08atualizacao_evolucaopadroesqualidade

4
 A evolução dos padrões de qualidade para produtos farmacêuticos teve início, oficialmente, em 1932 na Farmacopéia Britânica, com a exigência de este- rilidade para produtos parenterais. Mais tarde, em 1936, a Farmacopéi a Americana (USP XI) também adotou tal cri- rio. Somente a partir de 1955, na USP XV, exi giu-se esta característica de qualidade para as soluções e suspensões oftálmicas. Esta última, descrita pela primeira vez, consis- tia de suspensão oftálmica de acetato de cortisona. Na edição anterior, na USP XIV, que descrevia pela primeira vez um pro- duto oftálmico (solução de nitrato de prata) tal exigência não foi requerida. Quase uma década após, em 1966, a esterilidade foi requerida para loções oftálmicas e colírios, no British Pharmaceutical Codex  e, em 1968, na Farmacopéia Britânica, para pomadas oftálmicas, após inú- meras evidências documentadas as quais correlacionavam infecções oculares com a utilização destes produtos, inclusive os 8 casos da Suécia (6) . Nesse relato, a pomada oftálmica de hidrocortisona con- tendo neomicina e anfomicina, contaminada com Pseudomonas aeru  ginosa  , ocasionou sérios pro- blemas com redução da acuidade visual e lesão da córnea dos pacien- tes. O microrganismo foi isolado do globo ocular lesado, da embalagem em uso e de embala- gens não violadas de vários lotes da pomada. Apesar da similaridade óbvia entre as soluções oftálmi- cas e os produtos para lente de contato, a exigência de esterilidade para estes últimos foi requerida apenas em 1980 e, neste caso, também após publicação de trabalhos relatando problemas decorrentes da utilização destes pro- dutos contaminados (2) . Os padrões de qualidade saniria para costicos des- tinados à aplicação na região de olhos referem-se a limites de aceitabilidade de eventual biocar- ga assim como exigência quanto a ausência de patonicos específicos. Conforme resolução n o  481, de 23 de setembro de 1999, produtos para área de olhos devem apresentar limi- te máximo de 500 UFC (uni dades formadoras de colônia) por g ou mL da amostra além de ausência de Pseudomonas aeru  g i nosa  , Sthaphylococcus aureus e Coliformes totais e fecais em 1g ou 1 mL da amostra. Considerando os ris- cos de introdução inadvertida de tais produtos no olho, microrganis- mos oportunistas podem alcançar os tecidos mais internos em função de sua reduzida vascularização e ocasionar ulcerações, em especial quando presentes quaisquer irrita- ções decorrentes de processos infla- matórios. Ainda com relação à utilização de produtos que não necessitam cumprir a prova de esterili- dade e, susceptíveis a contaminação microbiana, questões atuais merecem reflexões. Tais questões abrangem signi- ficativa parcela da população que apresenta saúde debi- litada e, portanto, com sua imunidade comprometida: portadores de imunodeficiências, de neoplasia (câncer), de HIV, pacientes transplantados, submetidos a terapia Evolução dos Padrões de Qualidade Sanitária de Medicamentos e Cosméticos atualização  *Departamento de Farmácia Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade de São Paulo Contato: [email protected] Nádia Araci Bou Chacra* A implemen tação de salas limpas nos processos produtivos de medicamentos não estéreis e cosméticos constit ui importante contribuição para a qualidade do produto

Upload: paulo-victor-dorneles

Post on 09-Jul-2015

16 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

5/10/2018 08Atualizacao_EvolucaoPadroesQualidade - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/08atualizacaoevolucaopadroesqualidade 1/3

A evolução dos padrões de qualidade para produtos

farmacêuticos teve início, oficialmente, em 1932

na Farmacopéia Britânica, com a exigência de este

rilidade para produtos parenterais. Mais tarde, em 1936, a

Farmacopéia Americana (USP XI) também adotou tal cri

tério. Somente a partir de 1955, na USP XV, exigiu se estacaracterística de qualidade para as soluções e suspensões

oftálmicas. Esta última, descrita pela primeira vez, consis

tia de suspensão oftálmica de acetato de cortisona. Na

edição anterior, na USP XIV, que

descrevia pela primeira vez um pro

duto oftálmico (solução de nitrato

de prata) tal exigência não foi

requerida.

Quase uma década após, em

1966, a esterilidade foi requerida

para loções oftálmicas e colírios, noBritish Pharmaceutical Codex  e, em

1968, na Farmacopéia Britânica,

para pomadas oftálmicas, após inú

meras evidências documentadas as

quais correlacionavam infecções

oculares com a utilização destes

produtos, inclusive os 8 casos da

Suécia(6). Nesse relato, a pomada

oftálmica de hidrocortisona con

tendo neomicina e anfomicina,

contaminada com Pseudomonas

aeru gi nosa  , ocasionou sérios pro

blemas com redução da acuidade

visual e lesão da córnea dos pacien

tes. O microrganismo foi isolado do

globo ocular lesado, da embalagem em uso e de embala

gens não violadas de vários lotes da pomada.

Apesar da similaridade óbvia entre as soluções oftálmi

cas e os produtos para lente de contato, a exigência de

esterilidade para estes últimos foi requerida apenas em

1980 e, neste caso, também após publicação de trabalhos

relatando problemas decorrentes da utilização destes pro

dutos contaminados(2).

Os padrões de qualidade sanitária para cosméticos des

tinados à aplicação na região de olhos referem se a limi tes

de aceitabilidade de eventual biocar

ga assim como exigência quanto a

ausência de patogênicos específicos.

Conforme resolução no 481, de 23

de setembro de 1999, produtos para

área de olhos devem apresentar limi

te máximo de 500 UFC (unidades

formadoras de colônia) por g ou mL

da amostra além de ausência dePseudomonas aeru gi nosa ,

Sthaphylococcus aureus e

Coliformes totais e fecais em 1g ou 1

mL da amostra. Considerando os ris

cos de introdução inadvertida de

tais produtos no olho, microrganis

mos oportunistas podem alcançar

os tecidos mais internos em função

de sua reduzida vascularização e

ocasionar ulcerações, em especial

quando presentes quaisquer irrita

ções decorrentes de processos infla

matórios.

Ainda com relação à utilização de

produtos que não necessitam cumprir a prova de esterili

dade e, susceptíveis a contaminação microbiana, questões

atuais merecem reflexões. Tais questões abrangem signi

ficativa parcela da população que apresenta saúde debi

litada e, portanto, com sua imunidade comprometida:

portadores de imunodeficiências, de neoplasia (câncer),

de HIV, pacientes transplantados, submetidos a terapia

Evolução dos Padrões deQualidade Sanitária deMedicamentos e Cosméticos

atualização

*Departamento de FarmáciaFaculdade de Ciências Farmacêuticas –Universidade de São PauloContato: [email protected]

Nádia Araci Bou Chacra*

A implementação

de salas limpas nos

processos

produtivos de

medicamentos não

estéreis e cosméticos

constitui importante

contribuição para a

qualidade doproduto

5/10/2018 08Atualizacao_EvolucaoPadroesQualidade - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/08atualizacaoevolucaopadroesqualidade 2/3

antimicrobiana etc. além de fatores inerentes à qualidade

de vida nos grandes centros como o estresse, a má alimen

tação, a poluição e o hábito sedentário podem reduzir a

resistência do organismo aos agentes oportunistas. Da

mesma forma, mulheres grávidas, idosos e crianças consti

tuem grupo de risco por apresentarem sua imunidade

alterada ou ainda não desenvolvida, como no caso das

crianças em seus primeiros anos de vida.

Nesse sentido, a qualidade sanitária de medicamentos

não estéreis e de cosméticos pode ser analisada com maior

abrangência, conduzindo à necessidade de padrões dequalidade ainda mais elevados. No que se refere a qualida

de sanitária de cosméticos comercializados no Brasil, ava

liação realizada em 1992 revelou índice de rejeição igual a

22,0%, segundo critério adotado (CTFA The Cosmetic

Toiletry and Fragrance Association)(8) , em emulsões fluidas

e cremosas, produzidas por 15 diferentes empresas.

Assumindo a adoção das Boas Práticas de Fabricação e o

atendimento à legislação vigente, o percentual de rejeição

dos produtos atualmente comercializados pode ter alcan

çado níveis significativamente inferiores quando compara

dos a década anterior.

Além disso, a implementação de salas limpas nos pro

cessos produtivos de medicamentos não estéreis e de cos

méticos, ainda que diferenciadas daquelas adotadas para

os processos assépticos, constitui importante contribui

ção para a qualidade do produto. Tal decisão permite a

implantação de monitoramento ambiental efetivo. Desta

forma, alterações nas condições de higiene das áreas con

troladas podem ser detectadas por testes microbiológicos

no ar, nas superfícies e no pessoal operacional. A identifi

cação dos microrganismos detectados pode indicar as

prováveis fontes contaminantes, sua conseqüente elimina

ção além da seleção adequada dos procedimentos de sani

tização. A adoção de salas limpas na produção de medica

mentos não estéreis e de cosméticos demonstra visão

diferenciada, preocupação com o consumidor e excelente

estratégia de marketing.

A evolução da tecnologia de salas limpas em processos

assépticos coincidiu com as exigências de qualidade para

produtos estéreis. Na década de 60, essa tecnologia foi

desenvolvida pela NASA (National Aeronautics and Space

 Administration) visando sua aplicação em programas

espaciais. O emprego de filtros de alta eficiência (HEPA –

High Efficiency Particulate Air ) assim como a elaboração de

pro jeto consistente relativo a construção da área física e a

implantação de procedimentos operacionais adequados

constituem etapas fundamentais na obtenção de salas

limpas. Quanto à sua classificação, em 1963 foi publicadaa primeira versão da Federal Standard 209, apresentando

limites para cada classe de limpeza. Tal norma foi revisada

em 1966 (209A), 1973 (209B), 1987 (209C), 1988 (209D),

A evolução da

tecnologia de salas

limpas em processosassépticos coincidiu

com as exigências de

qualidade para

produtos estéreis

5/10/2018 08Atualizacao_EvolucaoPadroesQualidade - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/08atualizacaoevolucaopadroesqualidade 3/3

1992 (209E) e cancelada em novembro de 2001, sendo

substituída pelas normas da Internacional Organization

 for Standardization (ISO) 14644 objetivando a harmoni

zação dos padrões existentes, incluindo a norma

British Standard 5295 de 1989 e a NBR 13.700 de 1996,

além de outros.

O desempenho dos processos produtivos submetidos

à áreas limpas permite obter, no desenvolvimento do

produto, além de elevada qualidade sanitária, condições

que possibilitam a otimização de conservantes. Apesar

de característica tóxica, tais substâncias são necessárias

para a estabilidade do produto o que conduz o formu

lador a desafios consideráveis. Esses desafios devem ser

superados com auxílio de ferramentas adequadas, que

permitam decisões consistentes com a finalidade de

minimizar o impacto de reações adversas decorrentes

do uso do produto. Embora os conservantes não devamser utilizados como substituto das Boas Práticas de

Fabricação, o emprego de concentrações otimizadas

dessas substâncias em produtos não constitui rotina nas

indústrias farmacêuticas e cosméticas. Questão adicio

nal relativa à otimização dessas substâncias refere se ao

material de acondicionamento que deverá proteger efe

tivamente o produto não permitindo a introdução

inadvertida de contaminantes no decorrer de seu uso.

A exposição de microrganismos a agentes antimicro

bianos nem sempre resulta em sua morte ou inativação.

A resistência de organismos à substâncias antimicrobia nas pode ser exemplificada pela sobrevivência de

Burkholderia cepacia em solução comercial de povedine

 iodo(1) , em solução de cloreto de benzalcônio a 16%(5)

assim como na presença desse organismo em formula

ções com pH inferior a 3,2(3). Esse microrganismo tam

bém foi capaz de utilizar propilparabeno como fonte de

carbono e energia(4) , conservante amplamente empre

gado em preparações farmacêuticas e cosméticas. A

sobrevivência desse organismo, nas condições expostas,

revelou sua elevada capacidade de adaptação assim

como versatilidade metabólica.

Entre as estratégias de sobrevivência de microrganis

mos, a produção de exopolissacarídeos(7) como no

caso de Pseudomonas aeru gi nosa e de Burkholderia cepa

cia permitiu o seu desenvolvimento em condições de

reduzida atividade de água, além de dificultar a ação de

agentes antimicrobianos.

Considerando os inúmeros desafios no desenvolvi

mento e na produção de medicamentos e cosméticos, a

prevenção de contaminantes na área produtiva consti

atualização

Referências Bibliográficas

[1]. ANDERSON, R. L., VESS, W., PANLILIO, A. L.,

FAVERO, M. S. Prolonged survival of Pseudomonas

cepacia in commercially manufactured povidone

iodine. Appl. Environ. Microbiol., Washington, v. 56,

n. 11, p.3598 3600, 1990.

[2]. BAIRD, R. M. Microbiological contamination of 

manufactured products: official and unof ficial

limits. In: BAIRD, R. M., BLOOMFIELD, S. F., eds.Microbial quality assurance in pharmaceuticals, cos

metic and toiletries. London: Francis & Taylor, 1996.

p. 235 251.

[3]. BOROVIAN, G. E. Pseudomonas cepacia: growth

in and adaptability to increased preservative con

centration. J. Soc. Cosmet. Chem., New Yor k, v. 34,

p. 197 203, 1983.

[4]. CLOSE, J., NIELSEN, P. A. Resistance of a strain of 

Pseudomonas cepacia to esters of p hydroxy ben

zoic acid. Appl. Environ. Microbiol., Washington, v.31, p. 718 722, 1976.

[5]. GEFTIC, G. S., HEYMANN, H., ADAIR, F. W. 

Fourteen Year Survival of Pseudomonas cepa cia in a

Salts Solution Preserved with Benzalkonium

Chloide.. Appl. Environ. Microbiol., Washington, v.

37, n. 3, p.505 510, 1979.

[6]. KALLINGS, L. O., RINGERTZ, O., SILVERSTOLPE,

L. Microbiological contamination of medical prepa

rations. Acta Pharm. Suec., Stockholm, v. 3, p.

219 228, 1966.

[7]. OHMAN, D. E., GOLDBERG, J. B. Genetics of algi

nate biosynthesis in Pseudomonas infections and

alginates, biochemistry, genetics and pathology.

ASM News, Ann Arbor, v. 55, p. 206 220, 1989.

[8]. SOUZA, M. R. S. E. L. Qualidade microbiana em

emulsões cosméticas para aplicação dérmica. São

Paulo, 1993, 218 p. [Dissertação Mestrado,

Faculdade de Ciências Farmacêuticas USP].

tui fator de fundamental importância. Nesse sentido, a

adoção de salas limpas conduz o profissional a novos

desafios permitindo agregar ao produto final, maior

qualidade. ◆