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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 01 disponível em www.projetocapim.com.br Projeto CAPIM – Pesquisa e Extensão; Departamento de Zootecnia; ESALQ-USP Abril de 2009 PLANTAS TÓXICAS DE INTERESSE PECUÁRIO Ana Carolina P. A. Rossetti; Moacyr Corsi 1. Importância das plantas tóxicas A bovinocultura de corte no Brasil é essencialmente baseada em sistemas de pastagens. Estima-se que 80% dos quase 60 milhões de hectares das áreas de pastagens na região de cerrados apresentam algum estádio de degradação (MACEDO et al., 2000). Um dos problemas resultantes da degradação pelo manejo inadequado das pastagens é a infestação por plantas daninhas. Ao competir pelos fatores de crescimento, as plantas daninhas promovem queda da capacidade de suporte da pastagem, aumentam o tempo de formação e de recuperação do pasto, podendo causar ferimentos e/ou intoxicação aos animais e comprometendo a estética da propriedade (ROSA, 2001; SILVA et al., 2002; citados por ANDRADE, 2007). Denomina-se planta tóxica todos os vegetais que, introduzidos no organismo dos homens ou de animais domésticos são capazes de causar danos à saúde e vitalidade desses seres. Segundo Afonso e Pott (2000), planta tóxica é a que provoca perturbações diretas ou indiretas na saúde do gado, às vezes pouco percebidas. As intoxicações por plantas em animais de produção, no Brasil e no Uruguai são conhecidas desde que os pioneiros Espanhóis e Portugueses introduziram as primeiras cabeças de gado em pastagens naturais da região. As perdas econômicas ocasionadas pelas intoxicações por plantas podem ser definidas como diretas ou indiretas. As perdas diretas são causadas pelas mortes de animais, diminuição dos índices reprodutivos (abortos, infertilidade, malformações), redução da produtividade nos animais sobreviventes e outras alterações devidas a doenças transitórias, enfermidades subclínicas com diminuição da produção de leite, carne ou lã, e aumento à susceptibilidade a outras doenças devido à depressão imunológica. As perdas indiretas incluem os custos de controlar as plantas tóxicas nas pastagens, as medidas de manejo para evitar as intoxicações como a utilização de cercas, a redução do valor da forragem devido ao atraso na sua utilização, a redução do valor da terra, e os gastos associados ao diagnóstico das intoxicações e ao tratamento dos animais afetados (JAMES 1994 citado por RIET-CORREA et al., 2001).

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 01 – disponível em www.projetocapim.com.br Projeto CAPIM – Pesquisa e Extensão; Departamento de Zootecnia; ESALQ-USP Abril de 2009

PLANTAS TÓXICAS DE INTERESSE PECUÁRIO

Ana Carolina P. A. Rossetti; Moacyr Corsi

1. Importância das plantas tóxicas

A bovinocultura de corte no Brasil é essencialmente baseada em sistemas de pastagens.

Estima-se que 80% dos quase 60 milhões de hectares das áreas de pastagens na região de

cerrados apresentam algum estádio de degradação (MACEDO et al., 2000). Um dos problemas

resultantes da degradação pelo manejo inadequado das pastagens é a infestação por plantas

daninhas. Ao competir pelos fatores de crescimento, as plantas daninhas promovem queda da

capacidade de suporte da pastagem, aumentam o tempo de formação e de recuperação do pasto,

podendo causar ferimentos e/ou intoxicação aos animais e comprometendo a estética da

propriedade (ROSA, 2001; SILVA et al., 2002; citados por ANDRADE, 2007).

Denomina-se planta tóxica todos os vegetais que, introduzidos no organismo dos homens

ou de animais domésticos são capazes de causar danos à saúde e vitalidade desses seres. Segundo

Afonso e Pott (2000), planta tóxica é a que provoca perturbações diretas ou indiretas na saúde do

gado, às vezes pouco percebidas.

As intoxicações por plantas em animais de produção, no Brasil e no Uruguai são

conhecidas desde que os pioneiros Espanhóis e Portugueses introduziram as primeiras cabeças

de gado em pastagens naturais da região. As perdas econômicas ocasionadas pelas intoxicações

por plantas podem ser definidas como diretas ou indiretas. As perdas diretas são causadas pelas

mortes de animais, diminuição dos índices reprodutivos (abortos, infertilidade, malformações),

redução da produtividade nos animais sobreviventes e outras alterações devidas a doenças

transitórias, enfermidades subclínicas com diminuição da produção de leite, carne ou lã, e

aumento à susceptibilidade a outras doenças devido à depressão imunológica. As perdas indiretas

incluem os custos de controlar as plantas tóxicas nas pastagens, as medidas de manejo para evitar

as intoxicações como a utilização de cercas, a redução do valor da forragem devido ao atraso na

sua utilização, a redução do valor da terra, e os gastos associados ao diagnóstico das intoxicações

e ao tratamento dos animais afetados (JAMES 1994 citado por RIET-CORREA et al., 2001).

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A intoxicação por plantas está entre as três causas mais comuns de mortes de bovinos

adultos no Brasil. Na região Norte do país, plantas tóxicas são a principal causa mortis desses

animais, sendo responsáveis por mais óbitos do que a raiva e o botulismo.

As plantas tóxicas também podem causar danos ao homem. Gorniak et al. (1987)

afirmaram ser possível encontrar o princípio tóxico de uma planta consumida por bovinos no

leite consumido pelo homem. Algumas plantas são ricas em alcalóides pirrolizidínicos, podendo

provocar efeitos tóxicos e carcinogênicos no fígado do homem (ALLEN et al., 1975, citado por

ANDRADE, 2007).

2. Definição de planta tóxica de interesse pecuário

Pode-se definir como planta tóxica de interesse pecuário, aquela que quando ingerida

pelos animais domésticos, sob condições naturais, causa danos à saúde ou até a morte, ou seja,

aquela que produz quadros clínico-patológicos em condições naturais. Além disso, a toxicidade

da planta deve ser comprovada experimentalmente.

Existem diversas crendices no Brasil a respeito de plantas tóxicas, o que pode levar a

idéias equivocadas. Um exemplo de conceito equivocado é que lactescência está relacionada à

toxicidade. A maioria das plantas tóxicas não é lactescente e a maioria das plantas lactescentes

não é tóxica. A planta lactescente mais indicada como causa de mortes em bovinos é a

Oxypetalum banksii (paininha, cipó-de-leite ou timbó), considerada não tóxica

experimentalmente por Tokarnia et al. (1967).

3. Ação das plantas tóxicas

A grande maioria das plantas tóxicas tem ação remota, isto é, o princípio tóxico não afeta

o tubo digestivo, é absorvido pela mucosa gastrintestinal, e através da circulação-porta, é levado

ao fígado. Antes de chegar ao fígado, a microflora ruminal pode modificar a toxicidade do que é

ingerido, por processos de degradação ou fixação de toxinas. No fígado, a estrutura da toxina

pode sofrer processos de oxidação, redução e desdobramentos, e só então cai na corrente

sanguínea geral, alcançando tecidos e órgãos.

Uma crença comum é de que quantidades mínimas de plantas tóxicas seriam suficientes

para causar a morte de um animal. Mesmo as plantas mais tóxicas, como Baccharis coridifolia

(mio-mio) e Palicourea marcgravii (erva-de-rato) precisam ser ingeridas em doses de 0,25 e 0,6

g por kg de peso animal, respectivamente. Isto é, um bovino de 300 kg tem que comer pelo

menos 180 g de folhas erva-de-rato para intoxicar-se, massa equivalente a mais de 150 folhas.

Quando se fala em dose letal, para a maioria das plantas tóxicas, essa dose se refere à quantidade

a ser ingerida durante um dia. No caso das plantas cianogênicas, cujo princípio tóxico é

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absorvido rapidamente, o prazo para ingestão da dose letal é de aproximadamente uma hora. Há

ainda, plantas que precisam ser ingeridas durante períodos prolongados para causar efeitos

nocivos. Pteridium aquilinum (samambaia), por exemplo, para causar quadro de intoxicação

aguda, precisa ser ingerida pelos bovinos em doses acima de 10 g/kg por dia, por pelo menos um

ano.

3.1 Fatores que influenciam a toxidez das plantas

3.1.1 Fatores ligados à planta

• Fase de crescimento – Dependendo da espécie da planta, sua toxidez é maior em

determinada fase do crescimento. Plantas cianogênicas como Mascagnia pubiflora e

Pseudocalymma elegans são mais tóxicas quando em brotação. Baccharis coridifolia, ao

contrário, é mais tóxica quando madura.

• Partes tóxicas – Na maioria das plantas tóxicas de interesse pecuário, as partes

tóxicas são as folhas. No caso de Stryphnodendron coriaceum o fruto é a parte mais tóxica. Há,

ainda, plantas cujo princípio tóxico se encontra em diferentes partes (por exemplo, nas folhas e

frutos de Sessea brasiliensis). No caso de Ricinus communis, as sementes causam transtornos

digestivos e as folhas causam distúrbios nervosos.

• Estado e armazenamento – Algumas plantas, por exemplo certas cianogênicas,

perdem a toxidez pelo processo de dessecagem.

3.1.2 Fatores ligados ao animal

• Espécie animal – As diversas espécies animais não tem a mesma

sensibilidade à ação tóxica das plantas. Senecio brasiliensis, por exemplo, é tóxica para bovinos,

mas não afeta ovinos e caprinos. Uma mesma planta pode, ainda, desencadear diferentes reações

em espécies distintas. Em ruminantes, Pteridium aquilinum causa quadros de intoxicação devido

à ação radiomimética, enquanto em monogástricos, provoca deficiência de vitaminba B1, pelo

efeito da tiaminase.

• Pigmentação – Animais despigmentados são mais sensíveis a plantas que

causam fotossensibilização.

• Exercício – É um fator importante em relação às plantas que interferem no

funcionamento cardíaco ou no sistema nervoso central, especialmente em relação às plantas que

causam “morte súbita”. Dependendo da quantidade ingerida, o exercício pode ser o fator

decisivo para levar o animal à morte.

• Ingestão de água – Ao contrário do que costuma ser dito, ingestão de água

pouco influencia o quadro clínico-patológico apresentado pelo animal. Tokarnia et al. realizaram

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um experimento com bovinos avaliando o efeito da ingestão de água após ingestão de Baccharis

coridifolia, e concluíram que não houve qualquer variação na toxidez da planta. A planta em

questão tem efeito cáustico, o que determina maior ingestão de água. Portanto, observações

levam a crer que os animais que ingerem mais água, provavelmente, são os mais severamente

intoxicados.

• Tolerância e imunidade – Animais tolerantes demonstram um aumento de

resistência a uma determinada substância, provavelmente devido ao aumento da capacidade das

células do organismo de eliminar o princípio tóxico. Animais imunes são capazes de sintetizar

antitoxinas específicas contra princípios tóxicos de natureza protéica.

4. Condições em que ocorre intoxicação

A fome é a condição mais freqüente de ocorrência de intoxicação por plantas. Em

momentos de estiagem os animais tendem a ingerir plantas que normalmente não comem, pelo

menos não em dose letal (por exemplo, Sessea brasiliensis). Em pastagens queimadas ou em

início de estação chuvosa, é comum existirem plantas tóxicas que brotam antes do capim e são

ingeridas por falta de alternativa.

Porém, as plantas mais perigosas são aquelas que o animal ingere por preferência. É o

caso de Palicourea marcgravii, P. grandiflora, Mascagnia rígida, M. pubiflora, plantas que são

ingeridas sempre que os animais têm acesso a elas.

Animais nascidos e criados em regiões de ocorrência da planta Baccharis coridifolia

podem desenvolver um senso de discriminação, provavelmente resultante de um processo de

aprendizagem, que os fazem evitar a ingestão dessa planta. No entanto, quando animais

procedentes de regiões onde B. coridifolia não ocorre são transferidos a pastagens infestadas por

essa planta, a probabilidade de ingestão é alta.

5. Diagnóstico de intoxicação

O diagnóstico de intoxicação deve se basear no maior número de dados possível,

evitando, que mortes por causa desconhecida sejam automaticamente atribuídas à intoxicação. O

quadro clínico-patológico é a base para a investigação, e aliado a dados de campo, geralmente,

permite um diagnóstico seguro sem necessidade de análises laboratoriais.

5.1 Medidas a serem tomadas no caso de intoxicação

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A primeira providência a ser tomada em caso de suspeita de intoxicação é retirar o

rebanho do pasto onde se encontra, para evitar que os animais continuem a ingerir a planta

tóxica. Essa retirada deve ser feita com cuidado e lentamente, para evitar a precipitação da morte

de animais sob risco de “morte súbita”. Em algumas intoxicações de evolução subaguda, esse

procedimento, sem tratamento adicional, permite a recuperação dos animais, desde que o quadro

de intoxicação não esteja muito adiantado.

A segunda providência é o tratamento dos animais doentes e a execução de medidas

profiláticas. A medida preventiva mais eficiente é a erradicação das plantas tóxicas através do

controle químico e/ou mecânico. Quando a erradicação não é possível, deve-se isolar áreas

infestadas por plantas tóxicas, por exemplo, evitando o acesso do gado a matas e capoeiras

infestadas por Palicourea marcgravii.

6. Principais plantas tóxicas de interesse pecuário

6.1 Plantas que afetam o funcionamento do coração

6.1.1 Plantas que causam morte súbita – Palicourea marcgravii, Pseudocalymma

elegans, Mascagnia pubiflora, M. rígida (tingui, timbó), Arrabidaea bilabiata (chibata).

As plantas que causam morte-súbita são as mais importantes no Brasil, sendo

responsáveis por metade das mortes de bovinos causadas por plantas tóxicas. Os animais

aparentemente sadios, de súbito caem ao solo, e morrem em questão de minutos. O quadro

clínico-patológico sugere que essas plantas interfiram no funcionamento do coração, levando a

morte por insuficiência cardíaca aguda.

As plantas deste grupo pertencem a três famílias botânicas: rubiaceae, bignoniaceae e

malpighiaceae.

Palicourea marcgravii

É a planta tóxica mais importante do Brasil devido a sua extensa distribuição

territorial, alta toxidez, comum ingestão e feito acumulativo. É um arbusto pertencente à família

rubiaceae conhecido pelos nomes populares erva-de-rato, cafezinho, roxinha, entre outros. Como

todos os nomes populares, esses termos devem ser usados com cautela, pois a maioria deles é

também aplicada para outras plantas, nem sempre tóxicas.

Essa planta é encontrada em todo país, exceto na região Sul e no Estado de Mato

Grosso do Sul. Seu hábitat são regiões de boa pluviosidade, jamais ocorrendo em várzeas.

Desenvolve-se bem em meia sombra, na beira de matas, por exemplo. Em pastagens com pouca

infestação por daninhas, onde a “erva-de-rato” fica diretamente exposta ao sol sua ocorrência é

mais rara.

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O princípio tóxico é o ácido monofluoracético, que após ingestão é convertido em

fluorocitrato, que por sua vez, interrompe o ciclo de Krebs. A dose letal para bovinos é de 0,6 g

de folhas frescas por kg de peso corporal. Os frutos são mais tóxicos que as folhas, e não há

perda de toxidez por dessecagem. Em bovinos e ovinos, a evolução da intoxicação é superaguda,

da ordem de 1 a 10 minutos, até no máximo 85 minutos para bovinos. Em eqüinos, a evolução é

mais longa, de algumas horas. Os sintomas da intoxicação para bovinos são tremores

musculares, queda do animal seguida de movimentos de pedalagem e convulsão final tônica.

Em virtude da evolução superaguda da intoxicação, não se indica nenhum

tratamento. Recomenda-se movimentar os animais o mínimo necessário durante alguns dias. Um

método de controle indicado é o arranquio com enxadão e posterior controle químico com

herbicida granulado na cova.

Mascagnia pubiflora

É uma das plantas tóxicas mais importantes das regiões Centro-Oeste e Sudeste,

sendo popularmente conhecida por corona ou cipó-prata. É um cipó ou arbusto escandente de

difícil erradicação devido ao sistema radicular bem desenvolvido. Pertence à família

Malpighiaceae e pode ser encontrada em duas formas, uma em que as folhas são glabras (sem

pêlos), e outra em que elas são pilosas, conferindo aspecto prateado. Sua ocorrência é comum

nos Estados do Mato Grosso do Sul, de São Paulo, bem como no Triângulo Mineiro e sul de

Goiás.

M. pubiflora é tóxica para bovinos, mas não para eqüinos. Os bovinos ingerem a

planta indiscriminadamente e os casos de intoxicação são mais comuns no período de seca. A

dose letal não varia entre as formas glabra e pilosa, mas varia amplamente em relação ao estádio

de crescimento da planta. Quando a planta está em brotação, floração e frutificação, geralmente

nos últimos meses da estação seca, a dose letal é de 5 g de folhas frescas por kg de peso corporal.

Quando a planta está madura, geralmente no final da estação chuvosa, a dose letal é de 20 g/kg.

A evolução da intoxicação varia de aguda (poucos minutos) a superaguda (até 48 h).

Os sintomas consistem na relutância em se levantar, andar rígido, tremores musculares, queda, e

o animal passa a urinar com maior freqüência. Na fase final, o animal cai, realiza movimentos de

pedalagem e morre.

Experimentos que objetivaram isolar o princípio tóxicos não foram conclusivos, mas

a toxicidade provavelmente está relacionada às cromonas rubrofusarina e ustilaginoidina. Não

existe tratamento conhecido para intoxicação por M. pubiflora.

6.1.2 Plantas que causam intoxicação subaguda a crônica – Tetrapterys acutifólia, T.

multiglandulosa e Ateleia glazioviana (timbó, cinamomo-bravo).

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Essas plantas causam lesões cardíacas bem visíveis à necropsia, resultado de necrose

das fibras cardíacas e fibrose do miocárdio, assim como edemas generalizados no fígado.

Tetrapterys spp

São cipós ou arbustos escandentes da família Malpighiaceae, conhecidos como cipó-

preto, cipó-ruão, cipó-vermelho e cipó-ferro. Sua ocorrência se restringe à região Sudeste. A

intoxicação ocorre principalmente devido a ingestão dos brotos, principalmente na época seca. A

dose letal varia de acordo com o tempo de exposição ao princípio tóxico. A ingestão diária de 5 g

de brotos frescos por kg de peso corporal durante 60 dias, assim como a ingestão diária de 20

g/kg durante dez dias é capaz de levar animais à morte.

A evolução da intoxicação geralmente é subaguda com tendência à

cronicidade. Os sintomas mais observados são edema na parte inferior da barbela e na região

esternal (quadro importante para realização do diagnóstico), arritmia cardíaca, dificuldade de

locomoção, anorexia e tremores musculares. O

princípio tóxico de Tetrapterys spp e o tratamento da intoxicação não são conhecidos. A medida

profilática recomendada é a erradicação, já realizada em diversas propriedades através do

controle mecânico (arranquio com enxadão).

6.2 Plantas que afetam o tubo digestório

Essas plantas subdividem-se em causadoras de lesões no tubo digestório e causadoras

de timpanismo agudo. O timpanismo pode ser causado por prejuízos na ercutação, devido a

toxinas vegetais (glicosídeos cianogênicos) ou desbalanço no ambiente ruminal. Existe um tipo

de timpanismo denominado espumoso, que está relacionado à ingestão de leguminosas, e

formação de espuma no rúmen, resultando em paralisação completa do órgão e, em certos casos,

morte.

Existem ainda, plantas que acarretam perturbações digestivas além de outros distúrbios.

Na intoxicação por Polygala klotzschii, além das perturbações nervosas que dominam o quadro

clínico-patológico, mais tarde aparece severa diarréia líquida. Nas intoxicações por plantas

nefrotóxicas, além de edemas subcutâneos, ocorrem perturbações digestivas com fezes pastosas,

com muco e sangue.

Baccharis coridifolia

É um sub-arbusto pertencente à família Compositae, conhecido como mio-mio. É

uma das plantas tóxicas mais importantes e comuns no Sul do Brasil, sendo responsável por

lesões no tubo digestivo de bovinos, ovinos e eqüinos. Os animais ingerem a planta apenas

quando são procedentes de regiões onde a esta não ocorre, o que indica que animais nascidos e

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criados em regiões de ocorrência de Baccharis coridifolia adquirem um senso de discriminação e

dificilmente se intoxicam.

Todas as partes da planta são tóxicas, mas flores e sementes tem maior toxicidade.

Em época de brotação, geralmente no início das águas, a dose letal é de aproximadamente 2 g de

planta fresca por kg de peso corporal. Na época da frutificação, geralmente no início da seca,

apenas 0,25 a 0,25 gkg-1 são suficientes para causar a morte de bovinos. Nos casos fatais, os

primeiros sintomas aparecem entre 5 e 29 h após a ingestão por bovinos. Os sintomas de

intoxicação são anorexia, instabilidade dos membros posteriores podendo estar associada a

tremores musculares. Os animais ficam inquietos, deitam-se e levantam-se seguidamente,

permanecendo cada vez mais em decúbito esternal. Os animais mostram, ainda, focinho seco,

secreção nos olhos, fezes ressequidas, em alguns casos gemidos e taquicardia. Os achados de

necropsia são edema na parede do rúmen e do retículo.

Os princípios tóxicos são tricotecenos (micotoxinas produzidas por fungos do solo) e

macrocíclicos. Uma medida profilática importante é evitar que animais recém introduzidos na

propriedade, quando ainda estão com fome em decorrência da viagem, tenham contato com a

planta daninha.

Ricinus communis

É um arbusto da família Euphorbiaceae, conhecido como mamona ou carrapateira.

Suas sementes, quando ingeridas na quantidade de 2 g/kg por bovinos adultos, conduz ao quadro

de gastroenterite e morte. Acredita-se que a ingestão ocorra de forma acidental, geralmente

através de alimentos fornecidos no cocho, tais como torta de mamona não-detoxificada, ou

suplementos que tiveram sementes de mamona incorporadas aos mesmos durante o preparo. Os

sintomas principais são diarréia líquida com muco e, às vezes, estrias de sangue. O princípio

tóxico encontrado na semente é a ricina. Nas folhas e no pericarpo, encontra-se outra substância

tóxica, a ricinina que causa intoxicação de sintomatologia nervosa.

6.3 Plantas hepatotóxicas – Cestrum laevigatum (coerana, baúna); Sessea brasiliensis

(canela-de-veado, peroba-d’água).

De forma geral, a ingestão dessas plantas provoca o aparecimento de severa distrofia

hepática, podendo causar, ainda, cirrose hepática.

Cestrum laevigatum

É um arbusto da família Solanaceae, e uma das plantas tóxicas mais importantes do

país, encontrada nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. O nome popular atribuído a ela é

coerana. Sua ingestão só ocorre durante a brotação, e em situação de escassez de forragem aos

animais. Após a roçada, quando as folhas murcham, há indícios de ingestão voluntária,

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aumentando o risco de intoxicação. As espécies animais sensíveis ao princípio tóxico (saponinas)

são os bovinos, caprinos e ovinos. Quantidades ingeridas de 25 a 50 g/kg, em bovinos, são

capazes de conduzir cerca de 80% dos animais à morte.

Em condições naturais, a intoxicação tem caráter agudo, e os primeiros sintomas são

percebidos 15 a 24 h após ingestão. Os sintomas observados são anorexia, parada ruminal, fezes

sob forma de pequenas esferas, às vezes com estrias de sangue. Percebem-se, também, tremores

musculares e andar cambaleante. Com o decorrer do tempo, os animais se deitam, rangem os

dentes, realizam movimentos de pedalagem, há retração dos globos oculares, seguindo-se a

morte.

O tratamento sugerido deve ser a base de extratos hepáticos antitóxicos por via

endovenosa. A principal medida profilática é a erradicação por controle mecânico e químico.

Sessea brasiliensis

É uma árvore da família Solanaceae conhecida por peroba-d’água, canela-de-veado,

pau-d’osso e queluz. Sua distribuição é restrita a região Sudeste, ocorrendo principalmente no

Vale do Paraíba. A ingestão das brotações mais novas da árvore ocorre apenas quando os

bovinos estão com fome, em momentos de escassez de pasto. A intoxicação é aguda e ocorre

com doses de aproximadamente 30 gkg-1. A intoxicação também pode ser causada pela ingestão

dos frutos (dose letal de 10 gkg-1). Os primeiros sintomas aparecem cerca de 12 h após a

ingestão e a evolução do quadro é de 12 a 36 h. Os sintomas são bem semelhantes aos de

Cestrum laevigatum, assim como o tratamento sugerido. A profilaxia consiste principalmente em

evitar o acesso à planta pelos animais, principalmente na época seca, quando é mais comum

haver escassez de alimento.

Senecio spp

Existem mais de 1200 espécies de Senecio descritas, e cerca de 25 delas são

conhecidamente tóxicas devido à presença de alcalóides do grupo pirrolizidinas. Tanto bovinos

quanto eqüinos são sensíveis à intoxicação. No Brasil, a espécie tóxica mais comum é Senecio

brasiliensis, popularmente conhecida como maria-mole e flor-das-almas. Sua ocorrência é mais

comum da região Sul e áreas mais frias da região Sudeste.

A ingestão da planta, geralmente do broto, ocorre quando há escassez de alimento,

ou quando a planta está presente no feno ou silagem fornecida aos animais. Sob condições

naturais, a intoxicação geralmente é crônica, evoluindo entre 1 e 10 dias. Os sintomas

observados são paralisação do rúmen, sangue nas fezes e freqüência cardio-respiratória

aumentada. Não se conhece tratamento para essa intoxicação. Recomendam-se medidas

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profiláticas de erradicação da planta através de controle químico, em pastagens e campos para

confecção de feno e silagem.

6.4 Plantas nefrotóxicas

No Brasil, a planta tóxica mais importante desse grupo é Thiloa glaucocarpa

(cipaúba, vaqueta), que ocorre principalmente na caatinga nordestina. As outras plantas

nefrotóxicas de interesse pecuário pertencem ao gênero Amaranthus, porém, há poucos relatos de

intoxicação por essas plantas (a dose a ser ingerida para causar intoxicação é muito elevada, da

ordem de 400 gkg-1). O principal dano causado é a nefrose tubular.

6.5 Plantas que causam perturbações nervosas – Polygala klotzschii (laranjinha,

limãozinho); Ipomea fistulosa (manjorana, canudo)

Ipomea fistulosa

Pertence a família Convolvulaceae e é popularmente conhecida como canudo,

manjorana e algodão-bravo. A ocorrência de intoxicação por essa planta é mais comum na região

Nordeste, durante a seca, quando praticamente não há plantas verdes nas pastagens. Essa planta

também ocorre no Pantanal, Pará, regiões Sul e Sudeste, mas não é considerada importante como

planta tóxica nessas áreas.

Polygala klotzschii

Pertence à família Polygalaceae e é conhecida como laranjinha ou limãozinho. No

quadro clínico dessa intoxicação predominam manifestações neuromusculares, havendo também

perturbações digestivas. Só ocasionalmente essa planta é responsável por intoxicação. Há relatos

de bovinos intoxicados por P. klotzschii na região do Pontal do Paranapanema e no Estado do

Mato Grosso do Sul.

A planta ocorre em campos sujos e beira de matas, e só é ingerida em condição de

escassez de alimento.

6.6 Plantas fotossensibilizantes – Lantana spp (chumbinho, camará); Pithomyces

chartarum associado a Brachiaria spp.

A fotossensibilização caracteriza-se por uma sensibilidade exagerada do animal aos

raios solares. Há dois tipos de fotossensibilização causada por plantas, a primária e a secundária

(hepatógena). Na primária, um pigmento contido na planta tóxica é absorvido pela mucosa

intestinal, passa pelo fígado e cai na corrente sanguínea geral, alcançando a pele, onde induz a

sensibilidade excessiva. Na fotossensibilização hepatógena, o princípio tóxico da planta provoca

alterações hepáticas resultando em perturbações no mecanismo de eliminação da filoeritrina, que

passa a circular na corrente sanguínea geral causando a hipersensibilidade.

Page 11: 001-plantas toxicas

A fotossensibilização causa lesões na pele, sobretudo em áreas menos protegidas

pelo pelame. As lesões se caracterizam por eritrema seguido por edema inflamatório, com

espessamento das partes afetadas. Finalmente ocorre necrose da pele e gangrena seca a pele

lesada toma aspecto de casca e se desprende. Geralmente a intoxicação é acompanhada de

anorexia e inquietação. Em caso de fotossensibilização hepatógena ocorre também icterícia.

No Brasil, apenas duas espécies vegetais causam a hipersensibilidade primária,

ambas ocorrem na região Sul (Fagopyrum esculentum e Ammi majus).

6.6.1 Plantas que causam fotossensibilização hepatógena

Lantana spp

São conhecidas mais de 50 espécies do gênero Lantana, mas a espécie tóxica mais

importante é Lantana camara. É importante frisar que nem todas as espécies de Lantana e nem

todos os taxa de Lantana camara são tóxicos. No Brasil, Lantana spp é encontrada da Amazônia

ao Rio Grande do Sul. Para ocorrer intoxicação, são necessários dois requisitos: que os animais

estejam com fome e sendo transferidos de pasto ou região. Também pode ocorrer intoxicação em

bovinos jovens que começam a pastejar ou animais maduros confinados em áreas infestadas com

oferta de alimento escassa.

A dose letal para bovinos é de aproximadamente 30 a 40 gkg-1 (plantas frescas em

dose única), ou 10 gkg-1 em doses repetidas durante 5 dias. O princípio tóxico consiste em

triterpenos, e não há perda de toxidez por dessecagem. Nos casos letais, a evolução da

intoxicação varia de 3 dias a duas semanas. O tratamento visa evitar a contínua absorção da

toxina, o animal deve ficar na sombra e as feridas devem ser tratadas. A principal medida

preventiva é evitar a introdução de animais, logo que cheguem ao seu novo destino, em pastos

infestados por Lantana spp.

Pithomyces chartarum associado a Brachiaria spp

P. chartarum é um fungo saprófita de material vegetal em decomposição comumente

apontado por causar fotossensibilização hepatógena. Porém, essa idéia vem sendo questionada,

havendo a possibilidade de plantas de Brachiaria tornarem-se tóxicas sem a participação de

outros agentes. A descoberta da participação de P chartarum na fotossensibilidade foi feita na

Nova Zelândia, após pesquisas sobre eczema facial. No Brasil, a hipersensibilidade cutânea está

estreitamente ligada a B decumbens. Diversos experimentos isolaram P chartarum a partir de

pastagens onde ocorreram casos de fotossensiblidade, indicando que o fungo seria elemento

essencial à eclosão do processo.

A doença aparece em pastagens onde há abundante material vegetal morto, e sob

condições climáticas que favoreçam o crescimento do fungo, há produção de grande quantidade

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de esporos, que contém o princípio tóxico (esporedesmina). As condições ideais para

esporulação envolvem umidade do ar superior a 98% e temperatura do solo de no mínimo 12 oC,

durante 72 h. É provável que as quantidades de esporos suficientes para causar a doença sejam

ingeridas quando os animais pastejam próximo ao solo, por exemplo quando há elevada taxa de

lotação.

O início da fotossensibilidade ocorre 14 a 28 dias após a ingestão da toxina. Os

sintomas são semelhantes para bovinos e ovinos: animais ficam inquietos, procuram a sombra,

tem apetite reduzido e apresentam icterícia, além das lesões típicas já descritas. O tratamento

visa evitar a ingestão continuada da toxina, fornecimento de sombra e controle sintomático das

lesões cutâneas e miíases.

6.7 Plantas de ação radiomimética

Pteridium aquilinum

Pertence à família Polypodiaceae e é conhecida como samambaia, uma planta tóxica

de grande importância. P aquilinum, tem dois princípios tóxicos diferentes, um que causa

perturbações nervosas (tiaminase) e outro de ação radiomimética, que pode causar síndrome

hemorrágica aguda, hematúria enzoótica e carcinomas nas via digestórias.

A “samambaia” é uma planta cosmopolita, e no Brasil, ocorre principalmente em

regiões montanhosas. Desenvolve-se bem em regiões de boa pluviosidade, em solos ácidos bem

drenados.

A fome é o principal fator que leva os animais a ingerirem a planta. A intoxicação

também pode resultar de feno contendo a planta tóxica. Todas as partes da planta são tóxicas,

mas a toxidez é maior no rizoma.

A principal medida profilática é a erradicação, através de correção do pH do solo, e

se necessário, controle químico.

7. Conclusão

As plantas tóxicas causam impactos negativos nos sistemas de produção pecuários, e

como há poucos tratamentos recomendados para animais intoxicados, medidas profiláticas são

de suma importância. Garantir fornecimento adequado de forragem aos animais ao longo do ano

é uma importante medida preventiva. Além disso, investir na cultura forrageira visando

maximizar sua produção significa favorecer o capim no processo competitivo com as daninhas,

reduzindo o risco de intoxicações.

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