1 centro de ensino superior do cearÁ curso de … · teus passos ficaram. olhes para trás...mas...
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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
ANTÔNIO ANDRÉ MENDONÇA DE ARAÚJO
DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO
MUNICÍPIO DE FORTALEZA: PERSPECTIVAS DE UMA POPULAÇÃO
DUPLAMENTE EXCLUÍDA E MARGINALIZADA.
FORTALEZA 2012
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ANTÔNIO ANDRÉ MENDONÇA DE ARAÚJO
DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO
MUNICÍPIO DE FORTALEZA: PERSPECTIVAS DE UMA POPULAÇÃO
DUPLAMENTE EXCLUÍDA E MARGINALIZADA.
Monografia submetida à aprovação
Coordenação do curso de Serviço
Social do Centro de Ensino Superior
do Ceará, como requisito parcial para
obtenção do grau de Graduação.
FORTALEZA 2012
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A663d Araújo, Antônio André Mendonça de.
Dependência química e população em situação de rua no
município de Fortaleza: perspectivas de uma população
duplamente excluída e marginalizada / Antônio André Mendonça
de Araújo. – 2012.
68 f.
Orientador: Prof. Ms. Igor Monteiro Silva.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2012.
1. Dependência química. 2. Drogas. 3. População em situação
de rua. I. Silva, Igor Monteiro. II. Título.
CDU 364.692:615.2:615.015.6
CDU 614.21:657.471
CDU 347.922.6
Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867
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ANTÔNIO ANDRÉ MENDONÇA DE ARAÚJO
DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO MUNICÍPIO
DE FORTALEZA: PERSPECTIVAS DE UMA POPULAÇÃO DUPLAMENTE
EXCLUÍDA E MARGINALIZADA.
Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação:____/____/____
BANCA EXAMINADORA
Professor Ms. Igor Monteiro Silva Orientador
Professora Ms. Denise Furtado Alencar Lima 1ª Examinadora
Professora Ms. Priscila Nottingham 2ª Examinadora
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AGRADECIMENTOS
A Marta e Luiz, minha mãe e meu pai, por parte da minha formação e criação.
Aos meus irmãos, que mais que irmãos, são amigos.
Aos meus amigos, que mais que amigos, são irmãos.
A Adriana Oliveira, Dalvanice Sant’ana e Marcelo Martins pelo apoio, carinho e
acima de tudo amor, em todos os momentos.
Aos amigos Francisco Diógenes Jr, Ana Carolina Marangoni, Diogo Batista, Camila
Cavalcante e Érika Cavalcante pelo apoio e carinho.
Ao meu orientador, Mestre Igor Monteiro, pela disponibilidade, paciência e
inestimável ajuda.
A Whitney Houston, uma pessoa muito especial que, de maneira indireta me
impulsionou e ajudou a chegar aqui.
Por último, mas não menos importante, a Deus, por permitir que tudo isso fosse
possível.
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"Não faças do amanhã o sinônimo de nunca, nem o ontem te seja o mesmo que nunca mais. Teus passos ficaram. Olhes para trás...mas vá em frente pois há muitos que precisam que chegues para poderem seguir-te."
(Charles Chaplin)
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RESUMO
Este trabalho busca conhecer a realidade dos Dependentes Químicos em Situação
de Rua no Município de Fortaleza, bem como suas relações com as condições
socioculturais em que estão inseridos. O consumo de substâncias psicoativas
advêm de civilizações antigas, que com o passar dos tempos e a modernização veio
o isolamento do princípio ativo de algumas dessas substâncias, ocasionando os
primeiros casos de dependência química. No Brasil, os estudos sobre População em
Situação de Rua vem crescendo desde os anos de 1990, por conta da grande
transformação que o avanço do capitalismo trouxe. Em Fortaleza, os primeiros casos
de pessoas vagando pelas ruas foram em decorrência das grandes secas que
assolavam o Estado. Atualmente há uma estreita ligação entre Dependência
Química e População em Situação de Rua, caracterizando umas das principais
expressões da questão social. A metodologia utilizada foi a “Perspectiva
Etnossociológica” ou “História de Vida”, proposta aliada ao discurso e à memória. As
histórias de vida contadas apontaram as diferenças e semelhanças no âmbito social
e familiar e também sua frágil relação com as Políticas Públicas existentes como
dificultadores para sua reinserção social.
Palavras-chaves: Dependência Química; População em Situação de Rua; História
de Vida.
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ABSTRACT
This paper seeks to know the reality of the Drug Situation in the Street in the city of
Fortaleza, as well as its relations with the socio-cultural conditions in which they live.
The consumption of psychoactive substances come from ancient civilizations, with
the passing of time and modernization came the isolation of the active principle of
some of these substances, causing the first cases of addiction. In Brazil, studies in
Homeless Population has been growing since the 1990s, due to the great
transformation that brought the advance of capitalism. In Fortaleza, the first cases of
people wandering the streets were the result of severe drought that plagued the
state. Currently there is a close connection between Addiction and Population Status
Street, featuring one of the main expressions of social issues. The methodology used
was to "Perspective Etnossociológica" or "History of Life", together with the proposed
speech and memory. The life stories told pointed out the similarities and differences
in the social and family and also his fragile relationship with existing public policies as
hindering for their social reintegration.
Keywords: Chemical Dependency; Homeless Population; Life History.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APA: Associação Americana de Psiquiatria
CAPS – AD: Centro de Atenção Psicossocial / Álcool e Drogas
CAPS: Centro de Atenção Psicossocial
CENTRO – POP: Centro Especializado de Assistência Social para População de
Rua
CONGEMAS: Gestores Municipais da Assistência Social
EAN: Espaço de Acolhimento Noturno
FIPE: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
MDS: Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome
MNPR: Movimento Nacional de População de Rua
OMS: Organização Mundial de Saúde
PNAS: Política Nacional de Assistência Social
PSE: Política Social Especial
SEMAS: Secretaria Municipal de Assistência Social
SENAD: Secretaria Nacional Antidrogas
SER –II: Secretaria Executiva Regional II
SISNAD: Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
SNC: Sistema Nervoso Central
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................
12
CAPÍTULO I
DROGAS E DEPENDÊNCIA QUÍMICA 1.1 Origem das drogas no mundo e no Brasil.................................................... 15 1.2 Tipos de Drogas e seus efeitos.................................................................... 19 1.3 Dependência Química como problema social.............................................. 22
CAPÍTULO II
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA 2.1 População em Situação de Rua: uma expressão da questão social no Brasil.................................................................................................................. 31 2.2 Origem e características atuais da população que vive em situação de rua...................................................................................................................... 35 2.3 População em Situação de Rua no Município de Fortaleza........................
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CAPÍTULO III
PERSPECTIVAS DE VIDA DE UMA POPULAÇÃO DUPLAMENTE EXCLUÍDA E MARGINALIZADA
3.1 – Dependência Química e População em Situação de Rua no Município de Fortaleza....................................................................................................... 46 3.2 – Histórias de Vida: Percepções de uma parcela da população que tem seus direitos violados ou negados e sua dignidade desrespeitada................... 49 3.3 – Relações e reflexões sobre as histórias de vida desses indivíduos que representam uma parcela da população cearense............................................ 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................
65
REFERÊNCIAS.................................................................................................. 67
12
INTRODUÇÃO
Inicio este trabalho acadêmico lembrando que ele é resultado de muito
esforço e dedicação. Esforço este que me consumiu várias noites e dias, algumas
boas horas de concentração e até desespero quando quase tudo contribuía para a
sua não realização em tempo hábil. Dedicação que me permitiu concretizar não
apenas este trabalho, mas também um novo ciclo em minha vida. Esta
concretização veio por meio da ajuda de muitos que contribuíram para que eu não
desistisse dos meus sujeitos e nem do objetivo de estudo.
O estudo acadêmico acerca da Dependência Química relatada no primeiro
capítulo há muito é considerada fonte inesgotável de debates, discussões e reflexão
por se tratar de um assunto que gera posições divergentes. Sua origem no mundo e
no Brasil, bem como, sua importância no que diz respeito a uma das expressões da
questão social no cenário atual.
Os estudos de Mota (2009) sobre Dependência Química mostram as várias
nuances sobre as vidas desses indivíduos, suas relações com o restante do mundo
que os cerca, no que diz respeito às relações sociais. Para Matos (2000) essa
dependência passa a assustar a sociedade que, por sua vez começa a tomar
atitudes enérgicas de combate a esta prática, buscando proibir e condenar este
hábito.
Bem como, o estudo sobre População em Situação de Rua, discorrido no
segundo capítulo, que vem se ampliando desde o início dos anos de 1990,
buscando compreender as relações entre a sociedade capitalista e esta parcela da
população excluída e marginalizada socialmente.
Para Silva (2009) sobre População em Situação de Rua esta situação se deve
muito à falta de emprego, a incessante busca do capitalismo em manter sua
hegemonia e lucro, que substitui o trabalho humano pelo trabalho morto (máquina).
Os estudos de Escorel (1999) mostram a “exclusão social” como um fato a que estes
indivíduos são submetidos constantemente, ao serem marginalizados e descartados
socialmente por não configurarem parte da lógica capitalista. Caracterizando a
População em Situação de Rua como uma das principais representações da
“questão social”.
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Esses dois aspectos quando reunidos em um só tema, nos leva a fazer
considerações sobre a existência de uma relação entre essas duas parcelas da
população. O que leva uma pessoa a fazer uso de uma ou mais substâncias
psicoativas? Quais fatores desencadeiam a dependência? Quais os fatores que
levam alguém a estar em Situação de Rua? Existe uma relação concreta entre
Dependência Química e População em Situação de Rua? Existem políticas públicas
que visem atender com dignidade esses indivíduos? Quais respostas o poder
público tem dado para resolver essa dupla face da questão social? Muitas são as
indagações, as dúvidas, bem como, também muitas são as respostas e
representações do tema abordado.
Sendo assim, é exatamente sob estes aspectos que foi construído meu
terceiro e último capítulo, buscando conhecer e compreender as histórias de vida
desses sujeitos, bem como, suas relações socioculturais e familiares.
Esta pesquisa foi realizada concretamente durante o oitavo semestre do
Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense, no ano de 2012.2, mas teve seu
início já no meu período de estágio no Espaço de Acolhimento Noturno – EAN, que
é um equipamento da prefeitura do Município de Fortaleza, orientado pela Política
de Proteção Social Especial – PSE, no ano de 2011.1, quando tive acesso a esta
parcela da população socialmente marginalizada e excluída.
Atualmente, não se tem um número exato de quantos dependentes químicos
estejam em situação de rua, ou de quantas pessoas em situação de rua sejam
dependentes químicos. Inicialmente, pelo fato da não adesão ao tratamento, quando
em situação de rua, por questões de falta de estrutura na manutenção dessas
pessoas longe da situação de vulnerabilidade quando acolhidas. E também, pela
não aceitação da condição de doente, de dependente químico. Mas é sabido que
grande parte dessa população faz uso de algum tipo de substância psicoativa.
Dados verificados no EAN apontam uma estimativa de aproximadamente sete
pessoas em um grupo de dez, que fazem uso de substâncias psicoativas ou são
dependentes químicos.
Diante dessa problemática, o presente trabalho tem como objetivo principal
conhecer como se dá essa relação entre Dependência Química e População em
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Situação de Rua no Município de Fortaleza, buscando analisar por meio das
histórias de vida relatadas, as condições subjetivas e objetivas dos sujeitos
envolvidos nessa expressão da questão social.
Os objetivos específicos são: refletir sobre os motivos que levam uma pessoa
a fazer uso de substâncias psicoativas; conhecer as relações entre dependência
química e situação de rua; perceber a relação e a visão desses indivíduos com as
Políticas Públicas voltadas para este seguimento no município de Fortaleza; relatar
as estratégias de sobrevivência utilizadas por esses indivíduos e sua relação com o
restante da sociedade.
Este tema teve seu início e foi amadurecendo, tomando forma e corpo ao
longo do meu período de estágio, ao me deparar com uma situação mais comum do
que imaginava, embora seja inegável a presença cada vez maior de pessoas nessas
condições subumanas nas ruas e calçadas do Município de Fortaleza e, também
devido ao meu Projeto de Intervenção que, em parceria com minha colega de
estágio Érika Cavalcante, teve como tema ‘Sensibilização dos usuários do Espaço
de Acolhimento Noturno para realizar acompanhamento junto ao Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS / AD)’, ao constatar a grande demanda e não
acompanhamento e adesão ao tratamento por parte da população acolhida no EAN,
em relação ao uso de substâncias psicoativas.
Com o aprofundamento dos estudos sobre População em Situação de Rua fui
percebendo e conhecendo melhor as condições em que vivem essas pessoas, bem
como as adversidades enfrentadas por cada um deles independente de sua origem,
ocupação profissional, religião, etnia etc.
A metodologia utilizada foi a pesquisa quanti-qualitativa possibilitando um
melhor contato com os sujeitos e a “perspectiva etnossociológica” ou “narrativa de
vida”, essa expressão foi introduzida na França há vinte anos, até então, o termo
utilizado era ‘história de vida’ que advêm do termo life history, método este
aprimorado por Daniel Bertaux e escolhido por permitir uma análise completa da
história de vida dos meus sujeitos, possibilitando uma compreensão maior acerca do
objetivo da minha pesquisa.
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I
DROGAS E DEPENDÊNCIA QUÍMICA
1.1 - Origem das drogas no mundo e no Brasil
O uso de substâncias psicoativas por parte dos seres humanos não é um
fato novo, ao contrário, remonta a civilizações antigas. No entanto, como conta a
história, eram primordialmente utilizadas em rituais, com características de
comemoração, recreativas e religiosas, a fim de se conseguir por meio de seu uso
alcançar estágios de “embriaguez” e êxtase, e até mesmo sendo utilizadas para fins
medicinais, não existindo a compreensão deste uso como um hábito, ou com
finalidade de esconder ou fugir do tédio ou de sentimentos negativos, como se tem
a utilização de várias substancias nos dias atuais. A relação estreita entre os
homens e algumas plantas vai para além de sua importância para alimentação e
medicação, ao descobrir sua capacidade de produzir estados alterados de
consciência.
Consta-se que o uso de uma planta conhecida como dormideira (ópio),
iniciou-se por volta de 3.000 anos antes de Cristo, na região da Mesopotâmia.
Chamada de ‘planta da felicidade’ foi utilizada também na Roma Antiga como
calmante e analgésico. O ópio é extraído da papoula papaver somniferum, seu
nome provem do grego ôpion que significa suco ou sumo de uma planta, que tem
como principio o alívio da dor e ansiedade, sensação de bem estar, entre outros
(MOTA, 2009, p. 38). Assim, praticamente todas as civilizações, independente de
seu tempo ou época, têm relação com algum tipo de substância psicoativa1.
No Brasil, os índios Waiká, localizados no extremo norte do país, tinham
por hábito inalar um pó chamado epená, com seu poder altamente intoxicante era
armazenado em tubos de bambu e utilizado em ocasiões especiais (rituais). Sua
utilização tinha por finalidade transcender o estado natural do espírito, que por meio
de seu uso, aliados a dança e aos cânticos, alcançavam o êxtase. Deve-se ressaltar
que o uso dessa substância não era feito de maneira indiscriminada e/ou aleatória,
além do fato de não ser uma substância refinada, o que não permitia o isolamento
1 Entende-se por substância psicoativa, toda e qualquer substância orgânica ou sintética capaz de
alterar o Sistema Nervoso Central – SNC (BUCHER, 1994).
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de seu princípio ativo, causando a potencialização de seus efeitos alucinógenos
(MOTA, 2009, p. 38).
Ainda sobre o ‘uso cultural’ de determinadas substâncias no Brasil, outra
substância popular é a ayahuasca, que é um chá preparado a partir de duas plantas
originarias da floresta amazônica: o cipó caapi (Banisteriopis caapi) e folhas da
chacrona (Psychotria viridis), bastante utilizada por religiões como o Santo Daime2 e
Barquinha3 em seus rituais. Nesse sentido, poderíamos pensar de outra forma sobre
o que a define como droga, pois segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS,
“droga é toda substância que, introduzida em um organismo vivo, pode modificar
uma ou mais de suas funções.”
.A OMS compreende que essas substâncias psicoativas atuam
diretamente no Sistema Nervoso Central - SNC, sua origem pode ser natural ou
sintética, alterando o comportamento da pessoa por meio de suas funções
fisiológicas.
O conceito de droga varia bastante. De acordo com a OMS, seus
significados podem incluir tudo que se ingere e que não constitui alimento, embora
alguns alimentos também possam ser designados como drogas, exemplos destes
são: bebidas alcoólicas, tabaco, açúcar, chá, chocolate, guaraná etc. Essas drogas
podem, de maneiras variadas, agirem como remédios ou venenos, alimentos ou
2 Culto Eclético da Fluente Luz Universal é um trabalho espiritual, que tem como objetivo alcançar o
autoconhecimento e a experiência de Deus ou do Eu Superior Interno. O culto litúrgico se resume em comungar, em datas apropriadas, a bebida à guiza de sacramento, se denomina Eclético, porque suas raízes estão impregnadas de um forte sincretismo entre vários elementos culturais, folclóricos e religiosos. O Santo Daime é realizado nas datas do seu calendário festivo, obedecendo às regras dos rituais que foram estabelecidas pelo Mestre Irineu e pelo Padrinho Sebastião (Santo Daime – A doutrina da floresta). 3 Fundada em 1945, em Rio Branco, é uma igreja que mistura elementos da religião afro-brasileira
Umbanda e a do Santo Daime. O nome refere-se ao barco que o fundador, Frei Daniel Pereira de
Mattos, viu numa visão. Na sua mente a barquinha representava a viagem espiritual. A Barquinha tem
mais rituais que o Santo Daime, aparentemente servindo uma poção também mais forte. Durante
algumas sessões baseadas nos rituais da Umbanda, vestidos de marinheiros, entram em transe,
‘incorporam’ espíritos e dança-se a gira, uma dança em círculos. Três vezes por ano há uma
peregrinação, ou romaria, durante um período que pode durar trinta sessões noturnas com consumo
de chá. As sessões não-festivas, ou salmos, são cantadas por um cantor, e o restante das pessoas
cantam sentadas os refrões. Estes hinos são normalmente muito mais longos que os do Santo Daime
(Rituais e Cerimônias – Introdução ao mundo da ayahuasca).
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bebidas, analgésicos ou anestésicos. Podendo ser também classificadas quanto a
sua legalidade, como drogas lícitas (comercializadas legalmente) e ilícitas, quando
sua comercialização é proibida em determinada sociedade, em que isto
normalmente está relacionado a questões econômicas e socioculturais, que se
modificam de país para país.
O uso de substâncias psicoativas nas “civilizações antigas” tinha caráter
cultural e ritualístico, por isso, sua produção era feita em pequenas quantidades
sem a intenção de produzir para comercializar, mesmo certas substâncias de
origem vegetal existindo em abundância nas florestas tropicais. No entanto, de
acordo com as mudanças históricas, há o avanço na produção das drogas através
do isolamento do princípio ativo como, por exemplo, a morfina, um importante
alcalóide encontrado no ópio, que no inicio do século XIX, mais precisamente em
1804, isolada pelo químico alemão Friedrich Serturner e o francês Armand Séguin,
foi considerada uma “bênção” por parte dos soldados feridos na Guerra Civil
Americana. Sendo utilizada como analgésico, esta substância passou a ser
produzida em larga escala pelos laboratórios Merck. Em seguida, ainda no mesmo
século, surge a cocaína4 (1859) e a heroína (1898) também desenvolvidas pelos
laboratórios alemães (MOTA, 2009, p. 44).
É exatamente neste período que começam a surgir os primeiros casos de
dependentes químicos, pois, os padrões de consumo de substâncias psicoativas
começam a apresentar significativa mudança.
A partir da necessidade de superar as conseqüências do incremento dos meios de produção, a modernidade fomentou guerras, exploração, fadiga, mal-estar, que ocasionariam conseqüências sociais de grandes proporções. Então, para minimizar esses efeitos colaterais do “progresso”, era necessário desenvolver drogas cada vez mais eficazes. Ideologias universalizantes como o liberalismo ou seriam os “remédios sociais”. Mas, no que tange ao corpo, era necessário desenvolver novas drogas que pudessem ser comercializadas sob a mesma lógica de desenvolvimento das forças produtivas. Mesmo as bebidas alcoólicas, já tradicionais há milênios, deveriam ser mais fortes e disponíveis em larga escala (MOTA, 2009, p. 44- 45).
4A produção da cocaína envolve vários estágios até chegar à forma do sal (cloridrato de cocaína), sua
forma intermediária é a pasta de coca. Esta substância em pó é aspirada (volátil). Junto ao Cloridrato é obtido o Crack que é fumado. Devido sua rápida absorção, seus efeitos são sentidos em segundos e esta sensação pode durar entre 5 a 10 minutos, apresentando alto potencial de abuso.
18
É inegável que a Revolução Industrial permitiu a produção em larga
escala de substâncias psicoativas, assim como a indústria química, por meio do
isolamento do princípio ativo, ocasionou a potencialização de algumas dessas
substâncias causando um efeito ambíguo na sociedade, pois ao mesmo tempo em
que permite e vê com “bons olhos” a possibilidade da criação de novas perspectivas
de alivio das adversidades da sociedade moderna, promovendo um ideal de homem
moderno, capaz de ser rígido, racional e produtivo, ao contrário do homem que faz
uso demasiado de drogas que é considerado improdutivo, relaxado e incapaz de
cuidar de sua higiene física e mental, recriminando e descriminando o uso abusivo e
a dependência.
Assim, com o surgimento desses casos de dependência que passam a
“assustar” e incomodar a sociedade, começam também a serem criadas ligas e
associações antialcoólicas de caráter religioso, filantrópico e oficial com a finalidade
de combate o uso dessas substâncias. Buscando proteger a moral e os bons
costumes da sociedade brasileira como: a Liga Paulista de Higiene Mental, Liga
Militar Antialcoólica, Liga Antialcoólica Infantil, dentre outras. Nenhuma conseguiu o
almejado proibicionismo, desaparecendo ao longo dos anos 1930, mas
institucionalizou políticas públicas para o problema do alcoolismo, como podemos
observar nos dias atuais (MATOS, 2000).
Desta maneira, a lógica capitalista estabelece um padrão de produção e
de consumo, não importando qual o produto ou substância a ser comercializada. De
acordo com Velho (1997, p. 67),
No momento em que a maconha, a cocaína, ou seja lá o que for entram no mercado e passam a ser objeto de especulação, essa situação de relativa estabilidade de grupos inseridos na sociedade moderna contemporânea – que antes consumiam dentro de certas regras, de certas convenções – se altera, porque passa a ser um bem de mercado, e um bem escasso, ligado à situação de perigo, risco. A substância tornada ilegal, clandestina, vale cada vez mais e é fonte de disputa, de enormes lucros e da possibilidade de algumas das maiores jogadas de capital que se possa imaginar no mundo contemporâneo; passa a ser um produto valiosíssimo e, em função disso, o consumo se altera. Aquele consumo que era mais localizado em certos grupos culturais, em certas minorias, em certas faixas da sociedade, passa a ser ditado não mais pela lógica dessas tradições ou pela lógica desses grupos, mas pela lógica do mercado, do capital.
Embora o uso de drogas exista desde muito tempo, o abuso ou uso
exagerado dessas substâncias nunca foi bem visto pela sociedade independente da
19
sua época. A partir daí, deu-se início ao proibicionismo e a marginalização dos
usuários de drogas. É importante salientar as diferenças entre padrão de uso, de
abuso e dependência química, para isto, torna-se necessário compreender essas
nuances para se evitar “diagnósticos” equivocados ou atitudes preconceituosas.
Analisando o contexto sócio-cultural no qual os indivíduos consumidores
estão inseridos, embora saibamos que o uso de substâncias psicoativas independe
de classe social, cor, etnia, religião e até mesmo idade, tendo em vista que cada vez
mais crianças estão fazendo uso de drogas, pode-se compreender melhor essas
diferenças. Assim, para a OMS, padrão de uso é quando o indivíduo faz uso dessas
substâncias, no entanto, este uso não lhe traz danos ao meio sócio-cultural, nem
mesmo prejuízos biológicos (físicos). Quanto ao abuso de drogas, este consiste em
uma relação que por sua vez traz prejuízos físicos, psíquicos e até mesmo sociais
para si e as pessoas que o rodeia.
A dependência química por si só é um fenômeno complexo e delicado,
que exige uma atenção maior e mais específica por parte da sociedade, pois se
caracteriza por um conjunto de sinais e sintomas dentro de um contexto e não
apenas pelo “simples” uso de uma determinada droga.
1.2 - Tipos de Drogas e seus efeitos
As drogas podem ser classificadas de várias maneiras, podendo também
ser avaliadas conforme seu efeito no Sistema Nervoso Central - (SNC). Desse
modo, existem as Drogas Depressoras, Estimulantes e Perturbadoras. Seu uso
frequente ou crônico traz consequências físicas, psíquicas, familiares e sociais, não
importando sua categorização como lícitas ou ilícitas.
As tabelas abaixo mostram um panorama sobre estas drogas, seus
produtos e efeitos, bem como os maiores e mais frequentes distúrbios ocasionados
pelo uso constante e abusivo de cada droga, apontando para uma acentuada busca
de satisfação e/ou fuga pessoal e social.
TABELA I – Drogas Depressoras
Drogas Depressoras Produtos Efeitos Efeitos do uso
Crônico
20
Álcool Cachaça, Vodca,
Uísque, Cerveja,
Vinho etc.
Perda do equilíbrio
e da coordenação
motora, sensação
de relaxamento e
desinibição,
sonolência.
Pode causar cirrose
hepática, pancreatite
crônica, impotência
sexual, demência
alcoólica,
dificuldades
familiares e sociais.
Benzodiazepínicos:
Tranquilizantes ou
Ansiolíticos
Diazepan (Valium),
Bromezapan
(Lexotan),
Clonazepan
(Rivotril)...
Diminuição da
atividade do SNC:
redução da
ansiedade, indução
do sono,
relaxamento
muscular.
Alterações da
memória de fixação,
redução da
capacidade de
julgamento e
raciocínio,
comportamentos
agressivos etc.
Inalantes: Solventes. Aerosóis, Tintas,
Vernizes, Cola,
Esmaltes...
Irritação das
mucosas do nariz e
da boca, tosse,
fotofobia, diplopia.
Déficit de memória,
cansaço, paralisia
dos membros
inferiores, pode
causar lesão
irreversível do SNC
com tremor
grosseiro.
Opiáceos ou Opiódes:
Substância Extraída da
Papoula.
Morfina e Codeína
(Opiáceos
Naturais), Heroína
(Opiáceos Semi-
Sintéticos),
Meperidina,
Metadona,
Propoxifeno,
Tramadol (Opiáceos
Sintéticos).
Todos diminuem a
atividade do SNC.
Diminuição da
freqüência cardíaca,
respiratória e da
pressão sanguínea,
fechamento da
pupila, sensação
rápida e intensa de
prazer, seguida de
bem estar e
sonolência,
alteração de humor
etc.
Intoxicações por
altas dosagens;
contaminações:
infecções
pulmonares,
hepatites virais, sífilis
etc.
TABELA II – Drogas Depressoras
21
Drogas
Estimulantes
Produtos Efeitos Efeitos do Uso
Crônico
Anfetaminas:
Substâncias
sintéticas que
aumentam a
atividade do SNC
Dietilpropriona,
Fenoproporex,
Metanfetamina.
Taquicardia, pupilas
dilatadas,
hipotermia,
convulsões, derrame
cerebral etc.
Síndrome de
dependência,
degeneração
irreversível de
determinadas células
do cérebro. Após a
interrupção do uso
pode-se apresentar
um quadro de
ansiedade, desânimo
e forte convulsão.
Tabaco: Nicotina. Cigarros, Charutos,
Cachimbos, Fumo
de Rolo.
Aumento da
freqüência cardíaca,
na pressão
sanguínea e na
freqüência
respiratória,
náuseas, vômitos,
diarréias, No SCN
apresenta estado de
alerta e sensação de
calma.
Pode causar câncer
de pulmão, laringe,
faringe, esôfago.
Cocaína ² Cocaína em Pó,
Crack, Merla,
Melado, Pasta Base.
(Pode ser Aspirada,
Injetada ou fumada
Taquicardia,
aumento da pressão
arterial e da
temperatura, euforia,
da fome e do sono,
paranóia etc.
Síndrome de
Dependência e
Estados Psicóticos.
TABELA III – Drogas Perturbadoras
Drogas
Perturbadoras
Produtos Efeitos Efeitos do Uso
Crônico
Alucinógenos:
Drogas Psicodélicas
Naturais
(Cogumelos,
Mescalina,
Ayahuasca),
Sintéticas (LSD,
Artane, Estasy,
“Boa Viagem”
Sensação
prazerosa,
alterações da
percepção; “Má
Viagem” visões
22
Akitenon). terrificantes,
sensações de
deformações do
próprio corpo,
delírios
persecutórios,
sensação de morte
etc.
Maconha: Cannabis
Sativa.
Maconha, conhecida
como erva, beck,
baseado; o haxixe, o
Skank e a sensimilia
(mais potentes).
Provoca taquicardia,
olhos vermelhos,
boca seca, tremores
nas mãos, prejuízos
à coordenação
motora,
relaxamento, euforia
etc.
Pode causar
bronquite crônica,
infecção das vias
pulmonares, câncer
pulmonar, diminuição
da fertilidade
masculina, déficit da
memória de fixação e
pode induzir estados
de desmotivação.
Estas tabelas foram criadas e desenvolvidas utilizando informações
fornecidas pelo ‘Plano Fortaleza de Prevenção e Atenção Integral aos Usuários de
Crack e Outras Drogas (2011 – 2012), plano este implementado pela prefeitura do
Município de Fortaleza. Foram utilizadas com a finalidade de colaborar para a
ampliação do conhecimento da ação de dos efeitos ocasionados pelo uso dessas
Drogas.
Embora discorra nas tabelas acima sobre os variados tipos de drogas e
seus efeitos, é importante informar e esclarecer que dentre estas substâncias
psicoativas (drogas) apresentadas, as drogas que foram relatadas pelos sujeitos
desta pesquisa como as mais utilizadas tanto devido à frequência quanto a
quantidade foram: o álcool, a maconha, o crack e a cocaína, não seguindo uma
sequencia “lógica”, mas apontando para a bebida alcoólica como a principal
substância sendo utilizada por todos os sujeitos desta pesquisa, possivelmente
desencadeando o uso de outras substâncias.
1.3 – Dependência Química como problema social
23
A dependência química é um dos males que assolam a sociedade desde
muito tempo. Fato este que por várias vezes leva-nos a pensar sobre sua origem e
que, de acordo com o autor e sociólogo Leonardo Mota, sua origem se deve à
relação dos homens com as plantas, ao longo da história:
Além da alimentação, do abrigo e dos remédios, os primeiros hominídeos descobriram que algumas plantas possuíam a capacidade de produzir estados alterados de consciência desejáveis. Enquanto alguns deles buscavam tonificantes capazes de mantê-los em alerta, outros preferiam estados de relaxamento ou alucinatórios (MOTA, 2009, p. 25).
A partir de então, se têm notícia da utilização de algumas dessas
substâncias psicoativas. Assim, com o passar do tempo, o uso dessas substâncias
alucinógenas passa de fins ritualísticos ou até mesmo medicinais, para o uso
constante e/ou abusivo para fins meramente recreativos. Desta maneira, os
malefícios adquiridos ao longo do tempo tornam-se quase que imprevisíveis, tendo
em vista que, como pode-se acompanhar em noticiários da TV, jornais, revistas etc.,
algumas dessas pessoas parecem não ser capazes de fazer o uso controlado
dessas drogas, ou seja, tornando-se usuários abusivos e/ou dependentes químicos,
que por sua vez afetam suas relações pessoais e sociais.
Esses malefícios, na sociedade contemporânea, não fazem distinções de
classe social, gênero, credo religioso e nem mesmo etnia. Com isso os dependentes
químicos normalmente são marginalizados e excluídos socialmente, sendo tratados
como “fracos” e incapazes de refletir sobre os males que o uso abusivo traz e, desta
maneira, refazer-se deste mal.
Daí a necessidade e importância de saber e desmistificar as noções que a
sociedade em geral tem sobre a dependência química. A abordagem das relações
entre o uso de drogas com a religião, crime e doença pode desconstruir, ou no
mínimo, fragilizar essas relações existentes, já que essas características dependem
muito do contexto social em que se está inserido. No campo da religião, a Igreja
Católica, devido seu combate histórico as práticas pagãs por parte dos povos
indígenas ao utilizarem em seus rituais plantas alucinógenas, deu início ao
proibicionismo do uso de substâncias psicoativas por considerarem este “tipo” de
fuga da dor, ou busca pela transcendência espiritual, como mecanismo de consolo
que deveria ser buscado somente junto a Deus. A Igreja, usualmente, destaca uma
24
ligação entre drogas e demônios, em que estes seres malignos usam algumas
pessoas para suas práticas maléficas.
Na própria Bíblia Sagrada existem passagens relacionadas ao uso de
determinadas substâncias como o álcool, por exemplo, que ora incentiva o uso e ora
recrimina o abuso:
Todos os anos juntem uma décima parte de todas as colheitas e levem até o lugar que o Senhor, nosso Deus, tiver escolhido para nele ser adorado. Ali, na presença do Senhor, nosso Deus, comam aquela décima parte dos cereais, do vinho e do azeite e também a primeira cria das vacas e das ovelhas. Façam isso para aprender a temer a Deus para sempre. Mas, se o lugar de adoração ficar muito longe, e for impossível levar até a décima parte das colheitas com que Deus os abençoou, então façam isto: vendam aquela parte das colheitas, levem seu dinheiro até o lugar de adoração que o Senhor tiver escolhido e ali comprem tudo o que quiserem comer: carne de vaca ou de carneiro, vinho, cerveja ou qualquer outra coisa que desejarem. E ali, na presença do Senhor, nosso Deus, vocês e as suas famílias comam essas coisas e se divirtam à vontade (DEUTERONÔMIO, 14, 22 - 26).
Em outra passagem da Bíblia, há o registro da condenação aos atos de
abuso dessas bebidas.
Quem é que grita de dor? Para quem são as tristezas? Quem é que vive brigando e se queixando? Quem é que tem os olhos vermelhos e ferimentos que podiam ter sido evitados? É aquele que bebe demais e anda procurando bebidas misturadas. Não fique olhando para o vinho que brilha no copo, com sua cor vermelha, desce suavemente. Pois no fim ele morde como uma cobra venenosa. Você verá coisas esquisitas e falará tolices. Você se sentirá como se estivesse no meio do mar, enjoado, balançando no alto do mastro de um navio. Então você dirá: “Alguém deve ter batido em mim; acho que levei uma surra, mas não lembro. Por que não consigo levantar? Preciso de mais um gole.” (PROVÉRBIOS, 23, 29 – 35).
Mesmo que as Igrejas historicamente venham desaprovando o abuso de
substâncias psicoativas e a Dependência Química, atualmente, tem-se visto que o
maior adversário dos traficantes nos morros cariocas, por exemplo, não é mais a
polícia ou o exército com suas ações interventivas e repressoras, e sim assas
mesmas igrejas, evangélicas ou católicas, que por meio da conversão religiosa e
espiritual, conseguem transformar os “trabalhadores do tráfico” em “crentes”,
enfraquecendo essas redes. Isso ocorre porque os traficantes, na maioria dos casos,
respeitam o afastamento dessas pessoas pela conversão, não oferecendo grande
resistência ou até mesmo nenhum tipo de represália.
25
De acordo com o pensamento de muitos, ou da maioria, há uma linha
tênue entre o uso de drogas e o crime, o que por diversas vezes faz com que esses
indivíduos sejam vistos como possíveis “transgressores da ordem”, pessoas
incapazes de se relacionar pacificamente e com tendência para ações criminosas.
Embora certos componentes socioculturais influenciem a vida de cada indivíduo, não
se pode negar que a esfera do Direito deva ser levada em consideração.
No início do século XX, no Brasil, o Dr. Afrânio Peixoto, então membro da
Academia Brasileira de Letras, e Diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro, se
fazendo valer da reforma constitucional de 1925-26, tenta implementar projetos de
regulamentação ou proibição do uso de álcool no país, inspirando-se no modelo
norte-americano – embora este em decorrência dessas leis proibicionistas tenham
desencadeado o crime organizado, por meio do tráfico de bebidas alcoólicas,
transformando as cidades de Nova Iorque e Chicago em espaços de extrema
violência – a chamada de Lei Seca nos Estados Unidos, vigente entre os anos de
1919 e 1933. Porém, o Dr. Afrânio Peixoto conseguiu apenas a regulamentação da
venda de bebidas alcoólicas e não sua proibição (MOTA, 2009, p. 67).
Mas, o que poucos sabem é que existem interesses econômicos por trás
da proibição de determinadas substâncias psicoativas. A Convenção Única de Viena
(ONU), de 1961, permitiu aos Estados industrializados (EUA e países da Europa
Ocidental) a exigência de maior rigidez no controle de opiáceos, maconha e cocaína,
substâncias produzidas por países menos desenvolvidos e menor regulação para as
substâncias sintéticas produzidas por estas grandes potências econômicas. Desde
então, a política proibicionista mundial liderada pelos EUA, busca sempre aumentar
seu campo de influência e ação, permitindo a indústria farmacêutica maiores lucros
com a substituição de drogas ilícitas por drogas lícitas (RODRIGUES, 2003, p. 37
apud MOTA).
No Brasil, os usuários de drogas são marginalizados e excluídos
historicamente. Esta situação se conserva por meio da má prestação de serviços
como: falta de ensino de qualidade, espaços de lazer, poucas oportunidades de
empregos e insuficiência de políticas públicas de enfrentamento e combate as
drogas. Assim, esses indivíduos ficam expostos a situações de riscos, ao terem
sempre por perto traficantes que disponibilizam seus pontos de venda em bairros
pobres. Mas, também não significa que esses pontos de venda de drogas ocorram
26
apenas nesses bairros pobres e que seus moradores por sua vez estejam
destinados à criminalidade e as drogas, mesmo porque, de acordo com pesquisa
realizada por Alba Zaluar (2004, p. 71):
Nos bairros carentes do Rio de Janeiro e de São Paulo, constatou-se que o percentual de pessoas pobres que se engajam na carreira criminosa corresponde a apenas 1% da população das áreas mais carentes.
A dependência química é caracterizada por um conjunto de sinais e
sintomas inseridos em um contexto social, que a designam como um fenômeno
complexo, não podendo sucumbir ao simples pensamento ou denominação de uso
de uma determinada substância.
Para uma melhor compreensão da dependência química, é necessário
conhecer suas características, a fim de obter o maior número de informações sobre
os sintomas e o comportamento “padrão” de um dependente. Para isto, de acordo
com a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) é preciso que esta pessoa
apresente certos tipos de comportamentos como: uma compulsão para usar a
substância desenvolvendo um desejo intenso e persistente de consumir a
substância; grande dificuldade de controlar o consumo aliada a dificuldades de
controlar quanto ao inicio, término e níveis de consumo, o uso em grandes
quantidades por período maior que o intencionado; com o uso constante e abusivo
ocorre a evidência de tolerância que é quando há a necessidade de quantidades
aumentadas de substância para atingir intoxicação ou o efeito desejado.
Outra característica é o estado de abstinência, quando a mesma
substância (ou outra parecida) é usada para aliviar ou evitar os sintomas
indesejáveis devidos a diminuição ou interrupção do uso da substância, que por sua
vez pode despontar para o estreitamento do repertório, ou seja, o abandono
progressivo dos prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância,
aumentando a quantidade de tempo necessário para obter ou usar a substância ou
para se recuperar de seus efeitos.
Um dado importante a ser ressaltado é quando há também a persistência
do uso da substância, mesmo havendo o conhecimento e a evidência clara das
consequências nocivas dessas substâncias psicoativas.
27
É necessário também levar em consideração quais as características
relacionadas aos aspectos psíquicos, biológicos e sociais, a fim de buscar evitar
reproduzir estigmas e preconceitos já relacionados às pessoas que fazem uso de
drogas.
Duas das mais importantes e influentes instituições médicas do mundo, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Americana de Psiquiatria
(APA) afirmam em seus estudos que a dependência química é uma doença e tem
lugar como classificação médica “Classificação Internacional das Doenças” (CID -
10).
No que diz respeito a tratamentos, é interessante observar que o
“sucesso” ou “fracasso” deve-se a vários fatores e estes, por sua vez, tornam-se
improváveis, como o autor mesmo fala:
Afinal, como sugerir um tratamento médico ou psicológico para um problema visto como eminentemente moral? (...) Neste sentido, os terapeutas que trabalham nesta área estão cientes de que nunca poderão exercer seu ofício com “eficácia”. Eles apenas se esforçam para administrar precariamente uma zona cinzenta repleta de sentimentos, afetos, crises e emoções que se apresentam permanentemente fora de controle. (MOTA, 2009, p.28-29).
Pode-se, assim, constatar que a visão da sociedade sobre esses
indivíduos reforça suas fragilidades e contradições, haja vista sua busca por
tratamentos, mecanismos de combates e prevenções, ao mesmo tempo em que
afastam essas pessoas dos seus direitos enquanto cidadãos.
Conforme Mota, (2009) um dependente químico é um indivíduo que, em
virtude de sua dependência de álcool e outras drogas prejudica sua interação social
e, por não conseguir utilizar de forma moderada essas substâncias, compromete sua
vida como um todo.
Sinceramente, não creio que exista nada de errado com as drogas em si, tampouco com as pessoas que fazem uso de algumas delas de forma moderada, sem comprometer sua vida social. O maior problema é que ninguém sabe ao certo quem conseguirá usá-las com inteligência e ainda, caso os problemas surjam, se serão capazes de parar (MOTA, 2009, p.12-13).
28
Assim sendo, as dificuldades enfrentadas por esses usuários de drogas
lícitas ou ilícitas é grande, já que sua luta maior além de ser com eles mesmos é
também com boa parte da sociedade que os julga e discrimina, através de seus
preconceitos e desconfianças. Há também uma ambiguidade em torno dos
dependentes químicos, ao se pensar que misturam prazer e dor. Prazer ao
encontrar “refúgio”, “fuga” no uso dessas substâncias, uma maneira de escapar ou
até de se desvincular da realidade mesmo que momentaneamente. Isso se levarmos
em conta os aspectos sociais contemporâneos como individualismo, competitividade
etc. E dor, quando, após passar o efeito, deparam-se com frustrações, sensação de
impotência e fragilidade, que muitas vezes pode motivá-los a fazer uso logo em
seguida.
O uso abusivo de drogas traz conseqüências desastrosas para o
dependente. Algumas dessas conseqüências são conhecidas por comorbidades,
que associadas ao uso de substâncias psicoativas trazem alterações no
funcionamento mental. Aumentando ou agravando o risco de surgimento de
transtornos mentais. Existem casos, por exemplo, em que é difícil identificar o que é
causa e o que é consequência. São chamados de comorbidades os quadros que
ocorrem ao mesmo tempo, co-ocorrendo de duas ou mais enfermidades ou
transtornos, em uma mesma pessoa, em um determinado espaço de tempo,
podendo gerar maior vulnerabilidade e agressividade, o que dificulta o tratamento ou
a adesão ao tratamento, quando disponibilizado.
Estes dependentes químicos, normalmente, são estigmatizados e
estereotipados, ao serem definidas marcas físicas ou sociais, de conotação
negativa, levando-os a serem excluídos em algumas situações sociais. Estes rótulos
e estereótipos podem trazer conseqüências diversas e inclusive contribuir para o
agravamento da situação.
Nem tudo está fatalmente perdido ou divinamente resolvido, mas existem
casos em que, mesmo com todas as dificuldades consegue-se obter a reabilitação
social, no entanto, para isso, é necessária uma compreensão maior do “problema” a
ser enfrentado, pois a dependência pode ser biológica, psicológica, química e pode
ser agravada devido ao contexto social em que aquele indivíduo está inserido.
29
Existem clínicas de recuperação, comunidades terapêuticas etc., mas
devido ao sistema capitalista vigente, constata-se a realidade em muitas instituições
de ‘se fazer mais com menos’, ou seja: atender um número “x” de indivíduos com o
menor custo possível, e isto torna o processo de reabilitação não somente lento,
mas muitas vezes ineficiente.
Em 23 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Nº 11.343, que institui o
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, que prescreve:
Art. 1º medida de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se com drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo e a União.
De acordo com os princípios e objetivos do SISNAD, serão levados em
consideração o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana,
principalmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade; E quanto à reinserção
social dos usuários e dependentes de drogas, serão adotadas estratégias
preventivas diferenciadas e adequadas às especificidades socioculturais das
camadas da população etc.
O trabalho de combate a dependência química deve ser pensado, assim,
a partir de algumas estratégias de prevenção, por serem capazes de oferecer à
sociedade a oportunidade de evitar o surgimento de problemas de saúde.
Em Fortaleza, as instituições que lidam com a prevenção têm como
estratégias a realização de palestras, oficinas, visitas, atividades artísticas e
desportivas. Porém, existe uma carência de profissionais capacitados, o que impede
o aumento do acompanhamento dos usuários de drogas, mesmo sendo
acompanhados por programas governamentais.
No Estado do Ceará, atualmente, existem algumas instituições públicas
como os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS – AD),
auxiliados pelos CAPS I e II, mas o único serviço de referência do Estado é o
Hospital de Saúde Mental de Messejana, por possuir uma unidade de
30
desintoxicação e acompanhamento ambulatorial, que por motivos citados
anteriormente não consegue atender às demandas existentes.
Os CAPS – AD oferecem, em regime ambulatorial, cuidados
especializados através de equipes com profissionais de formações variadas,
disponibilizando poucos leitos de observação para o cuidado com os usuários, em
síndrome de abstinência, mas que não precisem ser hospitalizados.
Atualmente existe o ‘Plano Fortaleza de Prevenção e Atenção Integral aos
Usuários de Crack e Outras Drogas: Liberdade é Viver sem Crack’. Este plano é
realizado pela Prefeitura do Município de Fortaleza e faz parte das atividades do
atual governo e busca promover a reflexão sobre as temáticas referentes ao uso do
crack e outras drogas, oferecendo embasamento teórico-prático para a elaboração
metodológica para prevenção, promoção da saúde e qualidade de vida. Intenciona
promover inclusão e cidadania para pessoas que estão em situação de
vulnerabilidade social, com destaque para crianças e adolescentes, juventude,
mulheres, idosos e população em situação de rua, público este que utilizo como
sujeito e fonte de minha pesquisa.
No capítulo a seguir será discorrido sobre outra característica dessa
população que cresce cada vez mais, assumindo grande visibilidade social, não
somente por causa dos seus perfis sociais, mas também por meio de suas atitudes,
comportamentos e mobilização social.
31
II
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
2.1 - População em Situação de Rua: uma expressão da questão social no
Brasil.
Nas sociedades capitalistas, existe um fenômeno social conhecido como
população em situação de rua, que se constitui de múltiplas determinações, com
variações históricas que compõem uma camada cada vez maior da sociedade. Sua
origem vem das cidades pré-industriais da Europa, a partir de então foram se
alastrando por vários outros lugares. Com o desenvolvimento do capitalismo
passaram a figurar nos espaços urbanos, devido à apropriação e privatização de
terras até então ocupadas também por essas pessoas. Por não deterem outros
recursos para garantir sua sobrevivência, começam a vender de forma barata sua
mão de obra (SILVA, 2009).
O capitalismo é um sistema cíclico de crises e expansão, essas
alterações acontecem de acordo com o momento em que a economia capitalista se
encontra, pois quando está em crise há o aumento do número da população em
situação de rua, assim como o agravamento da pobreza e da questão social.
Quando o sistema vigente está em expansão econômica, há a retração desta
população por ter à sua disposição muitas vezes políticas públicas e outros
mecanismos de auxílio. Para Marx (apud SILVA 2009, p 95).
O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade feudal e do clã em propriedade moderna, levada a cabo com terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos.
É certo que este fenômeno não surgiu nas sociedades capitalistas, no
entanto, sua intensificação se deve a este sistema, pois é cada vez maior a parcela
da classe trabalhadora que vai sendo substituída por máquinas, desta maneira
postos de trabalho vão consequentemente diminuindo ou até mesmo deixando de
existir. Além desse, outros pontos tornam-se relevantes para formação desta
32
população, como por exemplo: fatores estruturais (ausência de moradia, mudanças
econômicas e institucionais de forte impacto social), fatores biográficos, ligados à
história de vida de cada indivíduo como: rompimento dos laços familiares e sociais,
doenças mentais, consumo frequente de álcool e outras drogas, perda de todos os
parentes, roubo de todos os bens e até mesmo fatos da natureza como: inundações
ou incêndios.
Atualmente se tem evidenciado mais a questão dos rompimentos dos
laços familiares e sociais, a diminuição de trabalhos regulares, bem como a
insuficiência de renda capaz de possibilitar uma moradia digna com o mínimo de
conforto que qualquer ser humano precisa para viver como um cidadão, e também a
relação do uso abusivo de álcool e outras drogas. A população em situação de rua é
decorrente da desigualdade social e esta desigualdade provém muitas vezes da má
distribuição de renda, que se mostra inerente a todo tipo de sociedade, seja ela
tradicional ou contemporânea, hierárquica ou democrática, feudal ou capitalista
(embora seu agravamento se dê no sistema vigente - capitalista).
Um dos processos pelo qual passa a população em situação de rua é o
processo da exclusão social, que se expressa não somente pela falta de trabalho,
pois se faz necessário verificar também como estão configurados os vínculos
sociais, que para Escorel, (apud BURSZTYN et al, 2003, p. 213 – 214).
No Brasil, esses vínculos podem ser até mesmo mais relevantes para a compreensão social. Isso porque seu estudo mostrou que os vínculos que os moradores de rua estabelecem com o mundo do trabalho sempre foram frágeis. Assim, no Brasil, a desvinculação da esfera familiar significaria a perda da última proteção possível. No Brasil, onde contingentes populacionais numerosos encontraram, ao longo do período republicano, grandes obstáculos de inserção na esfera produtiva, nunca alcançaram um estatuto de cidadania plena e a estrutura familiar se manteve como principal suporte das relações sociais, limitar o conceito de exclusão social à esfera do trabalho é, do meu ponto de vista, reduzir as possibilidades de compreensão do fenômeno.
As estratégias de sobrevivência utilizadas por esta parcela da população
diferem de caso para caso. Alguns pedem esmolas nas portas de igrejas, em praças
ou em supermercados. Outros, por sua vez trabalham em atividades informais,
como: flanelinhas, guardadores de carros ou até mesmo na coleta de materiais
recicláveis, dentre outras funções. Os catadores de lixo buscam garantir seu
33
sustento, bem como do seu vício quando o têm algumas vezes o vício do cigarro,
outras do álcool e outras drogas.
De acordo com pesquisa feita pela Política Nacional para Inclusão Social
da População em Situação de Rua (2008), é predominante a presença masculina na
população em situação de rua, seja por motivos de rompimento dos laços familiares
em decorrência do uso de álcool e outras drogas que interferem diretamente na
unidade familiar, causando conflitos violentos ou não, que podem causar um
desequilíbrio no orçamento doméstico devido esse consumo compulsivo de drogas.
Este conjunto de situações de fragilização e até ruptura de vínculos familiares,
ocorrem com maior incidência nas classes trabalhadoras pobres.
O fenômeno população em situação de rua tem sua origem e sua
continuidade referente à acumulação do capital, sendo uma caracterização da
expressão radical da questão social. Esses indivíduos são deixados de lado pelo
capitalismo, que em busca de garantir seus lucros, criam exércitos de reservas,
exércitos de sobrantes, ou seja, pessoas que mesmo estando em idade ativa, com
condições para o exercício de atividades laborativas, são descartadas e
marginalizadas por este sistema excludente.
No Brasil contemporâneo, a população em situação de rua apresenta
inúmeras variáveis em relação à sua composição, sendo predominante a presença
de homens, entre 25 e 55 anos de idade e com nível de escolaridade cada vez maior
(Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe, 2000).
Para Iamamoto, a questão social é uma expressão da sociedade
capitalista que intensifica cada vez mais as divergências entre as classes sociais
existentes
A gênese da questão social encontra-se enraizada na contradição fundamental que demarca esta sociedade, assumindo roupagem distinta em cada época [...]; assim, dar conta da questão social, hoje, é decifrar as desigualdades sociais – classes- em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio ambiente etc. Mas decifrar, também, as formas de resistência e rebeldia com que são vivenciadas pelos sujeitos sociais (IAMAMOTO,2004:114 apud SILVA)
Nos últimos anos, se tem notado estudos e debates mais aprofundados
no que se refere ao termo “exclusão social” de que são vítimas essas pessoas em
34
questão (população em situação de rua), que se caracteriza por uma nova categoria
social mesmo não sendo uma nova situação, pois esteve presente em sociedades
antigas que se valiam da exploração e escravidão.
Para Escorel (1999, p. 23) “exclusão social” pode designar toda situação
ou condição social de carência, dificuldade de acesso, segregação, discriminação,
vulnerabilidade e precariedade em qualquer âmbito. Isto significa dizer que a
População em Situação de Rua realmente é excluída socialmente por inúmeros
fatores.
No mundo globalizado em que vivemos, devido à constante e crescente
exploração do homem pelo homem e a má distribuição de renda, cada vez mais o
ser humano se torna um ser “descartável”. Com o crescimento do êxodo rural, as
metrópoles não conseguem empregar todas essas pessoas, o Brasil então em
tempos de globalização entrou em crise, com um lento processo de transformações
sociais e fragilizações nos contratos de trabalho. Assim, esses excluídos dos
empregos formais produzem e reproduzem estratégias que possam garantir ou
possibilitar sua sobrevivência.
Com a precarização do trabalho formal e a busca pela sobrevivência, há o
crescimento do trabalho informal: as ruas ganham novos trabalhadores, criando
novos sistemas de comercio. São camelôs, artistas de rua, pedintes, mendigos e
assim aparece a população de rua, dormindo embaixo de marquises e viadutos,
perto de fontes de água pública, que vêem nos grandes centros urbanos a
possibilidade de manterem vivas. Constantemente essas pessoas são
responsabilizadas pela situação em que se encontram, sendo vítimas de
discriminação, massacres e até mesmo perseguições policiais. Embora tenha havido
um grande empenho e discussão por setores organizados em torno dos interesses
dessa população nos últimos anos, articulados também a outros sujeitos sociais
para um melhor e maior acesso às políticas sociais, quando se busca conhecer as
estratégias do Estado para o enfrentamento desse fenômeno, nas esferas dos três
poderes do governo, são encontradas apenas ou primordialmente políticas sociais
seletivas e residuais como albergues e abrigos (SILVA, 2009, p. 120).
Iamamoto destaca itens de extrema importância para o enfrentamento da
então “questão social”, que permitam ou facilitem o acesso a melhores condições de
vida e uma perspectiva de cidadania
35
O chamamento à responsabilidade do Estado, a “prevalência da coletividade dos trabalhadores” e a “afirmação de políticas sociais de caráter universais, voltadas, aos interesses das grandes maiorias” (IAMAMOTO, apud SILVA, 2009, p 114).
As condições postas e impostas pelo regime capitalista ocasionam o
fenômeno em questão, que aprofundadas pelas desigualdades sociais na
contemporaneidade, de acordo com a reestruturação produtiva elevam os índices de
pobreza e vulnerabilidade da classe trabalhadora, expandindo a classe população
em situação de rua como parte integrante da pobreza e da superpopulação relativa,
desnecessária ao capitalismo, embora este mesmo, se faça valer dessa massa
sobrante como forma de “controlar” os níveis de salários, tendo em vista que a
demanda normalmente seja superior a oferta de empregos, fragilizando as
condições de trabalho.
2.2 - Origem e características atuais da população que vive em situação de rua
Como dito antes, os grandes centros urbanos concentram um maior
número de pessoas em situação de rua, primeiramente por se tratar de um lugar
com maiores possibilidades de garantir algum tipo de renda e assim, sua
sobrevivência. A circulação do capital acontece com maior fluxo nestes grandes
centros urbanos, assim, as alternativas de trabalho ampliam-se favorecendo
alternativas - mesmo que precárias – de sustento. Estes centros também
disponibilizam geração de trabalho e renda, por meio de grupos organizados,
cooperativas, associações e outras organizações não governamentais.
Boa parte da população em situação de rua trabalha com materiais
recicláveis que diariamente são jogados fora, como lixo urbano, sendo reaproveitado
pelos catadores possibilitando mesmo que maneira insalubre e informal a
manutenção de algumas necessidades básicas, como alimentação. Esses
profissionais da reciclagem se concentram em áreas com grandes atividades
econômicas comerciais, bancarias ou até mesmo atividades religiosas e de lazer.
Uma pesquisa financiada pelo Ministério do Desenvolvimento e Combate
à Fome – MDS e realizada pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais
36
Recicláveis, sobre a análise do custo de geração de postos de trabalho na economia
urbana, indicou que no ano de 2005, ano de realização da pesquisa, existiam 244
unidades básicas de cooperativas de catadores, distribuídas em 199 municípios, em
22 estados, contando com a colaboração de cerca de 35.000 cooperados5.
Parte dessa população também é encontrada próximo, ou em frente a
supermercados, lojas, bancos, igrejas, praias, centros culturais, por se tratarem de
locais que atraem muita gente e isto favorece a obtenção de doações e rendimentos
por meio de serviços de engraxates, guardarem carros, flanelinhas etc.
E nestes mesmos centros urbanos esta população consegue de alguma
maneira proporcionar acesso a algum tipo de renda, além de vincular-se a outras
estratégias que facilite o atendimento às suas necessidades básicas. Um bom
exemplo são os albergues, abrigos, instituições públicas, filantrópicas etc., que
fornecem alimentação, abrigo, higiene pessoal, saúde, entre outros serviços. Outra
estratégia utilizada por esta população é recorrer aos locais chamados de bocas de
rango, locais de distribuição gratuita de comida, feita quase que exclusivamente em
espaços públicos como: praças, viadutos e parques que se encontram no centro da
cidade.
Algumas prefeituras oferecem por meio das Casas de Convivência,
serviços de banho, barba e lavagem de roupas. No entanto, são utilizados também
para estes fins, bicas, chafarizes, represas ou postos de gasolina. Tudo isto entre
outras coisas caracterizam os centros urbanos como os espaços preferidos para
estas pessoas.
Outro aspecto importante a se ressaltar é o preconceito sofrido por estas
pessoas. Valores atribuídos a eles pela sociedade que normalmente os caracterizam
como: mendigos, bandidos, preguiçosos, drogados, doentes mentais, dentre tantas
outras denominações pejorativas. Estas pessoas comumente são responsabilizadas
pela situação em que se encontram, por suas dificuldades e falhas, chegando a
causar medo e nojo. Embora tenham muitas características em comum, se
configuram em uma população heterogênea, por possuírem origens, interesses,
vinculações sociais, experiências e posições socioeconômicas diferentes.
5 Para maiores informações ver Brasil, 2006, p. 09, 120 e 131.
37
Marcel Bursztyn (2003), ao estudar este fenômeno em Brasília, consegue
identificar e criar uma tipologia, na qual são localizados 12 grupos distintos, sendo
estes:
A população de rua de Brasília pode ser tipificada segundo diferentes categorias. São grupos característicos, que podem ser encontrados em outras cidades, ainda que em proporções diferenciadas. Cada uma das categorias analisadas tem traços bem particulares, diferenciando-se pela sua relação com o trabalho, estratégias de subsistência, vinculações sociais, expectativas e visões de mundo. As pesquisas permitem [...] a diferenciação de 12 grupos: catadores de lixo seco [...], trabalhadores de rua [...], albergados [...], catadores nômades [...], sem-lixo e sem-teto, mais ou menos sedentários [...], sem-lixo e sem-teto errantes [...], catadores complementares [...], andarilhos [...], pivetes [...], foras da lei [...], hippies [...], pedintes de natal (BURSZTYN, apud SILVA 2009, p 123).
Estar em situação de rua pode ter pelo menos dois sentidos, no qual um
deles seria o de se constituir num abrigo para aqueles que sem recursos, dormem
eventualmente sob viadutos, marquises ou praças etc., e aqueles que têm seus
vínculos estabelecidos nas ruas, onde encontra naquele ambiente seu habitat. Desta
maneira o que caracteriza essas pessoas seria a utilização desses espaços por
meio das estratégias de sobrevivência.
Outra constatação se refere ao tempo de moradia nas ruas, pois quanto
mais tempo nas ruas, mais estável se torna sua situação. Isto significa dizer que,
seus laços ficam cada vez mais fortes e estabelecidos, ocorrendo uma ruptura com
os vínculos sociais considerados normais, ou aceitáveis. Isto pode dificultar sua
reinserção social, quando estes indivíduos devido sua longa permanência nas ruas
tem uma maior dificuldade ao não conseguirem se readequar aos padrões sociais
estabelecidos.
Em decorrência disso, existe também uma diferença entre o que se
chama de “moradores de rua” e “população em situação de rua”. A primeira designa
as pessoas que estão estabelecidas de maneira mais permanente nos espaços
urbanos, de onde tiram seu sustendo do espaço público urbano e assim, garantem
sua sobrevivência. A segunda caracteriza as pessoas que estão nas ruas de
maneira mais circunstancial e temporária, ou seja, que estão em “situação de rua”,
situação esta, considerada provisória e mais próximo ou possível de se reverter.
38
Os espaços ocupados por esta parcela da população são de variados
tipos, sendo situados sob pontes, viadutos, marquises, em frente de prédios
privados ou públicos, em frente de comércios, praças, calçadas, praias,
embarcações, estações de trem, rodoviárias, as margens de rodovias, dentro de
galerias subterrâneas, construções abandonadas ou qualquer outro local que
possibilite certa proteção e abrigo do frio e da violência, situações regularmente
enfrentadas por esta população. Esses indivíduos normalmente estão nesta situação
e sob estas condições, em decorrência dos constantes processos de exclusão
social, que diz respeito as mais diversificadas vertentes da vida, fazendo com que
essas pessoas ao longo da vida percam suas referências institucionais como a
escola, o trabalho, a família, o estado.
Esta população está presente no contexto social brasileiro desde o início
do processo de urbanização, ocorrido em meados do século XIX. No entanto,
passou a ser “vista” sob um ângulo diferenciado (como parcela possuidora de
direitos) pelo Estado a partir da década de 1990, ao se iniciar uma série de estudos
sobre sua existência e suas características, por se tornar uma das mais gritantes
expressões da pobreza nos grandes centros urbanos, uma expressão da questão
social.
A desigualdade social e a pobreza tem sido duas das características
predominantes no desenvolvimento histórico do Brasil, permitindo uma análise sobre
as condições que fundaram a sociedade brasileira. De acordo com Escorel (1999, p
24)
Os âmbitos regionais e rurais da desigualdade social nunca foram superados e o desenvolvimento industrial concentrador não conseguiu relegá-la a um passado (...) ao longo das últimas décadas sempre foram as camadas mais pobres as que viram seu futuro de renda e consumo cada vez mais longínquo. A situação agravou-se enormemente a partir das crises econômicas dos anos de 1970 e 80 e, na década de 90, o Brasil foi classificado por organismos das Nações Unidas como um dos países de maior desigualdade social.
A autora também cita em seu livro “Vidas ao Léu – trajetórias de exclusão
social, as condições em que vivem essas pessoas, esses indivíduos, são resultados
da fragilização da sua existência por não participarem da esfera pública como se
espera da maioria dos cidadãos, e estes, (os excluídos) por sua vez vivem nas
sombras, as margens da sociedade.
39
Com isso, deu-se inicio à inclusão da “população em situação de rua”
como público alvo da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, com a
finalidade de promover ações integradas a esta população, objetivando garantir
atendimento especializado que possibilite favorecer esta camada da população
brasileira.
A PNAS – 2004 foi criada a partir da decisão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS e do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, demonstrando a intenção de construir coletivamente o redesenho desta política, na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. E de acordo com a própria PNAS, esta iniciativa, traduz o cumprimento das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília, em dezembro de 2003, e denota o compromisso do MDS/SNAS e do CNAS em materializar as diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. (PNAS, 2004).
No Brasil, este tipo de proteção social como política da Assistência Social
é uma situação nova, uma realidade recente, isto significa dizer não ter de imediato
uma análise formulada e já elaborada, mas que permite dispor ou pensar nas
diversas dificuldades vividas por brasileiros que tem seus direitos negados ou
subtraídos.
2.3 - População em situação de rua no município de Fortaleza
A população em situação de rua no município de Fortaleza, não muito
diferente das de outros estados brasileiros, sofre com a discriminação, políticas
públicas seletivas e residuais que pouco impacto tem na vida dessas pessoas que
tiram seu sustento das ruas. Atualmente não existe um número exato de quantas
pessoas vivem em situação de rua na capital cearense, talvez em decorrência da
pouca quantidade de pesquisas censitárias para essa população, ou então porque
as instituições atualmente existentes neste Município não consigam atender a
demanda.
Seu surgimento na capital cearense remonta do século XIX no período
das grandes secas, que faziam com que os sertanejos saíssem de suas cidades em
busca de melhores condições de vida. Durante muitos anos, boa parte dessas
pessoas que se refugiavam das secas na capital ou em outras cidades que
40
ofereciam melhores condições de vida, logo após o período de estiagem estas
pessoas retornavam ao seu lugar de origem, no entanto, com o passar dos tempos e
com os sercamentos de grandes fazendas para o cultivo do algodão, essas pessoas
já não mais encontrando possibilidades de reorganizar suas vidas, instalavam-se
como podiam. Algumas famílias que conseguiam chegar à capital procuravam se
estabelecer trabalhando nas construções de ruas, nas vias férreas. Outras ficavam
pelo caminho ao morrerem de fome ou até mesmo trabalhando na construção de
açudes e outros serviços. Neste período foram criadas políticas que visavam fixar o
homem no campo, que nem sempre surtiam um efeito positivo.
Na capital cearense, a presença dos primeiros sertanejos refugiados foi
registrada durante a seca de 1877/89, quando o município de Fortaleza chega a
receber apenas no ano de 1878 mais que o triplo da população residente, somando
um total de mais de 160 mil pessoas sendo que desse montante, apenas 40 mil já
residiam em Fortaleza. Em diversos pontos da cidade se viam aglomerações de
indivíduos erguendo seus casebres de palha e transitando sem rumo nas ruas da
cidade que tinha em seus planos, seu constante e permanente aformoseamento.
Sem mencionar os milhares de sertanejos que não conseguiam chegar a esta capital
ou aos seus destinos de interesse devido às longas caminhadas sob o sol
escaldante, das condições já precárias em que se encontravam no decorrer dos
períodos de estiagem.
Por não terem onde ficar, nem a quem recorrer boa parte dessas pessoas
ficavam nas ruas pedindo esmolas, ou até mesmo roubavam os comércios em
decorrência da fome e miséria que os rodeavam. Isso por sua vez fazia com que os
comerciantes e a classe burguesa exigissem que o governo tomasse providências,
não só para os flagelados e refugiados da seca, mas também para “livrar” a “loira
desposada do sol” como era conhecida a capital cearense (RIOS, 2001, p. 20).
Estas pessoas chegavam a Fortaleza por meio de trens, que vinham
sempre abarrotados, chegando ao ponto de serem suspensas as passagens que o
Governo liberava para que estes chegassem á capital, ou até mesmo seguiam a pé
pelas estradas e caminhos de terra, onde muitos destes perdiam suas vidas,
vencidos pelo cansaço e pela fome. Algumas das famílias não conseguiam chegar
aos seus destinos, ou quando conseguiam não chegavam completas, deixando do
meio do caminho os corpos empoeirados seus entes queridos.
41
A luz irradiada pelo sol durante quase todo o ano, era significado de
beleza e deslumbre para alguns, e dor e sofrimento para aqueles que sofriam e
fugiam da seca e do sofrimento que lhes trazia o calor do “astro rei” (NEY apud
RIOS, 2001, p. 21).
Para a historiadora e autora Kênia Rios, de acordo com sua obra
intitulada “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e poder na Seca de
1932” a imagem que o sol representava tinha vários significados, podendo ser de
beleza ou anuncio de grande sofrimento. Para aqueles que viviam na capital e se
beneficiavam com o turismo era sinônimo de lucros, mas para os sertanejos, essa
imagem era bem diferente
Contudo, para o sertanejo, a imagem do sol pode significar o anúncio da morte. Nos anos de seca, o sol do Sertão simboliza tristeza e dor. O sol dos poetas bucólicos – que põe Fortaleza em mística harmonia com a natureza - e o sol dos empresários e jornalistas associados à valorização do turismo - que colocava Fortaleza em sintonia com o progresso – não deixam espaço para o sol do flagelo. Na iluminada Fortaleza, o raio do sol mortificador – traduzido no corpo sofrido do retirante – não é bem-vindo (RIOS, 2001, p.22).
As notícias sobre a seca, os números de flagelados e a situação em que
se encontravam sempre foram amplamente divulgadas pelos jornais locais, bem
como a então situação da capital que não possuía estrutura para receber aqueles
indivíduos, enfatizando em seus noticiários o que ocorria nas ruas de Fortaleza. Os
jornais O Povo, O Nordeste e Correio do Ceará veiculavam informações sobre os
migrantes e sua situação na capital cearense.
Numerosas famílias a mendigar de porta em porta e num estado de inspirar compaixão. Essa gente não tem o abrigo de tecto, não têm assistência e vive a toa nas artérias da cidade, abandonada a sua própria sorte. Julgaríamos necessário que a interventoria estudasse um meio de localizar essas famílias e dar-lhes assistência (O Nordeste em 20 de fevereiro de 1932).
Estas matérias jornalísticas mostravam quase sempre um discurso
pautado na preocupação com esses infelizes, solicitando do governo medidas que
atendessem a esta camada da população que ameaçava o desenvolvimento urbano
de Fortaleza, mas que ao ler com um pouco mais de atenção se subentendia uma
preocupação da classe dominante e dos comerciantes ao se deflagrarem com o
42
constante medo de ações mais enérgicas dessas pessoas que vagavam pelas ruas
em busca saciar sua fome, podendo a qualquer momento invadirem os comércios
locais.
Vários períodos de secas ficaram registrados por se configurarem
verdadeiras catástrofes na história do Ceará, sendo seus principais períodos, as
secas de 1887 que perdurou até o ano de 1889; a seca de 1915, que por sua vez foi
tema de livros como: O Quinze – da cearense Raquel de Queiroz; e a seca de 1932
que como citado anteriormente foi utilizado como palco para o livro de Kênia Rios
sobre os Campos de Concentração. Estes campos de concentração por sua vez
foram criados pelo Governo da época como forma de controlar a vinda dos
sertanejos fugitivos das secas, na tentativa de impedir que esses indivíduos
chegassem à capital.
Numa atitude higienista do governo, são criados os primeiros Campos de
Concentração durante a seca de 1915, que nesse período, as linhas ferroviárias já
se estendiam até o Sertão, no entanto boa parte da população concentrada foi
exterminada pela varíola.
O projeto dos campos tinha em certo sentido a intenção de mostrar um
alto grau de civilidade e modernidade, pois temiam deixar os retirantes soltos,
dispersos, o que dificultaria qualquer tipo de ação ou assistência para com estes
refugiados.
Para attender com eficiencia os serviços de socorro aos flagellados, e evitar o deslocamento deveras temível para a saúde e a traquilidade publicas das populações sertanejas que emigravam para diversos pontos, principalmente para a capital, a interventoria tomou urgentes providências... Tratouo governo de concentrar os flagellados em pontos diversos, a fim de socorrel-os com efficiencia e no tempo opportuno. Foram criadas, sob a fiscalização do Departamento das Secas, sete concentrações: Burity, no Município do Crato; Quixeramobim, no Município do mesmo nome; Patu, no Município de Senador Pompeu; Cariús, no Município de São Mateus; Ipú, no município de mesmo nome; Urubu e Otávio Bonfim, no Município de Fortaleza (Relatório Oficial, apud RIOS, 2001, p. 46).
Essas concentrações mostravam-se como projetos baseados em um
controle humanitário, apoiando suas ações no controle e na disciplina que
representava um benefício para os sertanejos famintos da seca. Com amplo apoio
da população e de membros da alta sociedade fortalezense, reconhecendo que as
ruas da cidade estavam mais tranquilas, pois os retirantes estavam naquele
43
momento em local seguro, alimentados, higienizados e tratados com relativo carinho
e conforto pelo governo. Homens, mulheres e crianças eram amontoados nesses
locais insalubres, de onde uma vez ali dentro não podiam mais sair. Chamados de
curral do governo, esses locais serviam como verdadeiros depósitos humanos
funcionavam como prisões, tudo isso construído com o intuito de manter os
flagelados longe das ruas da capital e contribuindo para que os turistas tivessem
uma boa impressão das ações do governo para com os refugiados, turismo esse
que naquela época já se expandia.
Os campos de concentração tiveram seu auge durante a seca de 1932,
quando foram criados os sete campos mencionados anteriormente, sendo dois
destes em Fortaleza. Mesmo prendendo essas pessoas, isso não os impedia de se
rebelarem ou lutarem contra esse tipo sistema de isolamento e repressão. E assim
como nos dias atuais, muitas pessoas se beneficiam das secas, dando continuidade
a conhecida “Indústria da Seca”.
A história foi mudando, embora ainda hoje se tenha noticia de pessoas,
ou famílias inteiras buscando fugir de situações adversas que estes períodos de
estiagem promovem, se “refugiam” na capital ou partem para outros estados, em
busca de melhores condições de vida e que quando aqui chegam se deparam com
uma realidade tão cruel quanto a que viviam.
Atualmente, a população em situação de rua que vive neste município
provém de várias cidades do interior, de outros estados e também da própria capital,
no caso destes últimos, normalmente são pessoas que tem seus laços familiares
fragilizados ou rompidos, pessoas que já vivem há bastante tempo nas e das ruas,
pessoas institucionalizadas, usuários de álcool e outras drogas, entre outros.
Quando se fala em viver nas ruas, se fala das pessoas que por meio de
suas estratégias de sobrevivência, criam nas próprias ruas laços afetivos, vínculos
com o que o mundo que os cercam, ou até mesmo ao contrário disso, se fecham
para o mundo, para outras possibilidades ao terem sua autoestima dilacerada pelas
dificuldades e pela exclusão social em que se encontram. E vivem das ruas quando
se utilizam das ruas e logradouros públicos para garantir seu sustendo, fazendo
bicos como pintores, marceneiros, flanelinhas, guardadores de carros, pedintes etc.
44
No ano de 2008, há a criação da Política Nacional par Inclusão Social da
População em Situação de Rua, como forma de orientar a construção e execução de
políticas públicas voltadas a este seguimento da sociedade, historicamente à
margem das prioridades dos poderes públicos.
Esta Política torna-se então fruto das reflexões e debates do Grupo de
Trabalho Interministerial, composta pelo Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, Ministério das Cidades, Ministério da Educação, Ministério da
Cultura, Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da
Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Defensoria pública da União,
além da fundamental participação de representantes do Movimento Nacional de
População de Rua (MNPR), da Pastoral do Povo de Rua e do Colegiado Nacional
dos Gestores Municipais da Assistência Social (CONGEMAS) representando a
sociedade civil organizada (Política Nacional de Inclusão Social para População em
Situação de Rua, 2008).
Para esta população, existem políticas públicas de apoio ofertadas pela
Prefeitura, como o Espaço de Acolhimento Noturno – EAN, que disponibiliza
abrigamento, alimentação, lavagem de roupas, encaminhamentos para postos de
saúde quando necessário, encaminhamentos para retirada de documentos, entre
outros serviços que possibilitam a reorganização dessas pessoas. Este serviço é
mantido pela Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS, que também
disponibiliza para pessoas que vem de outras cidades fazer exames, os serviços da
Casa de Passagem, Centro de Referência Especializada para População em
Situação de Rua - Centro POP e outras instituições filantrópicas que fornecem
serviços gratuitos de alimentação, higiene pessoal, abrigamento dentre outros
serviços como: A Comunidade Shalom, Toca de Assis.
Existe também o Serviço de Abordagem de Rua que visa sensibilizar
estas pessoas em situação de rua para a criação de um novo projeto de vida que
possa auxiliá-los para retomadas dos vínculos familiares e assim a reinserção social,
a partir dessa abordagem é que é feito o encaminhamento para o equipamento
competente. Mas esses serviços são seletivos, mesmo fazendo parte da Política
Nacional de Assistência Social, que se coloca como um serviço universal não
consegue atender a demanda existente na capital cearense.
45
Outra característica alarmante dessa população é o constante uso de
álcool e outras drogas, sendo este um dos motivos que levam essas pessoas a
situação de rua (conforme observação).
Para este público, existem algumas alternativas (pouco eficientes) de
prevenção e combate ao uso dessas substâncias, como por exemplo, o
acompanhamento dessas pessoas pelo Centro de Apoio Psicossocial - Álcool e
Drogas - CAPS- AD, mas que por se tratar de um tipo de serviço que requer tempo e
comprometimento dessa população, este serviço acaba não sendo ineficiente, pois
boa parte dessa população trabalha com reciclagem e “não podem deixar de
trabalhar” mesmo estando em risco sua saúde física e mental. Algumas dessas
pessoas não assumem que fazem uso e nem mesmo que são dependentes
químicos, o que dificulta ainda mais a possibilidade de sensibilização para o
tratamento.
No próximo e último capítulo, há uma apreciação sobre esta parcela da
população cearense que vive a mercê das desigualdades sociais e também das
dificuldades e relações entre o estado de Dependência Química e População em
Situação de Rua na Capital cearense.
46
III
PERSPECTIVAS DE VIDA DE UMA POPULAÇÃO DUPLAMENTE EXCLUÍDA E
MARGINALIZADA
3.1 – Dependência Química e População em Situação de Rua no Município de
Fortaleza
Vários são os motivos que levam um indivíduo a estar em situação de rua.
Podem acontecer a partir de uma briga entre familiares que moram em um mesmo
local, problemas decorrentes de doenças mentais, fragilização e/ ou rompimentos
dos laços familiares, desemprego etc., como apresentados nos capítulos anteriores,
no entanto, muitos são os casos de pessoas que estão em situação de rua por
fazerem uso de substâncias psicoativas. Esses casos são mais comuns do que se
imagina. Existem, também, casos em que algumas pessoas passam à situação de
rua por causa do uso de substâncias psicoativas e outros casos em que pessoas em
situação de rua passam a fazer uso de substâncias psicoativas por estarem nessa
situação, potencializando as vulnerabilidades enfrentadas por esses indivíduos.
O presente capítulo busca mostrar a relação entre Dependência Química
e População em Situação de Rua, bem como suas características, adversidades,
dificuldades e perspectivas. Assim, os perfis dessas pessoas serão apresentados a
partir do relato de vida de três indivíduos.
O perfil socioeconômico dessas pessoas, como citado no capítulo
anterior, é bem amplo e heterogêneo, há uma grande variação de dados, como:
idade, escolaridade, formação profissional, lugar de origem e perspectivas de vida,
bem como de experiências de vida. O que os leva a iniciar o uso de substâncias
psicoativas pode variar muito, os motivos podem ser “apenas” curiosidade, por
influências ou até mesmo vontade de mostrar que é forte, que pode entrar e sair
quando quiser, ou seja, iniciar o uso e não se viciar, não se tornar um dependente
químico embora muitos saibam que é uma situação muito mais delicada e complexa
do que se possa imaginar.
47
A relação entre dependência química e situação de rua é bastante
recorrente, apontando para um fenômeno social visto a olhos nus, que neste caso
são caracterizados como por essas pessoas duplamente excluídas socialmente.
Essa exclusão, por sua vez, fragiliza as ações de instituições e entidades voltadas
para esta população, principalmente no que diz respeito a sua dependência, sendo
esta dependência de álcool e/ou outras drogas.
Muitas vezes essas pessoas estão apenas em um desses lados, ou seja,
estão em situação de rua, mas não fazem uso de substâncias psicoativas ou então,
fazem uso de substâncias psicoativas, mas não estão em situação de rua, porém,
não deixam de viver as adversidades que estas situações lhes atribuem, sendo
discriminadas e rotuladas de vagabundas, preguiçosas e drogadas, sendo
estigmatizadas e excluídas socialmente. Como se já não fosse bastante difícil a
relação desta parcela da população com o restante da sociedade por suas
divergências e dificuldades, sua relação com as políticas sociais mostram outra
questão relevante que é o acesso a programas e benefícios da assistência social.
Trabalho e assistência assim, mesmo quando reconhecidos como direitos sociais, vivem uma contraditória relação de tensão e atração. Tensão porque aqueles que têm o dever de trabalhar, mesmo quando não conseguem trabalho, precisam da assistência social, mas não têm direito a ela. O trabalho, assim, obsta a assistência social. E atração porque a ausência de um deles impele o indivíduo para o outro, mesmo que não possa, não deva, ou não tenha direito. Em uma sociedade em que o direito à assistência é limitado e restritivo (...) e o trabalho, embora reconhecido como direito, não assegurado a todos, esta relação se torna excludente e provocadora de iniqüidades sociais (BOSCHETTI apud SILVA, 2009, p 185).
Essas pessoas normalmente são ignoradas por boa parte da população,
sendo destratadas e transformadas em seres invisíveis, ficando a parte dos direitos
sociais assegurados pela Constituição. Outro viés das políticas sociais é seu caráter
seletivo, caracterizados pela escassez de recursos e burocracia que transformam
“exigências ou critérios” para o acesso, em mecanismos de discriminação e
distanciamento de acesso aos direitos de todo e qualquer cidadão, já que se
pretende um serviço universal.
Desta maneira, este duplo preconceito sofrido por esses indivíduos
caracterizam umas das formas mais frequentes e comuns de discriminação, o que
48
dificulta a busca por seus direitos no âmbito da saída da situação de rua e/ou o
tratamento para dependência química dificultando ou impossibilitando sua
reinserção social.
Por se configurarem um grupo de risco devido sua vulnerabilidade social,
a partir do ‘Plano Fortaleza de Prevenção e Atenção Integral aos Usuários de Crack
e Outras drogas’. pode-se dividir este grupo em dois, sendo um em Fatores de
Risco: quando esses fatores tornam essas pessoas mais vulneráveis a ter
comportamentos que podem levá-las ao uso ou abuso de drogas (esta situação é
muito comum para população em situação de rua por estar constantemente em
situação de vulnerabilidade). E o outro em Fatores de Proteção, quando esses
fatores por sua vez, consegue contrabalancear as vulnerabilidades que possam
encaminhar esses sujeitos ao uso ou abuso de drogas (diminuindo as possibilidades
ou situações que possam levá-las a fazer uso de drogas).
É exatamente neste momento e neste sentido que entram em ação
algumas instituições filantrópicas com ações religiosas, comunidades terapêuticas,
abrigos, albergues, CAPS - AD e até mesmo hospitais. Objetivando a redução de
danos que facilitem ou favoreçam a busca pela superação das adversidades
encontradas a fim de buscar possibilitar sua reinserção tanto no âmbito familiar
quando viável quanto no âmbito profissional, foram criados no município de
Fortaleza três serviços específicos para esta população, sendo estes: Centro de
Referência Especializado para População em Situação de Rua – CENTRO – POP, o
Espaço de Acolhimento Noturno – EAN e o Serviço Especializado de Abordagem de
Rua que juntos buscam assegurar atendimento e atividades direcionadas para o
desenvolvimento da sociabilidade, objetivando o fortalecimento de vínculos
interpessoais e familiares, por meio da articulação dessa rede de serviços para
população de rua.
Muitos desses indivíduos que estão às margens da sociedade, tanto por
causa de sua doença como por estarem nas ruas não se sentem capazes de
reconstruir suas vidas, seus objetivos e sonhos. Diante dessas adversidades e
necessidades aqui apresentadas, atualmente o conceito de prevenção se ampliou
ao ponto de estar atrelado à “Promoção de Saúde”.
49
3.2 – Histórias de vida: Percepções de uma parcela da população que tem seus
direitos violados ou negados e sua dignidade desrespeitada
As histórias de vida a serem relatadas a seguir mostram bem esta
realidade, nos levam a pensar sobre as características e condições em que se dão
estas realidades de discriminação e exclusão. Essas histórias se dão a partir
situações consideradas comuns, como por exemplo, caracterizadas pelo
desemprego, ou ao contrário, a partir de situações limite, de extrema fragilidade ao
se sentirem abandonados, deixados de lado ou para trás. Estas considerações se
dão a partir de relatos e vivências dessa parcela da população que muitas vezes
vêem nessas instituições de apoio e “promoção” de direitos, uma estratégia de
sobrevivência o que não significa necessariamente a busca da superação desta
situação. Não se pode negar também as fragilidades e lacunas dessas instituições,
que se tornam paliativos no que diz respeito ao enfretamento e combate a esta
expressão da questão social:
Para SILVA, 2006, esta questão é reproduzida por meio do sistema em
que vivemos:
Pode-se dizer que o fenômeno população em situação de rua vincula-se à estrutura da sociedade capitalista e possui uma multiplicidade de fatores de natureza imediata que o determinam. Na contemporaneidade, constitui uma expressão radical da questão social, localiza-se nos grandes centros urbanos, sendo que as pessoas por ele atingidas são estigmatizadas e enfrentam o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade. É um fenômeno que tem características gerais, porém possui particularidades vinculadas ao território em que se manifesta. No Brasil, essas particularidades são bem definidas. Há uma tendência a naturalização do fenômeno, que no país se faz acompanhada da quase inexistência de políticas públicas para enfrentá-lo (SILVA, 2006, p.95).
Para compor este último capítulo serão utilizadas “narrativas de vida” ou
“histórias de vida” a fim de contar a realidade de três pessoas que são dependentes
químicos e estão em situação de rua no Município de Fortaleza, buscando
esclarecer a relação existente ou não entre ambas situações, bem como, conhecer
as dificuldades enfrentadas por essas pessoas. Sua relação com as políticas
públicas existentes que foram desenvolvidas para amparar e buscar promover a
50
reinserção social para esses indivíduos historicamente discriminados por suas
condições marginais e fragilidades.
Este tipo de narrativa (histórias de vida) mostra sua importância ao buscar
compreender, apreender e apresentar alguns tipos diversos de formas de vida, sua
dinamicidade e realidades que em dado momento condiz com as experiências de
boa parte dessa parcela da população, sua relação com suas famílias e o meio
social em que estão inseridos. Para Daniel Bertaux (2010, p 12).
Em Ciências Sociais, a narrativa de vida resulta de uma forma particular de entrevista, a “entrevista narrativa”, durante a qual um “pesquisador” (que pode ser estudante) pede a uma pessoa, então denominada “sujeito”, que lhe conte toda ou uma parte de sua experiência vivida. Mas, essa abundancia contrasta fortemente com a escassez de métodos propostos para observar empiricamente a ‘a ação’: isto é, não só comportamentos pontuais como os comportamentos de voto ou de compra de uma numerosa população (para isso, as sondagens são o instrumento adequado), mas percursos de ação situada, executados por ‘atores’ ou ‘sujeitos’ dotados de determinada densidade humana (...) O interesse das narrativas de vida, quando as coletamos nessa perspectiva, é que elas constituem um método que permite estudar a ação durante seu curso.
A primeira história de vida fala de um indivíduo de apenas vinte e nove
anos de idade, que muito embora tenha pouca idade relata já ter vivido muito,
chegando ao ponto de se sentir velho. Nasceu na cidade de Fortaleza onde vive até
os dias atuais, tem quatro irmãos sendo este o segundo mais novo, órfão de pai
desde os doze anos, mantêm contato esporádico com a família por não querer que
estes saibam de seu paradeiro e menos ainda de sua situação. Com sua mãe,
estabeleceu relativo distanciamento por não se sentir a vontade ao saber que o
conhecimento de sua situação certamente causaria muita dor e tristeza a todos.
História I
J.B está há vários anos em situação de rua e por diversas vezes esteve
acolhido no EAN. Sempre que se sente apto para seguir sua vida e buscar realizar
seus planos, caminhando com suas próprias pernas decide sair da instituição em
que se encontra e vai tentar a vida. Outras tantas vezes, esteve em comunidades
terapêuticas e também quando se sentia preparado e em condições de seguir sua
vida fora da instituição, decidia sair. Quando saía, conseguia manter-se em
51
abstinência durante certo período, mas como ele mesmo diz: “tinha a sensação de
que vários caminhos e portas se fechavam, menos uma, que era sempre o caminho
das drogas” e por não conseguir enxergar outras alternativas acabava recaindo e
voltando não ao ponto de partida, “ao fundo do poço” que era o uso de drogas e a
situação de rua.
De acordo com J.B, tudo começou quando ele tinha quatorze anos de
idade e jogava em um time de futebol do seu bairro. Certo dia, após o final de uma
das inúmeras partidas, o então responsável pelo time, reuniu o time e outras
pessoas envolvidas e saíram para comemorar, esta comemoração foi regada a
cerveja e cachaça. Esta acabou sendo sua primeira experiência com substância
psicoativa. Isso ocorreu durante um longo período até que seus pais perceberam
que o filho fazia uso de bebida alcoólica e o chamaram para conversar, foi aí que ele
contou como tudo começou. Sua mãe ficou muito chateada com o “responsável”
pelo time, aquele que se propunha a cuidar da educação e formação daqueles
adolescentes. Sua mãe decidiu então tirar (J.B) do time, mas tanto tempo envolvido
com bebidas e “diversão” e sentido a necessidade de conhecer novas formas de
prazer ele acaba experimentando outros tipos de drogas
“Usei quase todos os tipos de drogas, maconha, mesclado, cocaína, crack e tudo o mais que pudesse me proporcionar qualquer tipo de prazer, só não fiz uso de drogas injetáveis porque não tive oportunidade, porque as pessoas que faziam parte do meu grupo não faziam esse tipo de uso das drogas”.
Durante este período de sua vida, para manter seu vício, conseguia
dinheiro com seus familiares por meio de mentiras, inventando histórias e situações
para comovê-los. Durante a conversa, ele diz orgulhar-se de nunca ter roubado nada
de nenhum familiar e nem objetos de sua casa por ainda conseguir manter alguns
valores morais. Com o tempo, J.B foi se dando conta do que estava fazendo, ao
enganar sua mãe e família (seu pai faleceu quando este tinha apenas doze anos de
idade) e por pensar que não mereciam passar por aquela situação resolveu sair de
casa. Fazendo parte de uma família composta por quatro filhos, em que J.B é o
segundo mais novo.
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“Passei por algumas comunidades terapêuticas, fiquei acolhido e sendo assistido por meses, mas sempre quando saía eu recaía, e tudo isso, essas recaídas era por falta de “inteligência”, porque depois percebo que após fazer uso dessas substâncias, me arrependo, sinto que tudo o que foi conquistado desaparece e assim volto à estaca zero”.
Comenta que sempre ao sair das comunidades terapêuticas nas quais se
internava, não procurava ninguém de sua família por não querer causar expectativas
e/ou transtornos para aqueles que o ajudaram, apoiaram que mesmo assim foram
“traídos” por J.B.
Ele conta uma de suas experiências nas comunidades, pois por possuir o
hábito da leitura, se comunica muito bem e sempre que tinha uma oportunidade se
dirigia ao púlpito e expunha suas experiências, suas opiniões, suas fraquezas, sua
relação com as drogas, criticando algumas atitudes de seus colegas que usavam a
dependência química como “desculpa” para cometerem pequenos delitos e se
fazerem de vítimas.
Por meio de suas colocações no púlpito ou em reuniões e discussões, ele
relata que conseguia que algumas dessas pessoas revissem suas atitudes,
auxiliando-os no enfrentamento à dependência química. No entanto, quando saia da
comunidade voltava a fazer uso de drogas.
“Algumas vezes, ‘largado’ nas ruas, cheguei a encontrar alguns de meus ex-colegas de tratamento e quando era reconhecido por eles, ficavam em estado de choque, porque muitos deles contavam que haviam conseguido parar de fazer uso de drogas por causa dos meus incentivos, apoio e experiências que eu relatava”
J.B diz que a convivência entre eles faz com sinta vergonha de si
mesmo. Por não querer voltar para casa, passou a viver em situação de rua e para
que sua família não soubesse, inventava histórias, como por exemplo: estar
trabalhando, ou até mesmo desempregado e assim pedindo dinheiro á sua mãe para
se manter. Não trabalha porque diz que os únicos empregos que encontra não o
agradam. Ele conta que certa vez, um colega seu havia deixado o próprio filho
empenhado com um traficante por causa de dívidas de drogas e que a criança só
havia voltado para casa porque a então esposa do seu colega conseguiu pagar a
dívida.
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Ele conta também que além das comunidades terapêuticas, sempre que
era acolhido pelo EAN era também encaminhado para ser acompanhado pelo
CAPS, mas que sempre largava o tratamento logo no início porque não considerava
um método eficiente e que pudesse ajudá-lo a se desvincular ou ter força para lutar
contra seu vício e como justificativa para sua não aderência ao tratamento utilizava o
argumento de que tinha que trabalhar para se sustentar e poder custear seu próprio
aluguel e assim sair de vez da situação na qual se encontrava.
“Quero sair desse tipo de vida, sempre que volto a fazer uso de drogas eu perco o controle, recaio de vez, uso tudo o que eu puder e como puder. Aí quando o efeito começa a passar e eu me dou conta da besteira que fiz eu fico deprimido. Às vezes eu passo mais de uma semana para voltar ao meu estado normal, fico desnorteado, com a mente toda bagunçada. Fico sem saber o que faço, quem sou e o que quero”.
J.B sempre julgou essas políticas de enfrentamento e combate as drogas
como uma forma de enganar a si próprio, porque sabia que se fizesse o tratamento
estaria cedendo aos desejos de uma sociedade doente e hipócrita. E não ajudava as
pessoas em situação de rua a conseguirem mudar de vida, porque os que
trabalhavam durante o dia com reciclagem ou outros tipos de trabalhos tinham que
faltar e deixar de ganhar dinheiro para poder participar das oficinas, das reuniões e
rodas de conversas, por isso alguns colegas seus preferiam faltar a deixar de ganhar
dinheiro, mesmo porque as instituições às vezes não dão nem vale transporte e eles
têm que atravessar a cidade andando para chegar até os locais de destino. Ele cita
o exemplo de um colega seu que tinha que ir do EAN até o CAPS para participar dos
eventos e de lá ir para o CENTRO – POP ou então ir às consultas nos postos de
saúde tudo isso a pé5. Mencionando também a questão da alimentação servida que
era precária. Às vezes eram apenas biscoitos com um pouco de café e isso não era
o suficiente para conseguirem ficar o restante do dia sem comer, pois se não
conseguissem dinheiro para almoçar só iriam se alimentar à noite no próprio EAN.
À época, J.B encontrava-se acolhido no EAN, mais uma vez dando início
a busca de sua reinserção social e continuidade ao tratamento para dependência
química no CAPS – AD da SER II. Diz que dessa vez está mais aberto para ouvir e
buscar seguir o que os profissionais orientam e dessa maneira respeitar e
5
EAN – Rua Limoeiro do Norte, Nº 418, Joaquim Távora; CAPS – AD – Rua Manoel Firmino Sampaio, Nº 311, Cocó; CENTRO - POP – Rua São José, 01, Centro.
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compreender o trabalho desses profissionais, a importância deles para o sucesso de
seu tratamento e de sua jornada. J.B cita também a capacitação e o
comprometimento desses profissionais com o que se propõem a fazer.
O segundo relato conta um pouco da história de vida de um homem,
algumas de suas experiências, sua relação com a família e a sociedade. Fatos estes
que tem grande relevância para a compreensão de como se deram sua inserção nos
caminhos do mundo das drogas que resultou ou facilitou sua ida para as ruas,
passando a situação de rua.
História II
C.L é um adulto de quarenta e cinco anos de idade, nasceu no município
de Juazeiro do Norte, mas mora nesta capital há mais de vinte anos. Veio parar
nesta cidade por causa de uma oferta de emprego que havia conseguido por meio
de um amigo de seu pai. C.L tem por profissão a arte de pintar paredes, mas conta
que quando mais moço queria mesmo era ser médico, professor ou qualquer outra
profissão que lhe ajudasse a proporcionar a família uma vida melhor, com melhores
condições. Relata que ao chegar aqui, nesta capital, foi morar durante um período
com este amigo de seu pai.
“Ainda morei com ele por uns seis meses, mas por causa de um pequeno desentendimento eu decidi não mais continuar naquela casa. Aconteceu que eu fui pego na cama com a mulher do Zé. Mas a culpa não foi só minha não, porque assim que eu cheguei naquela casa ela ficava só me olhando e como a carne é fraca eu não resisti e ficamos desse jeito por algumas semanas”.
Emocionado, relembra os momentos bons que teve, quando morava com
os pais tudo era bom. Passavam por certas dificuldades, mas eram felizes. Em
tempos de “vacas magras” comiam apenas feijão com farinha, mas em tempos de
“vacas gordas” a situação se invertia e sua família conseguia até mesmo ajudar
outras famílias mais carentes. Ele conta que é o mais velho de sete filhos, fora os
outros três que morreram logo após nascerem. Seus pais hoje, ainda vivos, não têm
muito contato com o filho que atualmente vive em situação de rua há pelo menos
dez meses. Diz que é melhor assim, acha melhor pensarem que ele morreu ao
saber que está nesta situação desumana.
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Em nosso primeiro contato, C.L não falou muito, talvez por causa do
receio e até vergonha de se expor, mas depois de nosso segundo encontro
começou a desabafar suas desventuras, mágoas e desilusões.
Logo após sair da casa do seu Zé como chamava o senhor que o acolheu
em sua casa, saiu também da empresa onde trabalhava e passou a viver numa
pequena casa no bairro Vila Manoel Sátiro. Conseguia pagar o aluguel com o
dinheiro que recebia dos pequenos trabalhos que fazia em marcenarias ou pintando
casas, profissões estas aprendidas durante a adolescência. Passou por momentos
difíceis ao não conseguir pagar seu aluguel, nem mesmo se alimentar, chegando ao
ponto de ser despejado. Durante o tempo em que esteve sem emprego fixo e sem
ter como pagar o aluguel de uma casa, ele ficou na casa de amigos e colegas.
C.L Contou que desde muito novo bebia cachaça e que tinha adquirido
este hábito com seu pai que dizia: “cabra macho bebe cachaça desde pequeno”. A
partir desses acontecimentos passou então a fazer uso de álcool com mais
frequência, mas nada que comprometesse sua vida. Certo dia, em decorrência de
indicações, devido seu bom trabalho enquanto pintor, arte adquirida e aprimorada
com o tempo, conseguiu um novo emprego, “mas este agora era com carteira
assinada, tudo direitinho”. Alugou novamente uma nova casa, dessa vez bem maior
e no mesmo bairro, ele conta que ficava sempre naquele bairro porque gostava da
vizinhança e também porque lá morava uma moça muito bonita e que de vez em
quando olhava e sorria para ele. Depois de quase um ano começou a namorar a tal
moça e meses depois se casaram e com ela teve três filhos. Quando fala de seus
filhos, C.L se emociona e chora, dizendo que já fazem cinco meses que não os vê.
Ao questioná-lo sobre o porquê desse longo tempo sem contato com seus filhos ele
se cala. Levantei e fui pegar um pouco de água para acalmá-lo e procurando
restabelecer o vínculo que tinha conseguido criar. Disse que compreendia sua
dificuldade em relembrar fatos tristes de sua vida e que ele estava livre para
continuar ou não sua história.
Após se refazer da emoção, perguntei novamente por que não via os
filhos há tanto tempo e ele começou a contar. Disse que seus três filhos têm dez,
sete e cinco anos, sendo os dois mais velhos meninos e a mais nova uma menina,
que moravam atualmente com a mãe. Disse também que durante muito tempo viveu
com sua esposa e seus filhos harmoniosamente, sem problemas ou confusão.
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Quando o primeiro filho veio, foi uma festa só. Depois veio o segundo e outra
alegria, tudo correndo bem. Sem esperar, vem mais um filho, dessa vez uma menina
e assim se sentia realizado. Trabalhava muito, sempre buscando prover o sustento
de sua família, cuidando de todos com muito carinho e amor, mas sempre fazendo
uso de álcool, porém tudo corria sempre muito bem.
Conforme o tempo foi passando, o uso do álcool passou a ser mais
freqüente. Seu rendimento no trabalho começou a ser comprometido, de maneira
que algumas dessas vezes ouvia reclamações dos seus chefes, o que o deixava
mais irritado e sem paciência. Pedi então que me explicasse essas mudanças de
humor. Quais eram os motivos para essa alteração de humor e o que acontecia
quando ele perdia a paciência?
Contou-me então que passou a beber mais por causa dos problemas no
trabalho, as cobranças que sofria por parte de seus chefes e também das cobranças
da esposa com seus horários. Outro motivo eram as crianças que brigavam muito e
conforme o tempo foi passando, tudo isso fazia com que ele procurasse chegar mais
tarde em sua casa e assim evitar brigas e aborrecimentos com os filhos e com a
esposa.
Com esses acontecimentos e aborrecimentos, passou a beber mais e até
a experimentar outras drogas (citou fazer também uso da maconha e da cocaína).
Em decorrência desse uso desenfreado e da posterior dependência química, perdeu
o emprego por não conseguir mais entregar seus trabalhos no prazo estabelecido e
seus serviços não apresentavam mais a qualidade e o capricho de antes.
Quis saber quais motivos o tinham feito sair de casa? Ele prontamente
responde dizendo que foi por causa de uma “briga feia” com a esposa, que resultou
em agressão física por parte dele e com receio de acontecer algo pior resolveu sair
de casa. Após sua saída, ficou três meses num quarto alugado próximo onde
morava.
“Nesse tempo eu passei a usar essas substâncias psicoativas todos os dias e fez com que o meu rendimento no meu trabalho diminuísse e por isso eu fui demitido. Mas recebi os meus direitos trabalhistas todinhos e dei boa parte do dinheiro pra minha esposa, para ela cuidar dos meninos, dos nossos filhos”.
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Recebeu seguro desemprego durante alguns meses e isso o permitiu
pagar o aluguel do quarto onde dormia e continuar ajudando sua esposa no que
fosse possível. Quando o seguro acabou, com ele veio o desespero por saber que
no momento não havia outra fonte de renda e que suas dificuldades iriam aumentar.
Do quarto mês em diante, não conseguiu mais auxiliar a esposa no cuidado dos
filhos e embora sua esposa trabalhasse, C. L não se sentia bem ao não poder
prover o sustento de sua família.
Relata que após perder o emprego, não conseguia mais encontrar outro
trabalho e por isso bebia quase todos os dias, o dia inteiro. Foi despejado do quarto
em que dormia. Tentou se reconciliar com sua esposa, mas não obteve êxito.
Sentia-se fracassado por não conseguir “sustentar” os próprios filhos, daí então
passou a dormir numa oficina de um conhecido, mas que depois de algumas
semanas foi “morar” de vez nas ruas. Passou por situações ruins como: fome,
humilhação e o pior foi o distanciamento dos filhos. Sempre que pensa nos filhos fica
triste e logo procura beber para esquecer.
Atualmente vive em praças de vários bairros da cidade, prefere não ficar
em um lugar fixo e sempre distante de onde sua esposa e seus filhos moram ou
possam estar. Questionado sobre como faz para sobreviver, ele afirma que sempre
procura dar um jeito. Normalmente quando se aproxima da hora do almoço, ele fica
perto de restaurantes e lanchonetes, pedindo um “prato de comida”. Orgulha-se de
nunca ter precisado roubar para comer, mas diz que já se envolveu em uma briga
por causa de uma refeição. Nem sempre a gente encontra uma alma caridosa que
consiga nos ajudar a matar a muita fome:
“Quando tô muito triste e quero ‘esquecer’ os problemas eu procuro conseguir dinheiro me oferecendo para cuidar de carros e assim compro qualquer bagulho que alivie minha dor, mesmo que o efeito passe, mas pelo menos eu saio de mim, da realidade”.
Durante nossas conversas, disse várias vezes que se sentia um lixo e já
havia tentado tirar a própria vida porque se sentia sozinho no mundo, mesmo
sabendo que não estava, não mantinha contato com os pais há muito tempo e agora
estava acontecendo o mesmo com seus filhos.
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Questionado se conhecia alguma política pública na capital para
população em situação de rua ou até mesmo tratamento para dependentes
químicos, ele disse que sim, mas que no momento não queria porque não acreditava
que pudesse ter sucesso, mesmo porque afirma que o uso de drogas não é o
causador de suas infelicidades.
Às vezes, o sentimento de impotência que esses indivíduos possuem, os
impedem de querer ou procurar superar as adversidades da vida. Outro fator
importante é o não reconhecimento da dependência química como causador de
desestruturação emocional e social, naturalizando as dificuldades decorrentes deste
uso desenfreado.
Esta história é sobre um indivíduo que como muitos outros tiveram sua
infância marcada pela violência, pela pobreza e acima de tudo pelo uso abusivo de
drogas, motivos esses que resultaram na negligência de direitos por parte da família
e do Estado que primeiramente deveriam garantir e assegurar sua integridade física,
moral e social.
História III
E.M nasceu no município de Fortaleza no ano de 1975 e há quatro anos
está em situação de rua. Atualmente, aos trinta e sete anos, é acompanhado pelo
Centro – Pop e pelo CAPS – AD, mas conta que não vai com frequência aos
equipamentos há pouco citados. E.M tem cinco irmãos, sendo que três deles ele
acha que moram com a mãe. Seu pai abandonou a família quando ele tinha apenas
quinze anos de idade e por ser o filho mais velho, começou a trabalhar para ajudar a
mãe com as despesas da casa.
“Quando eu era criança a minha família passava muitas necessidades financeiras. A gente morava lá no Bom Jardim em uma casa bem simples e ainda tinha o fato de meu pai beber muito e sempre que bebia ele batia na minha mãe, em mim e até nos meus irmãos pequenos”
De acordo com suas falas, as agressões eram tanto psicológicas como
físicas e isso fazia com que todos tivessem medo do pai, principalmente quando
chegava em casa falando alto. Ele conta que após anos de sofrimento, seu pai havia
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conhecido uma mulher e ido morar com ela numa cidade do interior do Estado, a
partir de então nunca mais o viu. Este acontecimento ao mesmo tempo que trouxe
alívio, também trouxe desespero para a família, porque embora seu pai fosse uma
pessoa difícil de lidar, era ele quem sustentava a casa e com sua saída a situação
financeira havia ficado mais delicada. Foi a partir daí que E.M começou a trabalhar
fazendo pequenos serviços de jardinagem e em um mercadinho. Depois passou a
trabalhar como ajudante de pedreiro, mas disse que por ser um trabalho muito
pesado, ele desistiu.
“Depois de um tempo eu comecei a trabalhar num bar de um vizinho e por lá fiquei durante um bom tempo, acho que por dois anos. Nesse tempo, não deixei de frequentar a escola, mas as minhas faltas eram toda semana e isso fazia com que não conseguisse acompanhar o restante da turma”.
Aos dezoito anos já era o responsável pelo sustendo de sua família.
Relata não gostar muito de ter trabalhado no bar porque “via” a imagem de seu pai
naqueles homens que freqüentavam aquele ambiente. A lembrança do pai não o
agradava, pois tanto sua mãe quanto ele e seus irmãos sofriam com os maus tratos
e ter que ver aqueles homens o dia todo, era ruim e o angustiava muito.
Conta que às vezes aos finais de semana saía com alguns amigos para
festas a fim de esquecer os “problemas da vida” e foi aí que começou a fazer uso de
maconha. Ele afirma que no início sofria pressão dos amigos e para não ficar para
trás, já que seus amigos usavam, resolveu experimentar. Conforme o tempo foi
passando, o hábito foi se transformando em vício e as curtições não eram mais
apenas durante os finais de semana e sim em alguns outros dias também.
Relata que normalmente, antes de sair para as festas, eles se reuniam
para fumar um baseado para entrar na “vibe” da noite. No entanto, essas
experiências não eram mais suficientes para garantir uma noite de curtição e foi aí
que E.M começou a usar o crack:
“Era muito boa a sensação, parecia que estava em outro mundo, fora de mim, mas assim que o efeito passava, eu me sentia mal por pensar que não teria um futuro bom se eu continuasse, mas sempre que tinha oportunidade eu usava novamente”.
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Aos vinte e dois anos foi morar sozinho, queria cuidar se sua própria vida
sem ninguém para lhe perturbar ou fazer cobranças. Mesmo porque, após sua mãe
descobrir sobre seu vício, começaram as brigas e os desentendimentos. Sua mãe
exigia que parasse de usar as drogas e retomasse sua vida, pois não queria que
seguisse o mesmo caminho do pai que vivia sempre bêbado e por isso batia em
todos eles. Mas não parou, ao contrário, começou a fazer uso do crack com mais
frequência e isso acarretou a perda de seu emprego. Sem poder pagar o aluguel
sozinho e por não querer voltar para casa, começou a ficar vagando pelas ruas de
Fortaleza. Relata que durante dois meses ficou em um prédio abandonado no centro
da cidade e que por ali mesmo passou a ficar o dia inteiro, pois conseguia com
maior facilidade alguns trocados que usava para comprar mais drogas.
Ele afirma que muitas vezes usava uma grande quantidade de crack e
isso o deixava impossibilitado de sair, andar ou comer e que por isso, em pouco
tempo perdeu peso e ficou com a aparência debilitada.
“Durante o dia eu ficava nas praças, nos restaurantes ou então em frente aos bancos, principalmente no meio e final de cada mês porque eram dias de pagamentos e sempre tinha alguém que me ajudava. Algumas senhoras às vezes me davam dinheiro ou pagavam meu almoço”.
Certa vez, ficou durante dois meses internado em uma comunidade
terapêutica em Iparana, mas não conseguiu lembrar o nome da comunidade.
Durante o tempo em que ficou por lá, recuperou a autoestima, o peso perdido e até
mesmo o contato com sua família, que há muito estava fragilizado, quase rompido.
Conseguiu entrar nessa comunidade por meio de uma pessoa que havia conhecido
durante seu trabalho como jardineiro de uma casa. Ele relata que durante o período
em que ficou por lá (na comunidade) tudo no início era muito difícil, controlado e
chato. Às vezes ficava se perguntando por que estava ali? Já que quando quisesse
parar de usar aquelas substâncias ele conseguiria parar.
Houve desentendimentos, brigas e confusões causados por ele dentro e
fora daquele “centro” de recuperação. “Durante o dia e a noite era muita oração,
reuniões, às vezes tinham palestras, não agüentava mais!”. Mas, conforme o tempo
foi passando, ele foi se adaptando aquela nova realidade. Dois meses depois
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decidiu sair, pois já estava com saudades da vida lá fora e queria trabalhar, namorar,
viver.
Lembra que saiu numa segunda-feira e foi direto para casa da sua mãe e
seus irmãos. Disse que no começo foi bom, sua mãe e seus irmãos o tratavam bem,
ele ficava a maior parte do tempo dentro de casa. Mas uns cinco ou seis dias depois,
ouviu um de seus irmãos irritado falando para sua mãe que não achava legal “ele
ficar o dia inteiro só em casa”, tinha que trabalhar para ajudar nas despesas.
“Quando ouvi aquilo fiquei triste, me senti um inútil, um imprestável. Minha vontade naquele momento era de sumir, mas mesmo assim eu ainda esperei mais um dia fingindo que nada havia acontecido. No outro dia eu saí de casa novamente e disse pra minha mãe que estava indo procurar um emprego, mas nunca mais voltei e nem pretendo voltar. Não preciso deles”.
Ficou vagando pelas ruas durante o dia triste e não parava de pensar nas
duras palavras do seu irmão. Sua tristeza maior era saber que durante muito tempo
trabalhou duro para ajudar a mãe a sustentar os irmãos e naquele momento que
tanto precisava de apoio e incentivo não os tinha. Então à noite foi para um dos
lugares que freqüentava quando comprava drogas e voltou a fazer uso, só que
dessa vez com uma vontade de usar até morrer porque não era ninguém. A partir de
então, não tem mais contato com seus familiares e diz não querer vê-los nem
“pintados de ouro”. Conclui dizendo que a vida é assim mesmo, você só vale o que
têm. As pessoas só te valorizam quando você tem alguma coisa para oferecer, mas
quando está por baixo, passando necessidade, nem mesmo seus parentes te tratam
como gente.
Hoje em dia assume seu vício, sua dependência, sua doença. Mas,
mesmo assim, diz que não quer saber de sua família, que seus amigos são aquelas
pessoas “que distribuem comida à noite em alguns pontos da cidade porque vão ali,
distribuem a comida, às vezes roupas também, perguntam como você está e pronto,
vão embora, não ficam no seu pé, dizendo o que pode ou não fazer”.
Ainda segundo ele, “desde quando comecei a frequentar o CAPS / AD, eu
fiquei mais animado, lá tem atividades, reuniões, futebol, aulas de violão e tudo
mais. Só que às vezes quando eu sinto vontade de usar ‘alguma coisa’, eu não vou.
Passo um, dois, três dias sem aparecer. Já fiquei até dois meses sem aparecer por
lá. Quando faço uso [referindo-se às drogas] fico sem paciência, sem ‘saco’ e nem
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apareço. É sempre assim, quando alguém some é porque está fazendo uso nas
bocadas”.
“Já perdi meus documentos umas três vezes e com eles perdi minha
dignidade, minha força de vontade, tudo junto. Já tentei me matar várias vezes, mas
ainda não chegou minha hora”, ressalta ele, ambiguamente, em meio a risos.
Diz em tom de promessa “um dia eu vou dar a volta por cima, vou
recuperar minha vida e meu orgulho. Não adianta eu ficar só passando pela vida,
sem planos, sem objetivos, já tenho trinta e sete anos não sou mais nenhuma
criança. Ainda quero ter uma casa, conhecer uma mulher bem bonita, me casar e ter
filhos, uns quatro filhos e reconstruir minha vida. Quero morar no interior, qualquer
cidade do interior, porque assim vai ficar mais fácil para eu ficar longe de confusão
na minha vida. Para isso preciso só diminuir ou parar de fazer uso dessas coisas do
‘cão’, isso não é de Deus. Quando estou fazendo o acompanhamento e o tratamento
bem certinho eu me sinto mais forte. Tomo banho com mais freqüência, cuido mais
da minha aparência e fico mais alegre. Me sinto mais humano, me sinto mais gente”.
3.3 – Relações e reflexões sobre as histórias de vida desses indivíduos que
representam uma parcela da população cearense
As histórias acima contadas mostram situações e histórias de vida de três
cearenses que vivem no Município de Fortaleza que são dependentes químicos e
estão em situação de rua, bem como suas semelhanças e diferenças que apontam
para um fenômeno cada vez mais presente na sociedade cearense, principalmente
nesta capital que nada mais é do que o resultado da questão social de uma
sociedade capitalista que prega o individualismo, o egoísmo, e uma busca
desenfreada por um ideal de vida e de felicidade contraditória no que diz respeito as
necessidades reais e básicas de um ser humano.
Na vida, vários são os fatores que induzem ou contribuem para um futuro
possivelmente promissor ou não. Estes três casos revelam as dificuldades
enfrentadas por pessoas que tem suas vidas dilaceradas ou divididas pela pobreza e
suas conseqüências. Essa vulnerabilidade que afasta, marginaliza e exclui aqueles
que são considerados fora de um padrão ideal estabelecido.
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Nessas três histórias percebe-se a estreita relação existente entre
pobreza e exclusão social, bem como dependência química e situação de rua. No
entanto, a dependência química necessariamente não resulta em situação de rua ou
vice e versa. Em comum, essas histórias mostram que o uso abusivo de substâncias
psicoativas para se obter de alguma maneira a satisfação de prazeres ou a busca do
alívio de situações extremas de estresse advindas das sociedades contemporâneas
elevam a classe trabalhadora ao patamar de uma população socialmente excluída.
Esses indivíduos oriundos da classe proletária mostram que as relações
sociais cada vez mais fragilizadas e superficiais, estão deixando os seres humanos
cada vez mais vulneráveis e propensos a desenvolverem hábitos e costumes que de
certa maneira expõem essa parcela da população a situações de risco social. Antes,
na capital cearense um dos principais motivos que levavam uma pessoa a estar em
situação de rua era a imigração de sertanejos refugiados da seca em busca de
melhores condições de vida, no entanto, atualmente o que se tem como principal
motivo de ida para as ruas é a dependência química. A partir da analise das histórias
de vida desses indivíduos, se tem a visão de uma expressão da questão social
estabelecida e intensificada pelo sistema capitalista contemporâneo que cada vez
mais desestrutura e desestabiliza o homem.
As políticas públicas por sua vez, incapazes de suprir as necessidades
básicas de uma população cada vez mais carente de serviços públicos de qualidade,
se vêem as margens da sociedade.
De acordo com os relatos, suas vidas sofreram grande influência de uma
sociedade conservadora, manipuladora e paternalista, contribuindo para que
tivessem uma vida repleta de desafios e contrastes. Uma sociedade que não
respeita os direitos da criança e do adolescente, que os colocam como se fosses
“objetos” pertencentes aos adultos e não como cidadãos. Outra situação recorrente
é o uso frequente e abusivo de álcool e outras drogas ocasionado por influências
exercidas pelos pais, por “amigos” e até mesmo pela sociedade em geral quando
prega a busca pela satisfação pessoal e que vem se caracterizando como uma das
grandes preocupações e problemas sociais de que se tem notícia.
Nesses três casos específicos, foi exatamente não apenas o uso, mas a
dependência de substâncias psicoativas que resultaram no fenômeno denominado
como população em situação de rua, caracterizando a relação existente entre essas
64
duas situações. Outro fato importante entre as histórias relatadas é a fragilização e
até mesmo rompimento dos laços familiares, que mais uma vez mostra a
necessidade do ser humano em se relacionar socialmente e que quando essa
relação é rompida, há normalmente uma desestruturação da vida social.
A dependência química na história dessas pessoas mostrou-se como o
grande causador de boa parte das dificuldades enfrentadas desde suas infâncias e
adolescência atingindo a fase adulta e isso traz a tona uma grande preocupação,
pois como é de conhecimento de grande parte da população e como citado no
primeiro capítulo, a dependência química é uma doença reconhecida pela OMS e
que adoece não apenas quem faz uso dessas substâncias, mas também toda sua
família e até mesmo aqueles que se relacionam com esses dependentes.
As políticas públicas criadas e voltadas para a prevenção e combate ao
uso de drogas em território nacional, assim como boa parte das políticas públicas,
normalmente não conseguem atender a grande demanda existente tornando os
serviços prestados insuficientes. Dessa maneira os serviços tornam-se seletivos.
Somando-se a esta difícil realidade há também a relação mencionada anteriormente
entre dependência química e situação de rua, configurando assim uma dupla
fragilização de indivíduos historicamente excluídos e desprotegidos socialmente.
De acordo com suas falas o que o governo nacional e municipal
disponibiliza não é suficiente, não contempla as necessidades mais básicas de um
dependente químico, nem mesmo de uma pessoa em situação de rua e pior ainda é
a situação de um indivíduo que esteja inserido nesses dois grupos pessoas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso de substâncias psicoativas advêm de civilizações antigas, por meio da
utilização de algumas plantas, na constante busca da transcendência espiritual.
Inicialmente utilizadas basicamente em rituais religiosos, no entanto, com o
passar dos tempos, com o surgimento de técnicas avançadas de conservação e
isolamento do princípio ativo de certas substâncias, ocorrem os primeiros casos de
dependência química, tornando-se uma grande preocupação social, sendo que
atualmente é uma das principais expressões da questão social de que se tem
notícia.
Algumas dessas drogas têm efeitos devastadores na vida de uma pessoa,
acarretando distúrbios e/ou transtornos mentais, podendo ocasionar o
distanciamento da realidade e até sua “morte social”.
Uma das consequências do capitalismo é a intensificação das desigualdades
sociais já existentes, exemplo disso é o fenômeno População em Situação de Rua,
que por sua vez tem seus direitos negados enquanto cidadãos. Essa população vive
basicamente em grandes centros urbanos, por proporcionar maiores condições para
sua sobrevivência. Em sua maioria, vivem na informalidade por não conseguirem se
encaixar no mercado de trabalho formal, tornando-se marginalizados socialmente.
No Ceará, o surgimento da população em situação de rua se deu por meio
das grandes secas que obrigavam os sertanejos a procurarem melhores condições
de vida em outras cidades, principalmente na capital Fortaleza. Atualmente, um dos
principais motivos que levam alguém a estar em situação de rua é a dependência
química, que por sua vez agrava ainda mais as dificuldades historicamente
enfrentadas por esta parcela da população, por se tratar de uma dupla
marginalização e exclusão social.
Diante das três histórias de vidas relatadas, o estudo mostrou a recorrente
relação entre dependência química e população em situação de rua. Esta relação
apresentou-se normalmente atrelada a fatores como a pobreza e dificuldades
sociais relacionadas a ela, ou até mesmo atitudes conservadoras que impulsionam
essas pessoas para uma vida regada de restrições.
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Os direitos dessas pessoas enquanto cidadãos são deixados de lado ou até
mesmo negados desde cedo, perpassando suas infâncias e adolescências
acarretando grandes dificuldades familiares e sociais relacionadas à suas vidas
chegando até a fase adulta. Contribuindo desta maneira para uma vida cheia de
adversidades, dificuldades e contradições ocasionadas muitas vezes por aqueles
que deveriam ser os seus verdadeiros guardiões.
As relações sociais estabelecidas entre os sujeitos entrevistados e as
pessoas que os rodeavam (famílias e amigos) mostraram-se muitas vezes
inconstantes e causadoras de boa parte das dificuldades sofridas por eles.
As histórias apresentadas apontam o uso de álcool como um hábito
hereditário e conservador, e até de inclusão social quando utilizado como meio de
inserção ou reconhecimento de determinado grupo, mas que resultaram em
dependência química ocasionado por uma devastadora busca de satisfação pessoal
disseminada pelo sistema econômico vigente.
Outra constatação por parte dessa pesquisa é a frágil relação entre estas
pessoas e as Políticas Públicas voltadas para este seguimento da população,
caracterizada pela falta de credibilidade dessas autoridades em buscar ampará-los
por meio de instituições e equipamentos que lhes garantam os mínimos necessários
para superação da situação na qual se encontram.
A dependência química nas três histórias de vidas foi o grande causador da
desestruturação social que por sua vez resultou na fragilização e rompimento dos
laços familiares, levando os sujeitos desta pesquisa a um estágio de vulnerabilidade
social ainda maior, a situação de rua.
O estudo mostrou que a dependência química acompanhada do estado de
situação de rua, é encarada por estas pessoas como um estado subumano de vida,
o ‘fundo do poço’ fazendo com que elas se sintam cada vez mais excluídas
socialmente e até mesmo se excluam do mundo considerado “normal” e que um dia
fizeram parte.
Por fim, mas não menos importante compreendi a real e imprescindível
importância da efetivação das Políticas Públicas já existentes para esta população,
a fim de colaborar para superação dessa situação e possibilitar sua reinserção
social.
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REFERÊNCIAS
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