100 dias de verÃo book do programa

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O QUE É

Estamos começando a experimentar um projeto de investigação-

aprendizagem democrática pelo exercício do reconhecimento de padrões

autocráticos (esta parte inicial do projeto é baseada em 10 livros clássicos

de ficção e 10 filmes). Esta primeira experiência foi intitulada 100 DIAS DE

VERÃO (e está programada para acontecer de 10 de janeiro a 20 de abril

de 2015). Mas o projeto é mais amplo: depois ele vai abordar 10 livros

históricos e, em seguida, 10 textos teóricos fundamentais de referência

(ver a lista completa no final).

Tudo começa com a leitura e reflexão exploratória na busca de

"isomorfismos" (em sentido figurado ou metafórico), ou melhor, de

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características que permitam o mapeamento entre objetos para desvelar

relações entre suas propriedades ou operações. No caso estamos

buscando identificar padrões de organização e de regulação que permitam

reconhecer a presença - em diferentes manifestações ou eventos - de

matrizes hierárquicas e autocráticas próprias do estatismo. O estatismo é

definido como um tipo de comportamento político conforme a uma visão

estadocêntrica do mundo (que não reconhece, para além do Estado, a

autonomia - e, em alguns casos, a legitimidade - de outros modos de

agenciamento, como o mercado e a sociedade civil, as comunidades

glocais e as redes (mais distribuídas do que centralizadas) de pessoas.

O estatismo não incide apenas no comportamento político que foi

identificado como fascismo (nazismo ou nacional-socialismo), mas

também naqueles de raiz marxista (marxista-leninista ou marxista-

gramscista) que se declararam socialistas ou comunistas (do socialismo

realmente existente) e, ainda, nos diversos tipos de jihadismo (com ou

sem Estado formal instalado e reconhecido), como o jihadismo

fundamentalista islâmico ou os jihadismos laicos (de caráter nacionalista

e, via de regra, militarista), nas teocracias (como a iraniana) e nas

ditaduras em geral e, por último, nas formas híbridas (como o

neoexpansionismo da Rússia de Putin que pretende reeditar a guerra fria

e a política de blocos - neste caso apenas como pretexto para consolidar

uma hegemonia de longa duração de um grupo privado sobre a sociedade

russa a partir do Estado controlado pela FSB).

Um exemplo de reconhecimento de padrões é o culto necrófilo do

trabalho: A <=> B | A = Na entrada dos campos de concentração nazistas

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(como Auschwitz I e Sachsenhausen, Dachau, Gross-Rosen e

Theresienstadt, Auschwitz III / Buna / Monowitz e Flossenbürg), bem em

cima de portões de ferro, havia a frase: Arbeit macht frei (O trabalho

liberta) | B = Na entrada dos campos de concentração soviéticos (Gulag),

em geral em lugar bem visível, havia inscrições com frases de Josef Stálin.

Uma delas era: "Honra e glória ao trabalho, exemplo de entrega e

heroísmo".

Quando se trata de padrões de organização ou comportamento,

isomorfismos (lato sensu) são pistas de deciframento. Mas a "ciência" de

reconhecimento de padrões está apenas começando.

Usamos a palavra isomorfismo em sentido figurado (e deslizado do seu

sentido matemático original). Na álgebra abstrata, um isomorfismo é um

homomorfismo bijetivo. Duas estruturas matemáticas são ditas isomorfas

se há um mapeamento um-para-um entre os elementos das suas

estruturas matemáticas. Essencialmente, dois objetos são isomorfos se

eles são indistinguíveis com base apenas na seleção de suas características

correspondentes. Isomorfismo é então o mapeamento entre objetos que

mostra um relacionamento entre duas propriedades ou operações. Como

toda metáfora é imperfeita e corre alto risco não ser bem-entendida.

Vejamos mais um exemplo. Robert Paxton (2004), em Anatomia do

Fascismo, conta a seguinte passagem:

"O cabo Adolf Hitler, de volta ao serviço ativo no IV Comando dos Grupos

do Exército, em Munique, após se recuperar da cegueira histérica que o

acometera ao saber da derrota alemã, foi enviado pelo Serviço de

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Inteligência do Exército, em setembro de 1919, para investigar um dos

muitos movimentos nacionalistas que vinham surgindo na desordem do

pós-guerra. O Partido dos Trabalhadores Alemães (Deutsche

Arbeiterpartei - DAP) havia sido criado ao final da guerra por um chaveiro

patriota, Anton Drexler. Encontrando um punhado de artesãos e

jornalistas que sonhavam em conquistar trabalhadores para a causa

nacionalista, mas que não faziam ideia de por onde começar, Hitler se

juntou a eles, recebendo o cartão do partido número 555. Ele logo se

tornou um dos oradores mais hábeis do movimento e membro de seu

comitê diretor.

Em inícios da década de 1920, Hitler foi colocado no comando da

propaganda do DAP. Com o auxílio de oficiais do exército simpatizantes,

como o capitão Ernst Röhm, e de alguns partidários ricos de Munique,

Hitler ampliou em muito a audiência do partido. Perante quase duas mil

pessoas reunidas numa grande cervejaria de Munique, o Hofbräuhaus, em

24 de fevereiro de 1920, Hitler deu ao movimento um novo nome - o

National-sozialistische Arbeiterpartei (NSDAP, ou o partido "nazi",

abreviando) - e apresentou um programa de vinte e cindo pontos que

misturava nacionalismo, anti-semitismo e ataques a lojas de

departamentos e ao capital internacional. No 1 de abril que se seguiu,

deixou o exército para se dedicar em tempo integral ao NSDAP. Cada vez

mais, ele era reconhecido como seu líder, seu Führer (termo adotado -

assim também como a saudação "Heil" - do líder pan-germânico Georg

von Schönerer, muito influente na Viena do pré-guerra)".

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Em apenas dois parágrafos temos terabytes de dados para fazer

mapeamentos um-para-um (bijetivos). Para quem está trabalhando com

reconhecimento de padrões, este é um excelente exercício teórico. Em

princípio, tudo é sinal, mas aqui eles abundam. Vamos apresentar, apenas

a título de exemplo, algumas pistas:

1) O partido original se chamava Partido dos Trabalhadores

(Arbeiterpartei). Por que tanta fixação no trabalho? Como vimos acima, o

culto necrófico do poder é um elemento importante. O novo nome desse

partido manteve a denominação original, acrescentada do termo

National-sozialistische (nacional-socialista). A introdução do termo

nacional é de fácil explicação em razão do caráter nacionalista (e do

ressentimento com a derrota alemã) do movimento: o nome original já

dizia que o partido era dos trabalhadores alemães. Mas por que também

socialista?

2) O programa do partido renomeado como Partido Nacional-Socialista

dos Trabalhadores, já sob a liderança de Hitler, pregava ataques a lojas de

departamentos e ao capital internacional. Não há como não fazer uma

correspondência (atenção, apenas formal: estamos tratando de

isomorfismo e não de intenções subjacentes ou aderentes a conteúdos)

com a tática Black Bloc. É bom repetir: não estamos dizendo com isso que

os Black Blocs sejam nazistas, pois as relações aqui não são de conteúdo (e

não têm nada a ver com ideologia ou visão de mundo). São disposições

estruturais que possibilitam - e mais do que isso: ensejam -

comportamentos conformes (não por causalidade, mas por

condicionamentos recíprocos).

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3) Hitler ascendeu no Arbeiterpartei quando foi colocado no comando da

propaganda partidária e iniciou uma vigorosa campanha de marketing

financiada com doações das elites econômicas (as pessoas ricas) de

Munique. As elites financiavam um partido de trabalhadores.

4) Até o momento em que assumiu a posição de mono-líder (um líder

único com altagravitatem) e de chefe (ou Führer, condutor), Hitler atuava

como agente do Serviço de Inteligência do Exército. Ora, mesmo depois de

uma "paz celebrada", inteligência militar continua sendo guerra (essa é a

essência característica da construção cultural militar: si vis pacem, para

bellum). O paralelo militar na política (que leva à perversão da política

como arte da guerra ou como continuação da guerra por outros meios na

fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin) aparece aqui em estado puro. Hitler

era um agente em preparação de conquista de hegemonia no sentido

leniniano do termo (que corresponde ao seu sentido original grego de

comando de um exército) que exige mesmo a centralização da rede ou a

deformação do campo social introduzida pela existência de um Führer.

5) A reunião que simbolicamente marcou a virada do pequeno partido dos

trabalhadores (de quadros) em um partido socialista dos trabalhadores

(de massa) aconteceu numa grande cervejaria. Os sinais aqui são mais

fracos, mas isso não significa que não signifiquem alguma coisa...

Uma infinidade de outros sinais (alguns mais fortes, outros mais fracos)

também estão contidos explícita ou implicitamente nos dois parágrafos

acima: o ressentimento social (e a vontade de revanche) que levou um

artesão a criar um partido dos trabalhadores; a ligação entre um

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patriotismo-trabalhador do pós-guerra e a ideologia de um pan-

germanismo do pré-guerra; a indefinição generalizada (considerada sinal

de desordem) sobre "por onde começar" - título de um texto de Lenin

(1901) que antecedeu ao seu famoso Que fazer? (1902); a fusão de

nacionalismo com socialismo (em maior ou menor grau verificada em

todos os movimentos para consertar o mundo a partir de grandes

experimentos sociais, sejam considerados de esquerda ou de direita: por

exemplo, a fusão da figura de José Martí em Cuba com a trinca Marx-

Engels-Lenin, criando o quatérnio em que se baseou por décadas a

propaganda castrista); o papel assinalado à propaganda: antes de Joseph

Goebbels, o propagandista número 1 era o próprio Adolf Hitler (o caminho

da conversão de um cabo do exército em Führer foi o caminho da

propaganda, do marketing) e os princípios hitlerianos (e depois

goebbelianos) da mistificação das massas pela propaganda política são até

hoje adotados em ditaduras, protoditaduras e democracias formais

parasitadas por regimes neopopulistas manipuladores e autocratizantes.

Bem... a "ciência" (se é que existirá uma propriamente dita) de

reconhecimento de padrões está apenas começando. Ela aqui, neste

exemplo, está identificando padrões de hierarquia e autocracia que são

próprios do estatismo.

Na verdade, tudo isso é um programa de investigação (todo programa de

aprendizagem é um programa de investigação, de vez que reprodução de

investigações pretéritas não é realmente aprendizagem e sim ensino).

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Estamos investigando a democracia no que ela é essencialmente

(processo de desconstituição de autocracia) e por isso pode-se dizer que é

impossível investigar-aprender democracia sem investigar-aprender

autocracia. Como estamos há quase seis mil anos vivendo sob autocracias

(e tivemos experiências estáveis de democracia em menos de meio

milênio e ainda assim, na metade desse tempo, localizadas: no caso em

apenas um local, Atenas entre 509 e 322 a. E. C.), toda nossa cultura é

basicamente autocrática. A democracia como modo-de-vida (como queria

John Dewey) é então um meio de desprogramar cultura autocrática (não

no sentido neurolinguístico, da desprogramação do cérebro dos indivíduos

e sim da rede social).

Em outras palavras: aprender democracia é desaprender autocracia.

Compreendendo o que pode florescer em ambientes sociais fortemente

centralizados e nos quais os modos de regulação de conflitos não são

democráticos, podemos perceber os sinais e interpretar os sintomas do

processo de autocratização da política onde quer que eles surjam,

inclusive no interior de regimes formalmente democráticos. Pode-se,

inclusive, aprender a detectar as tentativas contemporâneas de

autocratização da democracia, baseadas no uso instrumental da

democracia no sentido “fraco” do conceito (quer dizer, na utilização de

alguns dos mecanismos, instituições e procedimentos da democracia

representativa, como o sistema eleitoral), para enfrear o processo de

democratização das sociedades, seja pela via da protoditadura (que se

caracteriza, fundamentalmente, pela abolição legal ou de facto da

rotatividade democrática), seja pelo emprego da manipulação em larga

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escala, como ocorre nas novas vertentes do populismo que vêm sempre

acompanhadas do banditismo de Estado, da corrupção no governo (e nas

empresas estatais), da perversão da política (como "arte da guerra") e da

degeneração das instituições por meio da privatização partidária da esfera

pública e do aparelhamento da administração governamental. De

qualquer modo, para conhecer o poder vertical – a sua “anatomia” e a sua

“fisiologia”, vamos dizer assim – devemos estudá-lo em estado puro.

Depois será mais fácil perceber seus indícios em nosso cotidiano, inclusive

quando surgem em uma pequena organização.

Ainda que estudemos textos teóricos sobre a democracia e

experimentemos a democracia como modo de administração política do

Estado (que foi ao que se reduziu, nos últimos três séculos, a democracia

reinventada pelos modernos), não conseguimos ter um entendimento

profundo da democracia na medida em que nossas redes de conversações

repetem circularidades inerentes que são próprias da cultura autocrática.

Em contrapartida, não é preciso qualquer esforço para aprender

autocracia: começamos aprendendo na família monogâmica e depois

vamos aprendendo na escola, na igreja, nas organizações juvenis, no

quartel, na universidade, no trabalho em empresas hierárquicas, nas

corporações, nos partidos e nos órgãos do Estado.

Aprender democracia exige então identificar matrizes de comportamentos

que estão presentes nesses ambientes hierárquicos regidos por modos

autocráticos. E é muito difícil fazer isso porque tais padrões estão

escondidos sob camadas e camadas de discursos legitimatórios ou

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disfarçados por explicações funcionais e pragmáticas baseadas na

inevitabilidade da hierarquia ou numa suposta competitividade inerente à

natureza humana (a besta-fera - um Homo Hostilis - que existiria no

interior profundo de cada um de nós, a espera de ser domada pela

civilização ou pela religião, como apregoam alguns discursos liberais e

conservadores).

Para identificá-los precisamos observá-los e estudá-los - como foi dito

acima - em estado puro (por exemplo, num campo de concentração

nazista; ou mesmo num campo dito socialista: seja um Gulag do período

stalinista ou num campo atual da Coreia do Norte ou numa prisão política

cubana).

Por isso é tão importante estudar as 60 ditaduras que remanescem no

mundo contemporâneo (e sob as quais - pasme-se! - ainda vive mais da

metade da população do planeta). Há uma quantidade imensa de material

sobre isso não apenas na história, mas nas práticas institucionais atuais

dos seguintes países: Afeganistão, Angola, Arábia Saudita, Argélia,

Azerbaidjão, Barein, Belarus, Brunei, Burkina Faso, Burma, Camarões,

Camboja, Cazaquistão, Chade, China, Comoros, Congo (Kinshasa |

Brazzaville), Coréia do Norte, Costa do Marfim, Cuba, Djibuti, Egito,

Emirados Árabes Unidos, Eritreia, Etiópia, Fiji, Gabão, Gâmbia, Guine,

Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Irã, Jordan, Kuwait, Laos, Líbia,

Madagascar, Marrocos, Mianmar, Nigéria, Omã, Palestina (Faixa de Gaza,

sob controle do Hamas), Qatar, República Centro Africana, República

Democrática do Congo, Ruanda, Rússia, Síria, Somália, Suazilândia, Sudão,

Sudão do Sul, Tajiquistão, Togo, Turcomenistão, Uzbequistão, Venezuela,

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Vietnam, Yemen e Zimbábue. A esses talvez ainda se possa acrescentar,

em futuro próximo, Nicarágua, Bolívia, Equador e - oxalá não -

democracias formais parasitadas por governos neopopulistas

manipuladores e autocratizantes (como Argentina, Brasil e alguns outros).

Por razões facilmente explicáveis, os que desvendaram esses padrões

autocráticos tiveram, muitas vezes, que disfarçar suas descobertas e

embuti-las na forma de livros de ficção (e mesmo assim sofreram com os

ataques das patrulhas da esquerda e da direita). O mesmo ocorreu com os

relatos históricos (que são, pelas mesmas razões, em geral, tardios:

Varlam Shalamov só conseguiu contar o que viu e o que sofreu no Gulag

de Kolyma, no nordeste da Sibéria, já no final de sua vida, aos 75 anos e a

obra só foi publicada na União Soviética nos anos 80).

Arbitrariamente escolhemos então uma lista de 10 obras de ficção e de 10

livros históricos como universo a ser explorado neste projeto de

reconhecimento de padrões autocráticos. Acrescentamos também 10

textos teóricos que contêm algumas pistas de deciframento.

OBRAS DE FICÇÃO

1. A Nova Utopia. Jerome K. Jerome (1891)

2. Nós. Yevgeny Zamyatin (1921)

3. Admirável Mundo Novo. Aldous Huxley (1932)

4. O Zero e o Infinito. Arthur Koestler (1941)

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5. A Revolução dos Bichos. George Orwell (1945)

6. 1984. George Orwell (1949)

7. Fahrenheit 451. Ray Bradbury (1953)

8. O Senhor das Moscas. William Golding (1954)

9. Um dia na vida de Ivan Denisovich. Alexander Soljenítsin (1962)

10. Duna. Frank Herbert (1965)

ESTUDOS HISTÓRICOS

1. O julgamento de Sócrates. I. F. Stone (1988)

2. Lênin: a biografia definitiva. Robert Service (2000)

3. Stálin: a corte do czar vermelho. Simon Sebag Montefiore (2003)

4. Mao: a história desconhecida. Jung Chang e Jon Halliday (2005)

5. Contos de Kolyma. Varlam Shalamov (1954-1962 ou 1973)

6. Hitler, 1889-1936. Ian Kershaw (1998-2000)

7. Mussolini. Pierre Milza (1999)

8. Eichmann em Jerusalém: Hannah Arendt (1963)

9. O Imperador: a queda de um autocrata. Ryszard Kapuscinski (1978)

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10. A era dos assassinos. Yuri Felshtinsky e Vladimir Pribilovski (2008)

REFERENCIAIS TEÓRICOS

1. A democracia na América. Alexis de Tocqueville (1835)

2. Sobre a liberdade. John Stuart Mill (1859)

3. Escritos Políticos Escolhidos (Em busca do público, Em busca da grande

comunidade, A ideia filosófica inclusiva, Liberalismo renascente, A

democracia é radical e Democracia criativa: a tarefa diante de nós). John

Dewey (1927-1939)

4. O que é política? Hannah Arendt (c. 1950-9)

5. As origens do totalitarismo. Hannah Arendt (1951)

6. A invenção democrática. Claude Lefort (1981)

7. Sobre O Político de Platão. Cornelius Castoriadis (1986)

8. Conversações Matrísticas e Patriarcais. Humberto Maturana (1993)

9. A democracia é uma obra de arte. Humberto Maturana (1993)

10. Democracia como valor universal. Amartya Sen (1999)

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ALGUNS SINAIS

Esta é uma lista demonstrativa (não-analítica) contendo apenas exemplos

de indícios da presença de processos de autocratização da vida cotidiana,

de reprodução de pressupostos hierárquico-autocráticos, em geral aceitos

como verdades evidentes por si mesmas (ideias-implante básicas ou

rotinas de um programa autocrático instalado na mente coletiva), da

existência de acentuada hierarquização (topologias da rede social mais

centralizadas do que distribuídas), da adesão por boa parte dos agentes a

princípios de modos de regulação autocráticos, da existência de estado de

guerra como dinâmica organizadora do cosmo social e do estatismo como

ideologia e comportamento político.

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A - INDICADORES (SIMBÓLICOS) DE AUTOCRATIZAÇÃO DA VIDA

COTIDIANA

A1 - A limpeza e a pureza (a aversão à sujeira e à contaminação pelo

contato com o que é impuro).

A2 - A predominância do branco (e da luz que espanca as trevas).

A3 - As formas geométricas retilíneas (as linhas e ângulos retos) na

arquitetura de interiores e exteriores, urbana e rural (ruas, praças,

prédios, plantações etc.).

A4 - A arquitetura monumental privilegiando a direção vertical e a

repartição e separação dos espaços: muros, escadas, portas, fechaduras...

A5 - A sociedade totalmente organizada e uniformizada (as pessoas com

uniformes ou roupas semelhantes, com cortes padrão de cabelo ou

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penteados canônicos, os conjuntos habitacionais com construções e

aparência iguais etc.)

A6 - Os horários fixos válidos para determinadas atividades (eletivas ou

compulsórias): a existência de uma espécie de regulamento geral das

horas (ou tabela taylorista, com horas para trabalhar, descansar, dormir,

fazer sexo, se divertir etc.)

A7 - O silêncio (a aversão ao alarido do chamado populacho ou da turba

considerada vil e ao falar alto).

A8 - A ordem (e a aversão ao que é julgado como bagunça ou baderna).

A9 - O culto à bandeira, ao hino e aos símbolos pátrios (e à pátria) e a

exaltação do patriotismo.

A10 - Os regulamentos e as numerosíssimas proibições ("levíticas": para

tudo ou quase haverá uma disposição ou modo-de-fazer correto).

A11 - A espada, a coroa, o cetro, o bastão (como símbolos de poder

deslizados para a política).

A12 - O intrincado protocolo para qualquer cerimônia, os modos de

tratamento canônicos, os numerosos títulos e as reverências ou

prostrações para falar com o governante (ou coexistir em sua presença ou

até sobreviver diante da sua passagem).

A13 - O culto (necrófilo) do trabalho e a exaltação do trabalhador.

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A14 - As restrições à livre sexualidade e a deslegitimação da imaginação

criadora.

A15 - A existência - e onipresença - de uma polícia política.

A16 - O sentimento geral de poder estar violando - nas menores ações

privadas do dia-a-dia - alguma regra estabelecida conhecida ou ser

interpretado como violador de alguma regra desconhecida e, por isso, cair

em desgraça, ter suas aspirações ou demandas preteridas ou ser

reprimido pela polícia política (supostamente onisciente).

A17 - A constante vigilância de todos sobre todos e a existência de

mecanismos de delação espalhados (que podem ser usados por qualquer

um).

A18 - A naturalização da ordem social que impede a percepção,

deslegitima alternativas e promove a configuração social existente como

necessária (de sorte a fazer com que as pessoas imaginem que as coisas

'são' assim e não que 'estão' assim).

A19 - A despessoalização: os seres humanos - as pessoas, sempre únicas -

são transformados em indivíduos, não raro, designados por números (e

não por nomes próprios; ou seus nomes são antecedidos por tratamentos

niveladores (camarada, companheiro, irmão) ou sucedidos pelas

designações dos cargos funcionais ou hierárquicos que ocupam.

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B - IDEIAS-IMPLANTE (ROTINAS DO PROGRAMA BÁSICO)

B1 - A felicidade como ideal supremo.

B2 - A igualdade como ideal supremo (e como pré-condição para a

liberdade); ou a ideia de que não pode haver (verdadeira) liberdade sem

(ou até que se alcance a perfeita) igualdade.

B3 - A abundância como ideal supremo (que, para ser alcançado, exige a

politização da economia como administração da escassez, em geral

artificialmente introduzida).

B4 - A utopia (qualquer utopia) como modelo a ser alcançado no futuro (e

que, para ser alcançada, exige algum tipo de sacrifício ou de restrição às

liberdades no presente).

B5 - O esforço para consertar a natureza, a sociedade ou o ser humano

(que teriam vindo com alguma espécie de "defeito de fábrica").

B6 - A ideia de que existe uma sociedade igual para colocar no lugar da

sociedade desigual (e de que essa sociedade igual estaria em alguma

espécie de mundo paralelo pronta para ser trazida - ou realizada - a partir

das contradições da sociedade desigual, elidindo a evidência de que a

sociedade igual é somente o conjunto das relações igualitárias que se

traçam aqui e agora por meio de atos singulares e precários).

B7 - A ideia de que a nação é uma grande comunidade de destino e a

própria ideia de destino (ou da existência de leis ou disposições

transcendentes ou imanentes à história).

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B8 - A ideia de que existe uma História (assim mesmo, com H maiúsculo) e

ela tem leis (que podem ser conhecidas por quem tem a teoria e o

método corretos de interpretação da realidade).

B9 - A ideia de que a superestrutura da sociedade (a política, a cultura

etc.) é determinada em última instância pela sua infraestrutura

econômica.

B10 - A ideia de que o ser humano é inerentemente (ou por natureza)

competitivo e de que as pessoas se movem buscando sempre maximizar a

satisfação de seus interesses (que são, ao fim e ao cabo, egotistas).

B11 - A ideia de que não é possível mobilizar a ação coletiva a não ser a

partir de lideranças destacadas.

B12 - A ideia de povo como rebanho à espera de um condutor, salvador

(messias).

B13 - A ideia de povo eleito (escolhido ou ungido por alguma entidade

transcendente que intervém na história para conduzi-lo para algum

destino já configurado ou prefigurado).

B14 - A ideia de espaço vital (necessário à consumação do destino de um

povo predestinado a cumprir um ideal ou de uma raça superior).

B15 - A ideia de que é direito do povo eleito dominar os demais sem

limitações de qualquer natureza, sejam elas impostas por leis humanas ou

divinas (sendo esse direito determinado pelo critério único do valor do

grupo no interior de uma luta darwiniana).

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B16 - O mito fundante: de que a nação teria alguma origem comum em

um suposto evento épico ou glorioso (perdido nas brumas do passado).

B17 - A ideia de que não é possível organizar nada sem (uma boa dose de)

hierarquia.

C - INDICADORES DE PRESENÇA DA HIERARQUIA

C1 - A existência de sacerdócio (a burocracia, a intermediação, a

descentralização da rede em vez da sua distribuição).

C2 - A ordenação top down do Estado e da sociedade (os graus, degraus, a

estratificação: camadas sobre camadas).

C3 - Ordem, hierarquia, disciplina, obediência, fidelidade imposta top

down, punição e recompensa.

C4 - A busca e manutenção da estabilidade pela aproximação do estado de

equilíbrio (e não feita e refeita no fluxo dos sistemas afastados do estado

de equilíbrio).

C5 - As opções pré-ordenadas e a redução dos caminhos possíveis

(levando à escolhas sempre limitadas).

D - PRINCÍPIOS DO MODO DE REGULAÇÃO AUTOCRÁTICO

D1 - O conflito como uma disfunção (malfunction).

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D2 - A resolução do conflito pela eliminação (ou recuperação, restauração

ou conserto de um defeito) do elemento ou polo conflitante.

D3 - A regulação do conflito pela imposição da vontade da maioria

(ignorando-se os desejos das minorias).

D4 - As restrições à liberdade (de opinião, de ir-e-vir, de imprensa, de

manifestação, de organização, de difusão de ideias por qualquer meio,

inclusive no ciberespaço etc.).

D5 - O segredo nos negócios de Estado (e nos negócios do chefe de Estado

e de suas organizações), a opacidade das instituições e procedimentos:

inexistência de transparência e impossibilidade de accountability.

D6 - A ideia de que democracia é o poder do povo ou o poder da maioria

da população (pervertendo a ideia fundante - ou o meme democrático

original - de que ela é 'o poder de qualquer um', quer dizer, a indiferença

das capacidades para ocupar as posições de governante ou de governado).

D7 - O regime político baseado em votação por maioria, em que as

minorias não têm direitos (ou têm menos direitos do que a maioria).

D8 - O julgamento de que a oposição não é legítima e de que os que se

opõem aos chefes do Estado ou aos seus representantes ou delegados são

traidores ou sabotadores.

D9 - A caracterização (e inculpação) de quem desobedece, diverge, desvia

ou destoa como traidor.

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D10 - A ideia (meritocrática) de que quem deve governar (dirigir o Estado,

o país, a cidade e, por decorrência, a sociedade) é quem sabe mais.

D11 - A sociedade regulada por um algoritmo, sem necessidade de um

chefe ou comandante.

E - A GUERRA COMO DINÂMICA ORGANIZADORA DO COSMO SOCIAL

E1 - A separação nós x eles (e todas as separações decorrentes dessa

separação primordial: bem x mal, explorados x exploradores, povo x elites,

esquerda x direita, socialistas x liberais, fieis x infiéis de qualquer religião

ou seita, nacionais x estrangeiros, leste x oeste, sul x norte, brancos x não-

brancos, heterossexuais x homossexuais etc.)

E2 - A ideia e a prática da política como arte da guerra, ou como

continuação da guerra por outros meios (a fórmule-inverse de Clausewitz-

Lenin).

E3 - O culto do conflito e a guerra como instituição permanente (e como

realidade inexorável, sobretudo a guerra não-ocorrida como guerra-

quente ou conflito violento - como o é toda guerra - mas latente e

eternamente presente nos períodos considerados de paz.

E4 - A ideia e a prática de que governar é comandar (uma força, um

contingente, um exército, um povo).

E5 - O culto do herói.

Page 24: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

24

E6 - A ideia de que a luta de classes é o motor da história.

E7 - A ideia de que a violência é a parteira da história.

E8 - A ideia da beleza da violência e a eficácia da vontade, quando

voltadas para o êxito do grupo que tem uma causa redentora ou

reformadora do mundo.

E9 - A construção e manutenção de inimigos.

F - O ESTATISMO COMO IDEOLOGIA E COMPORTAMENTO POLÍTICO

F1 - A ideia de Estado como materialização do espírito ou da vontade

divina (ou de alguma realidade ou entidade transcendente).

F2 - O culto do Estado (e a ideologia estatista, ou seja, a visão

estadocêntrica do mundo).

F3 - A sociedade como dominium do Estado (no sentido feudal do termo)

e a ideia de que é o Estado que deve dirigir a sociedade.

F4 - O partido fundido ao Estado, que conquistou hegemonia sobre a

sociedade e transformou a sociedade em um ente privado.

F5 - A existência de um líder supremo, benfeitor, condutor, com alta

gravitatem e carisma, que ocupa o centro do Estado para fazer uma

ligação direta com as massas bypassando as mediações institucionais.

Page 25: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

25

F6 - Os direitos encarados como privilégios (ou concessões de um

benfeitor).

F7 - Os cidadãos reduzidos a súditos (do Estado e, às vezes, do chefe de

Estado).

F8 - As pessoas - todas as pessoas - transformadas em funcionários (stricto

ou latu sensu) do Estado.

F9 - A ideia de que o Estado - quando nas mãos certas - é o grande agente

transformador da sociedade e a ele compete educar as massas para

produzir o Homem Novo.

Page 26: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

26

JEROME K. JEROME NUM MUNDO LIMPO

Jerome K. Jerome (1859-1927) escreveu em 1891 o pequeno conto A Nova

Utopia. Jerome era um humorista e escritor inglês que acabou ficando

mais famoso pela sua novela cômica Three Men in a Boat (Três homens

num barco) publicada em 1889.

A Nova Utopia de Jerome Klapka Jerome (1891) talvez possa ser

considerada o berço do gênero que utiliza as distopias como cenário. É

provável que o conto tenha sido a inspiração para o livro Nós de Zamyatin

(1921), para O Admirável Mundo Novo de Huxley (1932) e para o 1984 de

Orwell (1949).

Page 27: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

27

Jerome era amigo de H. G. Wells, Rudyard Kipling e Arthur Conan Doyle

(criador de Sherlock Holmes). Seu pequeno conto inspirou Wells para a

criação de Little Wars (1913).

José Leonardo Souza Buzelli, da Universidade Estadual de Campinas,

traduziu em 2013 A Nova Utopia de Jerome Klapka Jerome para o

português e aduziu uma pequena introdução ao texto. Disponível no link

abaixo:

http://www.revistamorus.com.br/index.php/morus/article/download/205

/183

É uma sátira profética. O mundo totalmente ordenado, geometricamente

reto, completamente limpo, sem sociedade civil (sim, só havia Estado) do

sonho distópico de Jerome, era um mundo de pessoas sem almas e sem

nomes (as pessoas eram designadas por números). Eis um trecho do livro

em que Jerome descreve a cidade utópica socialista:

"A cidade era toda limpa e muito quieta. As ruas, que têm números em

vez de nomes, saem umas das outras em ângulos retos, e todas tinham

exatamente a mesma aparência. Não havia cavalos, nem carruagens em

volta; todo o tráfego era feito por carros elétricos. Todas as pessoas

encontradas por nós tinham a mesma expressão grave e quieta, e se

pareciam tanto umas com as outras que era como se fossem membros da

mesma família. Assim como meu guia, todos vestiam calças cinzas e uma

túnica cinza abotoada até o pescoço e presa por um cinto. Todos os

homens estavam perfeitamente barbeados e tinham cabelos pretos".

Page 28: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

28

Sim, havia um "regulamento capilar" (tal como hoje na Coréia do Norte do

ditador Kim Jong-un). Eis o relato:

"O que seria da igualdade se um homem ou uma mulher pudesse se

vangloriar por aí de seu cabelo dourado, enquanto um outro parecesse

uma cenoura? Os homens não devem ser só iguais nestes dias felizes, eles

também devem ter a mesma aparência, tanto quanto possível. Fazendo

com que todos os homens estejam bem barbeados, e com que todos os

homens e mulheres tenham cabelo preto, e cortado no mesmo

comprimento, a gente remedia, até certo ponto, os erros da Natureza".

Para quem quer exercitar o reconhecimento de padrões autocráticos

esses dois parágrafos (reproduzidos acima) têm material suficiente para

um longa e profunda investigação sobre as tentativas antidemocráticas de

consertar o mundo.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse livro de Jerome constitui material de pesquisa

do primeiro módulo.

Page 29: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

29

THX 1138: NUM MUNDO LIMPO

Vamos agora aos filmes. O primeiro deles é THX 1138 de George Lucas

(1971).

"Trabalhe duro, aumente a produção, previna acidentes e seja feliz" - eis o

lema do mundo distópico de THX 1138. O máximo controle social num

mundo subterrâneo limpo, branco, harmônico, previsível, no qual o

protagonista (THX - pronunciado como "Tex" por sua amante LUH 3417 e

interpretado por Robert Duvall) é mais um cidadão sem nome, careca,

vestido de branco, técnico de uma usina nuclear, que vive a rotina normal

de todos os habitantes (o que inclui confissões frequentes a uma entidade

religiosa cibernética, sancionada pelo Estado, chamada OMM 0910 e o

consumo rotineiro de drogas). LUH (sua companheira de quarto) é a Eva

primordial da desobediência: ela para de tomar as drogas (do controle

pela não-emoção e da "felicidade") e substitui as de THX por placebo (a

Page 30: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

30

não-maçã?). Sem as drogas THX começa a transar com LUH e se apaixona.

O casal é preso por "crimes sexuais" e "evasão de drogas". Após saber que

LUH está morta, THX foge para a superfície

O site O Bacamarte, faz uma resenha razoável:

"Não existem nomes: um indivíduo é identificado por um número e um

prefixo de três letras. Logo, também não existem famílias; quem decide

onde e com quem moram as pessoas são computadores. Todos se vestem

de branco, todas as cabeças são raspadas. Em situações de pressão, não se

sente nada além de calma; e também nunca ninguém se apaixona: drogas

farmacológicas anulam esse tipo de impulsos humanos.

É, como nas outras distopias, a história dos personagens que conseguem

escapar. THX 1138, o protagonista, deixa de tomar seus remédios e se

envolve (comete crimes sexuais, na linguagem do filme) demais com a sua

companheira de quarto. Aqui, como em dezenas de outras obras, de Adão

e Eva a Romeu e Julieta, da Guerra de Tróia à Pequena Sereia, é o amor

que causa o desequilíbrio na ordem social. THX acaba preso e depois foge,

sempre mantendo o objetivo de encontrar LUH 3417, sua amada. Com ele,

vão outros dois. Um deles tentava ser líder dos prisioneiros rumo à

liberdade. Outro era um holograma: alguém que só existe para as

televisões, representando cenas eróticas (para que se masturbem os

telespectadores) ou didáticas, (com policiais punindo um presumível

criminoso), entre outras.

Mas há uma diferença crucial neste filme: a segurança é efêmera. Eles são

presos, sim, em uma imensidão branca, onde não se vê horizonte, nem

Page 31: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

31

entradas nem saídas, mas é paradoxalmente simples escapar dela. Só foi

necessário caminhar além do lugar em que estavam todos e atravessar

uma porta de metal. Eles são perseguidos na fuga, sim, mas por policias

robôs sem nenhuma estratégia de captura bem elaborada, e

extremamente fáceis de derrotar. E os administradores se preocupam

com as contravenções, mas até o limite de 5% acima da verba destinada

ao caso. Se ultrapassada essa quantia, a operação é cancelada e o

criminoso é deixado à própria sorte.

Ninguém checa se as pílulas são tomadas nos dormitórios. Ninguém grava

o que se fala nos confessionários religiosos espalhados pela cidade. Há um

profundo desprezo pela iniciativa humana, uma crença absoluta na ideia

de que nenhuma pessoa vai tentar fugir. De que não haverá um só a não

cumprir as regras e mesmo que isso aconteça, crê-se que este não é

perigoso ou importante para exceder o orçamento. Não haverá

abordagens positivas desse mundo em lugar algum na internet, mas, antes

de uma parábola obscura sobre o totalitarismo, THX 1138 é uma apologia

à rebeldia".

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos o filme THX 1138 constitui material de pesquisa do

primeiro módulo.

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ZAMYATIN ANTEVENDO TUDO

Yevgeny Ivanovich Zamyatin (1884-1937) foi um escritor russo famoso

pelo seu romance distópico Nós (Мы/Mii), escrito entre 1920 e 1921 e

lançado em 1924.

O verbete da Wikipedia conta que "a história narra as impressões de um

cientista sobre o mundo em que vive, uma sociedade aparentemente

perfeita, mas opressora, ao perceber seus conflitos e imperfeições e ao

travar contato com um grupo opositor que luta contra o "Benfeitor",

regente supremo da nação. A obra é baseada, pelo menos em parte, nas

experiências do autor com as revoluções russas de 1905 e 1917 e no

período em que trabalhou supervisionando a construção de navios na

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33

Inglaterra (por volta do ano de 1916). Embora escrito no início da década

de 1920, Nós só publicado pela primeira vez em 1924, e em inglês e em

Nova Iorque, por estar proibido na então União Soviética devido à censura

imperante no país. A primeira edição no idioma russo só foi lida em

1927/1928, quando publicada em um jornal de emigrados. O livro só

adentrou legalmente a pátria-mãe do autor em 1988, com as políticas de

abertura do regime soviético... O livro leva a extremos os aspectos mais

totalitários e o conformismo da sociedade industrial moderna,

descrevendo um Estado que acredita que o livre-arbítrio é a causa da

infelicidade e que a vida dos cidadãos deve ser controlada com precisão

matemática baseada nos sistemas de precisão industrial criados por

Frederick Winslow Taylor".

George Orwell - que foi visivelmente influenciado por Zamyatin - chegou a

qualificar Nós como a experiência literária crucial e aventou que o

Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (1932) foi parcialmente

derivado do livro de Zamyatin. Ele também escreveu uma resenha sobre o

livro, publicada em Tribune Magazine em 4 de janeiro de 1946. Disponível

no link abaixo:

http://www.orwelltoday.com/weorwellreview.shtml

Ao que tudo indica Zamyatin foi fortemente influenciado, por sua vez,

pelo conto A Nova Utopia de Jerome K. Jerome (1891).

Zamyatin anteviu o stalinismo ou viu suas sementes germinando no

bolchevismo? Talvez tal pergunta não seja mais tão relevante, pois, de

algum modo, ele reconheceu e registrou na sua obra padrões autocráticos

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34

que estiveram presentes em tentativas autocráticas de todos os matizes

que pretenderam reformar o mundo. Foi uma antevisão, sim, mas de tudo

e não apenas das consequências do socialismo real.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse livro de Zamyatin constitui material de pesquisa

do segundo módulo.

Page 35: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

35

STALIN

Na primeira experiência de investigação-aprendizagem que vai começar

no dia 10 de janeiro de 2015, além de 10 romances clássicos, constituem

material de pesquisa 10 filmes.

Agora estamos apresentando os filmes. O segundo deles é Stalin de Ivan

Passer (1992).

Stalin é um filme de televisão de 1992, produzido para a HBO, com Robert

Duvall interpretando o líder soviético. O filme ganhou três prêmios Globo

de Ouro. A filmagem foi feita em Budapeste, na Hungria e em Moscou, na

Rússia.

Page 36: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

36

O filme retrata a carreira política e a vida pessoal do ex-líder da União

Soviética, Joseph Stalin. A história é narrada pela filha de Stalin, que

emigrou para os Estados Unidos em 1967.

O filme narra o terror de Estado na União Soviética. Como se sabe, apenas

no período da ditadura stalinista (1921-1953), milhões de pessoas foram

destruídas. O escritor Vadim Erlikman fez as seguintes estimativas em

2004: 1,5 milhões de executados (boa parte dos quais stalinistas...), 5

milhões de presos em campos de concentração (Gulags), 7,5 milhões de

deportados e 1 milhão de mortos civis em países ocupados pela Rússia.

Excluindo-se os mortos pela fome, é possível que 10 milhões de pessoas

tenham sucumbido sob Stalin. Mas embora impactantes, esses números

não são o material mais importante para o desvendamento dos padrões

autocráticos.

Conhecer a ascensão e o apogeu do império stalinista - e a vida cotidiana

sob a gravitatem do novo czar - é desvendar a autocracia em estado puro.

Como reconheceu Nikita Kruschev, todos os que viveram esse período

foram um pouco stalinistas. O ambiente conformado - o Estado totalitário

do partido que configurou todos os espaços sociais, privatizando a

sociedade - gerava continuamente hierarquia e autocracia e reproduzia

stalins em cada funcionário e, no limite, em cada pessoa (aliás, em boa

medida, todas as pessoas viraram funcionárias lato sensu). Mas até hoje,

quando alguma forma de organização hierárquica invoca uma dinâmica

autocrática é o mesmo padrão que está se configurando. A melhor

descrição ainda é a de George Orwell (1949) em Nineteen Eighty-Four,

1984 (material de investigação do sexto módulo do programa): o Partido

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não apenas representa o Estado (ao qual se fundiu), mas estrutura

hierarquicamente a própria sociedade.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos, o filme Stalin de Ivan Passer constitui material de

pesquisa do segundo módulo.

Page 38: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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HUXLEY E A SOCIEDADE TOTALMENTE ORGANIZADA

Aldous Huxley (1894-1963) escreveu Admirável Mundo Novo (Brave New

World) em quatro meses (durante o ano de 1931). O livro, publicado no

ano seguinte, "narra - segundo a Wikipedia - um hipotético futuro onde as

pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas

psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais,

dentro de uma sociedade organizada por castas. Na sociedade desse

"futuro" criado por Huxley... qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos

era dissipada com o consumo de uma droga sem efeitos colaterais

aparentes chamada "soma"... O livro desenvolve-se a partir do

contraponto entre esta hipotética civilização ultra-estruturada (com o fim

de obter a felicidade de todos os seus membros, qualquer que seja a sua

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39

posição social) e as impressões humanas e sensíveis do personagem

"selvagem" John que, visto como algo aberrante, cria um fascínio estranho

entre os habitantes".

A sociedade distópica de Huxley é uma sociedade totalmente organizada

sob um sistema científico de castas, onde não haveria vontade livre,

abolida pelo condicionamento. A servidão seria aceitável devido as doses

regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam

ministradas em cursos (uma ironia com o sistema educacional?) durante o

sono.

Para que houvesse estabilidade social neste mundo totalmente

organizado era preciso que as pessoas fossem felizes, satisfeitas com o

que lhes foi estabelecido, condicionado: "homens sãos de espírito,

obedientes, satisfeitos em sua estabilidade”. Segundo o livro, “o controle

do comportamento indesejável por intermédio do castigo é menos eficaz,

no fim das contas, do que o controle por meio de reforço do

comportamento desejável mediante recompensas".

Neste admirável mundo novo, o condicionamento imposto começava

desde logo no período da incubação, onde cada sujeito era condicionado

para ocupar o seu lugar na estrutura social criada, cada qual predestinado

para uma função: uns para serem mineiros, outros tecedores de seda,

dentre outras funções. Sendo assim seu espírito seria formado de maneira

a confirmar as predisposições do corpo. Para serem felizes as pessoas

precisavam aceitar passivamente seu destino: "fazer as pessoas amarem o

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40

destino social de que não podem escapar”. Tudo era feito para o bem do

próprio Estado.

Huxley, como é óbvio, está descrevendo as consequências do estatismo

levado às suas últimas consequências. Para a prorrogação de um estado

(qualquer estado e não apenas o Estado científico totalitário imaginado na

obra), a estabilidade era a necessidade fundamental e definitiva.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse livro de Huxley constitui material de pesquisa

do terceiro módulo.

Page 41: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

41

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

O terceiro filme do programa é Admirável Mundo Novo (Brave New

World) de Leslie Libman e Larry Williams (1998). Foi um filme feito para TV

(destacando-se a participação de Leonard Nimoy - o Spock de Star Trek -

como Mustapha Mond).

Existem várias versões de Brave New World, baseadas no romance

homônimo de Aldou Huxley (1932), já tratado aqui. No programa de

investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões

autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do terceiro módulo.

Page 42: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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KOESTLER RECONHECENDO DARTH STALIN

Arthur Koestler (1905-1983) escreveu O Zero e o Infinito (Darkness at

Noon) em 1941, narrando as reflexões do fictício preso político Rubachov,

um velho militante bolchevique massacrado pelo regime stalinista durante

o Grande Expurgo na União Soviética. O livro foi uma tremenda inspiração

para George Orwell que escreveu sobre ele e o autor um ensaio em 1944

muito interessante (clique no link abaixo para ler):

https://ebooks.adelaide.edu.au/o/orwell/george/o79e/part21.html

O livro jamais foi levado ao cinema. Faz parte dos "missing movies", como

afirmou Kenneth Lloyd Billingsley (2000) num ensaio sub-intitulado "Why

American films have ignored life under communism" (o link está abaixo):

Page 43: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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http://reason.com/archives/2000/06/01/hollywoods-missing-movies

Um esboço de verbete da Wikipedia explica que "comunistas americanos

e europeus consideraram O Zero e o Infinito como anti-estalinista e anti-

URSS. Na década de 1940, vários roteiristas de Hollywood ainda eram

comunistas, geralmente foram atraídos para o partido durante as crises

econômicas e sociais da década de 1930... e esses comunistas

consideraram o romance de Koestler importante o suficiente para evitar a

sua adaptação para o cinema".

O livro relata as reflexões do preso político e o processo que o conduz à

morte. O crítico João Pereira Coutinho observa que "o prisioneiro de O

Zero e o Infinito começou por acreditar na revolução e foi um dos mais

importantes dirigentes bolcheviques, até o dia em que deixou de usar a

primeira pessoa do plural - "nós, o partido"; "nós, o Estado"; "nós, o povo"

- e começou a escutar a primeira pessoa do singular: o solitário e

insubornável "eu". O primeiro grande crime de Rubashov é, literalmente,

um crime gramatical. Mas é mais do que isso: é um crime religioso.

Rubashov deixou de ter "fé" na sua "religião secular" (veja no link abaixo a

resenha de Coutinho):

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/06/1295218-critica-livro-o-

zero-e-o-infinito-compoe-retrato-agudo-do-totalitarismo.shtml

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse livro de Koestler constitui material de pesquisa

do quarto módulo.

Page 44: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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O ASSASSINATO DE TROTSKY

O quarto filme do programa é O Assassinato de Trotsky (The Assassination

of Trotsky), de Joseph Losey (1972). A história é conhecida. Trotsky tinha

sido forçado a deixar a União Soviética em 1929 com a ascensão do

stalinismo. O filme tem seu ponto culminante no ano de 1940, quando

Trotsky estava vivendo no México. Mas nem tão distante logrou escapar

das garras do então ditador da União Soviética, Joseph Stalin, que envia ao

seu encalço um assassino chamado Frank Jackson. O assassino decide se

infiltrar na casa de Trotsky travando amizade com um dos jovens

comunistas do seu círculo mais íntimo no exílio.

Page 45: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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O filme está no mesmo módulo do livro de Arthur Koestler (1941), O Zero

e o Infinito (Darkness at Noon), escrito no mesmo ano do assassinato de

Trotsky, não por acaso. Assim como Rubashov, importante líder

bolchevique fictício assassinado pelo regime bolchevique, Leon Trotsky,

um dos principais dirigentes da revolução de outubro, também é tragado

pelo poder despótico que ajudou a instaurar. Ao contrário, porém, de

Rubashov, que deixou de ter fé na sua religião secular, Trotsky, não

abandona o padrão hierárquico-autocrático na sua oposição à Stalin, na

sua campanha contra uma suposta degeneração que teria ocorrido após a

morte de Lenin e nas circunstâncias da horrível luta interna que levaram

ao seu posterior exílio.

O padrão autocrático é sempre um padrão de comportamento é persiste

mesmo formalmente fora do Estado.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do quarto

módulo.

Page 46: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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ORWELL É O BICHO

George Orwell (1903-1950) - pseudônimo do escritor e jornalista inglês

Eric Arthur Blair, nascido na Índia Britânica - publicou em 1945 a novela

satírica A Revolução dos Bichos (Animal Farm). O livro foi incluído na lista

dos cem melhores romances do século 20. Há um bom Orwell Reader no

link abaixo:

http://www.theorwellreader.com/index.shtml

A Revolução dos Bichos é uma sátira da revolução bolchevique e uma

crítica contundente do período stalinista na União Soviética. Na fábula os

animais de uma granja se revoltam contra os humanos e fazem uma

revolução. Liderados pelos porcos Bola-de-Neve (Snowball) e Napoleão

Page 47: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

47

(Napoleon), os animais tentam criar uma sociedade utópica, mas

Napoleão, seduzido pelo poder, afasta Bola-de-Neve e estabelece uma

ditadura semelhante a dos humanos.

A sociedade pós-revolucionária da fazenda dos bichos reproduzia a

estrutura (hierárquica) e a dinâmica (autocrática) da antiga dominação

humana. Em vez de uma revolução social propriamente dita, houve

apenas a troca dos ocupantes humanos por ocupantes animais. As regras

iniciais foram então sendo adaptadas às conveniências dos que tomaram

o poder. Assim, os preceitos revolucionários iniciais viraram preceitos de

adaptação às condições pretéritas:

- "Nenhum animal dormirá em cama" virou "Nenhum animal dormirá em

cama com lençóis".

- "Nenhum animal beberá álcool" (o antigo dono humano, o fazendeiro

Jones, era um beberrão cruel) virou "Nenhum animal beberá álcool em

excesso".

- "Nenhum animal matará outro animal" virou "Nenhum animal matará

outro animal sem motivo".

- "Todos os animais são iguais" virou "Todos os animais são iguais, mas

alguns são mais iguais que os outros".

No final os animais que fizeram a "revolução" mas não estavam no poder

já não conseguiam mais distinguir os porcos dos homens.

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No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse livro de Orwell constitui material de pesquisa

do quinto módulo.

Page 49: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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A REVOLUÇÃO DOS BICHOS

O quinto filme do programa é A Revolução dos Bichos (Animal Farm) de

John Stephenson (1999). Há uma versão anterior (animação), de Joy

Batchelor e John Halas (1954).

O filme é baseado no conto satírico de George Orwell (1945) de mesmo

nome e que já foi tratado no link aqui.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do quinto

módulo.

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ORWELL VIAJANDO NO TEMPO

George Orwell escreveu em 1948 o livro 1984 (Nineteen Eighty-Four). O

livro foi publicado em 1949 e representou, talvez, a distopia definitiva do

século 20, escrita no dealbar da guerra-fria (mas que, de certo modo,

ainda remanesce no século 21). Por isso é uma viagem no tempo: o livro

até hoje é proibido em algumas ditaduras. Recentemente nasceu um

movimento de desobediência civil na Tailândia, onde pequenos grupos se

reúnem nas ruas e praças da cidade para ler a obra proibida pelo regime

em pleno ano de 2014!

1984 narra a história fictícia de um Estado totalitário fundido a um partido

autocrático. O Partido - que conquistou hegemonia sobre a sociedade (em

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termos leninianos e gramscianos) - é dirigido por um Partido Interno,

comandado pelo Grande Irmão (Big Brother: o chefe supremo, o líder, o

führer) que congrega ou representa 2% da sociedade ou sua camada

superior. As camadas médias compõem o Partido Externo, representando

13% da sociedade. Todos os 85% restantes compõem a camada baixa (os

Proles). Ou seja, o Partido não apenas representa o Estado (ao qual se

fundiu), mas estrutura hierarquicamente a própria sociedade. De sorte

que toda a sociedade vira assim, na distopia de Orwell, uma organização

privada.

A novela que serve de veículo para a crítica de George Orwell é centrada

no personagem Winston Smith, que é (segundo o sofrível verbete da

Wikipedia) "um homem com uma vida aparentemente insignificante, que

recebe a tarefa de perpetuar a propaganda do regime através da

falsificação de documentos públicos e da literatura a fim de que o governo

sempre esteja correto no que faz. Smith fica cada vez mais desiludido com

sua existência miserável e assim começa uma rebelião contra o sistema".

Em 1984 a guerra é o fundamento de tudo. Mas não a guerra quente, a

guerra de facto, e sim a guerra que era simulada como engendramento

para construir e manter inimigos como pretexto para reproduzir cosmos

sociais estruturados segundo padrões autocráticos e regidos por

dinâmicas autocráticas. No livro, o membro do Partido Interno O'Brien

descreve a visão de futuro do partido:

"Não haverá curiosidade, nem fruição do processo da vida. Todos os

prazeres concorrentes serão destruídos. Mas sempre... não se esqueça,

Page 52: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

52

Winston... sempre haverá a embriaguez do poder, constantemente

crescendo e constantemente se tornando mais sutil. Sempre, a todo

momento, haverá o gozo da vitória, a sensação de pisar um inimigo

vencido. Se quer uma imagem do futuro, pense numa bota pisando um

rosto humano – para sempre".

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos o livro 1984 de Orwell constitui material de pesquisa

do sexto módulo.

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1984

O sexto filme do programa é 1984 (Nineteen Eighty-Four) de Michael

Radford (1984). Há uma versão anterior, de Michael Anderson (1956).

O filme é baseado no livro homônimo de George Orwell (1949) e que já foi

tratado aqui.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do sexto

módulo.

Page 54: 100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA

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BRADBURY QUEIMANDO À 451F

Ray Bradbury (1920-2012) - um escritor americano de ficção científica -

escreveu Fahrenheit 451 em 1953, três anos após a publicação do

excelente Crônicas Marcianas (The Martian Chronicles). Mas tudo indica

que Fahrenheit 451 foi seu preferido pois, a seu pedido, a sua lápide

funerária no cemitério Westwood Village Memorial Park, contém o

epitáfio: «Autor de Fahrenheit 451».

O verbete da Wikipedia sobre Fahrenheit 451 é bem razoável. Abaixo

seguem excertos.

"O conceito inicial do livro começou em 1947 com o conto "Bright

Phoenix" (que só seria publicado na revista Magazine of Fantasy and

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Science Fiction em 1963). O conto original foi reformulado na novela The

Fireman, e publicada na edição de fevereiro de 1951 da revista Galaxy

Science Fiction. A novela também teve seus capítulos publicados entre

março e maio de 1954 em edições da revista Playboy. Escrito nos anos

iniciais da Guerra Fria, o livro é uma crítica ao que Bradbury viu como uma

crescente e disfuncional sociedade americana.

O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos,

opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o

pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag,

trabalha como "bombeiro" (o que na história significa "queimador de

livro"). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima

do papel, equivalente a 233 graus Celsius...

O romance reflete importantes temas inquietantes da época de sua

escrita, deixando muitos interpretarem diferentemente do que pretendia

Bradbury. Entre os temas atribuídos para o romance, o que Bradbury

chamou de "força destruidora de pensamentos" da censura nos anos 50,

os incêndios de livros na Alemanha Nazista que começaram em 1933 e as

horríveis consequências da explosão de uma arma nuclear:

"Eu quis dizer qualquer espécie de tirania, em qualquer parte do mundo, a

qualquer hora, na direita, na esquerda ou no centro".

Uma circunstância particularmente irônica é que, sem o conhecimento de

Ray Bradbury, foi publicado uma edição censurada em 1967, omitindo as

palavras "droga" e "inferno", para a distribuição em escolas".

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No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos o livro Fahrenheit 451 de Bradbury constitui material

de pesquisa do sétimo módulo.

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FAHRENHEIT 451

O sétimo filme do programa é Fahrenheit 451 de François Truffaut (1966)

e conta com a participação de Julie Christie (como Clarice / Linda Montag)

que não consegue ofuscar a de Oskar Werner (o protagonista Guy

Montag).

O filme é baseado no livro homônimo de Ray Bradbury (1953) e que já foi

tratado aqui.

Cenas finais foram colocadas no segundo vídeo (de menos de 5 minutos)

que divulga o programa 100 DIAS DE VERÃO e estão no link abaixo:

http://youtu.be/MWSP4AP_AqM

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No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do sétimo

módulo.

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GOLDING E BA'AL ZEBUB

William Golding (1911-1993) - poeta inglês e Nobel de literatura em 1983 -

escreveu a novela alegórica O Senhor das Moscas em 1953. O livro,

publicado no ano seguinte, não fez sucesso na época. O livro retrata o

comportamento de um grupo de crianças inglesas de um colégio interno,

preso em uma ilha deserta após a queda do avião que as transportava

para longe da guerra.

O Senhor das Moscas (1954) faz parte da literatura do pós-guerra e - como

A Revolução dos Bichos de George Orwell e tantos outros - explora, de

forma peculiar, a tensão entre democracia e autocracia no dealbar da

guerra fria a partir do comportamento social de indivíduos em condições

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de escassez (natural e artificial, porém mais artificial do que natural - e aí

pode estar uma chave de interpretação para o surgimento de modos de

regulação autocráticos aderentes a padrões de organização hierárquicos).

Segundo a análise do verbete na Wikipedia, "muitos interpretaram O

Senhor das Moscas como um trabalho de filosofia moral. O cenário da

ilha, um paraíso com toda a comida e a água necessários, pode ser visto

como uma metáfora para o Jardim do Éden. Assim, a primeira aparição do

“Bicho” seria o surgimento da serpente, como o mal surge no livro de

Gênesis. Um dos principais temas do livro é a natureza do Mal. Isto pode

ser claramente visto na conversa que Simon [um dos personagens]

mantem com o crânio do porco, que se refere a si mesmo como “O Senhor

das Moscas” (uma tradução literal do nome hebraico de Ba'alzevuv, ou

Beelzebub em grego). O nome, enquanto se refere aos enxames de

moscas sobre si, claramente refere-se ao personagem bíblico".

Talvez seja melhor interpretá-lo, entretanto, como a descrição de um

experimento social do que como uma reflexão sobre a origem do mal ou,

mesmo, como uma alegoria política stricto sensu. O livro permite uma

leitura capaz de fazer correspondências entre o social e o político, ou seja,

sobre os condicionamentos recíprocos entre padrão de organização e

modo de regulação.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos o livro de Golding constitui material de pesquisa do

oitavo módulo.

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O SENHOR DAS MOSCAS

O oitavo filme do programa é O Senhor das Moscas (Lord of the Flies), de

Peter Brook (1963).

O filme é baseado no livro homônimo de William Golding (1954) e que já

foi tratado aqui.

Em termos bem simplórios, a ementa divulgada pelas distribuidoras diz o

seguinte. Após um terrível acidente aéreo, um grupo de crianças vê-se

perdido numa ilha deserta. Ao perceberem as dificuldades de obterem

socorro, os meninos unem-se para fazer frente ao medo e ao desespero.

Mas a medida que se apossam da ilha, cresce um sentimento de

competição e de luta pelo poder, que os divide em dois grupos. O título é

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uma referência a Belzebu (do nome hebraico Ba’al Zebub), um sinônimo

para o Diabo). É melhor ler a resenha do livro no link acima para entender

por que O Senhor das Moscas está incluído na lista.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do oitavo

módulo.

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SOLJENÍTSIN E O INNER CIRCLE

Alexander Soljenítsin ou Aleksandr Solzhenitsyn (1918-2008) foi um

romancista russo - Nobel de literatura em 1970 - que escreveu, entre

outros, o livro Um dia na vida de Ivan Denisovich (1962). Publicado no

auge da Guerra Fria (sob licença expressa de Nikita Kruschev ) a obra foi

escrita em segredo. Reportagem da época do lançamento (publicada em

outubro de 1962 na revista Veja) relata o seguinte:

"O autor da obra, um professor e historiador de 43 anos, não imaginou as

atrocidades relatadas no livro nem ouviu os testemunhos de antigos

prisioneiros – Solzhenitsyn sentiu a fúria do regime na própria pele, numa

longa detenção que só por milagre não lhe custou a vida. Comandante de

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um pelotão de artilharia no Exército Vermelho durante a II Guerra

Mundial, ele foi condecorado duas vezes no decorrer dos combates. No

fim da campanha, entretanto, foi detido por criticar Stalin numa carta

privada enviada a um amigo. Até esse momento, Solzhenitsyn jamais

questionara a ideologia comunista ou a propalada superioridade dos

soviéticos frente ao mundo capitalista. Tudo isso mudou nos oito anos de

prisão nos campos para prisioneiros políticos. Em um deles, em Ekibastuz,

no Cazaquistão, o autor foi escravizado como mineiro e pedreiro, sempre

sob condições desumanas. Só deixou o campo em 1953, vítima de câncer

[na verdade de um tumor não identificado] e à beira da morte. Curado

num hospital de Tashkent, Solzhenitsyn foi perdoado e pôde retornar à

porção européia da URSS, onde passou a trabalhar como professor de

escola secundária. À noite, contudo, o ex-prisioneiro escrevia em segredo,

sem jamais imaginar que algum dia poderia mostrar essas páginas para

qualquer outra pessoa.

Descrente das ilusões marxistas, Solzhenitsyn inspirou-se na sua própria

trajetória pelos campos do gulag [realidade tenebrosa revelada ao mundo,

anos mais tarde, por ele mesmo, em Arquipélago Gulag (1973)] para

escrever Um Dia na Vida de Ivan Denisovich. Assim como ele, o

personagem do título é capturado pela máquina do Kremlin graças a uma

acusação esdrúxula – no caso de Denisovich, a suspeita de que teria

espionado para os alemães depois de ser capturado na II Guerra. O

prisioneiro era inocente, mas recebeu uma pena de dez anos no gulag. O

livro revela aspectos estarrecedores do sistema de repressão aos

dissidentes. Denisovich já acorda passando mal, é castigado por dormir

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alguns minutos a mais, passa o dia trabalhando num frio de rachar a

espinha e tem de brigar para conseguir engolir uma ração miserável. O

cenário descrito pelo personagem é desolador: os prisioneiros enfrentam

o inferno branco do Cazaquistão com sapatos menores que seus pés, luvas

que rasgam a qualquer movimento, camas raquíticas e cobertas

esburacadas. Acabam torcendo por um frio ainda mais intenso – a única

situação em que são dispensados dos massacrantes trabalhos braçais é

quando o termômetro aponta menos de 41 graus abaixo de zero.

Solzhenitsyn só resolveu mostrar ao mundo sua obra há alguns meses,

quando tomou coragem e procurou o editor-chefe da Noviy Mir, um poeta

chamado Alexander Tvardovsky, com o manuscrito em mãos".

Massacrado pela máquina infernal do Estado soviético - antes, durante e

depois da sua prisão, inclusive no seu tempo de exílio nos Estados Unidos -

, vítima da contra-propaganda dos comunistas que jamais o perdoaram

por ter desmascarado o horror do regime soviético, Soljenítsin refugiou-se

na religião, denegou a democracia (conquanto tenha se notabilizado pela

denúncia mais veemente do terror de Estado autocrático), aplaudiu

ditaduras como a de Franco e Pinochet, para acabar sucumbindo aos

encantos de Putin (chefe da FSB, sucessora da KGB, sucessora da NKVD

que o prendera em 1945 simplesmente por ter feito críticas indiretas a

Stalin em correspondência privada a um amigo).

Na interpretação do livro Um dia na vida de Ivan Denisovich (assim como

do restante da sua obra, em especial Arquipélago Gulag e O Primeiro

Círculo) não conta para nada a trajetória posterior da vida de Soljenítsin.

Não se trata de uma luta entre Soljenítsin e o comunismo (ou melhor, a

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ditadura na Rússia e satélites, chamada de União Soviética) para ver quem

é melhor ou menos pior e sim da denúncia de quem sofreu na pele suas

terríveis consequências. Não há mais o que dizer. É preciso ler.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse livro de Soljenítsin constitui material de

pesquisa do nono módulo.

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O CÍRCULO DO PODER

O nono filme do programa é O Círculo do Poder (The Inner Circle), de

Andrei Konchalovsky (1991). Inspirado em um personagem real, um

funcionário da KGB, projecionista e devoto do ditador Joseph Stalin. Um

retrato cruel do totalitarismo na Rússia stalinista.

O site 50 Anos de Filmes faz uma resenha razoável:

"Uma característica fantástica é o fato de ele ter sido feito ainda na União

Soviética, numa co-produção ítalo-soviética-americana. Eram os

momentos finais, era o auge da glasnost de Gorbachev, 1991, mas o

império ainda existia, e o filme foi todo rodado em Moscou.

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É fantástico também saber que aquilo se baseia em fatos reais. O

personagem central, Alexander Ganshin, existiu de fato, e estava vivo

quando o filme foi rodado; Tom Hulce, o ator que havia feito Mozart no

Amadeus de Milos Forman, e que interpreta Alexander Ganshin,

conversou com ele, na época da filmagem.

Ganshin era um competente projecionista de filmes, um sujeito humilde,

apolítico, simplório, meio bobo, meio pateta, mas competente no que

fazia – e, um belo dia, foi chamado ao Kremlim para ser o projecionista na

sala onde Josef Stálin (Aleksandr Zbruyev) via filmes com sua camarilha, o

inner circle, o círculo do poder do título. Foi o projecionista do ditador até

a morte dele, e o filme conta toda a sua história, desde o dia em que é

levado pela primeira vez ao Kremlim, em 1939, até 1953, o ano da morte

de Stálin. Aliás, as sequências em que uma multidão imensa presta as

derradeiras homenagens ao chefe do regime que assassinou milhões são

belíssimas.

O filme mostra os dois ambientes – a vida do projecionista com sua

mulher em uma habitação coletiva, a dura vida real das pessoas normais,

e a sala de projeção no Kremlin. Tom Hulce está um tanto exagerado nas

caretas, assim como Lolita Davidovich, como sua mulher, pessoa humilde

que de repente passa a ter um marido assim com os homens lá do alto do

império, e é capaz de, de vez em quando, levar, para a habitação coletiva

restos das iguarias servidas na Versalhes do Ditador Sol, coisas que os

vizinhos nunca tinham visto na vida.

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Sim, os dois estão um tanto exagerados, mas é impressionante o

striptease que o diretor Andrei Konchalovsky faz da hipocrisia dos

próximos ao poder, do medo onipresente de que um pequeno passo em

falso de qualquer pessoa do povo naquele império totalitário pudesse

levar à degradação, à prisão, à morte...

O diretor nasceu em 1945, o ano do final da Segunda Guerra e o primeiro

da guerra fria; era garoto, portanto, quando Stálin morreu, em 1953, e os

crimes stalinistas começaram a ser denunciados dentro da União

Soviética. Filho de dois escritores, descendente de um pintor famoso,

irmão do também cineasta Nikita Mikhalkov, ele estudou cinema e ficou

próximo de Andrei Tarkovsky, um diretor que Stálin seguramente teria

banido para a Sibéria por ser independente demais. Como ele,

Konchalovsky se afastou da ortodoxia do cinema soviético, e sofreu duras

críticas por isso; acabou passando uma temporada no Ocidente, onde fez,

entre outros, Os Amantes de Maria/Maria’s Lover, com Nastassja Kinski,

Gente Diferente/Shy People, com Jill Clayburgh e Barbara Hershey, e até

um policialzinho, Tango e Cash, com Sylvester Stallone e Kurt Russell.

Voltou para a terra natal para fazer esta beleza de filme".

O Circulo do Poder é um excelente material para o reconhecimento de

padrões autocráticos na vida cotidiana, nos comportamento e gestos mais

comezinhos dos que se acercavam da fonte dessa imensa perturbação do

campo social que gerava a autocracia soviética.

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No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do nono

módulo.

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HERBERT E O JIHADISMO FREMEN

Um depoimento pessoal (de Augusto de Franco), escrito em julho de 2010

e publicado na Escola-de-Redes:

"Conheci o famoso "Duna" (1965) de Frank Herbert apenas em 1987. De lá

para cá, não parei de ler - repetidamente - todos os seis livros da série,

que foi interrompida em 1985 com a morte do autor (+1986).

Cada vez que leio Herbert, descubro mais e mais coisas interessantes. Em

parte, minha compreensão das redes sociais, devo-a a ele. Sobretudo a

uma frase - uma pérola do segundo livro da série, "O messias de Duna"

(1969) - que não me canso de citar: "Não reunir é a derradeira

ordenação".

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Agora, relendo, pela terceira ou quarta vez, "Os filhos de Duna" (1976) - o

terceiro da série - me deparo com um diálogo em que Leto (filho de Paul

Atreides que se transmutaria no Imperador-Deus de Duna) diz: "Nós

seremos um ecossistema em miniatura... Seja qual for o sistema que um

animal escolha para sobreviver, deve basear-se num padrão de

comunidades interligadas, interdependentes, trabalhando juntas para o

objetivo comum que é o sistema". Ora, o que é isso senão uma poderosa

antevisão do que agora chamamos de sustentabilidade (de um ponto de

vista sistêmico)? E o que é isso senão um entendimento profundo da

dinâmica de rede que nos permite afirmar, como fiz em 2008, sem ter

consciência dessa passagem (que, por certo, já havia lido) que "tudo que é

sustentável tem o padrão de rede"?

Herbert escreveu uma série ecológica. Mas ele sabia - ao contrário dos

ambientalistas atuais, que pensam em salvar o planeta fazendo

proselitismo e emprenhando as pessoas pelo ouvido - que nada disso

depende do que se chama de consciência. Como epígrafe de um dos

capítulos de "Os filhos de Duna", ele colocou na boca de Harq al-Ada,

cronista do Jihad Butleriano (a guerra ludista contra as máquinas

inteligentes):

"O pressuposto de que todo um sistema pode ser levado a funcionar

melhor através da abordagem de seus elementos conscientes revela uma

perigosa ignorância. Essa tem sido freqüentemente a abordagem

ignorante daqueles que chamam a si mesmos de cientistas e tecnólogos".

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Aprendi mais política com Frank Herbert do que na minha longa incursão

pelos clássicos. No livro Alfabetização Democrática (2007) indiquei a

leitura da série Duna como parte de um programa de aprendizagem em

democracia. Reproduzo a passagem:

"Existem também algumas obras de ficção que ajudam a compreender a

natureza e perceber as manifestações – explícitas ou implícitas – do poder

vertical. Pouca gente se dá conta de que é possível aprender mais sobre

política democrática lendo atentamente esses livros do que estudando

volumosos tratados teóricos sobre política. Para quem está interessado na

"arte" da política democrática é importantíssimo ler, por exemplo, a série

de livros de Frank Herbert, que se inicia com o clássico "Duna". Um curso

prático de política democrática deveria recomendar a leitura dos seis

volumes que compõem essa série: Dune (1965), Dune Messiah (1969),

Children of Dune (1976), God Emperor of Dune (1981), Heretics of Dune

(1984) e Chapterhouse: Dune (1985). Herbert faleceu em 1986, quando

estava trabalhando no sétimo volume da série. Seus livros foram

publicados no Brasil pela Nova Fronteira, com os respectivos títulos: Duna,

O Messias de Duna, Os Filhos de Duna, O Imperador-Deus de Duna, Os

Hereges de Duna e As Herdeiras de Duna. Um bom - e além de tudo

prazeroso – exercício de formação política seria tentar desvendar Duna,

do ponto de vista daquelas manifestações do poder vertical que se

contrapõem à prática da democracia - quer dizer, das atitudes míticas

diante da história, sacerdotais diante do saber, hierárquicas diante do

poder e autocráticas diante da política – realizando explorações nesse

maravilhoso universo ficcional de Frank Herbert".

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Herbert parecia saber que a chave para a formação da pessoa como ser

singular - e não como mais um indivíduo de um rebanho, mera

reprodução de um sistema de dominação - está na desobediência. Um

ghola (ao contrário de um clone) só poderia ser despertado dessa forma.

Mas um diálogo entre um ghola Duncan Idaho e o bashar Miles Teg, em

"Os hereges de Duna" (1984) dá uma pista de que a desobediência deve

ser aprendida, não pode ser ensinada:

" - E o que vocês esperam que eu faça?

- Você já sabe.

- Não, não sei. Por favor, ensine-me!

- Você fez muitas coisas sem precisar que o ensinassem a fazê-las.

Será que lhe ensinamos a desobediência?"

Ao escrever o Desobedeça (2010) talvez tenha sido inconscientemente

influenciado por essa passagem de Herbert. E agora, que estou

trabalhando no meu novo livro "Fluzz: vida humana e convivência social

nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio", ainda

estou sob tal influência. Reproduzo um trecho já rascunhado da

introdução do novo livro:

"Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio, vida

humana e convivência social se aproximarão a ponto de revelar os

“tanques axlotl” onde somos gerados como seres propriamente humanos.

Todos compreenderemos a nossa natureza de “gholas sociais”.

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Os tanques onde somos formados como pessoas são clusters, regiões da

rede social a que estamos mais imediatamente conectados.

Um tipo especial de ghola: não um clone de um indivíduo, mas um “clone”

de uma configuração de pessoas. Toda pessoa, já dizia Novalis em 1798, é

uma pequena sociedade; quer dizer, pessoa já é rede! Pessoa é um ente

cultural que replica uma configuração. É um ghola social".

No universo ficcional de Duna, os tanques axlotl são mulheres tleilaxu que

sofreram um coma cerebral químico induzido, a par de outras

intervenções genéticas, para servir como usina de gholas. Os Tleilaxu (ou

Bene Tleilax) são uma sociedade fechada de religiosos altamente

avançados tecnologicamente, em especial em engenharia genética. Meio

assustador, por certo. Mas para entender esse universo de Herbert é

preciso ler as camadas da sua escritura: literal, alegórica ou metafórica,

simbólica ou até, quem sabe, um pouco mais do que isso.

Como qualquer pessoa que consegue realmente libertar a imaginação,

Frank Herbert acaba roçando nos padrões ocultos que estão, por assim

dizer, por trás das manifestações visíveis. Sobre isso, aliás, já havia

escolhido, para epígrafe do livro que ainda não consegui terminar - "A

Rede: Explorações no multiverso das conexões ocultas que configuram o

que chamamos de social" - uma outra passagem de Herbert, também de

"Os filhos de Duna" (1976):

"E naquele instante ele viu o planeta inteiro: cada vila, cada cidade, cada

metrópole, os lugares desertos e os lugares plantados. Todas as formas

que se chocavam em sua visão traziam relacionamentos específicos de

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elementos interiores e exteriores. Ele via as estruturas da sociedade

imperial refletidas nas estruturas físicas de seus planetas e de suas

comunidades. Como um gigantesco desdobramento dentro dele, ele via

nessa revelação o que ela devia ser: uma janela para as partes invisíveis da

sociedade. Percebendo isso, notou que todo sistema devia possuir tal

janela. Mesmo o sistema representado por ele mesmo e o universo.

Começou a perscrutar as janelas, como um voyeur cósmico."

Bem, este tributo é apenas uma nota introdutória à aventura, muito

prazerosa para mim, de explorar o universo ficcional de Frank Herbert".

[Fim da transcrição]

E agora, mais de quatro anos depois, Duna volta à cena, desta feita para

ser explorado do ponto de vista do surgimento de padrões autocráticos,

sobretudo na organização dos fremen: uma alegoria de Herbert para os

mujahidin (ou jihadistas). Mujahidin (ن também transliterado como ;مجاهدي

mujāhidīn, mujahedin, mujaidim, etc.) é a forma plural de mujahid (مجاهد),

que se traduz literalmente do árabe ن como ,(muǧāhidīn) مجاهدي

"combatente" ou "alguém que se empenha na luta (jihad)", embora o

termo seja frequentemente traduzido como "guerreiro santo".

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos o livro Duna constitui material de pesquisa do

décimo e último módulo.

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DUNA

O décimo - e último - filme do programa é Duna (Dune), de David Lynch

(1984). Em 10.191 d. C., a substância mais cobiçada do universo é a

especiaria (melange, especiaria, traduzida ridiculamente na versão

dublada por "tempero"), encontrada somente no planeta desértico

Arrakis, conhecido como Duna. Depois que seu pai é assassinado pelo

cruel Barão Harkonnen, o jovem Paul Atreides descobre que seu destino

está ligado à Duna, onde terá início uma batalha monumental que irá

redefinir o cosmos.

O filme de Lynch não faz jus ao livro de Frank Herbert (sobretudo por um

absurdo ecológico cometido no final, abreviando para minutos um

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processo que levou séculos - a volta da chuva em Duna - e introduzindo

com isso um milagre que destrói a lógica da narrativa). No entanto,

contém detalhes interessantes para o reconhecimento de padrões (com

destaque para o figurino de Bob Ringwood).

O livro homônimo de Frank Herbert (1965) já foi tratado aqui.

No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de

padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do décimo -

e último - módulo.

Danienlared (num site hoje desativado) fez em 2010 o seguinte resumo da

trama (em espanhol):

"La Casa Atreides, recibe del Emperador Paddishah imperial Shaddam IV

Corrino, el feudo del planeta Arrakis (llamado tambien Dune) para

encargarse de la explotacion de la especia o melange, una sustancia unica

en el universo, y de vital importancia. Quien controla la especia, controla

el universo.

La familia, comandada por el Duque Leto Atreides, con su concubina Bene

Gesserit Dama Jessica, su hijo Paul, y sus fieles servidores, el Mentat Thufir

Hawat, el Doctor Suk Wellington Yueh, y los Maestros de armas Gurney

Halleck y Duncan Idaho, emprenden el viaje desde Caladan para tomar el

control de Arrakis.

Para una Casa menor, como es la Atreides, es un gran honor, pero en

realidad es una trampa que preparan los anteriores poseedores del feudo,

los Harkonnen y el Emperador Corrino, como venganza por pasadas

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rencillas con el Duque Leto. El plan Harkonnen incluye la traicion del

Dr.Yueh una vez esten instalados en la capital de Arrakis, Arrakeen, e

consiste en un ataque de los invencible soldados Sardaukar imperiales,

vestidos con uniforme Harkonnen.

Los Atreides huelen la trampa, y tratan de establecer alianzas con los

desconocidos y salvajes Fremen, habitantes del desierto profundo, cosa

que consiguen en un principio. Pero el ataque se produce y caen los

Atreides, que son capturados. El Dr.Yueh implanta en la boca del Duque

un diente con un gas venenoso, para que mate al Baron Harkonnen, señor

de esa Casa. A cambio, Yueh preparara la huida de su concubina Jessica y

su hijo Paul. El Duque falla en su intento, asesinando al Mentat del Baron,

Piter DeVries, pero Jessica y Paul si logran, tras utilizar los poderes de la

Voz contra los soldados Harkonnen que los transportan al desierto para

dejarlos alli y que se los coman los gusanos de arena (especie unica de

este planeta), huir, y entrar en contacto con los Fremen. El Naib Fremen,

Stilgar, les da cobijo.

Debido a las manipulaciones religiosas de la Missionaria Protectiva de la

Bene Gesserit, los Fremen ven a Paul como el Mesías que guiará a su

pueblo en la transformación del arido Dune en un ecosistema verde. Su

lider, el planetologo imperial Liet-Kynes, muere a manos de los

Harkonnen. Jessica acepta convertirse en la Sayyadina de los Fremen, y

supera la Agonia de la Especia. Al estar embarazada en ese momento, su

futura hija, Alia, sera una “abominacion”, una niña con todos los

conocimientos de una Bene Gesserit adulta. Paul adopta el nombre

fremen de Muad’Dib y conoce a Chani, encargada de protegerle y

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enseñarle las costumbres Fremen. El amor surgirá entre la pareja, y Chani

será su compañera. Con ella, tiene un hijo que morira en un ataque

Harkonnen a un sietch Fremen.

Paul Muad’Dib se convierte en el líder de los Fremen, guiándoles en una

revolución contra los Harkonnen y el Emperador, saboteando la

producción de especia. Pero ademas sus poderes prescientes aumentan

día a día. Paul, para descubrir si es verdaderamente el Kwisatz Haderach,

se somete a la Agonia de la Especia, que supera tras un coma.

Una vez recuperado, Paul Muad’Dib vence con sus fieles Fedaykin y los

Fremen, a los hasta entonces invencibles soldados Sardaukar imperiales,

en la Batalla de Arrakeen. Ya en el Palacio, frente al Emperador, derrota

en un combate a muerte al heredero de los Harkonnen, Feyd-Rautha.

Obliga al Emperador al exilio, toma por esposa a la hija mayor de este,

Irulan Corrino (como gesto ante las demas Casas del Landsraad), y se

proclama Emperador del Universo Conocido. La Yihad de Muad’Dib se

extiende por todos los planetas del universo hasta la victoria final".

Para quem tiver interesse, todos os livros da saga Duna estão

apresentados em um tópico do grupo DUNA da Escola-de-Redes que pode

ser acessado no link abaixo:

http://escoladeredes.net/group/duna/forum/topics/todos-os-livros-da-

saga-duna