1 centro de ensino superior do cearÁ curso de … · teus passos ficaram. olhes para trás...mas...

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ANTÔNIO ANDRÉ MENDONÇA DE ARAÚJO DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA: PERSPECTIVAS DE UMA POPULAÇÃO DUPLAMENTE EXCLUÍDA E MARGINALIZADA. FORTALEZA 2012

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ANTÔNIO ANDRÉ MENDONÇA DE ARAÚJO

DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO

MUNICÍPIO DE FORTALEZA: PERSPECTIVAS DE UMA POPULAÇÃO

DUPLAMENTE EXCLUÍDA E MARGINALIZADA.

FORTALEZA 2012

2

ANTÔNIO ANDRÉ MENDONÇA DE ARAÚJO

DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO

MUNICÍPIO DE FORTALEZA: PERSPECTIVAS DE UMA POPULAÇÃO

DUPLAMENTE EXCLUÍDA E MARGINALIZADA.

Monografia submetida à aprovação

Coordenação do curso de Serviço

Social do Centro de Ensino Superior

do Ceará, como requisito parcial para

obtenção do grau de Graduação.

FORTALEZA 2012

3

A663d Araújo, Antônio André Mendonça de.

Dependência química e população em situação de rua no

município de Fortaleza: perspectivas de uma população

duplamente excluída e marginalizada / Antônio André Mendonça

de Araújo. – 2012.

68 f.

Orientador: Prof. Ms. Igor Monteiro Silva.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade

Cearense, Curso de Serviço Social, 2012.

1. Dependência química. 2. Drogas. 3. População em situação

de rua. I. Silva, Igor Monteiro. II. Título.

CDU 364.692:615.2:615.015.6

CDU 614.21:657.471

CDU 347.922.6

Bibliotecária Maria Albaniza de Oliveira CRB-3/867

4

ANTÔNIO ANDRÉ MENDONÇA DE ARAÚJO

DEPENDÊNCIA QUÍMICA E POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA NO MUNICÍPIO

DE FORTALEZA: PERSPECTIVAS DE UMA POPULAÇÃO DUPLAMENTE

EXCLUÍDA E MARGINALIZADA.

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação:____/____/____

BANCA EXAMINADORA

Professor Ms. Igor Monteiro Silva Orientador

Professora Ms. Denise Furtado Alencar Lima 1ª Examinadora

Professora Ms. Priscila Nottingham 2ª Examinadora

5

Á minha família e amigos pelo

apoio e carinho em todos os

momentos de minha vida.

6

AGRADECIMENTOS

A Marta e Luiz, minha mãe e meu pai, por parte da minha formação e criação.

Aos meus irmãos, que mais que irmãos, são amigos.

Aos meus amigos, que mais que amigos, são irmãos.

A Adriana Oliveira, Dalvanice Sant’ana e Marcelo Martins pelo apoio, carinho e

acima de tudo amor, em todos os momentos.

Aos amigos Francisco Diógenes Jr, Ana Carolina Marangoni, Diogo Batista, Camila

Cavalcante e Érika Cavalcante pelo apoio e carinho.

Ao meu orientador, Mestre Igor Monteiro, pela disponibilidade, paciência e

inestimável ajuda.

A Whitney Houston, uma pessoa muito especial que, de maneira indireta me

impulsionou e ajudou a chegar aqui.

Por último, mas não menos importante, a Deus, por permitir que tudo isso fosse

possível.

7

"Não faças do amanhã o sinônimo de nunca, nem o ontem te seja o mesmo que nunca mais. Teus passos ficaram. Olhes para trás...mas vá em frente pois há muitos que precisam que chegues para poderem seguir-te."

(Charles Chaplin)

8

RESUMO

Este trabalho busca conhecer a realidade dos Dependentes Químicos em Situação

de Rua no Município de Fortaleza, bem como suas relações com as condições

socioculturais em que estão inseridos. O consumo de substâncias psicoativas

advêm de civilizações antigas, que com o passar dos tempos e a modernização veio

o isolamento do princípio ativo de algumas dessas substâncias, ocasionando os

primeiros casos de dependência química. No Brasil, os estudos sobre População em

Situação de Rua vem crescendo desde os anos de 1990, por conta da grande

transformação que o avanço do capitalismo trouxe. Em Fortaleza, os primeiros casos

de pessoas vagando pelas ruas foram em decorrência das grandes secas que

assolavam o Estado. Atualmente há uma estreita ligação entre Dependência

Química e População em Situação de Rua, caracterizando umas das principais

expressões da questão social. A metodologia utilizada foi a “Perspectiva

Etnossociológica” ou “História de Vida”, proposta aliada ao discurso e à memória. As

histórias de vida contadas apontaram as diferenças e semelhanças no âmbito social

e familiar e também sua frágil relação com as Políticas Públicas existentes como

dificultadores para sua reinserção social.

Palavras-chaves: Dependência Química; População em Situação de Rua; História

de Vida.

9

ABSTRACT

This paper seeks to know the reality of the Drug Situation in the Street in the city of

Fortaleza, as well as its relations with the socio-cultural conditions in which they live.

The consumption of psychoactive substances come from ancient civilizations, with

the passing of time and modernization came the isolation of the active principle of

some of these substances, causing the first cases of addiction. In Brazil, studies in

Homeless Population has been growing since the 1990s, due to the great

transformation that brought the advance of capitalism. In Fortaleza, the first cases of

people wandering the streets were the result of severe drought that plagued the

state. Currently there is a close connection between Addiction and Population Status

Street, featuring one of the main expressions of social issues. The methodology used

was to "Perspective Etnossociológica" or "History of Life", together with the proposed

speech and memory. The life stories told pointed out the similarities and differences

in the social and family and also his fragile relationship with existing public policies as

hindering for their social reintegration.

Keywords: Chemical Dependency; Homeless Population; Life History.

10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APA: Associação Americana de Psiquiatria

CAPS – AD: Centro de Atenção Psicossocial / Álcool e Drogas

CAPS: Centro de Atenção Psicossocial

CENTRO – POP: Centro Especializado de Assistência Social para População de

Rua

CONGEMAS: Gestores Municipais da Assistência Social

EAN: Espaço de Acolhimento Noturno

FIPE: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas

MDS: Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome

MNPR: Movimento Nacional de População de Rua

OMS: Organização Mundial de Saúde

PNAS: Política Nacional de Assistência Social

PSE: Política Social Especial

SEMAS: Secretaria Municipal de Assistência Social

SENAD: Secretaria Nacional Antidrogas

SER –II: Secretaria Executiva Regional II

SISNAD: Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas

SNC: Sistema Nervoso Central

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................

12

CAPÍTULO I

DROGAS E DEPENDÊNCIA QUÍMICA 1.1 Origem das drogas no mundo e no Brasil.................................................... 15 1.2 Tipos de Drogas e seus efeitos.................................................................... 19 1.3 Dependência Química como problema social.............................................. 22

CAPÍTULO II

POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA 2.1 População em Situação de Rua: uma expressão da questão social no Brasil.................................................................................................................. 31 2.2 Origem e características atuais da população que vive em situação de rua...................................................................................................................... 35 2.3 População em Situação de Rua no Município de Fortaleza........................

39

CAPÍTULO III

PERSPECTIVAS DE VIDA DE UMA POPULAÇÃO DUPLAMENTE EXCLUÍDA E MARGINALIZADA

3.1 – Dependência Química e População em Situação de Rua no Município de Fortaleza....................................................................................................... 46 3.2 – Histórias de Vida: Percepções de uma parcela da população que tem seus direitos violados ou negados e sua dignidade desrespeitada................... 49 3.3 – Relações e reflexões sobre as histórias de vida desses indivíduos que representam uma parcela da população cearense............................................ 62

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

65

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 67

12

INTRODUÇÃO

Inicio este trabalho acadêmico lembrando que ele é resultado de muito

esforço e dedicação. Esforço este que me consumiu várias noites e dias, algumas

boas horas de concentração e até desespero quando quase tudo contribuía para a

sua não realização em tempo hábil. Dedicação que me permitiu concretizar não

apenas este trabalho, mas também um novo ciclo em minha vida. Esta

concretização veio por meio da ajuda de muitos que contribuíram para que eu não

desistisse dos meus sujeitos e nem do objetivo de estudo.

O estudo acadêmico acerca da Dependência Química relatada no primeiro

capítulo há muito é considerada fonte inesgotável de debates, discussões e reflexão

por se tratar de um assunto que gera posições divergentes. Sua origem no mundo e

no Brasil, bem como, sua importância no que diz respeito a uma das expressões da

questão social no cenário atual.

Os estudos de Mota (2009) sobre Dependência Química mostram as várias

nuances sobre as vidas desses indivíduos, suas relações com o restante do mundo

que os cerca, no que diz respeito às relações sociais. Para Matos (2000) essa

dependência passa a assustar a sociedade que, por sua vez começa a tomar

atitudes enérgicas de combate a esta prática, buscando proibir e condenar este

hábito.

Bem como, o estudo sobre População em Situação de Rua, discorrido no

segundo capítulo, que vem se ampliando desde o início dos anos de 1990,

buscando compreender as relações entre a sociedade capitalista e esta parcela da

população excluída e marginalizada socialmente.

Para Silva (2009) sobre População em Situação de Rua esta situação se deve

muito à falta de emprego, a incessante busca do capitalismo em manter sua

hegemonia e lucro, que substitui o trabalho humano pelo trabalho morto (máquina).

Os estudos de Escorel (1999) mostram a “exclusão social” como um fato a que estes

indivíduos são submetidos constantemente, ao serem marginalizados e descartados

socialmente por não configurarem parte da lógica capitalista. Caracterizando a

População em Situação de Rua como uma das principais representações da

“questão social”.

13

Esses dois aspectos quando reunidos em um só tema, nos leva a fazer

considerações sobre a existência de uma relação entre essas duas parcelas da

população. O que leva uma pessoa a fazer uso de uma ou mais substâncias

psicoativas? Quais fatores desencadeiam a dependência? Quais os fatores que

levam alguém a estar em Situação de Rua? Existe uma relação concreta entre

Dependência Química e População em Situação de Rua? Existem políticas públicas

que visem atender com dignidade esses indivíduos? Quais respostas o poder

público tem dado para resolver essa dupla face da questão social? Muitas são as

indagações, as dúvidas, bem como, também muitas são as respostas e

representações do tema abordado.

Sendo assim, é exatamente sob estes aspectos que foi construído meu

terceiro e último capítulo, buscando conhecer e compreender as histórias de vida

desses sujeitos, bem como, suas relações socioculturais e familiares.

Esta pesquisa foi realizada concretamente durante o oitavo semestre do

Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense, no ano de 2012.2, mas teve seu

início já no meu período de estágio no Espaço de Acolhimento Noturno – EAN, que

é um equipamento da prefeitura do Município de Fortaleza, orientado pela Política

de Proteção Social Especial – PSE, no ano de 2011.1, quando tive acesso a esta

parcela da população socialmente marginalizada e excluída.

Atualmente, não se tem um número exato de quantos dependentes químicos

estejam em situação de rua, ou de quantas pessoas em situação de rua sejam

dependentes químicos. Inicialmente, pelo fato da não adesão ao tratamento, quando

em situação de rua, por questões de falta de estrutura na manutenção dessas

pessoas longe da situação de vulnerabilidade quando acolhidas. E também, pela

não aceitação da condição de doente, de dependente químico. Mas é sabido que

grande parte dessa população faz uso de algum tipo de substância psicoativa.

Dados verificados no EAN apontam uma estimativa de aproximadamente sete

pessoas em um grupo de dez, que fazem uso de substâncias psicoativas ou são

dependentes químicos.

Diante dessa problemática, o presente trabalho tem como objetivo principal

conhecer como se dá essa relação entre Dependência Química e População em

14

Situação de Rua no Município de Fortaleza, buscando analisar por meio das

histórias de vida relatadas, as condições subjetivas e objetivas dos sujeitos

envolvidos nessa expressão da questão social.

Os objetivos específicos são: refletir sobre os motivos que levam uma pessoa

a fazer uso de substâncias psicoativas; conhecer as relações entre dependência

química e situação de rua; perceber a relação e a visão desses indivíduos com as

Políticas Públicas voltadas para este seguimento no município de Fortaleza; relatar

as estratégias de sobrevivência utilizadas por esses indivíduos e sua relação com o

restante da sociedade.

Este tema teve seu início e foi amadurecendo, tomando forma e corpo ao

longo do meu período de estágio, ao me deparar com uma situação mais comum do

que imaginava, embora seja inegável a presença cada vez maior de pessoas nessas

condições subumanas nas ruas e calçadas do Município de Fortaleza e, também

devido ao meu Projeto de Intervenção que, em parceria com minha colega de

estágio Érika Cavalcante, teve como tema ‘Sensibilização dos usuários do Espaço

de Acolhimento Noturno para realizar acompanhamento junto ao Centro de Atenção

Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS / AD)’, ao constatar a grande demanda e não

acompanhamento e adesão ao tratamento por parte da população acolhida no EAN,

em relação ao uso de substâncias psicoativas.

Com o aprofundamento dos estudos sobre População em Situação de Rua fui

percebendo e conhecendo melhor as condições em que vivem essas pessoas, bem

como as adversidades enfrentadas por cada um deles independente de sua origem,

ocupação profissional, religião, etnia etc.

A metodologia utilizada foi a pesquisa quanti-qualitativa possibilitando um

melhor contato com os sujeitos e a “perspectiva etnossociológica” ou “narrativa de

vida”, essa expressão foi introduzida na França há vinte anos, até então, o termo

utilizado era ‘história de vida’ que advêm do termo life history, método este

aprimorado por Daniel Bertaux e escolhido por permitir uma análise completa da

história de vida dos meus sujeitos, possibilitando uma compreensão maior acerca do

objetivo da minha pesquisa.

15

I

DROGAS E DEPENDÊNCIA QUÍMICA

1.1 - Origem das drogas no mundo e no Brasil

O uso de substâncias psicoativas por parte dos seres humanos não é um

fato novo, ao contrário, remonta a civilizações antigas. No entanto, como conta a

história, eram primordialmente utilizadas em rituais, com características de

comemoração, recreativas e religiosas, a fim de se conseguir por meio de seu uso

alcançar estágios de “embriaguez” e êxtase, e até mesmo sendo utilizadas para fins

medicinais, não existindo a compreensão deste uso como um hábito, ou com

finalidade de esconder ou fugir do tédio ou de sentimentos negativos, como se tem

a utilização de várias substancias nos dias atuais. A relação estreita entre os

homens e algumas plantas vai para além de sua importância para alimentação e

medicação, ao descobrir sua capacidade de produzir estados alterados de

consciência.

Consta-se que o uso de uma planta conhecida como dormideira (ópio),

iniciou-se por volta de 3.000 anos antes de Cristo, na região da Mesopotâmia.

Chamada de ‘planta da felicidade’ foi utilizada também na Roma Antiga como

calmante e analgésico. O ópio é extraído da papoula papaver somniferum, seu

nome provem do grego ôpion que significa suco ou sumo de uma planta, que tem

como principio o alívio da dor e ansiedade, sensação de bem estar, entre outros

(MOTA, 2009, p. 38). Assim, praticamente todas as civilizações, independente de

seu tempo ou época, têm relação com algum tipo de substância psicoativa1.

No Brasil, os índios Waiká, localizados no extremo norte do país, tinham

por hábito inalar um pó chamado epená, com seu poder altamente intoxicante era

armazenado em tubos de bambu e utilizado em ocasiões especiais (rituais). Sua

utilização tinha por finalidade transcender o estado natural do espírito, que por meio

de seu uso, aliados a dança e aos cânticos, alcançavam o êxtase. Deve-se ressaltar

que o uso dessa substância não era feito de maneira indiscriminada e/ou aleatória,

além do fato de não ser uma substância refinada, o que não permitia o isolamento

1 Entende-se por substância psicoativa, toda e qualquer substância orgânica ou sintética capaz de

alterar o Sistema Nervoso Central – SNC (BUCHER, 1994).

16

de seu princípio ativo, causando a potencialização de seus efeitos alucinógenos

(MOTA, 2009, p. 38).

Ainda sobre o ‘uso cultural’ de determinadas substâncias no Brasil, outra

substância popular é a ayahuasca, que é um chá preparado a partir de duas plantas

originarias da floresta amazônica: o cipó caapi (Banisteriopis caapi) e folhas da

chacrona (Psychotria viridis), bastante utilizada por religiões como o Santo Daime2 e

Barquinha3 em seus rituais. Nesse sentido, poderíamos pensar de outra forma sobre

o que a define como droga, pois segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS,

“droga é toda substância que, introduzida em um organismo vivo, pode modificar

uma ou mais de suas funções.”

.A OMS compreende que essas substâncias psicoativas atuam

diretamente no Sistema Nervoso Central - SNC, sua origem pode ser natural ou

sintética, alterando o comportamento da pessoa por meio de suas funções

fisiológicas.

O conceito de droga varia bastante. De acordo com a OMS, seus

significados podem incluir tudo que se ingere e que não constitui alimento, embora

alguns alimentos também possam ser designados como drogas, exemplos destes

são: bebidas alcoólicas, tabaco, açúcar, chá, chocolate, guaraná etc. Essas drogas

podem, de maneiras variadas, agirem como remédios ou venenos, alimentos ou

2 Culto Eclético da Fluente Luz Universal é um trabalho espiritual, que tem como objetivo alcançar o

autoconhecimento e a experiência de Deus ou do Eu Superior Interno. O culto litúrgico se resume em comungar, em datas apropriadas, a bebida à guiza de sacramento, se denomina Eclético, porque suas raízes estão impregnadas de um forte sincretismo entre vários elementos culturais, folclóricos e religiosos. O Santo Daime é realizado nas datas do seu calendário festivo, obedecendo às regras dos rituais que foram estabelecidas pelo Mestre Irineu e pelo Padrinho Sebastião (Santo Daime – A doutrina da floresta). 3 Fundada em 1945, em Rio Branco, é uma igreja que mistura elementos da religião afro-brasileira

Umbanda e a do Santo Daime. O nome refere-se ao barco que o fundador, Frei Daniel Pereira de

Mattos, viu numa visão. Na sua mente a barquinha representava a viagem espiritual. A Barquinha tem

mais rituais que o Santo Daime, aparentemente servindo uma poção também mais forte. Durante

algumas sessões baseadas nos rituais da Umbanda, vestidos de marinheiros, entram em transe,

‘incorporam’ espíritos e dança-se a gira, uma dança em círculos. Três vezes por ano há uma

peregrinação, ou romaria, durante um período que pode durar trinta sessões noturnas com consumo

de chá. As sessões não-festivas, ou salmos, são cantadas por um cantor, e o restante das pessoas

cantam sentadas os refrões. Estes hinos são normalmente muito mais longos que os do Santo Daime

(Rituais e Cerimônias – Introdução ao mundo da ayahuasca).

17

bebidas, analgésicos ou anestésicos. Podendo ser também classificadas quanto a

sua legalidade, como drogas lícitas (comercializadas legalmente) e ilícitas, quando

sua comercialização é proibida em determinada sociedade, em que isto

normalmente está relacionado a questões econômicas e socioculturais, que se

modificam de país para país.

O uso de substâncias psicoativas nas “civilizações antigas” tinha caráter

cultural e ritualístico, por isso, sua produção era feita em pequenas quantidades

sem a intenção de produzir para comercializar, mesmo certas substâncias de

origem vegetal existindo em abundância nas florestas tropicais. No entanto, de

acordo com as mudanças históricas, há o avanço na produção das drogas através

do isolamento do princípio ativo como, por exemplo, a morfina, um importante

alcalóide encontrado no ópio, que no inicio do século XIX, mais precisamente em

1804, isolada pelo químico alemão Friedrich Serturner e o francês Armand Séguin,

foi considerada uma “bênção” por parte dos soldados feridos na Guerra Civil

Americana. Sendo utilizada como analgésico, esta substância passou a ser

produzida em larga escala pelos laboratórios Merck. Em seguida, ainda no mesmo

século, surge a cocaína4 (1859) e a heroína (1898) também desenvolvidas pelos

laboratórios alemães (MOTA, 2009, p. 44).

É exatamente neste período que começam a surgir os primeiros casos de

dependentes químicos, pois, os padrões de consumo de substâncias psicoativas

começam a apresentar significativa mudança.

A partir da necessidade de superar as conseqüências do incremento dos meios de produção, a modernidade fomentou guerras, exploração, fadiga, mal-estar, que ocasionariam conseqüências sociais de grandes proporções. Então, para minimizar esses efeitos colaterais do “progresso”, era necessário desenvolver drogas cada vez mais eficazes. Ideologias universalizantes como o liberalismo ou seriam os “remédios sociais”. Mas, no que tange ao corpo, era necessário desenvolver novas drogas que pudessem ser comercializadas sob a mesma lógica de desenvolvimento das forças produtivas. Mesmo as bebidas alcoólicas, já tradicionais há milênios, deveriam ser mais fortes e disponíveis em larga escala (MOTA, 2009, p. 44- 45).

4A produção da cocaína envolve vários estágios até chegar à forma do sal (cloridrato de cocaína), sua

forma intermediária é a pasta de coca. Esta substância em pó é aspirada (volátil). Junto ao Cloridrato é obtido o Crack que é fumado. Devido sua rápida absorção, seus efeitos são sentidos em segundos e esta sensação pode durar entre 5 a 10 minutos, apresentando alto potencial de abuso.

18

É inegável que a Revolução Industrial permitiu a produção em larga

escala de substâncias psicoativas, assim como a indústria química, por meio do

isolamento do princípio ativo, ocasionou a potencialização de algumas dessas

substâncias causando um efeito ambíguo na sociedade, pois ao mesmo tempo em

que permite e vê com “bons olhos” a possibilidade da criação de novas perspectivas

de alivio das adversidades da sociedade moderna, promovendo um ideal de homem

moderno, capaz de ser rígido, racional e produtivo, ao contrário do homem que faz

uso demasiado de drogas que é considerado improdutivo, relaxado e incapaz de

cuidar de sua higiene física e mental, recriminando e descriminando o uso abusivo e

a dependência.

Assim, com o surgimento desses casos de dependência que passam a

“assustar” e incomodar a sociedade, começam também a serem criadas ligas e

associações antialcoólicas de caráter religioso, filantrópico e oficial com a finalidade

de combate o uso dessas substâncias. Buscando proteger a moral e os bons

costumes da sociedade brasileira como: a Liga Paulista de Higiene Mental, Liga

Militar Antialcoólica, Liga Antialcoólica Infantil, dentre outras. Nenhuma conseguiu o

almejado proibicionismo, desaparecendo ao longo dos anos 1930, mas

institucionalizou políticas públicas para o problema do alcoolismo, como podemos

observar nos dias atuais (MATOS, 2000).

Desta maneira, a lógica capitalista estabelece um padrão de produção e

de consumo, não importando qual o produto ou substância a ser comercializada. De

acordo com Velho (1997, p. 67),

No momento em que a maconha, a cocaína, ou seja lá o que for entram no mercado e passam a ser objeto de especulação, essa situação de relativa estabilidade de grupos inseridos na sociedade moderna contemporânea – que antes consumiam dentro de certas regras, de certas convenções – se altera, porque passa a ser um bem de mercado, e um bem escasso, ligado à situação de perigo, risco. A substância tornada ilegal, clandestina, vale cada vez mais e é fonte de disputa, de enormes lucros e da possibilidade de algumas das maiores jogadas de capital que se possa imaginar no mundo contemporâneo; passa a ser um produto valiosíssimo e, em função disso, o consumo se altera. Aquele consumo que era mais localizado em certos grupos culturais, em certas minorias, em certas faixas da sociedade, passa a ser ditado não mais pela lógica dessas tradições ou pela lógica desses grupos, mas pela lógica do mercado, do capital.

Embora o uso de drogas exista desde muito tempo, o abuso ou uso

exagerado dessas substâncias nunca foi bem visto pela sociedade independente da

19

sua época. A partir daí, deu-se início ao proibicionismo e a marginalização dos

usuários de drogas. É importante salientar as diferenças entre padrão de uso, de

abuso e dependência química, para isto, torna-se necessário compreender essas

nuances para se evitar “diagnósticos” equivocados ou atitudes preconceituosas.

Analisando o contexto sócio-cultural no qual os indivíduos consumidores

estão inseridos, embora saibamos que o uso de substâncias psicoativas independe

de classe social, cor, etnia, religião e até mesmo idade, tendo em vista que cada vez

mais crianças estão fazendo uso de drogas, pode-se compreender melhor essas

diferenças. Assim, para a OMS, padrão de uso é quando o indivíduo faz uso dessas

substâncias, no entanto, este uso não lhe traz danos ao meio sócio-cultural, nem

mesmo prejuízos biológicos (físicos). Quanto ao abuso de drogas, este consiste em

uma relação que por sua vez traz prejuízos físicos, psíquicos e até mesmo sociais

para si e as pessoas que o rodeia.

A dependência química por si só é um fenômeno complexo e delicado,

que exige uma atenção maior e mais específica por parte da sociedade, pois se

caracteriza por um conjunto de sinais e sintomas dentro de um contexto e não

apenas pelo “simples” uso de uma determinada droga.

1.2 - Tipos de Drogas e seus efeitos

As drogas podem ser classificadas de várias maneiras, podendo também

ser avaliadas conforme seu efeito no Sistema Nervoso Central - (SNC). Desse

modo, existem as Drogas Depressoras, Estimulantes e Perturbadoras. Seu uso

frequente ou crônico traz consequências físicas, psíquicas, familiares e sociais, não

importando sua categorização como lícitas ou ilícitas.

As tabelas abaixo mostram um panorama sobre estas drogas, seus

produtos e efeitos, bem como os maiores e mais frequentes distúrbios ocasionados

pelo uso constante e abusivo de cada droga, apontando para uma acentuada busca

de satisfação e/ou fuga pessoal e social.

TABELA I – Drogas Depressoras

Drogas Depressoras Produtos Efeitos Efeitos do uso

Crônico

20

Álcool Cachaça, Vodca,

Uísque, Cerveja,

Vinho etc.

Perda do equilíbrio

e da coordenação

motora, sensação

de relaxamento e

desinibição,

sonolência.

Pode causar cirrose

hepática, pancreatite

crônica, impotência

sexual, demência

alcoólica,

dificuldades

familiares e sociais.

Benzodiazepínicos:

Tranquilizantes ou

Ansiolíticos

Diazepan (Valium),

Bromezapan

(Lexotan),

Clonazepan

(Rivotril)...

Diminuição da

atividade do SNC:

redução da

ansiedade, indução

do sono,

relaxamento

muscular.

Alterações da

memória de fixação,

redução da

capacidade de

julgamento e

raciocínio,

comportamentos

agressivos etc.

Inalantes: Solventes. Aerosóis, Tintas,

Vernizes, Cola,

Esmaltes...

Irritação das

mucosas do nariz e

da boca, tosse,

fotofobia, diplopia.

Déficit de memória,

cansaço, paralisia

dos membros

inferiores, pode

causar lesão

irreversível do SNC

com tremor

grosseiro.

Opiáceos ou Opiódes:

Substância Extraída da

Papoula.

Morfina e Codeína

(Opiáceos

Naturais), Heroína

(Opiáceos Semi-

Sintéticos),

Meperidina,

Metadona,

Propoxifeno,

Tramadol (Opiáceos

Sintéticos).

Todos diminuem a

atividade do SNC.

Diminuição da

freqüência cardíaca,

respiratória e da

pressão sanguínea,

fechamento da

pupila, sensação

rápida e intensa de

prazer, seguida de

bem estar e

sonolência,

alteração de humor

etc.

Intoxicações por

altas dosagens;

contaminações:

infecções

pulmonares,

hepatites virais, sífilis

etc.

TABELA II – Drogas Depressoras

21

Drogas

Estimulantes

Produtos Efeitos Efeitos do Uso

Crônico

Anfetaminas:

Substâncias

sintéticas que

aumentam a

atividade do SNC

Dietilpropriona,

Fenoproporex,

Metanfetamina.

Taquicardia, pupilas

dilatadas,

hipotermia,

convulsões, derrame

cerebral etc.

Síndrome de

dependência,

degeneração

irreversível de

determinadas células

do cérebro. Após a

interrupção do uso

pode-se apresentar

um quadro de

ansiedade, desânimo

e forte convulsão.

Tabaco: Nicotina. Cigarros, Charutos,

Cachimbos, Fumo

de Rolo.

Aumento da

freqüência cardíaca,

na pressão

sanguínea e na

freqüência

respiratória,

náuseas, vômitos,

diarréias, No SCN

apresenta estado de

alerta e sensação de

calma.

Pode causar câncer

de pulmão, laringe,

faringe, esôfago.

Cocaína ² Cocaína em Pó,

Crack, Merla,

Melado, Pasta Base.

(Pode ser Aspirada,

Injetada ou fumada

Taquicardia,

aumento da pressão

arterial e da

temperatura, euforia,

da fome e do sono,

paranóia etc.

Síndrome de

Dependência e

Estados Psicóticos.

TABELA III – Drogas Perturbadoras

Drogas

Perturbadoras

Produtos Efeitos Efeitos do Uso

Crônico

Alucinógenos:

Drogas Psicodélicas

Naturais

(Cogumelos,

Mescalina,

Ayahuasca),

Sintéticas (LSD,

Artane, Estasy,

“Boa Viagem”

Sensação

prazerosa,

alterações da

percepção; “Má

Viagem” visões

22

Akitenon). terrificantes,

sensações de

deformações do

próprio corpo,

delírios

persecutórios,

sensação de morte

etc.

Maconha: Cannabis

Sativa.

Maconha, conhecida

como erva, beck,

baseado; o haxixe, o

Skank e a sensimilia

(mais potentes).

Provoca taquicardia,

olhos vermelhos,

boca seca, tremores

nas mãos, prejuízos

à coordenação

motora,

relaxamento, euforia

etc.

Pode causar

bronquite crônica,

infecção das vias

pulmonares, câncer

pulmonar, diminuição

da fertilidade

masculina, déficit da

memória de fixação e

pode induzir estados

de desmotivação.

Estas tabelas foram criadas e desenvolvidas utilizando informações

fornecidas pelo ‘Plano Fortaleza de Prevenção e Atenção Integral aos Usuários de

Crack e Outras Drogas (2011 – 2012), plano este implementado pela prefeitura do

Município de Fortaleza. Foram utilizadas com a finalidade de colaborar para a

ampliação do conhecimento da ação de dos efeitos ocasionados pelo uso dessas

Drogas.

Embora discorra nas tabelas acima sobre os variados tipos de drogas e

seus efeitos, é importante informar e esclarecer que dentre estas substâncias

psicoativas (drogas) apresentadas, as drogas que foram relatadas pelos sujeitos

desta pesquisa como as mais utilizadas tanto devido à frequência quanto a

quantidade foram: o álcool, a maconha, o crack e a cocaína, não seguindo uma

sequencia “lógica”, mas apontando para a bebida alcoólica como a principal

substância sendo utilizada por todos os sujeitos desta pesquisa, possivelmente

desencadeando o uso de outras substâncias.

1.3 – Dependência Química como problema social

23

A dependência química é um dos males que assolam a sociedade desde

muito tempo. Fato este que por várias vezes leva-nos a pensar sobre sua origem e

que, de acordo com o autor e sociólogo Leonardo Mota, sua origem se deve à

relação dos homens com as plantas, ao longo da história:

Além da alimentação, do abrigo e dos remédios, os primeiros hominídeos descobriram que algumas plantas possuíam a capacidade de produzir estados alterados de consciência desejáveis. Enquanto alguns deles buscavam tonificantes capazes de mantê-los em alerta, outros preferiam estados de relaxamento ou alucinatórios (MOTA, 2009, p. 25).

A partir de então, se têm notícia da utilização de algumas dessas

substâncias psicoativas. Assim, com o passar do tempo, o uso dessas substâncias

alucinógenas passa de fins ritualísticos ou até mesmo medicinais, para o uso

constante e/ou abusivo para fins meramente recreativos. Desta maneira, os

malefícios adquiridos ao longo do tempo tornam-se quase que imprevisíveis, tendo

em vista que, como pode-se acompanhar em noticiários da TV, jornais, revistas etc.,

algumas dessas pessoas parecem não ser capazes de fazer o uso controlado

dessas drogas, ou seja, tornando-se usuários abusivos e/ou dependentes químicos,

que por sua vez afetam suas relações pessoais e sociais.

Esses malefícios, na sociedade contemporânea, não fazem distinções de

classe social, gênero, credo religioso e nem mesmo etnia. Com isso os dependentes

químicos normalmente são marginalizados e excluídos socialmente, sendo tratados

como “fracos” e incapazes de refletir sobre os males que o uso abusivo traz e, desta

maneira, refazer-se deste mal.

Daí a necessidade e importância de saber e desmistificar as noções que a

sociedade em geral tem sobre a dependência química. A abordagem das relações

entre o uso de drogas com a religião, crime e doença pode desconstruir, ou no

mínimo, fragilizar essas relações existentes, já que essas características dependem

muito do contexto social em que se está inserido. No campo da religião, a Igreja

Católica, devido seu combate histórico as práticas pagãs por parte dos povos

indígenas ao utilizarem em seus rituais plantas alucinógenas, deu início ao

proibicionismo do uso de substâncias psicoativas por considerarem este “tipo” de

fuga da dor, ou busca pela transcendência espiritual, como mecanismo de consolo

que deveria ser buscado somente junto a Deus. A Igreja, usualmente, destaca uma

24

ligação entre drogas e demônios, em que estes seres malignos usam algumas

pessoas para suas práticas maléficas.

Na própria Bíblia Sagrada existem passagens relacionadas ao uso de

determinadas substâncias como o álcool, por exemplo, que ora incentiva o uso e ora

recrimina o abuso:

Todos os anos juntem uma décima parte de todas as colheitas e levem até o lugar que o Senhor, nosso Deus, tiver escolhido para nele ser adorado. Ali, na presença do Senhor, nosso Deus, comam aquela décima parte dos cereais, do vinho e do azeite e também a primeira cria das vacas e das ovelhas. Façam isso para aprender a temer a Deus para sempre. Mas, se o lugar de adoração ficar muito longe, e for impossível levar até a décima parte das colheitas com que Deus os abençoou, então façam isto: vendam aquela parte das colheitas, levem seu dinheiro até o lugar de adoração que o Senhor tiver escolhido e ali comprem tudo o que quiserem comer: carne de vaca ou de carneiro, vinho, cerveja ou qualquer outra coisa que desejarem. E ali, na presença do Senhor, nosso Deus, vocês e as suas famílias comam essas coisas e se divirtam à vontade (DEUTERONÔMIO, 14, 22 - 26).

Em outra passagem da Bíblia, há o registro da condenação aos atos de

abuso dessas bebidas.

Quem é que grita de dor? Para quem são as tristezas? Quem é que vive brigando e se queixando? Quem é que tem os olhos vermelhos e ferimentos que podiam ter sido evitados? É aquele que bebe demais e anda procurando bebidas misturadas. Não fique olhando para o vinho que brilha no copo, com sua cor vermelha, desce suavemente. Pois no fim ele morde como uma cobra venenosa. Você verá coisas esquisitas e falará tolices. Você se sentirá como se estivesse no meio do mar, enjoado, balançando no alto do mastro de um navio. Então você dirá: “Alguém deve ter batido em mim; acho que levei uma surra, mas não lembro. Por que não consigo levantar? Preciso de mais um gole.” (PROVÉRBIOS, 23, 29 – 35).

Mesmo que as Igrejas historicamente venham desaprovando o abuso de

substâncias psicoativas e a Dependência Química, atualmente, tem-se visto que o

maior adversário dos traficantes nos morros cariocas, por exemplo, não é mais a

polícia ou o exército com suas ações interventivas e repressoras, e sim assas

mesmas igrejas, evangélicas ou católicas, que por meio da conversão religiosa e

espiritual, conseguem transformar os “trabalhadores do tráfico” em “crentes”,

enfraquecendo essas redes. Isso ocorre porque os traficantes, na maioria dos casos,

respeitam o afastamento dessas pessoas pela conversão, não oferecendo grande

resistência ou até mesmo nenhum tipo de represália.

25

De acordo com o pensamento de muitos, ou da maioria, há uma linha

tênue entre o uso de drogas e o crime, o que por diversas vezes faz com que esses

indivíduos sejam vistos como possíveis “transgressores da ordem”, pessoas

incapazes de se relacionar pacificamente e com tendência para ações criminosas.

Embora certos componentes socioculturais influenciem a vida de cada indivíduo, não

se pode negar que a esfera do Direito deva ser levada em consideração.

No início do século XX, no Brasil, o Dr. Afrânio Peixoto, então membro da

Academia Brasileira de Letras, e Diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro, se

fazendo valer da reforma constitucional de 1925-26, tenta implementar projetos de

regulamentação ou proibição do uso de álcool no país, inspirando-se no modelo

norte-americano – embora este em decorrência dessas leis proibicionistas tenham

desencadeado o crime organizado, por meio do tráfico de bebidas alcoólicas,

transformando as cidades de Nova Iorque e Chicago em espaços de extrema

violência – a chamada de Lei Seca nos Estados Unidos, vigente entre os anos de

1919 e 1933. Porém, o Dr. Afrânio Peixoto conseguiu apenas a regulamentação da

venda de bebidas alcoólicas e não sua proibição (MOTA, 2009, p. 67).

Mas, o que poucos sabem é que existem interesses econômicos por trás

da proibição de determinadas substâncias psicoativas. A Convenção Única de Viena

(ONU), de 1961, permitiu aos Estados industrializados (EUA e países da Europa

Ocidental) a exigência de maior rigidez no controle de opiáceos, maconha e cocaína,

substâncias produzidas por países menos desenvolvidos e menor regulação para as

substâncias sintéticas produzidas por estas grandes potências econômicas. Desde

então, a política proibicionista mundial liderada pelos EUA, busca sempre aumentar

seu campo de influência e ação, permitindo a indústria farmacêutica maiores lucros

com a substituição de drogas ilícitas por drogas lícitas (RODRIGUES, 2003, p. 37

apud MOTA).

No Brasil, os usuários de drogas são marginalizados e excluídos

historicamente. Esta situação se conserva por meio da má prestação de serviços

como: falta de ensino de qualidade, espaços de lazer, poucas oportunidades de

empregos e insuficiência de políticas públicas de enfrentamento e combate as

drogas. Assim, esses indivíduos ficam expostos a situações de riscos, ao terem

sempre por perto traficantes que disponibilizam seus pontos de venda em bairros

pobres. Mas, também não significa que esses pontos de venda de drogas ocorram

26

apenas nesses bairros pobres e que seus moradores por sua vez estejam

destinados à criminalidade e as drogas, mesmo porque, de acordo com pesquisa

realizada por Alba Zaluar (2004, p. 71):

Nos bairros carentes do Rio de Janeiro e de São Paulo, constatou-se que o percentual de pessoas pobres que se engajam na carreira criminosa corresponde a apenas 1% da população das áreas mais carentes.

A dependência química é caracterizada por um conjunto de sinais e

sintomas inseridos em um contexto social, que a designam como um fenômeno

complexo, não podendo sucumbir ao simples pensamento ou denominação de uso

de uma determinada substância.

Para uma melhor compreensão da dependência química, é necessário

conhecer suas características, a fim de obter o maior número de informações sobre

os sintomas e o comportamento “padrão” de um dependente. Para isto, de acordo

com a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) é preciso que esta pessoa

apresente certos tipos de comportamentos como: uma compulsão para usar a

substância desenvolvendo um desejo intenso e persistente de consumir a

substância; grande dificuldade de controlar o consumo aliada a dificuldades de

controlar quanto ao inicio, término e níveis de consumo, o uso em grandes

quantidades por período maior que o intencionado; com o uso constante e abusivo

ocorre a evidência de tolerância que é quando há a necessidade de quantidades

aumentadas de substância para atingir intoxicação ou o efeito desejado.

Outra característica é o estado de abstinência, quando a mesma

substância (ou outra parecida) é usada para aliviar ou evitar os sintomas

indesejáveis devidos a diminuição ou interrupção do uso da substância, que por sua

vez pode despontar para o estreitamento do repertório, ou seja, o abandono

progressivo dos prazeres ou interesses alternativos em favor do uso da substância,

aumentando a quantidade de tempo necessário para obter ou usar a substância ou

para se recuperar de seus efeitos.

Um dado importante a ser ressaltado é quando há também a persistência

do uso da substância, mesmo havendo o conhecimento e a evidência clara das

consequências nocivas dessas substâncias psicoativas.

27

É necessário também levar em consideração quais as características

relacionadas aos aspectos psíquicos, biológicos e sociais, a fim de buscar evitar

reproduzir estigmas e preconceitos já relacionados às pessoas que fazem uso de

drogas.

Duas das mais importantes e influentes instituições médicas do mundo, a

Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Americana de Psiquiatria

(APA) afirmam em seus estudos que a dependência química é uma doença e tem

lugar como classificação médica “Classificação Internacional das Doenças” (CID -

10).

No que diz respeito a tratamentos, é interessante observar que o

“sucesso” ou “fracasso” deve-se a vários fatores e estes, por sua vez, tornam-se

improváveis, como o autor mesmo fala:

Afinal, como sugerir um tratamento médico ou psicológico para um problema visto como eminentemente moral? (...) Neste sentido, os terapeutas que trabalham nesta área estão cientes de que nunca poderão exercer seu ofício com “eficácia”. Eles apenas se esforçam para administrar precariamente uma zona cinzenta repleta de sentimentos, afetos, crises e emoções que se apresentam permanentemente fora de controle. (MOTA, 2009, p.28-29).

Pode-se, assim, constatar que a visão da sociedade sobre esses

indivíduos reforça suas fragilidades e contradições, haja vista sua busca por

tratamentos, mecanismos de combates e prevenções, ao mesmo tempo em que

afastam essas pessoas dos seus direitos enquanto cidadãos.

Conforme Mota, (2009) um dependente químico é um indivíduo que, em

virtude de sua dependência de álcool e outras drogas prejudica sua interação social

e, por não conseguir utilizar de forma moderada essas substâncias, compromete sua

vida como um todo.

Sinceramente, não creio que exista nada de errado com as drogas em si, tampouco com as pessoas que fazem uso de algumas delas de forma moderada, sem comprometer sua vida social. O maior problema é que ninguém sabe ao certo quem conseguirá usá-las com inteligência e ainda, caso os problemas surjam, se serão capazes de parar (MOTA, 2009, p.12-13).

28

Assim sendo, as dificuldades enfrentadas por esses usuários de drogas

lícitas ou ilícitas é grande, já que sua luta maior além de ser com eles mesmos é

também com boa parte da sociedade que os julga e discrimina, através de seus

preconceitos e desconfianças. Há também uma ambiguidade em torno dos

dependentes químicos, ao se pensar que misturam prazer e dor. Prazer ao

encontrar “refúgio”, “fuga” no uso dessas substâncias, uma maneira de escapar ou

até de se desvincular da realidade mesmo que momentaneamente. Isso se levarmos

em conta os aspectos sociais contemporâneos como individualismo, competitividade

etc. E dor, quando, após passar o efeito, deparam-se com frustrações, sensação de

impotência e fragilidade, que muitas vezes pode motivá-los a fazer uso logo em

seguida.

O uso abusivo de drogas traz conseqüências desastrosas para o

dependente. Algumas dessas conseqüências são conhecidas por comorbidades,

que associadas ao uso de substâncias psicoativas trazem alterações no

funcionamento mental. Aumentando ou agravando o risco de surgimento de

transtornos mentais. Existem casos, por exemplo, em que é difícil identificar o que é

causa e o que é consequência. São chamados de comorbidades os quadros que

ocorrem ao mesmo tempo, co-ocorrendo de duas ou mais enfermidades ou

transtornos, em uma mesma pessoa, em um determinado espaço de tempo,

podendo gerar maior vulnerabilidade e agressividade, o que dificulta o tratamento ou

a adesão ao tratamento, quando disponibilizado.

Estes dependentes químicos, normalmente, são estigmatizados e

estereotipados, ao serem definidas marcas físicas ou sociais, de conotação

negativa, levando-os a serem excluídos em algumas situações sociais. Estes rótulos

e estereótipos podem trazer conseqüências diversas e inclusive contribuir para o

agravamento da situação.

Nem tudo está fatalmente perdido ou divinamente resolvido, mas existem

casos em que, mesmo com todas as dificuldades consegue-se obter a reabilitação

social, no entanto, para isso, é necessária uma compreensão maior do “problema” a

ser enfrentado, pois a dependência pode ser biológica, psicológica, química e pode

ser agravada devido ao contexto social em que aquele indivíduo está inserido.

29

Existem clínicas de recuperação, comunidades terapêuticas etc., mas

devido ao sistema capitalista vigente, constata-se a realidade em muitas instituições

de ‘se fazer mais com menos’, ou seja: atender um número “x” de indivíduos com o

menor custo possível, e isto torna o processo de reabilitação não somente lento,

mas muitas vezes ineficiente.

Em 23 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Nº 11.343, que institui o

Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, que prescreve:

Art. 1º medida de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes. Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se com drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo e a União.

De acordo com os princípios e objetivos do SISNAD, serão levados em

consideração o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana,

principalmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade; E quanto à reinserção

social dos usuários e dependentes de drogas, serão adotadas estratégias

preventivas diferenciadas e adequadas às especificidades socioculturais das

camadas da população etc.

O trabalho de combate a dependência química deve ser pensado, assim,

a partir de algumas estratégias de prevenção, por serem capazes de oferecer à

sociedade a oportunidade de evitar o surgimento de problemas de saúde.

Em Fortaleza, as instituições que lidam com a prevenção têm como

estratégias a realização de palestras, oficinas, visitas, atividades artísticas e

desportivas. Porém, existe uma carência de profissionais capacitados, o que impede

o aumento do acompanhamento dos usuários de drogas, mesmo sendo

acompanhados por programas governamentais.

No Estado do Ceará, atualmente, existem algumas instituições públicas

como os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS – AD),

auxiliados pelos CAPS I e II, mas o único serviço de referência do Estado é o

Hospital de Saúde Mental de Messejana, por possuir uma unidade de

30

desintoxicação e acompanhamento ambulatorial, que por motivos citados

anteriormente não consegue atender às demandas existentes.

Os CAPS – AD oferecem, em regime ambulatorial, cuidados

especializados através de equipes com profissionais de formações variadas,

disponibilizando poucos leitos de observação para o cuidado com os usuários, em

síndrome de abstinência, mas que não precisem ser hospitalizados.

Atualmente existe o ‘Plano Fortaleza de Prevenção e Atenção Integral aos

Usuários de Crack e Outras Drogas: Liberdade é Viver sem Crack’. Este plano é

realizado pela Prefeitura do Município de Fortaleza e faz parte das atividades do

atual governo e busca promover a reflexão sobre as temáticas referentes ao uso do

crack e outras drogas, oferecendo embasamento teórico-prático para a elaboração

metodológica para prevenção, promoção da saúde e qualidade de vida. Intenciona

promover inclusão e cidadania para pessoas que estão em situação de

vulnerabilidade social, com destaque para crianças e adolescentes, juventude,

mulheres, idosos e população em situação de rua, público este que utilizo como

sujeito e fonte de minha pesquisa.

No capítulo a seguir será discorrido sobre outra característica dessa

população que cresce cada vez mais, assumindo grande visibilidade social, não

somente por causa dos seus perfis sociais, mas também por meio de suas atitudes,

comportamentos e mobilização social.

31

II

POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

2.1 - População em Situação de Rua: uma expressão da questão social no

Brasil.

Nas sociedades capitalistas, existe um fenômeno social conhecido como

população em situação de rua, que se constitui de múltiplas determinações, com

variações históricas que compõem uma camada cada vez maior da sociedade. Sua

origem vem das cidades pré-industriais da Europa, a partir de então foram se

alastrando por vários outros lugares. Com o desenvolvimento do capitalismo

passaram a figurar nos espaços urbanos, devido à apropriação e privatização de

terras até então ocupadas também por essas pessoas. Por não deterem outros

recursos para garantir sua sobrevivência, começam a vender de forma barata sua

mão de obra (SILVA, 2009).

O capitalismo é um sistema cíclico de crises e expansão, essas

alterações acontecem de acordo com o momento em que a economia capitalista se

encontra, pois quando está em crise há o aumento do número da população em

situação de rua, assim como o agravamento da pobreza e da questão social.

Quando o sistema vigente está em expansão econômica, há a retração desta

população por ter à sua disposição muitas vezes políticas públicas e outros

mecanismos de auxílio. Para Marx (apud SILVA 2009, p 95).

O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade feudal e do clã em propriedade moderna, levada a cabo com terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos.

É certo que este fenômeno não surgiu nas sociedades capitalistas, no

entanto, sua intensificação se deve a este sistema, pois é cada vez maior a parcela

da classe trabalhadora que vai sendo substituída por máquinas, desta maneira

postos de trabalho vão consequentemente diminuindo ou até mesmo deixando de

existir. Além desse, outros pontos tornam-se relevantes para formação desta

32

população, como por exemplo: fatores estruturais (ausência de moradia, mudanças

econômicas e institucionais de forte impacto social), fatores biográficos, ligados à

história de vida de cada indivíduo como: rompimento dos laços familiares e sociais,

doenças mentais, consumo frequente de álcool e outras drogas, perda de todos os

parentes, roubo de todos os bens e até mesmo fatos da natureza como: inundações

ou incêndios.

Atualmente se tem evidenciado mais a questão dos rompimentos dos

laços familiares e sociais, a diminuição de trabalhos regulares, bem como a

insuficiência de renda capaz de possibilitar uma moradia digna com o mínimo de

conforto que qualquer ser humano precisa para viver como um cidadão, e também a

relação do uso abusivo de álcool e outras drogas. A população em situação de rua é

decorrente da desigualdade social e esta desigualdade provém muitas vezes da má

distribuição de renda, que se mostra inerente a todo tipo de sociedade, seja ela

tradicional ou contemporânea, hierárquica ou democrática, feudal ou capitalista

(embora seu agravamento se dê no sistema vigente - capitalista).

Um dos processos pelo qual passa a população em situação de rua é o

processo da exclusão social, que se expressa não somente pela falta de trabalho,

pois se faz necessário verificar também como estão configurados os vínculos

sociais, que para Escorel, (apud BURSZTYN et al, 2003, p. 213 – 214).

No Brasil, esses vínculos podem ser até mesmo mais relevantes para a compreensão social. Isso porque seu estudo mostrou que os vínculos que os moradores de rua estabelecem com o mundo do trabalho sempre foram frágeis. Assim, no Brasil, a desvinculação da esfera familiar significaria a perda da última proteção possível. No Brasil, onde contingentes populacionais numerosos encontraram, ao longo do período republicano, grandes obstáculos de inserção na esfera produtiva, nunca alcançaram um estatuto de cidadania plena e a estrutura familiar se manteve como principal suporte das relações sociais, limitar o conceito de exclusão social à esfera do trabalho é, do meu ponto de vista, reduzir as possibilidades de compreensão do fenômeno.

As estratégias de sobrevivência utilizadas por esta parcela da população

diferem de caso para caso. Alguns pedem esmolas nas portas de igrejas, em praças

ou em supermercados. Outros, por sua vez trabalham em atividades informais,

como: flanelinhas, guardadores de carros ou até mesmo na coleta de materiais

recicláveis, dentre outras funções. Os catadores de lixo buscam garantir seu

33

sustento, bem como do seu vício quando o têm algumas vezes o vício do cigarro,

outras do álcool e outras drogas.

De acordo com pesquisa feita pela Política Nacional para Inclusão Social

da População em Situação de Rua (2008), é predominante a presença masculina na

população em situação de rua, seja por motivos de rompimento dos laços familiares

em decorrência do uso de álcool e outras drogas que interferem diretamente na

unidade familiar, causando conflitos violentos ou não, que podem causar um

desequilíbrio no orçamento doméstico devido esse consumo compulsivo de drogas.

Este conjunto de situações de fragilização e até ruptura de vínculos familiares,

ocorrem com maior incidência nas classes trabalhadoras pobres.

O fenômeno população em situação de rua tem sua origem e sua

continuidade referente à acumulação do capital, sendo uma caracterização da

expressão radical da questão social. Esses indivíduos são deixados de lado pelo

capitalismo, que em busca de garantir seus lucros, criam exércitos de reservas,

exércitos de sobrantes, ou seja, pessoas que mesmo estando em idade ativa, com

condições para o exercício de atividades laborativas, são descartadas e

marginalizadas por este sistema excludente.

No Brasil contemporâneo, a população em situação de rua apresenta

inúmeras variáveis em relação à sua composição, sendo predominante a presença

de homens, entre 25 e 55 anos de idade e com nível de escolaridade cada vez maior

(Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – Fipe, 2000).

Para Iamamoto, a questão social é uma expressão da sociedade

capitalista que intensifica cada vez mais as divergências entre as classes sociais

existentes

A gênese da questão social encontra-se enraizada na contradição fundamental que demarca esta sociedade, assumindo roupagem distinta em cada época [...]; assim, dar conta da questão social, hoje, é decifrar as desigualdades sociais – classes- em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio ambiente etc. Mas decifrar, também, as formas de resistência e rebeldia com que são vivenciadas pelos sujeitos sociais (IAMAMOTO,2004:114 apud SILVA)

Nos últimos anos, se tem notado estudos e debates mais aprofundados

no que se refere ao termo “exclusão social” de que são vítimas essas pessoas em

34

questão (população em situação de rua), que se caracteriza por uma nova categoria

social mesmo não sendo uma nova situação, pois esteve presente em sociedades

antigas que se valiam da exploração e escravidão.

Para Escorel (1999, p. 23) “exclusão social” pode designar toda situação

ou condição social de carência, dificuldade de acesso, segregação, discriminação,

vulnerabilidade e precariedade em qualquer âmbito. Isto significa dizer que a

População em Situação de Rua realmente é excluída socialmente por inúmeros

fatores.

No mundo globalizado em que vivemos, devido à constante e crescente

exploração do homem pelo homem e a má distribuição de renda, cada vez mais o

ser humano se torna um ser “descartável”. Com o crescimento do êxodo rural, as

metrópoles não conseguem empregar todas essas pessoas, o Brasil então em

tempos de globalização entrou em crise, com um lento processo de transformações

sociais e fragilizações nos contratos de trabalho. Assim, esses excluídos dos

empregos formais produzem e reproduzem estratégias que possam garantir ou

possibilitar sua sobrevivência.

Com a precarização do trabalho formal e a busca pela sobrevivência, há o

crescimento do trabalho informal: as ruas ganham novos trabalhadores, criando

novos sistemas de comercio. São camelôs, artistas de rua, pedintes, mendigos e

assim aparece a população de rua, dormindo embaixo de marquises e viadutos,

perto de fontes de água pública, que vêem nos grandes centros urbanos a

possibilidade de manterem vivas. Constantemente essas pessoas são

responsabilizadas pela situação em que se encontram, sendo vítimas de

discriminação, massacres e até mesmo perseguições policiais. Embora tenha havido

um grande empenho e discussão por setores organizados em torno dos interesses

dessa população nos últimos anos, articulados também a outros sujeitos sociais

para um melhor e maior acesso às políticas sociais, quando se busca conhecer as

estratégias do Estado para o enfrentamento desse fenômeno, nas esferas dos três

poderes do governo, são encontradas apenas ou primordialmente políticas sociais

seletivas e residuais como albergues e abrigos (SILVA, 2009, p. 120).

Iamamoto destaca itens de extrema importância para o enfrentamento da

então “questão social”, que permitam ou facilitem o acesso a melhores condições de

vida e uma perspectiva de cidadania

35

O chamamento à responsabilidade do Estado, a “prevalência da coletividade dos trabalhadores” e a “afirmação de políticas sociais de caráter universais, voltadas, aos interesses das grandes maiorias” (IAMAMOTO, apud SILVA, 2009, p 114).

As condições postas e impostas pelo regime capitalista ocasionam o

fenômeno em questão, que aprofundadas pelas desigualdades sociais na

contemporaneidade, de acordo com a reestruturação produtiva elevam os índices de

pobreza e vulnerabilidade da classe trabalhadora, expandindo a classe população

em situação de rua como parte integrante da pobreza e da superpopulação relativa,

desnecessária ao capitalismo, embora este mesmo, se faça valer dessa massa

sobrante como forma de “controlar” os níveis de salários, tendo em vista que a

demanda normalmente seja superior a oferta de empregos, fragilizando as

condições de trabalho.

2.2 - Origem e características atuais da população que vive em situação de rua

Como dito antes, os grandes centros urbanos concentram um maior

número de pessoas em situação de rua, primeiramente por se tratar de um lugar

com maiores possibilidades de garantir algum tipo de renda e assim, sua

sobrevivência. A circulação do capital acontece com maior fluxo nestes grandes

centros urbanos, assim, as alternativas de trabalho ampliam-se favorecendo

alternativas - mesmo que precárias – de sustento. Estes centros também

disponibilizam geração de trabalho e renda, por meio de grupos organizados,

cooperativas, associações e outras organizações não governamentais.

Boa parte da população em situação de rua trabalha com materiais

recicláveis que diariamente são jogados fora, como lixo urbano, sendo reaproveitado

pelos catadores possibilitando mesmo que maneira insalubre e informal a

manutenção de algumas necessidades básicas, como alimentação. Esses

profissionais da reciclagem se concentram em áreas com grandes atividades

econômicas comerciais, bancarias ou até mesmo atividades religiosas e de lazer.

Uma pesquisa financiada pelo Ministério do Desenvolvimento e Combate

à Fome – MDS e realizada pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais

36

Recicláveis, sobre a análise do custo de geração de postos de trabalho na economia

urbana, indicou que no ano de 2005, ano de realização da pesquisa, existiam 244

unidades básicas de cooperativas de catadores, distribuídas em 199 municípios, em

22 estados, contando com a colaboração de cerca de 35.000 cooperados5.

Parte dessa população também é encontrada próximo, ou em frente a

supermercados, lojas, bancos, igrejas, praias, centros culturais, por se tratarem de

locais que atraem muita gente e isto favorece a obtenção de doações e rendimentos

por meio de serviços de engraxates, guardarem carros, flanelinhas etc.

E nestes mesmos centros urbanos esta população consegue de alguma

maneira proporcionar acesso a algum tipo de renda, além de vincular-se a outras

estratégias que facilite o atendimento às suas necessidades básicas. Um bom

exemplo são os albergues, abrigos, instituições públicas, filantrópicas etc., que

fornecem alimentação, abrigo, higiene pessoal, saúde, entre outros serviços. Outra

estratégia utilizada por esta população é recorrer aos locais chamados de bocas de

rango, locais de distribuição gratuita de comida, feita quase que exclusivamente em

espaços públicos como: praças, viadutos e parques que se encontram no centro da

cidade.

Algumas prefeituras oferecem por meio das Casas de Convivência,

serviços de banho, barba e lavagem de roupas. No entanto, são utilizados também

para estes fins, bicas, chafarizes, represas ou postos de gasolina. Tudo isto entre

outras coisas caracterizam os centros urbanos como os espaços preferidos para

estas pessoas.

Outro aspecto importante a se ressaltar é o preconceito sofrido por estas

pessoas. Valores atribuídos a eles pela sociedade que normalmente os caracterizam

como: mendigos, bandidos, preguiçosos, drogados, doentes mentais, dentre tantas

outras denominações pejorativas. Estas pessoas comumente são responsabilizadas

pela situação em que se encontram, por suas dificuldades e falhas, chegando a

causar medo e nojo. Embora tenham muitas características em comum, se

configuram em uma população heterogênea, por possuírem origens, interesses,

vinculações sociais, experiências e posições socioeconômicas diferentes.

5 Para maiores informações ver Brasil, 2006, p. 09, 120 e 131.

37

Marcel Bursztyn (2003), ao estudar este fenômeno em Brasília, consegue

identificar e criar uma tipologia, na qual são localizados 12 grupos distintos, sendo

estes:

A população de rua de Brasília pode ser tipificada segundo diferentes categorias. São grupos característicos, que podem ser encontrados em outras cidades, ainda que em proporções diferenciadas. Cada uma das categorias analisadas tem traços bem particulares, diferenciando-se pela sua relação com o trabalho, estratégias de subsistência, vinculações sociais, expectativas e visões de mundo. As pesquisas permitem [...] a diferenciação de 12 grupos: catadores de lixo seco [...], trabalhadores de rua [...], albergados [...], catadores nômades [...], sem-lixo e sem-teto, mais ou menos sedentários [...], sem-lixo e sem-teto errantes [...], catadores complementares [...], andarilhos [...], pivetes [...], foras da lei [...], hippies [...], pedintes de natal (BURSZTYN, apud SILVA 2009, p 123).

Estar em situação de rua pode ter pelo menos dois sentidos, no qual um

deles seria o de se constituir num abrigo para aqueles que sem recursos, dormem

eventualmente sob viadutos, marquises ou praças etc., e aqueles que têm seus

vínculos estabelecidos nas ruas, onde encontra naquele ambiente seu habitat. Desta

maneira o que caracteriza essas pessoas seria a utilização desses espaços por

meio das estratégias de sobrevivência.

Outra constatação se refere ao tempo de moradia nas ruas, pois quanto

mais tempo nas ruas, mais estável se torna sua situação. Isto significa dizer que,

seus laços ficam cada vez mais fortes e estabelecidos, ocorrendo uma ruptura com

os vínculos sociais considerados normais, ou aceitáveis. Isto pode dificultar sua

reinserção social, quando estes indivíduos devido sua longa permanência nas ruas

tem uma maior dificuldade ao não conseguirem se readequar aos padrões sociais

estabelecidos.

Em decorrência disso, existe também uma diferença entre o que se

chama de “moradores de rua” e “população em situação de rua”. A primeira designa

as pessoas que estão estabelecidas de maneira mais permanente nos espaços

urbanos, de onde tiram seu sustendo do espaço público urbano e assim, garantem

sua sobrevivência. A segunda caracteriza as pessoas que estão nas ruas de

maneira mais circunstancial e temporária, ou seja, que estão em “situação de rua”,

situação esta, considerada provisória e mais próximo ou possível de se reverter.

38

Os espaços ocupados por esta parcela da população são de variados

tipos, sendo situados sob pontes, viadutos, marquises, em frente de prédios

privados ou públicos, em frente de comércios, praças, calçadas, praias,

embarcações, estações de trem, rodoviárias, as margens de rodovias, dentro de

galerias subterrâneas, construções abandonadas ou qualquer outro local que

possibilite certa proteção e abrigo do frio e da violência, situações regularmente

enfrentadas por esta população. Esses indivíduos normalmente estão nesta situação

e sob estas condições, em decorrência dos constantes processos de exclusão

social, que diz respeito as mais diversificadas vertentes da vida, fazendo com que

essas pessoas ao longo da vida percam suas referências institucionais como a

escola, o trabalho, a família, o estado.

Esta população está presente no contexto social brasileiro desde o início

do processo de urbanização, ocorrido em meados do século XIX. No entanto,

passou a ser “vista” sob um ângulo diferenciado (como parcela possuidora de

direitos) pelo Estado a partir da década de 1990, ao se iniciar uma série de estudos

sobre sua existência e suas características, por se tornar uma das mais gritantes

expressões da pobreza nos grandes centros urbanos, uma expressão da questão

social.

A desigualdade social e a pobreza tem sido duas das características

predominantes no desenvolvimento histórico do Brasil, permitindo uma análise sobre

as condições que fundaram a sociedade brasileira. De acordo com Escorel (1999, p

24)

Os âmbitos regionais e rurais da desigualdade social nunca foram superados e o desenvolvimento industrial concentrador não conseguiu relegá-la a um passado (...) ao longo das últimas décadas sempre foram as camadas mais pobres as que viram seu futuro de renda e consumo cada vez mais longínquo. A situação agravou-se enormemente a partir das crises econômicas dos anos de 1970 e 80 e, na década de 90, o Brasil foi classificado por organismos das Nações Unidas como um dos países de maior desigualdade social.

A autora também cita em seu livro “Vidas ao Léu – trajetórias de exclusão

social, as condições em que vivem essas pessoas, esses indivíduos, são resultados

da fragilização da sua existência por não participarem da esfera pública como se

espera da maioria dos cidadãos, e estes, (os excluídos) por sua vez vivem nas

sombras, as margens da sociedade.

39

Com isso, deu-se inicio à inclusão da “população em situação de rua”

como público alvo da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, com a

finalidade de promover ações integradas a esta população, objetivando garantir

atendimento especializado que possibilite favorecer esta camada da população

brasileira.

A PNAS – 2004 foi criada a partir da decisão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS e do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, demonstrando a intenção de construir coletivamente o redesenho desta política, na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. E de acordo com a própria PNAS, esta iniciativa, traduz o cumprimento das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília, em dezembro de 2003, e denota o compromisso do MDS/SNAS e do CNAS em materializar as diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. (PNAS, 2004).

No Brasil, este tipo de proteção social como política da Assistência Social

é uma situação nova, uma realidade recente, isto significa dizer não ter de imediato

uma análise formulada e já elaborada, mas que permite dispor ou pensar nas

diversas dificuldades vividas por brasileiros que tem seus direitos negados ou

subtraídos.

2.3 - População em situação de rua no município de Fortaleza

A população em situação de rua no município de Fortaleza, não muito

diferente das de outros estados brasileiros, sofre com a discriminação, políticas

públicas seletivas e residuais que pouco impacto tem na vida dessas pessoas que

tiram seu sustento das ruas. Atualmente não existe um número exato de quantas

pessoas vivem em situação de rua na capital cearense, talvez em decorrência da

pouca quantidade de pesquisas censitárias para essa população, ou então porque

as instituições atualmente existentes neste Município não consigam atender a

demanda.

Seu surgimento na capital cearense remonta do século XIX no período

das grandes secas, que faziam com que os sertanejos saíssem de suas cidades em

busca de melhores condições de vida. Durante muitos anos, boa parte dessas

pessoas que se refugiavam das secas na capital ou em outras cidades que

40

ofereciam melhores condições de vida, logo após o período de estiagem estas

pessoas retornavam ao seu lugar de origem, no entanto, com o passar dos tempos e

com os sercamentos de grandes fazendas para o cultivo do algodão, essas pessoas

já não mais encontrando possibilidades de reorganizar suas vidas, instalavam-se

como podiam. Algumas famílias que conseguiam chegar à capital procuravam se

estabelecer trabalhando nas construções de ruas, nas vias férreas. Outras ficavam

pelo caminho ao morrerem de fome ou até mesmo trabalhando na construção de

açudes e outros serviços. Neste período foram criadas políticas que visavam fixar o

homem no campo, que nem sempre surtiam um efeito positivo.

Na capital cearense, a presença dos primeiros sertanejos refugiados foi

registrada durante a seca de 1877/89, quando o município de Fortaleza chega a

receber apenas no ano de 1878 mais que o triplo da população residente, somando

um total de mais de 160 mil pessoas sendo que desse montante, apenas 40 mil já

residiam em Fortaleza. Em diversos pontos da cidade se viam aglomerações de

indivíduos erguendo seus casebres de palha e transitando sem rumo nas ruas da

cidade que tinha em seus planos, seu constante e permanente aformoseamento.

Sem mencionar os milhares de sertanejos que não conseguiam chegar a esta capital

ou aos seus destinos de interesse devido às longas caminhadas sob o sol

escaldante, das condições já precárias em que se encontravam no decorrer dos

períodos de estiagem.

Por não terem onde ficar, nem a quem recorrer boa parte dessas pessoas

ficavam nas ruas pedindo esmolas, ou até mesmo roubavam os comércios em

decorrência da fome e miséria que os rodeavam. Isso por sua vez fazia com que os

comerciantes e a classe burguesa exigissem que o governo tomasse providências,

não só para os flagelados e refugiados da seca, mas também para “livrar” a “loira

desposada do sol” como era conhecida a capital cearense (RIOS, 2001, p. 20).

Estas pessoas chegavam a Fortaleza por meio de trens, que vinham

sempre abarrotados, chegando ao ponto de serem suspensas as passagens que o

Governo liberava para que estes chegassem á capital, ou até mesmo seguiam a pé

pelas estradas e caminhos de terra, onde muitos destes perdiam suas vidas,

vencidos pelo cansaço e pela fome. Algumas das famílias não conseguiam chegar

aos seus destinos, ou quando conseguiam não chegavam completas, deixando do

meio do caminho os corpos empoeirados seus entes queridos.

41

A luz irradiada pelo sol durante quase todo o ano, era significado de

beleza e deslumbre para alguns, e dor e sofrimento para aqueles que sofriam e

fugiam da seca e do sofrimento que lhes trazia o calor do “astro rei” (NEY apud

RIOS, 2001, p. 21).

Para a historiadora e autora Kênia Rios, de acordo com sua obra

intitulada “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e poder na Seca de

1932” a imagem que o sol representava tinha vários significados, podendo ser de

beleza ou anuncio de grande sofrimento. Para aqueles que viviam na capital e se

beneficiavam com o turismo era sinônimo de lucros, mas para os sertanejos, essa

imagem era bem diferente

Contudo, para o sertanejo, a imagem do sol pode significar o anúncio da morte. Nos anos de seca, o sol do Sertão simboliza tristeza e dor. O sol dos poetas bucólicos – que põe Fortaleza em mística harmonia com a natureza - e o sol dos empresários e jornalistas associados à valorização do turismo - que colocava Fortaleza em sintonia com o progresso – não deixam espaço para o sol do flagelo. Na iluminada Fortaleza, o raio do sol mortificador – traduzido no corpo sofrido do retirante – não é bem-vindo (RIOS, 2001, p.22).

As notícias sobre a seca, os números de flagelados e a situação em que

se encontravam sempre foram amplamente divulgadas pelos jornais locais, bem

como a então situação da capital que não possuía estrutura para receber aqueles

indivíduos, enfatizando em seus noticiários o que ocorria nas ruas de Fortaleza. Os

jornais O Povo, O Nordeste e Correio do Ceará veiculavam informações sobre os

migrantes e sua situação na capital cearense.

Numerosas famílias a mendigar de porta em porta e num estado de inspirar compaixão. Essa gente não tem o abrigo de tecto, não têm assistência e vive a toa nas artérias da cidade, abandonada a sua própria sorte. Julgaríamos necessário que a interventoria estudasse um meio de localizar essas famílias e dar-lhes assistência (O Nordeste em 20 de fevereiro de 1932).

Estas matérias jornalísticas mostravam quase sempre um discurso

pautado na preocupação com esses infelizes, solicitando do governo medidas que

atendessem a esta camada da população que ameaçava o desenvolvimento urbano

de Fortaleza, mas que ao ler com um pouco mais de atenção se subentendia uma

preocupação da classe dominante e dos comerciantes ao se deflagrarem com o

42

constante medo de ações mais enérgicas dessas pessoas que vagavam pelas ruas

em busca saciar sua fome, podendo a qualquer momento invadirem os comércios

locais.

Vários períodos de secas ficaram registrados por se configurarem

verdadeiras catástrofes na história do Ceará, sendo seus principais períodos, as

secas de 1887 que perdurou até o ano de 1889; a seca de 1915, que por sua vez foi

tema de livros como: O Quinze – da cearense Raquel de Queiroz; e a seca de 1932

que como citado anteriormente foi utilizado como palco para o livro de Kênia Rios

sobre os Campos de Concentração. Estes campos de concentração por sua vez

foram criados pelo Governo da época como forma de controlar a vinda dos

sertanejos fugitivos das secas, na tentativa de impedir que esses indivíduos

chegassem à capital.

Numa atitude higienista do governo, são criados os primeiros Campos de

Concentração durante a seca de 1915, que nesse período, as linhas ferroviárias já

se estendiam até o Sertão, no entanto boa parte da população concentrada foi

exterminada pela varíola.

O projeto dos campos tinha em certo sentido a intenção de mostrar um

alto grau de civilidade e modernidade, pois temiam deixar os retirantes soltos,

dispersos, o que dificultaria qualquer tipo de ação ou assistência para com estes

refugiados.

Para attender com eficiencia os serviços de socorro aos flagellados, e evitar o deslocamento deveras temível para a saúde e a traquilidade publicas das populações sertanejas que emigravam para diversos pontos, principalmente para a capital, a interventoria tomou urgentes providências... Tratouo governo de concentrar os flagellados em pontos diversos, a fim de socorrel-os com efficiencia e no tempo opportuno. Foram criadas, sob a fiscalização do Departamento das Secas, sete concentrações: Burity, no Município do Crato; Quixeramobim, no Município do mesmo nome; Patu, no Município de Senador Pompeu; Cariús, no Município de São Mateus; Ipú, no município de mesmo nome; Urubu e Otávio Bonfim, no Município de Fortaleza (Relatório Oficial, apud RIOS, 2001, p. 46).

Essas concentrações mostravam-se como projetos baseados em um

controle humanitário, apoiando suas ações no controle e na disciplina que

representava um benefício para os sertanejos famintos da seca. Com amplo apoio

da população e de membros da alta sociedade fortalezense, reconhecendo que as

ruas da cidade estavam mais tranquilas, pois os retirantes estavam naquele

43

momento em local seguro, alimentados, higienizados e tratados com relativo carinho

e conforto pelo governo. Homens, mulheres e crianças eram amontoados nesses

locais insalubres, de onde uma vez ali dentro não podiam mais sair. Chamados de

curral do governo, esses locais serviam como verdadeiros depósitos humanos

funcionavam como prisões, tudo isso construído com o intuito de manter os

flagelados longe das ruas da capital e contribuindo para que os turistas tivessem

uma boa impressão das ações do governo para com os refugiados, turismo esse

que naquela época já se expandia.

Os campos de concentração tiveram seu auge durante a seca de 1932,

quando foram criados os sete campos mencionados anteriormente, sendo dois

destes em Fortaleza. Mesmo prendendo essas pessoas, isso não os impedia de se

rebelarem ou lutarem contra esse tipo sistema de isolamento e repressão. E assim

como nos dias atuais, muitas pessoas se beneficiam das secas, dando continuidade

a conhecida “Indústria da Seca”.

A história foi mudando, embora ainda hoje se tenha noticia de pessoas,

ou famílias inteiras buscando fugir de situações adversas que estes períodos de

estiagem promovem, se “refugiam” na capital ou partem para outros estados, em

busca de melhores condições de vida e que quando aqui chegam se deparam com

uma realidade tão cruel quanto a que viviam.

Atualmente, a população em situação de rua que vive neste município

provém de várias cidades do interior, de outros estados e também da própria capital,

no caso destes últimos, normalmente são pessoas que tem seus laços familiares

fragilizados ou rompidos, pessoas que já vivem há bastante tempo nas e das ruas,

pessoas institucionalizadas, usuários de álcool e outras drogas, entre outros.

Quando se fala em viver nas ruas, se fala das pessoas que por meio de

suas estratégias de sobrevivência, criam nas próprias ruas laços afetivos, vínculos

com o que o mundo que os cercam, ou até mesmo ao contrário disso, se fecham

para o mundo, para outras possibilidades ao terem sua autoestima dilacerada pelas

dificuldades e pela exclusão social em que se encontram. E vivem das ruas quando

se utilizam das ruas e logradouros públicos para garantir seu sustendo, fazendo

bicos como pintores, marceneiros, flanelinhas, guardadores de carros, pedintes etc.

44

No ano de 2008, há a criação da Política Nacional par Inclusão Social da

População em Situação de Rua, como forma de orientar a construção e execução de

políticas públicas voltadas a este seguimento da sociedade, historicamente à

margem das prioridades dos poderes públicos.

Esta Política torna-se então fruto das reflexões e debates do Grupo de

Trabalho Interministerial, composta pelo Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, Ministério das Cidades, Ministério da Educação, Ministério da

Cultura, Ministério da Saúde, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da

Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Defensoria pública da União,

além da fundamental participação de representantes do Movimento Nacional de

População de Rua (MNPR), da Pastoral do Povo de Rua e do Colegiado Nacional

dos Gestores Municipais da Assistência Social (CONGEMAS) representando a

sociedade civil organizada (Política Nacional de Inclusão Social para População em

Situação de Rua, 2008).

Para esta população, existem políticas públicas de apoio ofertadas pela

Prefeitura, como o Espaço de Acolhimento Noturno – EAN, que disponibiliza

abrigamento, alimentação, lavagem de roupas, encaminhamentos para postos de

saúde quando necessário, encaminhamentos para retirada de documentos, entre

outros serviços que possibilitam a reorganização dessas pessoas. Este serviço é

mantido pela Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS, que também

disponibiliza para pessoas que vem de outras cidades fazer exames, os serviços da

Casa de Passagem, Centro de Referência Especializada para População em

Situação de Rua - Centro POP e outras instituições filantrópicas que fornecem

serviços gratuitos de alimentação, higiene pessoal, abrigamento dentre outros

serviços como: A Comunidade Shalom, Toca de Assis.

Existe também o Serviço de Abordagem de Rua que visa sensibilizar

estas pessoas em situação de rua para a criação de um novo projeto de vida que

possa auxiliá-los para retomadas dos vínculos familiares e assim a reinserção social,

a partir dessa abordagem é que é feito o encaminhamento para o equipamento

competente. Mas esses serviços são seletivos, mesmo fazendo parte da Política

Nacional de Assistência Social, que se coloca como um serviço universal não

consegue atender a demanda existente na capital cearense.

45

Outra característica alarmante dessa população é o constante uso de

álcool e outras drogas, sendo este um dos motivos que levam essas pessoas a

situação de rua (conforme observação).

Para este público, existem algumas alternativas (pouco eficientes) de

prevenção e combate ao uso dessas substâncias, como por exemplo, o

acompanhamento dessas pessoas pelo Centro de Apoio Psicossocial - Álcool e

Drogas - CAPS- AD, mas que por se tratar de um tipo de serviço que requer tempo e

comprometimento dessa população, este serviço acaba não sendo ineficiente, pois

boa parte dessa população trabalha com reciclagem e “não podem deixar de

trabalhar” mesmo estando em risco sua saúde física e mental. Algumas dessas

pessoas não assumem que fazem uso e nem mesmo que são dependentes

químicos, o que dificulta ainda mais a possibilidade de sensibilização para o

tratamento.

No próximo e último capítulo, há uma apreciação sobre esta parcela da

população cearense que vive a mercê das desigualdades sociais e também das

dificuldades e relações entre o estado de Dependência Química e População em

Situação de Rua na Capital cearense.

46

III

PERSPECTIVAS DE VIDA DE UMA POPULAÇÃO DUPLAMENTE EXCLUÍDA E

MARGINALIZADA

3.1 – Dependência Química e População em Situação de Rua no Município de

Fortaleza

Vários são os motivos que levam um indivíduo a estar em situação de rua.

Podem acontecer a partir de uma briga entre familiares que moram em um mesmo

local, problemas decorrentes de doenças mentais, fragilização e/ ou rompimentos

dos laços familiares, desemprego etc., como apresentados nos capítulos anteriores,

no entanto, muitos são os casos de pessoas que estão em situação de rua por

fazerem uso de substâncias psicoativas. Esses casos são mais comuns do que se

imagina. Existem, também, casos em que algumas pessoas passam à situação de

rua por causa do uso de substâncias psicoativas e outros casos em que pessoas em

situação de rua passam a fazer uso de substâncias psicoativas por estarem nessa

situação, potencializando as vulnerabilidades enfrentadas por esses indivíduos.

O presente capítulo busca mostrar a relação entre Dependência Química

e População em Situação de Rua, bem como suas características, adversidades,

dificuldades e perspectivas. Assim, os perfis dessas pessoas serão apresentados a

partir do relato de vida de três indivíduos.

O perfil socioeconômico dessas pessoas, como citado no capítulo

anterior, é bem amplo e heterogêneo, há uma grande variação de dados, como:

idade, escolaridade, formação profissional, lugar de origem e perspectivas de vida,

bem como de experiências de vida. O que os leva a iniciar o uso de substâncias

psicoativas pode variar muito, os motivos podem ser “apenas” curiosidade, por

influências ou até mesmo vontade de mostrar que é forte, que pode entrar e sair

quando quiser, ou seja, iniciar o uso e não se viciar, não se tornar um dependente

químico embora muitos saibam que é uma situação muito mais delicada e complexa

do que se possa imaginar.

47

A relação entre dependência química e situação de rua é bastante

recorrente, apontando para um fenômeno social visto a olhos nus, que neste caso

são caracterizados como por essas pessoas duplamente excluídas socialmente.

Essa exclusão, por sua vez, fragiliza as ações de instituições e entidades voltadas

para esta população, principalmente no que diz respeito a sua dependência, sendo

esta dependência de álcool e/ou outras drogas.

Muitas vezes essas pessoas estão apenas em um desses lados, ou seja,

estão em situação de rua, mas não fazem uso de substâncias psicoativas ou então,

fazem uso de substâncias psicoativas, mas não estão em situação de rua, porém,

não deixam de viver as adversidades que estas situações lhes atribuem, sendo

discriminadas e rotuladas de vagabundas, preguiçosas e drogadas, sendo

estigmatizadas e excluídas socialmente. Como se já não fosse bastante difícil a

relação desta parcela da população com o restante da sociedade por suas

divergências e dificuldades, sua relação com as políticas sociais mostram outra

questão relevante que é o acesso a programas e benefícios da assistência social.

Trabalho e assistência assim, mesmo quando reconhecidos como direitos sociais, vivem uma contraditória relação de tensão e atração. Tensão porque aqueles que têm o dever de trabalhar, mesmo quando não conseguem trabalho, precisam da assistência social, mas não têm direito a ela. O trabalho, assim, obsta a assistência social. E atração porque a ausência de um deles impele o indivíduo para o outro, mesmo que não possa, não deva, ou não tenha direito. Em uma sociedade em que o direito à assistência é limitado e restritivo (...) e o trabalho, embora reconhecido como direito, não assegurado a todos, esta relação se torna excludente e provocadora de iniqüidades sociais (BOSCHETTI apud SILVA, 2009, p 185).

Essas pessoas normalmente são ignoradas por boa parte da população,

sendo destratadas e transformadas em seres invisíveis, ficando a parte dos direitos

sociais assegurados pela Constituição. Outro viés das políticas sociais é seu caráter

seletivo, caracterizados pela escassez de recursos e burocracia que transformam

“exigências ou critérios” para o acesso, em mecanismos de discriminação e

distanciamento de acesso aos direitos de todo e qualquer cidadão, já que se

pretende um serviço universal.

Desta maneira, este duplo preconceito sofrido por esses indivíduos

caracterizam umas das formas mais frequentes e comuns de discriminação, o que

48

dificulta a busca por seus direitos no âmbito da saída da situação de rua e/ou o

tratamento para dependência química dificultando ou impossibilitando sua

reinserção social.

Por se configurarem um grupo de risco devido sua vulnerabilidade social,

a partir do ‘Plano Fortaleza de Prevenção e Atenção Integral aos Usuários de Crack

e Outras drogas’. pode-se dividir este grupo em dois, sendo um em Fatores de

Risco: quando esses fatores tornam essas pessoas mais vulneráveis a ter

comportamentos que podem levá-las ao uso ou abuso de drogas (esta situação é

muito comum para população em situação de rua por estar constantemente em

situação de vulnerabilidade). E o outro em Fatores de Proteção, quando esses

fatores por sua vez, consegue contrabalancear as vulnerabilidades que possam

encaminhar esses sujeitos ao uso ou abuso de drogas (diminuindo as possibilidades

ou situações que possam levá-las a fazer uso de drogas).

É exatamente neste momento e neste sentido que entram em ação

algumas instituições filantrópicas com ações religiosas, comunidades terapêuticas,

abrigos, albergues, CAPS - AD e até mesmo hospitais. Objetivando a redução de

danos que facilitem ou favoreçam a busca pela superação das adversidades

encontradas a fim de buscar possibilitar sua reinserção tanto no âmbito familiar

quando viável quanto no âmbito profissional, foram criados no município de

Fortaleza três serviços específicos para esta população, sendo estes: Centro de

Referência Especializado para População em Situação de Rua – CENTRO – POP, o

Espaço de Acolhimento Noturno – EAN e o Serviço Especializado de Abordagem de

Rua que juntos buscam assegurar atendimento e atividades direcionadas para o

desenvolvimento da sociabilidade, objetivando o fortalecimento de vínculos

interpessoais e familiares, por meio da articulação dessa rede de serviços para

população de rua.

Muitos desses indivíduos que estão às margens da sociedade, tanto por

causa de sua doença como por estarem nas ruas não se sentem capazes de

reconstruir suas vidas, seus objetivos e sonhos. Diante dessas adversidades e

necessidades aqui apresentadas, atualmente o conceito de prevenção se ampliou

ao ponto de estar atrelado à “Promoção de Saúde”.

49

3.2 – Histórias de vida: Percepções de uma parcela da população que tem seus

direitos violados ou negados e sua dignidade desrespeitada

As histórias de vida a serem relatadas a seguir mostram bem esta

realidade, nos levam a pensar sobre as características e condições em que se dão

estas realidades de discriminação e exclusão. Essas histórias se dão a partir

situações consideradas comuns, como por exemplo, caracterizadas pelo

desemprego, ou ao contrário, a partir de situações limite, de extrema fragilidade ao

se sentirem abandonados, deixados de lado ou para trás. Estas considerações se

dão a partir de relatos e vivências dessa parcela da população que muitas vezes

vêem nessas instituições de apoio e “promoção” de direitos, uma estratégia de

sobrevivência o que não significa necessariamente a busca da superação desta

situação. Não se pode negar também as fragilidades e lacunas dessas instituições,

que se tornam paliativos no que diz respeito ao enfretamento e combate a esta

expressão da questão social:

Para SILVA, 2006, esta questão é reproduzida por meio do sistema em

que vivemos:

Pode-se dizer que o fenômeno população em situação de rua vincula-se à estrutura da sociedade capitalista e possui uma multiplicidade de fatores de natureza imediata que o determinam. Na contemporaneidade, constitui uma expressão radical da questão social, localiza-se nos grandes centros urbanos, sendo que as pessoas por ele atingidas são estigmatizadas e enfrentam o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade. É um fenômeno que tem características gerais, porém possui particularidades vinculadas ao território em que se manifesta. No Brasil, essas particularidades são bem definidas. Há uma tendência a naturalização do fenômeno, que no país se faz acompanhada da quase inexistência de políticas públicas para enfrentá-lo (SILVA, 2006, p.95).

Para compor este último capítulo serão utilizadas “narrativas de vida” ou

“histórias de vida” a fim de contar a realidade de três pessoas que são dependentes

químicos e estão em situação de rua no Município de Fortaleza, buscando

esclarecer a relação existente ou não entre ambas situações, bem como, conhecer

as dificuldades enfrentadas por essas pessoas. Sua relação com as políticas

públicas existentes que foram desenvolvidas para amparar e buscar promover a

50

reinserção social para esses indivíduos historicamente discriminados por suas

condições marginais e fragilidades.

Este tipo de narrativa (histórias de vida) mostra sua importância ao buscar

compreender, apreender e apresentar alguns tipos diversos de formas de vida, sua

dinamicidade e realidades que em dado momento condiz com as experiências de

boa parte dessa parcela da população, sua relação com suas famílias e o meio

social em que estão inseridos. Para Daniel Bertaux (2010, p 12).

Em Ciências Sociais, a narrativa de vida resulta de uma forma particular de entrevista, a “entrevista narrativa”, durante a qual um “pesquisador” (que pode ser estudante) pede a uma pessoa, então denominada “sujeito”, que lhe conte toda ou uma parte de sua experiência vivida. Mas, essa abundancia contrasta fortemente com a escassez de métodos propostos para observar empiricamente a ‘a ação’: isto é, não só comportamentos pontuais como os comportamentos de voto ou de compra de uma numerosa população (para isso, as sondagens são o instrumento adequado), mas percursos de ação situada, executados por ‘atores’ ou ‘sujeitos’ dotados de determinada densidade humana (...) O interesse das narrativas de vida, quando as coletamos nessa perspectiva, é que elas constituem um método que permite estudar a ação durante seu curso.

A primeira história de vida fala de um indivíduo de apenas vinte e nove

anos de idade, que muito embora tenha pouca idade relata já ter vivido muito,

chegando ao ponto de se sentir velho. Nasceu na cidade de Fortaleza onde vive até

os dias atuais, tem quatro irmãos sendo este o segundo mais novo, órfão de pai

desde os doze anos, mantêm contato esporádico com a família por não querer que

estes saibam de seu paradeiro e menos ainda de sua situação. Com sua mãe,

estabeleceu relativo distanciamento por não se sentir a vontade ao saber que o

conhecimento de sua situação certamente causaria muita dor e tristeza a todos.

História I

J.B está há vários anos em situação de rua e por diversas vezes esteve

acolhido no EAN. Sempre que se sente apto para seguir sua vida e buscar realizar

seus planos, caminhando com suas próprias pernas decide sair da instituição em

que se encontra e vai tentar a vida. Outras tantas vezes, esteve em comunidades

terapêuticas e também quando se sentia preparado e em condições de seguir sua

vida fora da instituição, decidia sair. Quando saía, conseguia manter-se em

51

abstinência durante certo período, mas como ele mesmo diz: “tinha a sensação de

que vários caminhos e portas se fechavam, menos uma, que era sempre o caminho

das drogas” e por não conseguir enxergar outras alternativas acabava recaindo e

voltando não ao ponto de partida, “ao fundo do poço” que era o uso de drogas e a

situação de rua.

De acordo com J.B, tudo começou quando ele tinha quatorze anos de

idade e jogava em um time de futebol do seu bairro. Certo dia, após o final de uma

das inúmeras partidas, o então responsável pelo time, reuniu o time e outras

pessoas envolvidas e saíram para comemorar, esta comemoração foi regada a

cerveja e cachaça. Esta acabou sendo sua primeira experiência com substância

psicoativa. Isso ocorreu durante um longo período até que seus pais perceberam

que o filho fazia uso de bebida alcoólica e o chamaram para conversar, foi aí que ele

contou como tudo começou. Sua mãe ficou muito chateada com o “responsável”

pelo time, aquele que se propunha a cuidar da educação e formação daqueles

adolescentes. Sua mãe decidiu então tirar (J.B) do time, mas tanto tempo envolvido

com bebidas e “diversão” e sentido a necessidade de conhecer novas formas de

prazer ele acaba experimentando outros tipos de drogas

“Usei quase todos os tipos de drogas, maconha, mesclado, cocaína, crack e tudo o mais que pudesse me proporcionar qualquer tipo de prazer, só não fiz uso de drogas injetáveis porque não tive oportunidade, porque as pessoas que faziam parte do meu grupo não faziam esse tipo de uso das drogas”.

Durante este período de sua vida, para manter seu vício, conseguia

dinheiro com seus familiares por meio de mentiras, inventando histórias e situações

para comovê-los. Durante a conversa, ele diz orgulhar-se de nunca ter roubado nada

de nenhum familiar e nem objetos de sua casa por ainda conseguir manter alguns

valores morais. Com o tempo, J.B foi se dando conta do que estava fazendo, ao

enganar sua mãe e família (seu pai faleceu quando este tinha apenas doze anos de

idade) e por pensar que não mereciam passar por aquela situação resolveu sair de

casa. Fazendo parte de uma família composta por quatro filhos, em que J.B é o

segundo mais novo.

52

“Passei por algumas comunidades terapêuticas, fiquei acolhido e sendo assistido por meses, mas sempre quando saía eu recaía, e tudo isso, essas recaídas era por falta de “inteligência”, porque depois percebo que após fazer uso dessas substâncias, me arrependo, sinto que tudo o que foi conquistado desaparece e assim volto à estaca zero”.

Comenta que sempre ao sair das comunidades terapêuticas nas quais se

internava, não procurava ninguém de sua família por não querer causar expectativas

e/ou transtornos para aqueles que o ajudaram, apoiaram que mesmo assim foram

“traídos” por J.B.

Ele conta uma de suas experiências nas comunidades, pois por possuir o

hábito da leitura, se comunica muito bem e sempre que tinha uma oportunidade se

dirigia ao púlpito e expunha suas experiências, suas opiniões, suas fraquezas, sua

relação com as drogas, criticando algumas atitudes de seus colegas que usavam a

dependência química como “desculpa” para cometerem pequenos delitos e se

fazerem de vítimas.

Por meio de suas colocações no púlpito ou em reuniões e discussões, ele

relata que conseguia que algumas dessas pessoas revissem suas atitudes,

auxiliando-os no enfrentamento à dependência química. No entanto, quando saia da

comunidade voltava a fazer uso de drogas.

“Algumas vezes, ‘largado’ nas ruas, cheguei a encontrar alguns de meus ex-colegas de tratamento e quando era reconhecido por eles, ficavam em estado de choque, porque muitos deles contavam que haviam conseguido parar de fazer uso de drogas por causa dos meus incentivos, apoio e experiências que eu relatava”

J.B diz que a convivência entre eles faz com sinta vergonha de si

mesmo. Por não querer voltar para casa, passou a viver em situação de rua e para

que sua família não soubesse, inventava histórias, como por exemplo: estar

trabalhando, ou até mesmo desempregado e assim pedindo dinheiro á sua mãe para

se manter. Não trabalha porque diz que os únicos empregos que encontra não o

agradam. Ele conta que certa vez, um colega seu havia deixado o próprio filho

empenhado com um traficante por causa de dívidas de drogas e que a criança só

havia voltado para casa porque a então esposa do seu colega conseguiu pagar a

dívida.

53

Ele conta também que além das comunidades terapêuticas, sempre que

era acolhido pelo EAN era também encaminhado para ser acompanhado pelo

CAPS, mas que sempre largava o tratamento logo no início porque não considerava

um método eficiente e que pudesse ajudá-lo a se desvincular ou ter força para lutar

contra seu vício e como justificativa para sua não aderência ao tratamento utilizava o

argumento de que tinha que trabalhar para se sustentar e poder custear seu próprio

aluguel e assim sair de vez da situação na qual se encontrava.

“Quero sair desse tipo de vida, sempre que volto a fazer uso de drogas eu perco o controle, recaio de vez, uso tudo o que eu puder e como puder. Aí quando o efeito começa a passar e eu me dou conta da besteira que fiz eu fico deprimido. Às vezes eu passo mais de uma semana para voltar ao meu estado normal, fico desnorteado, com a mente toda bagunçada. Fico sem saber o que faço, quem sou e o que quero”.

J.B sempre julgou essas políticas de enfrentamento e combate as drogas

como uma forma de enganar a si próprio, porque sabia que se fizesse o tratamento

estaria cedendo aos desejos de uma sociedade doente e hipócrita. E não ajudava as

pessoas em situação de rua a conseguirem mudar de vida, porque os que

trabalhavam durante o dia com reciclagem ou outros tipos de trabalhos tinham que

faltar e deixar de ganhar dinheiro para poder participar das oficinas, das reuniões e

rodas de conversas, por isso alguns colegas seus preferiam faltar a deixar de ganhar

dinheiro, mesmo porque as instituições às vezes não dão nem vale transporte e eles

têm que atravessar a cidade andando para chegar até os locais de destino. Ele cita

o exemplo de um colega seu que tinha que ir do EAN até o CAPS para participar dos

eventos e de lá ir para o CENTRO – POP ou então ir às consultas nos postos de

saúde tudo isso a pé5. Mencionando também a questão da alimentação servida que

era precária. Às vezes eram apenas biscoitos com um pouco de café e isso não era

o suficiente para conseguirem ficar o restante do dia sem comer, pois se não

conseguissem dinheiro para almoçar só iriam se alimentar à noite no próprio EAN.

À época, J.B encontrava-se acolhido no EAN, mais uma vez dando início

a busca de sua reinserção social e continuidade ao tratamento para dependência

química no CAPS – AD da SER II. Diz que dessa vez está mais aberto para ouvir e

buscar seguir o que os profissionais orientam e dessa maneira respeitar e

5

EAN – Rua Limoeiro do Norte, Nº 418, Joaquim Távora; CAPS – AD – Rua Manoel Firmino Sampaio, Nº 311, Cocó; CENTRO - POP – Rua São José, 01, Centro.

54

compreender o trabalho desses profissionais, a importância deles para o sucesso de

seu tratamento e de sua jornada. J.B cita também a capacitação e o

comprometimento desses profissionais com o que se propõem a fazer.

O segundo relato conta um pouco da história de vida de um homem,

algumas de suas experiências, sua relação com a família e a sociedade. Fatos estes

que tem grande relevância para a compreensão de como se deram sua inserção nos

caminhos do mundo das drogas que resultou ou facilitou sua ida para as ruas,

passando a situação de rua.

História II

C.L é um adulto de quarenta e cinco anos de idade, nasceu no município

de Juazeiro do Norte, mas mora nesta capital há mais de vinte anos. Veio parar

nesta cidade por causa de uma oferta de emprego que havia conseguido por meio

de um amigo de seu pai. C.L tem por profissão a arte de pintar paredes, mas conta

que quando mais moço queria mesmo era ser médico, professor ou qualquer outra

profissão que lhe ajudasse a proporcionar a família uma vida melhor, com melhores

condições. Relata que ao chegar aqui, nesta capital, foi morar durante um período

com este amigo de seu pai.

“Ainda morei com ele por uns seis meses, mas por causa de um pequeno desentendimento eu decidi não mais continuar naquela casa. Aconteceu que eu fui pego na cama com a mulher do Zé. Mas a culpa não foi só minha não, porque assim que eu cheguei naquela casa ela ficava só me olhando e como a carne é fraca eu não resisti e ficamos desse jeito por algumas semanas”.

Emocionado, relembra os momentos bons que teve, quando morava com

os pais tudo era bom. Passavam por certas dificuldades, mas eram felizes. Em

tempos de “vacas magras” comiam apenas feijão com farinha, mas em tempos de

“vacas gordas” a situação se invertia e sua família conseguia até mesmo ajudar

outras famílias mais carentes. Ele conta que é o mais velho de sete filhos, fora os

outros três que morreram logo após nascerem. Seus pais hoje, ainda vivos, não têm

muito contato com o filho que atualmente vive em situação de rua há pelo menos

dez meses. Diz que é melhor assim, acha melhor pensarem que ele morreu ao

saber que está nesta situação desumana.

55

Em nosso primeiro contato, C.L não falou muito, talvez por causa do

receio e até vergonha de se expor, mas depois de nosso segundo encontro

começou a desabafar suas desventuras, mágoas e desilusões.

Logo após sair da casa do seu Zé como chamava o senhor que o acolheu

em sua casa, saiu também da empresa onde trabalhava e passou a viver numa

pequena casa no bairro Vila Manoel Sátiro. Conseguia pagar o aluguel com o

dinheiro que recebia dos pequenos trabalhos que fazia em marcenarias ou pintando

casas, profissões estas aprendidas durante a adolescência. Passou por momentos

difíceis ao não conseguir pagar seu aluguel, nem mesmo se alimentar, chegando ao

ponto de ser despejado. Durante o tempo em que esteve sem emprego fixo e sem

ter como pagar o aluguel de uma casa, ele ficou na casa de amigos e colegas.

C.L Contou que desde muito novo bebia cachaça e que tinha adquirido

este hábito com seu pai que dizia: “cabra macho bebe cachaça desde pequeno”. A

partir desses acontecimentos passou então a fazer uso de álcool com mais

frequência, mas nada que comprometesse sua vida. Certo dia, em decorrência de

indicações, devido seu bom trabalho enquanto pintor, arte adquirida e aprimorada

com o tempo, conseguiu um novo emprego, “mas este agora era com carteira

assinada, tudo direitinho”. Alugou novamente uma nova casa, dessa vez bem maior

e no mesmo bairro, ele conta que ficava sempre naquele bairro porque gostava da

vizinhança e também porque lá morava uma moça muito bonita e que de vez em

quando olhava e sorria para ele. Depois de quase um ano começou a namorar a tal

moça e meses depois se casaram e com ela teve três filhos. Quando fala de seus

filhos, C.L se emociona e chora, dizendo que já fazem cinco meses que não os vê.

Ao questioná-lo sobre o porquê desse longo tempo sem contato com seus filhos ele

se cala. Levantei e fui pegar um pouco de água para acalmá-lo e procurando

restabelecer o vínculo que tinha conseguido criar. Disse que compreendia sua

dificuldade em relembrar fatos tristes de sua vida e que ele estava livre para

continuar ou não sua história.

Após se refazer da emoção, perguntei novamente por que não via os

filhos há tanto tempo e ele começou a contar. Disse que seus três filhos têm dez,

sete e cinco anos, sendo os dois mais velhos meninos e a mais nova uma menina,

que moravam atualmente com a mãe. Disse também que durante muito tempo viveu

com sua esposa e seus filhos harmoniosamente, sem problemas ou confusão.

56

Quando o primeiro filho veio, foi uma festa só. Depois veio o segundo e outra

alegria, tudo correndo bem. Sem esperar, vem mais um filho, dessa vez uma menina

e assim se sentia realizado. Trabalhava muito, sempre buscando prover o sustento

de sua família, cuidando de todos com muito carinho e amor, mas sempre fazendo

uso de álcool, porém tudo corria sempre muito bem.

Conforme o tempo foi passando, o uso do álcool passou a ser mais

freqüente. Seu rendimento no trabalho começou a ser comprometido, de maneira

que algumas dessas vezes ouvia reclamações dos seus chefes, o que o deixava

mais irritado e sem paciência. Pedi então que me explicasse essas mudanças de

humor. Quais eram os motivos para essa alteração de humor e o que acontecia

quando ele perdia a paciência?

Contou-me então que passou a beber mais por causa dos problemas no

trabalho, as cobranças que sofria por parte de seus chefes e também das cobranças

da esposa com seus horários. Outro motivo eram as crianças que brigavam muito e

conforme o tempo foi passando, tudo isso fazia com que ele procurasse chegar mais

tarde em sua casa e assim evitar brigas e aborrecimentos com os filhos e com a

esposa.

Com esses acontecimentos e aborrecimentos, passou a beber mais e até

a experimentar outras drogas (citou fazer também uso da maconha e da cocaína).

Em decorrência desse uso desenfreado e da posterior dependência química, perdeu

o emprego por não conseguir mais entregar seus trabalhos no prazo estabelecido e

seus serviços não apresentavam mais a qualidade e o capricho de antes.

Quis saber quais motivos o tinham feito sair de casa? Ele prontamente

responde dizendo que foi por causa de uma “briga feia” com a esposa, que resultou

em agressão física por parte dele e com receio de acontecer algo pior resolveu sair

de casa. Após sua saída, ficou três meses num quarto alugado próximo onde

morava.

“Nesse tempo eu passei a usar essas substâncias psicoativas todos os dias e fez com que o meu rendimento no meu trabalho diminuísse e por isso eu fui demitido. Mas recebi os meus direitos trabalhistas todinhos e dei boa parte do dinheiro pra minha esposa, para ela cuidar dos meninos, dos nossos filhos”.

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Recebeu seguro desemprego durante alguns meses e isso o permitiu

pagar o aluguel do quarto onde dormia e continuar ajudando sua esposa no que

fosse possível. Quando o seguro acabou, com ele veio o desespero por saber que

no momento não havia outra fonte de renda e que suas dificuldades iriam aumentar.

Do quarto mês em diante, não conseguiu mais auxiliar a esposa no cuidado dos

filhos e embora sua esposa trabalhasse, C. L não se sentia bem ao não poder

prover o sustento de sua família.

Relata que após perder o emprego, não conseguia mais encontrar outro

trabalho e por isso bebia quase todos os dias, o dia inteiro. Foi despejado do quarto

em que dormia. Tentou se reconciliar com sua esposa, mas não obteve êxito.

Sentia-se fracassado por não conseguir “sustentar” os próprios filhos, daí então

passou a dormir numa oficina de um conhecido, mas que depois de algumas

semanas foi “morar” de vez nas ruas. Passou por situações ruins como: fome,

humilhação e o pior foi o distanciamento dos filhos. Sempre que pensa nos filhos fica

triste e logo procura beber para esquecer.

Atualmente vive em praças de vários bairros da cidade, prefere não ficar

em um lugar fixo e sempre distante de onde sua esposa e seus filhos moram ou

possam estar. Questionado sobre como faz para sobreviver, ele afirma que sempre

procura dar um jeito. Normalmente quando se aproxima da hora do almoço, ele fica

perto de restaurantes e lanchonetes, pedindo um “prato de comida”. Orgulha-se de

nunca ter precisado roubar para comer, mas diz que já se envolveu em uma briga

por causa de uma refeição. Nem sempre a gente encontra uma alma caridosa que

consiga nos ajudar a matar a muita fome:

“Quando tô muito triste e quero ‘esquecer’ os problemas eu procuro conseguir dinheiro me oferecendo para cuidar de carros e assim compro qualquer bagulho que alivie minha dor, mesmo que o efeito passe, mas pelo menos eu saio de mim, da realidade”.

Durante nossas conversas, disse várias vezes que se sentia um lixo e já

havia tentado tirar a própria vida porque se sentia sozinho no mundo, mesmo

sabendo que não estava, não mantinha contato com os pais há muito tempo e agora

estava acontecendo o mesmo com seus filhos.

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Questionado se conhecia alguma política pública na capital para

população em situação de rua ou até mesmo tratamento para dependentes

químicos, ele disse que sim, mas que no momento não queria porque não acreditava

que pudesse ter sucesso, mesmo porque afirma que o uso de drogas não é o

causador de suas infelicidades.

Às vezes, o sentimento de impotência que esses indivíduos possuem, os

impedem de querer ou procurar superar as adversidades da vida. Outro fator

importante é o não reconhecimento da dependência química como causador de

desestruturação emocional e social, naturalizando as dificuldades decorrentes deste

uso desenfreado.

Esta história é sobre um indivíduo que como muitos outros tiveram sua

infância marcada pela violência, pela pobreza e acima de tudo pelo uso abusivo de

drogas, motivos esses que resultaram na negligência de direitos por parte da família

e do Estado que primeiramente deveriam garantir e assegurar sua integridade física,

moral e social.

História III

E.M nasceu no município de Fortaleza no ano de 1975 e há quatro anos

está em situação de rua. Atualmente, aos trinta e sete anos, é acompanhado pelo

Centro – Pop e pelo CAPS – AD, mas conta que não vai com frequência aos

equipamentos há pouco citados. E.M tem cinco irmãos, sendo que três deles ele

acha que moram com a mãe. Seu pai abandonou a família quando ele tinha apenas

quinze anos de idade e por ser o filho mais velho, começou a trabalhar para ajudar a

mãe com as despesas da casa.

“Quando eu era criança a minha família passava muitas necessidades financeiras. A gente morava lá no Bom Jardim em uma casa bem simples e ainda tinha o fato de meu pai beber muito e sempre que bebia ele batia na minha mãe, em mim e até nos meus irmãos pequenos”

De acordo com suas falas, as agressões eram tanto psicológicas como

físicas e isso fazia com que todos tivessem medo do pai, principalmente quando

chegava em casa falando alto. Ele conta que após anos de sofrimento, seu pai havia

59

conhecido uma mulher e ido morar com ela numa cidade do interior do Estado, a

partir de então nunca mais o viu. Este acontecimento ao mesmo tempo que trouxe

alívio, também trouxe desespero para a família, porque embora seu pai fosse uma

pessoa difícil de lidar, era ele quem sustentava a casa e com sua saída a situação

financeira havia ficado mais delicada. Foi a partir daí que E.M começou a trabalhar

fazendo pequenos serviços de jardinagem e em um mercadinho. Depois passou a

trabalhar como ajudante de pedreiro, mas disse que por ser um trabalho muito

pesado, ele desistiu.

“Depois de um tempo eu comecei a trabalhar num bar de um vizinho e por lá fiquei durante um bom tempo, acho que por dois anos. Nesse tempo, não deixei de frequentar a escola, mas as minhas faltas eram toda semana e isso fazia com que não conseguisse acompanhar o restante da turma”.

Aos dezoito anos já era o responsável pelo sustendo de sua família.

Relata não gostar muito de ter trabalhado no bar porque “via” a imagem de seu pai

naqueles homens que freqüentavam aquele ambiente. A lembrança do pai não o

agradava, pois tanto sua mãe quanto ele e seus irmãos sofriam com os maus tratos

e ter que ver aqueles homens o dia todo, era ruim e o angustiava muito.

Conta que às vezes aos finais de semana saía com alguns amigos para

festas a fim de esquecer os “problemas da vida” e foi aí que começou a fazer uso de

maconha. Ele afirma que no início sofria pressão dos amigos e para não ficar para

trás, já que seus amigos usavam, resolveu experimentar. Conforme o tempo foi

passando, o hábito foi se transformando em vício e as curtições não eram mais

apenas durante os finais de semana e sim em alguns outros dias também.

Relata que normalmente, antes de sair para as festas, eles se reuniam

para fumar um baseado para entrar na “vibe” da noite. No entanto, essas

experiências não eram mais suficientes para garantir uma noite de curtição e foi aí

que E.M começou a usar o crack:

“Era muito boa a sensação, parecia que estava em outro mundo, fora de mim, mas assim que o efeito passava, eu me sentia mal por pensar que não teria um futuro bom se eu continuasse, mas sempre que tinha oportunidade eu usava novamente”.

60

Aos vinte e dois anos foi morar sozinho, queria cuidar se sua própria vida

sem ninguém para lhe perturbar ou fazer cobranças. Mesmo porque, após sua mãe

descobrir sobre seu vício, começaram as brigas e os desentendimentos. Sua mãe

exigia que parasse de usar as drogas e retomasse sua vida, pois não queria que

seguisse o mesmo caminho do pai que vivia sempre bêbado e por isso batia em

todos eles. Mas não parou, ao contrário, começou a fazer uso do crack com mais

frequência e isso acarretou a perda de seu emprego. Sem poder pagar o aluguel

sozinho e por não querer voltar para casa, começou a ficar vagando pelas ruas de

Fortaleza. Relata que durante dois meses ficou em um prédio abandonado no centro

da cidade e que por ali mesmo passou a ficar o dia inteiro, pois conseguia com

maior facilidade alguns trocados que usava para comprar mais drogas.

Ele afirma que muitas vezes usava uma grande quantidade de crack e

isso o deixava impossibilitado de sair, andar ou comer e que por isso, em pouco

tempo perdeu peso e ficou com a aparência debilitada.

“Durante o dia eu ficava nas praças, nos restaurantes ou então em frente aos bancos, principalmente no meio e final de cada mês porque eram dias de pagamentos e sempre tinha alguém que me ajudava. Algumas senhoras às vezes me davam dinheiro ou pagavam meu almoço”.

Certa vez, ficou durante dois meses internado em uma comunidade

terapêutica em Iparana, mas não conseguiu lembrar o nome da comunidade.

Durante o tempo em que ficou por lá, recuperou a autoestima, o peso perdido e até

mesmo o contato com sua família, que há muito estava fragilizado, quase rompido.

Conseguiu entrar nessa comunidade por meio de uma pessoa que havia conhecido

durante seu trabalho como jardineiro de uma casa. Ele relata que durante o período

em que ficou por lá (na comunidade) tudo no início era muito difícil, controlado e

chato. Às vezes ficava se perguntando por que estava ali? Já que quando quisesse

parar de usar aquelas substâncias ele conseguiria parar.

Houve desentendimentos, brigas e confusões causados por ele dentro e

fora daquele “centro” de recuperação. “Durante o dia e a noite era muita oração,

reuniões, às vezes tinham palestras, não agüentava mais!”. Mas, conforme o tempo

foi passando, ele foi se adaptando aquela nova realidade. Dois meses depois

61

decidiu sair, pois já estava com saudades da vida lá fora e queria trabalhar, namorar,

viver.

Lembra que saiu numa segunda-feira e foi direto para casa da sua mãe e

seus irmãos. Disse que no começo foi bom, sua mãe e seus irmãos o tratavam bem,

ele ficava a maior parte do tempo dentro de casa. Mas uns cinco ou seis dias depois,

ouviu um de seus irmãos irritado falando para sua mãe que não achava legal “ele

ficar o dia inteiro só em casa”, tinha que trabalhar para ajudar nas despesas.

“Quando ouvi aquilo fiquei triste, me senti um inútil, um imprestável. Minha vontade naquele momento era de sumir, mas mesmo assim eu ainda esperei mais um dia fingindo que nada havia acontecido. No outro dia eu saí de casa novamente e disse pra minha mãe que estava indo procurar um emprego, mas nunca mais voltei e nem pretendo voltar. Não preciso deles”.

Ficou vagando pelas ruas durante o dia triste e não parava de pensar nas

duras palavras do seu irmão. Sua tristeza maior era saber que durante muito tempo

trabalhou duro para ajudar a mãe a sustentar os irmãos e naquele momento que

tanto precisava de apoio e incentivo não os tinha. Então à noite foi para um dos

lugares que freqüentava quando comprava drogas e voltou a fazer uso, só que

dessa vez com uma vontade de usar até morrer porque não era ninguém. A partir de

então, não tem mais contato com seus familiares e diz não querer vê-los nem

“pintados de ouro”. Conclui dizendo que a vida é assim mesmo, você só vale o que

têm. As pessoas só te valorizam quando você tem alguma coisa para oferecer, mas

quando está por baixo, passando necessidade, nem mesmo seus parentes te tratam

como gente.

Hoje em dia assume seu vício, sua dependência, sua doença. Mas,

mesmo assim, diz que não quer saber de sua família, que seus amigos são aquelas

pessoas “que distribuem comida à noite em alguns pontos da cidade porque vão ali,

distribuem a comida, às vezes roupas também, perguntam como você está e pronto,

vão embora, não ficam no seu pé, dizendo o que pode ou não fazer”.

Ainda segundo ele, “desde quando comecei a frequentar o CAPS / AD, eu

fiquei mais animado, lá tem atividades, reuniões, futebol, aulas de violão e tudo

mais. Só que às vezes quando eu sinto vontade de usar ‘alguma coisa’, eu não vou.

Passo um, dois, três dias sem aparecer. Já fiquei até dois meses sem aparecer por

lá. Quando faço uso [referindo-se às drogas] fico sem paciência, sem ‘saco’ e nem

62

apareço. É sempre assim, quando alguém some é porque está fazendo uso nas

bocadas”.

“Já perdi meus documentos umas três vezes e com eles perdi minha

dignidade, minha força de vontade, tudo junto. Já tentei me matar várias vezes, mas

ainda não chegou minha hora”, ressalta ele, ambiguamente, em meio a risos.

Diz em tom de promessa “um dia eu vou dar a volta por cima, vou

recuperar minha vida e meu orgulho. Não adianta eu ficar só passando pela vida,

sem planos, sem objetivos, já tenho trinta e sete anos não sou mais nenhuma

criança. Ainda quero ter uma casa, conhecer uma mulher bem bonita, me casar e ter

filhos, uns quatro filhos e reconstruir minha vida. Quero morar no interior, qualquer

cidade do interior, porque assim vai ficar mais fácil para eu ficar longe de confusão

na minha vida. Para isso preciso só diminuir ou parar de fazer uso dessas coisas do

‘cão’, isso não é de Deus. Quando estou fazendo o acompanhamento e o tratamento

bem certinho eu me sinto mais forte. Tomo banho com mais freqüência, cuido mais

da minha aparência e fico mais alegre. Me sinto mais humano, me sinto mais gente”.

3.3 – Relações e reflexões sobre as histórias de vida desses indivíduos que

representam uma parcela da população cearense

As histórias acima contadas mostram situações e histórias de vida de três

cearenses que vivem no Município de Fortaleza que são dependentes químicos e

estão em situação de rua, bem como suas semelhanças e diferenças que apontam

para um fenômeno cada vez mais presente na sociedade cearense, principalmente

nesta capital que nada mais é do que o resultado da questão social de uma

sociedade capitalista que prega o individualismo, o egoísmo, e uma busca

desenfreada por um ideal de vida e de felicidade contraditória no que diz respeito as

necessidades reais e básicas de um ser humano.

Na vida, vários são os fatores que induzem ou contribuem para um futuro

possivelmente promissor ou não. Estes três casos revelam as dificuldades

enfrentadas por pessoas que tem suas vidas dilaceradas ou divididas pela pobreza e

suas conseqüências. Essa vulnerabilidade que afasta, marginaliza e exclui aqueles

que são considerados fora de um padrão ideal estabelecido.

63

Nessas três histórias percebe-se a estreita relação existente entre

pobreza e exclusão social, bem como dependência química e situação de rua. No

entanto, a dependência química necessariamente não resulta em situação de rua ou

vice e versa. Em comum, essas histórias mostram que o uso abusivo de substâncias

psicoativas para se obter de alguma maneira a satisfação de prazeres ou a busca do

alívio de situações extremas de estresse advindas das sociedades contemporâneas

elevam a classe trabalhadora ao patamar de uma população socialmente excluída.

Esses indivíduos oriundos da classe proletária mostram que as relações

sociais cada vez mais fragilizadas e superficiais, estão deixando os seres humanos

cada vez mais vulneráveis e propensos a desenvolverem hábitos e costumes que de

certa maneira expõem essa parcela da população a situações de risco social. Antes,

na capital cearense um dos principais motivos que levavam uma pessoa a estar em

situação de rua era a imigração de sertanejos refugiados da seca em busca de

melhores condições de vida, no entanto, atualmente o que se tem como principal

motivo de ida para as ruas é a dependência química. A partir da analise das histórias

de vida desses indivíduos, se tem a visão de uma expressão da questão social

estabelecida e intensificada pelo sistema capitalista contemporâneo que cada vez

mais desestrutura e desestabiliza o homem.

As políticas públicas por sua vez, incapazes de suprir as necessidades

básicas de uma população cada vez mais carente de serviços públicos de qualidade,

se vêem as margens da sociedade.

De acordo com os relatos, suas vidas sofreram grande influência de uma

sociedade conservadora, manipuladora e paternalista, contribuindo para que

tivessem uma vida repleta de desafios e contrastes. Uma sociedade que não

respeita os direitos da criança e do adolescente, que os colocam como se fosses

“objetos” pertencentes aos adultos e não como cidadãos. Outra situação recorrente

é o uso frequente e abusivo de álcool e outras drogas ocasionado por influências

exercidas pelos pais, por “amigos” e até mesmo pela sociedade em geral quando

prega a busca pela satisfação pessoal e que vem se caracterizando como uma das

grandes preocupações e problemas sociais de que se tem notícia.

Nesses três casos específicos, foi exatamente não apenas o uso, mas a

dependência de substâncias psicoativas que resultaram no fenômeno denominado

como população em situação de rua, caracterizando a relação existente entre essas

64

duas situações. Outro fato importante entre as histórias relatadas é a fragilização e

até mesmo rompimento dos laços familiares, que mais uma vez mostra a

necessidade do ser humano em se relacionar socialmente e que quando essa

relação é rompida, há normalmente uma desestruturação da vida social.

A dependência química na história dessas pessoas mostrou-se como o

grande causador de boa parte das dificuldades enfrentadas desde suas infâncias e

adolescência atingindo a fase adulta e isso traz a tona uma grande preocupação,

pois como é de conhecimento de grande parte da população e como citado no

primeiro capítulo, a dependência química é uma doença reconhecida pela OMS e

que adoece não apenas quem faz uso dessas substâncias, mas também toda sua

família e até mesmo aqueles que se relacionam com esses dependentes.

As políticas públicas criadas e voltadas para a prevenção e combate ao

uso de drogas em território nacional, assim como boa parte das políticas públicas,

normalmente não conseguem atender a grande demanda existente tornando os

serviços prestados insuficientes. Dessa maneira os serviços tornam-se seletivos.

Somando-se a esta difícil realidade há também a relação mencionada anteriormente

entre dependência química e situação de rua, configurando assim uma dupla

fragilização de indivíduos historicamente excluídos e desprotegidos socialmente.

De acordo com suas falas o que o governo nacional e municipal

disponibiliza não é suficiente, não contempla as necessidades mais básicas de um

dependente químico, nem mesmo de uma pessoa em situação de rua e pior ainda é

a situação de um indivíduo que esteja inserido nesses dois grupos pessoas.

65

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso de substâncias psicoativas advêm de civilizações antigas, por meio da

utilização de algumas plantas, na constante busca da transcendência espiritual.

Inicialmente utilizadas basicamente em rituais religiosos, no entanto, com o

passar dos tempos, com o surgimento de técnicas avançadas de conservação e

isolamento do princípio ativo de certas substâncias, ocorrem os primeiros casos de

dependência química, tornando-se uma grande preocupação social, sendo que

atualmente é uma das principais expressões da questão social de que se tem

notícia.

Algumas dessas drogas têm efeitos devastadores na vida de uma pessoa,

acarretando distúrbios e/ou transtornos mentais, podendo ocasionar o

distanciamento da realidade e até sua “morte social”.

Uma das consequências do capitalismo é a intensificação das desigualdades

sociais já existentes, exemplo disso é o fenômeno População em Situação de Rua,

que por sua vez tem seus direitos negados enquanto cidadãos. Essa população vive

basicamente em grandes centros urbanos, por proporcionar maiores condições para

sua sobrevivência. Em sua maioria, vivem na informalidade por não conseguirem se

encaixar no mercado de trabalho formal, tornando-se marginalizados socialmente.

No Ceará, o surgimento da população em situação de rua se deu por meio

das grandes secas que obrigavam os sertanejos a procurarem melhores condições

de vida em outras cidades, principalmente na capital Fortaleza. Atualmente, um dos

principais motivos que levam alguém a estar em situação de rua é a dependência

química, que por sua vez agrava ainda mais as dificuldades historicamente

enfrentadas por esta parcela da população, por se tratar de uma dupla

marginalização e exclusão social.

Diante das três histórias de vidas relatadas, o estudo mostrou a recorrente

relação entre dependência química e população em situação de rua. Esta relação

apresentou-se normalmente atrelada a fatores como a pobreza e dificuldades

sociais relacionadas a ela, ou até mesmo atitudes conservadoras que impulsionam

essas pessoas para uma vida regada de restrições.

66

Os direitos dessas pessoas enquanto cidadãos são deixados de lado ou até

mesmo negados desde cedo, perpassando suas infâncias e adolescências

acarretando grandes dificuldades familiares e sociais relacionadas à suas vidas

chegando até a fase adulta. Contribuindo desta maneira para uma vida cheia de

adversidades, dificuldades e contradições ocasionadas muitas vezes por aqueles

que deveriam ser os seus verdadeiros guardiões.

As relações sociais estabelecidas entre os sujeitos entrevistados e as

pessoas que os rodeavam (famílias e amigos) mostraram-se muitas vezes

inconstantes e causadoras de boa parte das dificuldades sofridas por eles.

As histórias apresentadas apontam o uso de álcool como um hábito

hereditário e conservador, e até de inclusão social quando utilizado como meio de

inserção ou reconhecimento de determinado grupo, mas que resultaram em

dependência química ocasionado por uma devastadora busca de satisfação pessoal

disseminada pelo sistema econômico vigente.

Outra constatação por parte dessa pesquisa é a frágil relação entre estas

pessoas e as Políticas Públicas voltadas para este seguimento da população,

caracterizada pela falta de credibilidade dessas autoridades em buscar ampará-los

por meio de instituições e equipamentos que lhes garantam os mínimos necessários

para superação da situação na qual se encontram.

A dependência química nas três histórias de vidas foi o grande causador da

desestruturação social que por sua vez resultou na fragilização e rompimento dos

laços familiares, levando os sujeitos desta pesquisa a um estágio de vulnerabilidade

social ainda maior, a situação de rua.

O estudo mostrou que a dependência química acompanhada do estado de

situação de rua, é encarada por estas pessoas como um estado subumano de vida,

o ‘fundo do poço’ fazendo com que elas se sintam cada vez mais excluídas

socialmente e até mesmo se excluam do mundo considerado “normal” e que um dia

fizeram parte.

Por fim, mas não menos importante compreendi a real e imprescindível

importância da efetivação das Políticas Públicas já existentes para esta população,

a fim de colaborar para superação dessa situação e possibilitar sua reinserção

social.

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