1 patrimÔnios marajoaras n as teias de clio: um outro

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1 PATRIMÔNIOS MARAJOARAS N AS TEIAS DE CLIO: Um Outro Olhar à Belle Époque Paraense Agenor Sarraf Pacheco 1 Josiane Martins Melo 2 Lucas Monteiro de Araújo 3 Resumo: Neste texto, analisamos escritas de viajantes, naturalistas e jornalistas sobre a presença, construção e condições de preservação de patrimônios urbanos marajoaras nas últimas décadas do século XIX, no chamado período da Belle Époque Amazônica. Com base nos Estudos Culturais e na História Cultural, problematizamos o lugar da região marajoara na historiografia da Belle Époque e o modo como esses tempos foram vividos pelas populações locais. Contíguo a esse exercício de escrita, pelas teias de Clio nos esforçamos para apreender rastros do passado como territórios de transmissão, recepção e contestação de visões e práticas socioculturais de um determinado contexto geohistórico. Por esse ângulo, assinalamos que o complexo e contraditório cotidiano de vida, fé e trabalho vividos pelas populações marajoaras no auge da economia da borracha e registrado na pena de homens das letras, desmonta leituras históricas consagradas acerca da expansão da modernidade e suas conquistas patrimoniais na Amazônia Marajoara. Palavras-Chave: Patrimônio; Belle Époque; Escrita da História; Amazônia Marajoara. Escritas e Silêncios: Apresentação (...) o pesquisador, o político e o comunicador deveriam ter olhos e ouvidos grandes e boca pequena diante do painel cultural que se descortina, intriga e desafia no Brasil (ALVES, 1997: 304). O estudo do patrimônio na Amazônia Oriental, a partir de meados do século XIX (FERREIRA PENNA, 1855; 1877; 1898; 1973), tornou-se central nas escritas de arqueólogos e etnólogos. Estes intelectuais preocupados em registrar heranças deixadas pelas populações ancestrais que habitaram a região antes e depois do período da conquista europeia e, ao mesmo tempo, entender seus modos de organização sociopolítica, econômica e cultural, sem olvidar mudanças e reapropriações em tempos presentes (HALL, 2003), vem constituindo importante tradição de estudo, alcançando os séculos XX (MEGGERS e EVANS, 1957; ROOSEVELT, 1991; SCHAAN, 1997) e XXI (SCHAAN, 2003; 2004; 2009 e BEZERRA, 2011; 2012). Se as áreas de arqueologia e etnologia mergulharam na temática do patrimônio, o mesmo não pode se dizer do campo da história social da Amazônia, pois só muito recentemente é possível falar de uma historiografia do patrimônio na região. Em levantamento realizado em sites especializados no período de janeiro de 2012 a fevereiro de 2015, constatamos que a preocupação com estudos sobre outras formas e abordagens de patrimônio começa somente a 1 Doutor em História Social (PUC-SP) e Professor dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia e História Social da Amazônia. 2 Mestranda em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). 3 Mestrando em Antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

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Page 1: 1 PATRIMÔNIOS MARAJOARAS N AS TEIAS DE CLIO: Um Outro

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PATRIMÔNIOS MARAJOARAS N AS TEIAS DE CLIO:

Um Outro Olhar à Belle Époque Paraense

Agenor Sarraf Pacheco1

Josiane Martins Melo2

Lucas Monteiro de Araújo3

Resumo: Neste texto, analisamos escritas de viajantes, naturalistas e jornalistas sobre a presença, construção e

condições de preservação de patrimônios urbanos marajoaras nas últimas décadas do século XIX, no chamado

período da Belle Époque Amazônica. Com base nos Estudos Culturais e na História Cultural, problematizamos o

lugar da região marajoara na historiografia da Belle Époque e o modo como esses tempos foram vividos pelas

populações locais. Contíguo a esse exercício de escrita, pelas teias de Clio nos esforçamos para apreender rastros

do passado como territórios de transmissão, recepção e contestação de visões e práticas socioculturais de um

determinado contexto geohistórico. Por esse ângulo, assinalamos que o complexo e contraditório cotidiano de vida,

fé e trabalho vividos pelas populações marajoaras no auge da economia da borracha e registrado na pena de homens

das letras, desmonta leituras históricas consagradas acerca da expansão da modernidade e suas conquistas

patrimoniais na Amazônia Marajoara.

Palavras-Chave: Patrimônio; Belle Époque; Escrita da História; Amazônia Marajoara.

Escritas e Silêncios: Apresentação

(...) o pesquisador, o político e o comunicador deveriam ter olhos

e ouvidos grandes e boca pequena diante do painel cultural que

se descortina, intriga e desafia no Brasil (ALVES, 1997: 304).

O estudo do patrimônio na Amazônia Oriental, a partir de meados do século XIX

(FERREIRA PENNA, 1855; 1877; 1898; 1973), tornou-se central nas escritas de arqueólogos

e etnólogos. Estes intelectuais preocupados em registrar heranças deixadas pelas populações

ancestrais que habitaram a região antes e depois do período da conquista europeia e, ao mesmo

tempo, entender seus modos de organização sociopolítica, econômica e cultural, sem olvidar

mudanças e reapropriações em tempos presentes (HALL, 2003), vem constituindo importante

tradição de estudo, alcançando os séculos XX (MEGGERS e EVANS, 1957; ROOSEVELT,

1991; SCHAAN, 1997) e XXI (SCHAAN, 2003; 2004; 2009 e BEZERRA, 2011; 2012).

Se as áreas de arqueologia e etnologia mergulharam na temática do patrimônio, o

mesmo não pode se dizer do campo da história social da Amazônia, pois só muito recentemente

é possível falar de uma historiografia do patrimônio na região. Em levantamento realizado em

sites especializados no período de janeiro de 2012 a fevereiro de 2015, constatamos que a

preocupação com estudos sobre outras formas e abordagens de patrimônio começa somente a

1 Doutor em História Social (PUC-SP) e Professor dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia e História

Social da Amazônia. 2 Mestranda em História Social da Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). 3 Mestrando em Antropologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

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partir dos anos 2000.4 Temáticas como patrimônio indígena, museu, festa religiosa, pajelança,

turismo, narrativa oral, são as mais recorrentes. Antecipamos que com exceção de nossos

estudos e daqueles que o principal autor desse texto tem orientado sobre o assunto (SARRAF-

PACHECO e SILVA, 2013; MELO e SARRAF-PACHECO, 2014; ARAÚJO e SARRF-

PACHECO, 2014), não foi encontrado nenhum trabalho acadêmico, seja ele de graduação,

mestrado ou doutorado discutindo o patrimônio arquitetônico ou material marajoara.

Com base na perspectiva interdisciplinar que estabelece diálogos entre História,

Antropologia e Museologia, o texto mapeia e analisa, a partir de O Liberal do Pará5 (1870-

1875), Jornal do Pará6 (1870-1878), relatórios e textos de viagem de Domingos Soares Ferreira

Penna, Emílio Goeldi, Frederick Hartt, Aníbal Amorim, Henry Walter Bates e D. Alonso da

Consolação, bispo marajoara, a presença, construção e condições de preservação de

patrimônios urbanos marajoaras nas últimas décadas do século XIX, no chamado período da

Belle Époque Amazônica.

Nas linhas dos Estudos Culturais e da História Cultural, problematizamos o lugar da

região marajoara na historiografia da Belle Époque e o modo como esses tempos foram vividos

pelas populações locais. Contíguo a esse exercício de escrita, pelas teias de Clio nos esforçamos

para apreender rastros do passado como territórios de transmissão, recepção e contestação de

visões e práticas socioculturais de um determinado contexto geohistórico. Por esse ângulo,

assinalamos que o complexo e contraditório cotidiano de vida, fé e trabalho vividos pelas

populações marajoaras no auge da economia da borracha e registrado na pena de homens das

letras, desmonta leituras históricas consagradas acerca da expansão da modernidade e suas

conquistas patrimoniais na Amazônia Marajoara.

Tal produção é apreendida não apenas como estado da arte sobre o tema, mas como a

visão de mundo de um tempo sobre o passado historicizado. Inicialmente, o interesse em

conhecer a produção historiográfica foi para perceber o lugar da região marajoara nesses

4 Acreditamos que a emergência desses estudos está concatenada ao surgimento do Decreto nº 3.551 de

04/08/2000, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial como patrimônio cultural brasileiro,

criando ainda o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dando outras providências. (CASTRO, 2008:119). 5 Jornal diário, político, comercial e noticioso. Órgão do Partido Liberal do Pará. Propriedade de Manoel Antônio

Monteiro. Suspendeu publicação em período não identificado, reiniciando-a em setembro de 1869, sob a redação

de José Antônio Ernesto Paragassu. Substituiu o periódico o "Jornal do Amasonas". Saiu de circulação após a

proclamação da república em 1889. Em 1890 reapareceu com o título "O Democrata”. 6 O Jornal do Pará: Typ. de Santos e Irmãos. Publicação diária, política comercial, literária e noticiosa. Em 13-11-

1866 passou a ser órgão oficial, impresso na typografia da Rua São João sob a direção e redação de Cypriano José

dos Santos, substituto do Jornal.

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escritos. Em seguida, rastreamos informações presentes em textos de viajantes, memorialistas

e jornalistas visando perceber que patrimônios foram erigidos ou praticados, especialmente em

municípios do Marajó das Florestas. A apropriação dessas escrituras produz linguagens

socioculturais interrelacionais não lineares (HALL, 1997).

Pensando sentidos e importância de patrimônios edificados em cidades amazônicas no

período da Belle Époque, a escolha de espaços “monumentalizados” como Belém traz à tona a

escrita de um passado presente em evidências históricas na construção de prédios, igrejas,

coretos, praças, assim como produção de documentos/monumentos (LE GOFF, 1990) como

sinais capazes de comunicar a visão de patrimônio que orientava aquele período. Na busca por

entender a vida marajoara nesses tempos, rastreamos jornais e relatos de viagem a partir da

segunda metade do século XIX para apreendermos conteúdos e sentidos de suas narrativas.

Entendemos esses rastros do passado não apenas “como forma de explicitar e mostrar um

acontecimento [...]” (VICENTE, 2009:106), mas também como evidencia que ao comunicar

visões de um evento a partir da ótica de seu produtor interfere e sofre interferências do sistema

cultural de onde parte e com o qual(is) dialoga.

Para isso, não se pode esquecer que essas escritas precisam ser problematizadas,

adotando-se “normas e valores com quais criticamos textos, produções e condições que

promovam opressão e dominação” (KELLNER, 2001:125). É preciso interpretar o documento

como algo produzido em negociação entre interesses e visões do pesquisador e representações

latentes das fontes, seja ela escrita, oral, visual ou virtual. Jean Meyriat afiança que “o

documento não é um dado, mas o produto de uma vontade, aquela de informar ou se informar,

a segunda menos sendo sempre necessário” (ORTEGA; LARA, 2010).

Na acepção da História Cultural, “o historiador não é mais um homem capaz de

constituir um Império. Não visa mais o paraíso de uma história global. Circula em torno das

racionalizações adquiridas. Trabalha nas margens. Deste ponto de vista se transforma num

vagabundo. (...) ele se dirige para (...) zonas silenciosas” (CERTEAU, 2002:87). Frente a isso,

é importante estar atento para o caráter político que agencia escolhas e maneiras de se ler

documentos, focando sentidos de sua confecção, circulação, recepção e ultrapassar o suposto

caráter de prova ou de “verdade” que, tradicionalmente, acreditou-se que um documento

histórico teria.

O trabalho com as letras dos viajantes, naturalistas e jornalistas permitiram realizarmos

alguns mergulhos no espírito dos finais do século XIX do mundo marajoara, momento de

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grandes transformações e contradições sociais. Não trabalhamos com a concepção dual de

verdadeiro x falso, mas tentamos escavar sentidos que enunciados produzem ao dissertarem

sobre uma temática em determinado tempo e espaço. Se essas evidências do passado podem

também ser lidas enquanto espaço de ficção, é preciso saber que “ficção não se opõe à verdade:

designa as figuras que modelamos, para darmos conta da complexidade e vastidão infinitas do

mundo” (MENESES, 2000:31).

Perante a conexão entre fatos e ficções dentro dos documentos, esta investigação

histórica não pretendeu estabelecer verdades, mas sondar representações e interculturalidades

manifestadas em concepções de patrimônio e suas condições que emergem das letras de

documentos escritos sobre a Amazônia Marajoara no período de grande extração da hevea

brasiliensis. Também temos consciência de que a leitura produzida se revela parcial por ser um

estudo em andamento, carecendo de maiores investimentos bibliográficos e analíticos. A

despeito desses limites, o texto “propõe-se a produzir novos conhecimentos, criar novas formas

de compreender os fenômenos e de conhecer a forma como estes têm sido desenvolvidos” (SÁ-

SILVA; ALMEIDA; GUIDANI, 2009:14).

A Belle Époque por Escrito

Quando mencionamos o termo Belle Époque, emerge em nosso universo de

representações uma visão oficial desse tempo, que, muitas vezes, elege somente o mundo do

capital, das grandes ações políticas de remodelação de espaços públicos; memórias de

modernização; ideário de progresso pelo qual passaram algumas cidades na Amazônia como

Belém e Manaus; expansão da urbanização e embelezamento de antigos espaços batizados de

cortiços, evidenciando riquezas e prosperidades. Enfim, alegorias de monumentos erigidos na

ótica da arte e história europeias fazem esquecer, por exemplo, especificidades geo-históricas e

culturais de outros lugares. Tal visão acaba por gerar visões dicotômicas acerca do período: de

um lado se teria a história oficial com seus feitos e fatos e de outro a história de regiões e grupos

sociais menos favorecidos, que mesmo esquecidos pela escrita da história autorizada,

interagiram, contestaram, encantaram-se e modificaram, na medida do possível, os caminhos

da mudança na infraestrutura, nos hábitos e tradições defendidas pelas elites políticas.

Se a chamada escrita da história da Belle Époque na Amazônia oriental produziu

poderoso acervo bibliográfico, explorando os mais variados assuntos, todos eles,

indistintamente, ficaram naquelas duas grandes capitais do vasto estuário amazônico – Belém

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e Manaus. Um vasto mundo de médios e pequenos municípios e centros urbanos que, inclusive,

nasceram nesse contexto, ainda estão por ser estudados. Saber como paisagens e personagens

desses lugares participaram desses tempos pode ajudar a entendermos as fronteiras físicas e

simbólicas que costuram e fissuram as múltiplas amazônias.

Por esses termos, este trabalho foca suas preocupações no entendimento do patrimônio

construído em cidades marajoaras, no chamado período da Belle Époque. Ele pretende sondar

como os espaços urbanos e seus moradores sentiram e viveram o período áureo da borracha na

Amazônia. A proposta ao mudar o foco geográfico e temático sobre a Belle Époque na

Amazônia, numa espécie de guinada do globo ocular para áreas à margem do epicentro regional,

procura, a partir de agora, dialogar com alguns trabalhos da historiografia produzida sobre o

assunto, a fim captar interfaces Marajó e Belém e especificidades do Marajó no Pará.

Antes da guinada na Belle Époque por escrito, é necessário dizer que a compreensão

de patrimônio marajoara nas últimas décadas do século XIX, insere-se, possivelmente, na

concepção nacional e internacionalmente de bens edificados. “As noções modernas de

monumento histórico, de patrimônio e de preservação só começam a ser elaboradas a partir do

momento em que surge a ideia de estudar e conservar e estudar um edifício pela única razão de

que é um testemunho da história e/ou uma obra de arte” (FONSECA, 2009:53).

Mundialmente falando, a proteção dos bens patrimoniais passou pelo que Françoise

Choay chamou de consagração do monumento histórico, atingindo o raio de 1789 – que

defendia a proteção de bens baseada na representatividade da nação incorporada no monumento

– a 1964 – que fez emergir políticas de restauração –, alterando a concepção de momento

histórico defendido a partir da Revolução Francesa. O marco simbólico dessa mudança foi a

Carta de Veneza (CHOAY, 2006:125).

Assim, no período de 1789 a 1964, novos valores foram atribuídos às antiguidades.

Tais estimas tiveram como primeiro e fundamental o valor nacional, inspirando “(...) de ponta

a ponta, as medidas de conservação tomadas pelo Comitê de Instrução Pública”, o qual

“justificou o inventário e o cortejo de todas as categorias heterogêneas da sucessão” (CHOAY,

2006:116).

É provável que a concepção de monumento, patrimônio, preservação e restauração que

orientava o poder público no contexto da Belle Époque estava alicerçada, entre outras direções

históricas, artísticas e culturais, no modelo francês. Não por acaso, o todo poderoso senhor

Antônio José de Lemos, maior representação governamental dos áureos tempos da Belle

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Époque e seu glamour, movimentou esforços para criar nos trópicos “a civilização parisiense”.

Certamente, elites e diferentes outros agentes históricos recriaram esse movimento civilizador

num profundo exercício de interculturalidade. Gárcia-Canclini (2009:17) explica que esse

processo de tradução cultural “remete à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que sucede

quando os grupos entram em relações e trocas. [...]; interculturalidade implica que os diferentes

são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos”.

Adentrando nas escritas do período, Barbara Weinstein (1993) revela dados

importantes da produção gomífera nos principais municípios no Pará, dentre eles, Afuá, Breves,

Anajás, Gurupá e Melgaço, todos localizados no Marajó das Florestas, onde predominou,

especialmente, o extrativismo das drogas do sertão, borracha, palmito, madeira, arroz e extração

do açaí. Nas estatísticas organizadas pela pesquisadora, aparece uma grande produção da

borracha nestes municípios, a exemplo de Breves, que se destaca como o maior produtor entre

1900 a 1906 com os valores de 1.547.374 a 1.203.398 quilos. Por isso, pergunta-se: onde a

riqueza gerada por essa extração e exportação foi aplicada? Ela ajudou a construir novas

arquiteturas urbanas e alterou as condições de vida dos marajoaras? O que ganhou status de

patrimônio na lógica da gestão pública local e dos moradores?

A história da Belle Époque no Pará e a biografia de seu principal estadista, centrando

especialmente no processo de (re)construção da imagem de Antônio Lemos é analisada em

Sarges (2000 e 2002). Nessas obras, a historiadora permitir vislumbrar a importância do

patrimônio urbano ao tratar das ideias de bens edificados e espaços “monumentalizados” em

Belém. A “obsessão coletiva da nova burguesia” exigiu transformações no espaço público e no

modo de vida, além de propagar uma nova moral e a montagem de uma nascente estrutura

urbana, cenário de controle das classes pobres e do aburguesamento da elite abastarda

(SARGES, 2000:19-20).

Edinea Mascarenhas Dias (1999), em mesmo contexto de Sarges, aborda criticamente

a representação do fausto da Belle Époque em contexto manauara. A autora trabalhou as

contradições no cotidiano da cidade e procurou desmitificar a imagem construída em torno da

Manaus da prosperidade eterna da bela época. Em linhas gerais, a escrita sobre esse passado de

glamour é reforçada pela criação de prédios, igrejas, coretos, praças, produção de documentos

e grande volume de informações que no presente alcançam o universo patrimonial. Entretanto,

se a informação for interpretada enquanto um evento capaz de sintonizar mundos, tempos e

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cognições aos sentidos do cotidiano (BARRETO, 2008), ver-se-á que essa capacidade de escrita

não se restringe apenas à cidade de Belém ou Manaus, mas em escalas sem fronteiras.

Franciane Gama Lacerda (2010) mostra experiências sociais dos cearenses em terras

paraenses. Visibilizando outras vozes, a historiadora analisa razões, dificuldades e significados

que gestaram esse movimento migratório para o Pará no período da borracha. No afã de

apreender a experiência de outros agentes históricos que viveram na Belle Époque, Tomas T.

Orum (2012) trabalha a história de “mulheres que viviam de portas abertas” na condição de

prostitutas europeias atraídas pela “prosperidade amazônica” no jogo entre a cidade de Belém

e Manaus. Ipojucan Dias Campos (2010), por sua vez, procura interpretar, através de periódicos

do século XIX, as relações sobre o casamento civil e divórcio no cenário bellepoquiano de

Belém. Em direção ao universo educacional, Felipe Tavares Moraes (2012) mostra a atuação

de Lauro Sodré em relação aos ideais republicanos nas interfaces com a política educacional

entre 1891-1897.

O período da Belle Époque na Amazônia construiu uma memória do poder

modernizador que teria alterado não apenas a geografia e arquitetura da cidade, mas também os

velhos costumes que faziam parte do antigo modo de vida da população. Aldrin Moura

Figueiredo (2008) duvidando dessas mudanças culturais totais, mostra quão contraditório era

essa representação, uma vez que não somente a cidade de Belém seguia embrenhada em antigas

tradições, como a arte de curar corpos e espíritos com saberes da medicina tradicional sob a

orientação e trabalhos de incorporação de pajés, mas também os próprios agentes da

modernização e construção do patrimônio da Belle Époque vez ou outra eram surpreendidos

recorrendo as orientações daqueles guias da floresta que habitavam a Petit Francesa da

Amazônia.

Sob o Signo de Aquário: Patrimônios Marajoaras nas Teias de Clio

Durante mais de um século (1850 a 1960), municípios da região marajoara

experimentaram a exploração do látex como fonte primária para se viver riqueza, miséria e

contradição social (SILVA, 2011). Escritas de diversos viajantes estrangeiros que passaram

pela região amazônica registraram o grande potencial econômico das cidades, assim como não

deixaram de condenar a velha prática econômica como responsável pela incivilização e atraso

da população do espaço rural. Anibal Amorim relatou, por exemplo, que “o município de

Anajás é um dos mais ricos do estado. Tem uma renda anual de perto de 200 contos. A sua

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maior exportação consiste na borracha” (AMORIM, 1909:145). Já sobre o município de Breves

assinalou: “Fundada no começo da primeira metade do século passado, teve a honra de cidade

em 1882. A sua principal fonte de riqueza é a goma elástica” (AMORIM, 1909:145). Observa-

se que a vila só ganha status de cidade em 1882, momento áureo da extração do látex.

A título de curiosidade vale dizer que, de acordo com Carneiro (1956:81), a borracha

produzida no arquipélago de Marajó possuía uma qualidade inferior que as demais, pois era

produzida a partir da mangabeira. A despeito dessa informação, verificamos o grande potencial

econômico proveniente da borracha da região, pois, tradicionalmente, o sudoeste do Pará,

principalmente a cidade de Santarém, era quem aparecia com maior destaque na lista dos

municípios exportadores de borracha.

No periódico O Liberal do Pará, localizamos inúmeras matérias que criticavam o

estado físico das cidades marajoaras no início da década de 70 do século XIX. Valorizamos,

então, o modo como o matutino revelou essa situação crítica dos espaços urbanos no período

inicial da Belle Époque, mostrando que seu desenvolvimento estrutural só se daria realmente a

partir do período final da década de 1870 e início da de 1880.

É preciso, antes mais nada, esclarecer o roteiro histórico da economia na região da

Amazônia Marajoara. Antes da introdução da borracha como fonte econômica primária,

ganhava destaque, no Marajó dos Campos, principalmente a criação de gado. “Na secção dos

campos estão as fazendas de criação, em número máximo de 250, entre grandes e pequenas,

compreendendo todas o número máximo de 300.000 cabeças de gado bovino” (FERREIRA

PENNA, 1898:166). O comércio era voltado tanto para o mercado nacional quanto

internacional, sendo exportadas perto de 40 mil cabeças de gado por ano para o consumo do

Pará, Amazonas e Acre, além de Caiena, Paramaribo e Georgetown (AMORIN, 1909:131). Já

no Marajó das Florestas, sobressaia-se, “além de borracha e castanha (noz do Brasil como se

diz na Europa), a salsaparrilha, a baunilha, a quina, a piassava e outros produtos de procura

universal” (AMORIN, 1909:123). Vale mencionar que, dentre os “produtos de procura

universal”, o cacau era produto de grande valia frente sua larga utilização na produção do

chocolate.

A partir de 1840, a extração do látex se intensifica e passa a ser a fonte primária da

economia marajoara. Tal fato provocou diversos impactos nas esferas econômicas, sociais e

patrimoniais da região. No período entre 1840 a 1880, a produção de gado nos campos

marajoaras diminuiu de 500.000 cabeças para 300.000. Ferreira Penna (1909:171), em balanço

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sobre o assunto, apontou, além da mudança na base econômica, os roubos, as inundações e a

escassez de cavalos também como fatores preponderantes a tal déficit. Da mesma forma que a

criação de gado caiu, seguiu-se também da mesma forma a exploração dos recursos florestais,

sendo deixado para segundo plano.

Aspecto discutido pela historiografia amazônica que implode com o sentido restrito de

ciclo da borracha trata da diversidade de atividades extrativistas e usos dos recursos naturais,

animais e minerais pelos seringueiros em tempos de economia gomífera. Edison Carneiro

(1956:88) comenta sobre o assunto:

Ao lado da extração do látex da seringueira, o caboclo amazonense aproveita o couro

de jacarés e porcos (em alguns casos, tem o dever de vendê-los, de preferência ao

patrão) e, nos meses de inverno, emprega-se em outras atividades. Estas "indústrias

de inverno" relacionam-se com a jarina, o timbó e, ocasionalmente, com o corte de

madeiras, como cedro e águano.

Notamos que, durante os meses de inverno, devido talvez ao grande nível

pluviométrico da região amazônica, a atividade seringueira ficava impossibilitada, levando

homens e mulheres da região a adaptar-se aos tempos da natureza, indo buscar em outros

recursos da floresta um meio de subsistência. Outro fator de grande importância a ser

mencionado é a questão da extração da madeira, que exemplifica um nítido processo de relação

comercial e não mais sustentável por parte do seringalista.

A economia gomífera foi muito mais que mero arquétipo econômico. Socialmente

falando ela modificou costumes, introduziu novos padrões de relação com a natureza e revelou

novas formas de poder. Sobre tal questão as pesquisas mostram que a introdução do látex fez

com que fosse gerada uma “febre pelo ouro negro” que levou inúmeros trabalhadores, de dentro

e fora da região amazônica, a embrenhar-se nas matas em busca da borracha. Como exemplo

de tal fato, retivemos o seguinte relato sobre o Marajó das Florestas:

“(...) há muitas terras férteis pela umidade e calor que nela reinam, grande variedade de madeiras

estimadas, para construções, numerosas plantas uteis a medicina e a indústria, e uma quantidade

extraordinária de seringueiras (Sinphonia elástica), com cujo suco se prepara a borracha do

comércio. Esta parte tem sido considerada o Eldorado dos seringueiros, cabendo-lhe muito melhor

o nome de cemitério da indústria e civilização da província, pelo mal que faz a população o fabrico

da borracha” (FERREIRA PENNA, 1898:166).

A leitura da diversidade de escrituras sobre a Belle Época na Amazônia permitiu

visualizar que, apesar de o arquipélago de Marajó, especialmente, em sua região de florestas,

ter sido território de grande extração e exportação de borracha para Belém e daí para o exterior,

poucas mudanças parecem ter ocorrido nos espaços urbanos de suas cidades, assim como não

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se percebeu grandes alterações na qualidade de vida dos habitantes da região. Na década de

1930, quando D. Alonso da Consolação realizava a primeira visita pastoral nas comunidades

rurais do Marajó das Florestas, após ser empossado bispo da Prelazia de Marajó, denunciou o

quadro social em que se encontrava os moradores da região.

A região dos seringais está mais povoada, mas... Santo Deus! Que quadros tristes se

desenrolam. Pessoal faminto, esquelético e quase nu. Muitas vezes dá vontade até de

chorar pelo pouco que se pode fazer por estes desaventurados. Não tem o hábito de

trabalhar; não tem, também, um trabalho remunerador. Se dedicam, principalmente, a

extração da borracha. Cada homem tira um quilo ou algo mais por dia. Vale $ 600 ou

900 reis diários? Isso acontece a estes desventurados (ALONSO, 1932:263).

A visão pessimista sobre o trabalho nos seringais, apresentada por D. Alonso,

conectava-se a leituras e avaliações realizadas por muitos viajantes e escritores do século XIX.

Domingos Soares Ferreira Penna, na década de 1860, ao visitar povoados do grande arquipélago

viu como o trabalho na borracha moldou aquelas gentes. Entre as décadas de 1840 a 1890, o

alto valor do produto no mercado internacional atraiu elevado quantitativo de migrantes para

todas aquelas paisagens marajoaras e gestou mestiçagens e trocas culturais, alterando o modo

de vida regional, muito mais do ponto de vista da tradição oral e das relações socioculturais, do

que da infraestrutura e condições de vida locais. Sem bases sólidas para promover o

desenvolvimento, a economia da borracha representou, para Ferreira Penna, um grande atraso

que esfumaçou a luz da civilização em terras marajoaras.

A cobiça que exercita o preparo e comércio deste valioso gênero não tardou a

desmascarar-se; é ela que, enquanto sepulta nos seringais milhares de pessoas, vai

entretendo o resto da população na ignorância e no indiferentismo para a instrução,

para a religião, para com a Pátria, para com Deus, enfim, para todos os mais nobres

sentimentos do coração humano; e é por ela que a população definha e vive na miséria

e que todos os que se dão ao fabrico da borracha estão cobertos de dívidas e, morrendo,

arruínam suas famílias, prejudicam aos credores que tiveram a imprudência de lhes

confiar seus gêneros, e correm, assim, em parte, para os apertos e perturbações em

que se tem achado o comércio da Capital (FERREIRA PENNA, 1971:63).

Um mundo marajoara em ruínas, indiferente à civilização, degradado material e

moralmente preso à ignorância religiosa e ao analfabetismo foram traços da fisionomia regional

esboçados pelo naturalista, que pareciam explicar porque, em 1930, D. Alonso encontrou uma

população “desventurada, preguiçosa”. Leituras subjetivas de viagens com interesses distintos

encontram-se nessa exposição, fazendo pensar no poder formador dessas letras nas

representações propaladas sobre o Marajó das Florestas e suas gentes em âmbito nacional e

internacional (KELLNER, 2001).

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11

Tanto para Ferreira Penna, quanto para D. Alonso, aquela população deveria ter

abandonado a borracha e investido seus interesses na agricultura, cultura do cacau, café,

algodão, mandioca, urucu, no pastoril, nas sementes oleaginosas. O certo é que o lado ocidental

marajoara, nos anos de 1930, tinha sua base de sustentação assentada na produção extrativista.

Mesmo que o preço da borracha tivesse caído vertiginosamente, antigos comerciantes, em seus

barracões ou mesmo regatões, continuavam a negociar com populações locais esses e outros

produtos extraídos da floresta.

A tradição do látex na vida marajoara também provocou impactos na esfera patrimonial.

Em 18 de janeiro de 1870, encontramos referência ao precário estado das urbes marajoaras. A

matéria toma como exemplo a cidade de Breves que, com o desenvolvimento da extração da

borracha, viria a se tornar uma das mais estruturadas da região. Antes disso, apreende-se que

“a cadeia (um simples telheiro) mais se assemelha a um curral de cabras do que a uma casa de

guardar presos!” (O Liberal do Pará, nº 13, 1870:01). O autor, identificado como J. P. Bricio,

ainda nos fornece mais um dado importante em seu relato:

Faz dó ver-se o estado pouco agradável em que se acham as vilas e cidades do interior

da província! Qual a causa de tamanho mal? A meu ver não é senão a incúria

administrativa, e o maldito sistema de centralização. Assim como a corte do Império,

parasita-mor, suga toda a seiva das províncias, para poder sustentar os caprichos do

monarca que entre nós reina, governa e administra; assim também as províncias por

sua vez sugam toda a seiva de suas cidades e vilas, não tanto para benefício seu, mas

sim para favorecer os interesses de meio dúzia de indivíduos, que entendem que é

coisa muito lícita dispor dos cofres públicos do mesmo modo por que um particular

despende aquilo que lhe pertence (O Liberal do Pará, nº 13, 1870:01).

Além de relatar o estado da cadeia, a matéria ainda propiciar o entendimento

patrimonial da época que, estando ligado ao material, colocava a cadeia como parte integrante

desse patrimônio. Desta forma, necessitava de cuidados, tanto para desenvolver sua função

primária, quanto para exaltar o desenvolvimento da localidade em tempos de economia da

borracha. Mais do que isso, o jornalista permite compreender os usos dados as verbas públicas

que, sendo usadas para usufrutos pessoais, acabava por negligenciar o patrimônio local.

Chama a atenção outra matéria jornalística, desta vez das letras do jornal emerge a

cidade de São Sebastião da Boa Vista com uma situação peculiar. Lá um padre recolhe dinheiro

da população com discurso de que faria reparo externo da Igreja matriz da região, mas não

efetua o prometido.

(...) a nossa igreja está até hoje com a forma exterior que não se pode ver, e arriscada

a ficar em ossos com as chuvas que começam a cair. O reverendo não cuida da

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religião, serve-se, como ele mesmo diz, do seu ministério para interesse puramente

seu, e que por tralhas ou por malhas enriquecer para ir dar um passeio à Europa, tendo

já elevado o preço das missas, casamentos, batizados e enterros, recebendo por cada

missa a cantochão (10:000 reis) dez mil reis de pé d'altar, o que n'outras freguesias

custa quatro a seis mil reis; por cada casamento dezesseis e vinte mil reis (O Liberal

do Pará, nº 13, 17 de janeiro de 1871:01).

Notamos que, segundo a pena do jornalista de O Liberal do Pará, o padre se apropriava

da boa vontade e crença da população para, em nome da igreja matriz e do padroeiro, arrancar

dividendos com fins pessoais. Ainda na matéria é possível destacar dois aspectos: o primeiro é

a frágil situação da igreja; com as chuvas que se aproximavam da região, era quase impossível

o templo manter-se em pé frente ao seu estado de degradação. O segundo aspecto é a

representação afetiva que a sociedade local revela pelo patrimônio religioso.

A matéria é fruto de uma carta anônima encaminhada à redação do jornal, publicada

na íntegra, que expressa severas críticas às práticas do reverendo. Brota das letras do jornal, um

sentimento de revolta e condenação, por parte dos boa-vistenses, acerca da postura do padre,

destacando-se não apenas atitudes de ganância, autoritarismo e avareza, mas pouco cuidado

com o patrimônio religioso em seu templo e diversidade de equipamentos, como se pode

acompanhar na referida matéria: “A igreja conserva quase sempre imunda não tendo sido uma

só vez lavada, e bem pouca varridas aos domingos; os paramentos estão quase sempre sujos; o

nosso vigário olha-os só na ocasião de ir dizer a missa, estejam como estiver” (O Liberal do

Pará, nº 13, 17 de janeiro de 1871:01).

A religião católica exercia grande influência na representação patrimonial afetiva e

oficial das cidades marajoaras. Em matéria referente a São Sebastião da Boa Vista emerge uma

queixa ao mesmo frade da matéria anterior, desta vez destacando:

Pergunta-se ao padre Matheus Augusto da Silva França, se ainda não encontrou uma

imagem de São Sebastião, à medida de seu desejo, e bem perfeito, para empregar as

esmolas que nesta freguesia pediu; dizendo que queria substituir o nosso antigo e bem

milagroso, por um maior e mais perfeito. Pelos meses que há decorrido parece mais

ser para substituir a mãe do sol (O Liberal do Para, nº 247, 29 de Outubro de 1870:01).

Tal matéria é complementada pela seguinte:

(...) assevero-lhe que o revm. recebeu o dinheiro para mandar vir uma imagem de São

Sebastião mais perfeita que do nosso milagroso, e que é falso ter promovido outra

subscrição, porque a primeira não chegasse; que o revm. tem estado calado com esse

dinheiro sem dar razões aos contribuintes, por que não tem mandado vir a imagem (O

Liberal do Pará, nº 13, 17 de janeiro de 1871:01).

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O santo em questão assume papel de destaque na vida dos moradores de São Sebastião

da Boa Vista. Para além das promessas não cumpridas do padre e as críticas a sua postura, o

padroeiro dos boavistenses aparece como importante patrimônio afetivo do lugar. Nesse mesmo

tempo em que foram noticiadas as denúncias das artimanhas daquele religioso, os habitantes do

arquipélago em meio ao trabalho na extração da borracha, viviam importunados pelas febres.

Tal epidemia causou inúmeras mortes, atacou diversas vilas e cidades e, devido à falta de

saneamento, médicos ou medicamentos, quase dizimou ou fez desaparecer algumas cidades.

Uma correspondência de Breves encaminhada por um morador, que se assinou com O Veritas,

ao O Liberal do Pará, mostra que em função da forte epidemia, a cidade encontrava-se quase

inabitada.

São estas as primeiras impressões que sentiu ele ao saltar na outrora florescente vila

de Breves: Nada lhe posso dizer de favorável a cerca deste lugar. Tudo aqui é uma

verdadeira miséria. As febres continuam sempre assustadoras. Imensos pardieiros

casas desabitadas e quase ocultadas entre o mato que assoberba as ruas da vila; eis

tudo o que minha vista tem alcançado depois de três dias que me acho lançado no

meio desta solidão e tristeza (O Liberal do Pará, nº 146, 04 de julho de 1871:02).

Semelhante a esta matéria, a pesquisa entrou em contato com outras denúncias do

precário estado de saúde pelo qual passava Breves. Em 1872, a situação ainda viria a se agravar

perante o assolo de mais uma epidemia, desta vez reduziu bruscamente parte da população da

vila, matando, inicialmente, 14 pessoas nas proximidades de um igarapé do município. Em 10

de março de 1872, tal mal foi popularmente denominado “entorta”, cujo batismo provém dos

sintomas causados, principalmente, por convulsões. Os efeitos do “Entorta” foram tão

calamitosos que provocaram um esmorecimento do comercio local e uma escassez de recursos

frente ao impedimento do trabalho provocado pela epidemia.

Em meio a esse quadro nada consolador para as décadas iniciais da Belle Époque no

Marajó das Florestas, informações sobre o precário estado sanitário e o aparecimento e

disseminação de doenças na região, acirram esse retrato de realidade. Constatamos uma

dispersão da patologia inicialmente pela parte sul e nordeste do arquipélago nos dois primeiros

anos da década de 1870, atingindo municípios como Breves, Gurupá, São Sebastião da Boa

Vista, Melgaço, Salvaterra e Soure.

Nos relatos de alguns viajantes que passaram pela região nas últimas décadas do século

XIX, com os quais a investigação interagiu, frente à face calamitosa em que se encontravam as

cidades da região, surpreendem-se registros do vasto patrimônio natural que o arquipélago

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possuía. Ganha destaque os imensos campos alagados, rios e o fenômeno da pororoca na região.

As impressões de Frederick Hartt sobre a cidade de Gurupá são registradas:

A vila é pequena, meio deserta desde que começou a aparecer a febre da extração da

borracha, está em ruinas. É muito insalubre, predominando as febres, o que não é para

admirar, visto como toda a vizinhança é pantanosa. Às vezes a localidade está

inteiramente abandonada e o comandante do Jurupense me disse que, uma vez, achou

só três pessoas na vila, estando uma delas a ponto de morrer de fome (...) (HARTT,

1898:179).

Notamos uma cidade marajoara quase deserta, tendo somente três habitantes no local

e estando um ainda a ponto de falecer. O que está por trás da pena do naturalista inglês? Outro

fator importante a ser observado no texto de Hartt é a data de sua publicação, 1898, sendo seu

recorte os anos 1897 e 1898. Tal fato evidencia que, mesmo com o período áureo da extração

da borracha, cidades produtoras ficavam à margem do desenvolvimento, indo na contramão do

processo iniciado nos grandes centros urbanos como Belém e Manaus. Se a bela época criou

um muro entre o centro e a periferia, colocando grande parte da população à margem dos

direitos ao progresso e às políticas urbanistas e melhores condições de vida, no interior do

Marajó apenas alguns poucos proprietários usufruíam da rede de exploração das riquezas

naturais e da mão de obra marajoara.

Nesse circuito histórico, matéria de 27 de Fevereiro de 1873 do jornal O Liberal do

Pará, traz novamente a realidade gurupaense mergulhada em tempos de abandono. A pena do

jornalista pinta um cenário que nos faz perguntar: que Belle Époque é essa?

Ontem cheguei, e assim que desembarquei, cuidei de ir dar um passeio e distrair um

pouco, pensando todavia encontrar coisas mais agradáveis do que lá no mato donde

vim; porém enganei-me redondamente; porque no momento de transpor o limiar da

porta, fiquei espantadíssimo vendo o deplorável estado dessa vila, com suas ruas e

praças todas cobertas de mato, as paredes de algumas casas ocultas sob as trepadeiras,

e outras esverdinhadas, proveniente das vigorosas chuvas; finalmente, mostrando em

tudo um aspecto medonho e sepulcral; por isso segui sempre caminhando para o lado

da câmara municipal, e não imagina v. s. o susto que tive, quando voltando-me para

o lado direito, vejo de ir saindo de entre o mato um homem, que a princípio tomei

como um bicho em forma humana, com as faces e olhos escovados, cabelos em

desalinho e mui crescidos caminhando cabisbaixo e nu completamente (O Liberal do

Pará, N. 47. Quinta feira, 27 de fevereiro de 1873:02).

A descrição reconstitui uma cidade tomada pelo abandono, aparentemente deserta, sem

cuidados. Exaltando ainda mais a morbidade do local é mostrado determinado sujeito que, se

equiparando a ambientação, também se mostra abandonado como que a dizer o retorno do

homem ao seu estado de natureza e incivilização. É de extrema importância mencionar que a

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matéria é assinada por um “Gurupaense”, natural da cidade e que se abisma ao ver a situação

da localidade e busca, no jornal, chamar atenção das esferas públicas responsáveis pelo

município sua chocante realidade. Caminhando em perspectiva regressiva, uma passagem do

livro Viagens pelo Brasil recupera mais uma vez a situação da cidade, dos moradores e seus

patrimônios na década de 1860.

Gurupá: Esta vila está situada numa barranca pouco elevada, a uns trinta pés acima

do nível do rio. Na parte saliente dessa barranca, encontra-se um forte abandonado;

em frente, abre-se a praça em que está a igreja, muito grande e, pelo menos,

aparentemente em bom estado. Mas a povoação evidentemente não está a caminho da

prosperidade. Muitas casas se acham desertas e em ruinas e parece existir aqui ainda

menos atividade do que na maior parte das povoações da Amazônia. Falaram-nos

muito da insalubridade do local e vimos vários casos graves de febre intermitente em

mais de uma casa em que entramos (AMORIN, 1909:462)

Exploramos o caso de Gurupá para evidenciar o estado de grande parte das cidades

marajoaras nos tempos em que a economia da borracha alterou significativamente o cotidiano

de vida da população regional. Em algumas localidades, o retrato social, monumental e humano

encontrava-se tão crítico que havia, inclusive, pedidos de finalização de determinados serviços

públicos por falta de aproveitamento. Tal situação melhor se visualiza em São Sebastião da Boa

Vista, onde foi pedido, em matéria de 24 de Agosto de 1873 do periódico O Liberal do Pará, o

fechamento da escola para meninas do local, pois se considerava um desperdício o gasto com

tal fim considerando, quase inexistente, a presença de meninas dispostas a frequentar a

instituição.

Outros Retratos de Patrimônios e Belle Époque

Antes de 1870, Henry Walter Bates, em uma das suas viagens ao interior da Amazônia,

também descreve Gurupá enquanto “uma área pedregosa isolada, pois o resto da região é baixo

e sujeito a inundações na época das chuvas” (1973:36). Assim, é possível dizer que naturalistas,

e viajantes e jornalistas que percorreram rios e localidades amazônicas no século XIX, a

exemplo de Bates, procuravam registrar diferentes aspectos da vida na região como as questões

sociais, ambientais e econômicas Como estamos acompanhando, emergem nesses escritos,

visões sobre mulheres e homens e patrimônios em precárias condições de existência.

Emilio A. Goeldi em Maravilhas da Natureza na Ilha do Marajó relata a grande

ocupação econômica da borracha no Marajó das Florestas: “na metade sudoeste, em que

predomina a floresta virgem, tipicamente amazônica, expande-se, sob o signo do Aquário, a

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colheita da borracha” (1899:371, grifo nosso). É sempre importante assinalar que a borracha

foi para esses municípios um dos maiores convergentes econômicos da época. Conforme

mencionamos anteriormente, Breves exportou cerca de 1.547.374 quilos de do produto em 1900

(WEINSTEIN, 1993:323). A borracha era um dos produtos substanciais da economia

marajoara, juntamente com a atividade pecuária e agrícola.

Produtos exportados no Marajó dos campos e das florestas em 1875.

Região

Produtos exportados

Melgaço Borracha, castanhas, couros de veado e madeira

Portel Borracha e farinha

Gurupá Borracha, cacau, salsa e castanha

Chaves Borracha e gado

Breves Borracha, tijolos, louças, telhas e andiroba

Curralinho Borracha e cacau

Cachoeira Borracha e gado

Monsarás Gado e farinha

Soure Gado

Fonte: (O Jornal do Pará, n. 78, 1875:01)

Frente à notável quantidade de produtores exportados dos municípios marajoaras, a

região tornou-se território de grande importância no quadro econômico paraense no contexto

da Belle Époque, pois a maioria de seus municípios, especialmente no lado ocidental,

funcionavam enquanto produtores e exportadores da borracha. Assim, perante a economia do

local, a Amazônia Marajoara era grande criadora de gado pelos campos e grande produtora de

borracha pelas florestas:

A mais rica e importante indústria da ilha de Marajó é a criação do gado vacum, para

o que há campos vastíssimos que ocupam um pouco mais da metade da superfície da

ilha. Na contra-costa há uma boa olaria em que se fabrica telhas, tijolos e louças

vermelhas. No município de Muaná, cultiva-se ainda o cacau e, como no baixo Arari,

há boas plantações de cana e um bom número de engenhos em que se fabrica

aguardente e uma quantidade de açúcar. Com estas exceções, o gado nos campos e a

borracha nas matas são as únicas produções da ilha (O Jornal do Pará, n.º 26,

1876:01).

Pensando o Marajó enquanto um grande produtor e exportador de borracha, como toda

essa economia irá responder às necessidades humanas e de construção de espaços urbanos

marajoaras? Como funcionava a dinâmica do patrimônio em terrenos específicos onde no

inverno muitos dos municípios são alagados, formando vastas ilhas? É importante ter em mente

as condições ambientais com a qual os marajoaras são obrigados a enfrentar e a se relacionar

frente as condições geo-culturais vivenciadas na região.

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Sabemos que por ser uma região insular, todos os municípios são construídos e

cercados pelo regime das águas que no inverno tomam os campos, alagando-os. Dentro dessa

característica ambiental, o interessante é pensar que o mesmo rio que gera a borracha, alaga as

construções dos municípios. Tal cenário visualiza-se em Chaves:

os ventos são com efeitos muito rijos, agitando muito as aguas do rio e tornando

perigoso o movimento de cargas e passageiros. Pode-se dizer que a vila tem mais de

uma vez mudado de lugar, recuando para o campo; o antigo quartel ocupava outrora

mais ou menos o lugar em que hoje fundia o vapor da companhia do Amazonas, e

aquele em que existiu a antiga igreja matriz é hoje o limite inferior da praia na maior

baixa-mar, cerca de 240 metros da vila atual; e muitas casas modernas estão sendo

olvidas e desmoronadas à medida que o terreno alto em que foram construídas se vai

desfazendo em cada ano pelo efeito do embate das ondas (O Jornal do Pará, nº 26,

1876:01).

Assim, a produção da borracha não é frutífera apenas em relação às florestas, pois os

rios também têm relação com as seringueiras, o Pracuúba Guanaticu e o Mapuá são exemplares,

pois “são abundadíssimos de seringueiras e muito povoadas de barracas de fabricantes de

borracha e de negociantes” (O Jornal do Pará, nº 26, 1876:01).

Perante o enfrentamos da cidade com o rio e suas forçadas modificações, o modo como

as populações marajoaras vão operar culturalmente poderá ser analisado também, a partir da

relação com as dinâmicas ambientais. A construção do patrimônio no Marajó está pautada,

nesses termos, pela relação que homens e mulheres estabelecem com tempos de cheias e

vazantes e suas fortes pancadas como ocorre em Chaves, terra ancestral da Pororoca por situar-

se em lugar de encontro do Amazonas com o Atlântico.

Apreendo cultura como “processo social fundamental que modela “modos de vida”

específicos e distintos” (WILLIAMS, 1979:23), percebemos que as condições patrimoniais

dentro do Marajó vão estar relacionadas a uma dinâmica cultural diferenciada. Um exemplo

emerge da observa registrada por O Jornal do Pará a respeito da relação do ensino escolar e do

trabalho da borracha:

O estado do ensino no interior da província nada tem de lisonjeiro; a matricula dos

alunos é, quase sempre, uma ficção oficial e a relação da frequência, as vezes, não o

é menos. “O mal tem sua origem principal nos hábitos, costumes e, frequentemente,

nas necessidades ou falta de recursos da maioria dos habitantes, mormente dos que

nunca tiveram instrução alguma. “Lá para fins de Janeiro os pais começam a regressar

à povoação trazendo consigo os filhos que muitos fazem logo matricular na escola. O

professor ou professora faz a inscrição no livro de matricula, abrem-se as aulas e os

discípulos as frequentam 3,4 ou 5 meses. “No fim deste período, os pais que, na forma

habital, tem de preparar-se para a safra da borracha, vem pedir dispensa dos filhos e

filhas, estas para ajudarem a fazer a farinha, e aqueles para lhes ajudarem a ajuntar

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caroços de urucury, necessários para a defumação da borracha (O Jornal do Pará, nº

31, 1876:01-02).

Qual modelo de escola orientava a vida de famílias marajoaras que organizavam seu

tempo de trabalho e moradia de acordo com os tempos de plantio, colheita, lazer e descanso?

Atravessada por uma concepção de progresso, instrução letrada pautada no modelo de educação

francesa, o cotidiano escolar da região no século XIX deixa ver precários índices de frequência

escolar pelas dificuldades que os trabalhadores rurais tinham de ficar durante um ano em uma

única área da região. Os modos de vida marajoara sintonizados com tempos de safra e entre-

safra, tempos de descanso ou trabalho menos forçados e tempos intensos de trabalho que

envolvia toda a família, seguiam na contramão do regime do tempo escolar.

De acordo com O jornal do Pará, outra indústria que ascende no Marajó dos Campos,

concomitante à criação bovina, é o roubo do gado. Os fazendeiros são os que mais furtam o

gado na região, seja pelo costume, para criar, comer e, até mesmo, para variar de alimento.

Assim, o roubo do gado no Marajó deixa de ser apenas um fator econômico, pois “é um habito

que tem passado inalteravelmente de tataravós a tataranetos, de geração a geração, e que tido a

sanção de mais de um século. Em outros termos: o furto de gado em Marajó é um costume e

um costume tradicional” (O Jornal do Pará, n.º 38, 1876:01).

Os tempos da Belle Époque na região, de acordo com o jornal, mostram-se vivas

perante as práticas dos moradores de florestas e campos, os quais atualizavam antigas tradições

e relações interpessoais. A visão dos tempos de estudar e a prática do roubo do gado ainda hoje

caminham no cotidiano de vida da região. A dinâmica do roubo é marcada pela memória dos

marajoaras. Inferimos que, além do seu valor econômico, existe uma carga simbólica e mesmo

afetiva no ato de roubo o gado alheio (SARRAF-PACHECO, 2009).

Centrando-nos a partir de agora nos patrimônios edificados e existentes na região, em

rápido lance de vida, mapeamos edificações que, O Jornal do Pará, registrou dos municípios

de Melgaço, Portel, Gurupá, Chaves, Breves, Curralinhos, Muaná, Cachoeira, Monsarás e

Soure.

O município de Melgaço, no contexto da Belle Époque, possuía uma igreja matriz,

uma cadeia, uma escola primaria para homens e com o estado sanitário em níveis péssimos de

qualidade. Portel trazia em seu retrato visual, uma igreja matriz, a casa das sessões municipais

e cadeia, três escolas, duas públicas, uma particular e o estado sanitário em nível deplorável,

que, segundo as letras do matutino, já esteve ótimo em 1868. Em Gurupá “o governo colonial

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fortificou o Mario-Cay, um forte em ruinas. A cidade possui um porto por onde fazem os

transportes com os vapores da Companhia do Amazonas. Os edifícios públicos eram a Igreja

matriz, a casa da câmara, cinco escolas públicas, o estado sanitário satisfatório e muros

derrocados da antiga fortaleza.

Chaves revelava-se na pena do jornalista com duas igrejas matrizes, uma nova em

construção e a antiga que já estava em ruínas; uma cadeia e uma casa da câmara; três escolas

públicas e o estado sanitário não sofreu alteração, quase sempre muito satisfatório. Já Breves

mostrava sua igreja matriz, casa da câmara. Ali, escreve o jornalista, também fabrica-se “uns

vasos pintados de cores vivas, que são muito estimados dos curiosos por considerá-los como

parte do produto da indústria indígena” (O Jornal do Pará, n. 75, 1875:01). Além desses bens

patrimoniais urbanos e ancestrais, Breves possui um porto, duas escolas primárias, estado

sanitário com níveis melhorados e precisando de uma cadeia que, neste período, ocupava um

casebre em ruinas.

Curralinho emerge entre as escritas do jornal paraense com uma excelente igreja

matriz, duas escolas de ensino primário, um porto e com o estado sanitário quase satisfatório.

No município de Muaná, existe uma igreja matriz, uma casa municipal, um quartel que serve

de cadeia e 82 casas habitadas, cinco casas de comércio, duas padarias, três alfaiates e dois

sapateiros, duas escolas de ensino primário. A cidade ainda “pede a construção de uma estacada

para impedir o desmoronamento das casas situadas à beira do rio, o concerto do cemitério e

reparos urgentes do quartel na parte que serve de cadeia, em ruinas, e outras medidas que a

câmara julga necessárias para cuja execução não tem ela rendas suficientes” (idem).

Já Monsarás possui uma igreja matriz, três escolas de ensino primário e sem nenhum

desgaste no sistema sanitário de saúde. Por último, Soure apresentava-se com seis escolas e

uma escola noturna, a casa da fazenda nacional São Lourenço, uma igreja matriz que tem sua

sacristia servindo de cadeia e quartel da guarda.

Estes foram as principais representações do patrimônio bellepoqueano marajoara, não

encontra-se o patrimônio legitimado pelo valor de nacionalidade ou outros valores

constituintes, mas pode-se entender que hoje esses marcadores constituem os indícios de

patrimônios situados no início da Belle époque na Amazônia Marajoara.

Esse trabalho também se constitui para evidenciar que o patrimônio marajoara não

prescinde apenas das famosas urnas e cerâmicas marajoaras, mas que outros patrimônios podem

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ressonar vozes perante o estado mais democrático (a partir dos anos de 1870) que se encontram

as questões patrimoniais hoje no Brasil e no mundo.

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