0 primeiro inquérito português à emigração (1843)

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Em 1 873, foi publicado o Primeiro Inquérito Parlamentar sobre a Emigraf'ãO Portuguesa, o qualtem sido considerado como o primeiro conjunto dos actos e diligências que o Parlamentoportuguês desenvolveu com o obj ectivo de apurar tal realidade, uma vez que no Reino seterá levantado um "clamor uniforme contra a emigração".Contudo, este não foi, na verdade, o primeiro inquérito sobre a expatriação dosportugueses no século XIX, por iniciativa do Parlamento português. Com efeito, por portariade 7 de Julho de 1 843, na sequência do requerimento do visconde de Sá da Bandeira,aprovado na Câmara dos Pares em 28 de Junho do mesmo ano, o Governo levou a efeitoo Primeiro Inquérito Nacional à Emigração, solicitando aos governadores civis do Reino eIlhas...

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  • 0 PRIME I RO INQ1J RITO PORTUGU S EMIG RAO ( 1 843 ) FERNANDO DE SOUSA*

    Introduo Em 1 873, foi publicado o Primeiro Inqurito Parlamentar sobre a Emigraf'O Portuguesa, o qual tem sido considerado como o primeiro conjunto dos actos e diligncias que o Parlamento portugus desenvolveu com o objectivo de apurar tal realidade, uma vez que no Reino se ter levantado um "clamor uniforme contra a emigrao".

    Contudo, este no foi, na verdade, o primeiro inqurito sobre a expatriao dos portugueses no sculo XIX, por iniciativa do Parlamento portugus. Com efeito, por portaria de 7 de Julho de 1 843, na sequncia do requerimento do visconde de S da Bandeira, aprovado na Cmara dos Pares em 28 de Junho do mesmo ano, o Governo levou a efeito o Primeiro Inqurito Nacional Emigrao, solicitando aos governadores civis do Reino e Ilhas Adjacentes :

    quais a s causas explicativas da emigrao em cada distrito; quais as causas que impediam o aproveitamento dos baldios ; que medidas legislativas eram necessrias para se aproveitarem agricolamente esses terrenos; qual o modo mais adequado para substituir a mo-de-obra estrangeira utilizada nos trabalhos agrcolas por mo-de-obra portuguesa.

    Todas as Juntas Gerais de Distrito se reuniram extraordinariamente e enviaram as consultas solicitadas, embora no tivssemos ainda encontrado as respostas a este inqurito por parte das Juntas Gerais dos distritos de Coimbra, Faro e Lisboa, no Arquivo da Assembleia da Repblica, onde se encontram as fontes manuscritas relativas aos restantes 1 7 distritos de Portugal, incluindo os trs distritos dos Aores (Angra do Herosmo, Horta e Ponta Delgada) e o do Funchal, do arquiplago da Madeira.

    As consultas enviadas ao Governo datam de 1 843, com excepo das relativas aos distritos do Funchal e da Horta, apenas produzidas em 1 844 (Mapa n.0 1 ) .

    Vejamos, as sim, de modo sinttico, a s posies assumidas pelas Juntas Gerais distritais quanto emigrao, atravs das respostas que enviaram ao Governo e completadas pelas consultas mandadas imprimir pelo Governo, destes mesmos rgos distritais, relativas aos anos de 1 842-1 848, que nos do, tambm, algumas informaes relativas emigrao portuguesa, para o perodo considerado.

  • 276 Entre mares - O Brasi l dos portugueses

    Cl Distrftos que NspondlrMn CJ Dtstrftos que nlo responderam

    (j Anerado Heroismo

    o Horta

    Mapa 01 - Primeiro Inqurito Emigrao Portuguesa (1 843) .

    O inqurito emigrao de 1 843 Distrito de Aveiro - Para esse Distrito, apenas dispusemos da consulta da sua Junta Geral, em 1 843, impressa, e que sintetiza a consulta que, no mesmo ano, tinha sido enviada ao Governo, a propsito do requerimento de S da Bandeira. Segundo esse rgo, a principal causa da emigrao no Distrito tinha a ver com a falta de "estabelecimentos que dem empregos", o que levava sada para o estrangeiro "e- mormente para o Brasil de alguns indivduos", que no podendo "aqui achar fortuna, se vo em sua demanda para aquele Imprio", devido a "antigos hbitos" e s relaes que tinham com parentes e amigos que a - e encontravam estabelecidos.

    Distrito de Bo/a - No existia emigrao. Ocorria apenas a fuga de alguns jovens p; tr.t Espanha, quando destinados "pela sorte" ao servio militar, porque tinham "repugn . l eia" pela vida militar.

    Distrito de Braga - De acordo com a sua Junta Geral, a causa principal da emi:.: ra.,:iio residia na sua "imensa populao" e na "pouca extenso de seu terreno", havendo

  • O pr imeiro inqurito portugus emigrao ( 1843) 277

    assim um "grande nmero de braos" que seriam ociosos se no fosse a emigrao para o Imprio do Brasil, para onde partia a maior parte dos mancebos que emigravam, seduzidos pela esperana de constiturem fortuna.

    Resultaria um "incalculvel dano" provncia do Minho se porventura se quisesse impedir esta emigrao para o Brasil.

    Distn"to de Bragana - O Distrito, segundo a Junta Geral, era "pouco sensvel emigrao", no se podendo assim indicar as causas de um fenmeno que no existia.

    Distrito de Castelo Branco - Aqui, assevera o rgo distrital, "no h nem tem havido emigrao".

    Distrito de vora - Segundo a Junta Geral do Distrito, "o mal da emigrao no conhecido no Distrito". Apenas se detectavam algumas sadas de portugueses para Espanha, por duas razes:

    fuga de criminosos; fuga ao "horror" do servio militar, apesar da existncia de uma conveno entre Portugal e Espanha nesse sentido obrigar a repatriar os foragidos em tais condies.

    Distrito da Guarda - A Junta Geral, "meditando com a seriedade que lhe cumpre", considerou que no havia emigrao nesse Distrito.

    Distrito de Leiria - No havia emigrao nesse Distrito, garante a sua Junta Geral. Distrito de Portalegre - A emigrao "no tem lugar" no Distrito; pelo contrrio, o

    preo excessivo dos jornais incentiva muitos trabalhadores a virem estabelecer-se nele. Distrito do Porto - Para responder questo suscitada, a Junta Geral considera que

    necessitava de muitos "esclarecimentos", os quais, devido ao atraso em que a estatstica se achava, no podia obter. Nessa falta, a Junta valeu-se do mapa dos indivduos que pediram passaporte para o Brasil em 1 842-1 843 . Tal quadro - adverte a Junta - era, porm, inexacto, porque muitos dos que partiam "vo com intenes de logo voltar, mas principalmente porque imenso o nmero dos que embarcam sem passaporte". A causa principal da emigrao consistia no excesso de populao e no seu "desequilbrio com os meios de existncia e subsistncia".

    Quanto ao mapa de 1 842-1 843, a Junta acrescenta que 609 pessoas que requereram passaporte no tinham profisso. A Junta presume que a maior parte dessas pessoas pertenciam s classes sociais "que proviam os conventos e as igrejas". Eram os filhos segundos das classes "remediadas", que devido ao sistema de enfiteuse no tinham "partilha no patrimnio paterno", sendo, deste modo, obrigados a emigrar.

    Entendia, ainda, que esta emigrao era de "grande utilidade para o Distrito", no s porque "no felicidade para um pas ter uma populao miservel", mas tambm porque "muitos desses emigrantes juntam cabedais que depois vm entre ns alimentar

  • 278 Entre mares - O Bras i l dos portugueses

    todas as indstrias". E acrescenta que o visconde S da Bandeira tinha alguns desses "brasileiros" ricos a seu lado, na Cmara dos Pares.

    Distrito de Santarm - No h causas que promovam a emigrao ?os seus habitantes, diz a Junta Geral.

    Distrito de Viana do Castelo - O rgo distrital considera haver uma emigrao que "constantemente" vai para o Brasil, devido s grandes fortunas com que muitos regressavam a Portugal, mas tambm porque muitos outros so "atrados por parentes e patrcios" que l se encontravam estabelecidos. Existia ainda uma outra emigrao para os distritos do Reino e para Espanha, migraes temporrias, sazonais, uma vez que regressavam, de novo, todos os anos, sua terra.

    No era possvel substituir os galegos por portugueses, uma vez que os primeiros auferiam menores salrios e sujeitavam-se a "servios vis" e ao trabalho rural que os portugueses no queriam.

    Distrito de Vila Real- A Junta Geral lisonjeia-se com o facto de ser quase nula no Distrito a emigrao para o estrangeiro, fazendo excepo a esta regra alguns indivduos que vo para o Brasil. A explicao deste facto tinha vrias causas:

    o nome de "brasileiro ainda hoje est cercado de um prestgio imenso que seduz os mancebos na idade das concepes maravilhosas, com esperanosos clculos de riqueza extraordinria"; as promessas e solicitaes de parentes estabelecidos no Imprio do Brasil; "a falta de arrumo para a mocidade e de recursos em geral"; as privaes que tm resultado das "comoes polticas, reduzindo muitos desconsiderao, desprezo e misria"; o medo ao recrutamento.

    Acrescentava, ainda, no haver "comisses" que promovessem a emigrao para o Brasil. E que no Douro, o granjeio das vinhas exigia "milhares de braos estrangeiros".

    Distrito de Viseu - As duas principais causas da emigrao eram as seguintes : a mais geral, dizia respeito "pouca fortuna, o mal-estar do cidado portugus no seu prprio solo"; a segunda, era o propsito de se alcanar no estrangeiro fortuna semelhante que tm obtido os emigrantes que regressam a Portugal, "um estmulo continuado, um incentivo permanente de emigrao".

    Que o "cidado portugus no est bem no seu prprio solo evidente: no h segurana das pessoas; respeito pela propriedade; paz; tranquilidade e moralidade pblica; vida social; garantias da felicidade humana".

    "Se o proprietrio no foge deste pas de revolues e de desordem, de corrupo e de imoralidade, de que as guerras civis e as desordens das finanas so causa", era porque continuava "preso terra com os laos da propriedade".

    Assim - continua a consulta -, no so os proprietrios que emigram, sim os que

  • O pri m e i ro i n q u rito portugus emigrao ( 1843) 279

    pertencem " s classes menos abastadas". No era possvel dar "aos filhos segundos os destinos que lhes eram prprios". Os que emigravam eram os trabalhadores "que no acham aqui quem os entretenha, alimente e enriquea".

    A melhor maneira de "evitar a emigrao seria tornar o cidado proprietrio". Mas a emigrao no Distrito de Viseu, garante a Junta Geral, "no era muito copiosa".

    Distn"to de Angra do Herosmo (/ipores) - A emigrao para o Brasil praticava-se "desde tempos remotos" . As principais causas eram as seguintes :

    "o gnio vivo, empreendedor", "volante d o s povos que habitavam nas praias do mar" e o "instinto natural" de conhecerem novas terras, aliado a outro "igualmente natural, de melhorar a sorte"; a existncia de muitos parentes, amigos e conhecidos no Brasil, com "boa fortuna", que convidavam os aorianos a partir, oferecendo-lhes ajuda e proteco num pas povoado em grande parte por aorianos, onde se falava a mesma lngua, onde havia a mesma religio, e onde as leis, usos e costumes eram praticamente os mesmos ; a certeza de que, permanecendo nos Aores, continuavam a ter um "mesquinho jornal que mal pode dar para o seu sustento" ; os frequentes recrutamentos, sobretudo depois de o Distrito ter dado mais de 2000 recrutas para o exrcito liberaf do ex-imperador Pedro I; os que no fugiam ao recrutamento "recorrem a um intempestivo casamento", abandonando, em seguida, as mulheres e emigrando para o Brasil; a pobreza em que se achavam as famlias, "ainda que raras", uma vez que a maior parte dos que emigravam eram "mancebos bem educados", rapazes do campo e algumas pessoas de maior idade; a consulta da Junta Geral de Angra do Herosmo, ele 1 839, considerava tambm que, se uma lei especial abolisse os vnculos elos morgados e capelas, evitar-se-ia que os filhos dos lavradores emigrassem.

    Sublinhe-se que, segundo a Junta Geral, na consulta de 1 843, a maior parte dos que emigravam acabavam por regressar aos Aores, sendo muito poucos os que partiam com a inteno de no mais voltarem.

    Este mesmo rgo distrital, em 1 845, defendia, quanto emigrao, que "tudo quanto sair fora das medidas policiais para o cmodo, seguro e fcil transporte dos aorianos para o Brasil contrrio liberdade individual do cidado portugus, garantida pela Lei Fundamental do Reino" . Apenas lamentava "que tantos patrcios seus abandonassem a terra de seu nascimento para irem servir em terras estranhas " .

    Distrito da Horta (/ipores) - A mais poderosa d e todas a s causas d a emigrao era " a falta de meios" dos indivduos sem patrimnio, que recebiam pequenos salrios ou nem sequer tinham ocupao, situao frequentes vezes "agravada com a ltima penria de fome". "No basta clizer-

  • 280 Entre mares - O Brasi l dos portugueses

    se que o povo tem que comer", j que, algumas vezes, "no tem mais que uma batata", que chega a ser substituda "pela nociva soca de jarro que a terra produz espontaneamente".

    Influenciava ainda a emigrao o exemplo dos que partiam e regressavam, sempre fazendo inveja aos seus patrcios.

    Contudo, esta emigrao era uma "desgraa", "pela ignomnia a que se expem os individuas portugueses", entregues discricionariedade de quem os remia do preo do frete de transporte, sendo necessrio que os cnsules e agentes portugueses nos portos brasileiros prestassem alguma ateno e proteco aos nossos emigrantes, sobretudo s mulheres, muitas vezes "arrancadas das famlias a que respeitam por intentos desonestos e ainda mais aviltadores do que os do sexo masculino, que a par do boal africano vo cavar na roa do Brasil para alcanarem algum resduo de seu jornal, o que nunca podem conseguir no seu pas".

    Outra "causa secundria" da emigrao residia na "especulao de transportes" em que se empregavam numerosos "solicitadores", sobretudo a partir do momento em que os "excessivos direitos sobre o nosso vinho e aguardente", que enchiam os pores dos navios com remessas e retornos, dissuadiram a exportao dos mesmos, fazendo com que desaparecessem os ''bons fretes, o que levou, na falta daqueles produtos para tal fim, ao aliciamento de emigrantes".

    Causa no menos poderosa da emigrao era o recrutamento militar, com os quais sempre coincidiam "tais especulaes, sinistras e aterradoras": quatro navios regressados deste trfico, "do mesmo p e lotao dos que faziam a escravatura em frica", encontravam-se ento Qunho de 1 844) , no porto da Horta, " carga de gente", no preciso momento em que se procedia a um recrutamento militar para o Reino, "teatro das guerras civis" e de m memria nos Aores, pelo fracasso da colonizao do Alentejo em finais de Setecentos por aorianos, "aonde, segundo a tradio, tudo lhes faltou e cuja desfortuna anda em provrbio de desastre entre este povo e transmitida de pais e avs a filhos e netos, de maneira que no se observa que algum do povo se lembre de ir daqui para Portugal procurar fortuna".

    A abolio da legislao reguladora do abastecimento do po, at 1 832-1 834, prerrogativa das cmaras municipais e autoridades locais, colocara as subsistncias nas mos de "negociantes monopolistas", que estabeleciam os preos a seu bel-prazer, levando sua "falta extrema" nos mercados aorianos. De tal forma que "o jornaleiro pobre, deserdado, amaldioa com voz alta e colrica a terra em que so embaraados de partirem para onde querem, e em que, por atenes comerciais, lhes arrebatado o po que regaram com o suor do seu rosto".

    Face a tudo isto, a emigrao que estava em curso, em vez de preocupar a Junta Geral, era motivo de regozijo, "por no ver meio de vida, nem lcito entretenimento aos individuas" que aqueles quatro navios iam transportar, pois que o excesso de populao era "a maior de todas as calamidades", como bem sabiam a Inglaterra e a Irlanda, "de cuja populao todos os anos nos passa uma boa parte por diante dos olhos para a Amrica do Norte".

    Noutra consulta da mesma Junta Geral do Distrito da Horta, em 1 843, considerava-se que "o pulso da vitalidade destas Ilhas" encontrava-se "agonizante" apresentando dois sintomas igualmente preocupantes, "a emigrao das moedas e dos povos".

  • O pr imeiro inqurito portugus emigrao (1843) 281

    Das Ilhas - continua o mesmo documento - "fogem e desertam continuamente gentes de todas as classes, e toma-se a mais infeliz emigrao como uma boa fortuna; e grita a voz pblica de que as dificuldades que se lhe opem so uma calamidade como as de mo brbara, que obriga suportar a misria com violenta e odiosa reteno". A causa mais importante da "decadncia" das Ilhas era a "agiotagem" desenvolvida desde h trs dcadas "pelo trfico comercial dos judeus", levando misria das populaes, obrigadas a emigrar e a procurar "a par do boal africano uma msera fortuna nas roas do Brasil".

    Acrescia a tudo isto - esclarece a Junta Geral - o facto de a ilha do Faial, pertencente ao Distrito da Horta, encontrar-se afectada, para alm da crise vircola que se fazia sentir, por uma praga destruidora dos laranjais, o que levara extino, praticamente, da exportao da laranja, e runa da agricultura.

    Numa posterior consulta, de 1 846, este rgo do distrito da Horta continua a insistir na tese defendida em 1 843, isto , que "a runa principal destas Ilhas" "a saida de moeda que os hebreus arrebatam destas pobres terras" com o seu comrcio, mas alerta tambm para os efeitos negativos dos recrutamentos, cujo "terror" era o que mais contribua "para a desero da Ptria; pois que com o anncio dos recrutamentos se auxiliam as especulaes de transportes para o Brasil".

    Distrito de Ponta Delgada (Aores) - A emigrao da ilha de So Miguel, que se fazia de longa data, tornara-se "frequente e numerosa" - "escandalosa", refere o director da alfndega de Ponta Delgada no mesmo ano de 1 843 -, desde que ai apartaram vrias embarcaes com o nico destino de promoverem a saida dos aorianos para o Imprio do Brasil. As associaes brasileiras de colonizao - pelo menos, desde 1 835, como refere Guilherme Reis Leite -, animavam "este gnero de comrcio" promovido por especuladores, que desinquietavam os povos "figurando-lhes grandes vantagens". A Junta Geral do Distrito, j em 1 837, chamava a ateno para a necessidade de se tomarem medidas para limitar a emigrao, considerada um dos maiores males de que sofriam os Aores (Susana Serpa Silva) .

    seguintes : As causas da emigrao, segundo a consulta sobre a emigrao, de 1 843, eram as

    o recrutamento militar, pelo qual os jovens sentiam "repugnncia", e que aumentara consideravelmente desde 1 831 , distribudo, alis, de modo desigual pelos distritos administrativos, uma vez que So Miguel, com pouco mais de 80 000 habitantes, fornecia 250 recrutas, ao passo que a ilha da Madeira, com mais de 100 000, apenas dava 1 60 recrutas; para o evitarem, os jovens fugiam ou casavam prematuramente sem os meios convenientes, levando-os a emigrar, sozinhos ou com a famlia; a concentrao da propriedade em poucas mos, na ilha de So Miguel, na maior parte pertencente a vnculos ou capelas, de tal modo que a diviso da propriedade no estava em proporo com o nmero dos seus habitantes ; a fortuna adquirida por alguns no Brasil e o incentivo dos parentes e amigos que a se encontravam;

  • 282 Entre mares - O Brasi l dos portugueses

    os elevados montantes dos arrendamentos e aforamentos para habitaes, junto das povoaes, o que promovia a misria e a pobreza, levando muitos a expatriarem-se na esperana de melhorarem a sua sorte; os escassos jornais pagos e o desemprego.

    Distrito do Funchal (lviadeira) - Nessa "provncia", no havia equilbrio entre a populao e as subsistncias, uma vez que o vinho, "produto quase exclusivo" (os madeirenses compravam tudo quanto comiam) , nos anos anteriores a 1 843, viu o seu preo baixar mais de 300%, vivendo assim a Madeira "tempos calamitosos". Logo, a emigrao crescera e em tais circunstncias, qualquer lei que procurasse travar a emigrao de quem fugia fome seria, "alm de injusta, por extremo inumana".

    Sublinhe-se que a Junta Geral, em consulta de 1 839, tendo em ateno o "aumento prodigioso" que se verificou na populao da Madeira nas primeiras dcadas do sculo XIX, e "em vista do pouco que embeleza a seus naturais o esprito de emigrao e aventura", desenvolveu a seguinte reflexo: "que h-de ser de tanta gente? De que meios se ho-de eles valer? Que recursos ho-de criar para poderem subsistir, sem se devorarem uns aos outros, em to apertado espao?"

    A resposta vai ser dada pelo mesmo rgo, em 1 841 , numa outra consulta, ao referir que a crise comercial que afectava, ento, a exportao dos vinhos da Madeira levou os madeirenses a emigrarem aos milhares, para fugirem misria e fome .

    ..... O.lpda

    ........

    Mapa 02 - Primeiro Inqurito Emigrao Portuguesa (1 843)

  • Concluso

    O primeiro inqurito portugus emigrao (1843) 283

    Esse inqurito, o primeiro a ser efectuado sobre a emigrao portuguesa escala nacional, at ao momento desconhecido ou desaproveitado pelos historiadores que investigaram a emigrao portuguesa oitocentista para o Brasil, permite-nos chegar a algumas concluses que fundamentam, alis, o discurso poltico da emigrao:

    os portugueses, com excepo de alguns madeirenses e aorianos, emigravam massivamente para o Brasil, uma vez que s este pas referido; este fenmeno diz respeito, fundamentalmente, ao noroeste portugus e s Ilhas dos Aores e Madeira; a emigrao nos distritos do interior e sul de Portugal era praticamente inexistente; a emigrao clandestina era forte, no s nas Ilhas, mas tambm no Norte de Portugal; a sada dos portugueses devia-se pobreza das classes populares, sobretudo nos Aores e Madeira; s guerras civis que se desenvolviam recorrentemente em Portugal; fuga ao servio militar; s relaes sociais e econmicas e de parentesco estabelecidas desde h muito tempo entre as populaes das duas margens do A dntico; ao exemplo dos "brasileiros ricos" que regressavam a Portugal; ao sistema da enfiteuse que impedia os "filhos segundos" da classe mdia (durante o Antigo Regime, at 1 834, destinados vida religiosa) , de acederem ao patrimnio dos seus pais, principalmente nos distritos do Minho e Distrito de Viseu; aos vnculos de morgados e capelas - principalmente nos Aores e Madeira, onde a propriedade se encontrava muito concentrada -; ao papel activo dos engajadores ligados s associaes brasileiras de colonizao, na Madeira e Aores; agiotagem desenvolvida por judeus e reduo da exportao da laranja, afectada por doenas, nos Aores; e crise vincola na Madeira; ningum defende medidas repressivas da emigrao, havendo, pelo contrrio, unanimidade quanto necessidade e utilidade da mesma; travar a emigrao seria causar elevados prejuzos s regies que a alimentavam, uma "calamidade", uma injustia, uma desumanidade - assim se declara, tanto no Minho como nas Ilhas adnticas.

    Perante tais concluses, poderia ter sido outra a posio do Governo e do prprio Parlamento, de em 1 843 ter deixado cair o projecto de lei da Cmara dos Pares, de represso da emigrao?

    S em 1 855 que ir surgir a primeira lei do regime constitucional portugus para travar a emigrao clandestina.

    NOTA

    * Centro de Estudos da Populao, Economia e Sociedade - CEPESE.