1 o processo de construção da reconhecida “cidade imperial”€¦ · transpirava uma sociedade...

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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. 1 Percepções, Construções e Transformações na Cidade de Petrópolis, RJ Elis Regina Barbosa Angelo 1 1 O processo de construção da reconhecida “Cidade Imperial” A cidade “Imperial” teve sua organização espacial formada por sesmarias, que posteriormente transformadas em fazendas acabaram por constituir os primeiros espaços a se organizarem enquanto territórios de Petrópolis e que, na atualidade configuram-se como bairros. D. Pedro I adquiriu propriedades que até hoje são comercializadas tendo como participação ativa de seus descendentes as taxas pagas em cumprimento ao laudêmio. 2 O Código Civil de 2002 acabou por proibir a constituição de novas enfiteuses, ou laudêmios, mas em cumprimento às já existentes, especialmente as do Código Civil de 1916, manteve-se a cobrança sobre a aquisição de terras e imóveis na cidade, ao menos em partes onde houve aquisição por parte da família real. Os bairros atualmente configurados eram propriedades com extensas áreas, nas quais iam se formando palácios e mansões, onde o reinado passava parte do ano, conforme pesquisas sobre a História da cidade. Para sua construção alguns arquitetos franceses e ingleses tiveram relevante papel na formatação de suntuosas edificações que, prevalecem em grande parte enquanto patrimônio histórico e cultural da cidade. D. Pedro II, após a abdicação e morte de seu pai em 1834, herdou as fazendas, que, após diversos e constantes arrendamentos, acabou sendo transformada em cidade imperial. Apesar dos anseios de D. Pedro I não serem efetivados, a família real ainda usufrui de benefícios criados durante esse período, por seus descendentes que vivem ou não na cidade. A cidade foi programada para ser estância de verão da Corte e ao passo que transpirava uma sociedade em ascensão, enquanto ultima iniciativa colonial, tratava de 1 Doutora em História pela PUCSP; Bacharel em Turismo pela PUCCAMP; Especialista em Administração Hoteleira pelo SENACSP; Mestre em Turismo pelo UNIBERO; Mestre em História pela PUCSP; Professora do Departamento de Administração e Turismo da UFRRJ. Greupos de Pesquisa: NEPET e NUPAM. Contato: [email protected] 2 A cidade de Petrópolis ainda paga a taxa aos descendentes de D. Pedro, ou seja, sobre toda e qualquer transação imobiliária feita na cidade, é cobrada uma taxa de 2,5% sobre o valor total, chamada Laudêmio. Isso ocorre por que as terras que hoje formam a cidade faziam parte da fazenda comprada por D. Pedro, que foi doada, loteada e urbanizada, com a condição do pagamento desse imposto.

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Page 1: 1 O processo de construção da reconhecida “Cidade Imperial”€¦ · transpirava uma sociedade em ascensão, enquanto ultima iniciativa colonial, tratava de 1 Doutora em História

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

1

Percepções, Construções e Transformações na Cidade de Petrópolis, RJ

Elis Regina Barbosa Angelo 1

1 O processo de construção da reconhecida “Cidade Imperial”

A cidade “Imperial” teve sua organização espacial formada por sesmarias, que

posteriormente transformadas em fazendas acabaram por constituir os primeiros espaços

a se organizarem enquanto territórios de Petrópolis e que, na atualidade configuram-se

como bairros.

D. Pedro I adquiriu propriedades que até hoje são comercializadas tendo como

participação ativa de seus descendentes as taxas pagas em cumprimento ao laudêmio.2

O Código Civil de 2002 acabou por proibir a constituição de novas enfiteuses, ou

laudêmios, mas em cumprimento às já existentes, especialmente as do Código Civil de

1916, manteve-se a cobrança sobre a aquisição de terras e imóveis na cidade, ao menos

em partes onde houve aquisição por parte da família real.

Os bairros atualmente configurados eram propriedades com extensas áreas, nas

quais iam se formando palácios e mansões, onde o reinado passava parte do ano,

conforme pesquisas sobre a História da cidade.

Para sua construção alguns arquitetos franceses e ingleses tiveram relevante

papel na formatação de suntuosas edificações que, prevalecem em grande parte

enquanto patrimônio histórico e cultural da cidade.

D. Pedro II, após a abdicação e morte de seu pai em 1834, herdou as fazendas,

que, após diversos e constantes arrendamentos, acabou sendo transformada em cidade

imperial. Apesar dos anseios de D. Pedro I não serem efetivados, a família real ainda

usufrui de benefícios criados durante esse período, por seus descendentes que vivem ou

não na cidade.

A cidade foi programada para ser estância de verão da Corte e ao passo que

transpirava uma sociedade em ascensão, enquanto ultima iniciativa colonial, tratava de

1 Doutora em História pela PUCSP; Bacharel em Turismo pela PUCCAMP; Especialista em Administração Hoteleira pelo SENACSP; Mestre em Turismo pelo UNIBERO; Mestre em História pela PUCSP; Professora do Departamento de Administração e Turismo da UFRRJ. Greupos de Pesquisa: NEPET e NUPAM. Contato: [email protected] 2 A cidade de Petrópolis ainda paga a taxa aos descendentes de D. Pedro, ou seja, sobre toda e qualquer transação imobiliária feita na cidade, é cobrada uma taxa de 2,5% sobre o valor total, chamada Laudêmio. Isso ocorre por que as terras que hoje formam a cidade faziam parte da fazenda comprada por D. Pedro, que foi doada, loteada e urbanizada, com a condição do pagamento desse imposto.

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mobilizar padrões de formação de mão-de-obra diferente do habitual uso da mão-de-

obra escrava.

Após a mudança na apropriação do espaço, conforme aponta Seyferth (2000:37)

“Com a Lei de Terras, nº 601, promulgada em 1850 e regulamentada em 1854, a

responsabilidade da província pela colonização e imigração descontentava os grandes

proprietários, que agora tinham em mãos a ampliação de seus recursos (...)”, a terra

agora era tratada por administradores que gerenciavam não apenas o uso do espaço de

trabalho, mas o fenômeno imigratório que pairava sobre o país.

Pensar em desvendar essa abordagem histórica demonstra uma preocupação em

evidenciá-los enquanto grupos privilegiando os estudos sobre a imigração no Brasil,

especialmente os alemães, primeiros colonizadores da cidade, e a eles outros grupos

que, posteriormente se integraram nos espaços e formaram uma multiplicidade de raças

e etnias.

A própria configuração física por meio das edificações e manifestações culturais

privilegia esse grupo de imigrantes, especialmente pelo conjunto de ações da

colonização da cidade, que, desde a chegada evidenciou-se nas construções físicas, na

organização de festas e na própria gastronomia oferecida.

Conforme dados fornecidos por Taulois (2007) as primeiras estatísticas

conhecidas do tempo da Colônia em 1845, já tinha alguns indicativos da imigração, no

qual se verifica a presença de 15 franceses, 61 portugueses, 7 ingleses e mais 81

brasileiros e 1921 alemães, considerados a grande maioria da população.

Dos mais variados grupos de imigrantes alguns acabaram privilegiando espaços e

traços de sua cultura, como é o caso dos alemães, que promovem grande parte das

festividades anuais e traduzem por meio de seus espaços e atividades grande parte das

características percebidas pelos turistas.

A colonização alemã foi mais expressiva em números, seus bairros, formavam

uma identificação com as regiões de onde vinham. Das divisões geográficas nacionais

algumas foram configurando aspectos edificados criando uma dimensão de

pertencimento.

A cidade modelava-se por movimentos norteadores de habitus, formas, dimensões

e critérios dos mais variados grupos de imigrantes, mas tinha na política de

configuração preceitos que se criavam e recriavam mediante os contatos culturais.

(Bourdieu,1989)

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O trabalho era uma forma de concentrar grupos, mas fortalecia essa constante

relação de descoberta do outro e de suas formas de ver e viver o cotidiano. Suas

relações com a religiosidade, costumes e tradições foi demarcando áreas e formando

outras comuns que se definiam por meio das necessidades de sobrevivência. O comércio

era um desses exemplos de encontro do outro. Em 1956, Petrópolis já concentrava uma

série de estabelecimentos, que continham diversas ofertas mediante as necessidades se

criavam.

A educação era baseada em línguas cujas nacionalidades pertenciam à formação

da cidade, ou seja, Alemã, Portuguesa, Francesa e Italiana, entre os particulares, alguns

colégios foram desaparecendo, considerando o maior contingente de imigrantes ora

instalados na cidade.

Conforme dados do IHP – Instituto Histórico de Petrópolis, alguns grupos

favoreceram construções espaciais e culturais das quais se observa:

Os portugueses, principalmente açorianos, vieram trabalhar na construção da

Estrada da Serra da Estrela, em pedras de cantaria e comércio. Juntamente

com eles surgem as floriculturas. Aos poucos foram se juntando a estes

grupos os franceses, que começaram as primeiras padarias, restaurantes e

também a confecção de peças de serralheria como as cruzes da Catedral de

São Pedro de Alcântara e da Capela de Finados, assim como a inscrição

Petrópolis, assinalando o batismo de povoação. (Taulois, 2007)

Os demais grupos foram desempenhando papeis cruciais na criação de heranças

no espaço e no trabalho, assim descrito:

No início, os italianos trabalharam na Companhia Petropolitana de Tecidos,

formando uma comunidade com vida própria, quase independente da

cidade. Aos poucos foram se aproximando de outros grupos. Atuaram

também em panificação, distribuição de jornais e diversas outras. Os

ingleses se destacaram em hotelaria e transportes. Também merecem

destaque os imigrantes suíços, belgas e libaneses, completando a formação

cosmopolita do petropolitano. (Bade, e Duriez, 1993: 37-38)

Os grupos chegavam e se organizavam mediante as possibilidades de trabalho. As

instituições de ajuda mútua se encarregavam de ajudar na aproximação dos que se

conheciam ou pelo menos se reconheciam como compatriotas.

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As perspectivas de trabalho traziam muitos emigrantes e, nessa relação havia

motivos de expulsão dos países que mandavam os emigrantes e atração do Brasil no

período de construção e povoamento das cidades.

Ao olhar para os processos de formação das cidades brasileiras, alguns fatos se

tornam repetitivos, pois, além das construções datarem de épocas próximas, as

motivações eram também aproximadas em interesses e argumentos para a relação de

entradas em diversas ondas imigratórias.

2 A cidade em perspectiva: quem são seus imigrantes?

A construção da cidade revela aspectos que muitos não observam no cotidiano, ao

passar pelas ruas, repletas de histórias e diversidades de olhares, nem sempre os

contrastes são visualizados, como algo que perpassa a compreensão do processo de

transformação dos espaços físicos e culturais refletidos na relação do sujeito com a

formação do lugar.

A transmissão de tradições, de hábitos e valores entre as gerações de pessoas que

habitam o lugar interagem com as práticas de sobrevivência econômica, social e

cultural, à medida que constrói sua realidade com base em um universo de

representações.

A própria denominação de ruas, lojas e demais representações temporais são

elos de formação simbólica, mesmo após a Proclamação da República e o exílio da

família imperial. “(...) Os armarinhos que vendem artigos franceses, e os palácios

continuam dando sentido a sua função emblemática, parecendo seguir outra lógica,

nessa cidade cujo nome já é uma referência ao período monárquico.” ( Lima, 2001: 17).

Os hábitos, costumes e valores trazidos pelos mais variados grupos inserem-se

na relação com o lugar. A configuração espacial permite um olhar direcionado para as

questões da construção do território, pensado como um espaço social vivido,

englobando “processos de subjetivação individual e coletiva e não relações funcionais

do tipo uso ou relações de uso: aqui lugar de morar; aqui lugar de trabalhar; aqui lugar

de circular.” (Rolnik, 1992: 28)

Ao atentar para a cidade de Petrópolis um ponto de observação se faz curioso, a

Rua do Imperador, considerada o coração da cidade. Ao ser planejada acabou sendo

“(...) a base da área da cidade; nela vêm convergir as outras ruas, em cujo

prolongamento se estendem os caminhos que conduzem aos pontos em comunicação

com Petrópolis.”(Ministério da Educação e Cultura, 1957: 10)

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Além da própria construção de ruas, vilas e estradas, a cidade mantinha-se como

ponto de partida e também como paragem e visitação das elites. Toda a região de

Petrópolis era um lugar que servia de passagem entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Esse fato veio a fomentar a vinda de D. Pedro I por volta de 1830, momento em que

adquire a Fazenda do Córrego Seco. Essa vinda para a região inicia uma trajetória de

investidas econômicas para a localidade, transformando caminhos, instalações e outras

obras imperiais de relevante edificação para o patrimônio cultural atualmente

visualizado.

Quando da abdicação de D. Pedro I em 1834, essas propriedades ficaram

arrendadas até 1842 e, com a sua morte, foram passadas a seu filho, D. Pedro II, e

graças ao Major Júlio Frederico Koeler, engenheiro do exército de Sua Majestade, e de

Paulo Barbosa, mordomo da Casa Imperial, a então fazenda ganhou um arrojado plano

urbanístico, que resultou na fundação da cidade em 16 de março de 1843.

Nesse momento histórico, em meados de 1850 muitas famílias alemãs,

portuguesas e italianas escolhem Petrópolis para viver e acabando sendo incluídas em

termos identitários à sua construção e configuração. Dos feitos alemães se tem em 1861

a primeira estrada de rodagem dom país, a Estrada União e Indústria que liga Petrópolis

a Juiz de Fora, MG.

Petrópolis continua a abrigar, como residentes ou veranistas, ocupantes dos

mais altos cargos do poder. Proclamada a República, os presidentes, até a

inauguração de Brasília, deram continuação ao rito de transferir os

despachos de verão para a cidade, onde permaneciam durante um curto

período do ano (Lima, 2001:34).

Com o exílio da Família Imperial e com a Proclamação da República Petrópolis

foi à capital do estado de 1894 a 1903, dando maior visibilidade à região serrana do Rio

de Janeiro. A então residência do Barão do Rio Negro torna-se casa de veraneio dos

Presidentes da República e, no ano de 1928, a cidade teve o privilégio de ter a primeira

rodovia asfaltada, a Washington Luiz, ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis.

O paulatino uso da cidade por habitantes do Rio de Janeiro tiveram alguns

motivos de saúde e higiene como providenciais após a década de 1850:

(...) a morte do filho de D. Pedro empurrou de vez os moradores de São

Cristóvão para os verões serra acima. Ademais, nesse mesmo ano a febre

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amarela vitimou para valer os habitantes da cidade-corte, levando aqueles

que tinham meios a seguir a mesma rota do imperador. Além de oferecer os

prazeres da convivência com a Coroa, Petrópolis convertia-se em rota de

fuga da febre amarela, em uma política sanitária da corte. (Schwarcz,

1998:235)

Além do uso da cidade pela questão do clima, da higiene e do modismo, alguns

segmentos também acabaram por se tornarem identitários, como a instalação de

algumas personalidades.

Dos segmentos artísticos que se tornaram pontos turísticos e relevantes para a

construção da cidade, suntuosas mansões e casas de celebridades foram incorporando ao

patrimônio cultural da cidade as casas de Santos Dumont, de Rui Barbosa, do Barão do

Rio Branco, de Nair de Tefé, entre outros.

De trabalho manual e caseiro, passou em 1880 a indústria, que foi um processo

que se deu principalmente devido à abolição da escravatura, unindo-se a este alguns

fatores decisivos, tais como o crescimento demográfico e o aumento de capital oriundo

da produção cafeeira. Nesse processo alguns hotéis de grande visibilidade foram

construídos, como é o caso do Palácio Quitandinha e do Hotel Bragança.

Da localização onde se insere o Palácio Quitandinha e sua respectiva

denominação há algumas curiosidades:

A Fazenda Quitandinha originou-se da aglutinação de duas áreas contíguas,

situadas no extremo meridional da Faixa de Sobrequadras Oeste do Atalho.

A "paragem Quitandinha", desde o início do Terceiro Quartel do Século

XVIII, gozava de uma identidade local e já fazia jus a esse cognome. Quanto

à origem do termo, podemos afirmar que se tratava do diminutivo

aportuguesado de "kitanda" que, no idioma quimbundo, significa feira ou

venda. Isso parece ter algum fundamento devido à localização da "paragem

da Quitandinha", situada justamente na conexão do Atalho do Caminho do

Sardoal com o Caminho da Taquara, em posição proeminente em relação ao

Porto do Rio de Janeiro. (Fróes, s/d, IHP)

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Imagem 1: Palácio Quitandinha - Foto de Elis Regina Barbosa Angelo - Março de 20103

Por meio dos dados analisados pelo Instituto Histórico de Petrópolis, o Palácio

Quitandinha, construído em 1944 deu à cidade uma nova possibilidade de ampliação da

demanda turística, onde se estabeleceriam os jogos, por meio de sua vocação de cassino.

No entanto, com a proibição dos jogos de azar, pautada no decreto-lei número 9215 de

30 de abril de 1946 assinado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, sua idealização teve

que mudar o rumo e assumiu nova funcionalidade.

Com o processo de industrialização do país, com as intensas migrações internas

de populações marginalizadas, a cidade se viu envolvida em um processo político

populista que a descaracterizou e permitiu que diversas áreas, inclusive as encostas dos

morros, fossem ocupadas de modo inadequado.

A modernidade inevitável e, nos últimos anos, a reestruturação da economia

mundial com a globalização impuseram a Petrópolis a condição de

subunidade do Grande Rio, deixando-a sem vida própria, crescendo sempre

o caráter suburbano de seus moradores, que passam a dividir com outros

locais o seu modo de vida. Em conseqüência, nos últimos anos, implacável e

impiedosamente, lojas e serviços de antiga tradição na cidade encerraram

sua atividade. Esses comércios foram sufocados pela dominação abusiva do

mercado por redes nacionais de lojas de varejo que se instalaram em

3 A denominação Quitandinha advém do fato deste local ser ponto de parada de viajantes do início do século para comer e repousar. Em 1944 foi construído o hotel-cassino em estilo normando, com 50.000m² de área construída e 6 andares. Sua decoração, elaborada por Dorothy Drape, a decoradora que marcou época em Hollywood ficou conhecida como cartão postal da cidade.

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Petrópolis. Isso evidentemente mudou a identidade social e cultural da

cidade. (Fróes, s/d, IHP)

A mudança no sentido do crescimento deixou marcas expressivas na economia e

na sociedade petropolitana, mudando desde o foco da indústria até a alternativa de se

tornar expressivamente turística.

Os espaços foram sendo transformados em turísticos e tombados inúmeros

prédios, especialmente no centro histórico e as mansões e fazendas que tinham na

arquitetura a simbologia de áureos tempos.

A ideia de construir no espaço do hotel-cassino um hotel para a cidade acabou

sendo falha, questão essa que trouxe a reestruturação em espaço residencial. Mesmo

assim o Palácio sendo tombado tomou um sentido distinto, o de elo com os moradores

locais e também atrativo turístico.

Nessa nova função, a hoteleira, o “Quitandinha” não conseguiu manter-se,

vendendo seus apartamentos para moradia. O SESC - Serviço Social do Comércio -

acabou assumindo eventos e partes das acomodações estão sob seus cuidados.

Na construção do histórico econômico da cidade ficaram as fábricas enquanto

elementos de intensa mobilidade emigrantista. Em 1883, foram fundadas a Fábrica

Petropolitana, em Cascatinha, e uma fábrica de papel no bairro do Itamarati. Neste ano

se firma o primeiro núcleo de imigrantes italianos. Em 1889 foi estabelecida a fábrica

Dona Isabel e em 1904 a Webber, atual Werner, ambas no ramo têxtil.

No período entre 1900-1930 é verificado um considerável aumento nos setores

de produção manufaturada petropolitana. Neste período sedimenta-se o setor industrial

têxtil, desdobrando-se nas próximas três décadas em roupas em geral, calçados galões,

meias, rendas, entre outras que favoreceram fortemente o comércio na cidade.

Os atuais números do crescimento da economia da cidade estão

materializados na expansão do turismo, na consolidação dos pólos de

comércio das Ruas Tereza e do Bingen, no desenvolvimento do pólo de

comércio e serviços de Itaipava, no pólo moveleiro do Bingen, no Projeto

Petrópolis-Tecnópolis, além da expressiva contribuição para o

desenvolvimento econômico do município de outras empresas, e do turismo

de casas de temporada. (Varella, 2002: 47)

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Mas esse direcionamento ainda precisa ser pensado especialmente quanto à

condições e procedimentos de oferta turística. Por essa razão, busca-se concentrar o

olhar para quais são os rumos desse processo frente ao fortalecimento de atrações e

ampliação de novos segmentos, usando a vocação turística da cidade e também suas

adversidades socioculturais que neste enredo se configura resistente ao crescimento e

plenitude dos serviços oferecidos, particularmente no embate do sentido de ser

“turístico” e manter ao mesmo tempo a vida de cidade provinciana.

Imagem 2: Casa da Ipiranga – Foto de Elis Regina Barbosa Ângelo

Essa questão perpassa o uso dos espaços e também uma releitura de sua

construção sociocultural, que, ao passo em que se insere num novo cenário, ainda

mantém elos de um passado de status provinciano e tradições, hábitos e costumes da

época imperial.

No entanto, algumas ponderações precisam ser feitas, especialmente no que

concerne ao uso dos espaços culturais pelo turismo. Assim, ao pensar em significado do

lugar para o morador local e para o turista, há a necessidade de relacionar as mais

variadas conotações desse encontro, não como um embate, mas como uma construção

constante, necessária e saudável.

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