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1 GT.03. Marxismo e Educação FUNDAMENTOS SOCIOCULTURAIS LATINO AMERICANO: UMA BREVE ANÁLISE ACÁCIO NASCIMENTO FIGUEREDO 1 CRISTIANO FERRONATO 2 Resumo: O presente trabalho analisa os fundamentos socioculturais latino-americano, tendo como base a obra “América Latina: males de origem de Manoel Bomfim, assim como outros autores que tiveram como objeto de estudo este continente. Procuramos evidenciar a necessidade de um pensamento original latino-americano para elucidar de maneira mais próxima possível os seus aspectos, culturais, políticos, econômicos. OBJETO DE ESTUDO. Temos como objeto de estudo os fundamentos socioculturais latino-americanos. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO. Buscamos uma análise crítica na tradição marxista original da América Latina. Desenvolvemos uma revisão de literatura dos autores que fizeram estudos e pesquisas sobre a América Latina. CATEGORIAS HISTÓRICAS. América Latina. Progresso Social. Paralisia. Trabalho. PERIODIZAÇÃO. O texto tem como base os escritos do início do século XX. América Latina: males de origem foi escrito em 1905. Esse texto, assim como os outros analisam o período histórico, desde o século XVI até o início do século XX. FONTES UTILIZADAS. Utilizamos como fonte documental os livros. RESULTADOS. Destacamos como resultados desse trabalho: 1)Precisamos aprofundar os estudos sobre a América Latina com obras originais, com fontes documentais históricas reais. Dificultando assim análises teóricas abstratas gerais, sem fundamento com a realidade objetiva do continente latino-americano. 2) A importância dos estudos de clássicos que possibilite compreender o processo histórico do passado, do presente e ter uma perspectiva do futuro. 3)As leituras e interpretação do Brasil, projeto desenvolvido pelo HISTEDBR GT/SE contribui para o conhecimento cientifico, vinculado a vida social de Sergipe, do Brasil e do mundo. Palavras chave: América Latina. Fundamentos. Marxismo 1 Licenciado em pedagogia na Universidade Federal de Sergipe (1995-1999); Mestre em educação na Universidade Federal de Sergipe (2000-2003); e Doutorando em educação na Universidade Tiradentes Email: [email protected]. 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes PPED/UNIT Email- [email protected]

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GT.03. Marxismo e Educação

FUNDAMENTOS SOCIOCULTURAIS LATINO AMERICANO:

UMA BREVE ANÁLISE

ACÁCIO NASCIMENTO FIGUEREDO1 CRISTIANO FERRONATO2

Resumo: O presente trabalho analisa os fundamentos socioculturais latino-americano,

tendo como base a obra “América Latina: males de origem de Manoel Bomfim, assim

como outros autores que tiveram como objeto de estudo este continente. Procuramos

evidenciar a necessidade de um pensamento original latino-americano para elucidar de

maneira mais próxima possível os seus aspectos, culturais, políticos, econômicos.

OBJETO DE ESTUDO. Temos como objeto de estudo os fundamentos socioculturais

latino-americanos. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO. Buscamos uma

análise crítica na tradição marxista original da América Latina. Desenvolvemos uma

revisão de literatura dos autores que fizeram estudos e pesquisas sobre a América Latina.

CATEGORIAS HISTÓRICAS. América Latina. Progresso Social. Paralisia. Trabalho.

PERIODIZAÇÃO. O texto tem como base os escritos do início do século XX. América

Latina: males de origem foi escrito em 1905. Esse texto, assim como os outros analisam

o período histórico, desde o século XVI até o início do século XX. FONTES

UTILIZADAS. Utilizamos como fonte documental os livros. RESULTADOS.

Destacamos como resultados desse trabalho: 1)Precisamos aprofundar os estudos sobre a

América Latina com obras originais, com fontes documentais históricas reais.

Dificultando assim análises teóricas abstratas gerais, sem fundamento com a realidade

objetiva do continente latino-americano. 2) A importância dos estudos de clássicos que

possibilite compreender o processo histórico do passado, do presente e ter uma

perspectiva do futuro. 3)As leituras e interpretação do Brasil, projeto desenvolvido pelo

HISTEDBR GT/SE contribui para o conhecimento cientifico, vinculado a vida social de

Sergipe, do Brasil e do mundo.

Palavras chave: América Latina. Fundamentos. Marxismo

1 Licenciado em pedagogia na Universidade Federal de Sergipe (1995-1999); Mestre em educação na

Universidade Federal de Sergipe (2000-2003); e Doutorando em educação na Universidade Tiradentes

Email: [email protected]. 2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes –

PPED/UNIT Email- [email protected]

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Introdução

Neste trabalho procuramos apresentar algumas discussões acerca da construção a

nossa tese de doutoramento intitulada “A influência das ideias pedagógicas de Paulo

Freire nos movimentos de educação popular em Sergipe (1958-1964), em andamento no

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes em Sergipe. Neste

caso específico procuramos discutir alguns fundamentos da formação social, política,

cultural e econômica da América Latina partindo da obra de Manoel Bonfim, mais

precisamente o livro “América Latina: males de origem”, publicado em 1905. Este autor

sergipano no início do século XX desenvolveu um arcabouço conceitual, histórico que

contribui com o conhecimento das bases iniciais do continente latino-americano.

Cabe destacar que no referido texto procuramos aprofundar os fundamentos

socioculturais, políticos e econômicos latino-americano, partindo de uma análise baseada

na tradição marxista, a qual, o processo histórico concreto é produzido dialeticamente

com o processo cultural e científico.

O texto proposto, nesse sentido busca uma breve análise sem perder a

profundidade nesse campo de conhecimento, lançando mão de uma revisão de literatura

crítica original sobre a América Latina, tendo como texto base a obra de Manoel Bomfim

acima referida.

I – FUNDAMENTOS SOCIOCULTURAIS

Escrever sobre a América Latina não é uma tarefa fácil, principalmente quando

temos a intenção em ser fiéis a sua estrutura etnológica, ao seu pensamento próprio e

concreto; a sua cultura original. Nesse caso entendemos que esta é uma verdadeira atitude

radical e científica, e portanto, política também. Diferentemente de alguns historiadores

e cientistas sociais que trazem a análise sob o olhar da Europa em relação a América

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Latina, procuramos nesse texto evidenciar esse continente sob o olhar dele mesmo,

radicado às ideias de alguns literários, escritores e Cientistas Sociais que procuraram

desvendar a partir do processo histórico concreto e real estruturado nesse continente

chamado de América Latina.

Partindo desse pressuposto procuramos explicitar as principais teses que Manoel

Bomfim trabalha, tais como: Cultural, Política, Econômica, Parasitismo entre outras. É

evidente o caráter crítico, persuasivo e questionador que o mesmo se defronta perante a

análise. Nesse texto procuramos apresentar os fundamentos, os quais entendemos como

essenciais ao conhecimento da realidade latino-americana.

Ao analisar o processo cultural da América Latina, Manoel Bomfim (2005:41)

infere “E a Europa, que já não comporta o número de habitantes, e cuja avidez e ganância

mais se acendem à proporção que a população se engrossas – a Europa não tira os olhos

do continente legendário”.

Condenando as sociedades que vivem sobre ele, os porta-vozes das

opiniões correntes no Velho Mundo não conseguem ocultar os seus

sentimentos quanto ao futuro que aspiram para as nações sul-

americanas.

Esse estado de espírito, esse modo de ver mantém-se também pela

absoluta ignorância dos publicistas e sociólogos europeus sobre a

América Latina

Pode-se dizer que esta condenação tem uma dupla causa: a causa

afetiva, interesseira; e uma causa intelectual – a inteira ignorância das

nossas condições e da nossa história social e política, no passado e no

presente. Esta é uma verdade que se reflete em cada conceito que se nos

acabrunham. (2005, p. 44).

Esse argumento tão elucidativo de Bomfim revela-nos o desprezo que intelectuais

sejam europeus, sejam latino-americanos geralmente formados em Portugal tinham sobre

a construção da identidade própria latino-americana. Buscavam pintar de preto e branco

uma fantasia que só interessavam a elite europeia.

Partimos do pressuposto que os conceitos derivam do processo histórico e da vida

social dos homens. Neste sentido o conceito não é uma produção abstrata. Procuramos

assim aprofundar os conceitos desenvolvidos por Manoel Bomfim para interpretar a o

continente latino-americano.

Manoel Bomfim mostra que “efetivamente, os povos sul-americanos se

apresentavam hoje, num estado que mal lhes dá direito a ser considerados povos

civilizados. Em quase todos eles, em muitos pontos do Brasil inclusive, a situação é

verdadeiramente lastimável”.

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Todos sofremos os efeitos deste retardamento. Da civilização só

possuímos os encargos: nem, paz, nem ordem, nem garantias políticas;

nem justiça, nem ciência, nem conforto, nem higiene; nem cultura, nem

instrução, nem gozos estéticos, nem riqueza; nem trabalho organizado,

nem hábito de trabalho livre, muita vez, nem mesmo possibilidade de

trabalhar; nem atividade social, nem instituições de verdadeira

solidariedade e cooperação; nem ideais e glórias, nem beleza.

Exploradas pelo mercantilismo cosmopolita e voraz, imoral e

dissolvente, retardatário por cálculo, egoísta e inumano por natureza,

estas pobres sociedades não sabem e não podem se defender. (2005,

p.60).

Essa constatação é essencial para a compreensão ainda hoje do processo histórico

que os povos latino-americanos vivem. No Brasil por exemplo tivemos um atraso cultural

de quatro séculos, levando em consideração as conquistas já realizadas em alguns países

da Europa como Inglaterra e França, já analisada por Manoel Bomfim na obra referida.

As experiências de democratização da cultura e de universalização da escola pública de

qualidade ainda está no campo da utopia possível.

Sobre o atraso cultural na América Latina, Manoel Bomfim expõe “Bem decaído,

a Espanha não é hoje a sombra, sequer, do que foi no século XVI. No decorrer da Idade

Média, até o século XVI, os povos da Europa organizam-se socialmente; definem-se as

instituições, ligam-se as raças, difundem-se entre as nações bárbaras os princípios da

cultura latina”,

[...] que é assimilada, adaptada as tradições e à índole de cada grupo;

integralizam-se as nacionalidades sob nova forma, surgem as nações

modernas – soberanas, livres, caracterizadas que nenhuma outra,

havido sofrendo uma elaboração infinitamente mais difícil e complexa.

O progresso geral continua; agora é a ciência, a filosofia, o estudo direto

da natureza; e, enquanto os outros povos se mantêm participando do

progresso científico e artístico do século XVI, a península declina. No

decorrer do século XVII e XVIII, a Ibéria que havia dado ao mundo

Cervantes, Camões, Murilo, Lopes de Veja... desaparece, degenera; não

se vê um só nome espanhol e português entre os homens que fundam a

cultura moderna e dominam a natureza, ou naqueles que refazem a

filosofia racionalista, que iluminará as gentes na conquista da justiça e

da liberdade. (2005: 62).

Para este autor o atraso de Espanha e Portugal foi determinante à influência dos

povos colonizados. No Brasil por exemplo recebeu uma influência direta de Portugal, o

qual estava no século XVI a XIX em processo de declínio.

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No trabalho “Notas sobre a recepção do Marxismo na América Latina1” Michael

Löwy (1998: p. 11) vai buscar o essencial do pensamento marxista na América Latina.

Para ele “a obra de Marx e a teoria marxista foram introduzidas na América Latina a partir

de dois caminhos fundamentais:

1 – Uma leitura evolucionista “europeizante”, que apreende no papel

civilizador do capital – especialmente no combate antifeudal da

burguesia democrática – a chave do desenvolvimento econômico e

social do continente.

2 – Uma leitura dialética que ao considerar esgotado o papel

progressista da burguesia desenvolve a perspectiva revolucionária. É a

fase democrática e socialista enraizada nas tradições sociais e culturais

das classes populares.

Michael Löwy infere que “trata-se, assim, de um enfoque marxista absolutamente

anti-evolucionista com o qual Mariátegui vai examinar, no curso de vinte anos, a realidade

peruana e a latino-americana”.

Mariátegui ao propor uma revolução operário-camponesa será acusado

tanto de “europeizante” como de “populista” indianista. Na realidade,

seu enfoque caracteriza-se precisamente por uma unidade dialética

entre o universal e particular; entre os principais fundamentos do

marxismo e as características próprias da América Latina... O aspecto

politicamente decisivo da ruptura com o evolucionismo, encontra-se na

convicção de Mariátegui de que o progresso não poderia apontar

soluções aos problemas do subdesenvolvimento latino-americano e que

a burguesia local seria incapaz de desempenhar um papel democrático-

revolucionário consciente ou de libertar o continente do jugo dos

latifundiários e dos monopólios imperialistas. O que está pois na ordem

do dia no Peru e na indo-américa, é uma revolução social global que

combina as tarefas nacionais, democráticas, agrárias e socialistas

articulando-as em um único processo revolucionário no combate

anticapitalista.... O pensamento mariáteguista não sobreviveria mais do

que em algumas correntes marginais e heterodoxas do marxismo latino-

americano, até princípios dos anos 1970. Com a revolução cubana, a

revolução nicaraguense e os movimentos revolucionários em El

Salvador e Guatemala abrem-se um novo capítulo na interpretação do

marxismo na América Latina. Sem ter necessariamente uma relação

direta com a obra de Mariátegui, estes movimentos buscam reencontrar

ou reinventar um marxismo não evolucionista, capaz de orientar uma

práxis radical de caráter social.

O que fez os governos latino-americanos a mais de quatro séculos? Acreditamos

que apenas reproduziram os modelos de governos de fora, principalmente da Europa e

1Esse trabalho faz parte do livro América Latina: história Ideias e Revolução. Paulo Barssoti e Luiz

Bernardo Pericás (organizadores). 2ª Ed. São Paulo: Xamã, 1998.

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dos Estados Unidos. E mesmo assim reproduziram o que é de ruim, de negativo dos países

mais atrasados. Os direitos sociais garantidos na Europa e Estados Unidos quase nada

alcançaram.

Nessa direção é importante buscar as ideias originais capazes de desconstruir os

modelos já intimamente desenvolvidos dos povos latino-americanos. Procuramos no

pensamento marxiano latino-americano em Ernesto Che Guevara, Martí e Mariátegui

expor os fundamentos dessa originalidade.

Sobre o humanismo de Che, Michael Löwy (2003, p.32)2 adverte “tanto o

humanismo de Che como o de Marx estão empenhados explicitamente numa perspectiva

de classe operária, contra todo o humanismo abstrato que se pretende para além das

classes (e que em última análise burguês);

[...] opõem-se pois, radicalmente ao mau humanismo por essa premissa

fundamental: a libertação do homem e a realização de suas

potencialidades não podem ser alcançadas, senão, pela revolução

proletária, que elimina a exploração do homem pelo homem e instaura

o domínio racional dos homens sobre o seu processo de vida social. Na

sua concepção do humanismo, é possível e mesmo provável que Che

tenha sido influenciado pela obra do intelectual argentino Aníbal Ponce,

um dos pioneiros do marxismo da América Latina “Humanismo

Burguês e Humanismo Proletário”.

Che esteve atento a literatura revolucionária em geral e especificamente latino-

americana, como Aníbal Ponce e Martí. Essa literatura o permitiu ter a compreensão

teórica e prática do processo revolucionário em Cuba. Assim possibilitou a construção de

uma nova lógica de governar que efetivamente ia contrário ao modelo imperialista dos

Estados Unidos e mecanicista dogmático marxista como stallin. As ações propositivas do

marxismo de Che partiam da ideia de serem originais naquele momento histórico, fincado

na experiência de vida dos cubanos e dos povos latino-americanos.

No artigo “Os pioneiros do marxismo na América Latina” Pablo Gonzáles

Casanova argumenta a influência de Jose Marti na vida intelectual e na ação

revolucionária de Cuba. Ele mostra que: “Várias são as razões pelas quais Martí pertence

a história do pensamento socialista na América Latina, sem que tenha sido marxista ou

socialista. Uma muito significativa é, sem dúvida, que Fidel Castro e outros dirigentes o

consideram como o autor intelectual da Revolução Cubana”.

Semelhante tese não é apenas uma exaltação retórica da figura do

grande homem, nem só corresponde a lógica eloquente. A seriedade

2 Löwy, Michael. O Pensamento de Che Guevara. 5ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

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com que falam os dirigentes da Revolução Cubana e a forma como

empregam expressões que parecem retóricas e são práticas é uma

característica da cultura martíana e obriga a analisar o tipo de elementos

que fazem de Martí o autor intelectual da primeira revolução socialista

do novo mundo... Martí é um brilhante precursor do pensamento

socialista latino-americano porque foi um revolucionário, que lutou a

fundo contra o colonialismo e nos primeiros embates do imperialismo.

O legado de Martí consistiu numa sólida ideologia para enfrentar três

tipos de problemas que teria o revolucionário latino-americano: a do

reformismo, o da espontaneidade e o da luta de classes que não prioriza

a batalha contra o imperialismo a partir da situação colonial.

O combate ao imperialismo levou a Martí a trilhar a ideia de uma identidade

latino-americana. No livro Martí – e as duas Américas Pedro Pablo Rodrigues (2006:

p.38-42) assim expõe: “Data da expressão de seu conceito de identidade latino-americana,

notável para a sua época por sua originalidade, sentido de autonomia e projeção para o

futuro e que constitui a chave teórica e metodológica que explica o programa

revolucionário e a ação de Martí durante os anos finais de sua vida”

Pedro Pablo Rodrigues (2006: p.50-52} traz uma análise essencial sobre a nossa

identidade “Com linguagem peculiar; não alheia as fontes clássicas e iluministas em que

bebera basicamente até então, o jovem Martí concebeu e expôs três idéias essenciais:

1 – A América Latina é constituída por povos novos; 2 – Existe ali uma

natureza particular americana, ou seja, características espirituais, de

psicologia social, próprias e peculiares; 3 – As particularidades e

especificidades americanas exigem análises e soluções próprias... A

definição martíana de autoctonia continental ganhou fundamentação

sociológica, histórica e cultural em seus textos na Guatemala. Na nação

centro americana publicou em 1877, um artigo intitulado “Os Códigos

Novos”, onde deixou plenamente esclarecido um conceito de

identidade verdadeiramente revolucionário para o seu tempo.

Tendo sido interrompida pela conquista a obra natural e majestosa da

civilização americana, criou-se, com a chegada dos europeus, um povo

estranho, não espanhol, porque a seiva nova rechaça o corpo velho; não

indígena, devido a ingerência de uma civilização devastadora, duas

palavras que, sendo antagônicas, constituem um processo; criou-se um

povo mestiço, na forma que, com reconquista de sua liberdade,

desenvolve e restaura sua alma própria.

A importância dessa análise ultrapassa em muito seu tempo;

haveria que esperar até que o século XX estivesse bem adiantado

para que se tornasse natural essa noção de que nossos povos são

resultados da fusão – antagônica e por isso contraditória – de duas

civilizações: uma conquistadora e dominante, outra, conquistada

e dominada.

Sobre esse estado de coisas Bomfim (2005:170) afere que “neste sistema de

colonização tinham achado as metrópoles o ideal de vida política e econômica; manter as

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colônias sob o mesmo regime era a garantia da subsistência. Ora pelo resto do mundo, a

ciência e a filosofia vinham despertando nas consciências”;

Os privilégios e as injustiças sentiam-se ameaçados; então, redobraram-

se os expedientes para embrutecer e degradar definitivamente as gentes

das colônias, de forma a tornar para sempre impossível a redenção

intelectual e moral destes povos. Os processos de cultura, da ignorância

e de seleção às avessas, empregados pelos jesuítas e pela Inquisição, na

metrópole, foram transportados para as colônias. A Espanha chegou a

proibir, mais de uma vez, a venda de livros aos súditos da América; nos

momentos de crise, só o fato de saber ler e escrever era motivo de

suspeição. Tinha como eixo de suas ações a oposição do progresso.

Levando em consideração a afirmação de Bomfim temos claro que o processo

destrutivo e atrasado de colonização foi intencional, voltado apenas a permanecer a

situação desigual que a elite da época empreitava. É importante ressaltar que mesmo com

a saída da metrópole a classe dominante cria mecanismo de manutenção do seu status.

Mesmo com a independência proclamada e junto com ela a república, as ideias

republicanas pouco aconteceram ao longo do processo histórico. O autoritarismo político,

militar e econômico permaneceu por muito tempo nos diversos países latino-americano.

Desde a ditadura militar nos meados dos anos de 1960 até meados dos anos 1980. Até a

ditadura do capital mundial decorrente do neoliberalismo e da globalização da economia.

Transformar este processo na América Latina requer um grande esforço da classe operária

e dos movimentos populares que são originários da mesma em construir ações e

pensamentos revolucionários, voltado ao desenvolvimento da indústria, do campo, da

cultura em geral e do processo político democrático. No momento político atual essa

acredito que seja a superação necessária relativo o conservadorismo.

II - FUNDAMENTOS ECONÔMICOS

Sobre a relação trabalho e processo educativo e cultural, Manoel Bomfim (2005,

p.66) ao analisar as classes dirigentes de Portugal e Espanha afirma “Um grupo, um

organismo social, vivendo parasitariamente sobre outro, há de fatalmente degenerar,

decair, degradar-se”

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Em que consiste o progresso social? Ora uma sociedade que vive

parasitariamente sobre outra perde o hábito de lutar contra a natureza;

não sente a necessidade de apurar os seus processos, nem de pôr em

contribuição a inteligência, porque não é da natureza diretamente que

ela tira a subsistência, e sim do trabalho de outro grupo; com o fruto

desse trabalho ela pode ter tudo. Não há mais necessidade de ver,

observar, guardar a experiência e manter-se em contato com a natureza.

Deriva daí que não há o esforço íntimo para conhecer as coisas e os

fenômenos, pois que as necessidades são satisfeitas; nem há o estímulo

contínuo, vivaz e eternamente novo, da natureza sobre o nosso

entendimento, visto como vivemos dela afastados. Em tais condições,

é lógico que a inteligência não poderá contribuir, decairá.

Esse fenômeno é fundamental para que possamos entender o que foi o domínio

econômico português aqui no Brasil. Seu parasitismo fez o nosso país atrasar séculos com

o desenvolvimento básico de uma sociedade como a democratização da cultura e da

educação em geral. Aliás o processo educativo sendo definido numa divisão clara em que

os índios e escravos negros não tinham acesso ao saber, a não ser o prático, enquanto

processo de exploração cultural e do trabalho. Já a elite brasileira tinha formação superior

em Portugal, sendo totalmente influenciado pelas ideias parasitas da elite da metrópole.

Assim os índios e os escravos negros trabalhavam de forma forçada, desumana, numa

situação de miséria desde o século XVI ao século XIX. Inclusive perdendo sua identidade,

havendo uma verdadeira dizimação cultural, destruindo suas línguas nativas. Mesmo com

o termino da escravidão no final do século XIX ainda persistia o modelo cultural desigual.

Para a compreensão do processo histórico da colonização na América Latina,

Manoel Bomfim buscou os fundamentos de sua origem. Assim ele descreve “A Espanha

já tinha contato com as riquezas através do árabe na África. Saltam em África, lá se

estabelecem; mas reconhecem logo que não há como tirar dali a sonhada riqueza; em

primeiro lugar, porque ela não existia; em segundo lugar porque lá, o mouro era

invencível”

Portugal, seguindo os mercadores do Norte que iam até o Cabo Bojador,

descobre uma mina: é o comércio dos negros da África... O português,

como não perdia o árabe de vista, chegou na Índia; o Espanhol desceu

na América. Os processos de um e de outro são absolutamente os

mesmos – devorar o descoberto. Um homem prático – Francisco de

Almeida quis normalizar a exploração, arranjando a coisa de forma que

a vítima fosse ordenhada, mas conservava viva e presa. Propunha um

fecundo sistema de explorar uma região inteira. Os espanhóis e

portugueses devoraram toda uma civilização astecas e incas. As

repetições propositais de destruição na América do Sul para deixar bem

evidente o caráter da conquista portuguesa: saquear, sem nenhum outro

objetivo – a rapina, a pirataria, e o parasitismo depredador. Essa foi a

base do heroísmo parasita. Não foram só as riquezas, foi tudo: povos,

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civilização, monumentos históricos. A violência da sua voracidade tudo

consumiu. As riquezas dos incas e astecas foram assim devoradas num

relance, os impérios eliminados e, dentro em pouco, não estava ali, de

toda a riqueza sonhada, senão o solo, prodigiosamente rico de ouro e

prata, e restos de tribos selvagens, apavoradas, combalidas,

desmoralizadas. O espanhol, que apenas iniciara o seu parasitismo

sobre a América, por essa forma depredadora, adaptou logo as suas

tendências e apetites naturais às condições novas que se lhe ofereciam.

Enquanto houve riqueza acumulada, ele foi depredador, guerreiro,

conquistador. Esgotaram-se as riquezas, ele fez-se imediatamente

sedentário. Colheu os restos de populações índias sobreviventes às

matanças, escravizou-as e fê-las produzir riquezas para ele – cavando a

mina ou lavrando a terra. Acabou o parasitismo heroico; começou o

sedentarismo, regime sob o qual a decadência se acentua e a

degeneração se manifesta. Foi-se a Índia, e Portugal perdeu até a

independência. Todavia, mesmo nessa hora de crise, ele não deixou de

viver parasitariamente. Quando o holandês e o inglês o despojaram, já

o Brasil era uma colônia, estava preparado para sustentá-lo – o Brasil e

a África. O Brasil dá-lhe os tributos, dízimos e monopólios, a África

dá-lhe o tráfico de negros. Devorando a Índia, Portugal ia enviando para

aqui os seus degredados, e os fidalgos mal aquinhoados na partilha do

oriente; e uns e outros foram fazendo no Brasil o mesmo que a Espanha

fazia no resto da América – obrigavam logo o índio a trabalhar para

eles. .(2005, p.93-114).

Apresentamos nessa longa citação os fundamentos econômicos da base à

colonização latino-americana, e no Brasil em particular. Quero ressaltar que esses

fundamentos nos fazem ter uma aguda atenção sobre o que seja a verdade ou a falsificação

da realidade. Procuramos ir pelo primeiro caminho, acreditando que a verdade está nas

fontes originais em que o autor trabalhou e não se furtou de expô-las. Longe do

romantismo falsificador das ideias abstratas, procuramos elucidar a dialética, pensamento

– concreto.

Os fundamentos apresentados por Michael Löwy (2003: p.72) ao analisar a

economia cubana possibilitam argumentos de contradição fundamentais para desenvolver

outro modelo econômico na América Latina. Esse autor observa “a ideia central de Che

é que a planificação é a maneira de ser da sociedade socialista, a categoria que a define e

o ponto que a consciência do homem finalmente consegue sintetizar e dirigir a economia

para o seu objetivo, a libertação total do ser humano no contexto da sociedade comunista”

Neste sentido ela se opõe essencialmente a lei da valia, lei cega e

invisível, que modela o destino do indivíduo, ordem rígida e alienada

que escapa a vontade e consciência dos homens. Como se vê a

concepção guevarista do plano está estreitamente ligada a sua

problemática filosófica da passagem consciente para o comunismo e a

sua concepção da liberdade como supressão das alienações. Para Che a

planificação não era um simples instrumento técnico, mas a forma

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necessária do domínio dos homens sobre o seu meio, baseada na

atividade criadora das massas populares. É necessário acentuar a

participação consciente, individual e coletiva dos homens em todos os

mecanismos de direção e de produção para poder verdadeiramente

quebrar as cadeiras da alienação... Por outro lado, a partir de agora, a

planificação, se distingue radicalmente do cálculo econômico

mercantil, á medida que não se orienta por critérios puramente

quantitativos ( o lucro, a rentabilidade), mas por critérios qualitativos:

os valores da aplicação, a satisfação das necessidades fundamentais do

homem.

Aqui é apenas uma das ideias centrais da originalidade marxista latino-americana,

ou seja, parte da transformação dos pressupostos da economia capitalista. Daí não é

possível transformar seja a economia, seja a cultura, seja a moral capitalista no seu próprio

interior. Isso é uma quimera burguesa. Che efetivamente estava na construção do

socialismo na América Latina e Cuba foi o país de atuação desse ideal. O pensamento

estava totalmente ligado a ação. A autonomia e identidade do povo cubano que lhe

importava, como o povo latino-americano em geral. Tanto uma como outra só é possível

na construção coletiva no combate ao imperialismo e ao individualismo capitalista. Ainda

hoje podemos encontrar formas de desenvolvimento do socialismo em Cuba, haja vista a

sua sobrevivência no combate ao bloqueio econômico. Foi preciso criar uma forma

original de governar em que a política educacional, a política de saúde, a política cultural

está diretamente ligada a política econômica, garantindo que os direitos essenciais do ser

humano possam ser respeitados.

Manoel Bomfim (2005:182) sobre o conservadorismo dos governos latino-

americanos conclui: “Na prática todos esses homens das classes dirigentes são escravos

passivos da tradição e rotina; são ativos apenas para opor-se a qualquer inovação efetiva,

a qualquer transformação real, progressista”

A história nos mostrará que, nas nacionalidades sul americanas antes

mesmo de completar a independência, já aparece um partido

conservador, pesando decisivamente sobre a marcha das coisas públicas

[...]. Na América do Sul, essa política conservadora mais se agrava

porque é generalizada – para todos os partidos. Não é só por interesse,

é por herança, por educação. Mesmo os mais ousados entre os homens

públicos, os mais revolucionários, são tão conservadores como os

conservadores de ofício. Ou pela ambição do poder, eles subscrevem

reformas, proclamam novos direitos; mas são tão impróprios para os

cumprir como o mais pétreo dos conservadores.

O conservadorismo está no sangue do sistema político brasileiro, a tal ponto que

mesmo no contexto de governos democráticos suas ideias e práticas estiveram presente,

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impedindo as reformas estruturais necessária para o desenvolvimento e avanços. E as

raposas entocadas na gruta do sistema jurídico trabalham (golpeiam) frequentemente

qualquer possibilidade de avanços efetivamente democráticos.

Sobre a falta de originalidade dos países sul americanos (Bomfim:2005: 202-210),

demonstra que “Olhem para os Estados Unidos, vejam como a indústria e a lavoura

aproveitam ali o progresso da ciência. Vejam o esmero como se instruem as massas

populares, e reconhecerão então, que não foi a emigração quem te produziu o maravilhoso

progresso da grande república, mas a cultura, a instrução generalizada”

Já o estadista sul americano nem nisso pensam. Dir-se-ia que tais

homens são incapazes de acompanhar os fenômenos sociais até a sua

origem, e por isto pretendem colher os frutos, sem preparar a

sementeira; constroem a chinesa: apuram a instrução superior, antes de

propagar a primária. – fazem doutores para boiar sobre uma onda de

analfabetos. Em vez da instrução popular, que prepare a massa em geral

da população, em vez da instrução profissional industrial, donde tem

saído o progresso econômico de todas as nações, hoje ricas e prósperas,

reclamam-se universidades – já alemães, já francesas... Doutores,

academias, institutos, universidades, para praticar a inércia sobre uma

sociedade de irresponsáveis, e estimular a sonolência essa massa

popular, que é hoje o que era há 300 anos. Necrópoles de idéias mortas,

abandonadas, esquecidas, distanciada de todos os ideais e aspirações

modernas.

Dentre os diversos aparelhos e instituições sociais, não há nenhum tão

resistente ao progresso, e as reformas em geral, como as máquinas

governamentais...

O Estado é, ainda hoje, nos países da América Latina, o que era nos

tempos coloniais, salvo modificações de forma, inerentes aos novos

regimes políticos... O Estado na colônia era uma simples máquina de

receber tributos, armadas de aparelhos especiais de opressão, que lhe

garantiam a posse da presa. Além disso, o Estado formava um corpo

alheio à nacionalidade, vivendo à custa da colônia, e alimentando toda

a metrópole.

Eis o Estado: uma realidade à parte, em vez de ser um aparelho nascido

da própria nacionalidade, fazendo corpo com ela, refletindo as suas

tendências e interesses.

Manoel Bomfim, certamente ligado as ideias revolucionárias do seu tempo,

semelhante a José Martí no início do século XX apresentava as ideias bases da inercia

dos estadistas latino-americanos. Não é por acaso que ainda hoje no Brasil temos mais ou

menos 30 milhões de analfabetos, sejam absolutos ou funcionais. Ainda hoje há lugares

de miséria extrema. Ainda hoje surgem ideias mirabolantes como a transposição do rio

São Francisco e da rodovia transamazônica, em que o dinheiro público vai para o ralo.

Obras eleitoreiras iniciam e não são terminadas. Suas ideias estão longe de ser colocadas

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na prática porque não são articuladas com os interesses da maioria da população, do

desenvolvimento intelectual e moral dos indivíduos em geral.

O financiamento em educação no Brasil sempre é inadequado com a necessidade

a ser atendida. Mesmo com o avanço legal da constituição de 1988 até a atualidade, os

governos ou desviam os recursos, ou não tem a capacidade de aplicar o que a lei diz,

diretamente relacionado com a educação pública. No caso do Piso Nacional dos

professores os governadores criaram mecanismos para a não efetivação da lei. Em Sergipe

foi criada uma lei estadual em que o professor em geral com formação superior não recebe

segundo o piso nacional. Recebe, segundo o aumento anual, que até hoje o máximo

chegou a 8%. Enquanto o piso nacional era de 22,8%. Atualmente cabe um

questionamento, com o aumento de recursos na Educação digo Pré-Sal, Royates; os

mesmos estão sendo destinados a transformação da educação pública de qualidade; ou há

um incentivo a iniciativa privada?

Quero ressaltar que efetivamente precisamos de um incremento no aumento de

recursos para a educação pública em todos os níveis de ensino, desde a educação infantil,

até a pós-graduação.

Manoel Bomfim ao longo do texto com a sua construção crítica e propositiva, ao se

posicionar de forma clara e objetiva contra a ignorância e o atraso cultural da elite latino-

americana apresenta os fundamentos contrários. No inicio do século XX certamente

atento a literatura crítica da época constrói um arcabouço histórico e sociológico fincado

as raízes reais das fontes. Sabe muito bem que o desenvolvimento latino americano parte

dos próprios esforços latino americanos no trabalho continuo e utópico da transformação

da realidade. Sua contribuição, portanto, estar em conhecer as bases reais e históricas do

continente latino americano em geral, e da América do Sul em particular.

Querer um regime moderno, com as almas cristalizadas nos costumes

de três séculos atrás, não é uma utopia – é uma monstruosidade.

Proclamar democracia e liberdade, e manter e defender as condições

sociais e políticas das eras do absolutismo, é mais que insensato – é

funesto, mais funesto que o absolutismo formal. Que a ciência não seja

um adorno de doutores, mas um recurso para todos, na luta comum

contra as dificuldades da vida. Fiquemos certos de que não há outro

instrumento para transformar o meio material e apurar o ambiente

moral; contra o mal físico, ela cria o conforto, contra o abuso da força,

traça a justiça... Fora a mais louca das pretensões o querer levar estas

sociedades para a felicidade e o progresso, conservando-as na

ignorância como até agora. A história dos povos contemporâneos aí está

para que aprendamos: são as nações mais cultas e instruídas as mais

adiantadas e prósperas. Na economia social da nossa época, dizer país

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de analfabetismo é dizer país de miséria, pobreza e degradação... os

reacionários pretendem inferir a não eficácia da cultura intelectual para

o aperfeiçoamento moral do indivíduo. Formulado o sofisma, já não

hesitam em concluir que a instrução é um instrumento de perversão

moral. – Responde-lhes a lógica e a verdade. “É uma mentira” – tal é a

expressão de Ibsen – “ uma mentira, dizer que a cultura intelectual

desmoraliza o povo; não, o que o desmoraliza são os esforços que se

fazem para embrutecê-lo, são as misérias da vida”. E a razão está com

o grande norueguês. Dessas misérias e desses esforços maléficos é que

procedem os crimes e vícios que ainda degradam uma parte da

humanidade; contra um e outros só há um recurso eficaz: fortalecer o

espírito, abrir a inteligência, enriquecê-la, dilatá-la. (2005: p. 362-375).

Estamos cada vez mais convencidos que apenas através do processo de formação

intelectual, politica; e, com o incentivo constante da escolarização da classe que vive do

trabalho é que podemos construir as bases iniciais da transformação social, política

econômica, moral e cultural do continente latino-americano, e de forma particular na

sociedade brasileira.

Outros autores contribuíram à construção dos fundamentos econômicos críticos

latino-americanos, como Caio Prado Junior (1998: 81-82).3 Ao analisar a estrutura agrária

no Brasil levanta a seguinte questão “qual o traço característico da estrutura agrária no

Brasil? Neste terreno pouco temos evoluído desde o primórdio da colonização. A

colonização do Brasil pelos portugueses teve um único objetivo: a produção de certos

gêneros tropicais de grande procura na Europa”.

Os colonos lusitanos que nos procuraram tiveram esta finalidade

primordial: a obtenção destes gêneros agrícolas. Não vieram a fim de

se estabelecerem, constituir no Brasil uma nova sociedade, numa

palavra, povoar o país. É nisto que nos distinguimos radicalmente das

colônias da nova Inglaterra, núcleo primitivo dos futuros Estados

Unidos, onde os colonos foram para povoar, e não simplesmente

explorar riquezas da naturais e lançar seus produtos no mercado

internacional... De que forma impede o regime agrário atual o

desenvolvimento e a independência é a criação de um mercado interno.

É a existência do mercado interno que caracteriza um país

economicamente autônomo... A solução de nosso problema agrário e a

criação de uma economia nacional e progressista só pode ser obtida com

a transformação do próprio regime agrário, isto é, pela abolição do

sistema de fazendas e grandes propriedades e entrega das terras aos

camponeses.

3 JUNIOR, Caio Prado. O programa da Aliança Nacional Libertadora.

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Esse é um problema no Brasil, desde a colonização. Quando houve tentativa

efetiva de produzir as terras de forma coletiva houve violência por parte do Estado, como

aconteceu no Canudos, uma com unidade de negros, índios e camponeses brancos que

começaram a construir uma comunidade autônoma. Contudo logo o exército tentou

destruir até eliminar os líderes como Antônio Conselheiro, entre outros.

Manoel Bomfim propõe uma educação livre, pública, intrínseca com o

desenvolvimento cultural, cientifico e tecnológico da América Latina. Para tanto atenta

da necessidade de articular um processo de formação para o trabalho prático e útil,

juntamente com os valores essenciais da natureza humana.

III - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destacamos a necessidade de aprofundar os estudos sobre a América Latina com

obras originais, com fontes documentais históricas reais. Dificultando assim análises

teóricas abstratas gerais, sem fundamento com a realidade objetiva. Acreditamos ser

essencial essa assertiva. Queremos esclarecer que entendemos fontes originais no âmbito

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da revisão de literatura, livros, monografias e teses que amadurecem as interpretações da

área de conhecimento estudada.

Outro aspecto outrossim importante refere-se os estudos de clássicos que

possibilite compreender o processo histórico do continente latino-americano. Esse

empreendimento reconhecemos que não é fácil, uma vez que na academia nos cursos de

graduação, há pouco esforço no desenvolvimento de estudos dos clássicos. O que mais

encontramos são comentadores das obras, e muitas vezes sem aprofundamento. Isso

implica diretamente, no campo das licenciaturas o modelo de formação de professores.

Iniciativas como o projeto desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa Sociedade e

Educação – NPSE/UFS ‘Leituras e interpretação do Brasil’, contribui para o

conhecimento científico, vinculado a vida social de Sergipe, do Brasil e do mundo. Neste

projeto estamos apresentando dez obras fundamentais para o conhecimento da América

Latina de autores clássicos como Manoel Bomfim (América Latina: males de origem;

Florestan Fernandes (A integração do negro no Brasil); Sergio Buarque de Holanda

(Raízes do Brasil), entre outros. Destacamos essa iniciativa como o desenvolvimento do

conhecimento cientifico que traz reflexões, as quais, nos ajudam entender o processo

histórico latino-americano.

De modo particular as obras estudadas contribuíram com o conhecimento

sociocultural do problema do analfabetismo aqui no Brasil. Ressaltamos este problema,

pois na tese de doutoramento em construção procuramos elucidar a Campanha Nacional

de Alfabetização em Sergipe, no período pesquisado, de 1958 a 1964. Podemos perceber

que o analfabetismo é um problema social, cultural, político, econômico e educacional.

Ou seja é preciso conhecer os fundamentos que constituíram a vida social no processo

histórico.

IV - REFERÊNCIAS

BOMFIM, Manoel. América Latina: males de origem. Rio de Janeiro : Topbooks, 2005.

LÖVY, Michael. O Pensamento de Che Guevara. 5ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003

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Paulo Barssoti e Luiz Bernardo Pericás ( organizadores). América Latina: História

Ideias e Revolução. 2ª Ed. São Paulo: Xamã, 1998.

JUNIOR, Caio Prado. O programa da Aliança Nacional Libertadora. IN: Paulo Barssoti

e Luiz Bernardo Pericás (organizadores). América Latina: História Ideias e

Revolução. 2ª Ed. São Paulo: Xamã, 1998.

RODRIGUES, Pedro Paulo Martí – e as duas Américas. São Paulo: Expressão Popular,

2006.

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