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Brasília a. 34 n. 135 jul./set. 1997 125

Do procedimento administrativo

SUMÁRIO

ALVARO LAZZARINI

1. Introdução. 2. Processo administrativo ouprocedimento administrativo. 2.1. Estrutura. 2.2.Jurisdicionalização. 2.3. Modalidades. 2.3.1.Verdade sabida. 3. Do Direito à ampla defesa noprocedimento administrativo. 3.1. Da portariainicial no procedimento administrativo e a ampladefesa. 3.2. Da competência no procedimentoadministrativo e a ampla defesa. 3.3. Suspeição noprocedimento administrativo e a ampla defesa. 3.4.Afastamento preventivo no procedimento adminis-trativo e a ampla defesa. 3.5. Prescrição no proce-dimento administrativo e a ampla defesa. 3.6. Dosrecursos inerentes à ampla defesa no procedimentoadministrativo. 3.6.1. Recurso e reconsideração.Diferença. 3.6.2. Efeitos do recurso e da reconside-ração. 3.6.3. “Reformatio in pejus”. Impossibili-dade. 3.6.4. Revisão. 4. Conclusão.

1. Introdução

É recomendável a instauração de procedi-mento administrativo adequado, como maisadiante se verá, toda vez que seja verificada aocorrência, mesmo em tese, de uma falta disci-plinar. A providência documenta que o órgãosuperior não está inerte, que não coonesta even-tual quebra de deveres funcionais de seussubordinados; documenta, enfim, que o órgãosuperior busca a moralidade administrativa.

Essa providência demonstra que a Admi-nistração Pública está vigilante sobre as ativi-dades dos seus órgãos inferiores, exercendo umafiscalização constante, ou seja, a fiscalizaçãoordinária, como fator fundamental de harmoniano funcionamento da Administração.

Enfim, faz retomar a confiança que oadministrado deve ter da AdministraçãoPública, como fator de inequívoco equilíbriosocial. Há, como sabido, descontentamento

Roteiro de Palestra sobre o tema na I Jornada deEstudos Jurídicos da Polícia Militar do DistritoFederal. Brasília-DF, 20 de março de 1997.

Alvaro Lazzarini é Desembargador do Tribunalde Justiça do Estado de São Paulo, Professor deDireito Administrativo na Escola Paulista daMagistratura e na Academia de Polícia Militar doBarro Branco, sócio do Instituto dos Advogados deSão Paulo e da Associação Brasileira dos Constitu-cionalistas – “Instituto Pimenta Bueno”, membro da“International Association of Chiefs of Police”(USA).

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popular, quando não mais acreditam, nãoconfiam nas autoridades públicas que, compaternalismo ou não, procuram acobertar seusservidores que se envolvem em atos menosdignos, com evidente quebra de deveres fun-cionais.

Não podemos esquecer que o cumprimentonormal e corrente dos deveres corresponde àrotina funcional desenvolvida pelos servidorespúblicos em geral. Há, porém, aqueles que semostram exemplares no cumprimento de seusdeveres funcionais. Destacam-se, positivamente,porque desempenham ditos deveres comconsciência e boa-vontade, procurando melhoraros métodos de trabalho, para melhor alcançaros objetivos comuns da sua repartição. Quemassim se houver é digno de recompensas, comolouvores, elogios, medalhas, prêmios pecu-niários, promoção por merecimento, etc.

Ao contrário, há os que se destacam nega-tivamente, isto é, aqueles que se tem com quebrano cumprimento dos seus deveres funcionais,fazendo surgir, então, a infração disciplinar, atransgressão disciplinar, a falta disciplinar, oilícito disciplinar, como quer que se denominetal quebra do dever, a ser reprimida pelodetentor do “Poder Disciplinar”, mediantesanções, ou seja, penas ou punições, a seremimpostas, em regra, por meio de regular proce-dimento administrativo disciplinar.

Mas, cumpre ressaltar, mormente para osespíritos mais desavisados, que a disciplina nãose mantém, tão-só, com a aplicação de sançõesdisciplinares. O exemplo do chefe que dá tudode si para o exato desempenho da repartição éfator importante para ter subordinados coesose eficientes em suas atividades funcionais. Emoutras palavras, serão funcionários dedicadosao serviço público, como tal disciplinados.

De outra parte, não pode ser esquecida alição de administrativistas ilustres – e que temparalelo nos ensinamentos da psicologia –,segundo a qual recompensas e sanções disci-plinares são os meios clássicos para manter adisciplina em qualquer instituição.

Mas, de qualquer modo, deve ser lembradonesta oportunidade que, enquanto recompensasficam à discrição do administrador, ou seja, doseu poder discricionário, a aplicação de sançãodisciplinar, não significa, em absoluto, apossibilidade de deixar de punir o faltoso, otransgressor dos deveres funcionais.

Ao faltoso, como tal considerado o servidorque praticou o ilícito administrativo disciplinar,

a imposição de pena é obrigatória, pois é delito,definido como de condescendência criminosa(artigo 320 do Código Penal e artigo 322 doCódigo Penal Militar), deixar o funcionário,no caso o superior hierárquico competente, porindulgência, de responsabilizar subordinadoque cometeu infração no exercício do cargo ou,quando lhe faltar competência, não levar o fatoao conhecimento da autoridade competente.

Daí a importância de que se conheça odevido processo legal, no âmbito do DireitoAdministrativo, para que se possa usar conve-nientemente o poder disciplinar, como instru-mento adequado para o aperfeiçoamentoprogressivo do serviço público1.

2. Processo administrativoou procedimento administrativo

Surge, agora, velha disputa em saber-se quala locução correta, ou seja, se há um verdadeiroprocesso administrativo ou um procedimentoadministrativo.

Hely Lopes Meirelles, cuidando da questão,atesta ter sido Aldo M. Sandulli, no seu IlProcedimento Amministrativo, o sistematizadorda “teoria do procedimento administrativo”,lembrando também que “os autores de línguacastelhana ora empregam a palavra ‘procedi-mento’ no sentido de processo administrativo,ora no de procedimento administrativo propria-mente dito, o que exige do leitor a devidaatenção para fazer a distinção necessária, umavez que para nós processo e procedimento têmsignificado jurídico diverso”2.

Por sua vez, José Cretella Júnior3 salientaque “processo designa entidade que, em natu-reza, ontologicamente, nada difere da que forprocedimento, podendo-se, quando muito,quantitativamente, empregar aquele paramostrar o conjunto de todos os atos, e este paradesignar cada um desses atos: processo é o todo,procedimento as diferentes operações queintegram esse todo”.

1 CAETANO, Marcelo. Do poder disciplinar.Coimbra : Imprensa da Universidade, 1932.

2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Adminis-trativo Brasileiro. 21. ed. atual. por Eurico deAndrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e JoséEmmanuel Burle Filho. São Paulo : Malheiros, 1996.p. 139, nota 14.

3 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de DireitoAdministrativo. 10. ed. Rio de Janeiro : Forense,1989. p. 565.

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Bem por isso, Edmir Netto Araújo4 afirmaque José Cretella Júnior

“não atribui maior importância à distin-ção entre ‘processo’ e ‘procedimento’”,e, após examinar o tema, deu a suaposição no sentido de que, no “campoespecífico do ilícito administrativo e seuprocesso, e em sentido estrito, preferimosdenominar processo aquele procedimentoque prevê, em sua estrutura, o diálogomanifestado pelo contraditório, que é abilateralidade de audiência, ou a ciênciabilateral dos atos do processo e a possi-bilidade de impugná-los. Por sua vez,seriam procedimentos as formalizaçõesde passos escalados em seqüência lógica,em direção ao objetivo formal (‘produto’formal, ‘provimento’ formal) visado, sema previsão do contraditório na respectivaestrutura. Como se vê – concluiu EdmirNetto de Araújo –, esse sentido estritode processo administrativo enquadraquase que somente o processo adminis-trativo disciplinar (ou funcional), peloqual são apresentados os ilícitos admi-nistrativos de maior gravidade, consti-tuindo simples procedimentos os demaismeios de verificação”5.

Sistematizando, no Brasil, a temática emexame, ou seja, a controvérsia terminológica esubstancial do “processo ou procedimentoadministrativo”, Odete Medauar, em monografiaespecífica sobre “A Processualidade no DireitoAdministrativo”6, após estudar os critérios daamplitude, da complexidade, do interesse, doconcreto e do abstrato, da lide, da controvérsia,do teleológico e do formal, do ato e da função,do procedimento como gênero e processo comoespécie, da colaboração dos interessados, e docontraditório, com isso, demonstra que

“O rol dos critérios comumenteinvocados para distinguir procedimentoe processo revela não só o empenhocientífico de administrativistas e proces-sualistas na caracterização de cada umadas figuras, mas também a própriaevolução da matéria, no rumo da valori-zação procedimental, da mais precisa

noção de processo e da idéia da existênciade processualidade no exercício de todosos poderes estatais. Essa evoluçãoculmina, principalmente, na concepçãodo procedimento-gênero, como represen-tação da passagem do poder em ato.Nesse enfoque, o procedimento consistena sucessão necessária de atos enca-deados entre si, que antecede e preparaum ato final. O procedimento se expressatambém na cooperação de sujeitos, sobprisma contraditório. (...) A despeito dodifundido uso do termo ‘procedimento’no âmbito da atividade administrativa –continua Odete Medauar –, mais adequadase mostra a expressão ‘processo admi-nistrativo’. A resistência ao uso dovocábulo ‘processo’ no campo da Admi-nistração Pública, explicada pelo receiode confusão com o processo jurisdicional,deixa de ter consistência no momento emque se acolhe a processualidade ampla,isto é, a processualidade associada aoexercício de qualquer poder estatal. Emdecorrência, há processo jurisdicional,processo legislativo, processo adminis-trativo; ou seja, o processo recebe aadjetivação provinda do poder ou funçãode que é instrumento. A adjetivação,dessa forma, permite especificar a queâmbito de atividade se refere determi-nado processo. (...) No ordenamentopátrio – finaliza Odete Medauar – aConstituição Federal de 1988 adotou aexpressão ‘processo administrativo’ ouutilizou o termo ‘processo’, o que signi-fica não só escolha terminológica, massobretudo reconhecimento do processonas atividades da Administração Pública,como demonstram, de forma clara,quatro dispositivos, principalmente o inc.LV do art. 5º: ‘Aos litigantes, emprocesso judicial ou administrativo, eaos acusados, em geral, são asseguradoso contraditório e a ampla defesa, com osmeios e recursos a ela inerentes’; o inc.LXXII do art. 5º: ‘conceder-se-á habeasdata... b) para retificação de dadosquando não se prefira fazê-lo porprocesso sigiloso judicial ou administra-tivo; o inc. XXI do art. 37: ‘ressalvadosos casos especificados na legislação, asobras, serviços, compras e alienaçõesserão contratados mediante processo delicitação pública...’, o § 1º do art. 41: ‘O

4 ARAÚJO, Edmir Netto de. O ilícito adminis-trativo e seu processo. São Paulo : Revista dosTribunais, 1994. p. 127.

5 Ibidem, p. 128.6 MEDAUAR, Odete. A processualidade no

direito administrativo. Revista dos Tribunais, 1993.p. 29-42.

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servidor público estável só perderá o car-go em virtude de sentença judicial tran-sitada em julgado ou mediante processoadministrativo em que lhe seja assegu-rada ampla defesa’”.

Sem embargo dessa escolha pelo consti-tuinte federal de 1988, o constituinte paulistade 1989, por sua vez, optou pelo termo “proce-dimento”, embora utilize também “processo”,quando, no seu artigo 4º, dispôs que

“Nos procedimentos administrativos,qualquer que seja o objeto, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade,a igualdade entre os administrados e odevido processo legal, especialmentequanto à exigência da publicidade, docontraditório, da ampla defesa e dodespacho ou decisão motivados”.

Como se verifica, conquanto não haja óbicecientífico ao uso do termo “processo adminis-trativo”, mais difundido está o uso do termo“procedimento administrativo”, como gênerodo qual, em matéria disciplinar, há espéciescomo o “processo administrativo” para apuraçãodas faltas disciplinares mais graves – no regimejurídico dos militares, tem o nome de “Conselhode Justificação” (para oficiais) e “Conselho deDisciplina” (para praças) – e Inquéritos Adminis-trativos, Sindicâncias, Averiguações, etc., paraas faltas disciplinares menos graves.

Daí por que, sem maior preocupação detecnicismo processual, usaremos os vocábulos“procedimento administrativo”, “procedimentoadministrativo disciplinar” ou, simplesmente,“procedimento disciplinar”, lembrando, final-mente, que a Escola Paulista da Magistratura,órgão do Poder Judiciário do Estado de São Paulo,optou por “procedimento administrativo” nocurso de iniciação funcional dos novos juízessubstitutos aprovados no 167º Concurso deIngresso à Magistratura do Estado de São Paulo.

Mas, de qualquer modo, é necessário,novamente, invocar Odete Medauar ao concluirsobre “A Processualidade no Direito Adminis-trativo” que

“O processo administrativo representagarantia de direitos ou direito instrumentalquanto ao indivíduo (...). Além do mais,associa-se à concepção de Estado demo-crático de direito e aos princípiosconstitucionais da Administração, comocorolário e veículo de sua expressão”7,

como também Edmir Netto de Araújo8, por sua

vez, lembra que“O ordenamento coloca à disposição

da Administração meios ‘mais formais’e ‘menos formais’ para a apuração doilícito administrativo, cuja utilização serelaciona diretamente com a gravidadeda falta e da correspondente penalidade.Esses meios devem ser utilizados, garan-tindo-se a ampla defesa ao indiciado, pois‘ninguém pode ser condenado sem serouvido’, sem que lhe seja proporcionadaoportunidade de defesa”.

2.1. Estrutura

Quanto à sua estrutura, e no dizer autorizadode Odete Medauar9, todo processo administra-tivo, dentre outras que não interessam aopresente exame, tem uma “fase introdutória ouinicial, integrada por atos que desencadeiam oprocedimento; o processo administrativo podeiniciar-se de ofício ou por iniciativa de interes-sados (particulares, individualmente ou emgrupo, e servidores para pleitear direitos, porexemplo)”, mesmo porque o procedimentoadministrativo está jurisdicionalizado. Valedizer que o

“procedimento administrativo disciplinar,atualmente, está jurisdicionalizado, istoé, o poder disciplinar deve exercer-sedentro de determinadas formalidades,como sejam, o contraditório, o direito dedefesa, a motivação da pena, a compe-tência do julgador, a proibição de casti-gar-se tendo por base documentos secre-tos, enfim tudo que possa ferir a garantiaconstitucional, no que toca à apenaçãode qualquer indivíduo”10.

A aplicação da pena disciplinar, já se disseanteriormente, sujeita-se a um procedimentoadministrativo, qualificado de disciplinar,porque deve haver um encadeamento deoperações ordenadas que objetivam a regularapuração da conduta do faltoso, como também,em sendo o caso, a sua apenação disciplinar.

2.2. JurisdicionalizaçãoTal procedimento disciplinar envolve uma

verdadeira jurisdicionalização, ou seja, deveser exercido dentro de determinadas formali-dades, como, por exemplo, a observância do

7 Ibidem, p. 160.8 ARAÚJO, op. cit., p. 288.

9 MEDAUAR, op. cit., p. 142.10 LAZZARINI, Alvaro. Estudos de Direito

Administrativo. 1. ed. 2. tir. São Paulo : Revista dosTribunais, p. 404.

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direito de defesa, com vistas ao contraditório,a motivação de pena disciplinar, como anterior-mente focalizada, a proibição de castigar-setendo por base documentos secretos, enfim,todas aquelas formalidades que possam fazerprevalecer as garantias constitucionais refe-rentes à apenação de qualquer indivíduo.

Essa jurisdicionalização deve estar presenteem qualquer das modalidades de procedimentosdisciplinares, solenes ou sumários.

São solenes o processo administrativo(também, conhecido por inquérito administra-tivo), a que se sujeita o funcionário civil todavez que a pena demissória seja a prevista paraa sua falta, e o denominado conselho de disci-plina, previsto para as praças das corporaçõesmilitares para apurar se o acusado, por seucomportamento, está ou não moralmente inca-pacitado para continuar a servir em suasfileiras. Essa modalidade não admite apreterição de formalidades previstas na lei ouregulamento que estabeleça o regime jurídicodisciplinar, sob pena de levar à irremediávelnulidade do ato sancionador final, salvo se nãohouver influído na apuração da verdade subs-tancial ou, diretamente, na decisão do procedi-mento, o que será sempre uma incógnita a serdecidida, em última instância, pelo PoderJudiciário.

São sumários aqueles procedimentos disci-plinares que independem de maior solenidadena apuração da conduta faltosa, como sejam assindicâncias ou a aplicação da penalidade peladenominada “verdade sabida”. A apuraçãosumária não tem forma nem figura de juízo,embora tudo recomende a observância, ainda quemitigada, do iter legal previsto para o outroprocedimento, com o quê garantida estará a suajurisdicionalização para o exato exercício do“Poder Disciplinar”, tudo sem se esquecer danatureza sumária da apuração da conduta faltosa.

2.3.1. VERDADE SABIDA

Merece maior apreciação a aplicação de suadisciplinar pelo que se convencionou dizer de“verdade sabida”. Na realidade, tratava-se deum procedimento mais que sumário, sumarís-simo, pois a legislação autorizava que o faltosofosse punido disciplinarmente, desde que aautoridade competente tivesse conhecimentopessoal e direto da falta de que deverá decorrera pena disciplinar, como, em outras palavras,define o artigo 271, parágrafo único, do Esta-

tuto dos Funcionários Públicos Civis do Estadode São Paulo. Porém, mesmo assim, não podiamser esquecidos os princípios da jurisdicionali-zação, sob pena de, eventualmente, vir a seranulada a sanção disciplinar, como, porexemplo, quando houvesse preterição do direitode defesa. Predomina hoje o entendimento,entre os estudiosos do Poder Disciplinar, deestar vedado a aplicação de sanção disciplinarpela “verdade sabida”, diante da normaconstitucional do artigo 5º, inciso LV, da Cons-tituição da República, que assegura e exige que,nos processos administrativos, ao acusado emgeral sejam deferidos o contraditório e a ampladefesa, com os meios e recursos a ela inerentes,com o que se desnaturou, por completo, a“verdade sabida”.

3. Do direito à ampla defesano procedimento administrativo

Como se verifica, o artigo 5º, inciso LV, daConstituição da República, pondo fim à antigadiscussão que existia ao tempo do artigo 153,§ 15, da revogada Constituição da República(1969), previu, expressamente, o “direito dedefesa” nos processos administrativos em geral.

Dessa forma, podemos dizer que esse direitode defesa é o fulcro, o cerne de todo procedi-mento disciplinar.

É a faculdade do acusado ter vista, terconhecimento da acusação, podendo rebatê-la,produzindo prova pertinente. Realmente, temo servidor tido por faltoso, o direito públicosubjetivo de, diante de uma acusação, apre-sentar, em querendo, defesa ampla, na qualpoderá valer-se dos meios de prova pertinentes,isto é, que sejam aptas a demonstrar aquilo quevenha a alegar em prol dos seus direitos einteresses.

Como pondera Hely Lopes Meirelles, nãobasta o acusado ser ouvido em simples decla-ração para dizer-se observado o direito dedefesa.

Essa declaração, via de regra, reduzida atermo, quase sempre inibe psicologicamente oacusado, que se vê frente a frente com superioreshierárquicos, dentro de salas onde reina auste-ridade amedrontante, onde nem sempre aquiloque foi declarado fica registrado corretamenteno termo que esteja sendo lavrado.

Há o temor reverencial em grande parte dassituações. O acusado declara o que não deviadeclarar, confunde-se em respostas onde nãodevia confundir-se; enfim, pode ser levado a

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responder, pode ser conduzido, induzido adeclarar ou a seu favor ou, então, a seu desfavor.

Daí por que mister se torna dar ao acusadoa oportunidade e liberdade de produzir defesaescrita, com prazo razoável para arquitetá-lacomo entenda de seu interesse e direito. Sóentão poderá ser dito que ao acusado foi dada apossibilidade de ampla defesa.

E note-se que, nem por isso, estará o detentordo “Poder Disciplinar” inibido de apurar averdade real. O superior hierárquico, com efeito,tem todos os meios ao seu alcance – muito maisdo que o acusado, bastando querê-lo – para bemapurar a conduta faltosa.

Basta pôr em funcionamento o instrumentaladministrativo que tem em mãos, e certamenteapurará a verdade real, aceitando ou não aversão do acusado. Basta, portanto, que não secontente com a verdade formal, aprofun-dando-se, pois, na pesquisa do ocorrido.

3.1. Portaria inicial no procedimentoadministrativo e a ampla defesa

A portaria inicial é essencial ao regularexercício do Poder Disciplinar. Na sua falta,viciado fica o “procedimento administrativodisciplinar”, hoje jurisdicionalizado a teor doartigo 5º, inciso LV, da Constituição da Repú-blica.

Sob pena de nulidade da sanção adminis-trativa, exige-se uma formal portaria de iniciaçãodo procedimento administrativo disciplinar.

Isso evidencia, em sede de procedimentoadministrativo, o mesmo que ocorre com apetição inicial do processo civil e com adenúncia do processo criminal, ou seja, a peçavestibular há de existir formalmente, sob penade não-atendimento da prerrogativa de toda equalquer pessoa em saber do que, oficialmente,está sendo acusada para defender-se e promovero contraditório, como previsto no art. 5º, incisoLV, da vigente Constituição de 1988 e art. 4ºda vigente Constituição Estadual de São Paulode 1989.

Tanto isso é verdade que a Escola Paulistada Magistratura editou a obra ProcedimentoAdministrativo Disciplinar no Poder Judi-ciário – Teoria e Prática, de autoria do expe-riente jurista e magistrado Rui Stoco e na qualenfatizado ficou, por mais de uma vez, que“Exige-se que se instaure o procedimentoprincipal através de portaria, como ocorre na

esfera criminal, podendo-se fazer correlação,de modo que o inquérito está para a sindicânciaassim como o processo administrativo está paraa ação penal”11.

Rui Stoco, em outra passagem da sua citadaobra, na p. 27 advertiu que

“A portaria está para o processoadministrativo como a denúncia está parao processo criminal. Deve conter todosos dados de qualificação do agenteinfrator, os fatos e suas circunstâncias eo fundamento legal. Arrolará as teste-munhas de acusação e, se houver, o nomede quem denunciou o servidor, para que,também este, seja ouvido em audiência”.

O Egrégio Órgão Especial do Tribunal deJustiça de São Paulo, em 9 de outubro de 1991,sendo relator o eminente Desembargador NeyAlmada, em julgamento de Mandado de Segu-rança nº 13.213-0/2, de São Paulo, decidiu que

“A sindicância ou o processo disci-plinar para a apuração de falta cometidapelo servidor público deve iniciar-seatravés de portaria de autoridade admi-nistrativa, pois trata-se de formalidadeobrigatória cuja omissão importa nuli-dade dos atos praticados por afronta aosprincípios do contraditório e da ampladefesa” (Revista dos Tribunais, SãoPaulo, v. 674, p. 97-101).

O venerando acórdão tem a sua ementatranscrita por Rui Stoco, quando cuida daPortaria – Formalidade obrigatória para iníciodo procedimento (op. cit., p. 159).

Dele consta, também, voto vencedor doeminente Desembargador Alves Braga que, emexcelente e fundamentado estudo envolvendoservidor cartorário extrajudicial – o mandadode segurança foi impetrado contra ato doCorregedor Geral da Justiça –, afirmou que

“A sindicância, ou o processo disci-plinar, deve se iniciar com a portaria daautoridade administrativa, não suprindosua falta a menção a representação escritado terceiro que pede providências emenos ainda o termo de declarações porela prestadas. A ausência dessa peçainicial, que dá existência legal à sindi-cância ou processo disciplinar, não é

11 STOCO, Rui. Procedimento administrativodisciplinar : teoria e prática. Coordenação de YussefSaid Cahali. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995.p. 34. Coletânea Jurídica da Magistratura.

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mera irregularidade. Afronta o princípiodo devido processo legal e, conseqüen-temente, implica em nulidade dos atospraticados. O princípio se insere nasgarantias constitucionais.

Vale aqui a advertência deste E.Plenário – continuou o eminente Desem-bargador Alves Braga naquele seu votovencedor – no MS 213.314, relatado peloDes. Acácio Rebouças. Transcrevo aspalavras de S. Exª.: ‘Deviam os juízester excepcional cuidado quando se aven-turam pelo Direito Administrativo,porque facilmente se convertem emcontestador das garantias constitucionaise, se não for criticado e escandido, logoporá por terra todas as garantias demo-cráticas’. Quando as garantias constitu-cionais entram em jogo – são discutidase minimizadas entre sorrisos céticos enovidades doutrinárias, – deviam osjuízes advertirem-se do perigo que repre-senta o administrativista improvisado esua ardorosa preocupação de dar semprecobertura jurídica a todos os atos daAdministração”.

O moderno Direito Administrativo, comefeito, não mais se preocupa em “dar semprecobertura jurídica a todos os atos da Adminis-tração”, salvo se o for por administrativistaimprovisado.

Na sua excelente obra, O direito adminis-trativo em evolução, Odete Medauar12 concluique o

“Momento revela mudanças que vêmse realizando no Direito Administrativono sentido de sua atualização e revitali-zação, para que entre em sintonia com ocenário atual da sociedade e do Estado.Algumas tendências podem ser extraídas:a) desvencilhamento de resquícios abso-lutistas, sobretudo no aspecto da vontadeda autoridade impondo-se imponente; b)absorção de valores e princípios doordenamento consagrados na Consti-tuição; c) assimilação da nova realidadedo relacionamento Estado-sociedade; d)abertura para o cenário sócio-político-econômico em que se situa; e) aberturapara conexões científicas inter-discipli-nares; f) disposição de acrescentar novos

itens à temática clássica”.Não basta, portanto, como exemplo, uma

representação em si. Diante dela, a autoridadecompetente, com atribuição do que se denominade ação disciplinar, para a apuração, deveexpedir a regular portaria, dando início à ave-riguação dos fatos, em regular procedimentoadministrativo disciplinar.

Lembremos, agora no plano da Lei deAbuso de Autoridade (Lei nº 4.898, de 9 dedezembro de 1965), que regula o Direito deRepresentação e o Processo de Responsabili-dade Administrativa, Civil e Penal, que o seuart. 7º deixa bem certo que

“Recebida a representação em que forsolicitada a aplicação de sanção admi-nistrativa, a autoridade civil ou militarcompetente determinará a instauração deinquérito para apurar o fato”.

Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passosde Freitas, no clássico comentário a essa lei,lembram que “O inquérito administrativo seráiniciado por Portaria”13.

Não seria, assim, um mero despacho deexpediente: “Solicitem-se informações ao acu-sado”, como já se viu diante da representação.

Necessário era que ato formal determinassea instauração do devido procedimento admi-nistrativo disciplinar, ou seja, do devidoprocesso administrativo legal, em face darepresentação.

Oferecidas as informações do acusado,cumpria à autoridade competente decidir seinstaurava ou não o devido e legal procedimentoadministrativo disciplinar, delimitando emregular e formal portaria a acusação, comoocorre, insisto, em qualquer procedimentodisciplinar envolvendo servidores públicos civis.

Aliás, e a título de argumentação, quantoaos servidores públicos militares estaduais, apósinúmeras anulações de sanções disciplinarespor parte do Egrégio Tribunal de Justiça, aAdministração Policial Militar de São Pauloorientou-se no sentido de que, quando a condutafaltosa não seja apontada em regular comuni-cação de superior hierárquico militar, hánecessidade de ato formal para a instauraçãodo devido procedimento administrativo disci-plinar e isto após as informações escritas dosacusados, tudo para compatibilizar os seus

13 FREITAS, Gilberto Passos de e VladimirPassos de. Abuso de autoridade. São Paulo : Revistados Tribunais, 1979. p. 78.

12 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativoem evolução. São Paulo : Revista dos Tribunais,1992. p. 227.

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regulamentos disciplinares – há o dos policiaismilitares e o das policiais femininas – ao novoordenamento jurídico constitucional de 1988,conforme orientação jurisprudencial doTribunal de Justiça de São Paulo, do SuperiorTribunal de Justiça e do Supremo TribunalFederal.

Os procedimentos, aliás, estão disciplinadosnas Instruções do Processo Administrativo daPolícia Militar, ou seja, no I-16-PM da Corpo-ração, aprovado por ato de 2 de dezembro de1993 do Comandante-Geral, considerando-sepública a instauração de sindicância só “apóspublicação da portaria em boletim ou afixação,por três dias consecutivos, no quadro principalde avisos da OPM” (Organização PolicialMilitar), nos termos do seu art. 68, parágrafo 2º.

Quanto ao processo disciplinar sumário,igualmente, exige-se portaria (art. 139, pará-grafos 1º e 2º), sendo que esse ato administra-tivo para os Conselhos de Disciplina, destinadoàs praças, por força de norma legal, tem o nomede Ofício de Convocação, enquanto que nosConselhos de Justificação, destinado aosoficiais, a acusação é do Comandante Geral edeve ser formalizada em representação contrao oficial (art. 211, parágrafo 1º).

3.2. Da competência no procedimentoadministrativo e a ampla defesa

A competência para a prática do atopunitivo deve resultar da lei, sendo por eladelimitada. Já se disse que competente para aprática de um ato administrativo é quem a leiassim o indique e não aquele que se julguecompetente14.

Lembre-se que competência, como requi-sito de validade do ato administrativo, é osomatório de poderes atribuídos ao agentepúblico para o regular desempenho de suasfunções específicas. Em matéria disciplinar,será sempre do órgão, singular ou coletivo,previsto em lei ou regulamento disciplinar.

O órgão poderá ter mera ação disciplinar,como, por exemplo, as comissões sindicantesou processantes, os conselhos de disciplina, etc.Poderá, ainda, ter o verdadeiro poder sancio-nador, isto é, o poder-dever de aplicar a sanção

disciplinar.A ação disciplinar é faculdade de promover

a averiguação dos fatos, para eventual repressãodisciplinar. Quase sempre se exaure com orelatório do órgão, propondo, de modo nãovinculativo, a aplicação ou não da sançãodisciplinar.

O órgão que tenha o poder sancionador,isto é, a competência para aplicar as sanções, éque tem a atribuição de decidir a respeito. Aliás,essa competência poderá pertencer a outrosuperior de maior grau hierárquico.

O Excelso Pretório, no Recurso Extraordi-nário nº 70.566, de São Paulo, relatado pelosaudoso Ministro Aliomar Baleeiro, examinandoexclusão disciplinar de aluno do Centro dePreparação de Oficiais da Reserva de SãoPaulo – CPOR/SP, por ato do Comandante daSegunda Região Militar, afirmou a tese de quea autoridade militar superior pode impor penadisciplinar, ainda que o regulamento mencione,para esse fim, a inferior (Revista Trimestral deJurisprudência, v. 71, p. 721).

Porém, o inverso não foi tido por legal, istoé, o Tribunal de Justiça de São Paulo, naApelação Cível nº 204.678, de São Paulo, deque foi relator o Desembargador Souza Lima,concluiu pela nulidade da exclusão de policialmilitar a bem da disciplina, pois o ato forapraticado pelo chefe do Estado-Maior daCorporação, autoridade incompetente, em nadaimportando que esse ato punitivo tenha sidode orientação do Comandante-Geral da PolíciaMilitar, autoridade essa que, ao depois, teriaratificado o mesmo ato no Boletim Geral,órgão que publica os atos oficiais da aludidaCorporação.

Em matéria de competência, atualmente háo tema da vitaliciedade das Polícias Militarese dos Corpos de Bombeiros Militares, previstano artigo 125, § 4º, da Constituição da Repú-blica e sobre a qual vitaliciedade, na esteira dajurisprudência firme do Supremo TribunalFederal, discorremos longamente em diversadissertação sobre o tema15.

14 TACITO, Caio. O abuso ao poder administra-tivo no Brasil : conceito e remédios. Rio de Janeiro :Departamento Administrativo do Serviço Público :Instituto Brasileiro de Ciências Administrativas,1959. p. 27.

15 LAZZARINI, Alvaro. Vitaliciedade de servi-dores militares estaduais. Revista de Direito Admi-nistrativo, Rio de Janeiro, v. 205, p. 95-108; jul./set. 1996. idem Revista de Doutrina e Jurispru-dência do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá,n. 7, p. 13-40; jan./abr. 1996. BDA – Boletim deDireito Administrativo. São Paulo, n. 12, p. 742-744, dez. 1994. idem Tribuna da Magistratura, SãoPaulo, p. 60-64. ago. 1996. Caderno de doutrina.

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3.2.1. INDELEGABILIDADE DA COMPETÊNCIA

Com certeza, não se delega competênciapunitiva, isto é, poder sancionador, por simplesato administrativo, salvo, é lógico, quando taldelegação esteja expressa na lei disciplinar.Mesmo assim, essa exceção, que venha expres-samente prevista, haverá de ser interpretadarestritivamente, sem ampliações.

O faltoso tem direito subjetivo público deser apenado só por aquela autoridade que a lei,expressamente, designe. A delegação só seráviável se a lei o prever ou, então, para oexercício da ação disciplinar, na apuração dosfatos. E isso é valido para os servidores civis emilitares.

3.2.2. DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA

Ainda no que toca à competência, surge aquestão do deslocamento seu. Em outraspalavras, e exemplificando, o servidor praticafalta disciplinar na repartição “X”. Antes deela ser descoberta, ele é movimentado para arepartição “Y”, de linha hierárquica diversa,de modo que, vindo à luz a sua conduta anterior,resta saber qual autoridade tem competênciadisciplinar, isto é, a da repartição “X” ou a da“Y”. A questão é polêmica, com argumentosbons de ambos os lados. No entanto, comoafirma Marcelo Caetano16, quer teórica, querpraticamente, a solução aconselhada nestescasos será a da repartição de serviço, da qualsaiu o funcionário, remeter a documentaçãopertinente ao ocorrido à repartição a que passouo faltoso a ter exercício, a fim de que o seunovo superior hierárquico possa decidir comooportuno, conveniente e justo. Enfim, é essenovo superior que passou a deter todo o “PoderDisciplinar”; o anterior, desde o desligamentodo faltoso de sua repartição, não mais o detém.

3.3. Suspeição no Procedimentoadministrativo e ampla defesa

É de indagar-se a respeito do direito dedefesa quando a autoridade administrativacompetente incorrer em hipótese de suspeiçãonão prevista na lei disciplinar de regência,embora prevista no ordenamento processualcivil ou penal.

Pode, em outras palavras, o detentor do

Poder Disciplinar ser argüido de suspeito? Podeele jurar suspeição?

Controvertidos são os entendimentos.Contudo, não é demais lembrar que, juridica-mente, suspeição importa na imputação de certaqualidade, de que geram desconfianças ousuposições capazes de autorizarem justasprevenções contra o suspeito17, que, no caso,seria o superior detentor do “Poder Disciplinar”.

De outro lado, não se pode desconhecer queo superior está amarrado ao princípio da lega-lidade, que é básico para a AdministraçãoPública, vale dizer, que ele nada poderá fazerou deixar de fazer que não esteja, expressa ouimplicitamente, previsto em lei. Ao certo, nãose é de presumir que o superior irá prevaricar.

Daí por que só se torna possível dizer desuspeição em matéria disciplinar quandohouver norma legal expressa. Aliás, julgado doTribunal de Justiça de São Paulo proclamou,com acerto, ser impossível transpor a exceçãode suspeição prevista para o campo limitadoda jurisdição civil, para a esfera do processoadministrativo, que de tal remédio não cogita(Revista dos Tribunais, v. 389, p. 217).

3.4. Afastamento preventivo no procedimentoadministrativo e ampla defesa

Outro ponto que, no estudo do procedimentodisciplinar, merece destaque é o relativo aoafastamento preventivo do funcionário acusadode transgressão disciplinar. Essa medidacautelar é possível e, via de regra, está expressana legislação disciplinar, em várias linguagens.

O entendimento, mesmo quando exista umalinguagem imperativa determinando o afasta-mento do acusado, é o de que não há essaimperatividade, isto é, o afastamento preventivodar-se-á, se assim o entender oportuno econveniente o detentor do “Poder Disciplinar”,para resguardar os interesses na apuração dosfatos, sem que isso implique em cerceamentode defesa para o acusado.

Mas, decretado o afastamento preventivo,seja por suspeição ou prisão disciplinar, misterse torna, desde logo, a sua limitação no tempo,evitando-se, destarte, afastamentos demoradose, assim, arbitrários, que mais se confundemcom uma pena demissória do faltoso.

Como medida cautelar que é, pode o afas-tamento preventivo ser revogado a qualquer

16 CAETANO, Marcelo, Manual de DireitoAdministrativo. 8. ed. Lisboa : Coimbra Ed. 1969.v. 2, p. 767.

17 SILVA, De Plácito e. Vocabulário Jurídico. v.4, verbete: suspeição.

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tempo. Como visto, o seu objetivo é o de possi-bilitar uma melhor investigação da condutafaltosa, impossibilitando que este possa influir,por meios escusos, na apuração da verdade.Assim, colhidas as provas necessárias, se oentender possível, oportuno e conveniente, nadaimpede que se permita o retorno do funcionário,que esteja afastado preventivamente, do serviço.

E, de qualquer modo, o tempo em que eleesteve afastado deverá ser computado, quandoda eventual sanção final, como ocorre com aprisão preventiva, no âmbito do direitocriminal.

3.5. Da prescrição no procedimentoadministrativo e a ampla defesa

Não aceitar prescrição da falta disciplinarprevista na lei disciplinar atenta contra o“direito de defesa”, que assim fica inevitavel-mente cerceado.

Nesse tema, duas são as correntes quedisputam a questão principal de saber a partirde quando passa a fluir o prazo prescricional.

Uma estabelece que tal prazo começa apartir da conduta faltosa, a exemplo da pres-crição em matéria criminal, na qual se leva emconta a data do ilícito penal. Outra, a partir doconhecimento, pela Administração Pública, dafalta disciplinar.

Esta última é a que melhor atende aossuperiores interesses da Administração Públicae da própria coletividade administrada. Édefendida, entre outros, por Caio Tácito, emparecer inserto na Revista de Direito Adminis-trativo (v. 45, p. 48). Está no sentido de que aprescrição da falta disciplinar começa correr apartir de sua ciência pela Administração.

A prescrição, como sabido, depende deum prazo, previsto em lei, como da inérciado titular do direito nesse prazo. Porém,desde que, pelas circunstâncias, a violaçãodo dever funcional se acoberte no sigilo, sub-traindo-se ao conhecimento normal daAdministração, não se configura a noção deinércia no uso do Poder Disciplinar, quecaracteriza a prescrição.

Aliás, no Estado de São Paulo, a Lei Com-plementar nº 61, de 21 de agosto de 1972,adotou esse entendimento, ao alterar o artigo261 e seu parágrafo único, da Lei nº 10.261,de 28 de outubro de 1968, ou seja, do Estatutodos Funcionários Públicos Civis do Estado deSão Paulo.

É Regis Fernandes de Oliveira que, em sua

obra Infrações e Sanções Administrativas18,sustenta, ainda no plano da jurisdicionalizaçãodo procedimento administrativo, que “AAdministração Pública perde o poder desancionar pela prescrição e pela decadência”.

Mas, como o adverte Edmir Netto deAraújo19 e vimos ocorrer,

“O problema mais relevante relativoà prescrição ‘interna’, na esfera admi-nistrativa, é o da fixação do dies a quo,ou seja, do prazo em que começa a fluiro lapso prescricional. Quando a falta étambém crime, prescreve juntamentecom este, mas quando se trata de ilícitoadministrativo, as leis administrativasestabelecem o início do prazo a contarda ciência do fato pela autoridadeadministrativa, com a abertura doprocesso administrativo ou mesmo doinquérito policial, interrompendo a pres-crição, ao contrário da esfera penal,quando o lapso prescricional se inicia nadata do fato, não se interrompendo como procedimento administrativo ou coma instauração do inquérito policial. Alémde injusto – conclui o ilustre adminis-trativista –, isto constitui aberração nonosso sistema jurídico, conduzindo, naprática, à imprescritibilidade de penasdisciplinares”.

3.6. Dos recursos inerentes à ampla defesa noprocedimento administrativo

Apenado, o servidor tem direito de pedirao órgão superior o reexame do ato punitivo,praticado pelo inferior, em tudo observado oestabelecido na lei disciplinar (artigo 5º, incisoLV, da Constituição da República).

3.6.1. RECURSO E RECONSIDERAÇÃO. DIFERENÇA

Note-se que a regra é não se confundiremrecurso e pedido de reconsideração. Aquele épedido de reexame dirigido ao órgão superiorao que praticou o ato punitivo; este é dirigidoao mesmo órgão que o praticou, com pretensãode reexame do ato. Pedido de reconsideraçãonão suspende nem interrompe o prazo para amanifestação de regular recurso, ao órgãosuperior competente.

18 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações esanções administrativas. São Paulo : Revista dosTribunais, 1985. p. 111.

19 ARAÚJO, op. cit., p. 290.

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3.6.2. EFEITOS DO RECURSO

E DA RECONSIDERAÇÃO

A regra é não terem os recursos e os pedidosde reconsideração efeito suspensivo. Vale dizer,o efeito será meramente devolutivo, não alte-rando, portanto, a plena eficácia, a plenaexecução do ato punitivo. Em outras palavras,o recurso ou o pedido de reconsideração nãosuspendem a execução do ato punitivo, salvose, ao contrário, dispuser a lei disciplinar.

Porém, providos que sejam, darão, então,lugar às retificações necessárias, retroagindoos seus efeitos à data do ato impugnado, desdeque outra providência não determine a autori-dade quanto aos efeitos relativos ao passado,tomadas à luz da legislação pertinente.

3.6.3. REFORMATIO IN PEJUS – IMPOSSIBILIDADE

Indagação que merece ser examinada é ada possibilidade da reformatio in pejus. Muitos,inclusive doutrinadores de renome, admitem-na.

Todavia, com a devida vênia, deve ser com-batida essa tendência, pois fere o senso dejustiça. Com efeito, se o apenado recorreu oupediu reconsideração de ato, na verdade, éporque, pelo menos, quer ver abrandado o atopunitivo, mitigada a sua situação disciplinar.Em absoluto, não mostra o seu inconformismopara ver agravada a sua pena disciplinar. Nãoé a agravação da penalidade disciplinar que olegislador, inclusive o constituinte, há de terquerido quando previu a existência de recursosinerentes à ampla defesa.

3.6.4. REVISÃO

Enquanto recurso e pedido de reconside-ração sejam modalidades de demonstrar incon-formismo contra ato punitivo não transitado emjulgado, ocorrendo este, isto é, o trânsito emjulgado administrativo, surge a revisão da penadisciplinar.

A revisão, em matéria disciplinar, é conhe-cida na doutrina e contemplada, como regra,na generalidade das leis disciplinares. O Esta-tuto dos Funcionários Públicos Civis do Estadode São Paulo a prevê nos artigos 312 eseguintes.

A revisão poderá verificar-se em qualquertempo e não autoriza a agravação da pena, istoé, a condenada reformatio in pejus.

Cabe revisão só dos processos findos, ouseja, com decisão administrativa transitada em

julgado. Mas, mesmo assim, deve ser eviden-ciado que tal decisão tenha sido contrária aotexto expresso em lei ou à evidência dos autos,quando ela se fundar em depoimento, exameou documento, comprovadamente falsos ouerrados e que, após a sua prolação, descobri-rem-se novas provas da inocência do punidoou de circunstâncias que autorizem pena maisbranda.

Pedido de revisão que não se enquadre emqualquer uma dessas hipóteses é incabível eautoriza o seu liminar indeferimento.

No âmbito do Regime Jurídico Único dosServidores Públicos Civis da União (Lei nº8.112, de 11 de dezembro de 1990), o pedidorevisional tem tratamento específico nos artigos174 a 182, prevendo-se que o processo disci-plinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, apedido ou de ofício, quando aduzirem fatosnovos ou circunstâncias suscetíveis de justificara inocência do punido ou a inadequação dapenalidade aplicada; certo que, em caso defalecimento, ausência ou desaparecimento doservidor, qualquer pessoa da família poderárequerer a revisão do processo e, no caso deincapacidade mental do servidor, a revisão serárequerida pelo respectivo curador (artigo 174).

Em qualquer das hipóteses, será do reque-rente o ônus da prova (artigo 175).

O pedido de revisão será, no âmbito federal,dirigido ao Ministro de Estado ou autoridadeequivalente, que, se autorizar a revisão, enca-minha-lo-á ao dirigente do órgão ou entidadeonde se organizou o processo disciplinar para,deferida a petição, providenciar a constituiçãode comissão, como prevista na mesma lei(artigos 177 e 149).

Ultimados os trabalhos da Comissão, ojulgamento caberá à autoridade que aplicou apenalidade (artigo 184) e, julgada procedentea revisão, será declarada sem efeito a penali-dade aplicada, restabelecendo-se todos osdireitos do servidor, exceto em relação à desti-tuição de cargo em comissão, que será conver-tida em exoneração, certo que, da revisão doprocesso, não poderá resultar agravamento depenalidade (artigo 182).

Enfim, como se verifica, embora a Consti-tuição da República, no artigo 5º, inciso LV,refira-se a recursos inerentes à ampla defesa,não podemos descartar, também, as hipótesesde reexame conhecidas por “pedido de recon-sideração” e “pedido de revisão” em matériadisciplinar.

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4. Conclusão

Podemos assim concluir este estudo, afir-mando que:

4.1. Não há possibilidade de aplicação desanção disciplinar sem o devido processo legaladministrativo.

4.2. Deve o acusado em geral ter oportuni-dade à “ampla defesa”, que como cerne de todoprocedimento administrativo, de naturezadisciplinar, encerra o inafastável “direito dedefesa” de o acusado ter vista, ter conhecimentoda acusação, para poder rebatê-la, produzindo

prova pertinente, no contraditório instaurado.4.3. Por “recurso inerente à ampla defesa”,

devemos entender não só o recurso propriamentedito, como pedido de reexame dirigido à auto-ridade superior à que praticou o ato punitivo,como também as figuras do “pedido de recon-sideração” e do “pedido de revisão”, aquelecomo pedido de reexame dirigido à própriaautoridade administrativa que apenou o acusa-do, e este só admissível após o trânsito emjulgado da decisão administrativa punitiva parao reexame, a qualquer tempo, do processodisciplinar nas hipóteses em lei previstas.