04. la na terra do contrário

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L Á N A T E R R A D O C O N T R Á R I O Comédia-farsesca-absurda Texto de: JULIO CARRARA Escrita em 1996

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LLLLÁÁÁÁ NNNNAAAA TTTTEEEERRRRRRRRAAAA DDDDOOOO CCCCOOOONNNNTTTTRRRRÁÁÁÁRRRRIIIIOOOO

Comédia-farsesca-absurda

Texto de: JULIO CARRARA

Escrita em 1996

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Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara LLLLá na Terra do Contrá na Terra do Contrá na Terra do Contrá na Terra do Contrárioárioárioário 1111

PERSONAGENS:

FELIPE

NATÁLIA

CORNÉLIO

CHIFRONÉSIA

AMANDA

LEDESMA

BABY

PADRE

COROINHA

RAPAZ DO CLUBE

MOÇAS E RAPAZES

ÉPOCA: Atual

CENÁRIO: Vários prédios ao fundo do palco representando uma cidade

grande. Nos prédios estão acesas algumas luzes de alguns apartamentos. Esse

é a única parte fixa do cenário. O resto do cenário é móvel. Para a danceteria

duas mesas e quatro cadeiras de bar, um globo e strobo. Para a praça dois

bancos de madeira. Para a casa de Chifronésia um sofá de dois lugares. Para o

clube uma cadeira dessas que ficam à beira da piscina, com guarda-sol e

toalhas de banho. Para o ponto de ônibus, um caibro pintado de verde e escrito

“ponto de ônibus” em preto.

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PRÓLOGO

(Danceteria. Uma música alegre vibrante é ouvida num volume quase que

ensurdecedor. As luzes piscam de uma forma que não dá para identificar direito quem

está lá. Um grupo de jovens entra pelo lado direito e outro grupo pelo lado esquerdo do

palco se encontrando no centro e se encarando. A primeira impressão que se tem é que

se trata de uma briga de “gangues”. Os jovens quebram o clima e começam a dançar,

ocupando todos os espaços disponíveis. Nada parece perturbar a alegria deles. Felipe

está sentado numa mesinha, meio isolado. Bebe e fuma, numa fossa tremenda. De

repente, olha para a pista e observa Natália, que está dançando no centro,

animadíssima, com sua amiga Amanda. Ela percebe que o rapaz está olhando para ela e

olha também. Ele sorri maliciosamente e depois pisca um olho para ela. Ela finge que

não viu e cochicha com Amanda. Felipe pega um guardanapo e escreve um bilhete.

Pede para um amigo entregá-lo para a menina. Natália recebe o bilhete e lê. Mostra

certa satisfação e exibe o papel para Amanda. Felipe, impaciente, espera uma resposta.

Natália olha para ele e acena afirmativamente com a cabeça. O rapaz dá um pulo de

alegria e sai feliz. Natália, quando percebe a saída do rapaz, corre atrás dele, mas não o

alcança. Volta desolada e caminha para o lado esquerdo do palco. Todos saem e a

música cessa.)

CENA 1

(Quarto de Felipe e quarto de Natália. Os quartos de ambos ficam no proscênio. Não há

móvel algum. O de Natália fica à esquerda e o de Felipe à direita do palco. Foco sobre

Natália.)

NATÁLIA

(Dá seu depoimento para o público.) Tudo começou no domingo passado

numa danceteria. Eu não costumo frequentar danceterias porque não sei

dançar direito, mas tava de saco cheio de não fazer nada e só fui porque a

Amanda insistiu muito... Ainda bem que ela insistiu. Se não tivesse ido, não ia

conhecer aquele gostoso. Pena que ele age como todos os outros meninos. Fica

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olhando pra gente com uma cara de bobo e depois dá uma piscadinha. E

ainda me escreveu um bilhete marcando um encontro numa pracinha perto do

colégio. Ainda tô indecisa. Não sei se vou ou não vou. Não sei se vai valer a

pena. Mas que esse carinha mexeu comigo, mexeu. Ele marcou o encontro pra

hoje às nove horas da noite. Vou precisar matar aula... Mas o maior problema é

que eu não fiquei com nenhum menino antes. E o pior: sou BV, boca virgem...

Ai... tremo só de pensar como vai ser... Ah, se pelo menos eu fosse homem.

Talvez as coisas fossem diferentes...

(Apaga o foco de Natália. Foco em Felipe.)

FELIPE

(Dá o seu depoimento.) Eu tava em casa, vendo TV, quando chegou um

amigo meu e me convidou pra ir à danceteria. Eu tava um bagaço. Tinha

trabalhado e estudado a semana inteira e queria ficar em casa descansando e

vendo as baboseiras de todo domingo na TV. Mas ele acabou me convencendo

e fomos pra lá. E valeu a pena porque acabei conhecendo aquela gatinha... Uh,

fiquei louco!!! No bilhete que escrevi pra ela, marquei um encontro pra hoje à

noite... Tenho medo que ela não apareça!... Gozado, nunca senti por ninguém o

que eu sinto por ela. Não dá pra dizer com palavras... Espero que ela não seja

como essas meninas que a gente encontra toda a hora... Algo me diz que ela

tem alguma coisa que as outras não têm e que tá me deixando louco... Mas se

ela for como as outras, juro que nunca mais vou correr atrás de mulher. Nunca

mais!

(Apaga o foco de Felipe.)

CENA 2

(Praça pública. Noite. Movimentação habitual. Entram em cena com cadernos e livros

nas mãos Natália e Amanda.)

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AMANDA

Ô Natália era só o que faltava eu ficar aqui de vela no dia do seu

primeiro encontro com aquele carinha...

NATÁLIA

É que eu preciso de segurança, Amanda. Só de pensar naquele

gostosinho, começo a tremer. Olhe como minhas mãos tão suadas. (Impaciente.)

Ah, não quero ficar aqui, não. Vamos embora, vai.

AMANDA

(Furiosa.) Essa não, Natália. Por sua causa eu matei aula e você sabe que

eu tô fodida em Matemática. E aquele professor não vai com a minha cara e

pode até me reprovar. Se você der mancada comigo e desistir, você vai ver.

NATÁLIA

Então volta lá. Vai assistir à aula de Matemática, vai.

AMANDA

Tudo bem, eu vou voltar. Mas nunca mais conte comigo, viu, sua grossa!

(Levanta-se.)

NATÁLIA

(Puxa Amanda pelo braço, confidencial.) Amanda, você tá menstruada!

AMANDA

(Apavorada.) O quê?

NATÁLIA

O sangue manchou sua calça... Mas por que esse espanto? Vai dizer que

você...

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AMANDA

(Sem jeito.) Bem...

NATÁLIA

(Admirada; fala alto.) Você nunca ficou menstruada????

(As pessoas que estão na praça olham para as meninas.)

AMANDA

Natália, você não vai contar isso pra ninguém, né?

NATÁLIA

Pode ficar sossegada... Bem, vamos pra minha casa. Não tem ninguém

lá, eu lhe explico tudo a respeito da menstruação e te empresto um absorvente.

(Natália tira sua jaqueta e oferece para a amiga.) Põe a jaqueta na cintura pra

disfarçar e vamos embora, vai...

AMANDA

Mas e o carinha?

NATÁLIA

Fica pruma próxima.

(Saem. Do lado oposto surge Felipe. Ele olha para o relógio, verifica se Natália está na

praça, anda de um lado para o outro, volta a olhar no relógio, senta-se no banco,

impaciente. Tira um cigarro do bolso. Fuma. Dá três ou quatro tragadas e joga-o no

chão, pisando em cima. Depois caminha até o seu foco, que o isola.)

FELIPE

Puta mancada! Eu tava tão ansioso pra ver ela de novo e ela dá esse

furo?! Fiquei como um trouxa, um panaca esperando por ela... Queria nunca

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mais me apaixonar. Mas se eu encontrar com ela novamente, ela vai ter que me

dar uma boa, mas uma boa desculpa mesmo.

(Apaga o foco de Felipe e do outro lado acende o foco de Natália.)

NATÁLIA

Eu não tive culpa. Como podia adivinhar que justo naquele dia a

Amanda fosse ficar menstruada? Eu não podia deixar ela sozinha, não é? Foi

mancada minha, eu sei. E agora, o que será que ele tá pensando a meu

respeito? Que sou uma furona, tratante, uma garota indecisa que não sabe o

que quer?!... Não vejo a hora de me encontrar com ele e esclarecer tudo. Oh,

mundo cruel...

(Apaga o foco.)

CENA 3

(Casa de Chifronésia. Ela está varrendo a casa, totalmente mal vestida, com creme no

rosto, bobs no cabelo e cheia de pregadores de roupa no avental. Ouve-se a campainha.

Ela vai atender. Entra Cornélio, um caipira. Ele é alto, magro, cabelos avermelhados,

com os dentes podres, pernas tortas e peito-e-pombo. Usa também uns óculos fundo de

garrafa. Ela se assusta.)

CHIFRONÉSIA

Quem é o senhor? (Ele para e fica olhando para ela.) O que é isso? Por que é

que tá me olhando dessa maneira?

CORNÉLIO

É que eu tô que num guento mai de vontade de casá. A sinhora num qué

sê minha marida?

CHIFRONÉSIA

Se o senhor repetir essa bobagem eu chamo a polícia. Fique quieto!

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CORNÉLIO

Mai ficá quieto na frente da sinhora eu num guento... Se a sinhora pará

num sinar de trânsito, ninguém mai vai passá...

CHIFRONÉSIA

Por quê?

CORNÉLIO

Ah, o sinar vai ficá vermeio pra tudo os lado, né?

CHIFRONÉSIA

(Ri.) O senhor é engraçado!

CORNÉLIO

Engraçado é ligá ventiladô em piquenique de baiano, né? Só farofa que

avoa!... (Charmoso.) Sabe que a sinhora é bunitona? Se fosse um porco dava pra

fazê uns quinhentos metro de linguiça... Ah, dona-muié, casa com eu. Tô tão

doido de vontade de casá que inté tô ficano um bestaião.

CHIFRONÉSIA

Eu não. Vou casar com um moço que é uma joia... Ele é contador...

CORNÉLIO

Ah, se qué marido pá contá pega eu, né, qui eu sei contá inté vinte!

CHIFRONÉSIA

Então fugiu da escola!

CORNÉLIO

Fugi coisa ninhuma. Só de jardim da infância fiz uns oito ano.

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CHIFRONÉSIA

O senhor não tem namorada?

CORNÉLIO

Quando eu tive a úrtima namorada o Corcovado inda era um montinho

de areia...

CHIFRONÉSIA

Onde foi que o senhor aprendeu tanta bobagem?

CORNÉLIO

Lá na minha casa. A sinhora num qué conhecê minha casa pra vê se

serve prá mora lá como minha marida?

CHIFRONÉSIA

Mas o senhor é horrível! Parece uma bananeira...

CORNÉLIO

A sinhora num qué virá macaco e me estraçaiá, dona?

CHIFRONÉSIA

Chiii, essa conversa tá engrossando! Acho melhor parar por aqui... E o

senhor é um caipira!

CORNÉLIO

Frango tamém é caipira, né, mai ele dá suas bicada.

CHIFRONÉSIA

Chega. O senhor perdeu o seu tempo comigo... Vá embora daqui.

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CORNÉLIO

(Triste.) Num faiz mar, puxa vida, num faiz mar. Um dia eu acerto e caso

cuma muié que nem que seja de prástico... Eu já tentei com uma. Mas na nossa

primeira noite de amor, eu deitei ela de bruço, agarrei e quando dei uma

mordida na bunda dela, ela soltou um peido na minha cara e ainda saiu

voando pela janela...

CHIFRONÉSIA

(Para o público.) Como é chato ser gostosa. (O caipira vai saindo.) Espera...

(Ele para.) Eu aceito me casar com o senhor.

CORNÉLIO

(Feliz.) Iuhh! Num falei? Falam di mim, mai eu num nego fogo!

(Pega Chifronésia nos braços, limpa a boca com a mão e lhe beija, fazendo um enorme

barulho. Black-out.)

CENA 4

(Foco sobre Felipe. Ele está deitado no chão, sem camisa e com uma cueca box. Se

masturba. Ouve-se batidas na porta do quarto do rapaz.)

MÃE DE FELIPE

(Off.) Felipe, acorda! Tá na hora de ir pro colégio.

FELIPE

(Assustado.) Saco!!! Já vou mãe!... (Para a plateia.) Essa garota não sai da

minha cabeça. Fico virando na cama, de um lado para o outro, só pensando

nela!!! Naquela pele macia, naqueles lábios, naquele olhar... Até quando vou

ficar nessa agonia?

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(Apaga o seu foco e acende o foco de Natália que conversa com Ledesma, uma garota

que foi picada pela mosca tsé-tsé, a mosca do sono e vive sonâmbula.)

NATÁLIA

...Até quando, Ledesma?

LEDESMA

(Boceja, falando mole.) E eu sei lá!

NATÁLIA

Não consigo parar de pensar nele. Onde quer que eu olhe eu vejo ele: no

meu caderno, no prato de comida... Em tudo que é lugar!

LEDESMA

Quem mandou se apaixonar?

NATÁLIA

Eu não tive culpa. Rolou, não deu pra segurar...

LEDESMA

Você acha que ele te esqueceu? (Vai se deitando no chão.)

NATÁLIA

Não sei. O que sei é que não sei quando vou ver ele de novo... (Furiosa.)

Droga, justo naquele dia tinha que chover na horta da Amanda? (Ledesma está

dormindo e roncando.) Ô, mosca-morta... Ih, o casamento do Cornélio com a

Chifronésia é hoje!!!

(Foco desce em resistência até o black-out.)

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CENA 5

(Música de casamento: “Carruagens de Fogo”. Luz sobe em resistência revelando uma

igreja. O padre está no centro do palco com uma bíblia na mão. Ao seu lado está o

coroinha ouvindo jogo de futebol num radinho de pilha. O padre, vez ou outra pede

para escutar para saber o resultado do jogo. Ledesma, cochilando, está com Amanda e

Natália. Chifronésia está à espera do noivo no altar, trajando terno e gravata, um

bermudão do Havaí, um sapato de boiadeiro e brincando com um “minigame”. Luz na

plateia. Cornélio aparece no fundo trajando um vestido de noiva e segura um

espanador de pó no lugar do buquê de flores. Seus passos se assemelham aos passos dos

atletas na corrida de São Silvestre, só que ele realiza esses movimentos em câmera

lenta. Atravessa a plateia e sobe ao palco. Chifronésia entrega o minigame a Natália,

que continua o jogo. O padre realiza a cerimônia. Faz todas as perguntas necessárias e

após declarar o tradicional “eu vos declaro marido e mulher”, fica atento ao radinho e

grita: “GOOOOOOOOOOLLLLLLL”. Todos se assustam. Cornélio joga o espanador

e duas moças disputam a posse do mesmo. Na saída, os convidados jogam feijão nos

noivos, que saem. Uma música brega é tocada e todos dançam, fazendo coreografias de

acordo com a música, até desaparecerem. Natália começa a rir sem controle e Ledesma,

que tinha desabado no chão, acorda e vai até a amiga.)

LEDESMA

Do que você tá rindo, Natália?

NATÁLIA

(Rindo sem controle.) Eu queria ser uma mosca só pra saber como vai ser a

noite de núpcias deles. Deve ser a maior comédia...

CENA 6

(Ouve-se a música “Docinho, Docinho”, de Gugu Liberato. Cornélio e Chifronésia

entram no palco. Um pelo lado esquerdo e outro pelo direito. Chifronésia está com uma

camisola horrorosa e Cornélio ainda está vestido de noiva. Começam a dançar e vão se

despindo ficando apenas com a roupa de baixo. Cornélio fica só de ceroula e percebe-se

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um enorme coração na parte traseira desta com uma flecha atravessando-o. Cornélio

corre atrás da mulher que, meio que foge. A situação se inverte e agora é ela que corre

atrás dele. Quando consegue agarrá-lo, joga-o no chão e pula em cima dele. Black-out.)

CENA 7

(Luz sobe em resistência. Natália está no centro do palco e continua rindo.)

NATÁLIA

Deve ser muito engraçado, Ledesma.

FELIPE

(Dirigindo-se à Ledesma.) Ô garota, você não viu o... (A garota desaba no

chão. O rapaz fica surpreso ao ver Natália.) Você?

NATÁLIA

Sim, sou eu... (Repete como Felipe.) Você?

FELIPE

Sim, sou eu. Pensei que nunca mais fosse te encontrar.

NATÁLIA

Pois é.

(O diálogo dos dois deve ser monótono, pois procuram assunto para conversar.)

FELIPE

Você não foi à praça, né?

NATÁLIA

Pois é. Eu fui, mas uma amiga tava junto comigo e o chico dela chegou...

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FELIPE

Chico?

NATÁLIA

(À parte.) Ih, falei bobagem. (Tenta consertar.) O chico é o... é o... ah, meu

Deus... é o... ah! é o namorado da minha amiga... Pois é.

FELIPE

O dia tá quente, né?

NATÁLIA

Eu acho que vai chover.

FELIPE

Mas não tem nenhuma nuvem carregada no céu...

NATÁLIA

Nunca se sabe... (Silêncio.) Você se chama Felipe, não chama?

FELIPE

E você Natália, não é?

NATÁLIA

Hum, hum... (Silêncio mortal.)

FELIPE

Natália... (Aponta o céu.) O que é aquilo?

(Natália olha para cima e Felipe dá um beijo em sua boca. A garota se assusta e quando

ele afasta seus lábios dos lábios dela, ela o agarra e beija-o. O rapaz chega a ficar roxo,

vai perdendo o fôlego e solta um peido barulhento. Solta-se da garota, incomodado.)

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NATÁLIA

O que foi Felipe?

FELIPE

Natália... Peido pesa?

NATÁLIA

(Pensa.) Hum... pelas leis da Física... deixa eu ver... O peido é constituído

de gases. Uns fedem e outros não, uns são barulhentos e outros silenciosos,

uns são peidos secos e os outros peidos molhados... Acho que só os peidos

molhados pesam... Por quê?

FELIPE

Então eu acho que fiz besteira. Tchau, Natália.

NATÁLIA

Pega o meu telefone!

FELIPE

Não, hoje não. Me encontre amanhã no Clube de Campo, na piscina lá

pelas três da tarde...

NATÁLIA

Eu te espero.

(Felipe sai correndo e Natália corre para o seu foco, pulando de alegria.)

NATÁLIA

Eu beijei, beijei. Dei o meu primeiro beijo. Foi o maior beijaço!!! Coitado

do Felipe... até cagou na calça... (Suspira.) Pelo menos agora eu sei o que é

beijar. Não vou precisar ficar mentindo para as minhas amigas... Eu sei que

elas também nunca beijaram. Que sensação estranha! O beijo até que era bom.

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O que mais me incomodou foi aquela língua assanhada, que quase me deixou

engasgada.

(Apaga o seu foco. Acende o foco de Felipe.)

FELIPE

(Tenso.) Tem uma coisa que tá pesando na minha consciência... Há

alguns meses eu... Bem, é difícil conversar com alguém sobre esse assunto. É

um assunto muito delicado. Um assunto que não tive coragem de falar pra

ninguém. Nem pros os meus pais. Acho que se eles soubessem disso, me

colocavam pra fora de casa. O problema é relacionado à minha... identidade

sexual. A Natália vai levar um choque quando souber que eu sou... gay! Nunca

consegui sentir atração por menina nenhuma, mas quando via um menino,

subia pelas paredes de tanto tesão. Até o dia em que um amigo tirou aquele

pau duro da cueca e pediu pra que eu batesse uma pra ele. Fiquei com medo,

mas bati. A gente se via frequentemente e transamos uma vez, depois uma

segunda, uma terceira, uma quarta, uma quinta, uma sexta, um sábado, um

domingo... Eu procurei sair com meninas, mas na hora H o “bicho” não se

animava e eu passava a maior vergonha... É foda você ficar com uma menina e

tá pensando num cara... A Natália é uma garota especial e preciso me abrir

com ela e ver se ela me entende. Seria bem pior se eu contasse pra ela depois

de estarmos namorando sério. Aí... aí eu não iria me perdoar nunca. Amanhã

vai ser um dia infernal pra mim...

(Foco desce em resistência.)

CENA 8

(Entra Cornélio com uma enorme barriga. Está sendo auxiliado por Chifronésia. Traja

um vestido de gestante e faz a respiração de cachorrinho. A cabeça da criança já

aparece. Chifronésia põe o marido deitado no centro.)

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CORNÉLIO

Ai, Chifrô, chama arguém pá me ajudá. A borsa estorô e o bacuri já vai

nascê.

CHIFRONÉSIA

Calma, meu amor. Vou ver se chamo alguém...

CORNÉLIO

Rápido que tá nasceno. Ai, num guento mai.

(Entram Amanda e Ledesma.)

CHIFRONÉSIA

Ledesma, me ajuda que o meu filho tá nascendo.

LEDESMA

Mas o que vou fazer. Eu não sou parteira.

CORNÉLIO

Ai, vai nascê.

AMANDA

(Estranha.) Ei, Chifronésia não era pra você ter a criança?

CHIFRONÉSIA

Era, né. Mas não sei o que aconteceu que ele é quem acabou

engravidando.

(Ledesma dorme num canto.)

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AMANDA

Só gostaria de saber por onde a criança vai nascer... (Vai xeretando e vê que

a criança sai pelo ânus de Cornélio.) Ah, meu Deus.

CORNÉLIO

Ai, tá nasceno.

CHIFRONÉSIA

Pega a criança, Ledesma.

(A mulher vê Ledesma dormindo e fica brava.)

AMANDA

Deixa que eu pego. Vamos lá, Cornélio. Força!!!!

(Cornélio grita e a criança nasce. No áudio o som de um peido ensurdecedor. A criança

sai de dentro dele como uma rolha de garrafa de champanhe quando é aberta e como

uma bolinha de borracha, bate na parede quicando de um lado para o outro e cai no colo

de Ledesma, que acorda. Todos tapam o nariz devido ao odor. O bebê é verde, tem os

dentes podres, barbichas e duas anteninhas de marciano.)

AMANDA

(Cai dura.) Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o que é isso?

Deus que me perdoe, mas isto não é uma criança, é um ET!

BABY

(Engatinha para Chifronésia.) Eu quero mamá. Quero mamá...

CHIFRONÉSIA

(Traz Baby para o outro lado do palco.) Meu filhinho querido do coração da

mamãe, ai que gutegute.

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AMANDA

Não faz isso, Chifronésia que não foi cortado o cordão... (O cordão

umbilical está esticado e tem mais ou menos três metros de comprimento. Amanda vai

falando e pondo a mão nele.) ...um-bi-li-cal! (Desmaia.)

CORNÉLIO

Corta o “imbigo”, Chifrô... (Chifronésia pega da mala uma tesoura de

jardineiro e o corta.) Ô porquera do pai...

BABY

Baby qué tetê...

CORNÉLIO

(Tira seu sutiã e um enorme peito flácido cai na boca do filho.) O pai tem

bastante leite.

(O menino mama bastante. Após a refeição solta um enorme arroto. Black-out.)

CENA 9

(Clube de campo; à beira da piscina. Natália está sentada numa cadeira, de biquíni e

com óculos de sol prendendo o cabelo. Lê uma revista. Está esperando Felipe chegar.

Seu olhar possui um brilho enorme. Sem que ela perceba, Felipe aparece trajando uma

sunga e fica observando-a, até tomar coragem e se por na frente dela.)

NATÁLIA

(Abraçando-o, sorridente.) Felipe, meu amor...

FELIPE

(Soltando-se dela; frio.) Não me abrace, Natália.

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NATÁLIA

(Estranhando.) Por quê?

FELIPE

Eu preciso te dizer uma coisa muito importante...

NATÁLIA

Fala.

FELIPE

(Meio embaraçado.) Eu quero terminar com você.

NATÁLIA

Por quê?

FELIPE

(Procura uma resposta.) Porque... porque... porque eu não sinto mais nada

por você. Tô apaixonado por outra menina...

NATÁLIA

Bem, se você quer assim... (Mente.) Ainda mais agora que eu tava saindo

com o... (Não encontra o nome.) Com o... com o... com o...

FELIPE

Com o...?

NATÁLIA

Ninguém. Eu tô saindo com o NINGUÉM.

FELIPE

Tenta me entender, Natália. Você é bonita, legal, inteligente, mas não

serve pra mim...

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NATÁLIA

Tudo bem, Felipe... E fique sabendo que tem mais de mil homens

querendo me namorar. Pena que eu ainda não os encontrei! (Chora e abraça

Felipe.) Por que você fez isso comigo, hein?

FELIPE

Não chora, Natália. Não chora senão eu choro também... (Assua o nariz

no ombro dela.)

NATÁLIA

Não consigo compreender. A gente tava tão bem! Lembra quando a

gente se beijou pela primeira vez? A emoção que você sentiu foi tanta que até

cagou na calça, lembra?

FELIPE

Natália... Eu... eu... jogo água fora da bacia...

NATÁLIA

O quê?

FELIPE

Jogo em outro time.

NATÁLIA

Não sabia que você jogava num time... Que interessante. É time do quê?

Futebol, vôlei, basquete?

FELIPE

Não é nada disso...

NATÁLIA

Então o que é?

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FELIPE

(Rápido.) Eu sou gay... É isso, pronto, falei! (Mais devagar.) Eu sou gay!

(Anasalando a voz.) Sou mona! Gosto de dar ré no quiabo, sentar no pepino...

NATÁLIA

(Chocada.) O quê?

FELIPE

É isso mesmo, Natália. Você não faz ideia do que tô passando agora.

Você seria a última pessoa do mundo que eu queria magoar. Queria que me

perdoasse!

NATÁLIA

Eu não tenho nada que te perdoar. A escolha é sua, mona...

FELIPE

Então vai um convite... À noite eu faço show numa boate lá do centro.

Meu nome artístico é Odete Furacão... (Solta a franga.) Tem cada bofe escândalo

lá, racha. Cruzes!!!! Fico doidinha. (Volta a si.) Desculpa por ter te iludido. Mas

meu negócio é homem... (Estende a mão.) Amigas?

NATÁLIA

(Abraça-o.) Amigas! Você é sensacional!

FELIPE

Você também.

(Felipe vai saindo lentamente e ela fica sentada, chorando em silêncio. Entram Ledesma

e Amanda conduzindo Baby, que tem no pescoço o cordão umbilical feito coleira de

cachorro.)

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LEDESMA

(Ao ver Natália.) Olha a Natália ali, Amanda.

AMANDA

É mesmo... Nossa, ela tá com uma cara tão esquisita. O que será que

aconteceu?

LEDESMA

(Bocejando.) Acho que brigou com o namorado.

(Baby engatinha até Natália, que não o vê.)

AMANDA

Ué, cadê o Baby? (Procura.) Baby, Baby. Onde esse menino se meteu meu

Deus?!

(Baby cutuca Natália e ela ao vê-lo, grita assustada. O menino começa a chorar.)

AMANDA

(Encontrando-o.) Ô Baby, você tá aqui... (Para Natália.) Oi, Natália, não se

assuste. Esse aqui é o Baby, o filho do Cornélio com a Chifronésia. (Para Baby,

que soluça.) Calma, calma. Ai, meu Deus, e a Chifronésia que não aparece? E

você, Natália, o que está fazendo sozinha aqui?

NATÁLIA

Vim me encontrar com o Felipe, mas... a gente terminou.

AMANDA

Mas, por quê? Vocês tavam tão bem!

NATÁLIA

Ele não curte mulher...

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AMANDA

(Tentando entender.) Peraí, você tá querendo me dizer que aquele deus

grego... que aquele gostoso... que aquele tesudo... que aquele touro... é gay?

NATÁLIA

Pois é.

AMANDA

(Suspira.) Ai, que desperdício!

NATÁLIA

Mas não quero conversar sobre isso. Pretendo esquecer tudo... Ledesma,

você passa o bronzeador em mim?

(Ledesma que estava dormindo, acorda e começa a passar o bronzeador na menina.

Aparece um rapaz alto e atlético e fica observando Natália. Amanda caminha até ele e

cochicha algo em seu ouvido. Ele sorri malicioso. Amanda tira o bronzeador das mãos

de Ledesma e entrega ao rapaz, que imediatamente faz a tarefa que Ledesma estava

fazendo. Amanda coloca Ledesma perto de uma cadeira. A garota deita-se e ali

permanece.)

AMANDA

Natália, você me desculpa, mas eu preciso ir embora. Tenho que levar o

Baby pra mamar. O Cornélio já deve ter chegado.

NATÁLIA

Mas não é a Chifronésia a mãe dele?

AMANDA

É, mas quem amamenta é o Cornélio. Tchau, amiga. A Ledesma vai ficar

aí te fazendo companhia...

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(Amanda sai puxando Baby pelo cordão umbilical. O rapaz continua passando o

bronzeador nas costas de Natália.)

NATÁLIA

(Pensa que quem está lá é Ledesma.) Ledesma, como sua mão é grande e

calejada. Nossa que pegada gostosa, Ledesma. Ai, que delícia... (Olha para a

perna do rapaz e se assusta.) Nossa, Ledesma que perna grossa e... peluda.

Quanto tempo você não se depila? (O rapaz segura a risada.) Se você quiser,

vamos lá pra casa e eu faço uma depilação pra você com cera quente! (Fica

arrepiada.) Ai, Ledesma, que mão pesada... tô toda arrepiada... Desse jeito eu

vou virar lésbica... Ai que gostoso! (Tem uma crise sucessiva de arrepios e relaxa.)

Por que você tá quieta, Ledesma? (Ao ver o rapaz, se assusta.) Que gato!!!

(Desmaia nos braços dele. O rapaz sai de cena carregando a garota com um sorriso

maroto. Black-out.)

EPÍLOGO

(Luz sobe em resistência. Felipe está no ponto de ônibus vestido como Odete Furacão:

vestido curto, meia-calça, salto alto e uma peruca loura. Lixa as unhas. Entra Cornélio

e ao ver aquele “peixão”, fica boquiaberto. O caipira caminha até Felipe e belisca sua

bunda.)

FELIPE

(Fala como Odete.) Ai atrevido! (Ao ver Cornélio.) Que horror! Meu

senhor... há quanto tempo o senhor não escova os dentes, hein? O seu bafo tá

pior do que o bafo de dinossauro! Sai de perto de mim, sai.

CORNÉLIO

Mai nunca. Isso aí é muié de esvaziá o Pacaembu em dia de jogo de São

Paulo e Corinthians, né?

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FELIPE

Se continuar me enchendo o saco eu chamo o meu bofe e ele vai te

quebrar a cara, ouviu, seu trash? Não tô podendo, ouviu?

CORNÉLIO

Ouvi, mai num me importo. Pra ficá cocê largo inté a Chifronésia e o

Baby que acabou de nascê.

FELIPE

E quem disse que a mona aqui vai ser crazy o suficiente pra casar você?

Se fizer isso vão ter que me internar no Juqueri, porque aí vou tá pinel de vez.

Desaqüenda, vai... Se não tem aqüé, desaqüenda...

CORNÉLIO

(Agarra o rapaz.) Ocê vai casá cumigo custe o que custá, muierão bão.

FELIPE

Me solta, seu caipira fedorento. Me solta, seu rascunho do demônio.

Socorro... Polícia. Pára de me assuntar, seu ocó trash!

CORNÉLIO

Vou te levá pra casa!

FELIPE

(Consegue se soltar.) Mas antes preciso lhe esclarecer algumas coisas...

Primeiro: meus cabelos não são da cor natural.

CORNÉLIO

Num faiz mar.

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FELIPE

(Procura sempre uma desculpa para se safar.) Eu fumo, fumo o tempo todo.

Pareço uma maria-fumaça: Piuí... tchuc, tchuc, tchuc, tchuc... (Imita uma maria-

fumaça.) Piuí....

CORNÉLIO

Num me importo.

FELIPE

Eu tenho um bofe. Vivo há três anos com um guitarrista de punk-rock.

(Faz os gestos de quem toca guitarra e tira sons desconexos da boca.)

CORNÉLIO

Num sô ciumento...

FELIPE

(Faz um dramalhão mexicano.) Nunca poderei ter filhos...

CORNÉLIO

A gente adota uns par deles.

FELIPE

(Perde a paciência.) Ô anta, você não entende... (Tira a peruca e engrossa a

voz.) Eu sou homem...

CORNÉLIO

(Pega Felipe no colo e diz com a maior naturalidade.) Mai ninguém é

perfeito...

FELIPE

(Olha para a mão.) Ai...

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CORNÉLIO

O que foi?

FELIPE

Quebrei minha unha!!!!

(Cornélio sai com Felipe nos braços, que esperneia. Todos os jovens invadem o palco e

fazem a mesma coreografia da cena da danceteria no prólogo. Até Chifronésia e Baby

entram na dança. Estão felizes, à exceção de Felipe, que foi obrigado a viver com

Cornélio eternamente.)

FIM

Janeiro/1996