1 - a cidade de sÃo luÍs - ma e a conservaÇÃo de seu centro histÓrico

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24 1 A CIDADE DE SÃO LUÍS - MA E A CONSERVAÇÃO DE SEU CENTRO HISTÓRICO Neste capítulo apresentamos a cidade de São Luís, de modo a facilitar a compreensão da necessidade de se preservar o seu patrimônio histórico edificado. Introduziremos o contexto no qual foi desenvolvida a pesquisa de campo – o Centro Histórico da cidade. Embora São Luís seja uma cidade com 394 anos de existência, ainda permanecem vivos em determinadas áreas do Centro Histórico alguns aspectos relevantes quanto à sua arquitetura, que devem ser respeitados quando do processo de intervenção. 1.1 A cidade de São Luís Capital do Estado do Maranhão, a cidade de São Luís ocupa, com os municípios de São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, a ilha Upaon-Açu dos índios Tupinambás, hoje ilha de São Luís. Com uma superfície de 1.453,1 km²; está localizada no Golfão Maranhense, estuário dos rios Mearim, Itapecuru, Pindaré e Munim, primeiras vias de penetração ao interior do Estado. Contando atualmente com uma população total de aproximadamente 1.070.392 habitantes – 870.028 em São Luís, 107.088 em São José, 76.188 em Paço do Lumiar e 17.088 na Raposa (Censo do IBGE, 2000) –, a ilha apresenta clima tropical úmido e vegetação típica da região pré-amazônica, possuindo um rico

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1 A CIDADE DE SÃO LUÍS - MA E A CONSERVAÇÃO DE SEU CENTRO

HISTÓRICO

Neste capítulo apresentamos a cidade de São Luís, de modo a facilitar a

compreensão da necessidade de se preservar o seu patrimônio histórico edificado.

Introduziremos o contexto no qual foi desenvolvida a pesquisa de campo – o Centro

Histórico da cidade. Embora São Luís seja uma cidade com 394 anos de existência,

ainda permanecem vivos em determinadas áreas do Centro Histórico alguns

aspectos relevantes quanto à sua arquitetura, que devem ser respeitados quando do

processo de intervenção.

1.1 A cidade de São Luís

Capital do Estado do Maranhão, a cidade de São Luís ocupa, com os

municípios de São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, a ilha Upaon-Açu

dos índios Tupinambás, hoje ilha de São Luís. Com uma superfície de 1.453,1 km²;

está localizada no Golfão Maranhense, estuário dos rios Mearim, Itapecuru, Pindaré

e Munim, primeiras vias de penetração ao interior do Estado.

Contando atualmente com uma população total de aproximadamente

1.070.392 habitantes – 870.028 em São Luís, 107.088 em São José, 76.188 em

Paço do Lumiar e 17.088 na Raposa (Censo do IBGE, 2000) –, a ilha apresenta

clima tropical úmido e vegetação típica da região pré-amazônica, possuindo um rico

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e diversificado ecossistema composto por rios, praias, dunas e manguezais que

permeia todo seu território.

FIGURA 01 – Mapas do Brasil, Maranhão e São Luís

Centro Histórico

Ilha de São Luís

Fonte: MARQUES, 2002.

1.2 O Centro Histórico

O Centro Histórico do Município de São Luís situa-se na faixa costeira

noroeste do município, na confluência dos rios Anil e Bacanga (ver figura 02). A área

de abrangência desse Centro compreende o núcleo primitivo da cidade, no platô

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fronteiriço à foz dos rios mencionados, datado do primeiro quartel do século XVII,

bem como os espaços adjacentes da expansão urbana ocorrida nos séculos XVIII,

XIX e início do século XX. Esse Centro, atualmente, é circundado por uma via

arterial primária de cerca de 8 km de extensão, denominada Anel Viário de São Luís,

o qual se insere num quadrilátero de aproximadamente 2 km x 2 km.

FIGURA 02 - Localização do Centro Histórico da cidade de São Luís-MA

Rio Anil

Rio Bacang

Fonte: Guia Turístico do Maranhão, 2001.

As duas zonas afetadas pelos tombamentos federal e estadual, com cerca

de 220 hectares, situam-se na porção oeste do promontório formado pela

confluência dos rios Bacanga e Anil e é limitado pelo Anel Viário, abrangendo uma

área contínua que vai do Cais da Sagração / Palácio dos Leões à Praça Deodoro /

Canto da Fabril (sentido Oeste - Leste) e da Praça Gonçalves Dias ao bairro da

Madre de Deus / São Pantaleão (sentido Norte - Sul). (ver figura 03).

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As ladeiras resultantes da ligação entre o platô central e a faixa plana ao

longo do Anel Viário contribuem para a identificação das áreas mais antigas,

separando a zona portuária das áreas de uso residencial e comercial que se

desenvolvem no platô de cota mais elevada. As ladeiras permitem focalizar as vistas

sobre a baía e canalizam a brisa do mar para o centro.

FIGURA 03 – Mapa do Centro Histórico de São Luís-MA

Canto da

Fabril

Praça Deodoro

Ribeirão

Praça Gonçalves Dias Teatro Arthur Azevedo

Palácio dos

Leões

Anel Viário

Praia Grande

Desterro

Rio Bacanga

Cais da Sagração

Madre de Deus

Rio Anil

Fonte: ANDRÉS, 1998.

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A caracterização da área pode ser observada por meio do Quadro 01, no

qual se destacam o uso residencial unifamiliar como predominante em todo o

conjunto preservado, o percentual elevado de imóveis desocupados e com usos

institucionais na área federal e as características estilísticas ligadas ao denominado

tradicional português. A área de tombamento estadual é marcada pelas correntes

modernas e ecléticas (incluídos os estilos neocolonial e art déco) e popular,

provenientes dos sistemas construtivos informais que ao longo do tempo

apropriaram-se da imagem tradicional da arquitetura do Centro da cidade, porém

sem uma unidade estilística que o defina claramente.

QUADRO 01 – Característica do Centro Histórico

USOS Comércio Serviço Institucional Industrial Residencial

Unifamiliar Residencial Multifamiliar

Misto Sem uso

Federal 18,30 13,19 13,49 * 20,86 2,15 12,07 19,94 Estadual 20,28 12,85 3,58 0 53,05 0,51 3,97 5,76 GABARITO 1º pavimento 2º pavimento 3º pavimento 4º pavimento 5º pavimento 6º pav. ou + Lote vazio Federal 51 36 10 2 1 ** 0 *** Estadual 68,31 27 2,61 0,51 0,12 0,12 1,33 CONSERVAÇÃO

Ruína Péssimo Regular Bom Lote vazio Federal 11 36 43 10 *** Estadual 0,71 7,71 22,72 67,53 1,33 ESTILO ARQUITETÔNICO

Tradicional português

Neoclássico Moderno Art déco Neocolonial Eclético Popular Lote vazio

Federal 56 0,5 16,05 4 4 9 10 *** Estadual 15,92 0 21,36 0,71 2,09 12,45 46,14 1,33 Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís, Iplam, 2004. Números em % * Uso industrial não incluído no levantamento do Iphan ** O Iphan considerou cinco pavimentos ou + *** Lotes vazios na área federal, contabilizados à parte.

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O Centro Histórico de São Luís possui uma textura compacta e regular; as

edificações estão implantadas sobre uma malha viária ortogonal, de forma contínua,

junto às testadas dos lotes, estabelecendo um alinhamento regular sobre as

calçadas. Ligeiras modificações na direção e largura das vias e a determinação de

pequenos espaços abertos espalhados na área criam o peculiar ritmo da paisagem

urbana de São Luís, como podemos observar na Figura 04, que mostra o Centro

Histórico, desde a Ponte do São Francisco, passando pelo Palácio dos Leões até o

mercado da Praia Grande.

FIGURA 04 – Foto aérea do Centro Histórico de São Luís - MA

RibeirãoRio Anil Ponte do São

Francisco

Palácio dos

Leões

Anel Viário

Praia Grande

Rio Bacanga

Fonte: Guia Turístico do Maranhão, 2001.

Tais edificações são implantadas nos lotes com planta geralmente em forma

de L (nas maiores em forma de U) com pátios internos, as mesmas se caracterizam

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ainda pelos telhados em telha de barro do tipo capa-e-canal, as fachadas revestidas

de azulejos dicrômicos portugueses ou massa pintada, os beirais curtos terminados

com cimalhas trabalhadas, vãos estreitos regularmente dispostos e emoldurados,

balcões guarnecidos de grades de ferro batido e piso em pedra de cantaria (ver

figura 05).

FIGURA 05 – Variedade de formas de implantação das edificações nos lotes

urbanos no Centro Histórico de São Luís - MA

Fonte: ANDRÉS, 1998.

As edificações são dotadas ainda de elementos arquitetônicos que

favorecem sua adequação ao clima local, como os elevados pés-direitos e as

varandas guarnecidas de esquadrias do tipo veneziana, voltadas para os pátios

internos, possibilitando a ventilação e aeração dos ambientes (ver Figura 06).

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FIGURA 06 – Fechamento de varanda interna em esquadria do tipo pivotante

Fonte: ANDRÉS, 1998.

Além disso, os azulejos portugueses utilizados como revestimento das

fachadas possuem alto poder de impermeabilização, constituindo proteção contra as

chuvas intensas e, durante o verão, refletindo os raios solares, conforme Figura 07.

FIGURA 07 – Fachada revestida com azulejos portugueses.

Fonte: própria, 2006.

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O conjunto delimitado estritamente pelos perímetros dos Tombamentos

Federal (cerca de 1.000 edificações) e Estadual (cerca de 2.500 edificações) possui

um total aproximado de 3.500 imóveis de valor histórico e arquitetônico, a maioria

civil, com construções do período colonial e imperial, com características peculiares

nas soluções arquitetônicas de tipologia, revestimento de fachadas e distribuição

interna (ver figura 08).

FIGURA 08 – Delimitação das áreas de Tombamento do Centro Histórico de

São Luís - MA

Fonte: ANDRÉS, 1998.

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Vale mencionar ainda, a grande diversidade de usos dos casarões do Centro

Histórico de São Luís, proporcionando assim, uma melhor “manutenção” ao uso

residencial. Entende-se aqui, manutenção no sentido de usos que possam favorecer

a fixação de seus moradores.

Devemos destacar ainda, que essa diversidade de usos contemporâneos é

desejável em áreas históricas urbanas, com a responsabilidade de respeitar sua

tipologia específica e seu entorno. Não só desejável, como fundamental para a

satisfação de seus moradores. Satisfação essa refletida na sua relação com seu

imóvel, proporcionando a experiência diária com o meio urbano.

Ressaltamos que o Centro Histórico de São Luís é dotado de estruturas que

viabilizam a fixação de seus moradores, por possuir uma estrutura completa de

pequenos e grandes comércios, ampla rede educacional (pública e privada) e de

saúde (clínicas, consultórios, hospitais públicos e particulares), além de instituições

de primeira necessidade, como padarias, mercadinhos, escolas, posto de saúde, etc.

Como podemos observar através do Mapa 01.

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N MAPA 01 - Usos Atuais do Centro Histórico de São Luís - MA

Fonte: MARQUES, 2002.

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1.3 O despertar para a preservação do Centro Histórico – O Programa de

Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís-MA

Buscando historicamente as ações realizadas em São Luís, tem-se o início

da atuação na Preservação e Conservação de Bens Culturais, em 1940, com o

Tombamento Federal da Capela de São José da Quinta das Laranjeiras.

FIGURA 09 – Capela de São José da Quinta das Laranjeiras.

Fonte: própria, 2006.

Outras edificações foram contempladas no decorrer dos anos 50 a 63 com o

Tombamento Federal.

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De 1966 a 1974, ações pontuais foram realizadas a começar pela visita de

Michel Parent3 com o objetivo de preparar uma proposta de Preservação do Centro

Histórico de São Luís, mas as suas idéias não foram atendidas. Em 1973, novo

consultor foi enviado, o arquiteto português, Viana de Lima, entretanto também

fracassou a tentativa de se elaborar um documento criando diretrizes para

preservação do Centro Histórico de São Luís. Foi então que, por iniciativa do

Governo Federal, através do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -

IPHAN, são tombados (tombamento federal) vários conjuntos urbanos e

monumentos históricos.

Em 1974, deu-se o Tombamento Federal do Conjunto Arquitetônico e

Paisagístico da Cidade de São Luís, contemplando os Bairros da Praia Grande,

Desterro e Ribeirão, o qual contribuiu para a elaboração de estudos sobre a

revitalização e preservação dos bens tombados (ver Figura 03).

Em 1975, foi incluído no Plano Diretor de São Luís um tópico destacado

sobre “Patrimônio Histórico” e, em 1978, foi sancionada a Lei Estadual nº. 3.999 de

05/12/1978, o que instituiu base legal no Estado do Maranhão para a Preservação

do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico. Mas foi em 1979, por iniciativa do

Governo Estadual, que aconteceu a 1ª Convenção Nacional da Praia Grande e a

criação do Projeto Praia Grande para debater a proposta de Revitalização do Centro

Histórico, que recebeu, em 1986, a revisão e a atualização final, dando origem ao

Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís

(PPRCHSL).

3 Arquiteto francês, consultor enviado pela UNESCO.

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O Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís

é um programa que tem por objetivos propiciar a manutenção do uso residencial nas

áreas do Centro Histórico; intensificar a diversidade de usos; incentivar as

manifestações culturais e educacionais; restaurar e preservar o Patrimônio

Arquitetônico e Ambiental Urbano do Centro Histórico; promover a revitalização

econômica do comércio varejista; adequar as redes de utilidades, serviços e

logradouro; dinamizar as atividades portuárias tradicionais; garantir um processo

permanente de avaliação crítica do Programa de Preservação e Revitalização do

Centro Histórico de São Luís e assegurar o compromisso político da administração

pública quanto à inclusão dos temas relativos à restauração e à conservação dos

bens culturais no plano de Governo Estadual e Municipal.

Em 1981 / 82, aconteceu a 1ª etapa das obras do Programa de Preservação

e Revitalização do Centro Histórico de São Luís, que contemplou, nesse momento, a

restauração, reforma e ampliação da Feira da Praia Grande, recuperação de imóvel

para sediar o Albergue do Voluntariado de Obras Sociais e a Recuperação do Beco

da Prensa e da Praça da Praia Grande.

Mas foi em 1986, por iniciativa da Secretaria Municipal de Urbanismo, que

ficou instituída a Comissão do Patrimônio Histórico de São Luís, na qual observamos

uma parceria contando com técnicos da Secretaria Municipal de Urbanismo, do

Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do Maranhão e do Serviço do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, com a função oficial de analisar os projetos

de construção, reforma, ampliação e preservação de prédios no Centro Histórico.

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De 1987 a 1990, foi iniciada a 2ª etapa de investimentos e obras do

Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís – o

Projeto Praia Grande/Reviver, quando, após a conclusão das obras e o início da

ocupação desse sítio e o retorno da dinâmica socioeconômica e cultural dessa área,

se percebe a sua verdadeira vocação, voltada para o lazer e turismo. Esse foi um

dos maiores investimentos em prol da Revitalização do Centro Histórico e contou

com a restauração de prédios históricos (muitos destes eram prédios destinados ao

serviço público), a criação de redes subterrâneas entre outras.

Para dar continuidade ao Programa de Preservação e Revitalização do

Centro Histórico de São Luís, de 1991 a 1994, realizou-se a 3ª etapa de obras com a

restauração do Teatro Arthur Azevedo e o Projeto Piloto de Habitação (ver Figura

10).

Esse projeto tinha como objetivos principais resgatar o uso residencial no

Centro Histórico e recuperar um importante sobrado que se encontrava arruinado. O

sobrado então foi adaptado para abrigar dez famílias de moradores deste Centro,

que viviam em condições precárias. O intuito principal do projeto foi abrir

perspectivas para a realização de um intensivo programa de habitação capaz de

garantir a recuperação de dezenas de sobrados para fins residenciais e, ao mesmo

tempo, promover a elevação do padrão de qualidade de vida de algumas famílias

residentes no Centro Histórico de São Luís. O projeto em questão então foi batizado

com o nome de Albergue do Voluntariado. Mas, por se tratar de um albergue que

abrigou famílias cuja renda mensal era baixa ou não existia, o projeto não tomou

vulto, uma vez que não atingiu a sustentabilidade desejada e logo os objetivos foram

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por água a baixo. Ocorreu a recuperação da edificação, mas não houve a sua

manutenção. Mesmo tendo consolidado um grupo de famílias, não promoveu a

diversidade de uso e hoje o sobrado se encontra em péssimo estado de

conservação, principalmente na parte interna da edificação, como podemos observar

na figura seguinte.

FIGURA 10 – Condições atuais do Albergue do Voluntariado (Projeto Piloto de

Habitação)

Fonte: própria, 2006.

No período de 1995/96, aconteceu a 4ª etapa de obras do Programa de

Preservação e Revitalização do Centro Histórico, com a preparação de projetos e

realização de obras visando assegurar os recursos do Programa de

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Desenvolvimento do Turismo - PRODETUR/NE, com o subprograma de Habitação

no Centro Histórico. Então, com o Título de Patrimônio da Humanidade, conquistado

em 1997, foi acelerada a conclusão das negociações do Governo do Maranhão com

o BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Governo Federal, para

contratação de recursos no montante de US$ 65 milhões destinados a dois projetos

da mais alta relevância para a preservação do Centro Histórico de São Luís: o

Projeto de Habitação e Promoção Social (US$ 12 milhões), com o Programa de

Revitalização e o Projeto de Desenvolvimento do Turismo Cultural e

PRODETUR/BID/BNB (US$ 53 milhões), com a melhoria da infra-estrutura e

urbanização de áreas degradadas.

Então, nesse contexto, foi instalada a unidade executora do PRODETUR no

Maranhão – PRODETUR/MA, uma parceria entre o MinC/IPHAN (Ministério da

Cultura / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e do Banco

Interamericano de Desenvolvimento - BID.

PRODETUR/MA é um programa destinado ao desenvolvimento do turismo

no Nordeste, de iniciativa do Governo Federal, cujos recursos vêm sendo

negociados junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento nos últimos quatro

anos, sob coordenação do Banco Nordeste do Brasil - BNB, sendo, portanto, fonte

de recursos para investimentos governamentais em infra-estrutura turística.

Outrossim, a proposta de escolher como área de intervenção o Centro Histórico de

São Luís, para 1ª Etapa do PRODETUR/MA, prende-se ao fato de ser essa

localidade o principal ponto de entrada do turismo no Estado (notadamente São

Luís, com porto internacional e aeroporto nacional) e de concentrar a maior oferta de

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atração turística (praias e patrimônio histórico e ecológico), contando com uma infra-

estrutura de hospedagem instalada capaz de atender ao aumento do fluxo turístico

sem grandes investimentos.

As obras propostas para a recuperação e revitalização do Centro Histórico

de São Luís, além de contribuírem para melhorar o produto turístico que o Estado

tem a oferecer, constitui-se em relevantes benefícios à população local residente,

com reflexos na opinião pública favorável ao Governo.

Nos últimos quatro anos, realizou-se a 5ª etapa de intervenções do

Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico, com os objetivos de

recuperar e ampliar a rede de infra-estrutura urbana dos bairros do Desterro e

Portinho; recuperar edificações de valor histórico e revitalizar as atividades

portuárias para assegurar geração de emprego e renda; aumentar a qualidade

ambiental e de vida da comunidade; aumentar a oferta do pescado em qualidade e

preços, e incentivar o turismo cultural e de lazer, além de apresentar propostas para

obtenção de mais recursos para implantação do Subprograma de Habitação Social

no Centro Histórico de São Luís e a formação de parcerias com a iniciativa privada e

entidades de categorias profissionais.

Através desse histórico, é possível concluir, que sempre existiu a

preocupação com a preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico,

principalmente a partir da década de 70, quando os casarões começaram a entrar

em estado de degradação e foram iniciadas obras de recuperação e estabilização.

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Levando-se em consideração que o princípio da Conservação Integrada não

está vinculado somente ao imóvel, mas também à conservação sob aspectos sociais

e ambientais, com os ajustes necessários de usos e funções, enfocando a sua

sustentabilidade, há de se ter total preocupação quando da elaboração dos projetos

em se analisar os impactos, a fim de minimizar e até mesmo prevenir os negativos e

potencializar os positivos, fazendo com que não se estimule o desejo de mudanças

nocivas ao sítio.

Percebemos ao longo do tempo (1948 a 2000), que muitas foram as ações e

os atores que se apresentaram nesse processo de mudança para atingir um objetivo

comum, como o Programa de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e

Paisagístico do Centro Histórico de São Luís, por exemplo. Como bem se sabe, não

é tarefa (tão) fácil, na medida em que se encontram barreiras, quer sejam de caráter

político/administrativo, quer simplesmente por falta de parceiros sérios e aptos a

prestar esse tipo de colaboração.

Retomando o PPRCHSL, das ações propostas já foram realizadas as

seguintes obras: a reforma do Terminal Hidroviário do Centro Histórico, rede elétrica

e de telefonia subterrâneas, sistema de abastecimento de água, melhoria de ruas e

calçadas do Centro Histórico e Igreja do Desterro; restauração do Solar Lilah Lisboa,

na Rua do Giz, recebendo como novo uso a Escola de Música do Maranhão;

restauração do Solar dos Vasconcelos, onde funciona a Coordenadoria do

Patrimônio Cultural; restauração do Teatro João do Vale; restauração do prédio nº.

472 da Rua da Estrela onde funciona o Curso de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Estadual do Maranhão; restauração dos armazéns da Rua do

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Trapiche, tendo seu uso transformado para dar origem ao Projeto Casa dos Artistas

e Casa do Artesão; prédio na Rua da Estrela, n.º 350 (prédio em 02 pavimentos com

13 apartamentos e 02 lojas no térreo); Rua João Gualberto, n.º 49 ( prédio em 03

pavimentos com 12 apartamentos e 02 lojas no térreo ); prédio na Rua do Giz, n.º 66

( prédio em 02 pavimentos com 04 apartamentos e 04 lojas no térreo ); prédio na

Rua da Palma, nº. 336 (prédio em 02 pavimentos com 05 apartamentos e 06 lojas no

térreo) e prédio na Rua da Palma, n.º 337 (prédio em 02 pavimentos com 05

apartamentos e 06 lojas no andar térreo), transformando seus usos para Habitação

Multifamiliar, objetos de estudos desta pesquisa.

FIGURA 11 – Solar Lilah Lisboa, atual Escola de Música do Maranhão

Fonte: própria, 2006.

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FIGURA 12 – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual

do Maranhão

Fonte: própria, 2006.

FIGURA 13 - Projeto Casa dos Artistas e Casa do Artesão

Fonte: própria, 2006.

Page 22: 1 - A CIDADE DE SÃO LUÍS - MA E A CONSERVAÇÃO DE SEU CENTRO HISTÓRICO

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Das obras ainda não entregues, podemos ressaltar as seguintes:

restauração do antigo prédio da Secretaria de Estado de Fazenda, na Praia Grande,

onde será instalado o Centro de Atendimento ao Turista; restauração do maior

sobrado do Bairro da Praia Grande, Rua do Comércio, n.º 241, onde funcionará a

Pousada do Largo do Comércio; e na Rua Direita, nº. 149 (prédio em 02 pavimentos

com 09 apartamentos e 05 lojas no térreo), este também será utilizado como

Habitação Multifamiliar.

FIGURA 14 - Pousada do Largo do Comércio

Fonte: própria, 2006.

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Encontra-se em processo de licitação várias obras como, por exemplo: a

implantação do sistema de coleta de esgotos e drenagem; restauração do prédio na

Rua da Estrela, n.º 386 (prédio em 02 pavimentos com 08 apartamentos e 02 lojas

no térreo).

Fonte: própria, 2006.

FIGURA 15 – Habitação Multifamiliar na Rua Direita, nº. 149

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MAPA 02 – Localização das Intervenções no Centro Histórico de São Luís - MA

Fonte: própria, 2005.

Limite da área Patrimônio da

Humanidade

Limite da área de investigação

Limite da área de investigação

RIO BACANGA

Limite da área Patrimônio da Humanidade

Igreja do Desterro

Coordenadoria do Patrimônio Cultural

N

Projeto de Habitação

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Rua Direita, 149

Projeto de Habitação Rua da Palma 336 e 337

Escola de Musica do Maranhão

RIO ANIL

Terminal Hidroviário

Casa dos Artistas e Casa do Artesão

Projeto de Habitação Rua do Giz, 66

Projeto de Habitação Rua João Gualberto, 49

Projeto de Habitação Rua da Estrela, 350

Área de estudo

Teatro João do Vale Pousada Largo do Comercio

Centro de Atendimento ao Turista

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1.4 Subprograma de Promoção Social e Habitação do Governo do Estado do

Maranhão - PPSHGM

No início dos anos 90, uma nova intervenção abre espaço para a

revitalização social da área. Através de um Programa de Habitação no Centro

Histórico, o Governo acena com a possibilidade de investimento na recuperação dos

imóveis com vistas a consolidar a vocação residencial do bairro da Praia Grande.

Na 3ª Etapa de Obras e Projetos do PPRCHSL, entre 1991/94, foi

implantado o Projeto Piloto de Habitação, que garantiu a completa recuperação de

importante sobrado que se encontrava arruinado e sua adaptação para abrigar dez

famílias de moradores do Centro Histórico em condições adequadas de segurança e

higiene.

Na 5ª Etapa do PPRCHSL, 1996/1999, surgiu o Subprograma de

Promoção Social e Habitação no Centro Histórico de São Luís. Esse é o

programa que, na opinião de vários consultores, se reveste da maior relevância para

a revitalização sócio-econômica do Centro Histórico. O Programa tem, inicialmente,

como público alvo funcionários estaduais que não possuam imóvel próprio e que

morem afastados da área de trabalho, do Centro Histórico de São Luís. A aquisição

do imóvel é feita através de uma prévia inscrição desses funcionários e,

posteriormente, é feito um sorteio para entrega dos apartamentos. O contrato é

estabelecido na forma de aluguel dos apartamentos, no qual os moradores devem

respeitar as normas de preservação e conservação do imóvel, sendo fiscalizados e

orientados por técnicos do Programa.

Page 26: 1 - A CIDADE DE SÃO LUÍS - MA E A CONSERVAÇÃO DE SEU CENTRO HISTÓRICO

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1.4.1 Requisitos para participar do programa (primeira etapa)

• Ser funcionário público estadual;

• Não possuir imóvel na cidade;

• Trabalhar no Centro Histórico;

• Ter rendimentos iguais ou superiores a R$ 600,00.

1.4.2 Condições do contrato

• Os apartamentos são sorteados aos funcionários inscritos que atendam os

parâmetros indicados;

• Compromisso escrito de residir no imóvel sorteado com contrato renovado

anualmente;

• Autorização do desconto do valor da mensalidade em folha de pagamento;

• Perda do direito de uso em caso de não cumprimento das cláusulas

contratuais;

• Direito em comprar o apartamento dentro de 10 anos, usando os valores

pagos (corrigidos) como parte do pagamento;

• Os valores descontados mensalmente são depositados em um fundo

especial do Estado, para manutenção do prédio e da área;

• Os moradores elegerão um síndico para administração do imóvel e para

representá-los junto ao Governo do Estado;

• As despesas de uso das áreas comuns correm por conta dos moradores.

1.4.3 Benefícios alcançados

• Ampliação do uso residencial, humanizando o espaço urbano e

intensificando o vínculo e o compromisso do cidadão com a área;

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50

• Geração de diversidade motivando o surgimento de novos comércios,

restaurantes, bares, hotéis, hospedarias, livrarias, escolas;

• Intensificação do aproveitamento econômico dos investimentos em infra-

estrutura urbana;

• Proporcionar aos servidores estaduais a oportunidade de moradia próxima

ao local de trabalho;

• Incentivar investimentos privados assegurando melhor aproveitamento a

imóveis particulares;

QUADRO 02 - Prédios escolhidos para primeira etapa do Programa

ENDEREÇO PAV. ÁREA (m²) APTOS Nº LOJAS SITUAÇÃO RUA DA ESTRELA 350 02 2.000,00 12 02 ENTREGUE RUA J. GUALBERTO 49 03 1.500,00 12 02 ENTREGUE RUA DO GIZ 66 02 700,00 04 02 ENTREGUE RUA DA PALMA 336 02 795,00 05 06 ENTREGUE RUA DA PALMA 337 02 748,00 05 06 ENTREGUE RUA DIREITA 149 02 1.514,00 09 05 LICITAÇÃO RUA DA ESTRELA 415 02 1.550,00 07 04 LICITAÇÃO RUA DA ESTRELA 386 02 1.016,00 08 02 LICITAÇÃO RUA DA ESTRELA 301 02 800,00 05 05 LICITAÇÃO RUA FORMOSA 378* 03 972,00 14 2 EM OBRAS *Obra da Caixa Econômica Federal

FONTE: Prodetur, 2004.

O Quadro 02 apresenta as Habitações Multifamiliares pertencentes ao

Programa de Promoção Social e Habitação, com suas respectivas áreas, número de

apartamentos e lojas e número de pavimento, totalizando nove edificações. No

entanto destacamos as Habitações Multifamiliares selecionadas para esta pesquisa,

em um total de quatro edificações. Existe ainda um imóvel cuja responsabilidade é

da Caixa Econômica Federal e não faz parte do Subprograma de Promoção Social e

Habitação, que é apresentado no Quadro 02 apenas para efeito demonstrativo do

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51

quantitativo de projetos destinados à Habitação Multifamiliar no Centro Histórico de

São Luís-MA.

Assim, esta pesquisa compreende as Habitações Multifamiliares

pertencentes ao Subprograma de Promoção Social e Habitação do Governo do

Estado do Maranhão, localizadas no Centro Histórico de São Luís – MA. A área

estudada está localizada na área central do Centro Histórico que pertence ao

tombamento federal, reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade,

compreende doze quadras, que englobam as Habitações Multifamiliares (ver Mapa

03). Nela quatro Habitações Multifamiliares foram selecionadas por já possuírem

moradores (enquanto que as demais se encontram em processo de licitação para

iniciar as obra ou para entrega aos futuros moradores), totalizando 34 unidades

habitacionais4, cada unidade habitacional em média com quatro moradores,

totalizando 136 moradores. As Habitações Multifamiliares serão apresentadas no

Capítulo 4, que se refere à análise dos dados coletados na pesquisa.

4 Entende-se nesta pesquisa por unidades habitacionais, os apartamentos individuais de cada família dentro da Habitação Multifamiliar.

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RIO BACANGA

52

MAPA 03 - Recorte espacial da área de estudo no Centro Histórico de São Luís - MA

Fonte: própria, 2005.

Habitações MultifamiliaresLimite da Área de Estudo

N

Limite da área Patrimônio da Humanidade

Projeto de Habitação Rua da Estrela, 350

Projeto de Habitação Rua da Palma 336

Projeto de Habitação Rua João Gualberto, 49

RIO ANIL

Projeto de Habitação Rua do Giz, 66

Limite da área Patrimônio da Humanidade

Page 30: 1 - A CIDADE DE SÃO LUÍS - MA E A CONSERVAÇÃO DE SEU CENTRO HISTÓRICO

53

Assim, no capítulo seguinte iremos apresentar uma revisão conceitual

sobre os aspectos teórico-conceituais sobre a revitalização de Centros

Históricos, descrevendo os principais processos de intervenção, além de

apresentar importantes definições relativas aos tipos de intervenções nessas

áreas.