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0 que são técnica e tecnologia? Chama-se técnica qualquer instrumento (ou conhecimento) que implica uma demonstração de inteligência humana, uma forma de inventar um método ou um objeto que facilite algum trabalho ou que sirva para controlar as forças da natureza de alguma maneira. A tecnologia é vista como uma técnica avançada, resultado da aplicação do conhecimento científico, da ciência moderna que nasceu ou se consolidou nos séculos XVII e XVIII e prossegue até os nossos dias. Assim, o arco e a flecha, a espada e o escudo, etc, utilizados pelos agrupamentos humanos durante séculos ou milénios, são considerados técnicas. O computador, o avião moderno, o foguete espacial, a bomba atómica, o robô e a fibra óptica, entre outros instrumentos ou aparelhos, são considerados tecnologias. Toda tecnologia é uma técnica, mas o inverso não é verdadeiro. Também ideias ou teorias, elementos não materiais, enfim, podem ser considerados tecnologias: um software ou programa para computador, um novo método administrativo mais racional e produtivo, o mapeamento genético de uma planta ou animal, etc. Em suma, tecnologia é uma técnica especial e moderna, resultante da aplicação do conhecimento científico, é todo produto científico (ideias ou coisas materiais) que tem aplicação prática para a humanidade, geralmente ligada ao avanço das conquistas humanas sobre a natureza, até mesmo sobre a nossa própria natureza (para se viver mais, para curar doenças antes incuráveis, etc). É evidente que, quanto maior for o grau de desenvolvimento tecnológico de uma sociedade, maior será o seu nível de independência ou autonomia (embora nunca total) em relação aos elementos da natureza. Esse grau varia muito no tempo e no espaço. As sociedades atuais, notadamente após a Revolução Industrial, via de regra possuem técnicas bem mais avançadas que as sociedades do passado e, dessa maneira, modificam a natureza original num grau bem maior. A industrialização da humanidade A atividade industrial é a que mais profundamente modifica o espaço geográfico. Ela incentiva a geração de tecnologia, produz novas máquinas, aumenta o consumo de energia, amplia as trocas entre as regiões e os países, desenvolvendo, assim, o comércio e os meios de transporte. Antes da indústria moderna, que nasceu em meados do século XVIII, havia somente o artesanato e a manufatura 1 . A indústria moderna, que no início era identificada com a fábrica e as suas chaminés (hoje não mais, pois falamos também em "indústrias, ou fábricas, sem chaminés", como nas indústrias produtoras de softwares), consiste numa produção em massa e padronizada. Em massa porque produz com o uso de modernas máquinas, que fabricam milhares de produtos num tempo curto. E estandardizada ou padronizada porque os produtos são feitos por máquinas em série, sendo todos iguais. Assim, a Revolução Industrial foi o momento em que a humanidade -ou melhor, alguns países e regiões específicos - se industrializou, isto é, implantou a indústria moderna, com intensa mecanização e produção massificada ou em série. A industrialização pode ser dividida em diferentes tipos ou modelos e, principalmente, em três etapas. Do ponto de vista político-econômico, podemos dizer que houve três modelos de industrialização: a clássica ou original, a planificada e a tardia, periférica ou retardatária. Do ponto de vista da complexidade tecnológica e do transcorrer do tempo, ela pode ser dividida em três etapas ou fases: a Primeira, a Segunda e a Terceira Revolução Industrial. Vamos examinar, resumidamente, cada um desses modelos e etapas. ■ Industrialização clássica ou original A industrialização clássica ou original de uma forma geral foi típica dos países desenvolvidos, o atual Primeiro Mundo. Como o próprio nome diz, foi a primeira, a original, bem anterior às demais. Começou na Inglaterra, em meados do século XVIII, e, no século XIX, espalhou-se para outros países da Europa e de outros continentes (Estados Unidos, Japão). Esses países pioneiros na revolução industrial formaram as primeiras "sociedades de consumo" do planeta, os países afluentes ou desenvolvidos. Daí o desenvolvimento económico durante muito tempo, desde meados do século XVIII, ter sido considerado sinónimo de industrialização. Hoje em dia se valorizam mais outros elementos, principalmente o desenvolvimento social (padrão ou qualidade de vida de uma população), mas não há dúvidas de que a industrialização constitui o alicerce que permite uma elevação na qualidade de vida: maior produção económica e energética e, consequentemente, mais escolas e hospitais, mais alimentos, mais residências, maior quantidade de equipamentos de lazer, etc. Origens: do feudalismo ao capitalismo As origens da industrialização clássica são praticamente as mesmas do capitalismo, sistema socioeconómico baseado numa economia de mercado e numa sociedade de classes. Por economia de mercado devemos entender a situação em que predominam as empresas particulares e o mercado desempenha o papel principal nas decisões económicas. Tais decisões são tomadas pelos donos das empresas privadas (os capitalistas ou burgueses) ou então como é mais comum nos dias de hoje, com o predomínio das sociedades anónimas (com milhares de acionistas) por seus representantes (diretores e administradores). O objetivo principal da empresa capitalista é a busca de lucros. O capitalismo, embora tenha começado timidamente nos séculos XV e XVI, só se tornou o sistema dominante e atingiu o seu estágio pleno com a Revolução Industrial e a urbanização que a acompanhou. Esse sistema socioeconómico só existe de fato capitalismo pleno com a indústria moderna e com a sociedade urbanizada.

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Unidade II I 1 I Qeoeconomia

0 que são técnica e tecnologia? Chama-se técnica qualquer instrumento (ou

conhecimento) que implica uma demonstração de inteligência humana, uma forma de inventar um método ou um objeto que facilite algum trabalho ou que sirva para controlar as forças da natureza de alguma maneira.

A tecnologia é vista como uma técnica avançada, resultado da aplicação do conhecimento científico, da ciência moderna que nasceu — ou se consolidou — nos séculos XVII e XVIII e prossegue até os nossos dias. Assim, o arco e a flecha, a espada e o escudo, etc, utilizados pelos agrupamentos humanos durante séculos ou milénios, são considerados técnicas. O computador, o avião moderno, o foguete espacial, a bomba atómica, o robô e a fibra óptica, entre outros instrumentos ou aparelhos, são considerados tecnologias. Toda tecnologia é uma técnica, mas o inverso não é verdadeiro.

Também ideias ou teorias, elementos não materiais, enfim, podem ser considerados tecnologias: um software

ou programa para computador, um novo método administrativo mais racional e produtivo, o mapeamento genético de uma planta ou animal, etc. Em suma, tecnologia é uma técnica especial e moderna, resultante da aplicação do conhecimento científico, é todo produto científico (ideias ou coisas materiais) que tem aplicação prática para a humanidade, geralmente ligada ao avanço das conquistas humanas sobre a natureza, até mesmo sobre a nossa própria natureza

(para se viver mais, para curar doenças antes incuráveis, etc).

É evidente que, quanto maior for o grau de desenvolvimento tecnológico de uma sociedade, maior será o seu nível de independência ou autonomia (embora nunca total) em relação aos elementos da natureza. Esse grau varia muito no tempo e no espaço. As sociedades atuais, notadamente após a Revolução Industrial, via de regra possuem técnicas bem mais avançadas que as sociedades do passado e, dessa maneira, modificam a natureza original num grau bem maior.

A industrialização da humanidade A atividade industrial é a que mais profundamente

modifica o espaço geográfico. Ela incentiva a geração de tecnologia, produz novas máquinas, aumenta o consumo de energia, amplia as trocas entre as regiões e os países, desenvolvendo, assim, o comércio e os meios de transporte.

Antes da indústria moderna, que nasceu em meados do século XVIII, havia somente o artesanato e a manufatura1. A indústria moderna, que no início era identificada com a fábrica e as suas chaminés (hoje não mais, pois falamos também em "indústrias, ou fábricas, sem chaminés", como nas indústrias produtoras de softwares), consiste numa produção em massa e padronizada. Em massa porque produz com o uso de modernas máquinas, que fabricam milhares de produtos num tempo curto. E estandardizada ou padronizada

porque os produtos são feitos por máquinas em série, sendo todos iguais. Assim, a Revolução Industrial foi o momento em que a humanidade -ou melhor, alguns países e regiões específicos - se industrializou, isto é, implantou a indústria moderna, com intensa mecanização e produção massificada ou em série. A industrialização pode ser dividida em diferentes tipos ou modelos e, principalmente, em três etapas. Do ponto de vista político-econômico, podemos dizer que houve três modelos de industrialização: a clássica ou original, a planificada e a tardia, periférica ou retardatária. Do ponto

de vista da complexidade tecnológica e do transcorrer do tempo, ela pode ser dividida em três etapas ou fases: a Primeira, a Segunda e a Terceira Revolução Industrial.

Vamos examinar, resumidamente, cada um desses modelos e etapas.

■ Industrialização clássica ou original A industrialização clássica ou original de uma forma

geral foi típica dos países desenvolvidos, o atual Primeiro Mundo. Como o próprio nome diz, foi a primeira, a original, bem anterior às demais.

Começou na Inglaterra, em meados do século XVIII, e, no século XIX, espalhou-se para outros países da Europa e de outros continentes (Estados Unidos, Japão). Esses países pioneiros na revolução industrial formaram as primeiras "sociedades de consumo" do planeta, os países afluentes ou desenvolvidos. Daí o desenvolvimento económico durante muito tempo, desde meados do século XVIII, ter sido considerado sinónimo de industrialização.

Hoje em dia se valorizam mais outros elementos, principalmente o desenvolvimento social (padrão ou qualidade de vida de uma população), mas não há dúvidas de que a industrialização constitui o alicerce que permite uma elevação na qualidade de vida: maior produção económica e energética e, consequentemente, mais escolas e hospitais, mais alimentos, mais residências, maior quantidade de equipamentos de

lazer, etc. Origens: do feudalismo ao capitalismo As origens da industrialização clássica são

praticamente as mesmas do capitalismo, sistema socioeconómico baseado numa economia de mercado e numa sociedade de classes. Por economia de mercado

devemos entender a situação em que predominam as empresas particulares e o mercado desempenha o papel

principal nas decisões económicas. Tais decisões são tomadas pelos donos das empresas privadas (os capitalistas ou burgueses) ou então — como é mais comum nos dias de hoje, com o predomínio das sociedades anónimas (com milhares de acionistas) — por seus representantes (diretores e administradores). O objetivo principal da empresa capitalista é a busca de lucros.

O capitalismo, embora tenha começado timidamente nos séculos XV e XVI, só se tornou o sistema dominante e atingiu o seu estágio pleno com a Revolução Industrial e a urbanização que a acompanhou. Esse sistema socioeconómico só existe de fato — capitalismo pleno — com a indústria moderna e com a sociedade urbanizada.

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O período que vai do século XVI ao XVIII pode ser considerado uma etapa primitiva do capitalismo (o capitalismo comercial), mas não ainda o capitalismo plenamente desenvolvido. O capitalismo, como mostra o estudo da história, surgiu após o feudalismo, sistema socioeconómico predominante na Europa durante a Idade Média (século V ao XV). A transição do feudalismo para o capitalismo pleno, tendo como etapa fundamental a Revolução Industrial, foi um processo longo, que durou vários séculos. Esse processo significou não somente uma mudança de sistema socioeconómico, mas também, como vimos, uma nova maneira de encarar o espaço e de agir sobre ele, o início de uma verdadeira produção do espaço. Com o desenvolvimento do comércio e o crescimento urbano causado pelas constantes fugas dos camponeses dos feudos para as cidades a partir do século XI, houve um progressivo enfraquecimento do feudalismo. Isso porque tal sistema socioeconómico fundamentava-se numa economia natural, com base na agricultura e na qual

cada feudo produzia tudo aquilo de que necessitava, havendo pouco comércio. Com a expansão do comércio, a economia de mercado (de trocas) aos poucos ocupou o lugar da economia natural. Esse processo foi acompanhado pelo surgimento de uma nova classe, a burguesia, que se tornou cada vez mais poderosa.

A sociedade feudal era dividida em duas principais classes: os servos — camponeses, que trabalhavam em troca de proteção e do uso em proveito próprio de uma porção de terras do feudo; e os senhores feudais — a classe dominante, proprietária dos feudos.

Com a expansão do comércio e, a partir do século XV, com a manufatura, desenvolveu-se uma nova relação de trabalho, diferente da relação servil: a relação assalariada. Nessa relação, os camponeses que fugiram para as cidades trabalhavam para os burgueses em troca de um salário, passando assim a ser proletários e não mais servos.

■ Industrialização planificada A industrialização planificada ocorreu somente no

século XX, no antigo Segundo Mundo, isto é, os países denominados socialistas e que adotavam economias planificadas.

A economia planificada, que praticamente não existe mais nos dias de hoje, consistiu numa tentativa de superar a economia capitalista ou de mercado. Numa economia planificada, os meios de produção (fábricas, bancos, fazendas, empresas de seguros ou de finanças, etc.) são estatais e, no lugar do mercado, o que norteia a produção e os preços são os planos. Estes, que podem ser anuais ou plurianuais (geralmente quinquenais), são elaborados por órgãos técnicos — embora sempre exista uma evidente influência política — ou setores estatais encarregados de fixar metas (quanto se vai produzir neste ou naquele setor durante certo tempo, onde comprar matérias-primas, a que preços vender, etc). Ou seja, a economia planificada é mais centralizada que a economia de mercado, em que cada empresa planeja a sua atividade, faz os seus planos para o futuro.

A partir do final dos anos 1980, quase todas as economias planificadas se tornaram, em maior ou menor grau, economias de mercado. Esse tipo de economia existiu durante várias décadas do século XX, em vários países — a ex-União Soviética, a Polónia, a antiga Alemanha Oriental, a Hungria, etc. —, e produziu um tipo específico de industrialização, a planificada.

Essa industrialização consistiu num notável esforço para ampliar os estabelecimentos industriais, com um amplo predomínio das empresas estatais e a ênfase nas indústrias pesadas ou de meios de produção (siderúrgica, metalúrgica, petroquímica, de cimento e outras). Ela foi importante para o avanço industrial dos países que adotavam economias planificadas.

■ Industrialização tardia, periférica ou retardatária Essa forma de industrialização é a que nos interessa

mais de perto por ter ocorrido no Brasil. Trata-se de uma industrialização que, como o nome sugere, foi historicamente atrasada em relação à original e ocorreu em muitos países subdesenvolvidos, o chamado Terceiro Mundo, ou Sul geoeconômico. Foi mais comum no século XX, embora, em alguns casos, tenha se iniciado de forma tímida no fim do século XIX.

Ela difere dos outros dois tipos por várias razões. Entre elas, menciona-se que: > geralmente, é feita com uma grande participação de capitais estrangeiros, ao contrário das outras duas (a clássica e a planificada), nas quais predominam os capitais nacionais; > tem por base um maior desenvolvimento das in-dústrias de bens de consumo, diferentemente da industrialização planificada, em que predominam as indústrias de base, e da clássica, que é caracterizada por um desenvolvimento equilibrado entre esses dois tipos de indústria; > utiliza basicamente tecnologia estrangeira, ao

contrário dos outros dois tipos de industrialização, que criam ou adaptam as tecnologias em função de suas realidades.

Quanto à diferença entre Primeira, Segunda e Terceira Revolução Industrial, pode-se afirmar que cada uma assinalou um momento de desenvolvimento tecnológico.

■ Primeira Revolução Industrial A Primeira Revolução Industrial, feita com bases

técnicas mais simples (máquina a vapor, carvão como principal fonte de energia, força de trabalho não especializada nem qualificada), ocorreu até o fim do século XIX. Caracterizou-se pelo fato de o Reino Unido (Inglaterra) ter sido a grande potência mundial - e principal exemplo de industrialização - e as indústrias têxteis, o se-tor de vanguarda.

■ Segunda Revolução Industrial A Segunda Revolução Industrial exigiu uma base

técnica mais complexa (refino do petróleo, que se tornou a principal fonte de energia do século XX, máquinas e motores mais sofisticados e movidos a energia elétrica, mão de obra especializada) e predominou do fim do

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século XIX até meados dos anos 1970. Ela se prolonga até os nossos dias, uma vez que uma imensa parte do globo ainda não ingressou, de fato, na Terceira Revolução Industrial e, ao mesmo tempo, existem diversos países subdesenvolvidos - em especial na África e no sul e sudeste da Ásia - que nem sequer consolidaram o estágio da Segunda Revolução Industrial.

Os Estados Unidos foram a grande potência económica e o principal modelo de industrialização dessa fase ou estágio da Revolução Industrial, caracterizada ainda pelo predomínio da indústria automobilística e outras indústrias a ela ligadas (petroquímica, siderúrgica, metalúrgica, etc).

Taylorismo e fordismo Dentro da Segunda Revolução Industrial dois

aspectos ou processos se destacam, ambos típicos do século XX: o taylorismo e, especialmente, o fordismo.

O taylorismo, organização do trabalho sistematizada pelo engenheiro estadunidense Frederich W Taylor por volta de 1900, consiste na rígida separação do trabalho por tarefas e níveis hierárquicos (executivos e operários). Existe um controle sobre o tempo gasto em cada tarefa e um constante esforço de racionalização, para que a tarefa seja executada num tempo mínimo. O tempo de cada trabalhador passa a ser vigiado e cronometrado, e aqueles que produzem mais em menos tempo recebem prémios como incentivo; com o tempo, todos serão

obrigados a produzir num tempo mínimo certa quantidade de peças ou produtos. O taylorismo aumenta a produtividade da fábrica e a exploração do trabalhador, que passa a produzir mais em menos tempo.

Como complemento do taylorismo, surgiu na década de 1920 o fordismo, termo que vem do nome do industrial estadunidense Henry Ford, um pioneiro da indústria automobilística no início do século passado. Esse processo consiste num conjunto de métodos voltados para produzir em massa, em quantidades nunca vistas anteriormente. Ele absorve algumas técnicas do taylorismo e vai além: trata de organizar a linha de montagem de cada fábrica para produzir mais, controlando melhor as fontes de matérias-primas e de energia, a formação da mão de obra, os transportes, o aperfeiçoamento das máquinas para ampliar a produ-ção, etc. O fordismo buscava ampliar a produção e o consumo. Seu grande lema era "produção em massa e consumo em massa". O fordismo marcou a supremacia industrial dos Estados Unidos no século XX e foi adotado em praticamente todos os países desenvolvidos. Nos demais países, houve — ou em alguns casos, ainda há — um fordismo parcial, localizado apenas em algumas áreas ou setores económicos específicos e atingindo somente uma pequena parcela da população. Dessa forma, nos países periféricos ou subdesenvolvidos, como regra geral não houve a completa generalização do fordismo, princi-palmente no seu aspecto social — o consumo em massa, que pressupõe um bom poder aquisitivo para a imensa maioria da população —, a não ser no fim do século XX

em alguns Estados: Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong (hoje reincorporado à China).

A lógica do fordismo consiste na seguinte ideia: para produzir em massa é necessário que existam consumidores para comprar toda essa produção (de automóveis, por exemplo, o grande símbolo do fordismo). Ora, para isso, torna-se necessário um imenso mercado consumidor, e a maioria da população de qualquer país é constituída pelos trabalhadores; logo, é preciso pagar bem aos trabalhadores para que eles possam comprar, possam consumir em grandes quantidades, o que aumenta a produção e os lucros.

Ao contrário do taylorismo, que se preocupava mais com a máxima utilização do tempo de trabalho do operário, o fordismo se preocupa também com o tempo livre e, principalmente, com o consumo. Não se trata apenas de trabalhar mais intensamente, como no taylorismo, e sim de trabalhar menos, com maior especialização e produtividade, e consumir mais. A generalização do fordismo, dessa forma, foi um dos fatores que ajudaram na melhoria dos padrões de vida dos países desenvolvidos no século XX.

■ Terceira Revolução Industrial ou revolução técnico-científica A Terceira Revolução Industrial, também de-

nominada revolução técnico-científica, encontra-se em andamento desde meados dos anos 1970 e deverá desenvolver-se mais plenamente no transcorrer do século XXI. Ela se iniciou tanto nos Estados Unidos, sobretudo na Califórnia (informática, telecomunicações), como no Japão (robótica, microeletrônica) e na Europa ocidental, em particular na Alemanha (biotecnologia, química fina). É marcada pelo predomínio de indústrias altamente sofisticadas, como as mencionadas, e que exigem muita tecnologia e maior qualificação da força de trabalho.

Na Segunda e, principalmente, na Primeira Re-volução Industrial, a procura por mão de obra barata e sem qualificação era imensa, assim como tinham muita importância as matérias-primas em geral.

Agora, com o avanço da revolução técnico-científica, diminui a procura por força de trabalho pouco qualificada, que pode ser substituída por robôs, e também ocorre uma desvalorização das matérias-primas em geral, pelo menos da imensa maioria delas (minérios, produtos agrícolas, etc).

Isso porque aumenta constantemente a reciclagem de produtos, e as indústrias de novos materiais criam novas matérias-primas (novas ligas metálicas, novos materiais para gravação de som e imagem, para a fuselagem de aviões, para os automóveis, etc), que utilizam produtos mais abundantes e baratos.

O importante passa a ser a tecnologia e, conse-quentemente, as pesquisas científicas e tecnológicas. Metais raros são substituídos por outros mais abundantes, produzem-se novas variedades de géneros agrícolas e desenvolvem-se fontes de energia em laboratórios, entre tantas outras inovações.

Desse modo, em termos relativos diminui a im-portância da natureza - isto é, o tamanho do território de

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um país, os seus recursos naturais em geral - e aumenta o valor da ciência e da tecnologia com o seu alicerce ou a sua base, que é a educação. Em outras palavras, aumenta muito o valor dos chamados "recursos humanos" ou, como afirmam alguns autores, do "poder cerebral": novas ideias e técnicas, funcionários qualificados e com maior escolaridade, etc.

A Terceira Revolução Industrial utiliza muito mais a ciência e a tecnologia do que as duas anteriores. É por esse motivo que se fala em "revolução técnico-científica" para designá-la. No decorrer da História, a humanidade sempre criou e utilizou recursos técnicos - basta lembrar o controle do fogo, a invenção da roda, a domesticação de animais e plantas há milhares de anos, etc. Mas a regra geral era que, primeiro, se conhecesse algo na prática e, depois, viesse a teoria, isto é, a ciência. Nas últimas décadas, isso mudou: os novos setores de ponta em tecnologia e na indústria representam aplicações de conhecimentos científicos - da microfísica, da ecologia, de teorias avançadas da matemática, da genética, etc. -, que, no início, foram considerados "inúteis", ou seja, conhecimento puro e sem aplicação. Além disso, a importância da ciência e da tecnologia avançada mudou radicalmente. Em vez de serem apenas um elemento a mais, até mesmo dispensá vel, como ocorria anteriormente, elas passaram a ser elementos centrais, aqueles que comandam o ritmo e os rumos das mudanças.

Do fordismo à produção flexível

A Terceira Revolução Industrial representa também uma progressiva mudança nos métodos de produção e de trabalho, no consumo, nas relações entre as empresas e seus funcionários e entre as empresas e os consumidores. É a passagem do fordismo para o pós-

fordismo, também conhecido como produção flexível. O Japão foi o grande exemplo dessa nova organização capitalista, seguido pela Alemanha e por outros países. Mas, desde os anos 1990, praticamente todas as economias desenvolvidas, inclusive a estadunidense (que até os anos 1980 criticava o "modelo aponês"), vêm, em maior ou menor grau, imitando ou adaptando alguns métodos japoneses e se modernizaram. O fordismo, como vimos, implica produção em massa, utilizando a linha de montagem e a padronização dos bens ou serviços, além de consuni de massa. Para tanto, existe uma prioridade da produção, da empresa, sobre o consumidor, visto somente pelo seu poder de compra a função da publicidade é massificar, é fazer as pessoas desejarem alguma coisa, mesmo que não rrecisem dela nesse método existe uma imensa produção e ao mesmo tempo, um grande desperdício: pois se produz em enormes quantidades, sem preocupações com a qualidade das merciorias; depois se vende ou se tenta vender . Nos custos de produção já se embute o desperdício (artigos defeituosos em grande quantidade, objetos que não encontram compradores, o que encarece os produtos. Para amenizar esse problema está se introduzindo o just-in-tíme, um método de produção que parte das

necessidades do consumidor, fabricando somente o necessário e com grande controle de qualidade. Para comparar, podemos lembrar que as indústrias Ford, quando foram para o Reino Unido nas primeiras décadas do século XX, passaram a fabricar automóveis exatamente iguais aos dos Estados Unidos, até mesmo com o volante do lado esquerdo (os ingleses preferem do lado direito), tal a necessidade de massificação.

As empresas japonesas nas décadas de 1970 e 1980, e hoje até as estadunidenses e as europeias, já fabricavam carros e outros bens personalizados, ou seja, ao gosto de cada cliente ou consumidor, com detalhes e diferenças que o fordismo jamais levou em consideração. Com essa mudança, o desperdício diminui e também a relação produção-consumo passa a ser mais igualitária, com in-fluências recíprocas.

Mas essa mudança precisa de outra, que lhe é complementar: a substituição da linha de montagem (na qual cada objeto é produzido de forma idêntica aos demais, com controle de tempo sobre cada trabalhador) por uma produção mais flexível. Isso é facilitado pela informática, pela robo-tização e pelo uso de uma força de trabalho mais qualificada, que substitui a mão de obra técnica e repetitiva predominante no fordismo. Na Segunda Revolução Industrial, a força de trabalho em geral era especializada - não no sentido de qualificação ou estudos, e sim no de fazer uma só atividade - e mecânica, com atividades repetitivas. Por isso, eram necessários horários rígidos, com controle

sobre o uso do tempo de cada funcionário. Hoje ocorre uma mudança. Com a Terceira Revolução Industrial, as atividades se tornam mais criativas e exigem mais qualificação, mas, ao mesmo tempo, o horário já não é tão importante. Mais da metade dos trabalhadores nos Estados Unidos, por exemplo, já tem um horário flexível. Eles devem trabalhar seis ou sete horas por dia, mas podem começar às 8 ou às 11 horas; se começarem a jornada mais cedo, terminarão antes, caso contrário ficarão até mais tarde. O controle do ponto, do horário, já perdeu importância para a qualidade do trabalho.

Com isso, a influência dos funcionários aumenta, apesar de diminuir a necessidade da força de trabalho. Precisa-se a cada dia de menos trabalhadores, porém mais qualificados e importantíssimos para o funcionamento da produção flexível. A mão de obra criativa substitui aos poucos a força de trabalho técnica. Por esse motivo, esses funcionários qualificados passam a ser essenciais numa empresa moderna, mais importantes que as matérias-primas ou as fontes de energia.

■ Novas regiões industriais ou tecnopolos Por causa da importância da ciência e da tecnologia,

hoje as novas regiões industriais, aquelas de tecnologia de ponta ou de vanguarda, não se localizam mais nas áreas onde existem matérias-primas (carvão, minérios), como ocorria nas velhas regiões industriais. Elas se encontram principalmente nas proximidades de importantes centros de pesquisa e de ensino universitário.

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Algumas vezes, existe uma coincidência entre as velhas e as novas regiões industriais, ou uma continuação delas, tais como os casos de Paris, Londres, Tóquio ou Milão, mas o importante não é mais a existência de recursos naturais nem mesmo o mercado consumidor local, e sim as universidades e institutos de pesquisas que existem nessas áreas.

Há inúmeros exemplos dessas novas regiões industriais de ponta, que reúnem centros produtores de tecnologia e indústrias de informações ou biotecnológicas. Alguns autores chamam essas novas regiões industriais da Terceira Revolução Industrial de tecnopolos. O grande exemplo é o Vale do Silício (Silicon Valley), a 48 km ao sul de São Francisco, no condado de Santa Clara, entre Palo Alto (onde está a Universidade de Stan-ford, considerada a iniciadora e impulsionadora desse polo tecnológico) e San José, na costa oeste dos Estados Unidos.

Outros exemplos importantes de tecnopolos são: a chamada Route 128, perto de Boston e do Instituto Tecnológico de Massachusetts, no nordeste dos Estados Unidos; a região de Tóquio, no Japão; a região Paris-Sud, no sul de Paris, França; o chamado Corredor M4, ao redor de Londres, Reino Unido; a região de Milão, na Itália; as regiões de Berlim e do Vale do Neckar (onde se encontram a Universidade de Heidelberg e o Instituto Max Plank de biotecnologia), na Alemanha.

A ciência e a tecnologia se desenvolvem princi-palmente em universidades e institutos de pesquisas,

que são muito comuns - e de óti-ma qualidade nessas regiões, onde há uma integração entre as indústrias de alta tecnologia e esses institutos e universidade.