1. a crise ambiental e social no mundo atual · diante dela e da situação de contrastes e de...

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1 Publicado originalmente: SANTANA, R . N. Monteiro (Org.). Piauí: Formação Desenvolvimento Perspectivas. Teresina, Halley, 1995. Digitalizado em 2013. A REALIDADE SOCIOAMBIENTAL DO PIAUÍ Iracilde Maria de Moura Fé Lima 1. A crise Ambiental e Social no Mundo Atual “O estabelecimento de uma 'nova ordem mundia l' não reconhece fronteiras nem latitudes: consiste em desafios globais para um desenvolvimento sustentado, buscando salvar a Terra e favorecer uma vida digna para a humanidade que nela habita”. Beatriz Bissio “A imagem de um país está na qualidade de vida de seu povo”. Esta frase inicia uma propaganda do governo federal brasileiro, veiculada pela rede de televisão, em 1995. Diante dela e da situação de contrastes e de conflitos em que vive a população brasileira, que é classificada entre as que mais sofrem injustiças sociais no mundo, pode-se perguntar: em que medida o governo e a sociedade têm consciência da necessidade e da responsabilidade na busca da qualidade de vida? Sabendo-se que a crise ambiental e social que hoje atinge todos os povos do mundo não ocorre de maneira isolada e que o Brasil e o Piauí nela estão mergulhados, procura-se, neste trabalho, discutir algumas questões relacionadas aos aspectos dessa crise vividos pela sociedade piauiense, buscando desde suas raízes até as discussões que se colocam como saída para o problema. Como marco histórico no desenvolvimento de uma nova postura do homem em relação ao meio ambiente, pode ser considerado o avanço científico e tecnológico que, ao possibilitar o início das viagens ao espaço sideral, na década de 1960, fez o homem “descobrir”, a partir daí, um mundo finito até então compreendido como ilimitado, na medida em que, esgotados os recursos de uma região, haveria sempre uma “nova fronteira” a ser explorada economicamente (CIMA, 1991, p. 13). Diante dessa nova realidade foi realizada a Conferência de Estocolmo, em 1972, quando foi discutido o Relatório “Uma só Terra”, de autoria de Bárbara Ward e René Dubos.

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Publicado originalmente: SANTANA, R . N. Monteiro (Org.). Piauí: Formação – Desenvolvimento –

Perspectivas. Teresina, Halley, 1995. Digitalizado em 2013.

A REALIDADE SOCIOAMBIENTAL DO PIAUÍ

Iracilde Maria de Moura Fé Lima

1. A crise Ambiental e Social no Mundo Atual

“O estabelecimento de uma 'nova ordem mundial' não reconhece fronteiras nem

latitudes: consiste em desafios globais para um desenvolvimento sustentado, buscando

salvar a Terra e favorecer uma vida digna para a humanidade que nela habita”.

Beatriz Bissio

“A imagem de um país está na qualidade de vida de seu povo”.

Esta frase inicia uma propaganda do governo federal brasileiro, veiculada pela rede de

televisão, em 1995. Diante dela e da situação de contrastes e de conflitos em que vive a

população brasileira, que é classificada entre as que mais sofrem injustiças sociais no mundo,

pode-se perguntar: em que medida o governo e a sociedade têm consciência da necessidade e

da responsabilidade na busca da qualidade de vida?

Sabendo-se que a crise ambiental e social que hoje atinge todos os povos do mundo

não ocorre de maneira isolada e que o Brasil e o Piauí nela estão mergulhados, procura-se,

neste trabalho, discutir algumas questões relacionadas aos aspectos dessa crise vividos pela

sociedade piauiense, buscando desde suas raízes até as discussões que se colocam como saída

para o problema.

Como marco histórico no desenvolvimento de uma nova postura do homem em

relação ao meio ambiente, pode ser considerado o avanço científico e tecnológico que, ao

possibilitar o início das viagens ao espaço sideral, na década de 1960, fez o homem

“descobrir”, a partir daí, um mundo finito até então compreendido como ilimitado, na medida

em que, esgotados os recursos de uma região, haveria sempre uma “nova fronteira” a ser

explorada economicamente (CIMA, 1991, p. 13).

Diante dessa nova realidade foi realizada a Conferência de Estocolmo, em 1972,

quando foi discutido o Relatório “Uma só Terra”, de autoria de Bárbara Ward e René Dubos.

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Perspectivas. Teresina, Halley, 1995. Digitalizado em 2013.

Difundiu-se então o conceito de que o mundo estaria entrando numa “economia de

astronomia”, em analogia às condições de uma “bola de vida” errante e indefesa num imenso

universo, pela “constatação de que o fluxo das atividades humanas ocorre dentro de uma

economia fechada, sem reservas ilimitadas de recursos ou de depósitos para absorver os seus

rejeitos” (op. cit, p. 16).

Essa nova percepção das limitações do homem e da técnica, frente a finitude dos

recursos naturais, fez despertar a noção de que, independentemente da vontade do homem,

todos os povos da terra estão ligados uns aos outros em direção ao mesmo destino. Constatou-

se também que os impactos ambientais hoje são sentidos de forma global. O efeito estufa, a

destruição da camada de ozônio e da chuva ácida, de responsabilidade dos países

desenvolvidos no hemisfério norte, obrigam os países subdesenvolvidos ou em

desenvolvimento do hemisfério sul a partilharem os custos das medidas corretivas desses

impactos, embora não compartilhem os benefícios que trazem o desenvolvimento.

Essas questões fizeram surgir à necessidade de outros encontros que discutissem os

problemas ambientais e suas implicações econômico-sociais não mais a nível restrito, mas

envolvendo todas as sociedades mundiais.

Importante passo nesse processo foi a criação da Assembleia Geral das Nações Unidas

(Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) que, presidida pela primeira-

ministra da Noruega, em 1987, publicou o relatório “Nosso Futuro Comum”, introduzindo

uma proposta de “desenvolvimento sustentado”, chamando a atenção do mundo para a

importância da cooperação e do multilateralismo no enfrentamento dos desafios desde final de

século. Esse modelo de desenvolvimento se aplica a uma realidade do meio ambiente

“diretamente relacionada com os problemas da pobreza, da satisfação das necessidades

básicas da alimentação, saúde e habitação, de uma matriz energética que privilegie as fontes

renováveis e o processo de inovação tecnológica” (op. cit, p. 18). Ainda na década de 1980,

foi criada a Comissão Latino-Americana de Desenvolvimento e Meio-Ambiente, que

publicou, em 1990, o documento “Nossa própria agenda”, estabelecendo com objetividade os

vínculos entre riqueza, pobreza, população e meio ambiente. Outras reuniões, como aquelas

que se realizaram no México em 1991 e no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92), trouxeram

grandes contribuições à discussão, possibilitando modificações na forma de encarar os

desafios sócios ecológicos que estão postos.

Ultrapassada a questão de oposição do meio ambiente em relação ao desenvolvimento,

o eixo do problema, antes concebido como técnico passou a ser encarado como

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responsabilidade social e política. Assim, paradoxalmente, evidenciam-se que grandes

diferenças que separam o mundo desenvolvido do mundo subdesenvolvido passaram a se

tornar um ponto de interesses comuns. Se de um lado, nas economias do primeiro mundo

altamente industrializado, os problemas do meio ambiente estão ligados à poluição pelo uso

excessivo dos recursos naturais, por outro lado, nos países subdesenvolvidos, os problemas

ambientais estão associados à falta de uso ou ao uso indevido dos seus recursos naturais.

No entanto, acreditam muitos especialistas, o interesse maior do primeiro mundo em

relação ao terceiro deve-se, principalmente, ao fato de que é neste onde estão localizadas as

reservas de recursos naturais, entre os quais se incluem as riquezas de biodiversidade, que já

foram consumidas/depredadas no mundo desenvolvido. Dessa forma, “no próximo século,

rico vai ser aquele país que dispuser de três elementos-chave para a ciência do futuro: água,

energia solar e biodiversidade” (BISSIO, 1994, p. 8).

Observa-se, porém, o crescimento da consciência de que o final do século XX se

caracterizará pelo esgotamento de um estilo de desenvolvimento, o qual se mostrou

ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto [...]. Também cresce

um consenso, a nível mundial, de que a crise ora instalada requer um enfrentamento através

de mudanças que exigem conteúdos mais precisos que lhe definam a direção, as premissas, os

compromissos e os limites (CIMA, 1991, p. 13).

O Brasil tem participado desta preocupação e de discussões, através de estudos

científicos, promoção de eventos, criação de órgãos governamentais e não governamentais,

entre outras ações, na busca da formação de uma mentalidade que inclua uma postura de

menor individualismo nas ações de parcela da sociedade, no caminho de implementação de

um modelo de desenvolvimento autossustentado.

Deve-se destacar, no entanto, que essas ações ainda estão num plano muito aquém das

necessidades, pois à exceção da campanha nacional em prol da cidadania e contra a fome,

coordenada pelo sociólogo Herbert de Sousa (o Betinho), as medidas do governo e da

sociedade ainda têm um caráter pontual (setorial, localizado e não contínuo). Assim, se todas

as medidas que se fizerem necessárias não integrarem um planejamento global em que,

paralelamente às ações corretivas se desenvolvam ações preventivas de investimento maciço

em educação formal e informal (para atingir a toda a população), saneamento básico geração

de empregos a médio e a longo prazos, implementadas em programas contínuos, não se

conseguirão mudanças econômicas e sociais de forma significativa para alcançar uma boa

qualidade de vida do povo brasileiro num futuro próximo.

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Diante desse contexto, procura-se evidenciar as condições em que encontra o Estado

do Piauí, destacando-se alguns dos grandes problemas ambientais e sociais que a sociedade

piauiense convive, em decorrência da relação cotidiana entre população e meio ambiente, nas

últimas décadas do século XX.

2. Dicotomia Sociedade x Natureza

“Os macroorganismos, representados pelos dinossauros, já dominaram o Planeta

Terra. Hoje, dominamos nós, meros mesoorganismos. Cepas até então desconhecidas e as que

se tornam resistentes começam a emergir e a predominar. Poderemos impedir que esses

microorganismos deem cabo da humanidade e instaurem no mundo”.

Isabel de Miranda Santos

A década de 1960 da nossa era inaugurou um período novo para a história das relações

homem x natureza. O programa de viagem ao espaço sideral abriu muitos horizontes à ciência

– descobertas, experiências, desenvolvimento de novas técnicas – que permitiram avanços em

muitas áreas do conhecimento. Devemos enfatizar que a maior contribuição, provavelmente,

tenha sido a de possibilitar ao homem perceber suas limitações diante da “fragilidade da vida,

imprensada – sabemos hoje – numa fina lâmina de água, de terra e de ar. Talvez tenha sido

necessário ver a Terra do espaço e descobri-la pequena e “azul”, dominada por mares, massas

continentais e nuvens, para poder dar início, nesta segunda metade do século XX, a mais uma

reviravolta radical na percepção de nosso próprio lugar: somos uma espécie entre outras,

vivendo numa nave errante, de cujo bom funcionamento de todos – microorganismos, plantas,

animais e seres humanos – dependemos por igual” (BENJAMIM, 1992, p. 7).

Diante dessa realidade o sentido maior da crise que vivemos hoje está ligado à

sobrevivência pois, “até recentemente, o planeta era um grande mundo, no qual as atividades

humanas e os seus efeitos estavam claramente compartimentados dentro de nações, de setores

(energia, agricultura, comércio) e de amplas áreas de interesses (ambiental, econômico e

social). Esses compartimentos começaram a se diluir. Isto se aplica em particular às várias

crises “globais” que preocupam a todos (...). Não são crises isoladas: uma crise ambiental,

uma crise energética, uma crise de desenvolvimento. São uma só (IBAMA, 1990, p. 17).

Dessa forma, essa crise passa pelo agravamento dos problemas de degradação, ao mesmo

tempo do meio ambiente e do próprio homem, pois, paralelamente à degradação dos recursos

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naturais, se amplia o número de pessoas que também se degradam porque perdem sua

identidade cultural e se tornam miseráveis, famintos até do pão de cada dia.

E como se instalou essa crise? Será ela tão recente?

A história nos mostra que, embora aparentemente recente, as raízes dessa crise são

bem antigas, pois decorrem essencialmente da postura que o homem foi adquirindo ao longo

do tempo, em relação à sua casa maior: a natureza.

Desde os primórdios da civilização, o homem demonstrava uma preocupação

filosófica voltada para a explicação do universo, da natureza e do próprio homem. Aristóteles,

por exemplo, já formulava concepções sobre a natureza em oposição ao homem. Mas é

Descartes quem supera a filosofia medieval e lança os fundamentos que se colocam como

sendo os alicerces do paradigma da modernidade, ao considerar o homem como “senhor e

possuidor da natureza”, transformando, consequentemente, a diferença homem-natureza em

hierarquia superior-inferior. Analisando a obra de Descartes, o Discurso do Método, fica

demonstrado que dois aspectos da filosofia cartesiana marcam o período da modernidade: “o

caráter pragmático que o conhecimento adquire (...) e o antropocentrismo, isto é, o homem

passa a ser o centro do universo, o sujeito, por oposição ao objeto, a natureza. O homem de

posse do método científico pode penetrar os mistérios da natureza, e assim torna-se todo-

poderoso” (GONÇALVES, 1988, p. 16).

Outros aspectos, ainda segundo o citado autor (op. cit), podem ser identificados como

exemplo da permanência/evolução dessa concepção, desde o sentido programático-utilitarista

do Renascimento ao mercantilismo e à revolução agrícola, que começam a se desenvolver a

partir daquela época, quando coloca que o dinheiro – equivalente geral de todas as

mercadorias – só se distingue pela quantidade, e que esta não tem limites. Daí decorre a

concepção de que “as leis da natureza estão escritas em linguagem matemática”, conforme

Galileu, e “tudo é número”, conforme Pitágoras. Ainda nessa perspectiva, podem ser

colocados outros exemplos, como o conceito de “povos primitivos” relacionados àqueles

localizados fora do mundo europeu civilizado, encontrados pelos viajantes durante as grandes

navegações. Esses povos foram vistos “como primitivos ou selvagens (o que quer dizer da

selva, da natureza), ou ainda “bárbaros” (que na designação latina significava originalmente

‘canto desarticulado das aves’, portanto, animal, natureza)... Do mesmo modo que no

cotidiano chamamos de 'burro' aquele que não entende o que se diz ou ensina; de cachorro ao

mau-caráter; de cavalo aquele que não é ‘bem-educado’... Selvagens, bárbaros, cachorros,

burro e cavalo são todos seres da natureza e se opõem à cultura, à civilização”. E como

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reforço a essa visão, Gonçalves (op. cit.) cita Hobbes, quando este afirma que o Estado seria

"representante da lei e da ordem, necessário, portanto, para que a civilização não retroceda à

natureza, à barbárie", justificando assim a "lei da selva" da "luta de todos contra todos". E

acrescenta ainda, a ideia de que as sociedades primitivas eram naturais, por que não tinham

escrita nem classes sociais. Nessa perspectiva, essa sociedades são julgadas por um modelo

exterior a elas e, como canta Caetano Veloso "Narciso acha feio tudo o que não é espelho",

por isso são desqualificadas.

Muitas situações resgatadas pela história podem confirmar que as consequências

dessa concepção não foram apenas filosóficas, mas também de ordem prática e com o apoio

de governo. Como exemplo, podem-se citar as ações de verdadeiros genocídios, que foram

praticados durante o período de colonização do Brasil, quando natureza e povos indígenas

foram degradados em nome da “cultura superior” europeia.

No caso do Piauí, o genocídio se traduz na extinção do índio das terras piauienses. Isto

porque, durante o processo de colonização nos séculos XVII e XVIII, esses povos

“primitivos” que aqui habitavam eram caçados e presos pelos bandeirantes com muita

violência, para serem transformados em escravos. Àqueles que não aceitavam, só restava fugir

ou morrer. A essa prática somou-se também a atividade de catequese, desenvolvida pelos

jesuítas que, por meio da aculturação, contribuiu para a eliminação do povo indígena em

terras piauienses, em apenas dois séculos (LIMA at al, 1992, p. 9-11).

Esse processo de colonização deu origem à formação da sociedade piauiense, que,

embora tenha características semelhantes às das sociedades do terceiro mundo, possui uma

herança socioeconômica construída/reconstruída pela cultura, com conotações peculiares. Isto

se deve principalmente ao isolamento intrarrregional – povos de outras culturas não chegaram

e, portanto, não interferiram no “modus vivendi” do legado português do Nordeste, como

aconteceu nas regiões sul e sudeste do Brasil, onde as contribuições de japoneses, italianos e

outros foram decisivas para formar o tipo de sociedade e de atividades econômicas

desenvolvidas nessas regiões.

No caso piauiense deve-se destacar a contribuição da cultura do povo africano, porém,

como sua condição era escrava, sendo tratado como “povo inferior” ao europeu, sua

influência se reflete mais nas artes, na música e na alimentação, não contribuindo, assim, nas

decisões políticas que se refletem na economia dessa sociedade.

Retomando a questão do modelo cartesiano de compreensão da relação

homem/natureza, observa-se que o século XX também inaugurou avanços no conhecimento

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que implicaram colocar em xeque aquela visão de mundo, pois “a sustentação das teorias

científicas se baseava na tese de que o todo é a soma das partes...”, concebendo-se, hoje, que

“o conhecimento de como funcionam os diferentes segmentos do corpo humano não desvenda

os segredos de vida e da morte”. Assim, procura-se hoje o caminho da interdisciplinaridade

na ciência, mas a dificuldade está em que a “sociedade processa com lentidão mudanças que

em certos terrenos ocorrem com velocidade, criando uma defasagem entre o conhecimento

teórico e a realidade do cotidiano” (BISSIO, 1994, p. 6).

Assim, partindo da concepção de que as leis que regem os processos naturais não

podem ser desmembradas, poderia o homem, enquanto um ser também social, subjugar essas

leis naturais?

3. Desenvolvimento Tecnológico x Degradação Ambiental e Social

A evolução da tecnologia, que culminou na “revolução industrial”, a partir de meados

do século XX, é considerada como um elemento acelerador do processo de transformação da

natureza pela sociedade. Esse processo, inegavelmente, vem provocando grandes mudanças

em todos os campos da atividade humana, criando novas formas de exploração, subordinando

prioritariamente ao sistema econômico/produtivo.

Assim, o processo de interação homem x natureza fica dependente do processo de

interação população x produção, mediatizado por dois fatores fundamentais: a população

(consumidores) e a tecnologia (instrumento básico do sistema produtivo). Nessa perspectiva, a

ação sobre a natureza não é mais consequência apenas do crescimento demográfico, mas a

este passa a ser somado um crescimento artificial, gerado pelo próprio sistema produtivo. Isto

porque esse sistema define, a priori, o que as pessoas devem consumir, as suas aspirações e as

suas atividades, como forma de garantia a sua expansão e extensão do seu poder (TAVARES,

1988, p. 1-2).

Benjamim (1992, p. 13-17) discute as duas facetas dessa questão, destacando a

contradição que ela encerra, pois, se por um lado o homem precisa aprender a mudar e a

reconhecer os benefícios que essa mudança traz – uma vez que esse processo já se instalou e

ocorre de forma irreversível, e que “qualquer nível de desenvolvimento implica utilizar,

modificar e recriar o ambiente”, por outro lado tem-se que admitir que sendo a Terra finita, a

oferta de recursos naturais se torna limitada. Nessa perspectiva, se não fossem as inovações

tecnológicas traduzidas em bens e serviços, não se teria o conforto e demais benefícios que a

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técnica proporciona às sociedades nos dias atuais. Porém, considerando-se que se descobriu

ainda a possibilidade de reciclagem no uso da maioria dos recursos, como por exemplo, o uso

atual de metais e combustíveis, que são extraídos, utilizados e depois postos de lado como

resíduos, faz crescer uma lixeira espalhada no ar, nas águas e nos solos, sob forma não

reutilizável, em ritmo cada vez mais crescente, desde a revolução industrial. Assim, à medida

que a tecnologia se desenvolve, a pressão sobre os recursos naturais aumenta, causando a

redução da riqueza que encerra, também do ponto de vista da biodiversidade, antes mesmo de

se conhecer o seu potencial para futuras utilizações; reduz-se a proteção natural dos solos

contra a erosão, através dos desmatamentos e queimadas, fazendo-se acelerar a extinção de

espécies vegetais e animais, bem como o aumento de doenças, entre as quais algumas que

nem se conhecem ainda os mecanismos de controle e cura, como o recente caso do “ebola”,

divulgado pela imprensa em 1995, como resultado da “invasão” da floresta pelo homem, sem

os conhecimentos nem os cuidados devidos.

O relatório de Meadows (1978), que estuda os “limites de crescimento”, é considerado

um instrumento muito importante para a formação de uma nova consciência ecológica, ao

propor uma discussão objetiva, a partir da montagem de modelos matemáticos que

evidenciam grandes tendências para o par ao futuro do mundo. Analisando esse relatório,

Benjamim (1992, p. 17-19) observa as contribuições e as limitações dos modelos, que

identificam as tendências de um crescimento gerando mais crescimento futuro, em níveis de

quantidades exponenciais: “a população exige a produção de alimentos e bens, o que exige

mais capital industrial, o que maior ataque de reservas naturais, o que gera mais poluição, e

assim por diante”. E destaca, ainda, que “as conclusões causaram, na época, forte impressão:

‘se se mantiverem as tendências atuais de crescimento da população mundial, da

industrialização, da poluição, da produção de alimentos e do esgotamento dos recursos, os

limites de crescimento em nosso planeta serão atingidos nos próximos cem anos’. O resultado

mais provável será um declínio subto e incontrolável da população e da capacidade

produtiva". Outra conclusão importante que esse relatório destaca, ainda, seria que “para

alterar essa tendência e se poder chegar a um estado de equilíbrio, não seriam suficientes

ajustes, mas uma mudança profunda no atual modelo de desenvolvimento”.

Coloca o autor como argumento de contraponto a essas conclusões alguns

questionamentos sobre o conceito de “oferta rígida” de recursos naturais pela terra. Neste

sentido considera que “recursos” devem ser entendidos como um conceito dinâmico, porque

“o trabalho e a inteligência humana é que fazem com que a matéria passe à condição de

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recursos”. Cita alguns exemplos como o petróleo, o urânio, ondas de rádio, que não eram

considerados recursos até que fossem descobertas ou inventadas maneiras de aproveitá-los

economicamente.

Benjamim (1992, p. 17-19 ressalta ainda que ao se aceitar a hipótese de que os

“recursos naturais vão se esgotar, trabalha-se com um pressuposto implícito de que o homem

não seria capaz de reinventá-los, como foi feito ao longo da história, seria admitir que as

técnicas não evoluem ou que as mudanças não trazem benéficos”. Assim, coloca aqueles

exemplos como forma de negar a concepção daqueles que acreditam que o desenvolvimento

tecnológico “se dê contra a vida e o ambiente”, mas, segundo Benjamim, na realidade, “a

tecnologia nascida na revolução industrial libertou o homem da histórica dependência desse

bem de difícil renovação” –. No entanto, ressalta que não se pode deixar de confrontar esses

argumentos àqueles que chama a atenção para o fato de que a atual sociedade de consumo se

baseia na permanente “recriação de escassez, incutindo em cada indivíduo a sensação de que

ele não tem tudo”, citando Marshall Sahlings.

Desse modo, a escassez, algumas vezes, se torna apenas uma forma de tornar os bens

mais caros, voltando-se assim à perspectiva de que a natureza é exterior às relações homem x

homem. Isso decorre dos tipos de relações políticas x econômicas que manipulam a utilização

dos recursos naturais (e também tecnológicos), em função de injunção de caráter comercial e

estratégico, sem considerar as implicações ambientais e sociais decorrentes (BENJAMIM,

1992, p. 31).

Esse desenvolvimento tecnológico vai imprimindo mudanças profundas também nos

valores, hábitos e costumes e, através dos meios de comunicação chegam às populações

induzindo modelos de consumo, indiferentes às distinções dos padrões de cultura local,

regional ou nacional. Nos países de terceiro mundo, porém, a desigualdade de condições de

acesso ou aquisição de bens e serviços é tão grande que apenas pequenas minorias podem ter

efetivamente, ou aspiram ter, boa qualidade de vida.

Dessa forma, os especialistas concordam que: o que para os países do primeiro mundo

pode ser uma possibilidade de problemas futuros – fome e deteriorização de bens e serviços

essenciais – já faz parte da realidade do dia-a-dia da grande maioria das populações do

terceiro mundo.

4. Manifestações de Práticas Prejudiciais ao Meio Ambiente e à Sociedade Piauiense

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“O melhor investimento ambiental de uma sociedade é em educação. No mundo do

futuro, só um povo instruído e bem informado poderá dispor de suas riquezas de forma

soberana e autossustentável”.

Beatriz Bissi

No Brasil, os efeitos decorrentes de evolução tecnológica se fizeram sentir a partir da

transformação do processo de produção do espaço, comandado por um polo (São Paulo), na

consolidação e expansão da sociedade capitalista. Esse processo pode ser observado pela rede

de relações que se estabelecem a partir desse centro, por todo o espaço brasileiro,

identificadas pelas “ações de construção de rodovias que passaram a interligar São Paulo a

todos os Estados; de investimentos de capitais nas regiões periféricas; de intensificação da

entrada de capital estrangeiro; de transformações nas relações de produção fazendo com que o

pequeno produtor se proletarizassse e passasse a depender internamente de um salário,

perdendo a sua pequena parcela de controle sobre os meios de produção; de expansão das

atividades de serviços e uma série de outras medidas que procuram homogeneizar os sistemas

de vida e de aspirações a nível nacional.

Como este programa de ações contribui para que o capital se concentre, se

acumulando nas mãos de determinados grupos sociais, a homogeneização fisionômica do

espaço é acompanhada de uma heterogeneização da situação econômica e social da

população, repercutindo tanto nas relações sociais, como na própria fisionomia das cidades e

do campo” (ANDRADE, 1983, p. 69). Neste processo, a atuação dos grupos econômicos se

faz diretamente ou utilizando o “Estado para institucionalizar, sob formas de lei, decreto-lei

ou regulamentos, os sistemas de relações e as instituições que melhor consolidam e

reconhecem os seus interesses” (Id. ibid).

No entanto, a história recente atesta que o acelerado crescimento industrial dessa

região não trouxe a desejada qualidade de vida para sua população, uma vez que,

paralelamente à concentração de riquezas e poder (de interferência nos processos políticos e

sociais, além do econômico), foram se acumulando resíduos tóxicos no ar, no solo e nas

águas, tornando os níveis de poluição do ambiente tão elevados que vêm comprometendo o

bem estar e a saúde de sua população.

No Piauí, as relações de dependências, nesse processo econômico-político e portanto

social, se fazem essencialmente via ações governamentais, sob a forma de programa e

projetos que são definidos e financiados por órgãos nacionais e internacionais,

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independentemente de sua integração a um planejamento local, ou ainda por solicitação de

grupos empresariais que, em sua maioria, são de outras regiões brasileiras.

Como exemplos dessas ações, a partir da década de 1960, podem ser citados grandes

projetos de irrigação, de reflorestamento de grandes áreas, de apoio ao pequeno produtor

rural, de grandes empresas agropecuárias de criação de gado e de cultivo de arroz e soja,

dentre outros.

A implantação desses projetos se faz sem o reconhecimento, por parte da sociedade e

até mesmo dos governos locais, de suas reais necessidades e, assim, o compromisso político e

técnico de acompanhamento/fiscalização/avaliação fica a nível burocrático, não garantindo

que os mesmos venham a proporcionar mudanças positivas para a população. Vale ressaltar,

no entanto, que, na ausência de lucros e ganhos fáceis, muitos empreendedores abandonam ou

paralisam seus empreendimentos ainda em fase de implantação, outros implantados

parcialmente ou com implantação concluída, por não atingirem em curto prazo os objetivos

propostos (BANDEIRA, 1991, p. 9-21).

No caso de implantação direta pelos governos, terminam por beneficiar mais os

grandes proprietários tradicionais, portanto, não trazendo melhorias de vida para as

populações pobres, pois não provocam mudanças na estrutura, quanto aos aspectos de acesso

aos meios de produção. Assim, os programas de apoio ao pequeno produtor, como os Projetos

Polonordeste, Vale do Parnaíba e PAPP, não proporcionaram resultados significativos para as

populações que deveriam beneficiar (BANDEIRA, 1991, p. 9-21). Destaque-se também a

construção de grandes obras que, também financiadas pelo Governo Federal, são paralisadas

depois de aplicados vultosos recursos financeiros e desgastes ao meio ambiente. Entre elas

encontram-se algumas que, em função de sua suspensão, vêm trazendo grandes prejuízos

tanto ao meio ambiente como às populações que delas se beneficiariam, como é o caso da

ponte de concreto sobre o rio Parnaíba entre Teresina (PI) e Timon (MA) e o sistema de

irrigação no litoral, sob acompanhamento técnico do DNOCS.

Desta forma, essa prática distorcida em relação à aplicação do dinheiro público e da

não atenção às reais necessidades das populações causa grandes prejuízos que se manifestam

na degradação do ambiente e na manutenção e/ou agravamento das precárias condições de

vida, até mesmo de miséria, de grandes parcelas da população piauiense, além dos prejuízos

causados às instituições financeiras.

A este quadro de desperdício material e financeiro associa-se ainda a perda de

oportunidade que o Estado teria de realizar obras (materiais e sociais) de apoio ao

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desenvolvimento ou mesmo de estruturar as bases para esse desenvolvimento econômico

social. Tudo isso causa frustrações pessoais e sociais que terminam por reforçar o mito do

“Piauí pobre” e, ainda, realimentar tanto a falta de crença em mudanças e em políticos por

parte do povo, como o discurso político do “Estado pobre” que não tem dinheiro para resolver

seus problemas.

E o empresariado local? Este por estar mais comprometido com o desenvolvimento do

Estado (pelo menos, pressupõe-se), nele vislumbrando o seu mercado e acreditando nas suas

potencialidades, termina por pagar, como de resto toda a região Nordeste, pelo mau uso

gerencial dos recursos. A frustração aumenta ao se perceber que os próprios programas

governamentais – tão tímidos que nem chegam a impressionar – não são capazes de

estabelecer diretrizes para o desenvolvimento sustentado. Somente um projeto de

desenvolvimento de continuidade a médio e longo prazos, que associe medidas de uso e

conservação dos recursos naturais à educação e à valorização do homem e do trabalho, poderá

assegurar condições dignas de vida à sociedade piauiense.

4.1. Atividades Econômicas x Degradação Social e Ambiental

O espaço piauiense foi sendo delineado à medida que as fazendas de gado dos

colonizadores iam se ampliando pelos vales dos grandes rios Gurguéia, Piauí/Canindé, Poti e

Longá, definindo seus limites com os Estados vizinhos, a partir do século XVII.

Assim, as atividades econômicas do Piauí desde a sua formação até meados do século

XX, estiveram baseadas no uso de recursos naturais abundantes, pastagens nativas ao longo

de grandes vales de rios para a criação extensiva do gado, rios perenes para o transporte

comercial e palmeiras para o extrativismo vegetal. E a agricultura? Esta teve um caráter

apenas de subsistência e, considerando que a sociedade era basicamente rural, ainda com

população relativamente pequena e rarefeita, por ocupar extensas fazendas de gado, não

constituía pressão sobre os recursos naturais, como ocorreu na zona da mata em Pernambuco,

por exemplo. Assim, embora o uso do solo fosse (como ainda é hoje) à base de derrubada e

queimadas, não havia grandes interferências no ambiente que chegasse a comprometer a

conservação dos recursos naturais.

Por outro lado, o Piauí não apresentou um crescimento econômico significativo, na

produção em escala comercial, que lhe permitisse uma participação sólida e continuada no

mercado externo. Alguma participação se dava em situações conjunturais, quando o mercado

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nacional ou internacional requeria produtos como o gado em pé ou couro, algodão, borracha

de maniçoba e cera de carnaúba.

Atualmente essa integração se faz, de forma mais significativa, através de ações

governamentais, via programas e projetos de infraestrutura rodoviária, industrial,

agropecuária e de alguns serviços.

O programa nacional de construção de estradas como apoio à produção industrial no

Brasil, a partir de meados deste século, fez desativar progressivamente a navegação do rio

Parnaíba, até então importante corredor de escoamento de produtos de importação e

exportação piauiense.

Como essa malha rodoviária ao longo do tempo foi beneficiando mais a região norte,

contribuiu para acentuar as preferências entre o norte e o sul do Piauí. Houve a intensificação

do povoamento no norte, ficando o sul menos povoado e apresentando grandes vazios

demográficos. Este, ao ficar isolado, passou a se comunicar com Pernambuco e Bahia,

formando no seu povo novos hábitos e costumes e até o modo de pensar dos pernambucanos e

baianos. Foi assim que através desse programa de rodovias o Piauí foi adquirindo

características diferenciadas entre o norte e o sul, não só nos aspectos ambientais, mas

também nos aspectos culturais (LIMA, et al, 1993, p. 82-84).

Com relação à indústria destacam-se as ações constantes no Programa Nacional de

Apoio à Pequena e Microempresa, através do Sebrae, que tem dado impulso à instalação de

pequenas fábricas, nas áreas de movelaria, vestuário e alimentos, dentre outras. Essas

atividades certamente contribuíram para ampliar a arrecadação de impostos, mas

principalmente para gerar empregos e reduzir, embora em pequenos níveis, o problema do

desemprego, trazendo assim alguns impactos sociais positivos à população piauiense.

O turismo também cresceu significativamente com o apoio governamental, através do

financiamento e construção de hotéis em alguns municípios, entre eles, Parnaíba, Luís Correia

e nos Parques Nacionais de Sete Cidades e Serra da Capivara, principais pólos de atração

turística piauiense, conhecidos no país e no exterior. Neste caso, vale destacar que, além dos

benefícios promovidos pela geração de empregos e surgimento de outras atividades de apoio,

se fazem sentir em grandes proporções alguns impactos negativos ao ambiente, destacando-se

aqueles que estão ocorrendo na região litorânea piauiense, devido à ocupação desordenada das

praias e até por ações governamentais sem estudo prévio de prejuízo ao ambiente, que se

somam à especulação imobiliária, como desmatamento dos mangues no delta, para o cultivo

de arroz, do pastoreio em pastagens nativas por animais domésticos que circulam soltos nas

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dunas, áreas de preservação permanente. A continuar esta prática, pelas demais praias e em

volta de lagoas e rios litorâneos, sem um planejamento que inclua práticas conservacionistas,

os impactos ambientais negativos trarão consequências irremediáveis para o ambientes e para

a sociedade piauiense.

Na agricultura, pode-se considerar que vários tipos de impactos no uso dos solos se

fazem sentir, principalmente de ordem social, porque, no caso da produção voltada para o

mercado interno, mesmo enfrentando dificuldades como a ocupação de áreas de clima

semiárido e solos rasos (sudeste, centro e centro-norte do Estado) associados a outros

problemas como falta de apoio, crédito, assistência técnica, manejo de solos, sementes

selecionadas, é o pequeno produtor quem mais fornece alimentos à população piauiense.

Esses produtores têm baixa produção e convivem com rendimentos insuficientes para se

manterem com dignidade, pois muitos proprietários pouco produzem, muitos outros

agricultores não possuem terras.

Tendo em vista que os produtos do campo são vendidos por preços relativos mais

baixos que os produtos das fábricas, e que para comprar calçados, roupas, remédios e outros

bens necessários, a maioria dos camponeses precisa vender quase toda (ou toda) a sua

produção, o que, na maioria das vezes, ainda não é suficiente, faz com que o mercado

continue atrofiado. Essa população, não tendo poupança e não podendo investir, mora em

casebres, alimenta-se mal, tem saúde fraca e está sempre endividada, vivendo, portanto, em

péssima qualidade de vida (LIMA et at, 1993).

Observa-se ainda que práticas utilizadas no passado, ligadas à exploração de

diamantes e outros minerais, iniciaram um processo de degradação, principalmente de solos e

vegetação, na região de Gilbués, que hoje se traduzem na ampliação de condições de

desertificação dessas áreas.

No que diz respeito ao desenvolvimento e aplicação de tecnologias voltadas para a

resolução dos problemas causados pelas secas, encontram-se algumas tentativas no início do

século XX, introduzidas no Nordeste brasileiro pelos engenheiros da Corte, com o apoio de

D. Pedro II, como o armazenamento de água em açudes, poços e barragens. Esta preocupação

culminou com a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) em 1909, depois,

Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS).

Atualmente, percebe-se que a política de armazenamento de água, por si só, não é

suficiente para resolver o problema das secas, pois mesmo sendo ainda insuficientes os níveis

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atuais de disponibilidade de água por área e população, especialistas estimam que são

utilizados aproximadamente apenas 15% da água disponível em terras piauienses.

Outras tentativas governamentais, como programas emergenciais de apoio à

população, durante os períodos de secas, e financiamento de projetos com vários métodos de

irrigação, também não têm melhorado significativamente a qualidade de vida das populações

rurais piauienses. Isto porque a utilização dessas alternativas tem, historicamente, beneficiado

e até reforçado tanto o poder da elite burguesa agrária como a classe política nordestina, pois

as secas continuam a empobrecer cada vez mais a população do campo que, também em

função da estrutura agrária concentradora de terra, se desloca para as cidades, aumentando

ainda mais os problemas sociais e ambientais no campo e nas cidades.

A literatura também documenta a intensidade dos problemas vividos pelos danos

decorrentes das dificuldades de enfrentar as secas, seja através de romances, como “Os

Sertões”, de Euclides da Cunha, “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, seja de músicas como

“Asa Branca”, de Luís Gonzaga, entre tantos outros, como poesia do piauiense Renato

Castelo Branco:

Os Retirantes “.......................................................................................”

Mas persistem os céus, sinistramente claros... E na terra poeirenta e recrestada,

Progride o espasmo assombrador da seca, Com seu limbo candente abrasando a chapada.

....................................................................................... Por fim tudo se esgota. A situação não muda.

O Nordeste persiste, intenso, sibilante, Zunindo galhada estrepitante.

....................................................................................... E o sertanejo dobra-se, afinal.

À sua porta passa maltrapilha A leva dos primeiros retirantes.

....................................................................................... Outras levas desfilam, dia a dia.

É a debandada trágica e completa; O sertão se esvazia!

....................................................................................... E para lá se vai, na trágica partida,

Para terras distantes Onde não falte a água – onde não falte a vida”

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A partir de 1960, a miséria no Nordeste, resultante da seca, começou a ser estudada

não somente como um problema climático, mas, sobretudo, como fato social-político. No

entanto, as teses, relatórios, livros e seminários – muitos deles financiados pelo poder público

– que propõem medidas alternativas na busca de soluções para esse grave problema, ficam

apenas no nível acadêmico e nas “gavetas” dos órgãos, sem nenhuma utilização ou, quando

muito, algumas recomendações são implementadas de forma experimental, atingindo apenas

uma pequena parcela dessa população, o que não representa nenhum avanço para a solução da

pobreza no sertão. Daí muitos especialistas concordarem que o problema da seca no Nordeste

é uma questão principalmente política. Situações de inconformações por parte das populações,

associadas ao oportunismo de alguns, se refletem em invasões de fazendas em alguns

municípios piauienses, gerando conflitos entre proprietários e ocupantes. Essa prática, como

também alguns assentamentos por parte do INCRA, não tem resolvido o problema dos “sem

terra”, pois essas famílias nada podem produzir em níveis satisfatórios, sem conscient ização

de sua capacidade de produção e sem acesso a outros meios de produção principalmente

recursos técnicos operacionais.

A crítica exacerbada ao modelo de desenvolvimento baseado na aceleração do

processo de industrialização, via inovações tecnológicas, implicando num caráter predatório

no uso dos recursos naturais, fez surgir nos anos de 1960 uma teoria sob a forma

funcionalista/naturalista, chamada de ecodesenvolvimento. Buscava o equilíbrio entre homem

e natureza, sem, contudo, incluir no seu bojo a complexidade dos interesses de classes e

grupos sociais, presentes em toda sociedade. Para essa concepção, a causa das secas está na

devastação da flora nordestina ao longo dos séculos de agricultura itinerante e predatória onde

o homem procurou tudo retirar da terra semiárida, sem nada lhe restituir. Como solução,

aponta medidas voltadas para o reflorestamento e o reordenamento de vários setores da

sociedade, adequando-os às características do meio ambiente (SOUSA, 1982, p. 35).

No entanto, ao ser implementado no Brasil, principalmente porque esteve voltada mais

para atender o mercado de celulose, essa política de reflorestamento não provocou mudanças

na estrutura social, ao contrário, contribuiu para fortalecer ainda mais as diferenças sociais já

existentes. No Nordeste foi desvirtuada, transformando-se em programa de financiamento de

área de plantio de caju, predominantemente, beneficiando somente alguns empresários, sem

qualquer vinculação às condições e necessidades locais.

No Piauí essa política de reflorestamento foi implantada, a partir da década de 1970,

financiada através de incentivos fiscais pelo governo federal, a grupos de empresários de

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outros Estados que, com a finalidade de se beneficiarem dos incentivos fiscais, atraídos pela

oportunidade de aquisição de terras baratas, longos prazos de carência para o pagamento dos

investimentos e ausência de impostos, aqui se instalaram até a década de 1980, mas, como em

todo o Nordeste, não proporcionaram benefícios econômicos e sociais ao povo e ao Estado.

Além do reflorestamento, também foram, nesse período, implantados grandes projetos

agropecuários, com apoio governamental, através da SUDENE e da SUDEPE, dentro de uma

política que segundo Davi (1992, p. 12) fazia parte das medidas orientadas pela chamada

“revolução verde”. Esta, projetada pelos Estados Unidos da América, como uma proposta de

solucionar os problemas da fome do terceiro mundo, consistia no apoio à instalação de

problemas da fome do terceiro mundo, consistia no apoio à instalação de monoculturas

mecanizadas, com uso intenso de pesticidas, adubos químicos, melhoramentos genéticos e

outras técnicas que possibilitam a produção em larga escala comercial, mas que, ao serem

implantadas no Brasil, favoreceram mais ainda a produção para o mercado externo, em

detrimento do interno. Essas medidas não foram acompanhadas de políticas de apoio ao

médio e pequeno produtores, de reformas na estrutura concentrada da posse da terra, de

programas de educação voltados para a realidade rural, com apoio e orientação de manejo do

ambiente, não trazendo assim os benefícios sociais propalados.

Mais recentemente, o cultivo do arroz e a expectativa da implantação da soja em larga

escala, como monoculturas voltadas para a exportação, também são motivo de grandes

preocupações quanto à conservação ambiental e benefícios sociais, isto porque a implantação

desses projetos implica desmatamento de grandes áreas contínuas, introdução de máquinas

pesadas e uso de agrotóxicos, além do manuseio dos solos, que requerem práticas de sua

preservação e conservação, bem como da vegetação e dos mananciais hídricos.

A preocupação se justifica pelos casos semelhantes de implantação desses grandes

projetos na região centro-oeste, onde já provocam grandes impactos negativos ao ambiente,

como aceleração da erosão, implicando perdas de solos e assoreamento de rios, além da

destruição da fauna e flora dos ecossistemas envolvidos. No Piauí esses problemas podem ser

ampliados, pois já ocorrem grandes desmatamentos e queimadas em áreas de risco, em

decorrência daqueles grandes projetos, e ainda se tornam mais preocupantes por atingirem

também áreas de brejos nas nascentes do principal rio piauiense, o Parnaíba (constatação local

em 1994 por pesquisadores do IBAMA e Depto. de Meio Ambiente do Estado) e de maneira

generalizada em todo o território piauiense, que repercutem no comprometimento de espécies

vegetais e animais silvestres, no assoreamento acelerado dos grandes rios contribuindo para

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provocar enchentes em várias cidades que se localizam em suas margens, inclusive a própria

capital do Piauí, dentre outros impactos que repercutem em prejuízos para o ambiente e para o

homem.

Hoje, o maior rio piauiense, o Parnaíba, sofre um acelerado assoreamento que reduz os

eu potencial de benefício ao próprio homem, em função da intensificação das derrubadas e

queimadas na sua bacia. Na poética de Da Costa e Silva, já em 1917, estas práticas são

denunciadas com veemência e emoção estética:

A Queimada

“.......................................................................................

E em seu furor, a bárbara fornalha, Incinerando plantas seculares,

Espalha E atira pelos ares

Torvelinhos de cinza e fragmentos de palha. .......................................................................................

Arde A insidiosa frágua

Que sobre a terra ateou a mão do homem covarde. Sucumbe a mata. E então, muda de espanto e mágoa,

A natureza, a orar na unção triste da tarde, Como que tem os olhos rasos d’água...

....................................................................................... Homem de alma desnaturada,

Se te é dado pensar sobre as cinzas do Natal, Orvalhada com teu pranto as cinzas da queimada!”

A Derrubada

“.......................................................................................

A árvore treme, a cada

Violenta cutilada

Que, ferindo-a, desfere a derrubada.

Abandonam-lhe os ramos seculares.

Festonada e de frutos e flores,

- Verde arcádia dos pássaros cantores, -

As aves e os insetos

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Que, assustados e inquietos,

Em debandada fogem pelos ares.

.......................................................................................

O machado reboa... e pancada a pancada,

Prossegue, mata a dentro, a derrubada

.......................................................................................

Extinguindo com o exício das folhagens

Os aspectos, encantos e segredos

Do doce bucolismo das paisagens.

.......................................................................................

E a mater-Natureza, amargurada,

Dos espaços chora sobre a derrubada...

Cai a chuva fecundante...

E a terra adusta, calcinada,

Torna-se, por encanto, verdejante:

Os troncos brotam, reverdecem: tudo

Germina e em festões verdes de esperança,

Como para mostrar ao homem bárbaro e rude,

Em cada broto, em cada folha, em cada frança,

Que, como Deus, ressurge a floresta sagrada!

É o protesto da vida renovada

Contra a derrubada!”

Do ponto de vista médico-sanitário, deve-se ressaltar em termos de alerta, as

informações de que a atividade milenar da agropecuária, historicamente também está

relacionada ao aparecimento de novas doenças. Como exemplo observa-se o caso dos

roedores que levam o vírus “junin”, causador da febre hemorrágica argentina, quando assolam

as cidades em busca dos depósitos onde são armazenados cereais, por não terem mais

alimentos no campo, atacando animais domésticos e até pessoas, transmitindo-lhes a febre

hemorrágica. Os especialistas informam, que mais da metade dos vírus emergentes, desde a

década de sessenta, se relacionam com práticas agrícolas inadequadas e que o aparecimento

crescente de cepas de bactérias resistentes está ligado ao uso generalizado de antibióticos e

inseticidas para curar moléstias em gado e em plantações.

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Constatam-se que as modificações introduzidas no ecossistema do cerrado no centro-

oeste brasileiro, ao eliminar muitos microrganismos fazem surgir muitos outros, pelo

rompimento do equilíbrio que a natureza mantém. Algumas bactérias adquirem maior

resistência à medida que os hospedeiros são tratados com os medicamentos hoje conhecidos.

Essa preocupação mais uma vez se justifica na medida em que a introdução de monoculturas

no espaço piauiense requer o desmatamento de grandes áreas de cerrados e que essas

“mudanças no meio ambiente devem ser avaliadas também sob a ótica do contato do homem e

dos animais com novos nichos ecomicrobianos (...), pois o desenvolvimento não pode

prescindir da sustentabilidade e deve se harmonizar com a saúde dos seres vivos, inclusive

com a saúde do homem” (SANTOS, 1995, p. 23).

5. População, pobreza e urbanização x impactos sociais e ambientais

“O homem da cidade é um homem prático. Ele não se comove com o canto dos

pássaros, com o farfalhar das folhas ao vento. Há muito ele abandonou o contato com a

natureza. Acha que não precisa mais dela, não tem que suportar seus desconfortos... Encanta-

lhe agora o ruído das máquinas, o gigantismo dos arranha-céus, da TV ... Belo é aquilo que

ele faz, que ele dirige, que comanda e utiliza”.

Samuel Branco

Estudando as relações entre as populações do terceiro mundo e o meio ambiente, no

que se refere à utilização do espaço, nas últimas décadas do século XX, sobressaem dois

fatores que se interagem mutuamente: o crescimento da concentração das populações em

núcleos urbanos, como uma forte tendência no terceiro mundo, e o aumento do déficit na

infraestrutura dos serviços, nesses núcleos urbanos. Estes fatores repercutem no ambiente de

forma grave, pela ausência de saneamento básico, e, por sua vez, retornam à população sob a

forma de precárias condições de vida, definidas como “pobreza” e “indigência”.

No entanto, é importante destacar que a concepção de que a pobreza e a degradação

ambiental estão intimamente relacionadas numa causalidade direta já se encontra

ultrapassada, uma vez que os especialistas atualmente consideram que outras variáveis,

geralmente não consideradas pelas classes dominantes, intervêm mediando esses dois

processos. Dentre elas se identificam os padrões de desigualdades econômico-sociais, que

fazem surgir sequelas que levam à marginalização e desintegração social; os padrões de

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consumo artificiais, incutidos pela mídia e a função reguladora do Estado, com protecionismo

a classes ou grupos empresariais ou produtores.

Dessa forma, o ciclo vicioso da degradação social e ambiental se estabelece, não

como resultado de processos independentes e tampouco causais entre si, mas a partir de um

modelo de desenvolvimento que dispõe sobre os padrões de articulação entre os seres

humanos, bem como entre estes e a natureza. O PNUMA expressa com objetividade que “as

causas básicas da crise ambiental são a pobreza e o mau uso da riqueza. Os pobres são

compelidos a destruir, em curto prazo, precisamente os recursos nos quais se baseiam as suas

perspectivas de sobrevivência a longo prazo, enquanto a minoria rica provoca demandas `a

base de recursos que em última instância são insustentáveis, transferindo os custos uma vez

mais aos pobres” (CIMA, 1991, p. 22).

E quando uma população pode ser considerada pobre?

Os estudos do IPEA, bem como do IBGE e do UNICEF, consideram “pobres” as

famílias com renda inferior ao dobro da cesta básica de alimentos e “famílias indigentes”

aquelas cuja renda cobre, no máximo, os gastos da cesta básica, identifica que 24,4%das

famílias brasileiras estão nesta condição “indigentes” e que a maior proporção destas famílias

se encontra no Nordeste. As estatísticas sobre a América Latina como um todo atestam que

esta situação é mais geral, pois nela o aumento da pobreza, em 1970, cresceu de 26% para

31%, tendo alcançado 43% (170,2 milhões) em 1986 (CNBB, 1994, p. 104/5).

No Brasil a desigual distribuição de renda faz crescer também os números da

pobreza, podendo hoje ser considerados alarmantes, pois “no período de maior crescimento

econômico, entre 1960 e 1980, os 10% mais ricos conseguiram aumentar sua participação na

renda de 40% para 50%, enquanto os 50% mais pobre viram sua participação ser reduzida de

um modesto 17% para somente 12% (CIMA, 1991, P.23).

Com relação ao processo de urbanização, pode-se perceber que este vem ocorrendo

de forma acelerada e desigual no espaço brasileiro, pois em 1940 a população urbana, que

representava 31%, passou a 75,5% em 1991 e que, destes, 60% se concentram nas grandes

regiões de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza e

Belém.

No Piauí, a distribuição da população urbana também reflete um alto índice de

urbanização, uma vez que em 1940 essa população que representava apenas 27,9% (124.197

habitantes), passou, em 1991, para 52,94% (1.367.184 habitantes) em relação ao total do

Estado. Destaque-se, ainda, que, além da urbanização, acentuou-se a enorme desigualdade de

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distribuição da população no espaço piauiense, que apresenta áreas de grandes vazios, outras

de relativa maior ocupação e apenas a cidade de Teresina apresenta relativamente alta

densidade demográfica, tendo atingido 3.153,27 hab/km² em 1991, conforme o censo

demográfico do IBGE.

5.1. Teresina, megalópole estadual

Por que megalópole?

O processo de engendramento das condições que levam Teresina ser classificada

hoje como uma “cabeça agigantada” do Estado do Piauí, começou a ganhar expressão a partir

da intensificação de sua urbanização, a partir de 1950. Isto porque, além da alta taxa de

crescimento natural, foi sendo construída uma rede de serviços de infraestrutura bem maior

em relação ao restante do Estado, fazendo-a funcionar, cada vez mais, como um macrocentro

de atração de populações, tanto do Piauí como de Estados vizinhos, principalmente do

Maranhão e do Ceará, na busca de trabalho, estudo e saúde. Em 1970, os habitantes não

nascidos em Teresina correspondiam a 46% (MOREIRA, 1972, p. 41) e “em 1980 mais da

metade de sua população era composta de migrantes, provenientes, em geral, de outras áreas

do Piauí, bem como do Maranhão e do Ceará, sendo 60% de áreas urbanas e 40% de áreas

rurais” (Prefeitura Municipal de Teresina, perfil 1993, p. 81).

Verifica-se assim, que, ainda que o processo de urbanização seja uma tendência

generalizada entre os países do terceiro mundo, pode-se considerar preocupante o ritmo atual

de crescimento que Teresina vem atingindo, uma vez que as políticas públicas de serviços

básicos e o próprio crescimento de mercado de trabalho ficam muito aquém das reais

necessidades de um contingente tão grande de demandas. Segundo dados do IBGE, a

população urbana de Teresina, que era de 98.329 habitantes em 1960, passou para 555.073

habitantes, em 1991, o que corresponde a um aumento de 5 vezes em apenas 31 anos.

Destaque-se que nesse período ocorreu um esvaziamento brutal da zona rural de

Teresina, pois se em 1940 a população rural representava 95% do total do município, em

1960, passou a 44,7%, caindo, em 1991, para menos de 10% de sua população urbana. Assim,

essa população rural de Teresina passou a ser menor que a população de um único bairro da

cidade: o Itararé (atual Dirceu Arcoverde).

Conforme o Censo de Vila e Favelas de Teresina (1994, p. 13-17), esse rápido

processo de urbanização teve impulso com o início de investimentos públicos de grande vulto

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ao dotar a zona sul da cidade de infraestrutura – água, energia elétrica, abertura e

pavimentação de ruas e avenidas e a construção do primeiro grande conjunto habitacional (o

Parque Piauí) – associado à intensificação do processo migratório, do interior em direção à

capital. É nesse período que começa, também, a se intensificar o processo de especulação

imobiliária que expulsa as populações migratórias de menor poder aquisitivo, forçando-as a

ocuparem a periferia das áreas que dispunham de serviços urbanos. Desta forma, a falta de

políticas que pudessem orientar e acompanhar esse acelerado crescimento urbano fez com

que, na década de 1970, se consolidassem as contradições na ocupação da terra: o surgimento

de grandes áreas vazias, como reserva de valor, paralelamente à formação de grandes

aglomerados populacionais sem dispor de infraestrutura: a favelização.

Na década de 1980 essas contradições e conflitos sociais ganham expressão, quando

a cidade cresce ainda mais em todas as direções e grandes investimentos públicos são

aplicados na construção de conjuntos habitacionais. Isto porque, ao tempo em que obras

valorizam cada vez mais os terrenos urbanos, tornando-os inacessíveis às populações de baixa

renda, estas continuaram a ser expulsas, ampliando, não só o processo de periferização e

favelização, mas o de invasões ou ocupações crescentes de leito de ruas e avenidas e de

terrenos públicos e particulares, dos quais 33 (próximo de 1/3 do total de áreas de invasões)

destinavam-se à construção de praças (op. cit).

Pode-se constatar que foram sendo ocupadas indistintamente áreas debaixo de

pontes, margens dos rios Poti e Parnaíba em volta das lagoas. Destaque-se que a maior parte

dessas áreas está sujeita a inundações periódicas, ampliando o problema sanitário,

principalmente porque essa população tem uma relação direta e indireta com essa água,

cotidianamente, seja pelo consumo doméstico, seja através da pesca, lavagem de roupa e

banhos de lazer. A situação é mais dramática porque as análises que estão sendo feitas

sistematicamente pelo Departamento de Meio Ambiente da Fundação CEPRO, a partir de

1990, constatam um elevado índice de poluição das águas desses rios e lagoas urbanos (vê

também Santiago e Lima, 1993), pois os índices de coliformes “fecais” e “totais” se

encontram muito acima das médias toleráveis previstas pela legislação do CONAMA

(Conselho Nacional de Meio Ambiente).

Merece ser destacado, ainda, que outras áreas consideradas de alto risco de utilização

são ocupadas por essas populações de baixo poder aquisitivo, com aquelas localizadas nas

encostas e vales de pequenos riachos na periferia da cidade – Piçarreira, Satélite, Vila

Bandeirante e margem da BR – 343. Nelas, a extração de material de construção – seixos e

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barros (conhecidos localmente por “massará”) – aumenta a incidência de desabamentos de

barreiras e casas que, inclusive, tem provocado algumas mortes nesses “acidentes”, trazendo,

assim, muitos problemas a essas populações.

Desta forma pode-se observar que na década de 1990 esse processo de favelização

alcançou uma grande expansão, pois o número de ocupações desta natureza, que em 1992 era

de 56 em 10.000 moradias de 61.000 habitantes, passou em 1993 para 141 favelas ou

similares, com 15.312 moradias e 67.503 habitantes (Perfil de Teresina, 1993 e Censo de

Vilas e Favelas, 1994, p. 15-16). Pode-se observar, ainda, que esse processo fez ampliar ainda

mais o contraste entre essas áreas faveladas e alguns espaços vizinhos ocupados por mansões

e prédios de apartamentos luxuosos, que são habitados por uma minoria da população de alto

poder aquisitivo.

Salienta-se ainda o fato que a especulação imobiliária – uma “febre” – na

urbanização, chegou também a áreas faveladas de Teresina, pois dentro desses espaços de

ocupação ocorrem níveis de “melhoramento” nas construções, tornando-as inacessíveis para

muitas dessas famílias, o que vai gerando “espaços vazios” também no interior dessas vilas e

favelas, de propriedade também de “aproveitadores” de oportunidades de ganharem “dinheiro

fácil”.

Ao se verificar a origem dessa população, em relação a sua última procedência,

observava-se que 64,5% provêm de bairros ou de outras favelas da própria cidade e apenas

1,85%, da zona rural; 14,73% de outros municípios piauienses; 5,85% de outros Estados e

13,02% sem informações (Censo de Vilas e Favelas, p. 17). Assim, esta aparente redução no

crescimento do número de favelados corresponde à redução das taxas de imigração e

caracteriza um empobrecimento da população já residente na capital. Isto porque o alto custo

de vida e em especial de alugueis, acompanhado da falta de emprego para uns e baixos

salários para outros, fez com que a população fosse expulsa para áreas de moradia de custos

mais baixos (76,67% das residências nessas áreas são construções de taipa, sendo 37,45%

com cobertura de palhas de 39,22%, de telhas, o que não quer dizer necessariamente que os

restantes 23,33% tenham boas condições de moradia).

Quanto à infraestrutura de serviços básicos, estes são considerados insuficientes e,

mesmo quando servem às áreas de vilas e favelas, no caso de energia elétrica e água

canalizada, grande parte das famílias não dispõem de poder aquisitivo suficiente para deles se

beneficiar. Em 1993 esses serviços atendiam somente 53,90% e 54,80%, respectivamente, das

famílias dessas áreas e apenas 10,61% se beneficiavam com o serviço de limpeza pública

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municipal. Apenas 40,24% utilizavam filtro, enquanto os desejos eram jogados a céu aberto

em 51,24% dos domicílios. Dentre estas, apenas 17,32% das residências possuíam fossas

sépticas e ainda colocavam lixo doméstico em terrenos baldios numa proporção de 49,44%

dos domicílios dessas famílias. Considere-se também o fato de que os aterros sanitários onde

é depositado o lixo recolhido pelo serviço de limpeza pública não apresentam condições

satisfatórias, pois, como esse lixo não é enterrado, diariamente lá se encontram crianças e

adultos “catando” algo para fazer uso e até comer (pesquisa de campo de alunos de curso de

Geografia – UFPI, 1995).

Também como resultado desse tipo de ambiente e de vida, o “calazar”, doença

endêmica em Teresina, apesar de tentativas de combate, continua matando grande número de

cães e deixando doente grande número de crianças. Mais recentemente também a “dengue”

tem se espalhado, afetando não só a população favelada, pois só em 1995 já atingiu mais de

10.000 pessoas de vários bairros de Teresina, como resultado de foco que permanecem pela

falta de higiene, tanto doméstica como do meio ambiente em volta das residências, seja em

esgotos a céu aberto ou água estagnada, seja em lixo espalhado por terrenos não ocupados por

toda a cidade.

Outro problema que ganha vulto nesta década, como resultado dessas péssimas

condições de vida a que a população se submete, é o crescente número de crianças que estão

nas ruas, nos estacionamentos, no comércio e nos sinais de trânsito. O que se torna mais grave

é que essas crianças começam a considerar “normal” esse tipo de vida, desvirtuando o sentido

do dinheiro como um pagamento por um produto do trabalho, ou mesmo entrando direto na

marginalidade da prostituição e das drogas.

Isto, em parte, decorre do problema que seus pais enfrentam com relação ao

desemprego ou subemprego e da carência de educação, pois, observando as estatísticas,

constata-se que, dentre a população residente em vilas e favelas, 48,42% dos que estão na

faixa de idade apta ao trabalho encontram-se desempregados. Entre os que trabalham, 60%

percebem uma remuneração de até um salário mínimo (condição de indigência ou miséria) e

19,56% têm uma renda entre e e 2 salários mínimos (condição de pobreza).

Outro agravante consiste no fato de que, ao se observar os dados relativos à

escolarização, somente 2,14% dessa população concluíram o curso primário e 54,53% são

apenas alfabetizados (Censo de Vilas e Favelas, 1994). Diante dessas condições, não se

pode esperar que esta população tenha algum compromisso ou mesmo perceba a importância

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da orientação ou educação dos filhos e de seu comportamento em relação ao ambiente

doméstico e de seu entorno, para conseguir e conservar um bom ambiente para morar.

Assim, além das dificuldades socioeconômicas, essas populações enfrentam outra

ordem de problemas que se interrelacionam, formando um ciclo vicioso pois, não conhecendo

a importância de medidas preventivas, poluem o ambiente e são atingidas por essa poluição,

em dimensões crescentes, aumentando ainda mais a sua má qualidade de vida.

Diante desse quadro, pode se considerar que essa parcela da população de Teresina,

dividida entre os pobres e indigentes, vive em condições de segregação e degradação pessoal,

social e ambiente.

Mas somente as populações das vilas e favelas e Teresina convivem com problemas

sociais e ambientais?

Considerando-se os indicadores socioeconômicos e ambientes básicos para que uma

população desfrute um bom padrão de qualidade de vida, Teresina ainda necessita equacionar

muitos problemas na busca dessa qualidade. Entre esses problemas, podem-se identificar

aqueles que fazem desencadear outros, gerando um processo crescente que dificulta muitas

soluções, algumas até consideradas de natureza simples, mas que precisam ainda ser

implementadas.

Observando-se que a população urbana de Teresina em idade ativa cresceu muito nas

últimas décadas (em 1969 era de 64,4% e em 1991, de 81,4%) e que dessa população existiam

47,78% na condição de desempregados ou subempregados em 1991, a absorção de mão-de-

obra no mercado de trabalho tem se colocado muito aquém das necessidades reais da

população.

Considerando-se que o setor terciário – comércio, serviços e administração pública,

em 1991 absorvia 74,73% da mão-de-obra e que da atividade de serviços 25% se constituíam

de empregos de domésticas, copeiras e lavadeiras, seguidos de 15% de costureiras e alfaiates

e que somente 0,4% na área de educação e saúde de 0,7% de técnicas especializados e

profissionais liberais, verifica-se uma grande carência de qualificação profissional e na

prestação de serviços. Deve-se salientar, no entanto, que esses dados mascaram também a

condição de existirem pessoas qualificadas e que não são absorvidas como tais pelo mercado

de trabalho, principalmente por falta de oportunidades nesse mercado (observação empírica).

Desta forma, sendo neste setor que se encontra a sustentação da economia de

Teresina, o nível de renda da população reflete condições de baixo nível de remuneração, pois

57,42% da população do município de Teresina recebiam de 1 a 3 e somente 18% recebiam

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oito ou mais salários mínimos. Se o valor do salário mínimo real vigente na época era

considerado como um dos mais baixos dos últimos tempos, calcula-se que 72,10% das

famílias tinham baixa renda em 1991 (Perfil de Teresina, 1953). Assim, pode-se considerar

que existe um grande “fosso” entre a grande maioria da população de baixo e médio-baixo

poder aquisitivo e uma pequena minoria que apresenta sinais externos de riqueza relativa,

sendo esta uma das contradições vividas pela sociedade piauiense. Como indicativo dessa

realidade pode-se constatar em reportagem da revista Quatro Rodas (nov./94), que, se de um

lado Teresina apresenta o maior número (relativo) de carros importados em relação a outras

cidades do Nordeste, também, em pesquisa divulgada pela imprensa local, apresentou o maior

número relativo de mortalidade infantil.

Diante desses dados pode-se perceber que a grande maioria da população de Teresina

convive com graves problemas de ordem econômica e social, decorrentes dos baixos números

tanto de qualificação como de oferta de empregos ou atividades que possam gerar boas

rendas.

E como ocorrem outros problemas ambientais?

Observando a cidade como um “centro de consumo de matérias-primas, de alimentos

e de energia”, Branco (1992, p. 13) discute este conceito analisando os seus desdobramentos e

suas implicações na relação sociedade x meio ambiente de forma bem objetiva. Destaca que

os alimentos e outros produtos consumidos pela população resultam na formação de lixo e

esgotos que poluem os solos e os rios.

Da transformação de combustíveis e matérias-primas nas fábricas resultam gases,

fumaças e resíduos tóxicos-sólidos e líquidos – que também contaminam o ambiente. Do uso

da energia nas casas, nos veículos e nos locais de trabalho resulta um “resíduo energético” sob

a forma de excesso de calor que, somado ao calor acumulado nos asfaltamentos, vidros e

outros materiais urbanos que absorvem calor, são responsáveis pela elevação da temperatura

ambiente, que os especialistas chamam de “ilha de calor”.

Teresina, por não ser ainda uma cidade com intensa atividade industrial, poderia

estar livre de problemas como formação dessa ilha de calor, no entanto, práticas como as

queimadas nos períodos de setembro e novembro, em volta do sítio urbano quando são

preparados solos para plantio, podem ser observadas pelas “largas chaminés” de fumaça em

todas as direções e, frequentemente, observadas ao mesmo tempo. Como resultado, aumenta

o carbono e as partículas sólidas suspensas na atmosfera que, somados aos gases emitidos por

veículos, fazem com que seja armazenado mais calor sobre a cidade, contribuindo para

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ampliar o desconforto térmico sentido nessa época pelos teresinenses. Ressalta-se também

que somente pelas fábricas de cerâmica e padarias de Teresina são consumidos

aproximadamente 700.000 m³/ano de lenha como energia para seus fornos, liberando calor e

poluentes sólidos que se somam às demais fontes de aquecimento da cidade (estimativa do

IBAMA, 1995). A esses números também implicam problemas de desmatamento na zona

rural.

Outro problema, que atinge toda a população da capital, está na falta de galerias para

esgotos e para as águas das chuvas, que fazem com que se conviva com esgotos e água

estagnada em vias públicas. Esta situação se agrava geralmente no período das chuvas de

março e abril, anualmente, quando são atingidos os maiores índices pluviométricos, pois se

formam verdadeiras inundações em muitas ruas e avenidas por toda a cidade – principalmente

naquelas onde se formavam riachos efêmeros que alimentavam os rios Poti e Parnaíba –

ampliando as fissuras dos calçamentos e dos asfaltamentos, tanto pelo atrito das águas como

pelo tráfego de carros e ônibus, formando buracos, em alguns locais tão grandes, que

provocam acidentes constantes. Este impacto no ambiente se constituiu ao mesmo tempo que

o impacto socioeconômico, pois se reflete em gastos e transtornos constantes às populações e

também ao poder público.

Como se pode observar, estes exemplos de problemas ambientais e sociais não

afetam somente as populações de menor poder aquisitivo, mas atingem também bairros

populares, desde o Mocambinho até aqueles considerados nobres, como é o caso da região do

Jóquei Clube e adjacências.

Diante de todas essas questões, pode-se justificar a colocação de que a cidade de

Teresina foi se formando uma cabeça agigantada do Piauí, principalmente porque o seu

crescimento não se faz a partir de atividades geradas internamente, na produção do espaço e

das possibilidades de gerar riquezas, mas está sempre na dependência de programas e

financiamentos decididos e trazidos de fora para dentro do Estado.

6. Aspectos da política de uso, controle e fiscalização dos recursos naturais

“... O valor de uso que cada indivíduo atribui ao meio ambiente não representa um valor que

considere os objetivos da sociedade como um todo. Ou seja, existem valores relacionados

com o uso futuro e a própria existência do meio ambiente que não são captados pelos agentes

econômicos individualmente. Nestes casos, faz-se necessário a intervenção governamental

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que terá que administrar os conflitos de interesses entre os consumidores do meio e o restante

da sociedade”.

Ronaldo Serôa da Matta

No Piauí existem atualmente órgãos governamentais e não governamentais

desenvolvendo ações que buscam a implementação de políticas de uso, controle e

fiscalização dos recursos naturais, visando à melhoria de qualidade do ambiente e da vida das

populações. De ação mais sistemática e efetiva, a nível federal cita-se o IBAMA (Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), a nível estadual, o Departamento

de Meio Ambiente (hoje Secretaria Estadual do Meio Ambiente, em fase de reestruturação)

vinculado à Fundação CEPRO (Centro de Pesquisa Sociais e Econômicas do Piauí) e a nível

municipal, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Teresina. Outras entidades

autônomas, conhecidas como ONGs, se organizam e iniciam trabalhos em Teresina e em

outros municípios piauienses, com objetivos semelhantes.

Do ponto de vista legal existem no Brasil muitos instrumentos em vigor, desde 1970,

e instituídos a nível nacional em 1981, como leis, decretos, instalação de conselhos e

curadorias, que podem ser acionados nas mais diversas situações, desde a criação de áreas de

conservação ao licenciamento de atividades poluidoras, em procedimentos que envolvem

instituições e a sociedade civil.

No Piauí foram criadas, nas últimas décadas, algumas unidades de conservação,

como os Parques Nacionais de Sete Cidades e da Serra da Capivara, a Estação Ecológica do

Uruçuí-Uma e o Parque Municipal da Floresta Fóssil do Rio Poti. Outras estão em fase de

implantação, entre elas as Áreas de Proteção Ambiental das Nascentes e do Delta do Rio

Parnaíba, da Lagoa de Nazaré, do Caldeirão e da Cachoeira do Urubu, como formas de

preservar os ecossistemas de cerrados, caatingas e mangues, no espaço piauiense. No entanto,

essas medidas não são suficientes, uma vez que o aparelho estatal não se encontra organizado

para acompanhar o processo de utilização dos recursos naturais, nem dispõe de um programa

de ações integradas nos diversos níveis de fiscalização e controle das questões ambientais.

Destaque-se, no entanto, que a sociedade piauiense já começa a despertar para a

necessidade de acompanhar e participar de algumas decisões, que envolvem o uso e a

fiscalização do ambiente, cobrando dos órgãos responsáveis medidas preventivas e/ou

corretivas. Alguns exemplos podem ser identificados, como as audiências públicas e

discussões técnicas dos RIMAS (Relatórios de Impactos Ambientais), abertas à comunidade,

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para avaliação dos impactos a serem causados por obras públicas como a construção de uma

ponte sobre o rio Poti que, identificada como causadora de impacto negativo sobre o sítio

paleontológico de troncos de árvores petrificados que afloram no rio, próximo à Potycabana

(estudados desde de 1935 por técnicos da CPRM, conforme Mendes, 1982, p. 60-61), foi

possível transferir a construção dessa ponte para outro local, onde o impacto ambiental

negativo seja reduzido.

Outro exemplo que merece destaque foi a cobrança por parte da Curadoria do Meio

Ambiente, em 1994, para que a construção de uma lagoa de estabilização, para atender a rede

de esgotos domésticos, obedecesse aos procedimentos legais. Isso porque essa lago estava

sendo construída em área de preservação ambiental à população pelo odor e contaminação das

águas, dentro do sítio urbano de Teresina.

Também é importante citar ações integradas entre entidades, como a retirada, em

1994, de populações que estavam construindo casebres em áreas de preservação ambiental, às

margens do Rio Poti, ao longo da Avenida Marechal Castelo Branco, entre as pontes sobre

esse rio, numa ação conjunta IBAMA/Secretaria de Meio Ambiente Municipal. Assim, a

construção de jardins e calçadões para o uso público nessa área, além de preservar os aspectos

ambientais e paisagísticos do logradouro, coibiu a sua poluição e proporcionou à população o

uso de um espaço saudável.

Recuperação de parques e criação de novos constituem outras medidas que, aliadas a

alguns outros programas municipais, como o plantio de árvores em ruas e avenidas, a

dispensa de imposto predial a famílias que plantarem árvores em suas residências, a cobrança

de impostos progressivos a proprietários de terrenos urbanos que não constroem muros e

calçadas, apoio a atividades de hortas comunitárias em terrenos públicos – que também

previnem invasões – fazem parte de um trabalho recente e aparentemente pequeno, mas que

demonstra o crescimento da consciência da necessidade de conservar o ambiente para

proporcionar melhor qualidade de vida à sociedade piauiense.

As questões levantadas neste trabalho procuram evidenciar que os problemas

ambientais e sociais do Piauí estão dentro de um conjunto maior de problemas, vividos pelas

populações do terceiro mundo, como decorrência do modelo econômico vigente, que

proporciona a concentração de renda e a permanência de uma postura política que considera

os recursos financeiros aplicados em conservação da natureza, educação, saneamento básico e

apoio aos pequenos produtores como “gastos” e não como investimentos que geram, de forma

imediata ou em médio e longo prazos, benefícios econômicos e sociais a toda a sociedade.

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