088 uma espiã em orbita

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  • Corlia, uma pequena repblica da Amrica Central se

    prepara para era espacial. Um rdio amador enviando ao

    governo dos EUA uma exigncia de cem mil dlares para

    no matar milhares de pessoas. Um sulto hindu envolvido

    com um desertor do MVD sovitico num plano de

    assassinato em massa.

    1968 Lou Carrigan Publicado No Brasil Pela Editora Monterrey

    Ilustrao De Capa: Bencio JVS 400627-401107

  • PARTE I

    CAPITULO PRIMEIRO Abram alas para Brigitte Montfort!

    Um milho de dlares em publicidade

    Um pequeno pas ingressa na era espacial

    A porta do escritrio de Miky Grogan, diretor do dirio

    nova-iorquino Morning News, foi bruscamente escancarada e Frank Minello entrou, lanando um grito:

    Ateeeno...! Todo o mundo de p! A essa altura, Miky Grogan, o Furibundo, j dera em sua

    cadeira um salto que quase o colocara em cima da mesa,

    rosto desfigurado pelo susto, olhos arregalados. Os outros

    quatro homens que estavam com ele tambm se puseram

    instantneamente de p e ficaram olhando com expresso

    do mais puro assombro para Minello, que por sua vez

    pareceu a ponto de desmaiar.

    Che-chefe... gaguejou. Pe-pensei que estava sozinho.

    Agora o rosto de Miky Grogan era uma bola de fogo,

    consumindo-se em sua clssica fria. Entretanto, sem

    dvida devido presena daqueles quatro alinhadssimos

    cavalheiros, conseguiu o impossvel: conter-se.

    Que deseja, Frank? perguntou mordendo as palavras.

    Bem, eu. Por que nos fez levantar? Oh, eu s... s queria... Pensei que estava s e quis...

    quisemos fazer-lhe uma brincadeira.

    Miky Grogan fechou os olhos por um instante.

    Que brincadeira? indagou suavemente.

  • Bem... Mmm... Ai vai: ateeeno...! Todo o mundo de p! Abram alas para Brigitte Montfort!

    Realmente, naquele mesmo instante, Brigitte aparecia na

    porta da sala, com o jeito exagerado de uma vedete

    saudando um pblico de ardorosos fs. O rosto de Grogan

    ultrapassou a tonalidade vermelha de sua chamejante ira,

    derivando para o rubro intenso, quase negro... Estava to

    furioso, to fora de si, que nem sequer podia falar. A nica

    coisa que fazia era tremer de uma raiva infinita, podia

    resultar de imediato numa congesto cerebral. Sua boca se

    abria e fechava, como em busca de ar, enquanto suas mos

    possantes estavam quase arrancando um pedao da mesa.

    Brigitte olhou para os quatro homens, sorrindo, e por

    fim, com expresso compungida, para e seu chefe em

    assuntos jornalsticos.

    Desculpe, Miky... Foi uma brincadeira tola, mas no sabamos que voc estava ocupado. Perdoem, cavalheiros.

    Houve quatro sorrisos, cada qual mais amvel, cada qual

    mais intencionalmente insinuante, enquanto quatro pares de

    olhos se desgastavam a toda a velocidade percorrendo

    aquele corpo que...

    Que deseja, Brigitte? conseguiu articular Grogan, por fim.

    Eu? Nada. Posso saber, ento, por que veio minha sala? Voc me chamou. Miky Grogan mordeu os lbios. Subitamente, parecia

    cansado, triste, envelhecido.

    verdade... Volte dentro de uma hora, por favor. Est bem. Lamento...

  • Um dos quatro cavalheiros adiantou-se, sempre sorrindo,

    to encantado com a vida que quase parecia um idiota.

    No se desculpe mais, por favor, miss Montfort. Na verdade, meus scios e eu estamos encantados em conhec-

    la pessoalmente. Somos grandes admiradores de seu

    trabalho.

    Muito obrigada sorriu ela, deliciosamente. A que trabalho se refere?

    O homem desconcertou-se um instante.

    Ao seu magnfico trabalho jornalstico, naturalmente. Ah, sim... So todos muito amveis, mister... Willougby. Permita-me que lhe apresente meus

    scios...

    Apresentou-os. Um por um, foram apertando a mo da

    mais bonita espi do mundo, derretendo-se de puro prazer.

    Grogan mantinha uma imobilidade grantica e Minello,

    ainda na porta, sorria ironicamente, olhando para ele.

    No tem nenhum trabalho a fazer, Frank? No senhor. Pois arranje um! Fora! Minello franziu a testa. Mas Brigitte sorriu para ele,

    agitando a mo em despedida.

    Pode ir, Frankie. Estes cavalheiros me protegero da clera de mister Grogan... No certo, senhores?

    Houve um sim absoluto, enquanto os quatro olhares se dirigiam torvamente ao diretor do Morning News, dominados pelo encanto mgico de Brigitte. Minello saiu,

    embora de m vontade. Brigtte sacou um cigano e quatro

    isqueiros acessos aparecerem diante dela. Aceitou a chama

    do que estava mais perto, expeliu um fino jato de fumaa e

    olhou amavelmente os quatro homens.

  • Espero que no tenha vindo perturb-los... Oh, no! exclamou Willougby. Estvamos

    conversando com mister Grogan sobre a possibilidade de

    lanarmos uma intensa campanha publicitria atravs do

    Morning News, miss Montfort. Chamou-me para isso, Miky? No, no. Era para outra coisa. Ns que estamos querendo... gozar de sua presena,

    miss Montfort. Para dizer a verdade, sua coluna no

    Morning News foi a razo principal que nos trouxe aqui para contratarmos a publicidade de nossos produtos. Mas,

    infelizmente, o preo pedido por mister Grogan parece-nos

    excessivo. Em outros jornais nos cobrariam muito menos

    por uma campanha idntica.

    Sem dvida... sorriu Brigitte. Mas eu no trabalho para outros jornais, mister Willougby.

    Certo... Mas, no obstante o tato de, com sua coluna, fazer com que o Morning News se venda muito, no vejo razo para aceitarmos o preo de mister Grogan.

    Compreendo. Quanto pensam inverter nessa campanha?

    Setecentos e cinqenta mil dlares. Oh! muito dinheiro. Mister Grogan nos pede um milho. mais dinheiro ainda tornou a sorrir Brigitte. Demais. E gostaramos de ouvir uma razo capaz de

    convencer-nos de que devemos gast-lo.

    Bem, dem-me os senhores uma s razo pela qual no o devam fazer.

    Os quatro homens se entreolharam, atrapalhados.

  • que uma diferena de duzentos e cinqenta mil dlares parece-nos considervel, miss Montfort.

    Quer se casar comigo, mister Willougby? Co-como...? espantou-se o interpelado. Perguntei-lhe se quer se casar comigo. Bom, suponho que seja uma brincadeira... Mas se

    est falando srio, pode marcar o dia e a hora. S mesmo

    um louco no aceitaria sua mo.

    Muito obrigada. Mas, pensando melhor: no seria o mesmo para o senhor casar com a minha vizinha?

    Com... sua vizinha? Sim. Eu lhe pediria como presente de casamento um

    bonito colar de prolas, que certamente lhe custaria meio

    milho de dlares, alm de umas pequenas coisas mais que

    completariam um milho... O senhor aceitaria?

    Claro que sim! Pois faria mal. Aconselho-o a casar com a minha

    vizinha, mister Willougby, porque ela milionria e no lhe

    pediria nada. Tem tudo de sobra. Inclusive anos...

    Completou setenta e trs a semana passada.

    E por que hei de casar com ela podendo faz-lo consigo?

    Porque economizaria um milho de dlares de presentes. Ela se contentaria com o casamento. E o senhor,

    de qualquer modo, teria uma esposa.

    Mas muitssimo diferente da outra! Pensa mesmo assim, mister Willougby? Eu lhe sairia

    muito mais caro, mas piscou-lhe um olho o senhor teria sua felicidade garantida. A velha dama certamente o

    faria menos feliz, no?

  • Os outros trs puseram-se a rir. Willougby acabou rindo

    tambm. Miky Grogan estava aterrado e passava um leno

    pela testa suarenta, vendo desabar sobre ele a tragdia...

    E ento mister Willougby, que decide: velhota grtis ou senhorita cm perfeitas condies por um milho de

    dlares? E, por favor, no queria regatear comigo: sairia

    pela janela.

    Riram novamente os quatro. Willougby acabou lanando

    um profundo suspiro de decepo.

    Por um momento, acreditei que estivesse falando srio, miss Montfort. De acordo: assinarei esse contrato,

    mister Grogan. Riu. Prefiro casar-me com a senhorita em perfeitas condies que com a velhota... Diabo!

    Riram os quatro mais uma vez. Grogan fez ah, ah, ah, muito pouco convencido. Quando os quatro cavalheiros se

    despediram, o diretor do Morning News olhava ainda incredulamente o contrato que ia proporcionar ao seu jornal

    um ingresso de um milho de dlares em publicidade.

    Ergueu a cabea, olhou para Brigitte, abriu e fechou a boca

    vrias vezes, depois indicou o contrato.

    Eles... eles assinaram... E por que no? Santo Deus! Ainda no compreendo... Mas temos que

    celebrar!

    Boa idia. Grogan dirigiu-se ao bar embutido que tinha em seu

    escritrio. Abriu o compartimento refrigerador e tirou uma

    garrafa de champanha, que mostrou triunfalmente a Brigitte.

    Conhece? perguntou sorrindo. Conheo: Perignon-55. Acha que mereo tanto,

    amado chefe?

  • Voc merece isto e muito mais, querida... Oh, no temos cerejas!

    Eu trouxe as cerejas. Trouxe? ele ficou estupefato. Voc anda por a

    carregando cerejas na bolsa?

    S quando vou precisar delas. Ante o pasmo de Grogan, abriu a bolsa e retirou um

    frasco de cerejas, que deixou sobre o bar. Depois apanhou

    duas taas, colocou uma cereja em cada um e bateu palmas,

    alegre.

    Voil! Mas Miky Grogan estava ainda to surpreendido que

    no conseguia reagir. Ela retirou-lhe suavemente a garrafa,

    abriu-a e encheu as taas. Entregou uma ao chefe e sorriu.

    Tim-Tim. H...? Oh! Tim-tim! Beberam, Grogan sempre envolto naquele olhar azul

    doce e irnico ao mesmo tempo. Brigitte sentou-se numa

    poltrona, mostrando as belssimas pernas at limites

    temerrios.

    Para que me mandou chamar antes? Ah, sim Grogan sentou-se tambm numa poltrona.

    Voc ter que viajar, Brigitte. Para onde? alarmou-se ela. Estados Unidos do Coral. Brigitte soltou um suspiro de alvio.

    Assim est bem... admitiu. Em pleno trpico, ou pouco menos. No me sinto feliz no clima da Antrtida

    1.

    Mas desforrou-se em Acapulco sorriu Grogan.

    1 ver: Alarma no Plo Sul

  • Assim a vida... Maus bocados, bons bocados! Que tenho a fazer nos Estados Unidos do Coral? Espionagem ou

    jornalismo? Ou ambas as coisas ao mesmo tempo?

    No, no. Apenas jornalismo. Voc deve saber que os coralenses tencionam lanar brevemente no espao um

    satlite artificial.

    Li alguma coisa a respeito. Mas so noticias um tanto confusas, contraditrias...

    Essa a questo: o Morning News no vai oferecer noticias confusas, mas exatas. Para tanto dispe de uma

    jornalista que lhe custa mais de trezentos mil dlares

    anualmente.

    Quem essa jornalista? fingiu assombrar-se Brigitte.

    Deixe de tolice! resmungou ele. Voc quem cobra essa quantia. Bom, que me diz de obter notcias

    concretas e interessantes sobre esse lanamento dos

    coralenses?

    Querido, sempre que voc necessite de algum que queira trabalhar em climas tropicais, conte comigo. Irei,

    naturalmente. Quando devo partir?

    O quanto antes. Consegui que um tcnico espacial de l aceite sua visita ao Centro Espacial Universal. Chama-se

    Diego Montalbn e estar sua espera no aeroporto, se voc

    me disser em que avio ir para que eu o previna.

    Certamente partirei amanh; depois lhe darei o horrio exato de minha chegada a Corlia, a capital. E. um

    pas curioso, no lhe parece, Miky?

    Que tem de curioso? Alm de sua situao privilegiada, quase tocando a

    linha equatorial, ao norte das Ilhas Galpagos, tem de

  • curioso o particular de ser o nico pequeno pas capaz de

    aventuras desta ndole. algo quase surpreendente.

    Nem tanto. Os Estados Unidos do Coral receberam ajuda de diversos pases adiantados para o lanamento de

    satlites espaciais. Por exemplo: da Rssia, da Frana... e

    dos Estados Unidos da Amrica. No s lhes

    proporcionamos material, como permitimos que vrios de

    seus tcnicos e cientistas estudassem em nossos centros

    espaciais. Temos justamente o caso de Diego Montalbn,

    que passou quatro anos em Cabo Kennedy. Isso, depois de

    ter estudado numa universidade americana.

    O que no compreendo que no facilitem informaes detalhadas imprensa mundial. Quando um

    pas est em condies de lanar foguetes espaciais, pode

    considerar-se orgulhoso de seu desenvolvimento cientfico.

    No vejo razo para que se deixe de fornecer o mximo em

    notcias a todos os jornais.

    Quer-me parecer que no se sabe a data exata do lanamento. Alm disso, suponho que os coralenses no

    estejam muito confiantes no xito de tal empreendimento e

    desejam ainda efetuar um ltimo controle de todo o projeto.

    Se tudo os satisfizer definitivamente, daro a notcia

    detalhada e completa ao mundo.

    Mas a essa altura, o Morning News j ter publicado tudo com referncia ao assunto, no assim?

    Exato sorriu Grogan. Por isso, voc l ir. E quando os outros jornais puderem dar a notcia com todos

    os detalhes, ns j a teremos esquecido, de to velha.

    Esplndido... Brigitte olhou divertida para sua taa, com a cereja no fundo. Voc me mentiu, Miky.

    Como? Eu lhe menti em qu?

  • Disse que me enviava l como jornalista e no verdade. A verdade que, embora enviando aos Estados

    Unidos do Coral a jornalista Brigitte Montfort, voc espera

    que a agente Baby entre em funes para averiguar o que ningum queira dizer. Portanto, voc envia a jornalista e a

    espi.

    Grogan mexeu-se em sua cadeira.

    Bom... Afinal de contas, todos os jornalistas so um pouco espies, no ?

    Mas nem todos os espies so Baby, querido. Est bem, est bem... Que pretende? simples: j que est enviando duas pessoas

    distintas, pague pelas duas. Naturalmente, Brigitte Montfort

    realizar seu trabalho jornalstico sem cobrar nada, exceto,

    claro, os gastos de viagem, alojamento e coisas assim. Mas

    a agente Baby carssima, Miky. Quanto? grunhiu Grogan. Um sorriso. Qu? Um sorriso. Sorria uma vez, uma s vez, e ter

    pagado o altssimo preo da agente Baby. Vejamos esse sorriso...

    Miky Grogan enrugou a testa. Mas, inevitavelmente,

    teve que sorrir. E o fez de muito boa vontade, certamente.

    Voc ... nica, Brigitte. E eu a adoro! Pois o demonstre com mais freqncia, querido

    suspirou ela; terminou sua taa de champanha. Bem... Creio que devo preparar-me para a viagem. Mandarei-lhe

    um postal quando chegar l.

    Conto com ele. Divirta-se, querida. Tentarei. At a vista, Miky.

  • Estendeu-lhe a mo, que ele levou aos lbios, sorrindo.

    At a volta, formosa espia. Brigitte saiu da sala. Quinze minutos mais tarde, quando

    Grogan estava novamente imerso no trabalho, Minello

    tornou a aparecer, to brusco como sempre.

    Ento, est contente? perguntou. Grogan olhou-o intrigado.

    A que se refere? A isso de mandar Brigitte para longe de mim. Tenho

    certeza de que faz de propsito, para impedir que eu a

    conquiste. Bom, onde est a taa que ela usou? Tambm

    quero tomar champanha com cereja.

    Foi ao bar, apanhou a taa que lhe pareceu de Brigitte,

    lanou-lhe quatro ou cinco cerejas dentro e encheu-a de

    champanha. Grogan o ornava de cara amarrada.

    Ser melhor que volte ao seu trabalho, Frankie. E procure habituar-se a entrar em minha sala com bons

    modos.

    Ah! Mas que ingrato voc! Ingrato? Oh, bem, refere-se ao fato de Brigitte ter

    resolvido aquele assunto, no? Pois bem: no sou mal-

    agradecido. E dou prova disso deixando-o tomar meu

    champanha. Justamente por admitir que da inoportuna e

    escandalosa chegada de vocs resultou algo bom. Mas no

    abuse.

    Frank Minello aproximou-se dele, remexendo

    fortemente dentro da orelha com um dedo.

    Terei ouvido bem? perguntou. Disse que nossa chegada aqui foi inoportuna?

    Bom... Digamos casual, para no ofend-lo.

  • Casual? Minello ergueu os braos para o teto, com a taa numa das mos. Este sujeito est louco, meu Deus! Diz que nossa chegada foi casual!

    E no foi? Eu tinha visitas aqui, vocs chegaram, minhas visitas gostaram de Brigitte, inevitavelmente... e ela

    ento convenceu-os. Casualidade.

    Frank Minello olhou comiserativamente o seu chefe.

    Eu me pergunto murmurou como foi que voc chegou a ocupar esta sala. Tem menos discernimento que

    um queijo da Holanda... Aqui no houve nada casual,

    entende?

    Que est dizendo? Diabo, bem claro! Voc mandou chamar Brigitte,

    ela demorou um pouco e quando telefonou a essa boboca

    que est a fora e exerce as funes de sua secretria

    perguntando se podia vir ento, a boboca que est a fora

    disse que voc estava muito ocupado e afobado. Brigitte

    perguntou-lhe o motivo da afobao e a boboca lhe explicou

    o assunto da campanha de publicidade, o impasse criado

    pela questo do preo e tudo o mais. Ento, Brigitte mandou

    um boy comprar cerejas e, enquanto o garoto ia e vinha,

    explicou-me o que ela e eu amos fazer. E foi assim que, to

    logo chegaram as cerejas, viemos os dois at aqui, fizemos

    toda a comdia, ela entrou e conseguiu realizar o que se

    havia proposto: ajud-lo a obter esse contrato de

    publicidade por um milho de dlares. Casualidade!

    Quando eu digo que voc no enxerga um centmetro alm

    da ponta do seu enfurecido nariz... Ora, v para o inferno,

    ingrato!

    Bebeu de um trago a taa de champanha e abandonou a

    sala, mastigando furiosamente as cerejas.

  • Mike Grogan, imvel, estava com a boca aberta.

    CAPTULO SEGUNDO O homem dos camares

    Uma conversa espacial

    Simplesmente fantstico: nem mortes, nem lutas, nem espionagem...

    E Miky Grogan devia estar ainda com a boca aberta

    quando, trinta horas mais tarde, isto , s dezessete do dia

    seguinte, a jornalista Brigitte Montfort chegava a Corlia2,

    capital dos Estados Unidos do Coral, em vo semidireto

    desde Nova Iorque.

    Aps descer a escadinha, to logo pusera os ps em

    terra, dois homens adiantaram-se para ela. O mais velho

    devia ter cinqenta anos. Era de estatura mediana,

    ligeiramente obeso, suarento, bastante calvo; parecia

    inteligente, devido ao olhar astuto de seus pequenos olhos

    pardos. Um tipo vulgar, entretanto.

    O outro, no. O outro no tinha nada de vulgar,

    comeando por seus profundos olhos negros, seu queixo

    firme, seus ombros de atleta. Devia medir mais de um metro

    e oitenta e todo o seu aspecto denunciava um notvel vigor

    fsico. Estava muito tisnado pelo sol e a severa expresso de

    seu rosto parecia indicar uma poderosa personalidade.

    Miss Montfort? Sim... Sou Diego Montalbn disse o atltico jovem.

    Mister Grogan mandou-nos de Nova Iorque um telegrama

    avisando de sua chegada. Se permitir, nos encarregaremos

    2 aqui, como em tantas outras vezes anteriormente, o autor utiliza o recurso do pais imaginrio (NE)

  • de tudo. Peo-lhe que me entregue os tales de sua

    bagagem.

    Brigitte entregou-lhe os tales e Diego Montalbn fez

    sinal a dois homens que esperavam um pouco afastados, aos

    quais incumbiu de retirar a bagagem. Pareceu ento dar-se

    conta de seu descuido e sorriu ao pedir desculpas.

    Perdo... Este senhor Pedro Morales, meu grande amigo e o melhor tcnico com que contamos no Centro

    Espacial Universal. Pedro, esta, como j sabe, miss

    Brigitte Montfort, do Morning News de Nova Iorque. O homem calvo de mediana estatura e olhos astutos

    apertou sorridente a mo de Baby. um prazer, miss Montfort. Entendo que nos

    devemos sentir honrados com sua presena em Coral.

    No compreendo, seor Morales... Quero dizer que, segundo me consta, nos enviaram

    uma das melhores reprteres de seu pas. Isso nos

    envaidece.

    Envaidece a mim, seor Morales sorriu Brigitte. Agradeo-lhe a gentileza.

    Temos um carro espera disse Montalbn. Primeiramente trataremos da obteno do seu visa, o que

    nos tomar apenas alguns minutos, depois a

    acompanharemos ao hotel onde lhe foram reservados

    aposentos. Desejamos que sua permanncia em Coral seja

    agradvel, miss Montfort.

    Muito obrigada. Em poucos minutos, realmente merc da influente

    presena de Diego Montalbn e Pedro Morales, as

    formalidades aduaneiras e do visa foram cumpridas.

    Quando chegaram ao grande carro negro, a bagagem de

  • Brigitte j tinha sido colocada no porta-malas. Tudo

    cmodo e rpido. Poucas vezes havia encontrado a espi

    internacional tantas e to amveis facilidades para entrar

    num pas. O idioma nacional era o espanhol, mas Pedro

    Morales e Diego Montalbn falavam perfeitamente o ingls,

    pelo que Brigitte resolveu silenciar seus conhecimentos do

    castelhano.

    Morales sentou-se na frente, junto ao chofer, e

    Montalbn ocupou, com Brigitte, o banco traseiro, dando

    uma ordem:

    Ao Galpagos, Adriano. Pois no, don Diego. O grande carro ps-se em marcha. Brigitte sorriu como

    uma mocinha tmida e pareceu que queria dizer alguma

    coisa, embora no se atrevesse. Diego Montalbn

    demonstrou sua perspiccia, perguntando:

    De que se trata, miss Montfort? Pode pedir o que deseje. Tanto Pedro como eu estudamos nos Estados Unidos

    e gostaramos de corresponder de algum modo as atenes

    que recebemos l.

    No quisera incomodar demasiado... De modo algum! protestou Pedro Morales. Neste pas, miss Montfort, no s somos corteses,

    como tambm faramos qualquer coisa para satisfazer uma

    bela jovem. Que queria dizer-nos?

    Gostaria... Oh, um capricho tolo, mas gostaria de no ir para um hotel.

    No ir para um hotel? repetiu Montalbn. Desculpe, mas no compreendo... Preferiria ficar mais... isolada. Vou lhe dizer a

    verdade, seor Montalbn: adoro os pases tropicais.

  • Bem, mas... sorriu ele, algo perplexo. Desculpe, continuo sem entender.

    O trpico me encanta, com suas praias de areia brilhante, suas palmeiras, seu mar de um azul to

    profundo... Gostaria de alojar-me numa vila perto da praia,

    no numa sute de hotel. Isso o que tenho em Nova

    Iorque.

    Ah, sim! Agora compreendo sorriu simpaticamente Montalbn. Prefere um bangal junto do mar.

    Exatamente! Seria isso possvel, seor Montlban? Creio que poderemos satisfaz-la olhou para o

    chofer. Adriano, leve-nos pelo desvio do Galpagos at a zona de bangals chamada Cielimar.

    Est bem, don Diego. O carro continuou sua marcha. Durante uns segundos,

    ningum pareceu saber o que dizer, Por fim, Pedro Morales

    pigarreou, voltou-se em seu assento e olhou afavelmente

    para Brigitte.

    Fez boa viagem? perguntou. Muito boa. Estou acostumada a voar. Por si mesma? Como? Diego Montalbn sorriu.

    Pedro est dizendo, certamente, que um anjo no precisa das asas de um avio para voar.

    Oh! Brigitte ps-se a rir. Sinto decepcion-lo, seor Morales, mas sempre voei de avio. Temo que no

    seja nenhum anjo.

    Creio que est equivocada sorriu Morales.

  • Pedro tem cinqenta e um anos disse Montalbn, sempre imperturbvel, seguro de si mesmo. Mas quando v uma mulher bonita retrocede Vinte.

    O seor Morales muito simptico e gentil... E oxal fosse verdade que eu o pudesse fazer voltar aos trinta. Seria

    um prazer para mim.

    Se continuar falando desse modo riu Morales creio que retrocederei mais de vinte anos. solteira, miss

    Montfort?

    Sim... O simptico Pedro Morales esfregou alegremente as

    mos.

    timo! exclamou. Teremos que dar um jeito nisso!

    Pedro tambm solteiro informou Diego. mas parece que tal situao j no de seu agrado.

    Brigitte tornou a rir, enquanto Morales acariciava

    pensativamente o queixo.

    Lembro-me de um velho amigo que no podia tolerar camares... Dizia que eram uns bichos feios e repugnantes.

    Durante alguns anos de nossa juventude, cada vez que nos

    serviam camares, ele os transferia para o meu prato. Eu,

    naturalmente, no protestava. Simplesmente, comia os

    camares. Um dia chegamos a um povoado na costa de San

    Salvador, onde s havia camares para comer. Estvamos

    com tanta fome, que o meu amigo teve que optar entre

    comer camares ou morrer. Aquele foi um mau dia para

    mim... Meu amigo comeu camares.

    Calou-se. Brigitte acendeu um cigarro.

    E ento, seor Morales?

  • Bom... Meu amigo me disse que eu era o perfeito tipo do canalha. Naturalmente, respondi-lhe que ele jamais havia

    querido comer camares, ao que ele replicou que se eu lhe

    tivesse dito seriamente como eram saborosos os camares,

    ele os teria comido sempre. Estava muito zangado comigo.

    Moral da histria? perguntou Brigitte. Ningum pode saber se os camares so bons at que

    os tenha provado. Penso que o mesmo se poderia dizer do

    casamento.

    Todos riram. Inesperadamente, Diego Montalbn

    perguntou:

    Entende de tcnicas espaciais, miss Montfort? No muito, na verdade. Toda essa coisa de espao

    parece-me um pouco irreal.

    Irreal? Sim... Mas, sobretudo, desnecessria. Pedro Morales e Diego Montalbn olharam-na como se

    ela tivesse dito a maior atrocidade do mundo. Pareceram

    quase assustados... e bastante decepcionados

    Muitas pessoas pensam que o dinheiro empregado nas investigaes espaciais teria melhor aplicao em coisas

    mais teis, em maior proveito da humanidade. Pertence a

    essa classe de pessoas, miss Montfort?

    No, no... protestou Brigitte. Claro que no. Admito muito bem a idia de que o homem queira conhecer

    o que chamamos espao exterior. E natural que se

    realizem esforos neste sentido, j que possumos os meios

    para faz-lo. bom saber onde estamos e o que nos rodeia.

    Parece-me justo que se empreguem milhes de dlares

    nesses estudos. Mas tenho a impresso de que nada servir

    de nada.

  • Em que sentido? Bem... Por exemplo, sabemos que a Lua est

    praticamente ao nosso alcance. Mas acontece que na Lua o

    meio ambiente no favorvel ao homem. Isso significa

    que, embora cheguemos l, no poderemos fazer nada. Na

    Lua no parece que haja ouro, nem diamantes, nem

    alimentos, nem fontes de medicamentos novos. um

    satlite que no vale nada. Neste sentido, creio que Marte

    ainda vale menos. Para que irmos l se nada de bom

    conseguiremos com isso para a humanidade?

    Mas miss Montfort... escandalizou-se Montalbn. Entretanto sorriu ela creio que os esforos so

    dignos de elogio. indubitvel que se a procriao humana

    prosseguir neste ritmo, dentro de alguns milhares de anos a

    Terra se tornar pequena. Ento, teremos que enviar a

    outros planetas ou a satlites uma boa pane da populao

    terrestre. Se nos pusermos a pensar nisso, compreenderemos

    que dentro de alguns milhares de anos o Banco da Amrica

    ter sucursais em Pluto, Saturno, Urano... e Marte, sem

    dvida. Daria qualquer coisa para ver esse tempo em que,

    com meio dlar, se podero comprar dois cachorros-quentes

    em Marte, uma raqueta de tnis em Jpiter e um pacote de

    chicletes em Vnus. Ser fantstico.

    Est zombando de ns, miss Montfort murmurou Morales.

    No... disse Montalbn. Ela est dizendo que acredita que chegaremos a todos esses lugares... Mas ao

    mesmo tempo, pergunta-nos para que queremos chegar a

    eles.

    Ora que pergunta! Queremos chegar l para... para... para...

  • Para que, seor Morales? sorriu Brigitte. Mmm... Para chegar. Pedro Morales abespinhou-se.

    O homem o dono de todo o universo resmungou. Portanto, natural que queira estar em toda parte.

    Sem dvida, seor Morales sorriu Brigitte; levou o cigarro aos lbios, depois perguntou ingenuamente: J esteve no Mxico?

    No... Na Rssia? No... Na Espanha? No, no... Na Austrlia? No... surpreendente. No acaba de dizer que o homem

    deve estar em toda parte?

    Eu falava do universo. E eu falo da Terra. Por favor, no me interprete mal:

    sou uma entusiasta de tudo o que significa ampliar os

    conhecimentos humanos. Qualquer inovao ou renovao

    por mim bem acolhida. Temos, por exemplo, o assunto

    dos transplantes orgnicos... Acredita que eu tenha doado

    meu corpo a uma instituio norte-americana?

    Seu... seu corpo? Todo meu corpo. Suponhamos que eu morra num

    acidente, de tal modo que meus rgos vitais fiquem

    aproveitveis. Pois bem, autorizei certa instituio a, em tal

    caso, aproveitar de meu corpo tudo o que for possvel.

    Tudo, seor Morales: quero morrer sabendo que poderei ser

    til a outras pessoas.

  • Mas no acredita que investigar o espao seja de utilidade para o gnero humano.

    Por que no? Afinal de contas, o bom Deus demasiado esperto para ns. Por que no havemos de

    acreditar que no espao exterior deixou algo de bom para os

    pobres terrestres, algo que est esperando que encontremos

    sem sua ajuda?

    Pedro Morales lanou um suspiro de derrota.

    Puxa, miss Montfort! Creio que no me casaria consigo, afinal?

    Por que no? sorriu ela. Porque raciocina bem demais... iria amargar minha

    vida.

    Agora, at o motorista riu. Diego Montalbn olhou

    atentamente para Brigitte. Parecia que sua inicial

    indiferena corts para com a belssima jornalista havia

    desaparecido no tempo e no espao.

    Estamos chegando ao Hotel Galpagos informou. H uma zona muito ampla, para o norte, destinada ao que nos Estados Unidos se chama motel. Tratarei de conseguir-lhe o melhor bangal, miss Montfort.

    Junto do mar, se possvel. Claro.

    * * *

    de seu agrado? perguntou Montalbn. De meu agrado? exclamou Brigitte. Seor

    Montalbn, asseguro-lhe que viajei por todo o mundo, mas

    nunca tive um alojamento como este. At fico triste.

    Diego Montalbn surpreendeu-se.

    Triste?

  • Muito triste... por no lhe poder demonstrar meu agradecimento em toda sua amplitude.

    Ah, bem... Tudo to... to maravilhoso! A praia junto ao

    bangal, a areia dourada, o sol, o mar azul, a brisa agitando

    as palmeiras, este silncio incrvel. Como lhe poderei pagar

    isto?

    De uma nica maneira: seja benevolente para este pequeno pas que se lana numa grande aventura.

    No creio que o que eu escreva tenha muita importncia...

    Oh, sim. Ter. Sabemos do prestgio de que goza no mundo do jornalismo. Se disser okay, tudo ir muito bem para ns desde o princpio. Podemos servi-la em mais

    alguma coisa?

    No, no me atreveria a pedir... Est claro que esse gasto eu enfrentarei pessoalmente...

    Diga-me de que se trata. Vai pensar que sou uma jovem caprichosa e um

    pouco amalucada, seor Montalbn.

    No importa p que eu possa pensar. E nunca a consideraria uma pessoa caprichosa, absolutamente. Que

    mais necessita?

    Eu me conformaria com um pequeno iate... Bem pequeno, com um bar, alguns livros interessantes e um bom

    gravador cheio de msica... E demasiado, no?

    Puxa! tornou a exclamar Pedro Morales. No h dvida de que uma pessoa de bom-gosto, miss

    Montfort. Farei o possvel para conseguir-lhe esse iate. E

    que mais?

  • Tenho a impresso de que acabo de ser coroada rainha de um estranho pas encantado... riu Brigitte. Posso conseguir champanha nos Estados Unidos do Coral?

    Lhe mandarei uma caixa disse Montalbn. Ento Brigitte deixou cair os braos, como

    vencida j no me atrevo a pedir mais nada. Seria monstruoso. Ah, seor Montalbn, a respeito de minha

    visita ao Centro Espacial Universal... Quando poderei ir l?

    Amanh de manh? Esplndido! Passarei para busc-la s dez. Se lhe parece cedo

    demais...

    s oito disse Brigitte. s oito da manh? Se lhe parece muito cedo... sorriu ela. As oito em ponto sorriu tambm Diego.

    Desejo-lhe um bom repouso, miss Montfort.

    Os dois coralenses se despediram, prevenindo Brigitte

    de que deixavam o carro sua disposio perto do bangal.

    E durante o resto da tarde, a espi dedicou-se a passear pela

    praia, a ver voar as gaivotas, saltar os peixes-voadores no

    mar cor de turmalina, admirar a brancura das ondas, o tom

    avermelhado da areia ao ocaso, o balanar das palmeiras

    sob o sopro mais forte da brisa... Da parte de Diego

    Montalbn, por volta das oito da noite, chegou uma caixa de

    champanha, junto com um enorme caixo cheio de livros de

    toda espcie e um magnfico toca-discos acompanhado de

    umas cinqenta gravaes de msica internacional.

    s onze horas da noite, Brigitte Montfort quase se sentia

    voar, sentada na areia da praia, com a gua chegando a seus

  • ps descalos. O silncio a seu redor transformava em

    msica o rumor do mar.

    A lua parecia de ouro polido. As palmeiras j no se

    moviam...

    Fantstico.

    Simplesmente fantstico.

    Por fim, a tinham enviado a um lugar onde no haveria

    mortes, nem lutas, nem ambies, nem espionagem de

    espcie alguma!

    Tudo era maravilhoso.

    Que bom!

    CAPTULO TERCEIRO O Centro Espacial Universal

    Uma rbita de todo inofensiva

    Quem teria inventado os espies?

    Suponho disse Diego Montalbn que tudo isto lhe parece um pouco ridculo, miss Montfort.

    Por que fala assim? protestou ela. Porque imagino que tenha visitado alguns dos centros

    espaciais do Estados Unidos. Ou no?

    Sim. Estive em vrios deles, claro. Mas tudo quanto me ocorre depois de ter visto este aqui que um tanto

    pequeno... Quanto ao resto, pareceu-me formidvel, seor

    Montalbn.

    muito amvel, miss Montfort. Bem, j viu tudo... Ter constatado que, em sua maior parte, nossas instalaes

    so uma cpia das existentes em Cabo Kennedy. Decerto sorriu timidamente isto se deve ao fato de que l estive por algum tempo e assimilei o mais possvel a tcnica de

    organizao norte-americana. Observe que tudo reproduz

  • quase completamente a aparelhagem daquele centro: os

    sistemas de controle, as rampas e plataformas de

    lanamento, os sistemas de rdio espacial, o equipamento

    dos astronautas, os sistemas para o envio de fetos por

    televiso... Inclusive a forma do projtil que colocar em

    rbita nossa cpsula espacial se parece mais dos projteis

    americanos que a qualquer outro. Veja-o indicou atravs de uma ampla janela o gigantesco projtil, em posio

    vertical. exatamente uma cpia dos que tm sido lanados em seu pas. Esperamos que tudo saia bem.

    A cerca de um quilmetro, diminu do pela distncia,

    via-se em sua plataforma de concreto e ao o grande

    monstro a propulso por combustvel lquido, destinado a

    colocar em rbita o primeiro satlite artificial coralense.

    Parecia todo feito de ao brilhante, com uns trinta metros de

    comprimento, e seu aspecto era na verdade imponente,

    formidvel. Nos postes de controle, doze homens

    dedicavam-se tenazmente verificao dos aparelhos que

    dias mais tarde deveriam estar em perfeitas condies, para

    receber as mensagens irradiadas ou televisadas da primeira

    cpsula enviada pelos Estados Unidos do Coral ao espao.

    Em grandes painis seriam anotados as coordenadas

    espaciais, os dados sobre o apogeu e o perigeu autnticos,

    as diferentes presses a que seria submetida a cpsula, a

    absoro das radiaes solares, o tempo, as velocidades, as

    alteraes de energia segundo a altitude... Tudo,

    absolutamente tudo, parecia estar pronto para o lanamento.

    Brigitte tinha razo. A nica diferena entre aquele

    centro e Cabo Kennedy, por exemplo, era uma diferena em

    tamanho. Quanto ao resto, no que se referia preciso

  • tcnica, tudo se apresentava perfeito, podendo ser iniciada a

    qualquer momento a contagem reversa.

    Sair bem, seor Montalbn. Por que duvidar? As crianas sempre admiram os mais velhos. Essa

    admirao, em ltima anlise, significa o reconhecimento

    de sua superioridade. Neste caso especifico, digamos que os

    Estados Unidos do Coral quase se sentem um pouco

    ridculos por quererem imitar os Estados Unidos da

    Amrica, a Rssia, a Inglaterra, a Frana...

    Qual ser a rbita exata? J foi calculada? Oh, sim Montalbn olhou-a atentamente, como em

    expectativa. Bom, na verdade, esta uma informao... especial, miss Montfort.

    Informao especial? A que se refere? Diego Montalbn passou a lngua pelos lbios,

    subitamente secos.

    A cpsula ser tripulada murmurou. Como? exclamou Brigitte. Sim... Realmente, haver uma surpresa mundial, bem

    sei. O certo que no nos limitaremos a lanar uma cpsula

    sem responsabilidade alguma. Ela transportar um homem,

    ou uma mulher.

    Mas isto ... sensacional, seor Montalbn! Espero que se dem conta da tremenda responsabilidade humana

    que significa lanar uma pessoa numa primeira tentativa

    desta natureza.

    O projeto teve aprovao de todos os controles e provas. Estamos certos de que a... viagem no representa

    perigo algum para o cosmonauta. Tudo foi calculado ao

    milmetro. Dispomos de uma mulher e dois homens

    perfeitamente adestrados. No momento oportuno, ser

  • decidido qual dos trs ir na cpsula. Oh, quanto rbita,

    pela qual demonstrou interesse, ser a seguinte: partindo...

    Venha, por favor.

    Levou-a para junto de um grande globo terrestre, de

    quase um metro de dimetro, o qual fez girar at que os

    Estados Unidos do Coral ficaram diante deles. Um de seus

    fortes e tostados dedos pousou sobre a representao

    geogrfica do pas.

    Partindo daqui, e a cpsula dar duas voltas ao redor da Terra, com um apogeu de cento e quarenta quilmetros e

    um perigeu de setenta, aproximadamente. A rbita cruzar

    com leve inclinao o equador altura da Nova Guin,

    continuar descendo para passar pela vertical do Cabo da

    Boa Esperana, isto , pela ponta meridional da frica.

    Passar depois por cima de Buenos Aires, ou por suas

    proximidades. Cortar o Pacfico at chegar vertical da

    Nova Zelndia, ao Cabo Naturalista na Austrlia, passar

    novamente pela frica, agora por sobre a vertical de

    Madagascar. Seguir-se-o o Golfo de Guin, o Arquiplago

    de Cabo Verde, norte das Bahamas, Flrida, centro dos

    Estados Unidos, Califrnia... A partir daqui, o cosmonauta

    controlar a cpsula para dirigi-la Baixa Califrnia, o mais

    diretamente possvel ao encontre da linha equatorial.

    Isso significa que a cpsula cair a pouca distncia dos Estados Unidos do Coral.

    A inteno essa, naturalmente. Calculamos que cair no Pacfico, entre a Califrnia e as Ilhas Hava. Claro

    que o cosmonauta ir enviando as correspondentes

    mensagens pelo rdio, a fim de que nossos barcos que

    estejam espera rumem imediatamente ao local da

    amerissagem para recuperar a cpsula. Calculamos que esta

  • cair na linha do trpico de Cncer, entre cento e trinta e

    cento e quarenta graus de longitude oeste. claro que a

    zona ser convenientemente controlada por diversos

    sistemas atuais: radar, sonar, rdio, ondas magnticas...

    Nossa esquadra pouco menos que uma... hiptese, mas

    estar no lugar exato e no momento justo.

    Bom... sorriu Brigitte. uma rbita inofensiva. Inofensiva? surpreendeu-se Montalbn. Quero dizer que a cpsula no poder ser acusada de

    espi.

    Perdo... no compreendo. Hoje em dia, seor Montalbn, as cpsulas espaciais

    so verdadeiros centros de espionagem. Mas em seu caso,

    no h cuidado, j que a cpsula passar uma s vez sobre

    os Estados Unidos, j a caminho do mar, com poucas

    probabilidades de fotografar nada interessante. Quanto

    Rssia, nem sequer est includa na rbita. Trata-se de uma

    casualidade, ou houve a inteno expressa de deixar de lado

    a Unio Sovitica?

    Casualidade... Asseguro-lhe que em nenhum momento pensamos em... Oh, absurdo! No estamos

    absolutamente preparados para realizar um programa de

    espionagem espacial, miss Montfort.

    Parece que no. Bem, seor Montalbn, creio que nestas quatro horas de visita ao Centro Espacial Universal

    fiquei bem informada sobre o mais importante... e meu

    apetite foi muitssimo estimulado. S h uma coisa

    pendente para que eu me considere de todo satisfeita.

    Eu lhe expliquei tudo, parece-me... A que se refere? Aos astronautas. No seria possvel v-los e talvez

    conseguir deles uma entrevista?

  • Bem... Temo que no momento isso seja impossvel. Tudo farei para que essa entrevista se realize amanh,

    prometo.

    Est bom... suspirou Brigitte. Voltarei ento ao meu paraso particular.

    Se me permite, acompanho-a disse Montalbn. Oh, no se incomode por favor... No ser incomodo. Pelo contrrio. Preparei-lhe uma

    pequena surpresa na praia, em frente ao seu bangal.

    * * *

    A surpresa era um pequeno iate, completamente branco,

    de vinte e cinco ps de comprimento. Estava ancorado bem

    defronte ao bangal de Brigitte e tinha o aspecto simptico

    de haver gasto sua quilha cruzando os sete mares. Seor Montalbn... Isto demasiado! Vamos v-lo sorriu ele. Na verdade, miss

    Montfort, sua presena aqui est significando umas

    pequenas frias para mim. Ah: o iate chama-se Pandora. Claro que no se pode comparar com o do maraj

    Sadanjayan, mas...

    Maraj Sadanjayan? riu Brigitte. Tirou-o de que conto das Mil e Uma Noites?

    No nenhum conto... O maraj Sadanjayan existe. Est justamente em Coral, fazendo escala em sua viagem de

    recreio ao redor do mundo.

    Suponho que seja uma brincadeira... No sou dado a brincadeiras, miss Montfort. Sim, algo que comeo a perceber. Bom, vamos dar

    uma olhada no Pandora, que afinal de contas o iate que me interessa, no o do maraj Sadanjayan. Teremos que

    nadar?

  • Diego Montalbn quase enrubesceu.

    Desculpe! No pensei nisso... Parece mesmo que teremos que ir a nado at o Pandora. Mas se prefere esperar, irei procura de um...

    Oh, absolutamente. Sou boa nadadora, seor Montalbn. Alm disso, a distncia to curta, que mais

    que nadar ser um prazer meter-me na gua deste mar

    delicioso. Vamos l.

    Num instante, Brigitte Montfort tirou a roupa, ficando

    somente com as duas peas mais intimas, de um tom

    vermelho que combinava admiravelmente com sua pele

    dourada. Diego Montalbn s chegou a descalar-se. Seu

    olhar fixou-se naquele corpo, que embora muito sugestivo

    dentro de um vestido, revelava-se simplesmente aniquilador

    adornado por aquelas duas exguas peas.

    Alguma coisa, seor Montalbn? perguntou ela. Sim... No... Oh, no, no! Ah, que me pareceu impressionado... Montalbn engoliu em seco. Depois, sem dizer nada,

    despiu-se, ficando apenas de calo, com o que se tornou

    evidente que aquele pequeno trajeto aqutico at o

    Pandora estivera previsto por ele desde o primeiro momento.

    Brigitte, correndo agilmente sobre a areia, lanou-se

    gua antes dele, mas com poucas braadas o atltico e

    pintoso coralense a alcanou. Ultrapassou-a em seguida e

    foi o primeiro a chegar ao iate. Uma vez a bordo, ajudou a

    espi mais bonita do mundo a subir. J sobre o convs,

    Brigitte fechou os olhos e, sem soltar a mo de Montalbn,

    perguntou:

    Est ouvindo, Diego?

  • O que? O mar... O mar, o vento, os gritos das gaivotas, o

    sussurro das palmeiras... Ouve tudo isto?

    No... Creio que no... Eu sim murmurou ela, ainda sem abrir os olhos.

    Ouo, como uma embaladora msica de fundo... Talvez voc no tenha estado nunca em Nova Iorque. horrvel. E.

    como... como o bater de um corao gigantesco, que no

    pra nunca, dia e noite. Um rudo monstruoso, que tudo

    devora, tudo absorve... como se a terra palpitasse. Ali

    tambm existe mar, gaivota, vento... Mas nada disso se

    ouve; apenas o rudo dos motores, das pessoas, das

    mquinas, da vida febril de uma cidade com quase dez

    milhes de habitantes... O mar sujo, as gaivotas s vo ao

    cais comer imundcies, o vento serve apenas para

    incomodar, as pessoas nunca fecham os olhos, no h

    palmeiras, nem areias douradas, nem... No h nada. Nem

    sequer homens: somente mquinas. L os homens tambm

    so mquinas. Mquinas para trabalhar, mquinas para

    descansar, mquinas para dormir, para comer, para amar...

    Tudo se faz quando se deve fazer, de acordo com horrios

    previstos. uma da tarde no se deve amar, porque a hora

    do almoo, ou de terminar o almoo... Assim Nova

    Iorque, minha odiada Nova Iorque.

    Diego Montalbn passou-lhe um brao pela cintura, o

    outro pelas costas. Sua mo grande e viril, tostada pelo sol,

    deslizou lentamente por sobre aquela pele que parecia de

    seda.

    Agora no estamos em Nova Iorque, Brigitte sussurrou.

  • Ela no respondeu. Nem sequer abriu os olhos. Sentia

    em sua carne aquelas mos grandes, fortes, duras e

    acariciantes ao mesmo tempo. Seus doces lbios rseos se

    entreabriram, oferecendo a promessa de um mundo novo ao

    coralense.

    Mundo novo.

    Depois de beijar aqueles lbios adorveis, que se

    conservavam suaves e frescos sob o trrido calor,

    surpreendeu-se a si mesmo pensando naquele clima,

    naquele lugar. Era verdade: podia-se ouvir a voz do oceano,

    o sussurro do vento nas palmeiras... Podia-se sentir o

    perfume das flores, o gosto do sal, o cheiro do mar e o

    esplendor do sol abrasando tudo...

    Brigitte... No fale, Diego. Vamos l embaixo. Desceram a escadinha que levava ao interior do iate. Era

    um autntico encanto, como ela o definiu. Havia um pequeno salo com um div, poltronas, bar e grandes

    janelas de ambos os lados. Havia uma cozinha, quatro

    camarotes e um compartimento para o rdio e o rdio-

    telefone, que servia tambm para guardar canios de pesca e equipamento para caa submarina.

    Depois de verem tudo, regressaram ao pequeno salo.

    Montalbn sentou-se no div, sob uma das janelas.

    Creio que deve ser uma hora... murmurou. Uma hora... Em Nova Iorque, a esta hora no h

    tempo para o amor... No h tempo para nada...

    Mas no estamos em Nova Iorque. No ela sentou-se junto a ele, olhando-o

    intensamente. No estamos em Nova Iorque, Diego... * * *

  • Duas horas... murmurou Diego, acariciando meigamente os cabelos de Brigitte.

    Tem certeza, querido? Bom... Talvez um pouco mais, ou um pouco menos.

    Voc est gostando do Pandora? Estou... sorriu ela. Mas agora penso que os

    nova-iorquinos tm razo.

    Em qu? Em que se deve comer alguma coisa. Voc vem

    comigo ao meu bangal? H de tudo l, graas sua

    generosidade. E agora tambm voc foi... generoso.

    Uma simples ateno para com uma jornalista famosa riu Diego Montalbn. Gostaria de almoar com voc, mas preciso estar no Centro s trs em ponto.

    Oh... Como v, at mesmo aqui o tempo e as horas tm sua

    importncia.

    Lamentvel... mas inevitvel. Quando nos tornaremos a ver, Diego?

    No sei... Amanh, se voc quiser, poder conhecer os astronautas. Como lhe disse, so dois homens e uma

    mulher. Eu os apresentarei a voc e poder falar com eles.

    No quero que voc pense que, durante a hora que passou, estive trabalhando para conseguir isso.

    No penso, pode crer. Assim gosto mais. O que me desagrada no nos

    podermos ver at amanh. Tanto trabalho voc tem?

    No! riu Montalbn. J no tenho tanto... A verdade que esta noite... Espere! Voc gostaria de ir a uma

    festa a bordo de um iate fabuloso?

    O do maraj Sadanjayan?

  • Exatamente! um homem importante, simptico, muito amvel... Foi recebido pelo Governador e esta noite

    oferece-Lhe uma festa em seu iate, para a qual foram

    convidadas as principais personalidades do pas.

    Sendo voc uma delas, claro. Claro... sorriu Diego. Quer ir? Ao que consta,

    l poderemos beber de tudo, da coca-cola ao champanha...

    Haver msica, um ambiente simptico. Voc ficar

    conhecendo quase todas as pessoas importantes de Coral. E

    o maraj, naturalmente, que pessoa interessantssima.

    Nunca vi um maraj ao natural... E creio que j tempo, querido.

    No se faa iluses advertiu risonhamente Montalbn. Ele j casado com uma belssima mulher de sua raa.

    Que lstima! riu tambm Brigitte. Adeus minhas esperanas de converter-me em maarni! Imagino

    que essa dama hindu esteja sempre constelada de pedras

    preciosas: rubis, esmeraldas, diamantes, safiras...

    Nunca pus meus olhos sobre ela, mas dizem que mais formosa que a luz do sol.

    Voc um antiptico, Diego. Bem... Mas acontece que voc a lua... e eu gosto

    mais da lua que do sol.

    Brigitte sorriu, acariciando suavemente o peito

    musculoso do coralense. Depois rodeou-lhe o pescoo com

    os braos.

    A que horas voc ir me buscar? As Oito. Outra vez s oito. Mas no sei se devo fazer

    isso, Brigitte. O maraj vai se aborrecer comigo.

    Aborrecer-se por qu? O que voc est dizendo?

  • Ele no gostar que eu leve ao seu iate uma mulher mais bonita que a sua. E, sem dvida, sabendo amar muito

    melhor do que ela.

    O beijo foi como um sbito relmpago. Brigitte teve que

    afastar Diego, sorrindo docemente, pois ele a abraara com

    renovado ardor.

    Quieto. Tenho que almoar, dormir a sesta... E voc precisa comparecer ao Centro. At logo, Diego. Fico aqui

    mesmo, no Pandora. Precisa de mim para chegar praia? No! riu ele, beijando-a. Preciso de voc para

    outra coisa, no para nadar.

    Pouco depois, Brigitte o via chegar praia, apanhar sua

    roupa e afastar-se em direo ao carro, parado sob as

    palmeiras que davam sombra ao bangal.

    Acendeu um cigarro e deixou-se cair no div, quase

    adormecendo. Sentia-se feliz, tranqila, com vontade de

    sonhar acordada... A vida era bela, s vezes, simples,

    amvel, fcil...

    Quem, em m hora, teria inventado os espies?

  • CAPTULO QUARTO O iate Kolgatar

    Olhos azuis chocam-se com olhos negros

    Um trio impressionante...

    Meu Deus! Diego Montalbn estava a ponto de desmaiar. Diante

    dele, num vestido de noite, Brigitte Montfort parecia mais

    divina que nunca, como se sua pele dourada e, sobretudo

    seus olhos de um azul purssimo tivessem luz prpria, de

    uma intensidade ofuscante. Com os ombros e as costas

    totalmente descobertos e um decote dos mais generosos,

    ultrapassava os limites de qualquer descrio: v-la e cair

    em xtase eram forosamente a mesma coisa.

    No est gostando, Diego? sorriu. Montalbn levou uns segundos para recuperar o flego.

    Moveu a cabea de um lado para outro, a fim de demonstrar

    sua incapacidade de eloqncia e limitou-se a dizer:

    Vamos ao Kolgatar. Embora me parea que estou cometendo uma tolice, Brigitte. Eu no devia permitir que

    ningum a visse.

    Voc um egosta... O Kolgatar o iate do maraj? ... Kolgatar, em hindi, significa Calcut. Santo

    Deus, eu devo estar doido para no lhe pedir que fiquemos

    os dois neste romntico bangal... Voc gostaria?

    Voc me prometeu uma festa disse ela. E sendo oferecida por um autntico maraj indiano, espero que seja

    extica... No gostaria de perd-la, Diego.

    Claro... Enfim, vamos l.

  • Saram do bangal. Ele fechou a porta e segurou Brigitte

    por um brao, apontando para onde se viam as luzes do

    Hotel Galpagos, mais para o sul, seguindo a praia. O Kolgatar est quase diante do hotel, numa

    pequena enseada rochosa, abrigado dos ventos e da mar.

    Veremos suas luzes quando estivermos mais perto... Que tal

    se formos a p, passeando?

    Acho uma idia excelente. Percorreram a praia, andando devagar, abraados pela

    cintura. Apenas quinhentos metros mais adiante, viram o

    resplendor que parecia nascer do mar, entre os rochedos.

    Caminhavam por um caminho de terra, entre flores e

    palmeiras. Do mar, que ficava vinte metros sua direita,

    chegava o incessante rumor das ondas, O caminho subia

    bruscamente para uns rochedos, atrs dos quais viam-se

    agora com muito mais intensidade as luzes briilhantes do

    Kolgatar. E quando chegaram em cima, viram o iate, totalmente

    iluminado, flutuando sobre guas negras que lanavam

    cintilaes intermitentes. Um iate formidvel, de setenta e

    cinco ps, imaculadamente branco, com dois conveses,

    solrio, um toldo vermelho cobrindo a popa, junto

    pequena piscina rodeada de pra-sis e cadeiras extensveis.

    No convs superior no havia luz, com exceo das

    regulamentares. Mas uma guirlanda de lmpadas de cor,

    que ia da popa proa, transformava aquela parte do barco

    num lugar estranho, como se nele ardesse um fogo de mil

    cores. O convs inferior estava iluminado ao mximo,

    dentro do elegante e conveniente, O Kolgatar no se movia sobre as tranqilas guas da enseada protegida dos

    ventos e da mar.

  • Ento, que tal? um belssimo barco. Mas no a impressiona sorriu o coralense. Oh, sim, O que acontece que j vi iates to belos

    como este, Diego. Em Acapulco, em Miami, em Nice, no

    Rio, em Palma de Maiorca... O que menos me agrada nesses

    iates o preo.

    Montalbn riu e passou a mo pela espdua nua de

    Brigitte.

    Vamos. Por ora, voc ter que se conformar com o pequeno, mas simptico Pandora... De acordo?

    De acordo sorriu Brigitte. Chegaram ao pequeno embarcadouro natural, onde duas

    lanchas de tamanho reduzido aguardavam para levar os

    convidados a bordo. Em cada lancha estava um hindu

    vestido europia, mas de turbante, empunhando os remos,

    pois fora julgado de melhor tom prescindir do motor,

    demasiado escandaloso e desnecessrio para to curto

    trajeto at o opulento iate.

    Montalbn saltou primeiro lancha e estendeu a mo a

    Brigitte, para ajud-la. J a bordo, a espi olhou o

    impassvel hindu e no pode evitar um estremecimento.

    Frio? estranhou Diego. No, no... Era certo. No sentia frio algum. Mas a recordao de

    sua permanncia em Benares3 e seus encontros com os

    tugues assassinos da ndia tinha produzido aquele inevitvel

    calafrio.

    3 ver: PEQUIM CHAMA BENARES

  • O hindu remava, imperturbvel, para o Kolgatar. No embarcadouro, dois casais impecavelmente vestidos em

    trajos de soire estavam abordando a outra lancha. Brigitte

    olhou de soslaio o remador e disse consigo mesma que no

    era bom pensar no ocorrido tempos atrs em Benares.

    Felizmente, no acontecia nada em Corlia, tudo ali era

    maravilhoso. De modo que o mais sensato era que se

    dispusesse a desfrutar ao mximo a fabulosa festa que sem

    dvida o maraj havia preparado.

    Como o nome completo do maraj, Diego? Nadir Sadanjayan. E como ele? Voc j o viu? J. ... Bom, posso economizar a descrio, pois

    estar espera de seus convidados, naturalmente. A o

    tem...

    Nadir Sadanjayan, maraj de qualquer provncia da

    extensa ndia, estava, efetivamente, de p junto escadinha

    do iate, pela qual deviam subir os convidados. De baixo,

    enquanto a lancha se detinha, Brigitte olhou-o atentamente,

    com sua habitual penetrao psicolgica.

    A primeira impresso que Nadir Sadanjayan produzia

    era de gigantismo. Sim, uma justificada impresso de

    gigantismo, pois devia medir um metro e noventa, pelo

    menos. Entretanto, sua elevadssima estatura era

    harmoniosa, elegante, atltica. Estava simplesmente

    irreprochvel em seu corretissimo smoking, seu turbante

    vermelho no qual brilhava uma pedra preciosa, prendendo

    uma pequena pluma. Sua tez era muito escura, bronzeada.

    Usava barba e um bigode de pontas levantadas. Parecia-se

    totalmente com as clssicas estampas do hindu de casta

  • superior, orgulhoso e arrogante. Seu rosto era enrgico,

    como talhado em pedra.

    E quando chegou em cima e viu aqueles grandes olhos

    negros, como abismos sem fundo, Brigitte ficou

    definitivamente impressionada. Decerto, tinha visto muitos

    iates como aquele, em suas constantes andanas pelo

    mundo. Mas nunca tinha visto um homem como Nadir

    Sadanjayan, de to vasta e bem proporcionada estatura, de

    to forte magnetismo pessoal. Apenas Nmero Um, seu

    querido Nmero Um, sobrepujava em galhardia e virilidade

    aquele estranho indivduo de olhos abismais...

    Ele inclinou-se cortesmente diante dos recm-chegados.

    Bem-vindo minha casa do mar disse em perfeitssimo ingls. Nadir Sadanjayan muito se honra de sua visita e declara-se seu escravo.

    Quando se endireitou, Brigitte teve que erguer a cabea

    para poder olh-lo nos olhos. E justamente ento pareceu

    brotar uma centelha daquela troca de ornares entre uns

    maravilhosos olhos azuis e uns terrveis olhos negros. Foi

    como um duplo impacto magntico, como se uma corrente

    se estabelecesse de pronto entre ambos os pares de olhos.

    Diego Montalbn, Alteza inclinou-se levemente o coralense. Apresento-lhe miss Brigitte Montfort, jornalista norte-americana.

    Lembro-me de sua pessoa, seor Montalbn sorriu o maraj, mostrando os dentes branqussimos. Porm ainda no tinha visto miss Montfort.

    Estendeu a mo a Brigitte, que sentiu a sua perder-se

    entre aqueles longos dedos finos e fortes, naquela palma

    que tinha o dobro do tamanho da sua.

  • Mss Montfort chegou ontem, Alteza. Espero no ter sido incorreto ao convid-la para vir ao Kolgatar.

    Sadanjayan tomou a inclinar-se, sorridente.

    Incorreo teria sido no convid-la, seor Montalbn. Permitam-me apresentar-lhes minha esposa,

    maarni Ratna Jinnah.

    Brigitte j tinha visto, naturalmente, a mulher que estava

    esquerda e um pouco atrs de Nadir Sadanjayan. Uma

    mulher de menos de vinte anos, com o que Sadanjayan

    devia exced-la em quinze pelo menos no tocante idade,

    talvez mesmo em vinte. Uma jovem admirvel, cuja

    estupenda beleza s por perfeitos idiotas poderia ser posta

    em dvida. Tinha um rosto ovalado, uns lbios cheios sem

    exagero, um queixo fino. Seus cabelos negros eram

    repartidos ao meio e puxados para trs. Tal como o maraj,

    vestia-se europia, com elegncia e distino

    verdadeiramente notveis. Sua pele tinha um tom escuro,

    azeitonado. Seu corpo esbelto, elstico, ostentava formas

    admirveis. Mas o que definitivamente tornava Ratna

    Jinnah uma autntica beldade eram seus olhas, grandes,

    rasgados e um tanto oblquos, absolutamente negros e de

    um brilho extraordinrio. Tinha sobre os cabelos um

    pequeno diadema de prolas, do qual pendia um enorme

    rubi, que se situava exatamente no centro de sua testa. Na

    verdade, uma mulher impressionante.

    Mas to impressionante com o maraj e a maarni era o

    animal que estava ao lado desta, preso por uma correia

    ligada coleira de ouro que lhe cingia o pescoo. Era um

    grande chita de cabea pequena e quartos traseiros

    poderosos. Da famlia dos leopardos, o magnfico animal

    sobressaa por sua soberba presena felina; imvel junto a

  • sua ama, parecia considerar com desprezo tudo quando lhe

    ocorria ao redor, dignando-se apenas a abrir os olhos,

    reluzentes, malignos, de tamanha fixidez que Brigitte

    precisou fazer um esforo para no estremecer novamente.

    Era como um gigantesco gato, manchado de amarelo e

    negro, com pelo menos cinqenta quilos de friso. Um s

    munhecao daquele bicho podia ser mortal.

    No tenha receio sorriu levemente a maarni, aps a apresentao. Yaksa inofensivo, miss Montfort.

    Fico mais tranqila por saber disso sorriu tambm Brigitte. De qualquer modo, ser melhor que continue preso pela correia, Alteza.

    Insisto em que no deve preocupar-se. Mesmo que ele andasse solto pelo iate, nunca faria mal a ningum.

    A menos interveio Sadanjayan que algum pretendesse fazer mal a minha esposa, naturalmente. Ou a

    qualquer uma das pessoas de bordo. Queiram desculpar-nos,

    mas chegam outros convidados... Tomaremos a nos

    encontrar dentro de alguns minutos.

    Novas inclinaes de cabea, e Brigitte e Diego

    afastaram-se de junto escada, dando lugar aos novos

    convidados.

    Havia muita gente espalhada pelo convs, rebrilhante de

    luzes, jias e espduas nuas. Garons vestidos maneira

    hindu, de bombachas, turbante e ps descalos passavam

    continuamente, com bandejas em que se viam bebidas

    diversas. Formavam-se pequenos grupos, que conversavam

    animadamente, sobre um fundo montono de msica

    indiana, que se distribua com a mesma discreta tonalidade

    por todo o convs, graas a uma perfeita instalao de alto-

    falantes.

  • L est o Governador, Brigitte. Vamos. Quero apresent-la a ele.

    Brigitte assentiu com a cabea, sorrindo, como se

    estivesse distrada. Voltou-se lentamente, com cautela, para

    olhar o impressionante trio constitudo por Suas Altezas e o

    chita-leopardo.

    E novamente houve aquele choque fortssimo entre os

    olhos azuis da mais astuta espi de todos os tempos e os

    intensamente negros de Nadir Sadanjayan, maraj de

    qualquer provncia da ndia.

    CAPTULO QUINTO O Centro Espacial precisa de um diretor

    Um cadver atirado ao mar

    A arte da mulher que ama, segundo Ratna Jinnah

    O Governador de Corlia era um homem alto, forte,

    ligeiramente calvo, de olhar direto, nobre e inteligente.

    Falava movendo muito os braos e as pessoas que estavam

    diante dele, ouvindo-o, sorriam com agrado, encantadas

    com o que dizia. A seu lado, sorrindo mais ainda, uma

    bonita mulher, de nobres feies, prendia-se a um de seus

    braos.

    sua esposa... disse Montalbn. Uma dama encantadora, como ver. de uma simpatia quase superior

    do Gov...

    Diego, meu caro! chamava naquele momento Sua Excelncia, voltado para ele. Venha c. Faz uma semana que no o vejo...

    Montalbn aproximou-se, sorrindo, e apertou a mo que

    lhe estendia o Governador.

  • Muito trabalho, don Gilberto. Sou o primeiro a lamentar o fato de no poder visit-lo mais amide. Boa-

    noite, dona Claudia.

    A senhora do Governador sorriu docemente.

    No deveria trabalhar tanto, Diego. Para qu? J est tudo feito!

    Houve alguns risos e as pessoas que at ento tinham

    estado a entreter o Governador e sus esposa se afastaram.

    Creio que nunca estar tudo feito, dona Claudia contradisse amavelmente Montalbn. Mas pareceu-me que esta noite poderia permitir-me o luxo de algumas horas

    agradveis... Apresento-lhes miss Brigitte Montfort, do

    Morning News de Nova Iorque. Miss Montfort muito bela sorriu o Governador,

    inclinando-se. Espero que fale bem dos Estados Unidos do Coral, quando escrever seus artigos.

    Don Gilberto Cceres, Governador de Corlia... E sua esposa, dona Claudia.

    Brigitte apertou a mo de ambos, sorrindo.

    Muito prazer... No s escreverei bonitos artigos sobre Coral, Excelncia, como recomendarei seu pas a

    meus amigos, para que venham aqui passar suas frias.

    timo! exclamou Cceres. Ah, este nosso Diego, sempre teve sorte para conseguir simpticas

    amizades! No mesmo, Claudia?

    Comeando pela de ambos... disse sinceramente Montalbn. Mas miss Montfort no est aqui exatamente para escrever artigos tursticos, don Gilberto. a pessoa

    para a qual foi solicitada sua autorizao a fim de que

    pudesse visitar o Centro Espacial.

  • Oh, sim, estou lembrado... Gilberto Cceres olhou atentamente para Brigitte. Espero que a esteja atendendo bem, Diego.

    Fao o possvel... Mais que o possvel corrigiu Brigitte. O seor

    Montalbn tem-me atendido maravilhosamente, a ponto de

    enviar-me livros, gravaes, champanha... inclusive

    conseguiu-me um pequeno iate de aluguel chamado

    Pandora. Pandora? De aluguel? Cceres olhou

    zombeteiramente para Montalbn. Voc no tinha um iate com esse nome, Diego?

    Diego Montalbn ficou vermelho. Brigitte olhou-o

    surpreendida. Sbito, ps-se a rir.

    Oh! Foi um bonito gesto, Diego! Como poderei agradecer?

    Realmente, no tenho precisado do iate estes dias. E pareceu-me que...

    Ele capaz de desculpar-se por haver emprestado um iate... comentou Cceres. assim o nosso Diego. J visitou o Centro Espacial, miss Montfort?

    Oh, sim. Claro. Que achou dele? perguntou o Governador. Pequeno, mas excelente. Ah! Pensa assim, de verdade? Saiba que uma jovem

    encantadora, miss Montfort! De fato, tudo tem sido

    encantador estes dias... Espero que faa bom uso das

    informaes que estamos concedendo ao seu jornal.

    Informaes no concedidas ainda a nenhum outro rgo

    estrangeiro.

  • Perdo... estranhou Brigitte. Receio no estar compreendendo...

    Quero dizer que esperamos ser tratados de um modo simptico em seus artigos. Sei muito bem que por sermos

    um pas pequeno, vamos surpreender o mundo com este

    lanamento espacial... E gostaria que, ento, o mundo j

    soubesse alguma coisa a nosso respeito.

    Oh, compreendo... Como suponho que tenha sido esse um dos motivos pelos quais foi permitida a instruo

    de uma jornalista americana, terei que satisfaz-lo, sem

    dvida.

    Noto que muito perspicaz... observou Cceres. Compreendeu-me perfeitamente. Ah, Diego, tenho uma boa notcia para voc. Quer dizer, mais ou menos boa, pois

    no sei ainda como terminar tudo isto.

    A que se refere? interessou-se Montalbn. O presidente quer nomear, depois do lanamento, um

    diretor do Centro Espacial. Pensei em voc e...

    Mas don Gilberto... Pedro mais indicado que eu! No me parece justo preteri-lo...

    Pedro Morales tem seus mritos e voc tambm sorriu Cceres. J esperava essa reao de sua parte, pois conheo sua generosidade. De qualquer modo, o Presidente

    tambm pensou em Pedro. Est um pouco indeciso entre a

    longa experincia dele e o inegvel talento de que voc tem

    dado provas. Por isso lhe disse que a noticia era mais ou

    menos boa. Talvez Me se decida por Pedro, afinal.

    Isso no seria uma noticia m para mim, dan Gilberto.

    Eu sei, eu sei bateu-lhe amigavelmente no ombro. Bom, v se distrair um pouco por a, rapaz. Creio que

  • Pedro est sua procura, mas se quer um bom conselho,

    evite-o: Me lhe falar do projeto e voc precisa que lhe

    falem tambm... olhou sorridente para Brigitte. Bom, de amor, de coisas amenas, da lua... No h uma bonita lua

    esta noite, querida?

    Assim riu Claudia Cceres. E parece que em noites enluaradas voc f ala mais do que nunca, Gilberto.

    Vamos tomar alguma coisa, pois assim ficar calado... At

    logo, Diego. Foi um prazer, miss Montfort. Espero que

    aprecie sua permanncia em Coral.

    Estou apreciando sorriu Brigitte. Creio que vou em busca de Pedro murmurou

    Montalbn, vendo afastar-se o Governador e sua esposa. Por Deus, no gostaria que ele pensasse estar eu fazendo

    alguma coisa para tirar-lhe o posto de...

    No seja criana interrompeu-o Brigitte. E pensam em nomear voc diretor do Centro

    Espacial, ser por algum motivo. No creio que voc

    precise desculpar-se por ter estudado em meu pas, depois

    estagiado em Cabo Kennedy... Nem creio tampouco que

    deva desculpar-se por possuir talento.

    Bom... Vamos roubar uma taa de champanha. Como j

    sabe, algo que adoro. Principalmente com cereja.

    Com cereja? Acha isso surpreendente? Bem... Um pouco, talvez. Sabia voc que em Coral

    temos as mais bonitas e saborosas cerejas do mundo,

    Brigitte?

    No! exclamou ela.

  • Sim! riu Diego. Mas no creio que o maraj tenha cerejas a bordo.

    Ento, me resignarei a tomar champanha, apenas. Mas por favor, no me faa esperar mais. Estou morrendo

    de sede.

    * * *

    Meia hora mais tarde, todos os convidados j tinham

    chegado a bordo, O maraj ia atendendo uns e outros,

    refinadamente corts, corretssimo. Era o que se chama um

    homem do mundo, no havia dvida. Junto sua majestosa

    e gigantesca figura, Ratna Jinnah destacava-se como uma

    jia, sempre com o seu chita-leopardo ao lado. Em vrias

    ocasies, os olhares de Brigitte e Nadir Sadanjayan se

    tinham encontrado. Como resposta a tais olhares, surgia um

    sorriso nos lbios da espi e brilhava uma centelha ardente

    nos olhos negros do hindu.

    Diego Montalbn, contra sua vontade, tinha sido

    assediado por amigos e companheiros de trabalho, que

    conversavam animadamente, quase com excitao. Pedro

    Morales, que a princpio havia feito parte daquele grupo,

    fora-se distanciando discretamente, perdendo-se entre os

    outros convidados, que elogiavam com entusiasmo a festa

    do riqussimo maraj.

    Sem se dar conta, Brigitte encontrou-se olhando

    fixamente para Pedro Morales, o homem que, junto com

    Diego, a recebera na tarde anterior no aeroporto, o grande

    amigo do pintoso Montalbn, que talvez fosse nomeado

    diretor do Centro Espacial.

    Viu-o entrar no recinto dos camarotes, aps relancear a

    vista em todas as direes, inclusive para onde ela estava.

  • S que, ento, Brigitte j desviara seu olhar, fixando-o na

    taa que tinha nas mos.

    Quando tomou a olhar para Pedro Morales, este j no

    estava vista. Por um instante, ela contraiu as sobrancelhas.

    Deixou a taa na bandeja de um dos servos hindus que

    passava e dirigiu-se lentamente para a entrada dos

    camarotes. Nem sequer se deu ao trabalho de verificar se

    algum a observava, limitando-se a entrar com toda a

    naturalidade.

    Havia um bonito corredor central, atapetado, com os

    camarotes aos lados. Nele no viu ningum, mas poucos

    segundos depois ouviu a voz de Pedro Morales, demasiado

    alta, excitada. Quase histrica. Aproximou-se da porta atrs

    da qual tinha ouvido a voz. No havia dvida: era Pedro

    Morales, falando atropeladamente. Na verdade, parecia

    muitssimo assustado. Suas palavras chegaram claramente

    aos ouvidos de Brigitte, cuja sutileza de audio

    ultrapassava em muito a de qualquer ser humano comum.

    ... assassinato monstruso! exclamava ele com voz trmula. Nunca faremos isso!

    Falava em espanhol. E recebeu a resposta na mesma

    lngua:

    Acalme-se, Morales. Voc est exagerando as coisas...

    Exagerando as coisas! gritou o excitado cientista. Podem morrer milhares de pessoas com esse maldito Zavo! Esto loucos? Esto todos loucos?

    Ningum est louco aqui. Salvo se o estiver voc, que concordou em intervir e agora est discutindo a realizao

    do plano.

    Mas trata-se de um plano criminoso...

  • Voc concordou em colaborar, no? No concordei com isso! Ningum me disse nada a

    respeito do Zavo! Nunca me ocorreu que tudo terminaria

    desse modo terrvel! Querem minha resposta? Pois no!

    Est nos colocando em dificuldades, Morales. Por qu? Faam o que penso fazer eu: no intervir. Diz isso agora? Estamos em tempo! Deixemos que o lanamento seja

    normal, que tudo saia segundo o previsto. Tudo o que temos

    a fazer esquecer o Zavo, no permitir sua incluso nessas

    rbitas... Isso tudo o que temos que fazer.

    J no podemos mais recuar, Morales. Pois eu posso! E previno-os de uma coisa: se amanh

    no me anunciarem sua deciso de impedir que esse Zavo

    sela includo nas rbitas, eu contarei tudo ao Governador.

    No me importa o que acontea comigo, fiquem sabendo.

    Seja razovel... grunhiu outro. O Zavo j est a caminho e dever chegar amanh ou depois de amanh.

    Tudo foi preparado para o lanamento, Pedro. Esse Andrei

    Voronich j deve estar voando com o Zavo para Coral...

    Que lhe diremos quando chegar? Que mudamos de idia?

    E por que no? perguntou Pedro Morales. Por que no passvel, que diabo! Alm nisso, est

    aqui o maraj... No podemos voltar atrs, digo-lhe eu!

    Pois eu no permitirei esses milhares de mortes! E nada mais temos a falar, Benito!

    Pedro, Pedro... Voc est complicando demasiado as coisas! Ns j fomos pagos, estamos comprometidos...

    Eu devolverei o dinheiro! Oua... Nenhum de ns sabia realmente o que era o

    Zavo...

  • Fomos enganados! Est bem, fomos enganados... Voc tem razo.

    Disseram-nos uma coisa muito diferente do que depois

    viemos a saber sobre o Zavo. Mas se voltarmos atrs,

    arruinaremos nossas vidas, nossas posies, nossa carreira...

    Seremos expulsos de Coral, talvez at condenados morte...

    No mnimo, trinta anos de priso. O nico modo de evitar

    isto ir em frente, aceitar as coisas como so...

    Eu jamais aceitaria isso! Pedro, se agora... intil grunhiu outra voz. Voc no o

    convencer, Benito.

    Houve uns segundos de silncio.

    Bem... suspirou o chamado Benito. Parece que somos obrigados a tomar uma deciso... desagradvel

    Brigitte empurrou muito levemente a porta. Apenas

    alguns milmetros... E pela estreita fenda pode ver, de frente

    para ela, Pedro Morales, rosto congestionado e plido ao

    mesmo tempo, em assombroso contraste; grossas gotas de

    suor escorriam de sua testa... Sbito, por trs de Pedro

    Morales apareceu um dos servos hindus de Nadir

    Sadanjayan. Pedro Morales no lhe prestou a menor

    ateno, pois dedicava a olhar os rostos dos homens que

    tinha diante de si e os quais Brigitte no podia ver.

    Mas viu, de repente, a faca que apareceu na mo do

    servo hindu. Foi s um instante. O hindu atuou com tal

    rapidez, que no lhe deu tempo para nada: cravou a faca nos

    rins de Pedro Morales, ao mesmo tempo em que com o

    outro brao segurava-o pela frente, tapando-lhe a boca. O

    gemido de Pedro Morales foi abafado por aquela mo

    escura e seus olhos se arregalaram... Tornou a gemer e a

  • crispar-se quando a faca se cravou pela segunda vez em

    suas costas. E aps ser desferida a terceira facada, o hindu

    teve que sustentar quase que todo o peso do infeliz cientista,

    Cujos olhos esbugalhados pareciam ter-se transformado em

    bolas de vidro, com as pupilas j congeladas pelo frio da

    morte.

    Meu Deus... murmurou algum no camarote. Apareceu outro hindu, que ajudou seu companheiro a

    sustentar o cadver de Pedro Morales. Brigitte sentiu-se

    tensa como uma barra de ao, como se todo seu corpo

    tivesse bruscamente sofrido um curioso processo de

    metalizao. Viu os dois hindus carregarem o cadver de

    Morales e abriu a porta mais alguns milmetros. Sabia que

    todas as pessoas reunidas dentro daquele camarote estariam

    fatalmente obcecadas pelo ocorrido, olhando apenas para o

    cientista coralense recm-assassinado. Ningum teria idia

    de olhar para a porta.

    Pode ver a mo de um hindu abrindo a grande vigia do

    camarote; depois a cabea de Pedro Morales pendendo

    frouxamente... J no precisava ver nada mais para

    compreender que o cadver ia ser lanado no mar.

    Evidentemente, no convinha deix-lo no camarote: era

    melhor jog-lo na gua e recuper-lo mais tarde, para ento

    faz-lo desaparecer definitivamente.

    Puxou lentamente a porta, at fech-la, e afastou-se dali.

    Sentia no peito aquela presso angustiosa que sempre

    acompanhava seu desejo de matar, porm compreendia

    perfeitamente que no era o momento de permitir uma

    interveno da agente Baby. Quantos homens devia haver naquele camarote para lhe fazer frente, estando ela

    desarmada? No lhe foi de nenhum modo difcil dominar-

  • se, reconhecer que teria sido um suicdio tentar alguma

    coisa naquele instante. Alm disso, os que estavam l dentro

    iam sair de um momento para outro...

    Dirigiu-se para a porta que levava ao convs. Mas ainda

    no havia chegado l quando ouviu os passos na escada de

    madeira.

    Voltou-se como um relmpago, empurrou a porta de um

    camarote qualquer e entrou, fechando-a atrs de si. Lanou

    uma rpida olhada a seu redor. Era um ambiente extico,

    adornado de sedas, bem perfumado... Bastante espaoso,

    tinha uma cama no centro. O assoalho brilhava. A um lado,

    viu uma cabea de tigre, empalhada.

    Aplicou o ouvido porta. J no soavam os passos.

    Abriu velozmente, lanou-se para fora e ficou imvel,

    petrificada: diante dela estava Yaksa, o chita de Ratna Jinnah, olhando-a com seus olhos reluzentes, mostrando

    silenciosamente suas agudssimas presas. Junto a ele,

    sujeitando-o pela correia, estava a belssima hindu, com seu

    rosto moreno de expresso impenetrvel, fixando-a com

    aqueles enormes olhos negros.

    Ainda plida de espanto pelo inesperado encontro com o

    chita-leopardo, Brigitte olhou a hindu e sorriu, com pouco

    xito em termos de naturalidade.

    Eu... creio que me perdi por este barco, Alteza... o camarote do maraj sussurrou suavemente

    Ratna Jinnah. E no lhe agrada que ningum entre sem sua permisso.

    Lamento... Sinceramente, lamento. Desci procura do toalete, empurrei esta porta, vi um quarto to...

    extraordinrio, e me entretive uns segundos admirando-o.

    Vou conduzi-la ao toalete, miss Montfort.

  • Agradeo-lhe. Oh, estou ainda assustada... indicou o felino de olhos reluzentes. Nunca tive perto de mim animais desta espcie.

    J lhe disse que Yaksa inofensivo... quase sempre. Mas se eu no estivesse com ele, certamente a teria

    atacado ao v-la sair do camarote de seu amo. Teramos que

    lamentar um infeliz acidente, miss Montfort.

    Bom... Brigitte suspirou, sorrindo agora com mais xito. Por sorte, Vossa Alteza estava com Yaksa. Que significa seu nome?

    Ratna Jinnah apontou para frente e ambas seguiram pelo

    corredor, sempre acompanhadas pelo chita, cujas patas no

    faziam o menor rudo ao tocar no cho; parecia deslizar,

    mais que caminhar. A porta do outro camarote abriu-se

    ento e Brigitte viu fugazmente seu interior; o tempo

    suficiente para compreender que era o salo de fumar, com

    almofades, poltronas, mesinhas de sndalo... Viu os trs

    homens sarem. Viu perfeitamente seus rostos, ainda

    crispados. Eles saudaram com inclinao de cabea e

    caminharam pelo corredor em direo contrria. Atrs dos

    trs homens, saram dois servos hindus, cada um

    transportando uma bandeja com garrafas e copos... Quem

    diria que acabavam de assassinar um homem l dentro, a

    facadas?

    A maarni abriu uma porta e indicou o interior. Brigitte

    entrou, maravilhando-se com a beleza e o exotismo daquele

    toucador, que era ao mesmo tempo quarto de banho. Uma

    grande banheira, de mrmore rseo, exibia a suntuosidade

    de suas torneiras de ouro puro. Em fronte, um grande

    espelho, uma penteadeira e algumas banquetas forradas de

    pele de tigre. O cho era de um brilho ofuscante.

  • Meu marido, o maraj, adotou faz algum tempo os usos e costumes europeus, naturalmente explicou em tom vago Ratna Jinnah. E acha que eu sempre devo ter o melhor. um homem muito bondoso e de generosidade

    extrema.

    Assim parece. Vossa Alteza feliz... Espero que a bondade de seu esposo seja completa.

    Completa? Que quer dizer? Que espero, se ele vier a morrer antes, no seja Vossa

    Alteza queimada viva na mesma fogueira.

    Um levssimo sorriso apareceu no belo rosto da hindu.

    No creio. J lhe disse que ele aceitou e adotou os usos e costumes europeus... Sinta-se vontade, miss

    Montfort. Todos os meus perfumes esto ao seu dispor. Use

    o que desejar.

    Abriu o espelho e surpreendeu Brigitte deixando a

    descoberto um pequeno armrio cheio de perfumes de todas

    as procedncias: de Hong-Kong, Paris, Nova Iorque, Roma,

    Cingapura, Nova Deli. Tambm havia ali uma

    extraordinria abundncia de artigos de beleza.

    Queria apenas retocar um pouco minha maquilagem murmurou Brigitte. Creio que o mar no bom para certos produtos muito delicados.

    Pode usar qualquer perfume ou creme. Eu quase nunca o fao. Mas meu esposo insiste em que eu disponha

    de tudo.

    Claro... natural. Olhou de soslaio para a jovem maarni, que havia

    soltado a correia da coleira do chita e sentara-se em outra

    banqueta. O animal estendeu-se no cho e ficou olhando

  • sempre daquele modo fixo e maligno para a espi

    internacional.

    muito bonita, miss Montfort disse subitamente Ratna Jinnah.

    Oh... Muito obrigada. Sei que tambm o sou tornou a sorrir a hindu.

    E suponho que se tenha dado conta disso.

    Sim... Sem dvida. Meu esposo gosta de mulheres formosas. Quando me

    conheceu, em Calcut, logo me props casamento... Foi um

    pretendente muito generoso e delicado, mas apesar disso

    estive a ponto de recus-lo, pois sou de uma famlia rica e

    no necessitava de seu dinheiro nem de suas atenes... A

    verdade que no me agradava muito. Mas... depois gostei

    dele e aceitei ser sua esposa. Nunca me arrependi.

    Ento foi um casamento perfeito sorriu Brigitte. Evidentemente, Vossa Alteza feliz.

    Sou... Creio que sou. Compreendo que um homem que j tem uma bonita jia preste ateno a outra que no

    possui... ainda. Mas a arte da mulher que ama est em saber

    afastar do caminho de seu esposo as outras jias... seja

    como for. Com isto, fica preservada sua felicidade, bem

    como a tranqilidade e a felicidade do esposo.

    Brigitte olhou atentamente para a belssima indiana,

    atravs do espelho. Ratna Jinnah tambm a olhava atenta. E

    ambas sabiam perfeitamente o que ela havia querido dizer.

    A espi internacional acabou de retocar sua maquilagem

    e sorriu como quem no compreendeu seu interlocutor, mas

    o bastante educado para evitar perguntas que poderiam ser

    excessivamente ntimas.

  • Bem... Parece-me que j me tornei apresentvel... guardou o pequeno estojo de platina e brilhantes. Ainda no me disse o que significa o nome de seu animal favorito,

    Alteza.

    Yaksa significa gnio. H yaksas e yaksis, ou seja, gnios machos e gnios fmeas.

    Ah... evidente que seu animal macho, ento. Creio que podemos voltar ao convs se Vossa Alteza est

    de acordo. No vai por a correia em Yaksa? Ratna Jinnah tornou a prender o chita, em silncio.

    Saram do camarote e, pouco depois, surgiram no convs.

    Imediatamente, apareceu diante delas o maraj, sorrindo,

    com um brilho intensssimo nos olhos negros.

    A noite havia ficado sem luz... inclinou-se. Mas j nossos olhos tornam a deslumbrar-se com a radiante

    beleza das duas mulheres mais belas do mundo. Est se

    divertindo, miss Montfort?

  • CAPTULO SEXTO Um maraj consternado

    A brincadeira do radioamador louco

    Evidentemente, o melhor dormir.

    Brigitte sorriu como se desculpando por antecipao

    pelo que ia dizer:

    Pois, para falar com franqueza, no muito. Nadir Sadanjayan franziu a testa, profundamente

    aborrecido. Por um instante, seus terrveis olhos negros

    fixaram os de sua esposa.

    Sinto muito... murmurou. E gostaria de fazer alguma coisa para por termo ao seu aborrecimento. Se acha

    que algo est faltando no Kolgatar, peo-lhe que me diga para que imediatamente...

    No, no... sorriu Brigitte. Vossa Alteza no compreendeu, ou eu me expressei mal. Na verdade, tudo

    perfeito no Kolgatar. Meu aborrecimento tem um motivo diferente.

    Que motivo? Bem... Cheguei aqui em companhia do seor

    Montalbn e receio bastante que ele tenha encontrado um

    assunto de conversa mais agradvel que o que lhe poderia

    proporcionar.

    Indicou com o queixo o lugar onde Diego, bem a

    contragosto, evidentemente, continuava discutindo entre

    vrios homens que o assediavam.

    Ah Sadanjayan tambm sorriu, ento. Eu estava consternado, miss Montfort. Mas agora que

    compreendo o motivo de seu tdio, creio que encontrarei

    uma soluo olhou para a esposa e murmurou algumas

  • palavras em hindi; Ratna Jinnah assentiu com a cabea e

    afastou-se com o seu chita, em direo a Diego Montalbn;

    o maraj f& um sinal a um de seus servos, que se

    aproximou pressurosamente com uma bandeja. Permite-me oferecer-lhe uma taa de champanha?

    Receio j ter tomado demasiado, mas... Bem, no posso desprezar um convite pessoal de Vossa Alteza.

    Sadanjayan retirou uma das taas da bandeja e ofereceu-

    a a Brigitte. Retirou uma outra e com um gesto despediu o

    servo. Olhou com aquela peculiar intensidade os olhos azuis

    da espi.

    Chame-me Nadir, simplesmente, miss Montfort. Sempre achei que um tratamento excessivamente

    cerimonioso dificulta um entendimento... agradvel.

    Vejo que muito gentil, Nadir murmurou ela. O maraj encolheu os ombros. Indicou a borda e ambos

    foram para l.

    Por ns... ergueu a taa de champanha. E espero que no lhe desagrade o brinde, miss

    Montfort.

    A mim no. A algum, por acaso? A sua esposa, talvez. Oh... Mas as mulheres hindus so condescendentes,

    geralmente. Por favor, no interprete estas palavras como

    uma ousadia de minha parte. Apenas quis dizer que Ratna

    uma mulher de casta superior e, portanto, no pode ter

    cimes.

    Brigitte tomou um gole de champanha. Ao que parecia,

    o maraj no tinha uma idia muito clara sobre o assunto.

  • As mulheres, Nadir, tm todas a mesma casta, em certos momentos. Um poeta, que certamente no era hindu,

    disse que uma mulher que ama e exatamente igual a

    qualquer mulher que ama.

    Sadanjayan olhou-a com divertida surpresa.

    Sem dvida quase sorriu isso no foi dito por um poeta hindu. Conhece nossos poetas, miss Montfort?

    Peo-lhe que me chame Brigitte, simplesmente... Poetas hindus? Sim, conheo pequenas coisas de alguns.

    Possivelmente em ms tradues. Li algo de Bharavi,

    Magha e Bana... Tentei tambm compreender os Puranas,

    que glorificam a Xiva o Vixnu. Depois, entre os poetas

    modernos, li alguma coisa de Chakravarty, Dey, Bora,

    Mehta... E est claro que de Rabindranath Tagore. Alm

    disso, duas ou trs novelas de Benarjec, Nasendra e Mitra.

    Confesso-lhe que at o momento no senti um excessivo

    interesse por seu pas, Nadir.

    O maraj estava completamente assombrado.