05 lysua bernardes - política urbana uma analise da experiencia brasileira

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  • 8/16/2019 05 Lysua Bernardes - Política Urbana Uma Analise Da Experiencia Brasileira

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    Politica urbana:

    uma análise da experiência brasileira

    Lysia Bernardes

    o estudo aqui apresentadoé wnall á il e interpretatiwdo longopro essode conscientizaçlo sobre a necessidade daadoçlo de políticas urbaDasparao País.Nio se deteve, portanto, no exame exaustivo de como surgiu e evoluiu a demandade uma política urbanan ion l e como foram sendo criados os primeirosinstrumentosou formuladas as primeiras diretrizesde políticaurbana nesse nível. Também o se orientoupara uma análiae crítica aprofundadadas políticasou dosinstrumentos propostos.

    Atraoésdessarel isio das iniciatiwsvári s no aentido daadoçllo de umapolítica urbana para o País, este estudo pretendevir a subsidiar uma compreensão mais ampla das contradiçiies quetêm dificultado, no Brasil, a implementação de talpolítica, em boa parte por falta de sustentação do próprio poder púb60 0 , que vem relegando a segundo p\ano os aspectos espaciais do p\anejamento.

    1 O PAPEL DO ESTADO E DAS POLI rICAS PÚBLICAS NACONFIGURAÇAO DO ESPAÇO URBANO

    ndependentemente de uma definição formal de política urbana -ou da cria-ção de instrumentos específicos para intervir no processo de urbanização - a

    ação do poder público, por se realizar necessariamente sobre uma porção do território, contribui, de modo decisivo, para alterar a estruturação do espaço. Estainterferência ocorre em todas as escalas e tem implicações espaciais que podem

    lEste artigoé. com pequenas modificações, o capítulo sobre a experiência brasileira de política urbana do estudo Política de Desenvolvimento Urbano para Minas Gerais elaboradopela Fundação JoioPinheiro (Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, 1985), em convêniocom o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU). queautorizou sua pubficaçâo nesta revista.

    • Titular da Secretaria Especial da Região Sudeste do MINTER eprofessora da UFF.

    n61. • Cenl., Belo HQrh::Qnte, 1 1 : 83.119, jan./obr. 1986 83

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    ser extensivas ou pontuais: e elas próprias, por sua vez, geram modificações daestrutura espacial, tanto em escalaregional como nacional.

    J A realidade espacial - o espaço - é, sem dúvida, a expressão dos pro-( cessos econômico-sociais que atuam sobre determinado território e spolít -

    [ \ \ cas públicas integram esses processos. Mas o espaço não é apenas a expressão, }. ou o reflexo, do processo social global: ele exerce, de forma retroativa, important te papel na organização social resultante desse processo. O espaço integra, pois,ç.J a dinânúca do processo social, da qual resultam a organização do território e con-

    figurações espaciais específicas. Configurações espaciais que correspondem às di, 4 ferentes formas de organização social no decorrer desse processo e são, ao longo do tempo, modificadas tanto pelos vários agentes que nelas interferem quanto

    c;; por seu próprio dinamismo interno.

    Ao analisar as relações entre espaço e formação econômico-social, il-ton Santos 1979, p. 14-9) lembra que elas ocorrem em um espaço particular, enão geral, e adverte que se o conjunto de relações que caracteriza determinadasociedade tem para cada lugar um significado particular, este deve ser apreendidoao nível da totalidade. Não são as especificidades do espaço local, portanto, quevao retroagir no processo social e sim a realidade espacial como um todo. É estaque as políticas públicas devem considerar abandonando tanto a ótica eminentemente setorial quanto o enfoque eminentemente local.

    A dimensão espacial é, pois, inerente a qualquer política pública e nãopode ser ignorada sejam quais forem os objetivos de um governo de vez que sociedade e espaço são indissociáveis.

    Seja qual for o uso que o aparelho estatal faça do território, está sempreintervindo na configuração do espaço - em particular e de forma mais acentuada,no caso de um Estado nacional caracterizado por uma centralização excessiva dopoder no governo central, ou melhor, em algunssegmentos dele.

    Avaliar as políticas urbanas brasileiras implica, pois, preliminarmente,reconhecer que elas se manifestam tanto explícita quanto implicitamente. Setêm sido limitadas as intervenções decorrentes de uma política urbana explícita,em contraposição não há como negar o tremendo impacto nesse período da política global de desenvolvimento do País na configuração do espaço, em particular no espaço urbano. E o uso do território derivado das mais divers s líticassetoriaís iro lantadas a artir da se linda metade da éca a e O por sua vezpassou a desem nhar a eI iro oItante na ormulaça o de novas políticas maíS

    lretamente vo tadas parao urbano. . _ .- -

    O papel desempenhado pelo governo central como indutor da urbanização a partir da Revolução de 1930 e sua acentuação nas décadas seguintes,em especial com o apoio à expansão do setor industrial e à modernização da agri-cultura, vêm sendo assinalados nas análises sobre o impacto crescente da urbanizaç o DO processo de configuração do espaço brasileiro. A expansão das classesmédias urbanas e da especulação da terra urbana em boa parte em resposta à demanda habitacional por elas geradas tomou-se pouco a pouco mais expressivae a massa de migrantes atraídos pelas cidades avolumou-se.8 4 An61. Conj. Belo Horizonte 1 1 ,83-119, jan.lobr. 1986

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    Para melhor entendimento desse processo, cabe citar, ainda que em linhasmuito gerais, aqueles efeitos mais expressivos das políticas públicas que, nas últimas décadas, interferiram em todas as escalas, pois foi das acões do ooder central,ou melhor, de suas políticas - claramente explicitadas ou nil:o - que decorreram~ p r i n c i p a i smuitanças na estruturação do es a o nacional como um todo e, como

    urna con íguração especr ica o mesmo, no espaço urbano. GÚ

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    Alguns exemplos de políticas públicas que vieram a promover profundasmodificações na configuração do espaço merecem ser aqui regístrados.é À aplicação da legislação traballústa ao campo somaram-se outras políticas específicas deaplicação mais localizadas como os programas de erradicação de cafezais antieconômicos ou de incentivo à modernização da agricultura todas elas tendo concorridodiretamente para promover violento esvaziamento do campo e aceleração da urbanização nas décadas de 60 e 70. Também contribuíram diretamente para isso entreoutros fatores a expansão da oferta de infra-estrutura e serviços urbanos nas cidades - incluindo-se aí a própria habitação - e indiscutivelmente a retomada da expansão do emprego em particular nas grandes cidades.

    A política de desenvolvimento industria desvinculava-sede qualquer preo ~ com os condicionamentos espaciais - a não ser qu nto às v n t ~ slog- on · estas sim, consideradas - e traria corno nse üência o avamento dasdes aldades inteI e intra ce Qnais e, nos ocos de maior concentra o da atividade a elevação dos níveis de po uíção A oohtic de aooio à indústria automobilística iri afetar negativamente a circulaça:oe os transportes coletivos nas grandes cidades. A política tributária. por sua vez iria esvaziar estados e particularmentemurnclplos mcapacilandõ-os para entrentar o agravamento dos problemas urbanos e subordinando-os às decisOes dos outros níveis de governo até mesmo qu nto-às questões eminentemente intra-urbanas.

    Nlfo cabe aqui retomar cada um dos efeitos indiretos das políticas setoriais na urbanização e a conseqüente mudança na configuração do espaço nas duasúltimas décadas. Vale no entanto o registro de que a crescente intervenção do poderçentral em todos os campos do soci al e do económic o •. s m l ~em conta a i-m ~ S e s p a c ~ ~ f o . Ç Q unotavelmente aquelas tendências anteriores que ~ p I n t a -vam para a configuração de uma questão regional e urna uestão urbana ambas es-treitamente vine as, e, a em r, UI veis.

    2 QUEST O URB N E DEM ND DE POLIII SESPEC FIC S P R O DESENVOLVIMENTO URB NO DO

    P rS ruto da aceleração da urbanização nas últimas décadas da agudização

    dos problemas urbanos e das desigualdades regionais em muitos casos como decorrência da implementação de políticas setoriais que voltadas para a promoção do desenvolvimento económico visavam diretarnente a criação de condições favoráveisà produção capitalista a questão urbana e as implicações da urbanização aceleradano espaço só passaram a ser consideradas com seriedade nos anos 70.

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    3 Não se pode deixar de referir aos efeitos particularmente concentradores do Programa de Metas do governo Kubitschek que, ao acelerar o processo de industrialização o fez com base na indústria automobilística. A expansão dos transportes rodoviários e a precedênciaque assumiram desde então sobre o transporte ferroviário e o de cabotagem contribuíram diretamente para a grande mudança na conflguraçâc espacial do País, acelerando a mi r ção campo -cidade subvertendo as relações intra-regionais e acentuando, a nível nacional.a primazia da Região Sudeste, de São Paulo. em particular.

    Anã . Conl., Belo Horizonte, 1 (1): 83.119, lon.lobr. 1986

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    Da fase desenvolvimentista que se traduziu na expansão acelerada do desenvolvimento industri l e dos tr nsportes rodoviários e que na esc l intr urb -na teria como corolário certo estancamento da indústria da construção civil, podese datar o agravamento de várias disfunções atuaís do sistema urbano nacional.Er a amplamente aceito, desde os anos do governo JK (embora alguns setores téc

    nico-acadêmicos ousassem contra isso se rebelar), que um desenvolvimento industrial continuado iria induzir ou mesmo forçar a solução para tais questões e que oequilíbrio seria alcançado.

    A multiplicaçllo dos problemas intra-urbanos evidenciou-se, a p rt r de então, nos grandes centros regionais mais ou menos afetados pelo desequilíbrio regional crescente, acentuado pela industrialização do Sudeste, mas também se agravounas grandes metrópoles dessa região, onde se tomaram prementes os problemas demoradia abastecimento transportes coletivos saneamento e outros Todavia oimpacto da questão urbana somente era reconhecido no âmbito local e apenas oproblema habitacional veio a merecer atenção específica. As várias iniciativas nosentido de prover a população urbana de moradia condigna, desde a década de1940, haviam alcançado poucos resultados, enquanto que outras - como o congelamento de aluguéis - contribuíram diretamente para desestimular a construçãocivil, afetando também as classes médias urbanas com a conseqiiente escassez daoferta de habitações, justamente quando se acentuava a atração migratória para asgrandes cidades.

    A questão urbana fora colocada, em sua problemática eminentementeintra-urbana, desde 1963 e, em particular, o problema habitacional, de longa data,era objeto de atenção do governo central. Entretanto, pode-se reconhecer que, apesar da realização, naquela data, do Seminário de Quitandinha, que enfatizou a necessidadede uma intervenção governamental no campo do urbano, nenhuma ação nesse sentido foi incluída entt > as reformas de base defínídas pelo governo Goulart em1964. A compreensão da gravidade dos problemas urbanos era l imitada pela visl oeminentemente intra-urbana e não havia consenso quanto a medidas concretas aserem propostas, ainda que um grupo expressivo de arquitetos lutasse para colocardevidamente a questão, mesmo que sempre em seus aspectos intra-urbanos.

    Também o governo implantado em 9 6 nã o iria conferir maior atençãoao desenvolvimento urbano, e apenas o problema habitacional mereceu a énfaserequerida. E se a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), vinculado ao Serv ço Federal de Habitação e Urbanismo, pôde fazer crer que se alcançara uma compreensão abrangente da questão, o que veio a suceder em seguida comprova o contrário.

    A pequena significaçllo da questão urbana para o aparelho estatal instalado em 1964 é confirmada pelo fato de que o Decreto-Lei 200, de 1967, ao defmir a estrutura organizacional do governo e explicitar a competência de seus órgãos não se refere ao desenvolvimento urbano. O rol das competências atribuídasao Ministério do Interior (MINTER) incluía Desenvolvimento Regional, Radicação de Populações, Ocupação do Território, Migraçaes Internas, Assistência aosMunicípios, Programa Nacional de Habitação, mas não enunciava diretarnente, umavez sequer, desenvolvimento urbano ou planejamento urbano.An61 • Con] lo Horizonte 1 1 : 83·119 ]an /obr 1986 87

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    Até mesmo a complexa problemática metropoliana,com a oposição crescente entre as unidades centrais e os municípios periféricos, desprovidos de infraestrutura mínima e com receitas irrisórias, somente nofinal da década de 60 seria reconhecida pelo poder central, pois nelas poderiamvir a se gerar focos de instabilidade.

    Cabe registrar, igualmente, que também nas áreas técnicas do Governo acompreensão abrangente da problemática urbana e da necessidade de políticas específicas para seu equacionamento e solução era muito limitada.Sedeixada de ladoa questão habitacional, amplamente reconhecida, mas, na maioria dos casos, apenasquanto ao déficit de moradias e não quanto às suas demais írnplicações, a consideraçao do urbano na maior parte da década de 1960 era muito restrita. Fundava-seem uma vislfo de urbanistas que, embora muitas vezes possuíssem uma cornpreensão crítica da sociedade em que viviam, acreditavam encontrar no planejamento

    urbano uma possibilidade concreta de ordenar o espaço através de técnicas pró-o prías de controle de seu uso. Esse urbanismo progressista/racionalista, também ana tisado por Monte·Mór (1980), teve eco entre os especialistas ema d m i n i s t r ~ e

    } ~ i r e j t omunicipal que viam na modernização da gestlfo urbana. como apoio na cria\-\ . ~ ~ o de novos instrumentos ~ a i s ~o camínhopara o ordenamento do e ~ p a ç o . . . . a s1~ c j ~ a d e sbrasileiras.N ~ l l mdesses grupos as primeiras preocupaÇÕescom os pia.

    ~ ; ; . r rnos, integrados u c o m p ~ e n s i v o s :que viriam m o ~ i l i z a rp ~ _ f i ~ ~ o ~ sdas várias J s ~áreasenVOfvidiii com o urbano.

    Somente no final dessa década as questões decorrentes da urbanização emetropolização aceleradas foram posicionadas em contexto espacial mais amplomarcado pelas crescentes desigualdades inter e íntra-regionaís.

    Nos anos 70,portanto, é que se conjugariam condiçÕesp r que ap r o b ) ~ ·J 1ática urbana se inserisse na estratégia governamental, que entl o passara a< llllJ1aior êníase à questlfo da integração nacional. Mas isso nl o bastaria para que se efetivassem as medidas decorrentes da olítica urbana ro osta, em conse üência doscon os mternos no apare o estat e do jogo de pressões detoda ordem Q lsobre ele se exercem, como será examinado mais adiante.

    Com efeito,_ ( _ J l ~ ~ ,ao privilegiar deterroinadas jXllíticas..l'lÍblicasc o m . J L - ª . l 1 r ~ - l 1 o l í t i c ahabitaciqnal o fez l resPQstajl, pressa:.ode t ~ ~ se ecíficos e, se nenhuma ênfase foi coníetida à defrnição e implementaçl o deuma política urbana abrangente, isto sedeVe ao ato e que, ap r o nl o·reconhe.-cimento, em certos setores do a lho estatal, das implicações do fenômenod e -rrietropo zaçl o e o crescimento ur ano gener za o,nl o veria con u l o dein cresses ara CCI uanto arma e a o a a atar. mo a ha1?itaçfo o saneamento ICO, os rampo es UI anos - e, em pequenaesc a t mesmo o lanejamento UI ano - suscitariam o interesse de grupos empresariais capazes de exercerpresslro sobre o sistema, mas outros aspectos do desenvolvimento urbano eram eví{âdos pOIS se revelãvam capazes de provocar conflitos. seja a nível do próprio ª P MP-lho est .;tal, sejacom as c\assesdominantes interessadas,na manutençãodo status quo

    As observaçõessobreos instrumentos deintervençãono urbano criados nodecorrer dos anos 60 e as primeiras iniciativas para a formulação de políticas urbanas para o País, apresentadas a seguir, ilustram as questões básicas já apontadas:o não-amadurecímento(ou fragilidade dos conhecimentos) das áreas técnicas so Anâl. l C:onl • lIelo Horb:onte, 1 1 : 83.119, lan obr 1986

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    bre a questão; o desinteresse do poder central até a entrada dos anos 70, quantoànecessidade de enfrentar os efeitos de suas políticas públicas naconfíguração regío-nal; e, fma1mente, os conflitos de interesse e os oonfrontos a nível da própria burocracia estatal e as pressõesdo poder económico sobre o aparelho estatal que centralizavao poder.

    2.1 Instrumentos de intervençio ri dos na dé d de 60

    Na segunda metade da década de 60, não se estruturou uma propostaexplícita de política urbana nacional, mas, pela primeira vez, a nível do discursooficial, foi reconhecida a necessidade de o governo central atuar diretamente nascidades - não apenas na oferta dehabítação,A coordenação dessas ações foi também cogitada e, ao ser criado oôrgão que até hoje é o principal agente do governofederal no campo urbano, o BNH, pelo mesmo ato legal se instituiu oServiço Fe

    deral de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), o que reflete o reoonhecimento deque se farianecessária uma artículaçso, ou mesmo, oríentação urbanística , parao desenvolvimento dos programas habitacionais. Entretanto, a distância que se criaria entre a proposta dos planejadores e os executóres dessas políticas governamentais levaria ao abandono dessa diretriz deartículaçãoe integração, e tanto o BNHcomo o SERFHAU,por isso,desenvolveriamsuas atividades de forma independentea partir de 1967.

    o enfoque abrangente do desenvolvimento urbano estaria presente, noentanto, nos documentos de planejamento - em particular no Plano Decana(Brasil. MinIstério do Planejamento e Coordenação Eoonômica, 1967 a), que mostrou a necessidade de uma política específica que transcendesse o plano puramentelocal - e se expressaria igualmente, através da inclus[o, na Constituiç[o de 1967,de um artigo prevendo a instituiç[o deregUles metropolitanas. Tais proposições, entretanto, tanto as doPlã o Dêcena quanto a da instituiç[o deregi es metropolitanas, nl'õ mereceram a aten o do a arellio estatal. N[ohaviada arte dos setoresque concentravam o po ar de decis[o o reconhecimento da necessidade de seremcooÍdenadãSe ampliadas as ações em favor das cidades e regiões metropolitanas.

    Por outro lado, a natureza complexa dos problemas institucionais asereWenfrentados para aimplanta de uma política urbana e metropolitana deve teroontribuído para que o fosse oonferida prioridadeà formu1aç[o e implementaç de umat política.

    Urna análise dos instrumentos legais e institucionais criados a partir de1965, em particular oom o confronto entre o que deles resultou e os objetivos enunciados - pelo Plano Decenal e outros documentos oficiais exigiria um estudoalentado que extravasaria os limites deste documento. Pode-se reconhecer facilmente, no entanto, que as posições assumidas pelo aparelho estatal, ao tratar ourbano, raramente são coincidentes: o discurso dos planejadores e, até mesmo, aex licita o oficial de diretrizesn o oom ndem, a rigor, ãsaçOes desenvolvidaspe o Estado oomo agente promotor do desenvo vírnento, atra s e suas poítícaspublicas.

    Constata-se, com efeito, que instrumentos criados oom determinadoobjetivo redirecionaram suas ações e que nenhuma medida concreta respondeuàAnãl. II Ccn .• eelo Horizonte 1 1 1 83·119 lan./abf. 1986

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    proposta abrangente contida no Plano Decenal. Tudo isso vem confirmar um ~mais graves problemas do planejamento e dos planejadores, que, dissociados daaçãoexecutiva e distanciados da cupula do poder, pouco ou nada influíam nas decisões dos órgãos executores, essencialmente setoriais, nem eram considerados pelosescalões superiores, dos quais emanam as políticas públicas.

    As observações que se seguem sobre instrumentos de política urbanacriados nos anos 60 traduzirão, em muitos aspectos, uma percepção individual,subjetiva. Mas, ainda assim, deverão ser úteis para a compreensão dos entraves quese colocam à prática do planejamento, em qualquer nível de governo, pois evidenciam que a implementação dos instrumentos criados pela União nlfo correspondeuà vontade dos planejadores, mas a Úfnasérie de pressões que, a cada momento.restríngem as poSSIbilidades de esse mesmo planejador influenciar as ações futuras deforma mdependente. .

    Muito tem sido escrito e publicado sobre o BNH e o SERFHAU, os primeiros instrumentos criados pós-64 visando ao desenvolvimento urbano, mas, apesardisso, algumas considerações devem ser alinhadas, em particular quanto à atuaçãodo SERFHAU, visto que o BNH em pouco tempo se transformou em um órglfoessencialmente setorial, indutor da produção de habitações

    Com efeito, embora o BNH tenha sido criado pela mesma Lei n ? 4380de 21 de agosto de 1964, que também instituiu o SERFHAU, é particularmentesignificativo que nele tenha prevalecido o enfoque setorial do problema habitacional- posteriormente desdobrado, é verdade - e que não tenha merecido a atençãodevida o desenvolvimento urbano e metropolitano. Originado da necessidade de sepromover o atendimento à demanda habitacional (e estimular a construção civil,contribuindo para a retomada do desenvolvimento), o BNH, ao estruturar os mecanismos que iriam. in' .rumentar sua ação, consolidou-se, antes de mais nada, cornoum banco, e Sua atuação não se afastaria de UII . prOl aroacão setoriã)

    . E po r sua condição de banco, nlfo iria concentrar seus investimentos embe L[ 'habitação de interesse social, mas diversificaria suas aplicações, inclusive aquelas_'l2lt ladas para a produção de habitações. 4 Desdobrado e agigantado o Sistema Financei__ ~ ro da Habitação (SFH), graças à expansão da ou an a ular, o BNH sou a_ t J arcar na eca e ,a s mais : ~ r s a sformas de construção imobiliária. além

    de incorporar novos programas, deSaneamento básico, transportes urbanos e 0l .-iroso ta programas dele fanam um banco de desenvolvimento urbano, s ~condiçlfo de órgão fmanceiro gestor de programas setoriais sempre p r e v l e e ~no comando de suas ações. 5

    4 Os complexos mecanismos financeiros criados para a sustentaçãodos pro r m s habitacionais e o fortalecimento da construção civilcontribuíram para que o BNH atentasse mais para o seu desempenhocomo gestor da grande engrenagem então criada e transferisse aos estados a missão de subsidiar a produção de habitações para a popula-ç de baixa renda.

    90

    5 O programa CURA criado á nos anos 70 para integrar ações se-toriais em determinados setores das cidades foi uma primeira tenta-tiva de romper essa compartimentação setorial.

    Anãl Conl. Belo Horl.l:onte 1 1 , 83 119 lonJobr. 1986

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    ~ y: -:

    Y 0 ~ v t l r >Pode-se reconhecer, é verdade, não te r sido essa a Intenção primeira do

    poder público ao instituir o BNH.6 No entanto, a possibilidade de vir a se cons-

    \

    t i tuir em um poderoso instrumento fmanceiro, encabeçando todo um sistema depoupança e empréstimo, afastou o órgão de sua diretriz inicial. E o divórcio entreo BNH e o SERFHAU, Ue se efetlvou em ouco tem confirmaria osj ores ou os órga i s de planejamento dificilmente podem levar adiante suas propo~ uando do embate com os núcleos de maior p º ~ em especial se estes representam os mteresses e grupos econ Jn COS m uen e ~

    Nesse quadro e diante dos rumos adorados pelo BNH, o que sucederiacom o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), criado com objetivos tão abrangentes? O SERFHAU herdaria as atribuições de õrgãos preexistentes voltados para o problema habitacional e o apoio aos muuícípios, e deveria,a bem dizer, orientar a programação habitacional do governo e apoiar estados e

    municípios na gestllo urbana. Entretanto, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo não teria condições para cumprir a missão que a Lei n ~ 4380 lhe confiara,esvaziado que foi pelo crescimento do próprio BNH como potência financeira.Entretanto, desempenhou, apesar disso, um papel da maior ímportãncía no período 1967 - 1973, no que diz respeito ao desenvolvimento urbano, e o inis-tério do Interior, ao qual foi vinculado, veio a incorporar a preocupação com ourbano, com base na açso desse órglo.

    Reformulado em dezembro de 1966 quanto a seus objetívos (Decreto n 59 917), o SERFHAU passou a te r competência mais específica na elaboração e coordenação de políticas de planejamento local integrado. Reduziram-se ou extinguiram-se) as competências relativas à programação habitacionalque figuravam na lei de sua criação, mas fortaleceu-se o órgão com a criação doFundo de Desenvolvimento Local Integrado (FIPLAN). Esse novo instrumentoiria apoiar a expansão d s ações do SERFHAU junto aos muuícípios, através definanciamento da elaboração de planos e outros instrumentos formais o planejamento muuícipal.

    Com essa orientação, expandiu-se e agilizou-se sobremodo a atuação .do

    SERFHAU nos últimos anos da década de 60 mas o Sistema Nacional de Planejamento Local Integrado que o órg lo pretendeu implantar - com o apoio do Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada (EPEA) em um primeiro momento 7- não veio a se caracterizar como um sistema e não resultou em urna polí tica cõerente.

    6 o decreto-lei editado para regulamentar os loteamentos em 1966releia a intenção do governo de fazer do BNH um instrumento de desenvoll imento urbano mais compreensivo . E em

    resoluçãodo seu

    Conselho de Admínístraçâo, em 1967, o BNH estabeleceu i r ~ spara a elaboraçfo de estudos visando uma política de desenvohunento urbano para o Brasil.

    7 O SERFHAU e o EPEA - 6rgfo do Minislério o Planejamentoa que se referirá adiante - atuaram em estreito entrosamento, tantopara a criação do FIPLAN e para a tentativa de estruturaç50 do Sis-tema Nacional de Planejamento Local Integrado. quanto para a definiçlo das proposiçõesque seriam incorporadas ao Plano Decenal.

    n6 a Conl., Belo Horizonte, 1 (1)= 83.119, lan./abr. 1986 91

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    Apesar dos esforços para implantar o sistema, o SERFHAU não teve comoassumir a proposição e a implantação de wna política de desenvolvimento local efoi, antes de tudo, uma agência de fmanciamento voltada essencialrnente para aelaboração de planos municipais. Era wn governo eminentemente centralista, queretiraria do poder local boa parte de sua autonomia com o novo Código Tributa

    rio e numerosas outras medidas. O SERFHAU assim iria atuarjuntoaesse poderlocal esvaziado, sem uma diretriz que integrasse suas iniciativas. Sua atuação seriareconhecida como descentralizada, ou hiperdescentralizada, pois os planos locaiseram totahnente desvinculados entre si e não se pautavam por nenhuma diretrlzde política espacial, ou mesmo setorial.

    Entretanto, ao ser focalizado o problema urbano quando da elaboraçãodo Plano Decenal e, a seguir do Programa Estratégico de Desenvolvimento, Brasilo Ministério do Planejamento e Coordenação Económica, 1967b), fora reconhe

    cido que a formulação de uma política de desenvolvimento urbano não podia presocindir de uma ótica regional e de urna compreensão mais abrangente. E já se preconizava a substituição do SERFHAU e do Serviço Nacional de Assistência aos Municípios SENAM) por um órgão com maior poder de decisão, O Instituto Nacional de Desenvolvimento Urbano e Local , ao qual caberia estudar e propor as bases para a formulação da política nacional de desenvolvimento urbano e desenvolvimento local e coordenar a aplicação dessa mesma política, com apoio em umfundo que fmanciaria, além da elaboração de planos e projetos, a implementaçãode tais projetos. Nessa proposta estava explícitada a necessidade de um órgão quecuidasse do desenvolvimento urbano e geral e não apenas do planejamento local),tendo como instrumento básico um fundo de financiamento para a implementaçãode projetas específicos.

    Ao ter início a implementação do programa de desenvolvimento local integrado, os planejadores logo se haviam conscientizado da necessidade de a ele seracoplado um mecanismo que permitisse o financiamento da execução dos projetos.Daí essa proposição, que não encontrou receptividade na cúpula do governo, eminentemente centralista e comprometida com grandes projetos setoriais.

    Ao longo desse período, em que o SERFHAU se estruturou como um Ór-gão de financiamento do desenvolvimento local, a necessidade de se defmir urna política de desenvolvimento local integrado , ou mesmo uma política de desenvolvimento urbano, foi amplamente reconhecida, pela própria díreção do órgilo epor técnicos relacionados à questão que atuavam em outras áreas do próprio governo federal e de governos estaduais. No centro de decisões do governo, no entanto,nenhwn eco tiveram tais proposições, e embora já estivesse prevista na Constitui-çã o a criação de regiões metropolitanas, nada se decidiu, de início, quanto à sua

    implementação., ~ Inegavebnente, na década de 60, as uestões urbanas e metro litanas

    t . c L ~. _ ~ s a r a ma ser o jeto a atençfo de vários selares o governo anindo onvém~ l ~ m b r a rque mesmo em wn governo centralista não há m centro de dec.isõe.s úni· -f} Jco, e de fato muitas das a es ocorriam desencontradamente. Não havia ual uer

    i \ i ~ase na coordenação das intervenções federais no campo urbanove aquelesr ÓIgãOSvoltados especiãlrilente para esses problemas atuavam, também de form · -\ \.(lI 'descoordenada: o N crescendo como agente fmancelfo coordenador de urna polí.I ,9 2 Anã . a Con . Belo HorIzonte 1 1 , 83·119. lan./abr. 1986

    ,,J \\.\ l ~

    ,

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    tica de poupança e empréstimos e o SERFHAU assumindo iniciativas várias principalmente para a difusão do planejamento a nível municipal.

    Nesse quadro geral do que seriam os antecedentes da formulação de umapolítica urbana por pressão da própria problemática das cidades e áreas metropoli

    tanas merece menção especial o papel desempenhado pela classe dos arquitetosque ao longo de toda a década se manteve mobilizada em função do agravamentoda questão: expandiu sua atuação para encaminhar soluções compreensivas e con-seguiu tr ir o interesse dos dem is grupos profission is envolvidos no pl nej mento

    2.2 Tentativas primeiras para a formalização de políticas urbanas

    Nos primeiros anos da década de 70 como referido anteriormente o trato das questões urbanas passtu a granjear maior atenção juntamente com a problemática dos desequílíbríos macrorregionais. Esses dois tipos de problemas agravados po r efeito das políticas setoriais e da macropolítica económica relacionavamse estreitamente pois decorrem ambos de um mesmo processo espacial.

    Com atríbuições específicas quanto à problemática regional e às migraçõesinternas fixadas pelo Decreto Lei n? 200 o Ministério do Interior ao qual se vin-culavam o BNH e o SERFHAU além das superintendências regionais procurou reformular sua ação no plano macrorregional e expandi-la na escala local e mícrorre

    gional para solucionar os problemas identificados.

    Com o apoio do MINTER que já estava sensibilizado em relação aos Problemas urbanos o SERFHAU expandiu notavelemente sua ação. A par do prosseguimento da linha de fmanciamento destinada às prefeituras municipais para a elaboração de planos de desenvolvimento integrado municipal e outros instrumentoso SERFHAU procurou enquadrar sua ação em uma programação mais estruturadae de mais impacto a nível do País. O Programa de Ação Concentrada pAC ,lan·çado pelo MINTER em 1969 visava essencialmente ordenar e sistematizar a ativi

    dade do SERFHAU como agente financiador de planos dando-lhe objetivosm s

    abrangentes mas não propôs qualquer esquema global que servisse de marco de referência para os esforços isolados de planejamento local. O programa integrava asatividades de desenvolvimento urbano de todos os órgãos do MlNTER e pretendiaalcançar 439 cidades em sua 1.a etapa. _ j..

    \i J - + , v ~ -

    Outras linhas de ação foram sendo formuladas e sua implementação foi /levada adiante com maior ou menor sucesso. Como forma de mais facilmenteinstitucionalizar o planejamento local em todo o País ou grande parte dele. es-taça-se a tentat iva de difusão do planejamento integrado a nível microrregional.Desde a década de 60 era uma das linhas de l Ção propugnadas pelo SERFHAUe deu origem nesta nova fase à elaboração de vários estudos e planos e à criaçãode associações de municípios mas os resultados alcançados em termos de implementação do planejamento foram ínsatísfatórios.

    No sentido de rom er as limita s do órgão como agente financeiro ede tomar mais efetiva a difusão do planejamento ur ano o se allOiouna mobilização dos quadros técnicos do País em tomo da necessidade de se promQAn61. Ccnl. Belo HorIzonte 1 1 ,83·119, fan./obr. 1986 93

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    ver o planeiamento urbano e de assegurar qualificação de recursos humanos paraessa tarefa 8

    Merece referência especial a linha de ação desenvolvida com vistas à instítucíonalízaçao de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano paralela

    mente à continuidade dada aos demais programas . Multiplicaram-se as açõescursos, seminários, etc. - e tanto as superintendências regionais, subordinadasao mesmo Ministêrio, quanto os governos estaduais e as universidades foram mobilizados, objetivando a elaboração de estudos e propostas de políticas estaduais dedesenvolvimento urbano. A cada governo estadual caberia institucionalizar o seuSistema Estadual de Desenvolvimento Urbano e Local, que deveria ser consideradoum subsistema da política de desenvolvimento do próprio estado o que vários deles tentaram e ao qual se vinculariam o planejamento microrregional e o municipal.

    Forjava-se, a partir dessas mudanças, uma visão da necessidade de se implantar urna política urbana nacionai à qual se acóplaríam as políticas macrorregionaise estaduais. 9

    Essa proposta ã foi acertada a nível do aparelho governamentai. Talvez por implicar em se instituir, no MINTER, um Sistema Nacionai de Desenvolvimento Urbano e Local SNDUL que, tendo como órgão central o SERFHAU,aluaria a partir de urna subcomissão de desenvolvimento local, presidida pelo -nistro, e contaria com departamentos específicos em cada superintendência regional. Toda a ênfase era conferida à implantação de um sistema que iria gerir o desenvolvimento urbano, mas, quanto à política urbana, propriamente, não forampropostos, então, seus objetivos a nível nacional. 10

    era relativamente fácil indicar proposições para políticas estaduais eprever a vinculação destas à política estadual de desenvolvimento, o mesmo nãoocorreria quanto à nacional. Duas questões então colocadas permaneceriam emaberto, o que, de certo modo, conteve a proposta do SERFHAU de um grandeSNDUL, ou impediu-a de vingar. A primeira dizia respeito ao conteúdo dessa política nacional. Ela não poderia ser apenas a agregação de políticas locais, esta

    duais ou regionais. A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano PNDU

    8 Com essa finalidade, realizou seminários e cursos e patrocinou acriação do Mestrado de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ .

    9 Mais uma vez, partia-se para a simetria, e cada macrorregiâo cont r com sua política formulada pela superitendência regional respectiva e as pol ít icas urbanas e regionais dos estados a elas se compatibilizariam. Neste esquema, não havendo superintendência para aRegião Sudeste, os estados dessa Região não estariam representadosno Sistema, embora aí se concentrasse a maior parte da população ur n do Pais.

    94

    10 Os depoimentos das autoridades do MINlER a essa época denunciavam a gravidade da questão urbana e das migrações, mas tinhamcomo proposta concreta apenas a institucionalização do sistema queiria integrar as ações governamentais Cavalcantí, 1972

    Anál. a Conf., Belo HorIzonte, 1 1 ,83-119, fan./abr. 1986

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    deveria focalizar o problema urbano em um outro plano, ou escala, que deveriaser inter-regional, ou não viria a ser uma política nacional. A segunda questão,deixada em aberto, decorria do fato de que, se políticas estaduais de planejamento urbano e local se integravam às políticas estaduais de desenvolvimento,a formulação da PNDU e a criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento L -

    cai não poderiam estar desvinculadas do Sistema Nacional de Planejamento e domodelo de desenvolvimento. Equacionada pelo MINTER como urna política setoria e executada através do próprio ministério e órgãos a ele vinculados, poderiaa PNDU ser compatibilizada Coma política económica global do governo?

    Paralelamente às ações do SERFHAU e das superintendências regionaisreferentes ao desenvolvimento local ou mícrorregional, expandiu-se, no início dosanos 70, o interesse do Ministério do P1anejarnento MINIPLAN) pela questão urbana. A criação do SERFHAU e sua efetiva implantação como órgão de fínancía

    mento do desenvolvimento local haviam contado com o apoio direto do Ministério do Planejarnento. Mas é forçoso reconhecer que, na esfera de decisões desteministério, somente nos anos 70 o tema desenvolvimento urbano seria considerado, vindo a se inserir entre as questões que, requerendo urna coordenaçãoíntersetoria , deveriam ser coordenadas pelo próprio MINIPLAN. O despertar do interesse do MINIPLAN pela problemática urbana originaria verdadeira disputa como MINTER r esse cam de alua o ue analo ente ao desenvolvimento region , imp· caria coordenaç o intersetori e não poderia prescindir de recu ] sespeciais, em particular para a solução dos problemas metropolitanos.

    A auséncia de urna proposta de política de desenvolvimento urbano peloMINTER, que ao tentar implantar o SNDUL se prendia apenas ao sistema, em simesmo, sem cuidar do conteúdo que urna política urbana deveria te r a nível nacional, deixou espaço para a ação do MINIPLAN, dada a evidência da necessidade dese vincularem os investimentos em desenvolvimento urbano a urna diretriz de política predefinida.

    A diretrlz que viria a enquadrar a política urbana no modelo de desenvolvimento brasileiro fora esboçada em 1971 pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento PND), que iria propor a instituição das primeiras regiões metropolitanas noPaís Grande Rio e Grande São Paulo) ao tratar da política de Integração Nacional à qnal se vinculava o desenvolvimento regional. I I

    Nilo foi, pois, por acaso que poucos meses após a elaboração desse 1.0PND, o MINIPLAN realizou, ainda a nível interno, um primeiro encontro sobrePolítica de Desenvolvimento Urbano novembro de 1971). Foram então avaliadosestudos e propostas elaboradospelos diferentes órgãos do Ministério e reconheceu-sea necessidade de se definir urna linha de ação para o futuro, quanto à questão urba-

    11 o I? PND, o contrário do Plano ecenal n60 dedicaum pítuloespecífico ao desenvolvimento urbano. As referências são poucas e figuram, na Estratégia Regional, a criação das primeiras regiões metropolitanas visando consolidar o desenvolvimento d Regiro Centro-SuL Também a criação da Regíão Geoeconômíca de Brasília se inscre-ve nessa estratégia, cujadesignação, Estratégia e Grande Espaço Eco-nômico , revela o significado maior da política de integração nacionalBrasil Presidência da República. 1971 .

    Anã). a Conl., Belo Horizonte , 1 1 , 83-119, lan.1abr. 1986 95

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    na. Embora á se tenha colocado a questão urbana em sua dimensão regional e tenhasido reconhecido seu estreito relacionamento com a estatrégia global de desenvolvimento económico e social do governo, enfatizando-se a necessidade de melbor seconhecer a dinâmica da organização territorial do País, para identificar, em facedesta, os fatores que afetam o desenvolvimento urbano, não se propôs nesse encon

    tro um modelo de polít ica urbana dirigido à integração nacional. Apenas foramenfatizados os aspectos referentes à necessidade de se promover a coordenação dasatividades do governo central visando ao ordenamento territorial e à maior eficiência dos sistemas urbanos, para maior equilíbrio da estrutura espacial do País.

    A criação de instrumentos para a Política Nacional de DesenvolvimentoUrbano, então sugerida, viria a se concretizar, mais adiante, através do próprioMINIPLAN, que, com o apoio de sua Secretaria de Articulação com Estados e Municípios, iria assumir efetiva particípação no campo de desenvolvimento urbano.

    Nos anos de e se configuraria claramente a diversidade dasposições assumidas pelos dois ministérios, cada qual procurando assenhorear-sedesse campo de atividades que não fora considerado pelo Decreto-Lei n.o 200.O Ministério do Interior, através da participação direta de sua Secretaria Geral 12 edo desdobramento das ações do SERFHAU, lutaria pela ínstítucionalizaçâo doSistema Nacional de Desenvolvimento Urbano e Local, pelo qual o antigo Sistemade Planejarnento Local Integrado ganharia outra perspectiva e se encaixaria naPolí tica de Integração Nacional, com a partícípação das superintendências regionais e os estados. Mas, ainda assim, continuaria a priorizar a ótica local. O MINIPLAN, r sua vez, em nhado em fortalecer um Sistema Nacional de Planeamento, uscaria c o para assunur o coman o asações e esenvo vunento urliiiiO,integrando-as, como órgao de coordenaCl ogeral. com as aç( essetoriais.

    O SERFHAU ainda insistia no planejarnento municipal e microrregional eo MINTER tinha adotado o princípio de crganízação do País em microrregiõeshomogêneas , partindo da opção de que uma das tarefas mais nobres do planejador seria a geração de componentes em um to o nacional e admitindo que' oformalismo provêm da insistência em partir-se da unidade nacional como um todo

    para as partes (Cavalcanti, 1972, p. 240). Propunha então o MINTER a coexistência (extremamente difícil) dos dois sistemas de decisão, o do Planejarnento UrbanoLocal e o Sistema Nacional de Planejamento, de forma, a bem dizer, independentes.

    Dando um balanço do que foi a intensa atuação do SERFHAU, em váriasfrentes, para instituir um sistema nacional e a ele integrar sistemas estaduais de

    96

    12 A palestra do secretário -geral do MINTER na Escola Superior deGuerra em 1912 e seu pronunciamento no II Curso de PlanejamentoUrbano e Local Cavalcanti, 1972 revelam a dualidade de orientações:refere e defende o Sistema em implantação do MINTER e cita o Sistema Nacional de Planejamento, altamente centralizado ... e cobertop l grande massa de recursos financeiros. No mesmo ano, as conclusões do II Seminário sobre Política de Desenvolvimento Urbano parao Estado do Rio Grande do Sul apóiam as propostas do MINTER deum sistema hierarquizado, apresentado por Francisconi e Souza 1976 .

    Tolosa 1972), na mesma oportunidade, insistiria na necessidade deintegrar a programação urbana do Sistema Nacional de Planejamento.

    nÓI • Conl., Belo Horizonte, 1 1): 83-119, lan. abr. 1986

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    desenvolvimento urbano e local, e a do MlNlPLAN, em favor de uma política nacional de desenvolvimento que, buscando implantar o modelo de desenvolvimento adotado para o País, integraria as programações urbanas, verífka-se claramente que faltou àquele momento a coalízação de forças a que tão bem se refere Cintra (1978)ao analisar os problemas do planejamento urbano no Brasil. Situava-se no bojo des

    sa questão a implantação de regiões metropolitanas, que desde os anos 60 estavapor ser resolvida, apesar do empenho do SERFHAU e do próprio MINTER. Apenas fora colocada no texto do 1.° PND com referência a Rio e s o Paulo, e seriafocalizada com prudência, pois do modelo institucional que viesse a ser adotadopoderia vir a fortalecer-se grandemente a ação deste ou daquele ministério.

    Retomando o tema da intervenção do Estado na estruturação do espaçoatravés de instrumentos específicos destinados a planejar o urbano, verifica-se quepouco ou nada resultou do esforço despendido para, partindo do plano locaI-municipal, microrregional ou metropolitano, alcançar mudanças efetivas na configuração espacial, tanto a nível local quanto na escala regional e nacional.

    Realmente, apesar do desdobramento dos estudos e propostas e da conscíentízação das áreas técnicas do governo quanto à necessidade de se formalizar umapolítica nacional de desenvolvimento urbano ou local), somente em 1973-1974 odesenvolvimento urbano iria ser efetivamente situado no modelo de desenvolvimento brasileiro A jpcowo[açlo do desenyolyimento urbano ao desenyolyimento regio·nal e à diretriz de integracA:o nacional- como tJgUl llno 1. 0 PND - já abrira o aparelbo e.statal à consideração do problema, mas nao bastara para que a questão fosse

    conSiderada em tõda sua êõiiíjileXlilãi1ee amplitude. A concorrência do MINTER edo MINIPLAN quanto à gestão dos assuntos urbanos, disputando essa nova área de~ r não identificada quando da ediça:o do Decreto-Lei n.o 200, revela, por suavez, o reconhecimento da importância que poderiam adquirir os instrumentos a l rem criados. I Isso porque a imPlementação de uma Pôlítica urbana imPlicaria, aum tempo, a estruturaça:o de mecanismos de coordenação a nível da Unia:o e o desdobramento e coordenação de suas intervenções a nível dos estados e municípios,

    articular nos randes los metro litanos A institui das re . ões metro .tanas não só poderia, desse ponto de vista, ser consr era a como m m um ru- merito da enetra do poder da União, mas também re resentaria a cria ão deinstrumentos anceiros que viriam reforçá-lo. t \ J _ c-:Y iVr f .( /v -C.Lr v3 A FORMUL Ç O DE UM POLrrlC UR N

    N CION L O PND

    Desde o final dos anos 60 multiplicaram-se, a nível técnico, as recomendações em favor da definição de uma política de desenvolvimento wbano que viessea substituir o sistema de p anejamento local integrado do SERFHAU. Esse mesmoórgão posicionou-se nesse sentido quando, com o apoio do MINTER, lançou asbases para um sistema de desenvolvimento urbano e local. Jáem 1971 quando do

    13 A análise de Cintra 1978) sobre a relação de interesses que seconjugaram para formar a demanda por uma política urbana tambémmenciona esses dois pontos - o da integração nacional e o da buscade um interesse maior do MINIPL N e do MlNTER no trato dasquestões urbanas

    Anál Cc I., B.lo Horizonte, 1 1 : 8].119, lanJobr. 1986

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    Seminário de Desenvolvimento Urbano eLocal, realizado pelo SERFHAU, um dosdocumentos expõe as bases para a política urbana (Cuevas etalli,1971). As recomendações aprovadas incluem a formulação, adoção e implementação de Políticade Desenvolvimento Urbano e que o SERFHAU seja o organismo incumbido decoordenarasmedidaspreparalórias (Seminário de Desenvolvimento. . . 1971, p.IO).Incluem também a implementação das regiões administrativas e um programa básicode desenvolvimento urbano para a Amazônia (Cuevas et alii, 1971). EntretantoSÓ

    }r>,V: l:m meados deJ973 a artir da edi o da Lei Com lementar n,ol4Aue instituiu as reJUões me fOPO ~ s _ ~ _~ ~ ~ ~ ~ ~ 1 ~ _e l l I 1 . ~ _ l ~ a ma m31S a rangen

    ~ tficou evidente para os níveis de decislfo superiores,

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    de um modelo de organização territorial verdadeiramente nacional as propostas dapolítica urbana 16 poderiam te r aceitação.

    Em apoio às considerações anteriores, pode-se lembrar que a Lei Complementar n 14, ao instituir as regiões metropolitanas, o fez da forma a mais pruden

    te, passando ao largo dos problemas mais substantivos 17 e tratando simetricamentetodas elas - de São Paulo a Belém. Tal prudéncia poderia em parte ser atribuídaà indefiníção qu e persistia àquela época, no aparelho estatal, sobre a conveniênciade ser implementado tal instrumento, pois ele contemplava apenas as grandes aglomerações metropolitanas.

    Editada a Lei Complementar, em junho de 1973, o MINIPLAN, revivendo o papel de coordenador por ele desempenhado no governo Castelo Branco, assumiu o comando do processo de formulação de uma política urbana e dele alijou o

    SERFHAU e o próprio MINTER.18 Acompanhou a implantação das regiõesmetropolitanas e contrataria os estudos que embasaram as principais proposiçõesde política nacional de desenvolvimento urbano consubstanciadas no II PND Brasil. Presidência da República, s.d).

    r O documento de Francisconi e Souza 1976), foi sem dúvida a primeira

    formulação de política urbana nacional, pois anteriormente, o SERFHAU e oMINTER apenas vi m proposto o Sistema o SNDUL) que deveria vir a gerir uma tal política.

    Esse estudo veio ao encontro da necessidade de se definir uma política urbana, e, ao fazê-lo, procurou orientá-la por um modelo de ocupação do territóriocoerente com o modelo de desenvolvimento e a grande diretriz de integração nacional que pautou boa parte da ação do governo no início da década. O desenvolvimento urbano proposto preconizava uma política de organização das cidades euma política de organização territorial e deveria traduzir-se na compatibilização dos objetivos, estratégias e instrumentos da política nacional de desenvolvimento com o sistema urbano existente e o modelo de organização territorial que sepretendealcançar Franciscone e Souza, 1976, p. IS).

    16 Embora a proposta original do SERFHAU·MINTER partisse da consíderaçâodo local, a ênfase que foi conferida no início dos anos 70 àelaboração de políticas estaduais de Planejamento á representava apreocupação co m a necessidade de um modelo de organízaçâo regionalque orientasse o planejamento local. E o documento do seminário jáenfatizara como objetivo geral conseguir a integração positiva docrescimento urbano Seminário de Desenvolvimento . . . . 1971 .

    17 Conferindo a gestão metropolitana aos governos estacbais e to àUnião, como chegou a ser cogitado, a Lei Complementar evitou oconfronto MINlER-MINIPLAN e também não definia competênciaexplícita para os órgãos metropolitanos, frente ao estado e ao poderlocal

    18 A partirdesse momento estava seladaa sorte do SERFHAU.

    An6 a Conl., B.lo HorIzonte, 1 : 83·119, lan./obr. 1986 99

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    o II PND iria formalizar, ainda em 1974, uma Política de Desenvolvimento Urbano , com diretrizes e proposições emanadas do estudo citado, e incorporaria as bases da Política de Organização do Território nele contida. Que significadoteria a inclusão no II PND de uma política de desenvolvimento urbano a que oPlano Decenal, na década anterior, já se referira genericamente e que não se havia

    concretizado? Como figuram no discurso do PND as proposições de política urbana?

    Se no I PND as referências ao urbano consistiam essencialmente nasmedidas propostas para a consolidação do Centro-Sul, indicada no capítulo da estraté

    , gia espacial, que traduzia a diretriz de integração nacional, no PND o posicionai menta do urbano é mais destacado e as proposições silo mais abrangentes. verdade que o Desenvolvimento Urbano divide com o Controle da Poluição e a reserv ção

    tmbiental todo um capí tulo do Plano, mas sua inserção no conjunto desse doeuento, embora permeiem aqui e ali referências significativas, ê, a bem dizer, margi

    , al - um indício do queviri

    a ocorrer no período subseqüente, quando da tentati de implementação da polít ica formulada - como se pode ver:

    a) no capitulo inicial, que apresenta a síntese do Plano, intitulado Asconquistas económicas e sociais , estão alinhadas algumas dessas conquistas a seremalcançadas, mas em apenas duas referências surge o urbano: ao serem citadas normasantipoluição e de preservação ambiental de algumas áreas metropoli tanas e ao serindicado, na estratégia de desenvolvimento social, um programa de desenvolvimento social urbano transportes coletivos e outros);

    b duas referências a problemas metropolitanos estão enxertadas no capítulo I - Sentido de Tarefa Nacional: ao serem expostos os Objetivos e opções nacionais no mesmo capítulo ressalta a nova preocupação do aparelho estatal coma dístríbuíção de renda e a estabilidade social e polít ica, ss m como a preocupaçãocom o desenvolvimento sem deterioração da qualidade de vida, mas nenhuma referência prioriza o encaminhamento das questões urbanas; também a integraçãonacional e o desenvolvimento regional não mereceram destaque;

    c) é no capítulo II - Estratégia de Desenvolvimento - que se evidenciam

    as ênfases do futuro governo e aí o urbano surge vinculadoâ estratégia de desenvolvimento social Brasil.Presidência. _.s.d., p. 3S), voltada para a elímínaçãc dos

    bolsões de pobreza e a expansão de uma base substancial de consumo de massa;

    d) referência significativa figura na explicitação da estratégia industrialque preconiza a atenuação dos desníveis regionais de desenvolvimento industrial ea adoção explícita do objetivo de descentralização , mas o complemento, nacionalmente , parece restringir a medida proposta aos desníveis macrorregionais Brasil. Presidência s.d., p.40);

    e) no extenso capítulo sobre a Integração Nacional e a Ocupação doUniverso Brasileiro, há referência introdutória ã fusão Guanabara-Estàdo do Riode Janeiro, para melhor equilíbrio económico-geográfico no núcleo mais desenvolvido do País, mas a estratégia proposta, que enfatiza a necessidade de uma polít icade população e de políticas específicas para o Nordeste e a Amazônia, o incluias proposições referentes ã organização do território, que haviam embasado a política urbana formulada em outro capítulo; nÓl a econ . S.Jo Horlzonht 1 1 : 83 119 fanJobr 98

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    f quanto à Estratégia de Desenvolvimento Social (capítulo VI), apenasfocaliza a problemática da organização intra-urbana com referência a uma reorientação da política habitacional e à melhoria dos serviços urbanos básicos para toda população, com vistas à elevação da qualidade de vida nas cidades.

    Dessas observações, verifica-se que o reconhecimento da agudeza dos problemas urbanos em particular quanto aos bolsões de pobreza - permeia o discurso do II PND, mas as proposições da política urbana, propriamente, figuram à parte,como que marginalmente. Constituem, juntamente com a política ambiental, umcapítulo próprio, enquadrado nos Grandes Temas de Hoje e de Amanha . A proposta de organização do território, de Francisconi e Souza (1970), figura no volume, mas a integração dessas proposições com as demais políticas não está devidamente explicitada nem integrada ao Plano.

    Quanto às formulações da Política de Desenvolvimento Urbano, como ex, pressa no capítulo em causa, alguns pontos devem ser destacados, para orientar a

    análise posterior do que vem sendo o u não) sua implementação. Tais proposiçõesI \ de política no II PND se desdobram em três planos:

    \ a) a definição de orientação e estabelecimento de mecanismos operativospara que a estrutura urbana acompanhe a estratégia de desenvolvimento e a políticade ocupação do espaço interior;

    b) o desdobramento dessas diretrizes, operativamente, em estratégias region is específicas; e

    c) a indicação de determinados mecanismos para implementar a políticadefinida e implantar as regiões metropolitanas.

    Ao focalizar m is de perto o conteúdo das proposições desdobradas aolongo do capítulo, a que se seguem as indicações sobre controle da poluição industrial e preservação do meio ambiente, alguns traços gerais e peculiaridades merecematenção mais acurada.

    A primeira constatação diz respeito ao autoritarismo inerente à políticaformulada. Esta se propõe ser coerente com a política de ocupação do espaço ínte- 1

    11

    \

    rior (emanada da diretriz de integração nacional) e a estratégia de desenvolvimentodo País, mas desconhece, a bem dizer a existência dos governos est du is que, nocampo de suas competências específicas, poderiam propor alternativas outras às diretrizes que o plano estabelece a nível de cada macrorregião.

    e as proposições do PND fugiram à simetria inerente aos instrumentosanteriormente propostos, pecaram nesse desdobramento de diretrizes por estabelecerem algumas orientações rígidas que, na aplicação dessa política, iriam obstaculizar soluções vãlídas.l?

    19 Seria o caso no Estadodo Rio de Janeiro, cuja região metropolitanafoi enquadrada como área de contenção, de modo a induzir a descentralização das atividades produtivas para centros periféricos de portemédio. A política estadual compartilhava a diretriz de descentralização, mas não r tolher, jamais, o crescimento industrial no interiorda região na vã esperança de melhor org niz ção do território.

    Anã . a Conl., Belo HorIzonte, 1 1): 83-119, [on./abr. 1986

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    No mapa que integra o volwne do II PND (Brasil. Presidência...s.d., p.91),extraído diretamente do estudo de Francisconi e Souza, podem ser constatadasa1gwnas contradições, em relação ás diretrizes defmidas no texto. Não se explica,por exemplo, a razão pela qual a Região Sul seria toda ela uma área de dinamização- a exemplo do Nordeste - enquanto que para todo o Estado de Minas Gerais, in

    clusive suas áreas mais pobres e vazias, como para São Paulo, o Rio de Janeiro e oEspírito Santo, se exigiriam disciplinamento e dinamização.

    Toda ênfase foi conferida â formulação de diretrizes que visavam â implantação do modelo de ocupação territorial proposto, mas não foi dada importânciaequivalente aos instrumentos que se fariam necessários para sua implantação. Somente na parte final do capítulo há referência aos instrwnentos da política em causa e, ainda assim, nem sempre com a devida correspondência co m as diretrizes antesenunciadas.

    A Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana (CNPU)é o grande instrumento que o Plano indica, destacando suas fmalidades e atríbuições,algumas das quais, aliás, conflitando frontahnente com os demais níveis de poder.Seria válido atribuir a essa comissão efetuar a definíção detalhada da estrutura urbana a ser estabelecida (Brasil. Presidência s.d., p. 90) nas diferentes regiões?Ou fmir as priori es para o planejamento integrado das regiões metropolitanas, se a instituição dessas regiões deixara a cargo dos governos estaduais sua ímplementação? A ausência de referências, seja aos governos dos estados e municípios, seja às superintendências regionais, retrata o caráter eminentemente centralista e auto

    ritário da polí tica enunciada. Abandonando a postura adotada pelo SERFHAU,que partiu do planejamento local e, em uma segunda etapa, buscou integrar os estados em um Sistema de Desenvolvimento Urbano e Local no qual cada governoestadual formularia sua polí tica própria (ainda que faltasse o marco referencialde uma política nacional), o PND, embora se refira a est ímulo e coordenação

    r do planejamento, ao tratar da CNPU, opta claramente pelo centralismo e o auto rítarísmo, para criar condições de implantação para um modelo nacional de orga

    nizaÇl o do território. Esse posicionamento se contrapunha frontalmente àquelahíperdescentralização da primeira fase do SERFHAU e conduziu a ação federalpara o ext remo oposto . Entretanto, os instrumentos propostos nao tinham alcancepara promover uma reestruturação da organização do território.

    s maiores lacunas desses instrumentos referidos no II PND para a efeti \ vação da pol ít ica urbana nele formulada são fru to desse centralismo e da falta de atenção ao papel o ~ N l Q há no texto qualquer referência à criação de

    , mecanismos de Indução à modernização e ao fortalecimento dos municípios, paramelhorar a gestão urbana, e tampouco a instrumentos legais e institucionais destinados à regulamentação do uSO do solo urbano. Outros instrwnentos da polít ica urbana são indicados no PND: os fundos de desenvolvimento urbano já existentes

    para o Centro-Sul, Nordeste e Norte (que seriam coordenados) e os demais mecanismos financeiros Fundo de Desenvolvimento de Programas Integrados - FDPI,recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-BNDE, etc.) , assimcomo a realização de um Programa de Investimentos em Desenvolvimento SocialUrbano (além dos programas de abastecimento d'água, esgotos e habitação). Basi.camente, afora a ímplantação da CNPU, a estratégia indicada pelo II PND é maisvoítada para uma concentração de ínvestimentos em especial em infra-estruturaurbana.

    1 0 2 Anál • Con[ Belo Horizonte 1) : 83 119 fan /abr 1986

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    Alndacomreferência a esses instrumentos, outra questão se coloca. Nenhuma referência específica ê feita quanto à coordenação dos grandes investimentos em desenvolvimento social urbano , ao contrário do que figura nos fundos de desenvolvimento urbano já criados. Fica evidente, com ta l omissão, que, apesar de a

    , CNPU contar com representantes dos vários ministérios e de nela o MINTER ocupar

    : papel de destaque, nenhum instrumento ou mecanismo de coordenação da açl o/ dos órgãos federais foi estabelecido. Desse modo permaneceu intocado e não-coor: denado o BNH, com seus grandes programas setoriais, o mesmo se podendo dizerI dos outros órgãos setoriais do governo que poderiam continuar a atUllr, como I de fato continuaram, sem ter em conta as diretrizes propostas para o desenvolvi-

    I menta urb noI

    Em síntese, pode-se afumar que, se a polít ica urbana defmida pelo II PNDrepresentou uma ruptura com o modelo implantado origínalmente pelo SERFHAUno trato dos assuntos urbanos, ao formular um modelo de organízação do território,

    ela não instituiu mecanismos que fizessem desse modelo um marco de referência -ra os esforços isolados do planejamento local. Ao contrário, abandonou a opçãeque vinha sendo proposta pelo SERFHAU, no sentido de cada estado expandir suaação na coordenação do desenvolvimento local, ~ v o ~centralis iiõ-. NãOtendo sido compatibilizado o modelo formulado a nível dos estados, o que tambémnão ocorreu com as políticas setoríaís federais, boa parte da proposta de desenvolvimento urbano do II PND veio a se perder e, por outro lado, nenhuma solução inovadora foi indicada para a mais grave questão de organizaçl o interna das cidades, ocontrole do uso do solo, ou para fortalecimento dos organismos metropolitanos,jáinstituídos.

    4 CNPU TENT TIV DE IMPLEMENT Ç O D POLfrlCURB N DEFINID NO II PND

    Na pol ítica urbana formulada no II PND (Brasil. Presidência... s.d.) figura1 va como principal inst rumento a Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Polí tica Urbana (CNPU), inst ituída pelo Decreto 74156 de 06.06.74. A essa': Comissão caberia basicamente fixar as diretrizes, estratégia e instrumentos da Pu-I l ít ica Nacional de Desenvolvimento Urbano; acompanhar e avaliar a implantaçl oI do sistema de regiões metropoli tanas e da polít ica urbana como um todo; e, final-mente, articular-se com os órgãos federais-ministérios, superintendências regionais

    e outros, envolvidos com a execução dessa política, para assegurar sua coordenaçl o.

    A criação da CNPU como uma comissão interministeria1, mas sem poderesexplícitos para exercer a coordenação efetiva da ação dos órgãos executivos envolvidos com o desenvolvimento urbano, l imitou, desde o início, sua capacidade como

    órgão gestor da política urbana. Apesar de haver sido estabelecida para atuar junto, à Secretaria de Planejarnento (SEPLAN) da Presidência da República, que a partir

    ~ de 1974, iria constituir-se no grande foco de concentração do poder, a nível da l\Uuião e, dado o centralismo.e uto n. tan8. mo do regime, teria estreita interferênciaee: ) Inos demais níveis de poder, ~ a i n d J tassim, v a e i n S Í l i t i : r ~CNPU o teve o statusi ecessário para assumir o (ornando da implementaç;wde uma polí tica urbana nacíonal coerente. É verdade qoo -,,xpo&ça o de motivos que propôs sua críação,submetida ao Presidente da República através do Conselbo de DesenvolvimentoEconómico, reconhecia que faz-se mister definir as linhas básicas de atuação dosdiversos organismos governamentais mais díretamente envolvidos, tendo em conta

    Anól I Conl Belo Horizonte 1 1 ,83.119, len /abr 1986 103

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    a ênfase do governo no que diz respeito ao desenvolvimento urbano e Omontantedos recursos a serem aplicados no período 1975 - 79 (estimados em 250 bilhõesde cruzeiros, a preços de 1975).

    i . Em seqüência a tais afirmações, a exposição de motivos propôs uma di-visa o de trabalho que explicitava as competências da SEPLAN, do Ministériodo Interior, do Ministério dos Transportes, do Ministério da Fazenda e do Mi-

    I nistérío da Indústria e Comércio, o que poderia fazer supor que o órgão criadoi i teria poder para efetivamente coordenar a alocação de recursos federais destinados

    ao desenvolvimento urbano por tais áreas do governo.

    A comparação entre o texto original proposto para a exposição de motivos e sua versão final revela, no entanto, que a intenção primeira da SEPLAN foraampliar Sua própria competência quanto ao desenvolvimento urbano. A ela se vincularia o novo órgão, e à própria SEPLAN caberia a formu1ação, coonlenaÇllo geral e acompanhamento da política de desenvolvimento urbano e sua compatibilização com os objetivos dos planos nacionais de desenvolvimento, além da articulaç ~ ocom os estados e municípios em estreita colaboração com o MlNTER e superintendências regionais de desenvolvimento com vistas à compatibilização do planejamento urbano, a nível estadual e municipal, com as diretrizes dos planos nacionais de desenvolvimento.

    Na versão defínítíva, t to na exposição de motivos quanto no decreto

    .\. < que instituiu a CNPU, essa competência é mais limitada, pois sso omitidas as exo,v pressões formulação e coordenação geral . À CNPU foi conferida, é verdade, . r a competência de propor diretrizes, formular a estratégia e os objetivos a serem

    L atingidos, mas nem na exposição de m ~ t i v o snem no decreto figurou ~ u a l q u e r menção à coordenação das ações da UrUlllJ:permaneceu apenas a referência, na

    ~ ~~ e x p o s i ç « ode motivos, a seu papel como elo de integração e harmonização das'Y ~ a serem deflagradas .

    A exposição de motivos que submeteu o decreto do presidente da República previu para a SEPLAN: definição dos recursos para o desenvolvimento

    ln urbano; detenninaça:o das implicações da estratégia nacional de d e s e n v o 1 v i m ~ v a aç«o das regiDesmetropolitanas e para a política de desenvolvimento

    urbano e antevislo das conse üências, para a estrutura urbana, dos andes ro- r ~ a serem imp ementados. CNPu. especificamente, caberia acompanhar,

    vu a r t i c u l a r · s e , ~ p o ~ n o n n a se díretrizes, A não se--'-'lue a n í v ~ Lda SEPLAN a N Ç&Q. , , 1 ? ~ . ' ' ' \ ' . e f e t i v a p f l i ~ ~(oU_ ()1J1an

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    o primeiro caminho explorado pela CNPU. ainda em 1974, seria nortearsua ação pelo desdobramento das diretrizes dp II PND, tendo sido enunciados osseguintes pontos básicos: -

    a) a im lanta o das nove re .Oesmetro litanas á criadas e da uelas em form ~ L a p o í a no a elaboraçao de planos, criando mecanismos novos e apoiandoJ:rojetos específicos: para isso, um sistema [manceiro de cunho metropolitano~ r criado, e recursos federais seriam alocados para a implantaçllo de sistemas depIariOJamento mtegtãdo;

    b uma 1inha de a orientada às cidades de rte médio alcancleos com mais de 50 habitantes; na Regillo Sudeste, teria a finalidade de roo1I ., r o creSctnlen o esses centros e re Z l o grandes metrópoles; no Nord'lste, Amazônia e Centro-Oeste, integrar-se.ia à programaçaí? de desenvolvimentoregional, e a ação da Unillo seria mais efetiva;

    c) 'etos e ecíficos se destinariam aos núcleos de a io a r amas es-pecíaís da política económica aí se situando a ajuda exigida pelo Vale do AIO

    inas erãlS h ;

    d o lazer e o turismo também mereceriam atençllo especial.

    Ao apresentar suas linh s de ação, que, de certo modo, extravasavam dascompetências fixadas no decreto que a criou, a CNPU se pautou, rigorosamente, pe-

    las orientações do II PND, referindo, em cada caso, a natureza da ação do governo(se de controle, contenção, dínamízação, promoção, disciplinarnento). Foram díscriminadas, nessa ocasillo, as fontes de recursos a serem alocados, dos quais mais de40% proviriam do BNH. Entre as fontes citadas, indicava a CNPU 15 das transferências envolvendo Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participaçl o dos MunicípiOS (FPM), Fundo Especial e fundos vinculados, o que' exigiria,para sua viabilizaçllo, poderoso mecanismo de coordenação a nível do governo federal e em relaçDo a estados e municípios.

    Tendo permanecido de pé a questão da inexistência de coerção da parteda CNPU, os recursos referidos foram quase todos geridos independentemente dasdiretrizes fixadas pelo órgllo. Realmente, seria extremamente difícil senão impossível, coordenar sua aplicação, se não possuía poder de decisllo para tal.

    Em t is circunstâncias, como adquirir condições para empreender a açlloexecutiva pretendida? Além de desdobrar suas atividades na linha de articulação,com vistas a influenciar outros órgãos federais e governos estaduais a participaremdos programas e neles Se enquadrarem, restavam à CNPU duas formas de ação: a)apoiar-se no poder de coordenação da própria SEPLAN, que, de fato, estava assu

    mindo o controle de grandes programas de investimentos, mas que não priorizavao desenvolvimento urbano e não alcançava a programação habitacional; b) obtera criação de um fundo específico destinado ao desenvolvimento urbano, dotadode um montante de recursos apreciável, que lhe poderia conferir a capacidade executiva almejada.

    A ínstítuíção do Fundo Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Urbano(FNDU) pela Lei n > 6256 de 22 de outubro de 1975 nllo bastaria para viabilizar

    An61. Ccnj., e lo Horlzont., 1 1 : 83-119, ian. lobr. 1986 1 5

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    a açãoprogramada, embora previsse a provisão de recursos orçamentários da Uniãoe abrisse a possibilidade para operações de crédito e para a captação de outros recursos de fontes internas e externas. Mas em face da programação anunciada,h -veria que dispor de recursos mais vultosos. Uma complementação adviria daLei n ' 6 6 de 14 de novembro de 1975 que instituiu a Empresa Brasileira deTransportes Urbanos (EBTU) e um adicional, destinado ao FNDU, de 12% sobreo Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes Líquidos e Gasosos(IUCLG).Mas esse adicional passaria a ter urna subconta para o desenvolvimentodos transportes urbanos, que faria jus a 75% do arrecadado. A CNPU ficava,assim comapenas 25% do novo tributoparaa implementação de seus programas e projetose, por outro lado, não viria a ter controle real das aplicações em transporte urbano. Esse setor, como os de produção de habitações, saneamento e outros,viriaa escapar da possível coordenação da CNPU, forçada, a bem dizer, a se limitarà funçlio de elo de íntegração referida na exposiçlio de motivos que propôs

    sua criação.Os recursos eram insuficientes, mas investimentos em habitaçlo, trans

    portes urbanos e outros na área social (inclusive os centros sociais urbanos) complementariam as medidas visando a dístensão urbana pretendida pelo governo,afirmou o secretário executivo da Comissão,na entrevista, Programaurbano jáfoi concluído pelo governo , publicada em O Globo quando daínstítuíçãodoFundo em 1975.

    Com o FNDU, apesar de suas limitações, os programas previstosseriamlevados adiante: a elaboração de planos integrados seria retomada e a execução deprojetos específicos receberia dotações do Fundo. Dessa forma, julgou a CNPUque poderia persistir na sua orientação de, controlando a alocação dos recursos,promover o ordenamento da ocupação do território. Estimou, inclusive,em umprimeiro momento, que seria possível,com o novo instrumento, integrar as açõesdos vários níveis de governo: a liberação dos recursos do FNDU e de programasp -ralelos teria comopré-requísítoa apresentação de programas pelas prefeituras parasolucionar e prevenir problemas urbanos. Entretanto, os recursos, basicamente insuficentes, viriam a ser liberados de forma atomizada, mediante aapresentaçãode

    projetos específicos, devidamente apoiados pelos poderes estaduais, por outrasáreas do aparelho estatal, ou mesmo, por outros grupos de pressão.

    Os resultados alcançados seriam parcos e não iriam caracterizar, comoesperado, urna reviravolta no trato dos problemas urbanos. Pelo contrário, apenasacresceriamà elaboração de planos e execução de projetas selecionados que,muitas vezes,pouco ou nada se relacionavamcom as diretrizes de atuação definidas.A CNPU permaneceu. pois, naquela condição que tivera o SERFHAUde promovero planejamento local - agora acrescido do metropolitano apenas tendo entãosua competência fortalecida com a criação do FNDU, que lhe pemútia alocar recursos para a elaboração de planos e a execução de l uns projetos. as os recursos eram poucos em face da dímensão que assumiam os problemas a serem enfrentados, e nenhuma distensão urbana resultou dos esforços despendidos.

    A centralização promovida a partir de 1974 no trato do desenvolvímento urbano não veio a se efetivar como pretendido, já que, a rigor, não se implementaram as diretrizes de organização do território, do PND. Mas, ainda assim, como havia recursos a alocar, ficou em mãos da tecnoburocracia do órglo106 Anál Conl.• Belo HorIzonte, 1 1 : 83·119, lan.Jabr. 1986

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    central definir as prioridades - que nem sempre se coadunavamcom aquelas dosgovernos estaduais e que,por vezes, se orientaram pelo interesse dos grupos depressão mais poderosos. peso maior conferidoà subconta do FNDT o atesta.

    Apesar das límítações e restrições que a CNPU defrontou na ação executiva que se propôs desenvolver no período em análise, no que diz respeito aoacompanhamento do processo deImplantaçãode regiões metropolitanas e no esforço pelo desenvolvimento das cidades médias, o balanço de suasaçõesé inega-velmente positivo. Inclusive,por haver explorado a possibilidade de obtenção derecursos externos que viriam a concretizar, mais adiante, a execução do ProgramaEspecial de Cidades de Porte Médio.

    Paralelamente às diretrizes de ação executiva que a CNPU perseguiu, Comapoio nos recursos do FNDU e outros e através de entrosamento direto, sempre que

    possível, m outros órgãos federais e secretarias de planejamento dos estados, outros campos de atuação foram buscados pelo órgão.

    Escudada em sua competência para propor normas e instrumentos deaçãonecessários ao desenvolvimento urbano, a CNPU desde logo buscaria meios para assegurar a interveniência da União na regulamentaçãodo uso do solo, competênciaeminentemente municipal. Adefmíção,por decreto, de áreas críticas depoluiçãoque incluiriam, entre outras, todas as regiões metropolitanas,iria abrir caminhopara o estabelecimento de normas legais de controle da localização industrial. 20

    A formalização da partícípação da CNPU na ação federal prevista para as ÁreasEspeciais eLocaisde Interesse Turístico Lei 6 513 de20 de dezembro de 1977)fortaleceu aposiçãodo órgão como uma instância a ser ouvida em se tratando denormas para uso do solo.

    Mais importante seria a tentativa de se criarem instrumentos jurídicosmais enérgicos que possíbílítassem o controle efetivo do uso do solo urbano e facultassem aos governos a adoção de medidas inovadoras em prol do desenvolvimento urbano. A ausência de tais instrumentos já em 1975 era reconhecida como omais grave problema com que se defrontava a política urbana brasileira, pois estanão poderia prescindir de umareformulaçãodos conceitos jurídicos relativosàdefinição do interesse público e privado e às competéncias daUnião,dos estados emunicípios, para aregulamentaçãodo uso do solo. Estudos foram realizados poriniciativa da CNPU, mas menhurna proposta concreta foi encaminhada pelo Executivo ao Legislativo, permanecendo intocado o statusquo assunto, emborareconhecido como vital para aefetívaçãode urna política de desenvolvimentourbano, não mereceu do centro de decisões do governo qualquer prioridade.

    Apesar das formulações cóntidas no II PND e da instituiçabdo FNDU,a política definida pelo CNPU permaneceu, pois, em posicao secundária,a nível do er decisório federal. e fato, o governo, ao definir açOes efetivas

    20 NoDecreto-Lei n91413 de 14 de agosto de 1975 figurava entreas áreas críticas de poluiçfo toda a bacia do Paraíbado Sul, que englo-ba os vales dos rios Paraibuna, Pomba e Muriaé, em Minas Gerais.As diretrizes básicas para o zoneamento só vieram a ser fixadas pelaLein96803 de 2 de julho de 1980.

    An6 a Ccnl.• Belo Horlzont., 1 1 : 83.119, lan.lobr. 1986 7

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    Embora seÉ ll muit s_(Js frutos_isolados desse primeiro período de iroplantação formal da política_de desenvolvimento urbano exposta no II PND, po.d ~ s e _e ~ i r n l l r _ q ~ , - d a s p r o p o s i ~ e s _ . e r a i snela contidas, pouco foi alcançado porn.

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    Esse novo posicionamento do aparelho estatal, que enfatizava a busca desoluções setoriais capazes de efetivar o progresso econõmíco, resultaria diretarnenteem menor credibilidade do conceito de planejamento. Isto afolaria diretamente acondução da política urbana quanto aos investimentos destinados a atender as

    populaçõesde

    baixa renda em termos de serviços urbanos e, paralelamente, afastaria qualquer possíbilídade de se alcançar a compatíbilízação, com essa política,das diretrlzes e medidas de desenvolvimento regional e urbano preconizadas paraa redução dos efeitos perversos das desigualdades regionais e da Crescente concentraçA o da população e da pobreza nas regiões metropolitanas.

    1 O CNDU e seu posicionamen1D no organismo governamental

    Apoiado pela Subsecretaria de Desenvolvimento Urbano, õrgao técnicoque compreende, além da Secretaria Executiva do Conselho, quatro coordenadorias - de Política e egisl çãio Urbana, de Planejamento Setorial, de Regiões Metro·politanas e de Cidades de Médio e Pequeno Porte O CNDUrepresentou, sem dúvida, certo avanço em termos institucionais, embora pouco se tenha afastado dasistemática de atuação da antiga CNPU. O Conselho é formado por representantesde oito Ministérios e duas empresas governamentais o BNH e a EBTU) - além decinco membros nomeados pelo presidente da República, sendo presidido pelo ministro do Interior.

    Ainda que esses cinco membros sejam de livre escolha do governo,nfo

    setratando, portanto, de representação formal da sociedade civil, sua presença noConselho, com mandato fixo, consistiu em um avanço no sentido de uma gestllomais democrática da política urbana.

    A instituiçllo do CNDU e da Subsecretaria de Desenvolvimento Urbano,com vinculaçlo ao Ministério do Interior, pretendia obter urna integração maior docomando da política urbana, a nível do próprio Ministério, ao qual se vinculam osgrandes investimentos urbanos do BNH, urna vez que o FNDU era, ele próprio, ín-suficiente para viabilizaros investimentos necessários ao desenvolvimento urbano.

    Paralelamente, ao fortalecer o Ministério do Interior como responsávelpela proposição e gestllo da política urbana nacional, o governo parecia reconhecera necessidade de maior integraçlo do urbano e do regional, com vistas àqueles aspectos da política urbana referentes ao ordenamento do território.

    Os objetivos e competências do CNDU, embora basicamente os mesmosque os da CNPU, foram m is claramente explicitados, mas, mais urna vez, não foiconferido ao órgllo coordenador d ~ í t i urbana nenhum poder decisório nos . 1<assuntos maiores dessa política. s . < ~ V W.•(, ~ J: « , ., 'Coo Voe ,/1t : \.. q J J.I'-o. W I OJO CP :fJlto .

    Com efeito, embora t sido desenvolvida, em araIelo, umaexecutiva - a programas a eatgo secret8 ;l . nvolvimentoUrbano e da aplic o dos recursos, tanto do FNDU como externos, elesc lpta os o nse o, nos assuntos IDll10res a pc ítica urbana, nllo recebeucompetilncia senão para elaborar e encaminhar proposições. Essas propostas nllosrapoiavam em iíIna_C

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    \tl.U \ ÓJ C/Jacif'HÁ,éc0 N t . ~ v < J y V ~ oC o ~

    @s investimentos setoríaís~ da liniao,estados ou municípios - referentes aI t a b ~ @ ~ s a n e a m ~ t Q ~ ~ p o r t e _ 1 : b a n º ,áreas.i n d u s t n ~~ a _ d m i n i s t r à ç f o l e:t,r,opolitlll)a e mWlicipaL També JI naba ~ ç a r a mos resultados almejados em~ .mos de legislação básica e instrumentos normativos.

    Esses dois campos de atividade interessavam diretamente aos dois grandes rumos da política urbana - os investimentos em desenvolvimento urbano e,de outro lado, a ação reguladora sobre oUSodo solo e as próprias atividades governamentais nas áreas urbanas. No entanto, para seu efetívo desenvolvimento, nãopodiam prescindir de um real poder de decisão, seja quanto aos investimentos a serem coordenados, seja quantoà efetiva implementação de suas propostas normativas.

    y I?Qisobstáculos imediatamente se colocaram, dificultando a consecução~ dos objetívos pretendidos pelo e pela Subsecretaria de pesenvolvimento

    A lJ :bano:o distançiam ,n.to_do órg b em relaçao ao foco de decis PQlítica eco, n9mico-fmanceira,cada vez mais centralizado, que passou- contro..larmais d i r ~ t a - êi;, men te. todas as liberaçÕes de recursos; e sua frarilidad,.e -como órgab coof@n@orl e normativo, vinculado a um ministério eminentementee x e c u t i v o ~sem poder deçÕerçJ osobre os Órglos setO'riaiS-wvOlVldos comº - - d ~ v t ) l . ; ; , n e n t ; _ I g ' U Qc 1 u s i ~_1 'la retraçao des u a 3 a p ~ d a d e i n v e s t i d < > r ~ ~A esses obstácu os,o)ltros seS ( ) 1 I 1 8 ~ L e v i d e J I c i a d . . o s_no..liecorrer_dos, esforçosdeseJ1.volvidos.Jl Í.oQrl\.abpara .01>.teruma legislaçaobásica...9..uefavorecesse o desenvolvimento urbano:a incapacidadeou dificuldade_deeXercer as preSSllescabíveiS, aI l Í v e l ~ d o spó3eresconstitllÍ.d.s__::-.tanto o Executivo l J8Ilto o próprio Legislativo e o isolamentodo órgab em relaç o à sociedadecivil,que, por efeitodJl.press Q~ 9 Sinteressescontrários, não se mobilizou em favor das proposições do CNDU.

    Diante desse quadro, como seria possível conduzir o processo de desenvolvimento urbano no País? Como enquadrar a ação governamental para criarmeJbores condições para o desenvolvimento urbano local e modificar os aspecto s perversos da urbanização, em termos locais e no que respeita à estrutura espacial brasileira?

    A transferência da coordenação da política urbana ao Ministériodo in-terior - mantida a mesma concepção básica dessa política,nso tendo sido acompanhada de maior poder de coerção e, pelo contrário, tendo havido um esvaziamento da capacidade de investimento em programas de desenvolvimento urbano- não trouxe, portanto, os resultados almejados. Acentuaram-se asdificuldad- .para efetiva compatibilizaçJ o, a nível do urbano, das intervenções económicas e sociais.Limitaram-se maisaindaas possibilidades de internnçA:o direta, em term' s'de ordenamento do territorio e da efetivaçao do planejamento a nível metropolitanoe mumdpãlZt

    L 21 A nível do próprio Ministério do Interior; não ocorreu a coalizl o ,l {*: J.; t · · que seria necessária para a efetiva coordenaçâcda política urbana.

    ~ 9'JI Além do BNH, que, a nãO ser quanto a programas específicos, persís-Jf ~ tiu o o órglo essenciahnente setorial outros 6J:gf os do Ministério \, mantiveram-sealheios à política urbana - o o o Departamento Na-

    v - , ~ .1 clonai de Obras e Saneamento (DNOS) e aprópria SecretariaEspecial \ifO \ 1 do Meio Ambiente SEMA). E mais, as lÇÕesde apoio aos municípios I desdobradas com particular vigor, tiverem desenvolvimento autônomo,

    sem qualquer articulaçãocom a política urbana.Anãl Conl., Belo HorIzonte, 1 1)= 83·119,lan.lClbr. 1986

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    5 A politica ur n prov d peloCNDU

    A