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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por ser Promotor de Justiça, no uso de suas atribuições institucionais, com base no artigo 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal, no artigo 25, inciso IV, letra “a” da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), no artigo 82, inciso I, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e artigo 5º, da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e Procedimento Preparatório nº 107/2008, propõe a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido de liminar), contra a empresa FUJI YAMA DO BRASIL INDÚSTRIA DE APARELHOS FISIOTERÁPICOS LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 80.217.532/0001-14, Rua Antônio Capello, nº 937, Jardim Maria Lúcia, Londrina, Paraná; MAGNETIC DO BRASIL COLCHÕES LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 06.085.144/0001- 1

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Ação civil pública movida contra empresas fornecedoras de almofadas vibratórias.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE SEARA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA

CATARINA, por ser Promotor de Justiça, no uso de suas atribuições

institucionais, com base no artigo 127 e 129, inciso III, da Constituição

Federal, no artigo 25, inciso IV, letra “a” da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público), no artigo 82, inciso I, da Lei 8.078/90

(Código de Defesa do Consumidor) e artigo 5º, da Lei 7.347/85 (Lei da

Ação Civil Pública) e Procedimento Preparatório nº 107/2008, propõe a

presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido de liminar), contra a

empresa

FUJI YAMA DO BRASIL INDÚSTRIA DE APARELHOS

FISIOTERÁPICOS LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no

CNPJ sob o nº 80.217.532/0001-14, Rua Antônio Capello, nº 937, Jardim

Maria Lúcia, Londrina, Paraná;

MAGNETIC DO BRASIL COLCHÕES LTDA., pessoa jurídica

de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 06.085.144/0001-74, com

endereço na Rua Manoel Miguel Bittencourt, 877, Sala A, Bairro São João,

Tubarão, Santa Catarina;

JEFERSON E ROGÉRIO COMÉRCIO DE ALMOFADAS E

COLCHÕES LTDA. ME (Kayoama Jr), pessoa jurídica de direito privado,

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

inscrita no CNPJ sob o nº 08.388.391/0001-75, com endereço na Rua São

Vicente, 726, Sala 1, Bairro Boa Vista, Joinville, Santa Catarina;

BANCO BMG S.A, pessoa jurídica de direito privado,

inscrita no CNPJ sob nº 61.186.680/0001-74, na pessoa de seu presidente

Márcio Alaor de Araújo, situado na Avenida Álvares Cabral, 1707, Bairro

Santo Agostinho, Belo Horizonte, Minas Gerais.

1. Objetivo da ação

Esta ação civil pública tem por objetivo anular contratos de

financiamento e de venda de colchões e almofadas pretensamente

fisioterápicos celebrados mediante induzimento de idosos a erro nos

municípios componentes da Comarca de Seara.

Tem também por objetivo obter, inclusive em provimento

liminar, ordem para que o INSS suspenda todos os descontos consignados

em proventos previdenciários das consignações referentes a esta espécie

de contrato, diante de sua nulidade, mediante simples requerimento do

Procon de Seara.

2. Legitimidade passiva das demandadas

A primeira demanda, Fuji Yama do Brasil Ltda. é fabricante

de produtos denominados “fisioterápicos”, considerados “correlatos aos

produtos de proteção à saúde”, conforme a legislação sanitária vigente.

O Banco BMG S.A. figura como financiador dos empréstimos

consignados firmados para pagamento dos produtos vendidos pelas

empresas e seus representantes a consumidores desta Comarca,

contratos estes que deverão ser anulados ante a irregularidade da venda

e do produto oferecido ao mercado.

Das provas coletadas e acostadas ao Procedimento

Preparatório infere-se que a empresa fabricante fornecia aos vendedores

todo o equipamento necessário para a comercialização de seus produtos.

Fácil concluir, portanto, que também é considerada fornecedora para a

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caracterização da relação de consumo respondendo pelos atos praticados

por seus representantes comerciais.

Do Código de Defesa do Consumidor extrai-se o seguinte:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Dos documentos que instruem a presente ação tem-se que a

comercialização dos produtos, de maneira lesiva aos consumidores da

região de Blumenau, na sua grande maioria pessoas de poucos recursos

financeiros e idosos, era realizada por representação comercial de

empresas sediadas nesta cidade. Tal situação não exime a fornecedora da

sua responsabilidade na cadeia de consumo a teor do art. 34 do Código de

Defesa do Consumidor:

Art. 34 O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.

Igual conclusão chega-se em relação aos contratos de

financiamento firmados com as instituições financeiras, porquanto o

representante comercial que viabiliza a realização de contratos nos

termos que se narrará a seguir nada mais é do que um representante do

banco demandado, já que colhia as assinaturas dos aposentados nos

contratos bancários, providenciava as cópias dos documentos exigidos

pelo banco e encaminhava ao mesmo para análise, preenchimento e

aprovação.

A partir do momento em que a instituição financeira abre

mão de suas agências e de pessoal regularmente contratado para o

atendimento de consumidores, colhendo frutos da atividade altamente

lesiva e lucrativa da venda das “almofadas” e “colchões” em domicílio,

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deve arcar, também, com as conseqüências jurídicas advindas de ilícitos

perpetrados pelos “vendedores”.

A teor do Código de Defesa do Consumidor caberia às

empresas e instituições financeiras a escolha correta e idônea de seus

representantes devendo sofrer as conseqüências legais dos seus atos

lesivos e não, apenas, o bônus decorrente das vendas.

3. Fatos

3.1. Ardil na contratação – negativa de direito de arrependimento

O Procon de Seara remeteu à Promotoria de Justiça e à

Delegacia de Polícia dois expedientes dando conta de práticas abusivas no

oferecimento e venda de colchões e almofadas com características

supostamente fisioterápicas.

O expediente fraudulento já é conhecido do Ministério

Público catarinense, o que inclusive ensejou a propositura de ações

judiciais em Criciúma, São Miguel do Oeste, Blumenau e no Rio Grande do

Sul, cujas liminares, todas deferidas, constam anexas.

Segundo os relatos das vítimas destas diversas cidades, os

vendedores das empresas requeridas dirigem-se às casas de idosos,

normalmente na zona rural dos municípios, vestidos de branco,

“parecendo médico” ou fingindo ser funcionários do INSS, e passam a

convencê-lo dos benefícios à saúde gerados pelos produtos.

No caso desta Comarca, as duas vítimas identificadas até o

momento declinaram idêntico modus operandi. Santo Ernesto Lecardelli,

conforme se observa do termo de declarações que conta no

procedimento, foi vítima do mesmo golpe, conforme narrou à Delegada de

Polícia:

[...] tinha a filha com problemas de coluna e após umas duas horas de conversa, os três ‘milharam no papo’ (convenceram) o declarante, pois eles diziam que não precisava mais de médico, já que o aparelho tirava todas as dores; que

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gastava bastante dinheiro com o problema da filha, então achou que poderia compensar o preço do produto, economizando nos remédios; que eles deram garantia que se o aparelho não funcionasse era para telefonar para eles que viriam resolver o problema [...] tentou devolver o produto mas não conseguiu mais contato com os vendedores [...]

Ângelo Lampugnani, outro dos consumidores lesados,

informou que “recebeu a visita de um vendedor de colchões, o qual após

umas três horas de conversa, acabou por convencê-lo, fazendo com

que o reclamante o acompanhasse até o município de Xaxim, assinando

os documentos referentes a um financiamento via INSS”.

Para finalizar a venda, o modus operandi consistia em o

vendedor apresentar diversos documentos, dentre eles um contrato de

empréstimo bancário. O comprador não tinha conhecimento prévio de que

estava assinando um contrato de empréstimo com instituição bancária,

tendo como certo que somente estava autorizando o INSS a descontar de

seus proventos os valores das parcelas constantes do pedido.

Após a compra, realizada fora de estabelecimento

comercial, os vendedores simplesmente desapareciam. Os idosos

vitimados, mesmo quando auxiliados pelo Procon de Seara, não

conseguiam contato com os vendedores ou representantes legais das

empresas e acabavam experimentando prejuízo bastante considerável.

Enfim, não puderam os idosos, diante do procedimento das requeridas,

exercer o direito de desistência do art. 49 do Código de Defesa do

Consumidor.

Não há dúvida de que a manobra artificiosa dos

demandados e seus representantes expôs a risco a gama de

consumidores desta comarca, atingindo diretamente idosos e pessoas de

origem humilde, que foram simplesmente logrados no interior de seus

domicílios (constitucionalmente protegidos) por abordagens

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absolutamente contrárias à moral e às diretrizes firmadas pelo Código de

Defesa do Consumidor.

A situação das vendas noticiadas mostrou-se tão

preocupante que, o INSS editou a Instrução Normativa INSS/Pres nº 28 que

“Estabelece critérios e procedimentos operacionais relativos à

consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de

crédito, contraídos nos benefícios da Previdência Social”1.

Referida Instrução Normativa não permite mais que os

contratos sejam firmados fora das agências bancárias e que as contas

favorecidas não sejam aquelas de titularidade do contratante, o que

diminuirá, com certeza, o número de “golpes” até então facilitados.

O que se observa, portanto, é que até mesmo o INSS

reconheceu a fragilidade dos contratos celebrados fora do

estabelecimento comercial, na residência dos idosos, o que demonstra

que de fato são inúmeros e incontáveis os casos de idosos submetidos à

prática comercial desleal e abusiva.

4. Da irregularidade do produto comercializado

Somando-se às práticas abusivas levadas a efeito para

venda dos “produtos fisioterápicos”, que por si só já indica a fraude, resta

ainda apontar que os produtos vendidos, conforme declaração da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária, não estão registrados nem têm

autorização para fabricação, exposição à venda ou venda.

Em outras palavras, os produtos colocados no mercado,

oferecidos e vendidos aos consumidores da Comarca não foram avaliados

pelos órgãos competentes, tornando-se completamente impróprios ao

consumo, conforme legislação vigente. Conseqüentemente, não

poderiam, em hipótese alguma, ser comercializados, muito menos ter a si

1 De 16 de maio de 2008 – Publicado no DOU em 19 de maio de 2008.6

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atribuídos benefícios que nem mesmo foram comprovados pelos órgãos

sanitários competentes.

O Decreto nº 79.094/1977 submete a sistema de vigilância

sanitária os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas e correlatos2.

O próprio Decreto informa (art. 3º, IV) que são considerados “correlatos”

quaisquer produtos “cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e

proteção da saúde individual ou coletiva”.

Para estes produtos, “as empresas dependerão de

autorização específica do Ministério da Saúde e de licenciamento dos

estabelecimentos pelo órgão competente da Secretária da Saúde dos

Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” (art. 2º).

No entanto, conforme notícia veiculada em seu site

(www.anvisa.gov.br/divulga/noticias/2008/180308_2.htm) a Agência

Nacional de Vigilância Sanitária suspendeu em 17 de março de 2008 a

fabricação, distribuição, comércio e uso de produtos fabricados por oito

empresas de todo o país, por não possuírem registro.

Dentre estas empresas, conforme documento que está

acostado aos autos, não possuem registro os produtos fabricados pela

empresa Fuji Yama do Brasil Indústria de Aparelhos Fisioterápicos Ltda.,

justamente a do caso dos autos.

4. Do direito

O Código de Defesa do Consumidor reconhece a

vulnerabilidade do consumidor nas relações de “massas” prevendo o

seguinte:

Art. 4º - A Política Nacional das relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

2 Íntegra do Decreto consta em http://www.anvisa.gov.br/legis/decretos/79094_77.htm.7

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I – O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores;

O mesmo código prevê, em seu art. 6º que:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos [...]III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que se apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;(grifo nosso) VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos de difusos;(grifo nosso) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Ao fornecedor é determinado que cumpra as normas

vigentes para a colocação de seu produto no mercado. No caso de

produtos fisioterápicos, estes deverão, para produção, distribuição e

comercialização, passar pos análises e aprovação prévia dos órgãos

competentes, já que são correlatos a produtos para a saúde e com

tamanha responsabilidade devem ser tratados.

O art. 39 dispõe que “é vedado ao fornecedor de produtos

ou de serviços, dentre outras práticas abusivas: IV – Prevalecer-se da

fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde,

conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou

serviços”;

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Da mesma forma, é vedado ao fornecedor colocar, no

mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as

normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas

específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas

ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO (art. 39, VIII, do CDC).

Sobre o inciso IV do art. 39 do CDC,, disserta Antonio

Herman de Vasconsellos e Benjamin:

“O consumidor é, reconhecidamente, um ser vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, I). Só que, entre todos os que são vulneráveis, há outros cuja vulnerabilidade é superior à média. São os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto ou serviço que estão adquirindo. Em resumo: são os consumidores hipossuficientes. Protege-se, com este dispositivo, por meio de tratamento mais rígido que o padrão, o consentimento pleno e adequado do consumidor hipossuficiente”.3

Quanto à obrigação do fabricante – fornecedor, de colocar

no mercado produto de acordo com as normas vigentes, comenta Jorge

Alberto Quadros de Carvalho Silva que “a colocação de produtos ou

serviços, no mercado de consumo, desatendendo às normas técnicas

expedidas pelas autoridades competentes, pode sujeitar o infrator às

sanções administrativas estabelecidas no art. 56 do CDC”4.

Finalmente, o art. 18, §6º do CDC, determina que são

impróprios ao uso e consumo: “II – os produtos determinados, alterados,

adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à

vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as

normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação”.

3 GRINOVER, Ada Pellegrini [et all]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 370. grifo nosso.4 CARVALHO SILVA, Jorge Alberto Quadros de . Código de Defesa do Consumidor Anotado. 6ª ed. Editora Saraiva, 2008, p.183.

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Quanto à validade dos contratos, socorremo-nos,

novamente, do CDC que, em seu art. 46, prevê: “Os contratos que

regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não

lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu

conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a

dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”;

5. Conseqüências – nulidade do negócio jurídico e danos morais coletivos

Percebe-se, pelos relatos colhidos no Procedimento

Preparatório instaurado, que os consumidores foram levados a erro pelos

requeridos, tanto por ocasião das vendas dos produtos quanto por ocasião

das assinaturas dos contratos de empréstimos bancários. Não foram

adequadamente informados sobre as características dos produtos e sobre

as conseqüências da contratação.

Vem da doutrina:

Os vícios de consentimento constituem as causas que podem perturbar a vontade, ou irregularidades no processo de formação do consentimento, que viciam o negócio jurídico unilateral ou bilateral, tornando-o suscetível de anulação. Para a validade do ato jurídico, a vontade há de funcionar normalmente, sem qualquer constrangimento ou cominação de objetivos sub-reptícios, pois, do contrário, pode tornar inválida a sua manifestação. Os fatores que desvirtuam o propósito íntimo do agente, ou que lhe dão uma expressão diversa da pretendida, formam os defeitos dos atos jurídicos, acarretando-lhes a ineficácia, desde que argüida pelo lesado. As manifestações defeituosas da vontade vêm previstas nos arts. 138 a 165 do Código Civil (arts. 86 a 113 do Código revogado). São anuláveis, na previsão do art. 171, inc. II (art. 147, inc. II, do diploma civil revogado), e apresentam-se na seguinte ordem: erro (ou ignorância), dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores5.

No caso dos autos, é evidente que houve lesão contratual na

medida em que os contratos foram impostos aos consumidores após

induzidos a erro pela ardilosa trama narrada pelos vendedores, que

5 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3ª ed. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 234.

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chegavam ao cúmulo de afirmar que os produtos dispensavam a

continuidade do acompanhamento médico.

Neste caso, incide o art. 182 do Código Civil, que tem a

seguinte redação: “Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao

estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las,

serão indenizadas com o equivalente”.

À vista dos elementos coligidos, não há dúvidas de que os

consumidores foram absolutamente lesados pela prática comercial ilícita,

abusiva perpetrada, devendo ser ressarcidos integralmente de todos os

prejuízos, morais e materiais que experimentaram, nos termos do art. 6º,

VI, do Código de Defesa do Consumidor.

Deste modo, tocante aos prejuízos materiais, deverão ser

integralmente ressarcidos, com juros legais e correção monetária, porque

expostos a uma prática abusiva e lesiva a seus direitos, cabendo às

demandadas o ressarcimento de todos os danos.

Da mesma forma e seguindo a ratio legis do Código de

Defesa do Consumidor a empresa fabricante e sua representante deverão

ressarcir os danos morais dos consumidores desta comarca porquanto

não há qualquer dúvida que o método de venda agressivo e lesivo em

detrimento de analfabetos, pessoas carentes e idosos, além daqueles já

identificados, expôs a ordem do consumo desta comarca a grave risco.

De toda a instrução percebe-se que os demandados

possuíam um padrão de conduta visando lesar idosos em situação de

hipossuficiência financeira e cultural, estabelecendo-se na cidade a fim de

praticar estas condutas específicas.

O valor a ser arbitrado, a título de danos morais, deve

situar-se em patamar que represente inibição à pratica de outros atos

antijurídicos e imorais por parte das empresas demandadas e seus

representantes. É imperioso que a justiça desse aos infratores resposta

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eficaz ao ilícito praticado, sob pena de se chancelar e inibir, quando

necessário, o comportamento infringente.

É evidente que a paz social desta região foi efetivamente

colocada a risco com a forma como os produtos (não registradas junto à

ANVISA – impróprios para o consumo e assinatura de contratos de

financiamento) eram expostos, afetando idosos e consumidores desta

comarca quando dentro dos seus domicílios constitucionalmente

protegidos.

Resta, agora, através da imposição da obrigação de

indenizar pelos danos morais, o restabelecimento da paz social sob pena

de, ao se rechaçar apenas contratos individuais, perder-se uma

oportunidade de coibir futuros golpes perpetrados da mesma maneira,

tornando o risco suportado pelas demandadas algo aceitável sob o

aspecto econômico.

A respeito do assunto:

Danos morais coletivos ou difusos. Muito embora o CDC 6º, VI, já preveja a possibilidade de haver indenização do dano moral coletivo ou difuso, bem como sua cumulação com o patrimonial (STJ 37), a LAT 88, modificando o caput da LACP 1º, deixou expressa essa circunstância quanto aos danos difusos e coletivos, que são indenizáveis quer sejam patrimoniais, quer sejam morais, permitida sua cumulação.V.CDC 6ºVI, STJ 376.

É inegável, também, que a imposição de condenação por

danos morais guarda inequívoco caráter pedagógico na medida em que as

demandadas irão empreender maiores esforços no sentido de capacitar e

fiscalizar os seus representantes comerciais, repita-se, não apenas

colhendo as benesses das suas atividades que, no caso desta comarca, se

mostraram extremamente lesivas!!!

Colhe-se da jurisprudência:

6 JÚNIOR. Nelson Nery. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 1128

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE - DIREITO DIFUSO - PROPAGANDA ENGANOSA -VIAGENS PARA QUALQUER LUGAR DO PAÍS - DANO MORAL COLETIVO. A propaganda enganosa, consistente na falsa promessa a consumidores, de que teriam direito de se hospedar em rede de hotéis durante vários dias por ano, sem nada pagar, mediante a única aquisição de título da empresa, legitima o Ministério Público a propor a ação civil pública, na defesa coletiva de direito difuso, para que a ré seja condenada, em caráter pedagógico, a indenizar pelo dano moral coletivo, valor a ser recolhido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº 7.347/85”7.

Extrai-se do corpo do acórdão da Apelação Cível Nº 70018714857:

“Dano moral coletivo: Os danos morais coletivos decorrem do reconhecimento da dimensão extrapatrimonial dos interesses coletivos, sejam eles de categoria difusa, coletiva stricto sensu ou individual homogênea, não se confundindo com o interesse público (primário) ou com os direitos individuais. Necessidade de ampla reparação dos danos ensejados pela ofensa a esses direitos, inclusive de natureza extrapatrimonial. Caracterização, no caso concreto, de dano moral coletivo consistente na ofensa ao sentimento da coletividade, caracterizado pela espoliação sofrida pelos consumidores locais, gravemente maculados em sua vulnerabilidade.” (Apelação Cível Nº 70018714857, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 12/07/2007)(grifo nosso)

Portanto, é razoável que a indenização por danos morais

difusos seja fixada de forma a atingir caráter punitivo, pedagógico e

preventivo, desestimulando as empresas demandadas e outras empresas

do ramo a agir em detrimento da coletividade de consumidores idosos e

em precária situação sócio-econômica.

7 TJMG - Número do processo: 1.0702.02.029297-6/001, Relator: GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES, Data do Julgamento: 23/06/2006

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6. Facilitação da defesa dos direitos dos consumidores

Como há bastante evidências das lesões rotineiramente

perpetradas contra os consumidores da Comarca de Seara, é importante

estabelecer-se nesta ação civil pública um mecanismo para pronta, ágil e

segura defesa dos direitos previstos na Lei nº 8.078/90.

Aliás, o próprio Código de Defesa do Consumidor assegura

ser direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos,

inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,

quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele

hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (art. 6º,

VIII).

Entende o Ministério Público que somente será possível o

cumprimento deste direito básico dos consumidores se for determinado ao

INSS que, mediante simples requisição do Procon, proceda imediatamente

à suspensão dos descontos relacionados à fraude das almofadas e

colchões.

Justifica-se este mecanismo porque não é possível que o

principal órgão de defesa do consumidor brasileiro não detenha poderes

suficientes para, uma vez constatada a lesão, adotar todas as

providências necessárias para pelo menos cessar o dano, ainda mais num

caso como o dos autos, em que há inúmeros casos semelhantes em todo o

país.

E nada de ilegal há nisso, porque o próprio art. 84 do Código

de Defesa do Consumidor assegura que “na ação que tenha por objeto o

cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela

específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o

resultado prático equivalente ao do adimplemento”.

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Ora, não há resultado mais aproximado que o

“adimplemento” do que a imediata suspensão dos descontos em casos

irregulares como o dos autos.

Somente dessa forma, aliás, se poderá eficazmente proteger

o direito dos consumidores, porque diversos outros casos

semelhantes ocorrerão, que inclusive envolvam situações diversas da

narrada nestes autos, e exigirão a adoção da providência indicada.

7. Antecipação de tutela

Ante todo o relatado, necessária e urgente é a determinação

da suspensão imediata dos descontos de valores dos benefícios

previdenciários dos consumidores atingidos.

O procedimento preparatório que instrui a presente

demonstra que, além dos idosos ouvidos, muitos outros ainda devem

estar sofrendo descontos mensais em seus benefícios

previdenciários (de natureza alimentar), às custas da prática abusiva e

ilícita empreendida pelos requeridos, sendo plenamente constatada a

plausibilidade e verossimilhança dos fatos e do direito alegado. (art. 273

do Código de Processo Civil).

O perigo decorrente da demora no julgamento do feito é

evidente e presumido em virtude da idade dos consumidores lesados, os

quais vêm sofrendo, mensalmente, os efeitos lesivos decorrentes da

prática abusiva. (art. 273, I, do Código de Processo Civil).

Denota-se que o caso em concreto se coaduna

perfeitamente com a ratio legis do art. 273 do Código de Processo Civil,

art. 12 da lei 7437/85 e art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, posto

que os idosos/consumidores relatados neste feito não podem aguardar

toda a instrução processual para que então cessem os danos, em especial,

em razão dos descontos já realizados.

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De fato, o único remédio tendente à proteção imediata dos

consumidores lesados e identificados nestes autos (quase todos idosos e

de baixa renda), bem como daqueles porventura não nominados mas

também atingidos pelas práticas relatadas é a medida liminar, com a

determinação ao INSS e aos Bancos requeridos de imediata cessação dos

descontos ainda pendentes e SUSPENSÃO dos efeitos dos contratos de

empréstimo firmados em razão das vendas efetuadas.

8. Conclusão

Em face de todo exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO

ESTADO DE SANTA CATARINA, requer:

a) o recebimento e autuação desta petição inicial com o

trâmite preferencial decorrente do artigo 1.211-A do Código de

Processo Civil e do Estatuto do Idoso;

b) seja determinado ao Instituto Nacional do Seguro Social -

INSS que: b1) suspenda imediatamente todos os descontos em folha

referentes a contratos com o Banco BMG S.A., relativamente aos

beneficiários residentes nos municípios de Arvoredo, Xavantina e Seara,

sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais); b2)

apresente em juízo o nome de cada um dos beneficiários atingidos; b3)

passe a suspender os descontos em folha referentes a contratos de

financiamento de produtos fisioterápicos mediante simples requerimento

do Procon de Seara, que deverá fazer referência ao número desta ação

civil pública;

c) seja determinado ao Banco BMG S.A. que suspenda a

cobrança dos empréstimos bancários de todos os contratos que foram

realizados por meio da aquisição de produtos das empresas Fuji Yama do

Brasil, Magnetic do Brasil, e Jeferson e Rogério Comércio de Almofadas e

Colchões Ltda., sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil

reais) por evento constatado;

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d) seja determinado ao Banco BMG S.A. que informe, no

prazo de 15 dias, o nome e qualificação dos beneficiários dos valores

financiados a título de empréstimo consignado aquisição de aparelhos

fisioterápicos das empresas Fuji Yama do Brasil, Magnetic do Brasil, e

Jeferson e Rogério Comércio de Almofadas e Colchões Ltda.;

e) a citação dos demandados, por seus representantes

legais para que, querendo, apresentem defesas que entenderem

pertinentes, sob pena de revelia;

f) a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do

CDC;

g) a produção de todos os meios de prova admitidos em

direito, em especial decorrentes da inversão do ônus da prova;

h) a decretação da nulidade dos contratos de venda dos

produtos fisioterápicos pelas empresas requeridas e dos contratos de

empréstimos bancários relacionados, condenando-se o Banco BMG S.A. à

devolução em dobro (art. 42, parágrafo único) dos valores já descontados

das aposentadorias/benefícios dos consumidores pelo INSS, devidamente

reajustados;

i) a condenação das empresas Fuji Yama do Brasil, Magnetic

do Brasil, Jeferson e Rogério Comércio de Almofadas e Colchões Ltda. e

Banco BMG S.A. ao pagamento de indenização por danos morais no valor

de R$ 50.000,00 cada uma, a ser revertido ao fundo de que trata o art. 13

da Lei n.º 7.347/85, com juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação,

bem como correção monetária, a ser calculada no momento da execução;

j) a condenação das requeridas em custas, despesas

processuais e honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do Decreto

Estadual nº 2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação de Bens Lesados

do Estado de Santa Catarina).

Dá-se à causa o valor de R$ 200.000,00.

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Seara, 16 de dezembro de 2008

Eduardo Sens dos SantosPromotor de Justiça

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