996 0.9996 0.9996 0.9996 0.9996 0.9996 0.9997 3.4 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9997 0.9998 3.5 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 0.9998 3.6 0.9998 0.9998 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 3.7 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 3.8 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 0.9999 3.9 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 4.0 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000 1.0000

mm6,20188,298

1433X96,1XZ =−

==σ

µ−=

Outra propriedade interessante de uma distribuição Normal é:

- A probabilidade de uma precipitação de valor σ+P ser igualada ou superada é 15,9%

P(Z≤Z’)

Z’

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- A probabilidade de uma precipitação de valor σ−P ser igualada ou superada é 84,2 % onde: P é a precipitação média e σ é o desvio padrão.

Caso o ajuste teórico da distribuição Normal não se ajuste bem aos valores empíricos,

recomenda-se testar o ajuste de outra distribuição. O ajuste de uma distribuição Normal aos dados permite que seja feita a extrapolação do ajuste, para valores de precipitação que ainda não foram registrados. Contrariamente, para os valores observados, normalmente são utilizadas equações empíricas de posição de plotagem dos dados de precipitação. Uma das equações empíricas mais utilizadas para o tratamento de dados de precipitação anual e mensal é a equação de Weibull

1ni P+

= (4.10)

onde: P é a probabilidade de excedência de um evento; i é o número de ordem do valor da chuva numa série ordenada (no sentido do evento mais raro para o menos raro); n é o tamanho da amostra (número de anos de dados). Na literatura especializada também são apresentadas outras equações empíricas de posição de plotagem.

Tabela 4. 7 – Série de precipitação anual do posto Hospital em Arroio Grande

ANO P total anual (mm) 1954 1673,3 1955 1474,3 1956 1402,8 1957 1928,6 1958 1404,5 1959 1025,1 1960 1224.9 1961 1410,6 1962 1178,2 1963 1392,4 1964 918,5 1965 1383,7 1966 1633 1967 1223,7 1968 851,2 1969 1530,4 1970 1493,8 1971 1433,3 1972 1472 1973 1519,3 1974 1191,9 1975 1549,5 1976 1374 1977 1374,8 1978 1272,2 1979 1430,1 1980 1807,1 1981 1151,2 1982 1408,6 1983 2160,7 1984 1825,7

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Por exemplo, deseja-se determinar o tempo de retorno da precipitação anual de 1408,6 mm, registrada no posto Hospital de Arroio Grande. A série de totais anuais é apresentada na Tabela 4. 7. A equação empírica de posição de plotagem de Weibull é utilizada (Tabela 4. 8), posteriormente é determinado o tempo de retorno de cada precipitação (TR=1/P). Para a precipitação em interesse o tempo de retorno seria de 2 anos, ou seja, essa precipitação anual acontece em média a cada 2 anos.

Tabela 4. 8 – Ajuste da equação empírica de Weibull à série de precipitação

Ordem Precipitação Ordenada

(mm) Probabilidade de excedência do

evento (%) Tempo de retorno (anos) 1 2160.7 3.13 32.00 2 1928.6 6.25 16.00 3 1825.7 9.38 10.67 4 1807.1 12.50 8.00 5 1673.3 15.63 6.40 6 1633.0 18.75 5.33 7 1549.5 21.88 4.57 8 1530.4 25.00 4.00 9 1519.3 28.13 3.56

10 1493.8 31.25 3.20 11 1474.3 34.38 2.91 12 1472.0 37.50 2.67 13 1433.3 40.63 2.46 14 1430.1 43.75 2.29 15 1410.6 46.88 2.13 16 1408.6 50.00 2.00 17 1404.5 53.13 1.88 18 1402.8 56.25 1.78 19 1392.4 59.38 1.68 20 1383.7 62.50 1.60 21 1374.8 65.63 1.52 22 1374.0 68.75 1.45 23 1272.2 71.88 1.39 24 1224.9 75.00 1.33 25 1223.7 78.13 1.28 26 1191.9 81.25 1.23 27 1178.2 84.38 1.19 28 1151.2 87.50 1.14 29 1025.1 90.63 1.10 30 918.5 93.75 1.07 31 851.2 96.88 1.03

Suponhamos agora que haja interesse em determinar uma precipitação total anual cujo tempo de retorno seja de 50 anos. Nesse caso a distribuição empírica não fornece essa informação, sendo necessário, portanto, fazer uso de uma distribuição teórica de probabilidades para, a partir da estatística amostral, estimarmos o valor da precipitação desejada.

A partir da amostra são determinadas as estatísticas da série, de forma a utilizarmos uma distribuição Normal para a extrapolação do ajuste. Para a série de precipitação apresentada na Tabela 4. 7 a média é 1423,2 mm e o desvio padrão é 276,91 mm. Uma vez determinadas essas estatísticas, é possível ajustar uma distribuição normal a todos os dados (Tabela 4. 9), o que pode ser facilmente realizado em uma planilha do tipo Excel. Finalizado esse processo, devem ser plotados os ajustes teóricos e empíricos conjuntamente, de forma a verificar a validade da

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escolha da metodologia para a distribuição de probabilidade teórica (Figura 4. 24). A plotagem também pode ser realizada utilizando o aplicativo Excel, colocando no eixo das abscissas o tempo de retorno (em escala logarítmica) e nas ordenadas a precipitação. Outra alternativa para a plotagem é a utilização de um papel mono-logarítmico.

A partir do gráfico a precipitação com 50 anos de tempo de retorno pode ser estimada em função do ajuste teórico de probabilidades. Observa-se no mesmo gráfico que houve uma boa aderência entre os ajustes teórico e empírico para baixos valores de precipitação, entretanto, isso não é observado para valores maiores de precipitação. Nesse caso, pode-se verificar que a partir do ajuste teórico a precipitação com 50 anos de tempo de retorno seria de aproximadamente 2000 mm, enquanto a partir do ajuste empírico essa precipitação corresponde e um TR de aproximadamente 20 anos. O recomendado nessa situação seria a busca de uma nova distribuição de probabilidade teórica, que conseguisse produzir um bom ajuste tanto aos valores maiores, quanto menores de precipitação.

Tabela 4. 9 – Ajuste de distribuição Normal aos dados de precipitação do Posto Hospital Observado

decrescente Z dados Probabilidade

Acumulada (%) TR

teórico(anos) 2160.7 2.663 0.39 258.49 1928.6 1.825 3.40 29.42 1825.7 1.454 7.30 13.69 1807.1 1.386 8.28 12.07 1673.3 0.903 18.32 5.46 1633.0 0.758 22.43 4.46 1549.5 0.456 32.42 3.08 1530.4 0.387 34.93 2.86 1519.3 0.347 36.43 2.75 1493.8 0.255 39.94 2.50 1474.3 0.185 42.68 2.34 1472.0 0.176 43.01 2.33 1433.3 0.036 48.55 2.06 1430.1 0.025 49.01 2.04 1410.6 -0.046 51.82 1.93 1408.6 -0.053 52.10 1.92 1404.5 -0.068 52.69 1.90 1402.8 -0.074 52.94 1.89 1392.4 -0.111 54.43 1.84 1383.7 -0.143 55.67 1.80 1374.8 -0.175 56.94 1.76 1374.0 -0.178 57.05 1.75 1272.2 -0.545 70.72 1.41 1224.9 -0.716 76.31 1.31 1223.7 -0.720 76.44 1.31 1191.9 -0.835 79.82 1.25 1178.2 -0.885 81.19 1.23 1151.2 -0.982 83.70 1.19 1025.1 -1.438 92.47 1.08 918.5 -1.823 96.58 1.04 851.2 -2.066 98.06 1.02

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0

500

1000

1500

2000

2500

1 10 100 1000TR (anos)

Prec

ipita

ção

(mm

)

TR - empírico

TR - teórico

Figura 4. 24 – Ajuste de distribuição Normal aos dados de precipitação da

Tabela 4. 7

4.10 Precipitações intensas

As precipitações intensas são as principais causas de cheias e prejuízos, por isso merecem destaque especial em hidrologia. Normalmente o transbordamento de rios, problemas de drenagem, alagamento de ruas, inundação de residências, escolas, entre outros é um processo decorrente de uma chuva intensa. Assim, é lógico que no dimensionamento de obras de drenagem (pontes, bueiros, vertedores, etc.) deve-se analisar o comportamento das chuvas intensas em uma região, de forma a dimensionar estruturas que tragam segurança à população.

Dentro do conceito de chuva intensa, deve ser lembrado que quanto mais curta a duração de uma precipitação, maior a chance de que ela tenha sido muito intensa, e que quanto mais freqüente uma chuva maior é a probabilidade de sua ocorrência. Assim, na análise de um chuva intensa, deve ser considerada a inter-relação entre essas variáveis: Intensidade – Duração – Freqüência. Esse processo é possível através da utilização das chamadas curvas IDF.

A curva IDF é obtida a partir da análise estatística de séries longas de dados de um pluviógrafo (mais de 15 anos, pelo menos). A metodologia de desenvolvimento da curva IDF baseia-se na seleção das maiores chuvas de uma duração escolhida (por exemplo 15 minutos) em cada ano da série de dados. Com base nesta série de tamanho N (número de anos) é ajustada uma distribuição de freqüências que melhor represente a distribuição dos valores observados. Ao utilizar o registro de chuvas intensas utiliza-se uma distribuição assimétrica, como Gumbel e Log-Person III, para a realização do ajuste, O procedimento é repetido para diferentes durações de chuva (5 minutos; 10 minutos; 1 hora; 12 horas; 24 horas; 2 dias; 5 dias) e os resultados são resumidos na forma de um gráfico, ou equação, com a relação das três variáveis: Intensidade, Duração e Freqüência (ou tempo de retorno).

A Figura 4. 25 apresenta uma curva IDF obtida a partir da análise dos dados de um pluviógrafo que esteve localizado no Instituto de Pesquisas Hidráulicas em Porto Alegre. Cada uma das linhas representa um Tempo de Retorno; no eixo horizontal estão as durações e no eixo vertical estão as intensidades. Observa-se que quanto menor a duração maior a intensidade da

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chuva. Da mesma forma, quanto maior o Tempo de Retorno, maior a intensidade da chuva. Por exemplo, a chuva de 1 hora de duração com tempo de retorno de 100 anos tem uma intensidade de 60 mm.hora-1.

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

0 20 40 60 80 100 120 140

Duração (minutos)

Inte

nsid

ade

(mm

/h)

TR 2 anosTR 5 anosTR 10 anosTR 25 anosTR 50 anosTR 100 anos

Figura 4. 25 – Curva IDF de Porto Alegre obtida a partir do posto IPH

Evidentemente as curvas IDF são diferentes em diferentes locais. Assim, a curva IDF de Porto Alegre vale para a região próxima a esta cidade. Infelizmente não existem séries de dados de pluviógrafos longas em todas as cidades, assim, muitas vezes, é necessário considerar que a curva IDF de um local é válida para uma grande região do entorno. No Brasil existem estudos de chuvas intensas com curvas IDF para a maioria das capitais dos Estados e para algumas cidades do interior, apenas.

De maneira geral as equações IDF são expressas através de uma expressão com a seguinte forma

d

b

c) (t TR a

I+

= (4.11)

onde: a, b, c e d são parâmetros característicos da IDF de cada local; TR é o tempo de retorno em anos; t é a duração da precipitação em minutos. Por exemplo, a equação IDF que representa as curvas da Figura 4. 25 tem os parâmetros: a=509,86; b=0,196; c=10; d=0,72.

Em termos práticos, para a utilização de uma IDF, uma vez conhecidos os parâmetros que caracterizam a IDF de um dado local, é necessário informar o tempo de retorno de projeto e a duração da chuva. O tempo de retorno a ser utilizado é um critério relacionado com o tipo de obra de engenharia. Por exemplo, no projeto de um sistema de drenagem pluvial urbano as bocas-de-lobo são em geral dimensionadas para chuvas de 3 a 5 anos de período de retorno, enquanto que o vertedor de uma barragem como Itaipú no rio Paraná, é dimensionado para uma vazão de 100.000 anos de período de retorno. Com relação à duração da chuva, normalmente adota-se o critério de utilização da duração da chuva igual ao tempo de concentração da bacia hidrográfica para a qual será desenvolvido o estudo. Em alguns casos especiais, a duração da

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chuva também pode seguir um critério pré-estabelecido, como por exemplo, a duração máxima de 10 minutos é utilizada para o dimensionamento de redes de micro-drenagem em Porto Alegre.

Uma equação IDF também pode ser utilizada para obter a precipitação discretizada temporalmente. Por exemplo, deseja-se obter a precipitação com 20 minutos de duração e 2 anos de tempo de retorno da cidade de Porto Alegre, utilizando uma discretização temporal de 5 minutos. Na Tabela 4. 11 é apresentado esse processo a partir do uso dos parâmetros apresentados anteriormente para a IDF. Nessa tabela é apresentado na primeira coluna a duração respectiva de cada precipitação até os 20 minutos; na segunda coluna é apresentada a intensidade da precipitação correspondente a cada duração; na terceira coluna é apresentada a lâmina de água acumulada de chuva (=I*Tempo/60); e na última coluna é apresentada a precipitação de forma desacumulada (Pacumt-Pacumt-1).

Tabela 4. 10 – Determinação da precipitação a partir de uma IDF

Tempo (min) I (mm/h) Pacum (mm) P (mm) 5 83,11 6,93 6,93 10 67,56 11,26 4,33 15 57,54 14,38 3,12 20 50,46 16,82 2,44

O procedimento apresentado na Tabela 4. 10 é particularmente importante, visto que em

algumas metodologias para a determinação da vazão deve ser informada a precipitação em intensidade, enquanto em outras, deve ser informada a precipitação em forma de lâmina, conforme será visto posteriormente.

É interessante observar também que na última coluna da Tabela 4. 10 a precipitação encontra-se desagregada, no entanto, distribui-se do maior para o menor valor, como se houvesse ocorrido uma “pancada” de chuva no início do tempo, e gradativamente a mesma foi diminuindo. Esse fato é decorrente do fato como é elaborada a IDF, e pode não representar o comportamento real de uma chuva. Assim, existem alguns procedimentos para fazer a redistribuição temporal da chuva gerada a partir de uma IDF, conforme apresentado no item 4.11 Distribuição temporal da precipitação.

É interessante comparar as intensidades de chuva da curva IDF da Figura 4. 25 com as chuvas da Tabela 4. 11, que apresenta as chuvas mais intensas já registradas no mundo, para diferentes durações. Observa-se que existem regiões da China em que já ocorreu em 10 horas a chuva de 1400 mm, que é equivalente ao total anual médio de precipitação em Porto Alegre.

Tabela 4. 11 – Chuvas mais intensas já registradas no mundo (adaptado de Ward e Trimble, 2003).

Duração Precipitação (mm)

Local e Data

1 minuto 38 Barot, Guadeloupe 26/11/1970 15 minutos 198 Plumb Point, Jamaica 12/05/1916 30 minutos 280 Sikeshugou, Hebei, China 03/07/1974 60 minutos 401 Shangdi, Mongólia, China 03/07/1975

10 horas 1400 Muduocaidang, Mongólia, China 01/08/1977

24 horas 1825 Foc Foc, Ilhas Reunião 07 e 08/01/1966 12 meses 26461 Cherrapunji, Índia Ago. de 1860 a Jul. de

1861

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4.11 Distribuição temporal da precipitação

Conforme mencionado anteriormente, o resultado da obtenção da precipitação a partir de uma equação IDF é uma série de precipitação que não apresenta distribuição temporal. Assim, antes do uso da informação de precipitação é importante fazer a distribuição temporal da chuva, de tal forma que a mesma tente representar o comportamento da chuva da região.

No caso de haver informação disponível de pluviógrafo, é possível fazer um estudo sobre o comportamento da distribuição temporal da chuva na região, e a partir dessa análise proceder com a organização da chuva determinada a partir da IDF no tempo. No entanto, o caso mais comum é a adoção de um critério pré-definido para a distribuição temporal da chuva. Entre esses critérios, o mais usado dada sua simplicidade é o Método dos Blocos Alternados.

Uma vez determinada a precipitação (equivalente à última coluna da Tabela 4. 10), o procedimento para a utilização do Método dos Blocos Alternados consiste em re-organizar a precipitação da seguinte forma: o maior volume de chuva é colocado na metade (50%) da duração total da chuva (ou de acordo com outros critérios (25, 75%, etc.); os demais volumes de chuva são dispostos em ordem alternada, um abaixo desse valor, outro acima, e assim até o final do processo, conforme apresentado na Tabela 4. 12 . À última coluna dessa tabela é dado o nome de hietograma de projeto, e o mesmo pode ser apresentado em forma de um diagrama de barras, como na Figura 4. 26.

Tabela 4. 12 – Distribuição temporal da chuva usando o Método dos Blocos Alternados

Tempo (min) I (mm/h) Pacum (mm) P (mm) P(mm) Ordenada – Blocos Alternados

5 83,11 6,93 6,93 3,12 10 67,56 11,26 4,33 6,93 15 57,54 14,38 3,12 4,33 20 50,46 16,82 2,44 2,44

0

1

2

3

4

5

6

7

8

5 10 15 20

Tempo (minutos)

Prec

ipita

ção

(mm

)

Figura 4. 26 – Hietograma de projeto

Além do Método dos Blocos Alternados, na literatura especializada em hidrologia são

apresentados outros métodos como o de Huff e de Chicago.

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5. Interceptação

A interceptação é um fenômeno mal conhecido e difícil de estudar. A interceptação é produzida pela cobertura vegetal e armazenamento em depressões. Seus efeitos são de retenção de um certo volume de água da precipitação, que logo se transforma em evaporação, ou acaba infiltrando, no caso de obstruções.

Interceptação vegetal

No caso da cobertura vegetal, a capacidade de interceptação depende das características

da precipitação (intensidade, duração, volume), das características da própria cobertura vegetal (vegetação de folhas maiores possuem maior capacidade de interceptação), das condições climáticas (quando há muito vento a capacidade de interceptação é diminuída), da época do ano (por exemplo, no outono a capacidade de interceptação é praticamente nula em árvores de folhas caducas), entre outros.

Alguns valores estimados para perdas por interceptação são: prados, de 5 a 10% da precipitação anual; em bosques espessos, cerca de 25% da precipitação anual. Pode-se dizer também que se a chuva é menor que 1 mm ela será interceptada em sua totalidade, e se é maior que 1 mm, a interceptação vegetal pode variar entre 10 e 40%.

A quantificação de perdas devido à interceptação vegetal pode deve ser feita através do monitoramento do dado de precipitação em uma região sem cobertura de vegetação, e o monitoramento da precipitação que atravessa a vegetação (além de monitorar a água que escoa pelo tronco das árvores). A diferença do volume total precipitado e volume de água que atravessa a vegetação (considerando o volume escoado pelos troncos) fornece uma estimativa da interceptação do local.

Armazenamento em depressões

O volume armazenado nas depressões do terreno constitui-se perdas, já que esse volume

evapora se a depressão é impermeável, ou também infiltra, caso contrário. Em áreas urbanas estima-se que o volume de água perdido por armazenamento em

depressões seja da ordem de 5 a 8% da precipitação total. A literatura apresenta algumas equações empíricas para estimativa do armazenamento,

como a de Linsley.

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6. Evapotranspiração

O retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo hidrológico, ocorre

através do processo da evapotranspiração. A importância do processo de evapotranspiração permaneceu mal-compreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou que a água que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios, posteriormente, em forma de precipitação.

Dá-se o nome de evapotranspiração ao conjunto de dois processos: evaporação e transpiração.

Evaporação

A evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar diretamente

de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas de orvalho. A água que umedece o solo, que está em estado líquido, também pode ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporação.

Transpiração

É a transferência da água presente no solo para a atmosfera através do processo de

transpiração vegetal. A transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através dos estômatos da folha. Na Figura 6. 1 é apresentado o processo conjunto de evaporação (E) da água do solo e transpiração vegetal (T), dando origem ao processo de evapotranspiração.

Figura 6. 1 – Processo de evapotranspiração

Do ponto de vista do profissional envolvido com obras para armazenamento de água, a

evapotranspiração tem um interesse muito específico nas perdas de água que ocorrem nos reservatórios. No caso de reservatórios, temos uma grande superfície líquida sujeita à evaporação. Além disso, a evapotranspiração é um processo que influencia fortemente a quantidade de água precipitada que é transformada em vazão em uma bacia hidrográfica.

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6.1 Formação da evaporação A evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para

gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado líquido como gasoso. Algumas moléculas da água líquida têm energia suficiente para romper a barreira da superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas moléculas de água na forma de vapor do ar retornam ao líquido, fazendo o caminho inverso. Quando a quantidade de moléculas que deixam a superfície é maior do que a que retorna está ocorrendo a evaporação.

As moléculas de água no estado líquido estão relativamente unidas por forças de atração intermolecular. No vapor, as moléculas estão muito mais afastadas do que na água líquida, e a força intermolecular é muito inferior. Durante o processo de evaporação a separação média entre as moléculas aumenta muito, o que significa que é realizado trabalho em sentido contrário ao da força intermolecular, exigindo grande quantidade de energia. A quantidade de energia que uma molécula de água líquida precisa para romper a superfície e evaporar é chamada calor latente de evaporação. O calor latente de evaporação pode ser dado por unidade de massa de água, como na equação 6.1

Ts002361,0501,2 ⋅−=λ (6.1)

onde: λ é o calor latente em MJ.kg-1 e Ts é a temperatura da superfície da água em oC.

Portanto o processo de evaporação exige um fornecimento de energia, que, na natureza, é provido pela radiação solar.

O ar atmosférico é uma mistura de gases entre os quais está o vapor de água. A quantidade de vapor de água que o ar pode conter é limitada, e é denominada concentração de saturação (ou pressão de saturação). A concentração de saturação de vapor de água no ar varia de acordo com a temperatura do ar, como mostra a Figura 6. 2. Quando o ar acima de um corpo d’água está saturado de vapor o fluxo de evaporação se encerra, mesmo que a radiação solar esteja fornecendo a energia do calor latente de evaporação.

Figura 6. 2 - Relação entre o conteúdo de água no ar no ponto de saturação e a temperatura do ar.

Assim, para ocorrer a evaporação são necessárias duas condições: I) que a água líquida esteja recebendo energia para prover o calor latente de evaporação;

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II) que o ar acima da superfície líquida não esteja saturado de vapor de água. Além disso, quanto maior a energia recebida pela água líquida, tanto maior é a taxa de

evaporação. Da mesma forma, quanto mais baixa a concentração de vapor no ar acima da superfície, maior a taxa de evaporação.

A umidade relativa é a medida do conteúdo de vapor de água do ar em relação ao conteúdo de vapor que o ar teria se estivesse saturado (equação 6.2). Assim, ar com umidade relativa de 100% está saturado de vapor, e ar com umidade relativa de 0% está completamente isento de vapor.

sww100UR ⋅= (6.2)

onde UR é a umidade relativa em %; w é a massa de vapor pela massa de ar e ws é a massa de vapor por massa de ar no ponto de saturação.

A umidade relativa também pode ser expressa em termos de pressão parcial de vapor. De acordo com lei de Dalton cada gás que compõe uma mistura exerce uma pressão parcial, independente da pressão dos outros gases, igual à pressão que exerceria se fosse o único gás a ocupar o volume. No ponto de saturação a pressão parcial do vapor corresponde à pressão de saturação do vapor no ar, e a equação 6.2 pode ser reescrita como:

see100UR ⋅= (6.3)

onde UR é a umidade relativa em %; e é a pressão parcial de vapor no ar e es é pressão de saturação.

6.2 Fatores que afetam a evaporação Os principais fatores que afetam a evaporação são a temperatura, a umidade do ar, a

velocidade do vento e a radiação solar.

Radiação solar A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa das

ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e sofre transformações, de acordo com a Figura 6. 3.

Parte da energia incidente é refletida pelo ar e pelas nuvens (26%) e parte é absorvida pela poeira, pelo ar e pelas nuvens (19%). Parte da energia que chega a superfície é refletida de volta para o espaço ainda sob a forma de ondas curtas (4% do total de energia incidente no topo da atmosfera).

A energia absorvida pela terra e pelos oceanos contribui para o aquecimento destas superfícies que emitem radiação de ondas longas. Além disso, o aquecimento das superfícies contribuem para o aquecimento do ar que está em contato, gerando o fluxo de calor sensível (ar quente), e o fluxo de calor latente (evaporação).

Finalmente, a energia absorvida pelo ar, pelas nuvens e a energia dos fluxos de calor latente e sensível retorna ao espaço na forma de radiação de onda longa, fechando o balanço de energia.

O processo de fluxo de calor sensível é onde ocorre a evaporação. A intensidade desta evaporação depende da disponibilidade de energia. Os valores apresentados na Figura 6. 3 referem-se às médias globais, o que significa que a energia utilizada para evaporação pode ser maior ou menor, dependendo principalmente da latitude e da época do ano. Regiões mais

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próximas ao Equador recebem maior radiação solar, e apresentam maiores taxas de evapotranspiração.

Espaço

Atmosfera

Superfície (Terra + Oceanos)

Rad

iaçã

oSo

lar

inci

dent

e

6

refle

tida

pelo

ar

20

refle

tida

pela

s nuv

ens

refle

tida

pela

supe

rfíci

e

4

Absorvida nasuperfície

51

3

Absorvida pelasnuvens

Absorvida peloar e poeira 16

ondascurtas

21

15

Emitida pelasuperfície

6 2638

ondaslongas

Absorvida pelovapor de H2O

e CO2

Fluxo de calorsensível

7 23

Fluxo de calorlatente

Emitida pelasnuvens

Emitida pelovapor de H2O

e CO2

100

Figura 6. 3 - Média global de fluxos de energia na atmosfera da Terra.

Temperatura

A quantidade de vapor de água que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar mais

quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a evaporação.

Umidade do ar Quanto menor a umidade do ar, mais fácil é o fluxo de vapor da superfície que está

evaporando. O efeito é semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera próxima à superfície estiver com umidade relativa próxima a 100% a evaporação diminui porque o ar já está praticamente saturado de vapor.

Velocidade do vento

O vento é uma variável importante no processo de evaporação porque remove o ar úmido

diretamente do contato da superfície que está evaporando ou transpirando. O processo de fluxo de vapor na atmosfera próxima à superfície ocorre por difusão, isto é, de uma região de alta concentração (umidade relativa) próxima à superfície para uma região de baixa concentração afastada da superfície. Este processo pode ocorrer pela própria ascensão do ar quente como pela turbulência causada pelo vento.

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6.3 Medição de evaporação

A evaporação é medida de forma semelhante à precipitação, utilizando unidades de mm para caracterizar a lâmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de tempo. As formas mais comuns de medir a evaporação são o Tanque Classe A e o Evaporímetro de Piche.

O tanque Classe A (Figura 6. 4) é um recipiente metálico que tem forma circular com um diâmetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construído em aço ou ferro galvanizado, deve ser pintado na cor alumínio e instalado numa plataforma de madeira a 15 cm da superfície do solo. Deve permanecer com água variando entre 5,0 e 7,5 cm da borda superior.

A medição de evaporação no Tanque Classe A é realizada diariamente diretamente em uma régua, ou ponta linimétrica, instalada dentro do tanque, sendo que são compensados os valores da precipitação do dia. Por esta razão o Tanque Classe A é instalado em estações meteorológicas em conjunto com um pluviômetro.

Figura 6. 4 - Tanque Classe A para medição de evaporação.

As medições de tanques Classe A são particularmente importantes quando se deseja determinar a evaporação de superfícies líquidas, como por exemplo, lagos, açudes e reservatórios. É necessário, no entanto, aplicar um coeficiente de redução aos dados de evaporação medidos no tanque. Isso ocorre porque a água do reservatório normalmente está mais fria do que a água do tanque, que tem um volume pequeno e está completamente exposta à radiação solar.

Assim, para estimar a evaporação em reservatórios e lagos costuma-se considerar que esta tem um valor de aproximadamente 60 a 80% da evaporação medida em Tanque Classe A, na mesma região, isto é:

Elago = Etanque . Ft (6.4) onde Ft tem valores entre 0,6 e 0,8.

Para exemplificar a importância da quantificação da evaporação, é citado o exemplo do

reservatório de Sobradinho, um dos mais importantes do rio São Francisco, tem uma área superficial de 4.214 km2, constituindo-se no maior lago artificial do mundo. Esse lago está em uma das regiões mais secas do Brasil, e em conseqüência disso, a evaporação direta deste reservatório é estimada em 200 m3.s-1, o que corresponde a 10% da vazão regularizada do rio São Francisco. Esta perda de água por evaporação é superior à vazão prevista para o projeto de transposição do rio São Francisco, idealizado pelo governo federal.

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O evaporímetro de Piche (Figura 6. 5) é constituído por

um tubo cilíndrico, de vidro, de aproximadamente 30 cm de comprimento e um centímetro de diâmetro, fechado na parte superior e aberto na inferior. A extremidade inferior é tapada, depois do tubo estar cheio com água destilada, com um disco de papel de feltro, de 3 cm de diâmetro, que deve ser previamente molhado com água. Este disco é fixo depois com uma mola. A seguir, o tubo é preso por intermédio de uma argola a um gancho situado no interior de um abrigo meteorológico padrão.

Tanto o Tanque Classe A, quanto o evaporímetro de Piche fornecem valores de evapotranspiração potencial. No entanto, os dados de evaporação do Tanque Classe A são consideradas mais confiáveis do que as do evaporímetro de Piche.

Figura 6. 5 – Evaporímetro de Piché

6.4 Fatores que afetam a transpiração A transpiração é influenciada também pela radiação solar, pela temperatura, pela umidade

relativa do ar e pela velocidade do vento. Além disso, intervém outras variáveis, como o tipo de vegetação e o tipo de solo.

Como o processo de transpiração é a transferência da água do solo, uma das variáveis mais importantes é a umidade do solo. Quando o solo está úmido as plantas transpiram livremente, e a taxa de transpiração é controlada pelas variáveis atmosféricas. Porém, quando o solo começa a secar o fluxo de transpiração começa a diminuir. As próprias plantas têm um certo controle ativo sobre a transpiração ao fechar ou abrir os estômatos, que são as aberturas na superfície das folhas por onde ocorre a passagem do vapor para a atmosfera.

Para um determinado tipo de cobertura vegetal a taxa de evapotranspiração que ocorre em condições ideais de umidade do solo é chamada a Evapotranspiração Potencial, enquanto a taxa que ocorre para condições reais de umidade do solo é a Evapotranspiração Real. A evapotranspiração real é sempre igual ou inferior à evapotranspiração potencial.

6.5 Medição da evapotranspiração A medição da evapotranspiração é relativamente mais complicada do que a medição da

evaporação. Existem dois métodos principais de medição de evapotranspiração: os lisímetros e as medições micrometeorológicas.

Os lisímetros são depósitos ou tanques enterrados, abertos na parte superior, os quais são preenchidos com o solo e a vegetação característicos dos quais se deseja medir a evapotranspiração (Figura 6. 6). O solo recebe a precipitação, e é drenado para o fundo do aparelho onde a água é coletada e medida. O depósito é pesado diariamente, assim como a chuva e os volumes escoados de forma superficial e que saem por orifícios no fundo do lisímetro. A evapotranspiração é calculada por balanço hídrico entre dois dias subseqüentes de acordo com a equação 6.5, onde ∆V é a variação de volume de água (medida pelo peso); P é a chuva (medida num pluviômetro); E é a evapotranspiração; Qs é o escoamento superficial (medido) e Qb é o escoamento subterrâneo (medido no fundo do tanque).

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E = P - Qs – Qb - ∆V (6.5)

Figura 6. 6 - Lisímetros para medição de evapotranspiração

Os lisímetros fornecem dados de evapotranspiração real, e um lisímetro sem vegetação

pode ser utilizado para medir a evaporação real. A medição de evapotranspiração por métodos micrometeorológicos envolve a medição

das variáveis velocidade do vento e umidade relativa do ar em alta freqüência. Próximo à superfície, a velocidade do vento é paralela à mesma, o que significa que o movimento médio na vertical é zero. Entretanto, a turbulência do ar em movimento causa flutuações na velocidade vertical, que na média permanece zero, mas apresenta momentos de fluxo ascendente e descendente alternados. Na média estes fluxos são iguais a zero, entretanto num instante qualquer a velocidade ascendente pode ser dada por w’.

A umidade do ar também tem um valor médio (q) e uma flutuação em torno deste valor médio (q’). O valor de q’ positivo significa ar com umidade ligeiramente superior à média q, enquanto o valor q’ negativo significa umidade ligeiramente inferior à média. Se num instante qualquer tanto w’ como q’ são positivos então ar mais úmido do que a média está sendo afastado da superfície, e se w’ e q’ são, ao mesmo tempo, negativos, então ar mais seco do que o normal está sendo trazido para próximo da superfície.

De fato, esta correlação entre as variáveis umidade e velocidade vertical ocorre e pode ser medida para estimar a evapotranspiração. São necessários para isto sensores de resposta muito rápida para a velocidade do ar e para sua umidade, e um processador capaz de integrar os fluxos w’.q’ ao longo do tempo.

6.6 Estimativa da evapotranspiração através de equações 6.6.1 Balanço hídrico

A evapotranspiração real pode ser estimada, também, pela medição das outras variáveis

que intervém no balanço hídrico de uma bacia hidrográfica. De forma semelhante ao apresentado na equação 6.4, para um lisímetro, pode ser realizado o balanço hídrico de uma bacia para estimar a evapotranspiração. Neste caso, entretanto, as estimativas não podem ser feitas considerando o intervalo de tempo diário, mas apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque, dependendo do tamanho da bacia, a água da chuva pode permanecer vários dias ou meses no interior da bacia antes de sair escoando pelo exutório.

Para estimar a evapotranspiração real por balanço hídrico de uma bacia é necessário considerar valores médios de escoamento e precipitação de um período relativamente longo, idealmente superior a um ano. A partir daí é possível considerar que a variação de

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armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a equação de balanço hídrico se reduz à equação 6.6.

E TR = P – Q (6.6)

Por exemplo, uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 700 mm. A evapotranspiração anual pode ser calculada por balanço hídrico da bacia desprezando a variação do armazenamento na bacia, ou seja, E = 1600 – 700 = 900 mm. 6.6.2 Método de Thorntwaith

Equação empírica do Método de Thorntwaith foi desenvolvida com base em dados de

precipitação e escoamento, de várias bacias hidrográficas localizadas nas regiões central e leste dos Estados Unidos (clima temperado com verões secos e invernos úmidos).

O método correlaciona estas informações com a variável temperatura e possibilita a estimativa da evapotranspiração potencial. Por tratar-se de um método baseado unicamente na temperatura, o método de Thorntwaite ainda é muito utilizado, visto que a temperatura é um dado normalmente coletado em estações meteorológicas. No entanto, por basear-se apenas na temperatura, pode levar a resultados errôneos, pois a temperatura não é um bom indicador da energia disponível para a evapotranspiração.

Outras limitações do método são: não considera a influência do vento, nem da advecção do ar frio ou quente, não permite estimar a ETP para períodos diários. Seu uso é mais adequado para regiões úmidas. Neste método, a ETP pode ser estimada pela equação abaixo:

a

IT1016fETP ⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ ⋅

⋅⋅= (6.7)

onde:

∑=

⎥⎦⎤

⎢⎣⎡=

12

1i

514,1

5tiI (6.8)

onde: ETP é a evapotranspiração potencial para meses de 30 dias e dia com 12 horas diárias de insolação (mm/mês) T é a temperatura média do ar (ºC) f é o fator de correção em função da latitude e mês do ano (ver Tabela 6. 1) ti é a temperatura do mês analisado (ºC)

O valor de a é dado pela função cúbica do índice de calor anual:

a = 67,5 . 10-8 . I3 – 7,71 . 10–6 . I2 + 0,01791 . I + 0,492 (6.9)

Os valores obtidos pela fórmula de Thornthwaite são válidos para meses de 30 dias com

12 horas de luz por dia. Como o número de horas de luz por dia muda com a latitude e também porque há meses com 28 e 31 dias, torna-se necessário proceder correções. O fator de correção (f) é obtido da seguinte forma:

30n

12hf ⋅= (6.10)

onde: h é número de horas de luz na latitude considerada; n é número de dias do mês em estudo.

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Tabela 6. 1 -Fator de correção f do método de Thornthwaite (UNESCO, 1982) Latitude Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

10 N 0,98 0,91 1,03 1,03 1,08 1,06 1,08 1,07 1,02 1,02 0,98 0,99 5 N 1,00 0,93 1,03 1,02 1,06 1,03 1,06 1,05 1,01 1,03 0,99 1,02 0 1,02 0,94 1,04 1,01 1,01 1,01 1,04 1,04 1,01 1,04 1,01 1,04

5 S 1,04 0,95 1,04 1,00 1,02 0,99 1,02 1,03 1,00 1,05 1,03 1,06 10 S 1,08 0,97 1,05 0,99 1,01 0,96 1,00 1,01 1,00 1,06 1,05 1,10 15 S 1,12 0,98 1,05 0,98 0,98 0,94 0,97 1,00 1,00 1,07 1,07 1,12 20 S 1,14 1,00 1,05 0,97 0,96 0,91 0,95 0,99 1,00 1,08 1,09 1,15 25 S 1,17 1,01 1,05 0,96 0,94 0,88 0,93 0,98 1,00 1,10 1,11 1,18 30 S 1,20 1,03 1,06 0,95 0,92 0,85 0,90 0,96 1,00 1,12 1,14 1,21 35 S 1,23 1,04 1,06 0,94 0,89 0,82 0,87 0,94 1,00 1,13 1,17 1,25 40 S 1,27 1,06 1,07 0,93 0,86 0,78 0,84 0,92 1,00 1,15 1,20 1,29

6.6.3 Método de Blaney-Criddle

Esse método foi desenvolvido na região oeste dos Estados Unidos, nos anos 50.

Originalmente o método era utilizado para estimativas de uso consuntivo. Dadas as característica da região para a qual o método foi desenvolvido, o método é mais indicado para zonas áridas e semi-áridas, e consiste na aplicação da seguinte equação empírica para avaliar a evapotranspiração potencial:

ETP = (0,457.T + 8,13). p .24 (6.11) onde: ETP é a evapotranspiração potencial (mm/mês); T é a temperatura média mensal do ar em ºC; p é a porcentagem diária de horas de luz (Tabela 6. 2)

Tabela 6. 2 - Proporção média diária (p) de horas de luz para diferentes latitudes Latitude Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

0 S 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,277 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 05 S 0,28 0,28 0,28 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,27 0,28 0,28 0,28 10 S 0,29 0,28 0,28 0,27 0,26 0,26 0,26 0,27 0,27 0,28 0,28 0,29 15 S 0,29 0,28 0,28 0,27 0,26 0,25 0,26 0,26 0,27 0,28 0,29 0,29 20 S 0,30 0,29 0,28 0,26 0,25 0,25 0,25 0,26 0,27 0,28 0,29 0,30 25 S 0,31 0,29 0,28 0,26 0,25 0,24 0,24 0,26 0,27 0,29 0,30 0,31 30 S 0,31 0,30 0,28 0,26 0,24 0,23 0,24 0,25 0,27 0,29 0,31 0,32 35 S 0,32 0,30 0,28 0,25 0,23 0,22 0,23 0,25 0,27 0,29 0,31 0,32 40 S 0,33 0,31 0,28 0,25 0,22 0,21 0,22 0,24 0,27 0,30 0,32 0,34 46 S 0,34 0,32 0,28 0,24 0,21 0,20 0,20 0,23 0,27 0,30 0,34 0,35 50 S 0,35 0,32 0,28 0,24 0,20 0,18 0,19 0,23 0,27 0,31 0,34 0,36

6.6.4 Equações de Penman-Monteith

A principal equação de evapotranspiração de base física é a equação de Penman-Monteith (6.12).

( ) ( )

W

a

s

a

dspAL 1

rr

1

ree

cGRE

ρ⋅λ⋅

⎟⎟⎟⎟⎟

⎜⎜⎜⎜⎜

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+⋅γ+∆

−⋅⋅ρ+−⋅∆

= (6.12)

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onde: E é a taxa de evaporação da água (m.s-1); λ é o calor latente de vaporização (MJ.kg-1); ∆ é a taxa de variação da pressão de saturação do vapor com a temperatura do ar (kPa.ºC-1); RL é a radiação líquida que incide na superfície (MJ.m-2.s-1); G é o fluxo de energia para o solo (MJ.m-2.s-1); ρA é a massa específica do ar (kg.m-3); ρW é a massa específica da água (kg.m-3); cp é o calor específico do ar úmido (cp = 1,013.10-3 MJ.kg-1.ºC-1); es é a pressão de saturação do vapor (kPa); ed é a pressão real de vapor de água no ar (kPa); γ é a constante psicrométrica (γ = 0,66) (kPa.ºC-1); rs é a resistência superficial da vegetação (s.m-1); ra é a resistência aerodinâmica (s.m-1).

Os valores das variáveis podem ser obtidos pelas seguintes equações:

( )T002361,0501,2 ⋅−=λ (6.13)

T275P486,3 A

A +⋅=ρ

(6.14)

( )2s

T3,237e4098

+

⋅=∆

(6.15)

⎟⎠

⎞⎜⎝

⎛+⋅

⋅=T3,237T27,17exp6108,0es

(6.16)

100Uee R

sd ⋅= (6.17)

λ⋅=γ AP0016286,0

(6.18)

onde: UR é a umidade relativa do ar (%); PA é a pressão atmosférica (kPa); T é a temperatura do ar a 2 m da superfície (ºC).

Há uma analogia de parte da equação 6.12 com um circuito elétrico, em que o fluxo evaporativo é a corrente, a diferença de potencial é o déficit de pressão de vapor no ar (pressão de saturação do vapor menos pressão parcial real: es-ed) e a resistência é uma combinação de resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. Mudanças na temperatura do ar e velocidade do vento vão afetar a resistência aerodinâmica. Mudanças na umidade do solo são enfrentadas pelas plantas com mudanças na transpiração, que afetam a resistência estomática ou superficial.

O valor de E, calculado pela equação 6.12, é convertido para as unidades de lâmina diária pela equação a seguir.

fcEEa ⋅= (6.19) onde: Ea é a lâmina de evapotranspiração (mm.dia-1); E é a taxa de evaporação da água (mm.dia-

1); fc é um fator de conversão de unidades (fc = 8,64.107) (mm.s.dia-1.m-1). A energia disponível para a evapotranspiração depende da energia irradiada pelo sol, da

energia que é refletida ou bloqueada pela atmosfera, da energia que é refletida pela superfície

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terrestre, da energia que é irradiada pela superfície terrestre e da energia que é transmitida ao solo.

Normalmente, as estações climatológicas dispõe de dados de radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP), medida com radiômetros, ou do número de horas de insolação (n), medidas com o heliógrafo, ou mesmo da fração de cobertura de nuvens (n/N), estimada por um observador. A estimativa da radiação líquida disponível para evapotranspiração depende do tipo de dados disponível.

A situação de estimativa mais simples ocorre quando existem dados de radiação medidos, dados normalmente em MJ.m-2.dia-1, ou cal.cm-2.dia-1. Neste caso, o termo RL da equação de Penman-Monteith pode ser obtido da equação a seguir, que desconta a parte da radiação refletida.

( )α−⋅= 1SR SUPL (6.20) onde: RL é a radiação líquida na superfície (MJ.m-2.s-1); SSUP é a radiação que atinge a superfície (valor medido) (MJ.m-2.s-1); α é o albedo, que é a parcela da radiação incidente que é refletida (parâmetro que depende da cobertura vegetal e uso do solo) adimensional.

Quando existem apenas dados de horas de insolação, ou da fração de cobertura de nuvens, a radiação que atinge a superfície terrestre pode ser obtida considerando-a como uma fração da máxima energia, de acordo com a época do ano, a latitude da região, e o tipo de cobertura vegetal ou uso do solo.

A insolação máxima em um determinado ponto do planeta, considerando que o céu está sem nuvens, é dada pela equação abaixo.

s24N ω⋅π

= (6.21)

onde: N é a insolação máxima (horas); ωs é o ângulo do sol ao nascer (depende da latitude e da época do ano) (radianos), e é dado por:

( )δ⋅ϕ−=ω tantanarccoss (6.22) onde: φ é a latitude (positiva no hemisfério norte e negativa no hemisfério sul) (graus); ωs é o ângulo do sol ao nascer (radianos); δ é a declinação solar (radianos), dada por:

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −⋅

π⋅⋅=δ 405,1J

3652sin4093,0

(6.23) onde: δ é a declinação solar (radianos); J é o dia no calendário Juliano (contado a partir de 1˚ de janeiro) adimensional.

A radiação que atinge o topo da atmosfera também depende da latitude e da época do ano:

( )ssrW

TOP sencoscossensend1000

392,15S ω⋅δ⋅ϕ+δ⋅ϕ⋅ω⋅⋅λ⋅ρ

⋅= (6.24)

onde: λ é o calor latente de vaporização (MJ.kg-1); STOP é a radiação no topo da atmosfera (MJ.m-2.dia-1); ρW é a massa específica da água (kg.m-3); δ é a declinação solar (radianos); φ é a latitude (graus); ωs é o ângulo do sol ao nascer (radianos); e dr é a distância relativa da terra ao sol (adimensional), dada por:

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ ⋅

π⋅⋅+= J

3652cos033,01d r

(6.25) onde J é o dia do calendário Juliano.

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A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície terrestre depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo:

TOPssSUP SNnbaS ⋅⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛ ⋅+=

(6.26) onde: N é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano (horas); n é a insolação medida (horas); STOP é a radiação no topo da atmosfera (MJ.m-2.dia-1); SSUP é a radiação na superfície terrestre (MJ.m-2.dia-1); as é a fração da radiação que atinge a superfície em dias encobertos (quando n=0) adimensional; e as + bs é a fração da radiação que atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N) adimensional.

Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, são recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as e bs (Shuttleworth, 1993).

Quando a estação meteorológica dispõe de dados de insolação, a equação acima é utilizada com n medido e N estimado pela equação 6.21. Quando a estação dispõe de dados de fração de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente.

Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme já descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas, de 0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela de radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm.

O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende, basicamente, de quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando em um balanço negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície terrestre.

( )4n 2,273TfL +⋅σ⋅ε⋅= (6.27)

onde: Ln é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície (MJ.m-2.dia-1); f é um fator de correção devido à cobertura de nuvens (adimensional); T é a temperatura média do ar a 2 m do solo (ºC); ε é a emissividade da superfície (adimensional); σ é uma constante (σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1).

A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo. ( )de14,034,0 ⋅−=ε (6.28)

onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar (kPa). O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f) pode

ser estimado com base na equação a seguir:

Nn9,01,0f ⋅+=

(6.29) Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equação de Penman-Monteith

– pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de tempo é relativamente grande (1 dia).

Na analogia da evapotranspiração com um circuito elétrico, existem duas resistências que a “corrente” (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência aerodinâmica representa a dificuldade com que a umidade, que deixa a superfície das folhas e do solo, é dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetação o ar tende a ficar mais úmido, dificultando o fluxo de evaporação. A velocidade do vento e a turbulência contribuem para reduzir a resistência aerodinâmica, trocando o ar úmido próximo à

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superfície que está fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfícies líquidas, pelo ar seco de níveis mais elevados da atmosfera.

A resistência aerodinâmica é inversamente proporcional à altura dos obstáculos enfrentados pelo vento, porque são estes que geram a turbulência.

2

010,ma z

10lnu

25,6r ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛⋅=

para h < 10 metros (6.30)

10,ma u

94r = para h > 10 metros

onde: ra é a resistência aerodinâmica (s.m-1); um,10 é a velocidade do vento a 10 m de altura (m.s-1); z0 é a rugosidade da superfície (m); h é altura média da cobertura vegetal (m).

A rugosidade da superfície é considerada igual a um décimo da altura média da vegetação.

As estações climatológicas normalmente dispõe de dados de velocidade do vento medidas a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referência de 10 m é utilizada a equação a seguir (Bremicker, 1998).

⎟⎟⎟⎟⎟

⎜⎜⎜⎜⎜

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⋅=

0

02,m10,m

z2ln

z10ln

uu

(6.31) onde: um,10 é a velocidade do vento a 10 m de altura (m.s-1); um,2 é a velocidade do vento a 2 m de altura (m.s-1); z0 é a rugosidade da superfície (m).

A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. A resistência superficial representa a resistência ao fluxo de umidade do solo, através das plantas, até a atmosfera. Esta resistência é diferente para os diversos tipos de plantas e depende de variáveis ambientais como a umidade do solo, a temperatura do ar e a radiação recebida pela planta. A maior parte das plantas exerce um certo controle sobre a resistência dos estômatos e, portanto, pode controlar a resistência superficial.

A resistência estomática das folhas depende da disponibilidade de água no solo. Em condições favoráveis, os valores de resistência estomática e, em conseqüência, os de resistência superficial são mínimos.

A resistência superficial em boas condições de umidade é um parâmetro que pode ser estimado com base em experimentos cuidadosos em lisímetros. A grama utilizada para cálculos de evapotranspiração de referência tem uma resistência superficial de 69 s.m-1 quando o solo apresenta boas condições de umidade. Florestas tem resistências superficiais da ordem de 100 s.m-1 em boas condições de umidade do solo.

Durante períodos de estiagem mais longos, a umidade do solo vai sendo retirada por evapotranspiração e, à medida que o solo vai perdendo umidade, a evapotranspiração diminui. A redução da evapotranspiração não ocorre imediatamente. Para valores de umidade do solo entre a capacidade de campo e um limite, que vai de 50 a 80 % da capacidade de campo, a evapotranspiração não é afetada pela umidade do solo. A partir deste limite a evapotranspiração é diminuída, atingindo o mínimo – normalmente zero – no ponto de murcha permanente. Neste ponto a resistência superficial atinge valores altíssimos (teoricamente deve tender ao infinito).

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7. Infiltração

7.1 Movimento da água no solo

Os processos que se desenvolvem abaixo da superfície da terra são a infiltração, o fluxo sub-superficial e o fluxo subterrâneo (Figura 7. 1). A infiltração é o fenômeno de penetração da água nas camadas do solo próximas à superfície do terreno. O fluxo sub-superficial é o que se produz como resultado do fluxo da água no meio não saturado através do solo. O fluxo subterrâneo é o que se produz como resultado do fluxo saturado através dos estratos do solo ou rocha. O fluxo sub-superficial e o subterrâneo, sob certas condições, podem sair para a superfície, transformando-se em escoamento (vertente ou ainda fluir diretamente a um rio).

Figura 7. 1 – Zona de água sub-superficial e processos que se desenvolvem nela

Os estratos de solo e rocha, que permitem a circulação do fluxo através de si,

denominam-se de meio poroso. O fluxo é não saturado quando o meio poroso tem seus vazios ocupados por ar, e é saturado quando os vazios estão completamente ocupados por água. O nível freático é a superfície onde a água no meio poroso saturado se encontra a pressão atmosférica. Abaixo do nível freático, a água está a uma pressão maior que a atmosférica. Acima do nível freático, as forças capilares podem saturar o meio poroso em uma espessura não muito grande do solo, chamada de franja capilar. Acima desta camada, o meio poroso normalmente não está saturado, exceto imediatamente depois de uma chuva, quando se produz condição de saturação.

Se considerarmos uma porção do meio poroso não saturado, como a da Figura 7. 2, vemos que uma porção está ocupada por partículas sólidas e o resto com vazios. A porosidade η se define como a relação que há entre o volume de vazios e o volume total.

t

wv

VVV +

=η (7.1)

onde: Vv é o volume de vazios; Vw é o volume de água; Vt é o volume total. Em geral, η varia entre 0,25 e 0,75, em função da textura do solo.

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Figura 7. 2 – Seção transversal do meio poroso não saturado

Tabela 7. 1 - Porosidade para materiais típicos (Urbonas e Stahre, 1993)

Material Porosidade (%) Rocha dinamitada – Brita grossa 30 Cascalho de granulometria uniforme 40 Brita graduado (≤ ¼ polegadas) 30 Argila 40-70 Areia 25-50 Cascalho de jazida – Seixo rolado 15 – 25

Se define como conteúdo de umidade do solo, θ a relação entre o volume de água e o

volume total:

t

w

VV

=θ (7.2)

A variação de θ é desde 0 a η. Quando o solo está saturado, η=θs.

O movimento da água em um meio poroso, como é o solo, obedece a Lei de Darcy, que se define como:

fS.Kq = (7.3) onde: q é o fluxo de Darcy (Q/A); K é a condutividade hidráulica; Sf é a perda e carga por unidade de comprimento do meio poroso. Se h é a altura de carga total e consideramos a direção z, então

zhSf ∂

∂−= (7.4)

Assim, a Lei de Darcy pode ser expressa como:

zh.Kq

∂∂

−= (7.5)

Esta lei se aplica a uma seção transversal de meio poroso sempre quando esta seção seja

grande, comparada com a seção deixada pelos poros e grãos individuais no meio. As forças que intervém no fluxo saturado não confinado são a gravidade e a fricção. Em um fluxo não saturado intervêm essas duas forças, mais a força de sucção. A força de sucção é a força que une a água com as partículas de solo através da tensão superficial.

O efeito da força de sucção pode ser avaliado colocando uma coluna de solo seco em forma vertical sobre uma lâmina de água. A água se elevará dentro da coluna de solo até que a força de gravidade iguale a força sucção. A parte da altura de carga devido a força de sucção se

Superfície de controle

Partículas sólidas

Água

Vazios cheios de ar

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chama de altura de sucção (ψ) e pode ser desde uns poucos milímetros (areias grossas) até vários metros (argilas).

Tanto a força de sucção, como a condutividade hidráulica, variam com o conteúdo de umidade no solo. Em um meio poroso não saturado, a altura da carga total, h, pode ser considerada igual a altura de sucção (ψ) mais a altura de gravidade z.

zh +ψ= (7.6)

Substituindo na Lei de Darcy,

)Kz

.D()Kz

..K(z

)z(.Kq +∂θ∂

−=+∂θ∂

θ∂Ψ∂

−=∂

+Ψ∂−= (7.7)

onde: D é a difusividade da água, que se define como

).(KDθ∂Ψ∂

= (7.8)

A equação de continuidade para fluxo unidimensional não saturado e não permanente em um meio poroso é dado por

0zq

t=

∂∂

+∂θ∂ (7.9)

que pode ser expressa em função da difusividade e da condutividade como:

)Kz

.D(zt

+∂θ∂

∂∂

=∂θ∂ (7.10)

que é a equação de Richards unidimensional, apresentada pela primeira vez em 1931. 7.2 Infiltração

A infiltração também pode ser definida como o fenômeno de penetração da água nas

camadas de solo próximas à superfície do terreno, movendo-se para baixo, através de vazios, sob a ação da gravidade, até atingir uma camada suporte que a retém, formando então a água do solo. É um fenômeno que depende da água disponível para infiltrar, da natureza do solo, do estado da superfície, da vegetação e das quantidades de água e ar, inicialmente presentes no seu interior. À medida que água infiltra pela superfície, as camadas superiores do solo vão se umedecendo de cima para baixo, alterando gradativamente o perfil de um umidade.

Enquanto há aporte de água, o perfil de umidade tende à saturação em toda a profundidade, sendo a superfície, naturalmente, o primeiro nível a saturar. Quando o aporte de água à superfície cessa, isto é, deixa de haver infiltração, a umidade no interior do solo se redistribui, evoluindo para um perfil de umidade inverso, com menor teor de umidade próximo à superfície e maior nas camadas mais profundas. Na Figura 7. 3 pode-se visualizar a evolução do perfil de umidade em um solo. Nem toda a umidade é drenada para as camadas mais profundas do solo, já que parte é transferida para a atmosfera por evapotranspiração.

Na Figura 7. 3 podem ser distinguidas 4 zonas: - Zona de saturação: próxima da superfície; - Zona de transmissão: de fluxo saturado e conteúdo de umidade aproximadamente uniforme; - Zona de umidade: a umidade decresce com a profundidade; - Frente úmida: a mudança do conteúdo de umidade com a profundidade é tão grande que tem a aparência de uma descontinuidade aguda entre o solo molhado acima e o solo seco abaixo.

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Figura 7. 3 – Perfil de umidade no solo

7.2.1 Capacidade de infiltração e taxa de infiltração

O conceito de capacidade de infiltração é aplicado no estudo da infiltração para

diferenciar o potencial que o solo tem de absorver água pela sua superfície, em termos de lâmina de água por tempo, da taxa real de infiltração que acontece quando há disponibilidade de água para penetrar no solo. Uma curva de taxas reais de infiltração no tempo somente coincide com a curva das capacidades de infiltração de um solo, quando o aporte superficial de água tem intensidade superior ou igual à capacidade de infiltração. Normalmente representa-se a taxa de infiltração como f(mm/hora). A maior parte das equações de infiltração descrevem a taxa de infiltração potencial.

Quando cessa a infiltração, parte da água no interior do solo propaga-se para camadas mais profundas no solo e parte é transferida para a atmosfera por evaporação direta ou por transpiração dos vegetais. Esse processo faz com que o solo vá recuperando sua capacidade de infiltração, tendendo a um limite superior à medida que as camadas superiores do solo vão se tornando mais secas.

Se uma precipitação atinge o solo com a uma intensidade menor que a capacidade de infiltração toda a água penetra no solo, provocando uma progressiva diminuição da própria capacidade de infiltração, já que o solo está se umedecendo. Se a precipitação continuar, pode ocorrer um momento em que a capacidade de infiltração diminui tanto que sua intensidade se iguala à da precipitação. A partir deste momento, continuando a precipitação, a infiltração real se processa nas mesmas taxas da curva da capacidade de infiltração, que passa a de crescer exponencialmente no tempo tendendo a um valor mínimo de infiltração. A parcela não infiltrada escoa superficialmente.

Quando a precipitação cessa a taxa de infiltração real anula-se rapidamente e a capacidade de infiltração volta a crescer, porque o solo continua a perder a umidade para as camadas mais profundas.

A infiltração acumulada F é definida como o volume acumulado de água infiltrada, dentro de um período de tempo dado, e é igual a integral da taxa de infiltração nesse período.

∫ ττ=t

0d)(fF (7.11)

A taxa de infiltração por sua vez, é a derivada temporal da infiltração acumulada.

dt)t(dF)t(f = (7.12)

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7.3 Estimativa da Infiltração 7.3.1 Medição direta – Infiltrômetro

Os aparelhos utilizados para medir a infiltração são chamados de infiltrômetro, e são basicamente de dois tipos: • Infiltrômetro com aplicação de água por inundação:

São constituídos de dois anéis concêntricos de chapa metálica (Figura 7. 4), com diâmetros variando entre 16 e 40 cm, que são cravados verticalmente no solo de modo a restar uma pequena altura livre sobre este. Aplica-se água em ambos os cilindros mantendo uma lâmina líquida de 1 a 5 cm, sendo que no cilindro interno mede-se o volume aplicado a intervalos fixos de tempo. A finalidade do cilindro externo é manter verticalmente o fluxo de água do cilindro interno, onde é feita a medição da capacidade de campo.

Figura 7. 4 – Infiltrômetro por inundação

• Infiltrômetro com aplicação de água por aspersão ou simulador de chuva:

São aparelhos nos quais a água é aplicada por aspersão (Figura 7. 5), com taxa uniforme, superior à capacidade de infiltração no solo, exceto para um curto período de tempo inicial. Delimitam-se áreas de aplicação de água, com forma retangular ou quadrada, de 0,10 a 40 m2 de superfície; medem-se a quantidade de água adicionada e o escoamento superficial resultante, deduzindo-se a capacidade de infiltração do solo.

Figura 7. 5 – Simulador de chuva

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7.3.2 Equação de Horton A partir de experimentos de campo Horton estabeleceu, para o caso de um solo

submetido a uma precipitação com intensidade sempre superior a capacidade de infiltração, uma relação empírica para representar o decaimento da infiltração com o tempo, que pode ser representado da seguinte forma:

tk

bib e)ff(f)t(f ∆−⋅−+= (7.13)

onde: t representa o tempo (hora) contado a partir do momento em que houve saturação superficial do solo; f(t) representa a taxa de infiltração (mm/h) no tempo t; fi é a taxa de infiltração inicial (mm/h) ou seja, quando t=0; fb é a taxa de infiltração mínima (mm/h); k é uma constante de decaimento (hora-1) .

Para a utilização da equação de Horton, é necessário determinar os parâmetros a partir dos dados observados em ensaios de campo. O parâmetro fb representa a condutividade hidráulica saturada aparente do solo. O parâmetro fi é a taxa de infiltração inicial, isto é, a taxa de infiltração no momento em que é atingida a saturação superficial e começa a haver escoamento. O parâmetro k é obtido através do ajuste da equação aos pontos f x t medidos em campo.

Por exemplo, considere um ensaio de infiltração realizado (Tabela 7. 2), com alimentação de água suficiente para suprir a capacidade de infiltração. Determinar os parâmetros do método de Horton.

Na Figura 7. 6 o ensaio de infiltração foi graficado, de forma a facilitar a identificação do parâmetro fb. Nesse caso, o valor de fb é de 5,9 mm/h (valor assintótico). Para determinar o valor de k, utiliza-se a equação 7.13, onde são conhecidos fb (5,9 mm/h), fi (27 mm/h) e os intervalos de tempo ∆t. O valor de k é encontrado através de tentativas, e corresponde ao valor que produz a menor diferença entre o f(t) calculado e observado. Na Tabela 7. 3 são apresentadas algumas tentativas de ajuste de k para o ensaio de infiltração desse exemplo, e na são apresentados os ajustes. Nesse caso, o valor mais adequado de k seria 0,55, que produziu um melhor ajuste.

Tabela 7. 2 – Ensaio de infiltração t (hora) f (mm/h)

1 27 2 19 3 15 4 10 5 9 6 8 7 7 8 6 9 5,9

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0

5

10

15

20

25

30

0 2 4 6 8 10

Tempo (hora)

f (m

m/h

)

Figura 7. 6 – Resultado do ensaio de infiltração

Tabela 7. 3 – Ajuste do parâmetro k do método de Horton

t(hora) f (mm/h) ensaio

f (mm/h) calc. k=0,2

f (mm/h) calc. k=0,55

f (mm/h) calc. k=0,80

1 27 27.00 27.00 27 2 19 23.18 18.07 15.38 3 15 20.04 12.92 10.16 4 10 17.48 9.95 7.81 5 9 15.38 8.24 6.76 6 8 13.66 7.25 6.29 7 7 12.26 6.68 6.07 8 6 11.10 6.35 5.98 9 5.9 10.16 6.16 5.94

0

5

10

15

20

25

30

0 2 4 6 8 10Tempo (horas)

f (m

m/h

)

f obs.

f calc k=0,2f calc k=0,55

f calc k=0,80

Figura 7. 7 – Ajuste dos parâmetros de Horton ao ensaio de infiltração

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Integrando-se a equação 7.13, chega-se à equação que representa a infiltração acumulada, ou potencial de infiltração, dada por:

)e1()k

ff(t.fF tkbi

b∆−−⋅

−+= (7.14)

onde F é a quantidade infiltrada (ou a quantidade que iria infiltrar se houvesse água disponível), em mm. 7.3.3 Equação de Phillip

Phillip em 1957 resolveu numericamente a equação de Richards suponde que K e D

poderiam variar com o conteúdo de umidade no solo θ. KtSt)t(F 5,0 += (7.15)

onde S é a adsorção, que é uma função do potencial de sucção do solo e K é a condutividade hidráulica. Diferenciando encontra-se a taxa de infiltração

KSt.5,0)t(f 5,0 += − (7.16) Da equação, à medida que t tende ao ∞, f(t) tendo a K. O primeiro termo da equação

representa a altura de sucção e o segundo a altura de gravidade. Para uma coluna de solo, a equação de Phillip se reduz a

5,0St)t(F = (7.17) Essa equação pode ser aproveitada para calcular S em uma coluna horizontal de solo, e

utilizar esse valor para calcular a infiltração acumulada na coluna vertical.

7.3.4 Método do SCS O Soil Conservation Service (SCS, 1957) propôs uma formulação para determinar o

volume máximo de precipitação que pode ser infiltrado. Para a aplicação do método, considera-se que existe uma capacidade máxima de

armazenamento de água no solo, denominada S (mm). O valor de S depende do parâmetro CN (Curve Number) do método do SCS. O parâmetro CN, por sua vez, é determinado em função do tipo de solo, uso do solo, e condição de umidade antecedente.

254CN

25400S −= (7.18)

Assim, para determinar a parcela de água precipitada que não é infiltrada (precipitação efetiva - Pef), utiliza-se a equação 7.19

S8,0P)S2,0P(P

2

ef +−

= (7.19)

onde: P é a precipitação acumulada (mm); Pef é a precipitação efetiva (mm). Como o próprio SCS verificou, as perdas iniciais representam em média 20% da

capacidade máxima de armazenamento (S). Assim, a equação 7.19 só é válida se a precipitação P>0,2.S. No caso de P<0,2.S, toda precipitação infiltra e Pef é igual a zero.

O valor de CN pode ser obtido diretamente de tabelas desenvolvidas pelo próprio SCS, conforme apresentado a seguir. Para a utilização da tabela deve ser observada a classificação hidrológica dos solos, desenvolvida pelo próprio SCS.

mai
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Tabela 7. 4 - Valores do parâmetro CN para bacias rurais Uso do solo Superfície A B C D Solo lavrado com sulcos retilíneos 77 86 91 94 em fileiras retas 70 80 87 90 Plantações em curvas de nível 67 77 83 87 regulares terraceado em nível 64 76 84 88 Em fileiras retas 64 76 84 88 Plantações de Em curvas de nível 62 74 82 85 cereais terraceado em nível 60 71 79 82 Em fileiras retas 62 75 83 87 Plantações de Em curvas de nível 60 72 81 84 legumes ou Terraceado em nível 57 70 78 89 cultivados Pobres 68 79 86 89 Normais 49 69 79 94 Boas 39 61 74 80 Pastagens Pobres, em curvas de nível 47 67 81 88 Normais, em curvas de nível 25 59 75 83 Boas, em curvas de nível 6 35 70 79 Campos Normais 30 58 71 78 permanentes Esparsas, de baixa transpiração 45 66 77 83 Normais 36 60 73 79 Densas, de alta transpiração 25 55 70 77 Chácaras Normais 56 75 86 91 Estradas de Más 72 82 87 89 terra de superfície dura 74 84 90 92 Florestas muito esparsas, baixa transpiração 56 75 86 91 esparsas 46 68 78 84 densas, alta transpiração 26 52 62 69 normais 36 60 70 76

O SCS distingue em seu método 4 grupos hidrológicos de solos. Grupo A – Solos arenosos com baixo teor de argila total, inferior a 8 %. Grupo B – Solos arenosos menos profundos que os do Grupo A e com menor teor de argila total, porém ainda inferior a 15 %. Grupo C – Solos barrentos com teor total de argila de 20 a 30 % mas sem camadas argilosas impermeáveis ou contendo pedras até profundidades de 1,2 m. Grupo D – Solos argilosos (30 – 40 % de argila total) e ainda com camada densificada a uns 50 cm de profundidade.

O método do SCS distingue 3 condições de umidade antecedente do solo:

CONDIÇÃO I – solos secos – as chuvas nos últimos 5 dias não ultrapassam 15 mm. CONDIÇÃO II – situação média na época das cheias – as chuvas nos últimos 5 dias totalizaram entre 15 e 40 mm. CONDIÇÃO III – solo úmido (próximo da saturação) – as chuvas nos últimos 5 dias foram superiores a 40 mm e as condições meteorológicas forma desfavoráveis a altas taxas de evaporação.

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Os valores das constantes na Tabela 7. 4 e Tabela 7. 5 referem se a condições médias de umidade antecedente (Condição II). Os autores apresentaram correções aos valores tabelados para situações diferentes da média. As condições consideradas encontram-se na Tabela 7. 6.

Tabela 7. 5 – Valores do parâmetro CN para bacias urbanas Utilização ou cobertura do solo A B C D Zonas cultivadas: sem conservação do solo 72 81 88 91 com conservação do solo 62 71 78 81 Pastagens ou terrenos em más condições 68 79 86 89 Baldios boas condições 39 61 74 80 Prado em boas condições 30 58 71 78 Bosques ou zonas cobertura ruim 45 66 77 83 Florestais: cobertura boa 25 55 70 77 Espaços abertos, relvados, parques, campos de golf, cemitérios, boas condições com relva em mais de 75% da área 39 61 74 80 com relva de 50 a 75% da área 49 69 79 84 Zonas comerciais e de escritórios 89 92 94 95 Zonas industriais 81 88 91 93 Zonas residênciais lotes de (m2) % média impermeável <500 65 77 85 90 92 1000 38 61 75 83 87 1300 30 57 72 81 86 2000 25 54 70 80 85 4000 20 51 68 79 84 Parques de estacionamentos, telhados, viadutos, etc 98 98 98 98 Arruamentos e estradas asfaltadas e com drenagem de águas pluviais 98 98 98 98 Paralelepípedos 76 85 89 91 Terra 72 82 87 89

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Tabela 7. 6 - Correção de CN para outras condições iniciais de umidade. VALORES VALORES CORRIGIDOS VALORES CORRIGIDOS MÉDIOS Condição I Condição III

100 100 100 95 87 98 90 78 96 85 70 94 80 63 91 75 57 88 70 51 85 65 45 82 60 40 78 55 35 74 50 31 70 45 26 65 40 22 60 35 18 55 30 15 50 25 12 43 20 9 37 15 6 30 10 4 22 5 2 13

7.3.5 Método do Índice φ Esse método considera que existe uma infiltração constante ao longo do tempo, sendo

assim um método muito simplificado. Para a aplicação do método, define-se inicialmente um volume correspondente à

capacidade de armazenamento de água no solo, além de outras perdas. Divide-se esse valor pelo número total de intervalos de tempo com chuva, e esse valor

corresponde ao índice φ. A precipitação que não infiltra é obtida da a partir da subtração do índice φ e da precipitação total. Quando o valor de φ for maior que a precipitação (P), deve-se distribuir a diferença entre os demais intervalos.

No caso da existência de um hidrograma observado, pode-se proceder com a separação do escoamento superficial e subterrâneo, conforme será apresentado mais adiante. Uma vez conhecido o volume superficial escoado, também é conhecida a precipitação efetiva. E o índice φ pode ser determinado a partir desse resultado.

Por exemplo, considere que em um determinado evento, o volume escoado superficialmente foi estimado em 13 mm e o volume total precipitado foi de 32,5 mm, conforme apresentado no hietograma da Figura 7. 8. A partir desse resultado, pode-se inferir que o total de perdas foi de 19,5 mm. Assim, o índice φ resulta em 1,50 mm/∆t (19,5 mm / 13 intervalos de tempo de 30 minutos).

Na Figura 7. 9 é apresentado o hietograma com a separação através do índice φ. Nessa figura é possível observar que existem alguns intervalos de tempo onde as perdas (volume precipitado que encontra-se abaixo da linha do índice φ) estimadas superaram a precipitação (30, 60 e 360 minutos). Nesse caso deve ser feita uma redistribuição temporal de perdas, como pro exemplo o critério apresentado na. Figura 7. 10, onde assumiu-se que durante os 3 primeiros e nos 2 últimos intervalos de tempo, toda a precipitação infiltrou. Deve-se observar que com a correção do índice φ, a precipitação efetiva deve permanecer em 13 mm.

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0

1

2

3

4

5

6

7

30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360 390Tempo (minutos)

Pre

cipi

taçã

o (m

m)

Figura 7. 8 – Hietograma para determinação da precipitação efetiva através do índice φ

0

1

2

3

4

5

6

7

30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360 390

Tempo (minutos)

Prec

ipita

ção

(mm

)

Precipitação (mm)

indice FI

Figura 7. 9 – Hietograma após determinação do índice φ

0

1

2

3

4

5

6

7

0 30 60 90 120 150 180 210 240 270 300 330 360

Tempo (minutos)

Pre

cipi

taçã

o (m

m)

Precipitação (mm)

indice f

P efetiva - corrigida

Figura 7. 10 – Hietograma de precipitação efetiva após a separação do escoamento

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8. Análise do hidrograma 8.1 O hidrograma

O hidrograma é a representação gráfica da variação da vazão (Q) ao longo do tempo

(minutos, horas, dias). Costuma-se representar um hidrograma em escala gráfica, colocando no eixo das abscissas o tempo, e no eixo das ordenadas o valor correspondente de vazão (Figura 8. 1).

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

01-jan-65 24-jun-70 15-dez-75 06-jun-81 27-nov-86 19-mai-92 09-nov-97 02-mai-03

Vazã

o (m

3/s)

Figura 8. 1 – Hidrograma do arroio Fragata (01/01/1965 a 31/12/2002)

Da análise do hidrograma computa-se volume total, distribuição sazonal de vazão, fluxo

diário, fluxo de pico, fluxo mínimo e a freqüência de vários fluxos críticos. Entre as grandezas que estão relacionadas com o hidrograma, podem ser mencionadas, a

vazão, a velocidade do escoamento, a vazão específica e o coeficiente de escoamento. Vazão (Q): volume de água escoado na unidade de tempo em uma determinada seção

do rio. Normalmente é expressa em m3/s ou l/s. Velocidade (V): relação entre o espaço percorrido pela água e o tempo gasto. É

geralmente expressa em m/s. Vazão específica (q): relação entre a vazão e a área de drenagem da bacia. Expressa em

l/s.km2.

AQq = (8.1)

Coeficiente de escoamento é a relação entre o volume de água que atinge uma seção do curso d’água e o volume precipitado. Na Tabela 8. 1 são apresentados os coeficientes de escoamento para algumas regiões brasileiras.

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Tabela 8. 1 – Coeficiente de escoamento para algumas regiões brasileiras Área Chuva Vazão Evapotr. Coef. Esc. Região (km2) (mm) (mm) (mm)

Amazonas - Total 6112000 2546 1042 1504 0,41 Amazonas - Brasil 3884191 2249 1047 1134 0,47 Tocantins 757000 1766 471 1295 0,27 Atlântico Norte 242000 2136 782 1354 0,37 Atlântico Nordeste 787000 1121 125 996 0,11 São Francisco 634000 986 151 835 0,15 Atlântico Leste (1) 242000 1014 87 927 0,09 Atlântico Leste (2) 303000 1227 386 841 0,31 Paraná 877000 1436 403 1033 0,28 Paraguai 368000 1399 115 1284 0,08 Uruguai 178000 1699 716 983 0,42 Atlântico Sul 224000 1481 643 838 0,43 Brasil - Amazonas Total 10724000 2047 738 1309 0,36 Brasil - Amazonas Parcial 8496191 1780 660 1088 0,37

8.2 Fatores que influenciam a forma de um hidrograma Entre os fatores que influenciam na formação e característica de um hidrograma, podem

ser citados: Área da bacia hidrográfica:

A área da bacia hidrográfica define a potencialidade hídrica da mesma. Bacias hidrográficas maiores, normalmente apresentam hidrogramas com vazões maiores que bacias hidrográficas menores, para um mesmo evento de chuva. Na Figura 8. 2 é apresentado um exemplo, comparando os hidrogramas de duas bacias hidrográficas, uma com área de 75 km2 e outra de 25 km2.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

0 4 8 12 16 20 24 28 32 36 40 44 48 52 56Tempo (minutos)

Vazã

o (m

3/s)

0

5

10

15

20

25

30

Prec

ipita

ção

(mm

)

P

Qs - Bacia 75 km2

Qs - Bacia 25 km2

Figura 8. 2 – Hidrogramas em duas bacias hidrográficas

Relevo, densidade de drenagem, declividade do rio/bacia hidrográfica e forma:

Bacias hidrográfica íngremes e com boa drenagem têm hidrogramas mais “rápidos”, geralmente com pouco escoamento de base. Bacias hidrográficas muito planas, com grandes áreas de extravasamento, tendem a regularizar o escoamento e reduzindo o pico das vazões.

Quanto à forma, pode-se dizer que bacias hidrográficas com forma aproximadamente circular antecipam o pico das cheias e, normalmente, as vazões de pico são maiores que em bacias de forma alongadas (Figura 8. 3).

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0

5

10

15

20

25

30

35

40

0 5 10 15 20 25 30 35 40

Tempo (minutos)

Vazã

o (m

3/s)

Bacia alongadaBacia radial

Figura 8. 3 – Influência da forma da bacia hidrográfica no hidrograma

Condições de superfície do solo e constituição geológica do sub-solo:

Em geral a cobertura vegetal tende a retardar o escoamento e aumentar as perdas por evaporação. A substituição da cobertura vegetal por superfícies impermeáveis diminui consideravelmente a infiltração no solo, podendo agravar os problemas com cheias; assim um evento de chuva que antes da impermeabilizada não provocava inundações, pode vir a causar sérios problemas (Figura 8. 4). A redução da água infiltrada no solo também pode provocar uma mudança, em longo prazo, no regime de vazões, uma vez que a recarga sub-superficial e subterrânea pode ser consideravelmente reduzida.

A constituição geológica da bacia hidrográfica influencia na quantidade de precipitação que é transformada em escoamento superficial direto e a quantidade de água que é infiltrada. Assim, em regiões em que o solo é pouco profundo, existe uma baixa capacidade de armazenamento de água no solo e os hidrogramas apresentam picos rápidos e vazões mais elevadas, que em regiões onde a constituição geológica permite armazenar grande quantidade de água no solo.

0

20

40

60

80

100

120

140

0 10 20 30 40Tempo (minutos)

PermeávelImpermeável

Figura 8. 4 – Hidrograma em para bacia hidrográfica permeável e impermeável

Modificações artificiais no rio: Quando são realizadas obras de canalização, como por exemplo, para aproveitamento de

água (irrigação, abastecimento), para retificação de um rio, ou mesmo para a drenagem de águas pluviais, geralmente o pico das vazões e a velocidade de escoamento é aumentada.

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No caso da construção de reservatórios para a regularização de vazões, amortecimento de ondas de cheias, entre outros fins, o pico das vazões é amortecido, e a velocidade do escoamento é reduzida (Figura 8. 5).

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000Tempo (segundos)

Com reservatório

Sem reservatório

Figura 8. 5 – Impacto da implantação de um reservatório em uma bacia hidrográfica

Característica da precipitação Em geral, chuvas que deslocam-se de jusante para montante geram hidrogramas com

picos menores, e em alguns casos com dois picos. As chuvas convectivas, de grande intensidade e distribuídas numa pequena área, podem

provocar as grandes enchentes em pequenas bacias, não sendo tão importantes no caso de grandes bacias hidrográficas. No caso de grandes bacias, as chuvas frontais são as mais importantes.

Quando a precipitação é constante, e a capacidade de armazenamento de água no solo, e o tempo de concentração da bacia são atingidos, há uma estabilização do valor da vazão de pico (Figura 8. 6). Quando cessa a precipitação, o hidrograma entra em período de recessão.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

0 10 20 30 40 50 60Tempo

Vazã

o

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

Prec

ipita

ção

P

Q

Figura 8. 6 – Efeito da precipitação no hidrograma

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8.3 Analisando o hidrograma

O comportamento do hidrograma típico de uma bacia hidrográfica, após a ocorrência de uma precipitação é apresentado na Figura 8. 7. Verifica se que após o início da chuva, existe um intervalo de tempo em que o nível começa a elevar se. Este tempo retardado de resposta deve se às perdas iniciais por interceptação vegetal e depressões do solo, além do próprio retardo de resposta da bacia devido ao tempo de deslocamento da água na mesma.

O hidrograma atinge o máximo (pico), de acordo com a distribuição de precipitação, e apresenta a seguir a recessão onde se observa normalmente, um ponto de inflexão (I). A elevação da vazão até o pico ocorre normalmente em menor tempo que o tempo de recessão. O escoamento superficial é o processo predominante neste período. O ponto de inflexão caracteriza o fim do escoamento superficial e a predominância do escoamento subterrâneo.

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

1/1/1961 3/1/1961 5/1/1961 7/1/1961 9/1/1961 11/1/1961 13/1/1961 15/1/1961 17/1/1961 19/1/1961 21/1/1961 23/1/1961 25/1/1961 27/1/1961 29/1/1961 31/1/1961

CGH

CGP tc

tp

tm

tl

tb

Vazão (m3/s)

I

tr

Figura 8. 7 – Componentes do hidrograma

O tempo transcorrido entre o final da precipitação e o momento que caracteriza o fim do escoamento superficial (I) é o tempo de concentração (tc) da bacia hidrográfica. O tempo de pico é contabilizado a partir da diferença entre o centro de massa da precipitação (CM) e o momento onde ocorre o pico de vazão.

O tempo de retardo (tl) do hidrograma, com relação à precipitação, é obtido a partir da diferença entre os centros de massa. O tempo de ascensão do hidrograma (tm) é o tempo transcorrido entre o início da precipitação e a ocorrência do pico no hidrograma; assim, o tempo de recessão é o tempo necessário para a vazão diminuir até o momento em que é cessado o escoamento superficial (tr). O tempo de base (tb) é o tempo transcorrido entre o início da precipitação e aquele em que a precipitação ocorrida já escoou através da seção principal, ou que o rio volta às condições anteriores a da ocorrência da precipitação.

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8.4 Separação do escoamento

Em alguns casos (por exemplo, determinação da precipitação efetiva), é interessante fazer a separação do escoamento de um hidrograma, na parcela de escoamento superficial, sub-superficial e subterrâneo. Como normalmente as parcelas de escoamento superficial e subterrâneo representam a maior parte do escoamento, a parcela correspondente ao escoamento sub-superficial acaba é incluída em uma dessas duas parcelas.

Na verdade, o processo de separação do escoamento é um tanto subjetivo, sendo necessário determinar, primeiramente, os tempos de início da geração de escoamento superficial (início da ascensão do hidrograma) e de fim do mesmo (ponto de inflexão). A identificação do ponto que define o início da ascensão normalmente é mais simples que a definição do ponto de inflexão, sendo que normalmente a inspeção visual do hidrograma permite essa identificação. Na literatura especializada são apresentados alguns métodos para a determinação do ponto de inflexão: utilização da equação de Linsley et al. (1975); determinação do tempo de concentração; e inspeção visual.

Segundo o método apresentado por Linsley et al. (1975), o ponto de inflexão pode ser determinado a partir da equação

2,0A.827,0D = (8.1) onde: D corresponde ao número de dias transcorridos entre o pico do hidrograma e o tempo que defini o ponto de inflexão, e A é a área da bacia hidrográfica em km2. Como se pode observar, esse método é um tanto simplificado, já que para uma mesma bacia hidrográfica esse valor permanece constante, não considerando a variabilidade dos eventos de cheia.

A partir da análise gráfica anteriormente realizada, onde o tempo de concentração foi identificado como o tempo transcorrido entre o final da precipitação e o ponto de inflexão do hidrograma, verifica-se que podem ser utilizadas equações empíricas para a determinação do valor de tc. Uma vez definido esse valor é possível identificar o ponto de inflexão. No entanto, esse método é também muito simplificado, pois dependendo da equação utilizada na determinação, podem não estar sendo considerados importantes processos na bacia hidrográfica.

0

10

20

30

40

50

60

70

0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0Tempo (min)

Vaz

ão (m

3/s)

1

10

100

0.0 2.0 4.0 6.0 8.0 10.0 12.0Tempo (min)

Vaz

ão (m

3/s)

(a) Evento observado (b) Separação do escoamento

Figura 8. 8 – Separação do escoamento segundo o método da inspeção visual

I

A

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O método da inspeção visual é um dos procedimentos mais simples, e consiste na plotagem do hidrograma em escala mono-logarítmica com o tempo em escala linear (Pilgrim e Cordery, 1992). Esse procedimento permite uma melhor visualização dos menores valores que vazão, que realmente têm importância nesse processo de separação do escoamento. Assim, para o evento (exemplo Figura 8. 8(a)) se define o ponto de início do escoamento superficial e o ponto que define o fim do escoamento superficial (ponto de inflexão, é aquele a partir do qual a recessão se torna uma linha reta – Figura 8. 8(b)). Em alguns casos pode ocorrer que mais de uma mudança de inclinação da reta seja identificada, o que pode caracterizar também o escoamento sub-superficial, retardos de diferentes partes da bacia ou o efeito de diferentes camadas dos aqüíferos. Uma vez definidos esses dois pontos, une-se os mesmos por uma reta, que caracteriza a separação entre o escoamento superficial e de base.

Por exemplo, sobre uma bacia hidrográfica de 150 km2 ocorreu um evento de chuva, com total precipitado de 91 mm, que durou aproximadamente 2 horas. O evento foi registrado e é apresentado na Tabela 8. 2 . Foi realizada a separação do escoamento, apresentado na mesma tabela, em na Figura 8. 9 é apresentada a separação do escoamento no hidrograma. A partir da análise desse evento de precipitação e vazão, poderia ser obtido o coeficiente de escoamento e uma estimativa das perdas. O coeficiente de escoamento desse evento resultou em 0,15 (volume escoado superficialmente/volume precipitado) e o total de perdas da precipitação correspondeu a 77,5 mm (91 mm descontando a precipitação efetiva que é 0,15*91).

0

10

20

30

40

50

60

70

5 10 15 20 25 30 35Tempo (horas)

Qobs. Qbase

Figura 8. 9 – Separação do escoamento no hidrograma observado

Tabela 8. 2 – Hidrograma observado e separação do escoamento

Tempo (h)

Qobs. (m3/s)

Qbase (m3/s)

Qsup. (m3/s)

10 0.7 0.7 0 12 13 0.9 12.1 14 43.9 1.5 42.4 16 62 2 60 18 57.5 2.1 55.4 20 46 2.5 43.5 22 33.9 2.9 31 24 22.9 3.2 19.7 26 14.5 3.6 10.9 28 9.3 4 5.3 30 4.6 4.3 0.3 32 1.8 1.8 0

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9. Escoamento Superficial

Uma vez que a precipitação de projeto, associada a um determinado tempo de retorno já tenha sido analisada, e as perdas já tenham sido estimadas (através de alguma das metodologias disponíveis), de tal maneira a determinar a precipitação efetiva, o passo seguinte é transformar essa chuva efetiva em escoamento, ou vazão.

Essa transformação pode ser realizada mediante diferentes métodos, que podem ser identificados de acordo com a informação necessária. O método mais simples de aplicação, e baseado unicamente em dados de precipitação é o Método Racional; esse método, no entanto, fornece apenas a vazão máxima para projeto. Um segundo método baseado na precipitação e algumas características da bacia hidrográfica são os chamados Hidrogramas Unitários Sintéticos. Quando se dispõe de dados de precipitação e vazão para um mesmo evento, é possível utilizar um Hidrograma Unitário.

A seguir são apresentadas essas metodologias mencionadas.

9.1 Método Racional O método Racional é freqüentemente utilizado para o dimensionamento das redes de

drenagem urbana dada sua simplicidade, visto que engloba todos os processos em apenas um coeficiente “Coeficiente de escoamento (C)”. No entanto, o mesmo não deve ser empregado em bacias com área superior a 2 km2. Os princípios desta metodologia são:

• Considera a duração da precipitação intensa de projeto igual ao tempo de concentração da bacia. Ao considerar esta igualdade admite-se que a bacia é suficientemente pequena para que esta situação ocorra, pois a duração é inversamente proporcional à intensidade. Em bacias pequenas, as condições mais críticas ocorrem devido às precipitações convectivas que possuem pequena duração e grande intensidade.

• Adota um coeficiente único de perdas (coeficiente de escoamento), estimado com base nas características da bacia.

• Não avalia o volume de cheia e a distribuição temporal das vazões. A equação do método racional é a seguinte:

A.I.C.27,0Q = (9.1)

onde: Q: vazão máxima (m3/s); C: coeficiente de escoamento; I: intensidade da precipitação (mm/h); A: área da bacia (km2).

A intensidade da precipitação depende dos seguintes fatores: • Equação IDF característica da região. • Tempo de concentração: para a estimativa da intensidade da precipitação, é necessário

conhecer o tempo de concentração da bacia, já que o mesmo é considerado igual à duração da precipitação máxima.

• Tempo de retorno (TR): o TR utilizado para o dimensionamento de obras de microdrenagem varia de dois a dez anos. Para dimensionamento de redes de macrodrenagem costuma-se utilizar tempos de retorno de 10 anos ou mais.

mai
Highlight
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O coeficiente de escoamento utilizado no método racional depende das seguintes características: - solo; - cobertura; - tipo de ocupação; - tempo de retorno; - intensidade da precipitação.

Os coeficientes de escoamento recomendado para as superfícies urbanas estão apresentados em várias tabelas (Tabela 9. 1).

Tabela 9. 1 – Coeficientes de escoamento

Descrição da área C Área Comercial/Edificação muito densa: Partes centrais, densamente construídas, em cidade com ruas e calçadas pavimentadas 0,70 - 0,95

Área Comercial/Edificação não muito densa: Partes adjacentes ao centro, de menor densidade de habitações, mas com ruas e calçadas pavimentadas 0,60 - 0,70

Área Residencial: residências isoladas; com muita superfície livre 0,35 - 0,50 unidades múltiplas (separadas); partes residenciais com ruas macadamizas ou pavimentadas

0,50 - 0,60

unidades múltiplas (conjugadas) 0,60 - 0,75 lotes com > 2.000 m2 0,30 - 0,45 áreas com apartamentos 0,50 - 0,70 Área industrial: indústrias leves 0,50 - 0,80 indústrias pesadas 0,60 - 0,90 Outros: Matas, parques e campos de esporte, partes rurais, áreas verdes, superfícies arborizadas e parques ajardinados

0,05 – 0,20

parques, cemitérios; subúrbio com pequena densidade de construção 0,10 - 0,25 Playgrounds 0,20 - 0,35 pátios ferroviários 0,20 - 0,40 áreas sem melhoramentos 0,10 - 0,30 Pavimento: Asfalto 0,70 – 0,95 Concreto 0,80 – 0,95 Calçadas 0,75 – 0,85 Telhado 0,75 – 0,95 Cobertura: grama/areia plano (declividade 2%) 0,05 – 0,10 médio (declividade de 2 a 7%) 0,10 – 0,15 alta (declividade 7%) 0,15 – 0,20 Grama, solo pesado: plano (declividade 2%) 0,13 – 0,17 médio (declividade de 2 a 7%) 0,18 – 0,22 alta (declividade 7%) 0,25 – 0,35

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9.2 O Hidrograma Unitário (HU)

O mais popular dos métodos é o hidrograma unitário, introduzido por Sherman nos anos 30. O método do HU considera a área da bacia hidrográfica e a intensidade da chuva, assim como o Método Racional. A declividade e características fisiográficas da bacia hidrográfica em estudo também são consideradas, embora não seja explicitado.

Conceitualmente o HU é o hidrograma do escoamento direto, causado por uma chuva efetiva unitária (por exemplo, uma chuva de 1mm ou 1 cm), por isso o método é chamado de Hidrograma Unitário. O método considera que a precipitação efetiva e unitária tem intensidade constante ao longo de sua duração e distribui-se uniformemente sobre toda a área de drenagem (Sherman, 1932).

Os princípios do método são:

A resposta da bacia hidrográfica diante do processo de escoamento tem um comportamento linear. Isso significa que podem ser aplicados os princípios da proporcionalidade e superposição.

Não considera a variabilidade temporal das características da bacia hidrográfica, de maneira que a mesma chuva efetiva produz sempre o mesmo hidrograma de escoamento superficial.

Em virtude dessas hipóteses, devem ser cumpridas algumas condições:

A chuva efetiva tem uma intensidade constante dentro da duração efetiva. Essa condição exige que as chuvas sejam de curta duração, já que a taxa de chuva efetiva seria maior e aproximadamente constante no tempo, produzindo um hidrograma melhor definido, com pico único e tempo de base curto.

A chuva efetiva está uniformemente distribuída através de toda a área de drenagem. Em virtude dessa condição, a área de drenagem não deverá ser muito grande. Caso seja necessário trabalhar em bacias hidrográficas grandes, a mesma deverá ser sub-dividida em sub-bacias de modo que se cumpra essa suposição. Marínez Marin (1994) recomenda o limite superior de 400 km2.

O tempo de base do hidrograma de escoamento superficial, resultante de uma chuva efetiva, de uma dada duração, é constante. Para que o comportamento da bacia hidrográfica seja considerado linear, é necessário assumir que os hidrogramas de escoamento superficial gerados por chuvas efetivas de igual duração têm o mesmo tempo de base, independentemente da intensidade das chuvas efetivas. Esta consideração se estende também ao tempo de pico. A informação hidrológica real não é completamente linear, porém os resultados obtidos através da suposição linear são suficientemente aproximados para fins práticos.

O HU de uma duração determinada é único para uma bacia hidrográfica e não varia no tempo. As características do rio não devem ter mudanças e a bacia hidrográfica não deve possuir armazenamentos apreciáveis (sem reservatórios).

Principio de proporcionalidade

Para uma chuva efetiva de uma dada duração, o volume de chuva, que é igual ao volume escoado superficialmente, é proporcional à intensidade dessa chuva. Como os hidrogramas de escoamento superficial correspondem a chuvas efetivas de mesma duração, têm o mesmo tempo de base, considera-se que as ordenadas dos hidrogramas serão proporcionais à intensidade da chuva efetiva. Ou seja

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kQQ

PP

2

1

2

1 == (9.2)

onde: P: volume de chuva efetiva; Q: vazão do escoamento superficial.

0

5

10

15

20

25

0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25Tempo (horas)

Vaz

ão (l

/s)

P2P1 Q2=f (P2)Q1=f (P1)

Figura 9. 1 - Princípio da proporcionalidade

Principio de superposição

As vazões de um hidrograma de escoamento superficial, produzidas por chuvas efetivas sucessivas, podem ser encontradas somando as vazões dos hidrogramas de escoamento superficial correspondentes às chuvas efetivas individuais.

0

5

10

15

20

25

0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25Tempo (horas)

Vaz

ão (l

/s)

P1 Q1=f (P1)Q2=f (P2)Q total

P2

Figura 9. 2 - Princípio da superposição

A aplicação dos princípios de proporcionalidade e superposição levam à definição da chamada equação de convolução discreta.

∑==

+−

t

1i1itit hPefQ para t < k

(9.3)

∑=+−=

+−

t

1kti1itit hPefQ para t ≥ k

onde: Qt: vazão do escoamento superficial no intervalo de tempo t; h: vazão por unidade de chuva efetiva do HU;

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Pef: precipitação efetiva do bloco i; k: número de ordenadas do hidrograma unitário, que pode ser obtido por k = n – m +1, onde m é o número de pulsos de precipitação e n é o número de valores de vazões do hidrograma.

0

20

40

60

80

100

120

0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25 0.3 0.35

Tempo (horas)

Vaz

ão (l

/s)

PrecipitaçãoQ1=f (P1)Q2=f (P2)Q3=f (P3)Q4=f (P4)Q5=f (P5)Q6=f (P6)Q7=f (P7)Q8=f (P8)Q total

P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7P8

Figura 9. 3 - Convolução dos hidrogramas

Anteriormente foi visto que a equação 9.3 representa a convolução discreta do HU. Assim,

uma vez conhecida a precipitação efetiva (Pef) e o hidrograma (Q) de escoamento superficial da bacia hidrográfica, podem ser deduzidas as ordenadas (h) do HU mediante o processo chamado de deconvolução.

Se existirem m pulsos de precipitação efetiva e n pulsos de escoamento superficial, podem ser escritas n equações para Qt, n=1,2,...n, em função de n-m+1 valores desconhecidos do HU.

Por exemplo, se o hietograma de precipitação efetiva é formado por 3 blocos e o hidrograma de escoamento superficial é formado por 11 valores, significa dizer que m=3 e n=11. Resultando em n-m+1= 9 ordenadas (h) do HU. As equações de convolução resultantes seriam, onde neste caso as variáveis desconhecidas são os valores de h. Q1 = Pef1.h1 Q2 = Pef2.h1+ Pef1.h2 Q3 = Pef3.h1 +Pef2.h2+ Pef1.h3 Q4 = Pef3.h2+ Pef2.h3+Pef1.h4 Q5 = Pef3.h3+Pef2.h4+Pef1.h5 Q6 = Pef3.h4+Pef2.h5+Pef1.h6 Q7 = Pef3.h5+Pef2.h6+Pef1.h7 (9.4) Q8 = Pef3.h6+Pef2.h7+Pef1.h8 Q9 = Pef3.h7+Pef2.h8+Pef1.h9 Q10 = Pef3.h8+Pef2.h9 Q11= Pef3.h9

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Pode-se observar que esse sistema de equações está sobredimensionado, já que temos mais equações que incógnitas. Essas equações podem ser resolvidas por eliminação gaussiana, isolando cada uma das variáveis desconhecidas e resolvendo sucessivamente. Neste caso a resolução poderia começar de baixo para cima, ou de cima para baixo. 9.2.1 Dedução do Hidrograma Unitário

Para determinar o HU em uma bacia hidrográfica, é necessário dispor de registros de vazão e precipitação simultâneos. Recomenda-se procurar no histórico, eventos causados por chuvas que tenham uma duração entre 1/3 a 1/5 do tempo de concentração. A seguir é apresentado um roteiro de cálculo.

1) Calcular o volume de água precipitado sobre uma bacia hidrográfica, que é dado por

Vtot = Ptot . A (9.5) onde: Vtot: volume total precipitado sobre a bacia; Ptot: precipitação total; A: área de drenagem da bacia. 2) Fazer a separação do escoamento superficial, onde para cada instante t, a vazão que escoa superficialmente é a diferença entre a vazão observada e a vazão de base

Qe = Qobs – Qb (9.6) onde: Qe: vazão que escoa superficialmente; Qobs: vazão observada no posto fluviométrico; Qb: vazão base, extraída do gráfico. 3) Determinar o volume escoado superficialmente, calculando a área do hidrograma superficial, que pode ser obtida conforme

Ve = Σ Qei . ∆t (9.7) onde: Ve: volume escoado superficialmente; Qei: vazão que escoa superficialmente; ∆t: intervalo de tempo dos dados.

4) Determina-se o coeficiente de escoamento

tot

e

VV

C = (9.8)

onde: Ve: volume escoado superficialmente; Vtot: volume total precipitado sobre a bacia hidrográfica. 5) Determinar a chuva efetiva, multiplicando-se a chuva total pelo coeficiente de escoamento

Pef = C . Ptot (9.9) onde: Pef: chuva efetiva; C: coeficiente de escoamento Ptot: precipitação total.

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6) Determinar as ordenadas do HU

eef

uu Q

PPQ ×=

(9.10) onde: Qu: ordenada do hidrograma unitário; Pu: chuva unitária (10 mm, 1 mm); Pef: precipitação efetiva; Qe: ordenada do hidrograma de escoamento superficial. 9.3 Hidrograma Unitário Sintético (HUS)

A situação mais freqüente, na prática, é o da inexistência de dados históricos. Os hidrogramas unitários sintéticos foram estabelecidos com base em dados de algumas bacias e são utilizados quando não existem dados que permitam estabelecer o HU, conforme apresentado no item a seguri. Os métodos de determinação do HU baseiam-se na determinação do valor de algumas características do hidrograma.

9.3.1 Hidrograma Unitário Sintético do Snyder

Os hidrogramas unitários sintéticos baseiam-se nas características físicas das bacias que podem influenciar claramente a produção de vazão, como a área, declividade, forma da bacia, densidade de drenagem, parâmetros hidráulicos e redes de drenagem, etc. Um dos mais conhecidos é o hidrograma sintético de Snyder (1973), desenvolvido para bacias com área entre 10 e 10.000 milhas quadradas, o hidrograma sintético é construído utilizando os seguintes parâmetros:

Figura 9. 4 – Hidrograma Unitário Sintético de Snyder

Onde: Qp: vazão de pico;

tp

tr

Q

Tb

qp

L75 L50

t

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tr: duração da chuva efetiva; L75: largura do hidrograma a uma vazão 0,75q; L50: largura do hidrograma a uma vazão 0,50q; Tb: tempo de base.

As relações entre os parâmetros descritos acima e as características físicas da bacia foram feitas através de estudos de regressão múltipla e resultaram nas seguintes equações:

Equação do tempo de retardo:

3,0)*(33,1 GCLLCttR = (9.11)

onde : tR: tempo de retardo em horas; L: comprimento do curso d’água principal (km); LCG: distância desde a saída da bacia até o ponto do leito principal mais próximo do centróide da bacia (km); Ct: coeficiente característico da bacia.

O valor LCG tem sua representação na Figura 9. 5, abaixo:

Lc

Figura 9. 5 – Representação do valor de LCG

Equação do tempo de duração da precipitação:

5,5

tRtr = (9.12)

A vazão máxima do HU, para uma chuva de 1 cm, em m3/s.cm, é dada por:

tR

A.Cp76,2qp = (9.13)

onde: Cp: coeficiente característico da bacia. A: área da bacia em km2.

Para fazer o ajuste do hidrograma a valores de duração da chuva diferentes de tr, dado pela equação 9.12, deve-se substituir o valor de tR calculado anteriormente pelo obtido segundo a seguinte:

t’R = tR + 0,25*( tRadotado – tr ) (9.14) onde: tp: tempo de pico original. tr: que gerou o hidrograma unitário; tRadotado: duração de interesse.

O tempo de base do hidrograma em dias:

* Centro de gravidade da bacia

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Tb = 3 + tR/8 (9.15) sendo tR dado em horas. O valor estimado de Tb não pode ser considerado no caso da bacia ser muito pequena. O tempo de pico deve ser estimado por

tp = 0,5.tr + tR’ (9.16)

A partir destes pontos calculados procede-se ao desenho do hidrograma, que terá forma triangular e área igual a 1. 9.3.2 Hidrograma Unitário Sintético do SCS

O hidrograma formado com o uso deste método foi desenvolvido a partir de bacias agrícolas dos Estados Unidos e tem forma triangular, conforme a Figura 9. 6.

tp

tm tr

∆t

∆t/2

Qp

tc

Q, P

Figura 9. 6 - Hidrograma unitário triangular do SCS

Para a determinação do hidrograma unitário, deve-se inicialmente determinar alguns

parâmetros, conforme roteiro a seguir:

1) Determinar o tempo de concentração (tc) da bacia hidrográfica.

2) Determinar o parâmetro tp (horas),

tcttp .6,02

+∆

= (9.17)

onde:

∆t: intervalo de tempo de simulação, obtido a partir da precipitação (horas);

tc : tempo de concentração da bacia (horas).

3) Determinar o tempo de pico do hidrograma tR (horas),

tctR .6,0= (9.18)

4) Determinar o tempo de recessão do hidrograma tr (horas),

tptr .67,1= (9.19)

tp

tR

tr

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5) Determinar o tempo de base do hidrograma tb (horas),

trtptb += (9.20)

6) Determinar a vazão máxima utilizando a equação 9.15, válida para precipitação de 1 mm.

tp

AQp .208,0= (9.21)

onde: Qp : vazão máxima do hidrograma triangular em m3/s; A: área da bacia em km2.

O intervalo de tempo é definido em unidades de tp. Recomenda-se a utilização de ∆t=tR/5. Para o caso dos hidrogramas unitários sintéticos, o procedimento para a convolução da chuva é o mesmo apresentado para o caso com dados, conforme apresentado adiante.

9.4 Aplicação dos métodos do HU e HUS

Uma vez que já se conheça o HU correspondente a uma duração de chuva efetiva determinada, a aplicação do método do HU para encontrar o hidrograma de escoamento superficial pode se resumir nos seguintes passos.

1) Selecionar a precipitação de projeto;

2) Determinar o hietograma da chuva efetiva através da estimativa de perdas;

3) Ajustar a duração do hidrograma unitário, se necessário, através da curva S (ver descrição a seguir), visto que o intervalo de tempo utilizado para definir as ordenadas do hietograma de precipitação efetiva deve ser o mesmo que o especificado para o HU;

4) Calcular o hidrograma de escoamento superficial através da equação discreta de convolução.

Os hidrogramas unitários, desenvolvidos com a metodologia exposta apresentam o

escoamento superficial resultante de uma chuva unitária ocorrida durante um intervalo de tempo especificado. Se a chuva de projeto disponível é de uma duração diferente (ou está discretizada em intervalos de tempo diferente), é necessário definir um HU adequado, isso é, causado por uma chuva de duração que interessa.

O método do retardamento é uma possibilidade. Se existe um HU de 1 hora (entende-se causado por uma chuva de 1 hora), é possível achar o HU resultante de uma chuva unitária de 2 h, plotando dois HUs de 1 hora, deslocados de 1 hora e extraindo a média aritmética das ordenadas.

Assim, por exemplo, os 10 mm de chuva iniciais, contido na duração original de 1 hora, têm se espalhado ao longo de duas horas. Outras combinações são possíveis, compondo-se HUs da mesma duração; não é possível, no entanto, compor HUs devido a chuvas de durações diferentes. Nesses casos recorre-se ao uso de um hidrograma unitário chamado de curva S. A curva S pode ser definida como o hidrograma unitário causado por uma chuva (unitária) de duração infinita.

Para obter a curva S a partir de um HU conhecido, basta acumular progressivamente as ordenadas do HU original para se obter as respectivas ordenadas da curva S. A grande utilidade da curva S é que ela permite o cálculo de HUs de qualquer duração; para isso se desloca a curva S um intervalo de tempo t, igual à duração do HU desejado. As ordenadas desse HU procurado são calculadas pela diferença entre as duas curvas S, corrigidas pela relação D/t (onde D é a duração da chuva que originou a curva S e t é o tempo do novo HU).

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10. Propagação de Vazões

Denomina-se de propagação de vazões o procedimento através do qual se pode determinar o hidrograma em um ponto do curso de água, utilizando um hidrograma conhecido em um ponto mais a montante. Existem vários métodos apresentados na literatura para tal finalidade. No entanto, aqui são abordados o modelo de Muskingum para propagação do escoamento em rios, e o modelo de Puls, para escoamento em reservatórios.

Esses dois modelos são do tipo armazenamento, e foram desenvolvidos a partir da equação da continuidade, onde é realizado um balanço de volumes de entrada (I) e saída (Q) para cada intervalos de tempo.

)t(Q)t(IdtdS

−= (10.1)

Conhecendo I(t), não é possível obter Q(t) se não é conhecida uma segunda relação,

chamada de função de armazenamento. A forma da equação de armazenamento depende da natureza do sistema analisado. Existem vários métodos que são diferentes, conforme a maneira como é considerada a função de armazenamento.

O efeito do armazenamento sobre o hidrograma de saída é, por um lado, o de modificar a forma do hidrograma, atrasando o tempo ao pico, aumentando o tempo de base e diminuindo a vazão de pico, e por outro lado, o de atrasar o começo do hidrograma, especialmente quando se trata de canais muito longos, onde a onda de cheia deve viajar uma distância considerável.

10.1 Propagação do escoamento em rios e canais - Muskingum O método de Muskingum foi apresentado por McCarthy (1938). Este método modela o

armazenamento em um rio ou canal, mediante a combinação de dois tipos de armazenamentos, tal como se mostra na Figura 10. 1.

Durante o avanço da onda de cheia, a vazão de entrada é maior que a vazão de saída, formando um armazenamento em forma de cunha. Durante a recessão, a vazão de saída é maior que de entrada, resultando em uma cunha negativa. Adicionalmente, existe um armazenamento por prisma, que está formado por um volume de seção transversal constante ao longo de todo o comprimento do canal prismático (Chow, 1959).

Figura 10. 1 - Armazenamento por cunha e prisma em um rio

O volume de armazenamento prismático é proporcional a vazão de saída, já que se supõe

que a vazão de saída é proporcional à área da seção do rio.

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Q.KS p = (10.2)

O valor de K é considerado igual ao tempo de deslocamento da onda de cheia através do trecho de rio. O volume de armazenamento por cunha é proporcional à diferença entre as entradas e saídas.

)QI.(X.KSc −= (10.3)

onde X é um fator de ponderação, podendo asumir valores entre 0 e 0,5, em função da forma de armazenamento em cunha. Quando X = 0, não existe cunha de armazenamento, e não há curva de remanso no rio, e o escoamento será do tipo reservatório, onde S = K.Q. Nesse caso se produz a máxima atenuação possível. Quando X=0,5; diz-se que a cunha está completamente desenvolvida e não existe atenuação alguma do pico. Em rios naturais, de vazões elevadas e de baixa declividade, X é muito próximo de 0, e será mais próximo de 0,5 quanto maior a declividade do rio, e menor for a vazão do mesmo.

O armazenamento total no trecho de rio considerado seria então:

)QI.(X.KQ.KS −+= (10.4)

que pode ser reordenado como:

]Q)X1(XI[KS −+= (10.5) Esta equação representa o modelo linear de armazenamento para a propagação de ondas

de cheia em rios, através do método de Muskingum. Se analisamos o volume de armazenamento em dois instantes, 1 e 2, no início e ao final de um intervalo de tempo ∆t, esses podem ser escritos como:

]Q)XI(XI[KS 111 −+= (10.6)

]Q)XI(XI[KS 222 −+= (10.7)

A variação do armazenamento através do rio seria a diferença entre ambos armazenamentos.

{ [ ] }112212 Q)X1(XI]Q)XI(XI[.KSS −+−−+=− (10.8) Utilizando a equação da continuidade, a variação no armazenamento é igual a:

t.2

QQt.

2II

SS 212112 ∆∆

+−

+=− (10.9)

Combinando as equações 10.8 e 10.9

t.2

QQt.

2II

)]QQ).(X1()II.(X[K 21211212 ∆∆

+−

+=−−+− (10.10)

isolando Q2, resulta:

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1212 Q.

2t)X1.(K

2t)X1.(K

I.

2t)X1.(K

2tX.K

I.

2t)X1.(K

2tX.K

Q∆

+−

−−+

+−

+−+

+−

+= (10.11)

ou então: 1322112 QCICICQ ++= (10.12)

onde:

2/t)X1(K2/tKXC1 ∆

∆+−

+=

2/t)X1(K2/tKXC2 ∆

∆+−

+−= (10.13)

2/t)X1(K2/t)X1(KC3 ∆

∆+−−−

=

Para checar se os valores de C1, C2, C3 estão corretamente calculados temos: 1CCC 321 =++ (10.14)

10.1.1 Ajuste dos parâmetros X e K

Se estão disponíveis os hidrogramas de entrada e saída observados para um trecho do rio, podem ser determinados os valores de K e X, utilizando a seguinte metodologia: 1) Adotam-se vários valores de X 2) Utilizando a informação das vazões de entrada e de saída, calculam-se os valores do numerador e do denominador da seguinte expressão de K, deduzida da equação 10.10:

( ) ( )[ ]

( ) ( ) ( )1212

1212

QQ.X1II.X

QQII.2t

K−−+−

+−+=

(10.15)

3) Os valores calculados do numerador e denominador devem ser acumulados e plotados em um gráfico como ordenadas e abscissas, respectivamente, produzindo uma curva em forma de laço. O valor de X que produz um laço mais parecido possível com uma reta única deve ser utilizado para calcular o valor de K, que é a declividade da reta.

O parâmetro X deve ser maior que zero para evitar a possibilidade de vazões negativos, e

por razões de estabilidade numérica da solução deve ser ademais menor que 0.5, portanto teremos:

0 < X < 0,5 (10.16 O parâmetro K tem unidade de tempo e representa o tempo médio de deslocamento da

onda entre montante e jusante do trecho. O parametro C2 é sempre positivo e, considerando que os parâmetros C1 e C3 devem ser positivos também, para que não exista a possibilidade de vazão negativa, resulta,

01 ≥C (10.17 Assim,

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02/tKX >+− ∆ => KX2/t >∆ (10.18)

Analogamente para C3:

0C3 ≥ (10.19

)X1(K2/t −−>− ∆ => )X1(K2/t −>∆ (10.20) Sendo assim,

)X1(2K/tX2 −≤≤ ∆ (10.21)

A região de variação dos parâmetros fica definida, e como conseqüência é possível estabelecer a discretização temporal. (conforme Figura 10. 2)

-0.5 0 0.5 1.0

1

2

X<0 Região Instável

X

t / K

Região Válida

C3<0

C1<0

Figura 10. 2 – Região de variação dos parâmetros

Quando os parâmetros tendem a romper o limite inferior da equação (10.21), o trecho

necessita ser discretizado em sub-trechos para efeito de cálculo. Quando tendem a romper o limite superior o intervalo de tempo é alto e precisa ser reduzido.

10.2 Propagação de escoamento em reservatórios

Um dos métodos utilizados para a propagação das vazões em reservatório é o de Puls, por ser um dos mais conhecidos. O método utiliza a equação de continuidade concentrada, sem contribuição lateral e a relação entre o armazenamento e a vazão é obtida considerando a linha de água do reservatório horizontal. Discretizando a equação da continuidade resulta

2QQ

2II

∆tSS 1tt1ttt1t +++ +

−+

=− (10.22)

onde:

1+tI e tI : vazões de entrada no reservatório em t e t+1; 1+tQ e tQ : vazões de saída do reservatório em t e t+1;

1+t Se tS : armazenamento do reservatório nos tempos referidos. As duas incógnitas do problema são Q e S no tempo t+1. Reorganizando a equação

anterior, com as variáveis conhecidas de um lado e as desconhecidas de outro, resulta

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∆t

2SQII

∆t2S

Q tt1tt

1t1t +−+=+ +

++ (10.23)

Como existe uma equação e duas incógnitas, a equação adicional é a relação Q = f(S),

relacionando a vazão de saída do reservatório com o estado de armazenamento do mesmo. A obtenção dessa função é descrita posteriormente nesse texto. Utilizando esta função, é possível construir uma segunda função auxiliar, para a determinação de Qt+1

)2S/∆Sf1(QQ += (10.24)

Normalmente essa função é conhecida de forma tabular, onde para cada ordenada haverá

um valor de S, dividido pelo intervalo de tempo de cálculo e somado a vazão define a nova abscissa, gerando a função f1.

Com base nas equações 10.23 e 10.24 é possível simular o escoamento através do reservatório através da seguinte seqüência:

a) Para o início do cálculo é necessário definir o volume inicial do reservatório (So).

Esse volume depende dos critérios do estudo em análise ou do valor observado conhecido, no caso de reprodução de um evento. Conhecido So é calculado Qo através da função entre as duas variáveis (Q = f(S));

b) Para o intervalo de tempo seguinte deve-se determinar os termos da direita da

equação 10.23, já que todos os termos do lado esquerdo da equação são conhecidos (hidrograma de entrada deve ser previamente conhecido);

c) O termo da direita é igual à abcissa da função f1. Portanto entrando com esse valor

na função obtém-se a vazão 1tQ + ; d) Conhecido 1tQ + determina-se 1tS + através da função que relaciona essas variáveis. Os passos de b até d se repetem para todos os intervalos de tempo.

Determinação da relação entre S e Q: Esta relação é estabelecida com base nas seguintes relações: - cota e o armazenamento no reservatório; - cota e vazão de saída do reservatório. A curva cota x armazenamento é obtida pela cubagem do reservatório (Figura 10. 3).

Essa relação é apresentada na forma de tabela, gráfico ou é ajustada uma equação. Devido às características normalmente encontrada nos reservatórios essa função pode ser ajustada a uma função do tipo seguinte

baSZ = (10.25)

onde a e b são coeficientes ajustados aos dados e Z a cota. Existem outras expressões matemáticas utilizadas para o ajuste.

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Figura 10. 3 - Relação entre cota e armazenamento

A função entre cota e a vazão de saída depende do tipo de estrutura de saída que está

sendo utilizada. Essa função é fornecida pelo projetista ou estabelecida através de modelo reduzido. Os reservatórios podem possuir dois tipos de extravasores: vertedor e descarregador de fundo (Figura 10. 4). Tanto um como o outro pode ter comportas.

Figura 10. 4 – Estruturas de descargas dos reservatórios

Para evitar que haja alteração destas equações, e possível comprometimento do

funcionamento do reservatório, recomenda-se que as estruturas de descarga não operem afogadas. Quando se deseja esvaziamento completo do reservatório, o descarregador deve ser posicionado junto ao fundo do reservatório.

Combinando a função Z = f2(S) com a função Q = f3(Z) é possível determinar Q = f(S) (conforme Figura 10. 5 ). Utilizando um valor de Zi da primeira função, determina-se Si. Para o mesmo valor de Zi, na função f3 determina-se Qi. Com esse pontos e outros obtidos da mesma forma pode-se construir a relação mencionada (Figura 10. 6).

Figura 10. 5 - Cálculo do amortecimento em reservatório: funções de armazenamento

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Quando o reservatório possui comportas, a curva de descarga muda para cada manobra de comporta. A função f3 é alterada, o que necessita um novo cálculo de Q = f(S). A regra operacional é transferida para a simulação através da função f3.

A aplicação do método de Puls, ou o uso somente da relação biunívoca entre armazenamento e vazão, implica em admitir que a linha de água no reservatório é aproximadamente horizontal. Quando a declividade da linha de água é importante, e os processos dinâmicos afetam o escoamento de saída e mesmo ao longo do reservatório, esse tipo de método não deve ser utilizado. Para esta situação deve-se procurar utilizar um modelo hidrodinâmico baseado na solução das equações completas de Saint Venant ou outro modelo de escoamento que trata o trecho do reservatório como um rio.

Figura 10. 6 - Função vazão x armazenamento

Exemplo 10.1

Deseja-se propagar em um reservatório o hidrograma da Figura 10. 7 (cujos dados são apresentados na Coluna 1 da planilha 10.2). O reservatório estudado possuirá um descarregador de fundo circular (φ=1,40m) e um vertedor de emergência com 10 m de comprimento, cuja cota é 55,2 m. A cota de fundo do reservatório é 53,2 m (o mesmo tem 2m de altura) e está inicialmente vazio. O intervalo de tempo do hidrograma de entrada é de 120 s. A curva Cota x Armazenamento do lago é fornecida na Tabela 10. 1. O coeficiente de descarga do vertedor é 0,86 e do descarregador de fundo 0,50.

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0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

22

0 5 10 15 20 25 30

Tempo (min)

Vaz

ão (m

3/s)

Figura 10. 7 – Hidrograma a ser propagado

Tabela 10. 1– Curva Cota x Armazenamento Prof Z = zo +prof S (m) (m) (m3) 0.0 53.20 0.0 0.1 53.30 560.0 0.2 53.40 1120.0 0.3 53.50 1680.0 0.4 53.60 2240.0 0.5 53.70 2800.0 0.6 53.80 3360.0 0.7 53.90 3920.0 0.8 54.00 4480.0 0.9 54.10 5040.0 1.0 54.20 5600.0 1.1 54.30 6160.0 1.2 54.40 6720.0 1.3 54.50 7280.0 1.4 54.60 7840.0 1.5 54.70 8400.0 1.6 54.80 8960.0 1.7 54.90 9520.0 1.8 55.00 10080.0 1.9 55.10 10640.0 2.0 55.20 11200.0 1.9 55.10 10640.0 2.0 55.20 11200.0 2.1 55.30 11760.0 2.5 55.70 14000.0

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O primeiro passo é a construção da curva da função conhecida f1 ( )2S/∆Sf1(QQ += ). Neste exemplo esta função existirá para o descarregador de fundo e vertedor. A planilha 10.1 mostra o procedimento de cálculo para este fim.

Onde: Col. 1: é a altura do reservatório, discretizada em intervalos de cotas. Neste exemplo a altura do

reservatório foi discretizada em intervalos de 10 cm. Col. 2: Armazenamento no reservatório correspondente a cada cota. Col. 3: Corresponde à cota referenciada que é atingida dentro do reservatório. Z = Zo + Altura

(altura é a Col. 1). Col. 4: Vazão vertida pelo vertedor. Calculada a partir da equação:

( ) 5,1

wZZ.g.2.Lv.Cv.32Qv −=

onde: g é a aceleração da gravidade m/s2; Cv e Lv são o coeficiente de descarga do

vertedor e largura do vertedor respectivamente. Substituindo as colunas da planilha P10.1 na equação, resulta:

( ) 5,13Col.g.2.Lv.Cv.

32Qv =

Col. 5: Vazão drenada pelo descarregador de fundo. Calculada a partir da equação:

hg2AcCQ d ⋅⋅⋅⋅=

onde: g é a aceleração da gravidade m/ s2; Cd é o coeficiente de descarga do descarregador de fundo e Ac é a área da seção transversal do desarregador de fundo. Substituindo as colunas da planilha P10.1 na equação, resulta:

1Colg2AcdCQ ⋅⋅⋅⋅=

Col. 6: Armazenamento no reservatório em intervalos de tempo de cálculo do hidrograma de entrada. (2.S/∆t) = (2.Col.2)/∆t.

Col. 7: Col. 4 + Col. 5 + Col. 6 Col. 8: Col. 4 + Col. 5 (vazão de saída)

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Planilha 10.1

Col1 Col2 Col3 Col4 Col5 Col6 Col7 Col8 Altura

(m) Armazenamento

(m3) Z

(m) Q vertedor

(m3/s) Q descarregador

(m3/s) (2S/dt) (m3/s)

(2S/dt) + Qdesc + Q vert (m3/s)

Q saída (m3/s)

0.0 0.0 53.20 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.1 560.0 53.30 0.00 1.18 9.33 10.42 1.18 0.2 1120.0 53.40 0.00 1.67 18.67 20.21 1.67 0.3 1680.0 53.50 0.00 2.04 28.00 29.89 2.04 0.4 2240.0 53.60 0.00 2.36 37.33 39.52 2.36 0.5 2800.0 53.70 0.00 2.64 46.67 49.11 2.64 0.6 3360.0 53.80 0.00 2.89 56.00 58.67 2.89 0.7 3920.0 53.90 0.00 3.12 65.33 68.22 3.12 0.8 4480.0 54.00 0.00 3.33 74.67 77.75 3.33 0.9 5040.0 54.10 0.00 3.54 84.00 87.27 3.54 1.0 5600.0 54.20 0.00 3.73 93.33 96.78 3.73 1.1 6160.0 54.30 0.00 3.91 102.67 106.29 3.91 1.2 6720.0 54.40 0.00 4.08 112.00 115.78 4.08 1.3 7280.0 54.50 0.00 4.25 121.33 125.27 4.25 1.4 7840.0 54.60 0.00 4.41 130.67 134.75 4.41 1.5 8400.0 54.70 0.00 4.56 140.00 144.23 4.56 1.6 8960.0 54.80 0.00 4.71 149.33 153.70 4.71 1.7 9520.0 54.90 0.00 4.86 158.67 163.17 4.86 1.8 10080.0 55.00 0.00 5.00 168.00 172.63 5.00 1.9 10640.0 55.10 0.00 5.14 177.33 182.09 5.94 2.0 11200.0 55.20 0.00 5.27 186.67 191.55 7.54 2.1 11760.0 55.30 0.80 5.40 196.00 201.80 6.40 2.5 14000.0 55.70 8.98 5.46 233.33 247.77 11.95

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0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5

Altura (m)

Arm

azen

amen

to (m

3)

Figura 10. 8 – Curva de armazenamento reservatório (Col. 1 x Col. 2 - Planilha P10.1)

0.00

1.00

2.00

3.00

4.00

5.00

6.00

0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5

Altura (m)

Vaz

ão (m

3/s)

Q descarregador

Figura 10. 9 – Curva de vazão do descarregador de fundo (Col. 1 x Col. 5 – Planilha P10.1)

A partir dos cálculos, a propagação do hidrograma está apresentada na planilha P10.2.

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Planilha P10.2 Col. 1 Col. 2 Col. 3 Col. 4 Col. 5 Col. 6 t (s) I entrada

(m3/s) It + It+1 - Ot + 2S/dt

(m3/s) h (m) (2S/t )

(m3/s) Q saída (m3/s)

0 0.00 - 0.00 0.00 0.00 120 0.03 0.03 0.00 0.03 0.00 240 2.14 2.20 0.02 1.97 0.23 360 7.04 10.92 0.11 9.81 1.11 480 14.16 29.90 0.30 28.01 1.89 600 19.44 59.72 0.61 57.03 2.70 720 21.27 95.04 0.98 91.62 3.42 840 19.07 128.54 1.33 124.56 3.99 960 13.83 153.47 1.60 149.11 4.36

1080 7.59 166.16 1.73 161.62 4.54 1200 3.45 168.12 1.75 163.55 4.57 1320 1.04 163.48 1.70 158.97 4.50 1440 0.00 155.51 1.62 151.12 4.39 1560 146.73 1.53 142.46 4.26 1680 138.20 1.44 134.07 4.13 1800 129.93 1.35 125.93 4.01 1920 121.92 1.26 118.04 3.88 2040 114.16 1.18 110.41 3.75 2160 106.65 1.10 103.03 3.62 2280 99.40 1.03 95.91 3.50 2400 92.41 0.95 89.04 3.37 2520 85.67 0.88 82.43 3.24 2640 79.19 0.82 76.07 3.11 2760 72.96 0.75 69.97 2.99 2880 66.99 0.69 64.13 2.86 2892 61.27 0.63 58.54 2.73 3012 55.81 0.57 53.20 2.60 3132 50.60 0.52 48.12 2.48 3252 45.65 0.46 43.30 2.35 3372 40.95 0.42 38.73 2.22 3492 36.51 0.37 34.42 2.09 3612 32.33 0.33 30.37 1.96 3732 28.40 0.28 26.57 1.84 3852 24.73 0.25 23.02 1.70 3972 21.32 0.21 19.74 1.58 4092 18.15 0.18 16.71 1.45 4212 15.26 0.15 13.94 1.31 4332 12.63 0.12 11.44 1.19 4452 10.24 0.10 9.17 1.07 4572 8.10 0.08 7.25 0.85 4692 6.40 0.06 5.73 0.67 4812 5.06 0.05 4.53 0.53 4932 4.00 0.04 3.58 0.42 5052 3.17 0.03 2.83 0.33 5172 2.50 0.02 2.24 0.26 5292 1.98 0.02 1.77 0.21 5412 1.56 0.02 1.40 0.16 5532 1.24 0.01 1.11 0.13 5652 0.98 0.01 0.88 0.10

: :

: :

: :

: :

: :

7452 0.05 0.00 0.04 0.00

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Profa. Rutinéia Tassi & Prof. Walter Collischonn -102-

Onde: Col. 1: intervalo de tempo de propagação (segundos). Informação depende do dado de entrada. Col. 2: hidrograma de a ser propagado no reservatório. O hidrograma de entrada foi fornecido. Col. 3: Esta coluna representa o termo da direita da equação “Qt+1 + 2.St+1/∆t = It + It+1 - Qt + 2.St/∆t” Para o primeiro intervalo de tempo, o armazenamento inicial é conhecido (So=0), o armazenamento é nulo e a Q saída é nula. Conhecido o valor do termo da direita da equação, calcula-se a cota atingida no reservatório (h) , consultando as colunas 7 e 3 da Planilha P10.1. Determina-se (2.St/∆t) consultando as colunas 6 e 7 da Planilha P10.1, na mesma planilha, determina-se Qt consultando as colunas 7 e 8. O mesmo procedimento é feito para todos os intervalos de tempo seguinte, até haver a completa propagação no reservatório. Col. 4: cota atingida no interior do reservatório. Calculada conforme apresentado acima. Col. 5: armazenamento/∆t no interior do reservatório. Calculada conforme apresentado acima. Col. 6: vazão de saída do reservatório. Calculada conforme apresentado acima. Os hidrogramas de entrada e saída do reservatório podem ser vistos na Figura 10. 10.

0.00

5.00

10.00

15.00

20.00

25.00

0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000

Tempo (minutos)

Vaz

ão (m

3/s)

Q entrada

Q saída

Figura 10. 10 – Hidrogramas de entrada e saída do reservatório.