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Temáticas transdisciplinares Sessões especiais de orientação acadêmica ÉTICA E POLÍTICA Este texto de trabalho foi elaborado pelo Grupo SOA com vistas exclusivamente ao debate no âmbito do Pré-Vestibular Social Foto: Zsuzsanna Kilian. Disponível em: http://www.sxc.hu/photo/980459 Pré-Vestibular Social Grupo SOA • Suporte à Orientação Acadêmica

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Temáticas transdisciplinaresSessões especiais de orientação acadêmica

Ética e política

Este texto de trabalho foi elaborado pelo Grupo SOA com vistas exclusivamente ao debate no âmbito do Pré-Vestibular Social

Foto: Zsuzsanna Kilian. Disponível em: http://www.sxc.hu/photo/980459

Pré-Vestibular SocialGrupo SOA • Suporte à Orientação Acadêmica

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Prólogo

Dando início à proposta de debater assuntos relevantes no âmbito dos exames para in-gresso no Ensino Superior, destacamos uma temática que assume importância cada vez maior, tanto no enfoque das provas do Enem e vestibulares quanto na nossa vida cotidiana: a relação entre ética e política.

Na sociedade brasileira, é muito comum ouvirmos nas conversas entre amigos, na mídia ou em outros espaços diversas posições acerca das conexões entre estes dois temas. Em po-los opostos percebemos posições mais alienadas e outras consideradas engajadas. Os mais desencantados e descrentes tendem a reforçar a ideia de que as práticas do “mundo da po-lítica” nada têm de ético, que os princípios que orientam os dois campos são autoexcludentes e que, de fato, não há o que fazer sobre isso. Por outro lado, há quem defenda que a política deva se basear na ética, orientar-se por ela e, assim, resgatar o valioso papel que deve de-sempenhar em qualquer sociedade livre e democrática.

É realmente possível que a polarização entre essas perspectivas se explique pelas experi-ências ruins ou boas vividas individualmente. Entretanto, acreditamos que, muitas vezes, as opiniões derrotistas sejam alimentadas pela mera reprodução do senso comum. Por isso, nos interessa questionar algumas ideias que envolvem esta temática e que se tornaram cristaliza-das apenas pela ausência de refl exão e de informação. Assim, precisamos pensar: o que é ética? O que entendemos por política? Como a ética e a política se fazem presentes no nosso cotidiano? Podemos dizer que esses termos são neutros? Quais as interseções entre os dois temas? Por que, afi nal, esse assunto parece pertencer a um “outro mundo” que se distancia do nosso dia a dia?

Um aspecto comum à ética e à política é que ambas são construídas a partir da existência da vida em sociedade. Na verdade, são a ética e a política que defi nem os diferentes padrões de sociabilidade que já conhecemos ou aqueles que almejamos enquanto possibilidades a serem socialmente construídas. Por isso, o homem é considerado um ser essencialmente po-lítico, conforme afi rmava o fi lósofo grego Aristóteles. Assim, é preciso pensar sobre o tipo de sociedade que queremos construir, que achamos mais justa e melhor, o que, por sua vez, pressupõe o reconhecimento e a defesa de determinados valores morais.

Afi nal, a responsabilidade dessa escolha pertence a cada um de nós e deve ser exercida cotidianamente, de forma coletiva? Ou será que podemos e devemos conferir a outros o po-der de decidir e falar por nós? Ética e política fazem parte do nosso dia a dia e constituem conteúdos práticos dos quais não devemos abrir mão. É exatamente na medida em que nos posicionamos de forma passiva, acrítica e alienada diante destes campos que nos tornamos alvos de manipulação.

Para melhor qualifi car as referências sobre esse assunto, enfocaremos nas próximas pági-nas conceituações fi losófi cas e argumentos que nos permitam responder às questões anterior-mente levantadas. Buscaremos também problematizar diversos temas históricos e contempo-râneos que perpassam os calorosos debates acerca da relação entre ética e política.

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1 Pensamento fi losófi co e literário: construções históricas dos valores éticos e políticos

Os antigos fi lósofos ocidentais entendiam a ética como um campo do saber que permitia aos indivíduos estabelecer o melhor modo de viver e conviver, tanto em sua vida privada quanto na vida pública. Autores contemporâneos1 também afi rmam que a ética está direta-mente relacionada à necessidade de ajustar o comportamento individual aos interesses de determinada coletividade. A partir desse objetivo, e produzida na experiência de convívio cotidiano, a construção da ética leva a sociedade a refl etir sobre aquilo que entende como bom e sobre o que considera ruim. Defi nem-se, então, padrões de sociabilidade que devem orientar as condutas e relações entre indivíduos. Tais padrões podem estimular, por exemplo, práticas individualistas e imediatistas ou ações com referências coletivas e de longo prazo; podem naturalizar condutas de submissão e escravidão de outros seres ou almejar condições efetivamente emancipatórias e igualitárias para o conjunto dos seus integrantes.

No entanto, para muitas pessoas a noção de ética não está atrelada à sua construção social. Assim, concebem a ética, a moral e o conjunto de valores e regras de comporta-mento que as orientam como determinadas por forças maiores, como Deus ou a “natureza instintiva” dos homens. Essas interpretações naturalizam a existência moral e negam sua dimensão histórico-cultural. Na medida em que colocam a origem dos valores éticos acima das relações humanas, afastam a possibilidade de refl exão e de intervenção do homem sobre seus códigos.

A concepção que adotamos reconhece a existência desse vínculo essencial entre a vida em coletividade e a constituição da ética. Esta pressupõe a dinâmica das relações sociais e estabelece uma conexão direta com a política, entendida aqui no seu sentido mais amplo, como exercício individual ou coletivo de formular necessidades e interesses sociais, visando à realização dos mesmos.

Entretanto, como não costumamos dedicar muito do nosso tempo à observação e à análise de nossas práticas diárias, somos levados a pensar que nossas escolhas são “neutras” e que política é apenas aquilo que acontece nos atos dos governantes, nas assembleias legislativas, nas campanhas eleitorais, nas associações de moradores e nos grêmios escolares etc.

Outra distorção que encontramos frequentemente é a ideia de que política é “coisa suja” e, por isso, realizada por aqueles que querem obter “vantagens pessoais” a partir do po-der que outros lhes conferem. Assim, não havendo possibilidades de mudanças, restaria às “pessoas de bem” distanciar-se dessa arena, abdicando de exigir um posicionamento ético dos representantes e de agir em prol da transformação da sociedade em que vivem. Nosso propósito é justamente apresentar diversos argumentos e informações que permitam rever algumas dessas noções preestabelecidas, entendendo que ética e política são dinâmicas e, exatamente por isso, sempre passíveis de disputas e transformações.

1 Vazquez (1983) e Chauí (1995).

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O sentido político das atitudes e escolhasA política não está presente na vida social apenas na época das eleições. Todos os

aspectos da vida humana têm relação com a política, pois esta se materializa cotidia-namente em nossas atitudes e escolhas. Segundo o fi lósofo Wolfgang Maar (1994), a política é multifacetada e está presente quando se relaciona com o Estado, o poder, a representatividade, as ideologias, a participação, a violência. Também se encontra em qualquer espaço: sindicatos, igrejas, tribunais, escolas, salas de jantar ou reuniões de partidos. Dessa forma, a política é tanto o conjunto de atividades a que se dedicam os homens para coexistir, quanto o estudo objetivo dessas mesmas atividades.

Assim, as relações políticas não se dão apenas através da política institucionalizada, ou seja, pelo Estado. Nós produzimos e executamos política no nosso dia a dia, visto que, seja na esfera institucional, seja nas relações cotidianas, exercemos relações de poder uns sobre os outros, infl uenciando o que acontece ao nosso redor. As expressões “você precisa ser mais político” e “você precisa se politizar mais” demonstram diferentes sentidos que a po-lítica assume em nosso cotidiano, seja na relação interpessoal ou no exercício institucional.

É importante ressaltar que as escolhas que fazemos ou deixamos de fazer (dia-riamente ou em processos eleitorais) repercutem em todas as esferas de nossas vidas e modelam a sociedade em que vivemos. Mesmo o ato de se omitir, institucional ou cotidianamente, é um ato político, que pode derivar de um posicionamento consciente ou indiferente perante uma situação. A questão é saber quando isso resulta em que os outros escolham por você. As trajetórias de militância de Henri Thoureau, Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Malcon X e Martin Luther King exemplifi cam a ação política de indivíduos mesmo quando as instituições eram extremamente contrárias às suas posições. Esses personagens históricos atuaram conscientemente no seu cotidiano, con-tagiando outras pessoas e levando ao enfrentamento da ordem vigente.

Finalmente, o fato de ética e política serem dois campos entrelaçados sugere que as escolhas que tomamos podem ou não infl uenciar uma sociedade mais justa. Ao es-colher se posicionar contra ou a favor de determinado projeto, engajar-se ou não em uma causa, interferir ou não em determinada ação preconceituosa, estamos exercendo política e defendendo aquilo que acreditamos. Se a política é liberdade, como apontou a fi lósofa Hannah Arendt (1999), devemos buscar garantir não apenas a liberdade individual – tão valorizada nos dias de hoje –, mas também aquela relacionada ao conjunto, à comunidade em que estamos inseridos.

1.1 Pensamento fi losófi co: da democracia ateniense à sociedade capitalista

Ética é um campo de estudo e debate dentro da Filosofi a, que se corporifi ca em um conjun-to de normas que constitui a base moral das sociedades humanas. Assim, a atual noção oci-dental de ética foi fruto de uma construção histórica que contou com as refl exões de diversos pensadores. Estas, no entanto, só foram sistematizadas em normas de conduta social graças à ação política do conjunto de indivíduos. Nesse sentido, é importante acompanharmos um pouco da história do pensamento fi losófi co para conhecermos algumas das refl exões que mais se disseminaram nas sociedades ocidentais, inclusive a brasileira, construindo noções morais que são internacionalmente aceitas e que orientam a ação política.

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Desde a Antiguidade clássica, muitos fi lósofos se debruçaram sobre o tema. Para Platão, um dos principais estudiosos do assunto, as ideias fundamentais como o bem e o mal são imutáveis e deveriam ser alcançadas através da refl exão fi losófi ca. Já alguns fi lósofos sofi stas2afi rmavam a relatividade desses conceitos, acreditando que o julgamento de todas as coisas é feito pelo próprio homem. Por outro lado, em Ética a Nicômaco, Aristóteles defende que o objeto da ética é o estudo sobre o Sumo Bem, noção que deve orientar todas as ações humanas, como fi nalidade suprema. A busca da felicidade, para o indivíduo ou para a comunidade política, se encontraria no justo meio entre os extremos, na prudência e nos hábitos gerados pelo seu exer-cício. Assim, percebemos que a noção de ética, mesmo entre os gregos, não era um consenso.

Distintas interpretações também foram formuladas durante a Idade Média, época em que predominaram tratados sobre ética e política de teólogos da Igreja Católica, mar-cando o pensamento europeu com uma noção de moral baseada em princípios cristãos. Agostinho de Hipona afi rmou que o mal não era criação de Deus e que o livre-arbítrio dava ao homem a escolha de praticar o bem e levar uma vida virtuosa. Em A Cidade de

Deus, o autor defende sua visão da história hu-mana como um confl ito entre a cidade divina e a cidade dos homens, representando, respectiva-mente, a luz e as trevas. Sua ideologia baseada no maniqueísmo3, afi rmava que este confl ito es-tava destinado a terminar com o triunfo daqueles que se dedicam à verdade eterna sobre aqueles que se dedicam aos prazeres mundanos.

Agostinho de Hipona, considerado santo nas Igrejas Católica, Anglicana e Ortodoxa, também infl uenciou decisivamente os reformadores protes-tantes. Martinho Lutero foi sacerdote agostiniano antes de romper com o Vaticano, e João Calvino reconheceu em Agostinho de Hipona uma de suas principais infl uências. Sua obra representa, des-sa maneira, uma referência à moral cristã de um modo geral. Diz-se que Carlos Magno considera-va A Cidade de Deus sua obra favorita. A ética agostiniana não só infl uenciou governos desde então, como também inspirou estudos de muitos outros fi lósofos, como Arthur Schopenhauer, Frie-drich Nietzsche, Albert Camus e Hannah Arendt.

Sandro Botticelli foi apenas um dos muitos pin-tores de sua época a retratarem Agostinho de Hi-pona, considerado um modelo de intelectual cris-

2 Os sofi stas eram mestres que viajavam de cidade em cidade, na Grécia Antiga, realizando discursos públicos para atrair estudantes, de quem cobravam pela educação. O foco central dos ensinamentos dos mestres sofi stas eram o discurso e as estratégias de argumentação, e acreditavamque a “virtude” seria passível de ser ensinada aos seus discípulos. Protágoras (481-420 a.C.), Górgias (483-376 a.C.) e Isócrates (436-338 a.C.) são alguns dos mais conhecidos fi lósofos da escola sofística.

3 Doutrina fundada pelo profeta persa Manes (conhecido no ocidente como Maniqueu – 216-276 d.C.), que está baseada na oposição entre os princípios de Bem e Mal.

Santo Agostinho (c. 1480), afresco de Sandro Botticelli na Igreja de Ognissanti, Florença, Itália.Fonte: The Yorck Project: 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN 3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH. Dis-ponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:-Sandro_Botticelli_050.jpg – Acesso: 27/08/2013

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tão durante o Renascimento. Todavia, se a política esteve submetida à ética religiosa ao longo da Idade Média, o pensamento renascentista traria novas perspectivas sobre a relação entre ética e política. O mais criativo e infl uente teórico do século XVI foi Nicolau Maquiavel, cujos escritos submeteram a ética religiosa à experiência política.

Maquiavel não se prendeu à análise da política a partir de valores cristãos e destacou a importância da Fortuna (deusa pagã) e da virtù do governante. Afastando-se do maniqueís-mo presente nas concepções religiosas de “bem” e “mal”, a virtù representa para o autor a capacidade do governante de oscilar entre os extremos da moral, agindo de acordo com a circunstância. A virtude cristã não poderia ser adotada como modelo para a política e o vício fatalmente levaria o governante à perda do poder. É fácil perceber os motivos que levaram a Igreja Católica a incluir O Príncipe na lista de livros proibidos, o que não impediu que este se tornasse uma referência obrigatória na Ciência Política.

A Utopia de Thomas MoreDiferentemente da reação causada pela

teoria de Maquiavel, houve ampla aceitação da Igreja Católica e da sociedade cristã à obra de seu contemporâneo, Thomas More. Considerado um exemplo de vida virtuosa, regida pela moral religiosa, o chanceler bri-tânico manteve-se fi el ao catolicismo duran-te a reforma anglicana. Foi condenado por Henrique VIII à morte por decapitação após negar-se a fazer um juramento reconhecen-do a legitimidade do “Decreto da Sucessão”, o que implicava aceitar o divórcio de Henri-que VIII e Catarina de Aragão. Por manter--se fi el à sua consciência e ser martirizado por causa de sua fé, Thomas More foi beati-fi cado em 1886 e canonizado em 1935.

Em Utopia, More descreve as instituições da sociedade de uma ilha fi ctícia que teria sido conhecida pelo navegante Rafael Hi-tiodeu – que serviria como modelo para o esclarecimento e regeneração das cidades, reinos e nações da Europa. À época da fun-dação do império, Utopus havia decretado a liberdade religiosa, proibindo qualquer utopiano de prejudicar alguém por sua religião como meio para acabar com as guerras religiosas. O fundador da mítica república de Utopia considerou tirânico e absurdo constranger alguém a adotar uma religião por pensar que talvez Deus tivesse inspirado nos homens as diversas crenças. No entanto, os materialistas que não acreditassem na vida eterna seriam castigados, não receberiam o título de cidadão nem poderiam assumir cargos pú-blicos, uma vez que não teriam respeito pelas instituições sociais.

Xilogravura da ilha de Utopia. Fonte: http://www.accd.edu/sac/english/bailey/utopia.htmAutor: Ambrosius Holbein (1494–1519) Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Utopia.jpg> Acesso em: 05/02/2014.

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Um dos fundadores do liberalismo político4, John Locke, defendeu a soberania popular e o direito de depor um governante que desrespeitasse os direitos e liberdades naturais do homem, entre os quais fi gurava a liberdade religiosa. Para o autor, as religiões cristã, judai-ca e muçulmana deveriam ser aceitas na Inglaterra. Todavia, assim como Thomas More, ele repudiava os adeptos do ateísmo por não os considerar comprometidos com as práticas de conduta moral. Nesse sentido, reproduzia um princípio disseminado na sociedade protes-tante da época: em 1644, a legislação inglesa obrigava as autoridades a reunir os vadios, vagabundos e pedintes em igrejas durante o culto de domingo.

Dois autores nascidos no século XIX também contribuíram em grande medida para as refl exões a respeito da ética protestante e da política. O nobre francês Alexis de Tocqueville, após visitar os EUA na década de 1830, publicou o livro Da Democracia na América, em que descreveu os costumes da sociedade nova-iorquina, seu sistema prisional, sua economia e política. Tocqueville afi rmou que a opinião pública americana era particularmente dura com a falta de moral, que prejudicaria a harmonia doméstica e o sucesso nos negócios. Nos EUA, ser casto seria uma questão de honra e um requisito para a prosperidade pessoal. Da mesma forma, um desvio moral de um representante seria prejudicial para os negócios públicos. Em 1998, tivemos a oportunidade de verifi car a permanência desses valores na opinião pública estadunidense quando o presidente Bill Clinton foi duramente criticado por manter relações sexuais com a estagiária Monica Lewinsky. O escândalo levou o presidente a júri e causou grande desgaste de sua imagem, além de pedidos de renúncia por parte da oposição.

O economista e sociólogo alemão Max Weber, por sua vez, também contou com uma viagem aos EUA, por ocasião da Exposição Universal de St. Louis em 1904, para produ-zir a segunda parte de sua obra mais lida, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Para Weber, um aspecto que diferencia os protestantes dos católicos seria a preferência pela educação técnica em lugar da formação humanista. Isto estaria relacionado à mudança da concepção de “vocação” por Lutero, retirando o sentido de chamado ao sacerdócio e intro-duzindo o sentido de chamado de Deus para o exercício de uma profi ssão. Além disso, a ética econômica do capitalismo seria derivada da noção de predestinação do calvinismo. Diante da angústia de não saber se estaria condenado ou escolhido por Deus a ser salvo, o trabalho e o sucesso econômico apareciam como compromissos do crente e indícios de sua salvação. Ainda hoje, a defesa da propriedade individual pelo Estado aparece como um ele-mento fundamental da tradição política dos EUA, buscando incluir socialmente os cidadãos a partir da vinculação entre democracia e possibilidades econômicas individuais.

1.2 Abordagens literárias brasileiras: identidade nacional e subjetividade de valores

“O mito é o nada que é tudo”. Uma das leituras desse verso de Fernando Pessoa é a de que quando a história não alcança suas respostas, o homem recorre à literatura, à fi cção. É no processo artístico que seres humanos, dotados de suas paixões, buscam resolver ques-tões que extrapolam conceitos objetivos. Desse modo, os temas da política e da ética são recorrentes nas artes e, em especial, na literatura.

Em nosso país, por longos anos, a produção literária do cânone nacional esteve restrita a homens intimamente ligados às elites econômicas e políticas que dividiram seu tempo com

4 Este assunto também é abordado no capítulo Cidadania e Direitos Humanos.

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esse fazer e, consequentemente, encontraram nesta forma um meio legítimo de expressarem seus ideais políticos. Inúmeros autores, como Gregório de Matos em relação à Bahia colo-nial, destinaram longos versos à crítica da sociedade brasileira. Da condição de colônia que pagava altos impostos à metrópole, à luta pelo fi m da escravidão, como podemos ver na poesia de Castro Alves, muitas foram as demandas políticas, econômicas e sociais expressas em nossa literatura. Assim, há de se destacar o papel que a literatura desempenhou na busca da formação da identidade nacional dos brasileiros, ainda que seu alcance tenha sido histo-ricamente restrito aos segmentos letrados da população, exercendo menor infl uência entre os setores analfabetos e pauperizados.

No período que entendemos como Romantismo, a identidade nacional estava, através da poesia e de diversos romances, atrelada a uma visão subjetiva tanto da natureza de nossa pátria quanto da fi gura idealizada do índio. Essa imagem de que os solos do Brasil são extremamente férteis e que a fauna e a fl ora são exuberantes, não havendo no globo outra terra como esta, ainda permanece no ideário nacional. Mais do que isso, tornou-se um forte “marketing” do país no exterior, atraindo para cá, por exemplo, inúmeros imigrantes no início do século XX.

Por outro lado, também no contexto do início do século XX, autores como Lima Barreto, buscaram questionar a identidade nacional que se formava através de fortes críticas às desi-gualdades sociais. Inclusive, o referido autor lança a obra O triste fi m de Policarpo Quaresma que, dentre outras questões, aborda os malefícios do nacionalismo ufanista. Nesse mesmo sentido, e já infl uenciado pelas mudanças sociais ocorridas com a chegada dos imigrantes nesse período, Graça Aranha escreve o livro Canãa e, de forma original, levanta o debate sobre as tensões entre as diferentes etnias que formam o país. Com igual perspectiva crítica, os intelectuais e poetas responsáveis pela organização da Semana de Arte Moderna, em 1922, buscaram construir uma identidade nacional que refl etisse a realidade e o cotidiano do bra-sileiro. Eles foram responsáveis por trazer, por exemplo, para a literatura e para os círculos acadêmicos a valorização da língua brasileira, do português como por aqui falamos.

Segundo o fi lósofo Jean Paul Sartre (1993), “A prosa é utilitária por excelência; eu defi -niria de bom grado o prosador como um homem que se serve das palavras. [...] O escritor é um falador; designa, demonstra, ordena, recusa, interpela, suplica, insulta, persuade, insi-nua”. O autor pensa que ao criar um narrador/personagem este assume uma postura e com ela desvenda as coisas do mundo. Para ele, esse processo de desvendar, de refl etir sobre o mundo, apenas se completa quando o leitor lança mão da obra e a partir dela traça um novo olhar sobre o mundo. Assim, no processo de produção da literatura – quenão é destinado apenas ao autor, mas também ao leitor – residea refl exão e a construção subjetiva de valores morais e éticos. É nessa perspectiva que propomos a leitura de quatro textos da literatura bra-sileira que trazem em si a temática da ética como aspecto central: a crônica sobre o escravo Pancrácio, de Machado de Assis; o conto O homem da cabeça de papelão, de João do Rio; o conto A nova Califórnia, de Lima Barreto; e a crônica Mineirinho, de Clarice Lispector.

No dia 19 de maio de 1888, ou seja, seis dias após a abolição da escravidão, no jor-nal Gazeta de Notícias, Machado de Assis publica a crônica sobre o escravo Pancrácio e, com a ironia que é peculiar aos seus narradores, põe em discussão o futuro dos homens livres e, sobretudo, a moral e a ética dos antigos donos. Às vésperas da abolição, o senhor de Pancrácio se adianta e entrega ao escravo a alforria. Para a circunstância, prepara um jantar, manda chamar alguns homens da alta sociedade e faz a manumissão para que seu

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ato sirva de exemplo. Com o desenrolar da narrativa, percebemos que tanto a condição de Pancrácio não muda “De lá pra cá, tenho-lhe dado alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E o chamo de besta quando lhe não chamo fi lho do diabo; Coisas que ele recebe humildemente, e – Deus me perdoe! – creio que alegre.”, como os interesses do senhor são individuais “Tracei um plano. Quero ser deputado”. Esse senhor assume na crônica o papel metonímico da elite brasileira, que é criticada pela postura hipócrita diante da manutenção de comportamentos próprios da escravidão em nosso país e pelo uso político de seus atos aparentemente generosos.

Nessa mesma perspectiva, a relação entre indivíduos e sociedade é criticada por João do Rio em seu conto O homem da cabeça de papelão. De início, a personagem é apresentada como um ser “sem importância social” em oposição àqueles que podem ser classifi cados como seres importantes: príncipe, deputado, rico e jornalista. Ao colocar essas pessoas na mesma enumeração, podemos fazer a leitura de que, de alguma forma, esses homens estão intimamente associados ao poder. Além de opor a personagem a essas fi guras, Antenor é completamente diferente dos demais concidadãos em um aspecto importante: ele só dizia a “verdade verdadeira”. Da mesma maneira, agia para o bem “– Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...” e isso causava o espanto dos demais cidadãos, que estavam preocupados apenas com seus próprios interesses.

Cansado de ser criticado, de ser rejeitado por suas posições, de ser expulso de diversas ocupações por dedicar-se demais ao trabalho e de ser pressionado pela mulher que amava, Antenor decide trocar sua cabeça. Em um processo metafórico, ele troca sua cabeça por uma de papelão e, assim, ganha respeito e começa a galgar postos mais elevados na sociedade, chegando a ser eleito para um cargo legislativo.

Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adu-lava, falsifi cava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. [...] Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da Re-pública – a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.

Adaptado de: RIO, João do. O homem da cabeça de papelão. São Paulo: Hedra, 2012.

Com esse texto, podemos fazer a refl exão de que valores morais se modifi cam com as sociedades. Porém, é necessário notarmos que o exagero de valores tão opostos àqueles que no Brasil se convencionou como positivos trazem à tona duas importantes críticas: até que ponto há o respeito aos valores individuais quando estes se opõem ao pensamento vigente e até que ponto os valores sociais são postos em prática ou não passam de discursos marcados pela hipocrisia.

É na mesma tentativa de discutir a hipocrisia da sociedade, que Lima Barreto, em A nova Califórnia, cria uma situação extremamente peculiar: um alquimista é capaz de transformar ossos em ouro. A princípio, apenas os homens da elite local sabem disso, porém, interessados no ouro e na manutenção de seu poder, começam a roubar os ossos dos mortos da cidade e, assim, chamam a atenção dos demais cidadãos. Sem saber o motivo dos furtos, homens e mulheres organizam escalas para proteger o cemitério, uma vez que os ossos dos mortos

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devem ser respeitados. Entretanto, tudo muda de fi gura quando todos tomam conhecimento da técnica de transmutação. Os valores são deixados de lado e uma grande disputa pelos ossos começa. Fica-nos a refl exão: quanto valem os valores dos indivíduos?

Em uma sociedade cujas relações sociais estão intimamente atreladas ao dinheiro e à valo-rização do poder, não podemos deixar que valores como o respeito aos mortos, a honestida-de ou a liberdade, por exemplo, sejam sobrepujados por interesses, coletivos ou individuais, que levem à corrupção e que acirrem ainda mais as diferenças sociais entre os indivíduos. E é essa última refl exão que encontramos na crônica Mineirinho, de Clarice Lispector.

A crônica foi publicada em 1969, a partir de um fato policial verídico, ocorrido em 1962, data em que os jornais cariocas noticiavam a morte do assaltante Mineirinho, apelido pelo qual era conhecido o fugitivo José Miranda Rosa. Há dias procurado por mais de trezentos policiais, Mineirinho havia escapado do Manicômio Judiciário e jurado nunca mais voltar ao cárcere para cumprir sua pena de 104 anos. Acuado pela polícia, acabou crivado de balas e seu corpo foi encontrado à margem da Estrada Grajaú-Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Nessa crônica, Clarice Lispector discute a ética envolvendo o assassinato de Mineirinho e a relação com os crimes cometidos por esse homem. Antes de tudo, traz à tona a refl exão de como o sujeito pode se posicionar diante deste fato, em suas palavras, tem-se:

Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me fez ouvir o primeiro tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina – porqueeu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.

Adaptado de: LISPECTOR, Clarice. Mineirinho. In: LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.

Nesse sentido, esse texto coloca a dualidade que há entre o eu e o outro. Julgar o outro de uma perspectiva afastada é diferente de julgar a si mesmo. Só mudamos nossa postura quando nos entendemos como o outro, ou seja, quando nos colocamos na posição do outro. É esse o exercício proposto pela autora. De modo que afi rma, já no fi m de seu texto, que é necessária outra justiça.

Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento. Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guar-dado. Na hora de matar um criminoso – nesseinstante está sendo morto um inocente.

Adaptado de: LISPECTOR, Clarice. Mineirinho. In: LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.

Assim, com a breve análise dos textos propostos, entendemos que a literatura é capaz de sa-tisfazer lacunas sociais no que tange ao exercício da refl exão de valores muitas vezes tidos como previamente consagrados, ou seja, temos o costume de pensar que os valores são elementos anteriores às sociedades e não sofrem a infl uência dos homens no seu cotidiano. Propomos, por-

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tanto, a seguinte refl exão: em muitos casos, reproduzimos em nosso discurso e atitudes alguns valores, sem nos questionarmos se estes realmente são os nossos, se são frutos de uma refl exão coletiva ou individual. Apenas os reproduzimos. Como visto em outros momentos deste texto, os valores éticos se transformam ao longo dos diversos contextos sociais, cabendo às diversas gerações questioná-los e modifi cá-los. Nesse sentido, a literatura pode ser uma grande aliada.

2 Confl itos contemporâneos: interlocuções da ética e da política

Um importante elemento da conexão entre ética e política em qualquer que seja o contexto analisado é a disputa por poder. Sua infl uência é marcante na trajetória humana, que está repleta de embates ético-políticos. A maioria deles tem raízes históricas, ainda que apresen-tem novas características agregadas às antigas condições que os desencadearam.

A compreensão e o posicionamento crítico diante dos inúmeros confl itos contemporâneos dessa natureza nos demandam amplo conhecimento da realidade que nos circunda. Entre-tanto, o entendimento de alguns mecanismos que desencadeiam diferentes lutas por poder é relativamente simples. Quando há desigualdade de condições de existência entre integrantes de uma mesma coletividade ou entre distintos grupos, a tal ponto que uma parcela dos envol-vidos nesta relação se entende como em situação de desvantagem, instala-se uma conjuntura propícia a sua contestação.

Assim, tanto o questionamento de tais condições, por parte dos desfavorecidos, quanto a resistência para que elas sejam mantidas, por parte dos privilegiados, expressam disputas pelo poder para reconfi gurar, transformar ou perpetuar as relações sociais estabelecidas e os padrões de vida que elas produzem. Uma vez que são amparados por distintas noções de certo e errado, bom e ruim, bem e mal, importante e supérfl uo, esses confrontos revelam a permanente interlocução entre ética e política. Esta é mediada por mecanismos que ora buscam a construção de acordos, ora utilizam explicitamente a força e a coação como meios para alcançar os objetivos esperados.

Enfocaremos aqui esse tema a partir da referência concreta a algumas passagens contem-porâneas que integram o extenso acervo de experiências desse tipo, que, no nosso entender, expressam de forma clara a articulação entre ética e política. Nesse sentido, daremos espe-cial atenção ao nazismo, período que Hannah Arendt chama de “tempos sombrios”, entre outros da história humana, quando a barbárie, embora explícita, não era realmente vista por tantos; recordaremos os diversos movimentos libertários e pacifi stas que marcaram a década de 1960 e 1970, confrontando guerras e ditaduras truculentas e sanguinárias no mesmo contexto; destacaremos aspectos relevantes que perpassam a multiplicidade dos protestos populares que, com distintas intensidades e consequências, vemos eclodir desde 2011 em praticamente todos os continentes, conforme destaca David Harvey (2012).

Se, como foi dito, muitas dessas manifestações têm raízes profundas e remissivas a con-textos de disputas históricas longínquas, também é fato que o acirramento recente destes confl itos deu-lhes maior visibilidade. Movimentos antes enfocados por suas particularidades passaram a ser analisados através de questões e contraposições comuns, que são reprodu-zidas de forma global: a polarização entre miséria e riqueza, democracia e autoritarismo, liberdade emancipatória e conservadorismo excludente.

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Muitos julgavam que o mundo globalizado estava radicalmente transformado e conde-nado ao distanciamento face-a-face pelo implacável e quase tirânico impacto da tecnologia informacional que prioriza as relações virtuais entre pessoas e espaços. Paradoxalmente, as ruas de grandes e médias cidades voltaram a ser palco privilegiado de intensos confrontos, onde as profundas contradições que caracterizam as sociedades, em pleno século XXI, se materializam e reassumem feições humanas.

2.1 A suspensão dos direitos e os limites da ética em estados de exceção, guerras civis e internacionais

Embora haja uma relação íntima entre os conceitos de ética e política, também não pode-mos deixar de destacar as tensões naturais existentes entre estes campos. Um dos aspectos que podemos considerar mais tensos na relação entre esses temas diz respeito ao uso da violência pelo Estado.

O monopólio da força e o uso legítimo – ético – da violência são ideias defendidas por grande parte dos cientistas políticos e sociais como pré-requisitos para a defesa do conjunto da sociedade e manutenção da ordem. No entanto, vemos cotidianamente repetidos o abuso e o excesso no uso da violência, justifi cado em nome da maior efi cácia dos resultados pretendidos. Entendemos assim porque a questão da violência é um confl ito natural entre ética e política: a primeira não é operacional, não visa resultados, embora seja um meio para atingirmos a har-monia social; a segunda é prática, objetiva e visa à efi ciência máxima dos meios empregados.

Durante o regime nazista na Alemanha (1933-45), em nome do desenvolvimento indus-trial e da resolução da crise econômica, foram praticados terríveis abusos da violência por parte do governo. A falta de sentimento nacionalista e de comprometimento com o Estado totalitário, acusação feita pelos nazistas a ciganos, judeus, testemunhas de Jeová, entre outros grupos minoritários, serviu como argumento para que se desconsiderassem princí-pios morais e se abusasse da força. Os trabalhos forçados e a pena de morte impostos aos perseguidos nos campos de concentração permaneceram, todavia, ocultos à maior parte da população alemã da época. Transparência política é uma exigência da ética. A violên-cia praticada de forma oculta e negada nunca pode ser aceita pela moral, mas a pena de morte ainda é adotada e justifi cada eticamente em muitos países.

Baseado nas ideias de uma raça superior, o regime nazista realizou inúmeros experimen-tos, ditos científi cos, com grupos considerados impuros ou inferiores, como as minorias per-seguidas a que nos referimos ou anões, pessoas com Síndrome de Down etc. O médico Josef Mengele, conhecido como o Anjo da Morte, e outros médicos como Carl Clauberg, Aribert Heim, cometeram diversas atrocidades com suas cobaias humanas. Na tentativa de criar a raça perfeita, por exemplo, injetavam tinta azul no olho de suas vítimas.

Alguns experimentos resultaram em importantes contribuições para o conhecimento científi co. Podemos citar a descoberta da relação entre o tabagismo e alguns tipos de câncer, o desenvolvimento de fertilizantes, bem como de drogas contra bactérias e vírus. Porém, a maneira como esses resultados foram obtidos não foi orientada no que há de mais importante para a ciência, o respeito à ética. No estudo sobre o efeito do frio no corpo (hipotermia) prisioneiros eram colocados em tanques com água gelada por 3 ho-ras; sentiam seu corpo congelando até que a morte chegava. Alguns eram reanimados e colocados novamente a temperaturas baixas.

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A ciência nazista era pautada na higiene racial e pregava a eliminação de genes não aria-nos entre o povo alemão. Devemos ressaltar que os médicos que realizavam esses experimentos eram pessoas formadas em escolas tradicionais e respeitadas da Europa. Cabe então pergun-tar: afi nal, a ciência pautada sob um regime tão desumano é justifi cável e merece credibilidade?

Alguns cientistas querem usar os dados obtidos nesse período em suas pesquisas atuais. O professor Robert Pozos, da Universidade Estadual de San Diego, estuda o efeito do frio no corpo humano a fi m de elaborar a melhor maneira de reanimar pessoas congeladas. Porém, encontra um problema: seus voluntários podem morrer se a temperatura corpórea baixar demais. Assim, a única fonte de dados conhecida sobre pessoas nessas condições são os experimentos nazistas. Seria ético utilizá-los? Muitos defendem que não, pois esses expe-rimentos causaram dor, humilhação, mortes terríveis e careceram de parâmetros científi cos. Pozos acredita que para salvar vidas esses dados devam ser usados.

As revelações e os julgamentos dos experimentos nazistas provocaram debates que culmi-naram na criação do Código de Nuremberg. Ele norteia as diretrizes éticas na experimen-tação com seres humanos, preservando a dignidade, a autonomia e a integridade física dos voluntários envolvidos nas pesquisas, objetivando evitar abusos.

Einstein, moral e política

Einstein foi um dos cientistas mais notáveis do mundo ocidental. Podemos afi rmar isso porque ele não estava interessado meramente em fazer ci-ência, mas também se encontrava envolvido com questões políticas e sociais, principalmente aquelas que envolviam grandes tabus da humanidade como a coexistência pacífi ca entre povos diferentes e a garantia dos direitos humanos. Considerava-se so-cialista e pacifi sta, tendo participado diversas vezes de movimentos contra a guerra e pelo desarmamen-to nuclear. Seu famoso trabalho “Teoria Especial da Relatividade”, de 1905, foi autografado e leiloado para ajudar vítimas da Segunda Guerra Mundial.

O cientista afi rmava ainda que todas as religiões, artes e ciências funcionavam como ramos de um tron-co, e que deveriam levar o ser humano ao desenvolvi-mento e à busca pela perfeição, mas que na prática, acabavam por levar a um quadro de terror. A opres-são, a criação de leis arbitrárias e a perseguição de indivíduos por motivos religiosos acabam sendo aceitas em diversos países e tratadas como algo natural e con-sideradas decorrentes da vontade divina.

Para Einstein, todas essas questões estavam levando o mundo a um período de decadência, que fi cava mais claro na maneira como os homens reagiam às injustiças. Ele defendia o desenvolvimento das faculdades mentais de acordo com as capacidades individuais. A liberdade interior, condição para independência de pensamento, só seria alcançada com a educação.

Albert Einstein. Fonte: The Library of CongressFoto: Oren Jack Turner, Princeton, N.J. - Modifi ed with Photoshop by en:User:PM_Poon and later by User:Dantadd.Disponível em < http://en.wikipedia.org/wiki/File:Albert_Einstein_1947a.jpg > Acesso em 05/02/2014.

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Com a ascensão do governo nazista e a caça aos judeus, Einstein teve seus escritos queimadose começou a criticar o regime com vigor. Um ponto polêmico de sua bio-grafi a é a Carta Einstein-Szilárd, em 1939, dirigida ao então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. No documento assinado por Einstein e redigido pelo hún-garo Leó Szilárd, os físicos informavam sobre a possibilidade de construção de bombas atômicas na Alemanha, país que era líder na Física Nuclear. Sugeriam que os EUA também tomassem a dianteira nestas pesquisas. A carta é considerada uma das origens do Projeto Manhattan, através do qual foram construídas as bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagazaki. Einstein não trabalhou no projeto, mas morreria arrependido de ter assinado a referida carta.

Portal do professor Carlos A. Santos, do Curso de Física da UFRG: http://www.if.ufrgs.br/~cas/BIERMANN, Richard. Gigantes da Física. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

No Brasil, também temos um histórico de abusos da violência por parte do Estado, que, em determinados contextos, procura justifi car parte de suas ações, aquelas cometi-das explicitamente, em nome do bem público e da ordem social. Assim, a tortura e a exe-cução foram praticadas pelos governos militares em larga escala, embora não assumida pelos carrascos. A justifi cativa para esses atos foi política: a necessidade de reprimir a “ameaça comunista” no país. Uma vez que os comunistas eram taxados de ateus, a re-pressão violenta aos grupos políticos de esquerda teve como justifi cação moral a defesa dos valores cristãos da sociedade brasileira.

Se a política brasileira e sul-americana das décadas de 1960 e 1970 foi marcada pelos abusos no uso da violência por parte das ditaduras civis e militares, este também foi um perí-odo de grande mobilização pacifi sta internacional. Justamente em crítica aos excessos come-tidos pelos EUA na Guerra do Vietnã, a sociedade estadunidense e mundial organizou-se em defesa da paz e do fi m das atrocidades. A guerra é o domínio da antiética, pois seuprincipal objetivo é a derrota do inimigo, custe o que custar.

Os massacres de civis vietnamitas, a destruição das fl orestas do país com bombardeios de napalm e a contaminação do solo e dos rios da região com armas químicas foram alguns dos elementos que levaram a opinião pública mundial e dos EUA a criticarem duramente o governo estadunidense pela manutenção da guerra. Além disso, o fato da violência não atingir apenas o estrangeiro, ou seja, a constatação das famílias america-nas de que seus fi lhos em idade militar continuariam a ser enviados para o front, também foi importante para a mobilização pacifi sta. Uma geração inteira de jovens americanos foi exposta aos horrores da guerra e voltou para casa com traumas psicológicos, com le-sões graves que os incapacitaram, com dependência química, quando não em um caixão coberto com a bandeira americana.

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Movimento hippie, arte contemporânea e pacifi smo“Make Love, not war!” –

Esse lema do movimento hi-ppie representa bem como o corpo humano foi trabalhado de maneira política por uma geração de jovens ocidentais. Ao defender o amor livre, a juventude da época fazia, ao mesmo tempo, um repúdio à guerra e propunha a liberta-ção de alguns princípios éticos que regiam a sociedade em meados do século XX. Assim, a pregação de “paz e amor” re-vela uma contestação da guer-ra e da rigidez moral.

O casal John Lennon e Yoko Ono se destacou na luta paci-fi sta dos anos 1960 e 1970. Em 1969, aproveitaram-se da repercussão na mídia do seu casamento para organizarem em sua lua-de-mel uma ma-nifestação contra o alistamento para a Guerra do Vietnã. O “Bed-in for Peace”, como fi cou conhecido, consistiu em receberem a imprensa mundial na suíte em que estavam hospedados (primeiro em Amsterdã, depois em Montreal) para defenderem que ao invés dos jovens dos EUA se alistarem, deveriam fi car em suas camas – “Don’t go to war! Stay in bed!”.

Além de compor a canção “Imagine”, considerada um manifesto pacifi sta e uma das canções mais gravadas e tocadas em todo o mundo, John Lennon produziu muitas outras composições com esta temática após romper com o grupo “The Beatles” e ir morar com Yoko Ono no EUA. Uma das canções produzidas na frutífera parceria do casal foi “Happy Xmas (War is over)”, lançada no Natal de 1971. Essa foi a culminação de dois anos de ativismo pacifi sta do casal, que organizou manifestações em doze cidades do mundo com outdoors que diziam “WAR IS OVER! If You Want It – Happy Christmas from John & Yoko”.

Yoko Ono e John Lennon no Amsterdam Hilton Hotel, em 25 de março de 1969.Fonte: Nationaal Archief, Den Haag, Rijksfotoarchief: Fotocollectie Algemeen Nederlands Fotopersbureau (ANEFO), 1945-1989 - nega-tiefstroken zwart/wit, nummer toegang 2.24.01.05, bestanddeelnum-mer 922-2302 Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Bed-In - Acesso: 27/08/2013.

2.2 Xenofobia e nacionalismo: perseguições a minorias étnicas e religiosas

A despeito das difi culdades relacionadas à elaboração de um conceito, a Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias da Organização das Nações Unidas (ONU) defi ne minoria como: “Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição não dominante, cujos membros – sendo nacionais desse Estado – possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do resto da popula-ção e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua”.

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Muitos confl itos e guerras civis envolvem minorias, sobretudo as étnicas e religiosas. O Brasil foi constituído por grupos étnicos distintos, cuja convivência social foi atravessada por confl itos e preconceitos, propiciando, sobretudo, o desaparecimento de alguns grupos in-dígenas. Mas essa é uma situação comum a outras nações em diferentes contextos históricos.

No pós-Guerra Fria, emergiram confl itos de origem étnica e religiosa que adquiriram importância no sentido de explicar disputas por territórios ou por uma determinada ordem política. Esses confl itos podem envolver dois ou mais Estados – como a Guerra entre Armênia e Azerbaijão pela posse de Magorno-Karabakh, entre os anos de 1988 e 1994 – ecaracte-rizam-se como separatistas quando uma minoria ambiciona um território específi co do país ao qual pertence. Um exemplo disso é o movimento separatista basco na Espanha, que foi comandado pela organização clandestina Euskadi Ta Askatasuna (ETA) ou “Pátria Basca e Liberdade”, criada em 1959. No ano de 2011, o ETA divulgou uma nota ofi cial declarando o fi m de suas atividades armadas.

Existem ainda as guerras civis ou movimentos guerrilheiros objetivando a mudança de regime em inúmeros países. Na Argélia, desde 1989, no contexto da nova Constituição, a Frente Islâmica de Salvação reivindica a implantação do Estado teocrático. Outros confl itos e guerras civis têm como pano de fundo a oposição entre segmentos da religião muçulmana, como os sunitas, xiitas, alauítas e salafi stas. Destacam-se como mais sangrentos os casos da Síria e do Egito. Os interesses religiosos em disputa fi cam, no entanto, ofuscados na mídia, posto que as revoltas nesses países são apresentadas somente a partir de seus questionamen-tos ao autoritarismo político, como parte da chamada “Primavera Árabe”.

Importante ressaltar que tais confl itos não ocorrem apenas entre povos com distintas reli-giões, mas também podem surgir entre grupos de uma mesma religião. Assim como presen-ciamos embates entre cristãos católicos e protestantes desde a Europa moderna até o Brasil contemporâneo, o mundo islâmico também é marcado por confl itos entre minorias e grupos religiosos majoritários. Desde 2011, a Síria vive uma guerra civil com forte componente re-ligioso. Bashar al-Assad, presidente do país, é alauíta, enquanto a maioria da população é sunita. Já o confl ito no Egito não é explicado apenas pela questão religiosa, pois há quatro grupos distintos em luta: as forças armadas, os liberais, os salafi stas e a irmandade mu-çulmana. Em 2011, o ditador militar Hosni Mubarak foi deposto, seguindo-se a eleição de Mohammad Morsy, da irmandade muçulmana. Em 2013, o governo de Morsy também foi destituído, contando com a mobilização dos três primeiros grupos, e assumiu o poder uma junta militar. A irmandade muçulmana tem exercido, desde então, um papel desestabilizador em relação ao regime implantado pelas forças armadas.

Armas Químicas na SíriaA presente guerra civil na Síria já deixou pelo menos 100 mil mortos, destruiu boa

parte da infraestrutura do país e gerou uma crise humanitária regional. O presidente sírio Bashar al-Assad enfrentou recentemente uma rebelião armada que tentou derrubá-lo.

Após isso, diversas acusações de uso de armas químicas por parte do exército de Assad foram noticiadas. Em 2013, um vídeo amador, disponibilizado no YouTube, mos-trou pessoas, principalmente crianças, agonizando e sendo socorridas. Supostamente, seriam civis atacados com este tipo de armamento, que pode ter sido utilizado tanto pelo regime de Assad como por seus opositores.

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Ao que se indica, utilizou-se o gás “Sarin”, um composto organofosforado altamente tóxico. O contato com o gás causa vômito, sudorese, difi culdade respiratória, náuse-as, dores de cabeça, fraqueza e espasmos musculares (enfraquecimento dos múscu-los), além da incapacidade de sustentar funções básicas como respiração e batimen-tos cardíacos, levando a óbito. É absorvido através dos olhos, pele, e também pela ingestão ou inalação. Em concentrações de 200 mg de sarin/m³, age muito rápido no organismo causando a morte em poucos minutos.

Para que se tenha ideia da potencialidade dessa arma química, o Brasil é sig-natário de um acordo internacional que proíbe a fabricação ou utilização de tal substância, inclusive para fi ns científi cos, em seu território. A questão da proibição do uso de certos compostos, mesmo que para fi ns científi cos, pode acarretar certa vulnerabilidade ao país. Em contrapartida, gera uma imagem de país politicamente correto frente ao cenário mundial.

De todo modo, cabe o seguinte questionamento: qual seria o limite da ética científi ca no uso de compostos extremamente letais em prol do desenvolvimento ou socorro da sociedade?

Outra fonte de confl itos que envolvem religião e etnia no interior de comunidades na-cionais é o fenômeno da xenofobia, palavra de origem grega que signifi ca antipatia ou aversão a pessoas e objetos estrangeiros, estranhos à realidade de determinado grupo social. Como o preconceito, a xenofobia acontece quando há racismo ou aversão em re-lação à cultura, à opção sexual etc. O apartheid na África do Sul (1940-1990) resultou de um movimento de segregação racial, no qual limitaram-se os direitos da maior parte da população, que é negra. Mesmo após o término desse regime, verifi cam-se na África do Sul, os movimentos xenofóbicos, agora não somente devido à cor da pele, mas tam-bém contra imigrantes de países vizinhos.

Com o advento da globalização, em que o intercâmbio de pessoas e mercadorias se inten-sifi ca, os movimentos xenofóbicos contra imigrantes tornaram-se mais frequentes em países desenvolvidos, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, posto que esses migrantes, em geral muito pobres, são vistos como concorrentes no mercado de trabalho e nos benefí-cios sociais que esses países podem oferecer. Além disso, a aversão aos imigrantes árabes, sobretudo os mulçumanos, deve-se ao fato de que estes são portadores de uma religião e de costumes distintos daqueles da cultura ocidental.

No Brasil, pode-se também observar a xenofobia em sua história. No contexto da Independência, por exemplo, o sentimento de aversão era comum em relação aos portu-gueses. Com a entrada de outros imigrantes no fi nal do século XIX e início do XX, a discri-minação passou a atingir também outros grupos: espanhóis, italianos, sírios, japoneses etc., que disputavam o mercado de trabalho com os brasileiros. As acusações contra estrangeiros considerados perturbadores da ordem da República levaram a medidas re-pressoras, como as sucessivas leis do senador Adolfo Gordo, a partir de 1907, determi-nando a deportação de militantes anarquistas de outras nacionalidades. Recentemente, com os fl uxos globalizados, a discriminação que sofrem os trabalhadores estrangeiros é forte, mesmo quando se trata de segmentos mais qualifi cados. Isso se evidenciou, ao longo de 2013, com a reação que tiveram as associações médicas em torno do Progra-

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ma Mais Médicos, pautado para o preenchimento de vagas ociosas no Sistema Único de Saúde (SUS) no interior do Brasil por profi ssionais estrangeiros, sobretudo cubanos.

Muitas vezes, a aversão ao estrangeiro tem origem em um discurso nacionalista ou está associada a este. O nacionalismo consiste em uma ideologia e movimento político, que expri-mem a crença na existência de certas características comuns em uma comunidade, nacional ou supranacional, e o desejo de modelá-las politicamente. Não existe nada de amoral no amor à sua terra pátria ou ao seu povo, manifesto atualmente de maneira muito forte nas Copas do Mundo de futebol, por exemplo. Porém, quando este nacionalismo leva a práti-cas xenofóbicas, não pode ser tolerado do ponto de vista ético. No início do século XX, o ultranacionalismo emerge associado com teorias racistas, como na Alemanha (o nazismo apresentava-se ao povo alemão como nacional-socialismo), na Itália (fascismo) e no Japão. Desse ultranacionalismo, decorreram os mais variados abusos, que observamos no item 2.1.

2.3 Democracia e corrupção: a ética em confl ito na sociedade brasileira

As concepções de política e de ética e seus desdobramentos histórico-sociais até aqui desenvolvidos nos dão as bases necessárias para analisar a forma como essas questões emergem e são tratadas no cenário brasileiro. Este é o momento de olharmos para a história recente do país em busca das causas dos problemas políticos e da crise ética por que passam as instituições nacionais, assuntos regularmente tratados pela mídia.

A luta dos movimentos sociais pela redemocratização, no início da década de 1980, tomou as ruas das principais cidades do país. O movimento das “Diretas Já!” exigiu o re-torno das eleições diretas para a presidência da república. Assim, o direito de livre escolha de candidatos nas eleições, motivado por razões políticas e ideológicas, apareceu, naquele momento, como um necessário contraponto às obscuras práticas institucionais alimentadas até então pelo Estado sob o regime militar.

Esse desejo de mudança culminou na instalação de uma assembleia constituinte para a formulação de uma nova Constituição que correspondesse às inovações sociais, econômicas, jurídicas e políticas necessárias ao país. A partir da Constituição de 1988, portanto, desde a educação às garantias trabalhistas, várias conquistas têm sido alcançadas, como a diminui-ção da taxa de analfabetismo e o aumento dos direitos dos trabalhadores domésticos. Entre-tanto, precisamos reconhecer que o Brasil ainda não consolidou em plenitude uma tradição democrática que, efetivamente, garanta os direitos individuais e a pluralidade de opiniões.

Recentemente, a pressão popular vem evidenciando diversas distorções éticas na con-dução política dos interesses democráticos da sociedade brasileira. O país tem sido palco de denúncias que enfocam a ruptura com o respeito à ética por parte do Estado diante da população, dando visibilidade aos abusos repressivos, tanto no período da ditadura militar, quanto no contexto posterior. Temos visto a eclosão de movimentos e campanhas como “De-saparecidos da Democracia”; “Marcha Nacional contra o Genocídio do Povo Negro”; “Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência”, entre outros.

Nesse mesmo sentido, a luta contra a corrupção aparece como bandeira bastante ampla na sociedade brasileira. Diversos setores têm se organizado para fi scalizar a gestão do dinheiro público e denunciar a conduta de maus administradores. O Poder Judiciário vem absorvendo essas demandas ao aumentar o rigor de mecanismos que visem à transparência da Administração Pública, como a proibição do nepotismo.

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Vale destacar que movimentos dessa natureza originaram um projeto de lei, de iniciativa popular, que tenta barrar ou difi cultar a candidatura de pessoas com antecedentes crimi-nais ou que estejam respondendo a processo judicial. Surgiu, então, a Lei da Ficha Limpa5, julgada constitucional pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro de 2012, e que passou a valer nas eleições municipais do mesmo ano. É importante dizer que a lei foi um grande avanço para o processo eleitoral no nosso país, mas que, sozinha, não consegue garantir a organização de eleições totalmente limpas. Por isso, é necessário que toda a sociedade fi scalize a atuação dos ocupantes de cargos públicos e se informe sobre a vida pregressa do candidato em quem pretende votar.

Outra questão recorrente nos noticiários brasileiros são as denúncias de autoridades acu-sadas de improbidade administrativa. Trata-se de uma imoralidade qualifi cada, isto é, uma conduta antiética praticada apenas por quem ocupa cargo público, seja servidor efetivo ou não, contra a gestão pública. A lei de improbidade administrativa6especifi ca as punições aplicáveis ao agente que, no exercício da sua função ou cargo, viole os princípios básicos da administração estatal, tais como moralidade, impessoalidade, publicidade dos atos adminis-trativos e legalidade, descritos no artigo 37 da Constituição Federal.

Um elemento relacionado à improbidade administrativa é o nepotismo. Como vimos, a moralidade deve ser uma das qualidades inerentes a qualquer administração do bem públi-co, especialmente quando a política é o pano de fundo das relações entre os indivíduos. Por defi nição, o nepotismo ocorre quando um gestor público aproveita a sua posição e nomeia parentes para funções qualifi cadas na cúpula da gestão. É o exemplo mais do que conhecido de um prefeito que nomeia o seu irmão para o cargo de secretário de obras do município ou a esposa para a secretaria de educação etc.

Cabe, assim, destacar o aumento da importância do papel da mídia como mediadora dos grandes debates de interesse público. Em alguns casos, essa mediação é positiva, quando os desvios de comportamento de políticos e autoridades são denunciados pelos diversos veículos de comunicação. Por outro lado, as grandes corporações do meio da comunicação social, muitas vezes exploram esses escândalos políticos, não necessariamente para prestar um ser-viço de interesse da população, mas para respaldar interesses de grupos dominantes. Isso fi ca claro quando, não raro, constatamos o modo como jornais e emissoras de TV qualifi cam os ativistas brasileiros como vândalos, enquanto tratam as manifestações em outros países de forma positiva. Alguns críticos analisam essa prática comparativamente ao contexto da ditadura militar, quando militantes de esquerda eram classifi cados e perseguidos como terro-ristas. Essa tensão passou a ser mais evidenciada a partir da intervenção de diversas formas de mídias alternativas que ganham espaço com a divulgação de pensamentos críticos e a veiculação imediata da informação através dos meios virtuais. É importante que não rece-bamos passivamente o que é veiculado pela grande imprensa. Fiscalizar o papel da mídia, cobrando transparência e pluralidade faz parte do exercício da cidadania.

Nesse sentido, é preciso que se note a importância do papel daqueles que trabalham nos veículos de comunicação: a simples escolha da pauta a ser publicada pode ser considerada um ato político. Há no Brasil, uma falsa ideia de que a boa imprensa é neutra. Porém, essa neutralidade é uma ilusão, já que essa área também é atravessada por relações de poder que nos impõem o consumo de notícias previamente selecionadas. Ao longo de nossa história,

5 Lei Complementar nº 135/2010.6 Lei nº 8429/1992.

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a grande mídia foi responsável por infl uenciar diversas decisões políticas importantes. Na imprensa, e até mesmo no nosso dia a dia, a escolha das palavras remete a diversos posi-cionamentos políticos. Há, portanto, uma grande diferença entre dizer “Fui assaltado por um trombadinha” ou “Fui assaltado por uma criança em situação de rua”. Não se trata de nos adequarmos ao politicamente correto, mas de perceber que nossas posições políticas, como as dos diversos meios de comunicação, passam pelo discurso.

Em função de distorções, muitas vezes alimentadas pelo discurso midiático, é comum a reprodução da opinião generalizada e apressada por grande parte das pessoas sobre gover-nantes e representantes: “todo político é corrupto”. É claro que esse julgamento não refl ete a realidade, pois existem pessoas eticamente comprometidas na política. Contudo, as inúmeras denúncias de corrupção, que envolvem desvio de dinheiro público, apropriações indevidas, superfaturamento de contratos com empreiteiras e fornecedores, pagamento de propina a au-toridades, tráfi co de infl uência etc., reforçam a ideia de que não existe seriedade na forma de fazer política no Brasil. A crise ética instalada atualmente no meio social encontra base numa cultura política marcada por práticas patrimonialistas, coronelistas e clientelistas, que sempre reforçou o hábito da preservação do privilégio e do querer “se dar bem” em qualquer situação.

Associada à ideia de falta de honestidade, a corrupção é uma realidade que, obviamente, supera os limites geográfi cos da capital federal e alcança a vida de qualquer pessoa, seja no trânsito ou no “jeitinho” para se conseguir uma vantagem, por exemplo. Este quadro fi ca agrava-do, quando o mesmo sujeito reproduz no seu dia a dia, a má-fé que tanto critica nas ações dos políticos. Consequentemente, além do problema ético nas relações interpessoais, uma parcela da população do nosso país também é marcada por um comportamento que prefere não enxergar as pequenas “exceções” ao modelo ideal de honestidade, desde que ninguém fi que sabendo.

O “jeitinho brasileiro” e o indivíduo frente à ética nacionalVocê provavelmente já foi ou conhece

alguém que tenha sido parado numa blitz e, diante dessa situação, conseguiu ne-gociar com o policial para que não fosse penalizado devido ao descumprimento de alguma lei de trânsito. Essa forma de agir nos revela uma conduta comum no Brasil: o chamado “jeitinho brasileiro”. Esta prática é vista como um meio de solucionar alguns casos através da abertura de exceções em função de relações pessoais entre os envolvidos, como no exemplo acima, em que se burla a fi scalização. O crítico literário Roberto Schwarz ressalta que o “jeitinho” é tam-bém a forma como é conhecido “o favor”, que tem orientado as relações interpessoais no Brasil, sendo parte de nossa cultura política. Segundo esse autor, em termos políticos, fazer uso do favor implica abdicar de relações pautadas em direitos. O “jeitinho”, tam-bém pode ser entendido como resultado da criatividade ou habilidade do brasileiro em conseguir uma alternativa frente a situações adversas. Por outro lado, a mesma atitude pode ser interpretada como uma forma de corrupção, ao passo que o indivíduo não se

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vale da ética para solucionar problemas. Esse modo de resolver problemas cotidianos revela a “malandragem” como uma opção individual de proceder perante a sociedade.

A postura do indivíduo frente à ética nacional muitas vezes não está em consonância com as leis prescritas para o país. A sociedade brasileira possui matriz aristocrática, ainda que as posições de poder possuam certa relatividade no país. Para exemplifi car, podemos tomar a interrogativa autoritária clássica: “você sabe com quem está falando?”. Este mecanismo distingue pessoa onde antes só havia o indivíduo e defi ne suas posições no sistema social, revelando uma separação radical e autoritária entre duas posições sociais, real e teoricamente, diferenciadas. Essa expressão foi discutida com propriedade pelo antropólogo Roberto DaMatta em sua obra Carnavais, Malandros e Heróis (1997).

http://www.youtube.com/watch?v=MZZdNxETx8g Acesso em: 21 ago. 2013.http://www.ceap.br/material/MAT20082012200620.pdf Acesso em: 21 ago. 2013.

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Considerações fi nais

É bem verdade que as tensões naturais entre ética e política, como os excessos de violência e a corrupção, sempre acompanharam o desenvolvimento tecnológico e material da humani-dade. Por sua vez, as utopias surgidas das refl exões de fi lósofos, transformadas em bandei-ras sociais, serviram como princípios morais para as regras de sociabilidade, viabilizando grandes avanços, e ainda podem nos servir de inspiração para ousarmos forjar novas uto-pias que nos orientem na luta pela redução ou eliminação dos desvios verifi cados ainda hoje.

A atualidade de se pensar a ética está em buscar essa orientação, em construir um farol que nos indique o caminho que precisamos percorrer em meio às tormentas e à escuridão para estabelecermos uma política e uma economia amparadas em princípios morais univer-salmente reconhecidos. Para isso, não podemos abrir mão da esperança, dos sonhos e de acreditar em utopias. Por mais que a política a que estamos habituados pareça muito afas-tada de qualquer princípio ético, não podemos deixar de lutar por uma política pautada na transparência e que rejeite a corrupção como um elemento natural das relações de poder.

Os acordos parlamentares são parte integrante da democracia brasileira, uma vez que a composição de uma maioria legislativa é condição necessária ao funcionamento do nosso sistema presidencialista. Pode-se dizer que é preciso certo “jogo de cintura” para conseguir governar. A troca de votos de vereadores, deputados e senadores por investimentos ou gastos públicos de interesse político pessoal pode merecer a aprovação da opinião pública, caso esta tenha conhecimento do preço e das condições acordadas. No entanto, não podem ser aceitos acordos feitos às escondidas, uma vez que o encobrimento das transações só pode signifi car a não aceitação das condições do acordo pela moral.

Já foi dito que a política não acontece somente nos grandes espaços institucionais nem é realizada apenas por políticos profi ssionais. A falta de transparência nos acordos que faze-mos com colegas no ambiente de trabalho, quando precisamos nos ausentar ou de uma subs-tituição não permitida pelas regras contratadas, demonstram que uma visão mais elástica da moral não é privilégio da classe dirigente. É comum vermos ser reproduzida uma lógica segundo a qual a sociedade brasileira estaria naturalmente dividida entre “malandros” e “manés”, e caberia a cada um de nós escolher o que prefere ser.

Além disso, contribuímos para a falta de transparência no próprio meio político quando premiamos com o nosso voto aquele candidato que utiliza uma grande dose de mentira elei-toral. De fato, um candidato cujo excesso de realismo e sinceridade beire o pessimismo não será capaz de arrebanhar muitos votos numa eleição. No entanto, não podemos deixar de exigir que as promessas de campanha sejam verdadeiras, fundadas em valores amplamente aceitos e utopias sonhadas coletivamente.

Outro aspecto a ser considerado na formulação de uma ética para o século XXI são os sistemas econômicos. Esses precisam ser projetados levando em conta a importante função de distribuição das riquezas geradas pelo conjunto da sociedade e não ter sua efi cácia medida apenas enquanto capacidade de concentrar e multiplicar recursos nas mãos de poucos indiví-duos. Não é justifi cável do ponto de vista ético uma política econômica que não se preocupe com a coletividade.

Uma das questões que mais chama nossa atenção e demanda uma mudança urgente de postura da comunidade internacional está relacionada ao consumismo. Os avanços tecnoló-gicos da atualidade permitiriam que lutássemos por uma redução na jornada de trabalho, o

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que já ocorreu em outros momentos do desenvolvimento capitalista. Por exemplo, a redução da jornada de trabalho nas repartições públicas do México para 6 horas diárias (e 30 horas semanais) proporcionou um maior tempo livre para os trabalhadores. Cabe a cada um esco-lher o que fazer deste tempo conquistado: trabalhar mais para acumular mais ou dedicar-se ao “ócio criativo”, à formação intelectual e à educação moral. Além disso, a jornada de tra-balho permitiu a criação de dois turnos nas repartições, que passaram a funcionar 12 horas diárias, atendendo mais pessoas e gerando mais empregos.

Vale ressaltar que na ilha de Utopia, conforme concebida por Thomas More, mesmo ha-vendo um desenvolvimento muito menor das forças produtivas, a jornada de trabalho era de seis horas diárias. No entanto, esta luta fi ca em segundo plano na maioria das reivindicações trabalhistas contemporâneas. O hiperconsumo, estimulado desde a infância a partir de pro-pagandas enganosas e apelativas veiculadas pela mídia, leva os homens a focarem a luta por um maior salário que os permita consumir mais.

Assim como os diversos pensadores da história ocidental fi zeram em suas épocas, algu-mas pessoas se dedicam atualmente a refl exões sobre princípios éticos que orientem a polí-tica no tempo presente. Um exemplo é o político e engenheiro econômico Roberto Saturnino Braga, que em um livro chamado Ética e política, procura pontuar algumas questões que sirvam como orientação para a construção de uma ética para o século XXI: a) o aperfeiçoa-mento da democracia a partir da participação direta do povo em decisões importantes e na fi scalização da política; b) a intolerância com relação a desigualdades estruturais, que geram humilhações e violências; c) o desenvolvimento de uma economia mista, que faça a mediação entre a competição e a cooperação; d) a eliminação do desemprego e da miséria; e) o resga-te dos valores humanísticos para uma educação que não estimule apenas a produtividade e a efi cácia; e f) o fi m do fl agelo da guerra e da destruição humana e ambiental que ela provoca.

Não há como reverter o processo de globalização econômica: ele não só é defi nitivo em termos de tecnologia e informação como, no balanço fi nal, é altamente positivo para os destinos da humanidade como um todo; impensável uma reversão. Esta realidade tor-na algo inócua a proposição de novos modelos para um só país, a não ser sob a forma de projetos limitados no seu alcance. A ideia de um projeto nacional brasileiro, tão cara até tempos recentes, vai-se tornando cada vez mais estreita. O novo modelo requer uma presença mais efetiva da política sobre o mercado, e a globalização do mercado deman-da a mundialização da política.

BRAGA, Roberto Saturnino. Ética e política. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

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