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CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violência Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrônica. Ciências Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174. 145 O Tabu da Violência Intrafamiliar: A escola na fronteira Sonia Isabel Fabris Campos 1 “A violência é um desafio para a sociedade, e não apenas um mal. Ela pode ser elemento de mudanças” (Roberto Da Matta, 1982) Resumo: Este artigo baseia-se em uma pesquisa sobre violência na família, realizada no contexto escolar, como projeto de pesquisa de doutorado. Nele abordo o tema da violência intrafamiliar a partir das histórias contadas por educadores da escola pública e particular da zona sul do Rio, durante entrevistas, das quais emergiram narrativas sobre as experiências de violência e sofrimento vividos por crianças e jovens nas suas famílias. Nas entrevistas os educadores contam as histórias as quais tiveram acesso, como tiveram acesso a elas e como essas histórias foram encaminhadas por eles ou pela instituição. Abordo, aqui, algumas tentativas de conceituar a violência, chamando a atenção para o fato de que os nossos sentidos de dignidade, ética e justiça são fundados nos ideais da modernidade, cujas pretensões universais são questionadas nesse momento sociocultural. Apresento alguns dados de pesquisas realizadas por profissionais de saúde publica sobre a violência intrafamilar no Brasil, a partir das quais articulo com dados do estudo realizado com os educadores na escola pública e privada do Rio de Janeiro, enfatizando aspectos convergentes em ambas as pesquisas. Chamo atenção para a importância da escola como um espaço onde os conflitos familiares adentram, cada vez mais, exigindo dos educadores habilidades especiais para lidarem com essas questões. Palavras-chave: Família; violência; escola. Introdução Este artigo foi inspirado em uma pesquisa 2 que focaliza as histórias de sofrimento e violência vividos por crianças e adolescentes nas suas famílias, contadas por educadores de escola pública e privada do Rio de Janeiro. As 1 Mestre em Lingüística Aplicada pela UFRJ e doutoranda em Estudos de Linguagem da PUC-RJ. 2 Pesquisa de doutorado em Estudos da Linguagem da PUC-Rio, realizada pela autora do artigo: Sonia Isabel Fabris Campos

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  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    O Tabu da Violncia Intrafamiliar: A escola na fronteira

    Sonia Isabel Fabris Campos1

    A violncia um desafio para a sociedade, e no apenas um mal. Ela pode ser elemento de mudanas (Roberto Da Matta, 1982)

    Resumo: Este artigo baseia-se em uma pesquisa sobre violncia na famlia, realizada no contexto escolar, como projeto de pesquisa de doutorado. Nele abordo o tema da violncia

    intrafamiliar a partir das histrias contadas por educadores da escola pblica e particular da

    zona sul do Rio, durante entrevistas, das quais emergiram narrativas sobre as experincias de

    violncia e sofrimento vividos por crianas e jovens nas suas famlias. Nas entrevistas os

    educadores contam as histrias as quais tiveram acesso, como tiveram acesso a elas e como

    essas histrias foram encaminhadas por eles ou pela instituio. Abordo, aqui, algumas

    tentativas de conceituar a violncia, chamando a ateno para o fato de que os nossos

    sentidos de dignidade, tica e justia so fundados nos ideais da modernidade, cujas

    pretenses universais so questionadas nesse momento sociocultural. Apresento alguns dados

    de pesquisas realizadas por profissionais de sade publica sobre a violncia intrafamilar no

    Brasil, a partir das quais articulo com dados do estudo realizado com os educadores na escola

    pblica e privada do Rio de Janeiro, enfatizando aspectos convergentes em ambas as

    pesquisas. Chamo ateno para a importncia da escola como um espao onde os conflitos

    familiares adentram, cada vez mais, exigindo dos educadores habilidades especiais para

    lidarem com essas questes.

    Palavras-chave: Famlia; violncia; escola.

    Introduo

    Este artigo foi inspirado em uma pesquisa2 que focaliza as histrias de

    sofrimento e violncia vividos por crianas e adolescentes nas suas famlias,

    contadas por educadores de escola pblica e privada do Rio de Janeiro. As

    1 Mestre em Lingstica Aplicada pela UFRJ e doutoranda em Estudos de Linguagem da PUC-RJ. 2 Pesquisa de doutorado em Estudos da Linguagem da PUC-Rio, realizada pela autora do artigo: Sonia Isabel Fabris Campos

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    narrativas emergem de uma entrevista realizada com esses profissionais: as

    orientadoras Ina3 e Lia4, o coordenador, Leo5, e a diretora, Bia6. A sua

    percepo sobre o que violncia ancorada nos princpios que fundamentam

    os direitos humanos e que orientam as nossas normas e leis e,

    consequentemente, os nossos valores ticos, que visam coibir atos violentos e

    privilegiar o direito vida digna. Assim, o modo como os educadores nomeiam

    a violncia no singular, individual. So crenas compartilhadas,

    consensuais, que so atualizadas nas suas falas. Os relatos construdos nas

    entrevistas no so apenas eventos de fala isolados: esto situados em um

    contexto social macro, onde foras polticas, ideolgicas e um conjunto de

    prticas influenciam a vida das pessoas. Desse modo, os significados que os

    falantes constroem discursivamente sobre o mundo social so tambm

    influenciados por esse conjunto de foras e prticas.

    O objetivo deste artigo chamar a ateno para a violncia intrafamiliar no

    Brasil vista na perspectiva de pesquisadores da sade pblica e oferecer a

    viso de educadores da escola publica e particular do Rio de Janeiro sobre

    esse problema, com base nas suas experincias nos contextos escolares onde

    atuaram e atuam, mostrando os pontos convergentes nos dois campos de

    investigao.

    Inicialmente, apresento algumas conceituaes da violncia. A primeira

    formulada pela filsofa Marilena Chau que argumenta sobre a dificuldade de

    conceituar a violncia, uma vez que diferentes culturas abordam essa questo

    de diferentes modos. Segundo Chau, na impossibilidade de se criar um

    conceito universal, cada sociedade cria o seu cdigo de tica que orienta as

    aes dos indivduos e da coletividade. A segunda baseada na reflexo do

    socilogo Michel Misse que afirma que a violncia o emprego da fora ou

    3 Nome fictcio do participante da entrevista realizada na pesquisa. Ina orientadora da escola pblica estadual e professora de uma escola municipal localizada na zona rural da cidade e de uma escola municipal de uma comunidade da zona sul. 4 Nome fictcio da orientadora da escola pblica estadual, participante da entrevista realizada na pesquisa. 5 Nome fictcio do participante da entrevista realizada na pesquisa. 6 Nome fictcio da diretora da escola pblica estadual, participante da entrevista realizada na pesquisa.

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    dominao sem legitimidade. Para Misse, a sociedade individualista de massa

    produz violncia, uma vez que no reconhece todos os indivduos como

    membros ratificados pela participao na vida social e nos meios de produo.

    A terceira a viso da pesquisadora Minayo que estuda o impacto da violncia

    intrafamiliar na sade pblica, e segundo a qual a violncia um problema cujo

    espao de criao a vida em sociedade, e ela atinge a todas as sociedades

    de diferentes modos.

    Utilizo as pesquisas de estudiosos da violncia intrafamiliar como uma

    problemtica da sade pblica. Segundo Minayo, as crianas so vtimas

    freqentes da violncia intrafamiliar. Seus estudos mostram que a violncia na

    famlia independe de classe social, embora a sociedade tenha mecanismos

    que tornam a violncia na classe de baixa renda mais visvel do que aquela

    praticada nas famlias de classe mdia e mdia alta.

    Finalmente, apresento, de maneira sucinta, a viso dos educadores sobre o

    problema da violncia que vivenciaram nas prticas nos contextos escolares

    onde atuaram, confrontando-a com aquelas apresentadas pelos profissionais

    de sade pblica, com base nas suas pesquisas, enfatizando os seus aspectos

    convergentes. Do ponto de vista da pesquisa realizada, isso significa que os

    educadores tm grandes contribuies a dar no s no sentido de detectar e

    denunciar os casos de violncia aos quais tm acesso, mas tambm no sentido

    de acolher e responsabilizar-se socialmente sobre esta questo.

    Trs conceituaes da violncia

    Segundo a filsofa Marilena Chau (1996, 1998), a violncia uma questo em

    debate desde a Antiguidade clssica (greco-romana) e est no centro das

    discusses da conduta tica. Essas discusses tm o objetivo no s de

    avali-la e denunci-lo, mas visam tambm buscar meios de control-la e at

    mesmo evit-la (CHAU, 1996). A dificuldade de lidar com essa questo

    consiste no fato de que embora a violncia no possa ser tratada como um

    conceito universal, uma vez que diferentes formaes sociais e culturais

    instituem conjuntos de valores ticos como padres de conduta, de relaes

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    intersubjetivas e interpessoais de comportamentos sociais, para que possam

    garantir segurana fsica e psquica de seus membros, certos aspectos da

    violncia so percebidos da mesma maneira nas vrias culturas e sociedades,

    formando o fundo comum contra o qual valores ticos so erguidos (CHAU,

    1996, p. 336).

    Na nossa sociedade, definimos a violncia como sendo o exerccio da fora

    fsica e do constrangimento psquico para obrigar algum a agir [...] contra a

    sua prpria vontade. O sujeito ou um mecanismo violento aquele que age

    por meio da fora e da coao psquica com a finalidade de obrigar algum a

    fazer algo contra si, contra os seus interesse e desejos, causando-lhes danos

    profundos e irreparveis (CHAU, 1996, p. 336). A violncia , portanto, uma

    prtica de violao da integridade fsica e psquica das pessoas, seja por meio

    de agresses fsicas, humilhao, da discriminao social e poltica em relao

    s condies tnicas, crenas religiosas, convices polticas e preferncias

    sexuais [...] (id. ibid.). Em outras palavras, ela tudo quanto reduza a pessoa

    condio de objeto. Assim sendo, faz-se necessria a prevalncia de valores

    ticos que norteiem as aes de pessoas e grupos na sociedade, para conter o

    uso da violncia e de tudo o que transforme as pessoas em coisa usada e

    manipulada por outros [...]. A tica normativa porque suas normas

    determinam permisses e proibies e visam impor limites e controles ao risco

    permanente da violncia (CHAU, 1996, 337). A tica orienta, pois, as nossas

    aes individuais e coletivas.

    Assim, conforme argumenta Chau, a violncia a realizao das relaes de

    fora, tanto em termos de classes sociais quanto em termos interpessoais. Ela

    diz,

    (...) em lugar de tomarmos a violncia como violao e transgresso de

    normas, regras e leis, podemos consider-la sob dois outros ngulos. Em

    primeiro lugar, como converso de uma diferena e de uma assimetria numa

    relao hierrquica de desigualdade com fins de dominao, de explorao e

    de opresso. Isto , a converso dos diferentes em desiguais e a desigualdade

    em relao entre superior e inferior. Em segundo lugar, como a ao que trata um ser humano no como sujeito, mas como coisa [grifos nossos]. Essa se

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    caracteriza pela inrcia, pela passividade e pelo silncio, de modo que, quando

    a atividade e a fala de outrem so impedidas ou anuladas, h violncia.

    (CHAU, 1984, p.35 apud CAMARNADO & VILLELA, 2004, p. 9)

    Para o socilogo Michel Misse (MISSE, 2002, p. 4), violncia (violentia)

    significa fora que se usa contra o direito e a lei, isto , a violncia o

    emprego da fora ou da dominao sem legitimidade, na impossibilidade do

    conflito e resistncia. Violento (violentus), por sua vez, quem agia com fora

    impetuosa, excessiva, exagerada (id. ibid). Misse lembra em seu texto os usos

    retricos da palavra, que lhe conferem significados mais largos, conforme suas

    palavras, mas que expressam o seu sentido original, como, por exemplo, as

    expresses: violncia dos ventos, violncia das paixes, violncia da

    expresso. Diz ainda que o emprego da palavra violncia ganhou, na poca

    moderna, muitos significados novos, porm, em seu emprego usual, duas

    caractersticas no se modificaram com o tempo. A primeira, diz respeito ao

    seu uso, pois, conforme salienta Misse (2002, p. 4), o emprego da palavra

    performativo, isto , ao empreg-la agimos socialmente sobre o outro, seja

    denunciando uma ao ou uma pessoa, seja acusando um evento ou um

    sujeito. A segunda refere-se a contra quem a expresso usada. A esse

    respeito, Misse (id. ibid.) chama a ateno para o fato de que violento

    sempre o outro. aquele a quem aplicamos essa designao, uma vez que

    nas raras situaes em que se ouve algum dizer de si mesmo que violento,

    ele normalmente o faz por expiao de sentimento de culpa (MISSE, 2002,

    p.4).

    Minayo e Souza (1999), pesquisadoras da rea de sade pblica, conceituam a

    violncia como sendo uma forma prpria de relao pessoal, poltica, social e

    cultural; por vezes uma resultante das interaes sociais; por vezes, ainda, um

    componente cultural naturalizado. Desse ponto de vista, a violncia pode ser

    concebida como o evento representado por aes realizadas por indivduos,

    grupos, classes, naes, que ocasionam danos fsicos, emocionais, morais, e

    ou espirituais a si prprio ou a outros. (MINAYO, 1989, p.514). Denisov (1986),

    por sua vez, afirma que a violncia

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    um conceito multifacetado em funo de suas caractersticas externas -

    quantitativas - e internas - qualitativas encontrando sua expresso concreta

    no fato de que indivduos, grupos, classes e instituies empregam diferentes

    formas, mtodos e meios de coero e aniquilamento direto ou indireto

    (econmico, poltico, jurdico, militar) contra os indivduos, grupos, classes e

    instituies, com finalidade de conquistar ou reter o poder, conquistar ou

    preservar independncia, obter direitos ou privilgios.

    Minayo chama a ateno para o fato de que a violncia um problema

    presente em todas as sociedades. Afirma que, embora controverso, h

    elementos consensuais sobre o tema (MINAYO, 1994, p. 7). Diz ainda que o

    seu espao de criao e desenvolvimento a vida em sociedade (id. ibid.) e

    que a violncia faz parte da prpria condio humana e se manifesta de

    diversas formas.

    De modo geral, podemos afirmar que no h um conceito sobre o que se

    nomeia como violncia, uma vez que cada cultura possui o seu cdigo de

    conduta e o seu conjunto de valores que regem as relaes pessoais e dos

    grupos sociais. Isso no significa dizer, entretanto, que haja alguma

    organizao social conhecida que seja isenta de qualquer tipo de prtica

    violenta.

    O conceito de violncia aplicado no Brasil

    Constitui violncia, para efeito deste estudo, aquilo que os nossos discursos

    nomeiam como tal. Esses discursos tanto so produzidos em um contexto

    socio-histrico como tambm contribuem para criar esse contexto,

    dialeticamente. Assim, a concepo de justia e violncia na qual nos

    baseamos, na nossa sociedade, apoiada pelo Cdigo Penal brasileiro,

    inspirado nos estatutos dos Direitos Humanos, que consistem no principal

    instrumento de defesa, garantia e promoo das liberdades pblicas e das

    condies materiais fundamentais para uma vida humana digna (CUNHA,

    2005, p.139). Esses conceitos constam tambm no Relatrio Mundial sobre

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    Violncia e Sade, divulgado pela Organizao Mundial de Sade (OMS) 7,

    segundo a qual a violncia

    o uso da fora fsica ou do poder real ou em ameaa contra si prprio, contra

    outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha

    qualquer possibilidade de resultar em leso, morte, dano psicolgico,

    deficincia ou privao (KRUG et al., 2002, p. 5).

    Vigora, portanto, entre ns, a idia de que atos que oprimem, coagem e

    restringem a liberdade das pessoas so considerados violentos, que so

    repudiados, e, por isso, devem ser enfrentados. O combate violncia

    ancorado nos princpios ticos que regem o nosso Direito Civil, que advoga a

    defesa do direito vida digna e o princpio da dignidade humana. Esse

    posicionamento um legado do projeto da modernidade, fundamentado no

    ideal iluminista, cuja ambio atingir o aperfeioamento da ordem social e

    das condies de vida de todas as pessoas, igualitariamente. Muito embora

    essa pretenso tenha um vis utpico, dificilmente ousaremos duvidar da sua

    legitimidade, mesmo nos dias de hoje quando muitos projetos da modernidade

    esto sendo questionados. Prevalece como ideal, na ordem jurdica, a nfase

    na instaurao de valores ticos essenciais vida em sociedade.

    Assim sendo, continuamos advogando o direito vida digna, aplicvel a todas

    as pessoas e grupos sociais, ao mesmo tempo em que chamamos a ateno

    para as mltiplas formas de vida e a impossibilidade de se criar conceitos

    universais para reger a sociedade multifacetada e plural. Ainda assim,

    persistimos no projeto de justia social que estendido a todas as pessoas,

    indiscriminadamente. Pautamo-nos em alguns princpios normativos do

    conceito de tica que so reiterados incessantemente nos discursos que

    produzimos. Em geral, elegemos os discursos que consideramos legtimos nas

    nossas prticas dirias, com base em normas e regras que compartilhamos.

    Agimos discursivamente, diariamente, no sentido de avaliar essas normas e

    regras, ampliando os seus sentidos, levando em considerao as condies

    scio-histricas e a natureza dinmica e cambiante da vida em sociedade.

    7 A Organizao Mundial de Sade ligada s Naes Unidas e tm como membros 193 pases. Qualquer pas interessado em tornar-se membro deve aceitar os termos da sua Constituio.

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    Desse modo, ao invs de meramente reproduzirmos conceitos herdados

    historicamente, atualizamos as discusses sobre a responsabilidade individual

    e coletiva na nossa relao com o outro e com o mundo, para que seja possvel

    almejar, conforme desafia Bauman (1999, 2000) uma sociedade melhor, capaz

    de se questionar incessantemente.

    A violncia e a no violncia

    A vida em sociedade tem se mostrado polmica e paradoxal. Muitas das

    tentativas de explicar a violncia tm sido simplificaes dessa questo social

    to complexa. Uma delas a associao da prtica violenta com a pobreza. A

    outra considerar que o impulso violento tem causas biolgicas, isto , admitir

    que algumas pessoas nascem violentas. Esses argumentos explicativos fazem

    parte de uma prtica ancorada na tendncia de se essencializar as pessoas e

    naturalizar prticas.

    Outro ponto que merece ser assinalado em relao violncia o fato de que

    a sua prtica se caracteriza por ser um exerccio de poder sobre um outro

    fragilizado. Ela impe a submisso do mais fraco pelo mais forte (SILVA,

    1998, p.795). Assume, muitas vezes, uma configurao autoritria,

    possibilitando situaes de exerccio de poder (MARMO et al., 1995, p.314),

    em nome da disciplina e da obedincia, por exemplo. Seja qual for a forma de

    violncia, ela uma prtica que viola as normas de convivncia, que tm como

    ferramenta fundamental para a vida em sociedade o exerccio do dilogo.

    Assim, o uso da violncia significa a alienao do agressor em relao ao

    outro, e essa posio alienada o priva de experincias humanizadoras e

    essenciais.

    importante tambm salientar que muito embora o sofrimento esteja

    comumente associado passividade e sujeio, ele pode tambm produzir

    reao, levando a pessoa a abandonar a posio de objeto do outro que a

    oprime. Nesse caso, a pessoa posicionada como vtima ascende a uma outra

    posio, liberta-se. Esse o processo que Mishler (2002) chama de

    rehistorizao do self, que quando a pessoa realiza o seu ponto de virada

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    (MISHLER, 2002). Assim, podemos afirmar que embora a violncia constitua

    um ato de poder destrutivo de uma pessoa sobre a outra, esse poder opressor

    pode, conforme afirma Foucault (1979), ser produtivo, isto , ele pode produzir

    uma ao que vise combat-lo e modific-lo.

    A violncia e as suas (possveis) causas Ao refletir sobre a violncia, Minayo afirma que ela um fato humano e social,

    uma vez que no se conhece uma sociedade totalmente isenta de violncia,

    embora algumas sejam mais violentas do que outras, o que evidencia o peso

    da cultura na forma de soluo de conflitos (MINAYO, 2007, p. 16). Afirma

    ainda que ela histrica, pois alm de cada sociedade apresentar formas

    particulares de violncia, a violncia social, poltica e econmica, por exemplo,

    adquirem caractersticas diferentes, conforme as transformaes por que passa

    o mundo. A pesquisadora chama a ateno para o fato de que h formas de

    violncia que persistem no tempo e se estendem por quase todas as

    sociedades (idem, p. 16), e que, muitas vezes, so naturalizadas, pois, ao

    comet-las, as pessoas julgam que esto fazendo algo normal. o caso, por

    exemplo, como cita Minayo (id. ibid) das diferentes formas de discriminao de

    raas, gnero, sobretudo do homem contra a mulher, alm da discriminao

    contra mulheres e homens homossexuais, manifestada pelo sentimento

    homofbico. Essa violncia, conforme argumenta Minayo (2007, p. 16),

    atravessa todas as classes e os segmentos sociais. Ela violncia

    socialmente produzida e est dentro de cada um. A no violncia uma

    construo social e pessoal. Assim, para que uma sociedade no seja

    violenta, preciso que ela se incumba de

    incluir, ampliar e universalizar os direitos e deveres de cidadania. No que tange

    ao mbito pessoal, a no-violncia pressupe o reconhecimento da

    humanidade e da cidadania do outro, o desenvolvimento dos valores de paz,

    de solidariedade, de convivncia, de tolerncia, de capacidade de negociao

    e de soluo de conflitos pela discusso e pelo dilogo (Minayo, 2007, p. 17).

    Entretanto, por mais que se pretenda encontrar uma relao de causa e efeito

    na questo da violncia ou desenvolver uma teoria explicativa sobre as suas

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    motivaes, esta uma tarefa mais complexa e menos determinista do que

    parece ser. Sobre isso, diz Minayo diz que,

    a violncia um dos eternos problemas da teoria social e da prtica poltica e

    relacional da humanidade. No se conhece nenhuma sociedade onde a

    violncia no tenha estado presente. Pelo contrrio, a dialtica do

    desenvolvimento social traz tona os problemas mais vitais e angustiantes do

    ser humano. (MINAYO, 1994, p. 7)

    Para a pesquisadora, a violncia, ao contrrio de fazer parte da natureza

    humana ou ter razes biolgicas, um complexo e dinmico fenmeno

    biopsicossocial, mas seu espao de criao e desenvolvimento a vida em

    sociedade (id. ibid.). Minayo chama a ateno para o fato de que a violncia e

    a no violncia coexistem, dialeticamente. Ela ento um caminho possvel

    em contraposio tolerncia, ao dilogo, ao reconhecimento e civilizao,

    como o mostram Hegel (l980), Freud (l974), Habermas (l980), Sartre (l980),

    entre outros (MINAYO, 1994, p. 7). E, segundo Domenach, ela est inscrita

    nas relaes sociais, no podendo ser considerada apenas como uma fora

    exterior se impondo aos indivduos e s coletividades, havendo, desta forma,

    uma dialtica entre vtimas e algozes (DOMENACH, 1981, p. 40). Alm disso,

    a violncia traz para o debate pblico questes fundamentais, em formas

    particulares, e questes sociais, vivenciadas individualmente, uma vez que

    somos, enquanto cidados, ao mesmo tempo sujeitos e objetos deste

    fenmeno (MINAYO, 1994, p. 7).

    Assim, a constatao de que a violncia um problema, uma distoro, faz

    com que se busque explicar as razes dos impulsos violentos nas pessoas. As

    pesquisas realizadas por Minayo (1994) e Deslandes (1994, 2001, 2002)

    indicam como uma das causas de atos de violncia na nossa sociedade, dentre

    outras, a opresso do sistema capitalista que impede, muitas vezes, o acesso

    aos bens materiais e simblicos. Segundo as pesquisadoras, a falta de

    emprego, a humilhao pessoal ou at mesmo a propagao de ideais de

    sucesso aos quais as pessoas no podem corresponder geram frustraes de

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    enorme proporo nas pessoas, que no conseguem por inmeras razes

    elaborar essas imposies ou privaes.

    O socilogo Michel Misse, nos seus estudos sobre violncia urbana, afirma que

    as grandes reas urbanas brasileiras sociedade so baseadas no

    individualismo de massa (MISSE, 2006, p. 6), caracterstica do tipo de

    capitalismo adotado no pas. Segundo ele, no Brasil,

    ns nem conclumos o processo de modernizao, nem completamos o

    processo de incorporao das massas ao capitalismo moderno,

    economicamente racional e orientado; nem conseguimos completar o

    assalariamento do trabalho; no conseguimos estender os direitos civis

    esmagadora maioria da populao trabalhadora e queremos e achamos

    surpreendente que estejamos vivendo nesse clima que, unificadamente,

    colocamos sob a designao de violncia (MISSE, 2006, p. 4).

    Para Misse, s faz sentido falar-se da necessidade de reconhecimento social

    para as parcelas socialmente excludas quando voc est se referindo a uma

    sociedade individualista de massa (MISSE, 2006, p. 7). Essa exigncia de

    reconhecimento social numa sociedade capitalista de massas como a nossa

    no leva em conta que parcela significativa de sua populao no encontra um

    lugar social de incluso [...] (id. ibid.). Misse prossegue dizendo que,

    Para que voc possa ser reconhecido como parte integrante da sociedade

    preciso que voc tenha acesso aos meios materiais bsicos de existncia;

    preciso que voc tenha acesso escola; preciso que voc tenha acesso

    sade; preciso que voc tenha acesso a um conjunto de direitos civis,

    sociais, econmicos, humanos... Por outro lado, como voc poder ter acesso

    a tudo isso se voc no reconhecido como cidado, no reconhecido como

    membro desta sociedade? Quando voc morto, quem se interessar em

    apurar o crime, em punir seus responsveis, se sou indiferente ao seu destino

    pessoal? (MISSE, 2006, p.7)

    A outra importante questo suscitada pelo socilogo diz respeito s teses

    equivocadas nas tentativas de se explicar as razes da violncia na nossa

    sociedade. Uma delas a idia de que a pobreza a causa violncia e do

    aumento da criminalidade. Para Misse, essa tese estabelece uma relao

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    causal direta entre indicadores de pobreza e criminalidade (MISSE, 1995, p.

    4). Porm, ele argumenta que se a pobreza causasse o crime, a maioria dos

    pobres seria criminosa, e no (id. ibid.). Diz tambm que essa associao da

    pobreza com a marginalidade provoca maior discriminao contra pobres e

    negros. A imensa maioria de presos no Brasil negra, pobre e desocupada, o

    que mostra que a polcia segue "um roteiro tpico que j associa de antemo a

    pobreza (ou a marginalidade e tambm os negros e os desocupados) com a

    marginalidade (MISSE, 1995, p. 4-5).

    Assim, embora as pesquisas indiquem a maior participao dos excludos do

    sistema financeiro capitalista na criminalidade urbana e, segundo Minayo

    (1994), na violncia na famlia, o crime no privilgio de uma classe

    (MISSE, 1995, p. 5). Como lembra ainda Misse, a ndia, por exemplo, uma

    sociedade cuja modernizao no rompeu com seus fundamentos sociais

    tradicionais; no uma sociedade baseada no individualismo de massa (idem,

    p. 6). Isso significa que o tipo de capitalismo praticado no Brasil e o que ele

    produz em termos simblicos e subjetivos afetam a noo de convivncia

    social, produzindo a desintegrao e deformao de valores norteadores para

    a vida em sociedade.

    Esse argumento contribui para refletir sobre a violncia urbana e tambm sobre

    a violncia intrafamiliar, que ocorre em todas as classes sociais. As suas

    motivaes no so facilmente identificadas. O debate promovido por Minayo,

    com base em suas pesquisas, e por Misse ilumina a discusso do problema da

    violncia no contexto familiar. possvel que a opresso do sistema capitalista

    ou a excluso promovida pela sociedade individualista de massa causem

    distores no modo como as pessoas lidam com o outro na sociedade. Ou

    melhor, essas montagens ideolgicas podem impelir o indivduo a agir segundo

    a sua prpria vontade ou impulsos, uma vez que no governado por

    nenhuma lei fora de si mesmo. preciso considerar na discusso sobre o tema

    que o modo como uma sociedade se organiza economicamente, os seus

    valores, as suas crenas so fundamentais para torn-la melhor ou pior. Uma

    sociedade centrada na performance individual, fundada coisificao das

    pessoas, excludente e preconceituosa tender a produzir sofrimento, violncia

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    e injustias em grandes propores. Entretanto, a questo da prtica da

    violncia parece ser mais complexa e paradoxal. Ainda no tivemos

    conhecimento de uma sociedade no violenta. H, todavia, alguns

    agrupamentos sociais mais e outros menos violentos. Ainda assim, essa

    classificao requer uma reflexo sobre o que violncia, em cada um desses

    contextos.

    A violncia intrafamiliar: dados das pesquisas realizadas por profissionais de sade pblica

    De acordo com os dados das pesquisas realizadas, por profissionais de sade

    pblica, a violncia praticada na famlia geralmente mantida entre as suas

    paredes. Seu alvo preferencial so crianas e jovens seguidos de mulheres e

    idosos, normalmente nessa ordem.

    H, muitas vezes, um acordo tcito entre os agressores e vtimas, no sentido

    de preservar aquela famlia. Muito embora a violncia intrafamiliar possa

    causar mortes, incapacitaes e ter graves conseqncias de ordem

    emocional, social e cultural, existem, segundo Minayo (1994, p. 12),

    negociaes e presses, por parte das vtimas e parentes e/ou interessados,

    no sentido de evitar notificaes que tragam possveis transtornos legais.

    Talvez isso se explique porque os traumas fsicos, psicolgicos, morais e

    relacionais so muito mais amplos e complexos do que as notificaes

    conseguem captar 8 (MINAYO, 1994, p. 12).

    8 Segundo Minayo (1994, p. 12), A Associao Brasileira de Crianas Abusadas e Negligenciadas informa que, em 1992, no Brasil, houve cerca de 4,5 milhes de crianas vtimas de violncia. Estudos de Assis (1991) e Deslandes (1993) mostram, em abordagens espacialmente localizadas, que 33% das crianas e adolescentes relatam padecimento de atos violentos nas suas elaes com os pais. Agudelo (1989) comenta um estudo realizado num hospital de Cali, na Colmbia, que aponta 41/1.000 dos pacientes peditricos atendidos com diagnstico de problemas de maus-tratos. O autor relata tambm uma pesquisa realizada em um hospital de Medelln, na Colmbia, para os anos de 1987 e 1988, onde foi constatado que 73,8% das crianas maltratadas que recorreram aos servios pertencem a famlias que vivem com menos de um salrio mnimo, juntando-se, assim, a violncia estrutural e a violncia domstica.

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    Em seu estudo sobre a Ateno a Crianas e Adolescentes Vtimas de

    Violncia Domstica, Deslandes (1994, p. 177) introduz o artigo dizendo:

    Estudiosos afirmam que, quando se tratam dos aspectos de morbidade por

    violncia contra crianas, o mbito familiar o lcus privilegiado destes atos

    sociais (Azevedo & Guerra, 1989; Guerra, 1985; Oliveira, 1989; Santos, 1987;

    Straus et al., 1980), infligidos quase sempre pelos prprios pais ou

    responsveis e exercidos de forma variadas, isto , atravs de violncia fsica,

    violncia sexual, violncia psicolgica, abandono intencional e negligncia, ou

    seja, por um conjunto de atos violentos denominados maus-tratos.

    A pesquisadora afirma que no Brasil h um grande desconhecimento sobre a

    freqncia da violncia praticada contra a criana e adolescente, pois o pas

    conta apenas com os registros nos poucos servios existentes (DESLANDES,

    1994, p. 178). Em sua pesquisa, Deslandes focaliza a atuao de organizaes

    consideradas pioneiras no atendimento a famlias que praticam a violncia

    domstica. Seus estudos concluram que as condies econmicas das

    famlias atendidas neste servio apontam que a maioria absoluta (sempre

    acima de 70,0%) percebe uma renda familiar variando entre menos de um

    salrio mnimo (SM) a trs salrios mnimos (id. ibid.). Porm, ela aponta que

    a literatura clssica sobre o tema afirma que todas as classes sociais

    vivenciam o problema da violncia domstica (DESLANDES, 1994, p. 179).

    Segundo Deslandes, a famlia maltratante compreendida como partcipe de

    um problema que envolve uma complexidade de determinantes culturais, scio-

    psicolgicos, econmicos, religiosos e psiquitricos, cujas diferenas regionais

    interferem na sua compreenso (SANTOS, 1991 apud DESLANDES, 1994, p.

    178). Sua pesquisa aponta tambm uma alta incidncia de violncia nas

    famlias numerosas de baixa renda. Ela atribui s presses, frustraes e

    estresse que as privaes produzem como sendo as causas de

    comportamento agressivo dos pais nas famlias. Porm, difcil concluir que a

    violncia est apenas relacionada com a questo da presso econmica, uma

    vez que o acesso a informaes sobre os conflitos intrafamiliares, nas famlias

    de rendas superiores, muito dificultado.

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    De acordo com Deslandes, o acesso aos assuntos privados das famlias de

    baixa renda mais facilitado, pois elas convivem com constantes e variadas

    intervenes nas suas vidas privadas (do poder pblico, dos poderes locais,

    dos poderes paralelos). J as famlias de maior poder aquisitivo geralmente

    esto muito menos merc de serem notificadas, pois, ao utilizarem servios

    privados de atendimento mdico, psicolgico e de educao, pagam tambm

    pela discrio (DESLANDES, 1994, p. 180). Ou seja, as famlias mais pobres

    tm a sua vida privada menos blindada, o que no significa que sejam mais

    violentas do que as famlias de classe mdia ou mdia alta. O acesso s

    experincias de violncia nessas famlias no o mesmo, porm a prtica

    violenta existe em ambas.

    Alm disso, Deslandes afirma tambm que quarenta ou cinqenta por cento

    das famlias investigadas no contam com a presena de ambos os pais. Em

    cerca de trinta a quarenta por cento das famlias a criana vive somente com a

    me (DESLANDES, 1994, p. 180). Algumas pesquisas indicam que a ausncia

    do pai verificada em cerca de 50% das famlias e que a separao conjugal e

    a ausncia do pai agravam a violncia domstica. De modo geral, de acordo

    com a pesquisa, as explicaes para a violncia tm por base a necessidade

    de educar as crianas e o seu comportamento rebelde. comum tambm o

    uso da agresso fsica como mtodo empregado na educao dos filhos. E

    ainda, pesquisas mostram que a drogadio vista como sendo tambm

    responsvel pela violncia.

    De acordo com Niskier e Minayo (2004, p.33), a violncia intrafamiliar uma

    forma de comunicao e de relao interpessoal. Os maus-tratos e abusos

    fazem das crianas as suas maiores vtimas, isso porque, segundo as

    pesquisadoras, a sua fragilidade fsica e de personalidade as tornam alvos

    fceis do poder dos adultos (idem ibidem). A gravidade das agresses chega a

    provocar invalidez temporria ou permanente, e, em alguns casos, a morte. A

    violncia sexual tem as meninas como sua vtima mais fcil. Os agressores so

    geralmente o pai, o padrasto ou ainda pessoas do relacionamento familiar ou

    pessoas conhecidas. Do ponto de vista emocional, as vtimas, em geral,

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    tm mais dificuldade de aprendizagem, distrbios de comportamento como

    disperso, fobias, terror noturno, comportamentos autodestrutivos, isolamento

    social, precoces atitudes erotizadas [...], baixa estima, dificuldades para fazer

    amizades, baixa auto-estima e depresso (NISKIER E MINAYO, 2004, p. 34).

    Alm da violncia fsica, as crianas so tambm alvo de abuso psicolgico,

    caracterizado por um ambiente de dominao e humilhante, que potencializa

    sintomas de agressividade, passividade, hiperatividade, depresso e baixa

    auto-estima. Essa forma de abuso pode aumentar nos jovens as dificuldades

    de lidar com a sexualidade (idem, p. 35).

    Niskier e Minayo chamam a ateno para o fato de que a negligncia, de modo

    geral, identificada pela falta de provimento material, desde alimentos, roupas

    a cuidados escolares, mdicos e afetivo. Reconhecem que para famlias que

    vivem em situao de pobreza, a carncia material a que so submetidas

    dificulta um julgamento mais preciso entre a prtica abusiva em relao aos

    filhos e essa impossibilidade de prover os requisitos para o seu crescimento e

    desenvolvimento. Por outro lado, enfatizam que na classe mdia e mdia alta o

    que ocorre que a ausncia real e moral dos pais em relao ao dilogo, ao

    afeto e ateno aos filhos muito freqente, tendo fortes repercusses no

    comportamento infantil e juvenil (NISKIER E MINAYO, 2004, p. 35).

    A violncia Intrafamiliar: vises convergentes de pesquisadores da sade pblica e de educadores

    De certo modo, sejam quais forem as formas de violncia impingidas ou

    praticadas, elas tm na famlia um campo frtil de manifestao. Porm, muitas

    vezes, nesse mbito, ela se mantm protegida do olhar externo. por essa

    razo que a escola desempenha um papel importante no sentido de se

    responsabilizar e zelar pelo segurana fsica e emocional dos alunos, conforme

    enfatizado nos Estatutos da Criana e do Adolescente (Art. 56. p. 49).

    Esta reflexo sobre a violncia na famlia ancorada nos estudos de

    pesquisadores da rea de sade pblica e tambm na pesquisa realizada com

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    educadores da escola pblica e da escola particular do Rio de Janeiro. Eles

    contam histrias sobre as experincias de violncia na famlia vividas por

    alunos. Interpretam e se posicionam em relao a elas.

    Os seus posicionamentos (Bamberg, 1999, 2002) contribuem para a

    construo de sentidos sobre o contexto social a que se referem e so

    moldados por suas crenas e valores. Nas suas falas eles fazem

    representaes de seus selves profissionais e pessoais (Goffman, 2002) e elas

    so influenciadas pelo contexto imediato da interao (Mishler, 1999, 2002). O

    aspecto central abordado aqui o modo como eles posicionam os seus

    personagens: os filhos, os pais e a escola. Os filhos so posicionados como

    vtimas de seus pais e dos valores da sociedade caudados em imposies de

    que precisam corresponder aos modelos socialmente reconhecidos. Os pais,

    negligentes, ausentes, permissivos ou, muitas vezes, pressionados pela

    sociedade, seja porque ela no lhes oferece condies de subsistncia

    melhores ou porque lhes impe valores fundados na crena em uma

    performance de sucesso e de ascenso social.

    Embora os educadores ofeream algumas explicaes, eles atribuem as

    causas da violncia a um conjunto de fatores. Todavia, na sua fala, est

    implcito que as aes que visam vigiar e punir as pessoas violentas podem, na

    viso dos educadores, contribuir para cont-las. Uma das participantes, a

    orientadora e professora Ina, afirma que o grande nmero de crianas com

    marcas no corpo na escola da zona rural onde trabalhou poderia ter relao

    com o fato de que os pais no tm conhecimento do Conselho Tutelar e das

    possveis penalizaes a que podem ser submetidos. J na escola da

    comunidade da zona sul a violncia no se expressa de forma to

    aparentemente brutal, pois, segundo ela, os pais sabem que podem ser

    denunciados no Conselho e, assim, terem que responder legalmente pelos

    seus atos.

    A entrevista realizada com os educadores lhes possibilitou descrever as suas

    experincias nas escolas onde atuaram e/ou atuam como professores,

    orientadores ou coordenadores. A orientadora da escola pblica, Ina, conta

  • CAMPOS, Sonia Isabel Fabris. O Tabu da Violncia Intrafamiliar: a escola na fronteira. SINAIS - Revista Eletrnica. Cincias Sociais. Vitria: CCHN, UFES, Edio n.07, v.1, Junho. 2010. pp. 145-174.

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    histrias de crianas de uma escola da zona rural do Rio de Janeiro que

    apresentavam marcas de agresses no corpo, provocadas por queimaduras de

    cigarro, isqueiro, ferro, espancamento.

    Segundo ela, esse o tipo de agresso muito comum naquela rea da cidade.

    J na comunidade da zona sul onde tambm trabalha como professora a forma

    de agresso mais comum o espancamento. Em sua opinio, essa diferena

    devido maior ou menor proximidade com o Conselho Tutelar. Na

    interpretao de Ina, os pais moradores daquela comunidade tm

    conhecimento das aes do Conselho Tutelar, por isso evitam marcas que

    possam tornar visveis a agresso. A orientadora conclui tambm que as

    crianas que sofrem marcas no corpo so mais oprimidas, enquanto as que

    apanham tendem a ser mais agressivas. Alm disso, ela confirma os dados de

    pesquisas sobre violncia intrafamiliar que mostram que as crianas so alvos

    mais fceis. A ao do Conselho colocada em questo, uma vez que as

    condies com as quais opera nos lhes permite, segundo as educadoras, dar o

    retorno ou encaminhar as denncias como deveria. Elas alegam que o

    Conselho precisa priorizar os casos. Muitas vezes os problemas de drogadio

    so considerados mais urgentes do que os casos de espancamentos e

    agresses fsicas ou psicolgicas.

    Leo, o coordenador da escola particular de classe mdia alta da zona sul do

    Rio de Janeiro conta que na sua experincia viu muitas histrias de sofrimento

    de adolescentes, faixa etria com a qual trabalhava. Segundo ele, a questo

    mais comum nessas escolas que atendem a alunos dessa classe social a

    negligncia dos pais. Ele diz tambm que muitas vezes o sofrimento dos jovens

    resultado da forte presso psicolgica sofrida no seu convvio familiar por

    uma demanda de sucesso. Os jovens sofrem presses nesse sentido e no

    tm o apoio psicolgico, afetivo e emocional dos pais. As relaes so, muitas

    vezes, baseadas em cobranas, sem que se estabelea uma relao afetiva,

    ou ento os pais esto envolvidos com as suas prprias vidas e anseios, que

    simplesmente abandonam os filhos. H casos em que os jovens so

    sistematicamente depreciados e tambm histrias de conivncia dos pais em

    relao aos erros dos filhos, agindo assim no extremo oposto. Os resultados

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    so igualmente desastrosos. O coordenador chama a ateno para o fato de

    que um grande nmero de jovens apresenta preocupao exacerbada com a

    aparncia fsica e que h muita frustrao quando no tm o fsico valorizado

    pela mdia ou pelo grupo a que pertencem. Isso resulta em uma srie de

    desordens alimentares ou baixa auto-estima.

    Para ambos os educadores, geralmente os alunos que vivem problemas graves

    na famlia apresentam dificuldade de aprendizagem ou comportamento social

    alterado: isolamento ou indisciplina. A escola, ao identificar o problema, inicia

    um processo de investigao para saber o que se passa com o aluno e em

    seguida encaminha a questo, que culmina com o convite para que os pais

    compaream escola.

    Na escola pblica, conforme apontam os dados, muitas vezes a famlia ignora

    o convite, e, dependendo da gravidade do caso, o Conselho Tutelar

    acionado, porm, ele nem sempre d retorno. A razo, segundo as

    orientadoras, o grande nmero de casos e falta de pessoal para atender a

    essa demanda. Na escola particular, por sua vez, depois de conversas com o

    aluno, a famlia chamada, e, conforme o relato do coordenador, quando ela

    chega o problema est de tal modo mapeado que no ela tem como negar. A

    escola tenta dialogar com os pais e orient-los sobre como agir. De modo

    geral, mesmo quando os problemas so mais graves a escola procura resolver

    internamente, evitando a sua exposio e a da famlia. Na maioria das vezes,

    encaminha os alunos para que tenham atendimento com profissionais

    especializados, porm, comum a famlia tirar o filho ou a filha da escola por

    no querer seguir as suas orientaes ou negarem o problema.

    Essas questes tornam evidente o fato de que hoje so exigidas novas

    habilidades do professor uma vez que a fronteira entre a escola e a famlia j

    no to ntida. A escola desempenha, cada vez mais, o papel adicional de

    cuidar dos alunos tanto acadmica e intelectualmente quanto emocional e

    psicologicamente.

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    Os dados de pesquisas realizadas em servios pblicos de atendimento a

    pessoas que sofreram maus tratos na famlia coincidem com as informaes

    dos educadores que participaram desta pesquisa e com falas de professores e

    profissionais que atuam no contexto escolar. Na rede pblica de ensino,

    comum ouvir dos professores que algumas mes alegam precisar bater nos

    filhos para educ-los e atribuem a sua intolerncia a dificuldades que

    atravessam. A ausncia da figura paterna tambm frequentemente

    mencionada. Na escola particular, os profissionais falam com freqncia sobre

    o abandono a que so submetidos os filhos nas famlias de classe mdia e

    mdia alta. Em ambos os casos, a ausncia dos pais em relao ao afeto e

    dilogo com os filhos est presente e cada vez mais freqente. Porm, se na

    fala das educadoras da escola pblica os filhos sofrem com a ausncia de um

    pai que est inclusive fisicamente distante, enquanto na classe mdia-alta,

    geralmente, h a negligncia do pai fisicamente presente. Os conflitos dos

    casais, as separaes difceis so considerados pelo coordenador da escola

    particular, Leo, como sendo um problema gerador de sofrimento nos jovens.

    Outro dado relevante que observado na anlise da fala de uma da orientadora

    e professora, Ina, e que coincide com os resultados das pesquisas

    desenvolvidas por profissionais da sade pblica o fato de que as crianas

    so alvos mais freqentes de agresso. Sobre isso, Deslandes (1994 p. 180)

    oferece um quadro com a distribuio das faixas etrias mais suscetveis

    violncia domstica e mostra que crianas pequenas de 0-6 anos e de 6-9

    anos so vtimas freqentes. Dados dos Centros Regionais de Ateno aos

    Maus Tratos na Infncia (CRAMI9), entretanto, sugerem que crianas de 10-14

    anos so mais frequentemente agredidas. Em alguns estudos, o alvo

    preferencial de prticas abusivas so os meninos e primognitos

    9 O CRAMI - Centro Regional de Ateno aos Maus Tratos na Infncia do ABCD uma Organizao No Governamental, sem qualquer vnculo poltico ou religioso, fundada em 1988 e declarada de Utilidade Pblica Municipal, Estadual e Federal. Segundo o seu estatuto, sua MISSO propiciar atendimento psicossocial a crianas e adolescentes vtimas de violncia domstica e desenvolver aes preventivas que lhes possibilitem defesa e proteo incondicional. Essa misso fundamentada no Artigo 5 do Estatuto da Criana e do Adolescente, segundo o qual "nenhuma criana ou adolescente ser objeto de qualquer forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso, punido na forma da lei qualquer atentado, por ao ou omisso, aos seus direitos fundamentais."

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    Em relao ao agressor, Deslandes (1994) aponta que, em grande parte, as

    agresses so praticadas pela me. A esse respeito, os educadores da escola

    pblica entrevistados nesta pesquisa fazem freqentes aluses a pais ausentes

    e agressivos, enquanto as mes so apontadas como responsveis pelas

    agresses com menor freqncia. Na opinio de Ina, o pai e a me agridem

    igualmente, embora, de acordo com as histrias que conta, na zona rural o pai

    foi apontado como o agressor na grande maioria dos casos. A me, por sua

    vez, foi posicionada como passiva e submissa. O argumento de que a me

    quem passa a maior parte do tempo com os filhos e por isso se v autorizada a

    puni-los para educ-los foi usado pela diretora da escola pblica, Bia. Nesse

    caso, havia um tom de compreenso e solidariedade a essas mes.

    Segundo os dados das pesquisas realizadas por Deslandes (1994), quando o

    agressor a me, observa-se que a maioria do lar ou est desempregada.

    Alm disso, ela afirma que grande parte dos estudos sobre a causalidade dos

    maus-tratos indica, entre muitos outros fatores, o desemprego e a baixa renda

    como responsveis pela frustrao e pelo estresse (DESLANDES, 1994, p.

    182). Porm, embora esse seja um argumento comum, tal associao

    indiscriminada pode gerar uma criminalizao da pobreza, colocando

    segmentos sociais inteiros como suspeitos ou na mira de permanentes

    julgamentos prvios (GOMES, DESLANDES, VEIGA, BHERING & SANTOS,

    2002, p. 712).

    Outro aspecto importante observado na pesquisa citada o fato de que

    frequentemente os profissionais explicam a violncia do agressor como sendo

    causada pelas condies de vida precria, o que se traduz em: pais que

    apanham da vida e acabam batendo nos filhos (GOMES, JUNQUEIRA, SILVA

    & JUNGER, 2002, p.280). Esse pensamento muito difundido pode estar

    associado ao fato de que os casos de agresso nas famlias de baixa renda

    so normalmente notificados, enquanto as famlias de classe mdia e alta

    contam com mecanismos que lhes garantem o sigilo (id. ibid.). Alm disso,

    Deslandes (1993) chama a ateno para o fato de que as famlias mais pobres

    so tambm mais numerosas e mais sujeitas notificao. Essa constatao

    ratificada na entrevista com as educadoras que citam com maior freqncia o

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    Conselho Tutelar como instrumento de notificao e denncias, enquanto na

    escola particular esse dispositivo legal no mencionado. Geralmente, a

    escola busca entendimento com as famlias, sem envolver os mecanismos

    legais, oficiais, para evitar exposio pblica sua e dos envolvidos.

    Conforme apontam os resultados da pesquisa sobre maus-tratos contra

    crianas e adolescentes realizada em uma unidade pblica de sade por

    Gomes, Junqueira, Silva e Junger (2002, p. 277), h o aspecto visvel e

    invisvel da violncia e a descrena na resolubilidade dos casos de maus-

    tratos. Alguns estudos (GOMES, JUNQUEIRA, SILVA & JUNGER, 2002)

    apontam para o fato de que profissionais responsveis pelas crianas e

    adolescentes so negligentes em relao aos casos nos quais a violncia

    menos visvel. Assim, outras formas de violncia praticadas, tais como, o

    abandono, a indiferena, a presso psicolgica, por no serem facilmente

    detectadas, no so, muitas vezes, motivo de ateno desses profissionais. De

    modo geral, como se pode observar a escola particular acaba exercendo maior

    controle, uma vez que dispe de colaboradores que ajudam a acompanhar o

    desempenho e atitude dos alunos, o que no assegura, entretanto, que eles

    sejam devidamente assistidos.

    Os dados apresentados nas pesquisas citadas enriquecem a anlise deste

    estudo sobre violncia na famlia sob a tica dos educadores na escola, pois,

    embora tenham sido desenvolvidos em contextos de sade, os resultados, as

    avaliaes e/ou respostas dos participantes aos problemas apresentados no

    diferem muito daqueles observados nas entrevistas realizadas com professores

    das escolas.

    Vale ressaltar que as interpretaes e dados apresentados na pesquisa

    realizada com os educadores no so concluses ou generalizaes aplicveis

    a todos os contextos escolares e contextos sociais mencionados. Devem,

    outrossim, contribuir para estudos posteriores e/ou aes que visem acolher os

    alunos no seu sofrimento e conscientizar as famlias, os profissionais de

    educao e sade, i.e., a sociedade, de modo geral, sobre a sua

    responsabilidade em relao s crianas e tambm aos jovens, no importando

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    quais sejam as suas raas, etnias, classes sociais, sexos, preferncias sexuais,

    crenas religiosas.

    Concluso

    Este artigo foi inspirado em uma pesquisa sobre histrias de violncia

    intrafamiliar vividas por alunos, crianas e adolescentes, narradas por

    profissionais de uma escola pblica e uma escola particular do Rio de Janeiro.

    Inicio com uma breve tentativa de conceituar a violncia do ponto de vista da

    filsofa Marilena Chau, do socilogo Michel Misse e da pesquisadora da rea

    de sade pblica, Ceclia Minayo. Em seguida, apresento uma reviso

    bibliogrfica de pesquisas realizadas por profissionais da sade pblica que se

    dedicam ao problema da violncia intrafamiliar e que apontam, nos dados das

    suas investigaes, quem so os alvos mais freqentes de agresso na famlia,

    a incidncia em que ela ocorre e de que modo ela se manifesta nos diferentes

    grupos sociais. Essas pesquisas no oferecem respostas em relao s

    causas da violncia, mas sugerem que ela seja um problema da vida em

    sociedade, que atinge todas as classes sociais.

    Embora, de acordo com as pesquisas e os estudiosos citados, no seja

    possvel identificar as causas da violncia, acredita-se que a marginalizao de

    alguns grupos sociais, privados de condies mais dignas de vida - trabalho

    qualificado, assistncia mdica e educao formal de qualidade seja

    geradora de grande estresse pessoal, o que poderia levar algumas pessoas a

    prticas violentas. Entretanto, ainda assim, julgar que essa seja a causa

    fundamental da violncia seria admitir que as famlias que vivem em tais

    condies sejam violentas ou propensas a isso, e que aquelas que tm acesso

    a esses bens estejam livres desse tipo de experincia, o que no ocorre. As

    pesquisas contempladas neste artigo mostram que agresso, negligncia,

    abandono so comuns tambm s famlias de classe mdia alta, que tm pleno

    acesso aos bens subjetivos e materiais necessrios para uma vida digna.

    possvel que, nesses casos, o medo da perda do poder conquistado pela

    condio econmica e a obsesso por um desempenho individual baseado no

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    sucesso, isto , pela garantia da conquista de uma posio social cada vez

    mais valorizada, tornem as pessoas mais distantes de uma experincia

    coletiva, levando-as a sobrepor suas prprias demandas, mesmo que em

    detrimento de outros. Porm, ainda assim, essas so apenas especulaes.

    Finalmente, o artigo aborda alguns pontos centrais das falas dos educadores

    que participaram da pesquisa sobre violncia intrafamilar: duas orientadoras e

    uma diretora de uma escola pblica da zona sul do Rio de Janeiro e um

    coordenador de uma escola particular, da mesma regio da cidade. Essas falas

    foram extradas de entrevistas nas quais esses profissionais relataram as suas

    experincias nas escolas onde trabalham ou trabalharam. Os relatos

    construdos nas entrevistas no so apenas eventos de fala isolados; esto

    situados em um contexto social macro, onde foras polticas e ideolgicas

    influenciam as prticas e, consequentemente, a vida das pessoas.

    O artigo chama a ateno para o fato de que h pontos comuns na fala dos

    educadores e nos resultados das pesquisas dos profissionais de sade, tais

    como os tipos de agresso, as faixas etrias atingidas e o fato de que a

    violncia no se restringe a uma determinada classe social. Ambos os

    contextos de pesquisa indicam que h maior conhecimento sobre as agresses

    vividas nas famlias de classe pobre porque elas so normalmente mais

    notificadas. As famlias de classe mdia alta protegem-se mais, uma vez que

    tm ao seu dispor atendimento de profissionais particulares: psiclogos,

    psiquiatras, advogados etc.

    Os educadores alegam que tanto na escola pblica quanto na particular

    crescente a indisciplina escolar e as desordens emocionais das crianas e

    jovens, muitas vezes levado medicalizao precocemente. Os educadores,

    de modo geral, associam o sofrimento dos jovens ausncia dos pais,

    principalmente, o pai, um problema cada vez maior em todas as classes

    sociais.

    A percepo dos educadores e dos pesquisadores de sade pblica sobre o

    que violncia, agresso, humilhao, sofrimento ancorada em uma

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    concepo que vigora na sociedade, baseada no princpio de que violncia

    todo o ato que fere os princpios do direito a uma vida humana digna. Assim, o

    modo como os educadores e os pesquisadores nomeiam a violncia no

    singular, individual. influenciado por crenas compartilhadas, consensuais,

    atualizadas nas suas falas ou nos seus textos.

    bem possvel que, dada a complexidade da questo da violncia, no

    possamos conhecer uma sociedade privada desse tipo experincia. Todavia,

    novas formas de organizao social podem contribuir para uma vida mais

    humana. Elas so marcadas por aes coletivas, com forte mobilizao da

    sociedade com o intuito de demandar da sociedade e do Estado o

    compromisso com a formao e educao das crianas e jovens, nas suas

    casas, na escola e no mundo, oferecendo-lhes a possibilidade de participao

    no mundo do trabalho, de acesso ao conhecimento e do exerccio da

    convivncia social, diminuindo, assim, as distncias que separam os grupos

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