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5 RESUMO A dissertação buscou explorar a trajetória das revistas de variedades que foram idealizadas e produzidas no Amazonas na primeira metade do século XX. Tal temática se apresenta como uma dimensão da História da Imprensa ainda pouco investigada, sobretudo no contexto dos estudos históricos locais, razão pela qual o tema se mostra ainda mais relevante. Informada pelos debates históriográficos contemporâneos que se desenrolam em associação, seja com o campo mais restrito da história da imprensa, dos impressos e das práticas de leitura; seja ainda mais amplamente com o campo da própria história cultural, discute a relativamente recente aproximação dos historiadores com a imprensa, que dela hoje se utilizam de múltiplas maneiras, com destaque para dois caminhos que embora distintos, não são, todavia, antagônicos. O primeiro destes caminhos é o da História através da Imprensa, por onde se busca explorar temáticas diversas utilizando-se os periódicos como suporte documental prioritário ou mesmo exclusivo. O segundo caminho consiste na produção de uma História da Imprensa propriamente dita, lançando-se à investigação de títulos, segmentos temáticos do periodismo ou mesmo conjunturas específicas de produção, circulação e consumo desses impressos. Discutindo a lenta e significativa diversificação de temas, preocupações e formatos assumidos pelos periódicos ao longo da história, o projeto busca analisar a emergência do gênero revista e, em seu interior, as revistas de variedades, tal como se projetaram a partir de um conjunto de seis revistas previamente selecionadas (Ponto nos ii, A Nota, Cá e Lá, Redempção, O Rionegrino e Sintonia). Palavras-Chave: História da Imprensa, Revistas de Variedades, Periodismo.

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5

RESUMO

A dissertação buscou explorar a trajetória das revistas de variedades que foram

idealizadas e produzidas no Amazonas na primeira metade do século XX. Tal temática se

apresenta como uma dimensão da História da Imprensa ainda pouco investigada, sobretudo

no contexto dos estudos históricos locais, razão pela qual o tema se mostra ainda mais

relevante. Informada pelos debates históriográficos contemporâneos que se desenrolam em

associação, seja com o campo mais restrito da história da imprensa, dos impressos e das

práticas de leitura; seja ainda mais amplamente com o campo da própria história cultural,

discute a relativamente recente aproximação dos historiadores com a imprensa, que dela

hoje se utilizam de múltiplas maneiras, com destaque para dois caminhos que embora

distintos, não são, todavia, antagônicos. O primeiro destes caminhos é o da História através

da Imprensa, por onde se busca explorar temáticas diversas utilizando-se os periódicos

como suporte documental prioritário ou mesmo exclusivo. O segundo caminho consiste na

produção de uma História da Imprensa propriamente dita, lançando-se à investigação de

títulos, segmentos temáticos do periodismo ou mesmo conjunturas específicas de

produção, circulação e consumo desses impressos. Discutindo a lenta e significativa

diversificação de temas, preocupações e formatos assumidos pelos periódicos ao longo da

história, o projeto busca analisar a emergência do gênero revista e, em seu interior, as

revistas de variedades, tal como se projetaram a partir de um conjunto de seis revistas

previamente selecionadas (Ponto nos ii, A Nota, Cá e Lá, Redempção, O Rionegrino e

Sintonia).

Palavras-Chave: História da Imprensa, Revistas de Variedades, Periodismo.

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ABSTRACT

The dissertation sought to explore the trajectory of magazines of varieties which

have been idealized and produced in the Amazon in the first half of the 20th century. This

topic presents as a dimension in the history of Press still poorly investigated, especially in

the context of local historical studies, the theme becomes even more relevant. Informed by

contemporary historical debates taking place in association with the narrowest field in the

history of press releases, printed and read practices; it is still more widely with the field of

cultural history, discusses the relatively recent rapprochement of historians with the press,

which today utilize multiple ways, featuring two paths that although distinct, shall not,

however, contrary. The first of these is the paths of history through the press, through

which seeks to explore various thematic using journals as documentary support priority or

even unique. The second path is the production of a history of the press itself, launching to

research titles, thematic segments journalism or even specific situations of production,

circulation and consumption of such printed. Discussing the slow and significant

diversification issues, concerns and formats made by periodicals throughout history, the

project aims to examine the emergence of genre magazine, and in its interior, varieties, as

if designed from a set of six magazines pre-selected (Ponto nos ii, A Nota, Cá e Lá,

Redempção, O Rionegrino and Sintonia).

Keywords: History of the Press; Magazines Varieties, Journalism.

7

AGRADECIMENTOS

Ao longo desta trajetória acadêmica, contraí dividas diversas, com instituições,

amigos e familiares e essas contribuições e apoios foram tão grandes que corro aqui o risco

de cometer injustiças, por esquecimento ou descuido.

Gostaria de agradecer à Universidade Federal do Amazonas, e em especial ao

Departamento de História, onde fiz minha trajetória acadêmica na Graduação em História.

Aos professores que à época me acompanharam, em especial ao Professor Aloysio

Nogueira, Geraldo Sá Peixoto, Francisco Jorge e Raimundo Saúde devo muito de minhas

realizações, ainda modestas.

De igual forma, agradeço a acolhida que recebi no Programa de Pós-Graduação em

História. Ao professor Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro, agradeço a orientação criteriosa e

o apoio constante que me dedicou desde o período da Graduação. Agradeço em especial,

suas palavras de estímulo e de incentivo nos momentos de crise, em que a vontade de tudo

abandonar era realmente tentadora.

Diversos professores do Programa de Pós-Graduação em História colaboraram

comigo, sugerindo caminhos e correções. Dentre eles destaco os Professores Almir Diniz

de Carvalho Júnior e Hideraldo Lima d Costa, que me ajudaram a repensar a pesquisa no

âmbito do Exame de Qualificação. À Maria Luiza Ugarte Pinheiro sou grata pelas

sugestões formuladas no âmbito das disciplinas e Seminários de Pesquisa, além de

franquear o acesso ao espaço e ao acervo do Laboratório de História da Imprensa no

Amazonas.

Tanto na Graduação, quanto na Pós-Graduação compartilhei os debates, conversas

e fuxicos de sala de aula com um grande número de colegas, hoje amigos queridos, de

quem obtive sempre apoio e compreensão.

Acima de tudo, quero agradecer a meus familiares, pela contínua compreensão e

apoio, sem os quais tenho certeza de que não conseguiria empreender essa jornada. Essa

dissertação, pelo que de bom pode ter, é para eles!

8

CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS IINNIICCIIAAIISS

9

CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS IINNIICCIIAAIISS

O campo de pesquisa da História da Imprensa no Brasil tem se ampliado e

diversificado nas duas últimas décadas, produzindo diversas abordagens. Algo gratificante,

se lembrarmos que a Imprensa brasileira que teve surgimento tardio, no início do século

XIX, quando já despontava em outras áreas do globo há mais de cinco séculos1. Ela tem

despertado o interesse, em especial, das novas gerações de historiadores, que vêem nela um

instrumento bastante eficaz para melhor compreender a sociedade brasileira, em suas

múltiplas dimensões: políticas, sociais, culturais.2

Seguindo esta tendência há quase uma década o Departamento de História da

Universidade do Amazonas tem intensificado esse campo de estudos, com o

desenvolvimento de diversas pesquisas, em especial através do Laboratório da História da

Imprensa no Amazonas, o LHIA3. Foi a partir do ingresso nesse grupo de estudos, e de

pesquisas monográficas iniciais que pude desenvolver no âmbito do Programa de Bolsas de

Iniciação Científica4, que desenvolvi a proposta de pesquisa atual versando sobre as

revistas de variedades em Manaus.

Um primeiro problema que enfrentamos foi o da falta de estudos, no contexto local,

sobre esse gênero específico do periodismo: a revista. Era preciso, portanto, partir de sua

identificação, salientando as distinções frente ao gênero mais difundido e conhecido: o

jornal. Mais ainda, mal nascia e a revista já adquiria várias formas, segmentando-se numa

dezena de especialidades: científicas, femininas, esportivas, literárias, masculinas, de

variedades, etc.5

1 MOREL, Marco e BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, Imagem, Poder. O surgimento da Imprensa no Brasil no Século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 15. 2 BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa no Brasil, 1900- 2000. Rio de Janeiro: Mauad, 2007. 3 PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto e PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Gavroche: Boletim de Pesquisa do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas. Manaus, vol. 1, nº 1, 2005. 4 CORREIA, Fabiana Libório. A Revista Sintonia e o Amazonas Durante a Batalha da Borracha (1939-1943). Monografia de Iniciação Científica. Manaus: UFAM/CNPq, 2004; CORREIA, Fabiana Libório. O Arauto da Crise: O Amazonas nas Páginas da Revista Redempção. Monografia de Iniciação Científica. Manaus: UFAM/CNPq, 2005. 5 Há dois grandes e importantes trabalhos sobre o assunto no Brasil: O primeiro – MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas: Imprensa e Práticas Culturais em Tempos de República, São Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp /Fapesp /Imprensa Oficial, 2001 –, é pesquisa de fôlego, resultado de pesquisa doutoral realizada na Universidade de São Paulo; já o segundo – KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 2000. –, idealizado e produzido pela Editora Abril como forma de comemoração aos 200 anos de Imprensa no Brasil, é obra menos adensada e analítica, voltada mais para uma abordagem da diversidade e riqueza do gênero. Delas fizemos larga utilização ao longo da dissertação.

10

Além da necessária recuperarmos da trajetória do gênero revista no Amazonas,

procurando estabelecer uma cronologia própria dessa evolução, será preciso reconhecer, à

partida, que o enquadramento dos periódicos (jornais e revistas) a partir da percepção dos

seus campos de interesses, abordagens e atuações, é, na verdade, um exercício posterior

que se faz à própria vida dos impressos analisados e tem, grosso modo, preocupações

didáticas e de contextualizações. Isso por que, na maioria das vezes ou os periódicos nem

buscam se auto-definir, nem, quando o fazem, se identificam com os termos e categorias

que a eles atribuímos. Além do mais, muitos deles, definidos por especializações temáticas

ou de interesse (literários, humorísticos, classistas, esportivos), acabam desenvolvendo, na

prática, um perfil diferenciado, seja transpondo os recortes iniciais propostos, seja

secundarizando o tema inicial por força de um maior envolvimento com outras temáticas e

interesses.

Tal como a nossa própria vida, os periódicos também desenvolvem trajetórias que

só podem indicar as intenções de percurso, sem, contudo, ter garantias de sua plena

realização. Quantos jornais literários e/ou humorísticos, não descambaram para o mais

franco engajamento político, por força das reações adversas recebidas no início de suas

trajetórias? Neste contexto, mesmo mantendo o título e o corpo redacional inalterados,

diversos periódicos assumiram paulatinamente novas posturas e pautas, fazendo do

programa inaugural pouco mais que uma lembrança fugidia.

Em mais de uma vez, tivemos que enfrentar, ao longo da dissertação essa mudança

de rumo, que também nos forçava a acolher periódicos para o campo de especialidade que

escolhemos trabalhar – o de revistas de variedades –, quanto, inversamente, tivemos que

abrir mão deles, quando não mais diziam respeito à esse recorte.

Um rápido exemplo, mais adiante trabalhado, é o da revista Sintonia, que surge em

Manaus em 1939. Se só tivéssemos nos atido aos seus quatro ou cinco primeiros números,

ela pouco teria a nos dizer pelo escopo diferenciado que apresentava, configurando-se

como uma revista classista (de trabalhadores) voltada para a discussão mais próxima dos

interesses de uma categoria profissional: os telegrafistas. De igual forma, se levássemos em

consideração os números de sua segunda fase, ocorrida entre 1950 e 1955, ela também se

afastaria de nossa proposta, já que então se mostrava muito mais afinada à outro gênero

que passou a ganhar forte notoriedade em meados do século XX, as revistas femininas.

Assim, se incluímos a revista Sintonia no rol de nossas preocupações e interesses, é

porque, ao longo de sua trajetória cambiante, em especial entre os anos de 1940 e 1943,

seu perfil editorial passou a assumir clara inflexão para o tema das “variedades”.

11

Outro ponto de preocupação inicial reside exatamente na definição a posteriori que

esse gênero do periodismo – revistas de variedades – passa a assumir. Com efeito, foram

poucas as revistas no Brasil que usaram explicitamente esse termo (variedades)6, o que não

o invalida, já que ele está, todavia, na essência dos projetos editoriais, preocupados em

fazer chegar o empreendimento a um público variado e com múltiplos interesses, o que só

parecia possível se sua pauta também assumisse essa configuração.

Assim, nenhum dos periódicos que definimos como escopo da análise desta

dissertação, assumiu ao menos uma vez este termo e, desta forma, sua inclusão neste rol se

fez a posteriori, a partir de própria análise da linha editorial efetivamente assumida. Nesse

cômputo, incluímos quatro títulos – Cá e Lá (1915-1917), O Rionegrino (1922-1978),

Redempção (1924-1932) e Sintonia (1939-1945) –, entendendo que eles foram bastantes

representativos do gênero variedades, ao menos em parte significativa de suas trajetórias.

Além destes títulos, lançamos mão de outros dois que para nós exemplificam, no

contexto amazonense, a fase de diversificação de gêneros periodísticos e de transição do

jornal à revista, onde a linguagem assumida, e os temas abordados, concorrem muito mais

que os aspectos físicos (gráficos) e o layout para uma definição do que vem a ser um jornal

ou uma revista7. Nessa categoria de jornais/revistas em transição, incluímos Ponto nos ii

(1906) e A Nota (1917).

É ainda Ana Luiza Martins, que chama a atenção para um ponto nodal, ao sugerir

que, muitas vezes inebriados pelo fascínio que a leitura das revistas produz, em especial

quando jogam luz sobre assuntos, episódios e atores do passado, os historiadores correm o

risco de cair numa “cilada documental”. Tal cilada estaria no fato de que “os apelos que

transportam e induzem o pesquisador a configurações quase pictóricas do passado, tal

como um espelho disforme, refletem imagens falsas, imagens de superfície, que requerem

investigação e decodificação”.8 Continua a autora: Neste sentido, a constância do uso de revistas como fonte histórica

vem revelando que frases e imagens de periódicos pinçadas aqui e acolá, descosturadas do mergulho em seu tempo – vale dizer no imaginário

6 “Em janeiro de 1812, o tipógrafo e livreiro português Manoel Antonio da Silva Serva apresentou aos leitores da cidade de Salvador a publicação intitulada As Variedades, considerada a primeira revista brasileira”. KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit., p. 114. 7 Historicizando o surgimento da revista, Ana Luiza Martins afirma que, à princípio era difícil contrapô-la “ao jornal, com periodicidade assídua, geralmente diária e muito semelhante no formato, sobretudo quando a revista se apresenta com páginas soltas, in folio. O que os distingue com freqüência, é a existência da capa na revista, acabamento que não ocorre no jornal; mais do que isso, é a formulação do seu programa de revista, divulgado no artigo de fundo, que esclarece o propósito e as características da publicação. MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista. Op. cit., p. 46. 8 Ibidem, p. 21.

12

construído ao seu tempo – não iluminam suficientemente o passado. A pertinência desse gênero de impresso como testemunho do período é válida, se levarmos em consideração as condições de sua produção, de sua negociação, de seu mecenato propiciador, das revoluções técnicas a que se assistia e, sobretudo, da natureza dos capitais nele envolvidos.9

Podemos, com facilidade, ampliar o foco de preocupações levantados por Ana

Luiza Martins, levando as observações por ela produzidas para o campo mais amplo do

debate historiográfico acerca do caráter supostamente neutro do documento, outrora

advogado pelos historiadores que se perfilavam à escola metódica (positivista) e que foi

tão fortemente combatido pela força renovadora da Escola dos Annales, de Marc Bloch aos

dias atuais. Num desses embates, Jacques Le Goff ponderou que: O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é

um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, em pleno conhecimento de causa.10

Se não meramente refletem ou mesmo informam objetivamente a realidade do

vivido, tal e qual ocorreram – e como desejaria a velha história positivista – os periódicos

(jornais e revistas), nem por isso são meras falsificações e adulterações do passado e,

deixando de se mostrarem importantes na elucidação de dimensões daquelas vivências que

nos antecederam. Assim, de forma consciente ou mesmo inconscientemente, os homens

deixam rastros e indícios que podem ser interpretados pelo pesquisador do presente. É

assim que, tendo a mediação da imprensa ou de qualquer outro suporte documental,

Marialva Barbosa

considera que o passado é sempre objeto de uma interpretação, sob a ótica da leitura do pesquisador do presente. Assim, o que de fato se deu está irremediavelmente emoldurado pelas ações do passado. São as pegadas, os indícios e os vestígios que esses passos deixaram, que o pesquisador procura enxergar, mas sempre sob a ótica da interpretação.11

Tais perspectivas estão no bojo do debate historiográfico contemporâneo e mesmo

na fronteira de importantes dimensões da História (História Social da Cultura, História

Cultural) assumida por historiadores, correntes e escolas historiográficas. Pedra de toque

9 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista. Op. cit., p. 21. 10 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1992, p. 545. 11 BARBOSA, Marialva. “O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira”.

Rio de Janeiro: Ciberlegenda, nº 7, 2002, p. 2.

13

no interior deste debate, o complexo12 conceito de representação, difundido por Roger

Chartier13, nos parece pertinente de ser anotado, em especial, por que, à luz da discussão

acerca sobre o significado dos impressos e de sua capacidade plena, limitada ou inexistente

de referenciar ao historiador o passado, remete para o que Chartier chama a atenção:

A problemática do “mundo como representação”, modelado

através das séries de discursos que o apreendem e o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão sobre o modo como uma figuração desse tipo pode ser apropriada por leitores dos textos (ou das imagens) que dão a ver e a pensar o real.14

Advogando a centralidade do conceito de representação, Chartier nos lembra que

“as estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tal como não são as categorias

intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente produzidas pelas práticas

articuladas (políticas, sociais, discursivas) que constroem as suas figuras”15. Por tal

entendimento, sai de cena toda e qualquer pretensão de uma correspondência direta do real

com os discursos e as imagens sobre ele produzida, e um conseqüente deslocamento da

legitimidade do conhecimento por intermédio da veracidade, em detrimento agora da

verossimilhança.16

Pensamos que, embora o debate historiográfico contemporâneo pareça, por vezes,

descambar para fortes e irreconciliáveis oposições17, ele frequentemente converge para

pontos comuns, a partir de priorizações, estas sim, diferenciadas. É o que Daniel Roche,

figura expressiva da Escola dos Annales, exemplifica, a partir de comentário que

estabelece acerca dos caminhos que separam suas perspectivas daquelas de um de seus

antigos discípulos:

12 Sandra Pesavento, o vê como um “conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre ausência e presença, a correspondência não é da ordem do mimético ou da transparência. A representação não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele”. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. Grifo nosso. 13 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. São Paulo: Difel, 1990, p. 20-23. 14 Ibidem, p. 24. 15 Idem, ibidem, p. 27. 16 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Op. cit., p. 41. 17 Com efeito, o pensamento de Chartier não tem se projetado, contudo, sem objeções da parte de diversos historiadores. Ciro Cardoso, por exemplo, o percebe no bojo de uma “virada cultural” na historiografia, cujas implicações maiores estariam, de acordo com Sandra Pelegrini, em inverter as premissas do Marxismo e da Escola dos Annales, promovendo assim uma história cultural do social, no lugar da história social da cultura, além de se perfilar entre os que promovem uma “crescente negação epistemológica do realismo”. PELEGRINI, Sandra. Resenha. Revista Brasileira de História, vol. 22, nº 43, p. 247. Cabe conferir também a obra referenciada pela autora: CARDOSO, Ciro Flamarian Santana e MALERBA, Jurandir (Orgs). Representações. Contribuições a um debate transdisciplinar. Campinas, SP: Papirus, 2000.

14

Penso que, apesar de escrever história cultural, continuo ainda um

historiador social. Digo a Chartier que faço história socicultural, enquanto ele me diz que faz história cultural-social. Na verdade, é que renunciamos a explicar um nível pelo outro. Acredito que os historiadores possam se distinguir uns dos outros no seguinte: de um lado, há os que dão maior importância ao estudo das representações e da maneira como elas se constroem a partir dos textos e das práticas de difusão dos textos; e, de outro, há os que estudam como os grupos desenvolvem certos tipos de práticas, de usos, de leituras, de hábitos de vestir, etc. O procedimento, o caminho a ser seguido nesses dois casos, não é, evidentemente, o mesmo, mas o método não deixa de ser bastante equivalente, pois trata-se, em ambos, de um diálogo entre práticas e representações.18

A escrita da história contemporânea, assim pensada, é antes espaço de confluência a

possibilitar a ampliação do debate e esse debate não deixou de se amplificar no

desbravamento da fronteira em direção a novos problemas, abordagens e objetos, para usar

o mote do projeto renovador da Nova História francesa de fins da década de 1960 e início

de 197019. Nesse jogo de expansão e encontros, uma história dos impressos (livro, jornais,

revistas) já mais madura, encontra hoje abordagens que lhe agregam valor numa mais

recente história da leitura20. Mas por mais que tais influxos tenham sido e sejam

inovadores e estimulantes, o desafio de perceber a recepção dos diversos impressos (em

nosso caso as revistas de variedades) pelo público leitor, ficou a meio caminho, tal a

dificuldades que encontramos para inquirir essas dimensões no âmbito de uma pesquisa

institucional com prazos cada vez mais exíguos. Da mesma forma que a imprensa enquanto

fonte tem aberturas e possibilidades, tem também limites, muitas vezes difíceis de

transpor.21

A dissertação foi dividida em três capítulos, sendo o primeiro constituído de uma

análise da aproximação dos historiadores com a Imprensa, além de uma discussão acerca

18 Daniel Roche, em entrevista anotada por: PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. As Muitas Faces da História: Nove entrevistas. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 177. 19 LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre (Orgs). História. 3 vols (Novos Problemas, Novos Objetos, Novas Abordagens). São Paulo: Francisco Alves, 1976. 20 A bibliografia de ambas é extensa e diversificada. Registo aqui, apenas à título de exemplificação da qualidade alcançada pelo debate: CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro. Do leitor ao navegador. São Paulo: Editora da Unesp, 1998; CHARTIER, Roger. Leituras e Leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora da Unesp, 2004; DARNTON, Robert. Edição e Sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII. São Paulo: Cia. das Letras, 1992; DARNTON, Robert. “História da Leitura”. In: BURKE, Peter (Org.). A Escrita da História: novas perspectivas. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp, 1992, p. 199-236; DARNTON, Robert e ROCHE, Daniel (Ed.). Revolução Impressa: A Imprensa na França, 1775-1800. São Paulo: Edusp, 1996; BURKE, Peter e BRIGGS, Asa. Uma História Social da Mídia: de Gutenberg à internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. 21 LUCA, Tania Regina de. A História dos, nos e por meio dos Periódicos. In: PINSKY, Carla Bessanezi (Orgs.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006, p. 111-153.

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do surgimento da Imprensa no Brasil, a partir de suas grandes linhas interpretativas, sem,

contudo, enveredar para os estudos mais regionalizados, já que em cada canto do país

desenvolveram-se trajetórias singulares no processo de implementação da imprensa. Ainda

neste capítulo, busca-se discutir o aparecimento do gênero revista e, depois, das revistas de

variedades. O capítulo é encerrado com uma primeira aproximação ao tema central do

trabalho, discutindo o surgimento das primeiras revistas em Manaus.

No segundo capítulo fizemos uma discussão sobre o aparecimento da Imprensa em

Manaus, buscando alargar os caminhos já trilhados por importantes trabalhos, discutindo

alguns exemplos de uma lenta transição do gênero jornal para de revistas. Neste momento

a pesquisa arquivística emerge mais fortemente no trabalho, trazendo à tona as primeiras

análises dos periódicos selecionados.

No último capítulo analisamos o desenvolvimento propriamente dito das revistas de

variedades em Manaus, explorando as análises documentais geradas à partir dos quatro

títulos por nós selecionados. Cá e Lá, Redempção, Sintonia e O Rionegrino.

16

CCAAPPÍÍTTUULLOO 11 AA HHIISSTTÓÓRRIIAA DDAA IIMMPPRREENNSSAA NNOO BBRRAASSIILL EE OO

SSUURRGGIIMMEENNTTOO DDAASS RREEVVIISSTTAASS DDEE VVAARRIIEEDDAADDEESS

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 11 AA HHIISSTTÓÓRRIIAA DDAA IIMMPPRREENNSSAA NNOO BBRRAASSIILL EE OO

SSUURRGGIIMMEENNTTOO DDAASS RREEVVIISSTTAASS DDEE VVAARRIIEEDDAADDEESS

1. OS HISTORIADORES E A IMPRENSA

De acordo com Maria Helena Rolim Capelato existem vários tipos de imprensa e

várias maneiras de se estudá-la22. Um ponto inicial para nossa discussão vem do fato de

que, quando a autora (e como ela os demais historiadores da imprensa) se refere à

“imprensa periódica”, separando-a em especial do jornalismo televisivo contemporâneo,

faz menção ao campo da imprensa que abrange prioritariamente o jornal e a revista,

embora esta última distinção nem sempre seja percebida.

No Brasil a utilização de fontes periódicas na construção do conhecimento histórico

não chega a ser novidade, uma vez que há algumas décadas elas têm servido de suporte a

diversos estudos realizados em diferentes campos disciplinares, em especial no interior das

Ciências Humanas. A sua incorporação como objeto é, todavia, bem mais recente, pois

como sugere Renné Zicman “percebemos que mesmo se frequentemente consultados e

citados, os jornais são raramente estudados e analisados”. 23

Segundo Maria do Pillar Vieira e outros, na maioria das vezes, a análise

historiográfica por vezes lança mão da imprensa, mas como suportes documentais e, além

disso, como fonte objetiva e neutra, espécie de repositórios de informações,

desconsiderando ou omitindo o fato de que eles são idealizados, produzidos e animados

por pessoas com interesses e projetos específicos que vêem o mundo e as coisas sempre de

forma particular.24

Por muito tempo no Brasil, enquanto durou a influência da história metódica, diz

Marialva Barbosa, os historiadores percebiam a fonte periódica de duas formas distintas: a

22 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. São Paulo. Contexto/Edusp, 1994, p.

27. 23 ZICMAN, Renné Barata. História Através da Imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto

História, n. 4. São Paulo: Educ, 1985. p. 90. 24 VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A Imprensa Como Fonte para a Pesquisa Histórica. Projeto

História, n. 03. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1984, p. 49; VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo, PEIXOTO, Maria do Rosário Cunha e KHOURY, Yara Maria Aun. A Pesquisa em História. 5ª ed. São Paulo: Ática, 2007, p. 54.

18

primeira que concebia o jornal como espelho da realidade, um reprodutor fidedigno dos

fatos “reais”. Esse discurso da objetividade tem suas raízes na década de vinte quando

grande parte da imprensa periódica adota como bandeira o compromisso de informar o

leitor, a imprensa prestadora de serviço, no caso informar, estaria isenta de qualquer juízo

de valor. Discurso que ainda tem grande ainda receptividade no meio jornalístico, que

associam a idéia de seriedade e profissionalismo com imparcialidade principalmente na

grande imprensa periódica atual que assimilam jornalismo com verdade. 25

Ao contrário dessa posição, outra vertente percebia a fonte jornalística com certa

desconfiança, chegando inclusive a descartá-la justamente por seu caráter subjetivo, por

reconhecer que o profissional da informação sempre emite um juízo de valor quando

exerce seu ofício, logo, o documento jornal estaria fadado ao descrédito porque o

reconhecimento da subjetividade era a constatação de um documento falso.

O reconhecimento dessa subjetividade na documentação periódica não significa,

todavia, um entrave para os historiadores contemporâneos, uma vez que o campo da nova

história cultural, que tem ganhado força mundialmente nos últimos anos, reconhece a ação

do historiador como intrínseca à construção do processo de conhecimento, sem, contudo,

equiparar-se a livre ação ficcional do literato.

Se a objetividade plena apregoada pelos positivistas ficou para trás, as novas

abordagens historiográficas a percebem como possibilidade, mediada pelos caminhos do

método histórico, cientificamente conduzido. No bojo dessas discussões, ganha relevo um

conjunto de novas categorias conceituais, como o de representação, que, baseado em

especial na abordagem de Roger Chartier, localiza duas possibilidades de se pensar o

conceito: uma da representação como reflexo da realidade social, e a outra que projeta esta

mesma realidade criando-se aí “uma clara distinção entre o que representa e o que é

representado”.26 Nesta última perspectiva, entende-se que os grupos ao desenvolverem

suas práticas culturais deixam indícios que podem ser objeto de múltiplas percepções e,

dessa forma, também as possibilidades de documento se ampliam, pois quaisquer indícios

deixados pelos homens no decorrer de sua existência são passíveis de interpretações. 27

25 BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa no Brasil, 1900- 2000. Rio de Janeiro: Mauad, 2007. 26 CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da

Universidade, 2002, p. 74. 27 CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da

Universidade, 2002, p. 74.

19

Nas duas últimas décadas do século XX no Brasil, dada especialmente a

proliferação do campo da história cultural e de seus aportes, a escolha por fontes periódicas

tem aumentado significativamente entre os historiadores, uma vez que os jornais (assim

como as revistas) são indícios de forte conteúdo histórico em que os indivíduos sempre

estão dispostos a imprimir uma visão da sociedade do seu tempo.

Contrariando as duas posições radicais acima mencionadas, entendemos que a

imprensa como fonte ou objeto de estudo não pode ser pensada como um mero repositório

de fatos e nem pode ser desconsiderada por se reconhecer nela elementos de subjetividade.

De fato, este caráter subjetivo, além de ser intrínseco ao papel de transmitir notícias e fatos,

está presente também nos demais conjuntos documentais utilizados pelos historiadores, há

muito já conscientes de que todo e qualquer documento é também, como sustenta Jacques

Le Goff, monumento.28

O historiador ao escolher a fonte periódica como objeto ou fonte de pesquisa tem

clareza de que o que nela se imprime não é uma mera representação do real e muito menos

o real em si. Enquanto representação incorpora dimensões da vivência de pessoas e grupos

que olham (compreendem) a realidade de forma singular e, além do mais é ativa também,

já que capaz de intervir na própria construção do vivido. Assim, as representações

veiculadas pela imprensa não são únicas e nem possível de sererem recuperadas em todas

as suas múltiplas nuances, o que faz com que jornais e revistas sejam percebidos mais

como indícios e práticas de determinados grupos vivendo em sociedades. Assim, nas

pesquisas atuais acerca da Imprensa, o que se busca perceber são esses indícios, seus

rastros são construídos no tempo ou, como nos fala Maria Helena Capellato, pensar “a

maneira pela qual os sujeitos da história tomaram consciência deles e os relataram. O

historiador tem o compromisso de buscar a verdade, mas há muitas verdades”.29

A partir de 1970 surgem trabalhos na disciplina histórica voltados para a análise das

condições que propiciaram o aparecimento de jornais e revistas, levantando indagações até

então ignoradas pela historiografia predominante, como o perfil dos impressos, seus

proprietários e colaboradores e até questões relacionadas ao público leitor. Tratava-se,

pois, de buscar inserir os periódicos e os sujeitos sociais que os animaram nos contextos

28 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Op. cit., p. 535. 29 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. Op. Cit., p. 22.

20

históricos de determinada época, com vista a uma melhor percepção do lugar social que

esses sujeitos e órgão de imprensa falam. 30

Dentro desta perspectiva, na própria Universidade Federal do Amazonas, como em

outras do país, há alguns anos vem se desenvolvendo trabalhos que se vinculam ao campo

da história da imprensa e que buscam através de da análise de jornais e revistas uma

melhor compreensão da imprensa e de seu papel no interior da sociedade amazonense, o

que tem possibilitado o surgimento e proliferação de diversas monografias, relatórios de

iniciação cientifica e dissertações de mestrado. Cada um desses trabalhos, bastante

influenciados pelo estudo pioneiro de Maria Luiza Ugarte Pinheiro31, tem procurado

demonstrar as diversas possibilidades de abordagens da imprensa e explorado sua

articulação com temáticas diversas, que vão do mundo do trabalho, aos estudos de gênero e

à história da infância, por exemplo.

Entre os historiadores da imprensa que se propõem a refletir criticamente a

utilização dos periódicos, têm sido comum, lembra-nos Renée Barata Zicman, uma

oscilação entre dois campos, sendo o primeiro aquele que busca reconstruir o surgimento e

a trajetória de um periódico, tendo a preocupação essencial de levantar suas principais

características e evolução histórica. Tal postura configura o que mais propriamente a

autora designa como sendo um trabalho de “História da Imprensa”, já que nele o periódico

é o próprio objeto de reflexão do historiador. O segundo campo, mais comum, é o da

construção de uma “História Através da Imprensa”, que utiliza o periódico como fonte

primária da pesquisa historiográfica acerca de temáticas diversas.32

Esses campos não são, obviamente, excludentes e a articulação entre os dois tem

produzido uma história da imprensa que contextualiza essa produção em seu tempo

específico e observa dimensões importantes como os capitais envolvidos, os sujeitos que

atuam na linha de frente desses empreendimentos e em seus bastidores, o público a quem

se dirigem os impressos, as suas vinculações políticas, etc. Tais estudos, além de

contextualizarem e analisarem com maior segurança a presença da Imprensa no interior da

sociedade que a produz, resultam ainda em rica contribuição acerca da própria sociedade e

de seu tempo.

30 VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A Imprensa Como Fonte Para a Pesquisa Histórica. Op. cit., p. 49. 31 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas (1880-1920).

Tese de Doutorado em História. São Paulo: PUC-SP, 2001. 32 ZICMAN, René Barata. História Através da Imprensa. Op. cit., p. 89.

21

Contudo, quando nos referimos genericamente à imprensa periódica, é sem dúvida

o formato jornal que atrai o maior interesse dos pesquisadores, enquanto a revista continua

ainda pouco investigada. Do ponto de vista das preocupações metodológicas necessárias

para um correto manusear da fonte periódica, Renée barata Zicman deixa claro que os

procedimentos utilizados para a análise e estudo dos jornais podem igualmente ser

utilizados para outras modalidades de impresso, como os mensários, os semanários e os

hebdomadários, que são, em boa medida, sinônimos de revistas.33

Assim, a utilização das revistas no campo da história da imprensa ainda é uma

prática muito recente e entre estas, as revistas de variedades são ainda menos analisadas.

Isso se deve, em parte, pelo fato de que por muito tempo (e ainda hoje!) as chamadas

revistas de variedades serem consideradas frívolas, enfatizando o que se convencionou

chamar, com forte carga de preconceito, de: amenidades. Porém, entendemos que essas

publicações se inserem na complexa teia social e como são produtos de seu tempo e

emitem valores, projetos e visões de mundo que são, em boa medida, partilhado pela sua

significativa base de leitores, merecem ser seriamente analisadas e dissecadas pelo olhar do

historiador compromissado com a compreensão e transformação do mundo social que se

espraia ao seu redor.

2. O SURGIMENTO E A EXPANSÃO DA IMPRENSA NO BRASIL

O aparecimento da imprensa no Brasil de forma oficial em 1808 está relacionado a

um complexo conjunto de transformações sociais, políticas e econômicas que se

estabelecem no contexto brasileiro do início do século XIX, notadamente como

desdobramento da vinda da família real portuguesa e a conseqüente instalação da Corte na

cidade do Rio de Janeiro, ocorrida naquele mesmo ano.

De acordo com Jurez Bahia a chegada da dinastia de Bragança e de seus milhares

de súditos ao Brasil acarretou uma série de mudanças administrativas, políticas,

econômicas e culturais que incluíam a abertura dos portos a outras nações (Inglaterra,

33 ZICMAN, René Barata. História Através da Imprensa. Op. cit., p. 89.

22

basicamente), a criação de instituições de ensino, como o Liceu de Artes, de escolas

médico cirúrgicas e de uma Biblioteca Real.34

Uma das medidas imediatas tomadas por D. João VI a interferir significativamente

no desenvolvimento da imprensa no Brasil foi o decreto-lei que permitiu a existência da

Imprensa na colônia, fazendo com que a Carta Régia de 1747, proibitiva, perdesse

validade. Como é sabido, por aquele documento, vedava-se na colônia a circulação e o

funcionamento de tipografias, punindo-se com severas penalidades quem desrespeitasse as

determinações reais, ficando ainda os infratores sujeitos a prisão e exílio. Previa ainda que

tipos e prensas apreendidos pudessem ser seqüestrados e enviados para a Metrópole.35

Essas alterações não deixaram de contribuir para que, anos mais tarde, ao longo do

Brasil Imperial, se cultivasse mais fortemente o hábito da leitura, até então praticamente

restrito a pequena parcela da população. Os grupos letrados representavam, inclusive,

parcela extremamente pequena, sendo minoritária inclusive no interior da elite política e

econômica, uma vez que a instrução pública pouco avançara ao longo do período colonial.

A ênfase na necessidade do letramento da população e a centralidade de políticas de

alfabetização só serão defendidas de forma concreta apenas no período republicano.

Mesmo assim, de acordo com Tânia Regina de Luca, no início do século XX apenas 25%

da população brasileira era alfabetizada. 36

Parece não haver dúvida, portanto, que a lenta ampliação da instrução pública, o

avanço dos hábitos de leitura e a emergência de grupos letrados, acabaram estimulando a

criação de vários jornais e revistas tanto na sede da Corte como em outras províncias do

país. Mas havia ainda, por trás desse avanço, o desejo, desde muito materializado, da

veiculação de idéias e valores, muitas vezes ancorado em intenções políticas. Assim, o

panfletarismo precede e se associa à imprensa em seu surgimento, para acompanhá-la por

muitos e muitos anos.37

Mesmo que o Brasil tivesse na condição de Colônia e Portugal sustentasse uma

visão bastante conservadora em relação a atividades ligadas a leitura, há vestígios que

34 BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica: História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ática, 1990, p.33. 35 Ibidem, p. 34. 36 LUCA. Tânia Regina de. “A Grande Imprensa na Primeira Metade do Século XX”. In: MARTINS, Ana

Luiza e LUCA, Tania Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 156.

37 RIZZINI, Carlos. O Jornalismo Antes da Tipografia. São Paulo: Cia. Imprensa Nacional, 1968.

23

evidenciam a existência de jornais na colônia, circulando na clandestinidade. Assim, há

registro da existência de prelos em Pernambuco durante a ocupação holandesa em 1746, de

um impressor em Recife no ano de 1706. De igual forma, não há qualquer dúvida acerca da

existência de uma tipografia no Rio de Janeiro que, pertencente a Isidoro Fonseca, chegou

a publicar quatro pequenas obras.38

Porém o caráter tardio da imprensa no Brasil tem sido frequentemente justificado

pela severa vigilância metropolitana, mas em si mesma esse controle não foi suficiente

para justificar o atraso da atividade impressa no Brasil por mais de três séculos. Segundo

Ana Luiza Martins39, outros fatores foram determinantes e contribuíram de forma

igualmente negativa, como os altos índices de analfabetismo vigente na colônia, a

economia predominantemente agroexportadora alicerçada no trabalho escravo, a falta de

mão-de-obra especializada e, por fim, a inexistência de equipamentos industriais.

Nelson Werneck Sodré40, o mais importante historiador da imprensa no Brasil – e

tendo dedicado décadas a pesquisa e analise de diversos periódicos brasileiros – afirma que

se a imprensa em Portugal, que surgiu antes do descobrimento, era fortemente vigiada, tal

controle foi repassado à colônia, embora com mais vigor pelo fato de Portugal pensar o

Brasil apenas como uma colônia de exploração agrícola, onde o incentivo a atividades

relacionas a leitura poderia colocar em perigo o imperativo da dominação portuguesa na

América. Daí a justificativa para não apenas se controlar, mas para se proibir toda e

qualquer atividade relacionada à leitura.

De acordo com o mesmo autor, nas colônias inglesas e espanholas o surgimento da

imprensa e da universidade ocorreu simultaneamente à conquista, já no século XVI,

embora o avanço na área espanhola tenha sido um mecanismo sutil empregado na

destruição das fortes culturas dos índios meso-americanos, marcadas pela grande

complexidade e diversidade. Adotando visões já ultrapassadas com relação aos grupos

indígenas brasileiros, Sodré argumenta que “essa necessidade não ocorreu no Brasil, que

não conheceu, por isso, nem a universidade nem a imprensa, no período colonial”. 41

38 MOREL, Marco. “Os Primeiros Passos da Palavra Impressa”. In: MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tania

Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 24. 39 MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tania Regina de. Imprensa e Cidade. São Paulo: Editora Unesp, 2006, p.

16-18. 40 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. 41 Idem, p. 11.

24

Portanto, as inúmeras proibições e limitações não significam que o Brasil Colonial

tenha de todo desconhecido o impresso e a imprensa. Juarez Bahia esclarece, todavia, a

dimensão ilícita dessa presença, ao argumentar que “o bloqueio cultural, que decorre da

severa vigilância política e econômica imposta por Portugal, só e burlado na colônia pela

insubmissão oral e escrita.”42

Dada a inexistência de equipamentos industriais, de mão-obra especializada e a

extrema complexidade para adquiri-los, os primeiros jornais produzidos na Colônia tinham

traços muito simples. Em regra eram manuscritos, artesanalmente confeccionados e

difundidos em ambientes restritos e de vida efêmera. Todavia, apesar das condições

objetivas contrárias, o autor faz um contraponto, mencionando que “nem por isso os

jornais falados e manuscritos dos anos seiscentos deixam de difundir o sentimento

nativista interpretados pelos poetas do povo”.43

Talvez por isso Marco Morel afirme que o surgimento propriamente dito da

imprensa em 1808, não se dá “numa espécie de vazio cultural, mas em meio a uma densa

trama de relações e formas de transmissão já existentes, na qual a imprensa se inseria”.44

E o mesmo autor, embasado no inventário produzido em 1969 por Rubens Borba de

Moraes, faz questão de lembrar que:

Antes mesmo de 1808, foi possível inventariar mais de trezentas obras de autores nascidos no território brasileiro, incluindo não só livros, mas impressos anônimos, relatando festejos e acontecimentos, antologias e índices, além de alguns manuscritos inéditos de autores clássicos. Eram textos variados: desde narrativas históricas até poesias, passando pela agricultura, medicina, botânica, discursos, sermões, relatos de viagens e naufrágios, literatura em prosa, gramática e até polêmicas.45

Todavia, explica Ana Luiza Martins, mesmo com a liberdade de difundir a palavra

impressa em 1808, o ambiente brasileiro ainda estava muito longe do modelo ideal para o

desenvolvimento da atividade impressa no modelo mercantil, seja pela falta de

investimentos em educação, o que limitava o público leitor; seja pela dificuldade de

aquisição de papel, além da falta de mão-de-obra especializada46. Essa situação levou o

primeiro jornal impresso voltado para o Brasil, o Correio Brasiliense – periódico que

42 BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica. Op. cit., p. 24. 43 BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica. Op. cit., p. 33 44 MOREL, Marco. “Os Primeiros Passos da Palavra Impressa”. Op. cit., p. 25. 45 Ibidem, p. 24. 46 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 47.

25

denunciava a má administração no Brasil como a política portuguesa externa que concedia

monopólios aos ingleses e portugueses –, ser produzido em Londres, e não no Brasil, sob a

iniciativa e organização de Hipólito da Costa.

Também as primeiras revistas voltadas para o Brasil vinham do exterior,

principalmente as revistas francesas no período Imperial, sendo uma das mais requisitadas

a Reuve des Deux Mondes, consumida principalmente por homens de letras, tendo se

transformado “em ícone do saber elitizado, conferindo ao seu possuidor e/ou assinante a

aura de leitor atualizado”.47

Posteriormente os jornais e revistas que foram surgindo a partir da legalização da

imprensa no Brasil continuavam apresentando essas características materiais bastante

simples, e coube, principalmente, aos jornais, o espaço onde eram travados os embates

políticos que eram tão rotineiros numa Nação em processo de formação.

Juarez Bahia classifica didaticamente o que seria o primeiro período grande da

imprensa brasileira (entre 1808 e 1880) da seguinte forma:

É um período que a influência de um jornal não é medida pelo seu tamanho [...] o que se imprime é o que vale [...] [trata-se de] um jornalismo feito por panfletários, por autores que polemizam, divergem desafiam, conciliam, lutam, instigam, ensinam, destroem, constroem. Eles sobrevivem por muitas gerações de jornalistas apenas, alguns como estadistas. Seus efêmeros os jornais também. 48

Essa fase inicial da imprensa no Brasil reflete as divergências políticas dos diversos

grupos da política brasileira em que vários projetos políticos disputavam espaço e

legitimação, daí a característica da luta política, da panfletagem, da artilharia verbal. Essa é

a descrição de Juarez Bahia desse cenário tenso, que inclui atentados, prisões,

empastelamentos, deportações e perseguições.

Apesar do cenário agitado no primeiro período, Sodré frisa que aquele foi o

momento em que a imprensa brasileira esteve muito perto dos acontecimentos políticos,

mesmo tendo posições confusas, oscilando entre a direita e a esquerda política. Os jornais

se constituíam em arenas onde preferencialmente ocorriam as disputa entre os grupos

políticos, características essas que acabaram por designar essa imprensa de opinião.

47 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 75. 48 BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica. Op. cit., p. 84.

26

Veículos por excelência da difusão de conteúdos políticos e sociais, onde idéias e valores

eram defendidas de forma aguerrida. Mais que simplesmente espaços onde se buscavam

defender causas específicas, a imprensa trazia a capacidade de conquistar os leitores

diretos e indiretos (no caso freqüente da leitura pública), transformando-os também em

adeptos das novas causas. 49

Se durante o período do Império, os jornais continuavam a demandar recursos altos

para bancar as despesas como a impressão e o pagamento da mão-de-obra especializada

que requeria (gravadores, tipógrafos e depois linotipistas, etc.), nem por isso sua presença

se mostrou acanhada como antes. Na verdade, a segunda metade do século XIX no Brasil

marca o surgimento de uma gama extremamente ampla e diversificada de jornais, todavia

improvisados e de vida efêmera, chamados – não sem certa dose de preconceito – de

pasquins, periódicos que tinham como uma das características a linguagem agressiva

contra seus desafetos, além do anonimato com que frequentemente se encobriam seus

idealizadores e redatores.50

Nessa imprensa denominada de opinião os jornais são instrumentos utilizados por

indivíduos que procuram defender suas idéias, confrontar opiniões, contestar poderes, e,

por vezes, difamar desafetos. O leitor era percebido como possível defensor de uma causa,

constituindo-se uma espécie de jornalismo doutrinário em que “a bandeira do jornal

constituía-se num símbolo indicativo de posição política – rebeldia, neutralidade ou apoio

as forças dominantes”.51

Acompanhar o surgimento e o desenvolvimento da imprensa no Brasil é uma

possibilidade de perceber as mudanças da sociedade brasileira, e esse movimento é de

mão-dupla, ou seja, a imprensa não é mera registradora de fatos, instrumentos de opinião,

ela influenciou na construção da história do Brasil e também foi influenciada por este

contexto.

Na virada do século XIX para o século XX acontecimentos importantes no

direcionamento da política brasileira, como a abolição da escravidão e o golpe da

Proclamação da República, geraram uma série de mudanças no âmbito sócio-cultural,

49 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Op. cit., p. 43-60. 50 Em seu significado matricial, o termo Pasquim era empregado como sinônimo de sátira (em geral apócrifa)

afixada em local público; mas sua acepção mais geral informa também um jornal ou panfleto de cunho difamador. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Op. cit., p. 83.

51 LUCA. Tânia Regina de. “A Grande Imprensa na Primeira Metade do Século XX”. Op. cit., p. 150.

27

apesar dessa sociedade nova ainda preservar fortes características do período precedente. A

mudança do regime Monárquico para o Republicano, defendido em grande parte dos

jornais como um regime moderno e eficaz para o enfrentamento dos múltiplos dilemas que

se interpunham ao pleno desenvolvimento nacional52, não significou uma ruptura radical

com os laços culturais do passado e nem amenizou os problemas sociais herdados desde o

período colonial.

Ao longo do período denominado pela historiografia brasileira como República

Velha, o Brasil passou por transformações sociais e econômicas importantes, que

resultaram numa expansão demográfica e numa urbanização sem precedentes. A explosão

demográfica já vinha se materializando no país desde meados do século XIX e aumentou

consideravelmente com a imigração européia, tendo esta se concentrado principalmente

nas regiões Sudeste e Sul, fazendo ainda com que porcentagem significativa dessa

população se direcionasse para os centros urbanos.53

O crescimento dos grandes centros urbanos refletia maior diversidade econômica, o

que levou o desenvolvimento de uma infra-estrutura ligada aos transportes, construção de

portos, estradas e ao comércio, como a criação de bancos incentivo ao consumo que eram

tão defendidos nos meios de comunicação. Tais mudanças refletiam o realinhamento

brasileiro numa divisão internacional do trabalho que lhe impunha, prioritariamente, o

papel de fornecedor de matéria-prima e produtos agrícolas para um mercado e uma

indústria mundial em expansão, enquanto reforçava também sua dimensão de mercado

consumidor de produtos industrializados.54

No âmbito econômico o Brasil estabeleceu maior sintonia com as economias

internacionais, reforçando sua situação de dependência, principalmente pelo forte

endividamento que se realizava via contratação de empréstimos a juros altos e a concessão

de inúmeros serviços urbanos à firmas estrangeiras. Houve ainda o incentivo a maiores 52 Como atestam os estudos de Maria de Lourdes Mônaco Janotti (Os Subversivos da República. São Paulo:

Brasiliense, 1986) e Suely Robles Reis de Queiróz (Os Radicais da República: Jacobinismo, ideologia e ação - 1893-1897. São Paulo: Brasiliense, 1986), a imprensa foi um dos principais, senão o principal palco das disputas ideológicas entre defensores e opositores do novo regime que se institucionalizava em 1889. No Amazonas, jornais como o Quo Vadis? (monarquista) e a Federação (republicano) exerceram nos anos iniciais do século XX um espaço importante para essas confrontações, conforme demonstra pesquisa recente e inicial de: GOMES, Ivana Luisa. Quo Vadis?: A Trajetória de um Jornal de Oposição no Amazonas. Manaus: UFAM, mimeo. (Monografia de Iniciação Científica), 2009.

53 PERRONE, Maria Tereza Schorer. “Imigração”. In: FAUSTO, Boris (Org). História Geral da Civilização Brasileira, vol. 9. 3ª ed. São Paulo: Difel, 1985, p. 93-133.

54 SINGER, Paul. “O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional, 1889-1930”. In: FAUSTO, Boris (Org). História Geral da Civilização Brasileira, vol. 8. 3ª ed. São Paulo: Difel, 1985, p. 345-390.

28

investimentos nas atividades industriais e uma maior emissão de papel moeda que, apesar

da trágica política de encilhamento, contribuiu para estimular a adoção de novos hábitos

ligados ao consumo.

Foi basicamente nesse contexto de transformações que os jornais vão deixando para

trás a simplicidade que marcaram suas primeiras experiências no Brasil, passando a ser

substituídos, de acordo com Tânia Regina de Luca,

(...) por processos de caráter industrial marcados pela especialização e divisão do trabalho no interior da oficina gráfica e a conseqüente diminuição das habilidades manuais. Máquinas modernas composição mecânica, clichês em zinco, rotativas cada vez mais velozes, em fim, um equipamento que exigia considerável inversão de capital e alterava o processo de compor e reproduzir textos e imagens passou a ser utilizado pelos diários de algumas das principais capitais brasileiras. 55

Diante dessas mudanças, ocorridas na virada do século XIX para o século XX, nas

mais importantes capitais brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, foi dado início ao

processo de formação de uma imprensa de caráter industrial, controlada por pequeno

número de empreendedores. A sustentação de um periódico não podia mais se restringir a

paixão ou boa vontade de um grupo que, na grande maioria das vezes, tinha que

administrar recursos cada vez mais escassos e limitados, dificultando o confronto com o

mais dinâmico e opulento jornal-empresa.56

Outro elemento importante que contribuiu para que a imprensa, em especial nos

dois grandes centros urbanos brasileiros (Rio de Janeiro e São Paulo), incorporasse as

inovações tecnológicas ligadas ao campo da informação foi o fato de a própria grande

imprensa57 se posicionar como uma espécie de arauto do discurso modernizador e dos

ideais positivistas de ordem e progresso, que a República reforçaria.

55 LUCA. Tânia Regina de. “A Grande Imprensa na Primeira Metade do Século XX”. Op. cit., p. 149. 56 O termo é empregado por Nelson Werneck Sodré, para quem “A passagem do século, assim, assinala, no

Brasil, a transição da pequena à grande imprensa. Os pequenos jornais, de estrutura simples, as folhas tipográficas, cedem lugar às empresas jornalísticas, com estrutura específica, dotadas de equipamento gráfico necessário ao exercício de sua função”. Apud. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 63.

57 Tânia de Luca faz questão de lembrar que a expressão grande imprensa “é bastante vaga e imprecisa, além de adquirir significados peculiares em função do momento histórico em que é empregada. De forma genérica designa conjunto de títulos que, num dado contexto, compõe a porção mais significativa dos periódicos em termos de circulação, perenidade, aparelhamento técnico, organizacional e financeiro”. LUCA. Tânia Regina de. “A Grande Imprensa na Primeira Metade do Século XX”. Op. cit., p. 149.

29

É neste momento, segundo Ana Luiza Martins58, que se ergueram as bases

fundamentais para edificação da imprensa como grande empresa industrial, mantendo

características bem diferentes da imprensa vigente no século XIX. Martins acentua a

utilização do telégrafo e do telefone, um maior investimento na montagem das instalações

na redação e no processo de reprografia (processo gráfico), além do já mencionado maior

incentivo dos governos (federal e estaduais) na alfabetização. Contava também a exigência

dos grandes empresários da comunicação a concessão de incentivos fiscais para aquisição

ou produção do papel, a afiliação com as emergentes agências internacionais, capazes de

acelerar a transmissão de notícias em um mundo que se transformava cada vez menor e

interligado.

Essa imprensa de feição industrial mudou a percepção do leitor (agora pensado

como um consumidor de notícias) cada vez mais ávido pelas informações e notícias do

momento. Essa é, inclusive, uma característica observada tanto nos lugares onde o

desenvolvimento da imprensa teve uma trajetória mais longa, quanto naqueles em que a

imprensa era uma atividade mais recente, como no caso do Brasil.

Tantas mudanças implicaram diretamente a necessidade de injetar grandes recursos

na atividade periódica, que por sua vez foi abandonando gradativamente aquele discurso de

tonalidade política, substituindo-o por discursos mais sutis, pois a prioridade dos jornais

que tem características de empresa passou a ser manter-se no mercado, o que dependia da

conquista da assiduidade do leitor/consumidor. Tal assiduidade, refletida na compra de

exemplares avulsos e nas assinaturas, forçava os proprietários dos jornais à contratação de

colaboradores importantes e à conquista de um bom número de anunciantes, fundamentais

para sustentação do empreendimento.

Mas tais mudanças não significaram, de acordo com Tânia Regina de Luca, a

eliminação pura e simples das pequenas tipografias. Como exemplo dessa coexistência,

Tânia de Luca menciona a pesquisa de Heloísa Cruz, que demonstra a força e a diversidade

da pequena imprensa que continua a conviver com órgãos que incorporavam as últimas

novidades no campo da informação. 59

Segundo Maria de Lourdes Eleutério, essa conjuntura favorável vai tornar possível

o ensaio de comunicação de massa no Brasil, principalmente pelo uso de ilustração 58 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 166. 59 LUCA. Tânia Regina de. “A Grande Imprensa na Primeira Metade do Século XX”. Op. cit., p. 151.

30

diversificada, como a charge, a caricatura e a fotografia, propiciando uma leitura visual

mais atraente e menos densa. 60

Diante desse quadro, os pequenos jornais, que tecnicamente apresentavam traços

modestos e que não conseguiram se enquadrar nas inovações tecnológicas, tiveram sua

existência gravemente comprometida por não conseguirem atender as demandas de um

público leitor cada vez mais exigente. Esse é um dos motivos justifica a redução do

número dos pequenos jornais nos grandes centros. Se houve redução, de modo algum pode

se falar em extinção, pois comprovadamente ainda se prolonga a existência dessas

pequenas folhas, porém de forma cada vez mais rara.

Um exemplo típico dessa trajetória é o de Manaus, como será abordado no próximo

capítulo, embora este processo ocorra com uma defasagem temporal de uma ou duas

décadas, já que na virada para o século XX a pequena imprensa era claramente dominante,

contrariando uma tendência diferenciada predominante nos dois grandes centros urbanos

do país.61

Quanto mais os jornais e revistas conseguiam incorporar essas novidades trazidas

pela imprensa “moderna”, maiores eram o prestígio e a procura por parte dos leitores e

mais disputada a carreira jornalística.

Essa mudança não se deu apenas no campo material, pois como afirma Tânia

Regina de Luca, essa imprensa se coloca como prestadora de serviço e sua missão

fundamental é informar o leitor, estabelecendo uma diferenciação do que vem a ser um

texto informacional ou propriamente jornalístico, supostamente neutro, frente ao texto de

opinião, subjetivo e que assumia posturas ideológicas e valores. Ainda de acordo com a

autora:

A mudança fundamental, contudo, expressou-se no declínio da doutrinação em prol da informação, aspecto facilitado pelas agências internacionais, cuja presença no Brasil teve início nas primeiras décadas do século passado – Havas, Reuters, Associed Press e United Press Associantion – e pelas redes de sucursais dos principais diários no país e exterior. Consagrou-se a idéia de que o jornal cumpria a nobre função de informar o leitor o que se passou, com rigoroso respeito à “verdade dos fatos”. Mudança sem volta... 62

60 EULETÉRIO. Maria de Lourdes. Imprensa a Serviço do Progresso. p. 83. 61 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 59 e seguintes. 62 LUCA. Tânia Regina de. “A Grande Imprensa na Primeira Metade do Século XX”. Op. cit., p. 152-153.

31

No mesmo caminho vai Ana Luiza Martins, que vê no bojo dessas transformações

um início e/ou reforço da segmentação entre os jornais e as revistas. Se ambos adotam a

característica de “meios de informação”, os jornais passam a abrigar “as notícias de teor

político e de divulgação imediata”, enquanto as revistas passam a cuidar de “temas

variados, de informação mais elaborada, anunciando as últimas descobertas sobre as

matérias abordadas”. 63

Foi neste ambiente que proliferaram as revistas de variedades, configurando um

grande sucesso em todos os lugares onde surgiu. No Brasil, a revista Kosmos, dirigida por

Mário Behring entre 1904 e 1909, tornou-se uma das primeiras publicações do gênero e

representou uma espécie de ícone das revistas consideradas modernas no limiar do século

XX, com sofisticadas e características matérias que incluíam os mais competentes

caricaturistas da época, como J. Carlos, Raul Calixto, Raul Perdeneiras, além da impressão

de fotografias de profissionais como Marc Ferrez e Guilherme Geensly. No campo

editorial, trazia a colaboração de renomados homens de letras da época, como Olavo Bilac,

João do Rio (Paulo Barreto) e Capistrano de Abreu, dentre outros.64

Ao contrário das primeiras revistas produzidas e/ou voltadas para o Brasil que eram

denominadas revistas doutrinárias e monotemáticas, possuindo um campo de circulação

bastante restrito, as revistas de variedades possuíam como características marcantes a

heterogeneidade do seu público alvo, o que possibilitou, posteriormente, uma

especialização dos conteúdos, resultando o surgimento de revistas voltadas para o público

infantil, feminino, estrangeiro, de caráter religioso ou esportivo. Não há dúvida, todavia,

que foram revistas mais conhecidas como ilustradas e de variedades, as que fizeram maior

sucesso na primeira metade do século XX no Brasil.

Quando se procura traçar a gênese do gênero revista, que surge a partir do jornal, é

muito difícil fazer a distinção entre eles, pois as primeiras revistas que entraram em

circulação, datando do século XVII, tinham formato muito parecido com o do jornal. Ao

63 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 39 64 ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. “Imprensa a Serviço do Progresso”. In: MARTINS, Ana Luiza e LUCA,

Tania Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 90.

32

que parece, o elemento que as distinguia, no período em que surgiram, foi, na maioria das

vezes, não a forma, mas sim o conteúdo. 65

Enquanto os jornais tiveram como características a valorização de notícias de teor

sócio-político direcionadas ao público geral, as primeiras revistas foram publicações

especializadas monotemáticas que se dirigiram a um público restrito e especializado,

passando a ser denominadas como revistas técnicas e científicas. Registre-se também que

enquanto os jornais caminhavam para publicações diárias, as revistas traziam uma

publicação bem mais espaçada, sendo semanais, mensais, semestrais e até anuais.

O primeiro impresso voltado para o Brasil, O Correio Brasiliense, gerou um série

de dúvidas e ainda hoje é alvo de polêmica quanto a sua verdadeira classificação, isso se

levarmos em consideração seu formato e conteúdo – uma “brochura de mais de cem

páginas, geralmente 140, de capa azul escuro, mensal, doutrinário muito mais do que

informativo, preço muito mais alto” 66 – além do fato de estar direcionado a um pequeno

número de leitores, possui características que levaram Ana Luiza Martins a indagar se

“nosso primeiro jornal seria uma revista?”. 67

Essa mesma impressão já havia sido registrada por Nelson Werneck Sodré em sua

clássica História da Imprensa no Brasil, quando ele afirma: “Em tudo o Correio

Brasiliense se aproximava do tipo de periodismo que hoje conhecemos como revista

doutrinária, e não jornal”.68

Segundo Ana Luiza Martins, ao analisar o aparecimento e a difusão de revistas em

São Paulo no fim do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, o termo

revista surgiu em 1705, que deriva da palavra inglesa review, e que caracterizava revista

como uma publicação mais ou menos especializada, geralmente mensal, que continham

ensaios, contos e etc.

Ainda conforme esta autora foi na cidade de Salvador, em janeiro de 1812, que foi

colocada à venda a primeira revista no Brasil, As Variedades ou Ensaios de Literatura,

tratando-se “de um março mal encadernado de folhas de papel, trinta páginas

65 BUITONI, Dulcília. Imprensa Feminina. São Paulo: Ática, 1986, p. 17. 66 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Op. cit., p. 22. 67 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit. p.47. 68 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Op. cit., p. 22.

33

monotonamente recobertas de texto, sem uma ilustração que fosse”.69 Embora o termo

revista já existisse desde o início do século XVIII, a nossa primeira publicação do gênero

não utiliza o termo próprio (revista) e sim o de folheto. No Brasil o termo revista passou a

ser adotado com mais freqüência somente a partir de 1828.

Como foi citado, mesmo que o termo revista surgisse pela primeira vez na

Inglaterra, no início do século XVIII, “as primeiras edições periódicas configuradas na

forma de jornal retrocedem no tempo, circulando episodicamente desde o século XVII”.70

Segundo a jornalista Marília Scalzo a primeira revista de que se tem notícia foi

publicada na Alemanha no ano de 1663 e tinha formato de livro, só podendo ser

considerada revista por que trazia vários artigos de diversos autores e tratava sobre um

mesmo assunto, estando voltada para um público especifico. O mesmo ocorreu na Itália,

França e Inglaterra daquele período. Para a mesma autora, o modelo inicial do que viria a

ser uma revista de variedades surge na França em 1672. Le Mercure Galant é, de fato, um

periódico contendo notícias curtas, entretenimento e literatura. O modelo fez tanto sucesso

que logo foi copiado pelos ingleses, nascendo em Londres a The Gentleman’s Magazine,

periódico que massificou as publicações denominadas revistas. A partir dessa publicação é

que o termo Magazine passa lentamente a ser utilizado como sinônimo de revista. 71

Por sua vez, o termo magazine surge inspirado nas lojas que vendiam uma pauta de

produtos bastante diversificada. O termo serviu para designar genericamente em francês e

em inglês as publicações periódicas que mesclavam vários tópicos, como política,

literatura e entretenimento. Mesmo assim era muito difícil contrapor materialmente a

revista com o jornal, pois ambos ainda tinham formatos muito parecidos. O quesito que os

distinguia na maioria das vezes era, como mencionamos, o conteúdo. Nesses termos

Dulcília Buitoni afirma:

Considerava-se revista uma publicação que mesmo tendo aparência de jornal, apresentasse maior variedade de conteúdo, principalmente ficção, poesia, relatos de viagem e outros materiais de entretenimento. Nos jornais, predominavam os textos de opinião, com discussão de idéias, polêmicas, cartas de colaboradores; no fim do século começaram a aumentar as notícias.72

69 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 2000, p.16. 70 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 38. 71 SCALZO, Marília. Jornalismo de Revista. São Paulo: Contexto, 2004, p.12. 72 BUITONI, Dulcília. Imprensa Feminina. Op. cit., p. 17

34

Segundo Ana Luiza Martins, na Europa, ao longo de todo o século XIX, a revista

tornou-se moda e ditou moda, oportunizando uma conjuntura favorável trazida pelo que a

autora denomina de tripé indispensável para propagação da atividade impressa em massa.

Esse tripé é compreendido pelos avanços técnicos das gráficas, pelo aumento da população

leitora e pelo baixo custo do papel. É essa conjuntura que justifica o aumento do consumo

de revistas e também a renovação das propostas editoriais:

Definitivamente, o mérito de condensar numa só publicação, uma gama diferenciada de informações, sinalizadoras de tantas inovações propostas pelos novos tempos. Intermediando o jornal e o livro, as revistas prestaram-se a ampliar o público leitor, aproximando o consumidor do noticiário ligeiro e seriado, diversificando-lhe a informação. E mais – seu custo baixo, configuração leve, de poucas folhas, leitura entremeada de imagens, distinguia-a do livro, objeto sacralizado, de aquisição dispendiosa e ao alcance de poucos. 73

O modelo monotemático que caracterizaram as primeiras revistas foi dividindo o

espaço com revistas voltadas para os mais diversos públicos, sendo que as mais populares

foram exatamente aquelas que aliavam informações e entretenimento.

Com o advento da ilustração as revistas passam a ter o raio do seu alcance

ampliado, dessa forma alcançando o público não alfabetizado e depois, pelo uso acentuado

da fotografia proporcionaram uma linguagem visual mais sofisticada e atrativa, fórmula

copiada em todos os países onde o gênero apareceu. Dessa forma nasceram as revistas de

variedades, um formato editorial “que inspirou o uso e abuso da ilustração, com ênfase nas

notícias de teor sociocultural”. 74

Com surgimento da revista ilustrada e depois a de variedades é que as revistas

foram se distanciando mais claramente do modelo adotado pelo jornal, e isso tanto no

conteúdo quanto no formato. As revistas começaram a criar um modelo próprio, de fácil

identificação. Como observou Buitoni, “com o progresso da indústria gráfica, as revistas

começaram a aprimorar seu aspecto visual. Vieram as gravuras, as ilustrações, e finalmente

a fotografia. Lazer e luxo foram-se associando à idéia de revista no século XX”.75

Na Europa e Estados Unidos o aumento significativo das atividades capitalistas e o

conseqüente estímulo ao consumo de massas possibilitou o desenvolvimento da

propaganda, que passou a explorar o espaço da revista em dimensões bem mais amplas que 73 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 40, 74 Ibidem, p. 67. 75 BUITONI, Dulcília. Imprensa Feminina. Op. cit., p. 17.

35

no jornal. Os anunciantes percebiam nessas publicações a intensificação do consumo de

seus produtos e passavam a injetar volumes maiores de capital nos periódicos, propiciando

a sofisticação tecnológica e o aumento das tiragens.

A venda dos “reclames” causou impacto direto no processo de editoração,

possibilitando a diminuição nos preços dos exemplares, fator que por seu turno incentivou

a ampliação da procura pelo público leitor, tornando algumas revistas verdadeiros objetos

de apreciação pelo grande público, principalmente por abusarem das técnicas de ilustração

e do uso da fotografia. 76

No momento em que a revista vai se desvinculando o jornal, os jornais passaram a

enfocar de forma privilegiada temáticas direcionada para a política e para a informação,

cedendo menos espaço à literatura, favorecendo a emergência das revistas. O interesse de

escritores em atuar como colaboradores nas publicações jornalísticas sempre foi grande,

mas quando o jornal passa lentamente a secundarizar os temas literários, reforçou-se em

muitos escritores o interesse em criar suas próprias revistas.

Literatura, moda, reclames, entretenimento, modelos normativos de educação e

comportamento ocuparam espaços nessas publicações voltadas para o público em massa,

passando a ser publicações multitemáticas.

Dessa forma foi se consagrando paulatinamente uma diferenciação mais clara entre

revistas e jornais. Ana Luiza Martins aponta outras dimensões, o conteúdo e a forma, que

podem ser levadas em conta para diferenciar os dois tipos de impressos:

O que os distingue com freqüência é a existência da capa na revista, acabamento que não ocorre no jornal; mais do que isso, é a formulação de seu programa de revista, divulgado no seu artigo de fundo, que esclarece o propósito e as características da publicação. [...] Insista-se que o caráter fragmentado da revista é o seu traço recorrente, imutável nas variações geográficas e temporais onde o gênero floresceu, resultando sempre em publicação datada, por isso mesmo de forte conteúdo documental.77

As revistas passaram a desenvolver estratégias de vendas incorporando as

novidades tecnológicas do momento e disputando a preferência do público leitor. Para

tanto, havia a necessidade de montar uma logística operacional para captar e gerenciar

recursos, que iam desde a venda de assinaturas, anúncios e atrair as verbas governamentais. 76 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 67. 77 Ibidem, p. 47.

36

No ano 1928 surgiu no Brasil aquela que viria a se tornar, quase que

imediatamente, a revista de variedades mais importante do século XX no Brasil e América

Latina e que sintetizava a consolidação do gênero. Trata-se da revista Cruzeiro, que no ano

seguinte passou a ser conhecida como O Cruzeiro. 78

O Cruzeiro na década de 60 chegou a ter uma tiragem de 80 mil exemplares que

eram publicados semanalmente. Na média possuía entre 50 e 60 páginas, mas nas edições

especiais esse número podia chegar a 100 páginas ou mesmo mais. A difusão da revista O

Cruzeiro pelo país foi facilitada pela adoção da estratégia de distribuição através dos

Correios, pois apesar do país atravessar um surto de industrialização, as vias de

comunicação ainda eram bastante precárias.

A revista O Cruzeiro nasceu de uma criação do Grupo Diário Associados, um dos

maiores conglomerados de jornais no Brasil, que no momento de apogeu totalizavam 34

jornais, 36 emissoras de rádio, 18 de televisão e uma agência de notícias, a Meridional. O

conglomerado estava sob o comando do grande empresário da comunicação da época, o

paraibano Assis Chateaubriand, que era formado em Direito e começou a carreira como

jornalística, precocemente, aos quinze anos de idade. 79

É interessante perceber que a receita inicial que financiou esse grande

empreendimento foi o empréstimo concedido pelo Banco do Brasil, intermediado pelo

então ministro da fazenda, Getúlio Vargas, o que é indício forte do envolvimento bastante

corriqueiro entre o empresariado da comunicação e as esferas do poder.

Após a arrancada inicial, os editores da revista desenvolveram e aprimoraram

técnicas publicitárias que garantiam a publicação de cifras expressivas de exemplares. Uma

dessas estratégias estava na franca exploração da dimensão visual, com uso largo da

fotografia. De fato, a revista impressionava o público pelas suas capas, pelas ilustrações

com muitas cores, um mecanismo importante em um país que ainda possuía grande

população de analfabetos.

Na década de 1940, quando a revista conseguiu a tiragem de 100.000 exemplares,

transferiu-se para um prédio projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, onde passou a

78 Para a construção deste breve histórico da revista, baseamo-nos em: SERPA, Leoní Teresinha Vieira. A

Máscara da Modernidade: a mulher na revista O Cruzeiro (1928-1945). Dissertação de Mestrado em História. Passo Fundo, RS: UFPF, 2003.

79 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit., p. 139.

37

ocupar nada menos que nove andares. Em 1974, momento em que a revista entrou em

ruína, estava ocupando apenas três salas.

No início da década de 70 a revista O Cruzeiro, embora mantendo grandes tiragens,

já havia entrado numa irreversível crise financeira e seu título foi cedido a Hélio Lo Bianco

como pagamento de verbas indenizatórias; os maquinários importados da Alemanha e

adquiridos por mais de dois milhões de dólares, foram vendidos a preço de sucata; seu

acervo completo foi vendido ao Estado de Minas, o único jornal do Grupo com condições

financeiras para arrematá-lo.

Uma das causas do pioneirismo da revista O Cruzeiro parece ter estado no fato dela

dar maior atenção aos layouts e diagramação da capa, associando fortemente a fotografia

com a notícia, o que passou a ser mais conhecido como “fotojornalismo”. Para os antigos

leitores de O Cruzeiro a revista sempre era lembrada pelas suas capas e também pelas suas

reportagens ricamente ilustradas.

A fotorreportagem, que nasceu nas revistas ilustradas alemãs e francesas nos anos

vinte e foi consolidada pela revista americana Life em 1936, passou a ser utilizada na

revista O Cruzeiro já em 1936 por intermédio da dupla David Nasser e Jean Mazon, este

último um fotógrafo francês e ex-funcionário do Departamento de Imprensa e Propaganda

(DIP). Ainda hoje a dupla é lembrada pelas suas reportagens, algumas delas fabulosas,

fictícias e polêmicas.

A mais famosa dessas reportagens teve por título “Enfrentando os Xavantes” e veio

à público em 1944, mas hoje se sabe que ela foi de autoria de um jornalista do jornal O

Globo que havia comparecido no local a serviço do governo. Outras reportagens polêmicas

foram as da simulação da morte de Jean Mazon e a que se intitulou “Barreto Sem

Máscaras”, que custou a cassação de um deputado no país, Barreto Pinto, em 1946, por ter

pousado para a revista de cueca.

A dupla Nasser e Mazon tinha autonomia para inventar as reportagens, desde que

garantisse boa vendagem e nem comprometesse politicamente nem os aliados de Assis

Chateaubriand. Quanto aos desafetos, Chatô (como também era conhecido Assis

Chateaubriand) não economizava na artilharia.

38

Trabalhava na redação da revista uma equipe de renomados profissionais da época,

como Portinari, Di Cavalcante, Anita Mafalti, Milô Fernandes, Graciliano Ramos, Jorge

Amado, Manuel Bandeira e Rachel de Queiroz, além da revista manter correspondentes em

todas captais brasileiras e no exterior.

Da gráfica da revista O Cruzeiro saíam outras publicações de grande sucesso,

voltada para os mais diversos públicos: Revista do Brasil, Cigarra, Revista Infantil,

Pererê, O Guri.

A revista O Cruzeiro reinou soberana como principal revista de variedades até 1950

quando passou a disputar a preferência do público leitor com a recém-lançada Manchete,

de Adolpho Bloch. A revista O Cruzeiro deixou de ser publicada em 1975 e reapareceu em

1977, mas deixou de circular definitivamente em 1983, dentre outras coisas, por não

conseguiu resistir ao avanço da televisão, a qual foi introduzida pelo próprio Assis

Chateaubriand em 1950 no Brasil.80

A revista O Cruzeiro representa a consagração do gênero revista no cenário

nacional e a consolidação da imprensa industrial entre as décadas de 40 e 50 do século

passado. 81

Nas primeiras décadas do século XX as inúmeras revistas de variedades que

proliferaram no Brasil não tinham uma estrutura econômica sólida; eram, ao contrário,

publicações que administravam parcos recursos e que, segundo Ilka Stern Cohen, nem por

isso deixaram de forjar um discurso sobre o seu tempo, projetando simultaneamente um

ideal de sociedade onde se privilegiava a temática do viver urbano. Ainda de acordo com

Cohen, elas “ultrapassavam o papel de vitrine da época, constituindo-se em veículo

privilegiado de imposição de um modelo social”. 82

Sendo assim, mas que empreendimentos comerciais, as revistas de variedades

representavam um modelo ideal de sociedade em transformação. Esse modelo nem sempre

correspondia ao cotidiano da maioria da população brasileira que, nestes projetos de

modernização, nem sempre ocupava grande espaço. Como lembra Ana Luiza Martins:

80 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit., p. 140. 81 BARBOSA, Marialva. “O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira”.

Rio de Janeiro: Ciberlegenda, nº 7, 2002. 82 COHEN, Ilka Stern. “Diversificação e segmentação dos Impressos’. In: MARTINS, Ana Luiza e LUCA,

Tania Regina de (Orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 117.

39

Insista-se que na virada do século, quando o jornalismo transformou-se em grande empresa, as publicações periódicas foram criadas para ser vendidas e gerar lucro. Nesse propósito, veiculavam o que era rentável no momento, procurando “suprir a lacuna” do mercado e atender a expectativas e interesses de grupos, segmentando públicos, conformando-os aos modelos em voga; na maioria das vezes, a serviço da reprodução do sistema. Em outras palavras, desde então as revistas em geral matizavam a realidade, veiculando imagens conciliadoras de diferenças atenuando contradições, destilando padrões de comportamento, conformando o público leitor às demandas convenientes à maior circulação e ao consumo do impresso. Ou seja: expressavam o comprometimento apriorístico com aquilo que o leitor queria ler e ouvir.83

Apesar das revistas de variedades defenderem modelos de uma sociedade ideal em

que o cenário maior era a cidade, espaço por excelência onde se poderia viver segundo os

padrões da época considerados modernos e civilizados, essas revistas possibilitam ao

historiador o acesso a uma documentação riquíssima (imagens, textos, reclames) que pode

ser explorada dentro das inúmeras abordagens históricas, levando-se em consideração o

contexto, os sujeitos e capitais envolvidos na sua produção e difusão.84

3. AS PRIMEIRAS REVISTAS EM MANAUS

Assim como ocorreu em diversos contextos onde o gênero revista surgiu, as

primeiras revistas que circularam em Manaus, também estavam direcionadas a um público

restrito e suas leituras serviram como suporte na formação profissional de certas categorias

que vão se consolidando no século XIX. Ao que tudo indica, a primeira revista a surgir no

Amazonas foi a Revista do Amazonas, circulando de 5 de abril a 15 de setembro de 1876.

De acordo com Carlos Roque, ela desapareceu já em seu sexto número.85

Lamentavelmente não conseguimos localizá-la nos arquivos do Estado e, por esta razão

quase nada sabemos dela. Já nos últimos anos do século XIX, surgiram empreendimentos

de maior expressão, como a Revista Vellosia, que trazia contribuições científicas assinadas

por intelectuais e cientistas que animaram o efêmero Museu Botânico do Amazonas, entre

83 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 22. 84 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 23. 85 ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia. Vol. 5. Belém, Editora Amazônia, 1967, p. 1466.

40

os anos de 1885 e 1888, dentre Barbosa Rodrigues, idealizador e primeiro diretor do

Museu, além de organizador da revista.86

Na recente província do Amazonas as práticas de leitura foram se disseminando,

em especial quando Manaus foi sofrendo modificações estruturais provocadas pelo

crescimento da economia ligada ao extrativismo da borracha87. Neste ambiente renovado,

as publicações técnico-científicas foram dividindo espaço com outras revistas e impressos,

denunciando a presença de diversas propostas editoriais, o que em si já demonstra uma

igual e correlata diversificação do público leitor na cidade. Tais ocorrências não apenas

refletiam, como se menciona comumente as mudanças na sua estrutura socioeconômica da

região – que teve seu apogeu nas primeiras décadas do século XX –, mas também a forte

assimilação de valores e ideais de modernidade e civilização cultuados por uma pequena e

cosmopolita “elite” local, desejosa de associar-se aos padrões de refinamento estéticos que

marcaram a chamada Belle Époque.88

De acordo com Ana Luiza Martins, mas do que suporte na formação profissional,

as publicações monotemáticas, podiam “ser percebidas como lugar de afirmação coletiva,

não comportando a motivação mercantil que posteriormente marcou os empreendimentos

do gênero”. 89

Precisar, a partir das próprias revistas, uma média de quantos números estes

primeiros empreendimentos dedicados a um público leitor especializado conseguiram

manter em circulação é uma tarefa extremamente difícil, em especial pelo fato dos

números conservados nos arquivos públicos ou privados locais serem ínfimos, sem dar

pistas seguras de sua continuidade, como no caso da Revista Médica do Amazonas, de

1899 e da Revista de Educação, de1931 (Imagens nº 1 e 2). Delas conseguimos apenas um

exemplar, insuficientes, portanto, para que as exploremos numa dimensão mais ampla e

que não nos dão conta de informar questões relevantes como de onde vieram os recursos

necessários à suas edições, onde foram produzidas, quais foram os obstáculos que

encontraram, qual sua tiragem, qual forma de receptividade do público, etc. Portanto,

86 A publicação foi recentemente reeditada pela Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas /Biblioteca

Pública Estadual na forma digital (CD-ROM), o que facilitou seu acesso pelo público. 87 Região marcada pela forte presença indígena, na Amazônia a introdução de uma cultura letrada foi

lentamente se associando (mais que suplantando) à forte tradição de oralidade que marca suas sociedades. Cf.: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 25-56; FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a História das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: Atlântica, 2004.

88 DAOU, Ana Maria. A Belle Époque Amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. 89 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 59.

41

ficam sem respostas uma série de indagações que são indispensáveis para compreensão

desses periódicos e de sua relação com a sociedade do seu tempo. 90

Esse é, entretanto, um problema que acontece em menor monta com outras

segmentações do gênero revista, principalmente as chamadas de variedades, que são, na

verdade, o nosso objeto de reflexão.

Imagens nº 1 e 2

Fonte: Revista Médica do Amazonas e Revista de Educação. Manaus, julho de 1899 e março/maio de 1931.

Acervo Particular de Geraldo Pinheiro.91

Pode-se inferir, todavia, que na grande maioria das vezes essas revistas conseguiam

manter a publicação graças ao apoio financeiro das categorias as quais elas se

direcionavam e do patrocínio estatal, frequentemente anunciado e/ou percebido pela

impressão em agências públicas, como a Imprensa Oficial. Este parece ser o caso da 90 Poderíamos ainda incluir no rol dessas edições voltadas para um público mais específico um conjunto de periódicos, como a Revista da Associação Comercial do Amazonas, cuja fase inicial projetou-se de 1908 a 1918; A Revista Arquivos, editada por Bento Aranha em 1908-1909 e voltada para a divulgação do Arquivo Público Estadual através de peças documentais e estudos históricos ligeiros, além das Revistas do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (o primeiro número de 1917) e da Academia Amazonense de Letras (1918), ambas veiculadas com bastantes interrupções. Sobre a revista da ACA, cabe registrar o recente estudo de: AVELINO, Alexandre Nogueira. O Patronato Amazonense e o Mundo do Trabalho: A Revista da Associação Comercial e as Representações Acerca do Trabalho no Amazonas, 1909-1919. Dissertação de Mestrado em História. Manaus: UFAM, 2008. 91 Há cópias digitais disponíveis no Laboratório de História da Imprensa no Amazonas – DH/UUFAM.

42

Revista Médica, de 1899, dirigida pelo Dr. Astrolábio Passos e que se dirigia aos médicos e

farmacêuticos do Estado, já que num simples olhar sobre a capa de seu primeiro número,

revela um claro apoio governamental; apoio este que, a nosso ver, parecia ser fundamental

para manutenção da publicação.

A Revista de Educação, de 1931, era igualmente especializada. Idealizada e

produzida por uma gama de intelectuais e educadores locais, como José Chevalier

(Diretor), André Araújo (Secretário), Agnello Bittencourt, Júlio Uchoa e Eunice Serrano,

ela se direcionada explicitamente ao público docente das escolas públicas locais, buscando

reforçar a qualidade do ensino no Estado. Nela também quase não se percebe o uso de

publicidade e nem mesmo uso de ilustrações ou fotografias, o que denuncia seu caráter

mais técnico e sua difusão restrita e dirigida a um público especializado.

Imagem nº 3

Fonte: Revista Amazonense, nº1. Manaus, 1923. Acervo Particular de Geraldo Pinheiro.92

A Revista de Educação, contudo, não foi o primeiro empreendimento do gênero no

Amazonas, uma vez que, na verdade, ela parece ter sido editada aos moldes da Revista

92 Há cópias digitais disponíveis no Laboratório de História da Imprensa no Amazonas – DH/UUFAM.

43

Amazonense (Imagem nº 3), surgida anos antes, em 1923, também ela direcionada aos

professores e dedicada à informação e renovação das práticas pedagógicas. Vinha à luz

com uma plêiade de intelectuais de grande destaque, como o seu diretor, Álvaro Maia, e

seus redatores e colaboradores, como João Batista Faria e Souza e o jovem Arthur César

Ferreira Reis, que nela publica um de seus primeiros ensaios, ainda com 17 anos.

Imagem nº 4

Fonte: Revista Collegial. Manaus, agosto de 1906. Acervo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.

Também existiram publicações que apresentavam traços mais amadorísticos e

artesanais, o que foi característica comum dos primeiros jornais no Amazonas. Esse foi o

caso da Revista Collegial (Imagem nº 4), organizada por alunos secundaristas e que se

utilizava largamente da improvisação em suas edições manuscritas e datilografadas, como

atesta o número reproduzido e discutido na tese de Maria Luiza Ugarte Pinheiro, que dela

comenta:

A própria Revista Collegial, de publicação mensal, pode ser tomada como um exemplo claro da vitalidade demonstrada pelo periodismo manuscrito. Produzida por alunos secundaristas do Colégio Sant Anna Nery, e vindo à luz em um momento (1905) em que já era maior o número de tipografias e jornais impressos, ela apresentava-se ao público

44

não só manuscrita, como também artesanalmente ilustrada e pintada a cores. Chama a atenção ainda, o fato de ser veiculada com um número grande de páginas (mais de vinte) e de ter alcançado certa longevidade, tendo tirado trinta e quatro números antes de seu desaparecimento, em 3 de junho de 1907.93

Em que pese a grande importância das revistas até aqui mencionadas, nelas não nos

deteremos, voltando, todavia, ao tema da emergência do gênero revista no capítulo

seguinte, enquanto as revistas de variedades que proliferaram em Manaus na primeira

metade do século XX, e que serão por nós melhor discutidas, ocuparão a atenção do

terceiro capítulo.

93 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 69.

45

CCAAPPÍÍTTUULLOO 22 AA IIMMPPRREENNSSAA NNOO AAMMAAZZOONNAASS EE AASS

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46

CCAAPPÍÍTTUULLOO 22 AA IIMMPPRREENNSSAA NNOO AAMMAAZZOONNAASS

EE AASS MMUUTTAAÇÇÕÕEESS DDOO JJOORRNNAALL ÀÀ RREEVVIISSTTAA

1. O CONTEXTO DO SURGIMENTO DA IMPRENSA NO AMAZONAS

Diferente de outras regiões do Brasil em que os primeiros jornais apareceram em

concomitância com o processo de emancipação política, no Amazonas os jornais surgiram

apenas na segunda metade do século XIX. Da mesma forma, se foi comum em outros

contextos do país que jornais manuscritos antecedessem o impresso, o primeiro jornal do

Amazonas já nasceu impresso. Tratava-se do O Cinco de Setembro que começou a circular

no dia 3 de maio de 1851associado, portanto, ao processo de criação e implantação da

Província do Amazonas. A partir de 7 de janeiro de 1852, O Cinco de Setembro passou a

denominar-se Estrella do Amazonas. De acordo com Arthur Cezar Ferreira Reis, “sob esse

nome publicava-se uma vez por semana até 1855 e de 1856 em diante, duas vezes. Viveu,

aumentando de formato em1864, com feição política, desenvolvidas as seções comercial e

noticiosa, até 30 de julho de 1865”. 94

O Cinco de Setembro era impresso na Oficina Tipográfica, a primeira montada no

Amazonas e que havia sido trazida de Belém para Manaus por Manoel da Silva Ramos, o

qual aportou na capital amazonense a convite do primeiro presidente de Província João

Batista Figueiredo Tenreiro Aranha. De acordo com Genesino Braga, Silva Ramos era

“Homem empreendedor e de intelecto cultivado”, trazendo para Manaus, “além da

tipografia, a sua grande experiência na feitura de jornais impressos, pois que na capital

da Província paraense, tipógrafo ele o era, com atividade na grande oficina tipográfica de

Honório José dos Santos”. 95

Maria Luiza Ugarte Pinheiro, num dos mais recente e importante trabalho de

pesquisa acerca da História da Imprensa no Amazonas96, analisou a trajetória de alguns dos

primeiros jornais surgidos no Estado do Amazonas, apontando ali as razões que levaram a

tardia introdução da imprensa no Estado e os fatores que contribuíram para o seu

desenvolvimento. De acordo com a autora, um dos aspectos que podem justificar a tardia 94 REIS, Arthur Cézar Ferreira, História do Amazonas. 2ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989, p. 208. 95 BRAGA, Genesino. Chão e Graça de Manaus. 3ª ed. Manaus: Editora Grafitec, 1995, p. 244. 96 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit.

47

circulação de jornais na Província do Amazonas tem haver com o processo histórico

singular da região, notadamente pelo fato da mesma se estruturar a partir de componentes

étnicos e socioculturais associados pela forte influência indígena. A autora argumenta que

as formas de comunicação estavam praticamente estabelecidas pela predominância da

oralidade no ambiente amazônico, já que as sociedades indígenas eram ágrafas e a própria

implantação da língua portuguesa (falada e escrita) demorou a ocorrer, tornando-se

preponderante apenas no alvorecer do século XX, conforme sustentam as pesquisas de José

Ribamar Bessa Freire97. Daí porque a larga utilização do Nheengatu em todo o período

colonial e mesmo na época da Província, ancorando toda uma tradição cultural fincada na

oralidade.

Os fortes limites do letramento e da instrução pública encontrados no Amazonas já

foram sobejamente registrados pela historiografia. De acordo com Arthur Cézar Ferreira

Reis:

A instrução primária, nos dias coloniais, reduzia-se à dos missionários que ensinavam com carinho as crianças indígenas, embora não lhes falassem português e não lhes dessem mesmo noções dessa língua, contrariando, assim, as determinações reais.

Uma escola de primeiras letras, criada em 1787 para os filhos dos moradores, em Barcelos, não chegou a ser instalada, pela desistência do professor nomeado. Outras em vários pontos da Capitania, ou não funcionavam ou funcionavam com muita irregularidade e sem produzir resultados animadores.98

Quanto aos aspectos econômicos, a região mostrava-se igualmente acanhada, se

comparada com as principais províncias do Brasil em que as atividades comerciais eram

mais diversificadas, notadamente aquelas regiões do país que ganharam destaque por terem

desenvolvido sua base econômica através da exportação de produtos agrícolas como

açúcar, o algodão ou o café.

No Vale Amazônico a atividade comercial mostrou-se tímida tanto no período

colonial quanto no período imperial, permanecendo a economia alicerçada no extrativismo

vegetal e animal – as chamadas “Drogas do Sertão” –, com a predominância da mão-de-

obra indígena em todos os setores. Mãos e pés dos colonos, como argumentou-se no

97 FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel. Op. Cit. 98 REIS, Arthur Cézar Ferreira, História do Amazonas. Op. cit., p. 202.

48

período colonial99, os índios foram largamente empregados na extração dos produtos da

floresta, nos transportes pelos rios, nas obras públicas, etc. Essas atividades extrativistas

também eram bastante diversificadas, mas as transações comerciais, na grande maioria das

vezes, ainda ocorriam através de escambo havendo pouca circulação de moedas, o que

desestimulava o investimento em outras atividades mercantis.100

De acordo com Maria Luiza Ugarte Pinheiro, o momento inicial da imprensa no

Amazonas ocorreu entre 1850 e 1880; ou seja, no período entre a data da elevação do

Amazonas à categoria de Província até o início da ascensão da economia de exportação da

borracha. Para a autora a História da Imprensa neste período pode ser caracterizada em

linhas gerais pela carência de recursos humanos e técnicos, dificuldade amplificada pela

ausência de capitais necessários não apenas para a importação de instrumentos, papeis,

prensas e tipos, como também vital para o pagamento da mão-de-obra especializada, o que

levava grande parte dos jornais do Estado do Amazonas a apresentar características

simples, muitos deles sendo artesanalmente construídos na forma de manuscritos ou, após

o advento e generalização da máquina de escrever, datilografados. A grande maioria vinha

à luz com tiragens muito pequenas e muitos saíam em média uma única vez, sendo o

número inaugural frequentemente o único. Acerca dessas características, acrescenta

Pinheiro:

Seja no caso dos manuscritos, seja no caso dos jornais

datilografados, foi bastante comum a tendência à reprodução de um layout típico dos jornais impressos, tendência que, por vezes, acabou ocasionando verdadeiros malabarismos gráficos por parte de seus idealizadores, tal como os que apareceram nas páginas de propaganda d’A Confederação.

De qualquer forma, essa presença insistente dos jornais manuscritos ou datilografados no Amazonas parece traduzir tanto uma situação de tímido desenvolvimento socioeconômico, onde a ausência de capitais se impôs como uma barreira efetiva, uma vez que pelo menos metade da população jornalística amazonense não conseguiu superar a casa dos dez números. Enquanto menos de 10% dos jornais foram além de uma centena.101

Neste contexto, a figura do Estado emergia como sendo uma das únicas forças

financeiramente capaz de arcar com os altos custos de impressão o que lhe era vital, devido

99 FREIRE, José Ribamar Bessa (Coord). A Amazônia Colonial. 4ª ed. Manaus: Metro Cúbico, 1991, p. 30. 100 CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. Economia e Sociedade em Áreas Coloniais Periféricas: Guiana

Francesa e Pará. Rio de Janeiro: Graal, 1984, p. 183. 101 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p.70.

49

a necessidade de publicização das medidas e leis necessárias ao funcionamento das

atividades burocráticas ligadas à administração pública.

Ainda de acordo com Pinheiro, os entraves estruturais estavam ligados também ao

baixo número populacional da região e à já mencionada tardia e difícil penetração da

língua portuguesa, refletindo nos baixos índices de alfabetização e letramento. Analisando

os relatórios dos presidentes de Província Pinheiro constatou que embora os governos

nomeados para administrar a Província buscassem suprir estas carências com a criação de

instituições públicas de ensino, havia uma dificuldade muito grande de recrutar

professores, pela falta de profissionais qualificados, já que os que atuavam na Província, na

grande maioria das vezes, não atendiam aos mínimos critérios estabelecidos, alguns dos

quais mal sabiam ler e escrever.

Segundo Arthur Reis, com a inauguração da Província “os homens que vieram lhe

tomar direção receberam um encargo pesado, por que era preciso criar tudo, num meio

onde se obtinham com dificuldade as coisas mais comezinhas noutras partes”102. Sendo

assim, além do Estado não possuir recursos necessários para investir seriamente em

educação, a falta de profissionais qualificados na recente Província não podia apresentar

progressos muito significativos na expansão da cultura letrada.

Quanto aos entraves ligados aos fatores técnicos propriamente ditos, registrava-se a

inexistência de mão-de-obra especializada, como de mestres tipógrafos, impressores e

gravadores, além da escassez de matérias-primas e de recursos financeiros para adquiri-los.

Maria Luiza Ugarte Pinheiro afirma que se esses fatores não justificam por si só a tardia

instalação da imprensa no Amazonas, não há dúvida de que eles acabaram contribuindo

negativamente no processo de emergência da Imprensa na região. 103 Outro aspecto

importante é a defasagem temporal entre o contexto do sul e sudeste do país com o

ocorrido no Amazonas. Assim, enquanto nas áreas mais dinâmicas do país as pequenas

folhas mais artesanais saíam de cena, dando espaço ao jornal-empresa, no Amazonas,

registra a autora, as pequenas folhas prosperam e dominam o cenário:

Se este processo de restrição e fechamento [das pequenas folhas] parece estar evidenciado para contextos culturais mais dinâmicos, como Rio de Janeiro e São Paulo, a emergência de pequenos jornais no Amazonas continuou. Aí, as possibilidades para experimentações dessa

102 REIS, Arthur Cézar Ferreira, História do Amazonas. Op. cit., p. 203. 103 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 65.

50

nova linguagem [o jornal], bem como o nível técnico relativamente mais modesto dos processos de editoração, animaram os pequenos grupos letrados a se lançarem na arena jornalística. Embora alguns grandes jornais já tivessem aparecido neste momento, e trazendo consigo características modernas de produção, o grosso da publicação periódica amazonense ainda recaía sobre as pequenas folhas algo improvisadas. 104

Se com a elevação do Amazonas a categoria de Província, em 1850, a região

praticamente continuou com a mesma fisionomia sociocultural do passado, nas décadas

posteriores, por volta de 1880, a região começou dar sinais de vitalidade econômica e a

sinalizar modificações mais contundentes, em decorrência da ascensão da economia de

exportação da borracha, que apesar de ter se mostrado posteriormente efêmera, influenciou

uma série de mudanças socioculturais na região.105

A região que vinha exportando borracha para o mercado internacional desde o

início do século XIX viu a procura pelo produto aumentar consideravelmente nos dois

últimos decênios do século XIX quando o produto foi adaptado as rodas de bicicleta e em

seguida as rodas dos automóveis o que contribuiu de forma muito positiva o sucesso da

indústria automobilística.

Embora a Amazônia não fosse a única região do globo a abastecer de borracha a

indústria automobilística norte-americana e européia, pela qualidade superior de seu

produto foi, todavia, a região que passou a atrair maior interesse e capitais desses mercados

consumidores. A necessidade do mercado capitalista em atender a demanda das indústrias

automobilística internacional manteve a Amazônia na primazia do fornecimento mundial

do produto até o final da primeira década do século XX, momento em que a produção

asiática superou definitivamente a produção amazônica. 106

O aumento da procura pela borracha havia atraído agentes investidores para a

região visando incrementar e dinamizar o processo produtivo local que consistia

basicamente da extração do látex e sua transformação em pelas que facilitavam o processo

de sua exportação. Durante quase todo o período da borracha, esta foi extraída utilizando-

104 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 62. 105 Sobre este período, cf.: SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T.

A. Queiroz, 1980; WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo, Hucitec, 1993.

106 WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia. Op. cit., p. 241.

51

se praticamente os mesmos métodos tradicionais empregado pelos indígenas, que já

conheciam e utilizavam o produto, fazendo com eles diversos objetos impermeáveis.

A Amazônia veio a se tornar a grande produtora mundial não apenas pelo seu

potencial e pela qualidade de suas reservas, mas graças ao grande contingente de

trabalhadores que migraram para região fugindo das secas avassaladoras que assolaram o

Nordeste no final do século XIX. A acumulação produzida pela borracha, além de

possibilitar, através da migração nordestina, a extração do produto em larga escala e à

custos baixos – o sistema de trabalho tirânico foi muitas vezes comparado à escravidão107 –

promoveu uma outra onda migratória, esta de estrangeiros e de nacionais mais qualificados

que vinham para os postos de direção das firmas estrangeiras e casas exportadoras (no caso

dos primeiros) e para as chefias e funções intermediárias, além da burocracia estatal (no

caso dos segundos). Tudo isso engendrou um aumento populacional do Estado que, até

aquela época, contabilizava a menor taxa demográfica do território brasileiro.

A intensa procura pela borracha amazônica interferiu no cotidiano das duas capitais

amazônicas, Manaus e Belém, que passaram por mudanças estruturais importantes, sendo

que em Manaus a intensidade dessas mudanças foi mais visível, uma vez que durante todo

o período Imperial, a cidade ainda conservava uma feição acanhada que vinha,

praticamente inalterada, do período colonial. Já a cidade de Belém vinha de uma

configuração mais bem estruturada, já que desde o período colonial desenvolveu uma

atividade comercial muito mais dinâmica, ligando-se diretamente a Lisboa, fazendo da

capital paraense o mais importante centro urbano do Norte do Brasil.

Apesar da extração da borracha ocorrer na densa floresta, havia a necessidade de

igual interferência no meio urbano, uma vez que o capital internacional impunha a

exigência do rápido escoamento do produto e as duas cidades configuravam-se

basicamente como entrepostos comerciais da borracha. Assim, desenvolveram-se uma

série de melhorias urbanas, que visavam a dinamização do comércio e escoamento da

borracha para as indústrias estrangeiras.

Em Manaus essas mudanças se intensificaram na década final do século XIX,

principalmente quando o governo do Amazonas passou a ter maior controle sobre a

cobrança de impostos que incidiam nas exportações e negociações de borracha, o que foi

107 CUNHA, Euclídes da. À Margem da História. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

52

conquistado com a oferta de maiores vantagens tributárias, deixando a capital paraense em

franca desvantagem. 108

Maria Luiza Ugarte Pinheiro argumenta que esse cenário de expansão e

prosperidade econômica da região, compreendido entre 1880 a 1920, marca uma segunda

fase da Imprensa no Amazonas, que se mostra mais propícia à intensificação de uma

Imprensa mais desenvolvida tecnologicamente e de caráter mais industrial no Estado,

possibilitando ainda um aumento na tiragem dos jornais impressos. As pequenas folhas

improvisadas que utilizavam recursos considerados arcaicos para o período, não sumiram

de todo, mas tiveram sensível redução. Sobressaem deste período uma maior quantidade de

impressos e uma melhor qualidade na impressão dos jornais que circulavam no Estado.109

No limiar do século XX, Manaus configurou-se, portanto, como uma das cidades

mais importantes da Região Norte, que praticamente de uma hora para outra teve que se

estruturar para receber os representantes do capital industrial estrangeiro e nacionais que

passaram a engrossar os segmentos médios urbanos da cidade. Essa articulação ao mercado

internacional exigia a criação de bancos, casas comerciais e a forte intervenção do poder

estatal no cenário urbano, único poder capaz de fomentar a construção de um verdadeiro

Porto, capaz de receber embarcações de grande calado. Todos esses fatores contribuíram

para que Manaus fosse abandonando seus traços de simples vila colonial e fosse

lentamente se inserindo no modelo urbano predominante do período da chamada Belle

Époque.

Para Ednéa Mascarenhas Dias, a cidade sofre uma metamorfose, passando de um

simples vilarejo pacato à cidade moderna nos parâmetros da Belle Époque, mesmo que, em

muitos aspectos, essas transformações fossem mais aparentes que efetivas e que por outro

lado, em nome do progresso e de tantos avanços técnicos, se observasse uma severa

política de segregação aos populares. 110

De acordo com Maria Luiza Ugarte Pinheiro, a comercialização da borracha e a

supervalorização do produto no mercado internacional possibilitaram que a Imprensa em

Manaus conhecesse uma fase de inovações em todos os aspectos da produção jornalística,

indo do campo gráfico, até a qualidade editorial, que passou a contar mais efetivamente

108 WEINSTEIN, Bárbara. A Borracha na Amazônia. Op. cit., p. 219. 109 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit. 110 DIAS, Edinéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto: Manaus, 1890-1920. Manaus: Valer, 1999.

53

com a presença de um grupo de intelectuais que autuavam consistentemente na atividade

jornalística. 111

A montagem de estabelecimentos de ensino de ensino como o Ginásio

Amazonense, contribuiu para que os jovens da Província, oriundo tanto da pequena elite

local como das classes menos favorecidas, obtivessem uma formação acadêmica que até

então só era obtida saindo da Província. Algumas das famílias abastadas investiram

maciçamente em recursos financeiros para que seus filhos desfrutassem de uma educação

superior de maior qualidade, mandando-os estudar nas melhores Faculdades do País, como

as do Recife, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. As mais opulentas buscavam os títulos

doutorais dos filhos nas tradicionais instituições de ensino na Europa, escolhendo, em

especial, Lisboa e Paris.112

Uma vez terminados os estudos esses jovens eram obrigados a retornar à cidade

natal para administrar os negócios da família, geralmente os seringais, o que causava

situações de desgosto e insatisfação. Muitos desses recém formados recusavam-se a voltar,

alegando que Manaus se mostrava um ambiente cultural muito tímido em relação aos

grandes centros urbanos onde a vida intelectual era efervescente e dinâmica.113

De acordo com Maria Luiza Ugarte Pinheiro, os que retornavam a Manaus

empenharam-se em montar estratégias de recriação de uma ambiência cultural refinada e

foi na imprensa manauense da época que encontraram um desses espaços. Além do mais,

foi na Imprensa que os intelectuais da época, tanto os de formação superior, quanto os

autodidatas, conseguiram divulgar seus trabalhos e fazer-se notar, tentando copiar o

modelo efervescente da capital do país114, pois como afirmou Nelson Werneck Sodré “só a

capital consagra” os talentos intelectuais. 115

Foi principalmente na segunda fase do periodismo amazonense que os jornais e as

revistas passaram a abrigar esses intelectuais, que podiam ganhar um espaço de

visibilidade e prestígio na sociedade local e em alguns casos até mesmo nos centros mais

dinâmicos do país.

111 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 91. 112 Ibidem, p. 97. 113 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 98. 114 Ibidem, p. 104. 115 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Op. cit., p. 294.

54

Além do mais, as firmas internacionais que se instalaram em Manaus acabaram por

trazer recursos humanos e técnicos de monta que foram oportunizados pela Imprensa,

contribuindo para que esta se intensificasse em Manaus e se mostrasse, inclusive, um

empreendimento empresarial rentável e lucrativo. Contavam para essa intensificação e

modernização a ampliação e diversificação do público leitor, a importação de maquinário e

a contratação de uma mão-de-obra mais especializada de tipógrafos, compositores,

clicheristas e, mais tarde, com o desenvolvimento da arte/técnica fotográfica, fotógrafos.

Também contribuíram as mudanças no âmbito internacional, com a criação de

instrumentos que dinamizaram a informação como o telégrafo e a formação das primeiras

agências de notícias internacionais. 116

De acordo com Djalma Batista vieram para Manaus e Belém os melhores artistas da

época estimulando as atividades artísticas e profissionais para atuarem nos diversos

campos do conhecimento. Em seus termos, a cidade atraiu “professores abalizados,

jornalistas de alta estirpe, engenheiros, advogados que merecem justificada fama, médicos

e humanistas de grande cabedal, profissionais de toda sorte e de rara capacidade”. 117

Assim, economia extrativista da borracha, apesar de seu curto período de apogeu,

teve seu lado positivo, pois possibilitou que na região ocorresse uma alta demográfica e o

aumento das receitas governamentais que geraram recursos para remodelar a cidade

através das obras públicas. Ocorreu também, como mencionado, a atração para Belém e

Manaus de homens de negócios e também de uma elite de intelectuais, incentivando assim

as atividades ligadas à cultura letrada e a criação de instituições educacionais, como a

Escola Universitária Livre de Manaus, em 1909, o Instituto Geográfico e Histórico do

Amazonas, em 1917 e a Academia Amazonense de Letras em 1918. Todos esses fatores

acabaram estimulando as atividades ligadas ao campo artístico e intelectual. 118

Nas principais capitais do Brasil os jornais estavam atravessando outro processo

mudança, configurado na transição de uma imprensa de opinião para uma imprensa de

informação com visível caráter de empreendimento industrial. No Amazonas o movimento

de expansão da economia havia permitido certa atualização, com a incorporação de

algumas das mais recentes novidades no campo de informação. O processo era ainda

116 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 61. 117 BATISTA, Djalma. Amazônia – Cultura e Sociedade. Manaus: Valer, 2003, p. 70. 118 BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazônia: análise do processo de desenvolvimento. Rio de Janeiro:

Conquista, 1976.

55

incompleto, já que como sustenta Maria Luiza os grandes diários que surgiram na capital

amazonense e se apresentavam como empreendimentos modernos, dividiram espaço com

as pequenas folhas que tratavam de temáticas variadas ligadas ao cotidiano da cidade.119

Em que pese essa situação ambivalente, Maria Luiza Ugarte caracteriza este novo

período como marcado por um verdadeiro boom do periodismo amazonense:

... O período que se abriu após 1880 foi caracterizado pela proliferação de uma grande e diversificada quantidade de jornais que, embora ainda mantivessem muitas das características do período anterior, começaram já a mostrar sinais de significativo avanço não só em relação ao processo de composição e editoração gráfica, mas também no sentido de ampliação da qualidade editorial, consolidando a presença de um grupo cada vez mais amplo de intelectuais, que faziam das páginas dos jornais um campo fértil para troca contínua de idéias e para o desenvolvimento do debate político. 120

Mesmo com incorporação de tecnologias que possibilitaram uma parte do

periodismo amazonense inserir-se na era da imprensa industrial, então em franca expansão

no Brasil, a qualidade gráfica e editorial dos impressos mostrava diferenciações

significativas. No Amazonas do início do século XX as revistas em particular se

mostravam embrionárias e bastante simples, em relação as revistas que haviam surgido no

eixo Rio de Janeiro e São Paulo no mesmo período. Com efeito, nos centros mais

promissores a atividade jornalística ancorada na produção industrial estava em fase de

consolidação e havia alcançado o gênero revista com igual vigor. Como afirma Heloisa de

Faria Cruz:

Nas últimas décadas do século XIX, o movimento de crescimento e circulação dos materiais impressos em São Paulo, principalmente da imprensa periódica, acompanha o próprio ritmo de desenvolvimento da cidade. As tipografias, além de imprimirem uma grande variedade de materiais ligados às novas necessidades mercantis, passavam também a publicar correspondências, panfletos, opúsculos, brochuras diversas, elegantes folhetins e almanaques bem organizados, brochuras com a mais fina encadernação, folhetos e jornais.[...]. Em meio a essa gama de publicações, tendo como ponto de partida a temática do viver urbano na metrópole em formação, despertava especial atenção um determinado conjunto de periódicos que passamos a chamar de culturais e de variedades. Diferente da imprensa diária, onde as questões políticas e

119 Pinheiro sustenta que embora modestas, as pequenas folhas deram uma importante contribuição,

estimulando as práticas de leitura e difundindo a cultura letrada na região, razão pela qual optou por estudá-las em sua tese doutoral. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 16.

120 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 63.

56

institucionais de caráter nacional ou estadual ocupavam maior espaço, nessas publicações culturais e de variedades, através de diversas linguagens – a crônica, a fotografia, o reclame, a caricatura etc – eram os temas do cotidiano da cidade que ganhavam destaque. 121

Com efeito, o segmento caracterizado pelas revistas de variedades começava a se

expandir no Brasil e refletia, como sustenta Maria de Lourdes Eleutério, o acentuado

processo de crescimento urbano nas principais capitais do país, traduzindo uma série de

mudanças que perpassam pela reestruturação arquitetônica e pela mudança e introdução de

novos hábitos. Grande parte da Imprensa se fez, de imediato, porta-voz dessa nova

sociedade urbana que emergia em diversas áreas do país. Convém registrar que essa

imprensa não era unívoca nem possui um discurso monolítico, mas, ao contrário, era

campo polivalente e multifacetado como a própria sociedade que a abrigava e seus

discursos eram percebidos e representados das mais variadas formas pelos diversos grupos

sociais. 122

Nos grandes centros urbanos, sustenta Ana Luiza Martins123, a inserção de recursos

tecnológicos, a melhoria e ampliação das políticas de alfabetização, o incentivo à aquisição

e produção do papel, formaram o tripé indispensável para a sustentação da grande empresa

editorial. De acordo Maria de Lourdes Eleutério, todas essas transformações possibilitaram

ainda uma “melhor qualidade de impressão, menor custo do impresso, propiciando o

ensaio de comunicação de massa”.124

Em Manaus o conhecimento das inovações tecnológicas ocorridas no campo da

imprensa paulista ou carioca eram acessíveis, pois segundo Maria Luiza Ugarte Pinheiro

na cidade “circulavam todas as grandes revistas do país (e do exterior), e estas eram alvo

da atenção e dos comentários dos círculos letrados da cidade”. 125

As carências técnicas e a falta de recursos humanos parecem ter contribuído para

que, no contexto amazonense, as primeiras revistas voltadas ao entretenimento, tanto

quanto as folhas de humor, apresentassem traços mais amadores e grosseiros, se

comparados com os grafismos produzidos no mesmo período por grande nomes da 121 CRUZ, Heloísa de Faria (Org). São Paulo em Revista: catálogo de publicações da imprensa cultural e de

variedades paulistana, 1870-1930. São Paulo: Arquivo do Estado, 1997. 122 ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. “Imprensa a Serviço do Progresso”. Op. cit., p. 83. 123 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 166. 124 ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. “Imprensa a Serviço do Progresso”. Op. cit., p. 83. 125 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 209.

57

caricatura brasileira que atuavam na Imprensa carioca e paulista. Mesmo sem qualidade

artística, os periódicos de Manaus que exploraram com maior desenvoltura a linguagem

imagética e tratavam temas do cotidiano da cidade de maneira mais suave ou mesmo

cômica, parecem ter alcançado sucesso. 126

Essa associação do gênero revista (notadamente a de Humor ou de variedade!) com

a ilustração e o traço caricatural tem sido bastante destacada pela historiografia e emerge

como uma das razões do enorme sucesso que elas vão alcançar já na virada do século XIX

para o XX e, em especial, ao longo da primeira metade deste. Com efeito, as primeiras

publicações no formato de revista surgiram no Brasil ainda no período imperial e não por

coincidência, quem publicou as primeiras revistas populares (como também eram

conhecidas) no país foi o piemontês Angelo Agostini, que tendo estudado Belas Artes em

Paris, fixou-se em São Paulo nos anos de 1850. Agostini tornou-se de imediato um marco

na Historia da Caricatura brasileira, sendo até hoje referenciado como um dos maiores

chargistas que o país conheceu. 127

Na verdade, a primeira publicação do gênero surgiu em 1864, quando Agostini, em

pareceria com o líder abolicionista Luís Gama, lançou o folheto ilustrado, Diabo Coxo,

impresso fortemente opinativo, politicamente engajado e bem-humorado que incomodou

de imediato os lideres políticos e religiosos brasileiro, razão pela qual os autores do folheto

foram processados. Angelo Agostini, fugindo das pressões, refugio-se na capita do Império

em 1867.128

No Rio de Janeiro Agostini atuou como colaborador em diversos periódicos da

capital, como o O Arlequim, onde publicou sua primeira caricatura, “A Vida Fluninense”.

Em 1867 Agostini fundou sua própria revista, a Revista Illustrada, mais tarde chamada por

Joaquim Nabuco de a “Bíblia da Abolição”. Embora se utilizasse largamente do traço

humorístico, tratava-se de uma publicação engajada que:

Derrubava do trono do sonolento D. Pedro II, satirizava o clero, flagrava as falcatruas do Segundo Império e fustigava os escravocratas. Documentou a tortura contra os negros, que mostrava empilhados como sacas de café ou pendurados como carne bovina. Captou o espírito das

126 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 197. 127 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit., p. 78 128 Idem.

58

massas – das cenas de ruas às festas de Carnaval – e o caráter dos tipos populares.129

Devido um escândalo familiar a Agostini refugiou-se em Paris com sua jovem

amante Abigail com a qual teve um filho. Com o falecimento precoce de sua companheira

e do filho, o ilustrador retornou ao Brasil em 1895 e lançou a revista Don Quixote, outro

sucesso de público, que deixou de circular em 1903. Dois anos depois passou a colaborar

como caricaturista e ilustrador na revista O Malho, uma das edições mais destacada e

influente nas primeiras décadas do século.130

Outro importante ilustrador que atuou no Brasil foi o alemão Henrique Fleuiss

criador da revista Semana Illustrada, publicação que também fez grande sucesso no Rio de

Janeiro entre 1860 a 1876. Sendo a Imprensa um palco predileto para as disputas políticas,

as contradições entre as posições políticas dos impressos surgiam de imediato e o semanal

recebeu severas críticas do criador da Revista Illustrada que acusava a concorrente de

complacente com as questões políticas que envolviam o Império. 131

2. NA ENCRUZILHADA DOS GÊNEROS (JORNAL E REVISTA): PONTOS NOS II E A NOTA

De acordo com Maria Luiza Ugarte nas primeiras folhas de humor que surgiram em

Manaus os temas discutidos eram praticamente os mesmos tratados pelos outros jornais de

linguagem formalizada, sendo que o que os diferenciava era a maneira como estes temas

eram abordados. Por outro lado, as folhas de humor e depois as revistas ilustradas

carregavam uma imagem depreciativa de um jornalismo pouco sério. Contudo, sua

legitimidade diante do público leitor emergia frequentemente da independência que

demonstrava diante da órbita do poder, de quem fazia troça. É nessa dimensão de maior ou

menor autonomia e independência política que reside, muitas vezes, a possibilidade de

sucesso desses impressos:

Numa ambiência política marcada pela ação arbitrária de oligarquias prepotentes, foi muitas vezes o jornal de humor – acobertado pela pecha de ser um jornalismo pouco sério e, portanto,

129 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit., p. 82. 130 Idem. 131 Ibidem, p. 86.

59

a que não se devia dar atenção – o único discurso dissonante permitido, contradizendo a fala oficial. Em boa medida, era essa postura de perigosa irreverência, que acabava por alavancar alguns títulos na preferência do público local. Mas nesse contexto, a contrapartida do sucesso poderia ser trágica: perseguição a jornalistas e editores, atentados, prisões e, com muita freqüência, empastelamentos. 132

Segundo Maria Luiza Ugarte essas folhas fizeram enorme sucesso dentre outros

fatores por encontrarem na ilustração e na adoção de uma linguagem cômica e satírica a

fórmula perfeita numa sociedade marcada pelo pouco cultivo das letras, pois por mais que

o processo de difusão da escrita se mostrasse em franca expansão, ainda não conseguia

alcançar grande parte da população da cidade.133

Um pouco antes do fragoroso sucesso das revistas ilustradas cariocas e paulistas, o

gênero revista surgia de forma tímida, com seu formato ainda muito semelhante (quase

indistinto) ao do jornal. Muitos impressos que hoje identificaríamos facilmente como

“jornais” vinham à luz com o título de “revista”. Com efeito, de início, os animadores

dessas publicações não pareciam ter grandes preocupações em definir o tipo de impresso,

utilizando indiscriminadamente o termo revista ou jornal. Essa ambigüidade e imprecisão

aparece demonstrada no editorial de lançamento de Pontos nos ii, para nós um periódico

que marca exemplarmente essa transição do jornal à revista no Amazonas:

A falta de um jornal humorístico que servisse a todas as classes,

comentando alegremente os fatos da semana e caricaturando os de modo a provocar o riso, fazias-se sentir entre nós.

Pontos nos ii pretende preencher esta lacuna e semanalmente apresentar ao público uma revista hilariante dos sucessos desta terra. 134

Neste momento inicial da imprensa em que a ilustração ainda não se materializava

com o vigor que marcaria as revistas no início do século XX, a distinção entre os gêneros

parecia estar muito mais na adoção de uma linguagem diferenciada pelas revistas.

Linguagem direta, objetiva e ligeira, em textos curtos que não cansavam o leitor. Pois

como sustentam os editores de A Revista no Brasil, “as revistas não se esparramavam em

132 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 177 133 Ibidem, p. 180. 134 Ponto nos ii, nº 1. Manaus, 14 de julho de 1906.

60

artigos de fôlego... bastavam-se com pequenos textos-legendas”.135 Os temas também

diferiam e, em lugar da constante e pesada crônica política da grande imprensa, imperavam

os temas corriqueiros que faziam o cotidiano da cidade. O humor, em gradações diversas,

fechava o círculo da distinção e já começava a atribuir à revista um sentido maior que mais

tarde passaria a ser até maior que a informação: o entretenimento. Novamente o editorial

do Pontos nos ii parece elucidar com precisão essa dimensão:

O nosso programa é vastíssimo. Em política não acompanharemos os que aplaudem

incondicionalmente os governos, nem os que hostilizam por sistema. Não pertencemos nem a um, nem a outro desses grupos, antes pelo contrário.

Em religião achamos que Deus é bom e que o diabo não é mal, e pensamos como o caboclo, - que se Deus é grande, o mato é ainda maior.

Financeiramente falando, apoiaremos todos que comprarem este jornal e nos trouxerem seus anúncios.

Em arte, ah em arte, somos uns verdadeiros artistas. Pintamos a manta, o padre, o sete, o Simão de carapuça e outras personagens importantes e conhecidas das respectivas famílias.

Somos pela liberdade de comércio. Cada um vende seu peixe como quiser e puder. Confessamos lealmente que não nos envolvemos nos negócios do Acre. Nós gostamos de coisas doces, salvo seja.

Encomendamos muito sal e muita pimenta para polvilhar – sem a alusão aos pós do nosso amigo Ferraz – as colunas deste jornal.

Poremos sempre, em todas as questões os pontos nos ii (...). É este o nosso programa. ”136

A quase indistinção inicial entre revistas e jornais no Amazonas deriva, ao que

parece, dos escassos recursos humanos e técnicos que tanto caracterizavam negativamente

a região. Em todo o período inicial (850-1880) foi notória a ausência de ilustrações e traços

caricaturais nos impressos. Mesmo no período posterior, de maior dinamismo, muitas

ilustrações veiculadas (caricaturas, charges e mesmo fotografias) eram constantemente

reaproveitadas e reimpressas pelos diversos periódicos locais 137. Ana Luiza Martins afirma

ter sido prática comum a compra de clichês importados que, impresso nos jornais e revistas

do país, serviam como suporte ao título do periódico:

Os modelos de cabeçalho importados, sucediam-se para todos os

gostos e tendências. Trazidos da França, que por sua vez os reproduzia de

135 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit., p. 21. 136 Ponto nos ii, nº 1. Manaus, 14 de julho de 1906. 137 Ver exemplo dessas reimpressões em: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 216.

61

matrizes alemães, os clichês foram usados à exaustão pelas tipografias do país, adaptando seus motivos às mais diversas tendências.138

Quanto à dificuldade inicial na adoção de ilustrações, o mais comum foi, contudo, a

larga utilização do improviso e a franca experimentação do grafismo e do traço

caricatuaral. A regra era simples: utilizava-se o que se dispunha. Uma vez mais tomaremos

o Ponto nos ii, como se verá adiante, como um marco dessa transição em Manaus.

Imagem nº 5

Fonte: Ponto nos ii, nº 3. Manaus, 28 de julho de 1906. Cópia digital disponível no Laboratório de História da Imprensa.

Começando a circular em 14 de julho de 1906, Ponto nos ii chegou a publicar nove

exemplares e era um empreendimento idealizado, dirigido e editado por ninguém menos

que João Batista de Faria e Souza, um dos mais importantes e prestigiados jornalistas e

intelectuais amazonenses do início do século. J. B. como era mais conhecido, notabilizou-

se ainda por sua atividade de historiador, dedicando seus estudos a temas diversos, dentre

os quais sobressaiu a Abolição da Escravidão no Amazonas e a própria História da

Imprensa amazonense. Foi um dos idealizadores e fundadores do Instituto Geográfico e

138 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revista. Op. cit., p. 94.

62

Histórico do Amazonas (IGHA), em 1917, deixando para aquela instituição sua preciosa

coleção de jornais e revistas editados no Amazonas, que ele começou a colecionar

exaustivamente ainda jovem. Essa mesma coleção constitui, em 1908, uma das mais

importantes exposições de acervos de jornais apresentada com aplausos na capital federal,

o Rio de janeiro, por ocasião do Centenário da Imprensa no Brasil139. Foi como peça de

apresentação à essa mesma exposição que J. B. elaborou seu famoso catálogo de jornais,

encimado pelo texto introdutório “A Imprensa no Amazonas”, que ele escreveu em

consonância com Alcides Baia e Monteiro de Souza.140

J. B. Faria e Souza não se apresentava abertamente no Pontos nos ii, mas através do

pseudônimo de “Gato Preto”, que o marcou ao longo daquele período nos círculos boêmios

de Manaus. O uso do pseudônimo, embora frequentemente não ocultasse a verdadeira

autoria, dava uma certa liberdade de movimento e conferia uma espécie de licenciosidade a

muitos intelectuais que também atuavam na esfera pública, seja como funcionários

públicos, seja como profissionais liberais, seja ainda como colunistas ou jornalistas nos

grandes diários, que buscavam legitimidade e credibilidade junto ao grande público,

apresentando-se como órgão de imprensa “sérios”, o que os levava a adoção de um estilo

mais sóbrio e formal. As pequenas folhas humorísticas e, posteriormente as revistas

ilustradas, eram, portanto, espaços menos formalizados que permitiam improviso, audácia

e ousadia.

Apesar do jornal/revista se comprometer a executar um programa vastíssimo, os

temas prediletos eram de fato o relacionado ao cotidiano dos leitores, como as diversas

contendas urbanas e mesmo as intrigas havidas na zona do meretrício (Imagem nº 6), ali

retratadas de forma coloquial e jocosa. Em Pontos nos ii a crônica cotidiana, caindo

frequentemente para os redutos da vida privada, era ancorada numa farta base imagética –

em geral constituída de gravuras sem muita elaboração –, recurso este cada vez mais

empregado nos periódicos como estratégia de cooptação de leitores. À época de Pontos nos

ii, outros títulos da imprensa manauara havia também se lançado ao recurso da ilustração,

139 REVISTA do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: Tomo Consagrado à Exposição Comemorativa

do Primeiro Centenário da Imprensa Periódica no Brasil, promovida pelo mesmo Instituto. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1908.

140 FARIA E SOUZA, João Baptista, BAHIA, Alcides, e SOUZA, A. Monteiro de. A Imprensa no Amazonas, 1851-1908. Manaus: Tipografia da Imprensa Oficial, 1908.

63

caso, por exemplo, de O Bonde, outra folha humorística de circulação efêmera que a

cidade conheceu.141

Imagem nº 6

Texto abaixo da ilustração: “A nossa reportagem deu um verdadeiro furo na policia. Lembram-se os leitores do rolo havido na Pensão da Mulata? Pois nos conseguimos apanhar a cena em flagrante. A Maria Alves, de faca em punho, ameaçava a Maria Joana e esta puxou-lhe as melenas. Aquilo é que foi bonito! Pareciam duas gatas assanhadas. Mal comparando, fazia lembra a fúria da Ricordeau ao saber do sucesso da sua colega Berthy!”.

Fonte: Ponto nos ii, n.02. Manaus, 1906.

Apesar dessas publicações não disporem dos mesmos recursos dos grandes diários

que circulavam na cidade os editores de Pontos nos ii, em um tom bastante provocador e

jocoso, vangloriava-se frente aos rivais de suas edições ilustradas: “somos o primeiro a

noticiar esta tragédia, os únicos a dar gravura sobre o fato”, dizem os editores, ao noticiar um

trágico assassinato envolvendo questões passionais:

“A nossa cidade sempre ordeira e pacifica foi surprehendida hoje pela manhã com a noticia de um crime sensacional. Trata-se do assassinato do bacharel em sciencia juridicas e sociaes Luiz Ribeiro Gonçalves delegado de policia no Acre. O cadáver apareceu á rua Barroso, com diversas facadas. Questões intimas motivaram o assassinato do dr. Ribeiro Gonçalves. O assassino, Neutel Maia, homem muito conhecido e abastado capitalista, residente no Acre, confessou o crime entregando-se a prisão. Damos hoje o croqui do cadáver como estava na mesa do Necrotério. O facto prende-se a questões de família, e trata-se de um marido ultrajado em sua honra. Dando esta noticia, não podemos deixar de chamar a atenção do público para o furo brutal de Pontos nos ii; somos o primeiro a noticiar esta tragédia, os únicos a dar gravura sobre o facto. O vovô Amazonas e o bebê Jornal do Commercio estão danado”.142

141 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit., p. 193. 142 Ponto nos ii, nº 2. Manaus, 21 de julho de 1906.

64

O suporte imagético, tão exaltado no periódico, não passava, é verdade, de uma

simples gravura, pouco elaborada esteticamente e de grossos traços, mas a se levar em

conta (com as devidas ressalvas motivadas pelo inequívoco tom humorístico) o argumento

dos editores, sugerindo a possibilidade dos grandes diários empresariais – “o vovô

Amazonas e o bebê Jornal do Commercio” – ficarem incomodados, há que se pensar que estes

pequenos esforços podem ter tido e tiveram, à época, uma significação muito maior do que o que se

afiguram hoje.

Imagem nº 7

Fonte: Ponto nos ii, nº 2. Manaus, 21 de julho de 1906.

Observa-se que não tendo condições de arcar com as inovações e recursos

tecnológicos da época, notadamente a utilização da fotografia, o periódico faz a opção de

abordar o assunto de forma jocosa, fazendo troça de si mesmo, enquanto espezinha a

grande e opulenta imprensa por também não assumir um perfil mais moderno que à época

já se colocava em outros contextos. Com efeito, poucos periódicos locais, como o Jornal

do Comércio, por dispor de um suporte econômico empresarial de envergadura, tinham

condições financeiras de imprimir fotografias ou fotogravuras, mas estas se desenvolvem

em seu interior de forma lenta e timidamente ao longo dos seus primeiros anos de

existência. Mesmo na grande imprensa manauara da época, poucos títulos podiam se lançar

à incorporação das mais recentes novidades seja no campo tecnológico seja no campo da

informação.

É claro que os croquis empregados pelo Pontos nos ii não tinham a mesma

qualidade dos artistas de renome nacional, nem produziam os mesmos impactos visuais

que a fotografia, ainda um novidade na Imprensa. Mas sua utilização parece ter dado certo

como uma estratégia de atrair a atenção do público que estava sempre ávido pelas notícias

65

do momento, e tinham a finalidade também de informar através do desenho. É preciso

pensar no desenhista/chargista também como um narrador, como alguém que pode, por

vezes, se colocar como testemunha ocular dos eventos e deles elaborar uma representação

imagética que reforça a narrativa jornalística. Essa dimensão, por vezes presente na crônica

policial da Imprensa do passado é até hoje empregada, como no caso dos julgamentos

famosos em que a grande mídia televisiva se vê impedida de participar. Já no caso da

charge, o tom humorístico (jocoso, satírico) acentuado, rompe essa presunção de

representação fidedigna da imagem e assume integralmente sua ficcionalidade.

Uma tentativa aproximada de uso do desenho gráfico como suporte informativo e

“fiel” da realidade, aparece a partir do quinto número de Pontos nos ii, quando este

periódico inaugura uma coluna chamada “Chronica Semanal”, que retrata alguns dos

acontecimentos importantes da cidade, em especial aqueles relacionados a sua pauta

preferida: brigas, confusões, suicídios, assassinatos e raptos. Como se percebe, os temas da

crônica policial desde cedo já haviam assegurado espaço no interior do periodismo

amazonense, tendo sido sempre um grande atrativo para alcançar a preferência do público

leitor.

A imprensa periódica, principalmente os jornais do início do século XX que

estavam buscando se inserir no modelo jornalístico mais empresarial e que, portanto,

visavam o lucro, mais que a defesa de qualquer idéia ou valor, argumentavam

continuamente seu desejo de apenas informar o leitor. Com efeito, o tom opinativo e

associado intimamente ao debate político que foi tão característico da fase inicial da

Imprensa no Brasil produzia no público a idéia de manipulação, e este público enxergava

muitas vezes a opinião explícita dos jornais como algo danoso, pois entendia que o ato de

informar deveria ser feito de forma imparcial, cabendo ao leitor fazer seu próprio

julgamento frente aos dados narrados.

Mas essa imparcialidade de fato nunca existiu. Apesar de Pontos nos ii se

autodenominar um “hebdomadario humoristico, critico impolitico e rebartivo”, a política

local e nacional foi um dos temas mais visitados e discutidos. Ocorre que por se apresentar

como uma publicação cômica e destinada ao entretenimento tratava desses temas com mais

liberdade e desenvoltura, seja para enaltecer as autoridades do Estado, inversamente, para

tecer críticas. Esse tom opinativo (como se dizia então) frequentemente emergia e tomava

66

partido, como na discussão motivada pela crítica internacional à situação dos imigrantes

europeus no país:

Nós somos muito amigos da Itália, dos italianos e principalmente das italianas bonitas; mas devemos confessar que a bela pátria de Dante nos tem mandado para aqui um bom par de aventureiros que só vem explorar o nosso cobre e depois vão proclamar que o nosso país é de morte, que a febre aqui mata aos milhares, que uma garrafa de água custa uma fortuna e outras baboseiras do mesmo jaez. 143

Não sendo propriamente uma revista, pontos nos ii apresentava uma estrutura de

jornal que, embora modesta, expressara uma experimentação inovadora da linguagem de

comunicação, incorporando características que estavam à época consagrando o nvo gênero

revista nos centros mais dinâmicos do país.

Outro exemplo bastante interessante de periódico em processo de transição do

gênero jornal para o gênero revista, pode ser percebido em A Nota, que surgiu no ano de

1917144. A proposta editorial de A Nota é, em linhas gerais, semelhante a da revista Pontos

nos ii, porém ao que tudo indica A Nota de fato se parece muito mais com uma revista do

gênero de variedades, em especial se levarmos em consideração seus aspectos gráficos e

editorias.

O primeiro aspecto a ser destacado está exatamente no layout assumido por A Nota,

que traz em todos os seus exemplares uma capa, algo que sempre foi um elemento

definidor e distintivo do gênero revista. Para as revistas a capa era um elemento vital na

comunicação direta que estabelecia com o leitor. Os editores de a Revista no Brasil

ressaltam essa dimensão:

Destinada a seduzir o leitor à primeira vista, a capa sempre foi, por

isso mesmo, o grande desafio dos editores: como criar um rosto que, entre centenas de outros, tenha o poder de fisgar quem vai a uma banca de revistas?

Boas capas vendem e consagram uma publicação... Publicações mundanas do começo do século XX (como Fon-Fon!) traziam na capa apenas desenhos ou reproduções de pinturas. Ela tinha vida própria, não refletia o conteúdo de artigos e reportagens. Caberia a O Cruzeiro, nos anos

143 Pontos nos ii, nº 8. Manaus, 12 de setembro de 1906. 144 O periódico foi discutido com densidade na já citada tese de: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do

Norte. Esp. capítulo 5, p. 175-217.

67

de 1940, e também a Manchete, a década seguinte, sair atrás do furo jornalístico. Os editores descobriram, então, o valor da chamada de capa, texto breve, preciso, irresistível piscadela verbal a seduzir o leitor.145

Imagem nº 8

Fonte: A Nota. Manaus, 1917. Cópias Digitais. Laboratório de História da Imprensa no Amazonas.

Embora seja correto argumentar, como ressaltou Maria Luiza Ugarte Pinheiro, que

tanto o Pontos nos ii, quanto A Nota mostraram grande aproximação com o gênero revista,

“nenhum dos dois chegou a assumir realmente esta definição”.146 Mas sua recepção no

cenário jornalístico amazonense muitas vezes percebeu-a como sendo claramente

pertencente ao gênero revista. Assim é que o Jornal do Commércio a saudou como “Uma

brilhante revista que se edita nessa capital. Vem repleta de charges e ilustrada de

caricaturas sobre assumptos locaes”. 147

145 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit., p. 24. 146 A citação completa é: “Embora tanto o jornal de Faria e Souza [Ponto nos ii] quanto A Nota, de 1917,

apresentassem características mais próximas do que se convencionou chamar de revista ilustrada, nem um dos dois chegou a assumir realmente esta definição”. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 198.

147 Jornal do Commércio, nº 4795. Manaus, 3 de setembro de 1917. Apud: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p 201.

68

O perfil de A Nota como associado ao gênero revista é visível também pelo estilo

literário assumido já desde o seu primeiro número:

....Enfim amigo Erasmo de Roterdam tinha sérias razões ao

affirmar no Elogio da Loucura “que seria da vida sem o prazer”? Has de convir que Manaós actualmente, com suas ruas largas, recortadas pelos autos, com sua greves caricatas, com seus arautos políticos não possue um jornal leve, que semei riso e a ironia fina por ahi afora, sem offender a ninguém...

São todos os jornaes sujeitos a programas definidos e nenhum só - ai delle - tem o arbítrio de desopilar os fígados doentes com pilherias e criticas, que não ferem a mais requintada sensibilidade.

Vê, pois, que A Nota, airosa e trafega, preenche um pequeno lugar em teu espírito. De formato ligeiro, occupará o vazio deixado em teu bolso pelo nickel de duzentos réis despendido por ella. Protege-a amigo velho! Neste tempo insípido é uma grande cousa – e tu reconheces essa verdade – dizer mal a vida alheia sem receio de bengalas e da policia. Protege-a!

A Nota, com teu valioso auxilio, annota, em notas esplendidas e alegres o que por ahi vae acontecendo, precisando para essa victoria das notas módicas do teu bolso...148

Pelas características de seu programa editorial – “airosa e trafega, preenche um

pequeno lugar em teu espírito. De formato ligeiro, occupará o vazio deixado em teu bolso

pelo nickel de duzentos réis despendido por ella” – A Nota assume mais um elemento

diferencial de suma importância na distinção entre revistas de variedades e jornais: a

apresentação dos conteúdos através de uma linguagem direta e menos formal e a

associação contínua dos textos curtos com os recursos gráficos. Tais recursos, embora

incomparáveis com os traços refinados dos chargistas que fizeram o sucesso das revistas

do eixo Rio de Janeiro/São Paulo (por exemplo: J. Carlos, K. Listo e Raul Pederneiras)149,

já demonstravam sinais de avanço e melhoramentos.

Tais melhoramentos gráficos parecem advindos da chegada de quadros técnicos

melhor qualificados à Manaus, no bojo das migrações provocadas pela expansão da

Borracha. Ao analisar o periódico A Nota, Pinheiro destaca a grande contribuição dada à

revista por um novo chargista, Marcial Tosca:

A partir da publicação de seu sexto número, A Nota passa a

reproduzir os desenhos de um novo colaborador, Marcial Tosca. À época 148 A Nota, n. 01. Manaus, 26 de agosto de 1917. 149 LIMA, Herman. História da Caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963, p. 142. Sobre um

dos pioneiros do gênero caricatura no Brasil (Angelo Agostini), ver o recente: BALABAN, Marcelo. O Poeta do Lápis: sátira e política na trajetória de Angelo agostini no Brasil Imperial (1864-1888). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009.

69

de sua contratação, Tosca desenhava para outros jornais da cidade, como a Imprensa. O nome de Marcial Tosca havia aparecido em anúncio veiculado no primeiro número de A Nota, onde oferecia seus serviços de desenhista.

A presença deste chargista na A Nota mostrou-se impactante, sendo tal reconhecimento em mais de uma oportunidade externada pelo jornal. O impacto de suas charges podia ser percebido pelos comentários que os leitores encaminhavam à redação do jornal.150

A Nota também reflete um momento que a imprensa amazonense vai se inserindo

de maneira mais clara na era da imprensa de caráter industrial. Embora nessa nova

imprensa haja uma maior diversidade nos temas, eles tendem a ser abordados, como já se

afirmou, mais ligados ao entretenimento. É um momento em que também se consagra a

imagem como suporte da linguagem jornalística, passando-se em especial a uma utilização

mais larga da fotografia.

Imagem nº 9

Fonte: A Nota, nº 8. Manaus, 21 de outubro de 1917.

Em A Nota a utilização da fotografia ocorreu de forma bastante modesta se

comparado com as publicações similares que surgiram na década posterior. Das mais de

cem imagens que compõem os doze números publicados pelo periódico, apenas três são

constituídas de fotografias. A primeira aparece no oitavo número e a última no décimo

150 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 207.

70

primeiro, todas elas trazendo fotografias de expoentes da imprensa e da literatura regional

quando ainda eram crianças. Tais fotografias encimadas sempre pelo título “Na Ephoca da

Mamadeira” funcionavam como suporte de uma nova sessão, de resto consagrada pelas

revistas de variedades: a coluna social.

Já argumentamos que enquanto Ponto nos ii representa o arquétipo embrionário da

transição do Jornal à Revista, A Nota representa uma espécie de segunda fase desse mesmo

processo. O traço caricatural nela se sofistica com as charges de Marcial Tosca, enquanto a

capa recebe nova diagramação e – em seu décimo primeiro número – cores!

Imagens nº 10 e 11

Fonte. A Nota, nº 9 e 11. Manaus, 28 de outubro e 11 de novembro de 1917. Cópia Digital do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas

A Nota avança ainda em outra direção igualmente relevante: a utilização de uma

linguagem leve e divertida e a diversificação de sua pauta: o cotidiano de mazelas da

cidade, embora ainda presente, cede espaço para uma abordagem mais cosmopolita. Seja

pela moda, seja pela guerra, as novidades do mundo também chegam aos leitores de A

Nota, assim como a economia e a política oligárquica da capital da república e do

Amazonas. Tanto A Nota quanto Pontos nos ii enxergaram uma lacuna no cenário da

Imprensa amazonense e propuseram-se a suprir essa carência de um jornalismo leve,

71

divertido e diversificado, ancorado na crônica ligeira e densamente ilustrada. Segundo

Pinheiro:

Uma característica comum à maioria dos jornais que exploram essa

dimensão do humor visual é a sua recorrente atenção a um punhado de temas, desde a sátira política, explorando figuras do quadro local e nacional, até as mais diversas cenas do cotidiano citadino. Em quase todos os títulos, o humor visual volta-se também para o próprio mundo da imprensa, dando visibilidade ás freqüentes querelas assumidas pelos diversos jornais. 151

Ainda segundo Pinheiro, o elemento que possibilitou A Nota ter um grande sucesso

no interior do periodismo amazonense foi o estabelecimento de uma linha editorial que

priorizava a abordagem não apenas “de temas e assuntos que estivessem em sintonia com o

cotidiano do publico leitor, mas também na opção por uma linguagem capaz de

estabelecer de forma mais eficaz essa identificação”.152

A associação de uma linguagem leve com os recursos gráficos, inovadores para o

contexto do periodismo amazonense, foi o outro componente que integrou a fórmula por

onde periódicos como A Nota e Pontos nos ii buscassem conquistar o grande público. É

ainda Pinheiro que reforça essa idéia, quando afirma:

Temos insistido em que numa sociedade com pouquíssima tradição no mundo das letras e onde o processo de expansão da cultura letrada, por mais dinâmico que se mostrasse, não conseguia incorporar-se ao cotidiano de grandes parcelas da população, não chega a ser novidade a proliferação de jornais que entabulassem uma linguagem coloquial, clara, direta, tratando de temas do cotidiano com grande irreverência. Fugindo das formalizações herméticas da norma culta – em franca expansão não só nos jornais empresas, mas também nas novas instituições que buscavam congregar e consagrar a “nata” da intelectualidade local –, muitos jornais do Amazonas, buscaram compensar suas fragilidades técnicas/financeiras, por meio do uso desabusado da linguagem humorística. 153

A Nota e Pontos nos ii, apesar do ponto de vista material e editorial serem

empreendimentos jornalísticos modestos, se comparados com outras revistas de variedades

que surgiram na mesma época no eixo Rio de Janeiro/São Paulo, exigiram a presença e a

colaboração de profissionais do desenho “capazes de sintetizar, a partir de simples traços, a

151 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 201. 152 Ibidem, p.180. 153 Idem.

72

complexidade dos temas que o jornal abordava”154. Essa carência foi um dos obstáculos

que a imprensa amazonense teve que enfrentar para que pudesse fazer emergir

empreendimentos diferenciados, como as revistas de variedades.

Esse obstáculo não ficou restrito ao periodismo amazonense das duas primeiras

décadas do século vinte, pois ao pesquisar as revistas de variedades que surgiram

posteriormente (na década de 1920) percebemos que essa carência de quadros técnicos é

ainda bastante sentida. Dela se queixaria Clóvis Barbosa – o grande criador e incentivador

das revistas de variedades no Amazonas –, registrando a grande dificuldade que teve de

encontrar um profissional do desenho em Manaus e de pagar o alto custo dessa mão-de-

obra especializada, fundamental para que ele viabilizasse seu projeto de edição daquela

que foi, como se verá adiante, uma das revistas de variedades mais importantes da primeira

metade do século XX no Amazonas: Redempção.155

154 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Op. cit., p. 205. 155 Redempção, nº 5/6, Manaus, 1925.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 33 AASS RREEVVIISSTTAASS DDEE VVAARRIIEEDDAADDEESS NNOO AAMMAAZZOONNAASS

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 33 AASS RREEVVIISSTTAASS DDEE VVAARRIIEEDDAADDEESS NNOO AAMMAAZZOONNAASS

1. NAS ASAS DA BORRACHA

Nenhuma área da região Amazônica sofreu tantos impactos quanto Manaus na

época da extração e comercialização da borracha, atividade que, como vimos, favoreceu

uma série de transformações econômicas, sociais e culturais, sendo a imprensa periódica

um dos setores que mais refletiu este momento modernizador.

Todas essas mudanças estruturais levaram Manaus no início do século XX a deixar

pra trás boa parte de seus os traços coloniais e introduzir uma nova dinâmica urbana,

também ela associada à modernização de hábitos e valores para cuja inspiração concorreu

sobremaneira o universo estético da belle époque parisiense. Como tantas outras cidades

mundo a fora, Manaus se espelha na capital francesa, não apenas redesenhando seu traçado

urbano para a abertura de boulevard, jardins e praças, mas também e principalmente, na

tentativa de recriar a atmosfera elegante e refinada, onde proliferam as cocottes, os

magazines, os cafés e os círculos boêmios. 156

Nessa aventura da modernidade nos trópicos (que também consagra a barbárie da

exploração do seringueiro e de milhares de deserdados do látex!157) a imprensa foi a um só

tempo projeção da modernidade e seu espelho, por onde as diversas mudanças ganhavam

visibilidade e eram debatidas. Não é à toa, portanto, a grande proliferação de jornais e

revistas com temáticas as mais variadas, fossem tais periódicos humorísticos, esportivos,

religiosos, estudantis, femininos, comerciais, etc.

As revistas que circularam em Manaus nos primeiros cinqüenta anos do século XX,

mais que publicações especializadas, eram também instrumentos da intervenção na

sociedade do seu tempo, ditando valores e modas que frequentemente encontravam eco em

parcelas da sociedade urbana. Cada uma delas possuía uma maneira específica de enxergar

o mundo e de defender ou criticar padrões de comportamento.

156 Cf: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. “O Espelho Francês na ‘Paris das Selvas’”. In: VIDAL, Laurent e

LUCA, Tânia Regina de (Orgs). Franceses no Brasil: Séculos XIX-XX. São Paulo: Editora Unesp, 2009, p. 271-287.

157 Um olhar, mesmo que ligeiro, pela história da borracha na Amazônia parece confirmar a máxima de Walter Benjamim, para quem “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”. BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 225.

75

Em Manaus, foi na segunda década do século XX que as primeiras revistas de

variedade, propriamente ditas, surgiram. Essas publicações englobavam uma gama variada

de assuntos e informações, sendo graficamente elaboradas com utilização de ilustrações e

fotografias. Além do mais, assumiam uma linguagem menos formalizada e traziam

explícita a intenção de proporcionar lazer e entretenimento aos leitores.

Essa trajetória das revistas de variedades em Manaus não é, de forma alguma,

marcada por uma ascensão contínua e vigorosa do gênero, antes por experimentações

árduas e sucessivas, com grande dificuldade de se consolidar. Isso se deve uma vez mais à

conjuntura econômica bastante específica vivenciada na região, uma vez que mal as

inovações tecnológicas começavam a ser experimentadas nos jornais – como a introdução

da fotografia e das charges que, como vimos, requeria recursos financeiros e materiais

humanos qualificado – dando vazão aos primeiros ensaios no gênero revista, a Amazônia

vivencia uma brutal crise de seu produto de exportação, que afasta de imediato o capital

estrangeiro, enquanto joga ao chão uma centena de outrora ricos seringalistas.

Ora, foi exatamente neste período de forte depressão econômica, com a quase

extinção da atividade extrativa e a estagnação da atividade comercial em Manaus, que o

gênero revista de variedades começou a se expandir, o que nos parece ser a razão pela qual

esses empreendimentos ficaram sempre à meio caminho de seu pleno desenvolvimento.

Apesar do curto período de prosperidade, a atividade comercial ligada a extração da

borracha foi o fator desencadeador que possibilitou que Manaus se enquadrasse em um

processo mais amplo de transformações similares aos que algumas capitais brasileiras

estavam atravessando no mesmo momento. O Rio de Janeiro, então a capital da República,

foi o exemplo emblemático desse processo de modernização, igualmente inspirado na Paris

projetada pela ação urbanística do Barão Haussmann, mas imprimindo nesse movimento

de importação de modelos civilizatórios seu estilo próprio. Como sustenta Jeffrey Needell,

na belle époque carioca, “a cultura e a sociedade da elite serviram para manter e promover

os interesses da própria elite e... paradigmas culturais derivados da aristocracia européia

foram adaptados ao meio carioca com essa finalidade”. 158

O que acontecia na capital federal foi praticamente difundido pelas cidades mais

dinâmicas do país e, em todas elas foi possível assistir a um processo que levou à

158 NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque Tropical. São Paulo: Cia das letras, 1993, p. 11.

76

demolição de casebres e de prédios antigos. Ruas estreitas e atravancadas, em conjunto

com os casarões coloniais, foram substituídos por largas avenidas e bulevares, agora com

moradias com sofisticadas fachadas inspiradas na arquitetura parisiense. Porém essas

mudanças não ocorreram sem resistência, pois o custo social foi sempre muito elevado e

essas melhorias urbanas não atingiam grande parte da população que permaneceu as

margens do propalado progresso. Daí a ocorrência de inúmeros conflitos populares, que

iam bem mais além das greves que marcaram a emergência da classe operária nas

principais cidades brasileiras. Como lembra Nicolau Sevcenko, este foi o período de

inserção compulsória do Brasil na Bélle Époque. Para o autor, que analisou esse fenômeno

sob o prisma da capital federal:

Assistia-se a transformação do espaço público, de modo de vida e

da mentalidade carioca, segundo os padrões totalmente originais; e não havia quem lhe pudesse opor. Quanto aos princípios fundamentais regeneraram o transcurso da metamorfose... a condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória a sociedade tradicional; a negação de qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será praticamente isolada para desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; e um cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida parisiense. 159

Manaus, assim como o Rio de Janeiro, sofreu processo modernizador similar –

embora de dimensões diferenciadas –, igualmente marcado pela exclusão dos componentes

tradicionais das culturas e das sociedades tradicionais e pela defesa de novos hábitos e

valores ligados ao mundo ocidental. Este é ainda o período onde recaí a maior atenção da

historiografia regional, porém com as novas abordagens e campos de atuação

historiográfica, a análise do período ganhou novas perspectivas, dando-se, por exemplo,

visibilidade aos diversos grupos sociais que interagiram conflituosamente nesta

sociedade.160

No bojo dessas revisitações historiográficas, a própria imprensa foi abordada de

forma diferenciada, por onde se buscou ressaltar a grande diversidade de empreendimentos

159 SEVCENKO, Nicolau. Literatura Como Missão: tensões sociais e criação cultural na primeira República.

São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 30. 160 Cabe conferir: DIAS, Edinéa Mascarenhas. A Ilusão do Fausto. Op. cit.; PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte.

A Cidade Sobre os Ombros: trabalho e conflito no Porto de Manaus (1899-1925). Manaus: Edua, 2001; TELES, Luciano Everton Costa. A Vida Operária em Manaus: Imprensa e Mundos do Trabalho (1920). Dissertação de Mestrado em História. Manaus: UFAM, 2008; PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. Na Contramão da História: Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha (Manaus, 1920-1945). Canoa do Tempo, Manaus, nº1, 2007, p. 11-32.

77

e projetos gráficos e editoriais a consagrar a Imprensa como um espaço aberto de disputas

e tensões.161

Foi exatamente buscando contribuir no bojo dessa reabertura da História da

Imprensa no Amazonas a partir da exploração de novos temas e segmentações, que o

trabalho atual se materializou, visando historicizar o desenvolvimento da imprensa em

Manaus através da trajetória das principais revistas de variedades que surgiram na primeira

metade do século XX.

2. A PIONEIRA CÁ E LÁ

A primeira experiência efetivamente do gênero revista de variedades surge em

Manaus como uma clara inspiração de uma congênere paulista de grande sucesso na época,

dela copiando inclusive o nome: Cá e Lá. O periódico paulista havia vindo à luz em 1908,

definindo-se como um “semanário ilustrado, literário e noticioso”. 162

Já o periódico manauara, ao que sabemos, publicou 17 números, sendo que os sete

primeiros constituíram a fase inicial, ainda no ano de 1915 e do oitavo em diante uma

segunda fase, esta já em maio de 1917. Lamentavelmente, nada pudemos aferir acerca da

revista em sua primeira fase, já que nenhum dos seus sete primeiros exemplares foi por nós

encontrado nos arquivos locais. A edição digital contendo cinco números da segunda fase

da revista, pertencentes à Biblioteca Pública Estadual e por ela reeditados na forma de CD

ROM, foi a base material que nos servimos para sua análise.

A redação e a administração da revista ficava no centro da cidade, na Rua Joaquim

Sarmento, nº 12. Cá e Lá, produzida em tipografia própria, informava ser vendida dentro e

fora do Estado e mantinha um serviço de assinaturas. Saía quinzenalmente, aos sábados e

parece ter mantido esta periodicidade até o número 17 que supomos ter sido também seu

último número.

161 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit.; SOUZA, Leno José Barata. Vivência Popular

na Imprensa Amazonense do Inicio do Século XX. Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: PUC-SP, 2005; ALVES, Hosenildo Gato. Imprensa e Poder: A Propaganda Varguista na Imprensa Amazonense, 1937-1945. Dissertação de Mestrado em História. Manaus: UFAM, 2009; COSTA, Francisca Deusa Sena da. “Manaus e a Imprensa Operária: o discurso do trabalhador também exclui”. Amazônia em Cadernos, nº 2/3, 1993/1994, p. 221-232.

162 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 173; 400.

78

Imagem nº 12

Fonte: Cá e Lá, nº 17. Manaus, 10 de Outubro de 1917.

Nomes importantes da intelectualidade amazonense assumiram a organização da

Cá e Lá, sendo seu diretor-proprietário o coronel Aprígio de Menezes e seu redator-

secretário, o jornalista Heitor de Figueiredo, que também teve passagem por A Nota. A

revista contou ainda com Olympio de Menezes, como Diretor Artístico, e com Manuel

Rebello, na função de Gerente de Oficinas.

Por suas páginas desfilavam uma plêiade de homens de letras, cujos nomes estão

hoje consagrados na literatura amazonense e mesmo nacional. Este é o caso de João Leda,

Raul de Azevedo, Raimundo Monteiro e Péricles de Moraes, que circularam poemas e

crônicas ligeiras sobre assuntos diversos na revista. Heliodoro Balbi, T. H. Vaz, Adriano

Jorge, Américo Antony, Marvignier de Castro, Alfredo da Matta, Álvaro Maia, dentre

outros.

A forte presença de literatos reforça a opção pelo entretenimento a partir de gama

diversificada de temas, sem, contudo mostrar-se uma revista de humor, embora ela alegue

79

essa faceta, como se verá adiante. Seu perfil é mais – como a congênere paulista –literário

e noticioso, evitando priorizar os temas mais áridos da política. Essa opção aparece

reforçada no editorial que inaugura a segunda fase:

Queremos dar a essa revista uma feição instrutiva e alegre; e não daremos guarita à insinuações malévolas de quem quer que seja, porque nos sentimos suficientemente fortes para cumprir o programa que traçamos, o que faremos, ainda que a custa de maiores sacrifícios. 163

Ainda no mesmo número, a defesa de uma postura “imparcial” e afastada do campo

político partidário também se explicita: “Cá e Lá não tem dependência partidária com

qualquer agremiação política. É uma revista de caráter essencialmente artístico,

humorístico e imparcial, agasalhando em suas colunas toda a colaboração que estiver no

estalão de sua feitura”. Tais arroubos de imparcialidade são, contudo, difíceis de convencer

mesmo um leitor pouco atento, tal o volume de fotografias e textos dedicados em diversas

páginas às autoridades e aos políticos locais. O governador do Estado, Pedro de Alcântara

Bacellar, por exemplo, aparece, num único número, quatro vezes, sendo a primeira em

retrato de página inteira encimando texto elogioso (bajulador mesmo!) e em outras três

fotografias, quando de suas visitas a uma fazenda no interior e ao asilo de mendicidade,

além de um banquete por ele ofertado aos deputados e senadores do Estado.

Cá e Lá tem, de fato, um tom conservador e até mesmo oficialesco, já que a mesma

atenção dada à casta dirigente do Estado em seu primeiro número se repete em todos os

outros números da revista. Quanto à ação operária, por exemplo, que à época agitava o

mundo, o país e a própria capital amazonense, a revista traz uma única, breve e jocosa

referência: “Greve: O que é uma greve?”, perguntam os editores, para logo a seguir

sentenciar: “é, em geral, um pretexto que a gente arranja para não fazer coisa nenhuma”. 164

Como as boas revistas de sua época, Cá e Lá aposta na atração dos leitores não

apenas pela excelência de seus quadros literários e jornalísticos, sobretudo pela larga

utilização do recurso imagético. A análise dos poucos números que nos chegaram à mão

nos permite perceber que as próprias capas da revista, embora não apresentassem um

projeto gráfico elaborado, exagerava nas cores (Imagem nº 12), outra inovação tecnológica

163 Cá e Lá, nº 8. Manaus, 12 de maio de 1917. 164 Cá e Lá, n º 16. Manaus, 3 de outubro de 1917.

80

que chega à imprensa apenas na virada do século XIX para o XX165. Por outro lado, os

“instantâneos”, como frequentemente a revista se refere às fotografias (em geral porque

tomada no calor dos acontecimentos), ocupam as páginas da revista em grande profusão,

sendo as charges e as gravuras empregadas em bem menor monta. Boa parte desses

inúmeros instantâneos foi empregada para ancorar a crônica local, dando conta, em geral,

dos eventos importantes ocorridos na cidade durante a quinzena. Em sua décima edição

uma dessas fotografias flagra a visita do Governador e dos Senadores do Estado à

Universidade Livre de Manaus, deixando raro registro da audiência dos primeiros alunos e

professores daquela pioneira instituição.

Imagem nº 13

Fonte: Cá e Lá, nº 10. Manaus, junho de 1917.

Há relativamente poucos conteúdos femininos, e a crônica de Péricles de Moraes,

sobre “As Mulheres de Von Jan – a graça feminina” é muito mais uma ode à beleza

feminina idealizada filtrada pelos nus artísticos do pintor holandês por ele analisado166.

Nem de longe pode se afigurar como um conteúdo dedicado as mulheres, como mais tarde

vai acontecer com outras revistas manauaras. No entanto, buscava também direcionar sua

fala ao público feminino, como se depreende do alerta que a elas dirige:

165 KAZ, Leonel (Ed). A Revista no Brasil. Op. cit, p. 17. 166 Cá e Lá, n º 16. Manaus, 3 de outubro de 1917.

81

Prevenimos as nossas gentis leitoras de que, no próximo número, começaremos a apresentar vários instantâneos colhidos onde nos aparecer. Estamos certos de que apresentaremos alguns que hão de produzir surpresa e sensação, o que há de tornar mais interessante a nossa revista.167

Imagens nº 14 e 15

Fonte: Cá e Lá, nº 10. Manaus, 09 de abril de 1917.

Como conteúdo claramente destinado ao público feminino destacamos apenas a

página “A Moda”, que trazia gravura de uma mulher elegantemente vestida, em primeiro

plano, e um pequeno detalhes do verso da roupa, apresentado em plano inferior. A gravura

era assinada por Marcial Tosca, o mesmo que atuou posteriormente em A Nota. De tosca

eram também as fotogravuras que apreciam na Cá e Lá, com imagens de crianças

pertencentes as principais famílias que compunham a elite amazonense.

É da pena de ninguém menos que João Leda, a interessante crônica “Sem Throno e

Sem Deus”, que apresenta ao público da revista os últimos acontecimentos de Revolução

Russa, em especial o episódio da derrubada e prisão de Nicolau II, a quem o cronista

reputa admiração pelo aspecto “caritativo e benevolente”, atribuindo a isso o fato do Czar

167 Cá e Lá, nº 8. Manaus, 12 de maio de 1917. No número seguinte surge, ao invés das fotografias

anunciadas, um pedido de desculpas, novamente ancorado nos já mencionados problemas técnicos: “A nossa boa vontade não conseguiu vencer as dificuldades que surgiram para este número do Cá e Lá. A falta de chapas de papel fotográficos, que não havia na praça, impediram-nos de apresentar os clichês de sensação, os quais sairão no próximo número”. Cá e Lá, nº 9. Manaus, 26 de maio de 1917. Com efeito, o número seguinte da revista (10) trouxe em uma de suas páginas um desses instantâneos, flagrando uma senhora acompanhada de uma criança andando numa das ruas da cidade. (Imagens nº 14 e 15).

82

não ter sido (naquele momento – hoje sabemos!) morto pelos rebeldes. O título é já uma

clara alusão aos lemas anarquistas, cujos seguidores no Brasil já faziam ações de impacto

nas principais cidades brasileiras.168 Leda manifesta, contudo, uma posição de certa

simpatia ao movimento, sem o condenar efetivamente, mas não o identifica ainda com

muita clareza do ponto de vista da orientação político-ideológica. Como ele mesmo

registra: “não se pode garantir a autenticidade da notícia, porque ninguém sabe, com

absoluta certeza, o que ocorre nos dias presentes no ex-império moscovita”.169

Assim, pelas crônicas de João Leda170 e de outros intelectuais e jornalistas atentos

às mudanças vertiginosas que ocorriam nos quatro cantos do planeta, Ca e Lá realizava um

dos sonhos dourados da modernidade, a comunicação “instantânea” de eventos que, em

poucos dias ou mesmo em poucas horas, percorriam o globo através do telégrafo e das

recentes agências internacionais de notícias. Tanto quanto nas vitrines das lojas

sofisticadas da capital amazonense, Cá e Lá anunciava as novidades do mundo.

As outras revistas de variedades que sucedem Cá e Lá e que chegaram a produzir

dezenas de números e mesmo a adquirir notoriedade na História da Imprensa amazonense,

surgem já na década de 1920, momento singularizado pela historiografia regional como

sendo caracterizado pela grande crise e profunda depressão econômica, causado

diretamente pela perda do monopólio amazônico na produção e no comércio mundial da

borracha.

Como temos salientado, o modelo econômico que contribuiu para a transformação

da cidade de Manaus – a economia de exportação da borracha – foi extremamente efêmero,

declinando após duas décadas de expansão. Assim, se os anos de 1908 e 1909, foram

marcados pela maior alta que produto teve no mercado internacional, os anos posteriores

foram marcados por irreversível período de crise, cujo início já se anunciava com clareza

168 Para uma abordagem acerca da trajetória das idéias e ações anarquistas no Brasil, cabe conferir:

HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, Nem Patrão!. 3ª ed. São Paulo: Unesp, 2002. 169 Cá e Lá, nº 9. Manaus, 26 de maio de 1917. 170 O próprio João Leda seria homenageado na revista, que o distinguia “por ser o jornalista enérgico e

inteligente, que nós já temos visto, com pulso de ferro, traçar o artigo doutrinário e de combate, ou de escrever em estilo, em que a singeleza artística se casa com o encanto da frase, aquelas crônicas de verdadeiro mestre, tão elogiadas, há muitos anos, por todos os que apreciam as boas letras”. Cá e Lá, n º 16. Manaus, 3 de outubro de 1917.

83

em 1910, momento em que a cotação da borracha despencou.171 Paul Singer, avaliando o

impacto dessa retração e explicando a origem da crise, argumenta:

Basta dizer que o Brasil, no auge da sua produção entre 1901 e

1910, exportava em média não mais que 34.508 toneladas de borracha ao ano. Uma demanda de cerca de 70.000 toneladas jamais poderia ser satisfeita pela mera exportação dos seringais selvagens [...] . É por isso que não se tentou o plantio na Amazônia [...] só interessava que o novo modo de se produzir borracha fosse estabelecido dentro das fronteiras do Império Britânico.172

Essa situação se depressão se manteve inalterada até o início da década de 1940,

quando a Amazônia passou novamente a ser encarada como reserva viável e disponível

para abastecer o mercado internacional do produto, sobretudo para atender a demanda

exigida pela II Guerra Mundial, gerando no contexto local uma mobilização de

trabalhadores e nova onda migratória que depois se consagrou como um importante

episódio da chamada “Batalha da Borracha”.173

Como não poderia deixar de ser, para a Imprensa este período que se abre com a

crise da borracha é também um momento de forte retração. Pinheiro afirma em sua tese

que a imprensa amazonense mostrou claros sinais que evidenciam o impacto da nova

conjuntura, o que provocou “uma retração brutal do número de títulos [de periódicos]

veiculados no Estado”.174

3. UM FAZEDOR DE REVISTAS E SUA REDEMPÇÃO

De qualquer forma, mesmo bastante retraída a atividade jornalística se manteve,

embora agora ancorada apenas em poucos títulos mais bem estruturamos do ponto de vista

empresarial e financeiro. Redempção, uma das mais importantes revistas de variedades no

171 SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800-1920). Op. cit., p. 208. Cabe também

conferir: CAPELATO, Maria Helena e PRADO, Maria Lígia. A Borracha na Economia Brasileira da Primeira República. In: FAUSTO, Boris (Org). História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 8. São Paulo: Difel, 1975, p. 300-302.

172 SINGER, Paul. O Brasil no Contexto do capitalismo Mundial. In: FAUSTO, Boris (Org). História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 8. São Paulo: Difel, 1975, p. 361.

173 Veja-se o recente e importante livro: GONÇALVES, Adelaide e COSTA, Pedro Eymar Barbosa (Orgs). Mais Borracha para a Vitória. Fortaleza: Mauac/Nudoc; Brasília: Ideal gráfica, 2008. Importante também é o livro de: CORRÊA, Luiz de Miranda. A Borracha da Amazônia e a II Guerra Mundial. Manaus: Edições Governo do Estado, 1987.

174 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit., p. 63

84

Amazonas, foi fruto desta época, e exatamente por isso não deixava de registrar e

denunciar, a todo o momento, este contexto de dificuldades quase infindáveis. Por outro

lado, a marca maior da revista esteja talvez na crença de que o Amazonas, sendo

potencialmente rico, poderia recuperar novamente seu desenvolvimento. O momento era,

portanto, de superação, de redenção, enfim, do Estado do Amazonas. O editorial do

primeiro número da revista externa esta inquietação:

Redempção – O próprio nome da revista explica os motivos de seu aparecimento, quando o Amazonas se apossa das chaves misteriosas que hão de abrir as portas de bronze de seu grande povir, até agora trancadas por fatores sob vários pontos removíveis. Na luta hercúlea, cristalizando as forças palpitantes do Estado, não poderia ficar em olvido o elemento intelectual, que as movimenta e se esconde, que as ilumina e se oculta na sombra, ao guante de preconceitos absurdos. Além dessa promessa em si respeitável, assume esta publicação de responsabilidade para esta magnífica terra, - a elevada responsabilidade de fazer-lhe a propaganda no país e no estrangeiro. Será também um repositório fiel do nosso movimento, mostrando aos interessados, como um espelho nítido, os vários prismas em que se reparte a nossa vida econômica e financeira. Não temos um programa restrito: as nossas paginas estão abertas às múltiplas manifestações do pensamento. Mas julgamos ser de máximo proveito para um Estado novo a explicação de suas riquezas, de suas reservas: daremos preferência a assuntos puramente regionais. E não vemos nessa forma de agir uma estreiteza de métodos. Antes de compreensão do nosso tempo e do papel que nos compete na defesa do nosso lugar ao sol.

A hora, que atravessamos nervosamente, é rara: a História não a reproduz muitas vezes. Estamos no dever de aproveitá-la com amor, defendê-la com sangue, segui-la com entusiasmo: é o que pretendemos fazer nestas colunas, abertas à exaltação de nossas cousas. Dizemos assim conscientemente, sem desvio de sentido, de falar no Amazonas, após tanta amargura, é uma divina e sagrada exaltação, bastante para se redimir todas as audácias e desculpar todos os sacrifícios. O aparecimento de REDEMPÇÃO, com tantos os empecilhos a vencer, sem faltar mesmo a indiferença do meio é, por certo, um sacrifício e uma audácia. Mas a vida só é bela com esses arrojos, que a dignificam, e nós queremos viver...175

Redempção, na verdade, veio à luz no dia 24 de novembro de 1924, num período

conturbado no Amazonas, em que o Estado acabava de enfrentar um dos mais importantes

movimentos de agitação popular ocorridos nos anos vinte em todo o país: uma rebelião

tenentista, que igualmente anunciara um tempo novo de remissão para o Amazonas.176

Anos depois, a revista faria uma homenagem aos combatentes da rebelião, por ela

chamados de “heróis”. (Imagem nº 16).

175 Redempção, nº 1. Manaus, 24 de novembro de 1924. 176 SANTOS, Eloína Monteiro. A Rebelião de 1924 em Manaus. Manaus: Editora Calderaro/Suframa, 1985.

O ápice do movimento, como salienta a autora, ocorreu entre os meses de julho e agosto, justamente durante a administração do tenente Ribeiro Júnior (p. 83).

85

Diferente das primeiras publicações do gênero que surgiram em Manaus, como

Pontos nos ii, A Nota, e mesmo Cá e Lá, Redempção surge num cenário altamente

competitivo e onde os espaços para improvisação se mostraram mais limitados pela crise.

Clóvis Barbosa, figura emblemática no interior da história da Imprensa no Amazonas

exatamente por ter se idealizado e publicado revistas importantes ao longo de sua vida,

sabia muito bem que o sucesso de um empreendimento desse gênero ia muito além da

estratégia de vendagem por assinaturas, precisava também de boa dose de ousadia. Por

essa razão, Clovis Barbosa pensou Redempção, talvez sua mais importante revista, como

um empreendimento que podia galgar espaços mais amplos que o contexto regional,

embora dele a revista falasse com exclusividade.

Imagem nº 16

Fonte: Redempção, nº 29. Manaus, 23 de julho de 1931.

Assim, a revista Redempção já surge com a proposta de atender não apenas ao

público local e interiorano do Estado, mas acima de tudo, focava também o leitor nacional

e mesmo estrangeiro, apresentando-se como uma porta por onde uma Amazônia ainda

repleta de mistérios e fascínios se abria à curiosidade do mundo. Com efeito, ela foi, por

86

muito tempo, veiculada nas outras capitais do Brasil e até mesmo em algumas cidades do

exterior.

Imagem nº 17

Fonte: Redempção. Manaus, 1924-1932.

A leitura de seus editoriais permite perceber seus objetivos centrais da revista

partem do necessário restabelecimento de um diálogo entre nação e região177, apartado,

contudo, das névoas de desconhecimento acerca da Amazônia que tanto haviam dificultado

e que ainda dificultavam as ações do Governo Federal no contexto regional e em especial

no Amazonas. Redempção traz assim, a marca do profundo ressentimento que tanto

marcou a elite amazonense associada à produção e exportação da borracha em relação à

uma (suposta ou efetiva) omissão do governo central em não buscar a adoção de medidas

efetivas – como as empregadas para retardar e atenuar a crise do café178 – que impedissem

a derrocada do produto no mercado mundial, limitando-se tardiamente à adoção de

177 Tais tensões são, de fato, antigas, e remontam mesmo ao processo de constituição do Estado Nacional

brasileiro, conforme se percebe em: PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto. De Vice-Reino à Província: tensões regionalistas no Grão-Pará no contexto da emancipação política brasileira. Somanlu – Revista de estudos Amazônicos, v. 1, n º 1, 2000, p. 83-107.

178 Cf: FAUSTO, Boris. Expansão do Café e Política Cafeeira. In: FAUSTO, Boris (Org). História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 8. São Paulo: Difel, 1975, p.193-248.

87

medidas extemporâneas e inócuas, como foi a criação do Plano de Defesa da Borracha, em

1912, já no governo de Hermes da Fonseca.179

Por tais motivos Redempção busca denunciar os preconceitos e absurdos

relacionados ao Amazonas e que ainda se viam presentes fora do Estado. Na contramão de

tais ideários, buscava exaltar as qualidades e potencialidades econômicas da região

amazônica. No plano mais direcionado ao ambiente regional e local, a revista procurou

fazer a crônica dos acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais que tinham

por palco não apenas o Amazonas, mas o conjunto da região.

Esse projeto multifacetado parece fazer parte de um novo momento da Imprensa

brasileira percebido por Nelson Werneck Sodré, para quem, à medida que as relações

capitalistas tendiam a se consolidar, na imprensa o espaço que antes era destinado à

divulgação literária vai perdendo espaço para que uma Imprensa de Informação, ou

noticiosa, se estabeleça:

Tais alterações serão introduzidas lentamente, mas acentuam-se

sempre: a tendência ao declínio do folhetim, substituindo pelo colunismo e, pouco a pouco, pela reportagem; a tendência para a entrevista, substituindo o simples artigo político; a tendência para o predomínio da informação sobre a doutrinação; o aparecimento de temas antes tratados como secundários, avultando agora, e que ocupam o espaço cada vez maior, os policiais como destaque, mas também os esportivos e até os mundanos. 180

Sodré percebia esta tendência como já ocorrendo no início do século XX, quando,

como argumentou, o espaço editorial reservado à produção literária nos jornais foi

progressivamente diminuindo na imprensa das mais importantes capitais do País. Mas

como em Manaus o percurso da imprensa foi diferenciado e tardio, frente ao que acorria no

eixo Rio de Janeiro/São Paulo, é possível argumentar que ainda na década de 30 o

periodismo com forte atenção à literatura ainda dividisse teimosamente espaços com outras

modalidades mais informativas, até mesmo por que, de acordo com Maria Luiza Ugarte

Pinheiro, a imprensa periódica em Manaus tornou-se um canal privilegiado por onde os

homens de letras passaram a ganhar visibilidade e reconhecimento e, além do mais, são

esses homens que vão dominar por muito tempo a imprensa amazonense.181

179 OLIVEIRA, Adélia Engrácio de. Ocupação Humana. In: SALATI, Eneas et al. Amazônia:

desenvolvimento, integração, ecologia. São Paulo: Brasiliense/CNPq, 1983, p. 248. 180 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Op. cit., p. 207. 181 PINHEIRO. Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit., p. 57-90.

88

Dessa forma, a revista Redempção abriu grande espaço ao campo literário,

passando a divulgar as múltiplas manifestações do pensamento criativo da intelectualidade

constituída não apenas por amazonenses, mas também por intelectuais de fora residentes

em Manaus. Em seu segundo número, a revista reafirmava o desejo de “publicar trabalhos

firmados pelos nomes já consagrados de Péricles Moraes, Álvaro Maia, Adriano Jorge,

Raymundo Monteiro, Aloysio de Carvalho Filho, João Leda e Lincoln Prates”.182

Com efeito, esse espaço destinado à literatura foi uma de suas principais temáticas,

principalmente na primeira fase. Embora não se tenha fechado na discussão literária, a

revista tornou-se em Manaus um ambiente dileto dessa discussão e externou que a grande

efervescência literária da época não estava circunscrita à Capital do País e à meia dúzia de

outras grandes cidades. Redempção possibilitou, contudo, que a intelectualidade local

reproduzisse minimamente em Manaus um ambiente literário que se não era semelhante ao

do Rio de Janeiro, nele se espelhava vigorosamente. Pinheiro argumenta:

Não é difícil entender a paixão quase obsessiva pela “metrópole”...

o termo foi usado por Péricles para se referir aos espaços de produção e difusão literária que fluía em seu máximo vigor. Na impossibilidade de Paris, era o Rio de Janeiro que acalentava o sonho da intelectualidade regional. Sendo o foco das atenções, foi nesses espaços centrais que o talento e o brilho intelectual alcançaram maior probabilidade de ser reconhecido. 183

Clóvis Barbosa, proprietário e editor da revista Redempção assumia a projeção da

literatura em geral e da amazonense em particular como missão, mostrando um

engajamento muito forte no meio literário amazonense que, como se vê pela tese de

Pinheiro, estava antenada com as principais tendências literárias mais gerais de sua época.

É o próprio Clovis Barbosa quem defende o campo literário ao argumentar a pouca atenção

que a ela ainda se dava não apenas no Amazonas, mas em todo o Brasil: “a literatura é

uma flor exótica no nosso meio. O Brasil, que ainda não teve tempo de pensar, não pode

ter uma literatura, porque esta vem depois do seu pensamento – é o requinte, o êxtase, o

caráter formado, as idéias formuladas, o espírito em caminho da perfeição e, portanto, da

decadência da morte”.184

182 Redenção, nº 2. Manaus, dezembro de 1924. 183 Não apenas à capital federal, mas ainda também à Paris, que por todo início do século XX continuaria

uma espécie de Meca da literatura. Cf: PINHEIRO. Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit., p. 104. 184 Redempção, nº 2. Manaus, 7de janeiro de 1931.

89

Clovis Barbosa foi escritor, professor, jornalista, funcionário público e sócio

correspondente da Academia de Brasileira de Letras. Nasceu na Paraíba em dia 18 de julho

de 1904, sendo filho de João Alves Barbosa e de Severina da Silva Barbosa. À ele coube

também a criação e direção de outras revistas, de feição literária, como Equador e A

Selva185. Esse engajamento e dinamismo de Clovis Barbosa, que encantou gerações,

encontra na pena de padre Nonato Pinheiro um reconhecimento de valor pelo muito que

fez à produção literária amazonense:

Cultor e benemérito das letras, não só pelo que produzia, da

melhor cepa literária, vigor do estilo e beleza de sua expressão, em artigos de vivos planejamentos, mas ainda pelo incentivo que dava aos novos e a aberta acolhida que propiciava, em suas lindas revistas. 186

Durante os anos que viveu em Manaus, Clóvis Barbosa se envolveu de forma

intensa no meio literário amazonense, fomentando-o sempre que pode. Segundo Abguar

Basto, Barbosa era um homem de sólidos conhecimentos literários que se irmanara com o

movimento modernista de 22, mantendo forte contato com Mário de Andrade através de

visitas e correspondências. Da relação com Clovis Barbosa, Abguar Bastos ressalta: 187

Nossa afinidade estava, assim, ditada pela fraternidade das

posições modernistas. Entrei a colaborar em suas revistas. E passamos a aliciar os que estavam começando a lidar com as letras, porém, com talentos incontestes.

A geração que florescia a partir de 1924 tinha em Clóvis o pioneiro, o que rompia caminhos, o que abria as suas revistas em leque para todas as formas de pensamento e, assim, forçando o debate e acionando grandes discussões literárias.188

O talento intelectual e a ousadia empreendedora de Clóvis Barbosa não foram,

contudo, suficientes para impedir a ocorrência de crises e interrupções em seus projetos

editoriais. Assim, como Cá e Lá, Redempção conheceu também duas fases distintas, sendo

que a primeira começou em 24 de novembro de 1924 e se estendeu até o final de novembro

de 1927. Embora externasse a pretensão de ser mensal, apresentou periodicidade bastante

irregular e nesses quatro anos que marcaram a primeira fase, a revista tirou apenas

quatorze números. O número de páginas mostrou-se igualmente variável, girando em torno

185 ROCQUE, Carlos. Grande Enciclopédia da Amazônia. Op. cit., p. 248. 186 A Crítica. Manaus, 27 de fevereiro de 1985. 187 O Escritor. Junho/Julho de1934. 188 Idem.

90

de trina a quarenta páginas em cada exemplar. Portanto, nessa fase foi comum existir

interrupções prolongadas, uma delas chegando a alcançar seis meses.

Este aparecimento da revista em duas fases mostrou-se, na verdade, uma tendência,

já que ocorreu nas quatro principais revistas de variedades que circularam em Manaus na

primeira metade do século XX – Cá e Lá, Redempção, Rionegrino e Sintonia – e

demonstra cabalmente as dificuldades que tais empreendimentos enfrentavam para cumprir

o planejamento e a periodicidade inicial anunciada.

Interrompida em 1927, Redempção volta a circular em uma segunda fase, em

janeiro de 1931, encerrando sua trajetória no final do ano seguinte, novembro de 1932.

Nesta fase, já bem mais estruturada, foi semanal, embora voltasse a ocorrer intervalos

longos, como o que aconteceu entre a publicação do número 30 para o 31, que alcançou

nada menos que cinco meses. Em que pese os percalços frequentes, a revista voltara, de

fato, mais ligeira e modesta, com os exemplares desta fase contando com um número de

páginas bem menor (12 páginas) que os da fase anterior.

Durante a pesquisa surgiu para nós a questão do por que a revista teria sofrido esta

interrupção. O seu esclarecimento nos chegou, todavia, pela própria fala de seu

proprietário e diretor, que dá a entender que os motivos da interrupção da revista não havia

sido apenas financeiro, como suspeitávamos, mas também político. Assim, em matéria

esclarecedora intitulada “Adeus, São Luiz”, Clóvis Barbosa justifica seu afastamento não

apenas do jornalismo Baré, mas da própria cidade de Manaus:

Quando a política do Sr. Ephigenio Sales me fechou todas as

portas para a subsistência da minha vida modesta, em virtude das criticas minhas contra as imoralidades administrativas do seu sobrinho o pobre-diabo José Victor, saí pelas cidades do Norte, feito caixeiro-viajante das letras amazônicas. Fiz conferências com entradas pagas. Nesse tempo os medalhões e os jornais de Manaus bayattonom (sic) minha sensibilidade rebelde.

Nunca hei de esquecer-me o convívio com que o coração e o espírito de Belém e de São Luiz me dignificaram. Esta página, divulgada carinhosamente pela imprensa maranhense, é reproduzida aqui pela insistência indiscreta duma imensa saudade.189

Em sua primeira fase, a revista teve como primeiro Diretor-Gerente Agesilau de

Araújo, cuja família atuou na cidade de Manaus à frente de uma importante casa aviadora, 189 Redempção, nº 3. Manaus, 15 de janeiro de 1931.

91

fazendo invejável fortuna, mesmo após a crise da borracha. Essa colaboração deixa de

existir a partir do número quatro, quando o cargo passa a ser ocupado também por Clóvis

Barbosa, que já aparecia como Proprietário da revista. Posteriormente, a gerência da

revista foi ocupada por outros colaboradores, como Ernesto Viana, H. Silveira e Satyro

Barbosa, enquanto uma sub-gerência foi ocupada por Manuel Barbosa.

Se na primeira fase da revista Redempção há intensa colaboração de outros

intelectuais, na segunda, Clóvis Barbosa parece ter assumido integralmente a organização

da revista. Segundo seus amigos e admiradores, Barbosa era dono de uma personalidade

marcante, sendo capaz, como comenta Machado Coelho, de adotar posturas dualistas:

“Tira a camisa do corpo e o dinheiro do bolso para servir o companheiro. No segundo

[seguinte] a bengala e o florete para combater o adversário”. 190

A dedicação que Barbosa depositava nas letras contribuiu para que ele conseguisse

atuar em outras áreas como professor de português no colégio Dom Bosco e como

jornalista no Diário Oficial e no Jornal do Comércio, profissão que exerceu, como muito de

sua época, à margem do emprego formal. Foi funcionário do Ministério da Justiça,

trabalhando como representante deste órgão na Superintendência do Plano de Valorização

Econômica da Amazônia (SPVEA) e, como afirma Ulysses Bittencourt, “raros sabem de

sua silenciosa e eficaz participação nos trabalhos preliminares à criação da Zona Franca

de Manaus, como representante da SPVEA”.191

Mas mesmo naquele órgão (SPEVEA), não descuidou do cultivo das letras e,

segundo relato de João Malato, chegou a organizar ali uma série de estudos importantes

sobre a Amazônia:

Reuniu um material a altura dos seus propósitos, indo buscá-los

nos arquivos mais requintados recatados do Itamarati, de onde recolheu o monumental relatório de Euclides da Cunha sobre sua missão delimitadora no Peru. Estudos regionais, monografias, relatórios científicos, bosquejos históricos. Impressões naturalistas, diários de exploradores (...)

[Organizou] a chamada “Coleção Araújo Lima” que compreende uma série de 12 trabalhos primorosamente editados. Pertencem a essa série os magistrais estudos “A Bacia do Mar Doce”, de Alberto Rangel; “A Conquista Acreana”, de Abguar Bastos; “Os Intérpretes da Amazônia” de Péricles Morais; “Navegação e Portos da Amazônia” de Agnelo Bittencourt.

190 Pará Ilustrado. Belém, 24 de julho de 1960. 191 A Crítica. Manaus, 13 de setembro de 1984.

92

A série denominada “Coleção Pedro Teixeira”, é outro escrínio de boas obras, como “Rio Purus” de Euclides da Cunha; “A Expansão Portuguesa na Amazônia” de Arthur Reis; “A Estrada de Ferro Madeira Mamoré” de Julio Nogeira; a “Expedição ao Rio Branco” de Hamilton Rice; e “Aspectos Econômicos da Dominação Portuguesa na Amazônia” de Arthur Reis.

Há ainda a “Coleção dos Clássicos Amazônicos” na qual configura o nosso conterrâneo Edolfre Moreira, com um estudo sobre Alfredo Ladislau; e Sócrates Bonfim com um “Esboço da Vida Amazônica”.

Independentemente dessas edições de grande envergadura, imprimiu-se ainda uma “Coleção de Grandes Cadernos Belém-Brasília”, contendo as mais famosas reportagens que a imprensa brasileira publicou sobre os trabalhos da grande rodovia nacional.

E de par com a importância intrínseca dos trabalhos, respira-se deles a originalidade e feitura, o carinho da montagem gráfica, o esmero da distribuição da matéria, o fascínio e a leveza da apresentação de cada uma das obras, e que dizem o esforço e da luta pessoal que Clóvis Barbosa teve de enfrentar para conseguir, com tão pouco o que ninguém conseguiria.192

Este espírito articulador é um dos traços mais marcantes da personalidade de Clóvis

Barbosa e também foram decisivos para manutenção da Redempção e de outras suas

revistas. Buscava apoio governamental, do comércio, dos intelectuais e a elite manauara,

sempre por ele representada em Redempção.

Imagem nº 18

Fonte: Redempção, nº 5/6. Manaus, março/abril de 1925.

192 A Crítica. Manaus, abril de 1961.

93

Com efeito, essa elite regional era constantemente cortejada na revista, que

mostrava seus espaços de sociabilidade, os principais salões de festas da cidade, as datas

natalícias, as homenagens aos nomes fortes da burocracia do Estado. Aqui também os

indícios nos levam a pensar em que parte substancial da revista Redempção era, de fato,

dedicada a uma espécie de notícia que configura hoje o que se chama mais vulgarmente de

colunismo social.

Além de exímio angariador de recursos, Barbosa lançou mão de outras estratégias

ao longo da publicação com intuito de aumentar sua vendagem e amplificar suas finanças.

Os concursos, já anteriormente utilizados na imprensa como estratégia de vendagens,

voltam a carga em Redempção. Em Manaus, fazia-se concurso de tudo: da jovem mais

bela, da mais elegante, a criança mais bonita, da melhor fantasia ou do melhor figurino, do

melhor poeta da cidade, etc. Para votar nos candidatos de sua preferência os leitores tinham

que comprar um exemplar, uma vez que as fichas de votação (cupons) vinham encartadas

na revista.

Imagens nº 19 e 20

Fonte: Redempção, nº 8. Manaus, 21 de fevereiro de 1931.

Fonte: A Nota, nº 2. Manaus, 2 de

setembro de 1917.

Em 1917, A Nota já havia satirizado essa estratégia, muito utilizada pelo jornal O

Tempo, em uma de suas charges. A estratégia, embora voltada para todo o público leitor,

encontrava nas famílias abastadas um filão promissor, já que tais famílias mostravam-se

frequentemente desejosas de reconhecimento e prestígio social.

94

Material e editorialmente a revista contava com colaboradores ilustres que se

encarregavam de divulgar assuntos de interesse geral. Mesmo diante dessas características,

Clóvis Barbosa desde o início da publicação da revista teve que driblar alguns empecilhos,

sendo um deles o valor dos custos com a mão-de-obra, como se percebe em um de seus

desabafos: “o nosso destino abismava-se ante o preço exorbitante e quase sempre

justificável da mão de obra, a nossa vida dificultava-se ante a pequenez das nossas posses

financeiras, o nosso equilíbrio era dubitável como a palavra de um político”. 193

Além do apoio oficial, o comércio local foi um dos maiores financiadores da

revista, contribuindo com a compra de assinaturas e anúncios, o que serviu para amenizar

os obstáculos que a revista Redempção teve de superar. Em todos os períodos de

publicação da revista, as propagandas ganhavam espaços entre as matérias ou mesmo

páginas inteiras, além de frequentemente ocuparem também a frente e o verso das capas

traseiras da revista.

Utilizando-se dos meios de visualização gráfica, em especial da fotografia, a revista

passou a desde cedo divulgar imagens de estabelecimentos comerciais também em suas

matérias, quase sempre dos principais financiadores. Em 1927, nada menos que quarenta

por cento das páginas de Redempção destinavam-se à publicidade paga. Essa dependência

financeira foi sempre tão acentuada, que em uma de suas edições, Barbosa decidiu

homenagear o comércio local, estampando em sua capa a fotografia do Coronel Joaquim

Carneiro da Motta, então o presidente da Associação Comercial do Amazonas e, ali mesmo

fazendo a seguinte saudação: “Resolvemos homenagear o operoso Comércio de Manaus, esse

Comércio que nos tem amparado, protecionando-nos com anúncios, com assinaturas, com

exemplos de labor, e dando-nos provas eloqüentes de sua simpatia”.194

Como fizeram outros periódicos, Redempção publicou em suas próprias páginas

comentários veiculados por outros órgãos da imprensa local, em sua quase totalidade,

elogiosos à edição e à seu editor. Mas o sucesso da revista também incomodou, em geral

aqueles empreendimentos do gênero que se viam como concorrentes, sem contudo terem

adquirido o prestígio dos magazines de Clóvis Barbosa. Este é o caso de outra revista de

variedade por nós adiante analisada: O Rionegrino. Nela emerge um tom ressentido e

depreciativo diante das potenciais rivais: “Tomamos a deliberação de convidar essa briosa

193 Redempção, nº 5/6. Manaus, março/abril de 1925. 194 Redempção, nº 3. Manaus, janeiro de 1925.

95

falange de moços futuristas, em virtude dos boatos propalados por certa imprensa

enxerida e besta de que as únicas revistas de Manaus são uma tal de ‘Amazonida’ e outra

tal de ‘Redempção’”. 195

Ressentimentos a parte, o sucesso da publicação de Clóvis Barbosa não estava

garantido apenas pelo apoio e adesão dos intelectuais da época e foi necessário que a

revista caísse no gosto popular. De acordo com a publicação, a comercialização inicial da

revista foi bem sucedida, já que os primeiros exemplares tiveram tiragem de três mil cópias

– um número bastante significativo para aquele contexto! – que rapidamente se esgotaram,

a se levar em consideração o que registraram seus editores:

REDEMPÇÃO ufana-se de ter sido carinhosamente recebida nas

rodas cultas do Amazonas, e pela imprensa brasileira. E a presteza com que vimos esgotada a grande edição do seu primeiro numero, diz, com eloqüência, do interesse da nossa gente vem tomando pelas iniciativas elevadas, honestas, e úteis à terra querida em que vivemos.196

Corroboramos essa boa acolhida com a notícia veiculada no Jornal A Liberdade,

editado e dirigido por Júlio Benevides Uchoa, que traz o seguinte depoimento:

Temos sobre nossa banca de trabalhos a elegante revista

Redempção. Tudo nesta revista patenteia o bom gosto e a elegância. Ilustrada com inúmeras gravuras, no seu texto se lêem artigos escritos pelas penas mais fulgurantes do nosso meio intelectual, constituindo a Redempção um orgulho para a nossa terra. Agradecemos o exemplar que nos foi oferecido. 197

Na época em que o mercado exigia da produção periódica a inserção das novas

tecnologias, a revista Redempção impressionava o público e a própria imprensa local por

suas qualidades gráficas e editoriais, apresentando layout moderno e profusamente

ancorado em belíssimas gravuras e fotografias.

Na grande maioria das vezes a utilização da fotografia em Redempção privilegiou

três grandes assuntos, sendo o primeiro constituído pelas belezas da cidade, nelas

enfatizando seus recantos e principais pontos turísticos, como a Estação de Bonds na Praça

Oswaldo Cruz, o Seringal Miry, a Praça São Sebastião, o Teatro Amazonas e a Avenida

Eduardo Ribeiro. O segundo alvo das lentes de Redempção foram as festas, os banquetes e

195 O Rionegrino, nº 4. Manaus, 20 de fevereiro de 1928. 196 Redempção, nº 2. Manaus, dezembro de 1924. 197 A Liberdade. Manaus, 28 de novembro de 1924.

96

as celebrações, bem como seus salões e espaços, quase sempre elitizados. O terceiro foco,

profusamente difundidos pelas páginas de seus números, fazia uma espécie de crônica

fotográfica dos membros da elite amazonense e/ou dos notórios residentes em Manaus,

fossem empresários, comerciantes, políticos e/ou funcionários de alto escalão do estado,

além de suas esposas, filhos e agregados. Neste último rol podemos incluir ainda o perfil

de diversos jornalistas e literatos que animavam o circuito das letras na capital

amazonense. Em 1925 a revista chega a fazer um concurso dedicado a eles, solicitando que

o público indicasse qual seria o “Príncipe dos Poetas Amazonenses”, “aquele que,

brandido os dedos pela lira heróica, Interpreta as nossas belezas e os nossos anseios neste

dealbar de vida.198

Embora tenha professado autonomia, imparcialidade e independência diante do

campo político199, a revista colocou-se também a serviço da propaganda política, não

escondendo simpatias pelas autoridades políticas do Estado, fossem governadores,

interventores ou chefes de polícia.

Redempção não tinha um programa restrito e nem muito bem definido como a

grande maioria das revistas de variedades em Manaus, talvez por isso mesmo ela tenha se

consagrado como a mais importante surgida neste gênero em Manaus, pela profusão de

assuntos que buscou discutir. Sua única clara priorização eram os assuntos regionais, com

destaque à recuperação da economia amazonense e à proposição de caminhos para o

desenvolvimento, a defesa da revitalização da economia da borracha, além da

comercialização de novos produtos, em especial fruto de um fomento necessário à

agricultura de gêneros. Assim, em muitos de seus números há artigos técnicos de

agrônomos e economistas discutindo essa pauta, notadamente a agricultura de subsistência,

a melhoria nos meios de transporte e o plantio racional da hevea:

Voltando às possibilidades agrícolas das nossas terras o desvelo

que nos merecem os empreendimentos de tal natureza, temos sido ao mesmo tempo propugnadores da cultura e exploração racionais da seringueira, assim como já nos tornamos arauto da grande cultura do algodão e do aproveitamento regular das nossas exuberantes florestas...

Qualquer que seja a conseqüência dos nossos erros e o resultado falível das nossas esperanças, somos de opinião que ao Amazonas ainda

198 Redempção, nº 4. Manaus, fevereiro de 1925. 199 Diz ela em um de seus primeiros números: “O nosso programa repeliu, desde as primeiras palavras de

apresentação qualquer comentário que redundasse em politicalha, a chaga tremenda que desnerva e cancera os povos fortes equilibrados”. Redempção, nº 3. Manaus, janeiro de 1925.

97

restam recursos que não devem ser menosprezados, e que muito nos cumpre ainda fazer para reabilitação do nosso nome à face dos nossos irmãos federados...

O ouro negro, o ouro branco e o ouro verde, tríplice conjunto de nossas riquezas, poderão um dia fazer ressurgir entre nós, em plena florescência do século, o antigo país do El Dorado, hoje esquecido da memória dos poetas.200

Os animadores de Redempção viam no contexto da grande crise a oportunidade de

retomar as atenções do capital internacional, desde que se fizesse um trabalho sério de

divulgação das potencialidades das reservas naturais (onde incluíam ainda a borracha como

principal produto), para assim subsidiar um novo desenvolvimento regional. Mas não

escondem um forte saudosismo e a esperança da revitalização da economia da borracha:

É bem justificada a ansiosa expectativa do comércio local pelo

rumo que venham a tomar as grandes transações de borracha nos dois principais mercados consumidores. Às portas de uma safra, que promete ser opulentíssima, pela entrada de considerável número de trabalhadores novos e pela circunstância de haver a seca represado nos altos rios apreciável quantidade de produtos, não é sem imenso receio, cimentado ainda em maior esperança, que o comércio aviador aguarda, nervosamente, a marcha ascendente ou depressiva dos preços. De uma procura que ultrapasse as reservas, ou da readoção do plano Stevenson, cujos efeitos tanto alarmaram os mercados norte-americanos, virá sem duvida, a cotação salvadora. Um caso e outro, porém, constituem dois grandes pontos de duvida.

Apesar dos mais recentes cálculos estatísticos e das previsões ultimamente divulgadas, ainda é cedo para acreditar-se na vigência da primeira hipótese. Por certo, mais tarde, ela se produzirá com inevitável fragor. Para isto basta que consideremos o panorama da industria gomífera, de há vinte e cinco anos a esta data. Em começo, nossa produção de 30.000 toneladas supria todas as necessidades mundiais e hoje, pouco mais de vinte anos após, requerem os industriais da borracha 500.000 toneladas! Pode-se mesmo dizer que a aplicação da fibra elástica se universalizou como do algodão, devendo, pelo montante de seu consumo e variedade de sua utilização, colocar-se à ilharga deste, como um dos fatores primordiais da economia humana.

Resta-nos a segunda aplicação do método restritivo de Steveson. Será ela viável? A imensa celeuma e as intermináveis ameaças, que essa medida provocou da parte dos fabricantes e do governo americanos não aconselharão, desta vez, o seu afastamento definitivo? A interrogação permanece, e com ela, a ansiedade da praça, até em que se transforme em decepção ou vitoria.201

200 Redempção, nº 2. Manaus, dezembro de 1924. 201 Redempção, nº especial. Manaus, 1926. O Plano Stevenson, citado na matéria, foi posto em prática entre

1922 e 1928 e visava “regulamentar a exportação de maior ou menor quantidade de borracha, intervindo indiretamente na produção”. CAPELATO, Maria Helena e PRADO, Maria Lígia. A Borracha na Economia Brasileira da Primeira República. Op. cit., p. 306.

98

A imagem que a revista elaborou para mostrar ao público foi a de um Amazonas

que, depois de dez anos de amargura, ressurgia. Quando ela se refere à palavra crise é para

apresentá-la como uma etapa superada. Para ela o ano de 1925 era esperado como aquele

que marcaria o início da revitalização da economia local, embora não pudesse indicar que

resultados efetivos essa revitalização traria:

Esta hora suavíssima, que os dedos do tempo vão desfiando em

surdina, a alma jovem da terra amazônica vibra num alto resplandecimento, saudando uma era de paz e de trabalho, em que se reconfortam as energias perdidas e se remodelam os processos de luta pela felicidade coletiva.

Bendita, divina hora! Amargos foram os sofrimentos passados, afim de que ela

chegasse um dia, como um bálsamo, e viesse, por um só ato humanitário, enxugar a lagrima e provocar riso.

Já os humildes respiram o ar puro das regiões saneadas, onde a tirania pantanal exuda miasmas asfixiantes de miséria e morte.

A terra estremece, à maneira de uma noiva ansiosa, para receber o beijo da Liberdade, que lhe fugia há muito, e é tão acariciante esse beijo, que desabrocha em perfume e tudo perturba, derramando-se em ondas sonoras por homens e coisas.

REDEMPÇÃO saúda o povo pela conquista de tantos direitos e pede aos Céus – estamos em Natal! – pelos que, mesmo no silêncio e na obscuridade, sonham o Amazonas verdadeiro de amanhã – grande e fecundo, sem ódios e sem paixões estéreis, marchando para os destinos que lhe asseguram suas imensas riquezas.202

Não precisamos lembrar que entre o discurso e a realização dessas propostas havia

um abismo muito grande que se mostrou, enfim, insuperável. Mas á época da circulação da

revista de Clóvis Barbosa essa clareza parecia não existir, uma vez que grande parte dos

intelectuais amazonense, principalmente aqueles que vivenciaram este lapso de

prosperidade, continuaram alimentando a esperança de que o Amazonas um dia, o mais

breve possível, iria recuperar o monopólio do produto, e mesmo diante do investimento do

capital industrial internacional outros domínios coloniais, ainda julgavam a borracha

indispensável à economia industrial. Era esse também o pensamento disseminado nas

páginas da revista Redempção:

Está provado, e é notório, que a nossa borracha continua a ser

melhor, pelas condições excepcionais do nosso solo e do nosso clima, incomparavelmente superiores às terras de outros continentes, em que se cultiva a seringueira. Está provado, também, que em determinados

202 Redempção, nº 2. Manaus, dezembro de 1924.

99

produtos cuja matéria prima é a borracha, não pode ser dispensada a borracha uma porcentagem da de melhor origem, que é da Amazônia.

Mas o certo é que a nossa produção diminui cada ano, pelo depauperamento dos nossos seringais e por lamentáveis condições outras, assim como sua cotação se desvaloriza e nos põe na difícil emergência do sacrifício da nossa única indústria.203

Como era de se esperar, este encantamento e expectativa já não se mostra mais

sustentável no período de vigência da segunda fase da revista, em 1931, a revista faz um

claro mea-culpa e passa gradualmente a sinalizar outras possibilidades, como a produção

extrativa da castanha, uma vez consolidada a superioridade das plantações orientais: Dizia-se antigamente da borracha que era o ouro negro,

prodigioso e benéfico, a fonte primordial das alucinações da fartura amiga e benemérita, onde se mitigavam as sedes insfridas e se alimentavam as ambições esparsas dos aventureiros do El Dorado. Quando se falava na árvore milagrosa, que chorava torrentes de dinheiro das suas feridas, a imaginação se alongava, na cupidez de olhares investigadores pelas matas, a descobrir a romaria característica das seringueiras cinzentas, saudando-as com o sorriso amável da gratidão[...] Mas, decorridos os tempos depois que a Índia absorveu os esplendores seringueiros e a árvore nativa se despiu completamente das galas imperiais de sua ascendência, todas as ansiedades se acumularam sobre as capas floridas das castanheiras, fazendo-lhe em torno o ambiente da admiração e do respeito... Quando a seringueira era para nós a arvore do ouro, não tínhamos olhos para ver o papel que à castanheira havia sido imposto pela natureza, que era grande e soberba entre as maiores e não compreendíamos, grande árvore amiga, frondosa e florida, a acenar com seus frutos magníficos, embalados pelas brisas e pelas aspirações futurosas de todos os trabalhadores dessas terras desventuradas.204

Imagem nº 21

Fonte: Redempção, nº 18. Manaus, 2 de maio de 1931.

203 Redempção, nº 2. Manaus, dezembro de 1924. 204 Redempção, nº 8. Manaus, 21 de fevereiro de 1931.

100

Na segunda fase é Manaus e seu diversificado cenário arquitetônico e cultural que

ganha centralidade na revista, dela sendo divulgada uma imagem de cidade moderna, limpa

e, claro, em processo retomada de econômica. Para Manaus, a revista desfolhará mimos e

floreios, como no poema de Abguar Bastos que ela faz imprimir:

Manaus: Porta do Eldorado Cidade missanga e prata, luciforme e pequena, assim como corola-bogari, leve e lavada, minha! Minha porque plantei, voluptuoso jardineiro, Sem jeito de ritmo floral, o amor e o destino. Cidade da alegria.... Alegria um tanto indecisa, aqui, além, pelo ar, mainte lá-vae, toda azul, toda arco-íris, toda eu mesmo. Cidade que tem um dono: Deus! e tem um herdeiro: O Rio Negro. Cidade das mulheres que beberam essência de hidromel com espírito de rosas. Das que sorriem, excepcionalmente, (e como é bom vê-las assim...) até deixar na gente a luminosa impressão de que sempre andam mastigando estrelas. Cidade do sorriso viçoso e do sorriso triste, mas inesquecível... Do sorriso que vem devagar e devagar se expressa Como um cravo que murcha sobre a renda de um seio: Sorriso de Eça: - com um pedaço de soluço pelo meio! Cidade Porta do Eldorado! Feita de ouro mais divino: Recebe-me e mostra-me onde fica essa terra do amor e do destino! 205

Queixumes à parte, como os externados pelos editores da revista O Rionegrino, não

há como deixar de perceber que Redempção, por algum tempo encarnou a alma da cidade

que a vira nascer e a acolhera, mantendo-a ativa nas ruas e, posteriormente na memória dos

amazonenses. Foi seguramente a revista de variedades ilustrada mais importantes de

205 Redempção, nº 19. Manaus, 9 de maio de 1931. Exaltação da cidade como essa já apareciam até mesmo,

números antes, em anúncios comerciais veiculados pela revista, como no caso do anúncio da Cervejaria Amazonense: “Manaus – cidade encantada das mulheres bonitas, dos poetas, dos palácios e fábricas majestosas. Manaus, cidade querida até do sol que só se despede dela, colorindo uma saudade maravilhosamente bizarra. Redempção, nº 7. Manaus, 14 de fevereiro de 1931.

101

Manaus, e soube gerar um vínculo de empatia com a cidade e seus habitantes. Quase como

uma despedida, em um de seus últimos números, a revista se reconhece como um

empreendimento já consagrado e latente no imaginário da população manauara:

Ninguém mais suporta um domingo sem Redempção na rua.

Ninguém mais sabe viver sem Redempção. Se o menino é bonito, vae ganhar o concurso de Redempção. Se a moça é formosa olha o retrato pra Redempção!... E, assim, a querida revista manauense passou a ser um pedaço da vida elegante da cidade, porque todos os domingos, entre a missa das dez e as reuniões do Ideal, temos à rua Redempção, com uma porção de maravilhas da cidade.206

Se o surgimento da revista parece ter sido meticulosamente planejado por Clóvis

Barbosa, seu desaparecimento ocorre como que inesperadamente, sem avisos ou indícios

prévios a indicar seu fechamento. Teria seu idealizador sucumbido ante os altos custos de

produção, dos quais ele sempre reclamou? Teria o servidor público, ante os afazeres de sua

profissão, exaurido as forças e retirado o tempo precioso e, ao que sabemos, prazeroso do

jornalista? Teria, enfim, sucumbido novamente às pressões de um contexto político novo

com o qual não se afinasse à época? Lamentavelmente, as hipóteses para o

desaparecimento de Redempção permanecerão em aberto até que novas pesquisas

iluminem com mais clareza a questão.

4. DO CARNAVAL AO TORNEIO DAS LETRAS: A REVISTA O RIONEGRINO.

A revista O Rionegrino editada em Manaus surgiu em 27 de fevereiro de 1922, com

uma singular característica: era uma publicação restrita, de circulação interna e destinada

aos sócios de um dos maiores e mais tradicionais clube social e esportivo da cidade, o

Atlético Rio Negro Clube.

Como foi bastante comum com os empreendimentos do gênero, também enfrentou

teve dificuldades para manter uma regularidade das edições, embora inicialmente não fosse

sua pretensão desenvolver uma periodicidade previamente definida. Como visava uma

circulação restrita aos sócios e freqüentadores do clube social, planejava “circular toda vez

que houver uma festa promovida pelo Rio Negro”.

206 Redempção, nº 27. Manaus, 4 de julho de 1931.

102

Tratava-se, inicialmente, de uma revista carnavalesca, comum em todo o Brasil

daquele período207, o que fazia dessas edições empreendimentos muito mais esporádicos

que propriamente periódicos. Seus quatro primeiros números saíram exatamente assim, na

época do Carnaval, em 1926, 1927 e 1928, e foi talvez com esse veio carnavalesco que a

revista tenha se mantido até 1978, data da publicação de seu último número. Ao contrário

do que ocorreu em outras revistas de variedades, como Redempção e Sintonia, como de

verá adiante, O Rionegrino nunca atraio grandes expoentes da literatura amazonense, por

mais que buscasse apresentar-se como portadora de requinte e sofisticação. A esse respeito,

é interessante notar a observação de Tinhorão acerca de uma das características dos

periódicos carnavalescos:

A linguagem dos jornais carnavalescos brasileiros viria a revelar,

em sua tradição de mais de um século, um curioso exemplo de conciliação literária entre a desbragada liberdade da fala popular das ruas e o sentido de boa moral das camadas burguesas urbanas.208

Apenas com o decorrer do tempo é que a iniciativa foi se modificando e se

configurando como uma verdadeira revista de variedades, passando a ter periodicidade

mensal. A iniciativa chegou a sobreviver por mais de cinco décadas, embora sua produção

mais efetiva e periódica tenha se concentrado entre os anos de 1929 a 1935. A partir de

1929, a revista se tornou mensal e chegou a tirar dez números no ano.

É também com o novo perfil que a revista se abre ao público em geral. Se nos

primeiros anos de circulação a distribuição foi gratuita, a partir do sexto número ela passa a

ser comercializada e as receitas geradas com a sua venda passam a ser aplicadas nos gastos

com a manutenção do Clube. 209

À época de seu primeiro número, seus primeiros diretores e fundadores foram

Francisco Plínio Coelho Filho e Osman Duarte de Mendnça, aparecendo Antonio José

Augusto de Castro na condição de Secretário. Já em seu sexto número, quando a revista

aparece reestruturada como “Magazine Mensal”, sua responsabilidade é transferida para a

Diretoria do Clube, que passa a contar no expediente da revista. Dessa diretoria 207 José ramos Tinhorão chegou a registrar nada menos de 166 títulos de periódicos carnavalescos no Brasil, e

isso em uma pesquisa que avançou pouco para o norte e o nordeste do país. TINHORÃO, José Ramos. A Imprensa Carnavalesca no Brasil. São Paulo: Hedra, 2000, p. 169-200.

208 Ibidem, p. 15. 209 É o que se deduz do depoimento de Manoel Bastos Lira citado em: BARAÚNA, Silvia Maria Quintino.

Representações da Sociedade Manauara a Partir da Revista O Rionegrino (1922-1940). Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em História. Manaus: LHIA/UFAM, 2005.

103

responsável pelo O Rionegrino, fazem parte o Desembargador Hamilton Mourão, na

condição de presidente; Américo Rebelo, na de Vice-Presidente; Raimundo Y. Storry,

como 1º Secretário e Arlindo Azevedo, como 2º Secretário. Oswaldo Viana é o Orador e

Oscar Maia, o Tesoureiro, enquanto Henrique Archer Pinto aparecia como Tesoureiro

Adjunto. Completam o quadro como diretores, Aluisio Freire Ramos, Francisco Barnabé

Gomes, Hilton Santos, João Rodrigues de Melo, Manoel Augusto Pinto e Manoel Nunes

Thomaz.210

O Atlético Rio Negro Clube, à época de publicação da revista já fizera fama e se

consagrara na cidade tanto pela sua dimensão de espaço festivo destinado ao lazer e à

sociabilidade de membros da elite amazonense, quanto pelo fomento aos esportes que,

junto com as atividades físicas, passaram a ser cada vez mais valorizados desde as últimas

décadas do século XIX, consagrando o retorno das Olimpíadas (doravante chamadas de

Olimpíadas Modernas) e da larga difusão, com patrocínio oficial, da prática da educação

física, que desde logo passa a integrar o conteúdo escolar. No bojo desse mesmo processo

está a invenção e rápida difusão do Futebol e de outros esportes coletivos como o

Voleibol.211

Tanto o fomento às atividades físicas, quanto a proliferação de modalidades e

agremiações esportivas mundo afora no último quartel do século XIX, resultaram de um

novo momento da história da humanidade, marcado pela dinâmica e pela velocidade

imposta à sociedade ocidental através dos processos da produção capitalista e de suas

inovações tecnológicas, como o trem, o automóvel ou mesmo a bicicleta que tal como o

telégrafo, encurtavam as distâncias e aproximavam o mundo212. Assim, um mundo novo

repleto de oportunidades e desafios se abria com o fenômeno da modernidade, e nesse

novo ambiente, de rápidas mutações que vão cotidianamente impondo às tradições perdas

irreparáveis213, necessita-se igualmente de um homem novo, dotado da sua mesma

agilidade e dinamismo. As mudanças no mundo passam, mais uma vez, a se exprimir e se 210 O Rionegrino, nº 6. Manaus, 30 de março de 1929. 211 TUBINO, Manoel José Gomes. Dimensões Sociais do Esporte. São Paulo: Cortez, 2001. 212 “Como nós sabemos, foi nessa época [da revolução tecnológica] que o telefone e o telégrafo sem fio, o

fonógrafo e o cinema, o automóvel e o avião passaram a fazer parte da vida moderna, sem falar da familiarização das pessoas com a ciência por meio de produtos como o aspirador de pó (1908), e o único medicamento universal jamais inventado, a aspirina (1899). Tampouco devemos esquece a mais benéfica de todas as máquinas do período, cuja contribuição para a emancipação humana foi imediatamente reconhecida: a bicicleta”. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios, 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 81.

213 BERMAN, Marshall. Tudo que é Sólido Desmancha no Ar: A aventura da Modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1986, p. 15-16.

104

expressar nos corpos214, num movimento que é, todavia, como demonstra Richard Sennet,

uma via de mão dupla.215

Encontrando na figura do dandi e do smart seu arquétipo, no contexto da belle

époque, a forte penetração desse ideário do homem novo em Manaus pode ser percebida,

como chamou a atenção Maria Luiza Ugarte Pinheiro, na proliferação de periódicos

voltados ao Sport ou que apenas do termo se utilizavam, querendo traduzir com isso, esse

espírito de modernidade.216

O Atlético Rio Negro Clube, assim como outras agremiações locais destinadas ao

esporte e ao lazer, encarnou e expressou essa ambiência, atraindo as famílias mais

prósperas e em especial a juventude manauara para suas festas sociais e atividades. A

agremiação foi criada em novembro de 1913, tendo como idealizador Schinda Uchoa,

juntamente com Manoel Affonso do Nascimento (o Carranza), Edgar Garcia Lobão,

Raymundo Vieira e João França Marinho. Como sustenta Sílvia Baraúna, os fundadores do

clube eram jovens descendentes das famílias endinheirada da cidade que influenciados

pelos modismos europeus passavam então a relacionar o esporte com qualidade de vida e

com elemento de distinção social, já que, à época, a prática de quase todos os esportes

coletivos estava restrita aos grupos abastados da sociedade.217

Das atividades propriamente esportivas, foi exatamente o futebol – recém

importado da Inglaterra – aquele logo caiu no gosto popular, atraindo considerável número

de espectadores, embora sua prática se mantivesse mais restrita á elite ainda por um bom

tempo218. Em Manaus, equipes de futebol, como O Nacional Futebol Clube e o Atlético

Rio Negro Clube, surgiram logo no início do século XX e se consagraram quase que

214 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi (Org). Políticas do Corpo: Elementos para uma História das práticas

corporais. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. 215 SENNET, Richard. Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: Record,

2006. 216 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit., p. 125. 217 BARAÚNA, Silvia Maria Quintino. Representações da Sociedade Manauara a Partir da Revista O

Rionegrino (1922-1940). Op. cit., p. 7-8. 218 O fenômeno dessa popularização parece ter sido universal. Eric Hobsbawm lembra que no início do

século XX “os novos esportes abriram caminho até a classe operária e, mesmo antes de 1914, alguns deles eram entusiasticamente praticados por operários – havia, na Inglaterra, talvez um milhão de jogadores de futebol – que eram observados e seguidos com paixão por grandes multidões”. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios, 1875-1914. Op. cit., p. 256.

105

instantaneamente entre o publico amazonense,219 iniciando uma rivalidade que chegaria

forte até fins do século XX.

Desse movimento, que impactava diretamente o corpo social, a imprensa não

descuidou, gerando desde logo inúmeros registros e lhe dedicando títulos especiais. Em

1917, A Nota já registrara a rivalidade entre os dois times manauaras e lhes consagrara

algumas charges, além da capa de seu nono número.

Imagem nº 22

Fonte: A Nota, nº 1. Manaus, 26 de agosto de 1917.

Mais impactante ainda são as fotografias das duas associações de futebolistas

amadores que já se enfrentavam na cidade em 1913, uma delas composta por ingleses

residentes em Manaus – em geral diretores e altos funcionários das firmas inglesas que

atuavam na cidade – e outra por brasileiros, portanto, nacionais. É possível pensar a

formação dos dois maiores clubes de futebol do Amazonas como decorrentes dessas duas

agremiações amadoras, deles copiando inclusive as cores e padrões do uniforme.

219 NORMANDO, Tarcísio Serpa. Jogos de Bola, Projetos de Sociedade: O surgimento do Futebol em

Manaus. Mestrado em Sociedade e Cultura no Amazonas. Manaus: UFAM, 2003.

106

Imagens nº 23 e 24

Fonte: Annuário e Manáos. Lisboa, 1913-1914.

Se, todavia, o time de futebol já chegava consagrado à segunda década do século

XX, embora ainda com poucos anos de criação, ele era tão somente a parte mais destacada

e visível para o conjunto da sociedade manauara de um empreendimento muito maior, que

era o próprio clube social, com seus salões e festas requintadas e restritas a sócios de

notoriedade e cabedais, já que seus títulos de sociedade eram adquiridos por compra e

tradicionalmente foram elevados, mantendo a sociedade no ambiente mais restrito (e

desejado) da elite. Já em 1913 o clube social do Rio Negro fazia concorrência a outros

salões e espaços festivos mais aristocratizados da cidade, como os do Ideal Clube e o

fechadíssimo Clube campestre dos ingleses, situado num bosque afastado do centro da

cidade, mantendo-se refratário até mesmo a entrada de autoridades brasileiras.220

Em trabalho inicial, Silvia Baraúna atribui a fragilidade inicial da publicação de O

Rionegrino ao fato de o próprio clube social ainda também se encontrar em estruturação e

consolidação. Um exemplo trazido pela autora é o da própria transitoriedade de sua sede

social, que muda três vezes de endereço até se fixar definitivamente na Avenida

Epaminondas. Com efeito, em fins da década de 1920 e início da de 1930 a sede do clube

funcionou em prédio situado na Rua Barroso, próximo ao Teatro Amazonas, onde

atualmente funciona a Casa do Estudante da Universidade Federal do Amazonas. Só com

melhores acomodações, sustenta a pesquisadora, foi possível dar vida ao Departamento de

220 Essa postura de isolamento dos ingleses de Manaus, contrastada com a franca capilaridade da colônia

portuguesa, foi anotada por: PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade Sobre os Ombros. Op. cit., p. 123.

107

Imprensa, o qual inicialmente servia para divulgar e promover o Atlético Rio Negro Clube

e seus bailes festivos, dentre os quais se notabilizou desde logo o dos festejos de Carnaval.

Pensamos que a revista surge muito mais como suporte das ações do clube social e

de seus bailes, servindo ainda como um espaço extra de sociabilidades, por onde os

associados podiam reforçar os laços de convívio. Isso nos parece claro exatamente porque

neste momento inicial a revista não busca o grande público, mas quer, ao contrário,

difundir-se restritamente pelas mãos dos associados. Se, como sustenta Baraúna, a revista

nesse primeiro momento tinha como meta principal alimentar a superioridade do Clube

Atlético Rio Negro diante dos outros congêneres que existiam na cidade, essa ação visava

muito mais reforçar nos sócios um comprometimento com o clube, ao mesmo tempo em

que os animava com a idéia de pertencerem à um ambiente sofisticado e seleto, de cuja

imagem a revista nunca abril mão.

Imagem nº 25

Fonte: O Rionegrino, nº [22]. Manaus, novembro de 1936.

Mesmo que as imagens fortemente carregadas de requinte e glamour trazidas pela

revista não deixem margem para dúvidas, os textos que as acompanham reforçam o sentido

e a força da comunicação visual. Assim, ancorando a fotografia de uma de suas edições

(Imagem nº 25), os editores registram: “O cliché acima apresenta um grupo de associadas

do Rio Negro, figuras de alta representação social no Amazonas. Pertencentes, todas, ao

108

quadro feminino do nosso Clube, que elas animam com a sua alegria esfuziante e

prestigiam com a sua elegância e beleza”.221

Mesmo que o rio Negro pudesse ser enquadrado como o clube da nata, como então

se dizia222, manter uma publicação apenas com o pagamento das mensalidades dos

associados poderia inviabilizar a publicação, o que supomos ter efetivamente ocorrido. O

desejo de ampliar a experiência editorial, que como vimos era esporádica, em um

empreendimento duradouro, passava pelo enfrentamento de diversas questões, sendo uma

delas os custos de composição e impressão, já que se utilizava para esses serviços uma

empresa comercial, a Tipografia Phênix. Dessa forma que surge a idéia de comercializá-la

para o grande público da cidade, como faziam com algum sucesso outros empreendimentos

do gênero.

Imagem nº 26

Fonte: Acervo Digital do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas

E é assim que O Rionegrino ressurge em fevereiro de 1929, dessa vez para manter-

se como mensário, circulando nessa periodicidade ao longo de todo aquele ano. Nesta nova

221 O Rionegrino, nº [22]. Manaus, novembro de 1936. 222 MELLO, Thiago de. Manaus, amor e Memória. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1984.

109

fase, apresentava uma reestruturação gráfica mais moderna, com sofisticação visível nas

ilustrações e fotografias, além de impressão de suas capas em cores. Nela o número de

páginas foi sempre variável, oscilando de 15 a 40.

Parece desnecessário dizer que dificilmente uma revista conseguia sobreviver

financeiramente apenas através da vendagem de seus exemplares. Era necessário recorrer

frequentemente à outras fontes de receita, e, por esse motivo, O Rionegrino buscou, como

diversos periódicos do Amazonas o fizeram, o amparo do comércio local, para quem

vendiam espaços de propaganda que por vezes consumiam parcela significativa dos

impressos. Cabe lembrar que se os custos de edição de um periódico em Manaus sempre

foram altos, o foram também, e, principalmente, no contexto da crise e depressão causada

pela perda do mercado mundial da borracha.

Outra questão importante a ser enfrentada pelos editores da revista em 1929, foi sua

reestruturação interna, assumindo uma linha editorial nova que perdia a acentuada marca

de edição carnavalesca e minimizava os conteúdos esportivos – embora a revista sempre os

tenha mantido! – para ampliar o leque de referencias de seus temas. É essa inflexão em

direção à um público mais amplo e atento às revistas da moda, que levam O Rionegrino a

assumir, ao menos entre os anos de 1929 a 1939, essa característica de um periódico de

variedades.

Nesse alargar de temas, a revista flerta fortemente com o público feminino. Embora

O Rionegrino não possa se enquadrar no modelo de uma revista feminina, seu foco

claramente se desloca para alcançá-las. Não é à toa que a grade maioria das capas da

revista tragam estampadas figuras femininas, em geral senhoras e jovens de famílias

tradicionais da elite manauara.

A opção da revista se explica pelo fato de que o termo “variedades” entra na

história do periodismo não apenas para significar o que efetivamente diz (a profusão de

assuntos), mas acima de tudo algo que não diz: a amenidade dos conteúdos enfocados.

Assim, assiste-se a uma diversificação não tanto dos impressos, mas das práticas de leitura

por gênero, neste particular significando que, grosso modo, homens e mulheres

consumiam, enquanto leitores, gêneros jornalísticos distintos223. Ao homem o jornal

223 Cf.: CHARTIER, Roger. Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996; BATISTA, Antonio

Augusto e GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Leitura: práticas, impressos, letramentos. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

110

opinativo, serio e mesmo sisudo, a analisar, mas do que informar, os grandes temas

nacionais e mundiais, em especial desse espaço da vida social pública, praticamente

vedado às mulheres: a política.

Às mulheres destinam-se os romances açucarados dos folhetins, por vezes

encartados nos grandes jornais diários, por vezes, ocupando um de seus rodapés. Dessa

leitura feminina diferenciada é que fala Michelle Perrot, lembrando que o público da

Imprensa vai lentamente diversificando, já que em seu início

É um mundo maculino, de que as mulheres vão lentamente se apropriando, não sem dificuldade. Os cafés, círculos e clubes, as salas de leitura, onde se lêem principalmente os jornais, são reservados aos homens. Todavia, as mulheres insinuam-se no jornal pelos rodapés – a parte de baixo das páginas dos jornais – que lhes eram progressivamente reservados, sob a forma de crônicas de viagens ou mundanas e sobretudo de romances-folhetins, cada vez mais femininos por suas intrigas, suas heroínas e até por sua moral. 224

É principalmente para as mulheres que se destinam também as revistas de

entretenimento e de informação amena, em geral das coisas frívolas e mundanas. Quando

Redempção, já nos anos trinta, começa a buscar o público feminino, é pela incorporação de

uma nova sessão, de página inteira, que faz essa ligação e, assim, surge naquele momento,

a página “Jornal Fútil”, toda ela dedicada às mulheres, já que falava de moda, receitas

culinárias e normas comportamentais ditas femininas, que ali se apresentavam como

modelares.

Organizadores da revista O Rionegrino tiveram a necessidade de empregar

colunistas sociais, um tema que ganha forte presença no periódico desde então. Contudo,

apesar de neste momento as mulheres serem um dos focos privilegiados, as temáticas

discutidas nas páginas da revista e à elas dirigidas ainda vão privilegiar a preservação de

uma moral tradicionalista, com reforça aos perfis femininos de filha atenciosa, mãe

dedicada e, sobretudo, esposa submissa. Ao mesmo tempo O Rionegrino passa a combater

as novas tendências emancipadoras vigentes e fazendo troça do movimento sufragista. 225

224 PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. São Paulo: Editora Unesp, 1998, p. 77-79. 225 Veja-se, em especial, a matéria “O 9º. Mandamento... Feminista”. O Rionegrino, nº 8. Manaus, maio de

1929.

111

Apesar da visão mais conservadora da revista, os organizadores de O Rionegrino,

com objetivo de aperfeiçoar as colunas direcionadas para as mulheres, conseguem firmar a

colaboração de Rosália Beatriz. Diga-se de passagem, que esta tendência conservadora em

relação a mulher não estava restrita à revista O Rionegrino, sendo, na verdade, a postura

comum nas três revistas de variedades que mais tiveram repercussão em Manaus, todas

elas reforçando imagens da mulher como uma figura frágil e frívola e frágil, e mesmo

bastante presente em outros periódicos amazonenses.226

Por outro lado, a contratação de uma mulher (Rosália Beatriz) para a composição e

produção de conteúdos para a revista não deixa de ser reveladora de um processo que,

negado muitas vezes pela revista, parecia irrefreável: o avanço da mulher para espaços

públicos tradicionalmente masculinos. A nova cronista, que alegava ser rionegrina desde

criança, já atuara também como cronista em vários jornais e revista na Capital carioca227.

Em seu regresso a Manaus acompanhada do marido (o Tenente Plínio de Abreu), passou a

colaborar na parte editorial de O Rionegrino, escrevendo, em sua estréia, sobe a visita da

Miss Pará à Manaus, em retribuição a igual empreendimento da Miss Amazonas à capital

paraense. A partir dessa data, os concursos de Miss Amazonas e de Miss Brasil, aparecerão

com freqüência nas páginas da revista sua entusiasta, em especial porque o próprio evento

foi, durante muitos anos, realizado nos salões do atlético rio Negro Club.

Tradicionalismos à parte, a contratação de Rosália Beatriz introduz inegavelmente

um tom mais moderno – e até mesmo ousado! – diante das mulheres. Com sua

colaboração, Beatriz visava estabelecer maior interação com o público feminino, o que era

feito através do comentário de cartas que relatavam, sobretudo, dilemas emocionais e

afetivos das leitoras, como se vê num desses comentários de Rosália Beatriz em sua coluna

“Conselhos”:

226 A própria imprensa operária, tradicionalmente caracterizada por sua prática emancipadora e até mesmo

libertária (no caso dos periódicos anarquistas), via frequentemente a emergência da mulher no espaço público como um problema sério, criticando-o sem rodeios, como fez em “A Proletária e o Feminismo”, que exorta as mulheres trabalhadoras a se manterem fiéis à sua “natureza”: “Resistindo aos embates de todas as revoluções, ela afirma-se cada vez mais no seu natural determinismo de filha, esposa e mãe”. O Constructor Civil, nº 1. Manaus, 5 de janeiro de 1920. Apud: PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto e PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte (Orgs). Imprensa Operária no Amazonas. Manaus: Edua/Cnpq, 2004, p. 119.

227 No âmbito da História da Imprensa, a passagem das mulheres, da condição de simples leitoras à condição de escritoras e produtoras de jornais e revistas é mais tardia e bastante complexa. A cerca dessa trajetória, cabe conferir: TELLES, Norma. “Escritoras, Escritas Escrituras” In. PRIORI, Mary Del (org). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001, p. 401-442. Em Manaus, Maria Luiza Ugarte Pinheiro registra o jornal “O Grêmio”, de 1909, como um periódico eminentemente constituído por mulheres, mas não necessariamente feminista. PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit., p. 242.

112

Por muito inexperiente, uma mulher, não creio que desconheça, de

um modo absoluto, os sentimentos que aspira. Desse rapaz que você me fala, pode-se concluir muitas suposições. Se você ignora que seja amor o sentimento que faz o seu jovem

poeta entreter-se com você, pelo menos a minha amiga sabe que ele a corteja.

Se quer bem a esse rapaz, seja um pouquinho astuciosa. Não suspire. Não olhe tanto as estrelas. O romântico cortejar de outras eras, é hoje substituído por uma boa

camaradagem, alguém o disse e disse bem. Não pense que o seu poeta é um príncipe encantado, senão um

homem, simplesmente um homem, com as qualidades e todos os defeitos do sexo.

Uma mulher romântica, nos dias atuais, torna-se enfadonha. Não resta dúvidas que o “flerte” existe entre você e seu amigo. Ele, talvez, esteja achando delicioso só isso. Há homens assim.

Alguns por timidez, outros por mero prazer espiritual, ainda outros para fugirem de responsabilidades e outros ainda por verdadeira mania.

Mas, se aos tímidos, aos espirituais, aos prudentes, e aos maníacos, uma mulher astuciosa souber prendê-los seriamente nos seus encantos, o tímido falará, eloqüentemente, o espiritual dirá que “um lar..., uma mulher..., um choro de criança... e... uma sogra...”, não são, afinal de contas, coisas muito burguesas. Dos prudentes, conhecemos casos de verdadeiros triunfos, e os maníacos serão os primeiros a declarar o “flerte” é nocivo a sociedade...228

A revista O Rionegrino conseguiu se manter no mercado até o final da década de

setenta (1978), porém, como argumentamos, não houve uma regularidade da publicação.

Se é de variedades que tratará principalmente entre 1929 e 1935, no final dos anos trinta

quase e por todo o período da década de quarenta a revista retorna à temática esportiva e à

seu veio de periódico carnavalesco. É muito mais neste último aspecto que ela será

veiculada, esporadicamente, até 1978, quando então encerra sua participação no

periodismo amazonense.

5. UMA REVISTA EM SINTONIA COM O PODER

Se o Brasil que se abre em 1930, com o movimento que põe Getúlio Vargas no

poder é um Brasil novo, desejoso por deixar para trás as marcas do conservadorismo e

arcaísmo de uma sociedade rural e ancorada prioritariamente na agro-exportação, o é, na

verdade, pelo avanço incontestável da produção fabril, dos segmentos médios urbanos e do

228 O Rionegrino, nº 8. Manaus, maio de 1929.

113

próprio urbanismo229. Essa nova fase revela igualmente uma nova ambiência cultural230,

impactando fortemente o cenário da História da Imprensa, onde jornais e revistas, com

pequenas exceções, assumiram o ideário varguista, em especial após a decretação do

Estado Novo (1937), quando, inclusive vêem à tona fortes mecanismos de controle

ideológico.231

Na Manaus do Estado Novo, o periódico que parece ter melhor representado este

engajamento ideológico com Vargas foi exatamente uma revista, Sintonia, que surgiu no

final da década de trinta sob direção do telegrafista e estudante de odontologia Rigoberto

Costa. A revista circulou em Manaus e nas principais capitais do país, como Belém, Rio de

Janeiro, Recife e São Paulo, durante o período compreendido entre setembro/outubro de

1939 a dezembro de 1943, editando a marca 41 números nestes 5 anos.232

Como mencionado, o momento é marcado por grandes tensões internacionais,

dentre os quais o advento da Segunda Guerra Mundial e a implementação do Estado Novo,

em 1937, sob comando de Getúlio Vargas. Após o golpe, que buscou se legitimar num

suposto e eminente atentado comunista, Vargas consegue se manter no poder com apoio

das massas e de vários setores da sociedade brasileira, indo desde membros das

tradicionais oligarquias, até intelectuais, artistas, de profissionais liberais e, inclusive, de

jornalistas, muitos dos quais levaram para o seu metier a luta política e ideológica

patrocinada por Vargas.

Ao observar o subtítulo de Sintonia, percebemos que a publicação se auto-intitulava

como “Revista dos Telegrafistas do Amazonas”, portanto, um órgão classista e voltada

para os temas e interesses dessa categoria, então em expansão. Sua inclusão aqui no rol das

revistas de variedade se dá, tal como ocorreu com O Rionegrino, por força de uma mutação

interna havida logo nos primeiros momentos de sua existência. Já no sexto número, a

229 MONTEIRO, Hamilton de Mattos. O Aprofundamento do Regionalismo e a Crise do Modelo Liberal. In:

LINHARES, Maria Yedda (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 211-228. 230 SEVCENKO, Nicolau. Técnica, Ritmos e Ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da

Vida Privada no Brasil. Vol. 3. (República: da Belle Époque à Era do Rádio). São Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 513-620.

231 CAPELATO, Maria Helena. Os Arautos do Liberalismo: Imprensa Paulista, 1920-1945. São Paulo: Brasiliense, 1989. Para o contexto amazonense, cabe conferir a recente contribuição de: ALVES, Hosenildo Gato. Imprensa e Poder. Op. cit.

232 Recorremos em nossa pesquisa à recente reedição produzida pela Biblioteca Pública e da Secretaria de Cultura em CD-Rom, contendo os números da revista em formato digital. Não fazem parte dessa edição, contudo, os números: 6, 8, 12, 18 e 24.

114

revista abandona essa vinculação classista e passa a ostentar apenas seu título “Sintonia”,

permanecendo com essa identificação ao longo de toda essa fase.

Imagem nº 27

Fonte: Sintonia. Manaus, 1939-1942

Com efeito, os números iniciais da revista trazem artigos sobre o telégrafo e a

função do telegrafista, com intuito de incentivar e propagar o ofício, profissão que surgiu

no Brasil no final do período Imperial e estava inserida naquele contexto modernizador das

grandes invenções e transformações cientificas de meados do século XIX.233

Desde o Império o telégrafo foi se caracterizando como um instrumento inestimável

para solução de problemas de administração pública e segurança nacional, além de ser

idealizado como um poderoso promotor de desenvolvimento material nas regiões

atravessadas pelas linhas telegráficas. Com o passar tempo a seleção de funcionários para

trabalhar nessa área passou a ser mais rigorosa, exigindo do candidato uma formação

elevada, como saber ler, escrever, domínio da aritmética, história e geografia. Assim, a 233 De acordo com Laura Antunes Maciel, a primeira instalação telegráfica no Brasil data de 1852 e foi usada

pioneiramente como justificativa combater o contrabando de escravos. Os presos da casa de Correção foram os que trabalharam, num regime compulsório, para a instalação dessa primeira linha telegráfica no Brasil. Somente depois de cinco anos é que a iniciativa privada franqueou alguns serviços, mas o serviço era ainda imperfeito, principalmente pela falta de pessoal qualificado. Os primeiros telegrafistas em geral não tinham a mínima formação e muitos desses trabalhadores conseguiam vagas por meio de apadrinhamentos. MACIEL, Laura Antunes. A Nação Por Um Fio: caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon. São Paulo: Educ/Fapesp, 1998, p. 68.

115

revista de Rigoberto Costa parecia ter um público capaz de consumir as informações

noticiosas e técnicas que ele fazia divulgar nos primeiros números da revista.

É valido lembrar que a chamada Era Vargas foi um período em que o Estado

buscou se articular diretamente com várias categorias de trabalho e com os trabalhadores

de um modo geral, anteriormente percebidos como agitadores em potencial e, enquanto

tais, configurando um caso de polícia.234 Com intuito de ter maior controle sobre o

proletariado – pois as décadas anteriores foram marcadas por diversas convulsões sociais

que ameaçavam a ordem vigente com protestos e reivindicações por melhores salários e

condições de trabalho – Vargas formula e propõe uma nova ideologia de valorização do

trabalho (o trabalhismo) que, enquanto incutia valores de solidariedade interclassista,

condenava às tradicionais lutas operárias e as idéias anarquistas, socialistas e comunistas

que estavam difundidas no seio do operariado brasileiro desde o final do século XIX.

Foi mediante a um atrelamento com o trabalhismo, inclusive, que a classe dos

telegrafistas se organizou no Amazonas, já em pleno ao Estado Novo e, assim, era natural

que sua revista, Sintonia, estivesse predisposta à aderir ao propagandismo que o governo

Vargas fazia por meio dos meios de comunicação de massa. 235

Outro elemento importante de ser aqui ressaltado é de que o Estado Novo foi um

momento de profundo fechamento político, de cerceamento das liberdades e de suspensão

de direitos constitucionais. Foi um golpe de estado articulado pela cúpula do próprio

governo de Getúlio Vargas, que ainda exercia a chefia do estado dentro de um Governo

Provisório e pressionado por diversos setores a realizar a volta à constitucionalidade, em

especial com a realização de eleições.236

Os discursos efetuados por Vargas à nação brasileira identificavam as turbulências

políticas – principalmente os conflitos emanados das diversas facções da aristocracia rural

– e as sociais – notadamente as agitações operárias e o movimento sindical – como

elementos perigosos à sobrevivência da nação, sendo os grandes entraves para o

desenvolvimento econômico brasileiro. É o próprio Rigoberto Costa quem defende essas

idéias nas páginas de Sintonia:

234 MATTOS, Marcelo Badaró. O Sindicalismo Brasileiro Após 1930. Rio de Janero: Jorge Zahar Editor,

2003. 235 ALVES, Hosenildo Gato. Imprensa e Poder. Op. cit., p. 89-95. 236 TOTA, Antonio Pedro. O Estado Novo. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 36-37.

116

No Brasil de hoje não há mais lugar para os homens que ficaram

com a mentalidade de trinta, em regra rotineiros e retrógrados. O Brasil de hoje é movimento, dinamismo, é ação construtiva. Não

se pode deixar de andar. Quem pára, sucumbe... O presidente Vargas não condena ninguém. Deixa que os homens

se revelem nos cargos confiados ao seu patriotismo e inteligência. Quem se adaptou aos novos quadros morais da vida brasileira,

permanece. Quem não evoluiu e se obstina em contrariar os ensinamentos da

nova doutrina, feita para salvar o Brasil da negação de si próprio, será sacrificado.237

Mas Estado Novo não se legitimava apenas com um texto constitucional que

restringia as liberdades individuais e coletivas, era necessário ir mais além e como a

imprensa periódica neste momento já havia se vulgarizado entre as massas, ela foi um

instrumento importante para a consolidação desse novo regime, que utilizou de forma

ímpar na História brasileira os meios de comunicação como instrumentos de dominação de

um governo.238

Ao contrário de outras publicações discutidas anteriormente (Cá e Lá, Redempção,

Rionegrino, Pontos nos ii e A Nota) que afirmavam não possuir laços com as questões

políticas, Sintonia aparece num cenário em que assumir essa postura era, na verdade, uma

necessidade de sobrevivência. O Governo Getúlio Vargas, que mantinha fortes influências

de regimes totalitários, notadamente o Fascismo, criou mecanismos de controle da

imprensa, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em dezembro de 1939,

que tinha por finalidade orientar e coordenar a propaganda nacional interna e externa, atuar

no controle direto da informação veiculada na imprensa (censura), além de ser uma agência

de informações para auxiliar os ministérios e o próprio Presidente. Segundo Maria Helena

Rolim Capelato, mais que uma agência estatal de informação, “o DIP atuou na difusão

sistemática do projeto político ideológico do Estado Novo, auxiliando na criação de uma

base social que procurou legitimar as propostas de unidade nacional, de harmonia social,

de intervencionismo econômico e de centralização política”. 239

De acordo com Antonio Pedro Tota, apesar da oficialização do DIP ter sido feita

em 1939, esse departamento já funcionava extra-oficialmente há algum tempo e além de

237 Sintonia, nº 37. Manaus, junho de 1943. 238 PARANHOS, Adalberto. O Roubo da Fala: origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. São Paulo:

Boitempo, 1999, p. 21. 239 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em Cena. Propaganda política no varguismo e no

peronismo. Campinas, SP: Papirus, 1998.

117

funcionar como uma agência de informação e propaganda nacional, também controlava as

atividades ligadas ao campo no campo artístico e cultural, exercendo diretamente a

censura. 240

Assim, a imprensa periódica sofreu violenta intervenção do DIP, órgão

governamental que era ligado diretamente ao gabinete presidencial. Jornais e revistas não

tinham autonomia e, dessa forma, não podiam ser veiculados nesses meios de

comunicação, nenhuma mensagem ou imagem que se mostrasse contrária ao Governo.

Caso viesse a acontecer, jornais e revistas poderiam ter seus registros cassados e seus

proprietários punidos legalmente segundo as determinações da Constituição de 1937, a

qual legitimava o Estado autoritário.

De acordo com Maria Helena Rolim Capelato a adesão de jornalistas não se deu

apenas pela utilização da força, já que o governo Getúlio Vargas estabeleceu outras

estratégias de cooptação para conseguir o apoio da imprensa. Dentre estas estratégias

despontava, por exemplo, o acolhimento de parte das demandas e reivindicações das

categorias organizadas, a regulamentação profissional que garantia direitos aos

trabalhadores, e o patrocínio oficial, esta mais fortemente acolhida entre o setor da

comunicação jornalística.241

Neste particular, se destaca os subsídios do governo sobre as transações comerciais

de importação do papel, problema que a imprensa brasileira vinha enfrentando desde o

período Imperial sem que os diversos governos até então desenvolvessem uma política

eficaz para solucionar o problema.

Desde cedo Sintonia despertou o interesse do propagandismo varguista e seu

proprietário, não tardaria em buscar esse apoio estatal. Interessava sobremaneira que a

revista estabelecesse, inclusive, uma ampla rede de difusão e, talvez por essa razão, a

revista Sintonia parece não ter encontrado grandes dificuldades para circular mesmo fora

de Manaus e do estado do Amazonas. Essa foi uma das metas prioritárias de Rigoberto

Costa, pois muito além das aspirações mercadológicas, Sintonia adotara o lema e a

bandeira de “integrar a Amazônia para o Brasil inteiro”, sendo, portanto, um forte

instrumento de propaganda nacional acionada no Amazonas por Vargas.

240 TOTA, Antonio Pedro. O Estado Novo. Op. cit., p. 37. 241 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em Cena. Op. cit., p. 76.

118

Vivendo num ambiente de extremo fechamento político e de forte cerceamento das

liberdades Sintonia, em nenhum momento ela demonstrou sentir-se acuada. Pelo contrário,

demonstrava muita satisfação em servir a quem ele se referia como “Grande Chefe da

Nação”, além de apoiar os programas nacionais de assistência e desenvolvimento para a

Amazônia, uma das características das revistas de variedades da época, a preocupação com

os assuntos socioeconômicos. Em um dos seus últimos números, tais propósitos são

explicitados:

Esta é a palavra de ordem, o nosso pensamento único: sempre pra

frente, trabalhando para o Brasil e pelo Brasil de amanhã. O nosso programa tem sido fielmente cumprido e temos vivido

combatendo pelo mais nobre ideal, difundindo as opulências deste recanto maravilhoso e cooperando para a obra de renascimento nacional, dentro do espírito do regime criado pelo eminente estadista que tão bem tem sabido conduzir nossos destinos – o Presidente Getúlio Vargas, o maior condutor dos povos de todas as Américas.

Na trilha honrosa a que nos pousemos de início, sem divergir um só instante, prestando a nossa colaboração modestíssima, embora, porém resoluta, na imprensa do país, a prol dos nobres ideais e bem da coletividade, por mais sombria que seja a perspectiva dos lucros materiais que não são a nossa ambição, continuaremos nos serviços que vimos prestando ao Brasil, olhos fitos na bússola, seguiremos para frente, conformados sempre pela confiança do povo e animados pela fé companheira e inseparável dos que lutam por um ideal.

Sempre para frente.242

Sintonia tinha como redator Moacyr de Miranda e como redator comercial,

Hidelbrando da Costa, com a importante função de angariar recursos por meio da

vendagem de espaços de propaganda. Como seu secretário atuou Kideniro Teixeira. A

revista era editada em Manaus utilizando-se da contratação dos serviços da Papelaria

Velho Lino. A revista mudou de endereço três vezes: o primeiro foi a Rua Duque de

Caxias, nº 48, na Praça 14; o segundo, na Av. Sete de Setembro, nº 961 e o último, na Rua

Joaquim Sarmento, nº 38.

Sintonia desenvolve, como mencionado, uma ampla rede de distribuição,

designando colaboradores para as mais diversas localidades, onde tais colaboradores

passavam a exercer também a função de correspondentes. Por tais

representantes/correspondentes, percebe-se o foco de interesse da publicação: Porto Velho:

Antonio Alves da Rocha; Itacoatiara: Souza Filho; Fonte Boa: Oséas Martins;

242 Sintonia, nº 40. Manaus, outubro de1943.

119

Manacapuru: Francisco Carvalho e Manuel Batista; Mato Grosso: Manuel Sobrinho; Pará

(Belém): Tito Livi de Castro; Território do Acre: Archeiau Ribeiro da Silva; Rio Grande

do Norte: José de Castro.

Sintonia estava subordinada às agências de informações nacionais, então sob a

tutela do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e conveniada com agências de

notícias, principalmente as norte americanas e inglesas, como Bristish New Service; UBI;

DPDI da NBC.

Nada imparciais, tais agências também se mostravam mais propagandistas que

noticiosas e, dessa forma, sempre divulgavam a superioridade dos Aliados no cenário de

combates da Segunda Guerra. Ancorado nessas agências internacionais, sintonia trazia

reportagens que mostravam o arsenal de Guerra, a rotina dos soldados nos campos de

batalha, chegando, inclusive, a manter uma coluna fixa, ao longo do ano de 1942, que se

intitulava “acontecimentos na Grã-Bretanha”.

Diga-se de passagem, que a revista teve ainda uma segunda fase, ressurgindo após

1950, depois de quase uma década do seu desaparecimento. Na segunda fase, contudo, a

revista, embora volte com o mesmo título e dê seqüência a numeração encerrada em 1943,

volta com um perfil bastante diferente da fase inicial, como afirmamos, enquadrada no

arcabouço das revistas de variedades. Quando a revista ressurge em 1950, assume uma

inequívoca inflexão em direção ao conteúdo mais específico de uma revista feminina,

passando a ser, inclusive, dirigida por uma mulher: Denise Cabral dos Anjos.

Em pesquisa inicial, embora relevante, Kamila Araújo da Silva estudou esta

segunda fase, destacando as linhas gerais apontadas pelo periódico:

Através da leitura da revista Sintonia [na Segunda Fase, de 1950 a 1955], vimos que a mesma era inteiramente direcionada à mulher, contendo colunas fixas, como: “Exaltação à Mulher”, “Sua Página Madame”, “Atenção Mamãe”, “Ave!Eva!”, “A Moda”, além de poesias, receitas e até mesmo discussões sobre o divórcio. A revista Sintonia tinha na direção uma mulher [Denise Cabral dos Anjos], que tinha uma visão bastante tradicional da mulher. Podemos identificar na revista a preocupação com a criação de criar uma mulher voltada à modernidade, porém conservando os valores tradicionalistas. Mais que refletir, a revista projetava e reforçava imagens arquetípicas da mulher, manifestando verdadeiro cunho pedagógico, “moldando” a mulher amazonense. A revista apresentava uma modernidade, onde mulheres tinham a oportunidade de expressar seus sentimentos, mas sem se desviar do caminho que a

120

tornariam uma boa esposa e mãe, conforme as estruturas mentais da época.243

Ao contrário da fase de revista feminina, na primeira fase, Sintonia veiculava

artigos de diversas naturezas, como literatura, economia, política (nacional, local e

internacional), esporte e lazer, além de (nos cinco primeiros números) divulgar

informações relativas ao ofício de telegrafista. Para uma publicação do seu tempo,

mostrou-se, por vezes ousada, publicando artigos sobre sexualidade (Ex: n. 26) e sobre o

papel da mulher na sociedade moderna, como fez em “A mulher e a educação sexual”244.

Tais assuntos parecem preconizar os temas que na segunda fase vão dar tônica ao

periódico.

Já a partir de seu sexto número, Sintonia assume como sua prioridade, divulgar

assuntos de variedade e entretenimento, mas logo após os números iniciais já se percebe

um engajamento em outro tema que terá grande espaço na publicação: o propagandismo

varguista. Filha do Estado Novo, Sintonia é uma revista que assume e defende claramente

o discurso da ordem e do poder constituído.

Imagens nº 28, 29 e 30

Fonte: Revista Sintonia. Manaus, 1939-1942.

Neste sentido, ela parece fazer parte de um conjunto de publicações, não apenas

controladas pelo Estado Novo através do DIP, como também uma daquelas por ele

mantidas. De acordo com Adalberto Paranhos, neste período, o Estado apoiava publicações 243 SILVA, Kamila Araújo. Modelando a Mulher Manauara: Perfis femininos na Revista Sintonia (1950-1955). Monografia de Iniciação Científica. Manaus: UFAM/CNPq, 2005, p. 6. 244 Sintonia, nº 26. Manaus, julho de 1942.

121

abertamente desde que se mostrassem favoráveis aos seus interesses. Na imprensa

periódica os espaços destinados ao culto personalista alcançavam na média 60% das

páginas.

Essa relação de cumplicidade e de troca de favores entre imprensa e poder é, de

fato, antiga. Mesmo na virada do século XIX para o XX, quando a grande imprensa já

estava se consolidando como empresa, com capitais próprios, isso ocorria, pois, como

argumenta Robert Levine, “poucos jornais eram suficientemente fortes do ponto de vista

financeiro. Muitos (a maioria) tinham que aceitar subsídios (suborno) dos políticos, dos

interesses privados, dos cônsules estrangeiros”. 245

Pela ação e pressão do Estado Novo boa parte da imprensa brasileira passou a

construir uma imagem do Estado como bem feitor e voltado para as demandas dos pobres

e, em especial, dos trabalhadores. A construção dessa imagem passava também pela

valorização personalista do próprio governante, em ações de mídia não apenas

direcionadas aos trabalhadores, mas também às classes médias, contando inclusive, com

apoio de parte significativa da intelectualidade brasileira. Em uma de suas passagens

Sintonia faz referência a essa filosofia:

Getúlio Vargas é elite, é classe média, é povo. Não desampara o

direito de quem o tenha. Não pergunta a procedência, nem a árvore genealógica de quem o procura. Examina apenas. É um juiz incorruptível. Mas creio que ele é muito mais que povo porque sabe que é aí, neste palco ignorado, que se encerram os grandes dramas do Brasil.

O governo que realizou no campo social, foi um trabalho gigantesco, mas é apenas uma face do que ele fez em geral no Brasil, que é obra fundamental com características próprias, capaz pela sua extensão e profundidade, de sagrar qualquer homem do mundo. 246

A estratégia de Getúlio Vargas passava pela existência de um rígido controle dos

meios de comunicação, fossem eles jornais, revistas, rádios ou mesmo cinema. Uma vez

controlada, a mídia começava a difundir a imagem de um governo pacificador, que em

nome do progresso do país estaria disposto a perdoar e esquecer todo passado de lutas e

conflitos. Como bem descreve, nas páginas de Sintonia, um dos colaboradores e ideólogos

do Estado Novo (Leopoldo Peres), o governo Vargas demonstrava: “bondade,

245 LEVINE, Robert M. O Sertão Prometido: o massacre de Canudos no Nordeste brasileiro, 1893. São

Paulo: Edusp, 1995, p. 4. 246 Sintonia, nº 37. Manaus, julho de1943.

122

generosidade, magnanimidade, o dom por excelência de compreender e perdoar – e

perdoar até em conjunturas em que a falta de perdão seria escrita da justiça”.247

Como se vê, foi través da imprensa que essa ideologia foi transmitida de forma

mais direta. Mas esse controle não se fazia sem mecanismos formais e legais de controle, o

que explica o forte poder de atuação do Departamento de Imprensa e propaganda (DIP).

Censurando matérias contrárias ao interesse do Estado de um lado, de outro lado o DIP

fomentava e promovia a propaganda oficial, plantando notícias favoráveis ao varguismo,

inclusive fornecendo apoio financeiro, mantendo interlocução direta com um conjunto de

publicações empenhadas neste programa em cada Estado. Sintonia era uma dessas

publicações, e sem rebuços assumiu a meta de introduzir e fortalecer a imagem oficial do

regime varguista. A revista chegou mesmo a mostrar a existência de certa intimidade entre

Rigoberto Costa e o próprio presidente da República, através da informação de que ambos

haviam trocado telegramas elogiosos.:

O PRESSIDENTE GETÚLIO VARGAS E O NOSSO DIRETOR

Por ocasião do aniversário do Exmo. Snr. Presidente Getúlio

Vargas, a 19 de Maio último, acontecimento marcante em todo o País comemorou justa e festivamente, a quem hoje homenageamos em nossa capa, o nosso prestigioso diretor Odontolando (sic) Rigoberto Costa, dirigiu àquele mais alto pivô da Nação, o seguinte despacho radiográfico:

– Presidente Getúlio Vargas – Palácio do Catete – Rio – Em nome SINTONIA revista dos telegrafistas no meu próprio envio mais afetuosos parabéns data vosso natalício motivo satisfação todo bom brasileiro se orgulha um Brasil novo forte cujo ressurgimento grandeza se deve-vos... Respeitoso abraço – Telegrafista Rigoberto Costa – Diretor.

*** Agradecendo, S. Excia. o Chefe da Nação endereçou ao nosso

diretor, um expressivo cartão, cujos termos nos deixaram sobremodo sensibilizados e bem revelam a maneira lhana e cordial que caracterizam todos gestos do grande presidente, alem de estreita relação que o supremo chefe procura manter não só com os homens de imprensa senão com todos os cidadãos que sabem compreender a grandeza de sua obra reconstrutora da nossa nacionalidade.

Revelando ao nosso público, essa correspondência, embora entrando em choque com a modéstia simplista de quem norteia os destinos desta revista, sentimo-nos satisfeitos em saber que cumpriremos o nosso dever.248

247 Sintonia, nº 23. Manaus, 19 de abril de 1942. 248 Sintonia, nº 4. Manaus, junho de 1940.

123

Assim, a revista Sintonia procura mostrar, além de proximidade, fidelidade e apoio

ao chefe da nação, não por temor ou medo de represálias, mas por opção e convicção. A

revista também veiculou cartas e telegramas do corpo ministerial, ocorrendo um exemplo

dessa relação quando o Ministro da Justiça, a quem o DIP se subordinava, agradece a

gentileza do diretor em lhe enviar uma remessa de exemplares da revista.

Foi o próprio Marcondes Filho quem, utilizando-se do contexto de beligerância

internacional, definiu e exemplificou em decreto-lei os assuntos considerados

“antipatrióticos” e que não deveriam ser publicados e, de outro lado, aqueles que mereciam

difusão. Ações impatrióticas seriam as caracterizadas pelo:

Elogio aos regimes diferentes, porque importa em depreciação do

nosso... pensar e dizer o que o Estado deveria realizar e não realizou... reclamar a realização e reconhecimento das providencias é trabalho contra o Estado... publicar e divulgar o que dizem os estadistas e os jornais dos países inimigos não será obra de esclarecimento mas de derrotismo...249

Inversamente, Marcondes Filho preconizava também o que se deveria dizer:

“Falemos em brasileiros, no patriotismo dos brasileiros, nos deveres dos brasileiros, na

congregação dos brasileiros em torno do chefe da nação”.250

No Amazonas a revista Sintonia seguia a risca os ditames oficiais e sequer

questionava a censura. Pelo contrário, convivia em harmonia com ela, comentando a

indicação dos novos censores e lembrando a seus colaboradores/leitores que desejassem

contribuir com a publicação, deveriam se portar segundo os regulamentos do DIP:

A fim de satisfazer as exigências que regulam as atividades da

imprensa e da profissão de jornalista no país, encarecemos para que todas as colaborações que nos sejam enviadas venham devidamente acompanhadas do nome da residência dos respectivos autores, independentemente do pseudônimo por ventura adaptado. Prevalecerá para afeito da publicação o respectivo pseudônimo se isso aprouver ao colaborador; entendo que a prova da sua identidade é condição essencial e indispensável, para que os trabalhos enviados na devida consideração e conseqüente publicação. 251

249 Apud: CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em Cena. Propaganda política no varguismo e no

peronismo. Campinas, SP: Papirus, 1998, 187. 250 Ibidem, p. 188. 251 Sintonia, nº 4. Manaus, junho de 1940.

124

Tendo a Segunda Guerra Mundial como cenário, Sintonia não deixou de fazer a

crônica do impacto desse conflito no contexto Amazônico. Como é sabido, Getúlio Vargas,

após entabular no início dos anos 1930, uma política externa pendular, oscilando o foco de

atenção e interesse aos países Aliados e do Eixo, por fim optou por uma aproximação

maior com o governo norte americano, do presidente Roosevelt.252

Sintonia, em harmonia com todas as políticas estodonovistas, expressou total apoio

à entrada do Brasil na Guerra e a adesão do Brasil aos Aliados: “Sintonia, neste momento

decisivo para a história das Américas, exprime de júbilo, o seu inteiro aplauso e seu

irrestrito apoio à atitude do Chefe da Nação, no gesto brasileiro de solidariedade ao grande

país irmão, Estados Unidos da América do Norte, ante a agressão brutal de que foi

vítima”.253

Com efeito, os Estados Unidos mostravam-se preocupados com as oscilações de

Vargas, pois não “pretendiam, em hipótese alguma, deixar o Atlântico Sul sob influência

dos alemães”254. Vargas, contudo, não vendeu barato essa adesão e buscou auferir os

máximos benefícios financeiros e comerciais dessa relação. Além do apoio, cabia ao Brasil

deveria fornecer aos Estados Unidos matérias-primas necessárias no esforço de Guerra

então em desenvolvimento. Entre os principais produtos necessários a esse esforço estava a

borracha amazônica.

Com efeito, a situação se agravou ainda mais quando as áreas de produção

localizadas no Oriente estavam minadas e ocupadas pelos japoneses, fazendo da Amazônia

a única área produtora disponível aos Aliados. Graças à intervenção do Governo Vargas,

foram estabelecidos subsídios à nova imigração de trabalhadores, principalmente da região

do Nordeste para os seringais amazônicos. Esses trabalhadores passariam a ser

identificados pelo propagandismo oficial como se fossem verdadeiros soldados, só que

numa luta pela ampliação da produção. Eram, como mencionamos, os “soldados da

borracha”, por quem Sintonia passou logo a se preocupar.

Segundo a revista, o momento também seria oportuno para integrar a Amazônia

definitivamente a economia nacional e para promover o desenvolvimento da região, além

252 TOTA, Antonio Pedro. O Estado Novo. Op. cit., p. 51. 253 Sintonia, nº 20. Manaus, 30 de dezembro de 1941. 254 Ibidem, p. 53.

125

de viabilizar o povoamento do território com a entrada de imigrantes que neste momento

vinham de todas as partes do Brasil.255

Em relação à Batalha da Borracha a revista reforça uma imagem romântica do

seringueiro como um privilegiado, por poder contribuir com a pátria em guerra. Sua forma

peculiar de combate “era extraindo o ouro negro da nossa flora, para a salvação da

humanidade”256. Nesse movimento em prol do Brasil era preciso o engajamento de toda a

sociedade, daí a importância de se mostrar, como fez Sintonia, o próprio governador do

Estado, Álvaro Maia, arregaçando as mangas e enfrentando a labuta do seringueiro.

Imagem nº 31

Fonte: Sintonia, nº 37. Manaus, junho de 1943.

Mas o governo norte americano entendia ser necessário estabelecer com a América

Latina outros métodos que legitimassem sua influência econômica e política, passando

assim a difundir no Brasil e no continente sul americano os ideais do “american way of

255 Sintonia, nº 36. Manaus, maio de 1943. 256 Ibidem.

126

life”, que consistia num amplo programa de exportação de comportamento, gostos

artísticos e hábitos de consumo americanos.257

Gerson Moura, que analisou a atuação americana no Brasil, sustenta que essa

política de aproximação, foi fundamental para consolidação na influência norte americana,

tanto na esfera econômica quanto na esfera cultural, e que os resultados foram mais além

do esperado e programado: “A partir de 41, o Brasil foi literalmente invadido por missões

de boa vontade americanas, compostas de professores universitários, jornalistas,

publicitários, artistas, militares, cientistas, diplomatas, empresários e etc. – todos

empenhados em estreitar os laços de cooperação com brasileiros – além das múltiplas

iniciativas oficiais”. 258

Imagem nº 32

Fonte: Sintonia, nº 22. Manaus, 10 e março de 1942.

De acordo com Gerson Moura um dos métodos estratégicos para aumentar a

influência ideológica norte americana na sociedade brasileira foram diversos, mas os

filmes hollyoodianos e os desenhos animados da Disney (como os “três amigos”),

produzidos para estreitar os laços culturais, tiveram grande influência. Assim, as agencias

257 MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 11. 258 Ibidem, p. 11.

127

de notícias norte americanas preocupavam-se em enviar para a imprensa brasileira matérias

sobre os filmes que chegavam em todos os cantos do país, inclusive em Manaus ou mesmo

em cidades interioranas da Amazônia.

No bojo desse movimento, um dos maiores clássicos da indústria cinematográfica

norte americana (...E o vento levou), chegou a capa da revista (Imagem nº 32). Esse

interesse do público pelo cinema era efetivamente grande e Sintonia mantinha duas colunas

especiais sobre os filmes hollywoodianos: “No Mundo do Cinema” e “Últimas Notícias de

Hollywood”.

Sintonia acolheu essa política de projeção cultural-ideológica americana em suas

páginas, já que também era uma forma de aumentar suas vendas, uma vez que os filmes

norte americanos eram uma das maiores sensações do entretenimento da época. Assim,

informar os leitores sobre os bastidores e os artistas internacionais era uma estratégia que

garantia boa tiragem aos exemplares. Sintonia explorou ao extremo a visita de três dias na

Cidade de Manaus do astro cawboy George O’brien. 259

Também com muito entusiasmo, Sintonia comentava a “reciprocidade cultural”

pretensamente existente entre os dois países, explorando em suas páginas o sucesso de

Carmem Miranda, segundo a revista, representando no estrangeiro a “mulata brasileira”.260

Além do cinema, como era comum nas revistas de variedades, Sintonia também

reservava em suas páginas espaços destinados a literatura, visando atender duas

finalidades: explorar o interesse já estabelecido e a atenção do público leitor por esse

gênero, já que os contos, novelas e folhetins sempre apareciam distribuídos entre este tipo

de publicação. A outra era a promoção dos intelectuais e dos poetas que animavam a

literatura na sociedade amazonense e que tinham nesses periódicos seus espaços de

atuação. Assim, Rigoberto Costa seguia a trajetória iniciada por Clóvis Barbosa, com a sua

Redempção.

A veiculação de contos e de folhetins funcionava como um mecanismo de atração

do público, já que o estimulava a acompanhar o desenrolar das tramas, fazendo-o sempre

259 “Um astro do cinema visita Manaus”. Sintonia, nº 3. Manaus, março de 1940. 260 “O Brasil no Estrangeiro”. Sintonia, nº 24. Manaus, 30 de maio de 1942.

128

comprar o próximo número, o que também ampliava as vendagens e a manutenção da

revista. 261

Neste particular, Sintonia recorreu a fórmulas clássicas de angariar recursos, como

a venda por assinaturas, que chegava a vários Estados através da ação dos representantes

que vendiam pacotes semestrais e anuais. O que a diferia Sintonia, neste particular, das

revistas que a antecederam, é que mesmo que a revista destinasse grande parte do seu

espaço com publicidade paga, estava mostrava-se numericamente em pé de igualdade com

a propaganda oficial que a revista veiculava. O Estado, por meio das verbas de fomento

repassadas pelo DIP, era uma de suas grandes fontes de financiamento. Entre os outros

patrocinadores, destacavam-se os profissionais liberais, como dentista, advogados,

farmacêuticos, médicos e mesmo professores. A revista alegava, inclusive, não poder

prescindir destes patrocinadores, dado os custos elevados de sua produção, o que a fazia

buscar formar e manter uma boa relação com o seguimento comercial local, a quem, em

contrapartida, não negaria “apoio no tocante a propaganda da suas atividades, sem as quais,

difícil seria fazer face aos excessivos gastos e compromissos que tomamos para ver uma

publicação como esta em circulação”. 262

261 MAYER, Marlyse. Folhetim: Uma História. São Paulo: Cia das Letras, 1996. 262 Sintonia, nº 3. Manaus, março de 1940.

129

CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS

130

CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS

Em que pese todos os esforços havidos até aqui (e foram muitos!), a construção de

uma História da Imprensa no Amazonas mal começou sua caminhada e desafios diversos

ainda se colocam à sua frente. Esta dissertação tentou enfrentar um tema e uma lacuna na

escrita historiográfica amazonense (as revistas de variedades), mas de forma alguma

fechou questões.

Antes, nosso interesse foi fazer exatamente o contrário: abrir questões e o próprio

tema, para propiciar um debate que, com o tempo, resultará em sua melhor elucidação. É,

portanto, apenas um caminho iniciado, e mesmo este breve e restrito caminhar, esbarrou na

fronteira de minha capacidade atual de enfrentá-lo. As “receitas” e os caminhos

(metodológicos, teóricos) desenhados à partida, não impediram a emergência de frequentes

dúvidas e verdadeiras encruzilhadas conceituais. Se a recuperação da historiografia

brasileira sobre os impressos e, em especial, sobre as revistas, contribuiu fortemente, nem

por isso deixamos muitas vezes de nos sentir no escuro, pois a História da Imprensa que se

desenvolveu no Amazonas – e o mesmo se pode dizer para a História em geral – não foi

mera repetição da História da Imprensa carioca ou paulista, frequentemente entendida

como sendo a própria História Nacional.

A História da Imprensa no Amazonas, como já nos havia alertado Maria Luiza

Ugarte Pinheiro, seguiu outra periodização263, outros caminhos e, por vezes, sinalizava

para direções contrárias às histórias “nacionais” descritas e analisadas por historiadores da

envergadura de um Nelson Werneck Sodré, Maria Helena Capelato, Marco Morel ou

Juarez Bahia.

Trabalhos primorosos como o de Ana Luiza Martins, lançando mão de centenas e

centenas de títulos de revistas produzidas em diversos Estados da Federação, discutiram a

trajetória dos mais bem documentados sucessos editoriais da História da Imprensa

brasileira. Muito provavelmente sua envergadura “nacional” os afastava dos títulos mais

modestos e das trajetórias logo interrompidas. Assim, a revista Cá e Lá manauara sequer

encontraria espaço em publicações como essa, como de resto, nenhuma revista

amazonense aparece localizada nas listas ali reproduzidas, por maiores que fossem. A

própria Cá e Lá paulista, que inspirou os editores manauaras, tem na obra de Ana Luiza

263 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte. Op. cit. p. 58-60.

131

Martins, duas únicas inserções, constando apenas de registros em listagem de periódicos,

sem análise ou contextualização.264

Por esse motivo o enfrentamento do tema da História do gênero revista – e de sua

sub-especialização, as revistas de variedades –, tal como surgido e desenvolvido no

Amazonas é, de fato, outro tema, que não se mede pela mesma escala dos esforços

consagrados pela historiografia brasileira. Quase todos os periódicos que serviram de base

para a nossa análise na dissertação, sequer surgiram com o perfil já estabelecido como uma

“revista de variedades”, projetando-se neles, contudo, ao longo de suas trajetórias e, assim

mesmo, sem nunca terem usado o qualificativo de variedades.

Embora os títulos amazonenses tenham alcançado uma envergadura claramente

menor que a de muitas revistas do gênero no Brasil – ou mesmo insignificantes, a se tomar

como modelo a trajetória de revistas como O Malho, Fon-Fon!, O Cruzeiro, ou Manchete

– existiram em um meio onde foram recebidas, lidas e admiradas por seu público. Só isso

já nos parecia suficiente para delas nos ocuparmos neste trabalho. Como sustenta a

epígrafe, tomada de empréstimo de Machado de Assis, as coisas aparentemente pequenas

tem também algo de importante a dizer...

Nunca é demais argumentar que uma tal confrontação, seja de contextos (Rio de

Janeiro/São Paulo e Manaus), seja de impressos neles surgidos (O Cruzeiro ou Sintonia), é,

de fato, uma opção metodológica equivocada, tão somente porque é impossível tratar como

iguais, fenômenos que se medem por escalas próprias. Que critérios utilizaríamos, por

exemplo, para aferir um “contexto cultural”, hierarquizando-o ante os demais? Tentativas

grandiosas de hierarquizar, povos, sociedades e culturas – veja-se Arnold Toynbee e sua

hierarquia de civilizações265 –, resultaram todos em fracassos retumbantes, logo

identificados com abordagens discriminatórias e conservadoras, seja por seu elitismo,

eurocentrismo ou mesmo racismo mal disfarçado.

A trajetória de surgimento e desenvolvimento de revistas de variedades no

Amazonas foi única, dentre outras coisas porque nunca passou de uma fase mais

propriamente experimental, tal a dificuldade de consolidação que enfrentou e ainda

enfrenta. Afinal, nem mesmo nesta Manaus “moderna” de hoje, de economia dinâmica,

movimentada pelo Distrito Industrial da Zona Franca, as revistas de variedades se

estabeleceram, embora o público local consuma sofregamente títulos “nacionais” diversos.

Seria esta, então, a história de um fracasso?

264 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Op. cit., p. 173; 400. 265 TOYNBEE, Arnold. Um Estudo de História. 2ª ed. Brasília: editora da UnB, s/d.

132

Se nos ativermos às sucessivas interrupções, as contínuas metamorfoses, a

pequenez dos títulos, a ausência de experiências na atualidade, parece ser essa a impressão

predominante. Mas é também a história de sucessos demarcados, como o foram os

vivenciados por Redempção – em especial nos anos de 1931-1932 – ou por Sintonia, esta

última entre os anos de 1939 e 1943.

Foi dessas trajetórias conflituosas e densas e ainda não de todo recuperada das

poeiras dos arquivos ou das teias de aranhas da memória de uma sociedade que não

costuma cultuar seu passado, que quis me ocupar nestas páginas.

Como meu próprio objeto de estudo, as dúvidas me acompanham ao final do

trabalho, já que o encerro sem saber se consegui realizar o caminho idealizado à partida.

Fico com a idéia de que talvez não devesse agora pensar no destino traçado, mas na

viagem singular que empreendi. Como sugere o “Cantares” de Antonio Machado, aprendi

caminhando o caminho e para mim, ainda não é hora, nem de olhar pra trás, nem de parar.

134

FFOONNTTEESS

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Cá e Lá. Manaus, 1915-1917.

Jornal do Commércio. Manaus, 1917.

O Escritor. Manaus, 1934.

O Rionegrino. Manaus, 1923-1978.

Pará Ilustrado. Belém, 1960.

Pontos nos ii. Manaus, 1906.

Redempção. Manaus, 1924-1932.

Revista Amazonense. Manaus, 1923.

Revista Collegial. Manaus, 1906.

Revista da Academia Amazonense de Letras, 1918.

Revista da Associação Comercial do Amazonas. Manaus, 1908-1919.

Revista de Educação. Manaus, 1931.

Revista do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Manaus, 1917.

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Sintonia. Manaus, 1939-1943.

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* Consultamos um número grande de periódicos, mas aqui citamos apenas aqueles que foram mais representativos para o desenvolvimento da pesquisa.

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144

LLIISSTTAA DDEE IIMMAAGGEENNSS

Nº da Imagem

Descrição Página

01 Capa da Revista Médica do Amazonas 41 02 Capa da Revista de Educação 41 03 Capa da Revista Amazonense 42 04 Capa da Revista Collegial 43 05 Número do Jornal/Revista Ponto nos ii 61 06 Charge “Um Furo da Polícia” 63 07 Charge “Cadáver” 64 08 Capas variadas de A Nota 67 09 Fotografia de crianças em A Nota 69 10 Charge “Iscas com Elles”, de A Nota 70 11 Capa colorida da edição nº 9 de A Nota 70 12 Capa da edição nº 17 de Cá e Lá 78 13 Audiência do Governador na Universidade Livre de Manaus 80 14 Fotografia de criança em Cá e Lá 81 15 “Instantâneo Surpresa” em Cá e Lá 81 16 Homenagem de Redempção aos rebeldes do levante de 1924 85 17 Capas variadas de Redempção 86 18 As fantasias e os salões luxuosos do carnaval manauara em 1925 92 19 Cupom do Concurso de Redempção 93 20 Charge “Cousas do Concurso”, de A Nota 93 21 Vista aérea de Manaus, em Redempção 99 22 Charge “Nacional versus Rio Negro”, em A Nota 105 23 Equipe “brasileira” (nacional) de futebol Amador em 1913 106 24 Equipe “inglesa” de futebol Amador em 1913 106 25 Fotografia das Mulheres Associadas do Rio Negro Clube 107 26 Capas variadas de O Rionegrino 108 27 Capas variadas de Sintonia 114 28 Capa Sintonia com fotografia de Getúlio Vargas 120 29 Capa Sintonia com fotografia de Álvaro Maia 120 30 Capa Sintonia com fotografia de Getúlio Vargas 120 31 Capa Sintonia com fotografia de Álvaro Maia no seringal 125 32 Capa Sintonia com fotografia de ... E o Vento Levou 126