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RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS Negociação Mediação Arbitragem Julgados de Paz

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RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS

Negociação

Mediação

Arbitragem

Julgados de Paz

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Abreviaturas

CC – Código Civil

CCI – Câmara de Comércio Internacional

CIRDI – Centro Internacional de Resolução de Diferendos relativos a Investimentos (International Centre for Settlement of

Investment Disputes)

CPC – Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa

IBA – International Bar Association

LAV – Lei da Arbitragem Voluntária, Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto

LCCG - Lei das Clausulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro

LCIA – London Court of International Arbitration

LJP – Lei de Organização, Competência e Funcionamento dos

Julgados de Paz, Lei 78/2001, de 13 de Setembro

ROA – Revista da Ordem dos Advogados

RPE – Regime Processual Experimental, Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

UNCITRAL – United Nations Comission on International Trade LAW

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Nota sobre jurisprudência

Todos os Acórdãos sem indicação de fonte, poderão ser aqui

consultados em www.dgsi.pt. É indicada a referência número de

processo, o primeiro termo de pesquisa na base de dados.

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Resolução Alternativa de Litígios

Uma disciplina marcante na formação de um jurista

Escolhi para a elaboração deste relatório a disciplina de

Resolução Alternativa de Litígios. Tal opção prende-se com

diversas razões. A mais importante reside na novidade da matéria

num plano de estudos de uma Faculdade de Direito portuguesa. A

disciplina de Resolução Alternativa de Litígios ou outra

equivalente não integra o programa da licenciatura ou mestrado

(pós-Bolonha) de nenhuma faculdade de direito pública ou privada

portuguesa. A única instituição de ensino superior portuguesa a

oferecer disciplinas nesta área, embora de conteúdo diferente é a

Faculdade de Direito da Universidade Católica (Escola de Lisboa).

As cadeiras oferecidas são: Práticas Arbitrais, no mestrado

forense; Lawyering skills III – Negotiation e Transnational

Dispute Resolution, no mestrado Global Legal Studies; e

Commercial Arbitration and Investment Disputes Resolution no

LL.M.

Como terei oportunidade de referir, embora tratem dos mesmos ou

de alguns assuntos objecto da cadeira em análise, têm pouco em

comum com a que é objecto deste relatório.

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A circunstância, então, de se tratar de uma nova área de ensino

incorporada na licenciatura ou mestrado em Direito é razão

suficiente para a sua escolha.

Ocorridos dois anos lectivos da sua leccionação na Faculdade de

Direito é o momento certo para reflectir sobre o seu ensino,

deixando ainda feita a pequena história do seu surgimento e

desenvolvimento.

Julgo que a importância desta área de conhecimento se irá impondo

aos diversos cursos de Direito, dado, por um lado, o seu enorme

desenvolvimento e, por outro, a importância cultural, social e

metodológica do conhecimento destes meios alternativos de

resolução de litígios.

O desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios

em Portugal é um facto incontestável. Os diversos Governos desde

os anos 90, em particular desde o início do milénio, têm

investido na criação de centros de arbitragem institucionalizada

(essencialmente na área do direito do consumo), na instalação de

Julgados de Paz e na implementação de serviços de mediação

(laboral, familiar e penal). Falarei nessa evolução mais à

frente.

Cumpre, porém, ressaltar neste momento que recentemente foi

publicada um Resolução do Conselho de Ministros (n.º 172/2007)1,

onde são traçados os próximos investimentos na área da resolução

alternativa de litígios. Prepara-se a criação de centros de

arbitragem com competência em matéria de acção executiva e de

propriedade intelectual, a instalação de mais 4 julgados de paz

em 2007 e outros tantos em 2008. Prevê-se, ainda, o alargamento a

todo o território nacional dos sistemas de mediação familiar e

laboral.

A medida com maior impacto, crê-se, será porém uma outra: a

alteração do regime de custas judiciais de forma que a parte que

1 6 de Novembro de 2007.

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tenha inviabilizado a utilização dos mecanismos de resolução

alternativa de litígios seja responsável pelo pagamento das

custas. A medida foi aprovada através do Decreto-Lei n.º 34/2008,

de 26 de Fevereiro, diploma que entra em vigor no dia 1 de

Setembro de 2008. De acordo com o novo artigo 447.º-D n.º4 CPC,

“O autor que podendo recorrer a estruturas de resolução

alternativa de litígios, opte pelo recurso ao processo judicial,

suporta as suas custas de parte independentemente do resultado da

acção, salvo quanto a parte contrária tenha inviabilizado a

utilização desse meio de resolução alternativa do litígio.”

Acrescenta o n.º 5 que “As estruturas de resolução alternativa de

litígios referidos no número anterior constam de portaria do

membro do Governo responsável pela área da Justiça.”

Esta Portaria não está ainda publicada, embora se preveja que tal

aconteça brevemente.

Também recentemente foi publicada a Directiva 2008/52/CE do

Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de Maio de 2008 relativa a

certos aspectos da mediação civil e comercial, tendo de ser

transposta até 21 de Maio de 2011. Embora a directiva se aplique

apenas a litígios transfronteiriços, nada impede que os seus

princípios sejam estendidos às mediações nacionais.

É óbvio, assim, que o conhecimento dos diversos meios de

resolução alternativa de litígios vai-se tornando uma ferramenta

essencial do trabalho de qualquer jurista, designadamente se

trabalha em contencioso.

Mas, o conhecimento destas matérias também é relevante para os

juristas que exercem a sua actividade profissional fora de

tribunal. Os mecanismos de resolução alternativa de litígios são

ainda úteis porque fornecem aos estudantes, futuros juristas,

novas formas de abordagem do conflito. Esta ideia é, no meu

juízo, essencial.

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Os alunos de Direito são, por regra, colocados perante um

problema. Perante determinada situação concreta, imaginada, têm

de encontrar a solução que melhor se adeqúe aos conceitos

apreendidos num determinado ramo do Direito (ou em vários),

sempre de acordo com as regras próprias da metodologia do

Direito. O raciocínio é sempre fundamentado em critério

exclusivamente jurídicos, num exercício argumentativo que permita

alcançar a melhor solução de acordo com o espírito da lei e, mais

importante, de acordo com o sistema jurídico.

A abordagem da Resolução Alternativa de Litígios é muito ou

totalmente diferente. Nesta área não se procura a solução, mas o

método mais adequado à resolução do problema, independentemente

da solução jurídica adequada. Daí que seja muito diferente do

tradicional Direito Processual (Civil ou Penal ou Administrativo

ou Constitucional), que é meramente adjectivo do direito

material. Isto significa que o Direito Processual deve ser neutro

em relação à consagração da solução do direito material

respectivo. O Direito Processual deve ser invisível no que à

solução de direito material diz respeito.

Ora, a Resolução Alternativa de Litígios começa precisamente por

questionar a hegemonia do direito material legislado,

pretendendo, portanto, encontrar soluções diversificadas para os

problemas. O que é alternativo, antes de tudo o mais, é

precisamente a abordagem ao litígio, a percepção das suas

características não jurídicas - sociais, psicológicas até,

históricas, antropológicas. Não nos esqueçamos que estes métodos

são transversais a todas as áreas do direito, tendo aplicação

desde o conflito de vizinhança ou de irmãos até ao conflito

internacional mais complexo.

O conhecimento dos diferentes modos de tratamento do litígio é,

na minha perspectiva, tão importante quanto a tradicional

aprendizagem do direito processual. Até porque pode contribuir

para o melhoramento do sistema de justiça português.

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O ensino desta matéria assume, assim, na minha perspectiva um

objectivo missionário – o de desmistificar juntos dos futuros

profissionais do direito os meios resolução alternativa de

litígios. Conhecendo-os e sentindo com eles familiaridade,

poderão os juristas aconselhá-los e utilizá-los. Só assim se

criará a verdadeira convicção de que o tribunal deve ser o último

recurso.

A importância da disciplina é, assim e também, metodológica.

Usando as palavras de António Hespanha, o que “se procura é olhar

o direito de mais sítios e de sítios mais improváveis do que se

tornou habitual.”2

Por tudo isto é de toda a coerência não só a existência desta

disciplina na Faculdade de Direito da Universidade Nova de

Lisboa, como também a elaboração do presente relatório sobre a

mesma.

2 António Manuel Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, 2007, p. 5.

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I

Introdução

1.1. Noção

Os meios de resolução alternativa de litígios, tradução livre da

designação inglesa alternative dispute resolution (ADR), podem

definir-se como o conjunto de procedimentos de resolução de

conflitos alternativos aos meios judiciais. A definição é vaga e

pretende sê-lo, na medida em que não há qualquer tipologia

fechada. Tem vindo lentamente a firmar-se uma tipologia padrão de

meios que compõem a resolução alternativa de litígios, mas não é

obviamente definitiva. Daí que a inserção de um método nos meios

de resolução alternativa de litígios se faça pela negativa (não é

judicial).

Os meios mais conhecidos são a negociação, a mediação, a

conciliação e a arbitragem. Há, porém, muitos mais, indicados

pela doutrina, por vezes sem exacta correspondência terminológica

ou conceptual.

Podemos fazer referência a alguns que parecem ser bastante

interessantes: o mini-julgamento (minitrial e o summary jury

trial), a avaliação neutral prévia (early neutral evaluation), a

decisão não vinculativa (non binding ex arte adjudication).3

3 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 21-24; Fernando Horta Tavares, Mediação e Conciliação, 2002, p. 42 e seguintes;

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O mini-julgamento foi um procedimento criado em 1976 num litígio

complexo de patentes e marcas. Implica um painel neutral que ouve

as alegações de cada uma das partes e lhes coloca as questões que

julga importantes. Após as alegações, as partes reúnem-se para

tentar chegar a um acordo. Se tal não acontecer, então o terceiro

neutral dá a sua opinião sobre o que será a decisão judicial do

caso. Em função dessa opinião as partes reiniciam a negociação

com vista à obtenção de um acordo. Na variação de júri o painel é

substituído por um conjunto de pessoas, simulando um júri.

A avaliação neutral prévia foi desenvolvida nos tribunais

federais da Califórnia, como forma pré-judicial de resolução de

litígios. No início do processo as partes comparecem perante um

advogado experiente que tenta ajudá-las a chegar a um acordo e se

tal não é possível prepara o caso para dar entrada em tribunal.4

Estes são meios híbridos, entre jurisdição e mediação, entre

arbitragem e conciliação, entre formas adjudicatórias e formas

consensuais de resolução de litígios. Não são métodos conhecidos

em Portugal e não têm sequer uma construção teórica definitiva.

Mas não deixam de ter bastante interesse e poder até funcionar

como inspiração para ensaios de novos métodos de resolução de

conflitos.

Há quem entenda que a negociação não é um meio de resolução

alternativa de litígios, enquadrando-a antes como uma componente

de um qualquer dos processos de resolução.5

Na minha perspectiva, que desenvolverei mais à frente, só faz

sentido distinguir conciliação e mediação, quando a primeira é

feita por quem tem poder adjudicatório, isto é, pelo juiz ou

árbitro.

A arbitragem diferencia-se dos restantes meios de resolução

alternativa de litígios por ser adjudicatório e ter uma tradição

4 Frank Sander e Lukasz Rozdeiczer, Selecting an appropriate Dispute Resolution Procedure, 2005, p. 394.5 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 12.

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já bastante antiga. A característica da voluntariedade só se

verifica no princípio (na convenção arbitral). A produção

dogmática é abundante, inserindo-se no discurso jurídico

tradicional.

A inserção dos Julgados de Paz no âmbito dos meios de resolução

alternativa de litígios também não é pacífica, na medida em que a

competência é tendencialmente obrigatória. Digo tendencialmente

porque a questão é muito discutida e um recente Acórdão de

Uniformização de Jurisprudência6 veio tomar posição sobre a

questão, em defesa da opcionalidade dessa competência. Será

questão a retomar mais tarde. A sua inserção nesta disciplina

justifica-se porque a filosofia e razão de ser dos Julgados de

Paz é idêntica à dos restantes meios de resolução alternativa de

litígios (excluindo a arbitragem).

1.2. Antecedentes

Os meios de resolução alternativa de litígios são geralmente

associados à crise da justiça portuguesa como uma das suas

possíveis respostas. Fala-se em retirar processos dos tribunais

como objectivo, fim e indicador de sucesso. Não partilho esta

ideia: a crise da justiça é também (ou sobretudo) uma crise de

qualidade da justiça – e não de quantidade ou de morosidade; e os

meios de resolução alternativa de litígios pretendem ser uma

resposta no âmbito da qualidade e não da quantidade. Isto é, os

meios de resolução alternativa de litígios postulam uma abordagem

diferente do conflito, procurando a solução mais adequada ao

litígio. O que pode passar pela não aplicação da lei.

A origem do movimento ADR situa-se nos anos 60/70 na promoção do

acesso ao direito e à justiça nos Estados Unidos da América.7

Está associada a uma certa crise do direito positivo,

6 Acórdão n.º 11/2007, publicado no Diário da República de 25 de Julho.7 João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias, Por caminhos da(s) reforma(s) da Justiça, 2003, p. 32.

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centralizada na corrente dos Critical Legal Studies, e nas

críticas ao positivismo jurídico que marcaram a última metade do

século passado.8 É natural que uma ideia crítica das regrais

legais, estatais tenha um reflexo na gestão dos conflitos. A

procura de regras jurídicas «sociais», «naturais» ou «reais»

passou também por investigar processos de resolução de conflitos

que se baseassem em lógicas diferentes das judiciais.

É importante perceber que o sistema oficial de justiça

monopolista é, em termos históricos, recente – está directamente

relacionado com o positivismo e com a centralização do poder

própria do período liberal. O ordenamento jurídico pré-

oitocentista era essencialmente pluralista, correndo a maior

parte da vida à margem do direito escrito. A lei e a justiça

oficial são instrumentos de controlo do Estado liberal, adequados

a incluir a periferia (a província) no domínio do poder central.9

Esta marca do período liberal permanece com o Estado providência

e mesmo hoje o legalismo e o estatismo são claramente e ainda os

nossos paradigmas. O renascimento de outras formas de Direito e

de justiça não têm sido, na prática, fáceis. São sedutoras, estão

em voga, mas a sua inserção social é feita com muitas

dificuldades. A formação dos juristas continua a ser,

maioritariamente, à volta das leis, o ensino move-se numa

perspectiva autopoiética sufocante e, o que é pior, afastada da

sociedade. Conhecem-se avanços ao nível da filosofia do direito e

da teoria das fontes, mas tem sido difícil passar as novas ideias

para os ramos de direito material.

Em síntese, os meios de resolução alternativa de litígios são uma

resposta à consciencialização de que a justiça oficial não é

adequada a todos os casos. Pensemos em situações de menores e

família ou conflitos de consumo de baixo valor ou conflitos

8 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 225.9 António Hespanha, Lei e justiça: história e prospectiva de um paradigma, 1993, p. 13-19.

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recorrentes entre vizinhos. Embora a lei regule todas estas

situações, o resultado da sua aplicação não permite, em muitos

casos, resolver o problema de forma satisfatória e, por isso, ele

subsiste. A sua conservação implica perdas de eficiência, na

medida em que dá origem a mais e mais acções.

Os meios de resolução alternativa de litígios não pretendem

substituir os meios judiciais. Os sistemas são complementares e

não concorrenciais.10 Esta caracterização é deveras importante, na

medida em que se sente por vezes algum conflito e desentendimento

de parte a parte, julgo que fruto de alguma incompreensão mútua.

A complementaridade relaciona-se com o pluralismo jurídico que

marca a crise do direito. Se adoptamos uma perspectiva pluralista

sobre o direito substantivo11, isto é, se entendermos que as

fontes do Direito vão muito mais além das leis, do direito

escrito, então temos também de encontrar meios de aplicação do

Direito diferentes dos tradicionais.12 Direito substantivo e

adjectivo não podem andar desligados – aliás a sua unificação num

sistema único foi precisamente a marca monopolista que o Estado

liberal introduziu e de que ainda hoje tentamos escapar.

1.3. Em Portugal

Antes de avançar para a definição de cada um dos meios de

resolução alternativa de litígios interessa apreciar a realidade

portuguesa actual – em 2008.

Os meios de resolução alternativa de litígios têm conhecido um

desenvolvimento brutal, impulsionado pelo poder público. Desde

pelo menos o início do milénio essa linha programática tem sido

constante, independentemente da força política que está no

10 Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 52.11 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 258.12 João Chumbinho, Julgados de Paz na Prática Processual Civil, 2007, p. 181.

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Governo. Podemos dividir o desenvolvimento dos meios de resolução

alternativa de litígios em três grandes momentos impulsionadores:

em primeiro lugar, a criação de centros de arbitragem; segundo, a

criação e desenvolvimento dos Julgados de Paz; terceiro, a aposta

em sistemas de mediação.

Podemos dizer, embora sem comprovação científica, que o

desenvolvimento dos meios de resolução alternativa de litígios se

iniciou na área do consumo, através da criação de centros de

arbitragem de conflitos de consumo e de centros de informação

autárquica ao consumidor. Os centros de arbitragem de consumo

são, em 2008, nove, sete de âmbito territorial e 2 de âmbito

sectorial. Prestam serviços de informação e de mediação. Os

Centros de Informação Autárquica ao Consumidor (CIAC), criados

por iniciativa das autarquias, no âmbito das suas competências

específicas, com o apoio do então Instituto do Consumidor13,

realizam a nível local a informação sobre as temáticas da defesa

do consumidor e promovem a mediação de conflitos de consumo

surgidos na sua área territorial de actuação.14

Um dos primeiros centros foi o de Lisboa, que iniciou a sua

actividade em 1989, e está hoje implantado como um organismo de

sucesso na resolução de conflitos de consumo.

A mediação realizada por estes centros era tecnicamente

incipiente, essencialmente devido à falta de formação

especializada dos mediadores.

O forte impulso à mediação surgiu com a criação dos Julgados de

Paz. Nas diversas actividades que precederam a sua criação,

tornou-se claro a importância da mediação enquanto meio de

resolução alternativa de litígios.15 E é nessa altura, em

2000/2001, que começa a entrar no ordenamento jurídico português

a mediação enquanto meio técnico, científico, até, de resolução

13 Actualmente, Direcção-Geral do Consumidor.14 Mais informação em www.consumidor.pt 15 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 91 e seguintes.

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de conflitos. Surgem os primeiros cursos de mediadores e exige-se

a sua frequência e a certificação pelo Ministério da Justiça para

que os mediadores possam exercer a sua acção nos Julgados de Paz.

Tendo em conta que os primeiros Julgados de Paz iniciaram a sua

actividade em 2001, é a partir desta data que o mundo da mediação

se desenvolve, através de mediadores devidamente formados e

credenciados. É provável que a profissão, mantendo-se o seu

sucesso e a aposta pública nela, se venha a organizar através de

uma associação de interesse público. Para já, existe uma

associação de mediadores16, mas a inscrição não é obrigatória para

que a profissão possa ser exercida. Fora dos Julgados de Paz e

dos organismos estatais de mediação não é obrigatória a

frequência de curso certificado pelo Ministério da Justiça

realizar mediações.

Os Julgados de Paz deram, portanto, um impulso grande à mediação

em Portugal, assim como consagraram, agora na vertente

adjudicatória, uma nova forma de conceber o processo e o litígio.

Retomarei estas suas características quando deles tratar. Para já

é importante referir que existem 16 Julgados de Paz em

16 Associação de Mediadores de Conflitos, mais informação em www.mediadoresdeconflitos.pt

15

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funcionamento em Portugal17, tendo sido recentemente divulgado18 um

estudo para a extensão da sua rede ao longo de 20 anos.19

Por último, e mais recentemente, têm sido criados organismos de

mediação em áreas específicas, com características próprias. Falo

da mediação laboral e da mediação penal, a primeira fruto de um

protocolo com sindicatos e associações patronais, a segunda

objecto de legislação específica e em regime experimental desde

Janeiro de 2008. Estes modelos de mediação estão ainda em fase

experimental. O primeiro gabinete de mediação foi, naturalmente,

na área da família e existe já desde os anos 90. Tinha uma

competência muito limitada, quer material, quer geograficamente.

Hoje foi integrado no Serviço de Mediação Familiar que entrou em

funcionamento em Julho de 2007.

É fácil de ver como o crescimento recente dos meios resolução

alternativa de litígios tem sido enorme. Este desenvolvimento tem

sido feito essencialmente pelo poder político, através de

entidades públicas, nuns casos em colaboração com entidades

privadas, noutros não. Não podemos, porém, esquecer que também há

iniciativas exclusivamente privadas, designadamente centros que

17 Em 2008 - Agrupamento dos Concelhos de Aguiar da Beira e Trancoso, Agrupamento dos Concelhos de Cantanhede, Mira e Montemor-o-Velho, Agrupamento dos Concelhos de Oliveira do Bairro, Águeda, Anadia e Mealhada, Agrupamento dos Concelhos de Santa Marta de Penaguião, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa e Vila Real, Agrupamento dos Concelhos de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira e Resende, Coimbra, Lisboa, Miranda do Corvo, Porto, Santa Maria da Feira, Seixal, Sintra, Terras de Bouro, Trofa, Vila Nova de Gaia, Vila Nova de Poiares. Segundo informação do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, serão criados até ao final do ano, e instalados em 2008, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Palmela e Setúbal, o Julgado de Paz de Odivelas, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Aljustrel, Castro Verde, Ourique, Almodôvar e Mértola e o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Sátão, Vila Nova de Paiva, Penalva do Castelo, Aguiar da Beira e Trancoso, passando a rede nacional a ter 20 Julgados de Paz.18 Em Julho de 2007, o ISCTE divulgou um estudo designado “Alargamento da Rede dos Julgados de Paz em Portugal”, disponível em www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt. À frente voltarei a referir este estudo.19 Para uma cronologia da instalação, cfr. Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 52.

16

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efectuam mediação. É difícil medir o menor ou maior sucesso dessa

actividade, na medida em que os seus resultados não são públicos.

Mas parece evidente que o sucesso dos organismos privados e dos

organismos públicos andará a par. E que só acontecerá,

verdadeiramente, quando a mediação e os restantes meios de

resolução alternativa de litígios fizerem parte da cultura social

portuguesa. O que para já não é uma realidade. Está, aliás, muito

longe de o ser.

1.4. Critérios de selecção

Um aspecto importante da resolução alternativa de litígios é

encontrar critérios que permitam escolher o método mais adequado

a cada tipo de litígios. Não há um critério único, apenas algumas

sugestões que permitem um melhor tratamento do problema. O

essencial é conhecer muito bem as características de cada um do

métodos de resolução alternativa de litígios, porque é em função

desses traços que se adequará a certo tipo de conflitos. É comum

dizer-se que a mediação não é um modelo adequado de resolução de

litígios quando estão em causa quantias consideráveis ou quando

uma das partes pretende obter uma decisão pública que funcione

como um precedente.

Na literatura americana há já algum trabalho efectuado em relação

a critérios de adequação do método ao caso. De entre os vários

estudos referimos três: do International Institute for Conflict

Prevention and Resolution (CPR)20, a do Federal Judicial Center21

e, por último, a de um texto recente de Sander e Rozdeiczer22.

Vou centrar-me na mais recente, a de Sander e Rozdeiczer, na

medida em que efectua uma comparação entre os métodos conhecidos.

20 Disponível para venda em www.cpradr.org. 21 Disponível gratuitamente em www.fjc.gov.22 Frank Sander e Lukasz Rozdeiczer, Selecting an appropriate Dispute Resolution Procedure, 2005, p. 387 e seguintes.

17

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Para além de ser o último, o texto é muito interessante na forma

de abordagem dos critérios que deverão presidir à escolha.

Segundo os autores a adequação do método ao caso deve ser feita

tendo em conta três questões: objectivos das partes,

características do litígio que o aproximam de um meio de

resolução alternativa de litígios e, por último, características

do litígio que o afastam de um meio. Podemos sintetizar a

metodologia em três palavras: interesses, características e

obstáculos.

A análise deve começar pelos interesses das partes, que podem ser

os mais variados: celeridade, privacidade, vingança pública,

obter uma opinião neutral, reduzir custos, manter o

relacionamento com a contra-parte, criação de um precedente,

recuperação máxima ou mínima do crédito, criação de novas

soluções, controlo do processo, mudança da responsabilidade da

decisão para uma terceira pessoa, supervisão do tribunal,

transformação da atitude ou do comportamento da contraparte,

etc., etc..

Após a identificação dos objectivos das partes, que podem ser

diversos e até contraditórios, deve fazer-se uma sua

hierarquização, ou seja, colocar por ordem quais os mais

importantes e quais os menos importantes.

De seguida, Sander e Rozdeiczer atribuem pesos diferentes a cada

interesse para cada um dos meios de resolução alternativa de

litígios. Por exemplo, o objectivo celeridade obtém pontuação 3

na mediação, pontuação 1 na arbitragem e 0 na via judicial. Já ao

objectivo vingança pública é atribuída uma pontuação de 0 na

mediação e de 3 na via judicial. É apresentada uma tabela com 13

objectivos e suas pontuações. Esta tabela pode ser ainda

aumentada com outros interesses das partes e com outros

mecanismos de resolução de litígios.

18

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Transpomos aqui a tabela, adaptada aos nossos meios de resolução

alternativa de litígios.

Interesse/Meio Negociação Mediação Arbitragem Tribunal

Celeridade 3 3 1 0

Privacidade 3 3 2 0

Vingança pública 0 0 2 3

Opinião neutral 0 1 3 3

Baixos custos 3 3 0-323 0

Manutenção da relação 3 3 1 0

Criação de precedente 0 0 2 3

Máxima ou mínima recuperação 0 0 2 3

Criação de novas soluções 3 3 1 0

Controlo do processo pelas partes 3 3 3 0

Controlo do resultado pelas

partes3 3 1 0

Supervisão judicial 0 0 2 3

Alteração dos comportamentos 1 3 0 0

Sugerem, então, os autores que se somem as pontuações, utilizando

um elemento de ponderação em função da importância relativa dos

interesses em consideração. No fim, o método mais pontuado será o

mais adequado.

23 Os custos na arbitragem variam imenso, daí a possibilidade de ter pontuações diferentes neste item.

19

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Este critério tem, porém, uma dificuldade, não muito difícil de

antecipar: que fazer quando a contra-parte tem outros interesses

ou os hierarquiza de forma diferente?

Os autores dão um exemplo de um divórcio em que a mulher quer

manter o assunto privado, mas o marido pretende que se saiba o

que realmente aconteceu.

Para ultrapassar este problema, os autores apresentam dois outros

critérios a utilizar em conjunto com este. Assim, após a análise

dos interesses passa-se ao exame das características objectivas

do litígio, de forma a entender quais são os aspectos que

aconselham a utilização de um método. São exemplos dessas

características: boa relação entre os mandatários, boa relação

entre as partes, disponibilidade de uma ou ambas as partes de

pedir perdão, vontade do chegar a uma solução consensual, partes

beneficiariam de protecções processuais formais, relação do

litígio com outras questões.

Entendem Sander e Rozdeiczer, em geral, que para a resolução do

problema os meios mais adequados são a mediação e o mini-

julgamento; que para a verificação da realidade o melhor é o

mini-julgamento na versão júri ou a avaliação neutral prévia; e

que para a adjudicação o ideal é a arbitragem ou a via judicial.

Por último, é objecto de atenção os obstáculos a uma solução

consensual do litígio. Por exemplo, má comunicação, necessidade

de expressar emoções, diferentes visões dos factos ou do direito,

múltiplas partes, diferenças entre os interesses dos advogados e

dos seus clientes, etc..

Um óbice (ou não) desta metodologia de escolha do meio de

resolução alternativa de litígios é estar centrado na mediação –

aliás tal é expressamente referido pelos seus autores que

entendem que a mediação é sempre um bom método. Na sua opinião

mesmo que não conduza a um acordo das partes é um caminho para

que um outro procedimento produza melhores resultados.

20

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Independentemente de se concordar com a metodologia explanada, é

muito importante ter-se conhecimento primeiro, que essas

metodologias existem e, segundo, utilizá-las como ponto de

partida para encontrar uma ou várias propostas adequadas ao nosso

ordenamento jurídico.

O sistema jurídico e judicial português tem sido invadido com

meios de resolução alternativa de litígios, em especial com a

mediação em diversas e muito diferentes áreas, sem que haja

qualquer explicação ou cuidado quanto à forma de os aplicar aos

vaiadíssimos litígios que surgem no contexto social.

É da maior utilidade e importância estudar a adequação de cada um

dos métodos à nossa realidade social, fazendo-se um guia, à laia

do Guide to Judicial Management of Cases in ADR24 do Federal

Judicial Center de 2001.

24 Disponível em www.fjc.gov

21

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II

NEGOCIAÇÃO

2.1. Noção

Todos somos negociadores. Sempre que queremos alguma coisa que

está sob controle de outro, negociamos ou tentamos negociar.

Quando um casal escolhe um restaurante para jantar ou decide com

os filhos a hora de deitar; quando se discute um aumento com o

chefe ou o preço de uma casa com um vendedor, está-se a negociar.

Quando dois advogados tentam chegar a um acordo sobre o valor de

uma indemnização ou um grupo de empresas planeia um exploração

conjunta de uma reserva de petróleo; quando o ministro da

educação procura um entendimentos com o sindicato dos professores

sobre o novo estatuto dos professores ou o presidente dos Estados

Unidos da América conversa com o presidente russo sobre

estratégia militar, tudo isto é negociação, todas estas pessoas

são negociadores.25 A negociação, como dizem Fisher, Ury e Patton,

é uma indústria em crescimento, porque todos querem cada vez mais

participar nas decisões que lhes dizem respeito.

Este trio de autores pode considerar-se o fundador da abordagem

científica da negociação. A Universidade de Harvard assumiu o

25 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 15.

22

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pioneirismo através do Harvard Program on Negotation26, hoje um

verdadeiro instituto de formação e investigação dedicado aos

meios de resolução alternativa de litígios.

O modelo de negociação criado por estes três autores aplica-se a

qualquer tipo de negociação, desde a política internacional à

conjugal, passando pela advocacia. Caracteriza-se no essencial

por ser uma negociação cooperativa, que pretende ir ao mérito da

questão em disputa, tentando ignorar as posições individuais das

partes.

A negociação pode ser definida como um processo de resolução de

conflitos através do qual uma ou ambas as partes modificam as

suas exigências até alcançarem um compromisso aceitável para

ambas.27 Como é fácil de ver é uma definição que se aplica a

qualquer meio de resolução de conflitos não adjudicatório, quer

seja mediação, conciliação ou outro.28 Há quem defenda, por isso,

que a negociação não passe de uma mera, embora essencial,

componente de qualquer meio de resolução alternativa de litígios.

Mas mesmo quem assim pensa, entende que o conhecimento de

técnicas e estilos de negociação é essencial a qualquer

profissional desta área.29

Em termos teóricos, a diferença entre negociação e mediação está

na existência do terceiro imparcial. Enquanto que na mediação é

essencial a existência de um mediador, terceiro imparcial que

conduz as partes a chegar no caminho do consenso; na negociação

pode simplesmente não haver um terceiro. Podem utilizar a

negociação e as suas técnicas as próprias partes em conflito, sem

intervenção exterior.

Por esta razão faz sentido enquadrar a negociação numa abordagem

introdutória aos meios de resolução alternativa de litígios. Até

26 www.pon.harvard.edu 27 Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 49.28 Bruce Patton, Negotiation, 2005, p. 279.29 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 104.

23

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para que fique claro que antes da intervenção de terceiros há

ainda métodos a explorar.

2.2. Modelos de negociação

A negociação pode seguir modelos diversos, já longamente

estudados pela doutrina. A abordagem dos modelos ou teorias de

negociação varia em função de critérios de áreas científicas

diversas. Preferimos uma arrumação clássica e mais voltada para o

método, para o processo, e não para a sua análise

comportamental.30

Nesta perspectiva, há essencialmente dois modelos de negociação:

competitiva e cooperativa. A diferença entre uma e outra está no

resultado pretendido e consequentemente na atitude assumida para

o alcançar. Enquanto no modelo competitivo o negociador pretende

ganhar a discussão, no modelo cooperativo, o foco está na

resolução do problema. É este último o célebre modelo de Fisher e

Ury, verdadeiramente inovador quando surgiu no início dos anos

80. Este método foi designado de negociação de princípios,

centrando-se no mérito do problema, evitando um processo de

discussão centrado no que ambos os lados pretendem e não

pretendem fazer.31

O método dos princípios centra-se em quatro grupos de ideias:

pessoas, interesses, opções e critérios.

Quanto às pessoas, o método defende a separação destas do

problema, isto é, tomar consciência que o problema em discussão é

diferente da pessoa que discute, que os aspectos estritamente

pessoais não devem ser mais importantes que o assunto sobre o

qual se negoceia.32 Para conseguir esta separação deve, primeiro,

perceber-se o ponto de vista do outro. A capacidade de olhar a

30 Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 85 e seguintes.31 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 16.32 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 35-40.

24

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situação sob o ponto de vista alheio, por mais difícil que seja,

é uma das mais importantes competências que um negociador pode

ter.33 O essencial é perceber-se que a «verdade» não é suficiente

para resolver o problema, na medida em que cada uma das partes

escolhe da verdade aquilo que lhe interessa. As partes podem

concordar que um perdeu o relógio e que o outro o encontrou, mas

divergirem quanto a quem deve ficar com o relógio. A percepção do

outro, o que se consegue através da comunicação e da

descentralização da sua posição, é essencial neste separar as

pessoas do problema. Sem comunicação, não há negociação. Ouvir,

tentar fazer-se perceber, não interpretar o que os outros dizem,

tentar ser objectivo e não preconceituoso quanto aos outros,

falar com um objectivo são aspectos que facilitam a comunicação e

devem ser utilizados em abundância no modelo de negociação

defendido por Ury, Fisher e Patton.34

Em relação aos interesses, o método procura-os em detrimento das

posições.35 Esta característica, como veremos, é a pedra de toque

da mediação. Os interesses estão subjacentes às posições. Uma

posição, ou, numa linguagem mais jurídica, uma pretensão tem uma

história e uma motivação. É o resultado de uma reflexão (mais ou

menos consciente) sobre determinado interesse. Um exemplo

clássico, usado também na mediação, é o do limão e dos

cozinheiros. Dois cozinheiros disputavam um limão, dizendo que é

de cada um deles. Esta era a sua posição: quero o limão, é meu.

Se perguntarmos, porém, qual o seu interesse – para que querem o

limão – poderemos ter a solução do diferendo. Se um quer o sumo e

outro a casca, é fácil conciliar os interesses, quando as

posições eram, à partida, incompatíveis.36

33 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 42.34 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 51-56.35 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, Porto, Edições Asa, 2003, p. 59-63.36 Também conhecido como exemplo da laranja: Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 58.

25

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A tarefa de procurar os interesses por detrás das posições pode,

porém, ser difícil. Implica perguntar porquê; falar sobre os

interesses, levando cada uma das partes a perceber os seus e os

do outra parte. E, estabelecidos os interesses objectivamente, os

autores defendem uma sua defesa intransigente, enérgica.37

Em relação às opções, o método dos princípios defende uma

actividade criadora: a capacidade de inventar opções é das

qualidades mais úteis que um negociador pode ter.38 Os autores

referem que é muito frequente os negociadores reduzirem as opções

em vez de as alargarem e que quantas mais houver, mais são as

hipóteses de se conseguir um acordo que satisfaça ambas as

partes.

Por último, Fisher, Ury e Patton aconselham a que se insista na

utilização de critérios objectivos. Ou seja, ultrapassar as

questões da vontade, necessariamente subjectivas, procurando

padrões técnicos ou critérios objectivos que mais facilmente

conduzam ao acordo.39

A negociação de princípios foi criticada por ser ingénua, face a

negociadores difíceis ou de má fé.40 Este modelo postula,

realmente, uma abertura e transparência totais, provavelmente nem

sempre possível.

Outros modelos cooperativos foram desenhados, tentando abordagens

diferentes ou soluções para problemas diversos. Podem salientar-

se as teorias de Howard Raiffa, que introduziu a ideia de zonas

de acordo, assim como opções de estratégia a utilizar; e de

Edward de Bono que defende, em contra-corrente, que as partes

estão na pior posição para resolver os seu próprios interesses.41

37 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 63-75.38 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 77.39 Fisher, Ury e Patton, Como Conduzir uma Negociação?, 2003, p. 103 e seguintes.40 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 106; Bruce Patton, Negotiation, 2005, p. 295 e seguintes.41 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 106-7.

26

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O modelo competitivo, baseado numa posição de negociação forte,

gera situações hostis, focando-se na manipulação e no ganho, em

vez da procura de soluções aceitáveis para ambas as partes. O

modelo tem vindo a ser abandonado, sendo mais frequentes as

tentativas de encontrar estratégias para o ultrapassar.42

É de fazer referência ainda a outros modelos que tentam conciliar

ambas as perspectivas, criando estratégias com características de

ambos. Isto significa, em termos muito genéricos, que num

processo negocial há momentos de cooperação e momentos de

competição. Que existe uma dupla tendência à colaboração e à

competição, consoante o aspecto em discussão no processo

negocial.43

42 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 109.43 Pedro Cunha, Conflito e Negociação, 2001, p. 85.

27

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III

MEDIAÇÃO

3.1. Noção. Distinção de conciliação.

A Lei dos Julgados de Paz define mediação nos seguintes termos:

“A mediação é uma modalidade extrajudicial de resolução de

litígios, de carácter privado, informal, confidencial, voluntário

e de natureza não contenciosa, em que as partes, com a sua

participação activa e directa, são auxiliadas por um mediador a

encontrar, por si próprias, uma solução negociada e amigável para

o conflito que as opõe.” 44

Mas, atenção, para além de restrita à mediação nos Julgados de

Paz, trata-se de uma definição legal que não vincula o

intérprete.45

Há outras definições e com sede similar. Na Directiva 2008/52/CE

do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspectos da

mediação em matéria civil e comercial46, a definição proposta é a

44 Artigo 35.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho.45 João Chumbinho, Julgados de Paz na Prática Processual Civil, 2007, p. 69.46 A Directiva aplica-se tão só aos conflitos transfronteiriços como são definidos no artigo 2.º. Tal não impede, porém, conforme dito no Considerando 8 da Directiva, que os Estados-Membros apliquem igualmente

28

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seguinte: “Um processo estruturado, independente da sua

designação ou do modo como lhe é feita referência, através do

qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente

alcançar um acordo sobre resolução do seu litígio com a

assistência de um mediador. Este processo ser iniciado pelas

partes, sugerido ou ordenado por um tribunal ou imposto pelo

direito de um Estado-Membro.”47

Mais diz ainda a Directiva que a mediação conduzida por um juiz

que não seja responsável por qualquer processo judicial relativo

ao litígio em questão se insere ainda no conceito. E que ficam

excluídas as tentativas do tribunal ou do juiz no processo com

vista à solução do litígio por acordo.

As definições são diferentes, embora não contraditórias. Servem,

no essencial, para realçar alguns dos elementos da mediação.

Muito simplesmente, a mediação é uma negociação assistida por um

terceiro. Esta será uma definição consensual e abrangente.

Depois, como na negociação, há vários modelos e técnicas que

fazem distinguir diversas mediações. A grande força da mediação é

a flexibilidade de procedimento e técnicas, característica que

impede uma definição muito precisa.48

Uma das questões mais difíceis a nível de definição é a distinção

entre mediação e conciliação. Há muito é utilizada a ideia de

conciliação nos tribunais judiciais. No Código de Processo Civil

a conciliação tem até direito a um artigo próprio – o 509.º - que

trata a tentativa de conciliação na audiência preliminar. De

acordo com o n.º3 deste preceito, a tentativa de conciliação é

presidida pelo juiz e tem em vista a solução de equidade mais

adequada ao litígio. A tentativa de conciliação está ainda

prevista no artigo 652.º do mesmo Código de Processo Civil como

diligência obrigatória da audiência final. Também na tramitação

os seus princípios e disposições a processos de mediação domésticos.47 Artigo 3.º.48 Kimberlee Kovach, Mediation, 2005, p. 306.

29

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dos Julgados de Paz há lugar a conciliação, a cargo do juiz de

paz no início da audiência de julgamento – artigo 26.º LJP.

Embora a lei não o deixe transparecer claramente, a conciliação

nos tribunais judiciais ou nos Julgados de Paz é assumida de

forma diferente, isto é, nestes o juiz de paz procura com maior

insistência que as partes cheguem a acordo, sendo em regra muito

mais interveniente que os juízes dos tribunais judiciais.

Seja como for, em qualquer dos casos, falamos de conciliação

realizada por quem tem o poder de decidir. Pelo juiz do caso.

Trata-se, pois, já de uma conciliação jurisdicional. E que por

esta razão é fácil de distinguir da mediação. É, como se viu,

excluída do âmbito da aplicação da Directiva.

A conciliação jurisdicional não foi até hoje cientificamente

estudada. A haver juízes treinados para ela (em Portugal serão

raríssimos ou nenhuns), sê-lo-ão com base nas técnicas e modelos

da mediação. Na maior parte dos casos a conciliação é feita

casuisticamente de acordo com o método que o juiz ou árbitro

julga, empiricamente, mais conveniente.

Diferente desta é a conciliação feita por terceiros independentes

que não têm qualquer poder decisório no caso. Este tipo de

conciliação é frequente em centros de arbitragem

institucionalizada, designadamente na área do consumo. A

conciliação é desenvolvida por profissionais com conhecimentos

técnicos (normalmente jurídicos) sobre o assunto em disputa. O

terceiro conduz o processo conjuntamente com as partes, propondo

soluções para o conflito.49

Há quem entenda que só pode chamar-se conciliação à

jurisdicional50, há quem defenda uma distinção entre mediação e

conciliação, sendo esta activa e a mediação passiva51 e, por

último, autores há que discordam da distinção entre as duas

49 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 83; Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 53.50 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 35.

30

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figuras, considerando que são apenas níveis diferentes de

mediação.52

A mediação é melhor definida através dos seus princípios

essenciais e transversais, distinguindo-se depois modelos e

técnicas de mediação. Modelos e técnicas que devem ser utilizados

conforme os casos. Em determinadas situações uma posição

interventora é mais adequada que uma mera postura facilitadora.

Por outro lado, é natural que os mediadores sejam mais ou menos

activos consoante o seu perfil pessoal. Logo, é mais coerente e

cientificamente adequado enquadrar as diversas técnicas numa

mesma prática de mediação, discutindo casuisticamente a aplicação

dos melhores modelos. O essencial é que a prática se insira nos

princípios essenciais da mediação.53

Certo é, porém, que a conciliação judicial comporta em si uma

característica que faz toda a diferença: a circunstância de as

partes estarem perante quem decide. Esta posição das partes

modifica a sua postura – é muito diferente o comportamento das

pessoas quando estão perante alguém que pode decidir ou alguém

que não tem sobre o litígio qualquer poder. Esta diferença

implica uma não aplicação de um dos princípios fundamentais da

mediação, o princípio dos plenos poderes das partes. Por esta

razão e apenas por esta julgo ser correcto distinguir mediação de

conciliação.

A conciliação deve, assim, ser definida como a actividade

jurisdicional que tem como objectivo solucionar o caso por

acordo. Sigo aqui, pois, a orientação da Directiva de 21 de Maio

de 2008 no seu artigo 3.º.

Dito isto, porém, não há razões para estudar a conciliação.

Simplesmente porque ela não foi ainda desenvolvida

51 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 83; Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 54.52 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 138.53 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 149.

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cientificamente. Seria útil que os juízes fossem treinados nas

suas técnicas, mas como tal não existe, nada mais há para dizer

sobre conciliação que não seja uma repetição ainda que parcial do

que diremos a propósito de mediação.

3.2. Princípios

Os princípios da mediação podem ser resumidos a cinco: plenos

poderes das partes, pacificação, informação, presença de um

mediador enquanto terceiro independente e confiança. Exploremos

de seguida o significado de cada um deles.

Um dos princípio básicos da mediação é o controlo desta pelas

partes, o denominado empowerment.54 Em tribunal os poderes

decisórios estão na mão de advogados, a linguagem é técnica, o

procedimento é formal e opaco, as partes nem sequer podem falar

se o pretenderem.55 O afastamento das partes do seu caso é enorme

e é pretendido.56 Na mediação, a postura é exactamente a oposta:

parte-se do princípio que as partes são as pessoas que melhor

colocadas estão para resolver o seu litígio. Há uma ideia de

responsabilidade pessoal que se traduz na atribuição às partes do

domínio do problema e do processo. Enquanto que em tribunal tudo

lhes é afastado, em mediação tudo lhes é entregue, dependendo

delas o início, o decurso e o fim da mediação.

As partes mantém, assim, o poder decisório quanto ao processo e

quanto ao fundo do litígio. O mediador nunca decide e a sua

autoridade deriva directamente das partes. Isto implica que o

processo seja muito, muito simples e que o mediador esteja

permanentemente ao dispor das partes para os ouvir e para

esclarecer as sua dúvidas. Implica ainda que haja respeito mútuo

54 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 130.55 No processo civil, o depoimento de parte só é admissível quando requerido pela parte contrária ou pelo juiz oficiosamente – artigo 553.º n.º3 CPC.56 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 27.

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e espírito de colaboração. Por vezes, o trabalho do mediador

resume-se a fazer com que as partes se ouçam. Isso pode ser

suficiente para que o acordo seja possível.

A característica do empowerment é essencial na mediação. Uma

mediação em que as partes não estejam no centro da discussão e da

iniciativa não será verdadeira. E mesmo tendo sucesso, este

poderá ser meramente aparente. O acordo resultante da mediação

tem de vir das partes e estas têm de aderir-lhe plena e

convictamente.

Entramos aqui na questão da voluntariedade. É um aspecto que

coloca algumas dúvidas quanto à mediação obrigatória ou à

imposição de sanções pela não obtenção do acordo. Falamos agora

na articulação entre intervenção estatal e mediação. Pode, e já

foi tentado, impor-se a mediação como obrigatória. Na Argentina e

na França tal foi estabelecido nas áreas da família e do

trabalho. Mas revelou-se um insucesso.57 Mas há outras medidas de

promoção, menos agressivas, sistemas intermédios de estímulo.

Como exemplos típicos podemos pensar na mediação induzida pelo

tribunal – o sistema adoptado pela mediação familiar em Portugal.

São os juízes titulares do processo que enviam as partes para a

mediação. Este sistema parece ser, no actual momento, o que

melhor implantará a mediação em Portugal.58 Parecido com este é a

inserção da mediação na tramitação processual, ainda que como uma

fase facultativa.59 É este o modelo consagrado na Lei dos Julgados

de Paz. Outro sistema consiste em impor custas superiores às

partes que, podendo utilizar meios de resolução alternativa de

litígios, o não façam. Uma regra com este objectivo foi colocada

no artigo 447.º-D n.º 4 CPC, embora aguarde ainda regulamentação.

57 Alves Pereira, Mediação voluntária, sugerida ou obrigatória?, 2006, p. 151.58 Alves Pereira, Mediação voluntária, sugerida ou obrigatória?, 2006, p. 152.59 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 135.

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Por fim, surgem sistemas em que se impõem sanções por as partes

não chegarem a acordo ou em que se obriga à sua presença.60

Qualquer destas medidas tem de ser ponderada com muita cautela. É

que os fins não justificam os meios e, quando falamos em mediação

podemos estar a falar de imposições que matam à nascença a

hipótese do seu sucesso. Se a característica de empowerment é

essencial à mediação qualquer imposição que prejudique o

monopólio dos poderes das partes e a liberdade da sua adesão ao

acordo, será contra natura. Os sistemas a consagrar devem, então,

ser um veículo de promoção da utilização destes meios, começando

por incutir a ideia de que a acção judicial, o tribunal deve ser

o último recurso.

O segundo pilar da mediação relaciona-se com o seu fim. Ao

contrário dos meios clássicos de resolução de conflitos, que são

construídos para a resolução da disputa apresentada pelas partes,

a mediação dá preferência à pacificação social, isto é, tem como

objectivo sanar o problema, restabelecendo a paz social entre os

litigantes. Este fim sobrepõe-se inteiramente à questão do

direito. Não importa saber quem tem razão, mas antes procurar

resolver os problemas subjacentes ao aparecimento do litígio.

Assim, como se viu acontecer também na negociação cooperativa, é

necessário averiguar os interesses, afastando, se necessário, as

posições. É usual utilizar-se aqui a imagem do iceberg como

metáfora do litígio: as posições estão na ponta visível deste e

os interesses na base, submersos. É ao fundo, à base que a

mediação pretende chegar, porque só a composição dos interesses

permitirá a duração do acordo e a manutenção do entendimento

entre os litigantes.61 O resultado da mediação é, por isto, de

vitória para ambas as partes, de ganha-ganha, nunca havendo um

vencedor e um vencido.

60 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 29.61 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 56.

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Outro dos pilares da mediação, directamente relacionado com o

empowerment, é a informação. As partes devem perceber exactamente

o que se passa e o que se passará depois. Não deve haver

intermediários, embora as partes possam estar assistidas. Esta é,

aliás, uma das importantes questões da mediação e a que,

porventura, tem dificultado a sua inserção na nossa prática

social. Refiro-me à função do advogado na mediação.62

Há aqui três questões a abordar: primeiro, a presença dos

advogados nas mediações, segundo qual o seu papel na sessão de

mediação e, terceiro, se fará sentido a representação das partes

por advogado (a sua substituição). Em geral é referido que os

advogados devem ter acesso à mediação, assistindo o seu cliente.63

O tipo de intervenção deve, porém, ser encarado de forma

diferente do tradicional – o advogado não representa a parte e

deve actuar de acordo com o espírito de colaboração e procura do

consenso adequado ao caso. É também admissível que os advogados

representam, substituam as partes. Em tal eventualidade, devem

agir na lógica da mediação, não procurando a vitória a todo o

custo, mas o melhor consenso, de acordo com os interesses em

causa.64

Na Lei 20/2007, de 12 de Junho, relativa à mediação penal obriga-

se à comparência do arguido e do ofendido, podendo haver

assistência (não representação) por advogado (artigo 8.º). A

mesma regra consta do artigo 53.º da Lei dos Julgados de Paz.

É muito importante ganhar os advogados para a causa da mediação.

Quando se conseguir essa adesão (e só então) a mediação terá

condições para ser bem sucedida em Portugal. O cidadão comum não

sabe o que é mediação, mas sabe o que é um advogado. Se tiver um

problema, recorrerá a um advogado, não a um mediador. O advogado 62 Tenreiro Biscaia, O Sistema Tradicional de Justiça e a Mediação Vítima-Agressor: o Papel dos Advogados, 2005, p.89.63 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 105; Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 30.64 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 105; Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 131.

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é, por isso, a pessoa ideal para aconselhar o método mais

adequado ao caso concreto. Sugerir a intervenção de um mediador

não implica a diminuição de trabalho (e remuneração) para o

advogado. Pelo contrário, a satisfação do cliente implica a médio

prazo o seu retorno para a resolução de outros problemas, dos

quais desistiria se o método judicial fosse o único disponível.

A advocacia deve pensar em termos macro, de médio/longo prazo, de

satisfação dos clientes e de rapidez e eficiência na sua

resolução. Não deve ter medo de perder clientes (e remuneração).

Existirão sempre litígios – é um efeito automático da vida em

sociedade.

Por outro lado, a presença do advogado é essencial ao

desenvolvimento correcto e sustentado da mediação. A sua

intervenção na assistência ao cliente é em muito casos

fundamental, não só para garantir o seu efectivo interesse e

direito, como também para controlar a actividade do mediador, do

ponto de vista da competência e da deontologia.

O quarto pilar da mediação é evidentemente a intervenção do

mediador. O mediador é um profissional treinado para desempenhar

as suas funções, conhecedor da filosofia e das técnicas de

mediação, aplicando-as no exercício da sua actividade. A

credibilidade da mediação depende do trabalho do mediador: só um

mediador capaz poderá cativar a confiança das partes, algo que é

essencial ao seu trabalho.

A existência de um mediador, terceiro imparcial, traz uma nova

dinâmica à discussão entre as partes. Esta energia suplementar

permite aquilo que as partes até aí não alcançaram - a obtenção

do acordo. O papel do mediador deve, antes de mais, privilegiar o

restabelecimento da comunicação entre as partes. Deve ser

facilitador do diálogo, mantendo sempre nas partes a

responsabilidade da resolução do conflito. O mediador não

negoceia com as partes, antes assiste a negociação que elas fazem

36

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entre si.65 O mediador não aconselha nenhuma das partes, nem

sequer as duas em conjunto, na mediação as partes são sempre

responsáveis pelas suas decisões. Falaremos com mais pormenor do

mediador no ponto 3.6..

O último princípio transversal da mediação é a confiança no

processo de mediação. Para esta confiança a confidencialidade é

essencial. O mediador não pode, em caso algum, revelar o que se

passou na mediação, não podendo ser chamado como testemunha em

processo judicial posterior.66 Há, porém, quem entenda que esta

confidencialidade é dispensável, se as partes acordarem nesse

sentido.67 No nosso ordenamento jurídico, a Lei dos Julgados de

Paz, no seu artigo 52.º impõe a confidencialidade como regra,

obrigando as partes a subscrever um acordo de confidencialidade.

A confidencialidade permite que as partes falem à vontade, com

tranquilidade e sem medo de desagradar ao mediador.68 Algo que não

acontecerá, por exemplo, na conciliação perante o juiz ou o

árbitro. A lei da mediação penal impõe também a regra da

confidencialidade – artigo 4.º n.º5 da Lei 21/2007, de 21 de

Junho. Aqui a questão da prova assume especial relevância: se o

arguido confessar na mediação, mas não se conseguir o acordo e o

processo seguir, não pode utilizar-se essa confissão como meio de

prova. Nem sequer se pode saber que ela foi proferida.

Uma diferente abordagem é feita pela Directiva 2008/52/CE. Nos

termos do artigo 7.º, a mediação deve respeitar a

confidencialidade, não podendo os mediadores, nem as pessoas

envolvidas na administração do processo de mediação ser obrigadas

a fornecer provas em processos posteriores. As excepções

consagradas são três: em primeiro lugar, se as partes decidirem

em contrário; em segundo lugar, por razões imperiosas de ordem

65 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 130.66 Zulema Wilde e Luís Gaibrois, O que é a mediação, 2003, p. 64.67 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 131.68 Cardona Ferreira, Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, 2001, p. 70.

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pública, em especial para assegurar o interesse da criança ou

para evitar que seja lesada a integridade física ou psíquica de

uma pessoa; por fim, em situações em que a divulgação do conteúdo

do acordo obtido por via de mediação seja necessária para efeitos

de aplicação ou execução desse acordo.

A questão difícil a debater é a de saber se a regra da

confidencialidade, prevista no direito positivo português, é ou

não imperativa. Isto é se pode ou não ser afastada pelas partes.

Não é uma questão fácil, na medida em que a confidencialidade é

um instrumento essencial da confiança. Como princípio, deve

adoptar-se a regra da confidencialidade. Apenas se a sua

inexistência não puser em causa essa confiança, deve o mediador

aceitar o seu afastamento.

Em regra, a vontade das partes no sentido do seu afastamento,

será suficiente para que tal não implique quebra de confiança.

Ainda assim, cabe ao mediador decidir, perante o caso e as

partes, se havendo acordo destas isso é suficiente para afastar o

sigilo. Entendo, pois, que a regra da confidencialidade não é

imperativa, mas que não é suficiente o acordo das partes para que

seja automaticamente derrogada.

3.3. Modelos

A doutrina tem debatido se a mediação deve ser meramente

facilitadora ou se deve também ser interventora. Os termos

ingleses utilizados são facilitative or evaluative mediation. A

mediação facilitadora centra o trabalho do mediador na reabertura

das partes ao diálogo, tentando que a sua intervenção seja o

menos visível possível (embora determinante). Quanto menos se

notar a presença do mediador, melhor este seria. Já o modelo

interventor pressupõe uma atitude mais activa do mediador, não se

limitando a trazer as partes ao diálogo, mas actuando também ao

nível do mérito da questão. Um dos pontos de discórdia é a

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possibilidade de o mediador apresentar propostas de acordo. Na

mediação facilitadora tal não é admissível, na outra é normal.

A distinção entre estes dois modelos tem representado uma divisão

substancial na teoria. Alguns mediadores têm colocado estas duas

posturas em ângulos tão diversos, que parece quase uma questão de

fé.69

Como já acima foi aventado, há quem utilize esta diferença para

distinguir mediação de conciliação. Assim, o mediador não poderia

formular propostas de acordo, enquanto o conciliador sim. Como

disse já não concordo com esta diferenciação.

A noção puramente assistencial ou facilitadora da mediação tem

vindo, tanto quanto me apercebo, a fazer escola no ordenamento

jurídico português. Mas da lei não resulta nenhuma restrição a

este modelo de mediação – o artigo 35.º n.º3 da Lei dos Julgados

de Paz fala até de direcção da mediação e de intervenção em busca

do melhor e mais justo resultado útil. A Directiva exclui apenas

a conciliação judicial, referindo-se a processo estruturado e

independentemente da sua designação ou modo como lhe é feita

referência.

No meu entendimento o mediador deve ter a liberdade de propor

acordos quando, da sua avaliação, retire que tal é útil e não

prejudica o domínio do processo pelas partes. Deve ainda poder

optar por uma intervenção mais passiva ou mais pró-activa

consoante o caso em discussão e o tipo de intervenientes. Agora é

necessário ter em atenção que quanto maior for a intervenção,

maior é o risco de imposição. O mediador nunca deve perder de

vista os princípios transversais da mediação, deve ter em conta o

objectivo da mediação (a pacificação) e ter sempre presente o

empowerment como essencial. Tendo isto presente, o grau de

intervenção que adopte pode variar consideravelmente, sendo ainda

mediação. Aliás, a flexibilidade é essencial.

69 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 137; Roberts e Palmer, Dispute Processes, 2005, p. 173.

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3.4. Fases

As fases da mediação são frequentemente difíceis de identificar.70

A informalidade do processo tem como consequência precisamente a

não tipificação de fases. Elas podem variar em função do caso

concreto, das suas características e do desenrolar do processo.

Haverá, porém, sempre alguns momentos obrigatórios,

independentemente do momento em que são executados.

Uma das diferenças entre os teóricos da mediação diz respeito ao

conhecimento do processo e à sua preparação antes da sessão da

mediação. No sistema português, implantado nos Julgados de Paz, o

mediador não tem acesso ao processo, inteirando-se do problema

apenas na sessão de mediação. Este procedimento relaciona-se com

o tal modelo exclusivamente assistencial, em que o mediador se

limita a facilitar o diálogo, não interferindo nunca no mérito da

questão. Assumindo uma postura mais ao nível do comportamento do

que do litígio, não há necessidade de conhecer e preparar o caso.

Pelo contrário, é muito importante que o primeiro contacto do

mediador com o problema seja ouvido directamente da boca das

partes.71

Esta metodologia não será boa, porém, para mediação de casos

complexos. Assim, num modelo de maior intervenção, as fases

anteriores à sessão de mediação são determinantes e muito

pormenorizadas pela doutrina. Moore identifica 5 fases anteriores

ao início da sessão de mediação: constituição de um

relacionamento com as partes; escolha da estratégia da mediação;

recolha de informação sobre as partes e o conflito; programação

detalhada da mediação; estabelecimento de confiança e

cooperação.72

70 Moore, The Mediation Process, 2003, p. 67.71 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 56.72 Moore, The Mediation Process, 2003, p. 68.

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No modelo de Brown e Marriot as fases prévias à sessão são apenas

três: introdução das partes na mediação; compromisso e acordo

sobre as regras da mediação; comunicação preliminar e preparação

da sessão.73

Como é fácil de perceber estes momentos são preparatórios,

visando iniciar a mediação com conhecimento de todos os

intervenientes, do assunto em discussão e das regras e desenrolar

da mediação. Assegurados este pontos, a mediação propriamente

dita pode iniciar-se.

Nos modelos em que não há preparação prévia da mediação, alguns

destes momentos estão inseridos já na sessão de mediação. Assim,

Vezzula identifica seis fases na mediação: apresentação do

mediador e das regras; exposição do problema pelos mediados;

resumo e ordenação inicial do problema; descoberta dos interesses

ainda ocultos; criação de ideias; acordo.74

Ao longo destas fases, há técnicas específicas que os mediadores

devem utilizar. Por exemplo, quando se trata de identificar

interesses, é importante desde logo estar bem ciente da sua

importância para o sucesso da mediação. Depois, deve saber ouvir,

tomar atenção às declarações, às generalizações e às sínteses

para tornar claras quais as necessidades das partes. Moore refere

dois métodos para descobrir interesses: o teste e o modelo

hipotético. O teste consiste em repetir o que lhe parece ser o

interesse, indo aproximando-se dele através dos reparos da parte.

O modelo hipotético consiste em propor uma série de opções de

acordo, não com a intenção de as ver aprovadas pelas partes, mas

de perceber as suas verdadeiras necessidades e interesses.75

Em situações em que a desconfiança entre as partes não permite a

clarificação dos interesses, pode ser importante fazer reuniões

separadas, aquilo que em mediação se denomina caucus. A opção do

73 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 154.74 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, 2001, p. 56-64.75 Moore, The Mediation Process, 2003, p. 258.

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caucus é polémica, na medida em que há quem aponte para a

possibilidade de quebra de confiança das partes. Não ouvindo tudo

o que se desenrola perante o mediador, as partes podem questionar

a sua imparcialidade. No entanto, desde que se conheçam riscos e

se faça uma avaliação casuística, parece não fazer sentido

exclui-lo em absoluto.76 A lei dos Julgados de Paz permite a

realização de reuniões separadas – artigo 53.º n.º3 – desde que

autorizadas pelas partes.

3.5. Áreas

Cumpre agora referir as áreas de mediação que estão actualmente

em desenvolvimento. Para além da mediação nos Julgados de Paz, a

que me referi já variadas vezes, é importante mencionar a

mediação familiar, a mediação laboral e a mediação penal.

A mediação familiar é aquela que mais tradição tem no nosso

ordenamento jurídico, embora até agora tenha tido uma implantação

muito restrita. O primeiro (e único até 2008) Gabinete de

Mediação Familiar foi criado em 1997, com competência para

situações de conflito relativos à regulação do poder paternal na

área da comarca de Lisboa. O Gabinete recebia processos enviados

pelos tribunais da comarca de Lisboa nas situações em que o juiz,

avaliando a acção, concluía que a mediação era o método mais

adequado para resolver o problema. O acordo era depois sujeito a

homologação pelo tribunal, que verificava o interesse do menor.77

É fácil de ver que quer o âmbito material, quer o âmbito

territorial do Gabinete de Mediação Familiar eram muitíssimo

insuficientes. A aposta nos meios de resolução alternativa de

litígios tinha necessariamente de passar por aqui, por se tratar

de uma área que foi sempre de aplicação privilegiada da mediação.

76 Vezzulla, Mediação – Teoria e Prática, Lisboa, 2001, p. 61.77 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 62; Albertina Pereira, A mediação e a (nova) conciliação, 2006, p. 190.

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No dia 16 de Julho de 2007, entrou em funcionamento o Sistema de

Mediação Familiar (SMF), vocacionado para a resolução de

conflitos em matéria familiar. O Sistema de Mediação Familiar tem

competência para mediar conflitos surgidos no âmbito de relações

familiares em que a utilização deste mecanismo se mostre

adequado, nomeadamente nas seguintes matérias: regulação,

alteração e incumprimento do exercício do poder paternal;

divórcio e separação de pessoas e bens; conversão da separação de

pessoas e bens em divórcio; reconciliação dos cônjuges separados;

atribuição e alteração de alimentos, provisórios ou definitivos;

atribuição de casa de morada da família; privação do direito ao

uso dos apelidos do outro cônjuge e autorização do uso dos

apelidos do ex-cônjuge.

O Sistema de Mediação Familiar funciona a título experimental em

15 municípios: Almada, Barreiro, Seixal, Setúbal, Lisboa,

Amadora, Loures, Oeiras, Cascais, Sintra, Mafra, Coimbra, Leiria,

Porto e Braga.78

A intervenção do Sistema de Mediação Familiar pode ser anterior à

existência de processo judicial ou na sua pendência. Mesmo que na

pendência do processo, nos termos do despacho79 que criou o

Sistema não há homologação judicial do acordo.

Também recentemente foi criado o Sistema de Mediação Laboral,

sistema que permite a trabalhadores e a empregadores utilizarem a

mediação para resolverem os seus litígios. O Sistema de Mediação

Laboral foi criado a partir de um protocolo celebrado no dia 05

de Maio de 2006 entre o Ministério da Justiça e as seguintes

entidades: Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP),

Confederação de Comércio e Serviços de Portugal (CCP),

Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical

Nacional - CGTP-IN, Confederação da Indústria Portuguesa (CIP),

78 Mais informações em www.gral.mj.pt 79 Despacho n.º 18 778/2007, de 22 de Agosto, disponível em www.gral.mj.pt.

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Confederação do Turismo Português (CTP) , União Geral dos

Trabalhadores (UGT).

O Sistema de Mediação Laboral funciona simplesmente através da

gestão de uma lista de mediadores, pelo Gabinete de Resolução

Alternativa de Litígios do Ministério da Justiça. Não há qualquer

ligação com um tribunal.

Repare-se, pois, que as recentes iniciativas de mediação estão a

ser desenvolvidas em sistemas totalmente extra judiciais, isto é,

sem qualquer ligação com os tribunais. Nem antes, nem durante,

nem depois. Ao contrário da mediação nos Julgados de Paz que,

primeiro, é parte da tramitação nesses tribunais e, segundo,

implica homologação do acordo pelo juiz de paz (artigo 56.º n.º 1

LJP).

Esta questão tem levantado alguma polémica, com autores a

defender que o acordo obtido na mediação deve sempre ser sujeito

a verificação judicial, designadamente para verificar a sua

correspondência com a vontade das partes.80

De acordo com a Directiva 2008/52/CE, de 21 de Maio de 2008, no

seu artigo 6.º, os Estados-Membros devem assegurar que as partes

tenham a possibilidade de requerer que o conteúdo de um acordo

escrito seja declarado executório, mediante sentença, decisão ou

acto autêntico de um tribunal ou outra autoridade competente.

Trata-se de uma espécie de homologação ad hoc: não há qualquer

processo em tribunal, mas designa-se uma autoridade competente

para essa validação. É ainda interessante notar que a Directiva

não impõe que seja um tribunal a conferir executoriedade ao

acordo, podendo ser outra autoridade competente.

Esta norma levanta algumas dificuldades que deverão ser

devidamente ponderadas na transposição. Para além do problema da

autoridade competente (que tem de ser em atenção a reserva

jurisdicional), há ainda que reflectir sobre aspectos como a

80 Albertina Pereira, A mediação e a (nova) conciliação, 2006, p.194.

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razão de ser da necessidade do acordo de ambas as partes para a

sujeição do acordo à executoriedade; que fazer em situações em

que o acordo, redigido em documento particular ou autêntico, já

reúne as condições para ser título executivo.

Julgo que a mediação, precisamente porque é um meio extrajudicial

de resolução de litígios pode viver exclusivamente fora dos

tribunais. Percebo que numa fase inicial de implementação do

sistema, por questões de credibilidade, faça sentido uma ligação.

Mas, depois, tal vínculo pode até ser contra natura por enviesar

uma diferente abordagem do litígio. Não esqueçamos que o

empowerment é a característica essencial da mediação, e este

domínio do processo pelas partes só muito, muito dificilmente se

mantém à frente do juiz.

Seja como for (ou vier a ser), o sistema de homologação

voluntária ad hoc criado pela Directiva parece-me o melhor

caminho.

Por último, a mediação penal foi aprovada pela Lei n.º 21/2207,

de 12 de Junho, aplicável apenas a alguns crimes particulares ou

semi-públicos. Há uma limitação aos crimes contra as pessoas e

contra o património, assim como a crimes com penas inferiores a 5

anos. Também não é possível a mediação penal em crimes contra a

liberdade ou autodeterminação sexual, peculato, corrupção ou

tráfico de influência.81

A mediação penal inicia-se através da remessa do processo de

inquérito decidida pelo Ministério Público, podendo ser requerida

pelas partes (ofendido e arguido). Havendo acordo, é este enviado

ao Ministério Público que verifica a sua legalidade (artigo 5.º

n.º 8 e artigo 6.º). No acordo não podem incluir-se sanções

privativas da liberdade, deveres que ofendam a dignidade do

arguido ou obrigações cujo cumprimento se deva prolongar por mais

de 6 meses.

81 Artigo 2.º da Lei 21/2007, de 12 de Junho.

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Este diploma veio dar execução a uma Decisão Quadro do Conselho

de 200182, que pretendeu introduzir nos Estados Membros uma

diferente resposta ao ilícito penal. A mediação vítima-agressor

insere-se na linha da justiça restaurativa, procurando uma

reparação efectiva da vítima e uma reabilitação do agressor, para

além ou em vez do seu castigo.83 Levanta inúmeras questões

específicas e tem sido bastante discutida nos seus diversos

aspectos: protecção da vítima, coerência com as finalidades

próprias do direito penal, papel do Ministério Público.84 São

questões muito interessantes, mas que não podemos abordar agora.

3.6. O Mediador

O mediador é um profissional treinado nas técnicas da mediação.

Para o exercício da profissão nos serviços públicos de mediação o

Ministério da Justiça exige a frequência de um curso credenciado

pelo Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios, organismo

desse Ministério.

Há actualmente em Portugal oferta suficiente de cursos de

formação de mediadores, normalmente em regime de Pós Graduações

em instituições de ensino superior ou outra entidades de

formação. Por regra é exigida a titularidade de um curso

superior, admitindo-se que seja qualquer um. A formação dos

mediadores é, assim, variadíssima. É certo que há alguma

predominância de licenciados em Direito e em Psicologia, mas há

também pessoas licenciadas em Sociologia, Serviço Social,

Filosofia, Geografia, Arquitectura. E estou apenas a citar

pessoas que conheço pessoalmente.

82 Decisão Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março.83 Brown e Marriott, ADR Principles and Practice, 1999, p. 295; Moyano Marques e João Lázaro, A Mediação Vítima-Agressor e os Direitos e Interesses da Vítima, 2005, p. 27.84 Cfr. AA. VV., A Introdução da Mediação Vítima-Agressor no Ordenamento Jurídico Português, Coimbra, Almedina, 2005.

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Esta diversidade de formações de base traz um problema para a

mediação que tem de ser encarado na formação e na fiscalização. É

que há um padrão de abordagem da mediação que se relaciona com

essa profissão de base:  os advogados têm dificuldade de confiar

na capacidade de os mediados construírem sozinhos uma solução; os

juízes esperam obediência, quando dizem uma coisa pensam que é a

coisa certa para todos; os psicólogos têm tendência para a

terapia, procurando às vezes apenas as raízes do conflito; os

sociólogos posicionam-se muitas vezes como “missionários”,

pensando que mudam a sociedade com a implementação da mediação;

os cientistas naturais procuram muito esquematizar a relação

causa-efeito, esquecendo que entre as pessoas as questões não são

tão lineares.85

Julgo que serão muito poucos os mediadores que exercem a

profissão em exclusividade. Dado o ainda pequeno mercado de

mediação, não há trabalho suficiente para que a maior parte dos

mediadores possam prescindir do seu trabalho de origem. É

possível que o futuro seja diferente.

Parte importante da formação do mediador deve incidir sobre a

deontologia da profissão. As regras deontológicas positivadas

estão na Lei dos Julgados de Paz, nos artigos 21.º, 22.º, 30.º e

35.º. Está prevista a aplicação do regime dos impedimentos e

suspeições do processo civil, o dever de sigilo (melhor

denominado dever de reserva), a imparcialidade, independência,

neutralidade, credibilidade, competência, confidencialidade e

diligência. É útil substanciar estes princípios gerais através da

consideração de alguns problemas práticos.

O mediador deve ser independente e imparcial, no corrente sentido

de que não poder ter qualquer interesse pessoal no conflito

mediado ou qualquer ligação com as partes. A Lei dos Julgados de

Paz refere ainda que o mediador deve ser neutral, abstraindo-se

das suas convicções pessoais no momento de executar as suas

85 Reflexões com a colaboração de Úrsula Caser.

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tarefas. A neutralidade é muito mais difícil de controlar do que

a imparcialidade ou a independência. Há quem entenda até que tal

é impossível, na medida em que o afastamento dos nosso

preconceitos e profundos pensares nunca se faz até ao nível do

subconsciente.

Esta é uma questão especialmente sensível na mediação penal. O

artigo 10.º da Lei 20/2007, de 12 de Julho, refere-se à questão

da isenção do mediador, permitindo a este que recuse ou

interrompa a mediação quando perceber que não consegue suplantar

os seus pré-conceitos. É algo – a interrupção – que não está

prevista na generalidades das mediações, mas deve ser encarado

como sempre possível. Mais uma vez cabe ao mediador analisar,

permanentemente, a sua actuação.

No que diz respeito à credibilidade e competência, a Directiva

contém no seu artigo 4.ºo dever dos Estados de incentivarem o

desenvolvimento e a adesão a códigos voluntários de conduta pelos

mediadores, bem como outros mecanismos eficazes de controlo da

qualidade da prestação de serviços de mediação.

A este propósito é útil referir o Código Europeu de Conduta para

Mediadores86, documento produzido com o apoio dos serviços da

Comissão Europeia. Pretende ser um conjunto de princípios a que

os mediadores voluntariamente aderir. O principal objectivo do

Código é assegurar a confiança em relação aos mediadores e à

mediação.

O código divide-se em três capítulos, o primeiro dedicado a

competências e marcações, o segundo a independência e

imparcialidade, o terceiro ao acordo de mediação, procedimento,

funcionamento e honorários.

Em relação à independência em sentido lato, o princípio 2.1.

impõe ao mediador um dever de revelar circunstâncias que as

possam pôr em causa. Este dever mantém-se durante todo o

86 Tradução portuguesa disponível em www.gral.mj.pt.

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processo. Quando faça esta revelação, o mediador só deve

continuar o processo se as partes concordarem.

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IV

ARBITRAGEM

5.1. Noção e natureza jurídica

A arbitragem pode ser definida como um modo de resolução

jurisdicional de conflitos em que decisão, com base na vontade

das partes, é confiada a terceiros. A arbitragem é, assim, um

meio de resolução alternativa de litígios adjudicatório, na

medida em que a decisão é confiada a um terceiro. E essa decisão

é vinculativa para as partes. A arbitragem aproxima-se do padrão

judicial tradicional, sendo jurisdicional nos seus efeitos: não

só a convenção arbitral gera um direito potestativo de

constituição do tribunal arbitral e a consequente falta de

jurisdição dos tribunais comuns; como também a decisão arbitral

faz caso julgado e tem força executiva.

A origem privada da arbitragem aliada à sua natureza

jurisdicional tem colocado dificuldades quanto à sua

caracterização jurídica.

A propósito da natureza jurídica da arbitragem debatem-se teses

contratuais, jurisdicionais e mistas. Para a teoria contratual,

na sua formulação mais radical, a decisão arbitral é um contrato

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celebrado pelos árbitros como mandatários das partes. Para este

tese só a homologação judicial permite que seja uma verdadeira

sentença. Já a tese jurisdicional entende que as decisões

arbitrais são actos jurisdicionais, sendo os árbitros juízes e

não mandatários das partes. Por último, a concepção mista defende

que a arbitragem voluntária está a meio caminho entre o

julgamento da autoridade judicial e o contrato livremente

consentido pelas partes – o árbitro julga, mas não exerce as

funções públicas de um juiz.87

A doutrina actual tem adoptado esta última tese, na medida em que

falamos de algo que tem, sem qualquer dúvida, um fundamento

contratual (a convenção de arbitragem), mas que constitui uma

actividade jurisdicional e conduz a uma decisão com eficácia

jurisdicional.88

Prova desta natureza mista é, como se disse, a eficácia executiva

da decisão judicial, por um lado, e a limitação da competência do

tribunal arbitral, por outro, à convenção de arbitragem. Marca,

ainda, desta natureza jurisdicional são as garantias que a Lei da

Arbitragem Voluntária estabelece para o processo arbitral – em

concreto, um processo arbitral só será reconhecido com todos ou

validado se cumprir as regras mínimas do processo justo.

Como se vem tornando habitual dizer, a arbitragem voluntária é

contratual na sua origem, privada na sua natureza e jurisdicional

na sua função. A natureza contratual configura a fonte dos

poderes jurisdicionais, a natureza jurisdicional configura o

conteúdo dos poderes atribuídos pelo contrato.89

87 Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 183-6.88 Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 187; Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p. 626; Sérvulo Correia, A Arbitragem Voluntária no Domínio dos Contratos Administrativos, 1995, p. 231.89 Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 2-3.

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Esta caracterização é muito importante, na medida em que tem

diversas consequências no regime da arbitragem e na integração

das lacunas da Lei da Arbitragem Voluntária.

A arbitragem voluntária é regida pela Lei n.º 31/86, de 29 de

Agosto, diploma que sofreu uma única alteração em 2003, através

do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março. As alterações

introduzidas por este diploma foram cirúrgicas, apenas aos artigo

11º e 12º. É um diploma com bastantes anos, que carece de

renovação. Fala-se já há algum tempo de uma reforma da LAV,

embora não tenham sido divulgados projectos oficiais. A melhor

solução seria adoptar um regime legal próximo ao da Lei Modelo da

UNCITRAL90, facto que privilegiaria o desenvolvimento da

arbitragem em Portugal. Deveria aproveitar-se a oportunidade para

elaborar um nova LAV, inspirada na Lei Modelo da UNCITRAL e não

apenas retocar alguns aspectos da actual.

É a Lei da Arbitragem Voluntária que serve de base de estudo ao

ensino da arbitragem no nosso ordenamento jurídico. Há documentos

internacionais de relevo, para além da Lei Modelo da UNCITRAL já

referida, é de enorme importância a Convenção de Nova Iorque

relativa ao reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras.

No entanto, o estudo introdutório da disciplina tem de cingir-se

por razões de tempo e de coerência à arbitragem doméstica.91 Esta

restrição tem como consequência a exclusão da problemática da lei

aplicável à arbitragem, na medida em que só são referidas

arbitragens sediadas em Portugal e entre partes nacionais. Esta

questão é mais correctamente tratada nas disciplinas da área do

Direito Internacional Privado.

90 Disponível emwww.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/1985Model_arbitration.html.91 Circunstância que tem ainda consequências ao nível da bibliografia recomendada aos alunos.

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Por outro lado o cariz introdutório deste estudo da arbitragem

implica a não aprendizagem de matérias mais complexas como as

medidas cautelares ou as arbitragens com múltiplas partes.

5.2. Espécies

A arbitragem pode ser institucionalizada ou ad hoc. A primeira

realiza-se num tribunal arbitral com carácter de permanência,

sujeito a um regulamento próprio. Já na segunda modalidade, o

tribunal é constituído especifica e unicamente para um

determinado litígio. Antes da execução da convenção de arbitragem

o tribunal não existe e após o proferimento da decisão arbitral

extingue-se. Esta natureza incidental é, por vezes, difícil de

conceber na prática, designadamente por estudantes formatados na

lógica judicial. Mas ficará mais clara com o avançar do curso, em

especial com a aprendizagem das regras sobre constituição do

tribunal arbitral.

Certo é, porém, que por vezes a natureza efémera do tribunal

arbitral ad hoc pode trazer dificuldades, designadamente no

tratamento da matéria das consequências da anulação da decisão

arbitral e também em certos aspectos do princípio da competência-

competência. A eles voltaremos mais tarde.

A arbitragem institucionalizada em Portugal foi regulamentada

pelo Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de Setembro que determina, em

síntese, a necessidade de reconhecimento pelo Ministério da

Justiça dos centros de arbitragem institucionalizada.

Há diversos centros de arbitragem institucionalizada a funcionar,

com uma expressão clara na área do direito do consumo. Para além

destes, porém, há ainda outros mais ligados à arbitragem

comercial, sendo de destacar o Centro de Arbitragem Comercial da

Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Sem quaisquer

restrições quanto ao objecto do litígio, pode destacar-se o

Centro de Arbitragem da Ordem dos Advogados.

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É importante referir que na arbitragem institucionalizada há dois

modelos. O mais comum é o do centro funcionar apenas como órgão

administrativo, constituindo-se tribunais arbitrais para cada

litígio. No segundo modelo, utilizado nos centros de arbitragem

de consumo, há só um árbitro, que julga todos os processos

entrados no centro.

5.3. Convenção arbitral

5.3.1. Noção e natureza jurídica

A convenção arbitral é o acordo das partes em submeter a

arbitragem um litígio actual ou eventual. Tem natureza

contratual, na medida em que é negócio jurídico bilateral.92

É a convenção arbitral que determina a competência do tribunal

arbitral, isto é, o tribunal arbitral só tem competência

jurisdicional quando o litígio que lhe é submetido está integrado

na convenção de arbitragem. Por esta razão, o estudo da convenção

arbitral tem na arbitragem um lugar central. É uma espécie de

foco de luz que ilumina a área de competência. O que estiver na

escuridão, mesmo que relacionado com o litígio inserido na

convenção, não pode ser decidido pelo tribunal arbitral. Se

houver decisão sobre matéria não incluída na convenção, essa

decisão é anulável, por ser proferida por tribunal incompetente

(artigo 27.º n.º1 alínea b) 1ª parte LAV).

5.3.2. Modalidades e efeitos

A convenção arbitral pode revestir duas modalidades: clausula

compromissória ou compromisso arbitral. Nos termos do artigo 1.º

n.º2 da LAV, é compromisso arbitral a convenção que tem por

objecto um litígio actual e é clausula compromissória a que tem

92 Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 2-3; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 188; Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 303.

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por objecto litígios eventuais emergentes de uma determinada

relação jurídica contratual ou extracontratual. O que distingue

uma e outra modalidade é, portanto, a existência ou não do

litígio. Se se tratar de litígio existente, falamos de

compromisso arbitral, se se tratar de litígio eventual, falamos

de clausula compromissória. Nesta última situação é necessário

precisar a concreta relação jurídica da qual o litígio poderá

emergir.

O mais frequente é a inserção deste tipo de clausulas em

contratos mais ou menos complexos. Podem ter as mais diversas

formulações, prever quase nada ou quase tudo, remeter para

arbitragem institucionalizada ou fixar critérios de constituição

do tribunal arbitral. Dentro das regras imperativas de direito

privado (que nesta área não são muitas), as partes poderão

livremente convencionar o que entenderem.

Uma declaração negocial próxima desta é a declaração unilateral

de adesão prévia. Tal declaração existe no nosso ordenamento

jurídico em alguns centros de arbitragem de consumo e significa

uma adesão das empresas ao centro para a resolução de futuros

litígios com consumidores que pode ainda desconhecer. Não se

trata de clausula compromissória, porque não há contra-parte: a

vinculação da empresa faz-se perante todos ou ninguém. No

entender de Dário Moura Vicente serão quanto muito meras

promessas de celebração de convenção arbitral. Aliás os

regulamentos desses centros de arbitragem exigem, depois, a

celebração da convenção.93

Esta é, por diversas razões, a melhor qualificação. Em primeiro

lugar, esta promessa, sendo unilateral, necessitaria sempre da

aceitação da parte contrária, pelo que nunca poderia ter o efeito

potestativo normal da convenção de arbitragem. Em segundo lugar e

mais importante, a derrogação do direito de acção – que a

93 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 998.

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celebração da convenção arbitral implica – só pode verificar-se

nos casos em que a lei o permite. Ora, a LAV apenas estabelece

como convenção arbitral a clausula compromissória e o compromisso

arbitral, não preenchendo os requisitos de nenhuma delas esta

adesão prévia com carácter genérico. Assim, esta declaração

unilateral genérica deve ser aproximada do que antes da actual

LAV era o compromisso arbitral: uma mera promessa de celebração

da convenção arbitral.94 Se, neste caso preciso, a parte que

aderiu previamente não aceder à celebração da convenção

prometida, os efeitos serão puramente obrigacionais.

É uma diferença importante porque os efeitos da celebração da

convenção arbitral são essencialmente processuais: a existência

de uma convenção arbitral implica que os tribunais judiciais não

têm jurisdição sobre o caso. Caso seja proposta em tribunal

judicial uma acção que tenha como objecto um litígio sobre o qual

incida uma convenção arbitral, verifica-se uma excepção dilatória

de preterição de tribunal arbitral. Excepção que implica a

absolvição do réu da instância e consequente extinção da mesma.

Daí que se caracterize a convenção de arbitragem como um negócio

jurídico processual.95

A caracterização mais correcta, na minha opinião, da excepção em

causa é precisamente de excepção de preterição de tribunal

arbitral, tal como referido no artigo 494.º j) CPC. Não se coloca

a questão de litispendência ou de caso julgado na medida em que o

problema é de jurisdição: ou quem tem competência para litígio é

o tribunal arbitral e o judicial não pode sequer analisar o caso;

ou quem tem competência é o judicial e o processo segue. Esta

questão tem importância meramente prática, porque a excepção de

litispendência é de conhecimento oficioso e a de preterição de

tribunal arbitral não. Assim, se não for invocada a excepção de

preterição de tribunal arbitral, o tribunal judicial nada pode 94 Galvão Teles, Clausula Compromissória, 1957, p. 214.95 Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p. 627.

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fazer. Estamos no âmbito da autonomia privada das partes – a não

invocação da excepção equivale à revogação da convenção.

Esta problemática está directamente relacionada com a do

princípio da competência do tribunal arbitral para aferir da sua

própria competência, pelo que a ele voltaremos mais à frente.

A convenção arbitral pode, ainda, ser celebrada na pendência de

acção judicial, implicando, nos termos do artigo 290.º CPC

extinção da acção.

5.3.3. Validade da convenção

a. Como se disse a competência do tribunal arbitral pressupõe uma

convenção de arbitragem válida e eficaz. Se a convenção for nula,

anulável ou ineficaz há incompetência do tribunal, o que se

traduz num fundamento de anulação da decisão arbitral.

À validade da convenção de arbitragem são aplicáveis as regras

relativas aos negócios jurídicos, em especial aos contratos.

Apenas o que está previsto especificamente na LAV ou em

legislação específica afasta a aplicação daqueles preceitos

gerais.

A validade da convenção arbitral deve ser analisada de acordo com

os seguintes parâmetros: acordo das partes, requisitos da

arbitrabilidade, forma e conteúdo e, por fim, autonomia.

b. Quanto ao acordo das partes, o único problema a tratar

relaciona-se com duas normas do regime das clausulas contratuais

gerais. Na diploma legislativo que as regula – Decreto-Lei

446/85, de 25 de Outubro - encontram-se duas proibições cuja

interpretação não está isenta de dúvidas.

Em primeiro lugar, o artigo 21.º h)LCCG: “São em absoluto

proibidas as clausulas contratuais gerais que (...) prevejam

modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de

procedimento estabelecidas na lei.”

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A doutrina hesita um pouco na interpretação a fazer desta norma.

Será que a remissão para a lei é para a LAV? É que se assim

fosse, nada de novo estaria aí previsto - não pode haver

arbitragens em Portugal que não respeitem os requisitos da LAV,

pois são anuláveis.

De acordo com Dário Moura Vicente, o legislador não pretendeu

proibir a celebração de convenções arbitrais nas relações com

consumidores finais, mas tão só garantir que não haja uma

exclusão da jurisdição estadual, ou seja, o que a lei pretende,

no entender do autor, é criar uma competência concorrente com a

dos tribunais judiciais.96

Posição contrária assumiu, porém, o Supremo Tribunal de Justiça

em Acórdão de 4 de Outubro de 2005.97 Entendeu o Acórdão que a

convenção, ao respeitar a nossa Lei de Arbitragem Voluntária,

preenchia os requisitos necessários da lei, sendo portanto

válida.

A questão não é fácil, embora me pareça estranha uma situação de

competência concorrente, em princípio só invocável pelo

consumidor. É um regime algo híbrido, com consequências difíceis

de prever do ponto de vista dogmático.

Parece claro que esta interpretação pressupõe alguma desconfiança

face à arbitragem enquanto processo extra-judicial de resolução

de conflitos. Terá sido, essa, realmente a ideia do legislador.

Mas, não serão suficientes as garantias que a LAV oferece quanto

a igualdade e contraditório? Se a questão é de erro do

consumidor, de falta de informação ou de incompreensão em relação

ao que é a arbitragem o problema é de consentimento, de vontade.

Em relação a esses eventuais vícios são aplicáveis as regras

gerais da formação do contrato. O problema que nos ocupa – de

96 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 998.97 Processo n.º 05A2222, Caso PT.

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interpretação do artigo 21.º h) LCCG é outro – o dos limites da

utilização da arbitragem em conflitos com consumidores.

A outra norma do diploma das clausulas contratuais gerais que

pode ser aplicável à arbitragem é o artigo 19.º g) da LCCG, que

tem o seguinte texto: “São proibidas, consoante o quadro negocial

padronizado, designadamente as clausulas contratuais gerais que

estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes

para uma das partes, sem que os interesses da outra o

justifiquem.”

A primeira dificuldade está em saber se esta norma é aplicável à

arbitragem. Lima Pinheiro e Raul Ventura entendem que sim,

fazendo uma interpretação extensiva do que se deva entender por

foro competente. Ambos os autores concordam ainda que só muito

excepcionalmente o foro arbitral será gravemente inconveniente

para uma das partes.98

c. Só pode ser sujeito a arbitragem um litígio... arbitrável.

Entramos agora na análise da arbitrabilidade, primeiro requisito

da convenção arbitral. De acordo com a nossa lei não é arbitrável

o que está sujeito a arbitragem necessária99, o que é da

competência exclusiva dos tribunais judiciais e que respeite a

direitos indisponíveis.

Não se confunde a competência judicial exclusiva (prevista no

artigo 1.º n.º1 LAV) com as competências internacionais

exclusivas previstas no artigo 65.º-A CPC ou no artigo 22.º do

Regulamento 44/2001. Falamos antes de litígios cuja jurisdição

competente é a pública, por lei especial o prever expressamente.

São exemplos os processos criminal e de insolvência.100

98 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 92; Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 44.99 Dois exemplos de arbitragem necessária: em matéria de direitos de autor, artigo 221.º n.º 4 do Código de Direitos de Autor; em matéria de patentes, no artigo 59.º n.º 6 do Código da Propriedade Industrial.100 Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 5; Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.111.

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O último filtro de arbitrabilidade – o da disponibilidade do

direito em litígio – é o que mais problemas coloca. Não

entraremos aqui na discussão do melhor critério, se do direito

disponível, se da natureza patrimonial do direito101, na medida em

que o nosso objecto de estudo se limita ao direito positivo. E

este é claro no critério escolhido – o do disponibilidade do

direito. Certo é, porém, que é matéria polémica, não havendo

sequer consenso quanto à falência do critério legal.102

A arbitrabilidade distingue-se em objectiva e subjectiva. Esta

última pretende tratar da possibilidade de entidades públicas

serem partes em processo arbitral. A questão encontra-se

resolvida no artigo 1.º n.º4 LAV, nos termos do qual tal

participação é admissível em duas situações: autorização por lei

especial, litígios respeitantes a relações de direito privado. O

artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos

autoriza essa participação em situações de contratos,

responsabilidade civil e actos administrativos. Em relação a

questões relativas a actos administrativos há o limite do

fundamento não poder ser a sua invalidade substantiva.103

No artigo 187.º CPTA está ainda prevista a criação de centros de

arbitragem destinados à composição de litígios no âmbito das

seguintes matérias: contratos; responsabilidade civil da

administração; funcionalismo público; sistemas públicos de

protecção social; urbanismo.

O artigo 182.º CPTA estabelece um direito do particular a exigir

compromisso arbitral. A caracterização jurídica deste direito é

difícil, embora a doutrina entenda que não confere ao cidadão um

direito potestativo, podendo a administração recusar a celebração

101 Defendido por Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, disponível em www.oa.pt. Este artigo contém, ainda, um panorama de direito comparado e aplicações práticas de grande interesse.102 Ferreira de Almeida, Convenção de arbitragem, 2008, p. 5-6.103 João Caupers, A Arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, 1999, p. 5.

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do compromisso arbitral sem que haja qualquer sanção. Isto porque

para já e pelo menos a eficácia do preceito depende de

regulamentação, ainda inexistente.104

A arbitrabilidade objectiva depende, como já se disse, da

disponibilidade do direito. O que for disponível pode ser sujeito

a arbitragem, o que não for, não é. São indisponíveis os direitos

a que as partes não podem constituir por acto de vontade e os que

são irrenunciáveis. A simplicidade da definição não corresponde à

sua concretização prática: há muitas dúvidas sobre casos

concretos, alguns deles surgidos na jurisprudência.

Parece-me útil adoptar aqui duas das considerações que a este

propósito Ferreira de Almeida escreve.

Em primeiro lugar, a circunstância de o litígio ser regulado em

parte por normas imperativas não implica necessariamente

indisponibilidade do direito, tal só acontecendo quando o litígio

é exclusivamente regulado por normas imperativas. Nesta linha, é

interessante fazer referência ao Acórdão da Relação de Guimarães

de 16 de Fevereiro de 2005105, em que se discutiu se, sendo uma

indemnização de clientela em contrato de concessão internacional

um direito indisponível, a remissão da decisão para critérios de

equidade poderia ou não implicar a invalidade da convenção.106

Em segundo lugar, a aferição da disponibilidade do direito deve

ser feito caso a caso e não, como é usual, instituto a instituto.

Não se deve, pois, excluir grandes grupos de litígios, como os

direitos de personalidade ou a família. Interessante deste ponto

de vista é o caso discutido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de

Justiça de 3 de Maio de 2007107, em que se discutia uma

indemnização a uma apresentadora de televisão por violação dos

104 Aroso de Almeida, O Novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2004, p. 393.105 Processo n.º 197/05-1, Caso Indemnização de clientela.106 Este acórdão é criticado por Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, ponto 8.107 Processo n.º 06B3359.

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seus direitos de personalidade. O tribunal defende, precisamente,

que se os direitos de personalidade são indisponíveis, o mesmo

não significa que a indemnização decorrente da sua violação o

seja.

Há diversos casos de muito difícil resolução. Alguns problemas

recorrentes relacionam-se com o contrato de agência e com o

análogo contrato de concessão comercial, como já foi referido.

Também em matéria da sociedades comerciais há bastantes

dificuldades de aplicação do critério. O mesmo se passa em

matéria de direito do trabalho e de arrendamento urbano.108

Esta é uma matéria complexa que necessita de alguma reflexão e

ponderação. Ponderação que começa necessariamente pela natureza

jurídica da arbitragem e pelas razões de política legislativa que

impedem que determinados tipos de litígios lhe estejam vedados.

Se é impensável sujeitar matéria criminal à arbitragem, já outras

questões próximas na sua ofensa comunitária não reúnem consenso

na exclusão. Por exemplo, em matéria de direito da concorrência

há já previsões comunitárias que permitem a sua

arbitrabilidade.109

d. Nos termos do artigo 2.º n.º1 LAV a convenção de arbitragem

tem de ter forma escrita. Na expressão da lei, deve ser reduzida

a escrito. Considera-se reduzido a escrito não só a convenção

constante de documento assinada pelas partes, mas também

resultante de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios

de comunicação de que fique forma escrita. É ainda suficiente que

estes documentos contenham apenas uma remissão para algum

documento em que uma convenção esteja contida.110 Trata-se da

108 Em relação a todas estas questões, cfr. as referências de Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, pontos 8 e seguintes.109 Regulamento (CE) 1/2003, do Conselho de 16 de Dezembro de 2002 - Sampaio Caramelo, A Disponibilidade do direito como critério de arbitrabilidade do litígio, 2006, ponto 12.110 Ver a este propósito Acórdão STJ 23 de Outubro de 2003, Processo n.º 03B3145, Caso Royalties.

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acepção ampla de forma escrita, comum a instrumentos normativos

internacionais (Convenção de Nova Iorque e Lei Modelo da

UNCITRAL).111

A acepção ampla de forma escrita resolve alguns problemas, mas

cria outros. No essencial os problemas tratados pela doutrina

dizem respeito, primeiro, à interpretação desta remissão e,

segundo, à possibilidade de a convenção arbitral constar de

documentos electrónicos, designadamente correio electrónico.

Para responder a qualquer uma das questões de forma é essencial

perceber por que razão se exige forma escrita. Repare-se que a

convenção arbitral tem necessariamente forma escrita mesmo que o

contrato a que diga respeito não esteja a ela sujeito e tenha,

inclusive, sido celebrado oralmente.

Julgo que as razões de forma são várias. Todas elas tendo

importância e sendo suficientes para justificar a regra especial.

Em primeiro lugar e evidentemente, a gravidade dos efeitos da

celebração de uma convenção de arbitragem. O direito potestativo

de constituição do tribunal arbitral implica a renúncia ao

direito de acção judicial – trata-se do efeito negativo do

princípio da competência da competência que é, sem dúvida, uma

derrogação importante de um direito fundamental. A constituição

imediata de um direito potestativo justifica a maior exigência da

forma face à anterior regulamentação da arbitragem.112 Por outro

lado, alguma doutrina entende que as razões determinantes da

forma residem na delimitação precisa do seu conteúdo, em especial

do seu objecto, na medida em que confere aos árbitros e às partes

certeza quanto às questões submetidas à jurisdição arbitral.113 É

importante reter este entendimento, na medida em que, como se

disse, a convenção arbitral é o foco que ilumina a área da

111 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.95; Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 999.112 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 991.113 Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem, 2008, p. 11.

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competência do tribunal arbitral. Quaisquer dúvidas que existam

nessa competência devem ser ao máximo dissipadas, o que se

consegue melhor se essa convenção estiver reduzida a escrito. Por

outro lado, mas ainda nesta linha, repare-se que a convenção

arbitral, essencialmente na modalidade de clausula

compromissória, mas também na de compromisso arbitral, vai ser

actuada já em situação de litígio. Quando há conflito, há

normalmente uma parte interessada em atrasar o processo e a

insegurança quanto à existência e conteúdo da convenção arbitral

seria, possivelmente, a primeira a servir de obstáculo à sua

rápida resolução.

Parece-me, pois, que a exigência de forma se explica pela

necessidade de clareza quanto à existência, objecto e conteúdo da

convenção. Embora a renúncia a parte do direito de acção – que na

sua totalidade é indubitavelmente indisponível – seja importante,

julgo que a questão da segurança na existência e execução é mais

relevante para a exigência da forma escrita.

Assim, o que interessa é que haja possibilidade de determinação

quanto a estes aspectos, ainda que não seja inteiramente claro

como se alcançou essa clareza ou se houve realmente adesão de

ambas as partes à convenção.114

Tendo em conta esta conclusão torna-se mais fácil analisar as

duas questões supra referidas: em primeiro lugar qual a melhor

interpretação para convenção por remissão; em segundo lugar, como

tratar as convenções celebradas por documentos electrónicos.

A remissão suficiente é aquela que permite encontrar a convenção

arbitral sobre o litígio em causa em documentos inseridos no

processo negocial do contrato, o que será o mais normal, ou da

própria celebração da convenção arbitral (se posterior ou

autonomizada).

114 Os vícios da vontade relativos à celebração da convenção são, evidentemente, invocáveis nos termos gerais.

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Quanto aos documentos electrónicos o problema está apenas

naqueles que não estão assinados electronicamente. Por que os que

estão são equiparados a documentos particulares, nos termos do

Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto. Os restantes devem ser

equiparados aos documentos não assinados, isto é, aos telex,

telegramas ou outros meios de comunicação de que fique forma

escrita, tal como está referido no artigo 2.º n.º2 LAV.

A propósito dos documentos electrónicos, Dário Moura Vicente faz

uma distinção entre forma escrita e força probatória plena.115 Os

documentos assinados, porque só estes são documentos particulares

nos termos do artigo 373.º CC, têm força probatória plena quanto

às declarações atribuídas ao seu autor (artigo 376.º n.º1 CC). Os

documentos não assinados podem satisfazer o requisito da forma

escrita, mas o seu valor probatório difere em função das suas

características. Esta está prevista, designadamente, nos artigos

368.º CC (reproduções mecânicas), 379.º CC (telegramas) e artigo

3.º n.º5 do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto (documento

electrónico ao qual não seja aposto uma assinatura electrónica).

A falta de forma escrita da convenção arbitral gera a sua

nulidade, nos termos do artigo 3.º LAV. Esta nulidade implica

incompetência do tribunal arbitral para dirimir o litígio, pelo

que é fundamento de anulação da sentença arbitral – artigo 27.º

n.º1 b) LAV. Esta nulidade pode, porém, ser sanada pela sua não

invocação. Nos termos do artigo 21.º n.º3 LAV a nulidade tem de

ser invocada até à apresentação da defesa, ficando depois

precludido o fundamento de anulação (artigo 27.º n.º2 LAV).

e. A convenção de arbitragem tem um conteúdo essencial ou

obrigatório e um conteúdo facultativo. O conteúdo essencial é

determinado pela Lei: em relação ao compromisso arbitral é

necessária a determinação com precisão do objecto do litígio, em

relação à clausula compromissória é obrigatória a especificação

115 Moura Vicente, A Manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, 2002, p. 1002.

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da relação jurídica a que os litígios dizem respeito – artigo 2.º

n.º 3 LAV. O necessário para esta determinação é, mais uma vez, a

segurança na atribuição de jurisdição ao tribunal arbitral, pelo

que não se trata aqui de qualquer precisão do objecto da acção,

mas tão só a identificação da situação jurídica.116

Embora estabeleça este requisito, a nossa Lei da Arbitragem

Voluntária não estatui qualquer sanção – o artigo 3.º impõe a

nulidade apenas para violações dos artigos 1.º n.ºs 1 e 4 e 2ª

n.º1 e 2. Ora os requisitos de conteúdo estão previstos no artigo

2º n.º3. Pode, simplesmente, dizer-se que se verifica aqui uma

lacuna e defender o seu preenchimento através da aplicação desta

mesma norma. Parece ser a solução mais adequada na medida em que

equivale a inexistência de forma escrita – o problema é de

segurança quanto à jurisdição do tribunal arbitral. Ao aproximar-

se o regime da indeterminação do conteúdo à falta de forma

escrita, estamos ainda aplicar todo o regime de prazo de alegação

e preclusão de fundamento de anulação referido acima, o que me

parece, também, adequado ao tipo de vício em causa.

O conteúdo complementar da convenção pode ser o mais variado

possível, desde a fixação da local da arbitragem, passando pelo

número de árbitros e forma da sua designação, até regras

processuais específicas ou remissão para o regulamento de algum

centro de arbitragem institucionalizada.

Há diversas organizações que sugerem clausulas tipo, por exemplo,

a Câmara de Comércio Internacional propõe o seguinte: “Todos os

litígios emergentes do presente contrato ou com ele relacionados

serão definitivamente resolvidos de acordo com o Regulamento de

Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, por um ou mais

árbitros nomeados nos termos desse Regulamento”.117

116 Lebre de Freitas, Alcance da determinação pelo tribunal judicial do objecto do litígio a submeter a arbitragem, 2002, p. 67.117 Disponível em www.iccwbo.org/court/english/arbitration/word_documents

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Já, por exemplo, o London Court of International Arbitration

sugere maior pormenor: “Any dispute arising out of or in

connection with this contract, including any question regarding

its existence, validity or termination, shall be referred to and

finally resolved by arbitration under the LCIA Rules, which Rules

are deemed to be incorporated by reference into this clause. The

number of arbitrators shall be [one/three]. The seat, or legal

place, of arbitration shall be [City and/or Country]. The

language to be used in the arbitral proceedings shall be

[       ]. The governing law of the contract shall be the

substantive law of [        ].118

f. A nulidade do contrato em que se insira uma convenção de

arbitragem não implica a nulidade desta. Esta é a regra geral da

autonomia da convenção arbitral face ao contrato onde ela está

inserida e consta do artigo 21.º n.º2 LAV. Esta formulação não

levanta grandes dúvidas, querendo dizer que o tribunal arbitral

pode apreciar a validade do contrato onde se insere a clausula

arbitral, concluindo por exemplo pela invalidade desse contrato.

Esta questão tem muita importância porque impede a invocação da

nulidade do contrato como expediente de desaforamento do tribunal

arbitral. Se bastasse à parte não interessada na jurisdição do

tribunal arbitral a invocação da nulidade do contrato onde a

clausula compromissória estivesse inserida, seria muito fácil

impedir julgamentos por tribunais arbitrais. Isto não significa

que essa invalidade não possa ser alegada, assim como a

invalidade específica da convenção de arbitragem. Mas, nestes

casos o próprio tribunal arbitral tem competência para decidir

sobre a sua competência – artigo 21.º LAV. É um aspecto

importantíssimo da regulamentação da arbitragem que retomarei a

propósito da decisão arbitral.

Aspecto particular desta norma é a sua parte final, quando

ressalva que a convenção é nula quando se mostre que o contrato

118 Disponível em www.lcia-arbitration.com

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não teria sido celebrado sem a referida convenção. Esta norma

coloca algumas dificuldades de interpretação, não tendo, aliás,

paralelo em legislações estrangeiras.119

Analisando as hipóteses que podem verificar-se na aplicação desta

norma pode permitir uma sua melhor compreensão. Só estão em causa

situações em que o contrato é inválido. Se ese for válido e a

convenção inválida, o tribunal arbitral não tem competência.

Quando o contrato é inválido e a clausula é inválida, o problema

não se coloca e o tribunal arbitral não tem igualmente jurisdição

sobre o conflito. O problema existe apenas quando o contrato é

inválido e a convenção válida. Neste caso, a regra é a da

competência do tribunal, excepto se se provar que o contrato não

teria sido celebrado sem a convenção. É necessário demonstrar que

o contrato inválido só foi celebrado por causa da convenção de

arbitragem (por sua vez válida). Se assim for, a convenção é

inválida e, logo, o tribunal arbitral incompetente.

Esta consequência é um pouco estranha: embora tenha sido

determinante para a celebração daquele contrato a celebração da

convenção, esta acaba por não poder ser actuada.

5.4. Constituição do tribunal. O árbitro.

Pretendendo uma das partes iniciar o processo arbitral, é

necessário previamente constituir esse tribunal. Ao contrário do

processo judicial que se inicia com os pedidos, na arbitragem é

necessário primeiro formar o tribunal, individualizar os

terceiros, privados, que vão constituir o tribunal arbitral.

Esta necessidade prévia pode não existir em alguns centros de

arbitragem institucionalizados, por exemplo, nos centros de

arbitragem de consumo portugueses. Aí há um árbitro único e

permanente que julga todas as acções que dão entrada no seu

centro. Nos centros internacionais de arbitragem

119 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 122.

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institucionalizada a regra é já diferente (CCI, LCIA, CIRDI), na

medida em que o centro de arbitragem funciona tão só como apoio

administrativo (com diversas e relevantes funções), constituindo-

se os tribunais especificadamente para cada acção.

Só após a constituição do tribunal arbitral se inicia a

tramitação processual propriamente dita. O procedimento para

constituição consiste no envio de uma carta à contraparte por

carta registada com aviso de recepção (artigo 11.º n.º 2 LAV).

Dessa carta deve constar a convenção de arbitragem, a designação

do árbitro ou árbitros pela parte que se propõe instaurar a acção

e o convite à outra parte para designar o árbitro ou árbitros que

lhe cabe indicar (artigo 11.º n.º4 LAV).

O número de árbitros pode ser constituído por um único árbitro ou

por vários, em número ímpar. O número pode ser fixado na

convenção de arbitragem ou em escrito posterior assinado pelas

partes. Se não houver estipulação contratual, o tribunal é

composto por três árbitros, um designado por cada parte e o

terceiro por esses dois (artigos 6.º e 7.º LAV).

O essencial é que em todo o procedimento de constituição do

tribunal seja respeitado o princípio da absoluta igualdade das

partes, que aqui se traduz na identidade da sua influência na

constituição do tribunal arbitral. Embora tal regra não conste

dos artigos que regulam esta matéria (6.º, 7.º e 11.º LAV), a

doutrina tem entendido que está subjacente às regras e que pode

aplicar-se analogicamente a previsão constante do artigo 16.º

LAV.120 O problema do respeito por este princípio é mais difícil

de verificar em arbitragens pluripartes, na medida em que havendo

número de partes diferentes em cada um dos lados da acção, a

nomeação de um árbitro por cada uma torna-se impossível. A este

propósito pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

de 18 de Maio de 2004121, em que se discutiu um caso em que havia

120 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 125.121 Proc. n.º 3094/2004-7, Caso Teleweb.

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duas rés e uma delas entendia que tinha direito a nomear um

árbitro ou, em alternativa, a separar os processos arbitrais.

Fundamentava-se no princípio da igualdade. O Tribunal não lhe

deu, porém, razão.

Seja como for a violação do princípio da igualdade gera

irregularidade da constituição do tribunal arbitral, pelo que é

fundamento de invalidade nos termos do artigo 27.º n.º1 b) LAV.122

Uma pergunta costumeira de quem ouve pela primeira vez falar

deste procedimento de constituição do tribunal é a de saber o que

acontece se a contraparte não indicar o seu árbitro. Nos termos

do artigo 12.º LAV, em todos os casos em que faltar a nomeação de

um árbitro, essa nomeação é feita pelo presidente do tribunal da

relação do lugar fixado para a arbitragem.

A legitimidade para requerer esta nomeação cabe às partes e não

aos árbitros. Trata-se de legitimidade processual, aferida em

função do interesse em pedir (artigo 26.º CPC) e só as partes têm

interesse no prosseguimento da acção arbitral.123

O artigo 12.º n.º4 LAV estatui que se a convenção for

manifestamente nula, o presidente da relação decide que não há

lugar à designação de árbitros. Isto é, impede a constituição do

tribunal arbitral, remetendo as partes para o processo judicial.

A ratio desta norma é claramente de economia processual: não faz

sentido constituir um tribunal arbitral que, sendo incompetente

ou inválido, vá ter como consequência a anulação das suas

decisões.

Embora o elemento teleológico seja fácil de compreender, a norma

levanta dificuldades não despiciendas de interpretação e, ainda,

coloca algumas dificuldade de coesão com o princípio da

competência da competência previsto no artigo 21.º LAV.

122 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 125.123 Lopes dos Reis, Questões de Arbitragem ad hoc, 1998, p. 495. Em comentário a Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Fevereiro de 1994 que decidiu em sentido contrário.

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Deixemos a questão da compatibilização com o artigo 21.º para

depois e centremo-nos agora noutra dificuldade: o que se deve

entender por manifesta nulidade. Neste ponto é seguramente aquela

invalidade que não necessita de mais prova para ser apreciada.

Repare-se que estamos num processo especial, em que o pedido é

muito limitado e, logo, os poderes de cognição não são muito

vastos. Por outro lado, como melhor se explicará a propósito da

impugnação da decisão arbitral, as invalidades que geram

incompetência do tribunal (e que são as que têm origem na

convenção de arbitragem) têm um prazo de alegação (da defesa, nos

termos do artigo 21.º n.º3 LAV), precludindo a sua posterior

invocação para efeitos de acção de anulação (artigo 27.º n.º2

LAV). Isto significa que invalidades que são agora notórias, por

exemplo a falta de forma, poderiam nunca chegar a ser alegadas e,

logo, não implicar a anulação da decisão arbitral.

Assim para assegurar esta coerência, julgo que fará sentido

interpretar esta «manifesta nulidade» como os casos em que se

verifiquem três requisitos cumulativos: em primeiro lugar,

tratar-se de vício que não necessita de mais prova para ser

apreciado; em segundo lugar, tratar-se de vício que não esteja

dependente de alegação das partes para que seja fundamento de

anulação da sentença arbitral; por último, tratar-se de vício

sobre o qual não haja qualquer dúvida que gera invalidade.

Explicando este último requisito, parece-me que se o problema

estiver na arbitrabilidade do litígio, a manifesta nulidade deve

apenas incidir sobre aqueles direitos cuja indisponibilidade

esteja fora de discussão doutrinária. Se estivermos perante

direitos em que a doutrina se divide quanto à sua disponibilidade

ou indisponibilidade e consequente arbitrabilidade, o tribunal

judicial não deve tratar sequer da questão remetendo-a para o

tribunal arbitral. Mas a esta problemática voltarei a propósito

da análise do princípio da competência da competência.

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b. Um último tema a propósito da constituição arbitral relaciona-

se com o árbitro. A LAV é parquíssima nas regras que regulamentam

esta matéria. Quanto a quem pode ser árbitro limita-se a dizer

que os árbitros devem ser pessoas singulares e plenamente capazes

(artigo 8º). Não há quaisquer restrições quanto à área da

formação ou das habilitações literárias. O mais frequente, porém,

quer em arbitragens domésticas, quer em internacionais, é ser

nomeado árbitro um jurista. A lei portuguesa, ao contrário de

outras, é explícita no sentido de não ser admissível que pessoas

colectivas sejam árbitras.124

A LAV estabelece ainda que aos árbitros não nomeados por acordo

das partes é aplicável o regime de impedimentos e escusas

estabelecido na lei de processo civil para os juízes. Já em

relação aos denominados árbitros de parte limita-se a dizer que a

parte que nomeou esse árbitro não pode recusá-lo a não ser que

surja uma ocorrência superveniente de impedimento ou escusa. São

regras constantes do artigo 10.º LAV.

Desta regra retira-se, em primeiro lugar, a diferença de regime

entre árbitros nomeados pelas partes e árbitro não nomeado pelas

partes.

Julgo que este é um aspecto central da credibilidade da

arbitragem e sobre o qual, embora de algum melindre, vale a pena

reflectir. O ponto essencial é que os árbitros, de parte ou não,

sejam verdadeiros terceiros, independentes e imparciais quanto

possível e necessário. Parece-me, ainda, que ao nível do

estatuto, quer no momento da nomeação quer depois, não deve haver

qualquer distinção entre árbitro de parte e os restantes.

O árbitro tem, individualmente, o dever de independência e de

imparcialidade, quer tenha sido nomeado por uma das partes ou

não. Esta regra não está prevista na Lei de Arbitragem

124 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p.128.

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Voluntária, mas retira-se necessariamente da natureza

jurisdicional da actividade dos árbitros.125

É usual distinguir-se independência de imparcialidade,

relacionado a primeira com a inexistência de relação entre o

árbitro e as partes e a segunda entre o árbitro e o objecto do

litígio.126 Esta distinção é comum em alguns instrumentos

normativos internacionais127, mas no nosso ordenamento jurídico

não encontra correspondência.

Esta é uma área de grande vazio na nossa legislação, vazio que

urge preencher. A remissão para as regras aplicáveis aos

magistrados judiciais relativas a impedimentos e escusas (artigos

122.º e seguintes CPC) não é suficiente, na medida em que a

situação profissional de uns e outros não é comparável.

Os problemas agravam-se num país como o nosso em que o baixo

número de operadores económicos e de especialistas na área do

direito tem como resultado que o número de pessoas elegível para

a designação seja relativamente limitado. Por outro lado, os

padrões deontológicos, designadamente entre advogados, tendem a

ser interpretados de forma algo flexível e pouco ou muito pouco

controlados. Estas circunstâncias são gravosas para o

desenvolvimento da arbitragem, colocando em risco a sua seriedade

e a médio prazo a sua sustentabilidade.

Ainda recentemente ouvi um árbitro com vastíssima experiência em

arbitragem internacional referir que no decurso do processo se

esquecia qual das partes o havia designado. Não me parece que

esta seja a realidade na arbitragem em Portugal.

125 Lopes Cardoso, Da Deontologia do árbitro, 1996, p. 34.126 Lopes Cardoso, Da Deontologia do árbitro, 1996, p. 34, nota 6.127 Por exemplo, as IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration, as Rules of Ethics for International Arbitrators da IBA. Disponível em www.ibanet.org.

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A regulamentação desta matéria, em especial do estatuto e deveres

do árbitro de parte, é da maior importância para a credibilidade

da arbitragem.

Dois aspectos importantes desta regulamentação são, primeiro, a

obrigação de revelação de factos que possam gerar falta de

independência ou de imparcialidade e, segundo, o regime das

deduções das escusas e impedimentos. O primeiro aspecto é

conhecido na arbitragem internacional como o disclosure e o

segundo como o challenge. Não é díficil aproveitar os textos

normativos internacionais e criar um regime adequado à nossa

ordem jurídico-social.

5.5. Processo arbitral

a. A Lei da Arbitragem Voluntária contém apenas quatro normas

relativas ao processo arbitral. Uma relativa ao momento e modo da

escolha dessas regras (artigo 15.º), uma sobre os princípios

fundamentais a observar no processo arbitral (artigo 16.º), uma

terceira sobre representação das partes (artigo 17.º) e, por

último, uma norma sobre provas (artigo 18.º).

O essencial nesta matéria é compreender o seguinte: as regras de

processo são escolhidas pelas partes ou pelos árbitros, tendo

como único limite os princípios fundamentais do processo justo. A

única baliza ao poder de conformação processual das partes são os

princípios processuais constantes do artigo 16.º LAV.

b. Antes, porém, de os analisar, é necessário fazer uma breve

referência ao modo da escolha das regras processuais. O artigo

15.º LAV determina que a tramitação processual deve ser decidida

até à aceitação do primeiro árbitro. As regras devem constar de

um escrito que pode ser a própria convenção arbitral ou ser

posterior. O acordo pode consistir na criação de um processo

específico ou a simples remissão para regulamentos de arbitragens

de centros de arbitragem institucionalizadas.

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Na falta desta elaboração pelas partes, as regras são

determinadas pelos árbitros que têm as mesmas opções: criação de

regras próprias, remissão para regras pré-estabelecidas.

A liberdade é assim enorme, criando uma oportunidade para

escolher regras adequadas ao processo concreto. Todavia, a

realidade tem demonstrado que nem sempre é isso que acontece. Por

um lado, as partes muitas vezes não escolhem as regras antes de o

litígio ocorrer e, depois, quando ele surge já não há

disponibilidade para negociar. Por outro lado, os árbitros têm

muitas vezes a tentação de escolher regras processuais pré-

definidas, designadamente, em arbitragens domésticas, uma das

formas de processo previstas no Código de Processo Civil

(ordinário, sumário ou sumaríssimo).

Esta visão redutora do processo arbitral é criticável e é,

inclusive, contraditória com a natureza alternativa deste meio de

resolução de litígios. Faz sentido, pois, encontrar o melhor

conjunto de regras processuais possíveis para o que se antecipa

venha a ser aquele conflito.

Esta escolha só pode ser feita, evidentemente, se se conhecerem

diversas realidades processuais. A formatação num rito único, do

qual se já esqueceram as razões é algo que não faz sentido (nem

no processo judicial, muito menos na arbitragem). Deve criar-se o

modelo mais adequado, através de uma comparação sintética entre

diversos modelos processuais para que se possa escolher o melhor

ou a partir deles criar um híbrido.

Este conhecimento de regras processuais começa pelo nosso próprio

processo civil (que tem também algo de positivo), mas tem de ir

mais além. Ainda ao nível dos processos judiciais, é útil

conhecer o regime processual experimental (Decreto-Lei 108/2006,

de 8 de Junho) e o regime do processo nos Julgados de Paz (Lei

78/2001, de 13 de Julho). Faz sentido analisar alguns

regulamentos de centros de arbitragem institucionalizada em

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Portugal, como os de arbitragem de consumo, quando os casos sejam

simples e as do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de

Comércio de Indústria Portuguesa128 ou do Centro de Arbitragem de

Litígios Civis, Comerciais e Administrativos da Ordem dos

Advogados.129 Ao nível de instrumentos internacionais é importante

conhecer os regulamentos da Câmara de Comércio Internacional130 e

do London Court of International Arbitration131 e as regras

arbitrais da UNCITRAL (UNCITRAL Arbitration rules).132 Em matéria

de prova, pode ainda ser útil ver as regras da International Bar

Association sobre prova.133

Na escolha da tramitação processual mais adequada deve tomar-se

em consideração diversas questões que podem ser divididas em

quatro áreas, correspondentes às comuns fases do processo:

alegações das partes, condensação, produção de prova e julgamento

e sentença.

Em primeiro lugar, interessa ver que tipo de peças devem as

partes apresentar, se articulados típicos e complexos, se, sendo

o caso mais simples, meros relatos resumidos das pretensões. Deve

ainda ver-se se faz sentido admitir respostas e em que termos. Se

se adopta a regra da cristalização do objecto do processo após as

alegações das partes, admitindo alterações muito restritivamente;

ou se se admite a conformação do objecto do processo até ao final

da produção de prova.

Depois, interessa determinar se há ou não necessidade de uma fase

de saneamento do processo. Tal pode ser útil para gerir o

processo, embora não necessariamente para organizar questionário

e especificação à moda antiga. Pode ser útil programar o

processo, quer ao nível da preparação da produção de prova, quer

128 Regulamento disponível em: www.acl.org.pt/Files/Documents/Tribunal%20Arbitral.pdf 129 Regulamento disponível em www.oa.pt (Conselho Distrital de Lisboa).130 Disponível em www.iccwbo.org. 131 Disponível em www.lcia.org. 132 Disponível em www.uncitral.org. 133 IBA Rules on the taking of evidence - disponível em www.ibanet.org

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quanto à sua produção propriamente dita. Pode fazer sentido ter

uma espécie de documento de síntese do processo, à laia das terms

of reference do artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem da CCI.

Este artigo 18.º do Regulamento da CCI tem como epígrafe para

além dos «termos de referência», «calendarização processual»

(procedural timetable). Nos termos da norma, os termos de

referência consistem num documento assinado pelas partes e pelo

tribunal que contém, para além da identificação das partes, dos

árbitros e do local da arbitragem, um sumário das suas

pretensões, uma lista de questões a tratar e as regras

processuais aplicáveis. Este documento tem como anexo uma

calendarização, feita pelo tribunal arbitral, do processo

arbitral. Aqui se determina qual a duração prevista para cada

fase seguinte e se fixam, por exemplo, as datas das sessões do

julgamento.

Em relação à prova, partes ou árbitros devem ponderar questões

como as seguintes: existência ou não de uma fase autónoma de

preparação da prova; grau de autonomia das partes na preparação

da prova; questões operacionais a ter em conta, tais como

localização das testemunhas e dos peritos, necessidade de

inspecções judiciais; criação de limites a determinados meios de

provas, por exemplo, número máximo de testemunhas; possibilidade

ou necessidade de ouvir as partes e seu efeito probatório;

admissibilidade de depoimentos escritos das testemunhas e das

partes; revisão das regras de prova previamente definidas, por

quem e quando. Questões laterais, mas que se podem revelar

determinantes devem também ser pensadas, tais como o custo das

despesas relativas à prova.

Ainda no âmbito da produção de prova, mas agora quanto ao

julgamento, pode interessar regular a sua duração e estilo, o que

se refere a aspectos como os seguintes: ordem dos depoimentos, se

existe algum ou se os árbitros podem determinar produções de

prova por matérias ou por outro critério; possibilidade de os

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advogados inquirirem as testemunhas por si oferecidas;

necessidade de gravação ou reprodução em acta, existência de

alegações e se orais ou escritas, etc., etc..

No que diz respeito à prova, a LAV estabelece no seu artigo 18.º

a admissibilidade de produção perante o tribunal arbitral de

qualquer prova admitida pela lei de processo. A intenção não é

restringir aos meios de prova reconhecidos pela nossa legislação

processual, sendo portanto admissíveis meios de prova estranhos

ao nosso processo civil.134 A regra é, por isso, de pouca ou

nenhuma utilidade.

A LAV refere a possibilidade de recurso aos tribunais judiciais

em situações em que a produção de prova dependa de terceiro que

não colabore voluntariamente. Nestes casos, a prova é produzida

junto do tribunal judicial que depois envia os seus resultados

para o tribunal arbitral (artigo 18.º n.º2 LAV). Para que as

partes possam deduzir este pedido junto dos tribunais judiciais

têm de requerer autorização prévia ao tribunal arbitral.

Por último no que diz respeito à decisão arbitral, há que decidir

se há separação entre decisão de matéria de facto e de direito,

se é dita oralmente ou enviada às partes posteriormente. Sendo

obrigatória na lei portuguesa a fundamentação da decisão, pode

ser ainda importante pensar que tipo de fundamentação será

exigida.

Estes são apenas exemplos, algumas notas e sugestões que pecam em

simultâneo por excesso e por defeito daquilo que pode ser objecto

de ponderação no momento de elaborar as regras processuais na

arbitragem ad hoc, quer o seja pelas partes, quer pelos árbitros.

É evidente que quanto maior for o conhecimento e, sobretudo, a

experiência melhor serão elaboradas estas regras. Poderá, ainda,

depender do estilo dos árbitros e da sua compreensão do litígio e

da melhor forma de o abordar.

134 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 147.

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c. As limitações às regras processuais escolhidas são apenas os

princípios fundamentais do processo justo. Esses princípios estão

genericamente referidos no artigo 16.º LAV. As regras aí

referidas são o princípio da igualdade entre as partes, a

obrigatoriedade de citação, o princípio do contraditório e a

audição das partes antes de ser proferida a decisão final.

A violação destes princípios é causa de anulação da sentença

arbitral apenas se esse incumprimento tiver influência decisiva

na resolução do litígio – artigo 27.º n.º1 c) LAV. Voltarei a

este critério a propósito dos fundamentos da anulação da sentença

arbitral.

Todos estes princípios tendem a assegurar os direitos de defesa

das partes e a imparcialidade de julgamento pelo tribunal

arbitral.135 São princípios essenciais que se relacionam com a

validação pública de um processo privado. Isto é, o Estado só

pode reconhecer que decisões de tribunais privados vinculem as

partes se se cumprirem regras mínimas de justiça processual. Na

arbitragem o Estado de Direito demonstra-se precisamente através

das imposições processuais que estabelece. São princípios básicos

que têm de ser cumpridos para que uma decisão possa ser

reconhecida judicialmente.136

Estes princípios são, assim, a tradução legal do normativo

constitucional do processo equitativo – artigo 20.º n.º2 CRP.

Trata-se da necessidade de observar um conjunto de regras

fundamentais ao longo de todo o processo, nos vários planos em

que este se desenvolve.137

O tratamento dogmático destes princípios é já antigo no processo

civil e deve ser aproveitado para a arbitragem. É, porém,

necessário ter algumas cautelas na transposição das regras que

135 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 934.136 No nosso ordenamento jurídico, para que possa não ser anulada.137 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 107.

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actualmente substanciam estes princípios no nosso processo civil.

O seu não cumprimento no processo arbitral não corresponde

inevitavelmente a violação dos princípios no processo arbitral.

Os casos devem ser analisados casuisticamente, em função,

portanto, do caso concreto e das regras processuais específicas

que o regulam.

O que quero dizer é o seguinte: ao lermos a doutrina

processualista e as normas do Código de Processo Civil veremos

diversas concretizações dos princípios fundamentais em regras

legais. Os facto de essas pequenas regras não existirem na

arbitragem em concreto não implica automaticamente a violação do

princípio geral. Daí o cuidado a ter na transposição.

O princípio do contraditório consiste, essencialmente, na

garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento

de todo o litígio. O que importa é que ambas as partes tenham a

possibilidade de influenciar a decisão, quer em matéria de facto,

quer em matéria de prova, quer ainda em matéria de direito.138

O princípio da igualdade de armas, como é chamado pela doutrina

civilística, impõe o equilíbrio entre as partes. Esta igualdade

tem de ser interpretada materialmente e não formalmente, o que

significa que não é exigível identidade absoluta entre meios

processuais, mas equilíbrio global entre as partes.139-140

O artigo 16.º, na sua alínea b), estabelece a obrigatoriedade de

citação do demandando na arbitragem. Do que se fala agora é do

direito de defesa, mais uma vez um princípio básico do processo

equitativo. O direito de defesa é, antes de mais, a oportunidade

de defesa, pelo que é essencial que o demandando tenha

conhecimento do processo.141 138 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 109 e seguintes.139 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 118-9.140 Teixeira de Sousa unifica contraditório e igualdade de armas no mesmo princípio da igualdade das partes – Teixeira de Sousa, Introdução ao processo civil, 2000, p. 29.141 Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 92.

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Mais interessante a este propósito é saber quais os efeitos da

revelia do demandado regularmente citado. A LAV nada diz e pode

colocar-se a dúvida da aplicação do efeito cominatório semi-pleno

do processo civil – artigo 484.º n.º1 CPC. Julgo que se devem

distinguir duas situações diferentes. Uma primeira em que há

aplicação das regras do Código de Processo Civil ou outros

diplomas processuais (por exemplo o Código de Processo de

Trabalho) e situações em que tal remissão não existe. Nos casos

em que a remissão não existe, vigorando as regras escolhidas

pelas partes ou pelos árbitros, não se pode aplicar o efeito

cominatório semi-pleno. Não havendo base legal que o permita e

tratando-se de um meio de prova de âmbito processual, violaria o

princípio do processo justo considerá-lo. Nas outras situações,

se as partes escolhem essa regra, ainda que indirectamente

(através de remissão), julgo que é possível aplicar esse efeito

cominatório.142

No Acórdão STJ de 24 de Junho de 2004143, discutiu-se precisamente

um caso de revelia numa arbitragem institucionalizada cujo

regulamento remetia para o processo sumário de trabalho. O

Acórdão tratou o problema apenas no âmbito da eventual violação

da regra da audição das partes (alínea d) do artigo 16.º LAV),

embora pelo seu relatório pareça que os árbitros aplicaram um

efeito cominatório pleno. Tal não foi porém objecto de crítica

pelo recorrente, nem de nota pelos juízes.

Por último, o artigo 16.º LAV estabelece o princípio da prévia

audição das partes antes da decisão final. Não é fácil encontrar

um sentido autónomo para este normativo. De acordo, aliás, com

Lebre de Freitas ele integra ainda o direito de defesa, já

referido na alínea b) deste preceito.144

142 É esta a regra da Lei Modelo da UNCITRAL – artigo 25.ºb).143 Processo n.º 04B2190, Caso Comissão Paritária.144 Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 181, nota 28.

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No Acórdão já referido, proferido em 24 de Junho de 2004145, o

caso Comissão Paritária, o fundamento de anulação invocado pelo

recorrente foi precisamente a violação deste direito de audição

num processo em que o réu era revel e foi condenado por aplicação

do efeito cominatório (pleno ou semi-pleno, não se percebe bem).

O Supremo Tribunal de Justiça entende que não houve realmente

esta audição, mas que a violação não foi essencial e nessa medida

não há fundamento de anulação.

5.6. Decisão arbitral

a. Entramos agora na matéria de decisão arbitral, assunto a que a

Lei da Arbitragem Voluntária dedica algumas normas.

O prazo para decisão é fixado livremente pelas partes, sendo de 6

meses na falta de estipulação. Conta-se a partir da data de

designação do último árbitro, podendo ser prorrogado até ao dobro

da sua duração inicial por acordo escrito das partes. Todas estas

regras constam do artigo 19.º LAV.

Tem sido considerada imperativa a regra que limita a prorrogação

de prazo até ao limite do dobro inicialmente previsto. Esta

imperatividade tem sido objecto de crítica146, pois é algo

incompreensível face à autonomia privada das partes. Se elas

pretendem continuar com o processo, qual a razão para as impedir?

Ultrapassado o prazo com ou sem prorrogação, a lei determina a

caducidade da convenção arbitral – artigo 4.º n.º1 c) LAV. A

anulação da decisão arbitral com este fundamento implica, porém,

a alegação do vício no próprio processo arbitral. Isto porque a

caducidade de convenção arbitral implica incompetência do

145 Processo n.º 04B2190.146 Raul Ventura, Convenção de Arbitragem, 1986, p. 407.

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tribunal, fundamento de anulação previsto na alínea b) do n.º1 do

artigo 27.º LAV, cuja eficácia está limitada pelo n.º 2 desse

mesmo artigo.

Já foi decidido que a invocação da caducidade constitui abuso de

direito em situações em que a atitude processual das partes nada

faria indicar a invocação dessa caducidade.147 A circunstância de

tal norma não estar prevista na lei não implica que não se possa

aplicar, na medida em que estamos no âmbito da paralisação de

direito consagrados positivamente precisamente por o seu

exercício violar a boa fé. A questão deve ser colocada no âmbito

da ratio da necessidade de existência de um prazo.

b. Nos termos do artigo 22.º LAV as partes podem autorizar os

árbitros a julgar segunda a equidade.

A questão da equidade não é mais do que um problema ou um dos

maiores problemas da metodologia do Direito. O que está em causa

é simplesmente uma visão sobre o modo de conceber e aplicar o

Direito. Se entendermos o Direito numa postura positivista,

circunscrito à lei, a equidade terá necessariamente de estar fora

do seu âmbito. Já se tivermos do Direito uma posição pluralista,

de acordo com a qual as suas fontes são várias e de diversa

importância, a equidade poderá estar dentro do Direito. Estas

concepções reflectem-se, depois, no método de aplicação do

Direito. Se adoptarmos uma perspectiva legalista, à equidade

nenhum papel será atribuído na descoberta da solução jurídica do

caso. Já se seguirmos uma posição pluralista, à equidade poderá

ser atribuído um papel moderador na aplicação do direito estrito.

Nesta última opção decide-se sempre segundo a equidade, não

representando o artigo 22.º LAV qualquer inovação.

As referências à equidade são muito antigas, remontando as mais

conhecidas a Aristóteles, no livro Ética a Nicómaco. É aí, mais

147 Acórdão STJ de 17 de Junho de 1998, Processo n.º 98B217, só disponível em sumário.

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precisamente no seu Livro V, que se funda ainda hoje a ideia de

equidade. É útil retomar as suas palavras, de uma actualidade e

clareza espantosas.

Para Aristóteles, a equidade tem uma função rectificadora da

justiça legal. “O fundamento para tal função rectificadora

resulta de, embora toda a lei seja universal, haver, contudo,

casos a respeito dos quais não é possível enunciar de modo

correcto um princípio universal.”148

Esta função rectificadora não se torna necessária por falha do

legislador, mas pela própria natureza da lei: “O erro não reside

na lei nem no legislador, mas na natureza da coisa: isso é

simplesmente a matéria do que está exposto às acções humanas.

Quando a lei enuncia um princípio universal, e se verifiquem

resultarem casos que vão contra essa universalidade, nessa altura

está certo que se rectifique o defeito, isto é, que se rectifique

o que o legislador deixou escapar e a respeito do que, por se

pronunciar de modo absoluto, terá errado. É isso o que o próprio

legislador determinaria, se presenciasse o caso ou viesse a tomar

conhecimento da situação, rectificando, assim, a lei, a partir

das situações concretas que de cada vez se constituem. (...) A

natureza da equidade é, então, ser rectificadora do defeito da

lei, defeito que resulta da sua característica universal.”149

As palavras claras do filósofo antigo têm, como não podia deixar

de ser sido objecto de interpretação e alguma polémica. Uma

leitura seca dos textos remete-nos para lá do direito positivo,

para uma conformação casuística do direito para além ou até

contra o direito legislado.150 Há, porém, quem sustente que

falamos ainda de direito legislado, na medida em que a equidade

actua dentro do espírito do legislador – a ultrapassagem do

148 Aristóteles, Ética a Nicómaco, 2006, p. 129.149 Aristóteles, Ética a Nicómaco, 2006, p. 130.150 Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1997, p. 122.

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enunciado da regra é feita em nome do respeito mais profundo pela

regra.151

A equidade passou para o direito romano, embora de forma mais

complexa e sem uma exacta correspondência. O aspecto a salientar

são os mecanismos, de cariz mais ou menos jurídicos, postos à

disposição do pretor para a conformação do direito ao caso

concreto (Bona fides e bonum et aequuumi, por exemplo) que se

traduziam num poder próximo do legislativo na resolução do caso

concreto. Mas tal perdeu-se também com o avançar do império e

consequente concentração de poderes no imperador.152

A influência do direito canónico na formação do direito comum

trouxe um retomar da perspectiva casuística do direito, através

da valorização das soluções de equidade contra as decisões de

direito estrito.153

Esta flexibilidade na aplicação do direito seria posta em causa

pelo advento das teorias científicas que conduziram ao

positivismo e que ainda hoje dominam a prática jurídica.154

Adoptando as palavras de Hespanha, “A evolução das ciências

naturais e a sua elevação a modelo epistemológico lançaram a

convicção de que todo o saber válido se devia basear na

observação das coisas, da realidade empírica («posta»,

«positiva»). De que a observação e a experiência deviam

substituir a autoridade e a especulação filosofante como fontes

de saber. Este espírito atingiu o saber jurídico a partir das

primeiras décadas do século XIX.”155 O Direito foi erigido a

ciência (a ciência jurídica), dele devendo ser expurgados todos e

quaisquer elementos não científicos ou não comprováveis 151 Machado Fontes, Súmula de uma Leitura do Conceito de Justiça no Livro V da Ética Nicomaqueia de Aristóteles, 1998, p. 173.152 Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1997, p. 113 e seguintes.153 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 86.154 Jonh Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, 1995, p. 417.155 António Hespanha, Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, 1998, p. 174.

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cientificamente. As várias formas de positivismo caracterizam-se

pelo seu empenho em banir toda a «metafísica» do mundo da

ciência.156 Assim, todas as considerações valorativas, desde a

moral à política, não poderiam ter qualquer intervenção

metodológica. É evidente que este espírito implicou também a

expurgação da equidade do discurso e da prática jurídica.

A partir de finais do século XIX e durante o século XX o

positivismo jurídico foi combatido e paulatinamente abandonado.

Foram diversas as escolas de pensamento que contribuíram para

este resultado, podendo destacar-se a escola do direito livre e a

jurisprudência dos valores. Os diversos movimentos não são

coincidentes nas suas propostas e métodos, mas para o que agora

nos interessa, implicaram de algum modo a reentrada da equidade

enquanto passo metodológico do direito. Isto é, permitiram a

defesa, como em Portugal tem sido feita pela escola de Coimbra,

da justiça do caso concreto enquanto momento obrigatório na

trajectória de aplicação da norma ao caso. Fala-se até de um

retorno ao paradigma aristotélico.157

E se este é o estádio actual do pensamento jurídico, o certo é

que as fontes, designadamente o Código Civil, e os práticos

partilham ainda uma visão positivista do Direito, colocando a

equidade fora do sistema jurídico. Por essa razão as remissões

legais para a equidade (desde o artigo 4.º CC ao artigo 22.º LAV,

passando pelo artigo 509.º CPC) são ainda hoje objecto de

discussão.

São defendidas duas noções de equidade: uma noção forte e uma

noção fraca.

A noção fraca, mais propriamente referida como integrativa,

caracteriza-se pela correcção de injustiças da lei aquando da sua

156 Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 45.157 Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 1997, p. 113 e seguintes e 493. Sobre a escola de Coimbra cfr., por todos, Alexandre Dias Pereira, Da Equidade (Fragmentos), 2004, p. 365.

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aplicação ao caso concreto, isto é, a equidade funciona como

elemento de conformação do direito estrito na sua concretização.

É, ao fim e ao cabo, a noção milenar de Aristóteles, de acordo

com quem a própria natureza universal e abstracta das regras

legais implica a existência de um mecanismo corrector para se

encontrar a solução justa. A equidade funciona, assim e ainda,

intra legem, movimentando-se nos seus conceitos e valores,

desistindo da sua aplicação apenas quando a solução encontrada

não se ajusta, em concreto, precisamente a esses conceitos e

valores.

Na acepção ampla, mais correctamente referida como substitutiva,

a equidade prescinde em absoluto do direito estrito, tornando-se,

portanto, o único critério de decisão. Não há qualquer vinculação

ao direito legislado, baseando-se a decisão exclusivamente na

justiça do caso concreto. Nesta acepção o julgamento segundo a

equidade é não jurídico.158

A doutrina e a jurisprudência têm-se dividido na defesa de uma e

outra teoria. A maioria da doutrina portuguesa prefere a acepção

fraca, entendendo, então, que a decisão segundo equidade não

prescinde de considerar as soluções jurídicas em vigor. Pode é,

depois, afastá-las por não permitirem a justiça no caso

concreto.159

É difícil saber qual a noção de equidade que o Direito Português

adoptou. Sabe-se que o tempo do Código Civil foi ainda marcado

por uma visão positivista do Direito. Ainda assim há diversas

158 Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e Vieira de Andrade, Aspectos Jurídicos da Empreitada de Obras Públicas, 2002, p. 33-35; Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, 1990, p. 267; Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 159.159 Freitas do Amaral, Fausto de Quadros e Vieira de Andrade, Aspectos Jurídicos da Empreitada de Obras Públicas, 2002, p. 35; Menezes Cordeiro, A Decisão segundo a Equidade, 1990, p. 271; José Luís Esquível, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, 2004, p. 277 e 286. Defendem, porém, a acepção forte: Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, 2005, p. 162 e Lebre de Freitas, Algumas Implicações da Natureza da Convenção de Arbitragem, 2002, p. 636.

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referências à equidade, ligada a diversos preceitos, em número,

aliás, bastante razoável.

Podemos dividir essas referências em dois grupos. Um primeiro em

que a equidade surge como um critério de decisão no âmbito de um

concreto problema substantivo, inserido, portanto, na aplicação

do direito estrito. Um segundo, em que a equidade surge como

critério único de decisão.

Da análise dos preceitos que inserimos no primeiro grupo,

podemos, porém, distinguir ainda utilizações diversas da

equidade.

Na utilização mais frequente a equidade tem como função superar a

determinação em abstracto de uma consequência jurídica.

Encontramos a equidade na estatuição da norma, em casos de

determinação concreta da prestação, da indemnização, da parte de

cada sujeito activo ou passivo.

Fazem esta utilização os seguintes artigos: 283.º (negócio

usurário), 400.º (determinação da prestação), 437.º (modificação

do contrato por alteração das circunstâncias), 462.º (cooperação

de várias pessoas na promessa unilateral), 494.º (medida da

indemnização em caso de mera culpa), 496.º (medida da

indemnização por danos não patrimoniais), 566.º (valor da

indemnização), 883.º (determinação do preço na compra e venda),

992.º (determinação do quinhão do sócio de indústria), 1158.º

(remuneração do mandatário) e 1215.º (indemnização do

empreiteiro).

São situações em que o legislador reconhece que quaisquer

critérios abstractos são insuficientes para uma determinação

justa dos montantes a condenar. Daí a remissão para a justiça do

caso concreto como forma de solucionar, da forma mais razoável

possível, o problema.

Igual utilização se encontra nas regras estabelecidas nos artigos

72.º (providências a tomar em situações de nome idêntico) e

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1407.º (administração da coisa comum), em ambos os casos já,

porém, com um âmbito maior. Agora não falamos apenas da

determinação de montantes, remunerações ou indemnizações, mas da

administração da coisa em compropriedade e de providências (no

que isso tem de genérico) a adoptar quando haja nome idêntico.160

Para lá destes preceitos, mas ainda no primeiro grupo, em que a

equidade surge da decisão no âmbito de um concreto problema

substantivo, há a salientar utilizações da equidade na própria

previsão da norma, sendo, portanto, elemento constitutivo da

posição jurídica, do direito. Estas situações são muito raras no

nosso direito legislado, encontrando-se no Código Civil apenas

duas: nos artigos 339.º e 812.º, em que a equidade participa já

na atribuição da compensação por danos provocados em estado de

necessidade e na redução da clausula penal.

Por último, é importante referir o artigo 2016.º n.º2 CC, norma

que permite a concessão de alimentos ao cônjuge que a ele não

teria direito por motivos de equidade. A equidade faz aqui parte

da previsão da norma, mas mais, permite alcançar um efeito

contrário ao obtido pela regra de direito estrito. É, sem dúvida,

a situação em que o Código Civil mais longe leva a função

conformadora da equidade, mas é também – note-se – caso único.

Parece evidente que neste primeiro grupo de situações, a equidade

aparece sempre na sua função conformadora ou integrativa. É

critério de ajuste do direito estrito ao caso concreto, em

situações em que é este próprio que se demite de encontrar

critérios universais e abstractos. Ou porque os não conhece ou

porque entende mais adequado procurarem-se no caso concreto.

O segundo grupo de utilização da equidade contém já as remissões

genéricas para a equidade enquanto fonte da decisão. Neste grupo

insere-se o artigo 4.º do Código Civil, o artigo 509.º CPC e o

artigo 22.º da Lei da Arbitragem Voluntária e o artigo 258.º n.º2

160 Filipe Vaz Pinto, A Equidade, 2007, p. 16.

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do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março, o Regime Jurídico da

Empreitada de Obras Públicas.161 Destes preceitos nenhuma

indicação clara se retira sobre a noção de equidade que adopta.

E, como se referiu acima, a doutrina divide-se na sua

interpretação, embora seja maioritária a defesa da acepção

integrativa.

José Luís Esquível estudou a noção de equidade acolhida pelo

Regime Jurídico da Empreitada das Obras Públicas. A diferença

para preceitos idênticos, designadamente o artigo 4.º do Código

Civil, é que agora falamos de Direito Administrativo, ramo de

Direito em que é determinante o princípio da legalidade. Por

isso, o Autor defende uma combinação entre as funções que a

equidade pode desempenhar e as exigências decorrentes da

legalidade administrativa. Posição que impõe, desde logo, a

adopção de um conceito integrativo de equidade. Assim, a equidade

permite uma focalização mais intensa do caso concreto, estando

essencialmente relacionada com questões de natureza técnica ou de

apuramento de quantias monetárias devidas entre as partes.162 Mas

– atenção - não prescinde da análise e aplicação do direito

estrito. Só após a sua análise se pode operar a conformação com o

caso concreto.

Este aspecto - saber se o artigo 258.º n.º2 RJEOP permite a

adopção da noção substitutiva da equidade - é relevante, mesmo

após a sua revogação. Porque a norma ainda se aplica aos

contratos celebrado antes da sua entrada em vigor e para se saber

quais os limites da remissão para a decisão segundo a equidade já

no âmbito do novo Código de Contratação Pública. Estando a

administração pública vinculada à legalidade enquanto princípio

basilar do direito público, não é admissível – por razões de

161 Esta norma deixará de vigorar com a entrada em vigor em 30 de Julho deste ano do novo Código de Contratação Pública (Decreto-Lei 18/2008, de 29 de Janeiro), que não contém nenhuma regra idêntica.162 José Luís Esquível, Os Contratos Administrativos e a Arbitragem, 2004, p. 282 e seguintes.

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segurança e de transparência – que a eventual ilegalidade do seu

comportamento seja sancionada. Assim como é impensável que seja

condenada a praticar condutas ilegais. Pelo que não me parece

aceitável em direito administrativo a utilização da equidade para

decisões que contrariem directamente esta vinculação da

administração ao direito estrito. O que significa, portanto, que

o artigo 229.º RJEOP só pode ser interpretado no sentido de

consagrar uma noção integrativa de equidade. Pretender acolher aí

uma concepção substitutiva de equidade seria contraditório com os

princípios gerais do direito público.

Já nos artigos 4.º CC, 509.º CPC e 22.º LAV estes argumentos não

colhem. É defensável ver aí a consagração da acepção forte de

equidade. Numa perspectiva moderna de metodologia do Direito é a

única, aliás, que se justifica.

c. Nos termos do artigo 20ª LAV, a decisão é tomada por maioria

em deliberação em que todos os árbitros têm de participar.

Entende-se que o necessário não é a presença efectiva de todos os

árbitros, mas a sua regular convocação.163

É interessante referir a este propósito o Acórdão do Tribunal da

Relação de Lisboa de 7 de Novembro de 2002.164 A reunião dos

árbitros para a deliberação final foi marcada para o último dia

do prazo. Um dos árbitros invocar estar impossibilitado de

comparecer nesse dia e hora, sendo a decisão tomada apenas pelos

outros dois árbitros. Invocada a sua anulabilidade, o Tribunal da

Relação de Lisboa entendeu que não havia qualquer fundamento de

invalidade, na medida em que o árbitro havia sido convocado, não

tinha era podido ou querido comparecer.

A lei manda que os árbitros assinem, embora admita que nem todos

o façam. Se tal acontecer e de acordo com a alínea g) do n.º1 do

artigo 23.º LAV deve constar da sentença a indicação dos árbitros

que não puderam ou não quiseram assinar. Desde que o número de 163 Mário Raposo, A sentença arbitral, 2005, p. 2.164 Colectânea de Jurisprudência, 2002-Tomo V, p. 69-71.

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assinaturas seja pelo menos igual ao da maioria dos árbitros (n.º

2 do artigo 23.º LAV) está garantida a regularidade da sentença.

Têm sido colocadas dúvidas quanto à compatibilização destas

normas com o fundamento de anulação previsto no artigo 27.º n.º 1

d). Isto porque esta norma determina a nulidade da sentença

quando falte a assinatura de um dos árbitros.165

O problema coloca-se quando falte a assinatura de um dos árbitros

e não haja qualquer menção da sentença à razão dessa falta. Tal

questão colocou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de

24 de Junho de 2004166 que decidiu a acção de anulação de uma

sentença arbitral da Comissão Arbitral Paritária em que faltava a

assinatura de um dos seis árbitros. Entendeu o Tribunal que não

havia fundamento de anulação na medida em que constavam as

assinatura da maioria dos árbitros.167

A decisão parece ser sensata, na medida em que é realmente

excessivo168 operar a anulação da sentença e de todo o processo

arbitral quando a maioria está assegurada.169 Por outro lado, o

que é importante, estando a maioria assegurada, é a identificação

dos árbitros, isto é, a exigência de assinatura relaciona-se com

a identificação dos árbitros e não com a sua adesão à sentença.

Ora, tal identificação pode obter-se por diferente meio,

designadamente através de outros elementos do processo arbitral.

Fora estes casos, os problemas que podem surgir são já de

irregularidade de constituição do tribunal arbitral (como o

Acórdão referido indica) ou de genuinidade da sentença.170

165 Mário Raposo, A sentença arbitral, 2005, p. 3; Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 937.166 Proc. n.º 04B2190.167 É interessante que não tenha também reparado no número par de árbitros, em violação do artigo 6.º LAV.168 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 937169 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 152.170 Seja como for é necessário fazer aqui um reparo sobre a seriedade da arbitragem. O Estado não pode validar exercícios jurisdicionais pouco ou nada transparentes e de legalidade muito duvidosa. Este caso Comissão

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d. A lei manda que a decisão seja depositada na secretaria do

tribunal judicial do lugar da arbitragem. Este depósito é

notificado às partes e implica a extinção do poder jurisdicional

dos árbitros. Pode o depósito ser dispensado através de convenção

das partes ou em regulamento de arbitragem institucionalizada. As

regras estão previstas nos artigos 24.º e 25.º LAV.

A caracterização jurídica do depósito depende das consequências

que lhe estão associadas em caso de não cumprimento da norma. O

artigo 26.º LAV faz depender a força de caso julgado desse

depósito, pelo que ele tem sido considerado como condição de

eficácia da sentença arbitral.171 Tal foi o entendimento do

Acórdão da Relação do Porto de 8 de Maio de 1995172, que apreciou

o mérito da acção por entender que não se verificava caso

julgado. Esta decisão é seguramente discutível, na medida em que,

se não havia caso julgado, haveria, então uma convenção arbitral

eficaz que implicaria a excepção dilatória de preterição de

tribunal arbitral. É certo que tal excepção parece não ter sido

directamente alegada na acção (até porque já tinha decorrido todo

o processo arbitral), mas foi seguramente tacitamente invocada. É

um caso interessante, sem dúvida, e que permite no mínimo

questionar a utilidade deste depósito.

5.7. Impugnação da decisão arbitral

A impugnação da decisão arbitral é a condição necessária da sua

equiparação pública à sentença judicial. O Estado só reconhece

decisões vinculativas de privados se puder controlar a sua

validade, designadamente se puder verificar que foram respeitadas

Paritária já foi tratado por causa do efeito cominatório; tem o problema do número par de árbitros e para piorar um deles não assina a decisão, nem há qualquer explicação sobre essa falta. É necessário ter muita cautela com este tipo de arbitragens, porque põe em causa a sua credibilidade do instituto.171 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 153.172 Colectânea de Jurisprudência, 1995, Tomo III, p. 206.

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as regras mínimas do processo justo.173 É esta ainda a razão que

justifica que seja irrenunciável o direito de requerer a anulação

da decisão arbitral (artigo 28.º n.º1 LAV), o que não se verifica

no recurso (artigo 29.º LAV).

Só é admissível a impugnação das decisões finais. Com isto quer-

se abarcar não só a sentença final como as decisões que impliquem

a extinção da instância com fundamento de forma e ainda as

decisões de mérito parciais. Adoptando a terminologia de Lima

Pinheiro, são impugnáveis as decisões definitivas.174

A impugnação da sentença arbitral pode ser feita por três vias:

acção de anulação, recurso e oposição à execução. A possibilidade

de impugnação com fundamento em simultâneo, no mérito e na forma

é algo original no panorama europeu e tem sido objecto de

críticas.175 No essencial a questão está em saber se deveria

admitir apenas acção de anulação, eliminando-se o recurso. Sendo

o recurso renunciável, julgo que a crítica não é relevante. Está

na disponibilidade das partes o maior ou menor grau de vinculação

à arbitragem.

Os fundamentos de anulação devem ser invocados no recurso se a

ele houver lugar (artigo 27.º n.º3 LAV). A acção de anulação é,

assim subsidiária, só ganhando autonomia se não houver recurso.

Isto verifica-se tanto nas situações em que a decisão é

irrecorrível, como nos casos em que não houve interposição de

recurso. Assim, a parte pode escolher entre propor acção de

anulação ou interpor recurso.176 Havendo, porém, acordo das partes

em atribuir a uma instância arbitral a competência para apreciar

o recurso, mantém-se a possibilidade de propositura de acção de

173 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.174 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5.175 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.176 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 993.

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anulação nos tribunais judiciais. Isto porque esta clausula

implica a renúncia ao recurso junto dos tribunais judiciais.177

5.7.1. Acção de anulação

a. O prazo de interposição da acção de anulação é de um mês, nos

termos do artigo 28.º LAV.

A LAV nada diz sobre a competência para apreciar a acção de

anulação, mas essa determinação não está isenta de dúvidas. É

necessário analisar separadamente cada um dos índices de

competência.

Em relação à competência internacional, os tribunais portugueses

serão competentes se a arbitragem se tiver realizado em Portugal,

na medida em que a causa de pedir ocorreu em território português

(alínea c) do n.º1 do artigo 65.º CPC).178

Quanto à competência interna, há que começar por distinguir as

arbitragens abrangidas pelo Código de Processo nos Tribunais

Administrativos e as restantes. Quanto às primeiras determina o

artigo 186.º CPTA que a competência é do Tribunal Central

Administrativo, tribunal de 2ª instância na jurisdição

administrativa.179 Quanto às restantes arbitragens, não se

levantam dúvidas em relação à competência em razão da hierarquia

– tribunal de 1ª instância – e à competência em razão do valor –

determinada em função do valor da causa arbitral. Os problemas

surgem com a competência material e com a competência

territorial.

Quanto à competência material, a dúvida está em escolher entre os

tribunais de competência genérica e os tribunais de competência

177 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5.178 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 956.179 Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 2004, p. 396.

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especializada. Poderia entender-se que a competência seria

daquele tribunal ou jurisdição que tivesse competência para o

litígio materialmente considerado, para o litígio discutido na

acção arbitral.180 No entanto, a legislação nenhuma norma contém

e, na medida em que os tribunais de competência genérica têm

competência residual, parece não subsistir dúvidas de que são

esses os tribunais competentes.181

b. Os fundamentos da acção de anulação estão previstos no artigo

27.º LAV. A primeira questão a tratar é a da taxatividade do

elenco contido na norma. A letra parece indicar precisamente a

exclusão de quaisquer outros fundamentos182, mas alguma doutrina

tem vindo a defender a inclusão de outras causas, ainda que com

muitas cautelas.183 Assim, Lima Pinheiro aponta quatro motivos

adicionais de anulação: desrespeito das regras processuais

fixadas pelas partes, decisão de equidade não autorizada,

manifesta não aplicação do Direito material escolhido pelas

partes (na arbitragem internacional) e violação da ordem pública

nacional. O argumento para a inclusão destes fundamentos é de

maioria de razão com base na Convenção de Nova Iorque,

instrumento internacional que vigora em Portugal. Segundo Lima

Pinheiro, se estas são causas que impedem o reconhecimento de uma

decisão arbitral estrangeira em Portugal, por maioria de razão

devem ser considerados causa de anulação de uma sentença arbitral

nacional.184

180 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1.181 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 957. Contra: Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 1. Assim decidiu o Acórdão STJ de 11/10/2001, Proc. n.º 01B2417.182 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p.183 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 3.184 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 3.

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Paula Costa e Silva defende a taxatividade da norma185, embora

admita que a violação de uma regra de ordem pública implique a

nulidade da sentença arbitral. Perante a não consagração deste

fundamento como causa de anulação na LAV, distingue três

situações: se a violação está na convenção arbitral, a invalidade

reconduz-se à não arbitrabilidade do litígio ou à incompetência

do tribunal; se a violação está no processo arbitral, há

desrespeito dos princípios fundamentais do processo; se a

contrariedade se encontra na própria sentença arbitral, temos de

paralisar os efeitos desta última por recursos aos critérios

gerais de direito.186

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de

2006187 a recorrente alegou como fundamentos de anulação, entre

outros, a decisão segundo critérios de equidade quando havia sido

escolhido o direito constituído e a violação de ordem pública na

decisão material. O tribunal entende que são vícios que não podem

ser objecto de acção de anulação, não chegando sequer a analisar

a sua ocorrência.

Dos motivos referidos por Lima Pinheiro e Paula Costa e Silva

parece-me adequado consagrar uma clausula geral relativa à ordem

pública nacional. É novamente o tema dos requisitos mínimos para

o reconhecimento de decisões de privados vinculativas das partes.

Há questões que não podem de todo ser objecto de validação

pública. Imagine-se uma decisão que discrimine em função da raça

ou do sexo. Não pode evidentemente ser admitida.

c. A LAV estabelece sete fundamentos de anulação: não

arbitrabilidade do litígio; incompetência do tribunal;

irregularidade de constituição do tribunal arbitral; violação de

185 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 921.186 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 945.187 Processo n.º1465/2006-2, Caso Golf das Amoreiras.

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princípios processuais fundamentais; falta de assinatura dos

árbitros; falta de fundamentação; excesso e omissão de pronúncia.

É comum a doutrina e a jurisprudência equipararem alguns destes

vícios aos previstos no artigo 668.º b) CPC.188 Esta equiparação

não é, porém, correcta. O artigo 668.º CPC estabelece vícios

processuais tão graves que não permitem a produção de efeitos

pela sentença. São, ao fim e ao cabo, o mínimo formal que uma

sentença tem de conter para que o seja. Já o artigo 27.º LAV

contém o mínimo para que se possa atribuir validade ao processo

arbitral – o que está em causa é o respeito pelo due process,

pelo processo justo numa tramitação privada. No artigo 27.º LAV

trata-se do reconhecimento de um processo inteiro como

jurisdicional, do mínimo para que possa ser ratificado enquanto

tal. Já no artigo 668.º CPC falamos só de sentença, de um acto (o

mais importante, claro, mas apenas um) de um processo judicial.

Os vícios previstos no artigo 27.º LAV, ainda sendo processuais,

vão muito além do estipulado no artigo 668.º CPC. Dizem respeito

a questões tão importantes e amplas como a convenção de

arbitragem, a constituição do tribunal, as regras de tramitação

processual, a validade da sentença arbitral e o princípio

dispositivo. A equiparação dos dois preceitos não é, assim,

acertada. Como não é acertada a utilização para a arbitragem da

doutrina e jurisprudência que dessa norma tratam.

O primeiro fundamento de anulação previsto no artigo 27.º LAV é o

da arbitrabilidade do litígio. Há aqui uma remissão para o artigo

1.º LAV, norma já tratada a propósito da convenção arbitral. A

verificação a fazer é, precisamente, a de saber se é ou não

admissível clausula arbitral em determinada litígio.

O segundo fundamento de anulação diz respeito à incompetência do

tribunal e está previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 27.º. A

188 Ver Caso Golf das Amoreiras (Acórdão STJ 2-10-2006 - Proc. n.º 1465/2006-2), com abundante citação de jurisprudência. Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 938-9.

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incompetência do tribunal arbitral ocorre quando a convenção de

arbitragem não é, por qualquer razão, eficaz. Seja porque é

inexistente (pense-se numa falsificação de uma convenção

arbitral), seja porque é inválida (pense-se na celebração em

coacção), seja porque já caducou (nos termos do artigo 4.º LAV).

Também há incompetência do tribunal arbitral nas situações em que

o tribunal arbitral julga um litígio não abrangido pela convenção

(o que, afinal, se reconduz à inexistência de convenção).

O tribunal arbitral tem competência para apreciar a sua própria

competência, conforme está estipulado no artigo 21.º n.º1 LAV.

Está nesta norma consagrado o princípio da kompetenz-kompetenz

alemão, embora de forma mitigada, na medida em que a decisão do

tribunal arbitral é, ao contrário da regra alemã, sindicável

pelos tribunais judiciais e, logo, não definitiva.189 Esta

sindicância só é, porém, admitida a final, ou seja, enquanto

fundamento de acção de anulação (artigo 21.º n.º4 LAV).

Há, porém, uma excepção: nos termos do artigo 12.º n.º4 o

presidente do tribunal da relação a quem foi pedida a designação

de um árbitro pode apreciar a nulidade da convenção se resultar

de vício manifesto. Por exemplo, a inexistência de forma escrita

da convenção. Nestes casos, então, é decidida a incompetência do

tribunal arbitral ainda antes da sua constituição. Percebe-se a

razão de ser desta regra – não faz sentido constituir um tribunal

se o seu trabalho for inútil. Esta mesma ratio determina que em

alguns ordenamentos jurídicos estrangeiros a decisão sobre

competência do tribunal arbitral seja impugnável imediatamente.190

Problema diverso e de mais difícil solução é colocado nas

situações em que é proposta primeiro uma acção judicial e

invocada a excepção de preterição de tribunal arbitral. Nestes

casos opera o efeito negativo do princípio da competência da

189 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 926.190 Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional, 2005, p. 136 e seguintes.

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competência, que impede que os tribunais judiciais apreciem a

competência do tribunal arbitral. A exacta amplitude deste efeito

negativo é, porém, difícil de determinar. Nem a Lei da Arbitragem

Voluntária, nem o Código de Processo Civil resolvem o problema.

O problema pode ser colocado nos seguintes termos: perante a

alegação da excepção de preterição do tribunal arbitral, que deve

o tribunal judicial fazer? Pura e simplesmente declarar a

excepção e absolver da instância ou deve averiguar da existência

e validade da convenção?

Há aqui três níveis possíveis de apreciação. Em primeiro lugar,

pode defender-se que os tribunais judiciais não devem analisar

qualquer questão que possa implicar a incompetência do tribunal

arbitral, suspendendo a instância judicial e remetendo o processo

para o tribunal arbitral que tomará a sua decisão. Em segundo

lugar, pode defender-se que o tribunal judicial apenas pode

decidir-se pela incompetência do tribunal arbitral nos casos de

manifesta nulidade da convenção arbitral, utilizando aqui

analogamente o critério do artigo 12.º n.º4 LAV. Por fim, pode

ainda atentar-se no artigo 290.º CPC que impõe ao tribunal

judicial que analise a validade (e não apenas a manifesta

invalidade) do compromisso arbitral celebrado na pendência da

acção. Nesta última hipótese, o tribunal judicial averigua com a

máxima amplitude os requisitos de existência e validade da

convenção arbitral.

Não é fácil encontrar aqui a melhor opção. Parece-me, porém, que

no meio estará a virtude. É a solução que permite menores perdas

de tempo e em simultâneo respeita melhor a autonomia da

arbitragem. Ainda assim, pode não ser de fácil concretização.

Atentemos no caso decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 5

de Junho de 2007191, o Caso Trespasse. Tratava-se de uma acção de

despejo em que era discutido se haveria competência dos tribunais

191 Processo n.º 1380/2007-1.

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arbitrais. O problema não era de existência da convenção, mas da

arbitrabilidade do litígio em face da norma do revogado RAU que

determinava que a acção de despejo tinha de ser proposta em

tribunal. Esta fórmula legal implica competência exclusiva do

tribunal judicial? A Relação de Lisboa entende que é questão

discutível e, logo, não há manifesta nulidade da convenção.

Remete, então, as partes para os tribunais arbitrais.

O terceiro fundamento de anulação, previsto na mesma alínea b) do

n.º1 do artigo 27.º LAV, consiste na irregularidade de

constituição de tribunal arbitral. Há irregularidade de

constituição sempre que se violem as regras dos artigos 11.º e

12.º LAV.

A incompetência do tribunal e a irregularidade da sua

constituição só são considerados fundamentos de anulação da

sentença arbitral se forem alegados no processo arbitral. Quanto

à incompetência do tribunal, essa alegação terá, em regra, de ser

feita até à apresentação da defesa (artigo 21.º n.º3).

Este mesmo prazo deve ser aplicado analogicamente à

irregularidade de constituição do tribunal.192 Haverá, porém, que

tomar em consideração a ocorrência de factos supervenientes que

impliquem também eles a incompetência do tribunal. E também,

ainda que mais dificilmente, a irregularidade de constituição, na

medida em que a superveniência engloba a objectiva e a

subjectiva. Um exemplo de um facto posterior à apresentação de

defesa que gera incompetência do tribunal é a caducidade da

convenção arbitral por decurso do prazo para decidir (alínea c)

do n.º 1 do artigo 4.º LAV). Na maioria dos casos o decurso desse

prazo terá lugar já depois da apresentação da contestação.193

192 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 932.193 Cfr. considerações feitas no ponto relativo à convenção arbitral sobre eventualidade do abuso de direito se a alegação desta caducidade for contraditória com a postura da alegante no tribunal.

101

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A alínea c) do artigo 27.º determina que é anulável a sentença

arbitral que tenha sido proferida em processo que haja violado

princípios processuais fundamentais. São esses princípios o da

igualdade das partes, da citação do réu, do contraditório, da

audição das partes.194

A norma impõe um requisito para que haja causa de anulação: além

da violação da regra processual, é necessário que essa violação

tenha tido influência na decisão final. A determinação deste

requisito não é fácil, sendo necessário elaborar um juízo de

prognose casuístico. No caso julgado pelo Supremo Tribunal de

Justiça em 24 de Junho de 2004 (o Caso Comissão Paritária já

referido a propósito de vários temas) não houve audição da parte

passiva previamente à tomada de decisão (porque ela era revel). O

tribunal entendeu, porém, que tal violação não teve consequências

ao nível da decisão final, pelo que não acarreta nulidade. O

tribunal limita-se a dizer: “Na realidade, os factos provados não

revelam a essencialidade para o desfecho do litígio da omissão

pela comissão arbitral da do recorrente previamente à prolação do

acórdão arbitral, sendo certo que aquele não cumpriu o respectivo

ónus de alegação e de prova.” Não se compreende o critério

utilizado.

O quinto fundamento de anulação, relativo às assinaturas dos

árbitros já foi supra tratado, pelo que para lá se remete.195

O sexto fundamento de anulação da sentença arbitral é a falta de

fundamentação da sentença arbitral – artigo 27.º n.º1 d) LAV.

O dever de fundamentação da sentença arbitral está previsto no

artigo 23.º n.º3 LAV, sendo corolário directo do dever de

fundamentação das decisões judiciais constitucionalmente previsto

no artigo 205.º CRP.

194 Segundo Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 181, nota 28, o princípio da audição prévia das partes integra o direito de defesa.195 Cfr. supra p. 91.

102

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O exacto âmbito deste dever de fundamentação tem sido matéria

discutida pela doutrina. De acordo com alguma, a decisão

considera-se fundamentada quando houver justificação de facto e

de direito, ainda que sumária, sobre cada uma das pretensões

deduzidas.196 Já outros autores defendem que só haverá violação do

dever de fundamentação geradora de nulidade quando haja falta

absoluta de motivação.197

É evidente que a existência ou inexistência de fundamentação

impõe uma sua análise, não bastando a mera constatação de que

estão escritas algumas frases. É que se assim fosse poderia

chegar-se a resultados aberrantes, como o de entender-se que há

fundamentação se se escrevesse qualquer coisa, designadamente

algo que nada tem a ver com o processo em discussão. Pelo que o

dever de fundamentação só se cumpre quando houver uma

justificação sumária sobre cada uma das pretensões, como defende

a primeira das teses referidas. É necessário apreciar

concretamente os fundamentos e as excepções aduzidas em relação a

cada uma das pretensões. Assim como é necessário explicar as

razões que levam a que a decisão seja aquela e não outra.

Não é inútil ressaltar a importância da fundamentação num

processo civil justo. Aliás, a consagração constitucional dessa

exigência é prova desta essencialidade. Nas palavras de Correia

de Mendonça e Mouraz Lopes, a obrigação de fundamentar é um dado

civilizacional adquirido.198

O padrão da fundamentação deve ser, num processo actual, o da

inteligibilidade da decisão para as partes, isto é, o que

interessa é que o tribunal (judicial ou arbitral ou outro)

consiga explicar às partes porque decidiu assim. Mesmo que estas

não concordem com a decisão, devem perceber porque decidiu o

196 Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional, p. 153 e 172. 197 Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 939.198 Correia de Mendonça e José Mouraz-Lopes, Julgar: Contributo para uma análise estrutural da sentença civil e penal, 2004, p. 205.

103

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tribunal nesses termos.199 É que a ratio da fundamentação -

impedir o arbítrio através da verificação racional – só é

cumprida se se puder perceber a decisão. Só percebendo se pode

controlar.

Assim, só há cumprimento do dever de fundamentação quando resulte

claro, para uma pessoa média, o caminho e a razão da decisão. E

isto, quer se queria quer não, faz parte das garantias mínimas de

um processo justo para que possa ser considerado vinculativo para

as partes. Se não for cumprido, implica anulação nos termos da

lei. O que está em causa é a seriedade da arbitragem, a segurança

das pessoas que a ela recorrem, o respeito pelos direitos dos

cidadãos, designadamente o direito a uma justiça própria de um

Estado de Direito. A dureza da sanção é assim justificada – e não

há que ter dela qualquer receio.

Se uma sentença não é inteligível não pode, pura e simplesmente,

ser validada como decisão jurisdicional. Seja ela proferida por

um tribunal judicial ou por um tribunal arbitral. Falta-lhe, numa

palavra, o que um Estado de Direito garante aos seus cidadãos.

A circunstância de num processo se ter decidido com fundamento em

equidade poderia, de alguma forma, alterar a conclusão a que

acabámos de chegar a propósito da fundamentação. Isto é, sendo a

fonte da decisão a equidade poderia não se exigir o mesmo em

termos de justificação da sentença.

A doutrina não tem, porém, assim entendido – pelo contrário,

porque a decisão segundo a equidade não é uma decisão arbitrária,

a justificação racional e inteligível é tão ou mais necessária

que a da resolução segundo o direito estrito. De acordo com Paula

Costa e Silva “Só através da fundamentação é possível afastar o

arbítrio da solução do caso concreto, sendo de afastar qualquer

199 Mariana França Gouveia, Os poderes do juiz cível na acção declarativa 2007, p. 55.

104

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caminho que permita que a arbitragem em equidade se transforme em

arbitragem-arbítrio.”200

Assim, na decisão segundo a equidade o dever de fundamentação é

ainda acrescido. Isto é, estando em causa critérios que não estão

publicamente escritos, torna-se ainda mais importante, ao nível

das garantias das partes e da justiça do processo, a sua

explanação e explicação.

A Lei da Arbitragem Voluntária nada diz em situações em que haja

contradição entre fundamentos e decisão. Por ser fundamento não

previsto directamente no artigo 27.º LAV e, com este argumento,

foi defendido que não é causa de anulação da sentença.201 Parece-

me porém que este vício é equiparável à falta de fundamentação.

Pelas mesmíssimas razões que o dever de fundamentação exige uma

apreciação material. A questão coloca-se mo mesmo nível da

anterior: inteligibilidade.

De acordo com o artigo 27.º n.º1 e) da Lei da Arbitragem

Voluntária, constitui vício da sentença arbitral “ter o tribunal

conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter

deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.”

Refere-se este preceito aos vícios de excesso e de omissão de

pronúncia, vícios que decorrem de violações do princípio

dispositivo. Este é o sétimo e último fundamento de anulação da

decisão arbitral.

O princípio dispositivo é um dos pilares do direito processual

civil, tanto no impulso processual inicial, como na delimitação

objectiva e subjectiva da instância. A definição do objecto da

acção e do número e posição das partes cabe apenas a estas.202

200 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 941.201 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 939. Acórdão STJ de 2 de Outubro de 2006, Processo n.º 1465/2006-2.202 Mariana França Gouveia, Os poderes do juiz cível na acção declarativa, 2007, p. 52.

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Como é referido pela doutrina, num processo dominado pela vontade

das partes como a arbitragem a vinculação ao princípio

dispositivo é ainda mais relevante.203

Para o vício em análise interessa a vertente objectiva do

princípio dispositivo, isto é, a delimitação dos poderes e

competências do tribunal ao objecto do processo tal como alegado

pelas partes. O objecto do processo é constituído pelo pedido e

pela causa de pedir, limitando ambos as possibilidades de

actuação do tribunal.

Digno de nota a este propósito é o Acórdão STJ de 21 de Outubro

de 2003204, em que o tribunal arbitral condena não com fundamento

nos danos alegados pelo requerente da acção arbitral mas com base

numa clausula penal que nenhuma das partes havia invocado. Com

razão, o Supremo Tribunal de Justiça mandou anular a decisão.205

d. A anulação da sentença arbitral implica um juízo puramente

cassatório: o tribunal judicial não pode substituir a decisão

arbitral por outra.206 Perante a anulação é necessário então

determinar como poderão as partes resolver o seu litígio –

através de nova acção arbitral ou através de acção judicial?

Segundo Lima Pinheiro, a anulação da decisão não implica

caducidade da convenção arbitral (na medida em que tal causa não

consta do artigo 4.º LAV). Por outro lado, se se esgota com a

decisão o poder jurisdicional dos árbitros, tem de haver novo

processo de constituição e tribunal arbitral e novo prazo para a

decisão. Só assim não acontecerá quando o tribunal judicial anule

a sentença com fundamento em invalidade da própria convenção de

arbitragem. Nesta situação e porque a sentença judicial

203 Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, 1992, p. 943.204 Processo n.º 03A2318 (Caso Clausula Penal).205 Mais discutível é a opção da anulação parcial e da não ressurreição da parte do pedido principal em que tinha havido prova.206 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 961.

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transitada vincula as partes, já é admissível a propositura de

acção judicial.207

Já na opinião de Paula Costa e Silva, a decisão arbitral de

mérito esgota a finalidade da convenção de arbitragem (que é a

resolução do litígio). Já o mesmo se não passa com a decisão

final de forma. Assim, na primeira situação não é possível propor

nova acção arbitral, cabendo aos tribunais judiciais a

competência para dirimir o litígio. Resultado a que e as partes

poderão sempre obviar celebrando nova convenção arbitral. Se, ao

contrário, a decisão anulada é uma decisão de forma, de

absolvição da instância, então a convenção de arbitragem não está

esgotada pelo que se pode, de novo, iniciar um processo

arbitral.208

Qualquer um dos autores não admite, porém, que a sentença baixe

ao tribunal arbitral para eventual correcção de erros.209 Tal

consequência parece ser contrária quer à autonomia do tribunal

arbitral perante os tribunais judiciais, quer face à extinção do

poder jurisdicional dos árbitros com a sentença. Este último

argumento não tem, porém, força decisiva, na medida em que a

mesma regra existe para os tribunais judiciais e a baixa do

processo é possível.

No Acórdão da Relação do Porto de 11 de Novembro de 2003210,

julgou-se verificado o vício de falta de fundamentação por ter

sido feita a motivação da matéria de facto através da análise

crítica das provas. A consequência da decisão não foi, porém, a

anulação pura e simples da sentença arbitral, mas o reenvio do

processo para o tribunal arbitral para que procedesse a essa

fundamentação. Deve dizer-se, porém, que este Acórdão foi

207 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 4.208 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 964-5.209 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 1001.210 Processo n.º 0324038.

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proferido em recurso de decisão arbitral, embora a decisão tenha

com fundamento um vício gerador de anulação.

Esta não é uma questão fácil de resolver. Se numa interpretação

literal parece evidente que ou há anulação ou não há anulação,

este resultado do tudo ou nada é manifestamente contrário aos

princípios de economia processual e de eficiência. Nesta óptica

faz sentido que o tribunal arbitral, que viu a sua sentença

anulada por razões formais, possa refazê-la corrigindo o vício.

Não deixa, porém, de ser uma solução algo inconfortável por jogar

mal com a autonomia da arbitragem.

Um problema diferente é o da possibilidade de anulação parcial da

sentença arbitral. Desde que a sentença seja cindível e o vício

não implique a nulidade de toda a decisão, é admissível a

anulação parcial.211 Tal situação colocou-se no Acórdão do Supremo

Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2003212 em que o tribunal

decidiu-se pela anulação parcial, mantendo a condenação no pedido

reconvencional e anulando o restante. Sustentou a sua opção, face

à lacuna da LAV, na maioria dos ordenamentos jurídicos

estrangeiros.

5.7.2. Recurso

A LAV estabelece no artigo 29.º o princípio da equiparação da

sentença arbitral à judicial para efeitos de recurso.

A renúncia aos recurso não abrange os recursos extraordinários.213

A competência hierárquica para conhecer os recursos da sentença

arbitral está estabelecida no artigo 29.º LAV: tribunais da

Relação. Surgem, porém, dúvidas na forma de determinação da

211 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 962.212 Processo n.º 03A2318. 213 Lima Pinheiro, Apontamento sobre a impugnação da decisão arbitral, 2007, p. 5; Carvalho Fernandes, Dos recursos em Processo Arbitral, 2003, p. 148

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competência territorial para a apresentação desse recurso. Os

critérios apresentados são o tribunal de primeira instância onde

ocorreu o depósito da decisão (nos termos do artigo 24.º LAV)214

ou o lugar onde o tribunal arbitral funciona, menção que tem de

constar da sentença arbitral (artigo 23.º n.º1 e)).215 Em regra o

lugar será o mesmo.

Em qualquer caso podem sempre as partes celebrar pacto de

competência, escolhendo a Relação competente para a apreciação do

recurso, na medida em que estamos perante um critério de

competência territorial.

No que diz respeito ao regime dos recursos, a recente reforma

veio simplificar alguns aspectos de compatibilização, mantendo as

dúvidas no que a outros diz respeito.

Assim, o prazo para interposição de recurso é de 30 dias, nos

termos do artigo 685.º, sendo agora apresentadas com o

requerimento de interposição as alegações de recurso (n.º 2 do

artigo 684.º-A).

Quando o modo de interposição, a lei não resolve as dúvidas: deve

ser apresentado o recurso perante o tribunal arbitral ou perante

o tribunal da relação? A doutrina tem centrado a discussão no

artigo 25.º LAV que estabelece a extinção do poder dos árbitros.

Esta extinção teria como consequência a impossibilidade de os

árbitros se pronunciarem sobre o que quer que fosse após a

prolação da sentença arbitral. Certo é, porém, que a mesma norma

existe para os tribunais judiciais (artigo 66.º CPC) e que não há

quaisquer dúvidas de que é sua a competência para receber e

apreciar o pedido de interposição de recurso. Assim, parece ser

mais consentâneo com o sistema positivo de recursos e ainda com o

princípio da equiparação da sentença arbitral à sentença

214 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 998.215 Carvalho Fernandes, Dos recursos em Processo Arbitral, 2003, p. 158.

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judicial, a solução da interposição do recurso junto do tribunal

arbitral.216

5.7.3. Oposição à execução

O terceiro meio de impugnação da decisão arbitral é a oposição à

execução. Nos termos do artigo 815.º CPC, são fundamentos de

oposição à execução baseada em sentença arbitral todos os

fundamentos de oposição à execução de sentença judicial e, ainda,

aqueles em que pode basear-se a anulação judicial da mesma

decisão. Há aqui uma remissão para o artigo 27.º LAV, pelo que

são alegáveis nesta sede todos os fundamentos da acção de

anulação anteriormente referidos.

De acordo com o artigo 31.º LAV mesmo não tendo sido proposta

acção de anulação dentro do prazo fixado de um mês, podem os

fundamentos de anulação ser alegados na oposição à execução.

Se for proposta acção de anulação e, em simultâneo, execução de

sentença arbitral, coloca-se o problema de saber se em oposição

podem ser alegados os mesmo fundamentos de anulação. A doutrina

divide-se, defendendo Paula Costa e Silva217 a inadmissibilidade

dos mesmo fundamentos nas duas acções e Lebre Freitas218 a posição

contrária. Argumenta a primeira com a possibilidade de

contradição de julgados e o segundo coma imediata exequibilidade

da sentença arbitral. Nesta a consequência é a da suspensão de

uma das instâncias, por regra a de anulação. Impede-se, assim, a

contradição de julgados e garante-se a defesa legítima do

executado. No entanto, no rigor do princípios o que se verifica é

litispendência, já que fundamentos e pedido (de anulação da

216 Carvalho Fernandes, Dos recursos em Processo Arbitral, 2003, p. 158.217 Paula Costa e Silva, Anulação e recursos da decisão arbitral, 1992, p. 960.218 Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2004, p. 182.

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sentença arbitral) são idênticos.219 Assim, o remédio da suspensão

é inútil, na medida em que decididos os embargos a acção de

anulação em que foram alegados os mesmos fundamentos não poderá

continuar sob pena de ofensa de caso julgado. Por outro lado, não

se pode impedir o executado de se defender no processo executivo,

impedindo, no mínimo, o pagamento aos credores – artigo 818.º

n.º4 CPC.

Uma questão diferente é a da liquidação da decisão arbitral. A

dificuldade surge apenas no caso em que a liquidação se não possa

fazer por simples cálculo aritmético. Isto porque a reforma da

acção executiva, operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de

Março, veio alterar a competência para a liquidação da sentença

judicial. Tal liquidação deixou de ser feita numa fase preliminar

da acção executiva, mas na acção declarativa, renovando-se para

esse efeito a instância (artigo 378.º n.º2 CPC).

Aplicar esta solução à sentença arbitral que condene em obrigação

genérica não parece a melhor. Implica a renovação de um tribunal

arbitral de composição tópica e existência efémera. É preferível

integrar a lacuna através do mecanismo dos títulos extra-

judiciais de obrigações não liquidadas, isto é, a liquidação no

próprio processo executivo.220

219 Paula Costa e Silva, Os meios de impugnação, 1996, p. 205.220 Paula Costa e Silva, A Execução em Portugal de decisões arbitrais nacionais e estrangeiras, 2007, ponto 33.

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V

JULGADOS DE PAZ

4.1. Noção

O Julgados de Paz, criados em 2001, pela Lei 78/2001, de 13 de

Julho, iniciaram a sua actividade no ano 2002. Nesta altura eram

apenas quatro (Lisboa, Seixal, Vila Nova de Gaia e Oliveira do

Bairro) e a título experimental. Hoje, em 2008, são 16221,

distribuindo-se irregularmente pelo país. Aliás, uma das críticas

apontadas ao sistema é precisamente não haver uma lógica

compreensível na expansão da rede dos Julgados de Paz.222 Tendo

221 Agrupamento dos Concelhos de Aguiar da Beira e Trancoso, Agrupamento dos Concelhos de Cantanhede, Mira e Montemor-o-Velho, Agrupamento dos Concelhos de Oliveira do Bairro, Águeda, Anadia e Mealhada, Agrupamento dos Concelhos de Santa Marta de Penaguião, Alijó, Murça, Peso da Régua, Sabrosa e Vila Real, Agrupamento dos Concelhos de Tarouca, Armamar, Castro Daire, Lamego, Moimenta da Beira e Resende, Coimbra, Lisboa, Miranda do Corvo, Porto, Santa Maria da Feira, Seixal, Sintra, Terras de Bouro, Trofa, Vila Nova de Gaia, Vila Nova de Poiares. Segundo informação do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, serão criados até ao final do ano de 2007, e instalados em 2008, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Palmela e Setúbal, o Julgado de Paz de Odivelas, o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Aljustrel, Castro Verde, Ourique, Almodôvar e Mértola e o Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Sátão, Vila Nova de Paiva, Penalva do Castelo, Aguiar da Beira e Trancoso, passando a rede nacional a ter 20 Julgados de Paz. Para uma cronologia da instalação, cfr. Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 52.222 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006 p. 204.

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como objectivo o desenvolvimento sustentado da rede, foi

recentemente divulgado um estudo encomendado pelo Governo ao

ISCTE223. Através de uma análise cuidada dos fins destes tribunais

e da realidade social portuguesa, a investigação conclui que

devem existir 120 julgados de paz em Portugal (incluindo os já

existentes). Os Julgados de Paz a criar devem sê-lo em 12 fases

de acordo com a prioridade de instalação, entendendo-se como

ideal a criação de 8 Julgados de Paz por biénio.

Os Julgados de Paz são verdadeiros tribunais inseridos na oferta

da Justiça pública portuguesa. São órgãos de soberania de

exercício do poder judicial224, previstos na Constituição da

República Portuguesa (artigo 209.º n.º2). A sua distinção em

relação aos tribunais comuns decorre de diversos aspectos,

devendo realçar-se a sua teleologia, o que tem depois repercussão

na sua forma de actuação e regime. Isto é, os Julgados de Paz

praticam uma justiça alternativa, muito marcada pela proximidade

e pela tentativa de alcançar uma solução por acordo, através das

fase de mediação e de conciliação.

Os Julgados de Paz são, então, tribunais não judiciais225 ou

mistos226, tendo em conta a sua natureza obrigatória (e não

voluntária como os outros meios de resolução alternativa de

litígios) e os métodos que utiliza na resolução do conflito

(procurando sempre o acordo e afastando a concepção adversarial

de litígio).

A questão da competência assume aqui papel importante. Desde a

publicação da lei dos Julgados de Paz que se coloca a dúvida

sobre se a competência dos Julgados de Paz é ou não obrigatória,

223 Disponível em www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt 224 Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 46.225 Cardona Ferreira, Justiça de Paz – Julgados de Paz, 2005, p. 51.226 Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006 p. 115.

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isto é, se o autor é obrigado a propor acção no Julgado de Paz

quando ele exista no concelho e tenha competência na matéria.227

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, de 24 de Maio de

2007228, decidiu no sentido da alternatividade da competência dos

Julgados de Paz. Os argumentos são vários desde a análise

puramente normativa das regras aplicáveis, até aos trabalhos

preparatórios da Lei dos Julgados de Paz, passando pela

possibilidade de a acção inicialmente proposta no Julgado de Paz

ser posteriormente remetida aos tribunais judiciais. Este, aliás,

parece ser um argumento decisivo. Não faz sentido, de acordo com

o Acórdão, afirmar que os tribunais judiciais não têm competência

para aquelas acções se podem vir a tê-la posteriormente, bastando

aliás que uma das partes deduza um incidente (por exemplo,

intervenção de terceiros) ou requeira a prova pericial.229

O Acórdão não foi tirado por unanimidade, tendo havido três votos

contra. Um deles, da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, deu

lugar a voto de vencido. Nessa declaração Beleza rebate os

argumentos da posição vencedora, acrescentando uma ideia

importante (e que aliás não foi tocada pelo Acórdão). Trata-se da

circunstância de a alternatividade ser unilateral, isto é, de

caber ao autor escolher o Julgado de Paz ou o tribunal comum,

sendo o réu obrigado a segui-lo. Esta alternatividade unilateral

é estranha a qualquer meio de resolução alternativa de litígios,

na medida em que estes procedimentos são integralmente

voluntários, é exigida a adesão de ambas as partes. A solução

consagrada pelo Acórdão de uniformização é difícil de entender,

enquadrando-se mal no princípio da igualdade das partes.

Já antes tomei posição sobre esta questão. Disse então: “Na minha

opinião, os textos normativos não oferecem grandes dúvidas sobre

esta questão – a competência é exclusiva. Tendo em conta a

227 A competência dos Julgados de Paz está prevista nos artigos 8.º e 9.º LJP.228 Acórdão 11/2007, publicado no Diário da República de 25 de Julho.229 Conforme está previsto nos artigos 41.º e 59.º n.º3 LJP.

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competência residual dos tribunais comuns (artigo 18.º LOFTJ) e

os artigos 8.º e seguintes da Lei dos Julgados de Paz (Lei

78/2001, de 13 de Julho) é difícil compreender as posições que

sustentam ser a competência destes meramente facultativa.”230

Julgo, actualmente, que é possível ler a lei de várias maneiras e

que provavelmente a opção do legislador, ao não se pronunciar

sobre um problema que sabia existir, era no sentido da

alternatividade. Penso, ainda, que do ponto de vista da coerência

do sistema, a solução mais adequada é a da exclusividade. Vejo

com alguma dificuldade (e resistência) a criação de tribunais

pelo Estado numa lógica concorrencial. Por outro lado, o

argumento da violação do princípio da igualdade – ao obrigar-se o

réu a sujeitar-se à vontade do autor – não pode ser ignorado. Há

aqui um desequilíbrio que não tem qualquer justificação.

Diria, portanto, que a competência dos Julgados de Paz é

exclusiva e que tal conclusão se retira facilmente da letra da

lei, da coerência do sistema, da solução mais adequada à lacuna

legal (se se entender que há lacuna). Por outro lado, porém, num

exercício puramente alternativo é interessante colocar os

Julgados de Paz como uma opção ao lado dos restantes meios de

resolução alternativa de litígios. Até porque o seu modelo de

resolução se adequa a certos tipos de disputas – os litígios de

proximidade -, mas não a outros.

Há alguma dificuldade na inserção destes tribunais na organização

judiciária portuguesa. Dadas as suas características especiais,

tais como um corpo de magistrados autónomos e com diferente

formação, um órgão de gestão independente (o Conselho de

Acompanhamento dos Julgados de Paz), a diferente forma de

abordagem do litígio e de processo, diria que estes tribunais

estão fora da jurisdição comum. Tal entendimento parece ter

reflexo na disposição constitucional – os tribunais comuns no n.º

230 Mariana França Gouveia, Prefácio, in Lúcia Vargas, Julgados de Paz e Mediação, 2006, p. 6.

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1 do artigo 209.º CRP e os Julgados de Paz no n.º2. E foi

expressamente referida no Acórdão de Uniformização de

Jurisprudência.

Há, porém, uma regra que joga contra esta autonomia – a da

recorribilidade das decisões dos Julgados de Paz para os

tribunais judiciais, quando o valor da acção seja superior a

metade da alçada da 1ª instância – artigo 62.º LJP. Acresce que

este recurso é para os tribunais de 1ª instância e não para a

relação, o que não permite sequer uma equiparação dos Julgados de

Paz aos tribunais de 1ª instância. Ao invés faz parecer que eles

são qualquer coisa como uma sub-instância.231

Terão, provavelmente, sido razões de cautela que terão levado o

legislador a consagrar esta solução. Legislando quando ainda não

existia qualquer Julgado de Paz em Portugal, terá pensado ser

mais sensato permitir um recurso das decisões ou, pelo menos, de

parte delas. Neste momento, porém, em que experiência já leva

alguns anos é de repensar a solução. Das duas uma: ou se

estabelece a regra de irrecorribilidade (que é o que acontece

neste tipo de acções propostas em tribunal judicial e até joga

bem com o entendimento da competência alternativa) ou se

estabelece a regra da recorribilidade para a Relação, equiparando

os Julgados de Paz a tribunais de primeira instância. É difícil

dizer qual a melhor solução: do ponto de vista do sistema, a

solução da irrecorribilidade parece ser a mais coerente; do ponto

de vista do controlo da actividade porque falamos de tribunais

autónomos, faz sentido a existência de recurso. É ainda pensável

uma terceira via equiparada, agora, à arbitragem: consagrar

apenas a possibilidade de invocar a anulação da decisão com

fundamentos de forma ou de violação da ordem pública.

4.2. Princípios

231 Cardona Ferreira, Julgados de Paz, 2001, p. 81.

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Os princípios que regem os Julgados de Paz estão inscritos no

artigo 1.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho. Este artigo é o mais

importante deste diploma, devendo ser padrão de interpretação de

todas as suas regras.232 Os princípios estabelecidos são o da

participação, do estímulo ao acordo, da simplicidade, da

adequação, da informalidade, da oralidade e da economia

processual.

O princípio da participação cívica dos interessados pretende

trazer o cidadão para os Julgados de Paz, tornando-o parte activa

do processo. Ao invés do procedimento judicial, onde a parte

nunca ou raramente fala, nos Julgados de Paz a presença das

partes é essencial ao desenvolvimento da sua filosofia. Só pode

haver justiça de proximidade se os litigantes estiverem

presentes. O afastamento dos utentes da sistema de Justiça

tradicional é uma das marcas da crise da justiça. O processo,

criado para dar garantias de igualdade e de imparcialidade233,

tornou-se num ritual gasto, opaco, labiríntico, numa palavra,

incompreensível para quem nele não trabalha.234 A excessiva

formalidade, aliada a uma tecnicidade apurada, não permite que as

pessoas entendam o que se passa. Por outro lado, este afastamento

é propositado, é consciente, já que se entende que as partes não

são as pessoas mais indicadas para tratar do seu litígio. A

intermediação por um advogado, profissional deontologicamente

marcado por uma certa distância das partes e das suas posições

pessoais, é explicada precisamente por esta teleologia. Não é

sequer suposto que as partes comuniquem directamente com o juiz –

as limitações aos depoimentos de parte são grandes.235-236

232 Cardona Ferreira, Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, 2001, p. 19.233 Mariana França Gouveia, Os Poderes do Juiz Cível na Acção Declarativa, 2007, p. 63.234 Mesmo um jurista, recém-licenciado ou não, que não esteja habituado aos tribunais, neles não se sente plenamente à vontade.235 Artigos 552.º e 553.º CPC.236 Para uma comparação pormenorizada, João Chumbinho, Julgados de Paz na Prática Processual Civil, 2007, p. 54-58.

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Ora os Julgados de Paz – como aliás em geral os meios de

resolução alternativa de litígios – partem precisamente da opção

oposta, do entendimento que são as partes as pessoas melhor

colocadas para resolver os seus problemas. Esta discussão não é

jurídica – embora tenha aì reflexos. Não vou, pois, entrar nela.

Posso apenas dizer que me parece que qualquer uma das teses

estará correcta: haverá situações em que as partes estarão melhor

sem intermediários e haverá casos em que o oposto é verdade. Nos

Julgados de Paz é o primeiro entendimento que predomina, sem

prejuízo de, se as partes não forem realmente as melhor colocadas

para encontrar a solução, tal lhes ser imposto por sentença

proferida pelo juiz de paz.

O princípio da participação cívica está directamente relacionado

com o estímulo ao acordo, à auto-composição dos litígios.

Significa que a parte não é mera espectadora do desenrolar do seu

caso, mas participante informado da sua resolução. Em

concretização a tramitação dos Julgados de Paz contém dois

momentos para a obtenção deste acordo: a mediação extra-judicial

e a conciliação judicial. A mediação é feita por um mediador,

escolhido pelas partes ou (o que é a regra) indicado pelos

serviços do Julgado de Paz. A conciliação é tentada pelo juiz, no

início da sessão de julgamento. Nos processo podem as partes

passar por ambas as tentativas de acordo ou só por uma – a

conciliação judicial – se prescindirem da fase de mediação. Fase

que é, sempre, de adesão voluntária.

Nota-se nos Julgados de Paz a forte motivação para o acordo,

muito maior, parece-me (embora não o possa confirmar

objectivamente) que nos tribunais judiciais. Criou-se de alguma

forma uma dinâmica de acordo, na medida em que se sabe que o juiz

vai mesmo, mas mesmo, esgotar todas as possibilidade de obtenção

do acordo. No entanto, também é necessário ter alguma cautela

nessa procura do acordo, de forma a não incomodar

intoleravelmente as partes, nem as comprometer em relação a algo

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que, afinal, não querem. É importante que os juízes tenham a

sensibilidade para perceber quando é e quando não é alcançável a

transacção e, por outro lado, que não utilizem o seu poder

judicial para forçar esse consenso. Seria útil que os juízes de

paz fossem ensinados nas técnicas da mediação stricto sensu.

Assim como já assisti à realização sucessiva de acordos em

virtude dessa dinâmica do estímulo ao ajuste, também já

presenciei tentativas de conciliação excessivamente arrastadas

(quando era evidente a impossibilidade de consenso). Também há

notícia de celebração de acordos que depois as partes negam ter

celebrado.237

Os restantes princípios dizem já respeito especificadamente ao

procedimento nos julgados de paz. São princípios comuns ao

processo civil, com excepção da regra da informalidade, mas que

assumem singular importância nos Julgados de Paz. Há desde logo

uma diferença sistemática para o Código de Processo Civil – na

Lei 78/2001 os princípios constam do artigo 2.º, logo na abertura

do diploma; no Código estas regras essenciais encontram-se

espalhadas, muitas vezes sem sequer estarem expressamente

consagradas.238 Esta diferença de arrumação é importante, mais

importante do que à primeira vista se possa pensar. Impõe

claramente uma interpretação dos restantes preceitos conforme a

estes princípios: como se fossem parâmetros de

constitucionalidade.

237 Razão pela qual, aliás, o Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz recomendou a assinatura pelas partes dos acordos feitos em audiência.238 O princípio da simplicidade está nos artigos 137.º e 138.º; o da adequação no artigo 265.º-A; o da oralidade está disperso por várias normas, desde as que prevêem a audiência preliminar e o julgamento (artigos 508.º e 652.º), até às normas que impedem, salvo casos excepcionais, o depoimento escrito (artigo 621.º e 639.º); o princípio da economia processual está disperso por diversos mecanismos processuais, que passam pela adequação, pluralidades objectivas e subjectivas, incidentes com elas relacionados (reconvenção, intervenção de terceiros) e, novamente, com a simplicidade dos actos, prevista nos artigos 137.º e 138.º. Ver, por todos, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2006, p. 169 e seguintes.

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O princípio da adequação deve ser aproximado do dever de gestão

processual previsto no artigo 2.º do Regime Processual Civil

Experimental (Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho), nos termos do

qual o juiz tem de promover a adequação, a eficiência processual

e a agilização.239 Estes deveres são mais fáceis de executar

quando as regras processuais são pouco pormenorizadas e quando

não há uma tradição prática associada aos procedimentos. É

precisamente o que se passa nos Julgados de Paz, pelo que é

recorrente a aplicação destes princípios na resolução de

problemas concretos.

4.3. Competência

Para além da questão da competência alternativa ou obrigatória, é

importante referir os critérios de atribuição de competência

territorial e material dos Julgados de Paz.

Tal matéria está regulada nos artigos 8.º e seguintes da Lei dos

Julgados de Paz. Em razão do valor, os Julgados de Paz têm

competência para acções cujo valor não exceda a alçada do

tribunal de 1ª instância.

O artigo 9.º contém as matérias que são da competência dos

Julgados de Paz. As matérias estão descritas individualmente

através da sua caracterização jurídica, pelo que o que não se

encontra aqui especificamente previsto não cabe na competência

destes tribunais.

Podemos agrupar estas matérias em dois grandes grupos: matéria

civil e matéria criminal. Na matéria civil estão previstas

algumas matérias tratadas nos direitos reais (entrega de coisas

móveis, direitos e deveres de condóminos, certos litígios entre

proprietários de prédios, acções possessórias, usucapião e

acessão, entre outras) e no direito das obrigações (cumprimento

239 Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 33-36.

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das obrigações, arrendamento urbano, responsabilidade civil,

incumprimento contratual, garantia geral das obrigações).

É importante tomar em consideração a restrição prevista na alínea

a) do n.º 1 do artigo 9.º LJP: não há competência do Julgado para

apreciar e decidir acções destinadas a efectivar o cumprimento de

obrigações pecuniárias de que seja ou tenha sido credor uma

pessoa colectiva. Quis-se com esta restrição impedir a invasão

dos Julgados de Paz pelos chamados litigantes de massa.

Em relação à matéria penal, a competência está prevista no n.º 2

do artigo 9.º LJP, incluindo apenas os pedidos de indemnização

cível dos crimes aí previstos (ofensas corporais simples,

difamação, injúrias, furto simples, dano simples, alteração de

marcos e burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços).

O Julgado de Paz só tem competência para apreciar este pedido de

indemnização cível quando não haja sido apresentada participação

criminal ou após desistência da mesma.

As matérias procuram claramente um determinado tipo de

litigância: conflitos entre pessoas singulares, disputas de

proximidade, problemas entre cidadãos. São estas, realmente, as

áreas de litigância a que os Julgados de Paz melhor se adequam.

4.4. Tramitação processual

A tramitação nos Julgados de Paz é simples, aproximando-se das

formas de processo sumária ou sumaríssima. O processo inicia-se

com um requerimento inicial que pode ser apresentado oralmente ou

por escrito (artigo 43.º). Segue-se, depois, a citação do

demandado, que nunca pode ser edital (artigo 46.º). Assim, caso

se não consiga citar pessoalmente o demandado, o processo segue à

revelia, sendo prática nos Julgados de Paz pedir-se à Ordem dos

Advogados a nomeação de um representante oficioso do revel.240

240 Cardona Ferreira, Julgados de Paz, 2001, p. 64. Esta prática pode, mesmo assim, colocar problemas ao nível do direito de defesa, na medida

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Na citação do demandado é hábito marcar-se a data da pré-mediação

como a lei manda (artigo 45.º n.º 2 LJP) ou, se o demandante

tiver prescindido dessa fase, do julgamento. Simplifica e acelera

o procedimento, sem prejuízo de serem alteradas se a citação se

atrasar ou se as partes não tiverem disponibilidade para os dias

marcados.

Entramos, então, na fase da mediação que se inicia com a pré-

mediação, sessão destinada a explicar às partes em que consiste a

mediação e a verificar a sua predisposição para resolver o caso

através da celebração de um acordo (artigo 49.º). Se as partes

aderirem, passa-se à mediação propriamente dita, que pode ter

lugar no mesmo dia. A lei determina que deva ser feita com

mediador diferente, mas a prática nos Julgados de Paz tem sido de

se manter o mesmo mediador, desde que autorizado pelas partes. É

justificada pela inadequação da lei à realidade – não faz

sentido, segundo dizem mediadores e juízes, remarcar a sessão

para outro dia e outro mediador, obrigando as partes a nova

deslocação ao Julgado. Esta razão não colhe, porém, nos casos em

que está no Julgado mais do que um mediador em simultâneo, o que

se verifica nos Julgados de Paz com mais movimento. A mudança de

mediador garante a independência do primeiro face ao resultado da

sua diligência. Embora não me pareça dramático, julgo que faz

sentido tentar, salvo forte inconveniente, seguir o esquema

legal.

Se as partes alcançarem o acordo na mediação, o acordo é

homologado pelo juiz na presença das partes (artigo 56.º LJP). A

sentença homologatória tem, naturalmente, força executiva.

Se a mediação não tiver sucesso, o processo é encaminhado para

marcação do julgamento. Entretanto, corre o prazo para contestar

(10 dias a contar da citação, nos termos do artigo 47.º). Na

contestação o demandado pode deduzir reconvenção, mas em termos

em que há falta de citação, fundamento de nulidade de todo o processo – artigo 195.º e 771.º.

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bastante limitados. Se esta existir, o demandante responde no

mesmo prazo de 10 dias (artigo 48.º).

Uma das dificuldades do regime processual dos Julgados de Paz é o

efeito da revelia. Isto porque, nos termos do artigo 58.º n.º2,

tal efeito (o da confissão dos factos) apenas se verifica quando

o demandado para além de não ter contestado, não tenha

comparecido ao julgamento e não tenha justificado essa falta.

Isto é, para que se dêem como provados os factos não basta a não

contestação, é ainda necessário a falta não justificada do

demandado à audiência final. Esta norma tem conduzido ao

entendimento de que o demandado não contestante pode impugnar os

factos na audiência final. Aliás pode apresentar prova, na medida

em que os meios probatórios são oferecidos na audiência.241 A

grande dificuldade reside na possibilidade de deduzir, apenas na

audiência, excepções ao pedido.

Presenciei, certo dia, uma situação em que a demandada não

contestante compareceu à audiência transportando consigo os bens

cujo pagamento a demandante exigia. Exibiu esses bens, ficando

claro para todos os presentes que eles eram defeituosos. Alegou –

embora o não soubesse - uma excepção de cumprimento defeituoso.

Outra vez, numa acção proposta pela administração do condomínio

contra um condómino em que era exigido o pagamento de quotas de

condomínio em atraso, o condómino – que não havia contestado –

afirmou na audiência que tinha acordado com o anterior

administrador a dedução às quotas do valor de umas obras urgentes

que tinha feito nas partes comuns do edifício. Tratava-se, assim,

de uma compensação que, sendo de valor inferior ao pedido,

constituía uma excepção peremptória.242

241 Uma outra dificuldade relaciona-se com a impossibilidade de notificação de testemunhas pelo Julgado de Paz – artigo 59.º n.º2. No entanto, tal regra tem sido casuisticamente derrogada: quando haja razões ponderosas que imponham a notificação (designadamente por ser a única forma de a testemunha comparecer no Julgado), o Julgado de Paz notifica a testemunha para a audiência de julgamento.242 Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado – Volume 1.º, 1999, p. 489.

123

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Nestes casos, que fazer? Ignorar aquilo que as partes dizem

parece violento e contrário à filosofia dos Julgados de Paz. Mas,

por outro lado... Há aqui dois valores conflituantes que produzem

resultados contraditórios. Tendo em conta o princípio da verdade

material, deveria permitir-se a alegação de factos novos na

audiência. Ao contrário, se atentarmos no princípio do

contraditório, não é legítimo sujeitar o demandante à alegação de

factos surpresa, sem lhe conceder hipóteses de defesa,

nomeadamente de apresentação de prova. Acresce que a

possibilidade de alegar factos novos (como aliás a oportunidade

de impugnar os factos apenas em audiência) esvazia de sentido a

regra da contestação e do seu prazo.

Se uma solução formalista – ligada às garantias do processo –

parece mais adequada, faz alguma impressão postergar por essa

razão a verdade material. E, mais, como estamos num processo de

proximidade, em que as pessoas envolvidas estão ali, em frente ao

juiz, é muito complicado fazer-lhes compreender esta distinção

técnica entre impugnação e excepção.243 Explicar-lhes que pode

dizer umas coisas, mas não pode dizer outras.

A solução para esta situação tem de passar pela conciliação dos

dois valores. Parece-me que em situações que o justifiquem, se

deve permitir que o juiz admita os novos factos e, em simultâneo,

convide o demandante a apresentar prova em audiência posterior,

suspendendo-se aquela sessão. Com esta possibilidade se respeita

o princípio do contraditório e a verdade material, sacrificando-

se a economia processual e a regra da concentração da defesa,

prevista no artigo 489.º n.º CPC. Regra consequente do princípio

da preclusão, princípio que aliás não está previsto na Lei dos

Julgados de Paz.

Na audiência de julgamento, o juiz faz uma nova tentativa de

resolução do litígio por consenso, através da conciliação. Não

243 Distinção que, aliás, nem do ponto de vista técnico é fácil ou isenta de críticas – cfr. Mariana França Gouveia, A Prova, 2008, p. 334.

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sendo tal possível, produz-se a prova e, por fim, é proferida a

sentença (artigo 60.º). A lei manda que a sentença seja oral –

proferida em audiência de julgamento. Pressupõe a lei, assim, que

a sentença seja imediata, o que na maioria das vezes não é

observado. Esta sentença imediata é, porém, importante na lógica

da participação cívica e da justiça de proximidade, valores

justificantes da criação dos Julgados de Paz.244

As sentenças que excedam metade da alçada da primeira instância

são recorríveis para estes tribunais – artigo 62.º LJP. O recurso

tem efeito meramente devolutivo e segue o regime geral, na medida

em que deixou, com a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º

303/2007, de 24 de Agosto, de haver recurso de agravo.

244 Aplicam-se aqui as mesmas razões de regra idêntica prevista no Regime Processual Experimental - Mariana França Gouveia, Regime Processual Experimental, 2006, p. 144-146.

125

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ÍNDICE

AbreviaturasNota sobre jurisprudência

Resolução Alternativa de Litígios1. Uma disciplina marcante na formação de um jurista

1. Introdução1.1. Noção1.2. Antecedentes1.3. Em Portugal1.4. Critérios de selecção

2. Negociação2.1. Noção2.2. Modelos de negociação

3. Mediação3.1. Noção. Distinção de conciliação.3.2. Princípios3.3. Modelos3.4. Fases 3.5. Áreas 3.6. O Mediador

4. Julgados de Paz4.1. Noção4.2. Princípios4.3. Competência4.4. Tramitação processual

5. Arbitragem5.1. Noção e natureza jurídica5.2. Espécies5.3. Convenção arbitral 5.3.1. Noção e natureza jurídica 5.3.2. Modalidade e efeitos

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5.3.3. Validade da convenção5.4. Constituição do tribunal. O árbitro5.5. Processo arbitral5.6. Decisão arbitral5.7. Impugnação da decisão arbitral 5.7.1. Acção de anulação 5.7.2. Recurso 5.7.3. Oposição à execução

Bibliografia

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