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Rev. TST, Brasília, vol. 78, n o 3, jul/set 2012 17 TELETRABALHO TELESSUBORDINADO, DEPENDENTE E POR CONTA ALHEIA: REENGENHARIA DOS REQUISITOS DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA Emília Simeão Albino Sako * 1 – INTRODUÇÃO A tecnologia chegou às empresas e o teletrabalho passou a ser adotado como vetor de produção. As novas tecnologias possibilitam que o tra- balho possa ser prestado a partir de qualquer lugar, longe às posições pessoais de comando e direção empresariais. As redes de comunicação possibi- litam a realização do trabalho do modo idealizado pelo tomador, fazendo com que a natureza jurídica do teletrabalho situe-se em difícil zona de determinação, pendendo ora para o trabalho subordinado, ora para o trabalho autônomo. No teletrabalho os requisitos da relação de emprego não são visíveis como nas relações de emprego consideradas normais; o controle, centrado agora na produ- ção, e não mais na pessoa do trabalhador, é feito a distância, muitas vezes, pela própria máquina (computador, celular, etc.). A maior independência funcional, a descontinuidade, que não se confunde com eventualidade, e a flexibilidade da pessoalidade exigem novas interpretações dos requisitos da relação de emprego, especialmente da subordinação jurídica, imanente dos vínculos empregatícios, a fim de que os teletrabalhadores não se mantenham indefinidamente na economia informal. Os traços predominantes e característicos do teletrabalho só aparente- mente dificultam a aferição dos requisitos da relação de emprego. 2 – REQUISITOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO NO TELETRABALHO O vínculo empregatício se manifesta quando presentes na relação entre o prestador e o tomador de serviços os requisitos do art. 3º da CLT 1 . No trabalho * Especialista em Ciência Política e Desenvolvimento Estratégico pela UNOPAR – Universidade Norte do Paraná; mestre em Direito Negocial pela UEL – Universidade Estadual de Londrina; doutora em Direito Social pela Universidad de Castilla La-Mancha (Espanha); juíza do trabalho da 9ª Região. 1 Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a em- pregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

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  • Rev. TST, Braslia, vol. 78, no 3, jul/set 2012 17

    TELETRABALHO TELESSUBORDINADO, DEPENDENTE E POR CONTA ALHEIA: REENGENHARIA DOS REQUISITOS DA

    RELAO EMPREGATCIA

    Emlia Simeo Albino Sako*

    1 INTRODUO

    Atecnologia chegou s empresas e o teletrabalho passou a ser adotado como vetor de produo. As novas tecnologias possibilitam que o tra-balho possa ser prestado a partir de qualquer lugar, longe s posies pessoais de comando e direo empresariais. As redes de comunicao possibi-litam a realizao do trabalho do modo idealizado pelo tomador, fazendo com que a natureza jurdica do teletrabalho situe-se em difcil zona de determinao, pendendo ora para o trabalho subordinado, ora para o trabalho autnomo. No teletrabalho os requisitos da relao de emprego no so visveis como nas relaes de emprego consideradas normais; o controle, centrado agora na produ-o, e no mais na pessoa do trabalhador, feito a distncia, muitas vezes, pela prpria mquina (computador, celular, etc.). A maior independncia funcional, adescontinuidade,quenoseconfundecomeventualidade,eaflexibilidadedapessoalidade exigem novas interpretaes dos requisitos da relao de emprego, especialmente da subordinao jurdica, imanente dos vnculos empregatcios, a fimdequeosteletrabalhadoresnosemantenhamindefinidamentenaeconomiainformal. Os traos predominantes e caractersticos do teletrabalho s aparente-mentedificultamaaferiodosrequisitosdarelaodeemprego.

    2 REQUISITOS DA RELAO DE EMPREGO NO TELETRABALHO

    O vnculo empregatcio se manifesta quando presentes na relao entre o prestador e o tomador de servios os requisitos do art. 3 da CLT1. No trabalho

    * Especialista em Cincia Poltica e Desenvolvimento Estratgico pela UNOPAR Universidade Norte do Paran; mestre em Direito Negocial pela UEL Universidade Estadual de Londrina; doutora em Direito Social pela Universidad de Castilla La-Mancha (Espanha); juza do trabalho da 9 Regio.

    1 Art. 3 Considera-se empregado toda pessoa fsica que prestar servios de natureza no eventual a em-pregador, sob a dependncia deste e mediante salrio. Pargrafo nico No haver distines relativas espcie de emprego e condio de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, tcnico e manual.

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    em domiclio e no teletrabalho so exigidos os mesmos requisitos do art. 3, conforme prev o art. 6, tambm da CLT2, no entanto se apresentam de forma diferente. Tradicionalmente, entende-se que a relao de emprego quando o trabalho pessoal (executado pelo prprio trabalhador contratado), no eventual (trabalho que perdura e se prolonga no tempo), subordinado (recebimento de ordens pessoais do dador de trabalho, submisso ao poder disciplinar empre-sarial,cumprimentodemetasehorriosdetrabalhodefinidos,etc.)emedianteum pagamento (uma contraprestao, em regra pecuniria, pelos servios prestados). No teletrabalho, embora o art. 6 da CLT contemple apenas uma particularidade, segundo a qual a subordinao jurdica dever revelar-se por meiospessoaisediretosdecomando,controleesuperviso,outrasespecifi-cidades se manifestam, no entanto foram ignoradas pelo legislador que, por razes polticas, optou em deixar para o judicirio trabalhista, em cada caso concreto, aferir a natureza jurdica da relao de teletrabalho, o que ensejar umaenormidadedeconflitostrabalhistas.

    Otrabalhotelemticoexecutadocomcertaautonomiaeflexibilidadetanto pelos empregados quanto por autnomos, eventuais, prestadores de ser-vios, etc.3 A manifestao do poder empresarial, centrado no controle direto sobre a pessoa do trabalhador, predominante no sculo XVIII, cedeu lugar a outros elementos da dinmica complexa das novas tecnologias. No modelo tradicional, o trabalhador acatava ordens e determinaes provenientes direta-mente do tomador de seus servios, a quem a lei confere um poder diretivo e organizacional (CLT, art. 2), conceituao que ao longo de muitos anos orien-tou o direito do trabalho. Na atualidade, a inter-relao digital/virtual entre o trabalhador e o tomador de seus servios amplia os contornos da subordinao jurdica e demais requisitos da relao de emprego, sendo aferidos por meio de comandos empresariais indiretos, pela insero do trabalhador na dinmica empresarial, pelo controle informtico, pela dependncia econmica. As novas tecnologias possibilitam que o empresrio possa acompanhar o trabalho a partir de qualquer lugar, enviar instrues sobre sua execuo, fazer cobranas sobre a qualidade e quantidade de trabalho, como se o trabalhador estivesse no interior da empresa. Programas de software podem registrar todos os pormenores das

    2 Art. 6 No se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domiclio do empregado e o realizado a distncia, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relao de emprego. Pargrafo nico. Os meios telemticos e informatizados de comando, controle e supervisoseequiparam,parafinsdesubordinaojurdica,aosmeiospessoaisediretosdecomando,controle e superviso do trabalho alheio.

    3 DRAY, G. M. Teletrabalho. Sociedade da informao e direito. In: MARTINEZ, Pedro Romano (Coord.). Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. III. Curso de Ps-Graduao em Direito do Trabalho. Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p. 267.

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    tarefas e dos trabalhadores na rede, como o momento exato em que o traba-lhador ligou ou desligou o computador, que programa est utilizando, quanto tempo gastou em cada tarefa, o tempo dedicado exclusivamente ao trabalho, perodos de pausas, nmero de operaes realizadas, nmero de toques no teclado, erros cometidos, etc.4 Por meio da superviso e direo remotas, as rotinas de trabalho podem ser seguidas passo a passo e as instrues vo aparecendo na medida em que a tarefa vai sendo executada. O controle fsico substitudopelotecnolgico,maiseficazqueotradicionalporquepermitea vigilncia direta, embora, diferida. O empresrio, supervisor ou chefe no mais circula pela unidade e sim pela rede, que forma parte da empresa. O trabalhador submete-se a uma liberdade vigiada, to ou mais temida que a vigilncia fsica, feita pelos olhos do patro. A prpria ferramenta de trabalho o computador se encarrega de cobrar procedimentos, comportamentos e produo5. Mesmo no trabalho intelectual o empresrio pode enviar instrues e limitar as iniciativas pessoais e o poder criativo.

    O que muda basicamente no teletrabalho, quando realizado a distncia, o contato pessoal entre contratado e contratante e o controle direto sobre a jornada. No entanto, a distncia no afasta ou elimina a situao de sujeio ao poder de comando empresarial, pois o teletrabalhador continua sujeito s ordens e orientaes sobre o trabalho e dependendo economicamente do to-mador de seus servios.

    Os requisitos da relao de emprego no se apresentam da mesma for-ma que no tipo tradicional, moldado no modelo fordista, no qual so visveis e facilmente identificados.No teletrabalho, a pessoalidade, continuidade esubordinao jurdica se apresentam de forma completamente diferente. Entre o velho trabalho, prestado nos espaos fsicos da empresa, sob a direo e co-ordenaodiretadeumchefe,eoteletrabalhoexistemsignificativasdiferenas.Contudo, a posio jurdico-laboral de quem trabalha operando uma mquina, com capacidade interativa e a distncia, no substancialmente diversa do

    4 ERASO, A. B. Teletrabajo:estrategiasdeflexibilidad.ConsejoEconmicoySocial.Coleccinestudios,n. 130, Madrid, 2002, p. 166.

    5 Segundo Maria Beln Cardona Rubert, Es posible realizar un control penetrante sobre la actividad delempleado,dotandoalordenadordeunprogramaque,previaidentificacinpersonaldeltrabajador,registre toda una serie de datos del iter de la operacin misma, tales como el nmero de operaciones realizadas,elnmerodeerrorescometidos,lasparadasefectuadas,elnmerodetrabajosfinalizadoscon xito, el tiempo empleado en la operacin, etc. Estamos ante un tipo de control perfectamente com-penetrado con el instrumento productivo que extiende las posibilidades de supervisin del empresario y que partiendo de la actividad laboral permite alcanzar a la misma persona del trabajador (CARDONA RUBERT, Maria Beln. Informtica y contrato de trabajo. Valncia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 69).

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    trabalhadorquelaboranafbrica,naoficinaounoescritriodaempresa6. Se aatividadepoucooumuitoqualificada,fungvelouinfungvel,comtarefasrotineiras, repetitivas ou no, de pobre ou rico contedo funcional, tais fatores no so decisivos para afastar a relao de emprego7. Tambm no relevante a exclusividade da prestao, pois o teletrabalho no tem porque ser exclusivo; exclusividade no requisito da relao de emprego, conforme prev o art. 3 da CLT.

    No teletrabalho a pessoalidade migra-se para a virtualidade dos meios de comunicao incrementando a informalidade, fazendo com que milhes de teletrabalhadores, em todo mundo, sejam mantidos na grey area da economia informal, na indeterminao, convivendo com a insegurana em relao ao futuro e aos direitos normatizados8. Atentos a essa realidade, os Tribunais espa-nhis tm entendido que o teletrabalho est submetido s normas do direito do trabalho quando esto presentes na prestao indcios de laboralidade, como a aplicaodepenalidadespeloatrasoouconclusodotrabalho,fixaodezonasgeogrficasespecficasdetrabalho,exclusividadenaprestaoecontinuidadedos servios, conexo online com a empresa, participao em cursos organi-zados pelo empresrio, cumprimento de instrues peridicas, pagamento de uma contraprestao e de outros gastos derivados do trabalho9.

    Na sociedade informacional, centrada em objetivos, deixa de ter relevn-cia absoluta o modo como o trabalho prestado; o que realmente importa o resultado do trabalho, ou seja, o volume de trabalho que dever ser apresentado

    6 Para Rosario Gallardo Moya, Entre los diversos tipos de teletrabajadores autnomos que pueden darse interesan particularmente dos. Uno es el de los falsos autnomos, en tanto que en estos trabajos se puede simular con mayor facilidad la existencia de una relacin no laboral para encubrir un trabajador por cuenta ajena. El otro es el que queda en la frontera o zona de indeterminacin, franja que se va a ver ampliada en gran parte por las formas de prestacin. Sin duda uno de los puntos ms delicados y controvertidosconelquenosvamosatopar,cuandosegeneraliceestaformadetrabajo,seridentificarel carcter laboral o extralaboral de tales actividades. Lo que a la postre puede, si no se pone solucin, provocar que un buen nmero de teletrabajadores quede excluido del Derecho del Trabajo o de la tutela brindada por el ordenamiento (GALLARDO MOYA, Rosario. El viejo y el nuevo trabajo a domicilio: de la mquina de hilar al ordenador. Madrid: Ibidem Ediciones, 1998, p. 67-77).

    7 Teletrabalhadorautnomoaquelequeexecutasuaprpriaactividadeprofissionalsemsubordinaojurdica ao credor da prestao, suportando os riscos econmicos e jurdicos e colhendo o respectivo rendimento. REDINHA, Maria Regina Gomes. O teletrabalho. II Congresso nacional de direito do trabalho (Coord.: Antnio Moreira). Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p. 95-96.

    8 O termo grey areaempregadoparadefinirostiposdetrabalhoquenoseenquadramemnenhumadas duas categorias subordinado e autnomo; usado para descrever certos tipos de trabalhadores que aparentemente so autnomos, mas que, de fato, so subordinados; so tratados como autnomos pornoseenquadraremdiretamentenalei,exigindoumtratamentolegalespecfico.Disponvelem:. Acesso em: 13 abr. 2008.

    9 Nesse sentido: SSTS 22 abril 1996 y 29 diciembre 1999. Disponvel em: . Acesso em: 20 ago. 2008.

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    dentro de certo espao de tempo (hora, dia, semana, ms ou ano). A distncia emrelaoaolugardaprestaodotrabalhoeaflexibilidadedotrabalhonosodeterminantesnaverificaodanaturezajurdicadarelao,poisasubor-dinao, a pessoalidade e a continuidade se manifestam por meios distintos dos tradicionais, podendo ser aferidos pelo modo como o trabalho se realiza, pelo tempo imediato ou remoto. As condies de trabalho, portanto, continuam as mesmas; o que muda apenas o elemento tecnolgico, que d um novo formato aos requisitos da relao de emprego.

    2.1 Subordinao informacional

    No teletrabalho, o controle sobre a atividade do teletrabalhador manifesta-se de maneira diferente, no mais de forma direta e visvel, e sim, de forma indireta, por meio de controles informticos e audiovisuais, que mantm o teletrabalhador submetido direo e organizao empresariais10. O poder in-formtico centra-se na apresentao de resultados, na observncia s orientaes e ordens relacionadas ao trabalho, transmitidas a distncia11.Afiscalizao,antes realizada pelo olho humano (do patro ou chefe), no teletrabalho feita

    10 RAMOS LUJN, H. V. La intimidad de los trabajadores y las nuevas tecnologas. In: Relaciones laborales, n. 17, ao XIX, septiembre de 2003, p. 43.

    11 Exemplo dessa possibilidade pode-se encontrar na Resoluo CSJT n 109/2012, que implantou o teletrabalho na Justia do Trabalho, em carter experimental. O art. 14 dessa Resoluo prev que As unidades participantes do teletrabalho devero registrar a frequncia do perodo em que os servidores estiverem desenvolvendo suas atividades em regime de teletrabalho nos termos desta Resoluo; o art. 15dispequeNocasodedescumprimentodoprazofixadoparaarealizaodastarefas,oservidordeverprestaresclarecimentosasuachefiaimediatasobreosmotivosdanoconclusodostrabalhos,que os repassar ao gestor da unidade. 1 O gestor da unidade, considerando improcedentes os escla-recimentos prestados, suspender a participao do servidor no teletrabalho durante um ano, contado dadataestipuladaparaconclusodatarefa.2Nocasodeseraceitaajustificativaapresentadapeloservidor,ficaracritriodogestordaunidadeaconcessodenovoprazoparaconclusodostrabalhos. 3 Havendo a concesso de novo prazo e no ocorrendo a entrega do trabalho em at cinco dias teis apsoltimoprazofixado,semaapresentaodejustificativaounosendoestaaceitapelogestorda unidade, o servidor estar sujeito s penalidades previstas no art. 127 da Lei n 8.112/90, a ser apurada em sindicncia ou processo administrativo disciplinar. 4 Quando o atraso na concluso do trabalho decorrer de licenas, afastamentos ou concesses previstas em lei por perodo de at 15 dias, o prazo ajustado poder ser suspenso e continuar a correr automaticamente a partir do trmino do impedimento, a critrio do superior hierrquico. 5 Nos impedimentos previstos no pargrafo anterior superiores a 15 dias, o servidor ser afastado da experincia de teletrabalho e as tarefas que lhe foram acometidas sero redistribudas aos demais servidores em atividade, sem prejuzo do seu retorno a essa modalidade de trabalho quando cessada a causa do afastamento. 6 Ocorrendo atraso na entrega detrabalhos,comousemjustificativa,achefiaimediataprovidenciarregistro,comcinciaformaldo servidor, no formulrio de planejamento e acompanhamento de trabalhos de que trata o Anexo. Disponvelem:.Acessoem:10ago.2012.Disponvelem:http://www.csjt.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=96cae0d3-0fd9-468f-98e8-e3aa8b24ba15&groupId=955023>.Acesso em: 10 ago. 2012.

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    pelo olho eletrnico (do computador ou outro equipamento informtico) e aferida pela quantidade de trabalho produzida dentro de um determinado espao de tempo, ou seja, pelos resultados obtidos. Mesmo trabalhando a distncia e comflexibilidadedehorrios,oteletrabalhadorficasubmetidoaumintensocontrole, inclusive em seu tempo livre (quando est na praia, durante as viagens, quando participa de eventos e festas, etc.), pois os equipamentos informticos possibilitam a comunicao a partir de qualquer lugar12. O encarregado virtual controla tudo, em toda parte, em todo momento13. O teletrabalhador ativo na rede est pronto para receber instrues, orientaes e ordens; quanto mais se afasta do centro do trabalho, mais onipresente pode estar a empresa em sua vida14. Seguidores eletrnicos so capazes de rastrear seus movimentos na rede; algunsprogramaspodemrevisarocontedogeraldotrabalhoeverificarseasnavegaes esto relacionadas com o trabalho ou se podem constituir delito, fraude, engano ou espionagem; outros tm verso especial para controlar e bloquear o acesso a mais de 100.000 direes de internet, como astrologia, sexo, hobbies, bolsa de valores, ofertas de empregos, viagens, jogos, esportes, tendas virtuais ou chats, alm de permitir um exaustivo registro de todas as conexes realizadas ou tentadas. A vigilncia eletrnica impessoal, implacvel e temida, j que os dados obtidos so numerosos e precisos. O controle, antes visual, transmuda-se para o informtico, muito mais agressivo e preciso, per-mitindoaoempregador/tomadortraarperfissobreaspreferncias,ideologiase relacionamentos do trabalhador/teletrabalhador dentro e fora da empresa. A capacidade de agregar dados, estabelecer comparaes e transformar informa-esdispersasemorganizadaspossibilitaaverificaodetodososmovimentosdo trabalhador, banais ou no, secretos, pessoais, etc., invasivos e lesivos aos

    12 SEMPERE NAVARRO y SAN MARTN MAZZUCCONI entendem que se ha destacado que el poder directivo no se atena por la distancia, sino que se acenta por los instrumentos de trabajo, sobre todo en los casos del denominado teletrabajo on-line, que exige la conexin permanente entre el trabajador ylaempresa.Lainformticapermitecontrolaraltrabajadorencadaunadesusacciones,identificandoel momento exacto en el que se encuentra activo y qu hace concretamente (a qu hora enciende el ordenador, qu programa utiliza, cunto tiempo dedica a cada cosa, etc.) (SEMPERE NAVARRO, A. V.; SAN MARTN MAZZUCCONI, C. Nuevas tecnologas y Relaciones Laborales..., op. cit., p. 116).

    13 Ressalta Maria do Rosrio Palma Ramalho que Estas novas formas de direo e controlo do trabalha-dorsoparticularmenteeficazesnocasodoteletrabalho.Porqueexecutasuasactividadesatravsdosmeios informticos ou telemticos, que asseguram comunicao com a empresa apesar da distncia, o teletrabalhador pode ser direcionado, controlado no desempenho onde quer que se encontre e em qualquer momento, deixando a sua ausncia fsica do centro produtivo de constituir um obstculo ao estatutosubordinadoqueessencialqualificaolaboraldeseuvnculo(RAMALHO,MariadoRosrio Palma. Insegurana ou diminuio do emprego? A rigidez do sistema jurdico portugus em matria de cessao do contrato de trabalho e de trabalho atpico. In: Revista LTr, vol. 634, n. 8, agosto de 2000, p. 195-211).

    14 THIBAULT ARANDA, J. El trabajo en la sociedad digital. In: Internet y pluralismo jurdico: formas emergentes de regulacin. Pompeu Casanovas (Ed). Granada: Editorial Comares, 2003, p. 189-193.

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    direitosfundamentais,comoconfidencialidadeeprivacidade.Surgenasrelaesde trabalho um novo tipo de poder, o poder informtico15.

    Essanovareengenhariadificultaaseparaodecausaeefeitosobreaprestao dos servios, contrastando com a estrutura jurdica da subordinao nsita tradicional relao de emprego16. O teletrabalho pode ser comparado informtica jurdica, pois a interligao de sistemas pr-programados faz com que o relacionamento humano no mais se realize exclusivamente entre pessoas, e sim entre pessoas, mquinas e equipamentos, entre preponente e preposto17. Empresas sediadas nos Estados Unidos podem contratar teletrabalhadores no Mxico, Brasil ou na ndia e controlarem a atividade laboral como se estivessem presentes, recebendo no local de sua sede o resultado da produo normalmente esperado.Portanto,nenhumadificuldadehpara identificara subordinaojurdica nas relaes de teletrabalho, que se apresenta como subordinao informtica, no obstante a elasticidade do telesservio. Haver subordinao jurdica no trabalho realizado por meio das Novas Tecnologias da Informao e da Comunicao (NTIC)18 quando houver elementos reveladores da submisso

    15 AfirmaMariadoRosrioqueAsubordinao,entendidatradicionalmentecomosujeiodotrabalhadora um conjunto de poderes do empregador, exercidos num certo espao fsico, substituiu-se, em muitos casos, uma espcie de telessubordinao exercida por meios eletrnicos e, com frequncia, mais intensa e invasiva da privacidade do trabalhador (RAMALHO, Maria do Rosrio Palma. Insegurana ou diminuio do emprego?..., p. 210-211).

    16 El proceso mundial de produccin resulta especialmente impresionante. Snchez Torres menciona que hoy, las nuevas tecnologas relacionadas con las telecomunicaciones y la informtica inciden profundamente en la gestin, visin o estrategias del conjunto de reas funcionales de la empresa, al-canzando de forma transversal aspectos que van desde el acceso al mercado de trabajo, la contratacin, la promocin profesional, la gestin del rendimiento, los sistemas de remuneracin o las polticas de formacin,hastacuestionesmsespecficascomolosmecanismosdecaptacin/retencindelcapitalintelectualolamodificacindelostradicionalesmecanismosdesancinyresponsabilidaddeempresarioy trabajadores el cumplimiento de las obligaciones laborales (SNCHEZ TORRES, E. El ejercicio de la libertad de expresin de los trabajadores a travs de las nuevas tecnologas. (Dir. Salvador Del Rey Guanter; Coord. Manuel Luque Parra). Relaciones Laborales y Nuevas Tecnologas. Madrid: La Ley, 2005, p. 107).

    17 Isso quer dizer, conforme esclarece Castelis, que a engenharia online e os sistemas de gesto de acesso aberto dentro da empresa permitem aos trabalhadores organizar sistemas de cooperao ad hoc quando as suas tarefas assim o requerem (...). O feedback em tempo real de todos aqueles que esto envolvidos num processo de produo/gesto, a inovao pode pr-se prova na sua origem: o produto e o processo inovam-se constantemente atravs da interaco entre produtores e consumidores, numprocessopartilhadoderendimentoscrescentes,quebeneficiamtodosaquelesqueparticipamnarede. CASTELIS, M. A galxia internet (Coord.: Jos Manuel Paquete de Oliveira e Gustavo Leito Cardoso). Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2004, p. 130.

    18 So consideradas NTICs, entre outras: 1) os computadores pessoais (PCs, personal computers); 2) as cmeras de vdeo e foto para computador ou webcams; 3) a gravao domstica de CDs e DVDs; 4) os diversos suportes para guardar e portar dados como os disquetes (com os tamanhos mais variados), discos rgidos ou HDs, cartes de memria, pendrives, zip drives e assemelhados; 5) a telefonia mvel (telemveis ou telefones celulares); 6) a TV por assinatura; 7) TV a cabo; 8) TV por antena parablica; 9) o correio eletrnico (e-mail); 10) as listas de discusso (mailing lists); 11) a internet; 12) a World

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    dotrabalhadoraodadordosservios,comofixaodeprazosparaconclusodo trabalho, previso de sanes por atrasos, exigncia de apresentao de resultadossatisfatrios,almdeoutrosindciosrelevantes.Aflexibilidadedoteletrabalho pode propiciar uma falsa deslaborizao da relao, no entanto, a subordinao, embora disfarada, se mantm em praticamente todos os ca-sos. A atividade laboral, embora no seja subordinada, em sentido clssico, coordenada.Portanto,aaparenteflexibilidadedoteletrabalhonoindciodeautonomia, pois o controle, centrado em outros vetores, pode at acentuar-se no trabalho a distncia. O trabalho independe do contato pessoal entre contra-tado e contratante, do controle direto sobre a jornada ou sobre o trabalho em si. Assim, haver subordinao quando o trabalhador estiver em situao de sujeio ao poder de comando empresarial, sujeito s ordens disciplinares, ao sigilo,fidelidade,apresentaoderesultados.Aseparaogeogrficaentreo tomador e o prestador no afasta ou reduz a subordinao, pois mesmo a distncia o gerenciamento do trabalho perfeitamente possvel19.

    A subordinao jurdica tradicional moldada para a realidade da produo fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e segmentada, no satisfaz s exi-gnciasdomodernosistemadegestoflexvel,orientadopelatecnologia.Agora,liga-sevirtualmenteaoempreendimento,aobeneficiriodotrabalho,mantendoa mesma situao desigual entre as partes do contrato, como h sculos.

    A dinmica cambiante do teletrabalho e a inter-relao entre as partes confere elasticidade ao principal elemento da relao de emprego, qual seja, a subordinao jurdica, que agora se apresenta de modo totalmente diferente, centrada em resultados, acobertada e disfarada pela maior autonomia do teletrabalho.Oteletrabalhadornosersempreumempregadoouumprofis-

    Wide Web(principalinterfacegrficadainternet);13)oswebsites e home pages; 14) os quadros de discusso (message boards); 15) o streaming (fluxocontnuodeudioevdeovia internet);16)opodcasting (transmisso sob demanda de udio e vdeo via internet); 17) esta enciclopdia colaborati-va, a Wikipedia, possvel graas internet, WWW e inveno do wiki; 18) as tecnologias digitais de captao e tratamento de imagens e sons; 19) a captura eletrnica ou digitalizao de imagens (scanners);20)afotografiadigital;21)ovdeodigital;22)ocinemadigital(dacaptaoexibio);23)osomdigital;24)aTVdigitaleordiodigital;25)astecnologiasdeacessoremoto(semfioouwireless); 26) wi-fi; 27) Bluetooth; 28) RFID; 29) EPVC. Disponvel em: . Acesso em: 29 nov. 2011.

    19 AResoluoCSJTN109/2012,emseuart.10,dizqueAchefiaimediatagerenciararotinadetrabalhodos servidores autorizados a realizar o teletrabalho, bem como manter registro com a indicao dos trabalhos a serem desenvolvidos, o quantitativo total de tarefas distribudas e o perodo mximo para concluso dos trabalhos. O art. 8 prev ainda que Os servidores em regime de teletrabalho devem apresentar um incremento na produtividade, a ser determinado e aferido pelo titular da unidade, nunca inferiora15%.Disponvelem:.Acessoem:10ago.2012.

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    sional autnomo. A forma de realizao do teletrabalho que ir revelar a real natureza jurdica da relao (princpio da primazia da realidade)20.

    2.2 Onerosidade

    A contraprestao pelo trabalho realizado, materializada em dinheiro ou utilidades, requisito fundamental para a existncia da relao de emprego. Pode estar vinculada ao trabalho em condies normais (salrio), ou a produ-o e cumprimento de metas (comisses e prmios), ou, ainda, disfarada para ocultar o carter oneroso da prestao (dirias, ajuda de custo, ressarcimentos de despesas ou fornecimento habitual de determinada utilidade com carter retributivo, como moradia, planos de sade, fornecimento de veculos para o trabalho ou no, mensalidades escolares, previdncia privada, assistncia m-dica,hospitalareodontolgica,etc.).Oart.457daCLTdefineremuneraocomo sendo o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado, em virtude da relao de emprego, incluindo as gorjetas re-cebidasdeterceiros;oart.458,tambmdaCLT,especificaasutilidadesquecompem o salrio21. O teletrabalhador no precisa, necessariamente, receber umaimportnciafixamensalouserremuneradosobaformadecomisses,poisa contraprestao (onerosidade) pode apresentar-se de diferentes formas. Se,

    20 WashingtonLuizdaTrindadeafirmaque,emrelaoaoteletrabalho,Oconceitoclssicodecontratoperde os seus traos predominantes e caractersticos, o que afasta a possibilidade de aplicao das regras do trabalho subordinado (TRINDADE, Washington Luiz da. A natureza jurdica do trabalho distncia. In: Revista Trabalho & Doutrina, So Paulo, n. 24, maro de 2000, p. 10-15). Cassio de Mesquita Barros Jr. ressalta que as empresas brasileiras contratam teletrabalhadores na ndia, com regime jurdico diferente, e isso no permite a utilizao dos conceitos clssicos, pois a elasticidade do telesservio no permite a completitude de uma nica categorizao da modalidade de contratao (BARROS Jr., C. M. Teletrabalho. In: GRECO, Marco Aurlio; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito e internet: relaes jurdicas na sociedadeinformatizada.SoPaulo:RT,2001.p.38).SergioPintoMartinsafirmaquenoteletrabalhoasubordinaomitigadaeemalgunscasospoderverificar-semaisautonomiadoquesubordinao,namedidaemqueasordensficamdiludas(MARTINS,SergioPinto.Trabalhoadistncia.In:Revista Trabalho & Doutrina, n. 24, maro de 2000). Para Pinho Pedreira, o trabalho realizado distncia, no domiclio do trabalhador, ou em outro local, pelos meios telemticos, sob controle e superviso infor-mticos, presentes outros requisitos da relao empregatcia, estar sob a gide do direito do trabalho. (SILVA, Luiz de Pinto Pedreira da. O teletrabalho. In: Revista LTr, vol. 64, n. 5, 2000).

    21 Art. 458 Alm do pagamento em dinheiro, compreende-se no salrio, para todos os efeitos legais, a alimentao, habitao, vesturio ou outras prestaes in natura que a empresa, por fora do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum ser permitido o pagamento com bebidas alcolicas ou drogas nocivas. (...) 2 Para os efeitos previstos neste artigo, no sero consideradas como salrio as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: I vesturios, equipa-mentos e outros acessrios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestao do servio; II educao, em estabelecimento de ensino prprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrcula, mensalidade, anuidade, livros e material didtico; III transporte desti-nado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou no por transporte pblico; IV assistncia mdica, hospitalar e odontolgica, prestada diretamente ou mediante seguro-sade; V seguros de vida e de acidentes pessoais; VI previdncia privada.

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    comocontraprestaodotrabalho,otomadordeserviospagaumvalorfixoou varivel, ou fornece alguma vantagem ou utilidade, a onerosidade estar presente,cabendoaointrpreteverificarseaformaderemuneraosejustificae se explica objetivamente. Havendo o intuito de afastar um dos requisitos da relaodeemprego,qualseja,onerosidade,afraudeestarconfigurada(CLT,art. 9). No relevante, portanto, a ausncia de um pagamento em dinheiro, de forma habitual, pois a contraprestao pelo trabalho pode revelar-se pela concesso de vantagens ou pagamento de utilidades.

    2.3 Continuidade ou no eventualidade

    Nasrelaesdeteletrabalhoperdeimportnciaesignificadoorequisitocontinuidade, pois a quantidade de trabalho e a periodicidade do trabalho podem oscilar em funo das necessidades empresariais. Trabalhador eventual aquele que trabalha ocasionalmente. No entanto, a eventualidade da prestao aferida no tempo, e no ser eventual aquele que presta servios por algumas horas do dia, ou, em alguns dias da semana ou do ms, por vrios meses ou anos, ao mesmo tomador. Se o teletrabalhador prestar servios em algumas horas do dia, ou, em um ou dois dias por semana, em vrios meses, ou em alguns dias no ms, durante anos, no eventual, pois no presta um servio espordico, especial, ou particular, como, por exemplo, a digitao de um pequeno texto, a criao/desenvolvimento de um nico e simples programa de computador, etc.Noseintitulaeventualoteletrabalhadorcontratadocomafinalidadedeatender necessidades permanentes do tomador, como desenvolver programas informticos, de alta complexidade, ainda que descontnuo seja o trabalho. Se o trabalho exigir um tempo razovel para sua concluso, como traduo de vrias obras ou digitao de textos longos, que demandam muitos meses ou anos de trabalho, o contrato poder ser celebrado por prazo determinado. O teletrabalho somente ser eventual quando a prestao de servios, alm de eventual, for realizada de acordo com as convenincias do teletrabalhador, que organiza as suas atividades de modo a compatibiliz-las com os servios prestados a outras pessoas, impondo suas prprias condies de trabalho, trabalhando apenas quando quiser, como quiser, a quem quiser e pelo tempo que quiser. Se a prestao for contnua, seguida e sucessiva, com os demais requisitos da relao de emprego, o teletrabalhador ser um empregado de curta ou longa durao, e o contrato ser regido pela CLT, por prazo determinado ou indeterminado. Eventual o teletrabalhador contratado para realizar, espe-cificamente,umservioocasional,espordico,nodiretamenterelacionadoatividade-fimdocontratante.Portanto,oconceitonomeramentetemporal.Se o tomador pretender contratar um teletrabalhador para substituir outro em

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    perodo de frias ou licenas, dever formalizar contrato por prazo determinado, podendofaz-loquantasvezesforemnecessrias.Enfim,paraconfiguraranoeventualidade, no se exige que o trabalho seja duradouro; importante que seja mais ou menos duradouro, conforme princpios da razoabilidade e boa-f.

    2.4 Pessoalidade virtual

    A pessoalidade nem sempre ser exigida no teletrabalho, na medida em que, em se tratando de trabalho a distncia, no relevante quem realiza o trabalho, e sim, que seja apresentado o resultado esperado. No havendo no contrato clusula de pessoalidade na execuo do teletrabalho, presume-se que este poder ser realizado por qualquer pessoa. Se o tomador dos servios pretender que o trabalho seja prestado pessoalmente pelo teletrabalhador, de-ver manifestar tal inteno, por escrito, pois at mesmo quando o trabalho personalssimo, singular e contm fatores subjetivos, como estilo, criatividade, imaginao, poder ser executado por outra pessoa. As atividades intelectual, cientfica, artstica ou cultural, que exigemaproduooumanifestaodeaptides literria, musical, corporal, pintura, escultura, desenho, interpretao, criao ou reproduo, podem tambm serem transferidas a outra pessoa, sendo suficientequepossuaosatributosnecessriossuarealizao.Seapessoalidadena execuo do trabalho no for exigida, o trabalho poder ser executado por qualquer pessoa, na medida em que o que espera o tomador que o resultado seja atingido22.

    O desenvolvimento de programas informticos pode ser um trabalho intelectual, mas no precisa, necessariamente, ser realizado de forma pessoal, ou seja, pelo prprio teletrabalhador contratado, pois embora possa decorrer da inteligncia criadora, o contratante prestador pode delegar a atividade pessoa que possua conhecimentos tcnicos e especializados, sem que isso implique qualquer prejuzo ao tomador dos servios. O que o tomador normalmente espera a criao e/ou recriao do programa, ou seja, a execuo e realizao da atividade contratada, independentemente de quem a tenha feito. Ainda que o trabalho seja dirigido pesquisa, inveno metdica, e deva ser coordenado a partir de evidncias e experincias, a pessoalidade pode no ser exigida. E,

    22 MariadoRosrioPalmaRamalhoafirmaqueEstasnovasformasdedirecoecontrolodotrabalha-dorsoparticularmenteeficazesnocasodoteletrabalho.Porqueexecutasuasactividadesatravsdosmeios informticos ou telemticos, que asseguram comunicao com a empresa apesar da distncia, o teletrabalhador pode ser direccionado, controlado no desempenho onde quer que se encontre e em qualquer momento, deixando a sua ausncia fsica do centro produtivo de constituir um obstculo ao estatutosubordinadoqueessencialqualificaolaboraldeseuvnculo(RAMALHO,MariadoRosrio Palma. Insegurana ou diminuio do emprego..., op. cit., p. 195-211).

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    se nem mesmo no trabalho intelectual ou tcnico a pessoalidade exigida, por maior razo no ser no teletrabalho, que no envolve tais atributos, como o trabalho meramente repetitivo e que no exige esforo criativo, pois o tele-trabalho normalmente est centrado em resultados. Servios de digitao, por exemplo,podemserexecutadosporqualquerpessoa,sendosuficientequeotra-balhador, qualquer que seja ele, saiba digitar. Somente quando o teletrabalhador contratado por suas habilidades ou conhecimentos tcnicos, intransferveis, que poderia, em tese, ser exigida a pessoalidade23.

    Na Itlia, o ordenamento jurdico reconhece a aplicao parcial da nor-mativa de tutela laboral em favor do trabalhador autnomo ou parassubordinado quando existente na relao a presena de trs elementos: continuidade, coor-denao e pessoalidade prevalente. No exige pessoalidade, em sentido estrito; apenas, que seja prevalente24. No teletrabalho a pessoalidade manifesta-se de forma virtual, pois as ordens e instrues sobre o trabalho so enviadas ao teletrabalhador pela rede, no sendo relevante, portanto, quem as recebe e executa o trabalho contratado.

    Portanto, a pessoalidade no se apresenta como elemento de exceo ao vnculo de emprego no teletrabalho. Como todo trabalho humano lcito, material ou imaterial, pode ser objeto de contrato de trabalho, a pessoalidade deixa de ser requisito fundamental para formao do vnculo empregatcio, sendosuficientequeoprestadordeserviossejapessoafsica.Emsendopessoajurdica,ovnculosomenteseformaremseverificandofraudeouqualquer

    23 A sentena do Tribunal Superior de Justia de Madrid n. 469/1999 (Sala de lo Social, Seccin 2), de 30 de setembro, declara que: Es pues claro que nos hallamos ante una relacin laboral, propiciada por las nuevas tecnologas, que obviamente mejoran la calidad de vida de nuestra sociedad y permiten nuevas formas de relacionarse que desde luego deben de ser reguladas le-galmente y en casos como el presente amparadas por la legislacin vigente, que no puede quedar burlada, siendo claro que igual prestacin ha recibido la empresa de los trabajadores a travs de Internet que si los mismos hubieran estado fsicamente en sus propias instalaciones, debindose asimilaralapresenciafsicalapresenciavirtualqueaquhaquedadodemostrada,porqueenfinel resultado para ambas partes de la relacin laboral es idntico, disfrutando las mismas de claras ventajas, como es para la empresa el ahorro en material, suministros, etc., y para el trabajador en transporte o guardera, pudiendo tambin tener otros inconvenientes, pero en todo caso la forma de la prestacin del servicio no es sino una condicin ms del contrato de trabajo, asumida por ambas partes, ya que consta que as ha sido durante todo el tiempo que ha durado la relacin la-boral, y que por tanto constituye un pacto libremente aceptado por trabajadores y empresa y desde luego no implica la inexistencia del contrato de trabajo, sino una de las condiciones del mismo, no pudindose admitir que los avances de la ciencia, que en todo caso implican una mejora en la calidad de vida, lleguen a suponer un retroceso social favoreciendo la precariedad del empleo o trabajo sumergido, por lo que en todo caso la legislacin laboral ha de ser aplicada. Disponvel em: . Acesso em: 15 fev. 2007.

    24 GAETA, L. Lavoro a distancia e subordinazione.EdizioniScientificheItaliane,1993.p.135.

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    outro vcio no negcio jurdico, visando afastar direitos trabalhistas, como o caso da pejotizao (CLT, arts. 9 e 442).

    3 OUTROS ELEMENTOS (INDCIOS) IDENTIFICADORES DA RELAO DE EMPREGO NO TELETRABALHO

    3.1 Dependncia econmica

    Outroelementoimportantenaverificaodanaturezajurdicadocontratode teletrabalho a dependncia econmica do teletrabalhador em relao ao tomador de seus servios. O teletrabalhador, em regra, depende da remunerao que o teletrabalho lhe proporciona para sobreviver e, havendo tal dependn-cia, aliada a outros elementos, poder-se- concluir pela existncia do vnculo empregatcio. A dependncia econmica adquire relevncia no contexto das novas tecnologias, pois necessria sobrevivncia do teletrabalhador e de suafamlia.Comamudanadoeixotradicionaldoselementosdefinidoresdarelao de emprego, a nota de dependncia econmica passa a integrar o con-juntoderequisitosinerentesasuaconfigurao.Comoafronteiraqueseparao teletrabalhador empregado e o autnomo extremamente tnue, a situao de dependncia econmica do teletrabalhador em relao ao tomador de seus servios adquire um colorido especial. A propriedade dos instrumentos de trabalho indcio de dependncia econmica do teletrabalhador quando per-tencentes ao tomador de servios.

    O grau de dependncia econmica do teletrabalhador em relao ao tomadordeseusserviosrelevantenaqualificaodanaturezajurdicadarelao, que no teletrabalho aferida a partir de critrios amplos e distintos dos tradicionais. O teletrabalhador, em regra, mantm uma forte relao de depen-dncia econmica com uma ou mais empresas para as quais presta servios. A dependncia econmica est centrada na situao de debilidade do trabalhador, em sentido econmico, j que ao trabalhar unicamente para uma ou algumas empresas, delas depende economicamente25.

    Paradigma importante vem do direito comparado. A Lei espanhola n. 20/2007 regula a relao do trabalhador autnomo economicamente dependente, conferindoaessetrabalhadorvriosdireitostrabalhistasespecficos,comofrias

    25 O art. 11 da LETA (Lei espanhola n. 20/2007) prev que trabalhadores autnomos economicamente dependentes son aquellos que realizan una actividad econmica o profesional a ttulo lucrativo y de forma habitual, personal, directa y predominantemente para una persona fsica o jurdica, denominada cliente, del que dependen econmicamente por percibir de l, al menos, en 75 por ciento de sus ingresos por rendimientos de trabajo y de actividades econmicas o profesionales. Disponvel em: .Acesso em: 11 ago. 2012.

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    anuais, limitao da jornada, descanso semanal, horas extras, indenizaes pela demisso e negociao coletiva26.

    3.2 Integrao na atividade econmica do tomador

    A integrao do teletrabalhador na atividade empresarial, como elemento necessrioeimportanteparaqueosfinseconmicossejamatingidos,umforteindcio de laboralidade da relao27. So exemplos os digitadores, tradutores e jornalistas que trabalham para uma ou algumas organizaes, de forma continuada e mais ou menos habitual, executando tarefas diretamente relacionadas atividade-fimdotomador.Quandooteletrabalhadorexecutaatividadesintrinsecamenteligadassatividades-fimdaempresa,comoocasodeempresajornalsticaquecontrata teletrabalhador para fornecer matrias, dele exigindo a busca de notcias, a redao das informaes, comentrios sobre o fato investigado, etc., ou seja, a realizao de atividades que se ajustam ao ncleo de sua dinmica empresarial e soessenciaisefundamentaisaosfinscolimadospelaempresa,essetrabalhadorformaparteintegrantedoempreendimento,comoelementoindispensvelaosfinsalmejados,passaaostentaracondiodeempregado.Mesmosendoartificialmen-te inserido no sistema produtivo da empresa e, ainda que a relao ostente traos de autonomia e cooperatividade, se com sua atividade estiver intrinsecamente ligadoaosfinsdaempresatomadora,aindaquedeformamenosvisveiseporlaos menos densos, a relao adquire, em quase todos os casos, ndole laboral28.

    26 GONZLES DAZ, F. A.; et al. El Estatuto del trabajo autnomo. Anlisis de la Ley 20/2007, de 11 de julio (Jos Lujn Alcaraz Director). Madrid: Ediciones Laborum, 2007.

    27 AfirmaLuqueParraquejudicialmenteseexigequeeltrabajadorestintegradoenelmbitodeor-AfirmaLuqueParraquejudicialmenteseexigequeeltrabajadorestintegradoenelmbitodeor-ganizacin y direccin de la empresa, esto es, que sean cuales sean las condiciones de tiempo, lugar, manera o contenido de la prestacin no queden a la eleccin de quin ejecuta la obra o el servicio; no se requiera la presencia fsica del trabajador en un centro de trabajo o la sujecin a un horario prede-terminado. No ser difcil concluir que nos encontramos ante un trabajador autnomo cuando en su prestacin de servicios no est sometido a orden ni instruccin alguna por aquel a quien posteriormente ofrece el resultado de su trabajo, es decir, cuando exista una libertad absoluta en su actuar profesional (LUQUEPARRA,M.La(re)definicindelconceptodetrabajadorenelmbitodelasnuevastecno-logas a la luz del derecho de propiedad industrial y de propiedad intelectual. In: Relaciones Laborales y Nuevas Tecnologas, 2005).

    28 Na Espanha, Sagardoy Bengoechea, ao interpretar o art. 20 do Estatuto dos Trabalhadores, segundo o qual o trabalho deve realizar-se bajo la direccin del empresario, explica que, En realidad, el art. 1.1 ET ha recogido una doctrina jurisprudencial elaborada en las ltimas dcadas, y que vena atenuando la concepcin de la subordinacin entendida como sumisin completa a las rdenes del empresario y sustituyndola por la de sometimiento a la organizacin y disciplina de la empresa (STS de 7 junio de 1977), o inclusin del trabajador dentro de la esfera organicista, rectora y disciplinaria del patrono (STS de 16 diciembre de 1969), entendida como inclusin en el mbito de direccin y organizacin delempresario,lasubordinacinodependenciasignificaquestepuededardirectriceseinstruccionessobre la realizacin del trabajo concertada, as como sobre el tiempo, lugar y contenido del trabajo (STS de 20 de octubre de 1982) (SAGARDOY BENGOECHEA, J. A. Los derechos fundamentales y el contrato de trabajo. Madrid: Thomson Civitas, 2005. p. 28).

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    Muitos teletrabalhadores, dotados ou no de formao tcnica especiali-zada, so contratados como autnomos para executar atividades normalmente desenvolvidas pela empresa tomadora. So atrados por meio de vantagens indi-retas,bnus,prmioseacabamsendoinseridosnosfinsdaempresa,ganhandomais espao que o trabalho subordinado clssico. Porm, se a atividade exercida pelo teletrabalhador tiver relao direta com aquela normalmente desenvolvida pela empresa tomadora, esse trao, caracterstico da relao de emprego, faz presumir sua existncia. Se a atividade empresarial de consultoria em infor-mtica e, ao invs de contratar empregados, a empresa opta pela contratao de teletrabalhadores autnomos para executarem tarefas ligadas informtica, estar fraudando a legislao trabalhista, pois o teletrabalho contratado insere-senoncleode sua atividadeprodutiva (atividade-fim)eo teletrabalhadorintegra, com o seu trabalho, o seu ciclo produtivo. So exemplos tambm os teleprofessores contratados por instituies de ensino para dar assistncia aos alunos a distncia, os teleoperadores que prestam servios desde seu domiclio s empresas de telefonia ou telemarketing no comrcio eletrnico, os teletraba-lhadores contratados para realizar vendas, responder aos questionamentos dos clientes, dar informaes, solucionar dvidas, etc. Da relao assim estabelecida emanam fortes indcios de laboralidade.

    3.3 Propriedade das ferramentas e dos instrumentos de teletrabalho

    Fator importante,pormnodeterminantenaverificaodanaturezajurdica da relao de teletrabalho a propriedade dos instrumentos de traba-lho. No teletrabalho, mostra-se irrelevante a propriedade dos instrumentos de trabalhoparaofimdeseaferiranaturezajurdicadarelao.Asferramentasde trabalho, como o computador pessoal, internet, cmeras de vdeo e foto para computador ou webcams, suportes para guardar e portar dados, telefonia m-vel, tecnologias digitais de captao e tratamento de imagens e sons, scanners, tecnologias de acesso remoto, ou seja, os suportes tecnolgicos que permitem organizararedeafimdepossibilitararealizaodotrabalhoefavorecemacomunicao entre os postos de trabalho e o escritrio central, quando perten-cem ao empresrio, expressam uma situao de dependncia econmica do teletrabalhador em relao ao tomador de seus servios. Se os equipamentos fsicos de trabalho so de propriedade da empresa, como o computador, esse fato pode evidenciar o carter dependente da prestao29. Quanto ao know-how, ou

    29 Maria Regina Gomes Redinha diz que a avaliao dos ndices de autonomia e subordinao no tele-trabalhoconvocaalgumaadaptao,revestindo-sedesignificaoapropriedadedosinstrumentosdetrabalho (hardware e software); se pertencer ao estabelecimento corresponder a um posto de trabalho e ir revelar a existncia de um vnculo empregatcio (REDINHA, Maria Regina Gomes. O teletra-balho..., p. 95-96).

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    seja, o conhecimento necessrio para o desenvolvimento do teletrabalho, como a criao de programas informticos, se pertencente ao tomador de servios, a subordinao jurdica latente, pois a execuo da tarefa ter de realizar-se conforme orientaes do tomador, detentor do conhecimento necessrio realizao do trabalho contratado. Quando pertence ao teletrabalhador, isso no faz presumir autonomia, ao contrrio, tambm indcio de subordinao, pois mesmo possuindo know-how, ou seja, o conhecimento tcnico e o capital intelectual, o trabalho ter se desenvolvido conforme modelo solicitado pelo tomador, devendo o teletrabalhador apresentar o resultado esperado.

    3.4 Responsabilidade pelos riscos e custos do teletrabalho

    Elementos importantes, porm no igualmente determinantes, so a quem cabe a responsabilidade pelos riscos e custos do teletrabalho, como despesas com o local de trabalho, internet, linha telefnica, energia eltrica, assistncia tcnica,cursosprofissionalizantes,etc.,eosriscosdeimperfeioe/ouinutili-zao do teletrabalho executado30. So importantes, porm no determinantes, pois os custos e os riscos podem estar, e normalmente esto, inseridos no valor estipulado no contrato de teletrabalho. Quem suporta os custos, as perdas e os prejuzos, na maioria das vezes, o prprio operador telemtico, o que no retira da relao a dependncia e nem a subordinao, por se tratar de trabalho deslocalizado31. As unidades produtivas, cada vez mais, desenvolvem e adotam modelosdeorganizaofuncionaldegestodepessoalflexveleresponsa-bilizante dos prprios trabalhadores, que so afastados da cadeia hierrquica rigidamenteestratificada32.

    4 CONCLUSO

    A internet propicia a externalizao da atividade produtiva e a organiza-oempresarialemredeeredefineosmeiosdeproduo,exigindodoordena-mento jurdico laboral adaptao tecnolgica inerente ao mundo virtual. Para produzir, as empresas que adotam as novas tecnologias dependem apenas das redes de comunicao e de um computador com acesso internet. O trabalho

    30 A Resoluo CSJT n 109/2012, em seu art. 12, prev que O servidor responsabilizar-se- por providenciar as estruturas fsica e tecnolgica necessrias realizao do teletrabalho. Dispo-nvel em: .Acessoem:10ago.2012.

    31 REDINHA, Maria Regina Gomes. O teletrabalho..., p. 95-96.32 RAMALHO, Maria do Rosrio Palma. Do fundamento do poder disciplinar laboral. Coimbra: Alme-

    dina, 2003. p. 200.

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    realizado a distncia e enviado para os locais determinados, favorecendo a atividade econmica. O trabalhador permanece ligado rede, responde s men-sagens, atende as urgncias, trabalha quando chamado. No entanto, a distncia entre o prestador de servios e o tomador de seus servios no faz presumir disponibilidade, pois o tomador tem plenas condies de acompanhar a quanti-dade de trabalho que est sendo realizada, a qualidade do trabalho, pode emitir ordens e instrues por meio dos instrumentos informticos (NTIC), como se estivesse presente.

    Na economia informacional os requisitos tradicionais da relao de emprego, que por dcadas orientou o intrprete na aplicao da lei trabalhista, perdemrelevnciaesignificado.Olocaldaprestao,afixaodehorriosdetrabalho, a pessoalidade e continuidade apresentam-se, no trabalho tecnolgico, de maneira diferente. A subordinao latente nas relaes de emprego consi-deradas normais agora est centrada na informtica. A alterao na morfologia tpica do trabalho subordinado pela afetao da tecnologia conduz necessria reconstruo interpretativa do ordenamento jurdico laboral e do sistema de indcios,poisoselementosconfiguradoresdovnculoempregatcioincidemsobreoutrosfatores,atentodesconhecidosoudepoucosignificado,taiscomoa alheneidade, a propriedade dos meios de produo e a dependncia econmica do teletrabalhador em relao ao tomador de seus servios. No teletrabalho, o teletrabalhador conta com uma certa autonomia para organizar, dirigir e con-trolar de forma mais ou menos independente o seu trabalho e pode, inclusive, assumir as responsabilidades e os riscos prprios do negcio. No entanto, em quase todos os casos, a atividade exercida coordenada e o teletrabalhador ter de apresentar o resultado esperado pelo tomador dos servios.

    A invisibilidade do teletrabalho realizado a distncia, longe dos centros de produo e de tomada de decises, e a maior independncia funcional podem acarretarproblemasdequalificaodanaturezajurdicadarelao,econformeas condies em que o teletrabalho desenvolvido poder revelar uma relao de emprego, prestao de servios sem vnculo empregatcio, trabalho autnomo, ouformascombinadas.Otrabalhopelosmeiostecnolgicos,comflexibilidadede horrio, prestado de forma ocasional, em atividade no essencial empresa, em princpio, um teletrabalho autnomo. Porm, entre os diversos tipos de autnomos que prestam servios por conta alheia esto os falsos autnomos. Assim,paraidentificaodarealqualificaojurdicadoteletrabalhoserneces-srio atentar para as condies de fato em que a atividade exercida (princpio da primazia da realidade), podendo o teletrabalhador, segundo o ordenamento jurdicobrasileiro,ostentar trsqualificaes:1) teletrabalhadorempregado(CLT, art. 3 c/c art. 6); 2) teletrabalhador autnomo (regido pelo Cdigo

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    Civil ou legislao esparsa); e 3) teletrabalhador em domiclio, propriamente dito (CLT, art. 6). Na pesquisa sobre a natureza jurdica do teletrabalho alguns aspectos podem deixar evidente a existncia da relao laboral, com destaque: a) colaborao de carter no ocasional, ou seja, trabalho executado por mais de uma vez, sendo irrelevante a descontinuidade, na medida em que continuidade aferida no tempo; b) trabalho coordenado e relacionado atividade normal-mente desenvolvida pelo tomador dos servios; c) cumprimento de metas e/ou apresentao de resultados; d) controle informtico direto ou indireto; e) uso de meios informticos e do patrimnio intelectual do tomador dos servios; f) treinamentos/qualificaoproporcionados pelo tomador dos servios; g)exigncia de manuteno das vias de comunicao abertas; h) dependncia econmica do teletrabalhador para com o credor de seu trabalho. As posies de comando, controle e superviso, diretos ou indiretos, visveis ou invisveis, a partir de ordens e orientaes tcnicas, contnua ou remotamente enviadas, so indicadores da natureza jurdica da relao. Importante ater-se, tambm, alheneidade dos frutos, que engloba riscos, mercado e meios. O risco est ligado a onerosidade, a retribuio pelos servios, percepes econmicas em dinheiroouespcie;domercadoverifica-sequandoentrequemrealizaaobraouprestaoservioeoconsumidorfinalseinterpeumaterceirapessoaotomador , que dispe da forma e condies em que a obra ou produto deve serrealizadooucomercializado;dosmeios,queseverificapelapropriedadeos instrumentos necessrios a execuo do trabalho.

    As particularidades do teletrabalho no chegam, de fato, a atingir os elementos clssicos da relao de emprego, exigindo, apenas, interpretao luz das novas tecnologias aplicadas produo. No entanto, podem afetar as regrasdaaocoletiva,pelasdificuldadesemseadaptarumtipoaberto,como o teletrabalho, aos circuitos cerrados do direito sindical brasileiro, ou seja, aos tipos tradicionais manejados pelo ordenamento laboral sindical.

    O modelo de direito social laboral, protecionista, alcanado por meio de lutas e conquistas da classe trabalhadora, abrangente e garantista e tem por objetivo afastar qualquer ameaa de leso aos direitos trabalhistas. Contudo, tem de ser compreendido, interpretado e aplicado de acordo com a evoluo social e os novos tempos. A retrao do modelo garantista resulta, muitas ve-zes,deinterpretaesliterais,fechadas,poucoflexveis,quevomoldandoumconstitucionalismo liberal, antes do social. No trabalho executado por meio das NTICs, as normas jurdicas tero de ser interpretadas/reinterpretadas e preen-chidasdesentidoafimdequeosdireitosfundamentais,sociaisfundamentaise laborais dos trabalhadores no se mantenham na abstrao, ameaados e em constante risco de leso.

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