1. lefebvre, henri. o pensamento marxista e a cidade (livro)

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  • 7/26/2019 1. LEFEBVRE, Henri. O Pensamento Marxista e a Cidade (Livro)

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    PENSAMENTOSTA

    E CID DE

    @ i.BIBLIOTECA UlISSEIA DO CONHECIMENTO ACTUAL

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    /

    A crtica marxista do Estado vlida e aplicvel a qualquerEstado e no apenas ao Estado da burguesia. Com efeito, todo oEstado um Estado de classe, o da classe dominante>;. Karl Marxn O Capital, e Friedrich Engels, n A Situa o da Classe Operria naInglaterra, no se contentam com denunciar a economia p o l t i ~ aburguesa: aspiram por um futuro socializado do qual toda a eco

    nomia poltica, todq o poder tanto o trabalho como os temposlivres, tanto a cidade como o campo fossem banidos.

    A utopia marxista vai ao encontro da utopia de Fourier.:Osfactos contempd rneos condenam-na. A cidade moderna sede einstrumento do neocapitalismo torna-se cada vez mais mons:truosa e a histria contempornea no assistiu to apregoadadecadncia do Estado. Toda e qualquer sociedade traz consigoa sua utopia.

    Mas agora ns sabemos que no basta uma simples planificao das foras produtivas para lhe encontrar soluo.

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    Caslerman 92

    Ttulo originala Pense Marxiste et l Ville

    deMaria Idalina urtado

    Capa deJos Antunes

    Direitos detraduo

    para a lngua portuguesareservados pela Editora Ulisseia

    Composto e impresso porTipografia Cames,Pvoa de Varzim

    ADVERTNCIA

    Encontram-se nas obras de Marx e de Engels inmerasindicaes relativas cidade e aos problemas urbanos. Trata-se de elementos dispersos, que os fundadores do socialismocientfico no sistematizaram e que por consequncia noformam corpo de doutrina enquadrado numa dada metodo

    logia ou em determinada disciplina especializada, seja elaa filosofia, a economia poltica, a ecologia ou a sociologia.Como se ver, apresentam-se esses fragmentos relacionando-oscom temas mais vastos: a diviso do trabalho, as foras produtivas e as relaes de produo. o materialismo histrico.Trata-se antes de mais de reunir textos dispersos relendo oconjunto das obras de Marx e de Engels, re-Ieitura que emsi mesma nada tem de particular. No lhe poderemos chamarliteral, visto que tem por objectivo a colheita de fragmentos,pondo simultaneamenteem relevo conceitos e categorias do

    pensamento terico que lhes so comuns. To-pouco poderemos dizer que busca de sintomas, pois no se procuradescortinar no pensamento de Marx e de Engels um contedolatente, algo de no-dito, que caberia ao leitor descobrir. assim uma leituraou re-Ieitura temtica, para a qualse

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    escolheupor tema a cidade e, consequentemente, a problemtica urbana no quadro terico do materialismo histrico.

    Mas ficaremospor a? No, no ficaremos.Tal compilaode textos no teria grande interesse, e iria alimentar o dogmatismo oficial e a escolstica reinante, se no suscitasse interrogaes e no apontasse respostas. Serque as indicaes

    e os conceitos assim respigados abarcam os problemas actuaisda realidade urbana em toda a sua amplido? Haver algode novo, de h um sculo para c, neste campo?

    Deste modo, a leitura temtica ganhar um sentido e umalcance que ficariam vedados simples antologia.

    A SITUAOD CLASSETR B LH DORN INGL TERR

    Est-se em 1845. Multiplicam-se os dados e os indciosde uma realidad""nova: a industrializao, a classe operria.o capitalismo.H anos j que Friedrich Engels (que em 1845completar vinte e trs anos)se interessa pelos problemaseconmicos e sociais, os quais, em sua opinio, sobrelevamos problemas filosficos a que antes se consagrara. Teve comKarl Marx apenas um breve encontrode alguns dias, em 1844.em Paris, e no colabora ainda com ele na construodomarxismo. E o que mais, adiantou-sej ao seu futuroamigo na via pela qual. precisamente neste ano de 1845, enveredaro lado a lado.

    De h muito que Friedrich Engels prepara o livroA Situao da Classe Operria na Inglaterra \ e desde 1842que vempublicando importantes artigos2 sobre a Inglaterra, a sua

    As citaes referem-se nova traduo francesa publicadaem 1960 pelas ditions Socia1es. com prembulo deEric Hobsbawm.

    2 Gazette Rhnane. Dezembro de 1842 Les Crises. Cf. tambm Esqlsse d'une critique de l'conomie politique emAnnalesFranco-Allemandes 1844 e La Situation de l'Angleterre, emAnnales bem como emVorwrts SetembroOutubro de1844.

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    .....

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    transformao em potncia industrial e os aspectos dramticosnegativos) desse desenvolvimento, pondo em relevo a origi

    nalidade da evoluo nestep

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    maiores so as vantagens da aglomerao; ase congregamlodos os elementosda indstria: trabalhadores, vias de comunicao (canais, caminho de ferro, estradas), transporte dematrias-primas, mquinas e tcnicas, mercado, bolsa; da aespantosa rapidez de crescimento das grandes cidades industriais. Ainda que os salrios se mantivessem mais baixos nas

    regies rurais e que estas fizessem portanto concorrncia cidade era a cidade que levava a palma. A tendncia centraJizadora leva a melhor, e cada indstria criadano campo trazem si o grmen de uma cidade industrial.Cada regio industrial inglesa constitui uma cidade em potncia, cidade quese tornar realidadese essa actividade louca se mantivermais um sculo nas grandes cidades que a indstria e ocomrcio conseguem mais perfeito desenvolvimento e porconsequncia nelas que mais ntida e manifestamente vm aode cima as consequncias que acarretampara o proletariado. nelas que a concentrao dos bens atinge o mximo, que mais radical a destruio dos costumes e das condiesde vida dos bons velhos tempos (p. 58).

    Detenhamo-nos um momento e reflictamos nestas primeiraspalavras e no seu contexto. Estamos, como vimos, em 1845,ano de profunda efervescncia terica.Em Fevereiro vem alume em FrancforteA Sagrada Famlia obra na qual Marxe Engels refutam as abstraces e o idealismo histrico dosfilsofos em cuja opinio as massas humanas desempenhampapel passivo no processo de criao pelo homemdo seuser social.Em Janeiro do mesmo ano, Marx, expulso de Paris,vai instalar-se em Bruxelas, onde Engels se lhe junta emAbril. Nesse Vero viajam juntos em Inglaterra e Engels mostra a Marx o que descrevera e analisara no seu livro, publicado nessa altura em Leipzig. PeJo fim do anodo incio

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    obra ~ J e ( ) l o g i a - A 1 e m ,na qual vo reunir os estudos anteriores, condensar as crticas s ideologias (a flosofia, aeconomia poltica, a histria idealizada) e Nop-0La_IJQY.aconcep_do serl llll1-p" que asi prprio se forma pelo trabalho: o materialisIno_hig(rriO. Como veremos adiante, osproblemas Telativos cidade surgem com grande vigor na

    formulao do materialismo histrC.J nas pginas iniciaisaparecem as primeiras consideraes a respeito da cidade.logo a seguir s clebres frmulas (ainda filosficas, emboraj ultrapassem e enjeitem a filosofia clssica: Podemos distinguir os homens dos animais pela conscincia, pela religioe por tudo quanto se queira; os prprios homens comeama distinguir-se dos animais logo que comeama produzir osseus meios de subsistncia ...). (Cf. Ideologia Alem , dit.Soc., 1968, pp. 45-46). So consideraes fundamentalmenteretrospectivas, de acordo com o mtodo queMarx mais tardeexplicitar: explicar o passado a partirdo presente. Trata-seapenas, portanto, das relaes entre a cidade e o campo naAntiguidade, e depois naldade Mdia. Veremos que a presena desta relao conflitual no centro da reflexo sobre opassado constituiu passo essencial e conquista do materialismohistrico. Todavia, os problemasda cidade moderna nuncaadquiriram no pensamento deMarx o papel de relevo quedesempenharam na primeiraobra de Engels.Haver por acasodiversas vias de acesso ao pensamento marxista? E porqueno um trajecto nico, percurso obrigatrio e sempre igual,partindo das mesmas citaespara conduzir aos mesmos pon

    Embora os ttulos das obras citadassurjam traduzidos paraportugus, a indicao das pginas refere-se sempre edio francesa mencionada pelo Autor.N. o E.)

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    tos de referncia, traado por esta ou por aquela autoridade,e ao qual no nos restaria mais do que obedecer? Afirmarque Engels trouxe contributo prprio formao do pensamento dito marxista, defender a sua memria demonstrandoque no foi mero segundo-violino mas sim pensador original(colocado at, como tal, numa das origens do pensamento

    marxista), no empobrecer esse pensamento - e no sermesmo, pelo contrrio, combater o empobrecimento dogmtico e escolstico?

    Na parte dessa obra intitulada As Grandes Cidades.Friedrich Engels pe a nu todo o horror da realidade urbana.Todavia, jamais essa realidade se identifica p r ele com asimples desordem, menos ainda com o mal, com uma doenada sociedade, como acontece em muitos textos literrios ecientficos dos nossos dias. Engels encara Londres, Manchestere outras aglomeraes inglesas como efeitos de causas e motivos que importa conhecer e, logo, superar (primeiro conhecendo-os, depois pela aco revolucionria). A burguesia det ~ l 1 oCttf ital, ou seja, os meios de produ o; s L v e : s e s : l ~ sdetermina em que condies se far a sua utilizao produtiva.Sem preconceitos pejorativos, Friedrich Engels traz a primeiroplano os poderosos contrastes da realidade urbana, a justaposio d riqueza e da pobreza, do esplendor e d fealdade,e esta covizinhana confere fealdade e pobreza intenso epattico colorido. Comea ele por entusiasta declarao: Nadaconheo de maior imponncia do que o espectculo que o Tamisa nos proporciona quando se sobe o rio desde o mar at

    Ponte de Londres ... tudo to grandioso, to vasto, que se ficaatordoado e estupefacto com a grandeza da Inglaterra antesmesmo de pr p no seu solo. A centralizao centuplicara o poder destes milhares de homens, multiplicara a efi

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    ccia dos meios de que dispunham. To prodigiosa riquezasocial, alcanada sob a gide econ mica e poltica da burguesia inglesa, tinha a sua contrapartida em sacrcios. Oslondrinos tiveram h que sacricar o melhor da sua qualidadede homens p r levar a cabo os milagres da civilizao queenchem a cidade (p. 60 . Asfixiaram-se as foras que neles

    dormitavam a fim de que apenas algumas pudessem desenvolverse e multiplicar-se unindo-se com as dos outros.A balbrdia das ruas j por si tem algo de repugnante.Esses indivduos de todas as condies e de todas as classes.no sero, to os eles, homens com idnticas aptides e omesmo interesse em encontrar a felicidade? No verdadeque em ltima anlise todos eles procuram a felicidade pelosmesmos meios e pelos mesmos processos? E contudo cruzam-se a correr, como se nada tivessem de comum ... Indiferena brutal, insensibilidade do isolamento, egosmo estreito,que em parte alguma se manifestam com tanta impudncia.Em Londres, a atomizao vai ao extremo.

    assim que Engels introduz o tema da multido solitria e d atomizao, a problemtica da rua. O tema dalienao nunca para ele abstracto, isolado; , sim, algode concreto.

    Nestes textos de Engels - cujo carcter directo so e prejudicial ao carcter cientfico para os fetichistas da cientificidade e para os que no toleram no conhecimento nada doque foi vivido - no aparece a palavra alienao nem oseu conceito filosfico. Tendo em conta os seus estudos de

    filosofia, impossvel duvidar que Engels tivesse conheci;mento dela. Prefere todavia mostrar-no-Ia ao vivo, ir busc-la prtica social.

    Engels relaciona a alienao com o trabalho? Implcita

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    mente, sim, mas no explicitamente. Tudo se passa como seo economista Engels soubesse desde o incio da sua carreiraque o trabalho produtivo, incontestavelmente necessrio, nose basta a si prprio. Esse trabalho gera uma sociedade, eas relaes de produo deixam certamente nela a sua marca,nela fazem sentir o seu domnio e o poder da classe dominante.

    A sociedade que geram no lhes exterior. Londres querdizer comrcio, mercado mundial, trfico generalizado e todasas suas consequncias. a fora que oprime os fracos e ariqueza que produz a pobreza, mas tambm a civilizaoe os seus milagres. Nunca Engels opinar que h que deitarfora a gua do banho com o beb l dentro.

    assim com reforada liberdade de esprito que, descendoa nfimos mas reveladores pormenores, expe os resultadosque esta prodigiosa acumulao de poder e de riqueza que a grande cidade moderna traz para os trabalhadores. A classeoperria no alis a nica atingida, como c l a s s e ~ toda asociedade, incluindo os dominadores, os que se servem dariqueza produzida porque dirigem a utilizao dos meios deproduo e da fora de trabalho. H uma espcie de ricochete. Eis abertamente declarada a guerra social, a guerrade todos contra todos. Cada um encara o outro unicamentedo ponto de vista da utilidade, todos exploram o seu semelhante, e os capitalistas, que so os mais fortes, apropriam-sede tu o (p. 61). Nesta guerra geral, a arma da luta o capilal, ou seja, a propriedade directa ou indirecta dos meios desubsistncia e dos meios de produo. Ningum se importa

    com quem no tiver capital nem dinheiro; se no encontrartrabalho, que roube ou morra de fome.

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    industriais o avano que desde o incio conquistara. Portanto em Manchester que as consequncias da industrializao se tero desenvolvido plenamente e que o proletariado industrial se manifestar de modo completo. Por isso,porque Manchester constitui o tipo clssico da cidade industrial e ainda porque a conheco to bem como a minha cidade

    natal e melhor doque

    a maiorparte

    dos seus habitantes, Manchester que examinaremos mais detidamente, declaraEngels (p. 81).

    O antigo c ~ n t r ourbano expandiu-se grandemente. A cidadeproliferou, dando origemllL_ glomerados,\ ainda mais industriais

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    do que o centro inicial, cujos negcios so dirigidos de Manches-ter e cuja populao se compe exclusivamente de trabalhadores, com alguns industriais e comerciantes de segunda ordem. Da resulta imenso conjunto de bairros operrios quechegam a contar cem mil almas, separados por fbricas mastambm entremeados de jardins e de vivendas, em regra na

    quele estilo isabelino que est para o gtico como a religioanglicana est para a religio catlica (p. 84) ~ r g mcll i-ta lista gera o caos urbano.

    Observao importante: Engels no analisa a situao dascidades histricas do continente, da Itlia, da Flandres, daFrana e da Alemanha, cidades que precederam o capitalismo industrial na qualidade de cidades polticas (administrativas e militares) ou de cidades ligadas ao capital comerciale que sofreram as investidas de uma indstria e de um capitalismo de razes estranhas e muitas vezes seus adversrios.

    Manchester constitui caso inteiramente diferente, quer comocomponente de um conjunto mais geral que a Inglaterraquer quanto sua posio privilegiada (no sculo XIX) no mercado mundial. Q comrcio e a indstria desenvolveram-se si

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    rnuItaneamente na cidade e em torno dela. Todavia, os traoscaractersticos que Engels nela descortina possuem alcancegeral: a segregao e a d e c o m p o s i ~ odo_centro.

    A segregao, espontnea, talvez inconsciente, nem porisso menos rigorosa e afecta simultaneamente a cidade emsi e a sua imagem citadina, construda de tal maneira quese pode habit-Ia anos a fio, sair e entrar nela todos os dias,sem jamais entrever um bairro operrio nem sequer encontraroperrios ... (p. 84). ~ b u r ~ u e s i adessa I ~ g l a t e r r a _ } m p e r i a lmente democrtica conseguiu uma obra-prima: esconder a siprpria o espectculo da misria que a ofuscaria, dissimulandoao m ~ m otempo a ex.plorao e os S?uS _efeit gs Os bairrosoperrios, tanto por acordo inconsciente e tcito como porintuio consciente e confessada, esto rigorosamente separados das zonas da cidade reservadas classe mdia. o mesmotempo, Manchester abriga no seu centro vasto bairro comer

    cial que durante a noite fica deserto e vazio. Nas Tuas estreitas e sombrias apenas rondam as patrulhas da polcia acompanhadas da luz intermitente das suas lanternas.

    Ser necessrio acrescentar que hoje, na segunda metadedo sculo XX, dezenas de anos de estudos urbanos (econmicos, sociolgicos, histricos, antropolgicos, etc.) vieram confirmar largamente os pontos de vista de Engels? (Poder-se-iadizer: a suas vises, se no fosse usual contrapor este termo aode teoria cientfica.) Muito mudou, sem dvida. O Impriobritnico desmorona-se; o mercado mundial, tremendamente

    multiplicado, viu entrar em cena outros actores, detentores deuma indstria mais ou menos ligada democracia. Mas aevoluo mundial (industrializao e urbanizao), essa, generalizou o que Engels soubera discernir e conceber a partir de

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    uma espcie de amostra ou de realidade tpica: Manchester chegar porventura o momento em que essa ordem cesse de- segregao e decomposio. dominar o caos que gera,em que a desordem sobreleve aJ Engels descreven1agistralmente essa estranha mistura de ordem? o que Friedrich Engels suspeita, e o que sugere

    ordem e de caos que explica o espaourbano e como ele pe aO estudar minuciosamente (chegando a reproduzi-lonum dea nu a prpria essncia da sociedade. uma descrio minu senho) o planode Manchester e dos seus arredores, introciosa, rua a rua, bairro a bairro, apartir da Bolsa. Quem duzindo a este propsito o conceito deurbanismo impos

    conhece Manchester podededuzir do aspecto dasruas prin svel imaginar o amontoado desordenadodas casas, literalcipais o aspecto dos bairros confinantes,embora dessas ruas mente apinhadas umas sobre as outras, verdadeiro desafio araramente se descortinemrealmente [sublinhado de Engels, qualquer espciede arquitectura racional. A confuso atingep. 87] os bairros operrios.Em resumo: antesda poca indus o cmulo;onde quer que o urbanismo da poca anterior tenhatrial a sociedade dissimulava as suaspartes vergonhosas, os deixado um espao livre, construiu-se e remendou-se at queseus fracos e os seus vcios - a loucura, a prostituio, as deixou de haver um centmetrode espao entre as casas ...doenas- exilando-ospara zonas malditas.''A sociedlde bur Deste amontoado nasce a poluio - da atmosfera, das guas,guesa, pelo contrrio, dissimula aquilo de que vive, a sua par de todo o espao (pp.90 91 100 etc.).cela activa e produtiva, disposio hipcrita que mais ou Tudo o que aqui nos suscitahorror e indignao recentemenos comum a todas as grandes cidades mas em nenhum e data da poca industriab). Os antigos habitantes do velholugar a no ser em Manchester constatei to sistemtico iso Manchester abandonaram-no; a indstria apinhou o exrcitolamento da classe operria,afastada das grandes artrias, ou dos operrios nessas casas velhas e no houve loteonde novi to delicada arte demascarar tudo o que pudesse ferir os construsse a fimde abrigar as massas importadas dos camolhos ou os nervos da burguesia 'Plano deliberado? Ora o pos e da Irlanda. graas indstria que os proprietriosfacto que a construo deManchester no obedece a ne destes est bulos conseguem "alug-lospor alto preopara habinhum plano preciso. Mais do que emqualquer outra cidade tao de seres humanos)." A indst riatratou como coisa oa sua disposio obra do acaso. Contudo, ouvindo a classe trabalhador l ibertado da servido, e n c e r r a ~ ~ o o d e n t r ode pamdia declarar insistentemente que os operrios nopoderiam recfes-'gue's;em em runasmas que mesmo assim paga bemestar melhor, Engels pergunta asi prprio se os industriais c a r o . ~ l U t i l i z o u s eo mnimo espao disponvel. O valor funliberais) estaro completamente inocentes dessespudicos dis d i ~ i ;cresceu paralelamenteao surto industrial, e quanto mai'ipositivos. crescia mais freneticamente se construa) (p. 94). Tendo assim

    Uma ordem especf ica - a daproduo industrial gerida definido a cidade velha, Engels examina as extenses recentes.pela burguesia (eMarx acrescentar explicitamente: noqua- Aqui desaparece o mnimo aspecto urbano (p. 95). Fieirasdro das relaes deproduo capitalista) - gera, segundo isoladas de casas, ilhotas que se tocam, e eis-nos numa interEngels, uma desordem especfica: a desordem urbana.No minvel sucesso de ruelas, becos sem sada e ptios.Enquanto

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    na cidade velha em decomposio o acaso que preside aoagrupamento dos edifcios e se constri cada casa sem atenders restantes, aqui dir-se-ia que por vezes se apercebe uma espcie de ordem. Em torno de um centro urbano? No respondeEngels; em torno dos ptios que em torno de si ordenamruas, passagens cobertas, aberturas. H liberais que vem nes

    tes ptios uma obra-prima da arquitectura urbana, afirmandoque proporcionam ar e luz pela formao de numerosas pequenas praas pblicas (p. 96, nota de Engels). A realidade que os ptios se tornam cloacas, lixeiras, pois se lhes noap1ica a regulamentao viria. Dos cottages operrios construdos pelos empresrios em torno de ruas interiores e ptios,apenas pequeno nmero dispe de a-rejamento suficiente (verna p. 97 o plano de uma rua operria). Os trabalhadores maisbem pagos so explorados, dando-lhes de arrendamento porrenda elevada os cottages mais bem situados. Por outro lado.empresrios e pToprietrios fazem mu ito pouca s reparaes,ou nenhumas, porque nada querem perder dos seus lucros.Dada a instabilidade da mo-de-obra (crises), h ruas inteirasque por vezes ficam desertas. A construo assenta na sovir.i.ice as habitaes mantm-se desocupadas, os locatrios mu -dam frequentemente; as casas de operrios no podem durarmais de quarenta anos e constroem-se para durar esse perodo,no termo do qual entram na fase de inabitabilidade (p. 99).O que corresponde a um desperdcio insensato dos capitaisinvestidos, destruio de bens e de homens

    Engels descobre a ordem e a desordem da urbe (da ci

    dade e da habitao) e afirma que so significativas que revelam toda uma sociedade. A forma por que satisfeita anecessidade de habitao constitui um critrio de avaliaoda forma por que so satisfeitas todas as restaptes necessi

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    dades (p. 107). Aquela situa-se assim um pouco acima dasrestantes, de que testemunha privilegiada. Examinando-sede perto a alimentao e o vesturio dos operrios, verifica-seque apresentam caracteres idnticos: o que vlido para ahabitao -o tambm para o vesturio e a alimentao. Nasgrandes cidades inglesas encontra-se tudo, e da melhor qua

    lidade, mas a preos muito elevados. Pormenores h que,apesar de aparentemente nfimos, agravam a situao dos operrios: estes recebem o salrio no sbado noite, e quandochegam aos mercados j as classes mais favorecidas escolheram o que de melhor e mais barato ali estava venda. Refinando os seus processos, a explorao directa faz-se acompanhar da explorao indirecta e estende-se da empresa (fbrica) ao conjunto da vida quotidiana no quadro urbano.

    No fim deste longo captulo, Engels resume o seu pensamento - ou antes, pensa, e afirma, que o resume, mas averdade que esse pensamento se repercute de maneira tosurpreendente quanto brilhante. Nas grandes cidades, diz-nos,habitam sobretudo operrios (afirmao que hoje levantariavrias objeces) que nada possuem, que vivem do seu salrio. dia a dia; a sociedade tal como existe impe-lhes oencargo de fazer face s necessidades prprias e s das suasfamlias. sem lhes fornecer os meios que lhes permitam faz-lode maneira eficaz e duradoura (p. 116). Da a instabilidade dacondio operria, classe que nas grandes cidades apresentauma gama de modos de existncia diferentes, desde umavida momentaneamente suportvel, apesar do trabalho aturado.

    misria sem limites, que pode levar a morrer de fome. Amdia, segundo Engels, aproxima-se mais do pior do que domais favorvel dos dois extremos. e as categorias no sofixas. A situao dos operrios tal que qualquer trabalhador

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    percorre todos os degrausda escada, desde o relativo conforto misria.As habitaes dos trabalhadores soem geral mal agrupadas, mal construdas, mal Cnservadas, malarejadas, hmidas e insalubres. Os seusmoradores encontram-se encerrados num espao mnimo, ena maioria doscasos uma famlia inteiradorme numa nica diviso.O arranjointerior miservel, chegando-se pouco a pouco total ausncia dos mveis indispensveis.

    Entre as razesde tal situao Engels acentua,por um lado,a concorrncia entre trabalhadores (indivduos, idades, grupoS,constituindo os Irlandesesuma das massas que aceita as piorescondies), e,por outro, a estrutura econmica e socialdocapitalismo que necessitade uma reserva de desempregados,salvo nos perodosde prosperidade e deexpansoeconmica.Este volante de desemprego (cornohoje se diz na gria doseconomistas) torna-seduplamente necessrio: a fimde que

    o seu peso se faa sentir permanentemente nos salrios e afim de corresponder ao carcter aleatrioda procura e domercado, consoante as pocas.Por ocasio das crises, essamassa avoluma-se e nem os melhorestrabalhadores estolivres de a ela se juntarem.As cidades industriais comportam assim o exrcitode reserva da classeoperria (p. 128).Esta misria, que simultaneamente transitria(para os indivduos) e perene(para a classe), contribuipara a pitorescadesordem e a animao dos bairrosoperrios das cidadesindustriais. A populao excedentria entrega-se s mais variadas actividades, aos pequenos ofcios e venda ambulante,e tambm mendicidade e ao roubo. Aprimeira assume umcarcter particular: os pedintes vagueiam pelas ruas, fazemas suas queixascantando ou ento pedem esmola numa curtakngalenga. Os mendigos dos bairrosoperrios tm por nico

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    sustento as esmolasdos restanles trabalhadores.Por vezes,urna famlia inteira instala-se silenciosamente beira de urnarua animada (p. 130), num mudo mas comovente apelo.sobretudoaos sbados noite que os bairros operrios revelam os seus mistrios e que asoutras classes deles se afastam. Que far um destes homens excedentrios animadode coragem ede paixo bastantespara enfrentar abertamentea sociedade, reagindo guerra camuflada que a burguesialhe move com aguerra aberta? Pois esse homem ir roubar, pilhar, assassinar. Com efeito,na moderna sociedadeburguesa impera a concorrncia, expressoda guerra de todos contra todos: guerra pela vida, pela existncia,por tudo(p. 118). guerra levada at luta de morte,guerra que pefrente a frente as classes e os membros dessas classes ...

    Ao chegar a este ponto, passados cento e vinte e cincoanos, o leitor dos nossos diaspoder ficar surpreendido.En -

    gels descreve nestas pginas, com espontaneidade, a cidademoderna que ento nascia,apanhada ao vivo. Passados centoe vinte e cinco anos.ter mudado muito esse ambiente, esseclima? Basta ter permanecido algum tempo numa cidadeamericanapara responder. pois nas cidades europeias a estratgia das classes dominantes deslocou os trabalhadoresparaos subrbios,onde eles estagnam, isolados, napaz da repre

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    ses grupos e dessas classes fazem concorrncia uns aos outros,do mesmo modo que os burgueses ou mais ainda.

    Para Engels, a grande cidade industrial na realidadefonte de imoralidade e escolado crime, mas os moralistasque lanam tal antema desviam a ateno das causas reaisdessa situao. Se dissessem que a misria, a insegurana,a mentira e o trabalho obrigatrio constituem as causas essenciais, todos responderiam - e eles mesmo teriam de o fazer: 'Pois bem, d-seaOs pobres a propriedade, garanta-se-Ihesa existncia '}). muito rr is fcil incriminar a cidade,ou aimoralidade generalizada,OLl as foras do mal,dQ quefazerincidir o ataque no seu verdadeiro plano, oda p o l t i ~(cf."p. Jf7 . Friedrich Engels rejeita om o r a l i s ~ oe a prdica;paraele, natural e inevitvel que a situao criadapor umac lasse a burguesia - (talvez

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    uma moral; afinal, a de quem a descobre, pois de pagmapara pgina vem-se esbater na sua obra os vestgios do moralismo. A maneira por que evoca o operrio criminoso fazpensar em Stendhal evocando o Renascimento Italiano ouem Nietzsche preferindo estagnao uma qualquer actuaoda energia. O moralismo, o da burguesia e o da burocraciaoperria, ainda no passou por essas pginas. Mais tarde, avivacidade da expresso esbater-se-, o pensamento revolucionrio tornar-se- prudente, tacticamente cauteloso, e perdercom isso, tanto mais que o seu centro se deslocar para oslocais do trabalho e da produo. Mas em 1845 essa evoluo ainda no se efeclllara nem era ~ e q l l e rprevisvel. Noestaremos antes perante o efeito de uma re uo posterior,ocorrida no sculo xx, do pensamento revolucionrio e marxista?

    Eis portanto a sua mais vigorosa expresso, pela pena deFriedrich Engels, em 1845, quando Marx ainda se ocupava

    de confrontar Hegel com Feuerbach o que evidentemente tema sua importncia, mas fica bem longe da prtica social e poltica). Os trabalhadores comeam a sentir que constituemuma classe, na sua totalidade; tomam conscincia de que,sendo fracos quando isolados, todos juntos representam umafora; a separao da burguesia, a elaborao de conceitos ede ideias prprias dos trabalhadores e da sua situao, aceleram-se; a eles prprios se inipe a conscincia que tm de

    . ser opr imidos; e como con.sequncia os trabalhadores ganham~ l f m p o r t n c isodal e poltica. As grandes cidades so os focos

    do movimento operrio; foi nelas que os operrios comearam a reflectir na sua situao e na luta, foi a que pela pri

    l;meira vez se manifestou a oposio entre o proletariado e a1 : \ l ~ I . r g u e s i a... p. 169).

    28

    )

    A CIDADE E A DIVISO DO TRABALHO

    Seria interessante comparar as obras de Marx e de Engelssobre temas idnticos. fazendo-o de modo bastante minuciosoa fim de apurar todas as diferenas no mbito de uma mesmaproblemtica. A Crtica da economia poltica, por exemplo. Admite-se em geral que o artigo de Engels publicado no

    incio do ano de 1844 e intitulado Esboo para uma crticaeconomia poltica inaugurou a linha de pensamento geralmente designada por marxismo.

    As diferenas notveis talvez revelassem algo que existenesses textos mas no foi dito. Com efeito, quase todos oscomentadores sublinham as concordncias, no as diferenas.Quem diz diferena no diz forosamente divergncia O l

    desacordo, e ainda menos conflito. No conjunto, as exegesesfuncionaram em favor da homogeneidade. Filtrou-se, desnatou-se, pasteurizou-se o pensamento dos iniciadores; eliminou

    -se o mais pequeno grmen de imprevisto, tanto ocomo o pior; tratou-se esse pensamento como a indstria doslacticnios trata o leite natural, ou seja, retiveram-se apenasos produtos esterilizados, higinicos, cuidadosamente homo

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    geneizados. facilmente assimilveis, desprovidos de sabor ede fora.

    Engels confronta a realidade com a teoria, o pensamentodos economistas com a prtica econmica. Coloca lado a ladoo vivido (no comrcio, na indstria e na existncia do proletariado condicionada pela predominncia do capital) e aexpresso dessa mesma realidade na economia poltica. Critica, portanto, um pelo outro, o vivido sem pensamento eo pensamento fora da vida, ou seja, fora da prtica.

    Marx, pelo contrrio, confronta umas com as outras, aomais elevado nvel de abstraco, as grandes posies tericas: as de Hegel e as de Feuerbach, mas tambm as deSmith e as de Ricardo, os conceitos e as concepes dessesautores.

    A ingenuidade especulativa desaparece logo que Marxcomea a colaborar com Engels, aparecendo o humor comseu qu de imoralismo. Tomemos A Sagrada Famili a 1844),

    redigida aps o primeiro encontro de Marx e de Engels, emborasejam poucas as pginas da autoria do ltimo. O tom muitasvezes jovial, irnico. Se a clebre passagem sobre a relaoentre os frutos reais e a ideia especulativa de fruto corresponde amplido que Marx j atingira na teoria, outras pginas acusam as informaes bem concretas de que Engelsdispunha sobre a vida e a sociedade reais; o caso da polmica - to clebre como a que visava o idealismo filosfico - cen trada em Szeliga e na sua interpretao dos Mistrios de Paris Se o Sr. Szeliga conhecesse os arquivos da polciaparisiense e tivesse lido as

    Memrias de Vidocqsaberia que

    os agentes da polcia no se limitam a servir-se da criadagem, qual recorrem apenas para as tarefas grosseiras, e que apolcia no se detm diante da porta ou da intimidade dos

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    patres; a coberto da galanteria feminina ou at da esposalegtima insinua-se entre os lenis do leito e vai aninhar-sejunto dos corpos nus. No romance de Eugene Sue, o espio-polcia - o comerciante Bras Rouge - um dos principaispersonagens da aco. No h ingenuidade nestas observaes.que pem em evidncia a ingenuidade dos filsofos especulativos e crticos.

    No obstante, um facto que a cidade est ausente, Ollquase, nesta crtica da crtica, mesmo a propsito dos Mis-trios de Paris Trata-se de intentar um processo: por ou Con-tra o homem. por ou contra a conscincia e a ideia dahistria. Por ou contra a oposio do espiritualismo e do materialismo. Por ou contra o dogmatismo e o velho espritogermano-cristo. Por ou contra o Estado concebido por Hegel, etc.

    Nos Manuscritos de /844, Marx levou a cabo vigorosa edensa confrontao terica entre:

    a) a metafsica (ontologia) e a antropologia, conhecimentodo ser orgnico e natural;

    b) a filosofia (filosofia da histria e histria da filosofia) e a economia poltica, cincia da prtica social e da sociedade contempornea;

    c) a crtica poltica de origem francesa (revolucionria,jacobina) e as investigaes cientficas sobre a riqueza, ence.tadas em Inglaterra, e finalmente, a capacidade conceitualdo pensamento alemo (que o prprio Karl arx prolonga,mas de que considera herdeira a classe operria);

    d) a teoria hegeliana do homem produto de si prprio,dos seus labores e lutas ao longo da histria, e a teoria feuerbachiana do homem ser da natureza, dotado de sensibilidade e de capacidade de satisfao.

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    Nos A1allllscritos de /844 esta confrontao generalizadadesenrola-se no plano intelectual puro. Continua a ser ocombate dos gigantes,dos drages e ciclopes. a luta dosdeuses e das deusas, das ideias e dos conceitos. A refernciaao vivido aparece nas notas e nas dos digresses.De vez emquando Marx ilustra o seu pensamento com referncias aoque acontece na realidade, e sem tais ilustraes o leitor dessestextos nem sempre compreenderia de que que o autor fala.qual o objectivo do que escreve. Da o carcter enigmtico

    e por isso mesmo estimulante destesManuscritos, ondecada leitor colhe o que lhe agrada e o prende.

    Tal facto acarreta uma consequncia curiosa. As inmeras consideraes de Marxs possuem sentido e alcance numcontexto social que o da realidade urbanc::. Ora, acontece queMarx nose refere a ela, e apenas uma ou duas vezes - masento de forma decisiva - relaciona o encadeamento dos conceitos com tal contexto. embora este esteja constantemente

    implcito.A propriedade feudal comporta uma relao entre a terrac os seres humanos. O senhor toma o nome da terra e estapersonaliza-se com ele. O servo o acessrio da terra, maso herdeiro o filho mais velho do senhor) tambm pertenceterra, ptria local. singularmente acanhada, que o suporteda fam1ia senhorial, da casa senhorial,da linhagem,da vassalagem e da sua histria. As relaes entre o senhor feudale os que dele dependem so relaes transparentes, livresde intermedirio obscuro como o dinheiro. Deste modo,a sitllao poltica tem um lado sentimental, e a condio nobre da propriedade fundiria confere ao senhor umaaurola romntica. Ora Marx declaraPrimero Manuscrito,p. 51. edio Bottigelli) a necessidade de suprimir essa aparn

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    1) cia. Porqu tal necessidade histrica ou terica? Marx poucodiz sobre este ponto. necessrio que a propriedade funI diria, raizd a propriedade privada, sejatoda ela arrastada

    no movimento desta ltima ee importa, portanto, que cesserio com a propriedade, que o

    tua o casamento de honra com

    se transforme em mercadoria.a relao pessoal do proprietcasamento de interesse substi

    a terra e que a terra, exactamente como o homem. seja reduzida a um valor comercial,fmporta pr a nu o cinismoda propriedade, importa que omonopIro do imvel se converta em monoplio mvel eatacado, em objecto de concorrncia, e que a fruio ociosado suor de sangue de outrem se transformeem af comercial. E que mais importa? Importa ainda que desaparea ofeudalismo e que ao adgio. a cada terra seu senhorsesubstitua estoutro: o dinheiro no tem dono.

    Quando a indstriase torna nluito P d ~ ~ ~ s a(como emInglaterra, acrescenta Marx), despoja a grande propriedadedos seus monoplios e transfere-ospara a concorrncia coma propriedade fundiria estrangeira no mercado mundial (doscereais). assim que, em Inglaterra, a grande propriedadefundiria j perdeu o seu carcter individual visto que elaprpria quer ganhar dinheiro!(cf. pp. 53-54). Pois no evidente quea. cldade simultaneamente local, instrumentoe teatro dramtico desta gigantesca metamorfose?Mas ondese desenrola tal transformao, uma vez que no seja concebida exclusivamenteem termos de relao abstracta das categorias: propriedade, troca, dinheiro?Marx nem sequer

    pensa em diz-lo, de to evidente que, nem mesmo quandofala dos prolongamentosda propriedade fundiria no espaourbano, ou seja,da ligao entre o aumentoda renda decasa e o da misria. Com efeito. do mesmo modo que a

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    renda de casa, a rendada terra, juro do terreno sobre o qualfoi construda a cada, aumentacf. pp. 39, 47, etc.).

    O mesmo acontecequando Marx passa estigmatizaoda re uo efectiva do homemem geral a uma mquina deproduzir e de consumir (p. 35),da reduo da histria a leiseconmicas, da reduo do trabalhador a uma actividade

    abstracta e a um estmago cf. pp. 8 e 12). medida queprogride o ataque fundamental contra apropriedade privadatornada potncia histrica mundial e se desenvolve a crticae aprofunda o processo, tanto mais o contextourbano se tornaevidente. Aparece a alienao, afirma Marx, e com ela,porum lado, a exaltao das necessidades e dos meiosde assatisfazer; por outro, o retrocesso selvajaria bestial.At oar livre deixa de constituir necessidauepara o operrio; o homem volta sua toca, agora empestada pelo hlito pestilendaI e meftco da civilizao; passa a habit-la a ttulo pre

    crio, como se ela fosse umpoder estranho capaz de em qualquer altura lhe fugir poispoder ser expulso no dia emque no pagar a renda.Onde est a casa feitade luz que squilope na boca de Prometeu? A cloacada civilizao passa aser o elemento (meio)de vida do operrio. O Irlands senteuma nica necessidade: ade comer e, o que mais, comerbatatas que spara sunos prestariam; ora a Inglaterra e aFrana j tm em cada cidade industrial umapequena Irlanda(p. 182). quase acidentalmente queMarx levado a mencionar o fundo do quadro. para ele simples cenrio sombrio.No cita nem a cidade nem a paisagemquando mostra queo mundo perceptvel aos sentidosdo homem mais no i \do que obra desse homem, e que destemodo o homem \reproduz a natureza apropriando-se dela e o mundo aparen- I

    34 j

    temente objectivoOll ilusria obra de Deus resulta do trabalho cf. pp. 63, 96, etc.).

    Alis, tal referncia aparece unicamentenuma passagemto obscuraquanto decisiva. A diferena entre capital e terra.lucro e renda fundiria. do mesmo modo que a diferena entreeles e o salrio, a diferenciao indstria,propriedade imobi

    liria e mobiliria, tambm uma diferena histrica.. . (p.74). uma passagem de-::isiva, poisMarx consagrar todo o seulabor posterior. incluindo OCapital a comentar esta situaohistrica e amostrar como ela se transforma. S no fimgrande obra (inacabada) de Marx vir a resposta. Os elementosda sociedade capitalista chegam na histria comoexte-riores uns aos outros: o solo, o proprietrio, a natureza - otrabalho, os trabalhadores desligados dos meios deproduo - o capital, o dinheiro emdemanda do lucro, o capitalista, a burguesia. Os trabalhadores? Comearampor ser vavagabundos. O dinheiro? Veiodo comrcio_o Os proprietrios?Eram os senhores. A sociedade (burguesa) retoma esses elementos, que ibe chegam separadamente; desenvolve-os, mistura-os, congrega-os numa unidade: aproduo ampliada, osobretrabalho global, a mais-valia escala de toda a sociedadee no escala da empresa, do capitalistaou do proprietrioisolados). Mas as antigas diferenas voltam a aparecer e tornam-se emparte ilusrias e emparte reais. As categoriasdapopulao, classes e parcelasde classes, ignoram que participamna produo da mais-valia, na sua realizao, na sua repartio; continuam a considerar-se distintas, continuam apensar

    que o trabalhador recebe o preodo seu trabalho (salrio).que o proprietrio retirado solo a renda que lhe cabe eque o capitalista cobra o fruto (lucro) do seu capitalprodutivo, quando tudo isso mais no do que a repartio da

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    mais-"J a.

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    uma revoluo terica expresso que figura no incio dosManuscritos e /844, p. 3, atribuda a Hegel e a Feuerbach).

    Marx e Engels concebem um processo com dois aspectos:histria e praxis. A histria resume a produo do ser humanopor ele mesmo. O termo produo entendido numa acepo ~ 1 U i t onlais lat a que em conomia e assume o sentido

    de toda a filosofia: produo de coisas produtos) e de obras,de ideias e de ideologias, de conscincia ede conhecimento,de ilses e de verdade. A histria vai assim do passado longnquo original) ao presente, e o historiador refaz o caminhoem sentido inverso para compreender como pde, o passadogerar o presente. Por outro lado,a _ P t ~ - r ~ s : : J u n d a m e n t a d anestemovimento e apoiadano presente que constitui, prepara ofuturo, encara o possvel, isto, no limite, a total transformao do mundo realpor uma revoluo total.t anlise daprtica social praxis) mostra:p r o u ~ oem sentido restritoe produtividade social, prtica poltica, prtica revolucionria.etc. Segundo Marx, s o pensamento materialista e dialcticoconsegue apreender a dupla determinao do processo, a saber:historic, dade e praxis. porquanto apreende a sua complexidade. as suas diferenas. conflitos e contradies. isto queconstitu o rnaterialismo histrico.

    ~ ~ ~ o

    Mas logo apareceum problema. Se isto verdade, se ahistria e a praxis constituem a base dos conhecimentos, como que os homens que vivemem sociedade s ao fim de tantotempo se aperceberam disso? Como que das suas relaespodem nascer iluses e mentiras, quando a verdade salta aos

    olhos? Qual a razo deste erro? Como explicar a inacreditvel mistura dc delrio e de razo que enche os crebros humanos?

    Os fundadores da nova doutrina no querem saber dos

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    heris filosficos, mas devem evitar decalcar tal modelo.Emque consiste a iluso filosfica? Antes de mais, consiste emque para o filsofo tudos < : J ) ~ ~ s _ ano domnio do pensamentopuro, fora do mundo profano. Depois, em queoJJlsQD > ~ c : -lhe uma categoria abstracta, o Homem, a ,Conscincia, aSubstncia,o ni ;o, e lhe atri bui importncia privilegiada eexclusiva, fazendo delaum Absoluto. Quando o filsofo querser crtico e pensa que o, ataca os confrades, as ideiasfalsas aceites pelos outros filsofos. a religio comummenteadmitida. O filsofo quese cr revolucionrio pensa quemuda o mundo. quando o que faz sonhar em levar de vencida alguns dogmas anlogos aos seus. Jamais lhe ocorre ainterrogao essencial: quais so os pressupostos. as condiesde existncia desse pensamento? Qual o elo entre a filosofia e a realidade alem? Interrogao que o filsofo nolevanta. Marx e Engels formulam a pergunta e do-lhe res

    posta. No partem de dogmas, de bases arbitrrias, mas debases reais: os indivduos e as suas condies de existnciacmpiricamente verificveis.

    Convm aqui notar que. feita esta afirmao, os autores deA Ideologia Alem do um salto prodigioso da actualidadepara as origens.Que h de original nestas actividades pormeio das quais os homensproduzem directa ou indirectamente as condies em que existem, modificando a natureza?Quem diz produo diz tambm reproduo, simultaneamente fsica e social: reproduo do modo de vida.A ma

    neira por quese manifesta a vida dos indivduos reflecte comgrande exactido o que eles so. O que eles so coincide assimcom a sua produo. quer com o que produzem quer coma maneira por que o produzem p. 46, trad. Bottigelli).

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    E agora novo salto, mas desta vezde trs para a frente.Salta-se dos seres humanos (que se distinguem dos animaisporque produzem, utilizando instrumentos que eles prpriosinventaram, distintos dos seus corpos) s diferenas nacionais.A re-leitura crtica destes textos clebres nada tira suaimportncia, mas torna impossvel passar por cima das lacunas

    da argumentao. esta a nica forma de discernir pontosfortes e pontos fracos. As afinnaes incisivas, asque amemria retm e se transformam em citaes clebres, nemsempre coincidem com os pontos fortesda elaborao terica.Torna-se faclimo notar e sublinhar as proposies abusivasque foram quer sobrestimadas quer depreciadas, de formaigualmente excessiva (caso, aqui, da famosssima tese que reduzo pensamento e a conscincia ao simplesreflexo da realidade exterior).

    No residirno conjunto das proposies relativas cidadeo primeiro ponto verdadeiramente slido, no procedente dearbitrrio salto do tempo nem de recurso ao original? A diviso do trabalho no seio de uma nao (indicao poucoclara: de onde vm estas naes?; da diviso do trabalho,o que quase uma tautologia) acarreta a separaodo trabalho industrial e comercial, por um lado, e do trabalho agrcola, por outro. Ocorrem assim a separao Qa. cidade~dos campos e.. ()posio dos respectivos interesses (p. 46)e mais geralmente, mltiplas divises e separaes particulares das actividades sociais. ligao entre o desenvolvimentoda diviso do trabalho, as diferenas entre trabalhos e trocas,

    as diferentes formasda

    propriedade: primeiro, a propriedadecomunitria (tribal), com progressivo predomnioda famliae diviso do trabalho quase natural (biolgica) dentrodafamlia depois, a propriedade comunaI, que provm da reu

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    111ao de vrias tribos numacidade, por contrato ou conquista.Ao lado desta propriedade comunal constitui-se e desenvolve-sea propriedade privada, de incio como forma anmala dapropriedade comunal e sobretudo como propriedade de escravos. Descortina-se aqui a oposio entre o comrcio e a indstria no interiorda cidade, e a argumentao adquire notvel

    vigor e novidade. Desaparecem as obscuridadesda formulao(qual o significado exacto do termo forma na expressoformas da propriedade?). Os autores marcam um pontocuja importncia nahi storicidade a histria os historiadoresnem sempre soube reconhecer, embora se trate de uma articulao decisiva, de um marco milirio no tempo histrico ...

    A Antiguidade partia da cidade, enquanto a Idade Mdia(subentenda-se: europeia, ocidental) partia dos campos (cf.p. 48). Na Antiguidade, a cidadepoltica organizava, dominava,protegia, administrava. explorava um territrio com os seuscamponeses, aldees, pastores, etc. Nalguns casos, como emAtenas e Roma, esta cidade poltica conseguiu dominar, tantopela guerra como pelas trocas (troca pura e comrcio), territrios incomparavelmente mais vastos do que os seus arredoresimediatos. No seio deste desenvolvimento urbano. o nicoconflito de importncia era o que opunha escravos e cidados.Esta a nica relaode classes.

    Na Idade Mdia estas relaes invertem-se. O senhor apoia-se nos campos; domina um territrio reduzido e quer expandi-lo. A propriedade feudal sai de um processo duplo: a decomposiodo Imprio romano (que no obstante deixa atrs

    desi

    terras cultivadas e vastos espaos j unidos por laoscomerciais e polticos) e a chegada dos brbaros, que restabelecem uma comunidade, a dos camponeses. A estrutura hierrquica da sociedade medieval tem por base a suserania

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    - ~ . _ ~

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    fundiria e militar em solo ocupado por comunidades subjugadas. O restabelecimento da comunidade pelos brbaros noreconstituiu a propriedade comunal antiga, tendo-a apenassubordinado estrutura feudal. Contra quem se dirige esta?Simultaneamente contr I cl sse produtcr dominada (a doscamponeses) e contr as cid des (contra os seus habitantes, os

    burgueses que se entregam ao comrcio e s trocas). r a t a ~ s ede uma dupl fut (le classes , luta sobretudo encarniada entreburgueses e senhores, e dela nasce a revoluco urbana da-......, - ~ . . . . . . .Idade M d i ~ te o aprecimento do Estado monrquico.

    Donde proveio ento a estagnao econmica, social epoltica que levou perdio da sociedade antiga e dos seusimprios? So mltiplas as causas, mltiplas as razes. Proveio da escravatura, que limitava o crescimento (fraca produtividade e fraco esprito inventivo dos escravos), e proveio deno ter havido outras grandes lutas de classe alm das vs

    iulas de escravos contra os seus prossuidores. J na IdadeMdia europeia a cidade, at ento subordinada estruturafcudal, conquista o domnio e simultaneamente destri a estrutura feudal, que incorpora em si, transformando-a.

    A pr opriedade feudal da terra (propriedade fundiria: comunidade camponesa dominada pela hierarquia dos senhores) tinha como' seu homlogo nas cidades a propri edade corp orativa, Na comunidade dos artfices havia a hierarquia dosvrios mestres: mestres de corporao, oligarquia urbana, homens enriqllec:dos e que dominavam a cidade politicamente.A associao dos produtores lutava contra a pilhagem dosnobres, organizava os mercados (mercados cobertos), acolhiaos servos evadidos, garanlia proteco e crescimento aos pequenos capi tais (comerciais) exis tentes ...

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    A estrutura dessas duas formas (propried,acle fuiria, Rr_o-priedade corporativa nas cidades) dependia de relaes deproduo e de foras produtivas limitadas: agricultura aindarudimentar, indstria ainda artesanal, intercmbio ainda poucointenso, diviso do trabalho pouco profunda. Donde a propriedade por ordens, a nobreza 0 ~ ~ . 1 ~ E . . 9 .e o T e [ , . ~ . r 2 E,.t.oo

    prncipes, camponeses, mestres de ofcios. "Quando as cidades comerciais se expandc:m e encetam rela

    es entre si para se federarem ou se combaterem, aquelaestrutura transforma-se: Da a diviso entre _ c 0 l ~ _ r i 9e i n d ~ s -

    tria, por um lado, e, por outro, a aliana no seio d o s E ~ l a d o s

    entre a nobreza rur,al e as oligarquias urbanas. Tais acontecil 1 1 ~ n t o sforam posteriores v'itri a-'das cIdades sobre a nobreza rura l (revoluo. da ' comu nas e da burguesia urbana),ou seja, inverso da situao inicial de domnio dos campose da propriedade rural, da estrutura feudal, sobre as cidades,ainda fracas,

    No necessrio forar muito o pensamento de Marx ede Engels nestes textos - bastando cotej-los com outros (emgeral posteriores) - para deles se tirarem as seguintes concluses, A sociedade antiga (o modo de produo esclavagista)apagou-se lentamente sem pwduzir outro modo de produo.outra socredade. A sua histria fundamentalmente a histriado seu declnio aps breve. embora fulgurante, perodo deascenso. Porqu? Porque a cidade antiga era um sistemafechado e as lut,iS intestinas s podiam devast-Ia internamente e no abri-Ia para outra realidade prtica. As revoltas

    de escravos, inteiramente legtimas, estavam antecipadamentevencidas. E porqu? Porque estava antecipadamente garantidoo domnio da cid de poltic sobre os campos vizinhos, implcito na relao cidade-campo. O emprego de escravos no >

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    trabalhos agrcolas (nos grandes domnios latifundirios) de O leitor notar aqui que em A Ideologia Alem intercapendia da cidade, que assim se servia dos seus meios de pro la-se, entre as proposies fundamentais (crtica filosfica daduo e das condies do seu poder. Era uma contradio da filosofia) e uma nova e bem concatenada srie de prointerna da cidade. Tal relao no s impunha cidade antiga posies gerais, um primeiro desenvolvimento das relaes entrelimitaes de toda a espcie, como a obrigava a sofrer os a cidade e o campo que define claramente o materialismoefeitos destrutivos autodestrutivos, poder-se-ia dizer - das histrico. Como no concluir, portanto, que o materialismolutas que em si se desenrolavam e em que participava. As

    histrico apresentado por Engels e Marx no consiste em genecontradies da cidade antiga eram destrutivas, e no criado ralidades de ordem filosfica, ainda que visando os filsofos,ras de superao. mas se apoia antes numa histria at ento desprezada (e des

    Assim, na Europa da Idade Mdia (tendo o cuidado de prezada talvez nos nossos dias), a histria da cidade?excluir o caso do modo de produo asitico) a relao Eis portanto os factos (p. 49). Determinados indivduoscidade-campo torna-se conflitual. Aps a interveno macia estabelecem determinadas relaes sociais e politicas (que nados brbaros, executores das leis da histria contra a cidade prtica mantm, que desempenham, mas que no dependemantiga, que substituram por nova sociedade tribal e comuni deles e no foram escolhidas por eles). Observa-se e revela-setria, a cidade e a burguesia medieval tiveram de lutar para aqui O elo entre a estrutura scio-poltica e a produo. A esconseguir a supremacia poltica e a capacidade de explorar trutura social e o Estado resultam constantemente do processoeconomicamente os campos, tomando o lugar dos senhores fun

    vital de determinados indivduos, sendo esses indivduos no taisdirios na recolha do sobretabalho (rendas da terra), na pr como eles prprios se possam imaginar ou como outros os repria propriedade (destruindo a propriedade feudal do solo pelo

    presentam, mas tais como so na realidade; ou seja, tais comoimenso processo que j entrevimos). O sistema urbano no podialabuta m e produ zem ... (p. 50).fechar-se sobre si mesmo, visto que representava a ruptura (a

    E surge aqui a frmula decisiva. Que a produo? Emabertura) do sistema feudal No decurso deste processo a ciosentido lato, herdado de Hegel mas transformado pela crticadade gera algo de diferente, algo que a ultrapassa: no planoda filosofia em geral e em particular pela crtica do hegeliaeconmico, gera a indstria; no plano social, gera a proprienismo, pela contribuio da antropologia, a produo no sedade de bens mveis (no sem transigir com as formas feudaislimita actividade que d forma s coisas para as trocar.de propriedade e de organizao); no plano poltico, finalH obras e h produtos. A produo neste sentido lato (produmente, gera o Estado. Esse o resultado histrico da primeira

    grande luta das classes e das formas sociais na Europa cidade .o do ser humano por si prprio) acarreta e abarca a produ

    .fQ1ltra......camPQs 1 : > 1 J ~ g u e s i acontra feudalismo, p r o p r i e d a ~ e d e o das ideias, das representaes, da linguagem: intimamente

    . bens mveis e propriedade privada contra proprieda de fun. ligada com a actividade material e o comrcio material dos

    diria e comunitria. homens, ela a linguagem da vida real. So homens que r -

    44 45

    r

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    duzem as representaes, as ideias; mas no os homens reais.os homens actuantes.

    Deste modo, a ,pr_()duo tudo abarca e nada exclui doque humano. O mental, o elecLual, oque passa por espirituah> e o que a filosofia toma por seu domnio prprio soprodutos como tudo o resto. H produo das representaes, das ide as, das verdades, como a h das iluses e doserros. At h produo da prpria conscincia. isto queafirma e precisa uma passagem notvel: Desde sempre pesauma maldio sobre o esprito a saber: a de eslar poludopor uma matria que aqui se apresenta sob a forma de cama-das de ar agitadas, de sons,numa palavra, pelas formas dalinguagem. A linguagem to antiga como a conscincia - alinguagem a conscincia realprtica, que tambm existepara os outros homens, e existeportanto unicamente para mim(p. 59). Para Marx e Engels noh pensamento sem conscincia nem h conscincia sem linguagem,ou seja, sem suportes

    e relaes. Oser humano distingue-se do ser biolgicopor criaras suas relaes epossuir por consequncia uma l inguagem - asua linguagem, por meio da qual as relaes existemcomorelaes. A conscincia assim um produto (social). Quanto conscinciade si mesmo,que existiria por si, forma absoluta da conscincia, esprito, divindade, uma iluso dos filsofos. Note-se,de passagem,que se poderiam tambm reunirtematicamente os textos deMarx sobre a linguagem.Emborano tenha desenvolvido o seupensamento sobre este assuntoe lhe faltassem semdvida instrumentos conceptuais, Marx pa-rece esboar tal desenvolvimento(por exemplo, noque toca srelaes da linguagem edo valor de troca).

    A filosofia descedo cu terra; o pensamento materialistasobe da terra ao cu, parte dos homens e da sua actividade

    46

    real. No a consclenciaque determina a vida (social),masa v i d , ~ - q u ~ -d e t ~ r m i n aa conscincia. Alibertao um factohistrico e no um facto intelectual. impossvel libertar oshomens enquanto estes n f j p _ < : O l l s ~ g u i r e ma l ~ a l 1 ~ L< ql ll-_deque necessitampara viver: a,limentos, bebidas,habitao, ve -turio qualitativa e quantitativamente perfeitos vollstiin-dig, p. 53).

    No cabe aqui no nosso intento seguir a constituiodomaterialismo histricomas, sim, situar neste desenvolvimentoas passagens tericas e as ideias de Marx e de Engels relativamente cidade. Poremos, portanto, de lado o texto intituladoA Histria (pp. 54 e segs.),no sem fazer alguns coment-rios. Engels eMarx jogam com o duplo sentido da palavraproduo:

    a O sentido lato, herdado da filosofia.Pr:oduo. s!gnificaq iqflg e engloba ~ arte, a cincia, as instituies e oprprioEs

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    ,No sentido amplo, h produo de obras, de ideias, de espiritual idade aparente, em resumo, de t udo o que faz umasociedade e uma civilizao. Em sentido restrito, h produo de bens, de alimentos, de vesturio, de habitao, decoisas. O segundo sentido apoia o primeiro e designa a suabase material.

    Engels e Marx conseguem convencer o leitor de que ahistria abarca e comporta este duplo processo, este duplosentido. Todavia, a argumentao desenrola-se com certa desordem, com fraquezas que talvez expliquem por que razoOS autores abandonaram a obra e no a publicaram. Quandose diria resolvido o problema das origens, ei-Ios que o retomam para examinar os quatro aspectos das relaes histricas originais, a saber: a produo de meios (instrumentos,ferramentas) que permitem dar satisfao necessidade prim r i ~a produo de novas n e c e s s i d d e s ~a reproduo, ouseja, a famlia; os laos que associam os trabalhadores na

    produo. Quatro momentos simultaneamente originais eperptuos, isto , histricos. evidente que estes momentos,inerentes a toda a histria, nada dizem do que foi e do que a histria. Esta s aparece com a diviso do trabalho, ques se torna tal a partir do momento em que se opera a diviso do trabalho material e do trabalho intelectual. A partir deste momento, a conscincia pode verdadeiramente imaginar-se algo mais do que a conscincia da prtica existente,pode imaginar que representa realmente alguma coisa semrepresentar algo de real (p. 60). E por isso os autores saltam da anlise dos momentos para consideraes actuaissobre a conscincia nacional e as pretenses nacionais (alems) conscincia universal. Consideraes crticas excelentesmas que ultrapassam as premissas ao saltar, em nome da his

    8

    tria, por cima da histria. O seguimento ressente-se destesalto um tanto demasiado dialctico, em particular nas consideraes que retomam a teoria filosfica da alienao (p. 63)em nome da histria sem dizer se se trata de uma alienaoou de uma desalienao pela histria .. ,

    Por que razo as observaes crticas poupariam o pensamento crtico? Na realidade, o texto volta a desenrolar-secom coerncia e amplido, e o seu interesse reacende-sequando a cidade retoma (pp. 80 e segs.), como se a cidadereunisse efectiva e concretamente as duas acepes do termoc ~ t ~ a l- a produo

    Retoma-se aqui o texto anterior respeitante cidade (pp.46 e segs.), mas a nvel superior. Entre ambos, que temos?Temos alguns bosquejos do desenvolvimento histrico e dasua riqueza, bosquejos em si ricos de frmulas estimulan(es,mas em que se misturam ideias colhidas em todas as pocas,desde as origens revoluo total. Como estamos longe - em

    bora aqu i e ali o reenco ntremos - do nome que serve depretexto argumentao e lhe d o ttulo: Feuerbach Queimensa confuso, qual geraes de exegetas tentaro dararrumao, emprestar mtodo e rigor, contentando-se alisem extra ir deste manancial algumas citaes, sempre as mes

    masNa segunda passagem sobre a cidade o pensamento no

    vamente se adensa e se precisa, situando-se claramente no(empo e no espao. Retomam-se as teses anteriormente enunciadas que trazem simultaneamente materiais novos e umaforma concentrada. Ao leitor moderno afigura-se de vez emquando que Marx e Engels sero capazes de responder a umapergunta que lhes afIora pena: Qual o sujeito da histria? Para eles, nestas pginas, o sujeito da histria a ci

    49 - a . . . . . - r . g . l i d ~ d eyrba1la seriam, nesta hiptese, o lugar por--' , _ . _ ~ ~ - ' ~ - ~ '...,....- ~ ~ ' - - ~ - ~ - - - -

    excelncia e o conjunto dos lugares onde s-edesenrolam osc T o s d ~ ~ r - P r d u G i ' a i S - a n i p l o s ' e - m a i s O r 1 P f e x S c r o - q U eo s d p - 9 d u ~ , ~ l l r l i l ' s 6 i J O ~ " n 1 " e ~ p e c T f i 1 , - : i : i e p . 9 ' ~ ~ ~ s

    T

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    relaes (cpit'listas) de produo implica"'a reproduo da\ ~ - . . . . , ~ -- ~ " " " " " " " " ~ - . _ - - - , - ".. ,

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    e te so ao ca po do eg e da v e co co c a egrande indstria, cujo incio estava em curso nas cidades napoca de Napoleo I; no decorrer deste processo o interessedos camponeses deixa de se harmonizar com o da burguesia

    e passa a ter por aliado e guia o proletariado das cidades,ao qual incumbe a tarefa de derrubar a ordem burguesa18 Brumrio, tr. MareeI OllivieL E. S. r. 1928, pp. 134

    p146 etc.).Dito isto, olhemos para trs e consideremos o caminho per

    corrido para depois melhor enxergarmos, em frente, a viaque se desenha no horizonte.

    Os textos de Marx sobre a cidade, bem como os de Engels,s nos revelaram o seu sentido ao reintegrarem-se no movipmento de todo o pensamento daqueles autores. Obrigaram-nosa retomar este movimento, que de incio se perdera e depoisreencontrmos. impossvel isol-losl Tom-los separadamenteseria trair o movimento que os transportava e que eles empurram para a frente. Foi por isso que, para compreender opapel econmico das cidades, tivemos que lembrar toda a teoria da mais-valia, da diviso do trabalho, etc.

    Leitores haver sem dvida que nos diro: Que quepretendamos? Tomar conhecimento do que Marx e Engelssabiam e diziam um sculo atrs sobre um problema que entocomeava a levantar-se, textos que ningum ainda pensou emreunir. Com que direito se misturam os interesses actuais

    retomada daqueles textos e ao seu estudo atento?Outros, pelo contrrio, diro: Mas isto no nada do queespervamos Espervamos que com o mtodo de Marx, e

    166

    pAos primeiros, permitir-nos-emos responder mais uma vez

    que, em nossa opinio, a marxologia no tem grande interesse.Em seu nome, procede-se ao cmbalsamamento ou ao empalhamento dos pensadores e de um pensamento cuja actualidade persiste. visto que se no pode compreender a actualidade sem eles, e h at que partir deles para compreendero que se passou no ltimo sculo. No nos interessa a erudio, a queda no histrico. Interrogamos os textos em nomedo presente e do possvel, o que precisamente o mtodo deMarx e o que ele indica a fim de que o passado (acontecimentos e documentos) reviva e sirva o futuro.

    Aos segundos, contraporemos que nas controvrsias sobreo pensamento de Marx se no admite o emprego de conceitossem prvio exame. Para prolongar o pensamento de arx

    relativamente a um objecto sobre o qual ele se no debruou explicitamente, urge antes do mais rep-lo na sua formaprimitiva; s assim e s ento se poder retomar para a cidademoderna e para a sua problemtica, se for caso disso, a anlise crtica que Marx fez do capitalismo concorrencial.

    Acontece at que o autor ego) de h muito encarara talrestituio e tentara continuar as anlises antes de publicaro resulatdo desta releitura, do que, se necessrio for, do testemunho vrias obras e publicaes implcita ou explicitamentemarxistas.

    A investigao que prolonga o pensamento de Marx notenta descobrir ou construir uma coerncia, um sistema urbano, estruturas e funes urbanas no interior do modo de

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    --r- \\

    produo capitalista. Um pensamento que tem justificadas razes para se in titular marxista subordina as coerncias scontradies. A constatar-se e aceitar-se o inverso, ou seja.a subordinao dos conflitos s foras de coeso, na sociedade

    tempos livres, vida quotidiana, conhecimento e arte, e, finalmente, a urbanizao

    Que resulta deste duplo processo? O capitalismo manteve-se,porque se estendeu a todo o mundo. Tendo partido, na poca

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    capitalista, ento Marx errou, o seu pensamento fica para trse t burguesia leva a melhor.

    Mostrmos rapidamente quais os problemas que desde a se-gunda metade do sculo xx se punham, na sequncia da anlisecrtica do modo de produo (capitalista), e que igualmente enfrentavam os dirigentes (burgueses) desta sociedade. Tinham elesque levar em considerao, na sua prtica poltica, a reproduodas relaes de produo, e j no apenas a dos meios de produo. A reproduo ampliada j no dizia apenas respeito aosciclos e circuitos da produo econmica mas a processos maiscomplexos. Aprendendo com estrategas como Bismarck, a burguesia resolve esses prob lemas emprica mas eficazmente _ resolve-os de maneira suficientemente eficaz para manter o modode produo capitalista. Entretanto. o pensamento marxista cindia-se em reformismo e rcvolucionarismo: de um Jado, abusca da lgica social: do outro, O anncio da catstrofe. Marxpressentira os novos problemas. mas no pudera nem souberaencontrar resposta para eles.

    A reproduo das relaes de produo implica tanto aextenso como a ampliao do modo de produo e da suabase material. Deste modo, temos por um lado o capitalismoque se estendeu a todo o mundo e subordinou a si, como Marxprevira, as foras produtivas antecedentes e as transformouem seu benefcio. Por outro lado, o capitalismo constituiunovos sectores de produo e por consequncia de exploraoe de dominao; citem-se entre outros os seguintes sectores:

    ]68

    porque se estendeu a todo o mundo. Tendo partido, na pocade Marx, de um nmero limitado de pases (Inglaterra, partedo continente europeu, e depois a Amrica do Norte), conquistou o globo inteiro depois de ter constitudo o mercado

    mundial e alcanou xitos colossais (nomeadamente com acriao dos tempos livres, do turismo, etc.), mal-grado algumas graves derrotas, revolues e revoltas.

    Apesar dos entraves s relaes de produo capitalistas,o crescimento das foras produtivas, estimulado por duas guerras mundiais, conferiu-lhes tal poder que produzem o espao escala mundial, o espao no apenas a descoberta e aocupao do espao; transformou-se a tal ponto que a suamatria-prima, a natureza, se v ameaada por esta domi-nao que no uma apropriao A urbanizao geral umaspecto desta colossal extenso. Havendo produo do espao,no haver contradies do espao, ou mais exactamente,conflitos imanentes nesta produo, novas contradies? Casoafirmativo, o pensamento de Marx conserva o seu sentidoe toma at maior alcance. Na negativa, haver que abandonarMarx e o marxismo. Intil seria conserv-los a ttulo de cientificidadc recuperada pelo capitalismo e cujos critrios, almdisso, se lhes no adequam.

    Ora, pode mostrar-se e esta mostrao j comeadaprossegue e prosseguir noutros escritos, por pesquisas e desenvolvidas exposies) que as contradies du espao e ela sua

    produo se aprofundam:a A principal contradio situa-se entre o espao glo

    balmente produzido, escala mundial, e as fragmentaes e pul

    69

    ----r

    ~

    verizaes que resultam das relaes de produo capitalistasda propriedade privada dos meios de produo e da terra,

    isto do prprio espao). O espao esboroa-se, trocado vendido) em destroos, fragmentariamente conhecido atravs decincias parcelares quando ele se forma como totalidade mun

    perigosamente perturbada, e no horizonte perfilam-se resultados graves quando no catastrficos. Pe-se a interrogaose a destruio da natureza no parte integrante de umaautodestruioda sociedade que, mantendo o modo de pro

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    cincias parcelares quando ele se forma como totalidade mundial e at interplanetria.

    b A extenso do capitalismo generaliza a anlise crtica, feita por Marx, da sua constitutio trinitra.Nobasta definir essa extenso pela troca generalizada exclusivamente no mundo da mercadoria; isso seria reduzi-lo ao meromercadomundiat j existente no tempo de Marx. A sociedadee o modo de produo que a define dissociam e separam osseus elementos e mantm-nos numa unidade imposta e sobreposta separao. a frmula trinitria terra, capital,trabalho). O modo de produo capitalista impe unidade repressiva estatal) a uma separao segregao) generalizada dosgrupos, das funes. dos lugares. E istono espao dito urbano.

    Este espao portanto sede de uma contradio espec

    fica. A cidade estende-se desmedidamente, e rebenta. Sehurbanizao da sociedade, epor consequncia absoro docampo pela cidade,h simultaneamente ruralizao da cidade.As extenses urbanas arredores, periferias prximas ou longnquas) esto submetidas propriedade do solo e s suasconsequncias: renda fundiria, especulao. rarefaco espontnea ou provocada, etc.

    d O domnio da natureza, ligado s tcnicas e ao crescimento das foras produtivas, sujeito exclusivamente s exigncias do lucro da mais-valia) conduz destruio da natureza. A corrente de trocas orgnicas entre a sociedade e aterra, essa corrente cuja importnciaarx fez notar a propsito da cidade. encontra-se, se no interrompida, pelo menos

    17

    q , pduo capitalista, vira contrasi as suas foras e o seu poder ...

    e Nenhuma das superaes que o projecto marxista contempla veio a realizar-se, nem a da oposio cidade-campo

    nem a da diviso do trabalho, nem a da oposio, menosacentuada, obra-produto. Que resulta da? A deterioraorecproca dos termos no superados, degradao particularmente perceptvel e significanteno que toca cidade e aocampo.

    f disperso nas periferias, segregao que ameaaas relaes sociais ope-se urna centralidadeque acentua assuas formas como centralidade de decises de riqueza,deinformao, de poder, de violncia). "

    g A produo do espaos leva em conta o tempoparao submeter s exigncias e sujeies da produtividade. umcrculo estranho em quese aprisiona o tempo.

    h Dado que a automatizao torna possvel o no-trabalho, a burguesia dirigente capta essa possibilidade em seubenefcio. Se expande os tempos livres,s o faz subordinando-os mais-valia atravs da industrializao e da comercializao desses mesmos tempos e dos espaos que lhes correspondem. Consagrando-o sua ociosidade sem capacidade criadora, esteriliza o no-trabalho e suscita essa revolta sintomtica que a reivindicao do no-trabalho c que se mantmmarginal comunidadeshippies . Os valores do trabalho de

    generam e nada os substitui, tanto maisque a estratgia declasse automatiza melhor e mais rapidamente a gestodo quea produo; aproxima-se o momento em que a burguesia pro

    171

    ...

    curar manter o trabalho nos pases industrializados em vezde deixar emergir o no-trabalho Logo, os espaos de trabalho, de no-trabalho e de tempos livres encadeiam-se noespao mundial, de maneira paradoxalmente nova e que s6agora comea a tomar forma e a encontrar repartio.

    vel-impossvel, o possvel que ela torna impossvel, contradies ltimas, geradoras de situaes revolucionrias que jno coincidem com as que Marx enunciou, pois que j nobasta, para resolv-las, o crescimento organizado (planificado)

    das foras produtivas

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    g p i O indivduo encontra-se assim simultaneamente socia

    lizado, integrado, submetido a presses e a sujeies pretensamente naturais que o dominam nomeadamente no seu qua-

    dro de espaos, a cidade e as suas extenses), e separado,isolado e desintegrado. Contradio que se traduz pela angstia, pela frustrao e pela revolta.

    j A comunidade apresenta-se de duas maneiras: de umlado, o pblico, o colectivo, o estatal e o social. Do outro, a associao marginal, ou at aberrante, das vontades.A ciso tem de resolver-se no mbito de uma concepo doespao, mas esta soluo de momento meramente utpicae de modo algum impede a dissoluo das relaes que noconsigam encontrar lugar (espao e topos que lhe convenham).

    Em resumo, esta sociedade que no conseguiu levar a caboa sua tranformao segundo o projecto marxista, que se encontra em estagnao nesta via, salvo se escolheu (inconscientemente) outro caminho, essa sociedade luta com o possvel.Qual a imagem com que se debate? A violncia, a destruioe a autodestruio, cujo princpio traz em si, mas tambm ono-trabalho, a fruio total. Sem omitir o espao perfeitamente apropriado, logo, urbano

    Se h actualmente que retomar a ampliar o pensamentodos grandes utopistas, de Fourier. Marx e Engels, no porque

    tenham sonhado com o impossvel mas, sim, porque esta sociedade continua a transportar consigo a sua utopia: o poss

    172 1 :'3 9Lf ;) f -I I F U E L

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    lNDI E

    Advertncia 7L A situao da classe t rabalhadora na nglaterra 9

    n. A c id ad e e a d iv is o do trabalho 29

    UI. A cr tica da econorna pol t ica 77

    IV. O capital e a propriedade do solo 121

    Concluses gerais 165

    1- r'