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HURACAN ZANE GREI Digitalizado por http://www.librodot.com I Motivos lhe sobravam a Luzia Bostil para que o panorama que a rodeava despertasse em seu coração diversas emoções. Por uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que o fazia impossível a sorte completa. Era esta sensação uma vaga solidão espiritual, uma ameaça de temores ante o estranho atrativo que, de uma maneira grata e desconhecida, exercia nela o mistério do por vir. Estava desejando que ocorresse algo, algo que sentia falta de, sem saber o que. Não importava que fora uma coisa terrível, contanto que tivesse algo de maravilhoso. Luzia contava dezoito primaveras. O dia de seu aniversário saiu a passear com um cavalo que lhe tinha sido proibido montar. A moça queria muito a todo o mundo no Vau do Bostil, e todos a queriam a ela igualmente. Gostava dos cavalos, à exceção de um, o endiabrado e perverso favorito de seu pai, o vencedor das carreiras, chamado Sage King. Luzia estava radiante e palpitava de amor por tudo que alcançavam a ver seus olhos do alto de sua cavalgadura: o casario verde e florido, que ficava lá, a suas costas, entre a beleza de uma ladeira de salvia e a irreal aridez das cúpulas; o rápido caudal do Avermelhado que retumbava tempestuoso no fundo

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HURACAN

ZANE GREI

Digitalizado por http://www.librodot.com

I

Motivos lhe sobravam a Luzia Bostil para que o panorama que a rodeava despertasse em seu coração diversas emoções. Por uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que o fazia impossível a sorte completa. Era esta sensação uma vaga solidão espiritual, uma ameaça de temores ante o estranho atrativo que, de uma maneira grata e desconhecida, exercia nela o mistério do por vir.

Estava desejando que ocorresse algo, algo que sentia falta de, sem saber o que. Não importava que fora uma coisa terrível, contanto que tivesse algo de maravilhoso. Luzia contava dezoito primaveras. O dia de seu aniversário saiu a passear com um cavalo que lhe tinha sido proibido montar. A moça queria muito a todo o mundo no Vau do Bostil, e todos a queriam a ela igualmente. Gostava dos cavalos, à exceção de um, o endiabrado e perverso favorito de seu pai, o vencedor das carreiras, chamado Sage King.

Luzia estava radiante e palpitava de amor por tudo que alcançavam a ver seus olhos do alto de sua cavalgadura: o casario verde e florido, que ficava lá, a suas costas, entre a beleza de uma ladeira de salvia e a irreal aridez das cúpulas; o rápido caudal do Avermelhado que retumbava tempestuoso no fundo dos abismos; os grupos de índios que, com vistoso aspecto, cavalgavam pela borda; a águia que se abatia nas alturas, como uma pluma flutuante, a uns dois mil metros de elevação, sobre os rebanhos que pastavam formando negras manchas no praderío; o intenso e aveludado azul dos céus ; o dourado sol de as cúspides diretas e a bruma de cor lilás dos terrenos baixos; o suave grito da andorinha que saía veloz de uma barranco, recihiendo de frente o sopro dos magueyes de grafites lança; o impressionante silêncio, a serra do fundo, a vermelhidão da lonjura.

O que Luzia esperava com impaciência, o que o vento lhe sussurrava, o que via escrito no mistério da imensidão do prado de salvia e do peñascal longínquo, fora o que fosse, tinha que acontecer precisamente, para seu gosto, no mesmo Vau do Bostil. Não lhe atraíam as

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coisas da civilização ; se burlava de a idéia de casar-se com o rico granjeiro do Durango. A irmã do Bostil, que, embora severo, tinha-a educado cheia de carinho, nunca conseguiria convencer a de que contraísse matrimônio contra sua vontade. Atraíam-lhe a liberdade e a insubmissão, como a um cavalo selvagem nascido para o deserto; ali era onde queria viver. Os campos e sua vida se confundiam em uma só emoção; mas, no que se assemelhavam? Em que ponto daquele horizonte descobriria a verdade de seu futuro?

Encogióse de ombros e rechaçou a Idéia de seguir a corrente impetuosa, cambiante, inacabável do vermelho, tempestuoso e ensurdecedor rio. Desdenhou também a áspera massa de rochas encarnadas que se escalonavam trincadas, arrancadas e abertas pelas barrancos, porque estavam cheias de desolação. Em troca lhe atraía o dilatado vale coberto de salvia, levemente ondulado e estendido com sua cinza suavidade até morrer ao pé das montanhas e desvanecer-se nas avermelhadas colinas do horizonte. Não podia explicar-se Luzia o que era o que estava desejando; não sabia por que o deserto a atraía e solicitava; não podia precisar qual era a afinidade de seu espírito com aquele panorama, mas sentia com toda claridade, unidos em um sozinho, estes três sentimentos no fundo do coração. Durante dez anos seguidos, todos os dias de sua vida pôde contemplar aquele deserto paisagem, v nunca o encontrou alterado no mais mínimo e, sem embarque, sempre lhe pareceu diferente. Dez anos, durante os quais tinha crescido contemplando, sentindo e assimilando-se todos os matizes daquela natureza, amando suas perspectivas, até chegar a não sentir-se feliz a não ser em cresço daquela atmosfera, daquelas cores, daquela liberdade, daquela selvatiquez. Naquele dia de seu aniversário, as pessoas que a amavam-lhe haviam dito que começava a ser proprietária absoluta de si mesmo, e ela reconheceu então a voz do deserto, que para sempre a chamava. E isto lhe procurou uma profunda, amadurecida e estranha sensação de felicidade.

Seu para sempre seria o deserto, sempre diferente e sempre invariável de uma vez, as léguas de terreno ondulado, como muito vegetação, os grandes canhões, os gigantescos penhascos, o sombrio rio com o misterioso fragor de suas águas, as mesetas alinhadas de pinheiros, a infinita latitude do horizonte interrompida por solitários e majestosos promontórios, e as últimas colinas com sua atração para um mais à frente. Sempre suas as solitárias estações os ventos gelados e estremecedores, a intensidade do frio, os céus acerados, as pálidas neves; os cinzas campos de salvia e a erva blancuzca ao ser semicubierta pela branca savana de areia que agitam os vendavais; o fôlego de forno ardente do verão, seus magníficos rodeios de nuvens, suas negras tormentas que se desfazem sobre umas ou outras cúpulas, as escuras cortinas de chuva e as aparições do arco íris; as cascatas de encaixe sobre os lisos e rochosos precipícios, o fragor de avermelhado-los caudais e a glória dourada do outono, quando o tempo parece deter-se em um entardecer perpétuo. Seu o cavalgar sob os céus abertos sentindo o sol nos ombros e as asas do vento no rosto. Delas, em soma, as aventuras inexprimíveis que, cedo ou tarde, teria que confrontar e cujo pressentimento pulsava já no estranho desejo de seu coração, cheio de presságios que lhe diziam que o lugar de suas aventuras seria o fundo daquela pendente coberta de salvia e cheia de atração.

A casa do Bostil era um edifício de arruda e pitoresca estrutura, vermelho de pedra e branco de cal, em meio de uns álamos albinos, perto do casario apertado de verdor.

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Bostil gostava de dizer que dificilmente se encontraria em toda a terra um panorama mais grandioso que a vista daquele mar de ondulantes salvias que se estendia para as planícies bordeadas de negro e os horizontes perdidos, limitados de azul e peneiradas de ouro.

Uma manhã de princípio da primavera, Bostil, segundo seu costume, mandou tirar os cavalos de carreiras das quadras ao campo e deixá-los em liberdade. Gostava sentar-se a contemplar como pastavam seus cavalos, que nunca lhe tinham afastado, saindo-se da pendente coberta de salvia, enquanto os picadores andavam também por ali.

sentou-se, desfrutando na contemplação daquele espetáculo. Possuía várias manadas de potros mustangs. Um grupo destes se via em uma parcela próxima; eram formosos, vistosos e estavam cheios de vigor. Mas os que mais atração exerciam sobre os olhos do Bostil eram os purasangre favoritos. Parecia estranho que, tendo sido capturados pelos mesmos cavaleiros do Bostil, ou pelos índios, não houvesse entre esses melhores brutos nenhum mustang ou bronco selvagem.

Ali estava Plume, esplêndida égua, assim chamada pela maneira como lhe flutuava a crina ao vento ao correr; ali também Two Face, elegante, reluzente e matreira; o enorme, montês e baio Dusty Ben, e o negro Sarchedon; e, por último, Sage King, da cor do campo de salvia, verdadeiro tipo, esplêndido e arrogante, de cavalo de carreiras.

-Onde está Luzia? -pergunto Bostil de repente.

Assim como suas predileções, dividia aquele homem sua inquietação. Um de seus picadores lhe disse que tinha visto sair a Luzia a cavalo, flutuando ao vento a dourada carícia de sua cabeleira. Era uma história sabida, e Bostil, voltando-se para cavaleiro que tinha tomado a palavra, pergunto-lhe com viveza:

-levou-se ao Buckles?

-Acredito que sim -foi a fleumática resposta que obteve.

Bostil lanço um juramento. Nenhum dos corredores igualava a aquele em atrevimento.

-Já te tinha dado instruções, Farlane! Luzia não tem permissão para sair a cavalo, nem muito menos pode dominar ao Buckles. Não é cavalo nem para um homem.

-Ah, para Luzia se!

-Mas não o havia eu proibido?

-Patrão, mandaria-o você; mas manda tantas coisas! -repôs Farlane-. Luzia me deu um puxão da asa do chapéu, impregnando-me isso até as sobrancelhas; disse-me que ia como um raio e zás ! , meteu-se com o Buckles por entre as salvias.

-Devia respeitar sequer o campo de salvia -grunhiu Bostil-. por aí corre perigo... Onde está minha lente? Quero ver toda a ladeira. Onde está minha lente?

A lente não aparecia.

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-Que é o que levanta estas nuvens de pó em meio das salvias? São antílopes? diga-me isso você que tem melhor vista. Parece-te que o são?

aproximo-se um picador de olhos atentos, curvado, envelhecido, de cabeça branca, que ao andar fazia ressonar suas esporas.

-Lá abaixo digo-preciso Bostil, assinalando ao longe.

-É um grupo de cavalos -replicou Holley.

-Cavalos selvagens?

-Assim parece, a julgar pelo muito pó que levantam.

-Mau! Não é coisa que me faça graça. Luzia não deveu sair sozinha.

-Verdade, patrão; mas quem poderia alcançá-la se saiu com o cavalo Buckles? Luzia subida bem. Os únicos cavalos que poderiam lhe dar alcance os tem você aí, King e Sarch.

Farlane conhecia o fraco de seu patrão e o costume lhe tinha ensinado a lhe tratar. Os olhos do Bostil se iluminaram. Estava orgulhoso do domínio de Luzia sobre o cavalo. O primeiro que Bostil lhe contava ao forasteiro que acertasse a deter-se em sua propriedade, era que Luzia tinha nascido durante uma selvagem carreira, sobre um cavalo como quem diz. Este era ao menos o mito que estendia de boca em boca, e os picadores juravam que a moça era digna filha de tal iluminação. E Farlane sabia muito bem que a maneira mais segura de captá-la benevolência do Bostil era elogiar a seus favoritos.

-Uma vez ao menos falaste com sentido comum, Farlane -respondeu Bostil como sentindo-se aliviado-. Não pensava tanto no perigo que possa correr Luzia, como na companhia desta má cabeça do Creech, que ela aceitou.

-Não, patrão, engana-se você -observo Holley vivamente, Conheço a moça. Não faz o menor caso ao Joel. É ele quem a segue.

-Além disso, é inofensivo -acrescentou Farlane.

-Não estamos de acuerdo-replicou Bostil no ato-. Que diz você, Holley?

O velho picador fico pensativo e demoro um momento em responder. Por fim disse:

-Direi-lhe : sim e não. Reconheço que Luzia podia fazer do Joel um homem. Mas não lhe faz caso e isto dá a solução, embora Joel se incline a obstinarse por seu próprio mal.

Ao que Bostil acrescentou:

-Como voltam a encontrar-se, deixá-la atada com cordas em casa.

Outro dos picadores, de olhos azuis, chamou a atenção de seu patrão assinalando a cinza extensão de ondulante salvia.

-você veja, Bostil, note-se no King; está vigiando algo... e o mesmo Sarch!

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Os dois cavalos estavam olhando para um desnível que havia a vários centenares de jardas, com os pescoços estirados e as orelhas em ponta. Sage King relinchava agudamente e Sarchedon começou a dar coices.

-Moços, convém que os entrem em seguida -ordenou Bostil.

-Estão a ponto de disparar-se... Olá! Que é isso que corre sem tino por detrás daquela colina?

-não é mais que Bucklen, esporeado por Luzia -repôs Holley com uma risada seca.

-me valha Deus! Vejam que loucura, como vem!

Era inútil que Bostil tivesse mostrada irritação. O entusiasmo de um curtido cavaleiro das montanhas iluminou seu intenso olhar. O pendente que se estendia a seu vista estava limpa e quase horizontal até o desnível onde tinham desaparecido a menina e o cavalo. Buckles corria por mero instinto de velocidade, e ela esporeava-lhe inclinada sobre o pescoço do bruto, pela alegria que aquelas carreiras lhe causavam.

Sage King voltou a relinchar, e pôs-se a correr com grácil movimento para unir-se ao Buckles; Sarchedon partiu detrás; também o, seguiram, ciumentos, Two Face e Plume; em troca Dusty Ben, depois de mover a cabeça, optou por seguir pastando. O cavalo cinza e o negro atalharam ao Buckles, mas não puderam dar a volta a tempo e este os passou. Então se ouviu um grito de alegria arrojado pela moça, e Buckles redobrou sua veloz carreira afastando-se para o fundo por momentos. O cinza King se disparou como se já viesse galopando, e assim se afastou a sua vez do Sarchedon, estilizando-se de bela maneira em seus movimentos. Era um jogo, uma carreira francamente ganha de momento pelo espírito da moça.

A cabeleira de Luzia era uma nuvem de ouro ao vento.

Ia a jovem inclinada sobre o cavalo, altas os joelhos, ao parecer quase sem tocá-lo, mas fundidos seus impulsos e movimentos com os do animal. Outra vez vibrou pelos ares seu gozosa voz, em um grito que era risada e desafio. Sage King, com uma presteza que pôs um brilho de ansiedade nos olhos do Bostil e de seus picadores, chegou a tomar dianteira ao Buckles, e moderou, apartando-se graciosamente, o passo, deixando que logo Buckles lhe acontecesse como um raio. Luzia atirava com força das rédeas querendo detê-lo, e naquele momento Holley, que tinha ido para ela, correu a agarrar o cavalo pela brida. Buckles soprava, jogava as orelhas atrás e dava coices, fazendo saltar os calhaus.

-É inútil, Luzia-dijo Bostil -, não vencerá ao King, embora saia com vantagem.

Os olhos de Luzia eram tão azuis e penetrantes como os de seu pai, e naquele momento brilhavam da mesma maneira. Com uma mão se agarrava à larga crina do cavalo, e ao passar o joelho leve e ágil sobre o largo lombo do animal para apear-se, tendeu a outra mão enluvada ao cinza picador de seu pai, que havia conseguido sujeitar ao nobre bruto.

-Detesto-te, Sage King ! -exclamou a moça, como se o cavalo a entendesse-.

E um dia ou outro te vencerei!

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Bostil assegurava, jurando-o, que Sage King era o cavalo mais veloz de todo aquele deserto em que se criavam os melhores cavalos. Dizia que seu grande cavalo cinza era capaz de correr com a cabeça volta aos outros cavalos, sem que nenhum pudesse lhe alcançar.

Sentia uma verdadeira paixão por aqueles animais, tanto, que sua vida se repartia entre estes e o amor a sua filha Luzia. Tinha conhecido aquela época de duro cavalgar, em que possuir um cavalo nas desertas cercanias do Utah era a maior cobiça de um homem. Sua fazenda foi prosperando graças aos verdes pastos da terra alta e às águas da vertente sul do rio Avermelhado. Os índios, que ainda não tinham sido corrompidos pelos brancos, conduziam-se amigavelmente. Bostil construiu um barraco nas terras de índios banhadas pelo rio Avermelhado, e aquele lugar se chamou o Vau do Bostil. Pouco a pouco sua personalidade fez que estendesse-se sua fama, e esta, unida a suas necessidades e empresas, foi atraindo aos laçadores, aos pastores, a gente de espírito aventureiro, a viajantes nômades do deserto, os quais tinham ido convertendo aquele solitário rancho em uma granja povoada e ativa. O lugar mais próximo, seguindo o rio para o Norte, se achava a mais de duzentas milhas, ao longo das quais só se encontrava algum que outro rancho isolado. Ao oeste havia vários povos, mas também algo distantes, que ficavam isolados durante dois meses ao ano pelas inundações do Avermelhado na época da fusão das neves nas montanhas. Ao leste do vau se dilatava um imponente e innominado deserto, cheio de quebraduras e cruzado de canhões. Ao sul ondulavam as belas terras altas, com vales de salvia e erva, com mesetas de pinheiros e cedros, e esses contrafortes verdes e cinzas estavam limitados por um horizonte de púrpura no que irrompiam as colinas de rocha e os isolados menhires naturais que limitavam as perspectivas de uma maneira selvagem, grave e misteriosa.

O gado do Bostil era inumerável, e por mais que este tivesse muita gente a suas ordens, sempre havia sitio para mais. Mas muitos de seus picadores não faziam comprido tempo em sua fazenda, em primeiro lugar porque alguns deles eram de índole vagabunda, caçadores-laceros; e em segundo lugar por culpa dos grandes defeitos do Bostil; com muita dificuldade pagava a ninguém em metálico, e nunca teria permitido que outro a seu lado se apropriasse de um cavalo de sangue; todas as cavalgaduras velozes tinham que ser delas. Naqueles tempos, todo montador, sobre tudo se era caçador de cavalos selvagens, considerava como meia vida o ser dono da cadeira que montava. E como este era seu amor, a diferença entre o Bostil e os picadores estribava em que possuindo aquele mais cavalos, tinha neles maior motivo de afeto, e se apaixonava.

Quando Bostil não podia fazer seu um cavalo cobiçado, bem fora comprando-o ou em troca de outro, concebia invariavelmente uma grande ojeriza pelo proprietário. Acontecia, pois, com freqüência que os picadores se viam insistidos a desprender-se de seus favoritos, e isso lhe tinha procurado muitas inimizades. Não podia dizer-se, entretanto, que andasse atrás de gangas, pois era capaz de pagar quanto lhe pedisse por um cavalo.

À boca de um canhão de vermelhas paredes abertas sobre o rio Avermelhado vivia um pobre pastor e negociante em cavalos chamado Creech. Aquele homem tinha vários purasangre, de dois dos quais não se teria desprendido por todo o ouro do mundo. Esses cavalos de carreiras, Blue Roam e Peg, tinham sido capturados na serra pelos índios utahs e estavam domados para as provas. Eram ainda jovens e cada dia mais velozes. Bostil queria

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adquiri-los, porque os invejava e os temia. Seria um golpe terrível que um dia derrotassem a seu cavalo cinza. Mas Creech se burlava de todas as ofertas e mortificava ao Bostil com orgulho, prognosticando que o verão seguinte poria um de seus cavalos em competência com o King.

Para agravar a coisa e converter a rivalidade em ódio, o jovem Joel Creech, grande caballista, mas inútil aos olhos de todos, menos aos de seu pai, havia dito que um dia ou outro ele tomaria parte em uma carreira em que competiriam King e Blue Roam. Esta ameaça tinha sido tirada de diferente maneira por uns que por outros. Ao Bostil zangava até lhe fazer perder a esperança de toda reconciliação. Luzia Bostil, em troca, ria e ao falar disso punha um olhar de doce mistério. Ela não tinha inimigos ; queria a todo mundo, e se chegava a murmurar entre as mulheres do Vau do Bostil que sentia algo mais que simpatia pelo preguiçoso Joel. E os maridos das murmuradoras diziam que só se tratava de um pouco de compaixão. Os cavaleiros, em seus bate-papos, sentados ao redor das fogueiras ou tendidos nas quadras do Vau, trocavam impressões a respeito dessa carreira prometida pelo Joel Creech. Nunca tinham deslocado de uma vez King e Blue Roam, e nunca correriam a não ser que contra Joel tomasse parte Luzia.

Em tal caso, celebraria-se a carreira mais extraordinária que se viu naquela alta região e as apostas se fariam contra Blue Roam só em o suposto inverossímil de que levasse dobro peso. Se Joel dava a Luzia o cavalo Roam e ele montava o Peg, a coisa trocaria de aspecto. Luzia Bostil era uma exalação de moça, vinda ao mundo sobre um cavalo, forte e flexível como os índios e apta para montar em cabelo, fixa como uma raiz à crina dos cavalos. Montando o Blue Roam era capaz de ir avantajando a todos os corredores e até de vencer ao King, o qual seria um dobro desgosto para o Bostil porque equivaleria a perder a sua filha ao mesmo tempo que derrotavam a seu cavalo favorito. E se Joel montasse o cavalo Peg, a carreira acabaria angustiosamente para todos, porque era seguro que King deixaria atrás ao Peg, mas este levaria a outros dentro da distância de um tiro de fuzil.

Vinha sendo o tema mais sugestivo das conversações aquela carreira tão esperada. E a curiosidade subiu de ponto quando se conheceram os sentimentos de Joel para Luzia. Eram os menos os cavaleiros que se inclinavam a acreditar em Luzia capaz de sair com o Joel, que os que afirmavam que este ficaria em ferrador de os cavalos de seu pai. Mas todos os aficionados e todas as comadres dadas à falação coincidiam sequer em uma coisa: em que aquele assunto, derivasse em carreira ou em novela, não demoraria para alterar a pacífica e sonolenta vida do Vau do Bostil.

Além disso do aborrecimento do Bostil aos Creech, sentia um grande temor pelo Cordts, o cuatrero. Era um medo sem trégua, que lhe tinha sempre alerta. Cordts vivia oculto nos lugares não freqüentados. Tinha amigos secretos entre os viajantes as montanhas, seguidores leais nos campos situados ao outro lado dos canhões, oro para o suborno, rebanhos para repartir e cavalos velozes. Nunca tinha deixado de fazer seu tudo o que lhe desejasse muito menos uma coisa. tratava-se de um cavalo. Este cavalo era Sage King.

Cordts era um homem mau, produto daqueles anos das jazidas auríferas de Califórnia e Idaho, resultado daquela daninha onda de vagabundos que retrocedessem sobre as rotas seguidas de tão louca maneira para o Oeste. erigiu-se em senhor de serras livres; mas por cima

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de tudo era um cavaleiro. Sabia o que é um cavalo. Era tão experiente como Bostil. Cordts se transladou a aquele deserto país de ranchos independentes, onde era fama que um ladrão de cavalos importava menos que um coiote envenenado. Entretanto, era um ladrão de cavalos. A paixão que tinha concebido pelo Sage King era tão intensa como a de um amor desesperado, e Cordts tinha jurado que não se daria trégua, que não descansaria até que King fora dele. Havia, pois, razão para os grandes temores do Bostil.

II

Bostil se dirigiu para a casa com sua filha, e ao chegar à porta se voltou para dar em alta voz tina última ordem a seus picadores sobre o cuidado de seus cavalos.

A casa era um edifício baixo, plano e largo, dividido por um corredor ao que davam as portas das habitações, de muros de tijolo cru. As janelas eram pequenas aberturas elevadas, dispostas evidentemente tanto para fins de defesa como para a iluminação do interior, e estavam providas de robustos portinhas de madeira. O estou acostumado a era de terra e estava todo ele talher de mantas índias. compreendia-se em seguida que era a casa de um colonizador, singela e rústica, mas confortável, e tinha uma estranha qualidade, própria das casas daqueles desertos : era fria no verão e quente no inverno.

Quando Bostil entrou acontecendo um braço pela cintura de Luzia, levantou-se um perrazo de junto ao fogão. Aquela habitação era imensa, chegava de lado a lado da casa e havia nela um grande lar de pedra, onde uma marmita fervia despedindo gratos aromas; várias cadeiras rústicas de manufatura caseira, revestidas de tecido, mesas que faziam jogo; bridas, fuzis, pistolas e armas índias penduravam das paredes com outros ornamentos, entre os quais veían vários troféus de caça. Em um rincão havia um banco de trabalho com ferramentas e debaixo dele. arreios e jaezes. No ângulo oposto se abria a porta da cozinha. Tal era a famosa habitação em que fazia sua vida Bostil, e na qual tinham acontecido coisas notáveis, algumas das quais contribuíam à história do deserto, embora Bostil nunca falasse delas.

A irmã do Bostil saiu da cozinha. Era uma pessoa corpulenta, com uma expressão de rosto grave mas maternal. Ao lhes ver se levou as mãos ao queixo e lançou um olhar de desaprovação ao pai e à filha.

-De maneira que já estão de volta? -perguntou com severidade.

-Como o vê, tia - respondeu a moça com complacência.

-Escapou-te por não ver o Wetherby, não é isso?

Luzia olhou docemente a sua tia.

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-esteve esperando várias horas -continuou a robusta mulher-. Não tinha visto nunca a um homem assim. Não é de sentir saudades, se jogar com o dessa maneira.

-Se já lhe dei o não! -exclamou Luzia vivamente.

-Mas Wetherby não é dos que aceitam um não de qualquer jeito. E não me agrada nada o que faz. Luzia Bostil, nem você mesma sabe o que quer; não tem fixidez. Basta de loucuras com esses picadores de seu papai, pois como não vá com tato te vais ver casada com um deles... Sim, com um desses selvagens picadores, tão condenados como os índios Ute...! Wetherby é jovem e te idolatra. Por que, se é que tem sentido comum, não faz conta?

-Tem-me sem cuidado -replicou Luzia.

-Gosta como não pode ser menos... E você, que diz, John Bostil? Antes estava de acordo com o Wetherby e te ouvi lhe dizer que Luzia é como um potro teimoso, mas que você...

-É certo que eu gosto de Jim -interrompeu Bostil, mas procurou não tropeçar com os vivos olhos de Luzia.

-E agora que diz?-insistiu sua irmã.

Bostil se viu pego entre dois fogos. Olhou primeiro como com desamparo e logo com desgosto.

-Papai! -exclamou Luzia em tom de recriminação.

-me ouça, Jane -disse Bostil com ar decisivo-. A moça é desde hoje major de idade... E pode fazer o que tiver por conveniente.

-Linda resposta em ti -reprovou a tia Jane-. Como se não andasse ela detrás desse algo do Joel Creech, para que em cima o tolere.

-Tia! -exclamou Luzia com recriminação.

-Senhor, como me atormenta esta criatura! -disse a mulher, desanimada-. Se o disser tudo por seu bem... Pensa em ti, Luzia Bostil! Uma senhorita de dezoito anos, de uma família como a nossa, e andar assim a cavalo, de um lado para outro, vestida dessa maneira, como um homem!

-Mas, queridísima tia, como vou montar a cavalo com saias? -disse Luzia-. A ver como o farta

-Embora passe aqui toda minha vida, não me acostumar, Luzia, a que uma Bostil vista essas calças. Os Bostil foram em outros tempos algo, lá, no Missuri.

Bostil lançou uma gargalhada e disse:

-Sim, e se não chegar a sair logo caminho do oeste, ali morremos de fome Querida Jane, é uma louca sentimental. Deixa à moça e te reconcilie com estas solidões.

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Os olhos da tia Jane se coalharam de lágrimas. Vendo-o, Luzia se apressou a acariciá-la e lhe dar um beijo.

-Tia, prometo-lhe que desde hoje me comportar com dignidade. andei sempre livre como um menino, vestida assim, de maneira que os homens parece que não me olham nunca como a uma moça. Em certo modo, tão melhor. Não saberia explicá-lo, mas eu gosto que assim seja. Só o traje tem a culpa disso. Compreendo-o perfeitamente. E se tanto cresci, se tão tremendo for o caso, no sucessivo vestirei de mulher, menos quando sair a cavalo. Parece-lhe bem, tia?

-Sem dúvida que te tem feito mulher, ao fim e ao cabo -contestóle a tia Jane com evidente surpresa e agrado.

Com o qual Luzia foi correndo a sua habitação, fazendo soar as esporas.

-me diga, Jane, que é esse absurdo que há dito do Joel Creech? -perguntou Bostil rudamente.

-Eu não se mais que o que se murmura. Isso é o que hei dito. Mas, acaso você perguntaste algo a Luzia?

-Tem razão -respondeu Bostil com estupidez.

-Pois pregúntaselo. O que te diga, será a verdade. Luzia não poderia conciliar o sonho se dissesse uma mentira.

A tia Jane voltou para seus quehaceres de dona-de-casa e deixou ao Bostil acariciando pensativo ao cão, fixos os olhos na luz. A pouco voltou a aparecer Luzia; mas era uma Luzia distinta, que não seria o orgulho dos cavaleiros, mas que fez estremecer o coração de seu pai. Pouco antes parecia um moço magro, ágil, desgrenhado, em quem respirava o espírito das pradarias e do ar livre, propício aos cavalos que ela dominava. Agora aparecia convertida em uma jovem, com a graciosa e contornada esbeltez de seu corpo, com o ouro dos ocasos no cabelo, com o azul das profundas lonjuras nos olhos, com o carmim dos vermelhidões montanhesas nos lábios. E tudo em torno seu se transfigurava.

-Luzia..., é o vivo retrato dela! -disse Bostil, emocionado.

-De minha mãe? - murmurou Luzia.

Mas as lembranças tristes não podiam albergar-se muito tempo na imaginação daqueles dois seres tão vibrantes, tão fortes e cheios de vida.

-Luzia, tenho algo que te dizer -observou Bostil de

logo-. Me diga, o que tem que esse moço, Joel Creech? Luzia, voltando para a realidade de súbito, pôs-se a rir.

-Papaíto, está em tudo! Viu-lhe me seguir a cavalo?

-Não, não é isso. Perguntava em términos gerais.

Page 11:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

-O que quer dizer?

-Luzia, há algo entre você e Joel? -perguntou-lhe cheio de gravidade.

-Não -replicou ela fixando nele seus olhos azuis.

Ao Bostil pareceu ver naqueles olhos a cor das vincapervincas, e disse apressadamente

-Perdoa, filha.

-Papai, já sabe que Joel me segue. Hei-lhe isso dito. Recentemente lhe deixei. Devo lhe interessar. Mas isso não é motivo para que te alarme. Sinto-o por ele... Dá-me lástima.

-Compadece-lhe? Parece-me muito -repôs Bostil.

E Luzia afirmou solenemente

-Pai, parece-me que Joel não está de tudo... de tudo em seu julgamento.

-Ora! Ora! O que pouco favor te faz!

-Falo a sério. Quero dizer que, recordando certos feitos, chego à convicção de que Joel sofreu uma mudança desde que um cavalo tordo lhe deu um coice na cabeça. Estou segura de que sou quão única o notou.

-O te seguir com insistência não é coisa inusitada nestes campos. Ten em conta.

-Estamos falando do Joel Creech, e de este digo que há pouco tempo a esta parte vem fazendo coisas estranhas. Sem ir mais longe, hoje mesmo acreditei que havia-lhe rehuído, mas deveu que estar me observando, porque, de repente, saiu não sei de onde montado sobre o Peg. Não acostuma baixar ao rio com o cavalo. Me há dito que o pasto começava a escassear acima. Estava tentada de provar a velocidade do King com a do Peg, mas me conteve o pensar que isso te desgostaria.

-Naturalmente! -disse com secura Bostil.

-Ao aproximar me vi que não estava nada bem. Encontrei-lhe pior que nunca. Até discutimos e lhe hei dito que o melhor que pode fazer é deixar de me seguir. Respondeu-me que estava disposto a fazê-lo assim; Y. carrancudo, dió meia volta. Contente de lombriga livre dele, afastei-me guiando ao cavalo a um lugar predileto. Logo, caminho de casa, vi ao Peg que andava solto ao bordo do arroio, perto do grande fossa onde emana água clara e profunda. E não dirá o que vi! Ali estava a cabeça do Joel saindo a flor de água. Ao discutir com lhe havia dito: "vá lavar te a cara! ou, e o tinha tomado ao pé da letra. Não pude menos que rir. À lombriga... -aqui Luzia pareceu ruborizar-se, duvidou um momento, lhe balbuciem e acesa de irritação e vergonha.

-O que? O que aconteceu verte?... -inquiriu o pai sordamente.

-Deu-me uma voz me dizendo: "Né, Luzia, te tire a roupa e vêem te banhar! "

Bostil lançou um juramento.

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-Não sabe como me indignou e desconcertou. Esta é uma das coisas estranhas delas. Mas até hoje não se atreveu A...

-A te insultar -interrompeu-lhe seu pai-. E o que tem feito você então? -interrompeu Bostil.

-Gritei-lhe : "Já te pararei os pés, Joel Creech! " Tinha deixado a roupa amontoada ao bordo. De momento pensei em arrojá-la à água, mas ao agarrá-lame ocorreu outra coisa. Dei procuração de tudo, menos de seus sapatos, pois recordei as dez milhas que tinha que andar entre pedras e cactos, e me afastei com o Buckles. Joel ficou a chiar e a amaldiçoar de uma maneira horrível. Mas eu, nem voltei a cabeça. E Peg, que como sabe - embora possivelmente não saiba -quer-me muito, me veio detrás mordendo a brida todo o caminho. arrojei a roupa do Joel na sarjeta, junto ao caminho, de maneira que a verá por força. E nada mais... Papai, me diga, fiz mau?

-Como! Devia ter disparado um tiro. Pelo menos lhe teria tirado um pedra bruta da cabeça! Mas

depois de tudo, Luzia, pode que tenha feito o bastante. Vejo que não foi premeditado.

-A que te refere?

-Hoje o sol esquenta muito. Fogo vivo! E até sendo Joel tão torpe e louco como diz, não pensará em passar o dia em encharcamento ou à sombra até o anoitecer, mas tampouco sairá da água como penso que nessas duas milhas ficaria abrasado.

-Abrasado? OH, papai! Quanto o sinto! -exclamou Luzia, muito contrita-. Nunca me tivesse ocorrido. Volto rapidamente para lhe levar a roupa.

-Não o fará -disse Bostil.

-me deixe, pois, mandar a alguém -intercedeu.

-Como! Não terá ânimo para levar a cabo o castigo? Deixa que Creech receba esta lição. Bem a merece... E agora, Luzia, outras duas perguntas.

-Só dois? -disse ela brincando-. Papai, não me atormente com tantas averiguações.

-O que tenho que dizer eu ao Wetherby?

Os olhos de Luzia se escureceram como se sonhasse. Pareciam olhar fora da casa, para a serra longínqua.

-lhe diga que se volte para o Durango e que esqueça a que só pode pensar no deserto, onde toda sua ilusão é ter um cavalo.

-Perfeitamente. Isso é falar claro, como fazem os índios. Mas agora fica a última pergunta... O que quer que te dê de presente por seu aniversário?

- É verdade! -exclamou ela jovialmente, dando palmadas-. Me esquecia. Dezoito anos!

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-De sua mãe conserva o arca, mas o que quer que eu te dê?

-Concederá-me o que eu te peça?

-Sim, minha filha.

-Seja o que seja? Um cavalo?

Luzia conhecia a debilidade de seu pai, porque ela também a tinha herdado.

-Concedido. Qualquer cavalo que não seja King.

-Poderia ser Sarchedon?

-Como, Luzia! Do que te serviria esse demônio negro e maior? É muito alto. Não o poderia montar.

-Ora! Sarch se ajoelha para que eu possa montar.

-Atende a razões, moça. Sarch te deslocaria as bonecas.

-Sim, tem as queixadas de ferro -assentiu Luzia-. E se fosse Dusty Ben?

Luzia complacíase em torturar a seu pai jovialmente.

-Não... Ben, não. É o cavalo mais dócil que tive. Não seria justo me separar dele, nem mesmo para lhe dar isso a ti. São as lembranças..., a lealdade de um cavaleiro... Enfim, Luzia, você compreenderá?;...

-Papai, tem medo de que eu queira e treine ao Ben e faça que derrote ao King. Um dia ou outro tenho que tomar parte nas carreiras fora do campo de salvia. Pensa nisso, papai. me dê, então, ao Two Face.

-De maneira nenhuma, Luzia. Não pode um confiar-se nessa égua. Por isso leva o nome que leva : Two Face, duas caras.

-Pois então Buckles, queridísimo e esplêndido papai, que te está perecendo por lhe dar de presente algo a sua filha, que já é tão maior!

-Mas, Luzia, não está já contente com os cavalos mustangs? Tem uma dúzia. Podem ser teus quantos queira. Buckles não é seguro para ti.

Bostil era o mais generoso dos homens e o mais bondoso dos pais. E que não se desse conta de que Luzia estava brincando, era devido ao muito que obcecava-lhe todo o relativo aos cavalos. Nesta matéria perdia por completo o sentido do humorismo. Tudo o que tivesse algo que ver com seus cavalos era para ele de soma gravidade.

Então Luzia disse em tom lisonjeador:

-Quanto eu gostaria que Plume fosse meu!

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Bostil, que se tinha ido congestionando, naquele momento chegava a sua major tortura. A monstruosa intransigência, nestas questões, de um corredor que em seus tempos não teve rival, não podia ceder.

-Mas, menina, não crie que Plume não te serviria para nada?-balbuciou o pai.

-É verdade: é um rocín! Um dia me atirou ao chão. Não o posso perdoar... E você não vê, papai, que estou falando em brincadeira? Não compreende que eu sei perfeitamente que não me pode dar nenhum desses cavalos?

Não saberia te desprender de nenhum!

Para ouvir estas palavras, Bostil exclamou, sentindo um grande alívio:

-É verdade, Luzia, tem razão.

-Bem, papai, mas se Cordts cumprir sua ameaça e se apodera de mim e me retém para não ser entregue a não ser em troca do King por resgate, bem consentirá em lhe dar o cavalo.

- Não brinque, Luzia ! - exclamou o pai em tom de queixa.

-Conserva seus cavalos, papai!' Mas não esqueça que eu sou sua filha, e que também posso ter predileção por um cavalo. Ah, se pudesse fazer meu um como que sempre sonhei ! Um cavalo selvagem, um garanhão do deserto, árabe puro e bem domado por um índio. Vê se pode fazer que se cumpra este desejo, que com um cavalo assim não só esgotarei ao Sarch e ao Ben, mas sim vencerei ao King.

O povoado do Vau do Bostil estava situado singularmente, por mais que, dada a maravilhosa natureza daquela terra solitária, não era coisa excepcional. Estava protegido por um vermelho altozano a que só Luzia Bostil podia subir. Uma rota muito debulhada baixava ondulando entre quebradas a um lado do canhão para o rio. A casa do Bostil, situada a bordo do povoado, olhava em sentido oposto, sobre o declive coberto de salvia e aberto como imenso leque. Havia uma larga cale bordeada de álamos e de barracos, e numerosos jardins e hortas que começavam a romper em verdores e vermelhas e brancas florações. Um regato que circulava por um ravina que quebrava o bravo altozano nutria as sarjetas de irrigação e a terra parecia florescer ao só beijo da água.

Aquele povoado semelhava um acampamento índio : silencioso, sonolento, cheio de cor, com magros caudais de água por toda parte, e lentas e azuladas fumaças de fogueiras de lenha. O Vau do Bostil era o pólo oposto de um povo trajinador e, não obstante, os poucos moradores do lugar viviam prosperamente. Não se sentiam grandes desejos de exploração. No máximo uma vez a mês se expulsava a barcaça chata em que se transportavam cavalos ou outro ganho, como, por exemplo, cordeiros. Se aproximava a época, que durava várias semanas e às vezes meses. em que o rio era invadeable. Havia uma vintena de famílias estáveis, uma hoste de alegres e revoltosos meninos, uns quantos homens pouco ativos e uma só moça, que era Luzia Bostil. Mas o lugar sempre era visitado por gente como aves de passagem: amistosos índios utahs e navajos que foram a seus negócios, pastores com rebanhos fracos e lanzudos, e viajantes que professavam uma estranha religião, afim a Utah,

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com a qual identificava-se, os quais estavam acostumados a dirigi-la deserto. Foram v vinham também cavaleiros de trânsito, alguns dos quais eram receosos e vistos com cautela. A vezes chegavam até ali, cheios de ousadia, os cuatreros e faziam suas compras e vendas. Nos negócios de cavalarias, a gente do Vau do Bostil era tão audaz como os ladrões. O velho Brackton, homem de variada experiência, ocidental, tinha um estabelecimento que era de uma vez armazém, botequim, tabacaria de tabaco, escritório de contratações, ferraria e todo o necessário. Brackton se valia dos picadores e de alguns arrieros, às vezes índios, para adquirir mantimentos uma vez a mês no Durango. Esta cidade se achava a duzentas milhas, e às vezes se dava o caso, não corrente, de que as mercadorias necessárias não chegassem a tempo. As notícias do mundo chegavam só de vez em quando, e até por boca dos taciturnos transeuntes de passagem para Utah. Mas ninguém as sentia falta de. Aquelas lamas solitárias eram os precursores de um grande movimento, e como tais eram vigorosos, bem temperados, bastando-se a si mesmos. Os cavalos faziam ali possível o desenvolvimento da vida. O futuro longínquo que vislumbravam os homens atentos só se conquistaria fomentando com firmeza e perseverança a cria cavalar. E esses homens gostavam dos cavalos e sabiam tratar como mereciam. O navajo era um tipo de caballista nomada, o árabe do Deserto Manchado, e o índio Utah era muito parecido. Eles foram os professores dos cavaleiros brancos e dos atuais caçadores de cavalos.

A um extremo da rua do povoado estava o ruinoso estabelecimento do Brackton. Não havia em toda a casa um só tablón talhado a serra, e muitos eram os troncos das paredes que mostravam ainda os sinais de ter sido derrubados do extenso do breñal. Brackton, que era um homenzinho cinza, de barba espaçada e olhos de pássaro, saiu pressuroso a receber a um carroceiro que chegava. Ao carro lhe faltava uma das rodas de atrás, e o arriero a tinha substituído por uma vara. via-se o penoso das jornadas no suarentos, enlameados e emagrecidos que vinham os cavalos semislavajes e no coberta de pó que vinha o montão de valises que enchiam o carromato.

-Que é isso, Rede Wilson? Parece que lhe faz comprido a viagem -disse Brackton, em tom de bem-vinda.

Rede Wilson tinha os olhos irritados pela areia que levantasse o vento, e até mais avermelhada o anguloso queixo pelo pó encarnado que lhe tinha aderido. Ao dar um puxão ao portafusil para subir o saiu uma nubecilla de pó da capa de seu fuzil.

-Sim; deixei uma roda e parte da carga no caminho-dijo o homem.

Uns índios que lhe acompanhavam tinham começado a soltar as correias às cavalarias. Os cavaleiros que matavam o tempo à sombra saudaram o Wilson e o perguntaram que notícias trazia.

O carreteiro declarou que a terra estava ressecada, as cisternas exaustas e que o vinha sedento. Suas explicações despertaram grande inquietação e causaram graça pela forma com que se expressava o arriero.

-Agora a viagem de volta, e se acabou... até que volte a chover -concluiu Wilson.

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Brackton o conduziu dentro para lhe dar de beber. O que se dava aos corredores era água para eles e forragem para seus cavalos.

-começou o calor muito em breve -observou um.

-É verdade ; e o vento do Nordeste começa a danificar a primavera -repôs outro.

-Não há degelo na serra.

-Terá que preparar-se para uma larga seca. Mas vá!; nós nos podemos compor isso embora não venham os arrieros com suas mercadorias. Aqui sobra água e erva, embora não chova.

-Sim; mas as ribeiras estão todas cortadas.

-Nunca há muita erva ao começo da estação. E se a houvesse, logo fariam o rapa com ela.

-Assim é; Creech não demorará para levar seus cavalos lá... Digo eu.

-Pode apostá-lo. O mês que vem se começa a preparar para as carreiras.

-Quando serão?

-Isso não lhe posso dizer isso. Vão deve sabê-lo.

Alguém beliscou a um dos picadores que estava dormido, com seu flexível e largo chapéu em cima dos olhos. incorporou-se. Era uma moço de olhos cinzas, muito raspado, que olhou, entre contente e zangado.

-Quem me deu uma espetada?

-Era um pesadelo, homem. Dava, Vão, quando são as carreiras?

-Ah! E para isso me despertastes?... Diz Bostil que não demorarão muitas semanas : assim tenha notícias dos índios. Projeta fazer vir oitocentos índios e outorgar grandes prêmios para celebrar umas carreiras nunca vista no Vau.

-Voltará você para montar ao King?

-Assim o espero-repuso o picador-. Mas Bostil está preocupado porque aumentei algo em peso.

-Sim é um puro pele com ossos!

-Parece-me que esta vez te vai custar um pouco mais, Vão. Dizem que o Blue Roam do Creech ganhou muito este ano.

-Funciona-te mal a cabeça, Bill -respondeu Vão socarronamente- Não venci o ano passado a todos os cavalos do Creech sem que King tivesse que esforçar-se?

-Se mal não recordar, foi assim porque Blue Roam não tomou parte.

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Logo seguiram discutindo todos como bons camaradas, embora apaixonados e tenazes em defender cada qual seu critério. Prevalecia a opinião de que o cavalo do Creech tinha uma possibilidade de sair vencedor, embora isso dependia das circunstâncias e a sorte. Assim andava a discussão à chegada de outras pessoas que traziam alguns potros teimosos e ao parecer falavam de negócios.

via-se claro que aos recém chegados tinha que lhes interessar a opinião de outros.

-Vão, aí tem um bom cavalo! -exclamou um.

-Que tem que ser l -replicou Vão.

E esta discrepância foi em seguida o tema general.

Os recém chegados falavam de que Macomber, o rancheiro, tinha vendido já seu mustang para comprar com o ganho aquele cavalo roano. Tanto se estava bem como se não, o negócio era já costure feita. Nisto saiu Brackton com Rede Wilson e também eles tiveram que emitir sua opinião.

-Está bem, vejo que nenhum destes amigos é amável e completo -disse Macomber; arranhando-a cabeça-. Mas não se pode pedir que todo mundo entenda de cavalos.

E vendo logo que Luzia Bostil chegava pela estrada lhe animou o olhar como por uma inspiração.

Luzia entrou na casa e leu nos olhos dos corredores, especialmente nos de Vão, algo do que acontecia. Saudou-lhe com um expressivo sorriso, e vendo ao Brackton exclamou

-OH, senhor Brackton, o carro já está aqui! veio minha caixa?... Hoje é meu aniversário.

-Que seja parabéns, e que cumpra muitos-le respondeu o, contente de vê-la ditosa- A caixa é muito pesada para ti. Eu lhe mandar isso... Acaso lhe leve isso um destes moços...

Cinco cavaleiros se ofereceram de uma vez e se olharam entre si como se todos tivessem sido o primeiro. Então Macomber se dirigiu a ela:

-Miss Luzia, vê você esse cavalo? E Luzia disse rendo

-OH! A mesma e pesada gente de sempre com a mesma história : a venda de um cavalo.

-Há uma pequena discrepância de critérios -observou Macomber com cortesia e assinalando aos picadores-. e como todos sabemos que é você um juiz seguro nestas questões... Além disso, não é você capaz de dizer uma coisa por outra. Reconheço que não é esta uma qualidade que sola adornar aos que tratam em cavalos... Que opina você desse roano?

Macomber estava entusiasmado com sua recente aquisição, mas os picadores lhe tinham esmagado um pouco por sua rudeza.

E Luzia lhe disse em tom reprensivo:

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-Não é você, Macomber, o mais indicado para falar alto. Não foi você o que vendeu a meu pai um cavalo velho e cego, que era um saco de pele cobrindo um esqueleto, em troca de um pony esplêndido, que precisamente eu gostava de muito?

Todos os pressente lançaram uma gargalhada e o rancheiro se encheu de confusão.

-Palavra de honra, senhorita Luzia, que me surpreende muito que possa pensar uma coisa assim de um velho amigo de você e de seu pai. Estou seguro de que o não diria o mesmo.

-Meu pai e eu nunca estamos de acordo tratando-se de cavalos. Ele acreditará que comprou a você o melhor que tinha. Mas você sabe, Macomber, que grande ladrão de cavalos é você. Pior que Cordts!

-Pois eu lhe digo que se comprasse ao Bostil o melhor que tivesse, eu gostaria que acreditassem mau. Eu sou o primeiro que cairia assim... Mas agora, senhorita Luzia, examine meu cavalo.

Luzia Bostil olhou, em efeito, atentamente ao animal. Fosse direita ao roano selvagem e peludo, com a segurança que lhe davam sua intenção e sua experiência. Com um movimento, nem lento nem rápido, tocou a cabeça do animal, o qual fez como se fora a saltar, mas ficou quieto. via-se em seus olhos que não tinha sido tratado por mãos de mulher.

-Este cavalo não está bem embridado -disse Luzia-. Ao fazê-lo, algum navajo lhe pegou na cabeça.

E a jovem seguiu observando ao cavalo.

-Ao logo engana porque tem certa imagem; mas eu não o compraria. A cadeira lhe cairia do lombo. Não é que tenha vícios, mas nunca dominará seu espanto. Tem os olhos muito juntos e isso é mau sinal. Tem as orelhas rígidas e também muito juntas. Estes são todos os defeitos que lhe encontro.

-Muitos viu -exclamou Macomber-. De maneira que você não o compraria?

-Não acredito que pudesse nem me dar de presente o por meu aniversário.

-Pois o sinto, porque não pensava em outra coisa -replicou Macomber de lastimosa maneira. Era evidente que o cavalo tinha cansado infelizmente em seu conceito.

-Macomber, eu estou acostumado a lhe dizer a meu pai que vocês os negociantes têm seu mérito de vez em quando. O que lhes perde é a vaidade e o querer dominar a quem faz-lhes sentir-se inferiores.

Dito o qual, Luzia se saiu com Vão, que levava às costas sua caixa, deixando ao Macomber defendendo-se do chocalho dos cavaleiros. O regozijo que reinava entre eles cessou no ato quando alguém exclamou:

-Olhem! Que me leve o diabo se não se aproximar um índio nu!

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Todos os ali reunidos se apressaram a ver quem se aproximava e, em efeito, parecia ver-se a um selvagem nu que corria.

-lhe dispare um taro, Bill -disse outro cavaleiro-. Pode

encontrar-se com Luzia... Ah!, não, ela já se afastou. Mas pode haver outra mulher por aí.

-Detenha, Bill -interveio Macomber-. Quando viram a um índio correr dessa maneira?

Os cavaleiros riam, lançavam juramentos e estavam cheios de curiosidade.

-Não há dúvida de que sua cara é branca embora o corpo seja vermelho!

A estranha figura se aproximou deles. Era, em efeito, vermelho até a cabeça, e o rosto aparecia blanquísimo por contraste. Certamente, seu aspecto geral e seus movimentos eram de homem.

- Arrumado o que seja a que esse é Joel Creech! -saltou Bill.

Outros assentiram, cheios de perplexidade.

-Sim, é ele, que deveu voltar-se louco!

-Mas não estará raivoso? A boca o espumea como a um cavalo ao galope.

O jovem Creech se dirigia ao vau pela estrada, pois aquele era o caminho de sua casa. Ao ver o grupo de curiosos moderou a marcha e se deteve. Lhe via na cara que estava cheio de raiva, de dor e de cansaço. Todo seu corpo estava talher de uma espessa e pesada capa de barro encarnado que se endureceu.

-Por amor de Deus, meus amigos -disse soluçando, com os olhos chorosos-, me tirem este barro ... Façam, ou morro!

E entrou cambaleando-se no estabelecimento do Brackton. Todos lançaram uma exclamação ao uníssono e foram a ele.

depois do jantar, Bostil, em sua casa, começou a rir, congestionado o rosto e ante o assombro de Luzia e a tia, as quais estavam ponto menos que consternadas.

-Bem cumpriste sua vingança, Luzia Bostil -exclamou com retumbante voz.

-Senhor! Senhor! -exclamou a tia Jane.

-O que é o que tenho feito?-perguntou Luzia, mudada.

Bostil se dominou e, secando-a suarenta e acesa cara, dirigiu um olhar entre solene e zombadora a Luzia.

- Joel! -murmurou Luzia, que sentia um remorso de consciência.

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-Nunca ouvi, Luzia, coisa semelhante... Joel é mais preparado. em algumas costure, pelo que acreditam, mas em outras é muito mais torpe. soube burlar ao sol, mas quem lhe mandava passar pelo povo? Nunca se riram tanto meus picadores.

-Papai! -exclamou Luzia, quase gemendo-. O que é o que tem feito Joel?

-lhe vou dizer isso lhe vi acontecer por aqui. Não podia ou não quis esperar a que anoitecesse. E por outra parte não gostava de ser abrasado pelo sol. Assim é que se mergulhou em um charco de barro, para revestir-se de uma espessa capa. Já sabe como é esse gradeio de tijolos crus! Logo se dispôs a ir-se a sua casa. Mas não tinha previsto como se endurece o barro, v a capa lhe tornou de pedra. É uma tortura indubitavelmente maior que a dos raios do sol. Avançada já a tarde, pôs-se a correr pela estrada, clamando que morria. Os moços, ao lhe ver, acreditaram que era sua ocasião. Joel não lhes inspira simpatia, e o viram cair em suas mãos. É possível que não se enfurecessem ao lhe tirar o barro. Mas isso não é nossa coisa. Lavaram-lhe, esfregaram-lhe, sovaram-no, e ele não cessava de chiar v amaldiçoar. E acredito que terão acabado por esfolá-lo. Deixariam-no como em carne viva. Conforme dizem, não se viu no Vau do Bostil a uma pessoa mais enlouquecida.

Luzia lutava em seus adentros entre um sentimento de medo e outro de regozijo. E corno envergonhada de não sentir uma grande dor, exclamou:

-OH! OH, papai!

-.Não é esse um caso extraordinário, Luzia?

-Mas agora, o que é o que fará? -perguntou Luzia, alarmada.

-Deus sabe. Preocupa-me um pouco, porque se calou a história de como perdeu a roupa e por que se cobriu de barro. Tampouco eu tenho que dizê-lo. Só nós sabemos.

-Sim, papai, preparará uma terrível vingança! -exclamou Luzia, compungida e temerosa, ao augurar o que aconteceria.

III

Não passavam depressa os dias no Vau do Bostil. E salvo no inverno e durante as tormentas de vento e areia da primavera, o preguiçoso tempo transcorria agradavelmente. Luzia saía a cavalo, às vezes com Vão ; outras, sozinha. Não punha muito empenho em sair a cavalo com o por duas razões : porque estava apaixonado dela e porque não lhe podia vencer, quando o tirava o King. Estavam adestrando os cavalos do Bostil muito antes das carreiras.

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soube-se, por fim, a decisão dos utahs e os navajos, que aceitavam a proposição do Bostil e se dispunham a apresentar-se muito preparados; quer dizer, depende Holley e os picadores velhos, aquilo significava que se apresentariam oitocentos índios de cuidado.

-O velho chefe Hawk virá también-anunciou Holley ao Bostil-. Faz anos que não esteve por aqui. Recorda você sua coleção de potros? São verdadeiros cavalos, não mustangs. De maneira que terá que estar alerta, Bostil.

Nenhum viajante, nem rancheiro vagabundo, nem pastor nômade dos que aconteceram o Vau deixaram de prodigalizar advertências ao Bostil. Em parte era uma brincadeira; mas a* coisa tinha seu aspecto inquietante. O caso era que, um dia ou outro, King tinha que ser vencido. Bostil era o primeiro em não ignorá-lo, mas resistia a admiti-lo. As advertências do Holley lhe encheram de preocupação. Quase todas as cãs que agrisaban a cabeça do Bostil obedeciam a preocupações sobre cavalos.

O dia que recebeu a resposta dos índios chamou a sua casa ao Brackton, ao Williams, ao Mucie e ao Creech. Tinham que reunir-se de noite. Estes eram os homens que desde fazia anos constituíam uma espécie de clube, que dava ao Vau sua maior importância. Creech não era já amigo do Bostil, mas este tinha sido sempre nobre e não queria agora dar ouvidos certas rixas. Holley, o decano dos picadores, era o sexto membro da reunião.

Bóstil jogava ao lar, as noites da primavera, um lenho de cedro que ardia alegremente, pois nessa estação as noites eram frescas.

Brackton foi o último hóspede em chegar. mesclou-se à reunião sem dignar-se responder às lacônicas palavras de recebimento que lhe dirigiram, e seus olhos, pelo general doces, estavam ásperos e delatavam alguma preocupação.

-John -disse-, suponho que não vai aumentar seu afeto por mim pela notícia que trago, em especial para ti, esta noite.

-Como, ladronazo velho! Nem por isso nem por nada tenho que te querer eu a ti-replicou Bóstil. Mas com estas brincadeiras contrastava certo temor que se podia adivinhar em seu grave olhar. Em seguida perguntou-: Dava, que acontece?

- Não dirá a quem acabo de servir um copo de uísque!

-Não caio-repôs Bóstil, embora em seu olhar se adivinhava que o tinha acertado.

-Pois esteve em minha loja o mesmo Cordts... com cinco de sua turma. A dois deles não os tinha visto nunca. Gente de má catadura. Estes foram um pouco separados. Os outros eram Hutchinson e Dick Sears.

-Dick Sears! -exclamou Bóstil.

Mucie e Williams ecoaram ao Bóstil. Holley mostrou em seguida um vivo interesse. O único que não pareceu sentir saudades foi Creech.

-Pois não estava morto? -disse Bóstil.

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-Assim parecia; mas pelo visto, deveu ressuscitar -respondeu Brackton rendo de estranha maneira- Há-me dito que aconteceu dois anos em Idaho, nas terras do ouro; mas que, encontrando muito duro aquele trabalho, tinha decidido voltar-se. E o muito diabo ria ao me contar isso Sem dúvida estaria lembrando do trem de carros que me roubou.

Bostil lançou um olhar a seu velho picador.

-Bem, acredito que não devemos matar seriamente ao Sears -disse, como desculpando-se, Holley-. Nunca estive de tudo convencido.

-Santo Deus! Cordts e Sears em nosso acampo-exclamó Bóstil, e começou a passear-se pela grande habitação.

-Não; já se foram -esclareceu Brackton.

-Acalme-se, patrão -disse Holley, deixando cair as palavras com lentidão -. King e todos os cavalos de

carreiras estão a calvo. Pode jurar-se que Cordts não tem que franquear a estacada e a alambrada sem ficar com toda sua equipe pego ali toda a noite. Não é fácil tarefa, e eles não estão para trabalhar. Além disso, naquele lugar estão Farlane e os moços.

Estas razões tranqüilizaram ao Bostil, que voltou a sentar-se; mas as mãos ficaram tremendo um pouco.

-E Cordts, disse algo? -indagou Bostil.

-Certamente. Estava muito afável e habladorcontestó Brackton-. Chegou pouco depois de anoitecido. Deixou um homem, a quem não vi, à porta com as cavalgaduras. levou-se dois grandes pacotes de mantimentos. Comprou também um pouco de couro e, é obvio, munições. Bebeu uísque. Trazia muito ouro, e recusou a mudança. Logo, enquanto seus homens, menos Sears, transladavam os vultos, esteve falando.

-Não te detenha -apressou Bostil.

-Pois me há dito que vem de mais ao norte que Durango, e que lá se fala muito de um projeto de ferrovia que unirá o Este e o Oeste. Isto me parece interessante; mas não tem para mim grande importância.

-O Norte não é tão quebrado e abrupto como isto -observou Pisem.

-Nunca se pensou coisa mais estupenda para o Oeste -sentenciou Bostil-, que se tal ferrovia se constrói, todos nos faremos ricos... Mas continua, Brack.

-Também me há dito Cordts que a erva e a água estão desaparecendo ao longo da estrada; nisto coincide com o que nos disse Rede Wilson a semana passada. E por fim me perguntou: "Como está meu amigo Bostil?" Respondi-lhe que perfeitamente, e então ele me olhou amável e pensativo. Eu já esperava o que vinha... Em efeito, sua nova pergunta foi esta : "Como está King?. "lhe magnifique-lhe hei dito-, verdadeiramente magnífico." "E para quando se preparam as próximas carreiras?" A isso respondi que não se decidiu ainda, mas que de

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todos os modos não demorariam mais de um ou dois meses. Então me perguntou de repente : "me Diga, Brackton, acredita que Bostil me pegará um tiro se me ye?" "Acredito que sim., respondi-lhe. "Não me faz graça a notícia de que... Hão-me dito que esta vez o cavalo azul do Creech competirá com o King É certo? E eu lhe assegurei que não o pusesse em dúvida, que me tinham assegurado isso Bostil e Creech. Para ouvir estas palavras, Cordts me pôs uma mão no ombro e me há dito, com uns olhos que tinham vocês que ter visto: "Eu quero ver essa carreira... Irei a vê-la.. "Pois me parece -respondi-lhe -que terá você que desistir.,, E então, não dirá você, Bostil, o que me há dito. exaltou-se, cheio de curiosidade e impaciência, me assegurando que será essa uma carreira a que não pode deixar de assistir. Fez juramento de não voltar a jogar a você nenhuma má passada nem a consentir que nenhum dos seus se desmande no mais mínimo em tanto que as carreiras não terminem.

Ao Bostil lhe iluminou o rosto.

-Sei muito bem o que acontece com Cordts -disse.

-Bem, o caso é particular. Tinha assegurado você muitas vezes que o dia que se trovejasse com lhe pegaria um tiro -continuou Brackton -, todos sabemos.

-Sim, matarei-lhe!

Outra vez se escureceu a cara do Bostil. Sua voz trocou de tom. Abriu a boca em um gesto violento e nervoso, e a voltou a fechar apertando tensamente os lábios. Bostil tinha matado a mais de um homem. E tais lembranças eram, indubitavelmente, tormentosos e espantables.

-Parecia que Cordts confiava na eficácia de sua palavra para que se acreditasse em sua boa fé. Há dito que mandará um mensageiro índio para perguntar se já a poder vir às carreiras. E eu, me permita, Bostil, que o diga, acredito que sua vinda não seria em dano de ninguém, sempre que durante essa trégua não você deixe a escopeta da mão. Não é coisa singular? Um bandido que por ver umas carreiras se faz boa pessoa uma temporada! Comove-me! É uma maneira de lhe procurar a pouco preço um pouco de dignidade ao Cordts. O negar-se a isso poderia ser contraproducente: irritaria-se mais. E tendo-o tudo em conta, pode que Cordts não seja tão malvado como parece.

-Deixarei-lhe vir -declarou Bostil, respirando profundamente-. Mas vai ser muito violento lhe ver, depois do que me roubou e das ameaças que me dirigiu. Mas não o faço por lhe subornar a que tenha um pouco de honradez, mas sim porque sei o que gosta de King, e estou seguro das vontades que tem de lhe ver correr nas provas. Isso me basta.

Houve um momento de silêncio, durante o qual todas as olhadas se voltaram para o Creech. Era este um homem vigoroso, que havia já passado o tempo da juventude, de rosto povoado de uma fina e branca barba, e olhos afundados e atormentados.

-Bostil, se Cordts for devoto do King, quererá vir para passar um mau momento -disse Creech, com um particular sonsonete.

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Bostil deu com suas pesadas botas contra o chão e lançou um olhar aceso ao Creech. Outros soltaram a risada, e Brackton interveio dizendo

-Contenham-se por agora, moços! Não sairá disso nenhuma razão... Ficamos, Bostil, em que está decidido. Deixará que venha Cordts, não é isso?

-Com verdadeiro placer-declaro Bostil. E acrescentou-: Vamos aos assuntos que motivaram esta reunião.

sentaram-se todos, rodeando a mesa sobre a qual Bostil tinha posto um robusto livro de contabilidade, solidamente encadernado, e um pedaço de lápis.

-Comecemos por fixar a data -disse animadamente-; logo passaremos aos pormenores... Que dia é hoje?

Ninguém respondeu e todos se olharam, um pouco pálidos de assombro.

-Não estamos no mês de abril?-aventuro-se a dizer Holley.

E não passaram daí. Então Bostil deu uma voz:

-Luzia!

Com ânsia, quase alarmada, correu a jovem aonde a chamavam.

-Por Deus, sobressaltaram-me! Que desejam?

-Queremos saber que dia é hoje.

-Que a quantos estamos? E por isso têm que assustamos dessa maneira à tia e a tí?

-Assustaste-te? trata-se de um pouco muito importante, Luzia. Que dia é hoje?

-passou uma semana justa da última terça-feira -respondeu a jovem afablemente.

-Ah! Então hoje volta a ser terça-feira -disse Bostil, apontando-o trabalhosamente-. Mas agora, que dia do mês?

-Não se lembra?

-me lembrar...? Nunca soube.

-Mas, papai, se na terça-feira passada foi meu aniversário; o dia em que não quis você me dar de presente um cavalo.

-Assim é -disse Bostil, um pouco turbado ante aquela recriminação-. Então era... a ver se me lembro.., sim, dia 6. Com o qual hoje será dia 13. Estamos a 13 de abril. Muito obrigado, filha. Vê outra vez com sua tia. Nossas conversações sobre cavalos não teriam interesse para ti.

Moveu Luzia a cabeça e disse:

-Temo-me que logo terei que esclarecê-lo eu tudo.

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E sonriendo se foi.

Bostil reatou seu peroración assim

-Que lhes parecem os três primeiros dias... isto é... nos dias 1, 2 e 3 de junho, para as carreiras?

Todos os encontraram bem, e Bostil com grandes trabalhos o escreveu assim. procedeu-se depois a planejar os pormenores. Recordóse que Bostil e Mucie, os dois sócios mais ricos da reunião, tinham posto de seu bolso consideráveis bolsas e outros prêmios em anteriores ocasione. manteria-se o costume de sempre, em tudo. Todos os picadores e índios tinham opção a inscrever-se em uma ou em mais carreiras, com os cavalos que quisessem. Mas ao ganhar uma prova, ficava o vencedor excluído das demais. Bostil queria que se adotasse algum acordo sobre o peso dos cavaleiros; mas outros desprezaram esta proposição. Além disso se fariam carreiras especiais para os índios, com prêmios consistentes em cadeiras. mantas, bridas e escopetas.

Bostil se mostrava muito interessado nisso. Parecia respirar com mais liberdade; mas aparecia a seus olhos, lhe traindo, um reflexo de inquietação. Quando pôs maior paixão foi fixar os pormenores para a carreira dos cavalos de primeira categoria. Alguns pontos foram submetidos a votação. Mucie e Williams tinham cavalos velozes que podiam tomar parte na prova; Holley dispunha de um; Creech de dois; era seguro que alguns índios se inscreveriam com rápidos mustangs, e Bostil tinha ao King e outros quatro para escolher. Bostil insistia tenazmente em que o percurso fosse de muitas milhas. Todos sabiam que Sage King era invencível em uma carreira larga e que se alguma probabilidade tinha que lhe vencer solo era a curta distância. A votação foi adversa ao Bostil, com grande contrariedade dela, e se acordou que o percurso na grande prova fora de duas milhas.

-Mas duas milhas...! -repetiu várias vezes Bostil. Essa é a distância melhor para o Blue Roam. Isso é o que a é1 convém; mas não é eqüitativo para o Ring!

À exceção do Creech, não deixaram de argumentar todos, expondo as razões pelas quais encontravam justo aquele acordo para a maioria. Por fim, Bostil acessou, mas estava muito contrariado. A causa disso era o medo de perder a carreira.

Em meio da discussão, Bostil chamo o Creech à parte. Creech fico surpreso, mas era evidente que se alegrava ao pensar que podia fazer as pazes com o Bostil.

-Quanto quereria pelo roano? -preguntóle Bostil bruscamente, como se nunca tivessem falado desta questão.

-Não tratamos já disso em outras ocasiões, Bostil? E não tinha ficado já tudo resolvido? - repôs Creech, abrindo as mãos de maneira suplicante.

-Podemos voltar sobre isso, pois poderia lhe convir vender ou permutar o cavalo.

-Sinto muito, mas não posso.

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-Você necessita dinheiro e cavalo, não é isso? -disse-lhe Bostil asperamente, pois não tinha consciência tratando-se de tais negócios.

-Deus sabe quanto o necessito -respondeu Creech.

-Pois esta é uma ocasião. Dou-lhe quinhentos dólares e o cavalo Sarchedon.

Creech o Miro, como se não tivesse entendido; Bostil repetiu sua oferta.

-Não -replicou Creech.

-Pois lhe dou mil e além ao Plome com o Sarch -acrescentou rapidamente.

-Não! - disse Creech, pálido e tragando saliva.

-Pois dois mil e além Dusty Ben.

Era esta uma oferta sem precedentes. Creech via que Bostil estava desesperado. Brindava-lhe uma tentação quase irresistível; mas Creech resistia, era evidente, amparando-se no pensamento de seu cavalo fino de remos e nobre de olhar.

Bostil não lhe deu tempo de falar, v acrescentou

-Dois mil e quinhentos, e, além dos outros cavalos, Two Face!

-Por Deus, Bostil, rua já! Não me posso desprender do Bine Roam. Você é rico v não tem coração. Nunca o ignorei. Ao menos comigo não demonstrou o contrário até que não fui dono de dois cavalos de carreiras. Não pedi a você faz algum tempo que me emprestasse algum centenar de dólares? Era para cumprir uma dívida. E você não quis me fazer caso, se não lhe vendia meus cavalos. E tive que perder meu gado, meus cordeiros. Sigo sendo pobre, mais pobre cada dia; mas não me desprenderei do Bine Roam embora me ofereça por ele toda sua fazenda.

Creech se sentia mais forte conforme falava v mais enérgico quanto mais violento se sentia. Seus olhos se cravaram no rosto endurecido e pálido de seu rival. Elevo um punho e exclamo:

-Ah, vive Deus, esta vez a carreira é minha!

Durante aquela semana, Lucia tinha ouvido falar muitas coisas do Joel Creech, algumas das quais eram para inquietá-la.

Um dos picadores tinha encontrado a roupa do Joel junto ao caminho, e não só isso, mas sim tinha identificado os rastros das ferraduras do cavalo que Lucia monto aquele dia, e ao ponto relaciono uma coisa com outra. Acrescentando a isto a aparição do Joel talher de uma pesada armadura de barro, os picadores quase adivinhavam a verdade. A brincadeira era para eles enorme e Joel Creech sentia muito vivamente o ridículo. Os picadores lhe faziam a vida insuportável. burlavam-se porque viam que Joel queria tomá-la brincadeira como um homem, e seu ressentimento acabo por ganhar menosprezo deles, que extremavam o sarcasmo acumulando um ódio amargo em seu rancor. Chegou para ouvidos da Lucia que Joel

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começava a obrar e a falar de uma maneira estranha. inteirou-se de que o picador Vão tinha derrubado ao Joel na loja do Brackton e lhe tinha feito soltar de um chute uma escopeta que empunhava. Vão ria muito daqueles rumores, v Brackton não lhe deu à moça explicação alguma do ocorrido em sua loja. depois disso, já não soube nada mais. Os caminhos da falação lhe fecharam de repente. Quando perguntava a seu pai, este amaldiçoava em uma forma que a desconcertava e se limitava a lhe dizer que não se preocupasse mais pelo Creech. Além disso, quando Mucie concedia liberdade ao Joel, pois trabalhava a suas ordens, Luzia se dava conta de que à moço lhe acontecia algo anormal, e ela se sentia responsável.

Estava preocupada, cheia de ansiedade e de sentimento, mas procurava serenar-se, e se decidiu a descobrir por si mesmo o que acontecia. Todos os dias, quando saía a cavalo ao campo de salvia, procurava encontrá-lo, ou ao menos vê-lo por algum sítio; mas passavam os dias e nunca conseguia seu propósito. Uma tarde viu a vários índios que conduziam um rebanho pela estrada do rio, para o vau, e cedendo a um impulso imperioso encaminho para eles seu cavalo.

Poucas vezes baixava Luzia ao rio. Baixar e subir era um trabalho ao que os cavalos resistiam e tampouco gostava. Terei que percorrer um caminho poeirento, no que estava acostumado a passar-se calor, e os grandes muros que o limitavam exerciam sobre seu ânimo um efeito deprimente. Sempre lhe tinha impressionado o sombrio canhão e lhe tinha causado medo o estranho murmúrio do rio. Mas aquela tarde se foi para lá com a esperança de encontrar ao Joel. Tinha um vago propósito de lhe dizer que sentia muito o que tinha feito; lhe pedir perdão, e que não voltasse a fazer caso aos picadores.

O rebanho levantava uma nuvem de pó ali onde a estrada se unia à borda arenosa. O leve rumor das pezuñas do gado e os balidos se foi desvanecendo pouco a pouco. Entretanto, a nuvem de pó continuava cegando o extremo da barranco, e Luzia teve que obrigar ao Sarchedon a avançar por ali. Não lhe incomodavam ao cavalo o pó nem a areia; mas não sofria o aroma dos cameros. Luzia nunca lhe tinha fincado a espora, e nesta ocasião até teve que fustigá-lo. Por fim o animal cedeu, docilmente, mas à força. Houvesse-se dito, lhe vendo como movia a cabeça, que sentia saudades de que sua proprietária preferisse com empenho meter-se naquele desagradável terreno baixo, a cortar o suave e fresco ar do campo de salvia pelo aberto pendente.

O leito seco da barranco com sua areia e seus muros calcários se ia convertendo em uma garganta, onde terminava a vegetação. A estrada seguia sobre penhas, e os lados dessa garganta se foram elevando até privar o passo à luz. Era uma rota que dava voltas pelo terreno baixo e que não oferecia garantias de segurança em tempo de tormenta. Luzia tinha visto rodar por ali rochas inteiras de uma tonelada de peso, ao descarregar uma das imprevistas e violentas tormentas do deserto que precipito uma corrente de água e lama e pedras ao rio.

Aquela parte do caminho era curta, mas a alargava o ter que ir a passo lento. Luzia tinha tempo de preparar-se para vencer a impressão do contraste que experimentava-se lá abaixo. Muito antes de chegar à saída da garganta ouviu o ruído sinistro das águas. O rio devia ir muito baixo, pois do contrário tivesse produzido um estrondo ensurdecedor.

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de repente dobro uma curva e se encontrou em um espaço amplo entre vermelhas muralhas, a cujo pé e a uns quarenta metros corria o rio. Os penhascos se elevavam outro tanto sobre sua cabeça. O caminho baixava por ali, bordeando o talho, e a um lado ficava aberto; assim é que se via em frente outro cantil gretado e desigual. Uma milha atrás dava uma volta brusca aquele curso de água rápida, lamacento e turbulento. Ao longo da borda se estendia uma bandagem de areia. Passada esta bandagem arenosa, na boca de outro ravina tirava o chapéu um grupo de álamos e salgueiros que delatavam a casa dos Creech. Olhando para aquele lado, perpendicularmente, Luzia pôde ver o fundo, e a seus mesmos pés, a margem do rio. Em tão estreita rota e com um cavalo inquieto não podia perder o tempo recreando-se na contemplação do panorama, e conduziu com rapidez ao Sarchedon sob a enorme crista de rocha do precipício, de cuja ameaça não se podia liberar o caminho. Já ao final, aparecia uma pequena planície de médio acre, como em uma cova, onde vegetavam uns poucos salgueiros espaçados, na base daquele talho imenso. Havia luz, mas em uma claridade avermelhada que amedrontava a Luzia. Não podia sentir-se a gosto ouvindo o rugido do rio que corria a seus olhos, e esta sensação não tivesse trocado embora tivesse reinado ali a luz das alturas. Como uma menina de oito anos, seguia sentindo sempre verdadeiro terror e ódio por aquele precipício arrancado cheio de bruma avermelhada, de fumaça purpúrea e do fragor das águas impetuosas. Nunca o tinha podido vencer. A delícia do sol e o vento, o encanto da extensão sem limites, a suavidade do campo de salvia, todas essas eram coisas impossíveis naquele terreno baixo. Algo formidável e imponente, pesado como aquelas muralhas pétreas, gravitava sobre o espírito de Luzia. A voz do rio afogava toda ilusão e sonho. Ali se sentia a presença constante das ameaçadoras forças dos elementos, e o Vau parecia achar-se sob a ameaça de catástrofes fatais para o homem e os animais.

Luzia fez acelerar o passo ao cavalo para cruzar a bandagem de areia e aproximar-se de quão índios estavam embarcando as cabeças de gado em uma rústica barco larga e de pouco fundo. Não era fácil tarefa, pois os animais se espantavam. A pesar do ruído da água, ouvia-se claramente seu balir. Shugrue e Somers, barqueiros do Bostil, afundavam seus pés até os joelhos na movediça areia, e não era menor o esforço que tinham que fazer para andar que para dirigir aos cordeiros. Mas não demorou muito em estar todo o rebanho a bordo. Saltaram à barco os índios e os barqueiros começaram a desatracar a pesada nave da areia. Empunhando logo sendos remos, remaram contra corrente. junto à barco arenosa se formava uma ressaca que fazia factível o remar. Em meio da corrente seria temeridade, não já pretender avançar a não ser lutar sequer com o caudal para não ser arrastados. O procedimento que tinham que seguir para cruzar era subir na forma indicada até um a modo de cabo formado por rochas que estreitava o leito; uma vez ali se podia já efetuar a manobra de deixar-se levar pela corrente remando em forma oblíqua até ganhar quanto antes, a borda. Com o sobrecarregada que estava a embarcação eram muitas as probabilidades de que aquela manobra se pudesse fazer com êxito.

Quedóse Luzia um momento observando o magnífico esforço dos aves de rapina, que moviam os pesados remos, até que, de repente, lembrou-se do motivo de sua excursão ao vau e se encontrou com que estava completamente só a este lado do rio. Na ribeira oposta havia dois homens, e Luzia reconheceu ao ponto ao Joel Creech e seu pai. Logo descobriu também uma equipe de índios que cuidavam uns jumentos. via-se que estavam esperando a que os outros índios cruzassem. Joel Creech salto a um esquife e o impulsiono pela água. O outro

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homem a julgar por seus gestos, esforçava-se em vão em lhe dissuadir de cruzar o leito; mas Joel, sem atender a as razões de seu pai, começou a remar junto à borda, contra a corrente. Luzia ia seguindo com os olhos. Sem dúvida que a tinha visto e cruzava para falar com ela. Tanto pelo fato de que ia encontrar se frente a ele como porque o encontro ia ser naquele lugar, eram causas suficientes para que Luzia sentisse o desejo de retroceder em seguida. Mas seu firme sentido da lealdade e a franqueza a fez sobrepor-se, e assim espero com o só propósito de persuadir ao Joel de que fosse razoável. No momento em que viu que a barcaça que conduzia o rebanho virava à vista para cruzar, Joel fendeu o centro da comente com seu esquife; mas como a chata se deslizava com lentidão, deu-lhe tempo de passar por diante. Logo, Joel remo pela parte baixa da barra e abordo a bandagem de areia, deslizando junto a ela sua embarcação. Rapidamente saltou. Vinha descalço e com a cabeça descoberta; mas não foi isso o que fez que a Luzia lhe parecesse outro.

-Busca-me ? -disse ele gritando.

Luzia lhe chamou com a mão.

Então a moço se aproximou. Era um moço alto, magro, ligeiramente curvado de costas e pernas, a causa do muito montar a cavalo. Obscurecia-lhe o pêlo a cara, tinha a boca magra e fino o queixo, e era notável o penetrante olhar de seus olhos pequenos e de distinta cor. Um era zarco e o outro de um tom avellanado. Sem ter nenhuma cicatriz na cara, era esta tão angulosa que fazia pensar em algum a quem um cavalo tivesse dado um coice no rosto.

Creech se aproximou de Luzia com tanta veemência que ela não pôde menos de ter piedade. Não se lembrava Joel, sem dúvida, de que aquele cavalo lhe tinha ojeriza. Mas se Luzia também se esqueceu, o mesmo Sarchedon a teria posto sobre aviso porque lhe viram as intenções ao lhe distinguir.

-Cuidado, Joel! -exclamo Luzia, lhe dando com a vara ao cavalo em sua negra cabeça. Sarchedon deu um salto e um bufo e fez saltar a areia com as patas. Luzia saltou a terra, ligeira como um índio.

-Faça-o estar quieto -disse Joel, mostrando uns dentes de lobo.

-Não; não consentiria que Sarch lhe fizesse mal. Mas uma vez lhe pego e não o esquece - repôs Luzia.

O olhar do homem e a do cavalo se encontraram, e a atitude de ambos os era violenta. Luzia então deixou a brida e conduziu ao Joel até um madeiro de tirar as barcos que estava meio coveiro na areia. Ela se sentou, mas Joel seguiu em pé. Agora parecia mais estranho que nunca, porque a olhava com grave preocupação. Lu-

recua advertiu que tinha sofrido uma sutil transformação, mas não acertava a compreender em que consistia.

-Que quer você? -perguntou-lhe Joel.

-Contaram-me muitas coisas, Joel -respondióle Luzia, tratando de achar as palavras para o que queria lhe dizer.

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-Supunha-repuso-o Joel, abatido; e se sentou no tablón abrindo duas fossas na areia com seus pés descalços.

Nunca lhe tinha visto Luzia cansado, e lhe pareceu que a saudável cor de suas bochechas se desvaneceu um pouco. A moça lhe referiu, com cautela, alguns dos rumores que tinham chegado a seus ouvidos.

-Todo isso não é nada para o que passou -repôs o amargamente-. Os picadores se burlaram de mim até não poder mais.

-Mas você, Joel, não devia tomar-lhe tão a peito -disse Luzia sentidamente-. depois de tudo, a brincadeira podia fazê-la você. Por que não tinha que tomá-lo como um homem, sem lhe dar tanta trascendencia? Se não tivesse posto nisso tanto amor próprio, não lhe tivessem dado importância.

-É possível que tivesse sido melhor. Mas a brincadeira passou da raia quando se referiam ao que me passou com você.

Assim falou Joel asperamente. Era indubitável que estava ressentido no mais vivo de seu amor próprio. Luzia surpreendeu umas lágrimas em seus olhos, e esteve tentada de lhe agarrar uma mão e lhe dizer quão pesarosa se achava. Mas se conteve. Não se sentia de tudo confiada junto ao Joel.

-A que foi devida a briga com Vão? -preguntóle de repente.

Mas Joel, baixando a cabeça, respondeu:

-Não penso dizer-lhe -¿Le da vergüenza?

-Dá-lhe vergonha?

Joel deu a calada por resposta.

-Disse você algo de mim? -Luzia não podia resistir sua curiosidade, e no fundo dela havia um pouco de paixão -. Algo mau deveu ser, pois do contrário Vão não lhe tivesse agredido.

-Golpeou-me, jogou-me ao estou acostumado a-disse indignado Joel.

-E você lhe apontou com sua escopeta?

-Sim, fiz-o, e me faltou tempo para isso assim que me levante. Mas então me deu com os pés...! Agora não podemos viver Vão e eu no Vau do Bostil.

-Não diga tolices. Não voltarão a brigar vocês... Quem sabe se não esteve merecido? Porque você está acostumado a dizer muitas barbaridades.

-Não disse mas sim me vingaria de você -confessou por fim Joel.

-E como?

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-Jure que a espreitaria para lhe agarrar a roupa, como me fez , e assim teria que ir nua até sua casa.

Indubitavelmente, Joel desvairava, mas não deixava de ser sincero. A ferida lhe tinha inflamado na alma, e lhe tremia a voz de ira.

-Mas eu não vou banhar me às balsas, Joel -observou Luzia entre divertida e molesta.

-Pois, embora assim seja, essa era minha intenção -respondeu brutalmente Joel.

-É absolutamente sincero? Não lhe disse algo mais a Vão lhe provocar?

-Juro-lhe, Luzia, que isso é o que lhe disse.

Acreditou-lhe e se sentiu como nunca responsável por aquela lamentável situação.

-Sinto-o muito, Joel. Tenho que me reprovar o que fiz. Não devi me haver zangado nem lhe jogar aquela brincadeira da roupa... Mas você podia ter esperado a que se fizesse de noite! Agora, já de nada serve o lamentar-se. Em adiante, se você se comprometer a conduzir-se como é devido, por minha parte não tenho que fazer menos. Eu direi a esses moços que a culpa é minha. Convencerei-lhes de que não devem lhe incomodar. irei ver o Mucie...

A estas palavras Joel a interrompeu:

-Não, você não irá suplicar nada por mim!

Admiróse Luzia de descobrir no aquele rasgo de orgulho e disse para lhe tranqüilizar

-Joel, eu o farei de maneira que não pareça que suplico.

-Você não dirá a ninguém uma palavra de mim-prosseguiu o moço, a quem o rosto começava a congestionar-se o E encarando-se com ela, OH, o estranho brilho de seus olhos distintos!, disse-: O que se há dito de mim e o que me tem feito, Luzia Bostil, jamais o esquecer. Já não sirvo para nada no Vau do Bostil; certamente não fui nunca grande coisa; mas sempre tênia algum trabalho e, sempre que o necessitava, me dava algum crédito. Agora todo me nega. Sou um inútil! Estou de mais! E você tem a culpa!

-OH Joel l , que poderia fazer eu por você?

-Só vejo uma solução -sentenciou o, ficando extremamente pálido e com os olhos como faíscas, tratando de dominar seus impulsos.

-Qual? - preguntóle Lucia com viveza.

-você case-se comigo. Séria a única lição para esses parasitas l E é o único que me compensaria. Assim voltaria a trabalhar no Vau para sempre. É tudo o que tenho que dizer, Lucia Bostil.

via-se que falava fazendo-se violência. Foi o último momento de dignidade do Joel Creech.

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-Mas, Joel -advertiu ela simplesmente-; embora me sentisse de tudo. culpado de sua desgraça, seria-me impossível me casar com você.

-Por que?

-Porque eu não amo a você.

-Isso não tem importância, se tampouco quiser a outro.

Lucia lhe olhou com assombro. Ele se começava a revoltar e a seus olhos apareceu seu feroz acometividad. A moça se levantou do tronco em que estavam sentados, e ele fez-lhe esta pergunta, cheio de paixão

-Está apaixonada por alguém?

-Isso não é sua-le conta respondeu Lucia bruscamente. Mas se arrependeu, assustada, porque os olhos do Joel se escureciam de uma maneira desconhecida para ela.

-Se, quer a Vão! - afirmou o sordamente.

-Você está louco, Joel!

Estas palavras lhe exacerbaram mais.

-Isso é o que deram em dizer de mi. E foram tão malvados, que assim o têm feito acreditar em meu pai. Pode que tenham razão... Mas, seja como quero, eu matar a Vão!

-Não! Não! Que disparate! Eu não quero a Vão. Tem-me tão sem cuidado como todos os outros..., como você.

-Minta, Lucia Bostil!

-Como se atreve a me chamar mentirosa? -recriminou-lhe Lucia-. De maneira que me pinto por me congraçar

com você, por desculpar o dano que lhe tenha podido causar, e ainda por cima me ofende?

-Seus doces raciocine... não bastam. Não me são de utilidade... Quer casar-se comigo?

-Não é essa minha intenção!

Ao confirmar sua negativa, Lucia não pôde dominar já a agitação de seu sangue, e deixou que a sua voz e a seu olhar chegasse a expressão de seu menosprezo. Era a primeira vez que deixava ver o ridículo que via no Joel. E o efeito disso foi notável. Como uma chicotada sobre uma ferida descarnada, aquela resposta lhe fez retorcer-se. E o que mais impressionou a Lucia foi a transformação violenta de seu gesto e o desvario que leu em seus olhos. A moça se apressou a lhe voltar a costas, não por desprezo, a não ser por necessidade de fugir.

Joel a seguiu de um salto e a sujeitou com rudeza.

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-me solte! -exclamou ela, mostrando-se imperturbável. Mas a brutal pressão daqueles dedos a enchia de ardente e feroz irritação.

Joel fez caso omisso da súplica, que mas bem era mandato. Arrastava-a para trás outra vez, pronunciando palavras absurdas e incoerentes, e Lucia se acabou de encher de medo quando voltou a cravar nela o olhar.

-perdeu o julgamento, Joel! -gritou, e começou a lutar e retorcer-se para escapar de suas garras. seguiu-se uma luta breve, mas violentisima. Não foi possível à moço retê-la entre os braços, mas lhe rasgou toda a blusa, e a Lucia pareceu que o tinha feito com uma sanha verdadeiramente selvagem. Ao fim a moça conseguiu livrar-se do; mas Joel voltou a equilibrar-se sobre ela. Então Lucia lhe cruzou o rosto com a correia do látego. Este castigo lhe fez cambalear-se, e por pouco se desaba.

Lucia se precipitou para o Sarchedon e saltou como um raio à cadeira. Joel correu em detrás dela.

Brotava-lhe sangue da cara, e tênia vermelhas as mãos. Não era o Joel Creech de antes.

-Aparta! -repreendeu-lhe ela, vendo que ia interpor se em seu caminho-. Aparta ou te atropelo!

O enorme e negro animal, ao roce do incentivo, saltou corcoveando, disposto a partir disparado, e Joel se apartou imediatamente, perdido a cor, mas destacando sobre o as

vermelhas raias que a vara tinha deixado. Parecia que lhe pendurava a mandíbula inferior, lhe entorpecendo o falar. E mesmo assim ameaçava, desalentado e rouco

-Pagará-me isso você! Esperá-la em espreita e lhe rasgar a roupa...! Atá-la nua a um cavalo, e assim se passeará por todo o Vau do Bostil!

Luzia compreendeu que suas melhores intenções seriam estéreis. Algo tinha sacudido a imaginação do Joel Creech. E ela sentia que toda sua ternura cedia a uma fúria sem precedentes, de que nunca se teria acreditado capaz. Outra vez finco as esporas nos flancos do Sarchedon. O bruto deu um salto, passo como uma exalação por diante do Joel e empreendeu uma impetuosa carreira custa acima. De outra maneira não teria podido Luzia abrir-se passo até o íngreme caminho.

IV

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Três caçadores de cavalos selvagens acamparam uma noite junto a um regato do Vale do Sevier, a quinhentas milhas do Vau do Bostil.

Estes caçadores foram insuficientemente equipados, sendo os cavalos o único excelente que tinham. Eram jovens, bem formados, embora fracos e de natureza endurecida nos exercícios hípicos; estavam bronzeados como os índios; seu rosto era sereno e seus olhos penetrantes. Dois deles pareciam estar muito cansados e vadiavam no trabalho do pequeno acampamento. Assim que a frugal comida esteve preparada, sentaram-se cruzados de pernas ao redor de uma velha toalha embreada, e comeram e beberam em silêncio.

O lado de poente estava avermelhado e obscurecia com lentidão. O vale se estendia muito amplo e ondulado, todo ele cruzado de borde e sarjetas, e sua cor avermelhada ia transformando em cinza cada vez mais profundo. Circundavam-no umas cristas pétreas coloridas pela vermelhidão crepuscular, e se alargava para uma serra de escassa altura, dilatada e negruzca.

Era um lugar deleitável, selvagem, espaçoso, e tinha um especial aspecto, inexprimível, que o diferenciava de todos os outros lugares daqueles desertos. Dava a sensação de ser um espaço de sucessivas cercadas, onde reinava a solidão e cujas freqüentes franjas de pedra eram tão claras que apareciam distintamente até na penumbra da hora. A negra serra, que parecia achar-se solo a uma jornada de viagem, distava umas cem milhas.

Logo caíram as sombras noturnas, e ao terminar sua colação os caçadores, estava tudo escurecido. A fogueira seguiu ardendo, cada vez mais moribunda. Um deles trouxe uns ramos de cedro e a reavivo. O fogo salto com a branca alegria das chamas e o crepitante rangido especial dessa madeira. Começou a sopro o vento da noite, gemendo através dos ñudosos e pequenos cedros que por ali vegetavam, e arrojava a fumaça, fragrante a bosque, ao rosto dos caçadores, que se achavam farto fatigados para tentar mover-se sequer.

-Acredito que a pipa me ajudará a levantar o espírito -disse um deles.

-Transtornado tem que estar seu espírito para falar agora de fumar.

-Que quer dizer?

-Que muito será se fica dessa preciosa fibra para três últimas pipas!

-Algo é algo... Né, Lin, vêem para cá e nos fumaremos os três últimos cachimbos!

O mais alto dos três, que era o que tinha ido por lenha, estava em pé, banhado pelo resplendor da fogueira. Era o verdadeiro tipo do cavaleiro inato, ligeiro, flexível, vigoroso, e respondeu assim ao convite

-Como não, companheiros?

E imediatamente agarrou a pipa que lhe brindava, e sentando-se ao amor da luz se dispôs a gozar com fruição daquele prazer que seus companheiros acreditavam valia a pena de outorgar-se com motivo de certa resolução que tinham adotado e que bem logo não ignoro seu camarada

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-De maneira que esta ronda de tabaco quer dizer que habeis decidido lhes voltar? - interrogo Lin, fixos seus negros e brilhantes olhos no fogo.

-Sim, voltamo-nos! ... E Deus sabe o descansado que me sinto sozinho de pensá-lo -respondeu um deles.

-Levamos já muito tempo nesta aventura, e tudo foi sozinho por ti - acrescentou o outro.

Lin, separando com parcimônia a pipa de seus lábios e como temendo dizer o que pensava, pronunciou esta palavra

-Continuemos

-Não. Basta-me por agora, e não quero seguir mais a esse animal-respondeu Bill rotundamente.

O outro, abrindo as mãos suplicantes, olhou ao Lin como em demanda de compreensão, e expôs estas razões:

-Estamos a duzentas milhas. Não fica mais que um pouco de farinha no saco. Estamos sem café ! Temos apenas uma chispita de sal. Os cavalos, menos seu grande Nagger, estão exaustos. Esta é terra estranha. E você sabe muito bem o que nos importou nunca isto, nem de nada, no Sul. Tudo são canhões, e entre eles, mais à frente, deve achar o terrível canhão nunca visto por nenhum dos nossos. Contaram-nos, entretanto, como é. O que cabe esperar em uma região tão espantosamente quebrada?

Sublinhou, sobre tudo, as últimas palavras com suficiência, como se estivesse seguro de que não cabia acrescentar palavra. Lin ficou pensativo, muito impressionado.

Então Bill, elevando uma mão forte, magra e moréia em um nervoso gesto, exclamou

-Impossível dar caça a Furacão!

Parecia-lhe que este argumento era muito mais convincente ainda.

-Tem razão, Bill, se não a tivesse eu, que também a tenho -voltou a dizer o primeiro -. Faz seis semanas que vamos lhe seguindo a pista. Nunca lhe há açoitado assim. saiu que sua terra, deixou sua manada, esgotamos todos nossos recursos e manhas; mas resulta muito preparado para nós. Isso é um cavalo! por que nos encasquetar em lhe jogar emano? Estou decidido a me voltar, e me alegro muito disso.

seguiu-se outro silêncio, que não demorou Bill em romper, dizendo:

-Não cria, Lin, que não me causa sentimento deixar esta empresa; sinceramente te digo que teria tido verdadeira ilusão em dar caça a Furacão, que é o cavalo mais formidável que tenham visto meus olhos. Só na Arábia se viu coisa igual. Mas agora desapareceu, e não há mais remedeio que voltar atrás.

-Pois eu, meus amigos, estou decidido a seguir ainda

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a pista de Furacão -disse Lin com o mesmo tom imperturbável.

Bill lhe prognosticou uma desgraça e o outro caçador se mostrou intranqüilo

-Ouça, Lin Stone, tornaste-te louco por esse caballón alazão?

-Sem dúvida -respondeu ele, e seus dois camaradas notaram que lhe dilatava extrañamente a garganta.

Bill olhou a seu aliado, e entre ambos se cruzou um olhar de inteligência. Viram a atitude do Slone com preocupação e moveram a cabeça perplexos, o mesmo que se um amigo acabasse de lhes confessar que estava apaixonado fatal e desesperadamente de uma mulher. Era muito próprio de caballistas o receber assim aquela decisão e o saber compreender tais sentimentos. Ao ponto trocou para eles de aspecto a questão. Três dias seguidos tinham estado unidos os três na empresa de perseguir a um inestimável garanhão selvagem e não tinham obtido sequer aproximar-se dele. Tinham esgotado sua resistência e suas provisões e se viam na necessidade de retornar. Mas do Slone habíase dado procuração a estranha e dominadora nostalgia do caçador, paixão que, se não sentida, era bem compreensível para todo cavaleiro. E os que até agora tinham sido seus companheiros naquela empresa, compreendiam que Slone, ou daria caça a Furacão, ou pereceria no intento. E logo que viram claros seus sentimentos, trocaram imediatamente de atitude com respeito a ele. Desenrugaram o cenho e desapareceu a gravidade de seu rosto, ao mesmo tempo que se arrependiam de ter falado da inutilidade de querer dar caça a Furacão, pois, naqueles momentos, não devia faltar ao Slone o ânimo que necessitava.

-Sabe o que te digo, Slone? -disse Bill-. Porque seu cavalo Nagger está tão afresco como ao partir.

-Como? Está muito melhor agora, pois lhe convinha perder um pouco de peso - sentenciou o outro caçador -. Ouça, tem um jogo de ferraduras de recâmbio?

-Completo, não; só ficam tres-respondeu Lin, conciso.

-Não importa; com isso basta para que seu cavalo vá calçado. Em troca, o cavalo alazão que persegue pode chegar a cansar-se dos pés. Então coxearia e teria uma boa ocasião...

-Mas mesmo assim poderia Furacão correr pelos vales, procurando o brando chão de erva-repôs Slone.

-Cal -observou seu interlocutor-. Vai separando de sua região, e, cedo ou tarde, tem que encontrar o chão de granito e arenisca. É mais, uma vez ali pode acabar por desgastá-los cascos.

-E que não terá a partida perdida em chegando à região das rochas! me valha Deus, que cavalo!

-me digam, criem, em efeito, que sairá desta região? -perguntou Slone, cheio de ansiedade.

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- Que dúvida cabe! -assentiu Bill-. Não seria o primeiro cavalo que eu caçasse passada a serra do Sevier. E acredito, além disso, que se trata de um animal que tende a sair a novas terras assim que se sabe açoitado.

-Certamente, sairá desta região, Lin - acrescentou o terceiro-. Que rumo mais reto levou estes dias! Apostaria a que nos viu várias vezes. Furacão é quase tão inteligente como um homem. Nasceu selvagem, de pais selvagens, e aí o têm acampando a seu desejo. E não há ser mais selvagem que um garanhão do deserto. É um exemplar estupendo, Lin, que se dará aos diabos como lhe joga a luva. Na serra do Sevier matou a mais de um cavalo. Um garanhão selvagem é um animal que arbusto! Nunca eu gostei de Furacão por esta razão. Crie que se deixará embridar e domar?

-Eu o dominar -repôs Lin Slone com estranho sorriso-. O importante é encontrá-lo. Tenho paciência bastante para domar um cavalo, mas com a paciência somente não posso vislumbrar seu paradeiro.

-Não terá que perder a esperança; tem razão -adicionou Bill-. Pode acontecer que ao cavalo lhe desgastem as pezuñas, que se veja metido em um estreito canhão ou enrascado em um lugar difícil, acossado por ti. É muito fácil que assim possa fazê-lo teu. Além disso, com o Nagger tem mais probabilidades, porque, me diga, rendeu-se alguma vez esse bichinho?

-Nunca me cansou.

-E como é que o monta sem que tenha sido alguma vez domado? Foi ver o ano passado, quando demos caça a aquele alazão, como lhe corri eu mesmo mais de trinta milhas e não parou em todo o trajeto nem deixou de levar seu duro galope! E não se quebrantou o mais mínimo.

-Comigo correu mais ainda - advertiu Bill -. Deu-me provas de que resiste cinqüenta milhas, e acaso mais. Palavra!, e sem dar amostras de cansaço.

-Então, não pode dizer que seu este cavalo gasto ainda. Além disso, não é nada lento - acrescentou Bill pigarreando-. Assim é que te basta por agora com o.

-De maneira -concretizou o outro caçador- que seu plano, Lin, é encurralar a Furacão em algum lugar onde se veja perdido, e lhe jogar o laço, não é isso?

-Não tenho nenhum plano. Só penso lhe seguir como seguem os pumas aos cervos.

-Estou seguro, Lin, de que como Furacão te descubra o rastro, vai dar que correr. Não há em todo o Utah um ojeador como você.

Slone aceitou este completo com um fugaz sorriso de dúvida, que não alterou sua sombria expressão. Nada respondeu nem seus interlocutores acrescentaram palavra. acomodaram-se no estou acostumado a agasalhados e de costas à fogueira. Slone jogou mais lenha e se deitou, apoiando a cabeça em sua cadeira de montar, tendo por colchão uma pele de cabra e por casaco uma manta da cadeira.

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Os três dormiram muito em breve. O vento pulverizava areia, cinzas e fumaça por cima dos três homens dormidos. ouviam-se próximos os latidos dos coiotes, que andavam pela sombra, e do bordo do vale vinha o débil uivo de um lobo em busca de caça. A noite do deserto se fazia cada vez mais negra e fria.

Os irmãos Stewart eram caçadores de cavalos selvagens pelo lucro que isso lhes reportava, explorado como indústria e aproveitando as vendas casuais. Mas Lin Slone nunca vendeu nenhum cavalo dos que capturava nem se lucrou a costa deles. O entusiasmo do esporte e a atração do deserto, junto com seu amor pelos cavalos, mantinha-lhe naquele exercício desinteressado. Era um caso excepcional de homem montês.

Eram os primeiros dias do estabelecimento em Utah, e só os mais arriscados e tenazes exploradores tinham ousado entrar nas terras do Sul, que era uma região deserta. E com estes chegaram uma raça de caçadores selvagens, a qual pertenciam Slone e os Stewart. Os cavalos se faziam tão necessários, que importavam mais que o homem mesmo; e esta circunstância era um requerimento imperioso para aqueles solitários cavaleiros.

antes da chegada dos espanhóis, no Oeste não havia cavalos. Estes colonizadores deixaram ou perderam cavalos por toda à extensão do Sudoeste. Alguns de seus cavalos eram de origem árabe, do mais puro sangue.

A começos do século XIX os exploradores e viajantes americanos encontraram inumeráveis pisa de cavalos selvagens que cruzavam as planícies. Com tudo por o comprido

canhão eram relativamente escassos os cavalos ao princípio, e esses poucos deveram chegar de Califórnia.

Nem os Stewart nem Slone tinham um sistema especial, único para caçar cavalos. Não tinham praticado o suficiente aquele exercício para chegar a procedimentos definitivos. Cada caso exigia uma nova manha, e tinham que fazer muitos intentos para que a gente desse resultado.

Um dos sistemas mais empregados pelos Stewart era procurar uma aguada favorita dos cavalos, ou cavalo, que queria capturar, e rodear a cova com uma cerca deixando a entrada justa para dar copo à presa. Os caçadores ficavam de noite à espreita, e se o cavalo ou os cavalos entravam em beber, então apressavam-se a fechar com madeiros a abertura. Outro procedimento consistia em correr aos cavalos perseguidos para as mesetas ou planícies altas que solo tivessem um caminho de ascensão e outro de baixada, e bloquear estes caminhos. Logo abriam determinados ocos no bosque, cortando alguns troncos, e ali procuravam encurralar ao animal e reduzi-lo. Outra maneira, descoberta por acaso, era roçar de um tiro o cangote do animal, com o que se amedrontava. Isso se chamava "caçar quebrado.", mas era muito inseguro e, de qualquer maneira que se fizesse, por cada cavalo que se cobrava se matavam dez.

Lin Slone ajudava aos irmãos Stewart em suas batidas, mas não tinha predileção por seus estilos de caçar com armadilha.

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Talvez o ter tido a sorte de caçar alguns cavalos extraordinários de maneira também extraordinária tinha quebrado ao Slone. Sempre se empenhava em empresas que os outros qualificavam de impossíveis. Era um cavaleiro que não conhecia o medo; mas tinha o defeito de que sempre queria conservar o cavalo que montava e que lhe causava uma dolorosa contrariedade ocasionar a morte de um cavalo açoitado. Preferia caçar sozinho, e só ia em nos de Furacão quando os irmãos Stewart lhe tinham unido,

Ao dia seguinte, Lin Slone despertou e recolheu a manta. Mas não tinha madrugado bastante para despedir-se dos Stewart. Estes se tinham ido já.

Aquilo lhe surpreendeu e lhe deu uma sensação de alívio. Tinham-lhe deixado mais da metade das provisões, e talvez para poder fazê-lo assim sem que o protestasse foram-se antes. Conheciam-lhe bem e sabiam que não o teria aceito. E, além disso, deveu-lhes dar um pouco de vergonha o retirar-se vencidos enquanto ele perseverava. Fora como fosse, foram-se sem entreter-se sequer em tomar o café da manhã.

A manhã era fresca e bastante clara, embora soprava ar tormentoso e ao Este, por cima da cordilheira de tons metálicos, o céu se ia acendendo.

Slone dirigiu o olhar para poente, que era o lado por onde se foram seus companheiros, e não vislumbrou nada que se movesse em toda a extensão salpicada de cedros.

" Adeus! ", disse, e se despediu assim daquela terra de uma vez que de seus amigos.

"Acredito que demorarei para lhes voltar para ver, terras e povo do Sevier, e quem sabe se não voltarei mais! " Assim monologava. Ninguém sentiria seu desaparecimento, a não ser a velha mãe Hall, que se mostrou muito carinhosa com o nas estranhas ocasiões em que andou pelo deserto. E, entretanto, não deixava de experimentar certa nostalgia ao contemplar o panorama do oeste por cima do vermelho vale. Slone não tinha lar. Seus pais tinham perecido em uma matança que os índios fizeram em um ataque a uma caravana de carros, e o foi um dos poucos superviventes, sendo logo transladado ao Salt Lake. Isto aconteceu quando tinha dez anos. Após sua vida foi muito dura, e a não ser por uma vigorosa cultura física de seus primeiros anos, não tivesse sobrevivido. Fazia cinco anos que era caçador de cavalos nas altas terras desertas de Nevada e Utah.

Slone se fixo no pacote de provisões. Os Stewart tinham partido por igual a farinha e o trigo torrado e, se não se enganava, tinham-lhe deixado mais da metade do café e tudo o sal.

"Vejo que Bill e Abe têm consciência -disse com pena-. Mas me parece que irei melhor sem tanto estorvo."

Em seguida se ajoelhou para acender a luz e preparar o café da manhã. A metade de sua tarefa se iluminou o céu de um rosa subido. Lin Slone interrompeu seu trabalho para levantar os olhos.

O sol se elevou de tudo sobre a serra oriental, e Slone, respirando profundamente, lançou uma exclamação. Acabava de transformar a cor escura e resistente do deserto, onde

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soprava um vientecillo frio. Agora aparecia como um mundo de terra encarnada, de douradas rochas e de purpúreos campos de salvia, e aqui e lá se viam os inacabáveis e esparramados cedros verdes. A brisa fazia crepitar brandamente a fogueira. Sentiu a morna carícia do sol na bochecha, ao mesmo tempo que ouvia o te assobiem soprar de seu cavalo.

-" Olá, velho Nagger!",-disse. "Já não lhe seguirão esta manhã os outros dois cavalos."

E em seguida se dirigiu aos cedros, entre os que andavam Nagger e o mustang que lhe levava a bagagem. Nagger pastava em um pequeno espaço que formavam os árvores, mas o mustang tinha desaparecido. Como se Slone tivesse visto para onde tinha ido, foi diretamente a encontrá-lo. O cavalo de carga coxeava; mas era um desses animais, que, coxos e tudo, suportam inacabáveis marchas. Slone viu em seguida que o cavalo não se podia ter afastado muito, por quanto a erva daquela paragem era fresca e boa. Mas em um país de cavalos selvagens não era muito prudente deixar soltas as cavalgaduras. A chamada de seus irmãos do deserto era irresistível. Mas o cavalo de carga do Slone não se apartou de um boscaje de cedros, e movendo-se com todos seus renques subiu uma cuestecilla conduzido pelo Slone, de volta ao lugar onde tinham acampado. Nagger o viu detrás quando ouviu que seu dono o chamava.

O cavalo Nagger era único em seu gero, da mesma maneira que Slone era excepcional entre os cavaleiros. Nagger parecia de várias cores, mas nele dominava o negro. Era peludo, quase lanoso como um cordeiro: maior, ossudo, nodoso, comprido de corpo e de patas, e tinha uma cabeça própria para investir, como de cavalo que entra na carga na guerra. Não tinha imagem de cavalo veloz. Mas bem dava a impressão de algo lento e pesado, que o fazia parecer forte e resistente como um elefante.

Slone separou a bagagem de cadeira e os arreios. Estes estavam quase vazios. Atou o tecido embreado sobre o lombo do cavalo e fazendo um pequeno vulto com os mantimentos que ficavam, os sujeito por uma ponta ao tecido. Pôs a manta na cadeira. Dos utensílios que deixaram os Stewart, só escolheu duas frigideiras de comprimento manga. Todo o resto o deixou. Nas bolsas da cadeira lhe subtraíam algumas ferraduras de recâmbio, vários cabos, munições para o fuzil e uma navalha de robusta folha.

" Grande bagagem para meter-se em uma terra deserta! ", murmurou. Slone não estava acostumado a falar consigo mesmo, e quando o fazia se dirigia de uma vez ao Nagger. Ia a prosseguir uma larga aventura de caça, da que acaso não retornasse, e portanto não lhe convinha levar peso.

Montou e guiou ao cavalo pelo suave declive que descia pelo vale e que tinha em frente a chata e negra cordilheira do Sudeste. E logo que tinha percorridos uns setenta e cinco metros deteve o Nagger e se agachou, sem apear-se, esquadrinhando o chão.

Na areia endurecida aparecia claramente impressa uma fileira de rastros de cascos de cavalo. Estes estavam impressos de tal maneira, que se via bem sua forma alargada, quase oval, de uma simetria perfeita, e ao Lin Slone pareceram preciosas. Observou-as um momento, logo levantou a cabeça e dirigiu o olhar ao longo da llanada do vale, às mesetas da negra serra longínqua, e até mais à frente. Foi o mesmo olhar que os índios lançam a uma terra estranha.

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Slone saltou depois do cavalo e olhou, ajoelhado no chão, com grande cuidado, os rastros que tinha descoberto. Nos moldes tinha entrado um pouco de areia fina, que em parte estava molhada e em parte seca. Não se precipitou nestas observações, e até jogou um pouco de areia de fora nas marcas dos cascos, para comprovar a diferença com a que tinha entrado já. Por fim ficou em pé e se aproximou do Nagger.

-Acredito que teríamos discutido em balde esta manhã com o Abe e Bill", disse cheio de satisfação. "Furacão passo por aqui anteontem, à madrugada."

Em seguida voltou a montar e pôs ao Nagger ao trote. O cavalo de carga seguia com uma presteza que revelava o pouco que lhe atraía ficar sozinho.

Nas claras e inconfundíveis pisa de Furacão havia um atrativo irresistível para o Slone. Já muito longe, naquela ascensão interminável, encontrou ao bordo de uma sarjeta.

uns rastros que lhe revelaram que Furacão se deteve ali para retroceder.

-Ah, Nagger! -exclamou Slone, vitorioso-. Olhe! esteve olhando para trás. Não sabe se ainda lhe seguimos. Está inquieto. Mas seguiremos separados de ele por uma jornada."

Já estava o sol cansado para poente quando Slone chego aos cedros. Lanço uma olhada para trás sobre as cinqüenta milhas do vale e os taludes e talhos de terra encarnada. Parecia que cada um dos rastros do cavalo lhe revelavam alguma coisa. De ali gozo da sensação das alturas aumentada pelo afresco fôlego trilho ire que lhe chegava impregnado do aroma dos cedros e os zimbros.

A uma milha à frente via elevar uma proeminência rosada e cinza, cheia de fendas com fileiras de cedros ao bordo das mesmas. Acreditou que aquelas quebras eram bocas de canhões, pelo qual se desviou. O rastro de Furacão conduzia à boca de um estreito canhão de paredes altas e quase verticais. Nagger farejo levantando a cabeça, pois percebia a proximidade da água, e ficou a relinchar. Os rastros de Furacão conduziam a um lugar a: pé de um dos talhos onde brotava um manancial. Também se viam rastros de pumas dos Montes e de caça menor.

Ali fez alto Slone. Seu cavalo estava cansado; mas logo depois de beber em abundância se tombo na erva tão repousado como se acabasse de começar a excursão.

depois de comer, Slone agarrou seu fuzil e começou a procurar algum cervo. Não viu nenhum. Encontrou muitos rastros de patas de puma, e descobriu com certo medo um sítio onde um puma tinha começado a seguir a Furacão. Este tinha estado pastando aqui e lá a erva do canhão, e se sentiria disposto a salvar muitas milhas em uma só noite. Slone refletiu que, sendo escassas as probabilidades que tinha de alcançar a Furacão, sempre eram maiores que as que pudesse ter um puma. Furacão era o mais malicioso de todos os animais: era um cavalo da selva. Sua velocidade e sua resistência não admitiam comparação; seu olfato competia com o daqueles animais que o têm como sentido mais agudo para lhes avisar de todo perigo, e no que diz respeito à vista, Slone acreditava que não havia animal com pezuñas, a não ser o coraele, acostumado às cúpulas, que alcançasse a ver mais longe.

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Preocupava um pouco ao Slone o encontrar-se em uma região freqüentada por pumas. Nagger se mostrava muito nervoso, coisa estranha nele. Slone ato aos dois cavalos com grossas rédeas em um sítio de abundante erva. Logo jogo um tronco de cedro ao fogo e dormiu. Ao despertar e ir ao manancial, não deixo de lhe contrariar o ver que os cervos tinham estado ali de madrugada, bebendo. Era evidente que havia muitos. Uma região de pumas o é também sempre de cervos, aos quais seguem aqueles.

Slone recolheu seus arranjos e ficou em marcha antes de que sol avermelhasse as paredes do canhão. Levava os cavalos ao passo. de vez em quando via sinais de como tinha avançado Furacão. O canhão se ia estreitando, suas paredes decresciam, e a erva era cada vez mais abundante. O terreno, em troca, subia de contínuo. Não encontrou Slone o menor indício de que por ali tivessem andado nunca outros caçadores que os índios. O dia era agradável, temperado e espaçoso. de vez em quando soprava uma suave brisa que trazia e levava os aromas do cedro e das abacaxis, e um doce aroma de pinheiros e salvia. Cada vez que dobrava uma curva esperava com ansiedade descobrir o verdor dos pinheiros ou o cinza da salvia. Por volta de meia tarde, chegaram a um lugar por onde Furacão tinha passado ao trote; guiou ao Nagger por aquela vereda, e ao ocaso chego ao alto do canhão, onde este se convertia em um ravina sem profundidade apenas. E por fim dobro outro ângulo para perder-se em um plano onde os pinheiros, pulverizados, sobressaíam-se sobre os cedros, e os abetos de verde escuro e prateado se sobressaíam por cima dos pinheiros. Ali crescia, a trechos, a salvia, fresca e de penetrante aroma, e se formavam cintas de pálida erva. Era o limite de um bosque. Os rastros de Furacão seguiam adiante. Slone chego por fim a um grupo de pinheiros onde encontrou restos do fogão de um acampamento e várias flechas de ponta de sílice. Provavelmente tinham estado ali alguns índios, procedentes do lado aonde se encaminhou Furacão. Isto lhe animo porque onde os índios podiam caçar, também podia fazê-lo ele. Não demoro para penetrar em um bosque onde os cedros, os abetos e os pinheiros estavam muito apertados. de repente descobriu um débil caminho que apenas se era uma linha quase imperceptível até para olhos práticos. Mas era um caminho, e Furacão tinha ido por ali.

Slone se deteve de noite. O ar era frio e a umidade que se notava fazia supor que haveria neves depositadas não longe de ali. A erva estava vai coberta de rocio. Descarregou aos cavalos e pendurou ao Nagger um sino ao pescoço. O som do sino podia assustar aos pumas que nunca a teriam ouvido. Logo acendeu fogo e se preparou a comida.

Fazia já muito que tinha acampado na alta montanha, entre os pinheiros. O sussurro do vento lhe causava a grata impressão da música. Ali começou a experimentar augúrios para a captura de Furacão. Começava a internar-se em uma região estranha e formosa. Quanto demoraria para lhe dar alcance? Isso não lhe importava. Não estava dormido, mas embora assim fora se teria dado conta de que lhe era necessário ter paciência até que deixassem de ouvi-los ganidos dos coiotes que lhe rondavam, detidos pelo fulgor da fogueira. Tanto lhe aproximaram, que chegou a perceber suas cinzas silhuetas na sombra. Mas de repente viu que, cansados de lhe espreitar, afastaram-se. depois do qual, o silêncio que reinava, só interrompido pelos rumores e o uivo do vento, lhe fez delicioso. libertou-se por completo do vago pesar que antes havia sentido e se esqueceu dos Stewart. Teve a sensação de sua absoluta liberdade; estava sozinho, e nada tinha deixado detrás de si que lhe atraíra, mas sim lhe esperava em perspectiva uma vida livre, emocionante, incomparável. Naquele momento se

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ouviu, misturado ao sussurro do vento, o comprido lamento de um lobo. Poucas vezes tinha tido ocasião de ouvir o grito desses merodeadores da noite. Não se concebe coisa mais impressionante. Nenhuma voz podia infundir no coração do explorador aquela sensação de imensa solidão no meio do deserto.

V

De madrugada, quando a paisagem era ainda completamente cinza e os grandes e escuros pinheiros se levantavam como sombrios espectros, ao Slone despertou o frio. Tão transidas tinha as mãos, que com muita dificuldade pôde acender um pouco de fogo. De pé, junto à fogueira, esquentou-se as mãos, as estendendo sobre as chamas. O ar era hiriente, limpo e fino, e transcendia de suave maneira a geladas fragrâncias.

Rompeu a aurora quando se achava ao meio tomo o café da manhã. A branca geada cobria o chão e rangeu sob os pés do Slone quando este se dirigiu em busca de seus cavalos. Então viu rastros recentes de cervo. Retornou ao ponto aonde tinha acampado, em busca do fuzil, e voltou a ir pelos dois cavalos, mas atento a se se produzia alguma sinal de achar-se alguma peça de caça pelas cercanias.

O bosque se abria como um parque, mas naquele claro da selva não havia nem árvores cansadas nem rastros de fogueiras. de repente chegou a um espaço em que não via-se nem uma árvore. Ali estavam pastando Nagger e o cavalo de carga em companhia de uma manada de cervos; mas o tamanho destes lhe surpreendeu grandemente. Os cervos que tinha caçado na serra do Sevier eram muito mais pequenos. Estes outros eram sem dúvida uma variedade da família dos alces e eram tão confiados que não se moveram e ficaram lhe olhando com as orelhas em ponta. Era cruel matar a um daqueles bichinhos, que se mostravam tão mansos ; mas Slone tinha fome e um comprido e dura viagem que fazer. Disparou contra um macho, que ao sentir-se ferido saltou e quis seguir à manada; mas caiu na confine das árvores. Slone lhe cortou um anca; depois conduziu seus cavalos ao lugar onde tinha acampado, e ali fez seus pacotes mal feitos e selou os animais. Em seguida partiu, reatando a marcha pela vereda imperceptível.

Uma prova do selvagem do país que estava cruzando foi o ouvir, assim que se internou pela espessura, que os coiotes se disputavam a presa do cadáver do cervo caçado minutos antes.

de repente viu os rastros de um puma, que teria passado o dia antes, e lhe chamou a atenção o observar que aquelas pegadas não deixavam de seguir os rastros de Furacão. Percorrida uma milha aproximadamente, convenceu-se de que o puma tinha açoitado ao cavalo, e lhe encolheu um momento o coração. Tinha concebido já um grande afeto por

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aquele cavalo, ao que já considerava como dele, apesar do desconforto daquela exploração para alcançá-lo.

O estou acostumado a aparecia naquele lugar da selva perfeitamente plano. Havia freqüentes manchas, como obleas, de neve. Por fim, estas se multiplicavam e se estendiam até perder-se de vista. O piso de neve era brando e dificultava a marcha. Slone cruzou centenares de rastros de cervos, e com freqüência o caminho que ia seguindo convertia-se em uma verdadeira vereda de cervos.

Ao logo, pareceu ver que, ao fundo de uma das grandes naves formadas pelas abóbadas dos ramos dos gigantescos pinheiros, destacava-se algo que parecia um precipício amarelado, muito distante, coisa que lhe encheu de perplexidade, e conforme avançava foi vendo que o bosque se desvanecia por completo em um lugar determinado. As árvores estavam tão espessas que não lhe deixavam ver claro e o caminho ficava tão brando que teve que deter-se e até ajudar a seu cavalo, pois lhe afundava em o barro e a neve. Voltava a haver cedros e piñoneros que obstruíam ainda mais o caminho.

De repente, Slone se encontrou de estranha maneira em um lugar luminoso, amplo e vazio, onde soprava o vento. O cavalo se deteve no ato dando um bufo. Slone lanço um olhar à frente. achava-se no fim do mundo? Um abismo, um canhão, abria-se a seu mesmas novelo, e era de tal grandeza aquele panorama, que não admitia comparação. Sua aguda pupila de homem do deserto mediu as perspectivas em sua tremenda grandeza, antes de que sua mesma razão assombrada medisse o alcance que aquilo tinha. Outro olhar observador, mais lenta, começou-lhe a fazer ainda mais atrativo aquele espetáculo, lhe descobrindo gigantescos e escalonados talhos e amarelas ladeiras, salpicadas de cedros, que conduziam a umas gretas e simas abertas na rocha, cheias de uma névoa purpúrea, e que a sua vez conduziam a uma terra rasgada e peñascosa, nua, cegadora e irregular, com mesetas, penhascos e despenhadeiros, mas enche a sua vez de luminosidade e raridade sob os resplendores da manhã, sumida em um silêncio e um sonho como de morte.

Aquele era o Grande canhão que, mais que uma realidade, tinha-lhe parecido sempre uma ilusão de caçador. Os olhos do Slone abrangeram de uma maneira confusa o grande espetáculo, e sem saber como os encontrou cheios de lágrimas. Os enxugou e voltou a olhar com insistência, lareira gamente, até sentir-se fundido na amplitude, na grandeza e na vaca tristeza do panorama. Nenhum espetáculo lhe fala impressionado como aquele canhão, por mais que os Stewart tinham procurado lhe preparar.

Unicamente a paixão que sentia como caçador de cavalos podia lhe fazer recordar o propósito de sua exploração. O caminho dos cervos descendia por uma greta do precipício. Só se viam algumas degraus desta vereda, caminho transitável embora algo talher de neve. Mas era tal a profundidade do precipício, que Slone quase sentia vertigem e retrocedeu, embora tão acostumado estava aos caminhos da selva. Ao ver de novo indistintos rastros dos pés de Furacão voltou a sentir seu antigo entusiasmo.

"Esta terra é boa para ti, Furacão", murmurou Slone, a mesmo tempo que desembarcava do cavalo.

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Começou a descender levando ao Nagger das rédeas. O outro cavalo lhes seguia. Slone se aproximava ao muro, temendo que os cavalos escorregassem. Ao princípio a neve estava dura e não havia perigo. O caminho que bordeaba o precipício se foi fazendo mais larga, até converter-se em uma costa coberta de cedros, piñoneros e macieiras silvestres. Esta abundância de árvores começou a dificultar o descida, mas em troca, ao menos para o Slone, afastava o perigo. Não se podia parar. Uma vez em marcha, os cavalos tinham que seguir andando. Slone compreendia que era impossível voltar a subir enquanto houvesse a neve. A vereda seguia ziguezagueando cada vez mais funda. Não demorou para ver que o imenso e amarelado muro do precipício se levantava verticalmente sobre sua cabeça. A neve começou a ser mais magra e branda. Os cavalos começavam a escorregar. tornavam-se para trás. Por sorte, o pendente começou a ser menos rápida e já Slone podia ver que mais abaixo era quase horizontal. Contudo, ainda era possível uma desgraça. Slone não se separava do Nagger e o ajudava quanto podia. O cavalo de carga patinou e foi rodando até deter-se graças ao tronco de um cedro. Slone chegou até o e o ajudou a levantar-se. Também o grande Nagger começou a escorregar. A neve e as pedras soltas deslizavam-se a sua vez, e ao Slone ocorria o mesmo. Aquela pequena avalanche se deteve, e então Slone atirou do Nagger sem interromper o descida, e logo chegou ao pé da costa. Então levanto os olhos e viu que tinha baixado muito depressa aquele pendente que o menos teria mil pés de longitude. Os cedros e os piñoneros eram o bastante numerosos para formar um bosque. A neve não se via já mais que a trechos e logo desaparecia por completo. Mas a marcha seguia sendo muito difícil porque os cavalos se afundavam em uma terra branda e avermelhada. Pouco a pouco, o terreno se foi secando até endurecer-se. Slone se separo dos cedros para um lugar que era como uma planície coberta de erva bordeada pelo caminho verde e branco ao pé do precipício e da que, ao outro lado, viam-se os aterros e os talhos longínquos. Ali o panorama se reduzia. Slone se encontrava já no primeiro lance do Grande canhão e via claramente a vereda dos cervos, caminho muito bem trilhado que reatava o descida. Já ao pé da costa, Slone chego a uma profunda greta por onde se afundava o caminho. Era o nascimento de outro canhão. Sua vista, ao percorrer as rochas nuas e desgastadas, alcançava a ver um terreno todo erodido e escavado pela violência das inundações. O caminho passava por diante de vários canhões como aquele, que sulcavam o grande maciço do canhão principal e logo, descendo pelo lado esquerdo do pendente, deixava de repente o descida para subir até outro maciço mais alto. Ali havia matagais e ervas e grandes extensões de salvia, de tão penetrante aroma, que Slone teve que aspirá-lo com deleite. E seguiu baixando, para chegar esta vez a um arroio que corria entre salgueiros. Os cavalos beberam muito, e Slone se refresco a seu vez. Fazia um sol muito forte. respirava-se o aroma de umas flores invisíveis e se ouvia o rumor de uma oculta cascata. de vez em quando se fechavam as perspectivas, mas às vezes se mostravam a seus olhos por alguma abertura e via ao longe alguns promontórios vermelhos e acesos pelo sol. Era um estranho lugar, um lugar silencioso em meio daquelas latitudes cobertas por véus brumosos. O tempo passava depressa. Por volta do declinar da tarde, Slone começou a subir em direção a um promontório que parecia como um istmo de união entre o lado esquerdo do canhão e uma grande meseta, dourada em seus borde e orlada de pinheiros, e que ao passo que se avançava-se ia fazendo mais alta. Mas Slone não tinha saído ainda da garganta que a essa meseta conduzia, e ao anoitecer se achava mais sumido em quão fundo nunca. Graças aos reflexos de Poente de que se tingiam os altos borde dos talhos que gigantescos se elevavam sobre o, precaveu-se de que o sol se ocultava detrás o horizonte. A costa subia gradualmente para aquele braço de terra

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que conduzia à meseta, v Slone, ao chegar a um manancial e aos primeiros pinheiros, decidiu fazer alto e descansar. O cavalo de carga logo que podia seguir andando.

Conduziu os cavalos a um prodigalizo e luxuriante herbazal que crescia junto à fonte, e desato sua bagagem. Quando as sombras venceram ao crepúsculo e enquanto Slone estava jantando, Nagger começou a relinchar de medo. Slone vislumbro o passo fugaz de uma silhueta cinza, como de pantera, e disparo rapidamente um tiro, sem acertar. A sombra se deslizo na escuridão.

"Perfeitamente; estou em terra de pumas." Assim se disse, e se dedico a acender uma grande fogueira ao outro lado de onde tinha os cavalos, para ampará-los contra as feras entre duas fogueiras. Cortou a tiras toda a carne que ficava, e se entreteve coisa de uma hora assando-a. Logo se dispôs a dormir, dizendo-se: "Onde estará esta noite Furacão? Estarei já mais perto do? Aonde se dirigirá?"

A noite era temperada e tranqüila. No precipício era muito negro, e, no alto, de um azul aveludado com estrelas de branco fulgor. Pareceu ao Slone que precavia-se melhor de tudo o que passava ao redor dele e teve uma agradável e mais profunda sensação que nunca de solidão. O sonho se apodero ao fim do e a noite foi como um sopro. Ao despontar o alvorada cinza, levantou-se com uma sensação de frescor.

Os cavalos repousavam. Nagger soprou lançando um relincho de saudação à alvorada. Era evidente que os dois animais tinham acontecido uma noite tranqüila. Slone descobriu os rastros de um puma junto ao manancial e nos sítios arenosos. Em seguida ficou em marcha para o comprido aterro que conduzia à meseta. O interrompia o passo, fazendo dificultosa a marcha, a abundância de gorduchos. Tinha-lhe parecido que não estava muito longe aquele braço de terra que comunicava com a meseta, mas não resultava assim. E por toda parte apareciam pinheiros emaranhados e rochas que faziam cada vez mais difícil o averiguar o que vinha. Mas uma vez no alto, viu que aquela franja de terra era como uma cinta estreita e de borde curvados que acabavam em dois declives.

Diante mesmo do Slone, e ao fundo, abria-se o canhão, cegador e magnífico, entre cristas e ladeiras banhadas pelo sol matutino sobre a bruma humosa e sombria que enchia os misteriosos terrenos baixos.

Custava um grande esforço de vontade o não ficar contemplando o panorama. Mas Slone se sobrepôs para seguir entregando-se à ingrata tarefa da perseguição que tinha empreendido. O caminho que levava abaixo era um caminho de índios, que utilizariam estes uma vez ao ano; também passariam de seguro por ela os animais selvagens. Era um vereda extremamente levantada e áspera. Furacão tinha passado e repassado pela margem estreita daquele caminho, marcando repetidos rastros antes de seguir adiante. Slone acreditou que o extraordinário garanhão se teria impressionado ante aquela tremenda e quebrada terreno baixo; mas que ao fim se teria decidido a salvá-la para interpor tão grande barreira entre o e seus perseguidores. Não podia Slone atribuir a Furacão menos inteligência. Então se apeou e começou a conduzir ao Nagger das rédeas. O outro cavalo, com sua carga, resmungava. Soprava, relinchava e dava coices; mas não queria ficar sozinho, e isso o fazia seguir.

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A vereda continuava descendendo entre os cedros que bordeaban um precipício. Slone se precavia disso, sem necessidade de olhá-lo. Não punha sua atenção mais que no caminho por onde fazia ir ao cavalo. Só um índio podia descobri-la, e resultava cruel fazer que um cavalo a seguisse. Mas Nagger era resistente, estava muito bem calçado e era capaz de meter-se por toda parte onde seu amo o levasse. Pouco a pouco, Slone ia salvando aquele mau passo. Era uma empresa dura, difícil e perigosa, pois não se podia andar devagar. Matagais e rochas, piçarra solta e pendente escorregadia; compridos e inclinados trechos de terra argilosa e amontoados pedras brutas; todo isso fazia muito arriscada a marcha por aquele atalho lhe ziguezagueiem, que baixava entre cedros e media várias milhas. Por fim o caminho entrava em um lugar que parecia um ravina.

E o ravina se convertia em um canhão. Ao começo do mesmo havia um depósito natural de água, seco e cheio de cascalho e pedras. Parecia que se abriam as vísceras na

terra, e se deixava de ver a fonte, mas do pé do talho brotava água. O hilillo do manancial, nutrido por vários arroios, convertia-se em um riacho. Era uma fenda, uma profunda foice que ao princípio era quente, seca e cortada, mas que se ia fazendo agradável conforme a sombra a refrescava, e se ia cobrindo de exuberante vegetação, de flores, de musgos ambarinos, salpicados de cálices de prata. A cor das rochas tinha trocado de amarelo em vermelho profundo. Quatro horas de avançar por voltas e revoltas, descendendo interminavelmente, rodeando penhas e aterros e pelas quebradas do terreno mais inconcebíveis, haviam acabado com o cavalo de carga ; e Slone, tido piedade, deixou-o em uma larga embocadura do canhão onde nunca faltavam a água e a erva. Ali se deteve Slone ao meio-dia e deixou ao Nagger que comesse quanto gostasse. Apesar da contínua marcha que tinham levado, os três dias que fazia que andavam por terras abundantes em ervas lhe tinham provado muito bem ao Nagger. Estava gordo, e Slone não lhe tinha surpreso ainda descansando. Nagger tinha a fortaleza do ferro. Slone deixou naquele lugar toda sua bagagem, menos o que levava na cadeira, o saco que continha as poucas libras de carne que ficavam e as duas frigideiras. Atou o saco à parte posterior da cadeira e reatou a marcha.

de repente chegou a um sítio onde Furacão tinha trocado de rumo para meter-se por um canhão lateral. A saída do terreno baixo foi muito dura para o Slone, embora para o Nagger não fosse. Uma vez no alto, Slone se encontrou em uma ampla e limpa meseta de rocha encarnada que refletia violentamente a luz e em que cresciam gorduchos e cactos. Aquela planície tinha uma superfície de várias milhas de largura e a fechavam umas grandes muralhas de rocha avermelhada. O sol do meio-dia queimava atrozmente e varreu a planície uma rajada de vento como o bafo de um imenso forno, carregado de pó vermelho. Slone seguiu a pé, embora por ali já podia ter ido montado. E avançou várias milhas pelos ondulações daquela áspera meseta. Os grandes talhos do lado oposto do canhão se aumentavam, cada vez mais perto.

"Que haverá no fundo dessa abertura da terra?", perguntou-se Slone.

por lá corria sem dúvida o grande rio do deserto, que ele não conhecia. Teria retrocedido Furacão ao chegar ali?

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Slone recordou sonriéndose o que tantas vezes fava dito do Nagger, quer dizer, que tinha um pouco de peixe e de pássaro. Furacão não escaparia.

Aqui e lá alteravam a monotonia da planície algumas apita mezcales isoladas com suas largas lanças amarelas. E Slone foi deixando o chão, que ao princípio era de vermelha areia e cascalho, para pisar sobre piçarras, depois das quais o terreno era de rocha encarnada. Pela primeira vez, depois de sete dias, desapareceram os rastros de Furacão; mas Slone tinha descoberto já a direção que empreendesse, descendo pela planície a cujos lados se viam as verticais fendas de os canhões. de vez em quando, Slone encontrava rastros do velho caminho dos índios, o qual lhe confirmava na idéia de que ia bem orientado. Não necessitava ver os rastros de Furacão. Deixava que Nagger escolhesse o caminho, e o cavalo não se equivocava ao seguir por onde menos dificuldades havia. Mas o estou acostumado a era cada vez mais duro. Aquela rocha nua, áspera como uma lima, tinha que gastar em pouco tempo os cascos de Furacão. E Slone se alegrava disso. Acaso em algum ponto daquela profunda garganta dariam o e Nagger com o garanhão. E SIone começou a observar a paisagem a um e outro lado, como se pressentisse que ia descobrir a Furacão. Só por duas vezes o tinha visto desde que o perseguia, e até isso a grande distancia. Tinha-lhe parecido ambas as vezes uma vermelha exalação, e daí lhe vinha o nome que Slone lhe tinha posto.

Aquela região cortada começava a ver-se cruzada de leitos secos, que era preciso sortear, ou dando volta até seu começo, ou baixando ao fundo dos abismos para subir pelo outro lado. O um e o outro supunha ter que andar muitas milhas para adiantar muito pouco em realidade. Mas SIone não titubeou. Tanto o cavaleiro como a cavalgadura sentiam mas bem calor, e isso lhes entoava para a marcha. de vez em quando, o vento levava a ouvidos do Slone um ruído como um trovão débil, muito distante. Seria uma tormenta ou um caudal de água que seguia seu curso ou se despenhava? Não o teria podido precisar, mas se tratava de um ruído significativo e surpreendente.

De uma coisa estava seguro Slone, e era de que lhe tivesse sido impossível, caso de querer retroceder, encontrar de novo sua rota. Mas de uma vez estava persuadido de que não teria que voltar-se atrás.

Arrancada-a planície que se estendia ante o se fazia cada vez mais abrupta e de contorno mais desigual; tomava uma cor mais escura e um aspecto mais desgastado, de sorte que o avançar por ali se fazia por momentos lento e perigoso. Com freqüência o terreno era tal que Nagger se via obrigado a sorteá-lo, pois para ele um ligeiro escorregão naquele lugar significava uma pata rota. Mas Slone não voltaria atrás por nada. E algo mais que seu indomável espírito lhe dava ânimo. Outra vez percebeu aquele longínquo fragor, mas já um pouco mais forte. A planície parecia terminar em uma série de grandes cabos ou promontórios. Slone temia chegar a um de aqueles e não poder acontecer adiante, mas ao salvá-los-se começou a sentir aliviado, já que o caminho lhe cortava assim e se o fazia mais acessível. Ao sair com presteza de um deles se encontrou em um caminillo de uma inclinação tão pronunciada, que era um perigo para qualquer cavalo. Nagger passou pelo com menos segurança. À direita se elevava uma massa como um sob muro, e a muito poucos pés à esquerda se abria um precipício. Ali a vereda se desvanecia quase por completo, pois não tinha mais de sete polegadas de largura e era também muito pendente. O rebordo por onde ia o

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caminho desejou muito ao Slone interminável. Punha toda sua atenção em olhar onde pisava e em escutar as pisadas do Nagger. O enorme cavalo andava com muito tato, mas com naturalidade, e não escorregava. Aquele rebordo dava ao fim um rodeio, apartando do precipício e levantando-se em forma de pequena costa em seu extremo. Quando Slone viu que Nagger punha pé sobre a rocha horizontal deu um profundo suspiro de alívio.

De súbito, um imprevisto, embora familiar ruído, surpreendeu ao Slone, lhe deixando como petrificado. O relincho selvagem, penetrante, agudo, de um garanhão! Nagger lançou também um relincho como resposta, e golpeou a rocha com suas ferradas patas. Cheio de emoção, Slone tendeu ao longe o olhar.

-Céus...! É Furacão! " exclamou com os nervos em tensão.

Não acertava a dar crédito a seus olhos. Parecia-lhe um sonho. Mas vendo que Nagger relinchava em forma de desafio, voltou a olhar e se convenceu de que o que acreditava um belo sonho era uma realidade.

Furacão era da cor do fogo. Sua larga crina, tendida ao vento, era como uma chama sacudida e veteada de negro. Recortada a silhueta de Furacão sobre o talho do fundo do canhão, parecia a de um titânico, um diabólico corcel disposto a lançar-se aos ardentes abismos infernais. Tinha volta a cabeça e muito erguida, e tudo no apregoava seu instinto selvagem. De novo voltou a lançar o toque de clarim agudo e penetrante de seu relincho. E Slone compreendeu que era uma provocação ao Nagger. Se este se encontrou sozinho naquela situação, Furacão o teria matado. O garanhão vermelho era um matador de cavalos. Todas as serras de Utah estavam cheias de seus rastros destruidores. Nagger compreendeu o desafio e respondeu com um relincho de raiva de uma vez que de espanto. Solo o braço de ferro do Slone pôde retê-lo. Então Furacão pareceu que se afundava na terra, desaparecendo assim à vista do Slone.

Pressuroso, avanço Slone até que uma greta enorme do chão lhe corto o passo. Teve que sorteá-la. E, depois daquela, outra, e todos estes obstáculos lhe tiraram a pressa que tinha por chegar a um promontório que se elevava ao longe. Não teve mais remedeio que partir devagar. Furacão não tinha estado mais que ao alcance de a vista, mas as dimensões no canhão eram enganosas e mentiam desejadas proximidades. Baixando e subindo, procurando o passo a um lado e outro se teve que acostumar a não impacientar-se. Tinha visto furacão na colina próxima, v não precisava saber mais. Insistiu em sua marcha, vigiando ao Nagger, que lhe seguia levado do rédea. Uma hora demorou para chegar onde Furacão tinha desaparecido.

Era, em efeito, um promontório que se elevava a pico quase a mil pés sobre um vale. O branco caudal de um riacho o sulcava ondulante. Seguiam os ondulações da corrente alguns álamos alinhados. Slone voltou a ver furacão que avançava, sem pressa, pela parte plaina, seguindo a borda. Tinha descendido por aquela enguiço do terreno que ao Slone lhe desejava muito por completo perpendicular.

diria-se que Furacão andava coxo. Ao convencer-se disso, o coração deu um salto ao Slone. Mas quando se precaveu do que aquela claudicação significava, se abateu e moveu com desencanto, como em sinal de despedida, o chapéu que tinha pego pela asa. O vermelho

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garanhão deveu ouvir os passos, pois voltou a cabeça e reatou a marcha; por fim se meteu no arroio e bebeu copiosamente. Logo começou a cruzar a mansa corrente, mas esta lhe fez retroceder várias vezes. A água frisava-se com brancura, rodeando-o. via-se que não era muito profunda, e finalmente consigo vadeá-la. Uma vez na outra borda, voltou a lançar um olhar ao Slone e Nagger, depois do qual reato a marcha e desapareceu em seguida entre os álamos.

" Como baixar! ", disse-se pelo sob o Slone.

Havia um saliente em uma rachadura do precipício, um pendente de pedra nua por onde tinham subido e baixado alguns cavalos. Slone teve o bastante. Tivesse baixado por ali, embora o único cavalo que se atreveu a fazê-lo fosse Furacão. E não obstante lhe começaram a pôr os cabelos de ponta. Um cavalo como Furacão, os cordeiros monteses e os põe dos índios podiam tentá-lo, mas Nagger... Nagger tinha poucas probabilidades de obtê-lo

-"Adiante, amiguito! - disse-lhe -. Se eu baixo, você também pode baixar."

Não tinha visto Slone um caminho mais perigoso que aquela. Em tal lugar, o mais ligeiro escorregão era a morte. compreendia-se o medo do Nagger ao ver como o tremiam os músculos de todo o corpo. Mas não resistiu nem por um momento. Enquanto Slone lhe dirigisse ou lhe guiasse, o iria a qualquer parte. Sendo impossível o montar, Slone partia a pé, diante. Se o cavalo escorregava, seria dobro a desgraça, porque empurraria a seu amo, e ambos se despenhariam. Apertando os dentes, Slone foi baixando. Não deixava que Nagger advertisse seu medo. Estava correndo o risco maior de sua vida. O saliente da greta dava a outro rebordo que tinha como uns degraus, e entre estes havia partes muito pendentes e escorregadias. Mas Nagger as compunha admiravelmente nos maus transes. Tinha procedimentos próprios de seu grande esculpe e peso. Começava por fincar suas duas ferraduras dianteiras juntas contra o chão e se tornava sobre as ancas; nesta forma se deixava escorregar, arranhando, com as patas dianteiras rígidas, o chão. Tremia-lhe o beiçudo e resfolegava suarento. Em alguns sítios movia a cabeça como duvidando. Mas não titubeava, embora lhe era impossível ir bastante devagar. Agradava-lhe chegar a sítios onde a pedra tinha ondulações. Mas estas eram escassas. Eram rochas como de ferro brunido. Nunca tinha visto Slone uma pedra tão dura, e lhe custou muito ver que se tratava de mármore. Tinha o coração oprimido, feito um nó no peito, perdida a sensação dos batimentos do coração e como se estivesse em suspense, seu funcionamento pela tensão da baixada. Nagger não lhe deu nem um puxão a brida. Não vacilou um momento. Deu, isso sim, alguns escorregões, às vezes sobre as duas patas dianteiras; mas nunca patinou sobre as quatro ferraduras de uma vez, e isso lhe salvou. O avermelhado muro se elevava já muito sobre a cabeça do Slone. De repente chegou a um sítio onde não era possível continuar. apresentava-se um abultamiento da rocha com um declive espantoso, no qual só havia umas insignificantes desigualdades da superfície onde fazer pé. Furacão tinha deixado claro rastro de ter acontecido escorregando por aquele lugar, e nas asperezas da pedra lateral se viam algumas crinas. Felizmente, ao pé daquela protuberância da rocha havia um saliente que fazia de batente ou freio. Para ali se encaminhou Slone; mas como Nagger começava a escorregar, teve que soltar as rédeas e dar um salto. Mas o homem e o cavalo tinham salvado tão imponente obstáculo. Tinha sido uma grande sorte. E continuaram baixando para chegar ao pé do talho, cheios de arranhões e

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rendidos e suarentos, mas ilesos. Quando Slone pôde, por fim, levantar os olhos, pareceu-lhe mentira ter baixado por ali. Acariciou ao cavalo e se encaminhou ao sonoro riacho.

Era uma água esverdeada, com brancuras de espuma. Slone vadeou o arroio, encontrando que a corrente era rápida e fria e o leito pouco fundo, mas se teve que agarrar ao cavalo para não ser miserável pela água. Cruzaram sem contratempo. Na areia do outro lado se viam distintamente os rastros de Furacão. Havia também naquela arremata vestígios de um acampamento de índios que ao parecer, passaram por ali meio ano antes.

Os álamos davam uma sombra muito grato. Slone encontrou que naquele vale fazia um calor asfixiante. Não fazia nada de vento, e a areia estava tão candente que inflamava-lhe os pés através do calçado. Furacão tinha contínuo guiando-se pelo mesmo caminho dos índios que lhe tinha conduzido a aquelas asperezas de rocha roída. E o caminho atravessava repetidas vezes a corrente, a cada curva do estreito vale. Ao Slone agradava meter-se na água. Pendurou a escopeta no arzón e deixou que a água lhe cobrisse. O menos vadearam o impetuoso arroio uma dúzia de vezes. Ao fim chegaram a um lugar em que o vale se encaixotava em um canhão, e por ali o caminho seguia indubitavelmente o leito da corrente. Não havia outra saída, e Slone se meteu nele uma vez mais com o Nagger; tropeçou, rodou e saiu a flutuação diante do impertérrito cavalo. Nagger ia metido até o peito, mas não se cambaleava. Aquela garganta era como um buraco cheio do ruído das águas, e se abria a um vale amplo, onde Furacão tinha tomado à esquerda, seguindo a vereda de sempre, que começava a subir a ladeira.

Ali a marcha era fácil em comparação com o que tinham passado. Uma vez ascensão a primeira costa, Slone viu furacão ao longe. na ladeira. Não lhe via coxear, mas andava devagar. Slone lhe observava à medida que ia subindo. Qual e onde seria o fim daquela perseguição?

Às vezes, a Furacão lhe via um momento totalmente; mas quase sempre ia escondo entre penhas. Aquele pendente era como um talud enorme, como uma aglomeração de rochas quedas de uma montanha vermelha e amarela. O sol queimada com toda sua intensidade. Tão quentes estavam as penhas, que não se podiam tocar com a mão nua. A tarde declinava já, e aquela costa parecia interminável. Contudo, não era muito levantada, e o caminho naquele lugar era bastante boa.

Por fim apareceu Furacão no alto da colina olhando atrás e para baixo. Ao ponto desapareceu. Slone se trabalhou em excesso em ganhar a colina. Muito antes de alcançá-la começou para ouvir o lúgubre rugido do rio. Tinha crescido de maneira que produzia um grande fragor, e, não obstante, compreendia-se que quão corrente assim se anunciava estava ainda longe. deteria-se Furacão ante o grande rio do deserto? Slone o punha em dúvida. Transpôs a colina e, por uma abertura enorme do canhão, viu um pendente muito ao longe e ao fundo, onde o sol caía cegadoramente, e que aquele pendente se perdia em uma funda e negra garganta onde um rio vermelho discorria, irritava-se e rugia.

Não podia esperar-se outra coisa a não ser aquele grande rio, pois só suas águas tinham a força suficiente para ter aberto e escavado aquele canhão. O caminho baixava até a corrente, e era seguro que a cruzava para sair e remontar logo o outro lado do canhão. Tivesse-lhe gostado de ficar ali contemplando o panorama e ouvindo aquele rumor, mas ao fim

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começou a baixar. Conforme o fazia, pareceu-lhe que o ruído do rio se ia afogando. Não compreendia a causa disso. Demorou meia hora em chegar ao último piso do canhão, imponente, negro e veteado de ferro, e ao fundo rasgado pelo rio. Naquela parte não encontrou rastro de Furacão, mas voltou mais adiante a descobrir seus rastros, e estas conduziam a uma garganta aberta na negra ribeira, que a sua vez dava a uma bandagem de areia, ao rio mesmo. Furacão se tinha ido direito à água. Slone inspecionou o rio e a borda. A água baixava lenta e pesadamente, formando pausados redemoinhos. Da parte de acima vinha o ruído de um rápido, e para baixo se ouvia ainda mais distintamente o fragor de outro mais violento. O rio aparecia imponente a primeira vista, mas não era naquela parte impetuoso. Slone o examinou e viu que na muralha negra e desigual que se elevava pelo lado em que ele se achava tinha sinais de que o caudal tinha chegado em ocasiões a setenta pés mais acima. Isso significava que estava a muito sob nível. Que sorte que não tivesse começado ainda a temporada da enchente! Viu que Furacão tinha cruzado sem grandes dificuldades e compreendeu que Nagger podia fazer outro tanto. Então amontôo e atou suas provisões e armas sobre o lombo do animal, para que não se molhassem, e procurou um sítio para o vadeio. Furacão se tinha submerso muito para passar ao outro lado e a última parte deveu acontecê-lo com dificuldade. Slone encontrou um lugar melhor, e se meteu por ele, animando ao Nagger. O enorme cavalo entrou e quase se inundou ao logo, mas começou a nadar. Slone ia junto ao animal, desafiando a corrente. Ao logo encontróse com que esta era muito mais rápida do que tinha imaginado, e que o rio, que ao parecer só media coisa de cem pés de largura, era em realidade muito mais largo. agarrou-se, pois, a uma correia, compreendendo que tinha que ser levado a reboque. Com tudo, Nagger chegou tranqüilamente a terra e subo à ribeira de rocha. Havia superfícies de areia umedecida, onde os rastros de Furacão tinham ficado tão fundas que a água incluso no as tinha apagado de tudo.

Slone fez que seu cavalo repousasse um pouco antes de empreender a ascensão que lhes esperava por um racho da massa de rochas, pela que, não obstante, Furacão tinha encontrado bom passo. Não dominava a rocha nua o lado do canhão em que agora se achavam. Um caminillo fácil de seguir conduzia a uma costa poeirenta a cujo bordo cresciam algumas deterioradas matas de sarcobatos e de cactos. À meia hora de subir, Slone viu que ia entrar em um amplo vale em declive e que estreitava-se até terminar em uma garganta, entre escuros precipícios que rematavam o grande maciço vermelho, no que se viam ladeiras cobertas de cedros e arestas de rochas amareladas.

E apenas a uma milha apareceu outra vez o vermelho garanhão, aceso pela luz do ocaso e avançando pausadamente.

Slone apresso a marcha sem trégua e pouco antes de anoitecer chego a um lugar ideal para acampar. O vale se estreitou de tal maneira, que seus muros confundiam suas sombras. Havia um verdadeiro oásis no meio do deserto raso, formado por grupos de álamos que rodeavam um manancial, abundância de erva alta, vários salgueiros e multidão de flores que bordeaban os desníveis. Slone se sentia rendido, porque a jornada tinha sido de um incessante subir e baixar e as pálpebras se o fechavam. Mas se esforçou por não dormir em seguida. O sepulcral silêncio do vale, as secas fragrâncias do deserto, os fantásticos precipícios, a acumulação das sombras noturnas nos terrenos baixos, em tanto que nas cristas rochosas

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minguavam os últimos raios vermelhos, o estranho daquelas solidões, todo isso eram elementos que contribuíam a fazer o lugar doce e agradável.

O sonho daquela noite passou em um momento. Slone despertou entre gretados maciços coroados de pontas e colinas com o passar do rio. levantavam-se agora em médio do alvorada cinza e úmida, e se foram voltando de cor de rosa, lilás púrpura, à medida que o sol ia ascendendo.

levantou-se e começou a recolher seus bens, coisa que fez breve tempo, e diligente ficou de novo em marcha.

Furacão tinha estado pastando em um lugar do caminho, a coisa de uma milha de onde Slone fizesse alto. Este Miro com anseia ao alto do canhão, cada vez mais estreito, mas não vislumbrou a silhueta do cavalo. Ao aproximar-se por uma pendente contigüa a aquele estreito passo que tinha estado olhando de longe, viu que os dois muros do talho quase se tocavam. O caminillo ziguezagueava subindo por aquele estreitamento, tão íngreme que não era possível avançar mais de uns passos seguidos sem cansar-se. Slone se esforçou por sair daquele passo partindo durante uma hora que lhe pareceu um século, e se encheu de suor, todo ele aceso e afligido por um enorme peso no peito. E passado esse tempo incluso no se achava além da meia ladeira entre os muros. Desde alguns pontos daquela ascensão podia arrojar uma pedra a um nível próximo deixado atrás ; mas embora assim o parecia ópticamente, em realidade separava esses dois pontos uma distância larga e difícil de percorrer. Ao aproximar-se ao alto, a garganta se alargava. O que do vale inferior tinha parecido coisa minúscula, resultava agora de dimensões colossais. O caminho devia ser como um fio retorcido, de uma milha de longitude, entre duas muralhas formadas por um corte na montanha e cujos borde quase uníanse no alto, formando como um túnel.

Slone descansava a cada momento. Nagger parecia sentir-se reconhecido disso e resfolegava a cada alto. Em tão monotona caminhada chegou a esquecer-se o ao Slone em absoluto a causa de sua exploração, assim é que teve que surpreender-se quando, de improviso, Nagger lançou um bufo, lhe acautelando de algo.

por cima de sua cabeça se estendia um muro baixo e vermelho sobre o qual indubitavelmente passava o caminho, e apenas a cem pés mais acima, na curva que formava uma proeminência, apareciósele algo vermelho que avançava oscilando. Era um cavalo.

Não lhe separava de Furacão a longitude de três laços.

Ali estava, olhando para baixo. Respondia perfeitamente ao ideal do Slone. Unicamente o encontrava um pouco maior do que tinha sonhado; mas suas proporções eram tão justas, que dava uma sensação de ligeireza. Era vermelho e peludo. Não era lustroso, mas sim a cor o fazia parecer brilhante. Tinha a crina ascensão em seu nascimento como uma crista, e logo lhe pendurava. Era o cavalo mais musculoso que tinha visto Slone. E apesar disso suas linhas eram belas e elegantes. Sua cabeça era realmente a da mais selvagem das criaturas, um garanhão da selva. Era, em efeito, formoso, rebelde, magnífico; reunia todas as qualidades menos a de a nobreza. Fora como fosse, Furacão resultava satânico, sanguinário; não tinha uma nobre estampa. Ocurriósele ao Slone pensar que se os cavalos expressarem

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sentimentos, os de Furacão naquele momento eram de ódio. Indubitavelmente, sua expressão era de curiosidade e de fúria.

Slone agitou ao ar o punho fechado, ameaçando ao cavalo, como se o fizesse a um homem. Era um gesto natural em um cavaleiro como ele. Furacão voltou a garupa, fulgurou sobre o fundo escuro e desapareceu.

VI

E durante três dias não voltou Slone a ver furacão. O primeiro dia o passou inteiro subindo por aquele canhão. Ao segundo fez uma marcha lenta de trinta milhas por uns bosques de cedros anões e pinheiros, e atrás destes boscajes se viam as amareladas moles do canhão. Aquela noite Slone encontrou um fossa com água em uma concavidade de pedras e um pouco de erva para o Nagger. Ao terceiro dia andou trinta milhas o menos por bosques de pinheiros em terreno horizontal, cujo ar era fragrante e seco; mas por ali não se gozava dos afrescos e belas paragens da selva que ficava ao lado norte do canhão. A estranha característica daquela parte de a região era que as águas, em vez de represar-se, transbordavam-se. Slone fez alto aquela noite em um pantanoso lugar cheio de barro que mostrava claramente as rastros de Furacão.

Ao dia seguinte Slone seguiu cavalgando até sair dos bosques e entrar em uma terra de escassos cedros blancuzcos e raquíticos. E dali passou a confine de uma planície de onde o deserto cegador enviava a ameaça, que era como uma proibição, de suas imensas e desoladas latitudes. Não era aquele o deserto da alta região de Utah, a não ser um mundo nu e esquelético de vermelhas penhas e areias : a pintura de um deserto de fogo e vento, de nuvens de areias, extensões ressecadas e flancos estéreis. Mas não intimidou aquilo ao Slone, porque ao longe, lá abaixo, por entre as desigualdades rasas e ondulantes, movíase uma mancha vermelha a passo de caracol, e aquela lenta bolinha de cor era Furacão.

Em um terreno aberto como aquele era onde Nagger, levando suas duzentas e cinqüenta libras de carga, podia pôr bem a prova sua formidável resistência. Não importava-lhe o calor, a areia, a cegadora luz, a distância e o peso. Não se cansava. Era uma máquina de extraordinário poder. Slone ganhou terreno a Furacão e para o anoitecer se pôs a meia milha do garanhão. Decidiu lhe seguir a esta distância. De noite acampou em um sítio coberto de erva, mas sem água.

Ao dia seguinte perseguiu furacão descendendo por uma imensa curva de graduados aterros faltos de toda vegetação, a não ser por uma tostada erva esbranquiçada e alguns espaçados sarcobatos, sempre de cara ao avermelhado deserto cruzado por bruscos e quebrados aterros. Aquela jornada foi de cinqüenta milhas. Slone chegou ao fundo de um vale

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sulcado por um deteriorado arroio que corria como um fio de água e se pulverizava sobre um amplo e arenoso leito. Era água salobre, mas foi um achado, tanto para o cavaleiro como para o cavalo.

Cruzou-o ao dia seguinte seguindo os rastros de Furacão, que se conservavam frescas nas márgenes arenosas. O garanhão avançava lentamente. Slone o viu coxeando e não muito longe. Andou uma distância de dez milhas sobre o terreno plano e endurecido como a rocha, no que tudo estava calcinado e não tirava o chapéu uma fibra de erva. A este seguiu uma paisagem fantástica de dunas calcárias, violetas de heliotrópio e flor de lavanda, alisadas pela chuva e o vento, e entre as quais ondulava o atalho. Furacão escolhia agora o terreno brando. desviou-se de sua rota, e preferia os empoce e terrenos baixos onde pudesse haver agita. Não desdenhava já a água, embora a achasse em um atoleiro coberto de verde limo e de brancos bordos alcalinos. Aquela noite Slone acampou tendo a Furacão à vista. O garanhão se parava quando seus perseguidores faziam alto, e pastava a erva ao mesmo tempo que Nagger. Quão estranho lhe parecia com o Slone!

Naquele lugar havia rastros evidentes de um acampamento índio. Furacão se tinha desviado em uma curva para o Norte. Agora partia outra vez em direção de Utah, de onde tinha saído.

À manhã seguinte, Furacão tinha desaparecido, mas não sem deixar rastros na areia. Slone as seguiu ao trote do Nagger. Ao final daquela planície de areia, Slone chegou a uns velhos campos de trigo e a um cisterna quebrado onde tinha havido um reservatório. dali partiam vários caminhos para a direita. Por aquele lado do deserto deviam viver alguns índios. Foi naquele ponto onde Furacão deixou do todo a rota que tinha seguido durante vários dias para orientar-se ao Norte. Slone empregou toda a manhã em remontar uns aterros e maciços que conduziram a uma meseta de extraordinária amplitude, que se convertia em um novo areal. Levante o vento e em qualquer parte corriam savanas de areia. ao longe se levantavam em círculo forma diabólicas de pó amarelo como jorros de água, e ao outro lado, sobre o vale tostado pelo sol, agitava-se majestuosamente uma tormenta de areia amortalhando o deserto com sua amarela capa.

Depois passou dois dias mais sobre a areia e ao terceiro encontrou um terreno que se ia elevando brandamente e que acontecia a aridez a um aspecto cinza, e do cinza ao verde, para passar de este a uma púrpura de salvia e cedro. Durante estas três jornadas extenuadoras não encontrou Slone mais que um só atoleiro.

Furacão ia coxo e de capa queda, em tanto que Nagger, embora emagrecia, dava amostras de sua resistência. Slone se sentia anti-social, enegrecido e aviejado, e para economizar esforços a seu cavalo andou a pé muitas milhas.

Slone compreendia que era inútil querer forçar a marcha. Nagger não poderia nunca atalhar ao garanhão. A intenção do Slone era seguir sem trégua a Furacão, lhe obrigando também a cansar-se e lhe obcecando, sempre com a confiança posta em que chegaria a um sítio em que a natureza mesma do terreno o faria cair em uma emboscada. Aquela perseguição parecia não ter fim, pois Furacão procurava escolher a terra plaina, onde não havia perigo de surpresas. Uma manhã encontróse Slone subindo a uma meseta coberta de

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cedros a que demorou um dia inteiro em chegar, e de onde partia um novo e labiríntico maciço de canhões. viam-se naquele lugar árvores, erva e água. Era uma terra alta, fria e selvagem, como as montanhas que tinha abandonado. Ainda passou vários dias dormindo sobre os rastros de Furacão, lhe acossando sempre sem quietude, em espera de monopolizá-lo em um sítio ou outro. O vermelho garanhão perdeu muito tempo em olhar atrás. Assim Slone chegava a sua vista, voltava a cabeça, vigilante. Naquela terra branda dos canhões tinha começado a repor-se de sua claudicação. Mas isso não preocupava ao Slone. cedo ou tarde, Furacão baixaria a uma aguada entre muros inacessíveis, da que não poderia sair. Ou se perderia em um canhão sem saída, ou subiria a uma meseta sem baixada possível, a menos que se cruzasse com o Slone para procurar saída por onde subisse, ou chegaria a uma costa lamacenta onde lhe afundariam os pés e não poderia correr. Tinha trocado o aspecto do deserto. Slone tinha entrado em uma maravilhosa região, incomparável como nenhuma das que conhecia : uma elevada meseta aberta em todas direções por canhões estreitos, por vermelhos talhos de mil pés de altura.

Um daqueles estranhos canhões dava a volta e se abria a um amplo vale cheio de proeminências como gigantescos monólitos.

A meseta se desvanecia para converter-se em uma massa de rocha seccionada com grandes muros de pedra isolados, de distinta forma e dimensões, mas todos eles muito recortados, de linhas atrevidas e verticais. erguiam-se com uma imponente e singular beleza de distintas cores sobre o verde e cinza vale que ondulava para o Norte, onde uns quebrados e sombrios penhascos como almenas pareciam querer competir com as nuvens.

O único ser vivente que não perdiam os olhos do Slone era Furacão. Este aparecia brilhante ao pé da verde ladeira.

Slone deu um suspiro. Aquele era o lugar propício para o grande cavalo : uma série de contrafortes verdadeiramente selvagens. Mas deste modo parecia ser o único lugar que oferecesse alguma ocasião para reduzir a Furacão. Entretanto, Slone não perdeu sua integridade, embora sim parte de seus anteriores esperança, e descendeu aquela pendente que dava ao ondulante fundo do vale. Furacão se voltou para olhar a seus perseguidores, e naquele instante o silêncio do campo foi quebrado por um relincho penetrante e selvagem.

Slone contínuo perseguindo o potro selvagem, dia detrás dia, sem perder o de vista enquanto não se fazia de noite. O vale era imenso e os monólitos haviam ficado muito

longe. Mas parecia que estavam perto e muito juntos entre si. A atmosfera dava magnificência a tudo. Slone tinha perdido a noção do tempo. Aquelas jornadas de solidão solene, aquelas noites silenciosas e também solitárias, o anseia da perseguição sem trégua e a imensidão do deserto daquele fantástico vale haviam influído no Slone como se tivessem transcorrido vários anos; mas o estava contente, sem pensar em nada, quase como um selvagem.

O exercício e as privações lhe tinham desgastado muito, mas parecia de ferro. A roupa lhe pendurava em farrapos; as botas lhe tinham quebrado e careciam de sola. Fazia muito que lhe tinham acabado as provisões de farinha e de tudo, menos de sal. Vivia dos coelhos que

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caçava, e chego um momento em que já não encontrou coelhos tampouco. Passou vários dias sem comer. de vez em quando matava algum ave do deserto, e uma vez um gato selvagem. Mas não era a fome o que o fazia sofrer por então. Com o tempo começou a sentir-se débil, e então se deu a abrir ninhos de ratos para as cozinhar, mas estas também escasseavam. Por fim a fome o saiu ao encontro. Muitas vezes tinha tido a Furacão a tiro de fuzil, e isto lhe sugeriu a amarga idéia de que acaso se veria obrigado a matá-lo. Tal pensamento era como involuntário, e o rechaçava no ato. Entretanto, pelo que estava seguro era de outra coisa, quer dizer, de que se não conseguia jogar mão ao cavalo, em último caso este o mataria ao. Não outro tinha sido o desenlace de alguns caçadores se desesperados na perseguição de um animal cobiçado.

Com a mesma perseverança implacável com que Slone perseguia furacão, o tempo corria sem sentir. A primavera deu passo aos começos do verão. O ardente sol abrasava a erva; secábanse os fossas de aguada do vale, e só se encontrava de beber nos canhões. Os ventos quentes começaram a açoitar os areais. Era um vale todo areia, no que solo havia uma parte verde e cinza; para o Norte não se viam alturas, e o lento fluxo da areia se ia elevando em direção às escuras muralhas.

Furacão seguia o caminho do Sul através deste vasto vale, para onde se levantavam os monólitos naturais. Estes se foram aproximando e apareceram unidos em parte para os talhos da meseta central por colinas desgastadas por uma erosão do tempo. Slone deduziu de suas observações que Furacão se conservava em esplêndidas condições, em tanto que Nagger não era nem sombra do que tinha sido, mas compreendia que, fora como fosse, aquela perseguição se ia aproximando de seu fim.

Ao fim encontrou uma cisterna em uma greta de um cantil e ali deixou que Nagger descansasse e pastasse durante todo um dia, o primeiro, desde fazia tempo, em que deixava de ver o garanhão. Aquela jornada se destacou pela fortuna de dar caça a um coelho, e ao devorá-lo, com cara sombria e olhar fixo, reconheceu que tinha começado ou seja o que era a fome. Temia que chegasse a madrugada. Mas não estava em sua mão o deter as coisas. detrás dos promontórios como sentinelas, o céu inflamava-se de ouro e escarlate e o sol acabou por surgir radiante. Então, aproveitando a larga sombra, como de uma milha de longitude, que projetavam sobre o chão aqueles enormes monólitos, reemprendió a marcha ao encontro do dia solene e silencioso, encadeado a sua perseguição quase sem esperança.

Furacão, por exceção, tinha começado a subir por um talud, em um passo estreito que conduzia a uma curvada extensão de movediças areias. De ali olhou Slone para baixo, observando um anfiteatro povoado de pináculos, estranho, como tudo o daquelas paragens. Mais acima, a umas três milhas à frente, formava-se uma concha no terreno. Aquela depressão oval estava cheia de lajes de pedra corroída pela intempérie e de levantadas costas de vermelha arenisca. O estou acostumado a era branco e parecia ter um suave movimento de ondulação como o de radiantes cheire de fogo. Observando-o bem, Slone deduziu que aqueles ondulações eram produzidos pelo sopro do vento sobre a calcinada erva. Recordava ter cruzado por alguns sítios daquele grande terreno baixo.

Os rastros de Furacão conduziam ao fundo daquela concha, e, súbitamente, Slone, aguçando muito a vista, conseguiu descobrir um ponto vermelho que não era outra coisa que o selvagem cavalo.

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" Está vendo como sair daí! ", exclamou monlogando Slone, enquanto presenciava a cena.

Com repousada e penetrante olhar estudou a disposição dos topos e do pendente, e assim teve observado todo o circular contorno do imenso terreno baixo, convenceu-se de que Furacão não podia sair dela, a menos de que voltasse a ganhar a costa por onde tinha entrado. Mas na boca desse passo se achava precisamente, Slone cavalgando sobre o Nagger. A um lado tinha um depósito natural de água de vários metros de largura e bordeado de ásperas rochas, e ao outro um declive infranqueável.

"Se este fossa fora pequeno, seria possível caçá-lo agora; mas é tão grande que nunca o alcançaríamos", exclamou Slone, contemplando a planície ovalada e cegadora de areia varrida pelo vento.

Lá abaixo não havia água e Slone refletiu que conviria vigiar, sem mover-se, a Furacão, porque Nagger não resistia como ele a sede. Pela primeira vez Slone duvidou. Era cruel conduzir ao Nagger por aquele terreno baixo ardente e açoitado pelo vento. Este soprava do oeste e subia pela rampa ardente e cheirando a vegetação morta e ressecada.

Mas esse ardente vento que não cessava sugeriu ao Slone uma idéia que lhe fez estremecer e lhe pôs súbitamente os nervos em tensão, excitado e radiante e, sem embargo, cejijunto e sombria sua expressão.

" Juro-te, Furacão, que te farei correr por entre eta; altas ervas! ", exclamou Slone. Nestas palavras havia muito da amargura do fracasso, de sentimento, da ira implacável de um caçador que não pode resignar-se a dar por perdida uma boa peça.

No que Slone pensava era em baixar a prender fogo à erva. O vento correria o fogo, acossando assim de modo terrível ao garanhão. Podia lhe causar a morte, mas cabia esperar que o fogo o fizesse sair de uma maneira ou outra daquele terreno baixo, onde o persegui-lo seria vão empenho.

"Que bem te faria procurar a saída-exclamó Slone - se fosse possível passar ao outro lado!"

Via que se conseguia rodear ao cavalo e prender fogo do lado de lá, o vento empurraria as chamas por volta de onde ele estava agora, obrigando a Furacão a tomar esta direção. Os pendentes e os talhos rodeavam o areal, em forma cada vez mais estreita, para a saída, e a alta erva ressecada se estendia até poucas varas de distância da boca do passo. Contudo, parecia impossível poder ganhar o murcho oposto, detrás de Furacão.

Logo Slone, medindo com escrutinadora olhar as dimensões do círculo de precipícios, disse-se: "De noite poderei lhe dar a volta. Por que não? De noite está acostumado a parar o vento. A erva arderá pouco a pouco até a manhã seguinte, e a temporada de ventos do Este dura ainda. "

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Em seguida começou a dar carinhosas palmadas ao Nagger e a lhe dizer com alegria : " Velho meu cavalo, é nosso! Não passarão vinte e quatro horas sem que lhe jogue o laço ao cangote."

Entregóse um momento a um regozijo sem travas, mas não demorou para ficar sério e em pensar razoavelmente.

Descendeu ao terreno baixo montado sobre o Nagger, andando coisa de uma milha, e se convenceu de que Furacão não tinha saída possível pela direita. Logo passou a a esquerda. Por este lado a rampa arenosa era tão violenta que apenas se um homem teria podido subir por ela; além disso havia abundante erva que arderia facilmente. E retornou à embocadura do passo, convencido de que, por fim, Furacão tinha cansado em uma emboscada que nem o mesmo Slone teria podido sonhar. O brioso corcel não teria mais solução que entregar-se às chamas ou ao laço.

Slone seguiu refletindo : aquela madrugada Nagger tinha bebido a seu sabor, como não o tinha feito desde fazia tempo até a parada do dia anterior. Se descansava uma jornada mais, ao dia seguinte estaria cheio de toda a força de que era capaz. Apeóse o caçador e deixou solto ao Nagger. O animal se foi devagar soprando, costa abaixo, para a erva. Slone levou a cadeira a um lugar de sombra projetada por um fragmento de rocha e um falso carvalho, e ali se instalou para repensar, vigiar e esperar.

A simples vista podia assegurar-se que Furacão não estava mais longe de duas milhas. Insensivelmente se ia afastando, ao passo que podava a erva, para o lugar onde se erguiam os promontórios, que era o fundo daquela espécie de concha. Slone acreditava que, posto que o espaço fundo era tão vasto, Furacão esperava encontrar saída por aquela parte, bem subindo pelas costas, bem por algum passo entre os cantiles. Até então o resistente garanhão não se equivocou em nada. E de repente assaltou ao Slone o temor de que houvesse alguma escapatória impensada. Mas não demorou para abandonar tal temor. Tinha revisado atentamente o cinturão imenso de rampas e talhos, e, como Furacão não voasse, à maneira de outro Pegaso, não tinha mais remédio, para sair, que voltar para caminho por onde tinha entrado.

Slone se tendeu à sombra, tendo por travesseiro a cadeira, e se dedicou a concretizar seu plano, enquanto contemplava a reluzente planície do terreno baixo. Começou a estudar como tinha que fazê-lo, e via que não ficava mais remedeio que prender fogo ao lado oposto, empregando nisso o menor tempo possível e retornando quanto antes à embocadura do caminho. Prender fogo tinha que lhe custar bastante, pois não contava com mais recursos que o pederneira e o elo. Pareceu-lhe o melhor esperar de noite e levar um feixe de ramos, acesas por um extremo, à maneira de uma tocha, com a confiança de que a mesma carreira daria ar para que não apagasse-se. E uma vez presa a erva, voltaria a toda pressa para seu posto, onde esperaria o desenvolvimento dos acontecimentos.

O dia transcorreu lento e muito caloroso. Alzábanse do fundo do vale ondulantes feitas ondas de calor excessivo em escuras linhas e cortinas de bafo. Soprou de contínuo um vento que era quase um ciclone. Magras e retorcidas savanas de areia se levantavam por cima das cristas, produzindo um leve rumor de rangidos como de seda. O céu era, no alto, de um azul

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resistente que se voltou acobreado junto às alturas longínquas. Aquela tarde, ao anoitecer, consumiu a última comida que lhe subtraía. À posta do sol o vento começou a desfalecer e o ar refrescou. As altas rochas circundantes e o topo dos pináculos estavam rodeadas de uma cinta vermelha, de uma coroa brilhante e estranha que se manteve bastante momento. Nagger estava ali perto; mas Furacão tinha desaparecido, provavelmente detrás de algum daqueles menhires imensos do fundo.

Entre duas luzes, Slone desceu pelo Nagger, o embridó e selou v logo começou a procurar lenha a propósito. Retrocedendo para o lado da embocadura do terreno baixo, encontrou velhos falsos carvalhos cansados, que lhe proporcionaram os ramos suficientes. Fez uma fogueira e prendeu o extremo de um feixe de ramos, sem fazer chama, como tinha previsto. Púsose o feixe sob o braço, com os extremos acesos para trás, e montou em seu cavalo. Começava a escuridão da noite quando partiu Slone costa abaixo. Uma vez em terreno plano, guiou ao Nagger com o passar do pé dos ramos da esquerda, onde a erva e as malezas eram escassas e a areia tinha uma pálida coloração. Graças a estas circunstâncias não foi muito difícil a marcha. de vez em quando, as patas do Nagger truncavam caules retostados nos herbazales, e o rangido que faziam soava ao Slone como música. Pouco a pouco os erguidos pináculos como ciclópeos menhires se foram fazendo fantásticos, recortada sua silhueta no céu azul e estrelado, que parecia roçar suas cúspides. Slone tinha acreditado que o terreno baixo era menos largo e largo do que resultava em realidade. Isto contrariou-lhe. Furacão podia perceber o aroma ou o ruído do caçador e iniciar uma retirada oportuna para a saída. Chegou um momento em que já os menhires se confundiam a seus olhos com a negrume da sombria muralha do fundo. E começou a partir mais devagar, porque a escuridão o exigia. Chegou, por fim, aonde o terreno começava a subir por cima da rocha desigual, sinal de que ali já começava o bordo desgastado pelo tempo.

Então dobrou à direita e saiu a pleno vale. O terreno era plano e estava densamente talher de altas ervas e sarcobatos, tudo seco, como isca. Se via que fazia muitos meses que não tinha nevado nem chovido. Slone agitou ao ar um dos ramos seca que tinha presas, e a mortiça faísca do extremo começou a inflamar-se e a dar faíscas. Em seguida arrojou o ramo ao chão, com uma sensação de ansiedade de uma vez que de estranho temor.

Ao ponto começou a arder a erva com ruído rangente e chasqueador. Nagger relinchou. Slone exclamou: " Ah, Furacão!", e empreendeu a carreira de volta, sem voltar sequer a cabeça, deixando cair de trecho em trecho, cada quarto de milha, um ramo ardendo. Quando chegou ao lado onde acampou durante aquela jornada, havia já a suas costas doze fogueiras lentas que elevavam ao céu suas preguiçosas fumaças. Atirou da brida ao Nagger levando-o a bandagem nua de vegetação junto ao passo único, para o qual subiu a rampa de areia. Uma vez ali começou a indagar com o olhar se por acaso descobria algo que delatasse a Furacão. Este não se havia escapado, e Slone se sentia regozijado e ditoso. No meio do caminho de passagem, no mais estreito do mesmo, apostou-se montado sobre o Nagger, outra vez alerta e disposto a confrontar o que sobreviesse.

Longe, ao longo do terreno baixo, doze largas linhas de fogo muito separadas entre si se foram aproximando umas a outras. Apareciam magras e lentas, e só de vez em quando se produzia uma labareda intensa. Algumas das manchas negras que as separavam deviam ser

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promontórios de rocha rodeados de serpentes de fogo. Stone contemplava fascinado aquele espetáculo e exclamou em alta voz, dirigindo-se a Furacão:

"Que te parece isso?"

As largas linhas de fogo se foram estendendo e começaram a levantar-se pálidas fumaças. À esquerda do vale se elevavam as chamas mais altas, que era onde tinha começado o incêndio, e as duas primeiras raias ardentes se foram correndo para unir-se. Pareciam ter pressa por cobrir toda a extensão. Não soprava nem a mais ligeira brisa, mas, apesar de tudo, era possível que se estivessem correndo rapidamente as chamas, embora ao Slone de longe não o parecia. Ao chegar a juntar-se ambas as linhas se produziu uma forte labareda.

Então saiu uma exclamação do peito do caçador. As outras linhas ardentes foram arrastando umas para outras. Mas quão devagar lhe parecia que se movia o fogo. O cavalo cobiçado teria tempo, como o advertisse, de sair do círculo de fogo por entre as linhas de chamas. Mas o que mais teme um cavalo selvagem é o fogo.

Furacão não se atreveria a passar pelos espaços do ardente cerco que ainda não tinha aceso. Assim e tudo, o ver que os traços de fogo se foram unindo entre si aliviou os temores do Slone de que o cavalo passasse ao lado de lá. Aquela noite foram transcorrendo lentas as horas, e por fim, através do terreno baixo, apareceu uma linha, vermelha e brilhante, de fogo, tão somente interrompida pelas silhuetas enormes dos promontórios de rocha.

Trocou a escuridão do vale e trocou a luz das estrelas e da lua. 0 bem o fogo encontrava mais pasto a suas chamas, ou era que se aproximava tanto que estas apareciam já muito altas, crepitantes e deslumbradoras.

Aguçou Slone o ouvido se por acaso percebia ruído de pegadas na areia. Parecíale que o tempo transcorria com lentidão e sem que a situação adiantasse grande coisa; não obstante, compreendeu que tinham acontecido várias horas, porque a fogueira que tinha aceso junto ao passo esteve várias vezes a ponto de extinguir-se e se havia reavivado de novo.

via-se um setor do vale com muita claridade e o fundo das moles erguidas dos fantásticos picos envolto em vestimentas de fumaça.

de repente, o fino ouvido do Slone vibrou em um emocionante som. agachou-se e aplicou o ouvido ao chão. Um rápido e rítmico golpear de pisadas de cavalo lhe fizeram ficar em pé de um salto e preparar-se com o laço na mão direita e o fuzil na esquerda.

Nagger levantou a cabeça. Cheirou o ar e relinchou. Slone espreitava da penumbra que havia um pouco mais abaixo. Era difícil descobrir a silhueta de um cavalo, embora fosse o bastante alto para recortar-se sobre a muralha de fogo, que parecia elevar-se até o céu. Mas se ouviam perfeitamente as pisadas, rápidas e firmes, mais fortes cada vez. As sombras noturnas enganavam. O maravilhoso resplendor lhe confundia, o fazia acreditar que aquilo era um lugar fora da realidade. Estaria sonhando? Lhe teria transtornado o julgamento o comprido viajar de perseguição de uma peça, passando as maiores privações? Llegóse ao Nagger. Não havia engano! O enorme cavalo negro estava ali realmente vivo, tremendo, dando coices na areia. Pressentia a um inimigo.

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Outra vez Slone quis penetrar com os olhos o terreno baixo, onde parecia abrir-se a seus pés o vazio. Mas aquela sombra de primeiro término também estava trocando, enchia-se deste modo de resplendores. Todo o vale se achava iluminado. Semelhante luz não recordava havê-la visto mais que em sonhos. A pálida lua, as longínquas estrelas, a esvaída luz do amanhecer, tudo parecia vago e sombrio ante o fulgor do violento incêndio do campo.

No pálido caminho que se abria como um leque de areia aos pés do Slone se vislumbrava uma sombra negra e veloz, como um fantasma fugindo. Era um fantasma de cavalo. Ao Slone parecia que seus olhos, enganados pela imaginação exaltada, acreditavam ver objetos que corriam. Não seria a primeira vez que em um longínquo deserto sonhava com selvagens carreiras. Mas que podia ser aquele golpear de pisadas que lhe dava nos tímpanos agudo, veloz e até ritmicamente? Nunca lhe tinha enganado o ouvido. Jamais em sonhos tinha percebido sons. O que corria era um cavalo, e, a julgar pelas pegadas, corria cada vez mais velozmente, como o vento. Slone sentiu como se algo lhe oprimisse o coração. Todo o tempo, a tenacidade, os sofrimentos, a sede, a incerteza, a nostalgia, a desesperança da larga agonia da perseguição de Furacão se resumiam de repente em seu coração.

O cavalo que vinha correndo se deteve de repente ao bordo mesmo da franja de luz projetada pelo incêndio. Ali se destacava, recortado como um camafeu, a menos de cem passos do Slone. Era Furacão.

Um involuntário grito saiu do peito do Slone. Uma atrás de outra, as emoções lhe penetravam. A alegria e a esperança, o medo e o desespero se aconteceram instantaneamente, como raios, em meio de sua alma. E por fim lhe dominou a paixão de tudo bom cavaleiro, o desejo de possuir aquele magnífico e até então incapturable cavalo. Naquele soberano momento, Furacão se brindava ao Slone. Como se atreveu alguma vez a pensar em que ia poder cobrar aquela peça? Slone não se saciava de olhá-lo, de alimentar sua fantasia, sem arrepender-se de nada do passado, pois aquela cena, por si só, era bastante premio a seus trabalhos.

As fantásticas chamas davam magnificência à imagem de Furacão e o mostravam com evidência luminosa. Parecia gigantesco. Brilhava negro contra o vermelho do incêndio, erguido o testuz, a crina flutuante. Detrás, o fogo flamejava e uma imensa coluna de fumaça tão larga como todo o vale subia ao espaço, em tanto que os grandes pináculos como monólitos foram ficando a retaguarda invadidos pelas labaredas que avançavam e avançavam cada vez mais. Era um espetáculo fora do vulgar, cujo aspecto mais impressionante o procurava o imenso silêncio do deserto.

De súbito, Furacão rasgou o silêncio com um relincho agudo e lhe estalem como a fulminação do raio, que teve a virtude de distender as potências do Slone. E imediatamente, Furacão partiu disparado para o passo que ocupava Slone.

Este lanço um grito com toda a força de seus pulmões, e sem conseguir atemorizar ao garanhão, para que retrocedesse costa abaixo, disparo seu fuzil. Furacão, depois de transformar-se outra vez em uma sombra que corria, desapareceu.

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A enorme linha de fogo foi correndo-se além dos monumentais menhires do fundo, e se estendia já do lado do cantil ao do talud, enchendo toda a terreno baixo. Furacão não podia atravessar aquela muralha de fogo.

Então Slone viu que o céu empalidecia e que pelo oriente despontava o alvorada.

VII

Estava Slone sonriendo gozosamente, quando ao mesmo tempo que pelo Oriente aparecia o primeiro tintura rosado, uma ligeira brisa lhe acaricio o rosto. O único que a seus planos convinha era um pouco de vento oeste, e aquilo era uma boa antecipação.

Todo o vale aparecia brumoso por causa das lentas ondas de fumaça que se desprendiam da linha que limitava o fogo. A luz do novo dia ia fazendo empalidecer as chamas que devoravam a erva, e Slone distinguia aqui e lá vacilantes labaredas de um vermelho escuro. O garanhão selvagem não se separava do centro do vale, incluso no invadido, e se voltava para um e a outro lado, cheio de impaciência, mas nunca olhava a fumaça. Slone estava seguro de que Furacão ia cedendo terreno ao passo que o fogo avançava para o.

Por momentos, a brisa refrescava e se fazia mais forte e seguida, até que Slone começou a ver que seu sopro empurrava os nubarrones de fumaça que se empelotavam lentamente no vale. Chego um momento em que a larga linha de fogo se reavivo de lado a lado do terreno baixo.

Furacão estava açoitado, apanhado. Várias vezes Slone tinha enrolado e desenrolado o laço. Logo lhe apresentaria a ocasião mais extraordinária de seu vida, o mais comprometido e importante lançamento de seu nó corrediço. Não acostumava falhar nunca; mas podia lhe falhar naquela ocasião, e era necessário fazê-lo com presteza e segurança. Zangava-lhe sentir que lhe suavam e lhe tremiam as mãos e que um estranho peso lhe oprimia o peito. dizia-se a si mesmo que se achava muito cansado e que não era aquele estado o mais conveniente para uma grande luta com um cavalo indômito. E não obstante, ele tinha que capturar a Furacão; seu pensamento não se separava disso. Dava por descontado que, ao final, Furacão se dispararia para passar por cima dele; mas para tal caso tinha já planejada sua tática. O único que lhe preocupava era que o cavalo pudesse lhe reservar alguma imprevista surpresa. Slone estava disposto a seguir esperando largas horas e a realizar logo um esforço desesperado; a confrontar o me choque com Furacão, que poderia matar a este e deixar maltratado ao Nagger, ou a uma interminável carreira de combate.

Mas logo se convenceu de que se equivocava no de uma larga espera. O vento tinha adquirido grande violência e estimulava rapidamente o avanço do incêndio. As chamas, acariciadas pelo ar, amontoavam-se em formidável barreira. Embora Slone, excitado, não

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advertia o passado do tempo, em menos de uma hora Furacão havia chegado à parte em que se estreitava a garganta do vale, e não cessava de correr de um lado para outro. Slone esperava que em qualquer momento o cavalo arrancaria aterrorizado em direção ao passo.

Dava já amostras de espanto, mas não acabava de decidir-se. Em vez de ir para o passo, aonde continuava Slone, intento subir a costa da direita. Era muito pendente e de terreno inconsistente; e, não obstante, o garanhão empreendeu a ascensão por ali levantando nuvens de pó, fazendo que as areias se corressem para baixo, formando uma cascata por onde rodavam as pedras. via-se o apuro em que estava Furacão na ansiedade com que olhava ao alto.

E Slone, que se sentia altivo, gritou-lhe:

" Sobe, sobe, demônio vermelho! "

Estava seguro de que por aquele íngreme banco de areia Furacão perderia as forças, se não sofria algum acidente.

E contemplava ao cavalo em tal transe, com admiração, lástima e entusiasmo de uma vez. Furacão não avançava grande coisa, pois ia escorregando ao passo que subia. Ao fracassar por um lado, fazia esforços para subir por outro. Havia um banco argiloso alguns pés mais acima, e não o podia rodear por nenhum de seus extremos nem salvá-lo por no meio. Por fim se abriu aconteço dando coices, quão mesmo se tratasse de abrir um fossa na areia para poder beber água. Uma vez salvo aquele obstáculo, sua situação não melhoro muito. Quão pendente ali se levantava parecia não ter fim e se fazia mais levantada, mais difícil na parte alta. Slone estava completamente seguro de que não havia cavalo capaz de subir por ali. Entretanto, temia que Furacão permanecesse a aquela altura em meio da costa até que as chamas houvessem passado por debaixo. O cavalo dava amostras de não gostar da menor proximidade do fogo, e fazia prodigiosos esforços para elevar-se.

"Não demorará para baixar patinando sobre uma avalanche", murmuro Slone.

Largas savanas de areia e cascalho escorregavam até desfazer-se finamente no banco inferior. Furacão, afundando as patas até os joelhos, não retrocedia em seus esforços, até que chego na metade do pendente, situando-se sobre o extremo de uma larga e amarela massa de areia que não inspirava muita segurança. Ali se deteve porque havia um desnível, que, de não ter os pés afundados, tivesse podido salvar facilmente. Mas o cavalo ficou apressado na areia. Por primeira vez voltou a cabeça para olhar ao fogo e ao Slone.

de repente, a massa de areia começou a deslizar-se arrastando-o. O animal deu um bufo de terror. A avalanche baixava lentamente, e devia ser muito espesso, não superficial. Sua profundidade era grande. deteve-se, voltou a deslizar-se e voltou a deter-se. Furacão se ia afundando mais ao mesmo passo. Os esforços que fazia para sair lhe aprisionavam ainda mais. Logo o banco de areia, com um imponente ruído surdo, reato sua descida. Agora a baixada era rápida. levantava-se uma nuvem de pó que logo que deixava ver o cavalo. Rodava o cascalho formando como largos arroios e por toda a costa baixavam cascatas de areia.

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Quase com a mesma rapidez, a avalanche se deteve novamente. Slone pôde comprovar, vendo o fossa que acima ficava, que o banco que se corria era na verdade muito denso. Do contrário teria baixado muito mais de pressa. Assim que se dissipo a nuvem de pó, Slone viu que o cavalo se afundou até os flancos e que estava completamente perdido.

De um salto selvagem se apeio Slone do Nagger e, com um laço em cada mão, correu pelo pendente. O fogo distaria um quarto de milha, e como a erva era cada vez mais clara, as chamas adiantavam menos; o cavalo se encontrava como na metade dessa distância e a umas cem jardas de altura na costa.

Como um louco, subo Slone pela areia solta. Tinha-o já junto a ele, excitado de furor. Parecia-lhe um engano dos olhos, que não era possível ter ali a aquele formidável cavalo encravado na areia sem poder-se valer. E, não obstante, a cada esforço que tinha que fazer para subir lhe apresentava uma dificuldade imprevista. Em sua ansiedade escorregava, caía, encolhia-se e saltava, e assim chego até o leito aberto pela avalanche de areia que se levava prisioneiro a Furacão.

A julgar pelos movimentos de Furacão, este devia estar por completo duro, pois o único que podia mover era a cabeça. Tinha-a levantada, com os olhos dilatados mostrando o branco do globo, a boca espumeante e aberta, os dentes reluzentes. Um grito como um gemido rasgo os ares. Era um relincho penetrante, que falava de ódio e de pânico. E o vermelho cavalo, desencaixado, suarento e ardente, punha na expressão e o movimento de sua cabeça todo o horrendo selvageria dos brutos.

Assim Slone se pôs de um salto à distância do laço, a mole voltou a escorregar um par de pés, e depois se paro de novo para reatar pouco a pouco seu movimento, que seguiu devagar, com surdo rumor.

Mas Slone não se fixo nisso, mas sim se aproximo ainda mais, como um lobo, decididamente, dando voltas ao laço. O nó corrediço assobio por cima de sua cabeça, e quando, uma vez arrojado, Slone voltou a atirar do laço, o nó apertava já o pescoço de Furacão.

-me valha Deus, por fim o agarrei!" -exclamo Slone, respirando roncamente.

E fico olhando, sem dar crédito ao que via; parecíale irreal aquela cena, quão mesmo o movimento puxador da luz a seus pés. A cabeça de Furacão revelava um ódio satânico. movia-se abrindo a boca para tascar e morder, e seu grito terrível não parecia o de um cavalo.

Slone era um caçador de cavalos selvagens, um cavaleiro, e assim que passou o primeiro momento de perplexidade, sentiu plenamente seu triunfo. Nenhum momento de sua vida era comparável a aquele instante em que se viu tendo em suas mãos a corda que aprisionava o pescoço daquele magnífico garanhão. Dava por bem empregados tantos dias e tantas milhas de trabalho, assim como o ter suportado tantas desesperanças e privações em troca daqueles instantes. Não lhe cabia o coração no peito.

Vim-te seguindo -exclamou como um selvagem -; fiz alto sempre que você o fazia... e por fim te joguei uma corda ao pescoço! Montar-te, montarei-te, demônio vermelho!

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Era intensa a paixão daquele homem. A perseguição tenaz a que se dedicasse tinha esgotado quase a dureza física que a vida do deserto lhe desse. Mais que o amor era o ódio o que vertia Slone em suas palavras. Estirava do laço abatendo mais e mais a cabeça do garanhão. Era um movimento causado pelo prazer mesmo da captura, tanto como pelo instinto de caçador que o fazia procurar que o cavalo lhe temesse. A vitalidade daquele cavalo era forte, inquebrável; se traslucía no ódio, que o fazia repulsivo. Naqueles momentos de instintos adversos a todo nobre sentido da vida, confundiam-se a atitude do homem e a do animal.

A avalanche se ia deslizando a pequenas sacudidas, como se ameaçasse desprendendo-se traiçoeiramente de tudo para rodar um comprido trecho. Ao fundo, os lábios do fogo mordiam a erva e se perdia no ar.

Com a mão esquerda sustentava Slone o cabo tirante do laço. Com a direita deu voltas à outra corda e rodeou as mandíbulas de Furacão; soltando então a primeira, atirou da outra abatendo completamente a cabeça do cavalo. E mudando pouco a pouco de mão, Slone se aproximou quanto pôde ao. de repente saltou sobre a cabeça do cativo, oprimiu-a fortemente sob seus joelhos e lhe rodeou o beiçudo com um nó ou improvisada

brida: feito o qual se tirou o lenço que levava a pescoço e lhe enfaixou com o os olhos.

-Que fácil tudo! -exclamou Slone respirando com fadiga-. Senhor! Quem o houvesse dito?... Estarei sonhando?

levantou-se e deixou que o cavalo movesse a cabeça.

-Tenho-te pego com uma corda, Furacão, com um nó no beiçudo e cego! Ah, se tivesse uma brida ! ... E quem ia dizer que foste cair metido na areia?

Como quero que Slone caiu de improviso, teve que dar-se conta de que o estou acostumado a ia baixando cada vez mais depressa. Tinha começado não só a arrastar-se, mas também a ondular-se, a fender-se; em torno seu se levantavam verdadeiras nuvens de pó. A areia se abria e lhe agarrava as pernas até os joelhos. O ruído do cascalho perdia-se em um denso e pesado rumor. de repente, começou a baixar a toda pressa, afundados os pés na areia, perdido, mas sem soltar as cordas; como se fora uma barco, foi sentindo sucessivamente todas as sinuosidades da costa e por fim ocorreu a larga queda final, até que o banco de areia se chocou na parte plaina e se pulverizou pelo fundo. Então tudo cessou instantaneamente. Slone estava meio coveiro. Enquanto se esforçava em sair da densa areia que lhe cobria, viu que Furacão jazia diante dele, ao bordo do declive, muito menos talher que quando se achava em meio da costa. Fazia grandes esforços e não demoraria em saltar. A linha de fogo estava muito perto, mas não era isto o que Slone temia. Chamou o Nagger com um assobio e o animal se aproximou do momento, docilmente; mas soprava com as orelhas jogadas para trás. deteve-se. A um novo assobio voltou a arrancar. Por fim, Slone conseguiu sair da areia e andou para o Nagger todo o que a longitude das cordas deu de si. O negro animal tinha medo e sentia a luta; os olhos lhe rodavam e quase se esquivava.

-Vêem aqui! -gritou-lhe Slone asperamente.

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Deu uma mão ao Nagger, montou-o como um relâmpago e atou as duas cordas ao arzón da cadeira.

-Arranca o da areia, Nagger, meu bom amigo! - gritou Slone, afundando as esporas nos flancos do nobre bruto. E este, de um só puxão tirou furacão da areia. Este saltou soprando, selvagem, e, embora cegado, sacudindo as patas. Não via seus inimigos, e a densa fumaça da erva queimada não lhe deixava orientar-se pelo olfato. Mas soube a direção em que estes se achavam guiado pela tensão das cordas. Retrocedeu. Deu um salto para seus captores e ali, voltando a garupa, escoiceio medindo no ar. Slone aparto ao Nagger rapidamente com as esporas e a brida, com o qual Furacão perdeu o apoio do branco que procurava e veio-se pesadamente a terra. Slone o arrastou, estiro-o e lhe deu duas investidas antes de que recuperasse a estabilidade. Em pé outra vez, Furacão retrocedeu extremando sua raiva e sacudindo ao azar o ar com seus cascos. Slone deu voltas a seu redor e lhe derrubou de novo.

-Isto não será uma luta nobre -disse agriamente-; mas você me induziste à caça... e agora compreenderá que sou seu amo.

Voltou a arrastar ao garanhão. Mas não era bastante rude com o. Deveu havê-lo sido sem piedade até o ter quase quebrado ou meio morto, já que do contrário nunca o domaria. Mas Furacão era extremamente ágil. endireitou-se, respirou e deu uma investida. Nagger, apesar de seu grande vigor, não pôde resistir a sacudida e recife. Slone evito com sua habilidade de cavaleiro que o cavalo lhe caísse em cima e o cavalgou outra vez enquanto este se levantava rapidamente. Nagger sustentou as novas sacudidas, bamboleando um pouco sua corpulência, mas a cadeira se inclino ligeiramente e a cilha rangeu. Slone procurava atenuar a violência dos puxões fazendo seguir ao Nagger os movimentos de Furacão, e dando voltas a seu redor.

Os cavalos se afastaram do fogo, e livre Hura- cán do aroma lhe envenenem da fumaça, começou a dar puxões, saltos e investidas em torno de Nagger, correndo em círculo sem ver, mas guiado certeiramente pelo olfato. Graças a sua destreza de caballista, Slone esquivava as atacadas do garanhão, e converteu ao Nagger em um eixo ao redor do qual Furacão desafogava todo seu frenesi. O selvagem potro já não tentava desatar-se, mas sim tão solo parecia querer matar.

-Firme, Nagger, meu amigo! -dizia Slone sem cessar- Nunca te alcançará... E se a atadura lhe caísse, mataria-o!

O garanhão era um demônio em seu furor, mais rápido que uma pantera, de uma maravilhosa segurança em seus pés e de um poder de touro. Mas tinha uma desvantagem. Não via.

E ao dizer Slone que estava disposto a matá-lo se se livrava do lenço que o enfaixava, reconhecia que ia ser lhe de todo ponto impossível domar ao cavalo selvagem em tais condições. Furacão era uma arreios mais corpulenta, mais rápida, mais forte do que Slone podia prever, e pelo que fazia a seu espírito, era algo que causava medo.

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Ao dar suas investidas, Furacão escavava com seus pés a areia movediça. Estava suarento e muito arrogante. Sua pele encarnada parecia arder. Toda sua imagem era muito fino, com as orelhas quase horizontais.

Slone desenrolou um pouco as cordas do arzón e as sacudiu ligeiramente. Furacão escoiceou ao ar e lançou um relincho. Slone tentou que Nagger lhe aproximasse, e foi milagre que cavaleiro e cavalgadura escapassem aos agressivos cascos. Mas Slone tinha conseguido diminuir a distância. Foi um recurso desesperado; aguilhoou ao Nagger lhe fazendo investir de um salto a Furacão, ao tempo que este retrocedia. Os cavalos chocaram e Slone sustentou as cordas fortemente. O batida fez que Furacão se derrubasse, tal como Slone tinha previsto, e no momento em que o garanhão se erguia outra vez, Slone aproximo quanto pôde ao Nagger. Furacão ficava assim a- muito curta distância de sorte que não podia retroceder com folga, a menos que caísse quantas vezes o tentasse, porque Slone aproximava ao Nagger oportunamente em tanto que sustentava as cordas com mão de ferro. E quando Hura- cán se voltava para dar bocados, Slone o castigava com o punho fechado.

Uma vez no alto da garganta daquele vale, os brutos empreenderam veloz carreira. Com a alegria selvagem de um grande cavaleiro, Slone viu ante seus olhos o verde e cinza vale. Naquela larga planície poderia quebrantar e dominar a Furacão. Quão benigna tinha sido ao fim a sorte com ele:

-Arre, não pares, diabo vermelho! -gritava Slone-. Nos arraste agora de um lado a outro até que não possa mais!

Deixaram a garganta e se lançaram através do extenso campo de salvia. A força com que seu rosto cortava o vento dava ao Slone ideia de que Nagger ia miserável a uma velocidade fantástica. O difícil cavalo negro nunca tivesse partido assim a atmosfera. Mais abaixo, o garanhão se estirava cada vez mais e sua carreira se fazia mais veloz, até o ponto de que Slone acreditou que aquele competir com o raio seria uma fatal carreira da morte

VIII

Luzia Bostil chamo duas vezes a seu pai, mas este não lhe respondo. achava-se no pátio com o picador Holley e outros dois homens, e não dava amostras de haver ouvido luzia. Ela avançava o rosto, mas não se atrevia a cruzar a porta.

-Somers foi ao Durango e Shugrue saiu a caçar cavalos.

Isto ouviu Luzia dizer a seu pai asperamente.

-Pois bem, acredito que agora poderia ir pela barco a trazer os cavalos do Creech -disse Holley.

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Bostil levantou com impaciência uma mão, como apartando a idéia do Holley.

Então falo outro daqueles homens, a quem Luzia tinha visto alguma vez, mas cujo nome desconhecia.

-A verdade é que não é mister precipitar as coisas. O rio não dá sinais de enchente, mas Creech está muito preocupado; sim, preocupam-lhe enormemente os cavalos. Não o duvidem. E não é para menos. Esse Blue Roam é um verdadeiro corcel. Ontem, fazendo provas, comprovou Creech que seu cavalo ganhou algo em velocidade desde o ano passado. A erva se acabo lá encima e Creech fez provisão de grão estes dias, mas resulta muito caro.

-E como está a planície alta do canhão? -pergunto Bostil-. Tampouco há ali erva?

-Acredito que não. É o sítio mais seco com que conta Creech -respondeu o ouro-; e embora a houvesse, de nada lhe serviria. Um desprendimento de terras cortou a ascensão.

-Como vê, Bostil, não há mais remedeio que trazer os cavalos, sobre tudo os de carreiras -disse Holley com impaciência. Amava os cavalos e pensava neles.

Bostil lhe objeto:

-É que terá que reparar a barco.

Luzia compreendeu que também seu pai se preocupava com os cavalos do Creech, mas de uma maneira distinta a do Holley. A moça ficou séria e seguiu escutando atentamente.

Houve um estranho silêncio. Quem quer que fosse aquele cavaleiro do Creech estava tremendo de ansiedade; sacudiu sua perneiras com o látego, que estavam cheias de barro, como se fizesse pouco que tivesse cruzado o rio.

-Bem; querem que passemos a este lado os cavalos? -insistiu decisivamente Holley -. Creech precisa sabê-lo.

-Sim, assim que pareça a reparação da barco. Amanhã mandar ao Shugrue que ponha mãos à obra.

-Obrigado, Bostil; tudo irá bem. Creech se sentirá satisfeito -repôs o picador, como se lhe tirassem um peso de cima. Logo montante e se afasto pela avenida, para baixo, em companhia do outro.

Holley, curvado e com sua cabeça cinza, enviou um olhar penetrante ao Bostil, o qual pareceu não dar-se conta porque estava entregue a seus pensamentos.

-Não há segurança -observou- de que, por secos que sejam o inverno e a primavera, lá na alta serra não haja grandes neves.

O reparo do Holley surpreendeu ao Bostil.

-Certamente.

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-E o dia menos pensado despertará o rugido do ravina, o canhão cheio de água do deshielo-voltou a dizer Holley significativamente.

Bostil não lhe respondeu esta vez.

-Creech não viveu o suficiente lá encima. Que sabe ele do rio? É mais, quem pode adivinhar as intenções desse rio do inferno?

-Não é minha conta o que Creech viva ou não aí acima expondo à seca a seu gado todas as primaveras-tal foi a áspera resposta do Bostil.

Holley abriu os lábios, para falar; mas hesitação, e por fim aparto o olhar dizendo:

-Certo, não é conta de você.

Logo deu a volta e se afasto, inclinada a frente ao peso de um grave pensamento.

Bostil se dirigiu à porta aberta, onde se achava Luzia. A Miro cejijunto, e quando lhe saúdo mostrou certa surpresa.

-O que há?-pergunto ele.

-Acabo de te dizer : "Olá, papai!" - repôs ela, um tanta escrupulosa.

Mas seu acento melindroso não lhe privou de observar atentamente a sombria expressão de seu pai.

-Que te passa...? Sabe que Vão se cansado e se feito mal?

-Sei.

Bostil reprimia seus juramentos e resmungava:

-Não há já cavaleiros no rancho, nem há picadores em quem ter confiança. Todos são o mesmo: não pensam mais que em meter-se em um casa de jogo clandestino e em chancear e jogar. Necessitam cavalos de manteiga. Aos cavalos bons os viciam, e parece que não sabem montar se não se encabritam e que desfrutam quando as arroja o animal pela cabeça... Olhe que deixar-se derrubar esse parvo de Vão por um miserável mustang da região Utah, pelo que ninguém daria dois dólares! E ficou em tal forma que demorará para voltar a cavalgar! E as carreiras se vêm em cima! me acredite que estou doente.

-Mas você não tinha sido também um grande cavaleiro? -perguntou-lhe Luzia.

-Nunca da classe destes.

-Vão se reporá em uns dias.

-Não importa. É uma má coisa. Como tivesse a outro capaz de montar ao King, prescindiria de Vão.

-Eu posso tirar tanto partido do cavalo como o -afirmou Luzia vivamente.

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-Você! -exclamou Bostil olhando-a com orgulho.

-Estou segura de que sou capaz disso.

-Você nunca serviu para montar ao Sage King -retificou Bostil, como se se sentisse enganado.

-Eu quero um pouco a esse cavalo e o me aborrece de tudo -observou Luzia, rendo.

Ao qual replicou seu pai, cedendo:

-Pois bem, enquanto Vão este ferido, você treinará ao favorito.

-Não é que queira tomar parte com o nas carreiras, mas sim o preparar magnificamente para esse dia.

-Juraria que queria vê-lo derrotado pelo Sarch -brincou Bostil, celosamente.

-Claro que eu gostaria -repôs Luzia para lhe mortificar-; mas estou segura, papai, de que jamais poderá vencê-lo.

Então Bostil disse em tom aseverador

-Ouça : não quero que se carregue ao King com o menor peso. Você o tirará estes dias. E a correr com ele! Entendido?

-Sim, papai.

-lhe faça correr milhas e milhas cada dia e retorna por bons caminhos; ponha a prova sua resistência... Além disso, Luzia, procura estar sempre alerta. Não deixe que te aproxime ninguém no campo de salvia.

-Assim o farei... Mas como, papai, ainda se preocupa o do Joel Creech?

-Não é Joel. É que preferiria perder todo meu gado antes que ver o Cordts ou ao Dick Sears aproximar-se lhe à distância de uma milha.

-Uma milha! -exclamou Luzia, risonha, embora uma sombra fugaz passou por seu rosto-. Embora chegassem a dez jardas de mim, não me dariam alcance montando ao Sake King!

-Digo-te, minha filha, que uma milha é já muito aproximar-se. Cordts jurou me roubar o favorito, ou te seqüestrar.

-Ora! Sempre preferirá o cavalo.

-Contudo, Luzia, tenho o mau pressentimento de que Cordts não deixará estas montanhas sem fazer o impossível para levar-se lhe a ti com o cavalo.

-E você, papai, consente que esse ladrão venha às carreiras? - exclamou, indignada, Luzia.

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-Por que não? Nenhum mal pode fazer nelas. Se ele ou algum dos seus tentassem uma trastada, tão pior para eles, porque teriam que me conhecer. Cordts deu-me palavra de não mover a mão contra mim até passado o dia das carreiras.

-E lhe dá fé?

-Sim. Agora bem, seus homens, longe de sua vigilância, podem fazer das suas, sobre tudo Dick Sears. Este é um malvado. Por isso te digo que não deixe de estar alerta quando sair do rancho.

Luzia se foi para os currais profundamente preocupada.

Mulher ao fim, lia claramente na alma de seu pai, e agora o via cheio de temor e ansiedade. Pensava na conversação sustentada pelo e o cavaleiro do Creech, e recordava o penetrante olhar que lhe tinha arrojado Holley. E até melhor lhe representava o sombrio de sua expressão. Aquilo a desgostava. Recordava que uma vez, sendo menina, tinha surpreso aquela mesma expressão, que lhe deixo funda rastro, assim como a cena que se desenvolvo então : algo trágico tinha passado na habitação grande. Tinha havido uma confusão de vozes de homem, fortes e irritadas, e soaram vários tiros. Logo, os homens tiraram uma larga forma coberta com uma manta. Luzia amava a seu pai, mas seu amor deixava sítio ao medo, e o que a este se referia tinha sempre algo que ver com a dureza do Bostil para com Creech, com sua intransigência no trato com tudo aquele que tivesse um cavalo de primeira linha, com sua obsessão, enfim, por todo o concernente a seu gado de puro sangue. Às vezes, Luzia gostava de atormentar a seu pai lhe dizendo que, posto a escolher entre seus bons cavalos e sua filha, a decisão seria favorável a aqueles. Mas se trataria agora também de uma brincadeira? Luzia advertiu que naqueles momentos acabava de sair da infância, com todas suas fantasias e obrigado, e começava a pensar na vida de uma maneira perfeitamente séria.

Entretanto, pouco lhe custo afugentar as sombras assim que viu os currais e se represento ao Sage King correndo ao redor. Encontrou a um grupo de cavaleiros, entre os quais estava Farlane, e todos eles tiveram palavras de parabéns quando Luzia lhes deu a notícia:

-Farlane, meu pai me encarregou que tirar passeio ao Sage King.

-Impossível! -prorrompeu Farlane, metendo-a pipa no bolso.

-Digo que sim; e sou eu quem tem que montá-lo. Já sabem quem é meu pai mandando.

-Nada, que me deixa perplexo -acrescentou Farlane, com olhos alegres e pesarosos a um tempo-. Suponho, senhorita Luzia, que não se estará divertindo a minha costa.

-Como, Farlane! -reprovo Luzia-. Brinquei alguma vez falando de cavalos?

Farlane se esfrego o agudo queixo com gesto de dúvida. -Bem, senhorita, é certo; mas não o é menos que algumas vezes, com tal de cavalgar, esquece-se você de tudo.

Todos os picadores puseram-se a rir e Luzia também.

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-Mas tampouco ignoram vocês-repuso isso-que estando a cavalo encontro a salvo de tudo.

Os homens trouxeram o cavalo cinza, e como caballistas amantes das boas cavalgaduras, acariciaram-no, pentearam e esfregaram minuciosamente antes de selá-lo.

-Acredito que deve levar a mesma cadeira de Vão -sugeriu Farlane-. As carreiras se aproximam, e uma cadeira nova requer acostumar-se a ela.

-É obvio, não troquem nada do que seja familiar ao cavalo, salvo os estribos -respondo Luzia.

Apesar de toda sua antipatia pelo Sage King, a jovem não podia deixar de olhá-lo com orgulho de caballista. Era reluzente, gracioso, corredor, tão cinza que se confundia quase com a salvia, e sua estrutura e seus movimentos eram magníficos. Além disso, não era um desses cavalos que exigem uma contínua vigilância. Estava cheio de espírito e de vida, sempre impaciente por correr, mas apenas Farlane o chamo e lhe fez parar-se, obedeceu docilmente. Um cavalo assim permite que até os meninos joguem a seus pés. Nunca escoiceava, nunca mordia, nunca se sacudia bruscamente. Era um encanto vê-lo com o Farlane ou com o Bostil. Não queria a Luzia, e acaso por isso lhe era antipático a ela, porque o favorito não gostava de ser governado mais que por homens. Se tinha algum defeito, solo o mostrava quando o montava Vão, mas todos os cavaleiros, e o mesmo Bostil, opinavam que Vão tinha a culpa.

-Acredito que estes estribos irão bem-disse Farlane -. Agora, senhorita, convém que o oprima para que os borde da correia se desgastem. Terá que trabalhá-lo.

Sage King não se ajoelhava como Sarchedon para que Luzia pudesse montar nele.

Uma vez a cavalo, guiou-o para a estrada, e logo pelo primeiro atalho que levava a prado de salvia, disposta a lhe fazer correr dez ou quinze milhas ao trote, e lhe dar um pouco mais de trabalho, retornando a passo mais veloz. Era um dia de princípios de maio, que prometia ser muito caloroso; não fala uma nuvem em tudo o céu. O vento, carregado dos aromas das salvias, soprava bruscamente do Este. O panorama se estendia aos olhos da moça com o dilatado vale, cinza e poeirento ao princípio ; mais à frente, onde se elevavam os pináculos de rocha, a paisagem se azuleaba, e mais longe enegreciam as pétreas ladeiras. Luzia acostumava sonhar quando ia a cavalo, costume que todo picador procurava vencer; não é que Luzia desse rédea solta a sua imaginação quando montava ao Sarchedon, e menos agora que, embora segura no Sage King, não o descuido nem um instante. O cavalo se apartava como assustado por tudo: pássaros, morcegos e ramos floridas; até parecia assustar-se das mariposas; mas Luzia compreendeu que devia fazê-lo pela desconfiança que tinha nela. Era sabido que Sage King tinha dado provas de não atemorizar-se por nada, em ocasiões em que isto tivesse sido o natural. Não gostava de Luzia e por isso queria chateá-la. ganho um bom espolonazo, e então, fincando bem os cascos, deu um salto e descreveu redemoinhos e passos de dança em meio das salvias. Luzia não se impaciento, coisa que não faziam a maioria dos cavaleiros, e com paciência e firmeza domino ao cavalo e o fez voltar para o caminho. O animal não estava zangado e, sentindo um ligeiro toque de esporas, empreendeu graciosamente a marcha.

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Ao cabo de uma hora, Luzia se achava o menos a dez milhas de sua casa, muito mais longe, vale dentro, que nunca. Em efeito, nunca tinha passado do pendente coberta de salvias até pisar no fundo do vale. Como trocava o horizonte! Os promontórios se levantavam sombrios, como sentinelas estranhos. O primeiro, uma imensa rocha encarnada, pareceu que não distava mais de cinco milhas. Era altivo, curto de pico e tinha ao pé uma verde custa. detrás dessa, outra mole se alargava para o fundo do vale. Luzia pensou chegar ao primeiro e de ali empreender a volta. Aqueles monumentos naturais a tinham fascinado sempre, e agora se o apresentava a ocasião de contemplar o primeiro de perto. Que soberbos eram, que maravilhosas tintas os tingiam e que próximos se mostravam !

de repente, onde aquelas moles eram mais densas, e onde pouco a pouco entravam suas ladeiras e suas silhuetas entre as amarelas barreiras do vale, viu Lucia errantes nuvens de fumaça.

"Que será isso?", pergunto-se Luzia. Não parecia coca normal aquela fumaça por aquela parte, embora mais longe, para o Durango, as paredes de erva se queimavam com freqüência.

"Está longe", voltou a dizer.

E seguiu avançando, observando de vez em quando a fumaça. Ao ir aproximando-se do primeiro pináculo, admiro-se pelas proporções, da altura do mesmo. Era como uma montanha -soberba torre-monda, corroída, encarnada e amarela. O caminho que tinha escolhido se perdia em uma aguada. Logo não voltou a encontrar roteiro marcado. A salvia era cada vez mais mesquinha e os sarcobatos estavam ressecados e mortos. Nos espaços nus apareciam alguns cactos. Não é que faltasse erva, mas distava enormemente de ser o fresca e suculenta que na pradaria do declive que tinha deixado várias milhas atrás, onde pastavam os cavalos. O ar era muito quente. A brisa era densa e estava carregada de aroma de incêndio, e por toda parte se levantavam leves savanas de areia. Experimento assim uma grande impressão pela largura daquele vale, por sua solidão e sua estranheza. Isolado-los menhires de rocha viva que no meio do mesmo se elevavam convertiam a paisagem em algo nunca visto. Não semelhavam simples penhascos erguidos. Parecia que se foram retirando à medida que ela avançava, e a olhavam com fixidez. E com isso a encheram de interesse, fazendo-a ser curiosa. Como se teriam formado aqueles monumentos? O terreno era plano em muitas milhas de longitude e se fazia levemente inclinado para subir para a base dos enormes penhascos. Recordava ter visto em um livro de história gravados que representavam as pirâmides do Egito; mas os monumentos que contemplava eram maiores, mais estranhos e estavam cortados perpendicularmente, a pico.

De súbito, Sage King se paro, ergueu as orelhas e deu um bufo. Luzia-se cheio de surpresa. Aquilo anunciava indubitavelmente algo inesperado. Mediu ofegante com o olhar toda a planície que se estendia diante dela. Uma milha além de onde o cavalo se deteve, não longe da primeira altura, divisava-se uma pequena mancha negra. Era um vulto imóvel. Mas o bufo do Sage King denunciava a presença de outro cavalo. Percorrida uma quarta parte da distância que da mancha a separava, Luzia viu claramente a silhueta de um cavalo, e noto algo estranho na posição em que aquele animal estava. Fez galopar ao Sage King, e não demoro para chegar a aquele sítio. O cavalo negro tinha a cabeça queda para diante, mas não mordia a

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erva. Estava como uma inerte escultura. achava-se ao lado de um grupo de cactos e enredado a uns matagais de sarcobatos.

de repente, um som estranho rompeu o silêncio. Sage King deu um salto e soprou com medo. A Luzia lhe gelou o sangue nas veias, porque aquilo era um lamento terrível. Em seguida se precaveu de que era o grito de um cavalo na agonia. Não era a primeira vez que ouvia como se queixa um cavalo que sofre ou que se morre, lançando esses, gritos estremecedores e prolongados. O cavalo negro não se movia, assim é que o lamento não podia ser dele. Luzia acreditou que Sage King se assustava muito naquela ocasião. Recordando a advertência que lhe tinha feito seu pai, fez subir ao King a uma colina, a umas cem jardas de onde estava o cavalo negro, e olhou com muita detenção para aquele lado.

Era um cavalo enorme, fraco, peludo e negro, que levava a cadeira muito mais acima do lombo do que seria natural. Permanecia impassível, como se estivesse completamente exausto. Tinha as patas dianteiras travadas com uma corda, que o fazia tornar-se um pouco atrás. Luzia viu que a corda estava tirante e passava por o casco. Não havia outro cavalo, nem se via mais ser vivente. A cena estava dominada pelo enorme monumento. A Luzia lhe causou a impressão de algo magnífico, quase terrível.

Vacilou. Compreendia que devia haver outro cavalo, certamente pacote ao outro extremo da corda, à parte contrária do matagal e do nopal. De fixo que algum cavaleiro tinha sido derrubado, acaso morto. Não cabia dúvida de que havia um cavalo ferido, pois imediatamente se voltou a ouvir o lamento, embora mais débil. Luzia perdeu definitivamente o temor de que lhe tivessem preparado uma emboscada. Ali estava acaso a morte; pelo menos havia sofrimento perto dela, e assim pensando fez avançar ao Sage King.

Terei que baixar uma ligeira rampa, cruzar um charco e salvar um altozano. E por fim se aproximou do cavalo negro. Foi necessário castigar mais que nunca ao Sage King por sua resistência.

-O que te passa? - disse-lhe, lhe incitando a avançar. de repente lhe sentiu tremer, e é que estava espantado.

"É notável", disse-se para si. E quando teve acalmado ao cavalo deu uma olhada em tomo dele.

O cavalo negro era verdadeiramente grande. Sua crina, seus peludos flancos estavam manchados de suor e pó como de sabão e lejía. Levantou a cabeça para olhá-la. Luzia, acostumada aos movimentos dos cavalos, compreendeu no ato que aquele animal se alegrava de sua vista. Mas estava o pobre a ponto de desabar-se.

Eram duas as cordas atadas ao arzón de sua cadeira, e as cordas davam, suspensórios, a volta ao matagal para perder-se em uma ligeira depressão do chão, enche de maleza, pedras e nopales. Ali viu Luzia um cavalo alazão. Estava convexo em uma má posição. ouviam-se seus débeis fôlegos. Provavelmente se teria quebrado as patas ou o lombo. Um cavalo sofrendo era um espetáculo superior a suas forças. Era capaz de tudo por lhe economizar o sofrer, até o extremo de lhe tirar a vida se não havia outra solução. Mas antes de socorrer ao cavalo se

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persuadiu de que não havia ninguém perto e espionou entre os matagais e detrás das rochas. Sage King não quis avançar um passo mais, e a jovem teve que apear-se.

O cavalo cansado estava, em parte, oculto por ramos baixas de arbustos. cansado-se em um fossa cheio de cactos. Tinha o beiçudo maço e um laço apertado ao cangote. Estas eram as cordas cujos cabos opostos estavam atados à cadeira do cavalo negro. Um lenço dos que levam a pescoço os cowboys estava sujo e quebrado pendurando da cabeça do cavalo.

-Um cavalo selvagem, um garanhão que acaba de ser quebrantado! -exclamou ao ponto Luzia, fazendo-se carrego do que aquela cena significava, e acrescentou intrigada-: Mas onde estará o cavaleiro?

Olhou a um lado e outro, ao fundo da pequena costa e mais à frente; mas não descobriu nenhuma sombra que delatasse a presença de um homem. Então retrocedeu.

Luzia voltou a observar atentamente ao vermelho garanhão. Pareceu-lhe que não se quebrado nenhuma pata nem o espinhaço. O que tinha era que estava esgotado e enredado entre as malezas e as cordas em forma que não se podia levantar. O enorme cavalo negro e de crinas abundantes seguia firme e travado. Mas estava também a ponto de cair. Vendo a classe de cavalo de que se tratava e a forma em que estavam as cordas, compreendeu Luzia a formidável luta e carreira que teriam seguido. E outra vez se perguntou : "Onde estará o cavaleiro?" Teria ficado atrás, no campo, de seguro, tendido sem vida ou sem sentido.

Luzia se aproximou do garanhão até quase podê-lo tocar. Ele a viu. Estava quase arrebentado. Saía-lhe suor e sangue pelos flancos, ao passo que lhe tremiam, ao resfolegar, os flancos. Era preciso fazer algo sem tardança. E em sua precipitação, a jovem se cravou as mãos e os ombros com o cacto.

Aproximou do cavalo cansado o negro, para que as cordas não atirassem. Este parecia alegrar-se daquela liberação, tanto como a mesma Luzia o celebrava. Que nobre e dócil parecia! A Luzia gostava dos olhos daquele animal.

Logo baixou à fossa onde estava o vermelho cavalo tendido. Este não devia achar-se a gosto naquela violenta posição. Levantou a cabeça. Vendo Luzia que ainda o nó corrediço lhe apertava o pescoço, sem medo o afrouxou. Feito o qual retrocedeu, para ficar fora de seu alcance. O cavalo tossiu, respirou amplamente e por fim fez tremer seus beiçudos soprando:

-Já está bem! -disse-lhe brandamente Luzia, e lhe aproximou devagar uma mão à cabeça. O cavalo a retirou com rapidez, jogando-a atrás quanto pôde. Ela deu uns passos em volto dele e lhe posou a mão em sua garupa. A seguir saltou do fossa e foi soltar um dos cabos de corda, para voltar junto ao animal e desenredá-la de suas patas. O cavalo estava completamente livre, salvo o beiçudo e o pescoço, com o laço muito afrouxado. Luzia se deteve junto a ele, lhe olhando, como lhe falando, esperando a que se endireitasse. Não esteve certa de que não se achava ferido gravemente até que o viu de pé. O cavalo não fez de momento esforço algum por levantar-se. Olhou a Luzia com menos medo, segundo a esta pareceu, que ao princípio. A moça não se moveu. Queria que o animal cobrasse confiança, assegurando-se de que ela não lhe tinha feito, nem lhe faria, o menor dano, e então começou a cair na conta de que era um cavalo soberbo.

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Por fim, dando um bufo lento e prolongado, o garanhão se incorporou. Luzia o tirou do fossa dos matagais. Começava a sentir-se tranqüila, e não via mais que um caminho à situação.

"um pouco de sentido do que são os cavalos!, como diria papai." Assim monologava, e uma vez o cavalo a campo raso se impressionou, assombrou-se ao lhe ver.

"OH, que formoso cavalo selvagem! É um gigante! É maior que Sage King! Se o visse papáe!"

Ao parecer, o vermelho garanhão não estava ferido. O estremecimento de seus músculos devia causá-lo o que seu corpo estava cheio de pontas do cacto. Tinha um flanco com muitas manchas de sangue. Luzia pensou que poderia lhe arrancar os espinhos. Nunca tinha temido aos cavalos. Farlane, Holley, todos os picadores e seu mesmo pai, prognosticaram-lhe que, como não fora prudente, o dia menos pensado seria vítima de um acidente. Mas a moça não o podia evitar; não lhes tinha medo. Pensava que o mais suave dos cavalos sentia o influxo da superioridade violenta do homem em forma de medo; mas ela era mulher, e tratava aos animais de distinta maneira. O vermelho cavalo demonstrava sentir ódio pelas cordas e pelo cavalo negro que as tinha atadas à cadeira ; se inquietava um pouco pelos contínuos bufos que dava Sage King; mas, em troca, mostrava-se crédulo com ela.

-foi um brioso e indômito cavalo selvagem -murmurou Luzia-, e se vê agora quebrantado, terrivelmente quebrantado, mas não feito uma ruína.

Logo se aproximou dele tranqüilamente, e lhe dizendo umas suaves palavras deu uma mão ao pescoço.

-Vêem aqui, Avermelhado...! Não tema, amigo. Está em boa companhia! Vê-o? Eu nunca te tivesse pacote cordas, nem te tivesse feito o menor dano. Vêem aqui, Avermelhado, que sou uma débil moça.

Ergueu um pouco o animal e tentou dar um salto, coisa que ela evitou com sua carícia. Logo ficou parado, tremendo, olhando-a fixamente, em tanto que ela dizia-lhe lindezas, dava-lhe tapinhas e lhe olhava da maneira peculiar que tinha ela de olhar aos cavalos para vencê-los infalivelmente. Luzia opinava que os cavalos eram tão bons, ou melhores, que a gente para o trato. E em seguida lhe arrancou uma das pontas do cacto que lhe tinham parecido. O cavalo se resintió, mas sem mover-se. Luzia seguiu lhe tirando aqueles espinhos devagar, cuidadosa, paciente e habilmente. Os espinhos estavam soltos e não foi difícil liberar delas ao cavalo. Cuandoéste se sentiu livre delas estava tão valente como ela contente. Mas, gradualmente, foi baixando o cavalo a cabeça ; estava rendido e toda sua vitalidade quebrantada.

"E agora, que fazer? -perguntou-se a moça-. Procurarei o roteiro por onde vieram esses cavalos. vê-se que não faz muito que se cansado aqui. O cavaleiro perdeu-se. Se não o encontrar, levarei os cavalos a casa."

Tirou-lhe do todo o laço a Furacão, lhe deixando unicamente a corda amarrada ao beiçudo, e enrolou a corda solta para pendurá-la no arzón da cadeira do cavalo negro. Logo agarrou as bridas de este.

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-Vamos! - disse-lhe.

O negro animal lhe seguiu, e o garanhão, que seguia pacote por uma corda ao outro, deixou-se conduzir com a cabeça encurvada. Luzia estava entusiasmada, mas ao Sage King não gostava de nada a coisa. A moça teve, pois, que soltar as rédeas do cavalo negro e conduzir por si mesmo a Furacão, e assim montada em seu favorito teve que guiar aos outros.

Um largo rastro marcava o caminho que tinham seguido os dois cavalos atados, e este caminho ia pela esquerda, para onde os monumentos estavam mais juntos e os pendentes do vale apareciam desmoronadas e mais baixas. Luzia dava pressa ao Sage King mas os outros levavam o passo demoro. À moça chamou a atenção o cavalo negro, que, apesar de sua fealdade, era um animal extraordinário e submisso. Tudo o compreendia.

de repente lhe ocorreu a Luzia atar as rédeas deste cavalo, das que o conduzia, ao extremo do laço que ela usava, com o qual pôde guiá-lo a maior distância, a fim de causar menos irritação ao brioso King.

Atenta a seguir o roteiro dos rastros, Luzia não se deu conta do tempo transcorrido, nem da distância que percorria até que se encontrou com que tinha diante aqueles imensos torreões. Que misterioso efeito produziam! Semelhavam colossais estatua postas ali para registrar os sinais, o trabalho dos anos. Luzia compreendeu que em outras idades todo o vale foi de pedra maciça, pedra que pela ação do tempo foi erodindo-se em suas partes mais brandas até converter-se em areia e desaparecer mais tarde, como também as águas do mar que um dia deveu ter o vale por leito. Mas a formosura, a solenidade, a majestade daqueles monumentos a fascinaram. Passou o primeiro, um imenso marco cúbico; logo o segundo, como um lanzón desastillado, e depois passou entre outros dois que se elevavam para o céu como braços monstruosos. Andava contemplando-os, sem separar deles o olhar mais que para vigiar de vez em quando se seguia o roteiro. Notou que chegava a uma terra de erva, com vestígios de água nas hoyadas. Começava a subir outra vez, a poucas milhas do muro oposto de rocha.

De súbito, Sage King se desviou, e Luzia descobriu o corpo inerte de um homem tendido. Tinha os olhos abertos; olhos negros, que olhavam com fixidez. moveram-se. Algo disse, mas Luzia não pôde lhe compreender.

Ela saltou como um raio a terra e correu ao cansado ajoelhando-se junto a ele.

- OH! - exclamou Luzia, enche recue espanto-. OH Está você mal ferido?

-Levante me a monte-le rogou o, fracamente.

Assim o fez. Que olhar de ânsia, de paixão lançou o homem aos cavalos!

-São meus, moço. O negro e o vermelho! -exclamou.

-claro que sim - repôs Luzia -. Mas, OH!, me diga está você ferido?

-me diga, moço, trouxe os cavalos me buscando mim?

-Naturalmente.

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-De modo que agarrou ao cavalo vermelho e seguiu seus rastros me buscando? - prosseguiu a voz débil e vacilante-. OH, moço, moço !

Estirou o homem um braço coberto de rasgões, dando um empurrão a Luzia, que a derrubou. Aquele movimento a desconcertou tanto como seu apaixonado agradecimento. Estaria ferido, mas seu braço era de ferro. A moça se sentia inerme e não sabia o que fazer. Um momento havia sentido sua cara e seu peito junto ao rosto e ao peito dele. O coração daquele homem palpitava com robustos golpes. Ao ponto quase lhe deu risada, mesclada de compaixão ; mas logo, aquele contato, aquele poderoso braço, causaram-lhe uma impressão desconhecida. Pois não a tinha tomado aquele cavaleiro maltratado por um menino?

Ela não era um menino! Não podia renunciar a sua personalidade. Nenhum homem se atreveu jamais a pôr a mão nela. Ao pensá-lo-se encheu de rubor e de irritação, vendo-se agarrada por aquela mão. defendeu-se com tanta energia que conseguiu desprender-se, e o voltou a cair de costas.

-Né, não é maneira de tratar e apertar a uma pessoa! -exclamou Luzia, com as bochechas acesas.

-É que eu, moço...

-Eu não sou um menino! Sou uma senhorita.

-Como !

Luzia se tirou rapidamente o chapéu, pois o levava muito jogado para diante, e mostrou por completo seu rosto e a cabeleira, que lhe caiu. O cavaleiro estava estupefato. A moça se ruborizou brandamente.

-Uma jovem...! Como é isso? Você perdoe, senhorita. Acreditei que era você um moço.

Parecia sobressaltar-se, tão cheio de vergonha, tão tímido, e de uma vez tão consumido e débil, que Luzia recuperou ao ponto a serenidade.

-Sim, sou mulher. Mas isso não importa... Você se tem cansado, e terá que saber se se machucou.

Ele sorriu com uma débil afirmação.

-E é grave a ferida?-perguntou-lhe ela, a quem não tranqüilizava nada o estado de debilidade e inanição em que o homem se achava.

-Acredito que sim; não me posso mover.

-meu deus...! O que posso fazer?

-você pode... me trazer um pouco de água? -murmurou o ferido com os lábios ressecados.

Luzia correu em busca do pequeno cantil que levava sempre que saía a cavalo. Mas como tinha trocado sua cadeira pela de Vão, encontrou-se com que não a trazia. Então olhou

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ao redor; não longe se via a água dos atoleiros, que tinha cruzado várias vezes, entre verde erva e ondulações do terreno. Se dirigiu ali. Encontrou vários charcos, mais para obter água limpa teve que ir bastante longe. Com o chapéu cheio, voltou correndo junto ao ferido. Foi difícil lhe dar de beber.

-Obrigado, senhorita - disse com agradecimento, depois que teve bebido. Saía-lhe a voz mais inteira e menos rouca.

-quebrado-se você algum osso? -perguntou-lhe Luzia

-Não sei. Estou como insensível.

-Assim não tem dor?

-Muito pouco. Mas sinto uma pesadez...

Luzia, que era uma moça inteligente e estava acostumada à experiência do deserto, tinha recursos para tudo.

-me permita que veja se tiver quebrado algum osso... Este não, pode estar seguro.

O cavaleiro voltou a sorrir levemente. Como olhava com seus olhos rendidos e escuros! Tinha uma expressão estranha, lúgubre, com sua fina barba e sua tez curtida. Luzia encontrou que tinha lesado, mas não fraturado, o braço direito. persuadiu-se também de que os ossos do pescoço e as omoplatas estavam intactos. Mais difícil era apreciar se tinha rota alguma costela; mas também compreendeu que não lhe tinha quebrado nenhuma, porque não se resentía à pressão do tato. E lhe ajudou a mover as pernas, para convencer-se de que tampouco lhe tinham fraturado.

-Temo que a lesão seja no espinho dorsal -disse ele.

-Tampouco, porque levantou você a cabeça -observou ela- Se você tivesse rota ou lesada o espinho dorsal não poderia incorporar-se.

-Digo-o-repôs o-porque estive bastante momento sem poder levantar a cabeça. Sinto-me fora de jogo. Já me encontrava bastante fraco antes de que Furacão derrubasse-me do Nagger.

-Furacão?

-É o nome do cavalo encarnado.

-Ah! Mas já tem nome?

-O pus já faz tempo. Lhe conhece em muitos ranchos.

-De onde?

-Acredito que ao norte, mas longe. Persegui-o dias, semanas, meses. cruzamos um grande canhão.

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-O Grande Canhão?

-Esse deve ser.

-O Grande Canhão está aí abaixo-disse Luzia, assinalando com o dedo-. Eu vivo junto a ele... andou você muito.

-Centenas de milhas... A terra que corri! OH, farte-a desse canhão terrível... ! Mas não perdia de vista a Furacão. E por fim lhe joguei um laço. Pego e todo se

escapou-me... E agora é um moço, digo, uma senhorita, quem me recupera isso, quem vem a me salvar!

Luzia apartou os olhos para fugir o fixo olhar daquelas escuras pupilas. Tinham uma luz que a confundiam.

-Não se você preocupe de mim. Dizia você que estava muito débil? esteve doente?

-Não, senhorita. A ponto de morrer de fome... Ia desfalecendo por capturar a Furacão.

Luzia lhe trouxe correndo umas bolachas que levava como provisão na cadeira.

-você tenha, não me tinha ocorrido antes. Quantas penalidades não terá passado! Compreendo-o. É que esse cavalo de fogo é uma maravilha; eu também o tivesse seguido. Meu pai foi corredor. chama-se Bostil. Ouviu-o você nomear?

-Bostil? Parece-me recordar esse nome.

O cavaleiro se entregou à lembrança enquanto mordia tina bolacha, e disse:

-Sim, lembro-me, mas faz tanto tempo... Uma vez passei uma noite com a gente de uma caravana de carros que formavam um acampamento no que também havia mulheres; eram gente piedosa que ia viaje a Utah. Bostil tinha uma barco no Cruzamento dos Pais.

-Sim, aquilo se chama Ferry.

-Como se o visse. Diziam que o gado do Bostil era incontável, que era homem rico, duro com os picadores, e que em mais de uma ocasião tinha sabido fazer uso de seu rifle.

Luzia inclinou a cabeça.

-Sim, esse é meu pai.

O cavaleiro parecia não advertir que tinha ferido os sentimentos da jovem, que disse ao fim:

-Estamos perdendo o tempo conversando. Tenho que me voltar para casa e você não pode mover-se. Que fazer?

-Isso é você quem pode dizê-lo, filha do Bostil.

Page 82:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

-Luzia-meu nome é -replicou a moça, ruborizando-se de dor-, e quero dizer que faria com gosto do que você acreditasse mais conveniente.

-É você muito bondosa.

E assim dizendo, deixou de olhá-la. Luzia lhe olhou então com atenção. Era, em efeito, um cavaleiro arruinado. A roupa e o calçado caíam a pedaços. Não tênia chapéu, nem jaqueta, nem casaco. Seu descarnado rosto conservava os rastros de ter sido forte e bonito, mas agora lhe viam os ossos; estava fraco, descolorido, e inspirava essa piedade que sempre comove o coração de uma mulher. adivinhava-se em seu olhar que era um caballista sem lar. Luzia tinha conhecido alguns desses tipos nômades ; assim é que a história daquele homem lhe apresentava com toda claridade. Mas de uma vez tinha um gesto altivo que despertou nela certo interesse.

-Hei-lhe dito que estou disposta a fazer o que mais lhe convenha nesta situação - insistiu Luzia.

Primeiro desensilló ao negro Nagger para fazer com a cadeira um travesseiro no que apoiou a cabeça do cavaleiro; logo lhe cobriu com a manta que tinha separado da cadeira. Ele a olhou de repente e ela se sentiu um pouco coibida. Estaria, depois de tudo, ferido de gravidade? Era provável. Que homem mais estranho!

-Abrevaré os cavalos... Logo atar a Furacão com dobro corda. Aí há erva.

-Mas não se deixará guiar por você.

-Seguirá-me.

-Esse demônio vermelho! -disse o cavaleiro, duvidoso.

Luzia tinha uma débil ideia, a julgar pelas circunstâncias, da formidável luta que tinham liberado homem e cavalo.

-Sim; seguirá-me. Quando o encontrei, estava completamente domado. Olhe-o agora.

Mas o cavaleiro não demonstrava ter muitas vontades de ver o garanhão. Em troca, prendeu seu olhar em Luzia, e esta surpreendeu em seus olhos algo que parecia infantil. foi dar de beber aos cavalos, coisa que fez sem dificuldade, e atou a Furacão entre os salgueiros de um herbazal. Logo voltou para homem cansado.

-Agora vou-disse.

-Aonde?

-A casa. Amanhã voltarei para primeira hora com alguém que possa lhe ajudar a você.

-Senhorita, se quiser você me ajudar mais do que o fez, me traga um pouco de pão com manteiga. Não conte nada. E aí está Furacão. Não quero que o veja ninguém até que me possa ter em pé. Conheço os cavaleiros Y... nada mais. Se for você tão boa, volte.

-Voltarei -respondeu simplesmente Luzia.

Page 83:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

-Obrigado. Não saberei como pagar-lhe Como disse você que se chamava?

-Luzia... Luzia Bostil.

-Perdão, me tinha esquecido... assegurou-se de que Furacão está bem sujeito?

-Sim. Agora já não me detenho mais. Confio que manhã se encontrará você melhor.

Luzia vacilo, posta a mão na brida do Sage King. Doía-lhe ter que deixar a aquele jovem tendido e necessitado no meio do deserto. Mas o que outra coisa ela podia fazer? Que estranha aventura lhe apresentava! E ao pensar que ainda não se acabou, sentiu um íntimo estremecimento e o pulso lhe acelero. Tão estranha preocupação a dominava, que não se lembrou, de momento, em que para montar sobre o Sage King necessitava algo onde apoiar o pé. Recife na conta em o preciso momento de ir montar. Assim, pois, teve que levar-se o da rédea por entre as salvias que na parte plaina cresciam até encontrar uma pedra. Ali montante e encaminho ao Sage King pelo caminho de retorno contemplando ao longe a extensão de milhas que terei que percorrer e vendo por onde atalharia. Solo uma vez voltou a cabeça. Já não se via o cavaleiro nem se distinguia o negro cavalo Nagger, mas Furacão aparecia brilhante aos reflexos do sol enquanto via afastar-se à moça.

IX

Luzia Bostil não achava maneira de vencer a estranha excitação que a possuía; mas não por isso sotaque de pôr seus cinco sentidos em guiar ao Sage King. O que não podia era cair na conta de que estava treinando ao cavalo, dominada por uma intensa agitação moral.

Tinha começado por avançar para orientar-se e ver de que modo cortaria melhor a distância que tinha que percorrer, e, não obstante, não se precavia de que não era difícil perder-se antes de encontrar o roteiro direto que à ida tinha seguido. Era muito fácil perder aqueles rastros, e o tempo voava, sem que aparecessem. Pôs ao King a um brioso trote, seguindo os ondulações do pálido verdor da salvia.

Não demoro para deixar detrás de si os promontórios e em achar-se outra vez na planície do vale. de vez em quando lhe assaltavam desejos de voltar-se para olhar para atrás e se sentiu muito contente quando, de repente, descobriu os rastros que tinha deixado antes. Muito aliviada, pôs ao Sage King sobre seu próprio rastro e prosseguiu sua marcha despreocupada por completo de toda ansiedade, embora isto não a liberava de certa inquietação. Sotaque partir descansadamente ao King ao longo de um pendente lhe ziguezagueiem, e conforme o animal se avivava na marcha, também ela se ia excitando mais. Era difícil refrear a aquele cavalo uma vez empreendia o trote, e quando, depois de muitas milhas, ela quis diminuir a marcha, custo-lhe grandes esforços e grande tensão nos braços;

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mas por fim conseguiu dominar ao nobre bruto. Ante ela se estendiam milhas e milhas de caminho áspero ou brando, que fazia a volta monótona e interminável. detrás daquele terreno hallábase a costa do vale que havia ao pé de sua casa, da qual solo se vislumbrava uma rampa muito distante. Tinha entrado em uma larga pista de piso firme e não muito duro, por onde tinha ouvido dizer que os cavaleiros estavam acostumados a levar assiduamente aos favoritos.

Luzia se assegurou de que King levava bem ajustada a cilha, impregno-se fortemente o chapéu e deu rédea solta ao cavalo. Este altero sua marcha; surpreso daquela liberdade, pareceu que queria voltar a cabeça para olhar a Luzia, admirado de que uma débil mulher como ela se entregasse a seu arbítrio. Uma das' razões pelas quais o cavalo devia lhe ter antipatia era o que sempre o levava a rédea curta. Como cavalo de grande instinto que era, queria certificar-se do que aquela liberdade significava.

-O que é o que te passa? -disse Luzia desdenhosamente-. Tem preguiça? Ou crie que não sou capaz de te montar?

E assim dizendo lhe cravo as esporas. Sage King deu um bufido. Respondeu com uma atitude maravilhosa. Fez ressonar suas patas contra o chão e empreendeu a carreira por aquele caminho com um tamborilar regular e rítmico.

Luzia se inclino para diante apertando os dentes e os punhos. depois de tudo, pensava, não há armadilha em cavalgar para este animal. Perigoso sim era, pois uma queda com semelhante parte significava a morte; mas corria com tanta suavidade, que o dirigi-lo-se fazia fácil e na verdade magnífico. Tanto corria, que o vento cegava-a, e quase a privava de fôlego. Não podia respirar. O caminho não se via mais que como um rastro branco em meio de um cinza confuso. Por fim começou a notar que o cavalo ia moderando aquele passo formidável. Tinham percorrido assim muitas milhas. Gradualmente, começou a poder ver com claridade, e quando o cavalo, coberto de suor e ardente, começou a ir mais devagar, satisfeito de sua carreira selvagem, Luzia se deu conta de que estava já no alto do terreno em pendente, a muito poucas milhas de sua casa. de repente acreditou descobrir uma coisa negra que se movia detrás de uns arbustos por onde tinha que passar. Sem lhe dar tempo a mover a mão para agarrar-se bem da brida, Sage King deu um salto lançando um relincho. Foi um movimento tremendo e de grande violência. ficou sobre duas patas. Luzia se viu despedida da cadeira, e teve que dar-se manha para agarrar-se e voltar a montar, sem cair ao chão. Pareceu ver, no momento em que o cavalo se levantava, um laço lhe assobiem e comprido como uma serpente, que caiu ali onde Sage King tinha passado.

Deu um grito. O cavalo salto de flanco e se lançou à carreira. Luzia, levantando-se sobre os estribos, voltou a cabeça e viu o Joel Creech que tinha um laço nas mãos. Tinha tentado dar caça ao Sage King.

O sangue de seu pai se agitou nas veias de Luzia. Pensou no cavalo sem temer por si mesmo. Se o cavalo não tivesse tido o instinto tão agudo para descobrir o laço e mover-se tão agilmente, sem dúvida teria cansado com uma pata rota. Nunca havia sentido Luzia tão grande indignação.

Joel agito o punho ao ar, gritando:

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-Bem te teria pego de ser outro cavalo!

A moça não replicou, embora teve que sobrepor-se para não ceder ao impulso de agarrar seu rifle e disparar contra ele. Pôs toda sua atenção em guiar ao cavalo, que percorria com ligeireza a rota de retorno, deixando ao Creech perdido na distância.

a Está furioso, não há dúvida -disse-se entre si Luzia-, e me quer causar dano."

Guiou ao King diretamente às quadras, e ainda levava boa marcha ao dobrar o celeiro. Lá o fez entrar.

Farlane estava naquele lugar e saiu a recebê-la. Luzia viu que se achava sozinho e se alegrou.

-Muito bem, senhorita Luzia. King traz bom aspecto -disse-lhe Farlane enquanto ela desembarcava de um salto e lhe entregava as rédeas-. Não queria me equivocar, senhorita, mas se diria que está você você muito pálida. me diga, arrepende-se de querer treinar ao Sage King?

-No-respondeu Luzia, respirando fortemente.

-Então, que passou? -disse-lhe o corredor, com voz muito distinta agora e com um escuro brilho de ansiedade em seus olhos claros.

-Joel Creech me espreitava além do pendente de salvias Y... por pouco me agarra.

Luzia se interrompeu. Não valia a pena de dar pormenores de como Joel lhe tinha querido jogar mão.

-Qui-la agarrar? Mas indo sobre o Sake King? -E assim dizendo Farlane soltou uma gargalhada, sentindo-se aliviado-. Ora ! Não é a primeira vez que o faz, senhorita Luzia. Mas o fazê-lo indo você sobre este cavalo cinza demonstra a ira do Joel.

-Sim, está furioso, e eu indignada.

-Bem, nos serenemos, senhorita Luzia. Não vale a pena de falar do assunto, e sobre tudo não o diga a seu pai.

-Por que não? -perguntou-lhe Luzia.

-Pois porque faz uma temporada que tem um humor de cães. Seria perigoso. Terá que ter em conta como aborrece aos Creech. me crie, não o diga.

-Está bem, Farlane, não o direi; mas não o você diga tampouco -repôs Luzia concisamente.

-Como se fora mudo. Mas como Joel não se apresse a afastar-se um pouco, serei eu quem lhe jogue mão.

Luzia saiu pressurosa e entrou em sua casa sem tropeçar-se com ninguém. Já em sua habitação cambióse de roupa e se tornou um pouco para descansar e pensar.

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Era bastante estranho o que não pensasse na aventura do Joel Creech, mas sim toda sua imaginação se achasse ocupada ao redor do cavaleiro maltratado. Quem seria? De onde viria? Quanta paixão tinha demonstrado por recuperar aquele maravilhoso cavalo alazão! Luzia não podia esquecer a sensação daquele braço de ferro quando a reteve com uma espécie de gratidão frenética.

Um cavaleiro das montanhas, que não vivia mais que por um cavalo selvagem! Alguns destes corredores são como os mesmos índios ! E, não obstante, aquele cavaleiro era muito distinto de quantos ela tinha conhecido. Sua dicção era mais correta. Parecia ter tido alguns anos de educação escolar. Luzia não se dava conta de que se estava interessando por ele. Acreditava simplesmente que o compadecia e que seu interesse era pelo cavalo. Começou a comparar a Furacão com o Sage King, e recordava que o primeiro, embora naquele estado lastimoso, tinha-lhe parecido um digno rival do segundo. Que diria Bostil se visse aquele cavalo de cor de fogo? Luzia estremeceu-se.

Mais tarde saiu de seu quarto para ver se era hora oportuna de começar a preparar o pacote de provisões para o cavaleiro. Sua tia estava ocupada na cozinha e Bostil não tinha retornado. Luzia aproveito aquele momento para fazer um fardo com comestíveis e levar-lhe a seu quarto. Em certo modo aquilo o fazia graça. lembrava-se do rosto gasto do cavaleiro, e lhe trouxe para a imaginação os farrapos de que estava vestido. Por que não fazer também um pacote com roupas? Bostil tinha uma habitação - roupeiro cheia desses objetos necessários para seus homens. Luzia, entusiasmada com tal idéia, apresso-se a ir ao roupeiro e rapidamente separo uma equipe e até pôs um pente e uma navalha de barbear. Todo o levo a sua habitação, onde acrescentou ao pacote um pedaço de espelho, sabão e uma toalha. Contudo junto fez um pequeno fardo.

Bostil não foi jantar aquela noite, o qual saco de gonzo à tia. Comeram as duas sós e, esperando, demoraram bastante em levantar a mesa. depois de o qual, aproveitando a penumbra do anoitecer, Luzia saiu a esconder os vultos entre a salvia, junto ao caminho.

"Espero que não virá esta noite nenhum coiote -disse-se. "

Entretanto, a possibilidade de que os coiotes se levassem os fardos não a preocupava tanto como o pensar em que tinha que carregar com eles montando ao Sage King. Como as comporia?

Volvióse pressurosa à casa, partindo com cautela à sombra dos álamos para não ser vista, pois teria sido uma situação muito difícil o tropeçar-se com seu pai, até no caso de que estivesse de bom humor. Mas chego à casa com fortuna. acenderam-se já as luzes e no rincão do lar ardia um tronco. Púsose a ler e assim a encontrou seu pai.

-Tudo bem, Luzia? -disse-lhe.

Chegava cansado, e Luzia compreendeu que tinha bebido, pois em tais casos não a beijava. Seguia lhe dominando uma expressão sombria, que se dissipo ligeiramente ao ver sua filha. Esta lhe saúdo carinhosa, como sempre.

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-Farlane me há dito que dirigiste ao King muito melhor do que ultimamente o fazia Vão -disse Bostil -; mas não diga a ele que lhe hei isso dito.

Aquilo devia ser um pouco de adulação por parte do Farlane.

-OH, papai, isso é difícil! -objeto Luzia- Tanto você como Farlane estão um pouco mal dispostos para com Vão.

-Estou muito queixoso dele -respondo o pai.

-Seja como for, como pode saber de que maneira dirigi ao Sage King? -interrogou Luzia.

-Ah! É que Farlane sabe ler no menor detalhe de um cavalo. Assim diz Holley... Mas, Luzia, você segue tirando o cavalo todos os dias. Faz-o exercitar-se, e vigia de contínuo! Joel Creech esteve hoje no povo. Quando me viu, escapuliu-se como um réptil; sem dúvida está tramando algo...

Luzia não sabia mentir, mas tampouco sabia naquele caso como expressar-se. de repente, Bostil deu as boa noite e se retiro. Luzia, uma vez em sua habitação, procurou dormir, mas a desvelava a aventura daquela jornada.

À manhã seguinte a moça não acertava a dissimular sua impaciência; mas veio a lhe favorecer a sorte. Bostil não suspeitava nada e Farlane não teve tempo a não ser para selar ao Sage King. Luzia saiu a cavalo pelo campo de salvia, segura de que ninguém a observava.

A véspera tinha oculto os vultos detrás do arbusto mais alta de sarcobato do bordo do caminho e se deteve detrás dela, segura de que não a podiam ver das cavalariças. Agarrou os pacotes. O pequeno foi fácil atá-lo na parte posterior da cadeira, mas o grande já foi outra coisa. Resolveu levá-lo diante. Perto havia uma rocha de consideráveis proporcione e ali conduziu ao cavalo para montar subindo antes à pedra. Foi um momento embaraçoso, mas por fortuna, e por exceção, Sage King se manteve dócil.

Sujeitando o pacote sobre o regaço, balanço e pôs ao Sage King a todos os passos distintos que acostumava, para provar que marcha era mais cômoda, dado o percorrido que lhe esperava com aquela impedimenta. O mau era que Sage King não podia partir a passo lento. Até sua marcha normal era rápida, e este passo se viu obrigada Luzia a mantê-lo. Teria querido ir com a maior velocidade, mas isso era inadequado, e procurava não esquadrinhar o horizonte por não impacientar-se, já que os "monumentos" estavam muito longe.

Como encontraria ao cavaleiro cansado? Passo por sua imaginação que pudesse encontrá-lo morto, e esta idéia a atormentava. Seu sentido comum a persuadiu de que não era possível que tivesse morrido, a julgar por seu estado. É mais, o natural era que o encontrasse aliviado. O pacote era molesto de carregar e Sage King ficava nervoso de levar sempre o mesmo passo monótono. Transcorriam as horas. O sol se fazia cada vez mais ardente. E era já o meio-dia quando chego ao ponto onde tinha que desviar-se para a esquerda. A partir daquele momento. tendo à vista os "monumentos", que pareciam cada vez mais gigantescos, e vendo como diminuía a distância, as horas lhe fizeram menos pesadas.

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Por fim chego ao lugar das rochas proeminentes e as encontrou distintas, embora não tivesse sabido explicar-se em que consistia a diferença. Cavalgo entre elas e não demoro para alvoroçar-se ao ver os enormes marcos, que eram como marcos indicadores da meta. Logo viu os charcos e o grupo de cedros. Por fim, um cavalo vermelho que se destacava sobre a erva, e outro que punha ali seu negro esmalte. Aquela visão estremeceu a Luzia. Avanço cheia de ansiedade e impulsionada pelo estranho da aventura.

antes de chegar, muito perto dos cedros, viu um homem que andava a poucos passos da sombra; ia um pouco curvado. Era o cavaleiro ferido, e a moça, enche de alegria ao vê-lo em pé, lanço uma exclamação. Assim Sage King piso no lugar indicado, ela jogo o pacote rodando ao chão.

-OH, que pesadez de fardo! -disse.

O cavaleiro tinha o olhar mais fixo, menos perdida que quando a moça o encontrou a véspera.

-Outra vez você? Temi que não voltasse.

-Pois vim. Vejo-lhe você melhor. Não está ferido gravemente, verdade? -disse ela seriamente-. Celebro-o.

-Tenho tão solo um pouco dolorida as costas.

Luzia se precavo em seguida de que, logo depois de olhá-la a ela, o cavaleiro não tinha olhos a não ser para contemplar ao Sage

King. Era um verdadeiro caballista ! Lhe observo, segura de que em seguida se daria conta da classe de cavalgadura que a tinha levado até ali. apeio-se, soltou-lhe a brida e desato o pacote pequeno, que também deixo cair ao chão.

O cavaleiro avanço com passo lento e doloroso e com as costas encurvada, e pôs uma mão magra, forte e moréia sobre a pele do Sage King. Toco-o como querendo convencer-se de que não era uma aparição irreal. Deu um leve assobio. Quando se voltou a olhar a Luzia, tinha nos olhos uma nova claridade.

-É Sage King, o favorito de meu pai -disse Luzia.

-Salte King! Parece o rei dos campos, mas foi alguma vez cavalo selvagem?

-Não.

-Formoso animal -acrescentou o cavaleiro-. Correrá muito, é obvio -disse, pondo nestas palavras um tom de inveja.

- Que se correr ! Não há cavalo para ele em toda esta alta terra.

-Arrumado a que Furacão ganha - repôs o cavaleiro com olhar fosca.

-Aceito a provocação - adiciono atrevida a moça.

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olharam-se mais fixamente, e ele sorriu em uma forma que transfiguro por completo seu rosto, desvanecendo a dureza de sua expressão.

-Reconheço - observo ele -que terei que me repor ; mas não posso demorar mais de uns dias em poder montar... No suposto de que você não volte.

Esta observação fez pensar a Luzia que, na verdade, era difícil que voltasse a lhe ver. Até caso que o pudesse transladar-se ao Vau do Bostil, coisa pouco provável, não lhe seria possível permanecer ali muito tempo. Experimento uma sensação de desconcerto e se apodero dela uma estranha confusão.

-Trouxe-lhe para você algumas costure assinalando o pacote grande.

-Algo de comer?

-Não.

-Pois é quão único necessitava, senhorita -replicou o um pouco asperamente.

-Sim, mas eu acreditei que...-continuou ela com inexprimível desconcerto, temendo que aquele cavaleiro se incomodasse-.

Vai você tão esmigalhado e leva umas botas... Por isso acreditei que devia...

-Acreditou você, ao que vejo, que precisava me vestir, além de comer algo-insistiu ele com visível amargura.

Mais que o tom de sua voz, o que a cortou foi seu olhar. Mas, lhe tocando ligeiramente o braço, disse-lhe em tom suplicante:

-Mas não me você diga que o recusa. Aceite-o...

Ao sentir aquele contato, ao cavaleiro lhe subiu o sangue ao rosto.

-Que aceite? Como não? - E o disse com um sorriso.

foi agachar se para agarrar o pacote grande, mas Luzia lhe deteve com este amável protesto:

-Mas você está sem almoçar. Por que não come algo antes?

-Ora! Não tenho apetite... quer dizer, prefiro comer algo uma vez me troque de roupa.

E começou a afastar-se discretamente; mas, de repente, voltou-se para dizer:

-Senhorita Bostil, é você tão bondosa com todos os cavaleiros nômades que cruzam pelo país?

-Por Deus! -exclamou a moça, entreabrindo com modéstia as pálpebras ao sentir posar-se sobre ela seu olhar-. Você é o primeiro caçador que encontro... É dizer, o primeiro que vejo nestas condições.

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-É você um anjo-concluiu ele emocionado; e reatou a marcha a passos lentos e firmes, até ocultar-se entre os salgueiros do terreno baixo.

Em tanto, Luzia soltou a corda enrolada na cadeira do Sage King e levou a cavalo ao lugar de melhor erva que

encontrou por ali. A seguir abriu o pacote da comida, pensando que não podia entreter-se muito.

" De todos os modos -dizia-se-, Sage King me levará a volta como o vento."

Do pacote saíram frutas secas, carne e conservas.

Deste modo um sortido de comestíveis frescos, que estavam já um pouco danificados a causa do comprido caminho. Distribuiu-o tudo pulverizando-o à sombra de um cedro. Os utensílios eram poucos, pois se reduziam a duas taças, frigideiras e um bote de lata. Reuniu um pouco de lenha e a amontoou, a ponto para lhe prender fogo, a fim de que o cavaleiro pusesse mãos à obra em seguida. Parecia que demorava um pouco. Luzia aguardou um momento, mas o desconhecido não aparecia. Por fim pensou no cavalo alazão e baixou ao lugar dos charcos para observá-lo. Estava pastando. livrou-se já um pouco do barro e da sujeira que antes o deslucía um pouco. Ao vê-la, levantou o beiçudo e lançou um relincho penetrante, claro, forte. Que selvagem aparência! Os outros dois cavalos lhe responderam. Luzia se aproximou mais a Furacão. Seu assombro subiu de ponto.

Ao aproximar-se, Luzia se disse

" Ah, se não me reconhecer! " Mas teve a sensação mais grata, pois quando ela esperava alguma amostra de selvageria, e por isso se manteve a certa distância, o cavalo, pelo contrário, não mostrou temor nem agressividade ao vê-la de novo. Luzia se chegou decidida até o e lhe pôs uma mão em cima. Furacão retrocedeu ligeiramente, mas em seguida lhe aconteceu esta impressão. ficou com a cabeça alta olhando à moça com uns olhos como de esmalte. Foi fazendo baixar a cabeça pouco a pouco. Então lhe trocou de forma o nó da corda, que lhe tinha deixado um sinal por cima do beiçudo. Dijérase que a sorte tinha querido que tudo o que Luzia fizesse em torno daquele cavalo fosse encaminhado a aliviá-lo em sua situação. A moça sabia que o animal se dava perfeita conta disso como ela mesma. Um de seus conceitos que com freqüência tinham motivado grandes discussões era o de que os cavalos são tão inteligentes como os homens, e que experimentam os mesmos temores, gostos e apreensões.

Se Luzia lhe soltou a corda que o atava a uma grosa raiz saliente para levá-lo a água a fim de que se banhasse, fez-o segura de que não corria o menor risco. E agora estava junto a ele, com uma mão apoiada em seu cangote. O cavalo baixou a cabeça para fuçar na água. Vacilou um momento, porque era água fedorento e cheia de limo ; mas venceu sua repugnância e bebeu por fim. Luzia o levou depois a outro charco e o ato fortemente a um tronco.

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Quando voltou para lugar dos cedros, ali estava já o cavaleiro, acendendo de joelhos o fogo. Uma vez barbeado e com o novo indumento, parecia outro. Era jovem, e de não estar tão gasto tivesse podido julgar-se o até bonito. Assim pensou Lucia e disse com entusiasmo

-Furacão me reconheceu. Não foi receoso. Deixe me dirigir isso a mi. Seguiu aos charcos.

-Se, está-se afeiçoando a você -observo ele, muito sério-. Outros casos conheço, mas nunca tão depressa. Estava muito mal quando o achou ontem?

Lucia o contou brevemente.

-Ah! Se alguma predileção for capaz de ter este demônio vermelho, não será certamente por mi. Ao contrário, sempre que me veja se lembrará do que fui para ele.

Neste momento Lucia noto que o cavaleiro não podia mover-se com facilidade. Não lhe era fácil erguer-se, e parecia sentir grande dor nas costas. Suava-lhe a frente.

-Permite-me que lhe ajude? -disse ela.

-Obrigado. necessitei que todas minhas forças para me poder meter nestas roupas novas-dijo, cedendo ao oferecimento da jovem.

Assim que o fez e se levanto, viu que o se achava já sentado à sombra de um cedro, olhando-a como quem não acaba de convencer-se do que vê.

-Custo a você muito sair de sua casa com tudo isto sem que lhe perguntassem de que se tratava? - interrogo.

-Não; mas a verdade é que passei não poucos trabalhos para lhe trazer os dois pacotes.

-Deve ser você um cavaleiro maravilhoso.

Uma só vaidade tênia Lucia, e acabava de adular-lhe o desconhecido com tais palavras.

-Pche! Meu pai, Holley e Farlane discutem muito a respeito de meu; mas estou segura de que convêm todos em que se o que é montar um cavalo.

-Holley e Farlane são picadores?

-Se, são a mão direita de meu pai.

-Seu pai está acostumado a contratar, pelo visto, muitos cavaleiros.

-Em efeito. Nunca vi que rechaçasse a nenhum sem lhe fazer efetuar pelo menos fina prova.

-Eu gostaria de saber se tomaria a meu a seu serviço.

Lucia lhe lanço um rápido olhar. A idéia a surpreendia... gostava.

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-No ato -respondeu-lhe-. E se mostraria esplêndido com você. Não vê que em seguida poria os olhos

em Furacão?

O cavaleiro moveu a cabeça, pormenorizado.

-É obvio, você não pensará em vender seu cavalo?

O sorriso do homem foi triste, mas concludente.

-Então será preferível que não fique às ordens de meu padre-insistiu Lucia lacónicamente.

Não lhe respondo, e Lucia se entreteve, como distraídamente, em acabar de acender e arrumar aquele fogão rudimentar. Logo estendeu um oleado à sombra, e disse:

-Também eu sinto apetite; mas de seguro que não sei o que é fome.

-Ao cabo de algum tempo se perde a sensação do que é sentir fome -repôs ele -. Mas confio em que não demorarei para experimentá-la. Tudo está dizendo "me comam".

E ficaram a comer. A estranha sensação que causava a Lucia o irreal daquela aventura não lhe deixava sentir apetite.

Estava entregue por completo sua sensibilidade às percepções do momento. À sombra dos cedros se sentia frio. ao longe, em troca, observava um bafo de calor que desprendia a terra como escuros véus. A brisa se achava carregada de aroma de areia e erva. ouvia-se o zumbido de alguma abelha que passava voando, v lhes rodeavam os altos monumentos naturais, cujos vermelhos topos pareciam incrustar-se no azul do céu. Era aquele um lugar silencioso, de sonho e impressionante, onde Lucia experimentava uma sensação de vida distinta à sua própria.

-Não posso me entreter muito -disse de súbito lembrando-se da realidade.

-Voltará você?-pergunto-lhe ele.

Esta pergunta desconcertou a Lucia.

-Não sei... Não o posso assegurar... Mas não irá você ao Vau assim que se encontre em condições de montar?

-Acredito que não.

-Advirto-lhe que é o único povoado que encontrará em vários centenares de milhas à redonda. Suponho que não pretenderá percorrer outra vez esse caminho inacabável por onde veio.

-Saí de minha região quando saiu dela Furacão. E não é coisa de voltar para ela.

-Logo você não tem ninguém por quem velar? -perguntou-lhe ela com doce gravidade.

Page 93:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

-Ninguém. Sou órfão. meus pereceram em uma matança que fizeram os índios ao assaltar um carro de viagem que cruzava o Wyoming. Uns poucos se salvaram. Eu fui dos mais jovens entre eles. Arrastei uma dura existência, como um cão perdido, até que comece a ser maior, e então fui ao deserto.

-Ah, compreendo! Quanto me causar pena essa história! Mas não é muito distinta da de meu pai em seus anos moços. Que decide você, por fim?

-Fico aqui até que vá esta dor que me impede de me endireitar bem... Enquanto isso, não voltará você?

-Se - respondeu Lucia, sem acabar de compreender se era ela mesma ou outra pessoa a que por ela respondia.

Então lhe perguntou algo sobre o Vau do Bostil, das serras e dos povoados do Norte, dos corredores e dos cavalos, e Lucia lhe contou tudo o que sábia e do que se lembrava, e, por fim, depois de expressar-se com eloqüência a respeito dos cavalos, sobre tudo dos de seu pai, pô-lhe à corrente do caso do Cordts e do Dick Sears, com gráfica expressão.

-Cuatreros! -exclamou ele sombríamente, com um sorriso nervoso que delatava, mas bem que encobria, certo temor-. ouvi falar do Sears, mas não do Cordts. E onde se cobre essa banda?

-Ninguém sabe. Holley afirma que se esconde no fundo da comarca do Grande Canhão. Nenhum picador se atreveu a seguir os rastros até muito longe. Séria inútil. Holley diz que lá há mesetas de abundante pasto e de grandes bosques. Os índios utahs diz o mesmo. Mas não sabemos grande coisa a respeito dessa região selvagem.

-Não há caçadores no Vau do Bostil?

-Quer você dizer caçadores de cavalos selvagens?

-Não; caçadores de ursos e alces.

-Nenhum, e certamente a isso se deve o que a região do Grande Canhão permaneça para nós no mistério. A meu gostaria de me internar alguma vez e acampar nela, mas nossa gente não tem afeição a estas aventuras. Gostam da paisagem aberta. Só há uma exceção, e é um moço médio estúpido que sempre vai a cavalo por essas montanhas. E que maravilhosos lugares devem ser! Eu não me posso afastar de casa mais de vinte milhas... Mas é coisa de pensar em minha volta. Esquecia-me do Sage King. Disse-lhe que o estou preparando para as próximas carreiras?

-Não; é a primeira palavra. Que carreiras são essas? Cuénteme-indagou ele com muito vivo interesse.

Então Lucia lhe falou da grande paixão de seu pai... do velho costume, consagrada já pelo tempo, das carreiras livres para todos e das celebradas em anos anteriores. Falou-lhe também dos Creech e de seus velozes cavalos; das rivalidades, das especulações e das apostas, e por fim lhe inteirou de as carreiras que foram se celebrar ao cabo de usa semanas. Tão

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importantes seriam, jogo de dados os antecedentes, que o mesmo malfeitor Cordts tinha combinado para poder as presenciar.

-Eu irei ver como derrota Sage King ao favorito do Creech -exclamou o cavaleiro, alegre e com a cara acesa de entusiasmo.

E esse entusiasmo se transmitiu a Lucia, embora a pôs de uma vez um pouco pensativa. Cruzaram várias idéias por sua imaginação. Se o cavaleiro ia às carreiras levaria seu formidável cavalo... Não se poderia separar do animal cuja posse tanto lhe havia flanco. Que diriam Bostil, Holley e Farlane ao ver furacão? Cabia supor que tomasse parte na prova! No possível estava então que avançasse aos outros cavalos, inclusive ao Sage King. Lucia começou a estremecer-se. Que grande surpresa séria! Ela não deixava de compreender quanto desejava o cavaleiro que suas arreios, não esperada, triunfasse sobre o favorito de seu pai. Por volta de anos que ela desejava ver, e até montar, um cavalo que se separasse do grupo dos outros, disputasse de perto com o Sage King e o deixasse atrás. E imediatamente, todas aquelas idéias, confundindo-se em sua mente, resolveram em um irresistível desejo que não pôde por menos de formular nesta demanda, que lhe saiu como uma exclamação, e disse de um puxão

-Deixe montar a Furacão nas próximas carreiras!

A resposta dele foi foto instantânea : um sorriso penetrante, amável e firme; e ao mesmo tempo lhe tendeu a mão. Luzia a estreitou impulsivamente entre as delas.

-De verdade? -disse-. OH, isto é o que minha tia chamaria um de meus sonhos loucos! ... Diz que tenho que ser mais séria, porque já sou mulher; mas ah, se pudesse montar a Furacão esse dia !

Tinha as bochechas acesas ao só pensamento de que ia ser possível seu desejo. Não se precavia do efeito que estava causando no ânimo do cavaleiro, que a olhava extasiado, com uma nova luz nos olhos.

-Você pode muito bem tomar parte com Furacão. Por minha parte, asseguro-lhe que sinto por ver essas carreiras a mesma veemência, pelo menos, que seu pai, Cordts ou qualquer outro. E você ouça-o, senhorita, Furacão é capaz, não o duvide, de vencer ao favorito de seu pai.

-OH! -exclamou ela.

-Furacão pode vencer ao Sage King -disse outra vez o cavaleiro com grande força de expressão -. Não há cavalo em toda a terra que lhe iguale. É um cavalo robusto que matou a outros muitos. Tem o instinto de matar. Se tomasse parte em umas carreiras, esse instinto lhe dominaria.

-E como o arrumaremos? - acrescentou Luzia com veemência.

Distraída, não tinha retirado as mãos que oprimiam a dele.

-Isso tem que ser uma coisa de surpresa... uma surpresa completa. Se você fosse viver ao Vau não poderíamos manter o segredo, e Farlane ou meu pai as comporiam para me proibir

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isso y yo la ayudaré a montarlo. Así lo irá ejercitando, preparando, hasta ponerlo en condiciones. Luego, el día de la prueba, o la noche de la víspera, yo iré al Vado

-Nosso plano não pode ser mais singelo-disse ele-. Você venha aqui com freqüência, pois eu não tenho que me mover. Traga uma cadeira ligeira. A poremos a Furacão, e eu a ajudarei a montá-lo. Assim irá exercitando, preparando, até pô-lo em condições. Logo, o dia da prova, ou a noite da véspera, eu irei ao Vau e me esconderei no campo entre as salvias, esperando que você envie ou vá por Furacão.

-OH, isso será maravilhoso! -exclamou, com os olhos convertidos em estrelas-. Até sei onde se tem que esconder você. Há um grupo de rochas junto ao lugar que serve de pista para as provas ; nele há um manancial e boa erva. O público não sai do outro extremo da pista. A este lado só se situam os corredores. Já estou vendo a cara que porá meu pai quando vir aparecer a este cavalo alazão!

-Ficamos, pois, nisso? - perguntou o cavaleiro de uma maneira estranha.

Aquele tom de voz fez que Luzia voltasse em si. i Que sensação mais estranha lhe devia ter causado! Ele a olhava com olhos penetrantes.

-Quer dizer que você quer que eu corra com Furacão? -observou ela com um pouco de vergonha -. Agrada-me você nisto?

-Para mim é uma honra.

-É você muito amável... E acredita na verdade que Furacão derrotará ao Sage King?

-Estou seguro.

-por que?

-Porque não há mais que ver os dois cavalos.

-Mas será uma carreira extraordinária de rivalidade.

-Assim acredito. Será a mais importante que se presenciou. Mas, ao fim e ao cabo, Furacão será o primeiro porque viveu sempre nas selvas e tem feito correr a vários cavalos até lhes causar a morte. Quão único importa é saber se você será capaz de montá-lo.

-Nunca encontrei cavalo que eu não pudesse dominar. Diz meu pai que alguns há impossíveis para mim; mas Farlane opina o contrário. Só me derrubaram dois cavalos : Sage King e Sarchedon, e até foi quando ainda não me conheciam. Indignou-me muito. Mas a Furacão saberei acostumá-lo a que me queira.

-Isso era o último que me faltava saber de certo -repôs o cavaleiro- Agora, conforme. Eu ficar acampado aqui. Em poucos dias me reporei. Então começarei a domar a Furacão. Você venha-se por aqui sempre que encontrar ocasião de não ser vista e entre os dois domaremos ao cavalo e o poremos em condições para as carreiras.

-Perfeitamente; assim fica convencionado.

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Os olhos do cavaleiro atraíram aos da moça. por que estaria ele tão pálido? É que estava machucado pela queda, debilitado em extremo.

Aquele compromisso que acabavam de contrair trocou em certo modo sua relação. lhe parecia lhe conhecer desde muito tempo antes. Então foi quando lhe perguntou:

-Posso saber como se chama você?

-Lin Slone - respondeu o cavaleiro.

Lhe soltou as mãos, por fim, dizendo

-Tenho que ir já. Se isto não for um sonho voltarei. Luzia aproximou do Sage King a uma rocha e montou. -Eu gosto de vê-la a você a cavalo -disse Slone-. Que magnífico cavalo... ! Parece dar-se conta do que vale. E que desgosto para o pai de você o dia que o veja derrotado

-Meu pai terá um grande desgosto, mas isso lhe fará um grande bem-repôs Luzia.

Era o espírito rude do velho cavaleiro o que lhe falava por boca de sua filha. Slone se aproximou do Sage King e, pondo uma mão no arzón, olhou outra vez a Luzia

-É possível que isto... seja um sonho... e que você não volte mais -disse ele, com a voz algo quebrada.

-Em tal caso, voltarei também em sonhos -repôs ela vivamente-. Você cuide-se o melhor que possa... Adeus!

E a uma ligeira indicação, o impaciente Sage King partiu. Desde muito no alto da costa, perto de um daqueles monumentos da Natureza, Luzia voltou a cabeça. Slone a contemplava imóvel. Ela agitou ao ar sua mão enluvada... E não voltou a olhar para trás.

X

Passaram duas semanas nas ligeiras asas do vento e todas as circunstâncias indicavam a Luzia que seu propósito naquela aventura ia realizar se tal como ela sonhava.

Luzia partia pelo campo de salvia para as torres de pedra, com todo o dia por diante. Bostil estava

mais encerrado cada dia em si mesmo, coisa que, embora a contrariou, não a preocupou muito. Vão tinha voltado para a preparação por si do Sage King, e Luzia havia renhido expressamente com ele para ver-se em liberdade de assinar-se nas carreiras como lhe desejasse muito. Farlane a admoestou algumas vezes a propósito de seus saídas através do

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prado, insistindo em que não era prudente que se afastasse tanto e que estivesse tanto tempo ausente. Quando Vão tomou por sua conta ao Sage King, ela começou a montar ao Sarchedon.

No Vau do Bostil tinham ocorrido coisas que teriam interessado grandemente a Luzia de não encontrar-se por inteiro entregue a seus próprios assuntos. Alguém se tinha apostado não longe dos álamos e espreitando a seu pai tinha disparado contra o quase a quemarropa, mas sem que por fortuna lhe acertasse. Bostil tinha jurado que ele sabia perfeitamente que se tratava de um disparo de fuzil e que não duvidava de quem era o agressor. Os picadores não lhe acreditavam, prefiriendo opinar que algum mozalbete, querendo caçar coelhos ou coiotes, tinha sido o causador daquele sucesso, e que em vista da gravidade que tivesse tido o ferir o Bostil não se atrevia a confessá-lo. Os picadores estavam acordes em dizer que desde fazia algum tempo Bostil não estava em seus cabais. O rio estava ainda muito baixo. A barco não se fazia compor, e os cavalos do Creech se achavam ainda ao outro lado.

Todo isso tinha que ver com Luzia, e ela não deixava de pensar em tais acontecimentos, embora não se preocupava muito deles. Em troca, obcecava-a algo mais diretamente relacionado com ela.

" OH, não devesse voltar! " Assim se dizia a si mesmo em voz alta; mas, apesar disso, nem refreou nunca o comprido trote do Sarchedon, nem evitou o duro salto de a cadeira. Cem vezes se havia dito que não devia voltar para os "monumentos" de pedra, porque Slone se apaixonou terrivelmente dela.

E não era isto sozinho, mas sim aquela mesma paisagem com suas torres graníticas, a bela imagem de Furacão e a sugestão da aventura tinham tecido a seu redor uma rede que não podia desfazer. Fazia trotar a Furacão por tudo aquela paisagem, e os gigantes de pedra pareciam lhe exigir agora algo mais. E não menos maravilhoso era o carinho que mostrava por ela o selvagem cavalo. Este se sentia agora gratamente dominado por Luzia. Nunca tinha tido notícia de um caso mais desconcertante. O fazia fazer quanto lhe desejava muito; toda sua ferocidade se desvanecia assim que ela se apresentava ante ele; ia a sua voz, relinchava apenas a descobria, e o fazia também, mas de um modo lastimero, quando a via afastar-se. Não passava dia que não tratasse de morder ou de escoicear ao Slone, mas era uma malva às carícias da moça.

Mas aquela manhã despertou o primeiro receio na imaginação de Luzia. E, conforme pensava nisso, seu temor era mais claro. Então sentia reverenciar e querer ao Slone como a um irmão. Havia algo no fundo de sua consciência que a acusava. Era como se tivesse nascido outra pessoa em seus adentros : a primeira, seu livre-arbítrio; a segunda, a severidade que a acusava. A esta não a queria a moça. Temia-a. Procurava não pensar nela até o momento em que não pudesse prescindir disso.

"Nunca me tinha preocupado por ele dessa maneira -disse-se, falando alto-. Sinto que não posso... que não poderei nunca deixar de querer ao Lin Slone."

Formulado nestas palavras seu pensamento, causava nela estragos apesar de seus esforços por serenar-se. Ardia-lhe o sangue. Estava toda ela tremente. indignava-se contra si mesmo. E nesta luta interior esporeou ao Sarchedon, que a lançou mais veloz que nunca

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através do prado. Logo o conteve um pouco e, arrependida, acariciou-o com tais extremos que ela mesma não o advertia. O violento exercício daquela carreira não tinha feito a não ser lhe acender mais o sangue e deveu aumentar o tortura que de tão súbita maneira lhe tinha declarado. Por que tinha deixado seu habitual traje de caballista, substituindo-o por um vestido de montar que o fazia sua tia e do qual se burlou? Uma voz medrosa e acusadora lhe zumbia nos ouvidos, lhe perguntando por que tinha trocado de traje se não era porque sentia vergonha de seguir apresentando-se ante o Lin Slone em traje varonil; queria parecer outra a seus olhos, não queria ser mais que uma moça. E se esta acusação

tinha um real fundamento, que significava? Não acertava a explicar-lhe e, entretanto, temia descobrir a verdade.

de repente, Lin Slone lhe apareceu distintamente em sua imaginação, como o mais galhardo tipo de cavaleiro, como um caballista forte, esbelto, extraordinário, do que os sentimentos se revelavam em seu amor aos cavalos, e cuja rudeza indicava sua energia, pois era um homem estranho, de caráter acusado, de vida solitária, que tinha chegado a despertar nela sentimentos de orgulho, gratidão, ternura, paixão e desespero. A Luzia lhe dilatava o coração ao dar-se conta de que tinha-o trocado, lhe fazendo mais amável, e dividindo seu amor, à maneira de seu pai, humanamente, com a esperança, com a nostalgia de algo que não podia ser por completo satisfeito só com as ocupações no deserto e a atração dos campos. Já não podia dominar seu orgulho : se sentia obrigada a lhe amar de extraordinária maneira. Assim se atreveu a reconhecê-lo, sem atenuantes. Eram aqueles uns momentos de estranha agitação e incerteza, que a enchiam de desconcerto e preocupações. resistiu-se a admitir semelhante pensamento, mas a realidade se abriu passo à força em sua imaginação. E logo nasceram suas próprias acusações. Não; não devia voltar junto ao Lin Slone.

-Mas, então, as carreiras...! -disse-se pelo baixo-. Isso não o posso abandonar. Mas ah!, temo que todo o mal está já feito. E o que fazer?

Em efeito, que faria depois das carreiras Todo mundo se inteiraria no Vau do Bostil de que tinha estado indo visitar o Slone, longe do prado, para adestrar seu cavalo. E o que diria a gente?

-Meu pai se sentiria muito satisfeito se pudesse comprar a Furacão; mas, do contrário, pareceria uma fiera-voltou a dizer-se com um murmúrio.

Luzia se dava conta de que sua veemência tinha chegado até a temeridade. Era ir muito longe. Só se

desculpava pensando em que levava sangue de cavaleiro: era a filha do Bostil. Mas não era menos certo que tinha estado acontecendo horas inteiras em companhia de um desconhecido, faltando a seu dever. Isto não tinha desculpa. Estava envergonhada. E que diria Slone quando lhe confessasse que não poderia voltar a lhe ver? Esta pergunta a fez vacilar. Mas estava segura de que ele não se rebelaria: voltaria a percorrer sozinho com seu cavalo aquelas intermináveis regiões desertas.

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-Furacão não lhe quer! -exclamou.

E, assim dizendo, um golpe de sangue lhe acendeu o rosto. Era como se ao acelerar-se o pulso tivesse dado solta a um torvelinho de emoções. O que havia começado por ser uma preocupação dolorosa, acabava sendo uma tortura insofrível. Fez voltar garupas ao Sarchedon, mas assim que se viu de novo em direção de sua casa, desfez o fato, e tão logo a passo lento como ao galope seguiu avançando.

O primeiro era para ela terrível, porque parecia retê-la mais na situação da qual queria livrar-se; o segundo era também espantoso porque a precipitava de irresistível maneira a seu fatal destino.

Lin Slone tinha trocado o lugar de seu acampamento, escolhendo para isso um alto desfiladeiro ali onde os precipícios que rodeavam o vale dos pináculos mostravam grandes gretas que se cruzavam. Entre os talhos de penha vermelha veían saídas em todas direções, e para o Norte aparecia uma grande abertura que dava a dito vale. As altas rochas agrupadas pareciam afastar-se, cada vez mais distanciadas e sozinhas.

O lugar escolhido pelo Slone era um grupo de cedros que rodeavam um manancial. Ali abundava a erva e entre as matas de salvia branca os coelhos foram e vinham fugazes.

Luzia não chegava a esse ponto dando o grande rodeio dos primeiros dias, pois Slone tinha encontrado um desfiladeiro por onde podia cavalgar a moça atalhando várias milhas. Em realidade, o Vau do Bostil não distava dali mais de quinze milhas.

O caminho resultava assim tão curto, que Luzia sempre receava que alguém lhe seguisse a pista e descobrisse seu caminho. Aquela manhã se deteve, como de costume, no alto de uma rocha desprendida para ver se descobria ao longe ao Slone. Ele também estava acostumado a espionar a fim de vê-la quanto antes. Comprido momento tinha passado nessa espera os dias que ela não compareceu, que foram poucos. Como estava sem quehacer se entretinha em esperá-la. Luzia conservava na memória, de uma maneira tenaz e insistente, mas grata e suave, a maneira de aparecer-se o Slone naquela solitária espera olhando sempre ao longe. Resultava um galã esbelto e fornido, que não tinha outra coisa que fazer a não ser esperá-la a ela : um esbanjamento de tempo inestimável.

Agitava ela a mão ao ar desde muito longe, e ele respondia na mesma forma. Quando se aproximava do lugar do desfiladeiro povoado de cedros deixava de vê-lo. Aquele dia pôs a um trote ligeiro ao cavalo e chego ao ponto do encontro antes de que Slone tivesse descendido.

Luzia se apeio um pouco desgostada. O que diria ele quando a visse com aquele novo vestido? Estava cheia de curiosidade e se sentia mais vergonhosa que nunca, pois encontrava que a saia a fazia mais feminina.

-Olá, Lin! -exclamo ao lhe ver.

A maneira de lhe saudar não podia descobrir seus íntimos sentimentos.

-bom dia, Luzia-repuso Slone muito pausadamente.

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Também ele parecia ter sofrido uma mudança, embora fizesse já tempo que tinha reagido, e sua esbelta figura de cavaleiro, seu rosto barbeado e varonil e seus olhos escuros lhe faziam parecer uma pessoa muito interessante. E pela simples razão de ter trocado a moça o calção de montar pela saia, tinha que lhe parecer tudo novo. Talvez sua tia levava razão e agora era quando as coisas começavam a estar em seu lugar.

Tão atentamente fico Slone contemplando-a, que ela não pôde menos de tornar-se a rir.

-Como me encontra você assim?

-Muito mais linda-contestó ele, como com estupidez.

-A tia me tem feito este vestido e não parou até lombriga o posto.

-Troca-a a você, Luzia, mas pode você montar com a mesma folga?

-Acredito que não... Que impressão causarei a Furacão?

-Não tem que querê-la a você menos por isso... E me diga, Luzia, como vai Sage King?

-Se não estivesse eu tão interessada em favor de Furacão como você mesmo, diria que o pretender vencer ao Sage King pode lhe custar a vida.

-Também o duvido eu às vezes -disse Slone -. Mas logo não tenho mais que observar a Furacão para me reanimar em seguida... Luzia, essa vai ser a carreira mais formidável de todas!

-Assim o crio-suspiro Luzia.

-Como? Ocorre algo? Não quer você que ganhe Furacão?

-Sim e não. Mas, seja como for, tenho que derrotar ao Sage King... Venha! Onde está seu Furacão?

Luzia desensillo ao Sarchedon e o deixou solto, pastando, enquanto Slone se dirigia por Furacão. Em seguida se viu que a moça ia ter que esperar um momento, pois Slone tinha deixado solto ao feroz cavalo, embora com a trava de uma corda de uma pata ao beiçudo, e certamente se teria afastado o bastante.

Enquanto isso, Luzia se entreteve em olhar a seu redor: a altura dos vermelhos precipícios e a lonjura do deserto ao fundo das cabanas. Aquela aventura logo teria um desenlace, pois o momento das carreiras se aproximavam e logo já não lhe seria possível seguir vendo o Slone. Deu-lhe um tombo o coração ao pensar que não teria logo ocasião de seguir fazendo aquelas visitas ao desfiladeiro, onde sempre soprava um vento que era a causa de que a areia estivesse poda e dura. o daquele dia era um vientecillo agradável, nem sufocante, nem carregado de pó, que cantava suas melodias nas taças dos cedros. A fumaça da fogueira que tinha Slone acesa no lugar onde acampava se desvanecia na atmosfera depois de descrever vagas espirais. A solidão te reinem era absoluta, no meio da presença enorme e entristecedora dos cantiles. Mas a solidão parecia ser prodigaliza em alegria. Então compreendeu a razão da vida nômade do Slone. Era esplêndida aquela vida, indubitavelmente,

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para um homem jovem, sensível às sugestões da vida aventureira e infeliz. Mas Luzia duvidava que aquela existência livre e solitária fosse boa para um homem já na maturidade de seus anos. A uma mulher não era dado compreendê-lo de tudo. Se fazia cargo de que tanta selvatiquez, solidão e convivência com os elementos tinham que ser pouco propícias para o feliz desenvolvimento da vida de uma mulher. E, entretanto, amava todo aquilo e gostava de conviver de perto com o deserto, para poder, quando sentisse vontades disso, ir a cavalo através das imensas planícies e aproximar-se das gigantescas torres de granito até chegar ao pé delas no silêncio e nas matizadas sombras.

Logo voltou Slone com Furacão. O cavalo brilhava como uma grande chama à luz solar, e na forma que obedecia ao Slone era fácil compreender o medo e o ódio que lhe tinha. Slone o tinha domado e sempre conservaria seu domínio sobre ele. Do primeiro momento se trato de uma luta entre o homem e o bruto, e a moça opinava que sempre teria que ser assim.

Quando divisava a Luzia, Furacão era outro cavalo. Ao Slone gostava mais cada dia, e a cada momento se esforçava mais e mais por conseguir que lhe fizesse em algo partícipe de sua afeição à moça. E, embora não o obtinha, sentia-se orgulhoso de que sem violências, ela tivesse tanto domínio sobre o cavalo. Ao princípio esta tinha montado a Furacão sem cadeira; logo a puseram.

O adestrar a Furacão para pô-lo em disposição de poder competir com os outros cavalos era coisa difícil, e Slone tinha idéias pessoais a respeito disso. Aquela tarde, Luzia o fez correr de um extremo a outro do desfiladeiro até lhe fazer entrar em calor; logo Slone monto ao Sarchedon. Furacão sempre relinchava com ar de desafio ver o Sage King ou ao Nagger, e Sarchedon o irritava porque também este se mostrava belicoso. Slone partiu diante de Luzia; fizeram uma carreira ao longo de tudo .:1 desfiladeiro, e apesar de que Sarchedon era um cavalo muito veloz e Slone um cavaleiro sem rival, a carreira se decidiu logo que começada. Furacão correu como o fogo empurrado pelo vento. Tinha vontades de correr e o outro cavalo o estimulava ferozmente. Luzia ia agachada sobre o cangote do animal, formando um tudo com ele, e era tão ligeira que o cavalo parecia que não se dava conta dela mais que pelas animadoras vozes que foram hiriendo seus ouvidos. Luzia nunca o prego a espora, decidida a não usar nunca com ele os incentivos. Aquele dia correram duas milhas e a moça avantajou ao Slone. Ao chegar à meta acaricio a Furacão. Slone voltou com ela e não demoraram para estar no sítio onde aquele acampava.

Mas Luzia não se apeou. Estava verdadeiramente entusiasmada. Cada vez que competia em uma carreira sentia avivar-se toda ela. achava-se muito sufocada, sem fôlego, e seu cabelo estava revolto. Inclinada sobre o pescoço de Furacão, adulava-o, acariciando-o e lhe sussurrando palavras. Slone se apeio e levo ao Sarchedon à parte ; logo foi aonde Luzia estava acariciando ainda a Furacão.

deteve-se um momento para contemplá-la; mas assim que a moça lhe olhou, reatou a marcha até chegar junto a ela, que se achava ainda a cavalo.

-Aconteceu-me você como um projétil.

-Não corre, mas sim vuela-murmurou Luzia.

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-Acredita que hoje teria vencido ao Sage King?

Esta pergunta estava acostumada fazê-la Slone todos os dias várias vezes.

-Sim, hoje o venceria; estou segura-contestó Luzia-. OH, e como me entusiasma! Só o me montá-lo põe já fora de mim. Mas quando corre dessa maneira, OH, Lin ! , sinto uma exaltação gloriosa.

-Verdadeiramente, pode você montá-lo -observou Slone-. Não notei o menor defeito nele nem na maneira que você tem de dirigi-lo. Nunca quebra nem tropeça. Leva uma grande marcha, mas evita todo obstáculo. Vai todo o tempo como louco, ferozmente; mas de uma vez sabe ir por onde lhe mandam. Nunca, Luzia, vi coisa semelhante. Você e Furacão se compenetram. Não podem ser vencidos.

-Seriamente o governo bem?-perguntou ela com doçura.

-Não seria eu capaz de outro tanto.

-OH!, Lin, quer você me adular, quando nem o mesmo Vão poderia competir com você.

-Não me importa isso, Luzia -repôs Slone firmemente-. Você conduziu este cavalo de uma maneira perfeita. Encontrei-lhe defeitos guiando ao Sage King, a seus mustangs e a esse negro Sarchedon; mas nunca com Furacão ! Com ele se supera você.

-O que dirão meu pai, Farlane, Holley e Vão? Deixar pequeno a Vão - disse Luzia -. Eu gostaria de dar uma exibição da velocidade de Furacão um pouco antes de as carreiras em presença dos índios, da gente dos ranchos e dos picadores para que ficassem boquiabertos.

-Não, Luzia, o melhor plano é o de surpreendê-los a todos. você tome parte nas carreiras, mas sem pôr a ninguém em antecedentes a respeito de Furacão, a não ser entrando na luta no preciso momento da saída.

-Sim, será o melhor... Só faltam cinco dias!

Estas palavras puseram ao Slone muito pensativo, e Luzia, vendo-o, ficou pensativa também.

-Certamente, só faltam cinco dias-repitió Slone, pausadamente.

O tom com que o disse convenceu a Luzia de que ele queria falar de novo como em outra ocasião, precipitando o único motivo de disputa que tivessem podido ter.

-Sabe alguém no Vau do Bostil que você vem para ver-me?-perguntou-lhe Slone com viveza.

-Minha tia e ninguém mais. O disse o outro dia, porque compreendi que me esteve observando. Começava a entrar em suspeitas, e tive que falar.

-Que disse?-voltou a indagar Slone.

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-Estava furiosa - repôs Luzia-. Brigou-me. Disse que... Mas, de qualquer maneira, obrigue-a a me prometer que nada revelaria.

-Quero saber o que disse -insistiu o cavaleiro, com intenção.

Luzia se ruborizou, zangando-se um pouco ao sentir algo confusa sua consciência e vendo o tom com que lhe falava Slone.

-Pois disse que se me encontravam aqui se levantaria grande revôo no Vau e que se falaria disso não pouco. Tem a preocupação de que já não sou uma menina... OH, e até disse mais! : "Seu pai seria capaz de lhe matar. E se ele não o fazia, algum dos picadores possivelmente fora capaz de lhe pegar um tiro..." OH, Lin, era completamente ridícula a maneira como me falava minha tia!

-Eu opino que não -repôs Slone-. Temo que tenho feito muito mal em fazê-la vir aqui... Mas o fiz sem pensar! Não estou acostumado a tratar com senhoritas. Merecido tenho, pois, o que possa me conduzir isto.

-É questão minha tão somente -afirmou Luzia, cheia de caráter-. Suspeito, pelo resto, que o mais seguro é que deixarão a você tranqüilo.

Slone moveu a cabeça tristemente. Lhe estava ocorrendo uma dessas idéias sombrias que tanto odiava a moça. Ela sentia também uma inquietante aceleração nos batimentos do coração de suas têmporas.

-Luzia, não haverá a menor duvida sobre minha maneira de ser no momento em que me em frente com o Bostil - expôs Slone.

E algum pensamento pareceu reanimá-lo.

-O que quer você dizer? - perguntou Luzia, um pouco tremente.

via-se tal serenidade e dignidade no Slone, que parecia coisa nova, e acrescentou:

-Direi-lhe que me deixe..., que me deixe me casar com você.

Luzia lhe olhou assustada. Slone estava sofrendo de mortal ansiedade.

-Isso que você há dito não tem sentido! -excla- mó ela vivamente, de uma maneira cortante.

-Reconheço que carece de sentido a possibilidade do que digo-repôs Slone com amargura-, mas meu pró pósito é sensato.

-Não, porque apenas se nos conhecermos... Meu pai se sairia de suas casinhas. Daria com você no chão... Asseguro-lhe, Lin, que meu pai é... é bastante brusco. E precisamente em vésperas das carreiras... E não digam nada se Furacão vencesse ao Sage King!

-Não diga se Furacão vencesse ao Sage King, a não ser quão dou Furacão vença ao Sage King - retificou Slone.

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-Meu pai será de temer -acautelou Luzia-. Por associação de Futebol vor, não lhe você faça semelhante pergunta. Logo tudo e: mundo saberia que você..., que eu...

-Isso é o que quero eu, que todo mundo em seu povoado se inteire.

-Advirto-lhe que é um lugar de quatro almas -observou Luzia vivamente, Todo mundo me conhece. Sou a única moça que vive entre eles. Outros tem terá que pretenderam... E OH!, não quero rir disso com você.

-por que?-perguntou-lhe ele.

Luzia voltou para outro lado a cabeça sem lhe responder. Algo muito fundo em seu ânimo amortecia sua irritação e até tinha que violentar-se para mostrar-se zangada; mas encontrou que isso era bastante fácil com tal de representar-se com claridade a oposição do Slone para ela. Descobriu, sentida saudades, que até então lhe tinha sido muito grato o lhe encontrar dominado com tanta facilidade pela vontade dela.

-Certamente você não me compreendeu -disse ele reatando o diálogo em seguida, com voz pouco segura -. Eu não me esquecimento de que sou tão somente... um cavaleiro,

quase um mendigo. Nunca teria podido ir ao Vau do Bostil, porque parecia um andrajoso...

-Não fale dessa maneira! -interrumpióle Luzia com impaciência.

_Escúcheme -repôs ele-. O lhe pedir a seu pai a mão de você não quer dizer que eu tenha a menor esperança... É que quero simplesmente que todo mundo inteire-se de que a solicitei.

-Mas meu pai, todo mundo, opinaria que você acredita que existe alguma razão bastante capitalista que justifique o que você peça meu emano-exclamó Luzia, enche de rubor.

-Precisamente - repôs ele.

-Mas não há razão alguma absolutamente! Nem um tanto assim de razão à luz do dia -protestou Luzia com veemência-. Eu encontrei a você aí tendido; servi-lhe de algo naquela situação. projetamos fazer tomar parte a Furacão nas carreiras v eu o guiarei, de acordo com o convencionado..., mas não há outra coisa.

O sombrio e firme olhar do Slone desconcertou a Luzia.

-Mas é que ninguém me conhece no Vau, e estivemos nos vendo em segredo.

-Não tão em segredo, posto que eu o contei a meu tía-protestou a moça.

-Sim, mas precisamente ao cabo de muitos dias.

Ao que Luzia replicou com surpreendente energia:

-Lin Slone, nunca lhe perdoaria o que fizesse o que diz.

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-Estimo que isso tem muito pouca importância.

-OH! Então lhe tem sem cuidado.

Luzia se encontrava em um estado difícil de compreender nela. O coração lhe alvoroçava. Queria irritar-se contra Slone. Mas algo lhe ocorria que lhe impossibilitava de obtê-lo de tudo. Não sabia o que notava nele que a fazia sentir-se débil, inconsiderada e egoísta. Slone tinha ferido seu orgulho. Mas o que na verdade temia v o que não acabava de compreender era a estranha alegria que a declaração do Slone lhe tinha causado no mais íntimo de seu ser.

Procurou conservar a serenidade e assim pôde seguir pensando com lógica. Duas emoções pugnavam em seu ânimo uma de grande moléstia ao pensar nas travas que seguiriam à atitude do Slone; a outra era alguma coisa doce, turbador, impetuoso e inexplicável. Era necessário lhe dissuadir de que falasse com seu pai.

-Por favor, não se você aproxime a meu pai-disse lhe pondo uma mão no braço enquanto ele seguia ao lado de Furacão.

-Estou decidido a lhe falar -replicou Slone. -Lin!

Pronunciou esta palavra com um encanto sutil, inexprimível, de intimidade, que até este momento não lhe tinha outorgado. Ele se sentiu atraído como por invisíveis laços, ycogiendo os enluvados dedos dela se os estreito.

E Luzia, que se achava naquele momento no caso da mulher que precisa mandar ou ser dominada, oprimiu com sua pequena mão a dele. Que estranho se o fazia ver como o ter cedido um poquito nada mais a seus sentimentos a levava muito longe! Cada palavra que pronunciava, cada movimento que fazia pareciam lhe exigir mais. Não se conhecia si mesmo.

-Lin!, me prometa que não falará com meu pai.

-Não puedo-respondo decidido.

-Não me descubra; não o diga a meu pai.

-O que? - preguntóle ele com incerteza.

Luzia não acabava de lhe compreender, mas o assombro com que ele o perguntava e seu olhar perdida eram elementos que vinham a lhe ajudar a penetrar no tumulto de seus pensamentos. Cem idéias simultâneas se formavam redemoinhos em seu cérebro, e, não obstante, todas pareciam apagar-se ante a morna sensação do contato com aquela mão varonil. Que é o que ela pensava que Slone podia querer lhe dizer a seu pai? No mais fundo de sua consciência parecia existir uma oculta e profunda vontade e domínio de si mesmo. E daquelas profundidades lhe pareceu que surgia como uma voz lhe assegurando que Lin Slone podia ter mais esperança naquela ocasião que em nenhum outro momento de seus extraviados sonhos. Mas mesmo assim e todo lhe disse nobremente:

-Lin; se falar você com meu pai, assim que ele se inteire... perderá-se toda esperança para você.

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Se Slone compreendeu todo o sentido daquelas palavras, não lhes deu crédito. E voltou a dizer com teima:

-Uma vez terminadas as carreiras apresentarei ao Bostil, é coisa resolvida.

Luzia perdeu o domínio de si mesmo e não pôde menos de exclamar:

-Ah, é você um louco, completamente louco!

Como se tivesse recebido um golpe, Slone retrocedeu, e uma quebra de onda de sangue escuro subiu pelas veias de seu rosto.

-Não, não é loucura - replico-, é que vejo que essa é a única maneira de proceder em meu caso.

-Seja a única ou não, isso me tem sem cuidado. O certo é que não me pode pôr em línguas dessa maneira. Não o compreende?

-Compreendo com muita mais claridade que antes em que eu sozinho era um caçador cegado por sua paixão por um cavalo. Agora sou um homem que solo sonha em uma moça... Oxalá não tivesse chegado nunca o momento em que você me encontrou!

Luzia giro sobre a cadeira para apear-se, em tanto que Furacão saltava. Assim que este se tranqüilizou em seus saltos, entrego as rédeas ao Slone e lhe disse, toda convulsa

-Não montarei a Furacão nas carreiras!

-Luzia Bostil, queria estar tão seguro do que é o céu como de que você tomará parte com Furacão nas carreiras.

-Não quero montar em seu cavalo.

-Diz meu cavalo, o meu, verdade? Mas eu digo que você guiará a Furacão esse dia.

-Não!

Slone empalideceu de súbito e por seus olhos passo como um lúgubre fulgor.

-Não poderá você evitá-lo, em tanto que me seja possível.

-Vejo que não me conhece bem, Lin Slone -repôs ela com chocalho-. Se você for teimoso, mais teimosa sou eu.

Era evidente que Slone conservava a calma, por mais que continuasse extremamente pálido. Até chegou a sorrir a Luzia.

-Você é a filha do Bostil -disse.

-Certo.

-Se alguma mulher tiver sangue e ossos de caballista, essa é você. Você quer a Furacão. E, o que é mais estranho, este cavalo selvagem, este matador de cavalos, a

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segue a você da maneira que vê, relincha chamando-a, corre como o raio por você: quê-la.

Slone tinha posto o dedo no ponto sensível. A moça sentia uma força que a dominava. Nem se atrevia a olhar a Furacão. Sim, era certo quanto Slone dizia. Que desesperador lhe era a idéia de ter que renunciar a tomar parte nas carreiras, estando segura de ter em sua mão a vitória! Mas, ainda assim e tudo, voltou a dizer, baixando o tom

-Nunca! Jamais voltarei a montar a seu Furacão.

-Meu Furacão, diz? De maneira que todo o inconveniente é esse? Pois bem, quando você tome parte nas carreiras, Furacão não será meu.

-Que quer você dizer?-repôs Luzia-. Que o venderá a meu pai? Ora! Não poderia!

-Como ia-eu a vender a Furacão, com o que me há flanco lhe dar caça e domá-lo...? Não o venderia por todas as terras, dinheiro e cavalos juntos de seu pai.

A voz do Slone tinha agora um profundo timbre de ironia. E Luzia, dominando seu caráter, começava a admirar a serenidade do cavaleiro, seu domínio da situação, percebendo no algo vago e formidável que a feria.

Slone avançou para ela e Luzia retrocedeu até o tronco de um cedro que lhe cortava a retirada. Slone estava mais pálido que nunca, e o coração lhe deu um salto à moça ante o temor de que ele tentasse agarrá-la em braços. Mas não era esta sua intenção. O que fez foi repetir asperamente

-Quando correr você na prova guiando a Furacão, o cavalo será de você!

-Como é possível isso? -exclamou ela, assombrada.

-Eu lhe dou de presente Furacão.

-Que você me dá de presente Furacão! -repetiu Luzia com crescente assombro.

-Sim. Desde este momento.

Ao afirmá-lo assim Slone, seu rosto pálido e seus escuros olhos deixavam traslucir a grande violência interior que semelhante sacrifício lhe causava.

-Lin Slone...! Não lhe compreendo

-Você tomará parte nas carreiras com Furacão. Tem que derrotar ao Sage King... Para isso lhe rogo que aceite meu cavalo. Não pode você opor-se.

-Mas por que me dá de presente o cavalo? -voltou a objetar ela entrecortadamente.

desvaneceram-se todo seu orgulho e todo seu caráter, e se perdia em muito confusões.

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-O dou porque você o quer, e lhe tem uma irresistível querencia... E se isto não lhe parece bastante razão... faço-o porque quero a Furacão como nenhum cavaleiro a seu cavalo e porque a quero a você como nenhum homem é capaz de querer.

Eram as primeiras palavras de amor que saíam de seus lábios. Luzia inclino a frente. Ela adivinhava suas pretensões, embora ele nunca se atreveu às insinuar, salvo em uma ocasião em que isso motivo um esforço de desgosto. Com o peito transpassado de dor, Luzia se lamentava -em seu foro interno de que Slone não lhe houvesse falado antes naquela forma. Transformaram-na de tal maneira aquelas palavras, que era como se acabasse de voltar para a vida pela segunda vez. Algo se tinha transformado. Algo tinha vindo de repente a lhe dar uma sacudida no coração. sentia-se tremer como a folha da árvore, sem a menor força para contrair um músculo. E compreendia que se levantasse os olhos, Slone leria com toda claridade os mais secretos sentimentos de sua alma. levo-se as mãos ao rosto, e mesmo assim lhe parecia ver através delas o deserto, tudo de ouro fundido, com brancuras e manchas azuis, como iluminado pela luz lunar dos sonhos; e que os altos penhascos se acrecían solenes e grandiosos, como imperativos reveladores de seu amor e de sua alegria. E de súbito se encontrou sentada ao pé do cedro, chorando, com as mãos úmidas sobre os olhos.

-Não é para chorar-lhe disse Slone -. Mas deploro seriamente lhe haver causado tanto dano.

-Quer me fazer o favor de me buscar ao Sarchedon? -rogou-lhe Luzia Luzia com voz trêmula.

Enquanto Slone ia pelo cavalo e o selava, Luzia se compôs um pouco. Dois intensos sentimentos a acossavam : o desejo de dizer algo ao Slone e umas vontades invencíveis de sair ao galope. Ao fim decidiu responder a ambos.

Slone lhe trouxe o cavalo. Ela ficou as luvas, e, montada já, deteve-se um momento para ordenar sua saia, enquanto olhava ao Slone, que estava em pé, junto ao cavalo. A brancura da tez do homem era já como uma palidez mortal. Seus olhos denotavam uma profunda tristeza. Luzia sentiu o intenso pulsar de seu coração e um calafrio percorreu seu corpo deliciosamente.

-Lin, não quero aceitar a Furacão -disse ela.

-Aceitará-o você. Não pode negar-se a isso. Pense que ele sozinho quer estar com você. Seria injusta para com o pobre animal.

-Mas o cavalo é tudo o que você tem no mundo -protestou Luzia, com tudo e saber que tudo protesto seria vão.

-Não; fica meu bom, leal e antigo camarada Nagger.

-Seria você capaz de lançar-se à busca e captura de outro Furacão?

Agora Luzia lhe falava fazendo uso do suave poder que tinha de outorgar um pouco de felicidade aos outros. -Não quero já caçar mais cavalos. Além disso, não encontraria outro Furacão em toda a terra.

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-você suponha que eu me nego absolutamente a aceitá-lo.

-Como tem que recusar? Não o digo. por mim, mas sim pela sorte de Furacão... E se você o diz a sério e não retifica, pode ir-se Furacão outra vez em boa hora, solto, a seus campos desertos.

-Não! -exclamo Luzia.

-Confio que isso não será necessário.

Luzia fez uma pausa. Tinha a língua seca e respirava com trabalho. Um resplendor estranho, fulgurante, pareceu circundá-la de repente. Também o vermelho cavalo parecia achar-se envolto no mesmo resplendor, em tanto que os enormes penhascos contemplavam à moça desde sua altura com gesto paternal, sensato e repousado, irradiando cores de felicidade.

-Furacão necessita vários dias de exercício ainda -observou ela -; logo um dia de descanso, e ao dia seguinte as carreiras.

Um sorriso começava a trocar a dureza de seu gesto.

-Assim é, Luzia.

-E sou eu, em efeito, quem o tem que montar?

-Indubitavelmente, se alguma vez Sage King tiver que ser derrotado.

A Luzia lhe iluminaram de azul os olhos. representava-se a toda a gente cheia de espera : os curiosos e familiares índios, os cavaleiros ofegantes, os cavalos ágeis, o rosto de seu pai, e, por fim, a carreira, uma carreira sem precedentes, velocísima, empenhada, prodigiosa.

-Assim, pois, Lin -disse Luzia, com uma suave agitação em seu peito -, se eu aceitar a Furacão, você me guardará isso até que...? E se o aceito, e lhe indico a causa disso, promete-me você dizer...?

-Não me faça mais perguntas! -disse Slone, interrompendo-a com precipitação -. Eu desejo falar com o Bostil.

-Só quero uma coisa: promete-me não me dizer nenhuma palavra mais, até depois do dia das carreiras?

-Nenhuma palavra... a você? A respeito de que? -indagou ele, desorientado. Algo viu Luzia em seus olhos que lhe produziu o efeito de um amanhecer.

-Quero que não me diga nada aproxima... do porque tenho que aceitar o cavalo.

-O prometo -respondeu ele com presteza.

Então Luzia se acomodo bem na cadeira, corto as rédeas e se dispôs a esporear ao Sarchedon para que, de um salto, ficasse em marcha. E naquele momento a moça exclamou:

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-Lin, aceito o cavalo porque... quero a você.

Sarchedon deu um salto para diante, e Luzia não pôde ver a cara que pôs Slone nem lhe ouviu acrescentar nada. Partiu por entre as matas de salvia, deixando atrás a Furacão, que relinchava vendo-a ir-se, e sentindo a doce carícia do vento em suas bochechas. E não voltou nenhuma só vez a cabeça.

XI

Durante todo o mês de maio esteve crescendo uma idéia sinistra e negra no ânimo do Bostil. De momento a rechaço, como indigna de um homem como ele. Mas a idéia insistiu. Não podia negá-lo. Fomentavam-na circunstâncias especiais e imprevistas. As conversações com o Creech, as ações subrepticias da moço Joel e, sobre tudo, as falações devidas ao favorito do Creech eram coisas que foram aumentando, aumentando na imaginação do Bostil a idéia monstruosa que não podia jogar de si. De maneira que se voltou caviloso e sombrio.

Podia acreditar uma prova de sua intensa preocupação o que não se precaveu das largas ausências de Luzia. Mas já o tinha observado ele, muito antes de que Holley e outros cavaleiros lhe levassem a notícia.

-Deixem estar-dizia mal-humorado a seus homens-; encarregue-lhe da preparação do Sage King e quando Vão se encontrou restabelecido, ela já tinha adquirido a costume de correr a suas largas; agora já sabe velar para si mesmo.

Mas quando ficava sozinho se dizia:

-Que diabos terá encontrado por aí essa menina? Apostaria a que prepara alguma trastada.

E, entretanto, absteve-se de lhe dizer nada, porque no fundo de sua consciência se precavia de que não poderia confrontar o olhar penetrante dos olhos de seu filha, e durante aqueles dias se alegrava de poder evitar a presença freqüente de Luzia, pois havia momentos em que não lhe era possível ocultar o que lhe passava.

Bostil tinha medo de que sua filha descobrisse o que se ia forjando em sua imaginação. A ninguém mais temia. Holley, o velho cavaleiro, de olhos de falcão, era capaz de penetrar em seu ânimo ; mas Bostil estava persuadido de que podia contar com a lealdade do Holley em todo momento, visse o que visse.

A fins de mês, assim Somers retornou da caça de cavalos, Bostil lhe encarregou que arrumasse, junto com o Shugrue, a barco chata do Vau, e ele mesmo se personó no lugar da reparação, feito este digno de ser tido em conta pelo estranho.

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-Ponham novas pranchas - ordenou aos homens - e vertam alcatrão fundido nas frestas. Logo depois disso, uma vez seco o alcatrão, expulsarão à água a barco, mas não o façam até que eu lhes ordene isso.

Todas as manhãs, o filho do Creech passava a remos a corrente para ver como ia a reparação da barco que tinha que conduzir à outra borda o gado de seu pai. Ao terceiro dia pela manhã. Bostil encontrou ali ao Joel Creech. Joel parecia ter impaciência por lhe dizer algo. Era na verdade uma moço de olhar anormal.

-Bostil, velho amigo, vem você a ver quando correio

drán passar os cavalos ao outro lado? Lá não há pastos.

-Mas não ocorrerá nada, Joel - repôs Bostil-, pois o rio não cresce ainda... Que tal vão seus cavalos?

-Magnificamente, senhor! -exclamou sem malícia a moço-. Peg corre muito mais que o ano passado; mas terá que ver, apesar de tudo, como lhe avantaja Blue Roam em uma milha, com grande facilidade. Meu pai está disposto a apostar tudo que tem. Roam não pode perder este ano.

Bostil se sentiu como o touro mordido por um sabujo. Blue Roam era um cavalo jovem, que cada ano tinha ganho em condições e em velocidade. Sage King havia alcançado o máximo de sua rapidez. E isso era garantia para o Bostil de que, como não ocorresse algum acidente adverso, a carreta era para seu favorito, ao que nenhum cavalo de todas aquelas terras poderia derrotar. Mas a sorte é um elemento volúvel.

-Eu aconselhava a meu pai que fizesse passar de uma vez os cavalos a nado - declarou com toda intenção Joel.

-Ah, ah ! Isso lhe dizia... ? E por que? -perguntou-lhe Bostil.

A tolice e a franqueza do moço desapareceram com aquela pergunta, e com elas suas faculdades racionais. Olhou-lhe fixamente. Seus olhos desfocados lançavam como dois raios malignos. Resmungou umas palavras incoerentes, começou ao mesmo tempo a tornar-se atrás sobre o esquife, e cada vez seu balbuceio foi mais forte, até que terminou lançando verdadeiros gritos, incoerentes sempre.

-A este falta seriamente um tomillo-observou Somers.

E Shugrue, a sua vez, moveu sua acinzentada cabeça de significativa maneira.

Bostil não fez o menor comentário. separou-se do terreno baixo onde os dois homens trabalhavam e se sentou em uma pedra adequada que encontrou. De ali esteve observando a corrente sinuosa, lenta e vermelha, e escutando com atenção. Ninguém conhecia como Bostil o estranho, o implacável Avermelhado. Nunca se equivocava ao antecipar o que o rio ia fazer.

Naquela ocasião escutava como se o maligno e bronco rumor, o ruído da água, os súbitos lhe chape isso que de ali percebia, fossem uma linguagem só para ele decifrável. O rio estava a sob nível, como se se sentisse cansado e débil. A água baixava suja, avermelhada, em

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lentos redemoinhos e quebras de onda. Às vezes a corrente era quase imperceptível, e logo, de repente, acelerava sua velocidade. Parecia um riacho petulante, que se entretinha, mas que não podia deixar de sobrevir com uma ameaça cruel. Trazia mil vozes, mas não a- única que Bostil queria ouvir.

Depois Bostil começou a subir pelo caminillo ascendente, com sombria expressão, detendo-se em cada curva escura, como resistindo a chegar ao alto, a plena luz. E quando chegou ao povoado se sacudiu nervoso, como quem tenta jogar fora de si um pesadelo maligno, lhe obcequem e opresora.

Só faltavam uns dias para as carreiras. No prado de salvia tinham começado a acampar os piutes e os navajos, e seu número ia crescendo por horas. Se construíam abrigos com ramos de cedro. Aqui e lá ascendiam espirais azuis de fumaça. Por toda parte se divisavam mustangs e põe pastando, e com o passar do terreno uma fileira de índios que presenciavam as provas e exercícios de alguns cavaleiros. O povoado estava cheio de corredores, traficantes em cavalos, caçadores e gente dos ranchos. A vida destes se interrompeu aqueles dias, e ao cabo de um ou dois mais, todos os habitantes da região estariam concentrados no Vau do Bostil.

Bostil entrou no povo, vendo com contrariedade que a presença dos índios, os cavaleiros e os cavalos, a atividade, o colorido e o trajín que anunciava a iminente chegada do dia das carreiras, eram coisas que tinham perdido para ele, aquele ano, não pouco de seu típico sabor, pelo que outras vezes lhe tinha procurado um grande regozijo e múltiplos negócios. Era o quem tinha trocado. Algo lhe passava, mas não tinha mais remedeio que aproximar-se dos forasteiros e lhes dar a bem-vinda como de costume. Ele, que vinha sendo desde antigo a alma daquelas jornadas, estava obrigado a continuar sendo-o aos olhos de outros. E foi para ele árdua empresa, porque seus velhos amigos que entre os índios e os cavaleiros tinha lhe saudavam com grande alvoroço. Bostil era conhecido como velho ladino e negociante em cavalos, mas deste modo como amigo leal. Não poucos índios e cavaleiros lhe festejavam, rodeavam-lhe e animavam, até o ponto de lhe fazer esquecer suas reflexões e entrar em apostas e entendimentos.

A loja do Brackton era, como sempre, uma espécie de quartel geral de todos os forasteiros. Acabava de entrar nela Macomber, entusiasmado e orgulhoso do cavalo que trazia disposto a arriscar nele todo seu dinheiro.

Dois índios navajos, chamados pelos brancos "Cavalo Velho" e "Prata", e que eram chefes de tribo, acudiram ali pela primeira vez. Estavam dispostos a permutar ao azar cavalo por cavalo. Também tinham chegado já Cal Blinn e seus picadores, além do Colson, Sticks e Burthwait, antigos amigos e rivais do Bostil.

Fazia já momento que a alegria reinava na loja do Brackton. bebia-se e se jogava muito. Era coisa sabida que Bostil não deixava de aceitar as apostas que se fizessem-lhe sobre o Sage King. Além disso apostava sobre outros cavalos. Enquanto se tratava de seus cavalos, punha todo seu amor próprio nas apostas ; mas nas carreiras em que tomava parte seu gado parecia divertir-se apostando, como em um jogo entretido cujo resultado lhe importasse muito pouco.

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Por de repente, havia duas apostas sobre o Sage King, ambas de índios. Macomber apostava por seu cavalo em segundo ou terceiro lugar da carreira principal. As apostas que lhe propôs Bostil não lhe interessaram.

-Né! Por onde anda Wetherby? -gritou Bostil-. Que deva apoiar a seus cavalos.

-Wetherby não chega até manhã -respondeu-lhe Macomber-; mas se querem apostar com ele tem que ser de dois contra um.

- Aqui lhe chamam, Bostil! -gritou o velho Cal Blinn-; se quiser que eu aposte pelo Sage King, tem que esperar a que eu o veja correr. Até então não expor meu dinheiro.

E Colson interveio a sua vez:

-Por minha parte ainda não decidi que cavalo pôr a prova.

Burthwait, velho picador, aproximou-se do mostrador do Brackton e depositou uma bolsa, apostando contra todo o campo, o qual deixou a todos perplexos.

-me valha Deus] -exclamou Bostil, lhe pondo uma mão no ombro-; vejo que não anda você sem pensar duas vezes, e não tem o que apresentar.

-Como que não? -repôs o outro-. Tenho um soberbo cavalo. Deve ter uns quatro anos; nasceu e vivio selvagem, e nunca o viu você.

-Um cavalo selvagem? Ora! -exclamou Bostil-. A ver quem o monta.

-Digo-lhe, Bostil, que o monta quem sabe guiar um raio.

-Homem, celebro-añadió-o Bostil asperamente. E voltando-se para dono do estabelecimento lhe pergunto -: Brack, quantos cavalos tem inscritos para a grande prova?

Brackton, raspado e cinza, curvo-se sobre seu livro, enquanto todos os pressente calavam esperando a resposta com espera.

-Aqui tenho os seguintes apontados: Sage King, apresentado pelo Bostil; Blue Roam e Peg, pelo Creech; Pés Brancos, pelo Macomber; Rocks, pelo Holley; Hosshoes, pelo Blinn; Bay Charley, pelo Burthwait. Logo os dois mustangs apresentados por "Cavalo Velho" e por "Prata", e finalmente Furacão, por Luzia Bostil.

-Que cavalo é o último? -inquiriu Bostil.

-Furacão, que apresenta Luzia Bostil - repetiu Brackton.

-Mas é que minha filha tem inscrito um cavalo?

-Como o ouve. Veio hoje aqui com toda naturalidade e com ar de negócios, escreveu no livro o nome de seu cavalo e depositou a importância da matrícula.

-Bom, bom. Maldita seja a...! - exclamou Bostil. assombrado e agradado a um tempo -. Já me disse que faria isso, mas não acreditei. E como se chama o cavalo inscrito?

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-Furacão.

-Hum! Furacão? Não há dúvida de que essa muchaca sabe procurar nomes aos cavalos. E qual será esse que se chama Furacão?

-Não disse uma palavra a respeito disso -replicou Brackton-. Quando chego estavam aqui Holley, Vão e alguns outros que brincaram um pouco com ela. Por exceção parecia muda. Logo parto com ar de mistério.

-Com toda segurança, Luzia comprou um poney a algum destes índios-exclamo Bostil, tornando-se a

rir-. De modo que assim os cavalos inscritos são dez, não é certo?

-Isso. Mas, com segurança, inscreverá-se algum mais. Eu acredito que a pista é suficiente larga para doze cavalos.

-Têm que ter em conta, Brackton, que um irá diante e todos outros lhe seguirão de um modo escalonado-replico Bostil com secura- Não há dúvida, pois, de que a pista é bastante larga.

-Será uma carreira estupenda -exclamou um caballista entusiasta-. Eu gostaria de ter um milhão para apostá-lo.

-E agora que me lembro, Bostil -continuou Brackton-; Cordts me enviou aviso, por meio dos piutes que chegaram hoje, a respeito de que ele virá com toda segurança.

Mudança de repente a expressão do rosto do Bostil; pareceu como se a luz lhe tivesse abandonado, pois se escureceu. Não replico ao Brackton nem tampouco deu mostra de ouvir os comentários que se faziam a seu redor. A opinião pública era adversa à permissão que Bostil se dispunha a dar ao Cordts e a seus cuatreros para que pudessem presenciar as carreiras. Bostil estava muito sério, ao parecer pesaroso. Entretanto, todos sabiam que, apesar de seu caráter estranho e da perversidade de sua natureza como caballista, queria que Cordts presenciasse a vitória do King naquela carreira. Obrava assim impulsionado por sua vaidade e para desafiar cara a cara um famoso cuatrero. Mas era indubitável que nenhum bem resultaria da presença do Cordts.

Houve um momento de silêncio. Embora aqueles homens não temessem ao Bostil, o certo era que às vezes estavam a desgosto perto dele. E alguns, mais imprudentes que discretos, gostavam de lhe irritar, dando com isso uma nova prova de uma das debilidades dos aficionados a cavalos.

-Quanto chegarão os cavalos do Creech? - perguntou Colson com repentino interesse.

-Parece-me que logo -replicou Bostil a contra gosto e apressando-se a sair.

Ao chegar a sua casa tinha desaparecido já nele à excitação da hora anterior; mas, de todos os modos, seguiu muito mal-humorado.

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Evito encontrar-se com sua filha e esquecimento o fato de que a jovem tivesse inscrito um cavalo para a carreira. Janto sozinho, sem dirigir a palavra a sua irmã. Logo, ao anoitecer, saiu aos currais e chamo o King para que fosse à cerca. Entre o homem e o cavalo existia um grande afeto. Bostil falo em voz baixa, como se fosse a uma mulher, ao Sage King. Aquele caballista duro de coração se emociono e até sentiu um nó na garganta, porque ao achar-se em contato com o King recordou que outros homens amavam a sua vez a outros cavalos.

Bostil voltou para sua casa e se encaminho a sua habitação aonde, às escuras, entrego-se a suas reflexões. Pouco a pouco, tudo foi tranqüilizando-se a seu redor. Logo, de repente, e como violentando-se, dispôs-se a fazer algo estranho nele. Quitóse as botas e se calço um par de mocasines. Saiu deste modo da casa, sem abandonar a calçada, encaminho-se para a saída do povo e, penetrando por entre as matas de salvia, deu meia volta para aproximar-se da borda do rio. E com a segurança, os passos e os olhos próprios de um índio, descendeu por aquele canhão, negro como a tinta, até chegar ao rio e ao Vau.

A corrente parecia ser quão mesma durante o dia. Ele esquadrinho com o olhar através das sombras. O rio que tanto conhecia seguia correndo, envolto nas trevas, misterioso e murmurador. Bostil se aproximo da borda da água e sentando-se ali escuto. Sim, as vozes da corrente eram as mesmas. Mas depois de comprimento momento se imagino que entre elas percebia outra voz muito mais débil e como se procedesse de grande distancia. Primeiro imagino, duvido logo e, por fim, esteve seguro; mas quase imediatamente voltou a acreditar que isso era filho de sua fantasia. Em sua mente só havia uma idéia e todo se relacionava com ela. Esforçou o ouvido durante tanto momento e com tal intensidade que, ao cabo, esteve seguro de ter ouvido o que desejava. Imediatamente voltou a tomar o caminho de volta e entro em sua casa com o mesmo silêncio com que a deixasse, e com passos tão quedos e silenciosos que teriam sido mais próprios de um índio.

Mas Bostil não pôde dormir nem descansar.

À manhã seguinte, muito cedo, voltou para rio. Somers e Shugrue tinham terminado de reparar a embarcação e estavam aguardando. Também havia ali outros homens curiosos e interessados. Joel Creech, descalço e cheio de farrapos, com os olhos afundados e os movimentos ex

travagantes, achava-se passeando pela areia da borda.

A embarcação estava com o fundo ao ar. Bostil examino a costura dos tablones e as novas pranchas de madeira do fundo. Feito isto, endireito-se.

-lhe dê a voltada-ordeno- Coloca-a no rio e deixa que se umedeça a madeira.

Todos pareciam satisfeitos. Joel Creech ouviu as palavras e se aproximo do Bostil.

-Irá você a procurar os cavalos de meu pai? -perguntou.

-Sem dúvida. Mañana-replico Bostil muito contente.

Joel sorriu e naquele sorriso demonstrou o que teria podido ser do se as condições de sua vida tivessem sido algo melhores.

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-Devo lhe dizer, Bostil, que sinto muito o que antes disse -exclamou Joel.

-te cale. vá avisar a seu pai.

Joel se meteu em seu esquife, e uma vez nele começou a remar com vigor para atravessar a corrente. Bostil ficou observando aos homens que estavam ocupados em dar a volta à embarcação para fazê-la deslizar logo pelo banco de areia e atá-la, por fim, solidamente ao embarcadero. Bostil noto que nenhum dos ali pressente tinha descoberto nada desacostumado no rio. E, em realidade, não era possível ver coisa alguma, porque a corrente seguia sendo a mesma.

Ao sair lhe abandono a opressão que havia sentido desde que anoitecesse. Quão intermináveis foram as horas! Já não lhe curvavam a ansiedade, a dúvida nem a incerteza. A noite era escura, no céu se viam muito poucas estrelas e o ar frio se fazia sentir. Contra seu acalorado rosto soprava um vento suave. O cão de um vizinho, que ladrava com acento muito triste, sobressalto ao Bostil. deteve-se para escutar e logo se deslizo por debaixo dos álamos através da salvia e seguiu o atalho até chegar ao canhão, que então estava sumido em profundas trevas. Entretanto, o seguiu o atalho com a mesma segurança que se fosse de dia. Na escuridão de seu quarto foi escravo de sua própria indecisão; mas agora, em que reinava entre os altos escarpados, sentíase livre, resolvido e imutável.

A distância lhe pareceu muito curta. Passo mais à frente do estreito canhão, seguiu a borda da garganta sobre o rio e descendeu a um sombrio anfiteatro, dominado pelo alto peñascal.

O bote seguia amarrado ao embarcadero e um de seus extremos descansava ligeiramente sobre o banco de areia. Com mãos fortes e nervosas, Bostil apalpo os nós do cabo. Logo olhou para a sombra opaca daquela estranha e enorme abertura em forma de V, que havia entre as grandes paredes do canhão. A mente de Bostil começou a perguntar-se se estava sozinho. À exceção do leve murmúrio do rio, reinava um silêncio de morte, que não se parecia com outro algum, e muito próprio de aquele lugar, cercado por tão altas muralhas. Entretanto, Bostil escrutino as sombras e logo levanto os olhos. As desiguais muralhas se erguiam altivas e negras; por entre elas apareciam algumas frite estrelas, e o tom azul do céu não parecia aveludado como de costume. Quão longe estava o bordo rochoso do canhão! E, de repente, Bostil sentiu um ódio profundo por aquele enorme fossa, tão negro como o ébano.

aproximo-se da água e, sentando-se na pedra que com tanta freqüência tinha ocupado, começou a escutar. Voltava o ouvido para a parte alta da corrente, e logo em direção contrária e também a um lado, para fixar-se, por fim, na primeira direção escutando atentamente.

O rio parecia o mesmo de sempre.

Sua corrente era lenta, copiosa, incansável; formava remansos e se entretinha às vezes, mas sem interromper nunca o curso de suas águas ; quer dizer, que, ao parecer, não tinha sofrido a menor transformação. Chapinhava com suavidade, murmurava e gorgoteaba fracamente. Produzia em ocasiões, leves sons musicais e o ruído próprio de seus pequenos saltos. Corria a água; mas, entretanto, dava mostra de fazê-lo com preguiça. Às vezes parecia

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que a corrente se interrompesse por um momento e logo prosseguia a marcha. Era um rio de mistério que, com sua leve música, dizia uma mentira. Enquanto Bostil escutava aqueles ligeiros ruídos aquáticos, pareceu-lhe que se confundiam em um gemido e que este continha um rugido tão suave, que solo podia percebê-lo um ouvido acostumado a isso.

Não, o rio não era o mesmo, porque a voz de seu suave queixa indico ao Bostil seu significado. Ressonava no longínquo Norte, no Norte dos picos talheres de gelo, que começavam a resplandecer pouco antes da aparição do sol; onde havia enormes canhões cheios de neve que já iniciava sua fusão; onde abundavam os arroios de cristal que, de repente, tingiam-se e se turvavam, enchendo por completo seus estreitos leitos que atravessavam os prados da montanha; onde havia numerosos regatos, que foram saltando por entre as rochas, para acrescentar seu volume às correntes, cada vez mais turvas, que se deslizavam pelos pendentes. Era a voz de todas aquelas águas separadas e dispersadas por um mágico poder, até que foram parar ao solitário rio, para convertê-lo em uma potente e ruidosa corrente, vermelho e sujo, terrível em sua violência, cada vez maior, até que se metia no canhão, profundo e poderoso e, ao mesmo tempo, rápido; quer dizer, o Avermelhado quando vai crescido.

Quando Bostil ouviu aquela voz, ponho-se a tremer. O que significaria? Assaltavam-lhe mil idéias distintas como resposta, mas nenhuma delas era clara. Sentiu um calafrio e, logo, que este lhe invadia todo o corpo dos pés. Estes os tinha metidos na água. apressou-se a tirá-los e inclinando-se observo a escura massa da corrente. Esta crescia por momentos, polegada a polegada e com a maior rapidez. O rio estava crescendo.

Bostil deu um salto como se estivesse poseído pelos demônios. O sangue quente alago suas veias e começou a tremer.

-Por Deus! E ou tinha razão! O rio está crescendo!-exclamo com voz rouca.

A certeza que sentia lhe fez fixar no rio seu olhar fascinado. Tudo tinha trocado ao redor. O murmúrio e o gemido se converteram em um rugido apagado. Tinha desaparecido a música. A corrente se jogava contra as bordas rochosas. O rio parecia um ser inquieto e atormentado. A luz das estrelas brilhava sobre as águas escuras, resplandecentes e desassossegadas, desiguais e estranhas. E enquanto Bostil observava, evidenciou-se a natureza destruidora e desumana do rio.

Bostil começou a ir de um lado a outro pela areia da borda e pensou naqueles formosos cavalos de carreiras no momento de atravessar o rio.

-Ainda não é muito tarde -murmurou-. Ainda poderei obter que a embarcação cruze o rio.

Sabia que à manhã seguinte o Avermelhado, muito crescido, aprisionaria a aqueles cavalos em um canhão nu, condenando-os à morte.

-Seria espantosa! Não pode fazer isso, Bostil. Não é homem para isso. Seria como envenenar o poço aonde os cavalos vão beber ou queimar a erva a seu redor. O que pensaria de ti Luzia? Não, Bostil. Deixaste-te levar pelo rancor. te apresse agora e salva aos cavalos.

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aproximo-se da embarcação, que já flutuava livremente, pois até inclusive corria água entre ela e a borda. Bostil pôs as mãos sobre os cabos e, ao fazê-lo, pensou no Creech e lhe pareceu que lhe rodeavam as trevas. Esquecimento os cavalos do Creech. Algo se apodero dele, lhe atormentando : um sentimento amargo que lhe pareceu ser ódio contra Creech. De novo lhe invadiu uma quebra de onda de fogo e suas mãos enormes se esforçaram sobre os cabos. O gênio mau do rio se deu procuração dele. Disponíase a arruinar a um homem e até mais que lhe arruinar, pois queria destruir tudo que amava seu rival. Rodeado pela escuridão, pelas trevas e pelas sombras sinistras do canhão, assim como pelo rugido, cada vez maior, do rio, todo isso lhe impulsiono a realizar seu intento, deu-lhe ânimos, empurro-lhe e luto e estrangulo, por fim, a resistência que havia em seu coração. E enquanto refletia, a justificação do que se dispunha a fazer crescia e se vigorizava como o mesmo rio desumano. Acaso o filho de seu inimigo não lhe pego um tiro depois de haver-se emboscado? Não estava sua própria vida em jogo? Era preciso acogotar ao Creech, lhe dar um golpe tal que o destruíra ou lhe desse o valor de ir a seu encontro, armado de um fuzil. Em sua tormenta, Bostil adivinho que Creech saberia muito -bem quem foi o autor de sua ruína. E veríanse frente a frente, segundo Bostil tento mais de uma vez. Então compreendeu que em sua alma havia uma sima tão profunda como aquele canhão no que rugia o rio. Por um momento retrocedeu ante sua visão mental, mas as fúrias da paixão lhe emprestaram novos ânimos. Suas mãos começaram a desfazer os nós dos cabos. Logo foi de um lado a outro, na escuridão, notando que por momentos trocava a voz do rio. Ao cabo de uma hora teria chegado a avenida e seria muito tarde.

Bostil recordou, de novo, os brilhantes e esbeltos cavalos puro-sangue : Blue Roam, cavalo selvagem que desejo possuir, e Peg, égua que não tinha rival em as terras altas; mas podia comparar o ódio do Bostil por um homem com o amor para os cavalos? Começou a suar e aquele suor pareceu lhe queimar a pele.

-Quanto demorará Creech em inteirar-se de que o rio está crescendo e em dar-se conta do que vai ocorrer? -murmuro Bostil com acento sombrio.

E esta pergunta lhe demonstrou que estava perdido. Suas lutas, suas dúvidas, o temor e o horror eram inúteis por completo. Proponíase condenar aos cavalos de Creech. Aquilo foi algo inalterável do momento em que lhe ocorreu a idéia odiosa e insidiosa. Foi irresistível e, por fim, converteu-se em um propósito vigoroso, duro, feroz e implacável. Mas reajo e voltou para os cabos. Os nós, inundados na água, estavam já inchados e não pôde desfazê-los. Por isso começou a cortar seus fios um após o outro e ao fim o bote, ao ficar livre, foi miserável pela corrente e ficou fora de seu alcance.

Instintivamente Bostil alargo as mãos para agarrá-lo.

-meu deus! escapou-se! -murmurou-. O que tenho feito?

Ele, Bostil, que tinha criado aquele passado do rio mais famoso com o nome de Vau do Bostil, tinha deixado escapar o bote. Era uma coisa inconcebível.

Cresceu em intensidade o rugido do rio, de um modo triste, ameaçador e incessante, interrompido, às vezes, por estranhos gorgoteos e lhe chape isso à medida que a massa de

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água rompia contra a borda. A vinte pés de distância flutuava a embarcação, que, ao ser arrastada pela corrente, girava com lentidão. Parecia pouco desejosa de afastar-se. imobilizo-se quase em um dos redemoinhos da borda, mas as pequenas e fortes cheire começaram a lambê-la, cheias de fome e de desejo. Bostil observava a embarcação com os olhos muito dilatados. A corrente se apoderou de uma das extremas e a água se arrojo ruidosa contra ela. Pareceu que uma mão poderosa, como se pertencesse a um gigante, fazia girar o bote; e sua massa, que ao princípio foi negra, converteu-se em opaca e começou a confundir-se com a escuridão, até desaparecer quase. Quão rápido corria aquele rio maldito! Havia meio de que Bostil pudesse recuperar sua embarcação? O rio parecia lhe responder com vozes profundas e burlonas.

apodero-se dele o desespero, em tanto que a forma vaga do bote, espectral e ameaçadora, afastava-se das assustados olhares do Bostil.

-Deus me ajude, mas eu tenho a culpa - gemeu com voz rouca.

Retrocedeu cambaleando-se e logo se sentou. Sua mente, seu coração e sua alma compreendiam muito bem a vergonha de seu ato; o remorso se apodero dele, e sofreu uma agonia física tal como se um lobo estivesse devorando suas vísceras.

-Ao diabo Creech e seus cavalos ! Mas o caso é que eu fico em uma situação muito desprezada -murmurou.

E se sentou, rodeando seus joelhos com as mãos, sumido na maior inacción física e mental.

A água, que ia subindo sem cessar, rompeu o encanto e lhe obrigo a retroceder. Já o rio não se limitava a crescer com lentidão, mas sim aquilo era uma verdadeira inundação. E o mesmo ocorria com respeito ao ruído, cada vez mais potente e ameaçador. Bostil atravessou o espaço de terra plaina até o atalho pequeno para evitar que a água lhe cortasse o passo. E inclusive andou uns momentos com a água até os joelhos.

-Aqui não deixarei nenhum rastro -murmurou rendo-se de um modo que lhe pareceu tão desagradável como a risada do rio.

Ao pé do atalho rochoso se deteve para escutar. Voltou a chegar a seus ouvidos o ruído memorável. Acercábase a avenida. Durante vinte e dois anos ouviu o ruído das águas quando o Avermelhado vinha muito crescido, mas nunca foi como então, porque o rugido que à maturação percebia harmonizava perfeitamente com a luta e a paixão de seu próprio sangue, de maneira que se sentiu quase identificado com aquele rio cruel. Passava o tempo e, a cada momento, observava a intensificação do volume do som. O rugido apagado, que ressonava quase a seus pés, perdia-se em outro distante e mais vigoroso; começou a sopro um forte vento com o passar do canhão e as muralhas de este pareciam alargar-se e preparar-se para a avalanche de água que ia chegar. Bostil subia pelo atalho, um passo atrás de outro, à medida que crescia o nível da corrente. O chão do anfiteatro era então um lago de águas revoltas. Os salgueiros se inclinavam e se agitavam

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na borda. Mais à frente passava correndo uma massa desigual e enorme, que parecia um monstro corpulento e cinza. Na penumbra, Bostil pôde ver como o rio dava a volta, em volto de uma parede de rochas e logo se separava delas, para o centro, aonde parecia chegar a maior altura. Sobre a crista das ondas apareceram alguns objetos negros e flutuantes, que possivelmente seriam troncos de árvores. Mostrábanse um instante e logo desapareciam. O ruído era cada vez mais firme, próximo e forte, e as repercussões, semelhantes a trovões longínquos, foram sendo menos perceptíveis a conseqüência da confusão dos ruídos.

Uma brisa mais forte foi golpear o rosto do Bostil. Levava consigo um trovão tremendo, como se as paredes colossais caíssem em avalanche. Bostil compreendeu que a cúpula da avenida tinha dado a volta à curva superiora e logo estaria a seu lado. fico em observação e escuto, mas o ruído tinha cessado. O pareceu que lhe zumbiam os ouvidos e sentiu neles alguma dor. Teve frio e seguiu subindo com os pés insensíveis.

Alumbráronse as sombras do canhão. O rio estava talher de espuma, semelhante a uma cortina que descendesse, como maelstrom poderoso, para rodar pela superfície do rio. Bostil ponho-se a correr, a fim de escapar da enorme onda, que surgiu no anfiteatro e se encarapito pelo atalho rochoso. Ao voltar-se para olhar atrás, pareceu-lhe contemplar uma visão infernal. Abríanse a seus pés lôbregas profundidades, cruzadas por raias de cor pálida e também diviso sombras negras e sinistras que a cada momento trocavam de forma. Esteve olhando com a maior fixidez até que, uma vez mais, seu ouvido recolheu um trovão normatize que lhe deu a entender o que ocorria. Aquilo era sozinho uma avenida do Avermelhado.

XII

Bostil pôde dormir aquela noite, mas com sonho inquieto no que dominava um rugido estranho e terrível, do mesmo modo que o furacão dominou todos os ruídos de um escuro deserto. despertou muito cedo para ouvir uma voz junto a sua janela. Disposto atenção e logo ouviu um golpe no portinha.

-Bostil! Bostil! -exclamou a voz do Holley.

Bostil salto ao chão e não teve necessidade de vestir-se, porque se tinha deitado sem tirar-se mais que as botas.

-Bom, Hawk, para que deves desperta a um homem a estas horas? -grunhiu Bostil.

O rosto do Holley apareceu sobre o parapeito da janela. Estava pálido e grave e seus olhos de gavião tinham um brilho frágil.

-Não é muito em breve, meu amo -disse-. Escute.

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Bostil se deteve no ato de ficar uma bota e, ao emprestar ouvido, Miro a seu empregado.

No exterior se ouvia claramente um rumor intenso, semelhante a um trovão longínquo. E Bostil se esforçou em manifestar seu assombro.

-Demônio! É o Avermelhado! Uma avenida

-Sim. Isso parece coisa do demônio, e ao pobre Creech lhe saberá muito mal -replicou Holley -. Por que não foi você a procurar seus cavalos, meu amo?

escureceu-se o rosto do Bostil. Era homem perigoso quando lhe contrariava e até, inclusive, não convinha lhe dirigir muitas perguntas.

-Vejo que está muito inquieto pelo Creech, Holley. É amigo dele?

-De sobra sabe você que Creech não me importa nada -replicou Holley-. Em troca, dói-me o que possa lhes ocorrer a seus cavalos, e o sentiria do mesmo modo, qualquer que fosse seu amo.

-Bom. E que quer me dizer com isso?

-Nada. À exceção de que podia você ter ido buscá-los antes da avenida. Isso é tudo.

O velho negociante em cavalos e seu picador principal se olharam em silencio durante um momento. compreenderam-se perfeitamente. Logo Bostil se entrego de novo à tarefa de calçar as molhadas botas e Holley se afasto.

Bostil abriu a porta e saiu. As muralhas orientais do deserto eram então de cor vermelha, a causa do sol nascente. depois de passada a noite e ao ver-se naquela manhã fria, luminosa e bela, Bostil vai não sentiu o menor remorso. Ponho-se a andar por debaixo dos álamos, nos que cantavam os pássaros, zombadores. O discordante zurro de um burro altero a tranqüilidade da manhã e pouco depois os ruídos do povo, que despertava, afogaram aquele rugido apagado e terrível da enchente do rio. Bostil entro na casa para tomar o café da manhã-se.

Na cozinha encontrou a Luzia e não evito sua presença. A julgar pela sorridente saudação da jovem, não pôde duvidar de que esta lhe viu em seu habitual continente. Luzia levava um avental, subiu-se as mangas e deixava ao descoberto seus redondos, fortes e morenos braços. A seu pai pareceu que tinha trocado. Antes era linda, mas naquele momento merecia algo mais que este qualificativo, porque estava radiante. Dançavam seus olhos azuis e parecia estar muito excitada. Havia dito algo a sua tia, e a digna mulher fico, de uma vez escandalizada e entusiasmada. Mas a entrada do Bostil interrompeu a conversação, embora não a preparação do café da manhã.

-Estou seguro de que interrompi uma conspiração -exclamou Bostil com acento de bom humor.

-Pode estar seguro, papai - respondo Luzia com radiante sorriso.

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-Bom. Pois deixem tomar parte nela.

-Não é possível, papai -respondeu Luzia.

-vamos ver, Jane, que se propõe esta menina? -perguntou Bostil dirigindo-se a sua irmã.

-Deus sabe! -replicou a tia Jane suspirando.

-Menina? Olhe, papai, já cumpri os dezoito anos e pareço uma mulher. Posso fazer o que quiser, ir aonde eu goste e todo o resto. Pensa, papai, que inclusive, se quiser, posso me casar.

-Ja! Ja! -exclamou rendo-se Bostil-. Ouça o que diz a menina, Jane.

-Já o ouço, Bostil -suspirou a tia Jane.

-Bom. Luzia, eu gostaria de ver como lhe as acertas para encontrar um noivo entre todos estes caballistas -observou Bostil.

Luzia se ponho-se a rir, mas no olhar de seus olhos havia uma expressão travessa.

-Você assustaste a todos esses moços, papai. Entretanto, chegará o dia em que venha um parecido a ti mesmo, quando foi jovem, e a quem ninguém será capaz de rechaçar. E esse me conquistará.

-Suponho que fala em brincadeira, Luzia.

A jovem meneio a cabeça, mas não respondeu.

-O que passou, Jane? - perguntou Bostil dirigindo-se a sua irmã.

-Não faça conta, Bostil, porque fala em brincadeira -declarou a tia Jane-. Entretanto, não cria que diz nenhum disparate. Mas vêem te tomar o café da manhã.

Bostil se sentou à mesa satisfeito de poder mostrar-se amável com as duas mulheres.

-Olhe, Luzia, amanhã será o dia maior de

quantos se viram no Vau do Bostil -disse.

-Sem dúvida alguma, papai. Será o dia mais surpreendente

de quantos se viram no Vau -replicou Luzia.

-Surpreendente?

-Sim, papai.

-E quem vai surpreender se? -Todo mundo.

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Bostil se disse que já estava acostumado às brincadeiras de Luzia; mas durante os últimos dias que passou carrancudo, tinha esquecido já o modo de acolher estas brincadeiras, ou possivelmente ela se mostrava algo diferente.

-Brackton me há dito que tem inscrito um cavalo.

-Acredito que a inscrição é livre, não é verdade?

-Tanto como o deserto, Luzia -replicou-. E que cavalo é esse Furacão que tem inscrito?

-Je gostaria de sabê-lo? - perguntou Luzia.

-Se justificar seu nome, poderia ganhar a carreira. E agora, Luzia, falemos a sério. Suponho que não te proporá fazer correr a algum mustang indômito.

-Tenha presente, papai, que vou montar um cavalo.

-Recorda, Luzia, que em uma brincadeira destas poderia correr perigo.

-Brincadeira? Em minha vida obrei com tanta seriedade.

Ao Bostil gostou do aspecto de sua filha, enquanto pronunciava estas palavras. Empalideceu um pouco, brilharam seus olhos e demonstrou que falava com a maior seriedade. Isso preocupou um pouco ao Bostil. Se Luzia tivesse sido um moço, não há dúvida de que teria chegado a ser o melhor cavaleiro das terras altas, e até sendo mulher, indo bem montada, seria perigosa em qualquer carreira.

-Consta-me que sabe dirigir um cavalo -limitou-se a dizer-. E posto que falas a sério, não quero te impedir que realize seu propósito. Entretanto, não lhe permitirei apostar.

--Nem sequer contigo? - perguntou ela, insinuante.

Bostil ficou olhando-a perguntando-se o que se propunha.

-Estou disposta, papai, a apostar cem dólares oro a que ganho a carreira.

Bostil jogou a cabeça para trás, com objeto de rir com toda sua alma. A moça tinha herdado seu próprio sangue.

-Tenha presente, menina, que haverá muito bons cavalos que chegarão depois do King. Por conseguinte, acredito que perderá seu dinheiro.

Resplandeceram os olhos da jovem, que, sem dúvida alguma, falava a sério, e Bostil se orgulhou dela.

-Pois olhe, papai. Você arrumado duzentos dólares a que derroto ao King - replicou.

-Não se pode negar que é valente -observou Bostil-. Mas não quero aceitar a aposta. até agora não rechacei nenhuma que seja proporcionada. te contente, Luzia, sabendo que se te permito tomar parte na carreira já é o bastante.

-Muito bem, papai - replicou obediente a jovem.

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Naquele momento Bostil apartou o prato que tinha diante e voltou o rosto para a porta aberta, dizendo

-Parece-me que ouço correr um cavalo.

A tia Jane cessou de fazer ruído e Luzia se dirigiu à porta. Então Bostil ouviu o passo regular de um cavalo, que reconheceu perfeitamente. Os passos se cortaram e, de repente, cessaram perto da casa.

-É King, montado por Vão -disse Luzia da porta-. Agora Vão joga pé a terra, papai, e vem para aqui correndo. Terá ocorrido algo? Também chegam outros cavalos montados por índios.

Bostil compreendeu o que ocorria e se preparou. No exterior soavam os passos rápidos de numerosos cavalos.

-bom dia, senhorita Luzia. Onde está Bostil?

Ante a porta apareceu um cavaleiro fraco e esbelto. Era Vão, que estava muito excitado.

-Entra, moço -disse Bostil-. O que te passa?

Entrou Vão, fazendo soar as esporas e com o chapéu na mão.

-Porque o rio cresceu sessenta pés -respondeu o cavaleiro.

-OH! - exclamou Luzia dando meia volta para olhar a seu pai.

-Já sabia, Vão -replicou Bostil-. É possível que envelheça, mas ainda tenho bom ouvido. Escuta.

Luzia se dirigiu nas pontas dos pés à porta, voltou um pouco a cabeça e a inclinou, ficando imóvel. No exterior se percebiam os ruídos produzidos pelos pássaros, os cavalos e os homens, mas nos momentos de silêncio se ouvia um apagado ruído.

-É a enchente maior que vimos -disse Vão.

-fostes lá abaixo? - perguntou Bostil.

-Até o rio, não -disse Vão-. Eu fuí até onde se abre a quebrada no escarpado. Vi uns quantos navajos que baixavam e outros que subiam a sua vez. Ali fiquei observando a avenida e logo chegou Somers com o Blakesley, Brack e alguns outros cavaleiros... E Somers começou a gritar : "desapareceu o bote!"

-Que desapareceu? -exclamou Bostil com acento de consternação.

-OH, papai! OH, Vão! -disse a sua vez Luzia com os olhos e os lábios entreabiertos.

-Sem dúvida. E toda a borda imediata, onde havia aqueles salgueiros e a barra de areia... tudo desapareceu sob a água.

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-E o que será dos cavalos do Creech? - perguntou Luzia sem fôlego.

-meu deus! Que desgraça! -continuou Bostil, embora experimentava desejos de rir de sua própria hipocrisia e enquanto isso os azuis olhos de Luzia estavam fixos em seu rosto.

-Isto é o que dissemos todos -acrescentou Vão-. Enquanto observávamos essa imponente avenida e escutávamos o rodar das rochas, alguém pôde ver o Creech e a dois piutes que conduziam aos cavalos para o atalho que antes chegava até a borda do rio. Contamos os cavalos... nove, e vimos o roano claramente à luz do sol.

-Os piutes com o Creech! -exclamou Bostil enquanto resplandeciam seus olhos, até então sombrios-. Que sorte! Talvez os índios poderão tirar os cavalos desse buraco e encontrar a erva e a água suficientes.

-Pode ser -replicou Vão em tom de dúvida-. Se houvesse alguma probabilidade, não há dúvida de que os piutes a aproveitariam. Mas por ali não há erva.

-Viajando de noite não necessitarão muita.

-Assim dizem os moços. Mas os navajos menearam a cabeça em sinal de dúvida. E Farlane e Holley levantaram as mãos ao céu.

-Pois, com esses índios, Creech poderá tirar, possivelmente, os cavalos - declarou Bostil, seguro de sua sinceridade, embora não o estava tanto de que esta não fizesse nascer uma estranha e repentina esperança. Então se sentiu capaz de olhar a sua filha aos olhos, o qual era a prova suprema.

-OH, papai! por que não te apressou a fazer acontecer os cavalos do Creech? - perguntou Luzia com os olhos cheios de lágrimas.

Ao Bostil pareceu sentir que desaparecia uma moléstia que tinha no peito.

-Que por que não o fiz? Já compreenderá, Luzia, que não tinha nenhuma necessidade de me apressar para servir ao Creech. De todos os modos, agora o sinto.

-Isso não será tão desagradável, se consegue salvar seus cavalos -murmurou Luzia.

-Onde está o jovem Joel Creech? - perguntou Bostil.

-Ontem à noite ficou neste lado do rio -respondeu Vão-. O certo é que Joel fué um dos primeiros em prever a avenida. Alguém há dito que dormiu esta noite no canhão. Seja como for, agora está como um louco e não sentiria saudades muito que executasse alguma violência contra alguém ou contra si mesmo.

-Tem razão -grunhiu Bostil.

-E não se poderia fazer nada, papai, para ajudar ao Creech?

Bostil lhe rodeou o talhe com o braço e experimentou um alívio enorme ao sentir aquela dourada cabeça apoiada em seu ombro.

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-Não podemos atravessar o rio voando, minha filha. Mas não chore os cavalos do Creech. Ainda não se morreram de fome. É uma desgraça. Mas é possível que Creech não perca nada mais que a carreira. Por outra parte, Luzia, essa já a tinha perdida.

Bostil acariciou um momento a sua filha, pela primeira vez desde muito tempo, e logo se voltou para seu picador, que estava na porta.

-Como está King, Vão?

-Desejoso de correr, Bostil. Estou seguro de que manhã não poderá lhe disputar a vitória nenhum cavalo.

Luzia levantou sua inclinada cabeça e disse:

-Você Crie assim, Vão Sickle? Escute. Se você e Sage King não correm amanhã mais que até agora, eu não voltarei a montar.

Dito isto, Luzia abandonou a estadia.

Vão ficou olhando à porta e logo fixou os olhos no Bostil.

-O que lhe parece? -perguntou em tom de queixa-. Por mais que faço, sempre está zangada comigo.

-Não te apure, Vão. Reconheço que não há dito nada ofensivo. Estes dias Luzia está de mau humor. Parece que encontrou por aí um cavalo e que manhã o fará correr. Inclusive quis apostar comigo contra King. Não sabe o que me sentiu saudades isso. Mas agora escuta, Vão. Suspeito que minha filha nos prepara uma surpresa. Por conseguinte, procura não confiar muito de Luzia e de seu cavalo, qualquer que seja. Ela o chama Furacão. Viu-o alguma vez?

-Não. Em realidade faz vários dias que não vi a Luzia. E quanto à suspeita de você, direi-lhe que sempre tive a impressão de que Luzia queria tomar parte na carreira. Mas ela não faz correr a um cavalo, mas sim este corre para dar gosta. Por outra parte, Luzia é mais ligeira que uma pluma, de modo que se montasse ao Blue Roam ou a outro cavalo tão rápido como esse, não sei o que aconteceria.

Bostil riu, orgulhoso de sua filha.

-Estou seguro de que não montará ao Blue Roam. Quanto a isso não há dúvida. E agora me acompanhe porque quero ver o King.

Bostil se dirigiu ao povo. Durante todo o dia esteve tão ocupado com as numerosas coisas que lhe interessavam, as que lhe perguntaram, as que empreendeu, que nem sequer teve tempo para refletir. No mais profundo de sua mente, entretanto, sentia uma moléstia da que se dava conta de um modo vago. Trabalhou até uma hora avançada da noite e ao dia seguinte despertou bastante tarde.

Jamais em sua vida se mostrou Bostil triste ou pesaroso em um dia de carreiras. Não teve tempo mais que para dirigir uma palavra a Luzia, e por resposta recebeu uma valorosa

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olhar. E quando fué a reunir-se com a procissão dos habitantes do povo, dos forasteiros e dos índios que se dirigiam para os campos de salvia, estava verdadeiramente contente.

A pista escolhida para a carreira se achava ao pé do pendente, e entre a salvia, de cor cinza e arroxeada, viam-se então numerosos cavalos e índios e mais tinja e coisas que se moviam de quantas Bostil tinha visto em sua vida inteira. Aquele espetáculo lhe avivava. Numerosas fogueiras despediam azuis colunas de fumaça entre as cabanas, apressadamente construídas com toda classe de malezas, aonde os índios guisavam e comiam. As mantas pareciam brilhar ao receber a luz do sol. Os burros pastavam e zurravam; os cavalos relinchavam, com voz aguda, no pendente. Os índios estavam tendidos ante as cabanas ou falavam em grupos, sentados ou ainda montados em seus ponies; no mais profundo do vale veían alguns índios que faziam correr a seus cavalos e outros que perseguiam a os ágeis e fracos mustangs. além dessa alegre cena, cheia de cor, estendia-se o vale, confundindo-se com o deserto cujos limites marcavam os monumentos de um modo assombroso e belo.

Bostil figurava entre os últimos ao descender por quão pendente dominava a meta de chegada da pista. Calculou que teria congregados naquele ponto, que era o melhor para presenciar a chegada, um milhar de índios e de brancos. Sua própria presença, apesar da alegria lhe reinem, vióse rodeada da maior importância e dignidade. Se Bostil se orgulhava alguma vez, era, sem dúvida, em um momento como aquele. Sua liberalidade convertia o acontecimento em um grande dia de carreiras. Ali estavam os cavalos puro-sangue, talheres com mantas e aos cuidados de vigilantes picadores. No centro da crista daquela larga meseta veía uma enorme rocha plaina que sempre fué o assento do Bostil, quando ia apresenciar uma carreira. Ali estavam reunidos seus vizinhos e visitantes, muito interessados nas carreiras, e também os índios mais importantes de ambas as tribos, e todos lhe esperando.

Assim que Bostil jogou pé a terra e entregou a brida a um de seus homens, viu um rosto que, repentinamente, apagou a alegria do momento. Era um homem alto, fraco, de olhos afundados e cavernosos, que tinha um bigode negro, enorme e cansado e que parecia lhe esperar. Cordts! Bostil lhe tinha esquecido já e, por instinto, se pôs em guarda. Durante muitos anos se preparou para o momento em que se veria frente a frente daquele famoso cuatrero.

-Como está você, Bostil? - perguntou Cordts com a maior amabilidade e sem dúvida agradecido por haver lhe outorgado a permissão de assistir à festa.

De sua mão esquerda pendurava um cinturão que continha dois grandes revólveres.

-Olá, Cordts! - replicou Bostil endireitando-se com lentidão e estreitando logo a mão que o outro lhe oferecia.

-apostei forte em favor do King -disse Cordts.

Naquele momento não podia haver-se congraçado melhor com o Bostil, e esta observação mitigou a dura expressão do rosto de este.

-Pois eu esperava que apostaria por outro cavalo, para poder ganhar o dinheiro.

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Cordts tendeu o cinturão e os revólveres ao Bostil.

-Quero desfrutar desta carreira -disse com um sorriso que indicava os muitos anos que tinha estado usando aquelas armas de dia e de noite.

-Não quero aceitar suas armas, Cordts -replicou Bostil com seco acento-. Tenho sua palavra, e isso basta.

-Obrigado, Bostil. De todos os modos, sou sua hóspede e não quero ir armado -respondeu Cordts, pendurando o cinturão do pomo da cadeira do Bostil-. Acompanham-me alguns de meus homens, do qual não pode resultar nenhum mal, sempre e quando estiverem afastados do uísque do Brackton. De todos os modos, não me atrevo a responder deles.

-Eu gosto de sua franqueza -respondeu Bostil-. Eu, em troca, e graças às carreiras, não tenho inconveniente em responder de todo o mundo.

Bostil reconheceu ao Hutchinson e Dick Sears, mas não a outros acompanhantes da equipe do Cordts. tratava-se de uns tipos muito desagradáveis. Hutchinson era homem fraco, alto, carregado de ombros, de rosto avermelhado, vesgo e com tudo os sinais e amostras de ser um bandido. Dick Sears justificava por completo sua fama. Não tinha mais que músculos, era baixinho e um pouco torcido de pernas e de aspecto tão hostil como um cacto. Levava um velho chapéu de largas asas, muito encasquetado. Seu rosto e sua barba, de grossos cabelos, eram da cor do pó e quanto a seus olhos, inquietos e vigilantes, tinham um olhar sombrio e receoso. Ao Bostil o recordou uma serpente de cascavel, cheia de pó, dura e escamosa. Assim pensou daquele homem que era a mão direita do Cordts e, certamente, não lhe infundiu temor algum, embora Sears tinha fama de ser homem que possuía uma rapidez extraordinária e uma extremada habilidade para tirar e disparar o revólver. Bostil se disse que estava disposto às ver-se com o Sears revólver em mão, e olhou a aquele diminuto ladrão de cavalos de modo tal, que ninguém se equivocou a respeito de seus sentimentos. Sears não estava bêbado, embora tampouco livre da insegurança de movimento causada pelo abuso da bebida. A sua vez não demonstrou sentir medo do Bostil, e respondeu-lhe com a maior insolência. Este último se afastou do grupo de seus picadores e perguntou por sua filha.

-Luzia está por aí - disse Farlane assinalando a um alegre grupo.

Bostil lhe dirigiu uma saudação com a mão e Luzia, interpretando mal este gesto, aproximou-se levando da brida a um de seus ponies. Vestia uma blusa cinza com gravata encarnada e uma saia sobre uma calça e botas de montar. Estava pálida, mas sorridente, e em seus azuis olhos havia um resplendor de entusiasmo. Ia com a cabeça descoberta. Habíase penteado o cabelo em uma trança e levava uma cinta vermelha, muito apertada, sobre a frente. Bostil a examinou de um olhar. Viu-a decidida e com aspecto de ser um rival perigoso. Díjose que uma vez se tirou a saia, poderia competir com qualquer dos cavaleiros ali pressente. Observou, também, que a jovem era o centro de todas as olhadas, e isso lhe agradou. Aquela moça era dela, como sua mãe, e tão formosa e de tão bom sangue como qualquer caballista podia desejar a sua filha.

-Onde está seu cavalo, Luzia? -perguntou com curiosidade.

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-Não se preocupe, papai. Estará aqui no momento da carreira -replicou.

-Observo que hoje sua cor é vermelha -exclamou levando seu enorme emano para a cinta encarnada que oprimia a cabeça da jovem.

Ela afirmou com um gesto.

-A verdade, Luzia, é que nunca me figurei que te atrevesse a te pôr uma cor vermelha ante seu pai. De sobras sabe que a cor do King é parecido ao dessa salvia. Deveria te demonstrar partidária de nosso cavalo.

-Não, papai. Nunca tive afeição ao Sage King, pois, do contrário, não levaria esta cor vermelha.

-Mas, está decidida a correr nesta importante carreira?

-Completamente.

-Pois bem, asseguro-te que, em um dia tão alegre como hoje, o único que me amargurará será isso sua derrota. De todos os modos, se chegar em segundo lugar, farei-te um presente que encherá de inveja a todo mundo.

Inclusive os chefes índios estavam sorridentes. O navajo "Cavalo Velho" sorria com benignidade para aquela filha do amigo dos índios. "Prata", seu irmão e segundo chefe, movia a cabeça de cima abaixo, como se compreendesse o orgulho e o pesar do Bostil. Alguns dos jovens cavaleiros exteriorizavam em seus rostos os sentimentos de seu coração. Quanto ao Farlane, tinha adotado um aspecto misterioso, como se queria aparentar que estava no segredo de Luzia.

-Se realmente for você a correr, Luzia, retirarei meu cavalo para que possa ganhar-disse galantemente Wetherby.

Para ouvir estas palavras, ressonou uma gargalhada do Bostil.

-Por minha parte, senhorita Luzia, saberá-me muito mal fazer correr a meu cavalo contra o de você -disse o velho Cal Blinn.

Então, Colson, Sticks, Burthwait e outros caballistas dirigiram risonhos cumpridos a jovem de loiros cabelos.

Bostil se divertia muito, até que surpreendeu a estranha intensidade do olhar dos olhos cavernosos do Cordts, e isso lhe sobressaltou. Cordts desejava tanto a aquela moça como ao mesmo Sage King. Corriam algumas historia terríveis que manchavam o nome do Cordts. Bostil chegou a lamentar seu impulso de dar permissão ao ladrão de cavalos para que pudesse presenciar as carreiras. A contemplação do cavalo de Luzia e do doce rosto da jovem podia inflamar a esse Cordts, a aquele "kentuckiano" que se gabou sempre do amor que lhe inspiravam os cavalos e as mulheres. detrás do Cordts se achava o pequeno Sears, manchado de pó como uma serpente enroscada e disposta ao ataque. Bostil sentiu despertar em seu interior um fogo dormido por comprido tempo e que circulou por todas seus veias, uma paixão de ódio.

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-Luzia, te volte com as mulheres, até que esteja disposta a montar a cavalo -disse- e sei prudente.

Dirigiu-lhe um significativo olhar que ela compreendeu muito bem, segundo seu pai pôde ver, e então se voltou para dar as disposições necessárias a fim de que começasse a festa.

As carreiras dos índios se celebravam entre dois ou três cavaleiros e também entre um número maior que enchia a pista; as apostas, os gritos e as carreiras, os selvagens mustangs, o calor, o pó e o ruído dos cascos dos cavalos, as surpresas das derrotas e das vitórias; as provas dos caballistas que, celosamente, fechavam-se o passo por entre a salvia; o incessante movimento, a procissão de cores alegres, a agitação e a emoção, todo isso alegrava sobremaneira ao Bostil.

Mas nada era em comparação com o magno acontecimento que se preparava, quer dizer, com a grande carreira.

Tinha chegado já a tarde quando tudo ficou disposto para ela, e à luz do sol, que iniciava sua descida, a salvia tinha uma cor cinza brilhante. Todos estavam ansiosos. Afetada-a tranqüilidade dos cavaleiros parecia impor-se a toda a assembléia. Ultimamente os cavalos puro-sangue demonstravam inquietação. Tremiam de pés a cabeça, chutavam e moviam de um lado a outro suas cabeças pequenas e finas. Sabiam muito bem o que ia ocorrer, e desejavam pôr-se a correr.

Entre eles preponderavam as cores negra, baio e branco ; e os cavalos e mustangs eram iguais pelo que se refere à raiz, à velocidade e ao ânimo que os assinalava como indivíduos puro-sangue.

Bostil em pessoa tirou a manta a seu favorito. Sage King estava em magníficas condições. Formava um contraste muito notável com outros cavalos. Seu corpo, de cor cinza de salvia, brilhava e resplandecia como se fosse de cetim. Habíanlo preparado muito bem para aquele momento. Meneava a cabeça e tascaba o freio, e seus músculos se inchavam sob sua fina pele. Estava formoso, cheio de fogo e de orgulho.

Sage King era o favorito dos que apostavam, e os índios, que eram ardentes jogadores, aventuravam por ele grosas somas.

Bostil selou o cavalo, coisa que fez com lentidão. Vão observava, pálido e nervoso, e seu chefe o advertiu.

-Vão -disse-lhe-, esta é sua carreira.

O picador levou uma mão rápida a brida e ao pomo da cadeira, e assim que seu pé tocou o estribo, já Sage King estava elevado de mãos. Com a maior suavidade, rapidez e graça se deixou cair ao chão, e logo se situou em linha com outros cavaleiros e cavalos.

Bostil agitou a mão e então o grupo de cavaleiros e cavalos se encaminhou ao ponto de partida, situado duas milhas mais longe, no vale. Macomber e Blinn, com um cavaleiro e um navajo, estavam já ali para dar a saída para os corredores.

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Os olhos do Bostil resplandeceram e, cordialmente, apoiou a mão no ombro do Cordts, ato que demonstrou a emoção daquele momento. Muitos homens rodearam ao Bostil. Sears e Hutchinson se situaram ao lado do Cordts e Holley, junto a seu chefe, fixava-se em outras coisas que nada tinham que ver com os cavalos.

de repente tocou em um ombro ao Bostil e assinalou para o pendente.

-Aí vai Luzia - disse -, disposta a unir-se com outros.

-Luzia? Onde? Tinha esquecido já a minha filha. Onde está?

-Ali -repetiu Holley, assinalando com o dedo, em tanto outros do mesmo grupo começavam a falar depois de ter visto a jovem.

-Subida um cavalo alazão -disse um.

-É enorme esse cavalo! -exclamou outro-. Quem tem uma lente?

Bostil era o único que o tinha e naquele momento o usava. No aumentado campo de sua visão se movia um cavalo vermelho e gigantesco, cuja crina ondeava como se fosse de fogo. Luzia o montava. Saíam então de um grupo de rochas que se achava a uma milha mais abaixo do pendente. Ali teve a jovem oculto seu cavalo. Bostil sentiu que se aceleravam as palpitações de seu coração, dizendo-se que nunca viu um cavalo como aquele. Mas, como a distância era grande e a lente não muito bom, não se atrevia a confiar no que via. de repente, aquele espetáculo se turvou.

-Já não vejo nada, Holley -disse queixando-. Toma a lente e me diga como é o cavalo de Luzia.

-Não necessito a lente para ver que subida um cavalo -replicou Holley tomando o instrumento.

Atirou-o devidamente, graduou-o a sua visão e logo esteve um momento olhando. Bostil se impacientava. Luzia alcançava com rapidez aos corredores, em seu caminho para o ponto de partida; mas, entretanto, nada era capaz de apressar ou de excitar ao Holley.

-Parece-me que não pode ver o que ocorre melhor que eu -observou Bostil.

-Vamos, Holley, nos diga algo antes de que chegue ao poste -rogou um cavaleiro.

Cordts demonstrava o maior interesse e todo o grupo estava excitado. A aparição de Luzia montando um cavalo desconhecido, que nem sequer podia identificar seu pai, era a última e a mais inesperada emoção para todos os ali reunidos. E não havia nenhum que duvidasse de que se o cavalo demonstrava ser bom corredor, Luzia se converteria em um rival temível.

Por fim falou Holley dizendo:

-Subida um garanhão selvagem e vermelho como o fogo. É um animal enorme e forte. meu deus, que animal! Asseguro-lhe, Bostil, que é um grande cavalo.

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Houve um momento de intenso silêncio entre o grupo que rodeava ao Bostil. Holley não era homem que se equivocasse ao julgar a um cavalo, ou que se excedesse em seus louvores ou em suas censuras.

-Um garanhão selvagem? -repetiu Bostil-. Agora recordo que lhe chama Furacão. De onde o terá tirado? me dê a lente.

Mas Bostil não podia ver coisa alguma porque tinha os olhos úmidos. Então compreendeu que a primeira vez havia visto muito bem a Luzia montada naquele cavalo e que isto, precisamente, fué a causa de que se turvassem seus olhos.

-Olhe, Holley. Segue observando você com a lente e me diga o que ocorra-dijo enquanto se limpava os olhos. alegrou-se ao notar que lhe esclarecia vista-. Deus meu! Oxalá pudesse ver a chegada!

Então os olhos de todos se fixaram na compacta e escura massa de cavalos e cavaleiros que descendia pelo vale. Logo ficaram aguardando a que falasse Holley.

-estão-se alinhando -começou a dizer este-. Parece que há um pouco de confusão. Escute, Bostil, o cavalo vermelho parece muito inquieto. Quer briga. Já está com as mãos no ar. Moços, isso é um diabo! Um animal matador de cavalos como todos os garanhões selvagens... Agora se aproxima do King, como se queria lhe dar um par de coices. Mas Luzia o dominou. Dirige-o muito bem. puseram ao King no outro lado. Assim já melhor. Mas o cavalo de Luzia não está quieto. Já estão dispostos a pôr-se a correr... Vão tomou um bom posto. É muito ardiloso esse Vão. Alcançará o primeiro lugar antes de que outros se dêem conta de que terminou a carreira. Esses mustangs índios se comportam de um modo escandaloso. Parece-me que o garanhão vermelho os assustou. Já estão todos alinhados. Agora se ye a fumaça de um revólver. Começam a correr! Já começou a carreira!

Holley se interrompeu, pois observava com toda sua alma e seus companheiros guardaram o maior silêncio. Bostil pôde ver pelo vale uma larga linha de cavalos que se moviam.

-Já se afastam! Já se afastam! -exclamou Holley, emocionado.

Bostil proferiu um poderoso grito que dominou os de quantos o rodeavam, e inclusive os alaridos dos índios. Logo, com a mesma rapidez com que surgiram as exclamações, interromperam-se de repente.

Holley estava em pé sobre a rocha e com a lente atirada.

-MAC baixou a bandeira. Já estão em plena carreira. Vão tomou a dianteira. King começou a correr, e adianta a outros. Olhem! Olhem! Olhem como salta o cavalo vermelho. Bostil! Está aproximando-se do King! Já sabia! Parece um raio! E empurra ao King fora da pista! Olhem! joga-se contra ele! Deus meu! Luzia não pode dominá-lo. A pobrecilla parece que está a ponto de cair, mas se agarra a ele como um marisco. Firme, Luzia! Não te solte! meu deus, Bostil! King tem cansado! Agora se levanta, a um lado da pista. Os outros passam correndo por seu lado. Vão perdeu já.

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E agora, Bostil, agora, cavalheiros, pode dizer-se já que esse cavalo vermelho ganhará a carreira.

O coração do Bostil dió um grande salto e logo pareceu como se fosse deter se. O velho caballista sentia de uma vez frio e calor.

Que horrível e desagradável desengano! Bostil dirigiu uma pergunta, entre duas maldições, mas a resposta do Holley fué curta e seca. King tinha perdido. Esta notícia enfureceu ao Bostil. Não podia ver coisa alguma, nem tampouco se resignava a acreditar. depois de tantas semanas de preparação, de excitação e de ansiedade, dever parar nisso? Já não havia carreira! King estava anulado e isso não lhe parecia possível. Mil idéias cruzaram a mente do Bostil, que se sentiu poseído de impotente raiva. Amaldiçoou a Vão, jurou que mataria a aquele garanhão vermelho; mas, naquele momento, alguém o dió uma forte sacudida. Em seus ouvidos, que zumbiam, ressonaram algumas palavras incisivas:

-Ainda não se perdeu tudo. King não foi derrotado, mas sim, simplesmente, despistou-se.

Para ouvir estas palavras, Bostil se esforçou em recuperar a tranqüilidade. Para o King aquela queda fué um golpe de má sorte. Mas não tinha perdido a carreira. A angústia e o orgulho lutavam por lhe dominar. Embora King se despistou, de todos os modos um Bostil ganharia a grande carreira.

-Não está derrotado! -murmurou Bostil-. E isso não foi correto, porque se viu obrigado a abandonar a pista por culpa desse garanhão selvagem.

Seus turvados olhos recuperaram a visão clara e aguda. E, contendo o fôlego, viu como ia tomando forma aquela linha escura e rápida, convertendo-se em cavalos. Uma de cor brilhante ia à cabeça de todos outros e, por momentos, aumentava de tamanho e em intensidade de cor. aproximava-se cada vez mais depressa e o tom brilhante de sua pelagem se converteu em vermelho. Bostil ouviu que Holley e Cordts gritavam, e que os imitavam também outras vozes, mas não chegou a distinguir o que diziam. A linha de cavalos começou a transformar-se em um grupo de animais que corriam e saltavam. Apesar do que Holley havia dito, parecia estar já decidida aquela carreira.

Os índios começavam a inclinar-se para diante, profiriendo, às vezes, um guincho e curto. No interior do Bostil reinou a maior confusão de idéias e sentiu que seu coração palpitava emocionado. Seus olhos exercitados e de novo agudos surpreenderam um resplendor de ouro sobre uma mancha vermelha, que não era outra coisa que o cabelo de Luzia. Bostil, então, esqueceu ao King.

Naquele momento Holley lhe gritou ao ouvido:

-Estão a meio caminho!

A carreira oferecia um formoso espetáculo e Bostil esforçou o olhar. Envanecíase ante o que via, quer dizer, a sua filha, muito inclinava sobre o pescoço daquele garanhão vermelho. Até pôde ver melhor, porque os cavalos se aproximavam. Quão rápidos foram! Os índios

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começaram a gritar afogando as vozes roucas dos cavaleiros. Com a extremidade do olho Bostil viu o Cordts, ao Sears e ao Hutchinson. Pareciam loucos. Que estranho era que aqueles cuatreros tomassem tanto interesse pela carreira! As infinitas emoções do Bostil se somaram para produzir nele um forte estremecimento de entusiasmo. Sentiu seu corpo alagado de suor, e sua voz estentórea expressou o entusiasmo do desejo de que Luzia alcançasse a vitória.

-percorreram já as três quartas partes! -gritou Holley ao ouvido do Bostil-. E Luzia deu rédea solta a seu cavalo selvagem. Olhe, Bostil. Nunca em sua vida viu a um cavalo correr dessa maneira.

Isso era certo, e o coração do caballista se dilatou, embora perguntando-se se aquela jovem, aquela manchita de cor cinza, quase esconde entre a chamejante crina do enorme garanhão, seria, em realidade, sua filha. cortou-se a distância entre Luzia e outros corredores agrupados, mas não demorou para aumentar de um modo considerável. Aquele cavalo de fogo se afastava enormemente de outros. Mas estes corriam a sua vez, rapidamente, na última parte da pista, dirigindo-se já à meta. Um rugido que surgiu das gargantas dos que presenciavam a carreira afogou todos outros sons e rodeou ao Bostil uma horda entusiasmada que movia braços e pés, sem dar-se conta do que fazia.

Viu o cabelo dourado de Luzia, quase confundido com a vermelha crina. Mas logo já não distinguiu mais que aquele cavalo vermelho. Furacão justificava seu nome e ao Bostil o dió a impressão de que aquela cavalo não era tal, a não ser uma chama que, impulsionada pelo vento da tempestade, ia prendendo na pradaria. O garanhão vermelho corria, corria sem cessar. Que enormes saltos dava! Que maravilhoso galope! Que facilidade! Que extraordinária energia!

E assim atravessou a linha da meta, aumentando sua velocidade a cada um dos passos que dava, e ganhou pela diferença de uma dúzia de corpos de cavalo.

XIII

Furacão seguiu correndo para a parte inferior do vale e muito além da metade da multidão uivadora, que se alinhava ao longo do pendente. Bostil não ouvia nada e seguia com os olhos fixos no garanhão, até que Luzia lhe obrigou a deter-se e a empreender a volta.

Então Bostil se voltou para averiguar onde estava Vão com o King. Grande parte do público baixou à pista para rodear aos corredores, e deixaram de ouvi-los gritos, que se converteram em um zumbido, formado por muitas vozes. Alguns dos rancheiros e picadores permaneceram perto do Bostil e, ao parecer, todos falavam de uma vez. Bostil se inteirou, por fim, de que Pés Brancos, do Holley, tinha chegado em segundo lugar, e no terceiro se colocou

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o mustang do navajo. Holley em pessoa confirmou-lhe o que Bostil acabava de ouvir, e os olhos do ancião picador ardiam de entusiasmo.

-chegou em segundo lugar, meu amo! -repetia Holley.

Bostil teve ânimos para estreitar a mão do Holley e lhe dizer que se alegrava, quando já tinha nos lábios a exclamação de que ali não houve carreira alguma. estremeceram-se logo os nervos do Bostil ao ver vão que avançava pela pista ao trote do King e em direção ao pendente. Bostil observou ao animal com olhos escrutinadores. Sage King parecia não estar contundido. Vão subiu o pendente e logo jogou pé a terra de um salto. achava-se branco e suarento.

A brilhante pelagem do King aparecia seco de pó e cheio de pontas agudas de cacto. Não dava o menor sinal de estar acalorado nem em seu corpo se distinguia marca ou contusão alguma, Relinchou e esfregou sua cabeça contra Bostil e logo, depois de vacilar um instante, levantou a cabeça e endireitou as orelhas, em tanto que em seus olhos resplandecia o medo e a cólera.

-Bom, Vão, me conte agora o que passou -disse Bostil com acento bondoso, porque se mostrava muito mais severo antes de começar uma carreira que quando, uma vez terminada, tinha-a perdido.

-Pois esse cavalo vermelho atacou ao King, já antes de sair, e o assustou -replicou Vão rapidamente-. Já temíamos algo pelo estilo, conforme sabe você; mas, de todos modos, o cavalo de Luzia-nos dió uma surpresa. É preciso confessar, senhor, que Luzia montou bem esse cavalo e o dirigiu perfeitamente. Por duas vezes lhe obrigou a afastar-se do King, porque o vermelho queria matá-lo. Pode você perguntar a todos outros. Por fim nos deram a saída e eu me pus à cabeça com o King. Não olhei para trás, até que ouvi um grito de Luzia, a quem, naquele momento, não lhe era possível dominar a suas arreios. O cavalo vermelho perseguia o King, disposto a matá-lo. Sage King, por sua parte, também desejava lutar. OH! Se eu tivesse podido fazê-lo correr! Então teríamos visto uma boa carreira. Mas Furacão se aproximava cada vez mais, até que, por fim, cortou-nos o passo e mordeu o flanco, o ombro e o pescoço do King. Luzia atirava das rédeas, com todas suas forças, até que eu lhe disse que faria cair os cavalos e matariam a ambos. Então Furacão se jogou contra nós, correndo e escoiceando com ambas as patas de uma vez. O asseguro, Bostil, que esse cavalo é um demônio. Por último nos alcançou e assim caímos ao chão. Tive uma queda má, mas, por sorte, e por estranho que pareça, King não se machucou.

-Não houve carreira, Vão. tivemos má sorte. Enfim, leva-o a casa -disse Bostil.

A referência que Vão desse do acidente vindicou as dúvidas do Bostil. Tinha aparecido em cena um novo cavalo selvagem, rápido e enorme, mas, em uma luta leal, Sage King não teria sido vencido ainda. Sem dúvida, reconheceria-se esta verdade. E logo Bostil se perguntou, carrancudo, quem seria o dono daquele Furacão.

Pareceu como se Holley tivesse lido seus pensamentos.

Page 136:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

-Parece-me que esse indivíduo que se aproxima agora será quem se leve o premio-observó o velho, assinalando a um homem que montava em um cavalo negro, enorme e peludo e que além disso levava da rédea o poney de Luzia.

-Caramba! -exclamou Bostil -. A este não conhecemos absolutamente.

-E aí vai Luzia acariciando ao garanhão - acrescentou Holley.

-Um garanhão selvagem nunca corre de um modo igual -observou Cordts.

Todos os circundantes ficaram olhando e cada um deles teve uma frase de louvor para Luzia ou para suas arreios.

Bostil olhava com estranheza e irresistível atração. Nunca se figurou ver um garanhão selvagem como aquele, isso sem falar de sua filha que o montava, e que, além disso de ter ganho a carreira, podia gabar-se de ter deixado ao King fora de combate.

Um milhar de pares de olhos observaram a Furacão. Este se afastou do grupo de homens e cavalos, pouco desejoso de situar-se junto a eles. Entretanto, não resistia a sua amazona. Luzia se inclinava sobre seu pescoço, ao parecer exausta, e, ao mesmo tempo, dava-lhe palmadas e o acariciava. A ambos os lados da pista havia numerosos índios e cavalos e, ao parecer, era provável que Luzia não queria avançar por entre eles.

Bostil descendeu pelo pendente, gritando e fazendo sinais para que todo mundo retrocedesse, de modo que limpou o lugar e logo ficou no centro e só por completo.

-Adiante! -disse a Luzia.

Então descobriu que sua filha não levava esporas nem tampouco empunhava nenhum látego c vara. Fez dar a

volta a Furacão, que avançou corcoveando com a cabeça erguida e a cauda levantada. Avançava com a maior graça e soltura, e a curtos intervalos, quando Luzia o indicava, saltava com maravilhosa rapidez e facilidade.

Bostil olhava encantado. Entretanto, não via sua filha enquanto esta exibia ao vencedor ante a entusiasma dá multidão. E Bostil registrou em sua mente algo que não esqueceria jamais: um garanhão selvagem, quase indômito, um cavalo gigantesco que tinha vermelhos resplendores, uma crincentelleante, e que dava todo ele prova de ter vigoro é músculos, a maior graça e extraordinária força; um pescoço comprido e esbelto, que se encurvava para terminar em uma cabeça pequena e formosa, de expressão selvagem; as mandíbulas abertas e os narizes cobertas por uma pele fina de cor vermelha, o qual provava sua origem árabe; os ombros cansados e o peito amplo e vigoroso, as patas poderosas e os joelhos nem muito altas nem demasiado baixas, em tanto que as patas tinham umas pezuñas simétricas, que golpeavam as piedrecillas; em uma palavra: que possuía tudo os sinais de resistência e de velocidade. Aquele era um garanhão dotado de maravilhosa perfeição física, que harmonizava perfeitamente com o espírito selvagem e indomável de um cavalo do deserto, aficionado a matar a seus semelhantes.

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Luzia agitou a mão, e o desconhecido cavaleiro, a quem assinalasse Holley, destacou-se da multidão em direção a Furacão.

O olhar do Bostil examinou a magnífica constituição daquele esbelto cavaleiro, em cujo rosto viu uma facções vigorosas animadas por uns olhos negros. aproximou-se a Furacão e o garanhão dió um ronco e um salto. Então Bostil pôde ver o ódio expresso por um cavalo que, entretanto, parecia deixar-se dominar por completo pela jovem. Compreendeu em um instante aquela estranha situação. Luzia pôde conquistar o carinho do selvagem garanhão. Este tinha sido sempre o segredo de seu poder sobre os cavalos. E a jovem odiava ao Sage King por ser o único que manifestou desagrado por ela. Por isso Bostil acabou dizendo-se que os cavalos eram, às vezes, tão caprichosos como as pessoas.

O cavaleiro avançou em linha reta para o tremente Furacão. Quando este saltou e retrocedeu, o cavaleiro dió, a sua vez, um salto para agarrar a brida, e com braço de ferro reteve o cavalo. Furacão provou a saltar outra vez, quase levantando o cavaleiro, mas este o dió um golpe com o laço e lhe obrigou a ficar quieto. Era indubitável que o dominava.

-Papai! -exclamou Luzia com débil acento.

Bostil se adiantou e se aproximou de sua filha enquanto o cavaleiro retinha furacão. Luzia estava pálida e desencaixada, como uma flor iluminada pela luz da lua. Seus olhos pareciam escuros por causa das numerosas emoções passadas, entre as quais preponderava o medo. Então o lado humano do coração do Bostil dominou em seus sentimentos. Luzia era, simplesmente, uma jovencita débil, e seu medo e seu sorriso triste, como se não esperasse a aprovação de seu pai, comoveram em extremo a este, que abriu os braços, e Luzia se deixou cair neles.

-Luzia! minha filha! ganhaste a carreira ao King, e enganaste e burlaste a seu velho pai.

-OH papai! Eu não sabia... Nunca pude imaginar que Furacão... jogasse-se contra King - gaguejou Luzia-. Não pude dominá-lo. Era terrível... e me assustou... e agora, papai, me diga que nem Vão nem King saíram feridos.

-Tanto o cavalo como Vão estão sem novidade -replicou Bostil-. Fez uma tolice, mas reconheço que alcançaste um grande êxito. Caramba! Não há dúvida de que montaste e dominou a esse diabo vermelho. De modo, pequena, que não tenha nenhum temor, porque estou contente.

Luzia não se deprimiu então, mas esteve muito perto de perder o sentido. Bostil a deixou no chão e a levou para as filas dos admiradores índios e de os cavaleiros que aplaudiam, e a acompanhou até um grupo de mulheres.

Ao voltar-se de novo teve tempo de ver o cavaleiro desconhecido que montava a Furacão. Isso resultava perigoso porque o garanhão, em realidade, estava sempre encabritado. Ao cair ao estou acostumado a destroçou a erva e a mandou voando em todas direções e ao elevar-se de novo pareceu converter-se em um nó vermelho, arrepiado de crinas da mesma cor; era um animal selvagem e furioso, louco de raiva, que desejava derrubar a seu cavaleiro. Bostil não tinha ouvido nunca que um cavalo proferisse um alarido selvagem, mas tampouco

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visse nunca tão incomparável cavaleiro como aquele desconhecido. Tanto os índios como os picadores estavam entusiasmados ao presenciar aquele espetáculo, que de tal maneira se achava de acordo com suas afeições. O cavaleiro tinha enganchado suas largas esporas por debaixo do corpo do cavalo e parecia formar parte do mesmo, de modo que suas arreios não podia desprender-se dele. Não era um mustang rebelde, a não ser um garanhão feroz, poderoso e lutador. Bostil se disse que, sem dúvida alguma, ocorria aquela mesma luta cada vez que o cavaleiro queria montá-lo. Era um espetáculo muito do gosto dos picadores, de tal maneira que muitos deles não teriam querido possuir um cavalo que não resistisse a ser montado. Entretanto, Bostil se disse que, tratando-se daquele garanhão, ninguém que não estivesse desprovido de sentido comum quereria tentar sequer aquela luta, em vista da força extraordinária, da energia, da ligeireza e da ferocidade do animal.

Os espectadores estavam então cruzando apostas a respeito de que o cavalo acabaria por desmontar ao desconhecido, e Bostil, observando o vigor e a ferocidade de que Furacão dava provas, esteve de acordo com esta opinião. Não havia nenhum picador capaz de sustentar-se sobre aquela besta. de repente, Furacão se deixou cair sobre a salvia, derrubou-se no pó e conseguiu livrar-se de seu cavaleiro. Tanto o homem como o bruto se levantaram com a maior rapidez, mas o primeiro tinha já um pé no estribo antes de que Furacão pudesse levantar-se. Então o cavalo pôs-se a correr e a dar voltas e, pouco a pouco, acabou por obedecer ao governo de seu cavaleiro. Aqueles poucos momentos de atividade frenética cobriram o corpo do cavalo de suor e sua boca de espuma. O cavaleiro então o levou frente a onde estava Bostil e jogou pé a terra.

-Algumas vezes o domino, mas outras não posso -disse sonriendo.

Bostil lhe tendeu a mão, porque aquele homem lhe resultava simpático. Habíale gostado de seu rosto franco, menos duro que o dos cavaleiros em geral, e os olhos negros e belos, sinceros e firmes, embora seu possuidor não se apresentou a ele provido de um talismã como o que tinha, quer dizer, um grande cavalo selvagem e o valor suficiente para dominá-lo.

-A verdade é que conseguiu você domá-lo -exclamou lhe tendendo cordialmente a mão-. Sou Bostil... e me alegro muito de lhe conhecer.

-Eu me chamo Slone, Lin Slone - replicou o cavaleiro com franco acento-. Sou caçador de cavalos selvagens e procedo de Utah.

-De Utah? Pois como veio até aqui?... Enfim, tem você um grande cavalo e o montou um bom cavaleiro na carreira... Minha filha Luzia.

Bostil vacilou enquanto as idéias cruzavam rápidas por sua mente. No fundo desta se formou o desejo e a decisão de possuir aquele selvagem Furacão. Esqueceu o que podia haver dito ao forasteiro em outras circunstâncias.

Olhou com fixidez ao rosto do Slone e não pôde advertir nele nenhum temor nem nenhuma dobra. O jovem era, sem dúvida, um homem honrado.

-você saiba, Bostil, que persegui a este cavalo selvagem durante dias, semanas e meses, e por espaço de muitos centenares de milhas e atravessando canhões e rios.

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-Seriamente?-exclamou Bostil.

-Assim é. Já o contarei outro momento. Por fim por aí perto pude agarrar a Furacão e lhe esgotei as forças assim que era possível. Mas ele conseguiu me burlar e escapar. Logo se apresentou inesperadamente sua filha, salvou meu cavalo e também me salvou a vida. Estive muito mau durante alguns dias. Mas logo me restabeleci Y... e ela quis que eu lhe deixasse montar a Furacão nesta carreira. Não pude negar-lhe E teria sido uma carreira estupenda de não ocorrer esse desgraçado acidente ao Sage King. Sinto-o muito.

-Não posso negar, Slone, que este acontecimento me desgostou o bastante, mas já não terá que pensar mais nele -replicou Bostil-. De modo que assim fué como Luzia encontrou seu cavalo? Minha filha esteve muito misteriosa estes últimos dias... Bom, bom -acrescentou Bostil ao notar que a suas costas tinha a vários indivíduos que o estavam escutando- Holley, dá a mão ao Slone, caçador de cavalos de Utah. Você também, Cal Blinn... Macomber, Wetherby... apresento-lhes a meu amigo o jovem Slone, e você, Cordts, estreita a mão deste moço que possui tão estupendo cavalo.

Bostil se sorriu ao apresentar o cuatrero ao Slone. Outros riram também e Cordts os imitou também. Bostil conservava ainda sua antiga travessura e os interessou e divertiu presenciar o encontro do Cordts e do Slone. Este, sem dúvida, teria ouvido falar do famoso cuatrero. A vantagem estava certamente do lado do Cordts, porque se mostrou muito amável e complacente, em tanto que Slone se erguia, empalidecendo ligeiramente, ao ver-se obrigado a aquela apresentação.

-Como está você, Slone? -disse Cordts estendendo a mão-. Me alegro muito de lhe conhecer. Eu gostaria de muito trocar ao Sage King por esse garanhão vermelho.

Uma gargalhada geral acolheu esta brincadeira e todos riram, à exceção do Bostil e do Slone. A graça se fazia a costa do Bostil, e assim o demonstrou este com sua expressão. Slone, por sua parte, nem sequer sorriu.

-Como está você, Cordts? -replicou-. Me alegro de lhe ver porque assim lhe conhecerei outra vez.

-Bem, hoje somos todos bons amigos -exclamou Bostil-. Agora vamos casa a tomar algo. me acompanhe você, Slone.

O grupo subiu lentamente a costa até o lugar em que aguardavam os cavalos. Macomber, Wetherby, Burthwait, Blinn, quer dizer, os amigos do Bostil, felicitaram ao jovem cavaleiro, e era evidente que este lhes tinha causado muito boa impressão.

O sol estava já perto de seu ocaso. As sombras arroxeadas apagavam os dourados resplendores do vale ; o dia das grandes carreiras tinha terminado quase. Os índios andavam dispersados ou em grupos e outros levavam da brida aos mustangs; mas a maioria se dirigia a cavalo e a pé com a multidão que havia tomado o caminho do povo.

Bostil observou que Cordts se apressou a tomar a dianteira, e logo notou que dizia algo ao Dicks Sears e ao Hutchinson. Ouviu o primeiro proferir uma maldição. Provavelmente,

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estava arreganhando ao sombrio Sears. Cordts se comportou muito bem e cumpriu sua palavra, como já esperava Bostil. Ele e Hutchinson montaram seus cavalos e afastaram-se, situando-se à esquerda da disseminada multidão, mas Sears ficou atrás. Isso pareceu estranho ao Bostil e o atribuiu ao mau humor daquele indivíduo, que tinha perdido nas carreiras. E desejando que aquele tuno se afastasse para sempre de sua presença, resolveu não cometer nunca mais a imprudência de consentir que uns cuatreros presenciassem a carreira.

Todos os cavalos, à exceção de Furacão, estavam agrupados perto do pendente. Sears esteve muito ocupado, ao parecer, com as correias de sua cadeira. E Bostil não podia apartar seu olhar de Furacão, que exibia sua enorme corpulência e sua selvagem graça.

de repente cessou a conversação entre os homens. Holley proferiu uma maldição e o grupo se dividiu. Bostil dió meia volta e viu o Sears em atitude ameaçadora e apontando com dois revólveres.

-Silêncio! -ordenou-. E que não se mova ninguém!

-O que acontece, Sears? -perguntou Bostil.

-Porque lhe pegarei um tiro se se mover. Isso é o que acontece -replicou Sears.

Seus olhos, atrevidos e acerados, com um cintilação que já conhecia Bostil, pareciam vibrar enquanto contemplava aos homens que tinha diante. Semelhava realmente uma serpente de cascavel disposta a atacar.

-te volte de costas, Holley -ordenou Sears.

O ancião picador, que estava diante de todos outros, obedeceu no ato, com as mãos em alto. Não quis resistir porque ele tinha só um revólver. Com rápidos passos, Sears se aproximou, tirou-lhe a arma e a atirou a um lado, por entre as matas de salvia.

-Isto é um ataque, Sears! -exclamou Bostil, a quem lhe parecia aquilo muito atrevido, inclusive tratando-se do Dick Sears.

-Seriamente?-replicou este com irônico acento-. Pois olhe, Bostil, eu queria ficar com o King, mas prefiro o cavalo que o venceu.

O rosto do Bostil se congestionou e se inchou seu pescoço enquanto dizia:

-Por Deus, Sears! Espero que não irás roubar o cavalo desse moço.

-Cale-se! -replicou o cuatrero apontando de perto ao Bostil -. Sempre desejei me colocar com você, porque lhe tenho montado nos narizes. E se não temesse espantar a esse cavalo... mas, de todos os modos, se lhe ouvir uma palavra o Mato, e já veremos o que acontece.

Enquanto pronunciava essas palavras vibrava sua voz a impulsos do ódio, da crueldade e do desejo de matar.

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-Sears, se quiser meu cavalo, não tem para que matar ao Bostil -disse Slone com voz fria e aprazível, cujo acento pareceu tranqüilizar a todos.

-Traga-o aquí-ordenou Sears.

Furacão parecia recear mais dos cavalos que tinha a suas costas que dos mesmos homens. Slone conseguiu agarrá-lo pela brida e levá-lo a poucos passos de distância do Sears. Então o primeiro deixou cair as rédeas. Seguia sujeitando o laço puxador, e o nó corrediço de seu extremo pendurava ante ele enquanto retrocedia.

Sears meteu na capa o revólver da mão esquerda e sem deixar de apontar ao grupo com o da mão direita, dió uns passos atrás, a fim de sujeitar as rédeas do cavalo. Furacão dió um ronco e pareceu disposto a saltar, mas Sears se apoderou das rédeas. Bostil, imóvel como se fosse de pedra, enquanto seus companheiros estavam tão quietos como o, não pôde menos de admirar o atrevimento daquele cuatrero. Como montaria a aquele garanhão selvagem? Sears era famoso por duas qualidades : seu valor ante os homens e sua habilidade com os cavalos. Furacão começou a recear do e a lhe olhar em vez de fixar-se em outros cavalos. de repente e com a agilidade de um gato. Sears saltou à cadeira. Furacão voltou a dar um ronco e se levantou de mãos, preparando-se a saltar.

Sears, no momento de montar, levantou o revólver e logo voltou a apontar com o, embora, como é natural, sem nenhuma fixidez, porque Furacão tinha começado a mover-se.

Bostil compreendeu quão fatal teria sido aquele momento para o Sears se o ou Holley tivessem tido uma arma de fogo. de repente se ouviu um leve assobio. Bostil viu surgir o laço do Slone e avançar o nó ameaçador que fué a enroscar-se em torno dos ombros do Sears. A corda ficou tirante e Sears fué derrubado ao chão, contra o que dió um grande golpe.

Quase tão rápido como o olhar do Bostil fué o ato do Slone, que saltou no ar para cair sobre o inquieto cavalo. Sears disparou dois tiros e naquele momento Furacão saltou, enquanto seu cavaleiro atava o extremo do laço no pomo da cadeira. Sears, que estava incorporando-se, viu-se obrigado a dar um salto de dez pés de longitude e em sua garganta se afogou um terrível alarido.

Bostil ficou assombrado. O garanhão dava curtos saltos. Slone se inclinou para agarrar as rédeas e, ao endireitar-se na cadeira, Furacão empreendeu o galope.

Foi muito característico no Holley que naquele emocionante e trágico momento começasse a procurar seu revólver, que estava entre as matas de salvia.

A partir daquele momento vióse uma bandagem de pó no pendente e algo que dividia as matas de salvia.

-Apontou-me com sua arma, me agarrando despreparado, e logo me tirou o revólver -murmurou zangado e com um tom tal, que qualquer tivesse podido acreditar que estava desonrado.

-meu deus! E eu que temia que Sears se apoderasse do cavalo! -exclamou Bostil.

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Holley pensava em sua arma e Bostil só se lembrou do esplêndido cavalo. Tais idéias eram características naqueles dois homens. Outros, entretanto, ao recuperar do silêncio que lhes impôs o horror, prorromperam em aclamações em honra da façanha do Slone.

-Dick Sears já está preparado. Agarraram-no com um laço -exclamou Cal Blinn com a maior convicção.

-Esse cavaleiro é digno de seu cavalo, Bostil -disse Wetherby-. Estou seguro de que Sears lhe teria pego a você um tiro. Vi que seu dedo se dispunha a apertar o gatilho. Os indivíduos como Sears apenas se podem conter ao encontrar-se em uma situação como essa.

-foi o golpe mais rápido que vi em minha vida - declarou Macomber.

Observaram como descendia Furacão pelo pendente e chegava ao vale, deixando depois do uma esteira de pó. de repente notaram que esta não se produzia já, embora Furacão seguiu correndo com maior velocidade. Logo cortou a marcha. Seu cavaleiro lhe fez voltar garupas e retornar junto ao grupo a um galope rápido. Logo Furacão subiu pelo pendente e se deteve, dando roncos e estremecendo-se, ante os reunidos. Até se arrastava o laço detrás do, mas já não sustentava nenhum peso.

Bostil dió uns passos para o cavalo, simpatizando com a impressão sofrida pelo Slone. Compreendia bem a razão de que o rosto deste se pôs cinza e de que movesse os lábios sem falar, em tanto que em seus negros olhos se pintava o horror e as mãos fracas e fortes tremiam como as folhas agitadas pelo vento enquanto desatava o laço do pomo da cadeira.

A corda estava cheia de pó, e Bostil e todos outros sabiam que o cuatrero tinha sofrido uma horrível morte.

Não pôde Bostil achar palavras para o que queria dizer. Apoiou a mão sobre o garanhão vermelho e lhe acariciou o lombo. Logo estreitou a mão ao Slone, pensando no feliz que teria sido de ter um filho como aquele cavaleiro, jovem e valente. Logo se voltou para seus camaradas e lhes perguntou:

-Criem que Cordts estava informado dessa tentativa do Sears?

-Não. Cordts se levou bem -replicou Holley-, mas ao ver o que se preparava abandonou ao Sears a seu destino. Não há dúvida de que fué um magnífico percurso final para um cuatrero.

Bostil enviou ao Holley e ao Farlane para que se antecipassem e tratassem de encontrar ao Cordts e ao Hutchinson, com seus camaradas, e lhes comunicassem a morte de Sears, lhes aconselhando também que se afastassem antes de que a notícia chegasse para ouvidos de outros cavaleiros.

O sol tingia com resplendores vermelhos e dourados as quebradas muralhas dos canhões do oeste. Diminuía o calor do dia, graças à brisa que dobrava as ramitas superiores das matas de salvia.

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Uma canção selvagem partiu do grupo de cavaleiros que foram à vanguarda e chegou aos ouvidos dos que partiam detrás. Avançava a procissão dos índios, e seus trajes de alegres cores pareciam mais formosos à luz do sol poente.

Quando Bostil e seus convidados chegaram a seus currais, viram que Holley, Farlane e outros cavaleiros lhes estavam aguardando.

-Patrão - disse Holley-, nem Cordts nem os seus chegaram aqui. Alguns navajos os viram quando se encaminhavam para os canhões.

-Muito bem -replicou Bostil sentindo grande alívio-. Agora, moços, cuidem dos cavalos. Slone, me faça o favor de entregar Furacão a esses meninos, lhes dando as instruções que cria convenientes, e pode estar tranqüilo com respeito a ele.

Farlane se arranhou a cabeça, ao parecer algo indeciso.

-Não sei se nós poderemos estar tranqüilos -disse.

-Eu cuidarei dele -replicou Slone.

Bostil aprovou com a cabeça, como se já esperasse que seu novo amigo não quereria encarregar a nenhum cavaleiro o cuidado do garanhão. Furacão não quis entrar na quadra, e em vista disso o conduziu Slone a um dos currais providos de altas cercas. Bostil esperou, falando com seus amigos, até que voltou Slone, e todos juntos entraram na moradia.

-Talvez conviria ir agora a casa do Brackton -observou Bostil-. Mas em umas circunstâncias como as atuais, acredito muito melhor não tomar nenhum licor.

As janelas da casa resplandeciam através da escuridão que havia sob os álamos. Bostil se deteve ante a porta, como se recordasse algo de repente, e disse:

-Mais valeria que as mulheres não se inteirem do ocorrido com o Sears... pelo menos durante esta noite.

Logo guiou a seus convidados para a enorme sala da família.

Das paredes penduravam algumas luz e no lar resplandecia a lenha ardendo. Luzia acudiu pressurosa a seu encontro e Bostil não deixou de observar que vestia seu melhor traje branco. Nunca, como então, pareceu-lhe sua filha tão linda e agradável e, precisamente por isso, jamais observou nela aquele aspecto novo e estranho. O rubor e a expressão sombria de seus olhos davam novos atrativos a seu rosto tenro, vigoroso e reflexivo, o qual, nela, era algo novo. Bostil se fixou em sua filha enquanto esta saudava os convidados. Slone, que se tinha ficado atrás, fué dos últimos em saudá-la e Luzia lhe correspondeu da mesma maneira que a outros. Slone o fez com certo acanhamento. Ainda seu rosto parecia estar cinza e Luzia voltou a lhe olhar com distinta expressão.

-O que... ocorreu? -perguntou.

Ao Bostil soube muito mal que tanto Slone como outros se alarmaram para ouvir aquela pergunta.

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-Nada - respondeu por fim Slone-. À exceção de que estou um pouco cansado.

Luzia ou outra moça qualquer não teria deixado de notar que ocultava a verdade, e assim apartou o olhar do Slone para fixá-la em seu pai.

-Até hoje nunca se celebrou nenhuma carreira sem que ocorresse algo horrível -disse Luzia-. E este foi meu dia... o de minha carreira. OH, quanto desejava que não acontecesse nada desagradável...!

-Querida Luzia-replicó Bostil, interrompendo as entrecortadas palavras de sua filha-, não ocorreu nada que deva te desgostar. O jovem Slone se assustou a causa de seu cavalo, mas já Furacão está são e salvo no curral e será guardado como King v Sarchedon. E Slone necessita, como todos nós, beber e comer algo.

Luzia recuperou o sorriso e a cor rosada de seu rosto, mas Bostil notou que enquanto servia a todos e se mostrava amável ao receber os cumpridos dos convidados, dirigiu mais de um olhar ao Slone. Estava preocupada, conforme pôde ver seu pai, e lhe zangou um pouco o fato de que demonstrasse interesse em algo que se referisse a aquele forasteiro.

Jantaram; sentáronse doze à mesa. As esposas de três amigos do Bostil ajudaram à tia Jane na preparação do festim e logo contribuíram à alegria general. Ao Bostil não gostava de muito o trato social e teria preferido estar com seus cavalos e com seus picadores, mas aquela noite se excedeu a si mesmo. como anfitrião, de modo que assombrou a sua irmã Jane. quem, sem dúvida, suspeitou que tinha bebido muito, embora por outra parte agradou a sua filha Luzia. O aspecto exterior do Bostil e suas palavras e atos nunca refletiam as idéias que houvesse em sua mente. Ninguém teria suspeitado a profundidade de seu amargo desengano pelos resultados da carreira. depois de ter concorrido Blue Roam, do Creech, apresentou-se improvisadamente outro cavalo mais rápido e perigoso para destruir as oportunidades de King. Bostil sentia cada vez major cobiça e interesse pela posse de Furacão e isso dió maior calor e animação a suas palavras e a seus atos. As terras altas, enormes e quebradas, eram muito pequenas para o Bostil, sempre e quando Sage King e Furacão não lhe pertencessem. E quando o velho Cal Blinn brindou, muito entusiasmado, por Luzia, dizendo que esperava viver o bastante para vê-la montar a Furacão na grande carreira que este tinha que correr com o King, Bostil sentiu nele um temor sutil e amargo. Ao princípio se burlou de si mesmo. Ele, Bostil, temeroso de uma carreira! Era uma mentira de sua excitada imaginação. E se apressou a rechaçá-la; mas, de um modo insidioso, aquela idéia voltou a lhe dominar. E já zangado consigo mesmo, tratou de afogá-la; mas, entretanto, não pôde destrui-la por completo.

depois do jantar, Bostil, em companhia de seus convidados, dirigiu-se a casa do Brackton, aonde Slone e outros vencedores do dia receberam os prêmios.

-Caramba! Aqui há muito mais dinheiro de quando tive em minha vida -exclamou Slone, olhando, incrédulo, o dinheiro que acabavam de lhe entregar.

Bostil estava alegre e agradado, mas no fundo sentia sua antiga criatividade que lhe inclinava a conseguir seus próprios fins. Aquele dia mostrábase extraordinariamente generoso de muitos modos, embora, de outra maneira, egoísta em grau enorme.

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-observei, Slone, que não bebeu você nada -disse com acento de curiosidade.

-Não, eu não gosto do licor.

-Joga você?

-Eu gosto de uma pequena aposta .. em uma carreira -replicou Slone com franqueza.

-Isso não é jogar. Esses tolos picadores que tenho a minhas ordens são capazes de apostar sobre os movimentos da cauda de um cavalo. -Fez de modo que Slone afastasse-se um pouco de outros, que naquele momento se interessavam pela distribuição de prêmios que realizava Brackton, e lhe perguntou-: Gostaria a você, Slone, ficar a minhas ordens como picador?

O jovem pareceu surpreender-se em extremo para ouvir tal proposição.

-Nunca montei a cavalo às ordens de ninguém -replicou-. Não poderia me resignar a estar pacote. Como você já sabe, sou caçador de cavalos.

Bostil contemplou ao jovem, perguntando-se que dificuldades tinha o emprego que lhe propunha e não lhe custou convencer-se de que Slone era, de uma vez, o melhor e o pior de quantos homens montavam a cavalo nas terras altas.

-Já o suponho, mas isso não importa -replicou em tom persuasivo- Se trabalhássemos uma temporada juntos... poderia economizar algumas moedas como essas de ouro que agora tem no bolso. Pense que um cavaleiro errante jamais chega a possuir um curral.

-Obrigado, Bostil -replicou Slone, com acento de gratidão- Pensarei-o. Em realidade, depois de ter pego a Furacão, não ficam muitas vontades de ir lutar com os cavalos selvagens. Refletirei a respeito disto. E talvez o faça se você segue acreditando que valho alguma coisa com uma corda e um cavalo.

-Caramba! -exclamou Bostil-. Holley diz que melhor preferiria que lhe atacasse você com um revólver que com uma corda. Eu penso o mesmo, e quanto a dirigir um cavalo, nunca vi coisa igual.

Slone parecia estar muito preocupado e continuou examinando as moedas de ouro que tinha na palma da mão. Alguém tocou então ao Bostil, e ao voltar-se este viu-se frente a Brackton tomando um farol- Quero lhe mostrar uma coisa.

Bostil seguiu ao Brackton e Slone lhe acompanhou. O velho abriu uma porta que dava a uma pequena habitação, quase cheia de mercadorias e hortaliças. O farol iluminava fracamente aquele lugar.

-você olhe aqui! -acrescentou Brackton dirigindo a luz a um homem tendido no chão.

Bostil reconheceu o pálido rosto do Joel Creech.

-Brackton, que é isso? Está morto?

Page 146:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

Bostil havia sentido um sobressalto estranho e incompreensível, porque nunca lhe impressiono a contemplação de um cadáver.

-Não, não morreu, embora mais valeria que assim fosse, em bem do povo -replicou Brackton-. Tão solo teve um ataque. Primeiro me figure que estaria bêbado, mas logo vi que não é assim.

-E para que me ensina isso você? -perguntou Bostil dando um grunhido.

-Figure-me que gostaria de vê-lo.

-E por que, Brackton?

Este sotaque a lanterna no chão e fazendo sair de um empurrão ao Slone, disse:

-Um minuto, filho.-Logo fechou a porta-. Joel esteve a meu cuidado desde que a avenida lhe impediu de voltar para casa -disse Brackton -. O pobre o passo muito mal, porque ninguém queria fazer coisa alguma em seu favor, e assim não tive mais remedeio que lhe amparar. Devo confessar que me deu lástima. Ele chorava como um menino que acaba de perder a sua mãe, e logo começou a olhar de má maneira e, ao parecer, com más intenções. Enquanto eu estava ocupado não deixava de lhe vigiar, mas, aproveitando os momentos em que eu me distraía, roubo-me bebidas, o qual pioro seu estado. Mas quando vi que tratava de me tirar um de meus revólveres, isso me fez recear, porque já uma vez havia dito: "Os cavalos de meu pai vão morrer de fome, mas eu matar a alguém." Certamente, estava fora de se e era perigoso. Enfim, eu me achava muito preocupado, mas tudo o que pude fazer foi guardar os revólveres sob chave. Ontem à noite lhe surpreendi enquanto se confabulava com alguns homens na escuridão e na parte traseira do armazém. Todos se afastaram, à exceção do Joel, mas reconheci ao Cordts. Isso tampouco eu gosto. Joel estava raivoso e sem dúvida alguma animado de más intenções. E quando um dos cavaleiros lhe chamo, o repôs: "Consta-me que o bote não rompeu suas amarras, porque eu mesmo, durante a noite da avenida, fui reforçar as, e além não se desataram os nós. Alguém curto a corda, pouco antes da avenida, para ter a segurança de que os cavalos de meu pai não poderiam atravessar o rio. Alguém foi examinar o rio e prévio a avenida. Mas se os cavalos de meu pai morrem de fome, não há dúvida de que eu matar a alguém."

Brackton tomo de novo o farol e pôs uma mão sobre a porta, dispondo-se a afastar-se.

-Então um cavaleiro lhe deu um murro; não pude saber quem, e Joel teve um ataque. Eu o traga aqui a rastros... e, como você vê, não recuperou o sentido.

-Bom, Brackton, esse moço está louco -disse Bostil.

-Não há dúvida, mas temo que um dia nos fará perecer em um incêndio, pois gosta de muito o fogo... ou fará alguma coisa pelo estilo.

-Reconheço que isso é um problema que terá que ter em conta. Enfim, já veremos -respondo Bostil.

E saíram ao encontro do Slone, que os esperava.

Page 147:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

Então Bostil chamo a seus convidados e, acompanhado também do Slone, voltou para sua casa.

Bostil esquecimento seu mau humor e se mostrou amável quando Lucia foi a sua habitação para lhe dar as boa noite. Certamente, compreendeu que tinha ido com objeto de lhe dizer algo mais.

-Olá, filha! - exclamou-. Não te envergonha de te apresentar ante seu pobre pai?

-Não. Não estou envergonhada -respondo Lucia com alguma indecisão- Mas ainda estou um pouco assustada.

-Sou inofensivo, minha filha, já não valho nada. Ao despistar ao Sage King acabou comigo definitivamente.

-Isso não é nada divertido, papai. A meu mesma fez zangar ao insinuar que eu obrava com dissimulação.

-A verdade é que não me consultou isso.

-Figure-me que séria muito divertido lhes dar a todos uma surpresa. E a verdade é que sempre te gostou de uma surpresa em uma carreira, a não ser que seus cavalos fiquem derrotados. Além disso pensa que era a única oportunidade que me apresentaria na vida para vencer ao Sage King. OH, que formosa carreira foi! Quanto eu gostaria de lhe haver avantajado de igual modo que a outros!

-Não te teria sido possível -declarou Bostil.

-Tenha em conta, papai, que Furacão pode derrotar ao King.

-Nunca, filha. Pensa que o que tem feito em realidade é derrubar a um bom cavalo e tirar o da pista.

Pai e filha ficaram olhando-se com olhos desafiadores; o primeiro opunha sua habitual teimosia a jovem, quem lhe replicava com olhos cintilantes e impulsionada por seu atrevimento. E ao fim a coisa terminou quando Luzia disse ao Bostil que nunca se arriscaria em outra carreira. Isso zangou muito ao pai, que teve que fazer um grande esforço para conter-se.

-Olhe, deixemos isso. Agora me conte como salvou a Furacão e ao Slone.

Luzia começou de boa vontade a narração e, logo que tinha pronunciado algumas palavras, quando Bostil se sentiu em extremo interessado e até absorto. Aquilo era a melhor novela que podia ouvir um homem de seus sentimentos.

-A verdade, Luzia, é que é uma moça ani

mosa -disse entusiasmado, quando ela terminou-. E não posso censurar ao Slone por haver-se apaixonado por ti.

-Quem te há dito isso?-perguntou a jovem.

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-Ninguém, mas é verdade. Não?

Lhe olhou com a mesma sinceridade de sempre, embora com alguma tristeza, conforme pareceu a seu pai, maravilhada e preocupada, como se se achasse ante um feito estranho e da maior importância.

-Sim, papai, é... é verdade -respondeu com voz entrecortada.

-Não havia necessidade de que me dissesse isso, embora celebre que o tenha feito.

Bostil quis lhe perguntar então se correspondia de algum modo à paixão do cavaleiro, mas o caso é que não pôde resolver a fazer tal pergunta. A moça era tão sincera e franco como sempre. Valia tanto ouro como pesava. Bostil temeu inteirar-se de um segredo que lhe zangasse.

E com a mesma certeza com que gozava da vida e lhe esperava a morte a uma distância imprecisa, mais ou menos tarde um caballista acabaria por conquistar o amor

da jovem. Bostil sabia e esta idéia despertava seu ódio, seu temor e sua irritação. Entretanto, díjose que nunca entregaria sua filha a um caballista pobre. Por exemplo, Wetherby deveria esforçar-se em conquistar a Luzia. Enfim, Bostil não queria averiguar muito naqueles momentos, desejoso de evitar que despertasse seu animosidade antes de tempo. Entretanto, sentia grande curiosidade, e com objeto de ver se podia distrair a imaginação da jovem, fazendo de modo que esquecesse o que possivelmente não era mais que um capricho momentâneo, apelou a seu antigo costume de brincar.

-Outro pobretón! -disse- Você, Luzia, tem a cabeça a pássaros e deveria te envergonhar de olhar sequer a esses mendigos.

- Papai!

-É uma moça aficionada a flertar e que não tem coração. Quão mesmo sua mãe antes de me conhecer.

-Não é verdade. Não sou assim. E tampouco acredito que fosse meu madre-replicou Luzia, avivada.

-Bom. O caso é que fez mal indo todos os dias ao encontro desse Slone, porque tenha em conta, menina, que se ele tivesse o atrevimento de me pedir você mão lhe daria uma surra.

-Pois demonstraria ser um homem brutal -replicou Luzia.

-Pode ser-respondeu Bostil, cheio de secreto júbilo, ao observar que Luzia não adivinhava suas intenções. Esta estava muito ensimismada, de modo que seu pai se perguntou quais seriam seus secretos sentimentos. Mas não poderia resistir tanto atrevimento.

-Pois ele... propõe-se... te pedir minha mão...

-E um demônio!

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Luzia não adivinhou as verdadeiras intenções de seu pai. Estava muito ruborizada e continuou

-Disse que nunca me teria permitido ir sozinha a seu encontro.., a não ser que... amasse-me... E como sem dúvida nossos vizinhos e todos os cavaleiros se inteirariam disso, e falariam..., queria apresentar-se a ti para que outros soubessem também que tinha solicitado minha mão.

-Terá que reconhecer que é um bom moço -exclamou Bostil quase involuntariamente, pois lhe era muito difícil ocultar sua sinceridade e sua espontaneidade, muito mais

que dissimular suas más qualidades. Então começou a seguir outro caminho e disse-: Sendo assim me obrigará a lhe tratar com alguma consideração, de maneira que quando deva solicitar sua mão me limitar a lhe responder que não.

Luzia inclino a cabeça e Bostil tivesse dado quanto tinha, à exceção de seus cavalos, para estar seguro de que não queria ao Slone.

-Tem que saber, papai, que eu mesma lhe disse que não -murmurou a moça.

Aquela vez, Bostil não pôde conter uma expressão de surpresa.

-De modo que te pediu relações? Vamos! Quando?

-Hoje mesmo, quando lhe vi detrás das rochas, aonde me esperava com Furacão. Então o...

Luzia se jogo em braços de seu pai, enquanto se estremecia seu esbelto corpo. Bostil compreendeu, instintivamente, que o que então necessitava sua filha era uma mãe. A sua tinha morrido e o não era mais que um velho caballista, duro e rude. Não sabia o que fazer nem que dizer. abrando-se seu coração e a estreito em seus braços. Arrepentíase de não ter sido um pai melhor e mais bondoso, pelo temor de que ela acabasse por descobrir seus verdadeiros sentimentos. Mas isso provava que aquele homem a queria e que a tratava com consideração e afeto.

-Bom, filhinha, diga me todo-rogou isso.

-Porque me disse isso.

-Fez mau. E como o disse?

-Pois... -começou a dizer Luzia, embora se calo de repente.

Bostil estava seguro de que quis lhe dizer algo e, de repente, mudança de idéia. Repentinamente desapareceu a jovencita para dar passo à mulher e assim Luzia-se incorporo já proprietária de si mesmo. Alguma idéia poderosa a tinha transformado.

A aguda percepção do Bostil compreendeu que o que lhe ocultava não era ela quem devia revelá-lo, porque a jovem era a personificação da sinceridade e da franqueza.

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-Faz alguns dias lhe disse que !e queria -contínuo a moça-, mas lhe proibi que me falasse disso.

É1 me o prometio. Eu desejava que esperasse até depois da carreira... Até que eu tivesse o valor necessário para lhe confessar isso Mas falto a sua palavra... e hoje, quando me ajudo a montar a Furacão... de repente perdeu a cabeça...

Luzia se ruborizou intensamente e seu olhar adquiriu uma expressão vergonhosa, mas não por isso deixo de olhar a seu pai.

-Agarrou-me... abraço-me... e logo... logo me beijou. OH, foi horroroso! Acreditei morrer de vergonha. Então eu lhe devolvi... uma coisa que o me tinha dado... e lhe disse... disse-lhe que lhe odiava, e logo lhe responda que não lhe queria.

-Entretanto, montou seu cavalo na carreira -observou Bostil.

Luzia inclino a cabeça para ouvir essas palavras e respondeu:

-Não pude resistir.

Bostil acaricio a brilhante cabeça da jovem.

-Vá um caso para um velho de cabeça dura como eu! Embora deva te dizer que, no meu entender, Slone não cometeu nenhum crime. Você já lhe havia dito que lhe queria. Se não fosse por isso... Lembrança que eu fiz o mesmo com sua mãe. Ela se zango muito então, mas não por isso me quis menos.

-Pois eu não o perdoar nunca -exclamou Luzia, apaixonada-. Odeio-lhe ! Um homem que falta a sua palavra em uma coisa é capaz de fazer o mesmo com outra.

Bostil compreendeu, com tristeza, que aquela menina tinha alcançado a femineidad completa e, Ao mesmo tempo, o amor, e que, por outra causa, começava a sentir os doces e amargos dores da vida. Também compreendeu que estava atravessando uma crise e que uma palavra injusta ou falsa de seus lábios arruinaria para sempre qualquer esperança que ainda pudesse existir para o Slone. Bostil se deu conta disso, mas, entretanto, não teve a tentação de levá-lo a cabo.

-me escute. Não tenho inconveniente em convir que seu novo amigo vai bastante depressa. Mas, enfim, Luzia, se hoje não tivesse dirigido sua corda com a maior rapidez, tão possivelmente como o faz com respeito ao amor... enfim, que... possivelmente seu pai estaria morto.

A jovem ficou tão branca como seu traje.

- OH, papai ! Já sabia eu que tinha ocorrido algo -exclamou aproximando-se do.

Então Bostil lhe contou a ameaça do Dick Sears e de que maneira Slone burlou ao cuatrero. Referiu-lhe a história, sem procurar atenuantes, mas com a maior eloqüência possível e com o entusiasmo que no despertava aquela façanha.

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Luzia ficou em pé, oprimindo o peito com as mãos. Quando viu Bostil uns olhos como aqueles, escuros, brilhantes e maravilhados? Ah! Então recordou a sua mãe, a quem viu uma vez de igual modo quando era uma jovencita.

Logo Luzia lhe deu um beijo e, sem pronunciar outra palavra, fugiu da estadia.

Bostil seguiu com a vista fixa nela enquanto se afastava.

-Maldito eu seja! -exclamou atirando uma bota contra a parede-. Compreendo que não resolverei nunca a lhe permitir que se case com o Slone, mas não tive mais remédio que lhe dizer o que penso desse moço.

XIV

Slone estava acordado, tendido sob uma janela aberta, observando o brilho das estrelas através da folhagem dos álamos, que produzia suave ruído ao ser agitado pelo vento. ao longe uivava um cão solitário, e também a grande distancia se percebia o argentino rumor da água corrente.

Na manhã seguinte à carreira, Luzia foi ver lhe. Poderia o esquecer seus olhos e sua voz?

-Deus lhe benza por ter salvado a meu pai! -disse-. Foi você muito valente... Mas tome cuidado e não se deixe enganar pelo. Não cria em sua bondade e, sobre tudo, não aceite suas proposições de trabalhar para o. Meu pai somente deseja adquirir a Furacão, mas se não o obtém lhe odiará.

Estas palavras de Luzia foram causa de que os dias seguintes resultassem muito violentos para o Slone. Bostil lhe curvava à força de obséquios e de bondades, e não cessava de lhe importunar para que aceitasse seus oferecimentos.

Desde não ter sido por Luzia, possivelmente o teria mimado. Luzia sustentava que seu pai era um homem estupendo e bom em tudo que não se referisse aos cavalos rápidos, porque, ao tratar-se disso, era um homem impossível.

O grande garanhão, pelo qual Slone quase sacrificou sua vida quando quis agarrá-lo, era um espinho que o velho caballista tinha cravada na alma. Slone estava tendido na escuridão, inquieto, sentindo muito calor e revolvien- dou-se na cama, enquanto contemplava o céu tachonado de estrelas e se sentia desgraçado a mais não poder por causa daquele cavalo. Quase chegou a odiá-lo. Quanto orgulho sentiu por Furacão! Quanto lhe satisfez o dar de presente a Luzia! Logo, na manhã da carreira, realizou aquele ato inconsiderado, imprevisto e incompreensível. Mas nem mesmo quando tivesse servido para salvar sua vida e sua alma

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podia lamentá-lo. Foi verdadeiramente o quem teve a culpa daquilo ou algum selvagem desconhecido que existisse em seu interior? Tinha completo a palavra que desse a Luzia quando, dia depois de dia, abrasava-se de amor, até o momento fatal em que a tocou e levantou para montá-la em Furacão. Isso lhe enlouqueceu. Estreitou-a em seus braços e a reteve abraçada. E ao ver o rosto da jovem junto ao seu começou a beijar aqueles doces e entreabiertos lábios até que ficou como cego.

Então pôde inteirar-se de que a jovem era uma fierecilla. Dióse conta de que acabava de faltar a sua palavra, e com o assombro que lhe causou sua própria conduta, humilhado e cheio de vergonha, não pôde pronunciar sequer uma palavra em defesa própria. Ela ignorava ainda que seu ato fosse impossível de reprimir e que o mesmo não se inteirou do que tinha feito até que era já muito tarde. E a jovem terminou dizendo : "Montar a Furacão nas carreiras..., mas não o quero, e tampouco quero a você. Não!"

E pronunciou estas palavras com a mesma acerada rudeza de seu pai.

No Slone o presenciar a carreira despertou, ao mesmo tempo, seu entusiasmo e desespero. Mentalmente reviveu as horas que transcorreram entre aquela e a em que estava arrasado pelo remorso e pela insônia. Sua mente era como uma pista de carreiras, em que corressem muitos cavalos; e, dominando-o tudo, recordava as palavras e os atos de Luzia Bostil.

Quão parvo foi figurar-se que ela tinha pronunciado sinceramente aquelas tenras palavras quando, ao amparo dos altos monumentos, aceitou o presente de Furacão! Portóse como uma menina impulsiva. Seu desdém e sua fúria, na manhã da carreira, não deixaram ao outra coisa que fantasias desprovidas de base. Ela confundiu o desejo de obter a Furacão com o amor para seu dono. Não, seu caso era desesperado com Luzia e incluso no sendo assim, Bostil teria obtido que fosse. Entretanto, Slone não podia compreender algumas costure e em especial o orgulho, a preocupação e a frieza da jovem junto a seus doces olhadas e seus afáveis atos.

Tudo isto curvava mentalmente ao Slone. Obrigava-lhe a dar-se conta de que tinha uma mente que lhe torturava com tais idéias. Mas não possuía nenhuma experiência com respeito às mulheres para aplicá-la ao que então lhe ocorria. Parecíale aquele fato, aceito o desdém que recordava e a fria incerteza que sentia, algo distinto do que o mesmo se figurou de um modo intuitivo. Luzia lhe evitava, se por acaso o encontrava a sós. Em troca, quando Bostil, a tia Jane ou outra pessoa estava presente, Luzia lhe tratava com bondade, era agradável e carinhosa. Por que se ruborizaria ao lhe ver e por que empalideceria logo? Por que, com tanta freqüência, quando estavam sentados à mesa ou se achavam na sala de família, parecia procurar roçar-se com o, quando com tanta facilidade o teria evitado? Várias vezes sentiu o uma força de atração inexplicável e ao levantar os olhos encontrava os seus sobre o, olhos estranhos e cheios de mistério que a jovem desviava de repente. Haveria algum significado no fato de que sua habitação estivesse tão limpa e ordenada e em que todos os dias se acrescentasse algo nela, destinado a sua comodidade ou ao adorno da estadia, ou em que encontrasse flores recém cortadas cada vez que entrava na habitação, ou um livro, uma fruta, um bocado delicioso e até, uma vez, um molho de pincéis índios ou flores silvestres do deserto que ao gostava tanto, conforme lhe constava a Luzia? Mas principalmente o estranho

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eram aqueles olhos da jovem, que tanto preocupavam ao Slone, olhos que tinham trocado, obscurecendo-se, que perderam seu atrevido cintilo e que, entretanto, pareciam mais doces que nunca. Quão olhadas surpreendia e que se figurou eram roubadas, embora logo ria ele mesmo de semelhante ideia, emocionavam-lhe de um modo considerável.

Assim Slone passou várias horas, acordado de dia e de noite; louco de amor e de remorso, atormentado, às vezes, por imaginárias esperanças e resignado, em outros instantes, ao desespero.

Na sexta manhã de sua estadia em casa do Bostil, Slone se levantou animado por uma parte de sua antiga força de vontade. Não podia continuar em casa do Bostil por mais tempo sem aceitar o oferecimento deste e não terei que pensar nisso.

Fazendo um esforço acabou de decidir-se e se apressou a ir ao encontro do dono da casa, aproveitando sua recente decisão.

Encontrou ao Bostil no curral e em companhia de Furacão. Assim o achou pela segunda vez. O cavalo parecia considerar o Bostil com maior agrado que a seu mesmo amo. Ao notá-lo, Slone sentiu um leve calor que corria por suas veias, pois isso era um grande desgosto para um cavaleiro.

-Eu gosto de muito seu cavalo -disse Bostil com sua mal-humorada franqueza, embora debaixo da barba sua pele se tingiu de vermelho.

-Bostil, sinto-o muito, mas o caso é que não posso aceitar sua oferta de ficar a trabalhar aqui -exclamou Slone falando com rapidez-. Há-me flanco muito me decidir, porque foi você muito bondoso. Estou-lhe muito agradecido, mas já chegou o momento de dizer-lhe -Tiene algo que ver eso con Lucía? -preguntó Bostil.

-E por que não pode você?-perguntou Bostil levantando seus grandes olhos, que cintilaram ao lhe olhar. Era a primeira vez que lhe perguntava tal coisa.

-Não posso montar a cavalo por usted-replicou brevemente Slone.

-Tem algo que ver isso com Luzia? -perguntou Bostil.

-Por que? - perguntou Slone sentindo que se ruborizava.

-Pois porque você a pretendia e ela não quis lhe aceitar -replicou Bostil.

Slone sentiu que o sangue fervia em suas veias. Aquele Bostil justificava sua fama de saber dizer as coisas com a maior rudeza e desconsideração.

-Sim, pretendo a Luzia e ela não me quer -respondeu Slone com voz firme- Roguei-lhe que me permitisse me apresentar a você para lhe pedir sua mão. Mas não quis.

-Bom, vale mais que não tenha vindo com esse propósito, porque eu poderia haver... - Bostil interrompeu a frase e contínuo-: Certamente, é você homem de cabelo em peito, Slone; mas, isso à parte, o que pode oferecer a Luzia?

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-Nada, à exceção de... mas isso não importa -replicou Slone, ressentido pelo desdém do Bostil -. Entretanto, me alegro muito de que você esteja informado de todo isso.

Bostil se voltou para contemplar uma vez mais a Furacão e permaneceu comprido momento com o olhar fixo nele. Quando voltou o rosto parecia outro homem, e Slone compreendeu perfeitamente a poderosa paixão que dominava ao antigo negociante em cavalos.

-você ouça, Slone, darei-lhe a escolher cem mustangs e logo mil dólares em troca de Furacão.

Assim desmascaro sua riqueza e poderio ante um cavaleiro que não tinha nada.

E embora estas palavras impressionaram ao Slone como se tivessem sido um trovão lhe fizeram graça, embora se absteve de demonstrá-lo.

Bostil só possuía uma coisa, além de sua grande riqueza, capaz de obrigar a seu proprietário a desprender-se de Furacão.

-Não -respondo Slone com alguma secura.

-Dobro a oferta -replicou Bostil com a mesma concisão.

-Não.

-Pois então...

-Não gaste palavras em vão, Bostil -interrompeu Slone-. Você não me conhece. me permita lhe dizer, pois, que não pode comprar meu cavalo.

incharam-se as grandes venha do pescoço do Bostil, parecido ao de um touro, seu rosto fico contraído de um modo estranho e seus olhos refletiram uma raiva selvagem.

Slone viu que no Bostil tinham império duas paixões uma, um amargo e terrível desencanto, e a outra, a ira de um homem incapaz de resignar-se a que lhe contrariavam, e Slone compreendeu que o melhor que podia fazer era afastar-se quanto antes; com este objeto saco a Furacão do curral, para levá-lo a pátio da quadra e, uma vez ali, apresso-se a selá-lo. Logo penetro em outro curral, em busca do Nagger, e tirando-o sua vez, observo que Bostil lhe tinha seguido até o pátio.

Ao parecer, a raiva do velho tinha passado já ou estava apaziguada.

-Vamos -começou dizendo com voz grosa-. Não você seja um imb... e destrua a melhor oportunidade de sua vida. Eu...

-Ouça, Bostil, a oportunidade de minha vida está já destruída, e já sabe você quem tem a culpa-replicó Slone. enquanto reunia com sua mão a corda do Nagger e a brida de Furacão -. Não me acredito homem de sentimentos duros... mas não posso lhe vender meu cavalo. Tampouco me resigno a ser empregado de você, porque... bom!, porque isso traria desgostos.

-De que classe? -perguntou Bostil.

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Holley, Farlane, Vão e outros picadores tinham acudido e escutavam a conversação com a boca aberta. Slone compreendeu por sua expressão que, sem dúvida, ocorreria algo, dado o humor que então tinha Bostil.

-Com segurança faríamos correr juntos ao King com Furacão. Não é verdade? -respondo Slone.

-E caso que assim fosse, o que? -replicou Bostil com acento ameaçador e enquanto seu corpo poderoso se estremecia ligeiramente.

-Porque Furacão derrotaria a seu favorito, e lhe gostaria disso -respondeu Slone. Seu sangue de caballista lhe impulsiono a pronunciar esta bravata. Não pôde remediá-lo.

-você ouça, senhor caçador de cavalos selvagens -rugiu Bostil-. Seu Furacão pode ser um perfeito assassino, mas não é capaz de vencer ao King em uma carreira.

-me dispense, Bostil, mas Furacão já venceu ao King.

Isto era só acrescentar lenha ao fogo. Slone viu que Holley o fazia gestos para que se calasse, mas seu sangue estava já avivado, porque Bostil lhe excito indevidamente.

-você minta! -declarou Bostil dando um passo para diante. Slone compreendeu quão perigoso era aquele homem-. Não houve carreira, porque seu cavalo fez sair ao King da pista.

-Sage King ia à cabeça de outros, não é certo? Pois por que não conservo seu posto?

Bostil se pareceu então a um menino furioso e intratável a quem lhe têm quebrado seu brinquedo preferido; e estalo em uma corrente de palavras incoerentes, que ao parecer eram razões encaminhadas a justificar sua apreciação. Slone não compreendeu sequer o que queria dizer Bostil, nem tampouco lhe importo grande coisa averiguá-lo. E quando o velho se ficou sem fôlego, Slone disse:

-Estamos falando inutilmente. Eu não quero que você me chame mentiroso pela segunda vez. você faça montar ao King por seu cavaleiro e vamos ver o agora mesmo. Eu...

-Cale-se, Slone, e vá-se! -interrompeu Holley.

-você vá ao diabo! -replicou fríamente Slone.

Houve um momento de silêncio, durante o qual Slone ficou olhando ao Holley. Era possível que o velho picador de olhos de gavião fosse homem leal e correto, mas naquele momento só pensava no Bostil.

-O que passa aqui? -perguntou Slone-. Acaso vão pegar me um tiro porque defendo minha causa, e você, Holley, com seus companheiros, temem a esse velho diabo? Mas não! Não temo nada disso e a vocês ninguém deu vela neste enterro.

-Não deve você incomodar-se, amigo -replicou Holley em são de desculpa-. Solo queria lhe evitar que pronuncie palavras de que talvez poderá arrepender-se.

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-Não tenho que me arrepender de nada. Unicamente quero obrigar a esse grande negociante em cavalos, a esse rico e poderoso rancheiro, a esse juiz de excelentes cavalos, a esse Bostil... quero lhe obrigar a que faça correr ao King ou a que se cale-entonces Então Slone se voltou para o Bostil, que estava assombrado ao ver que um homem como Slone se atrevia a lhe contrariar-. Bom, vamos, você faça trazer para o King, que seus mesmos picadores sejam juizes da carreira.

Bostil fez um grande esforço para conter-se e para falar.

-Não. Não quero dar outra vez a esse assassino vermelho a oportunidade de atacar ao King.

-Ora! Está você assustado. Já sabe que agora não o montaria nenhuma jovem. O que passa é que está você convencido de que venceria ao King e por isso quer comprar a Furacão.

Slone conteve a respiração, porque ao ver o rosto pálido do Bostil compreendeu que talvez se atreveu muito. Entretanto, aquelas verdades que acabava de jogar na cara do velho eram, sem dúvida, o que mais convinha. E Slone adivinho, mais que compreendeu, que tinha feito algo sem precedentes.

-Parto-me agora, Bostil.

Slone se despediu dos picadores com um movimento de cabeça e, voltando-se, guiou aos dois cavalos pelo beco e em direção à casa. Só necessitava ver luzia sob os álamos para acalmar sua cólera e despertar seu arrependimento. Luzia lhe viu chegar e, como de costume, dispôs-se a evitar seu encontro, mas já fosse ter divisado os cavalos ou por outra causa qualquer, o caso é que é sentia inclinada, pelo contrário, a aproximar-se do Slone.

Este se deteve, e tanto Furacão como Nagger relincharam ao ver a jovem. Luzia dirigiu um rápido olhar aos animais e logo ao Slone, e com toda evidência adivinho que tinha ocorrido algo desagradável.

-Luzia, já não pude me conter mais e com toda segurança cometi uma tolice-disse Slone.

-O que passou? -exclamou ela.

-Porque pinjente a seu pai... Chamei-lhe... E ele...

-Lin! OH, não! Não me você diga isso! - exclamou Luzia empalidecendo e pondo sua mão sobre o braço do jovem, quem se estremeceu ao sentir aquele contato-. OH, Lin, tem você sangre na cara...! Não me diga...! Não me diga que papai lhe pegou!

-Nada disso -exclamou Slone levando-a mão ao rosto-. Este sangue procede, sem dúvida, de um corte que me tinha feito e que talvez tenho aberto eu mesmo enquanto sustentava a Furacão.

-OH! Não sabe você quanto...! -gaguejou Luzia, que não acabou a frase e retrocedeu com rapidez e como se, de repente, desse-se conta de seus atos e de seus palavras.

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Então Slone começou a referir com detalhe o que se disseram ele e Bostil e, antes de que conclui-se sua história, estremeceu-se ao ver o aspecto do rosto e dos olhos da jovem.

-Há dito você todo isso a papai? -grito assombrada, temerosa e cheia de admiração-. OH, bem o merecia ele, mas eu gostaria que não o tivesse feito você Oxalá não lhe houvesse dito essas coisas!

-por que? -perguntou Slone.

Não respondo a essas palavras, mas sim lhe perguntou:

-Aonde vai você agora?

-Pois, em realidade, não o se -replicou Slone com a maior franqueza-. tornei para recolher em minha habitação os objetos de minha propriedade. Não me tinha ocorrido nada mais que isso.

-Seus efeitos...? OH! -de repente empalideceu em extremo, e as pequenas sardas de seu rosto que, pelo comum, eram invisíveis, pareceram de grande relevo, como se ela nunca tivesse tido a cútis curtida. Uma de suas moréias mãos se apoiou em seu peito e a outra voltou a posar-se no braço do jovem-. De modo que se propõe... propõe-se você... afastar-se de uma vez para sempre?

-Claro. Não posso fazer outra coisa.

-Lin...! OH, aqui vem papai! Não convém que me veja. Tenho que partir... Lin, não se você vá do Vau do Bostil. Não se vá. Não se vá.

Dito isto ponho-se a correr para dar a volta à esquina da casa, a fim de desaparecer por ali. Slone fico emocionado e imóvel. Inclusive os pesados passos do Bostil não foram muitos para interromper seu êxtase, de modo que teria sido inevitável o encontro se Bostil não tivesse tomado o caminho que conduzia à parte posterior da casa. Slone se sobressalto de repente, recolheu suas idéias e entro na pequena habitação que foi dela e ali reuniu os escassos objetos de sua pertença. Teve o major cuidado em deixar os presentes de armas de fogo, mantas, luvas e outras casas próprias de um cavaleiro, que Bostil lhe tinha devotado.

Assim provido, saiu de casa, e agitado por emoções doces e, ao mesmo tempo, estranhas, guiou aos cavalos para o povo.

encaminho-se a casa do Brackton e sotaque os cavalos em um dilatado curral de pasto, provido de altas cercas, que estava imediato à casa do Brackton. Razoavelmente, imagino que seus monturas estariam ali seguras; mas, entretanto, dispôs-se às vigiar.

E o velho Brackton, como se tivesse lido as idéias do Slone, disse-lhe:

-Não você perca de vista a esse moço louco chamado Joel Creech. Anda rondando minha casa, dorme por aí e os cavalos lhe têm louco.

Não necessitava Slone uma advertência como esta nem tampouco se preocupo em pedir informe com respeito ao jovem Creech. Luzia vai tinha referido o que com ele o passo, de

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modo que desejava encontrar a aquele imbecil que tão gravemente ofendesse e ameaçasse a jovem. O povo tinha recuperado seu aspecto habitual e suas sonolentas costumes. Os índios foram os últimos em partir, mas à maturação já não ficava nenhum. Os dias eram muito calorosos enquanto brilhava o sol e unicamente os cavaleiros se atreviam a desafiar seus ardores.

Não por isso transcorreu a manhã sem nenhum incidente. Brackton se aproximou do Slone para lhe propor que se fizesse cargo de uma expedição de mercadorias entre o Vau e Durango.

-Que faria eu de Furacão? -perguntou ao responder a tal proposição.

Mas Brackton não fez mais que levantar as mãos ao céu. Um incidente que ocorreu depois solicito com maior intensidade a atenção do Slone. Tinha observado a um homem no armazém do Brackton, e deu a casualidade de que aquele ouvisse o jovem quando respondia à proposição do velho. Então disse:

-Com segurança necessitará você um bom curral para guardar a esse garanhão vermelho. É o cavalo maior que vi em minha vida.

Este louvor satisfez ao Slone, que travo conversação com aquele homem, quem disse chamar-se Vorhees. Logo soube que este possuía uma casita, um curral e uma bandagem de terreno em um lugar muito apropriado, ao pé do penhasco e que desejava vender muito barato, porque lhe tinha apresentado uma boa oportunidade no Durango, onde vivia sua família. O que mais interesso ao Slone foi a observação daquele homem a respeito de que tinha um curral, cuja entrada era muito difícil de forçar. O preço que pedia era ridiculamente baixo se, em efeito, sua propriedade valia algo. Pela mente do Slone cruzou uma idéia. Fué a visitar a casa do Vorhees e todo gosta em extremo, especialmente o curral, construído, sem dúvida, por um homem que, como Bostil, temia aos cuatreros. A vista de que se gozava da porta da cabana era magnífica sobre toda ponderação.

Slone recordou as últimas palavras de Luzia, que ressonavam sem cessar em seus ouvidos : " Não se vá! Não se vá! " Isso era mais que suficiente para encadeá-lo ao Vau do Bostil até que acontecesse algo grave. Não se atrevia a sonhar sequer no significado que pudessem ter tais palavras. Somente se deleitava com sua música enquanto ressonavam em seus ouvidos.

-Fala você a sério, Vorhees? -perguntou-. O preço que me pede é muito baixo.

-É suficiente, e em realidade para mim será uma economia -replicou aquele-. Além disso, considerarei sua compra como um favor.

-Pois bem, estamos de acordo -disse Slone renda-se-. Só desejo que você publique o fato de que lhe comprei sua casa.

formalizo-se o trato e até fico ao Slone a metade do dinheiro que ganhasse na carreira. Estava entusiasmado e se considero rico. Possuía dois cavalos, um dos quais era o mais notável das terras altas, e o outro o mais fiel. Também era proprietário de uma cabana muito bonita,

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aonde era extremamente agradável sentar-se a contemplar o panorama, e de um curral que lhe permitia dormir tranqüilo pelas noites, sem contar com que tinha bastante dinheiro para comprar móveis e provisões e arrumar um bom jardim. E depois de ter bebido na fonte que emanava ao pé do penhasco, disse-se que esta só valia muito mais do que acabava de pagar.

-daqui se vê perfeitamente a casa do Bostil -disse-se entusiasmado-. Ele ficará furioso. E Luzia? Que pensará de todo isso?

quanto mais olhava Slone a seu redor e refletia sobre o caso, mais se convencia de que, por fim, a fortuna acabava de chamar a sua Porta, de modo que, ao voltar para casa do Brackton, estava entusiasmado. O ancião lojista lhe deu uma cotovelada e assinalo a um moço jovem, de aspecto derrotado e que, muito triste, estava sentado em uma caixa.

Slone reconheceu ao Joel Creech, e lhe compadeceu, porque seu aspecto era lamentável. Ao parecer estava necessitado e muito faminto.

-Ouça! -perguntou-lhe de repente- Quer me ajudar a levar a casa alguns objetos e provisões?

-Não há inconveniente -respondeu Creech levantando a cabeça.

Slone experimento o maior sobressalto de sua vida ao fixar seu olhar naqueles olhos de distinta cor, embora não acreditou que a este detalhe se devesse a impressão que acabava de sentir. Naquele encontro havia, sem dúvida, um presságio.

Compro ao Brackton várias coisas e, com ajuda do Creech, transporto-as à cabana do penhasco. Tiveram necessidade de fazer três viagens para deixá-lo tudo em seu sítio e, enquanto isso, Creech logo que teve ocasião de pronunciar algumas palavras, e estas sem importância alguma. Slone lhe ofereceu dinheiro, mas o não quis aceitá-lo.

-Ajudar-lhe a colocá-lo tudo em seu sítio e logo comerei um bocado -disse-. Este lugar é muito agradável.

Pareceu o bastante razoável para corresponder ao bom trato. Slone observo que Vorhees tinha deixado a cabana tão limpa que logo que teve necessidade de arrumar coisa alguma. Solo o lar de pedra parecia necessitar uma pequena reparação, e além disso havia lenha que cortar.

-Olhe, Joel, acende o fogo, enquanto eu vou em busca de meus cavalos - disse Slone.

O jovem Creech moveu a cabeça em sinal de assentimento e Slone o deixo. Não foi fácil apoderar-se de Furacão, nem tampouco lhe fazer entrar no novo curral; mas por fim Slone o viu em segurança dentro daquele. As trancas e os ferrolhos da porta desafiariam qualquer esforço que do exterior se realizasse para penetrar no recinto. Ao chegar diviso ao Creech de pé na porta, observando os cavalos, e Slone viu ou acreditou ver que o jovem tinha um aspecto distinto.

-Grande cavalo selvagem! Fez o que teria feito Blue... derrotar a esse maldito King do Bostil.

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Creech agitava a cabeça e parecia estar de humor sombrio. Era desagradável olhar a seus olhos. Troco seu rosto e começou a resmungar palavras. Slone se compadeceu ainda mais do, embora, ao mesmo tempo, desejo Perder o de vista. Entretanto, fico, e durante a comida resulto mais simpático que antes, embora converse muito mais. Com freqüência repetia determinadas coisas, falava sem ilação e dava outras provas de não estar em seu são julgamento. Não obstante, Slone suspeito que a falta de equilíbrio mental do Creech solo se evidenciava com referência aos cavalos e à família Bostil. E Slone, que desejava averiguar quanto fosse possível, respirou ao Creech para que falasse a respeito de seu pai, dos cavalos de carreiras, do rio e do bote e, finalmente, do Bostil.

Fico convencido de que, tanto se Creech era louco ou não, compreendia muito bem que os cavalos de seu pai estavam condenados a morrer e que alguém curto as amarras do bote. Slone não pôde averiguar as razões de sua convicção, mas era evidente. Por fim Creech lhe disse que um dia antes tinha ido à borda, encontrando-o muito crescido ainda, mas já mais baixo que antes; acrescentou que procurou por entre as rochas e que, encontrando os cabos de corda, observo que tinham sido cortados.

-Já vê você que Bostil os curto quando nenhuma necessidade tinha de fazê-lo -contínuo Creech com ardilosa expressão-. Mas não pôde adivinhar, em troca, que a avenida descesse de nível com tanta rapidez. Temeu que aquela noite pudéssemos cruzar o rio. Certamente, ele quis levá-los cabos cortados para que ninguém descubrie- o ocorrido, mas, sem dúvida, não teve tempo.

-Bostil? - perguntou Slone olhando fixamente ao Creech.

Não havia dúvida de que o moço acabava de contar o sucesso de um modo muito razoável, e Slone se perguntava se Bostil podia ter obrado com tanta baixeza. Não. E, não obstante... Ao tratar-se de cavalos, Bostil logo que dava amostras de ter sentimentos humanos.

A pergunta do Slone serve para fazer tomar ao Creech outro caminho, pois então começou a proferir escuras e misteriosas ameaças.

de repente, aquele ouviu o nome de Luzia e isso fixei bastante para fazer desaparecer toda a simpatia que fugi biera podido sentir pelo Creech.

-O que tem que ver a jovem com tudo isso? -perguntou zangado- Se quer seguir falando comigo, procura não voltar a pronunciar seu nome.

-Farei-o sempre e quando me parecer bem -grito Creech.

-Não diante de mim.

-Sim, senhor, porque você não me importa um cominho.

-É um imbecil e um estúpido -exclamou Slone com impaciência, asco e cólera de uma vez-. Vejo que não serve de nada o te tratar com bondade.

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Creech se agacho enquanto suas mãos arranhavam a mesa como se fossem garras e como se se dispusesse a saltar. Naquele momento estava horrível.

-O que sou um estúpido? -gritou- Talvez não tanto como você se figura. Você, consta-me muito bem que se viu várias vezes com Luzia Bostil, e a manhã de a carreira lhe surpreendi entre as rochas com ela. E vi o que fez. Agora vou dizer o a todo mundo. E logo irei procurar a Luzia Bostil, e lhe romperei o traje, até deixá-la nua, atarei-a em cima de um cavalo e prenderei fogo a maleza. Por Deus, juro que o farei!

E, convertido em uma fera, com o rosto lívido e maligno, respirava com força ao ficar em pé, enquanto com a maior malícia desafiava ao Slone.

-Tanto se estiver louco como não, comprido daqui! -exclamou o jovem.

E, dando um salto, atiro um golpe ao Creech que lhe obrigo a cair tendido sobre a soleira da porta e, logo, a chutes, acabo de jogar o de sua casa.

-Vete, e tanto me importa que tenha um ataque como não o tenha! -gritou-. Se não fosse por isso te mataria.

Creech ficou em pé e ponho-se a correr pelo atalho, embora se voltou duas vezes. Logo desapareceu por entre as árvores.

Slone se sentou e, falando consigo mesmo, disse:

-Já perdi outra vez a paciência. Vá um dia ! Me parece que o melhor que posso fazer é ficar aqui e me apaziguar. Esse infeliz possivelmente não seja tão louco como parece, mas, em troca, não há dúvida de que é mais selvagem que um índio. Convirá avisar a Luzia. meu deus! Sente saudades muito que Bostil tivesse atrasado o acerto do bote para logo soltá-lo no rio. Enfim, não sei. Ontem teria jurado que ninguém era capaz de tal coisa, mas hoje...

Slone chego à conclusão desta idéia incluso antes de admiti-la. Logo começou a cortar a larga erva dos rincões úmidos e sombreados que havia ao pé do penhasco e aonde a fonte fertilizava a terra. Levo um brazado de erva ao curral. Nagger dava voltas ao redor de este, lhe buscando ele mesmo alguns caules de erva. Furacão deu um ronco, como tinha por costume ao ver o Slone, e este, como estava acostumado a, trato de amansar ao garanhão com respeito ao. Nunca o havia obtido e tampouco o conseguiu aquela vez. Mas assim que deixo o brazado de erva no chão e saiu do curral, Furacão se aproximo com muito gosto a comê-la.

-Entretanto, às vezes é manso, faminto diabo vermelho -exclamou Slone, impulsionado pelo ciúmes.

Em efeito, Furacão não tinha inconveniente em tomar um punhado de erva das mãos de Luzia Bostil. Os sentimentos do Slone sofreram alguma reação, a pesar de que até seguia querendo ao cavalo, mas em seu afeto se confundia certa amargura. E mais que nunca, decidiu-se a que Luzia fosse a proprietária de Furacão. Imediatamente examino sua nova posição e começou a planejar o trabalho que queria empreender quanto antes.

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Transcorreram vários dias sem que quase o notasse. O trabalho, a que não estava acostumado, cansava-lhe de tal maneira que se deitava cedo e ficava dormido como um lenho. E, de não ter sido pela preocupação constante e pela ansiedade e saudade com respeito a Luzia, aquela teria sido a temporada mais feliz de sua vida. Repentinamente quase se afeiçôo a seu casita e quanto mais trabalhava com objeto de fazê-la produtiva e cômoda, major era seu afeto por ela. O trabalho não está acostumado a inspirar sonhos nem fantasias, de modo que Slone só recordava, de um modo vago, uma perdida que lhe parecia ter experiente. Com freqüência se surpreendia com os olhos fixos nos álamos, com objeto de ver se podia descobrir a Luzia, embora solo fosse por um instante, mas não a viu nunca e, em realidade, foram tão escassos os aldeãos que pôde distinguir, que se via rodeado por uma solidão que começava a lhe ser muito grata. Além disso, a contemplação daquele vale de cor cinza até os monumentos purpúreos despertava sempre no Slone uma lembrança emocionante. Ali salvo Luzia a seu cavalo Furacão e também sua própria vida. Seus olhos agudos e feitos a contemplar o deserto podiam distinguir, inclusive a tanta distância, aquele grande e escuro monumento coroado de pró, a cuja sombra ouviu a moça pronunciar palavras que transformaram sua própria vida. Algum dia iria lá, montado a cavalo, pois ainda se sentia atraído pelo encanto daquelas grandes rochas tintas.

Uma manhã Slone recebeu uma visita, a do velho Brackton, e a cordialidade do jovem morreu em seus lábios até antes de exteriorizar-se. A antiga afabilidade do Brackton não apareceu por parte alguma e Miro ao jovem com desgosto e curiosidade a um tempo.

-Como está você, Slone? vim a ver o que faz por aqui acima -disse.

O jovem estendeu as mãos e se explico em poucas palavras.

-De modo que comprou você esta casa? Todos nos figurávamos isso, embora Vorhees não quis explicar-se. Em realidade, parecia muito misterioso. -Brackton se sentou e com o maior interesse fico contemplando ao Slone.

-A gente fala muito de você -disse de repente Brackton.

-Seriamente?

-Você, Slone, é um homem muito reservado e misterioso. Ao princípio foi simpático e por isso vim a lhe dizer que o melhor que poderia fazer é partir daqui.

-Por que? -exclamou Slone.

Brackton repetiu os mesmos conceitos e, depois de fazer uma pausa contínuo:

-Certamente, não tenho nenhum direito para lhe aconselhar; mas de todos os modos, tomo esta liberdade, recordando a boa impressão que me causo você a primeira vez que lhe vi.

O velho parecia estar inquieto, nervoso e desejando proteger a aquele jovem, até sendo evidente a repugnância que pelo sentia.

-Por que pego você a esse pobre Joel Creech? -perguntou logo.

-Recebeu o que merecia -replicou Slone, sentindo renascer sua ira ao recordar o fato.

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-Pois bem, Joel nos contou algumas costure estranhas a respeito de você... Por exemplo, que em certa ocasião trato de um modo incorreto a Luzia Bostil abraçando-a e beijando-a, sem notar que Joel lhe estava contemplando.

-Maldito idiota! -murmurou Slone levantando-se disposto a sair de sua casa.

-O certo é que Joel é um moço algo estranho, mas não por isso deve acreditar-se que é tolo. Viu-lhe você, e agora o está divulgando por toda parte. E quando Bostil se inteire, melhor seria que você estivesse ao outro lado do canhão.

Slone sentiu um rubor considerável e se apoderaram do a humilhação e a raiva.

-Agora Joel está em minha casa. Teve alguns ataques a conseqüência de uma surra que você lhe deu e incluso no se repôs por completo. Entretanto, pôde contar aos picadores o que pôde presenciar. Vão Sickle tem muitas vontades de ver-se com você. E hoje, enquanto estávamos sozinhos Joel e eu, contou-me algumas outras costure com respeito a você. Certamente, eu lhe fiz calar, mas não estou seguro de que não o diga a outros.

-Já compreendo que conversará -disse Slone-. Que lhe há dito esse imbecil?

-vamos ver, Slone, quanto tempo esteve você aí, entre os monumentos, antes de que lhe conhecêssemos? - perguntou Brackton.

-Estive percorrendo a região durante várias semanas e permaneci uns dez dias perto do Vau do Bostil.

-E onde estava você a noite da avenida?

O interrogatório do velho e as suspeitas que, sem dúvida, sentia, suscitaram a cólera do Slone.

-Estava no pendente e entre as rochas. Mas me dava conta de que chegava a avenida muito antes de ir para lá -respondo.

Brackton evito seu olhar, levanto-se de repente, como se já sua presença não tivesse mais objeto, e acrescentou:

-Bom, você tome meu conselho e vá-se.

-Se seu conselho for sincero, Brackton, fico muito reconhecido -replicou Slone, ainda muito sentido saudades de suas palavras-; mas, certamente, advirto-lhe que não o seguirei.

-Faça o que queira -replicou Brackton com a maior frieza e empreenderam em seguida a marcha para afastar-se.

Slone lhe esteve observando enquanto descendia pelo atalho e desapareceu entre os álamos.

-Maldito seja! -murmurou-. Vá um velho pentelho! É possível que Creech não seja o único louco da vizinhança.

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depois de murmurar essas palavras quis rir, mas não por isso afasto sua preocupação, que lhe duro todo o dia. depois de comer decidiu baixar ao povo, e assim o teria feito de não observar que um homem subia pelo atalho que levava a sua casa. Ao reconhecer ao velho Holley, temeu que ia ocorrer algo desagradável e ficou fosco. Sem dúvida, aquele indivíduo, que era a mão direita do Bostil, não iria visitar lhe em são de paz. Holley seguiu subindo com alguma estupidez e como pudesse fazê-lo um cavaleiro pouco acostumado a andar. Slone havia construído um pequeno soportal na parte dianteira de sua cabana e disposto ali um banco coberto com peles de cabra. E se surpreendeu a si mesmo ao observar que, enquanto subia Holley, sentisse-se inclinado a arrumar aquelas peles.

-Como está você, amigo? -perguntou lentamente o velho-. O subir esta montanha me deixou quase sem fôlego.

Slone se voltou no ato, surpreso ao notar o acento cordial do velho e, duvidando do que ouvia, sentiu o desejo de convencer-se disso. Sem dúvida, surpreendeu-lhe em extremo o notar que Holley estava muito amável.

-Olá, Holley ! Como está você? -replicou-. Faça o favor de sentar-se.

-Para ser velho como sou, sinto-me bastante vigoroso; mas, de todos os modos, resulta-me muito violento o empreender uma ascensão como esta. Caramba! daqui vê-se muito bem a casa do Bostil.

-Sim, gozo de um panorama muito bonito -replicou Slone com certa reserva, enquanto se sentava no degrau do pórtico.

Que queria Holley? Sem dúvida alguma aquele velho não era curioso nem fofoqueiro.

-Suponho, Slone, que não me terá você má vontade pelo fato de que, faz alguns dias, queria lhe obrigar a calar - observo com a maior franqueza.

-De maneira nenhuma, Holley. Compreendi sua intenção, e não posso negar que obrava com a maior prudência. Mas o velho Bostil me pôs como louco.

-Compreendo-o. É capaz de irritar a qualquer. Alguma vez vi a algum cavaleiro enlouquecido pelas palavras do Bostil e mordendo-se a si mesmo em acesso de furor. O que você disse foi do agrado de todos os que lhe escutaram, mas você não pode imaginar-se quanto se prejudico ao mesmo tempo, porque Bostil é o amo indiscutível no Vau.

-Já o tinha notado -replicou Slone.

-Fez você muito mal, porque Bostil lhe tem indisposto a você com todos seus picadores v, além disso, ao pegar ao Creech, você mesmo se granjeou a inimizade de todo o povo. E por que lhe pego?

Slone observo o bondoso interesse e a intenção do velho picador, e isto lhe deu tantos ânimos como desgosto a desaprovação do Brackton.

-Compreendo que será melhor dizer-lhe acrescentou Holley-, mas o caso é que Luzia quer estar segura de se você pegar ao Joel e da razão que lhe obrigo a fazê-lo.

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-Como, Holley! Encarregou-lhe ela disso?

-Sem dúvida. A pobrecilla está muito preocupada estes dias. Como você não baixou ao povo e não sabe o que acontece.

-Hoje veio a me visitar Brackton e me comunicou muitas coisas, de modo que, em realidade, estou também bastante preocupado.

-Esse Furacão é mais que suficiente para que lhe odeiem Bostil e todos seus amigos. Mas, além disso, seu comportamento não foi muito acertado, pois cometeu você várias tolices.

Slone inclino a cabeça, admitindo aquela censura.

-Agora me diga se for verdade que, segundo Joel Creech jura, viu-lhe você beijar e abraçar à senhorita Luzia, entre as rochas, aonde estava escondido com Furacão - perguntou-lhe Holley-. Diga-me isso Slone. A gente crie, e isso lhe prejudicou muito no Vau. Bostil não se inteirou ainda e Luzia tampouco sabe. Eu me figuro que se você pegar ao Joel foi porque este se atreveu a dizer-lhe à cara.

-Sim, disse-o e lhe pegue -replicou Slone, irado.

-Fez você bem. Mas queria saber se for certo o que Joel assegura ter visto.

-É verdade, Holley. Mas, de todos os modos, minha conduta não é tão má... como o quer fazer acreditar.

-Já me figurava isso. Faz já bastante tempo que pude observar que Luzia quer a você -replicou o caballista com bondoso acento.

Slone levanto rapidamente a cabeça com expressão de incredulidade.

-Holley! Fala você a sério?

-Por completo. Durante dezoito anos fui quase o irmão maior de Luzia. Quando ela não pesava mais que minhas esporas, levei-a nestes braços. Ensine-lhe a

montar e tudo que ela sabe a respeito de cavalos, de modo que agora conhece disto bastante mais que seu pai. Também lhe ensine a atirar, coisa que faz melhor que ninguém. E durante estes últimos tempos, note nela uma grande diferencia, vendo, também, que estava preocupada e não era feliz.

-Entretanto, Holley, todo isso não me parece...

-É verdade -contínuo Holley ao notar que Slone se interrompia- De todos os modos, acredito que quer a você. E eu sou seu amigo, Slone. Não demorará muito em ver-se em algum apuro, e para este caso necessita você um amigo.

-Obrigado, Holley -replicou o jovem, algo intranqüilo e estremecendo-se emocionado ao sentir a pressão da mão de ferro do ancião picador.

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-Além disso tem você outro amigo em quem pode confiar -disse Holley com acento significativo.

-Outro? Quem é?

-Luzia Bostil. E não você esqueça que tenho a completa segurança de que assim que se inteire do que anda dizendo Joel Creech, ela armará mais ruído que seu mesmo pai. E não tem mais remedeio que inteirar-se, porque Vão Sickle jura que o dirá e que logo virá a lhe dar a você de chicotadas.

-Seriamente? -replicou Slone.

-De todos os modos, acredito que Luzia adivinhou a razão de que você pegasse ao Joel, mas quer estar segura. Agora, Slone, eu poderei lhe comunicar a causa deste sucesso.

-Não, não o faça usted-exclamou Slone involuntariamente.

-Melhor será que saiba por você e por mim. Não o duvide. Eu preparar a Luzia, e tenho a segurança de que essa moça é de tanto cuidado como o mesmo Bostil.

-Todo isso me desagrada muito -replicou Slone, que sentia o temor do descrédito que pudesse recair sobre a jovem. sentiu-se banhado em um suor frio, ao perguntar-se que faria Bostil-. Eu, Holley, amo a Luzia, e por isso... não pode dizer-se que lhe faltasse ao respeito ou a insultasse, ao obrar como fiz. Bostil não o compreenderá possivelmente. E que você crie que fará assim que se inteire?

-Esperemos que não receberá você um trato pior de que deu ao mesmo Joel.

-Deixar que Bostil me pegue? -exclamou Slone-. A fé que me encontro em boa situação para isso. Como você compreenderá, amigo Holley, tenho meu gênio, e esse Bostil teve sempre a habilidade de excitá-lo.

-Bom. O melhor será que se você deixe em casa o revolver antes de lutar com o Bostil. É você uma moço de cabelo em peito, e embora seja seguro que lhe pegará, talvez você possa lhe pôr um olho arroxeado.

E Holley riu, como se tal idéia lhe divertisse em extremo.

-Brigar com o Bostil? Luzia me odiaria.

-Nada disso. Não conhece você a essa moça. E se o velho se mostra zangado contra você ela ainda lhe quererá mais. Em certas ocasiões se parece muito a seu pai. - Holley tiro uma pipa negra e curta, e depois de enchê-la, e de acendê-la, pareceu ficar muito pensativo- Mas não somente Luzia mandou a lhe ver, mas sim Bostil não cessa de me incomodar há vários dias com a mesma pretensão; mas eu não me manifestava disposto até que a mesma Luzia me rogou isso.

-E para que lhe enviou Bostil?

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-Parece mentira que não o adivinhe. Faz já muitos dias que não pode dormir pensando em seu cavalo vermelho. Nunca viu ninguém ao Bostil tão mal-humorado como agora. Ele mesmo criou ao Sage King, mas sempre esteve louco por possuir um grande garanhão selvagem. Por isso, assim que você apareceu e seu cavalo derrubo ao King, foi coisa natural que se originou tudo o que ocorre.

-vamos ver, Holley. você crie que Furacão pode derrotar ao Sage King? -perguntou Slone com a maior veemência.

-Acredito que sim. Luzia o assegura e eu lhe dou a razão. Mas tenha em conta, meu filho, que eu nunca faço ornamento do que penso, porque mais de uma vez me colocaria em um apuro. Farlane e outros dão a razão ao Bostil e disso tem a culpa Vão. Este sentiu por você a maior antipatia desde que lhe viu. E o que ele contou ao Bostil e a seus companheiros a respeito dessa carreira, não concorda com o que Luzia me contou . Está segura que Furacão começou a mostrar-se furioso do primeiro momento, desejando matar ao King em vez de correr. E estava detrás, separado por três corpos de cavalo, do King, quando Macomber baixou a bandeira. Luzia diz que King pôs-se a correr, mas então Furacão começou a lhe perseguir, avantajou-lhe e lhe derrubo. Vão, em troca, conta uma história diferente.

-Pois a coisa ocorreu tal como Luzia há dito -declaro Slone-. Eu pude presenciar esses pormenores.

-Enfim, isso importa pouco. O caso é o seguinte Bostil está triste a partir de então, mas se contém porque ainda não abandonou a esperança de obter a Furacão. Isso, Slone, dará-lhe a entender que faz você muito mal em permanecer aqui, se não querer você vender o cavalo ao Bostil.

-você saiba que faço muito bem permanecendo aqui; mas, de todos os modos, não quero vender a Huracán-replicou Slone com a maior teimosia.

-Bom, eu não teria perdido o tempo lhe dizendo todo isso, se não estivesse Luzia de por meio. É preciso que você tenha em conta a pobre moça.

Slone se voltou para seu interlocutor exclamando:

-Você está me dizendo que ainda há esperanças para mim, mas me consta que isso não é certo.

-É você muito jovem -replicou Holley-. Enquanto há vida há esperança. E não se figure que vou dar de presente lhe os ouvidos lhe contando outra vez o que observei em Luzia.

Slone não sabia se sentar-se ou permanecer em pé, e tremia de pés a cabeça.

-Furacão não é meu e não posso vendê-lo -confessou por fim-. Pertence a Luzia.

-Como? -exclamou Holley, asombradísimo e quase deixando cair a pipa.

-Eu lhe dei de presente Furacão. Ela o aceito, de modo que já não há mais que falar. Logo... logo eu perdi a cabeça e ela se zangou comigo... e disse... que o montaria na carreira, mas que logo não quereria ficar o De todos os modos é dele.

Page 168:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

-OH, já compreendo! Pois eu, Slone, aconselhava-lhe que vendesse a Furacão por causa de Luzia. É você ainda muito jovem, e se queria poderia alcançar grandes êxitos na vida. Mas Luzia é sua amada e você lhe deu o cavalo. Não há mais que falar.

-E se eu me afasto daqui deixando a Furacão em poder de Luzia, você crie que ela o conservará? Não o tirará seu pai?

-Olhe, meu amigo. Se o tratasse de fazer tal coisa, Luzia montaria a Furacão, procuraria os rastros de você e iria a seu encontro.

-E que dirá você ao Bostil? -perguntou Slone quase fora de si.

-Não sei -replicou Holley-. Talvez me ocorra alguma idéia. Agora me partir, mas não sem lhe recomendar que não se afaste muito de sua casa. Se encontrar ao Bostil no povo, não há dúvida de que haverá briga. Logo voltarei, mas não de dia, a não ser assim que tenha anoitecido.

-É você muito bom, Holley -disse Slone-. E por minha parte...

-Cale-se -replicou secamente o velho-. Esta é sua única debilidade, a de falar muito.

Holley empreendeu a marcha, e suas largas e sonoras esporas se cravaram no íngreme atalho. Ao partir sotaque ao Slone presa de grande preocupação e de uma vez inquieto e iludido.

Ao dia seguinte, Slone trabalho muito e sem parar, em espera do crepúsculo e acreditando que Holley lhe faria a anunciada visita. esforçou-se em resistir a doce v tentadora esperança de uma mensagem de Luzia, mas tudo foi em vão.

O velho picador despertou no Slone a esperança de que Luzia lhe amava, e o jovem passo todo o dia sumido em tão agradável impressão. Ao anoitecer estava tão emocio- nado que nem sequer teve apetite nem se fixo no magnífico pôr-do-sol. Mas Holley não compareceu e Slone se deitou tarde, quase doente de ansiedade.

O seguinte dia foi pior e o trabalho lhe pareceu fastidioso, mesmo que nem por um momento esteve desocupado. Ao terceiro dia se entrego ao descanso de seus sonhos, assaltaram-lhe de novo as dúvidas e logo ficou triste. Ao outro, o jovem noto que precisava ir comprar provisões ao armazém. Não esquecimento as advertências de Holley, mas não fez conta, acreditando que seria muito difícil encontrar ali ao Bostil ao meio dia.

Ante o estabelecimento do Brackton viu vários cavalos com as rédeas pendurando e a seus cavaleiros conversando ante o mostrador e ante a porta. Alguns daqueles homens se mostraram amáveis com o Slone em outras ocasiões, mas aquele dia não pareceu mas sim ninguém lhe tinha visto.

Quando o jovem entro no estabelecimento estava excitado a mais não poder, dizendo-se que, sem dúvida alguma, tramavam algo contra o. E amaldiçoou a aqueles indivíduos, por não ser capazes de refletir por si mesmos. Dentro do estabelecimento Slone encontrou ao

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Wetherby, o jovem rancheiro do Durango. Falo-lhe, mas este se limito a lhe responder com um olhar insolente.

Slone não se fixo sequer no indivíduo com quem estava falando o rancheiro. Dentro do estabelecimento havia muito poucas pessoas e Brackton se dedicava a as servir. O jovem fico na sombra e embora Brackton observo sua entrada, não foi a lhe saudar, o qual lhe deu a entender que a boa vontade e excelente acolhida que encontrasse no Vau do Bostil era já uma coisa que pertencia ao passado.

Quando Brackton teve terminado momentaneamente seus quehaceres, não pareceu, entretanto, disposto a atender ao Slone e, em vista disso, este se aproximo do mostrador e lhe pediu algumas provisões.

-você tem já o dinheiro preparado? -perguntou Brackton como se se dirigisse a uma pessoa que não lhe inspirasse confiança.

-Sim -replicou Slone avermelhando ante aquele insulto. que sem dúvida tinha ouvido Wetherby.

Brackton lhe entrego os gêneros e recebeu o dinheiro, sem pronunciar palavra. Slone tinha a cabeça inclinada ao chão, o qual era muito singular em um homem como o, acostumado a tratar a outros com nobreza e sinceridade. Mas se sentia ultrajado. Saiu do estabelecimento envergonhado e ruborizado, e em sua pressa tropeçou com um homem corpulento. Retrocedeu e levanto o olhar. Bostil! O velho cavaleiro lhe contemplava com frieza e de um modo insultante.

-Está você bêbado? -perguntou, embora sem dar a seu rosto nenhuma expressão particular.

Aquelas palavras equivaleram quase a um golpe para o Slone. Levanto a cabeça e fixo o olhar em seu interlocutor.

-Já sabe você, Bostil, que não bebo -respondeu.

-Sim. Sei muitas coisas de você, Slone. Inteirei-me que comprou a cabana do Vorhees, situada ao pé do penhasco.

-Sim.

-Disse-lhe o que estava hipotecada por mim e por bastante mais do que vale?

-Não me disse uma só palavra.

-Entrego-lhe algum documento?

-Não.

-Pois, se lhe interessar, mostrará-lhe alguns que provam que tal propriedade é minha.

Slone ouviu muito dolorido estas palavras, porque tinha chegado a cobrar carinho pela casita.

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-Muito bem, Bostil. Se você disser que é dela, não há dúvida de que lhe pertence -disse com bastante tranqüilidade.

-Eu, certamente, lhe teria expulso, se não acreditasse que ainda podemos fazer um trato.

-Não será possível que nos ponhamos de acordo em nada, Bostil -replicou Slone.

Certamente, não foi por causa das palavras pronunciadas pelo Bostil, mas sim pelo modo das dizer, o que deu a entender ao Slone que lhe ameaçava um perigo. A eles estava já acostumado desde muitos anos atrás e sabia confrontá-los. Mas, de todos os modos, compreendia que naquele caso não lhe seria possível ficar frente a frente do Bostil, porque não estava em liberdade de brigar com o, já que se tratava do pai de Luzia. E sua situação, assim como sua própria impotência, fez-lhe mais difícil conservar o domínio de si mesmo.

-Por que não poderemos? -perguntou Bostil-. Se não fosse você tão suscetível, chegaríamos a um acordo e me permita que lhe diga, jovem amigo, que há mais de uma razão que lhe aconselha celebrar um convênio comigo.

-A respeito de que?

-De seu cavalo vermelho.

-De Furacão?... Não podemos tratar, Bostil -replicou dispondo-se a sair.

A enorme emano que lhe obrigo a retroceder estava muito longe de ser carinhosa e Slone sentiu de novo que o sangue ia a seu rosto.

-Talvez poderei lhe dizer algo que lhe obrigará a vender

a Huracán-acrescentou Bostil.

-Não o obterá, embora chegasse a gastar a lenguareplicó Slone. Era inútil tratar de conservar a calma com o Bostil quando este falava de cavalos-. Estou disposto a fazer correr Furacão contra King. Mas nada mais.

-A correr? Pois você saiba, meu senhor, que aqui não haverá mais carreiras sem que se aposte algo que valha a pena-replicó Bostil com o maior desdém-. E que você pode apostar? O dinheiro que ganho na carreira passada desapareceu já quase, e, além disso, não seria suficiente para apostar contra mim. Aqui é você um forasteiro e eu tenho que sustentar meu orgulho e minha boa fama. E quer você fazer correr seu cavalo contra o meu, apesar de não ter onde cair morto. Recorde que nem sequer teria agora um traje e umas botas se minha filha não o tivesse agradável.

Os que acompanhavam ao Bostil puseram-se a rir. O rosto do Wetherby expressava o maior desdém. Slone sentiu um acesso de repentina ira que lhe fez estremecer. E logo o rápido esfriamento de sua pele lhe produziu a mesma sensação que sim, de repente, inundou-se em um banheiro de gelo.

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-Sim, Bostil, sou tudo o que você há dito -respondeu com voz muito sonora-, mas está você muito equivocado ao dizer que não tenho nada que apostar.

-E que apostará você?

-Minha vida e meu cavalo.

Os ouvintes ficaram silenciosos e atentos, e o mesmo Bostil vibro para ouvir tais palavras. Logo empalideceu, porque mais que outro qualquer caballista das terras altas compreendia o valor daquela oferta.

-E contra que? -perguntou com voz rouca.

-Contra sua filha Luzia.

Por um instante a surpresa deixo imóvel ao Bostil; logo se recuperação, seu enorme corpo começou a mover-se e deu um mugido como um touro furioso.

Slone viu vir o golpe, mas não fez nenhum movimento para evitá-lo. O enorme punho lhe golpeio em plena boca e também o queixo, de modo que recife desabado ao chão. Sentiu a impressão de que tinha estalado sua cabeça e uma nuvem avermelhada se interpôs ante seus olhos. Logo se dissipou e sentiu uma intensa dor. esforçou-se em ficar em pé, enquanto a cabeça lhe dava voltas. Onde estava o revolver? Recordou havê-lo deixado em casa. Desde não ser assim teria matado ao Bostil. Já uma vez deu morte a um homem. Recordou-o com extremada palidez e tal idéia desapareceu de sua mente. Mas se disse que poderia voltá-lo para fazer. Entretanto, Bostil era o pai de Luzia.

Recolheu os pacotes de comestíveis e, sem olhar a ninguém, saiu. Sentíase presa de um impulso quase irresistível de voltar. Mas uma força invisível o impediu. Ao chegar à cabana se encerrou nela e se tendeu em seu camastro, esquecendo que aquele lugar não lhe pertencia, pois não pensava mais que em sua desagradável situação e na vergonha que tinha tido que suportar. Obscureceu antes de chegar a tranqüilizar-se e saiu, mas não teve desejo de comer. Nem sequer abriu os pacotes nem acendeu a luz. Mas saiu para dar erva e água aos cavalos. Assim que esteve de retorno na cabana, viu um homem em pé ante o soportal. Reconheceu a figura do Holley e logo sua voz.

-Boa a armou você hoje, amigo

-Não tenho nenhuma culpa, Holley -exclamou Slone-. Vi-me obrigado.

-Não você fale tão alto -murmurou o cavaleiro-. Só disponho de um minuto. Tome... Uma carta de Luzia. E não cria que eu lhe atribuo a culpa do ocorrido.

Slone tomo a carta com trementes dedos e em um momento desapareceu sua tristeza e sua cólera. Luzia lhe tinha escrito! E não se sentiu capaz de falar.

-Neste momento, filho, estou fazendo traição ao patrão -murmurou Holley com voz rouca - e ao mesmo tempo estou trabalhando em favor de Luzia. Se Bostil se inteira me matará. É preciso que não me surpreendam aqui. Entretanto, você vá onde vá não lhe perderei de vista.

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Holley se afasto, ocultando-se nas sombras e deixando ao Slone com o coração palpitante.

-Vá aonde vá-repetiu- Ah! Tinha-me esquecido de que não posso continuar aqui.

A carta de Luzia lhe fez tremer os dedos e, ao mesmo tempo, comunico-lhe tal estupidez que com dificuldade pôde acender a luz necessária para ler. A carta era muito breve e estava escrita com lápis em uma folha arranco de um livro de contas. Slone não podia ler com rapidez, pois perdeu o costume durante os muitos anos que passou no deserto, e a mesma pressa que tinha por inteirar da mensagem de Luzia acabava por dificultar seu empenho, de maneira que nos primeiros momentos as letras pareceram dançar ante seus olhos:

"Você vá imediatamente ao banco que há entre os álamos. irei encontrar lhe ali. Tenho o coração destroçado. É uma mentira... Uma mentira o que dizem... Jurarei que você estava comigo a noite em que se cortaram as amarras do bote. Consta-me que você não fez tal coisa. E sei quem... OH!, venha. Eu lhe apoiarei em tudo e por tudo. E se for preciso fugirei com você, porque lhe amo ! "

XV

Ao Slone deu um salto o coração e lhe fez um nó na garganta, de modo que nem sequer pôde exteriorizar sua emoção, sua sorte, seu assombro e seu temor. Mas, sobre toda emoção, dominava-lhe sua felicidade. E logo que pôde conter o impulso de pôr-se a correr em procura de Luzia, sem pensar para nada na prudência.

guardo-se a preciosa carta no interior de sua blusa, aonde parecia esquentar seu coração, grampeou-se o cinturão que continha a pistolera e, depois de apagar a luz, empreendeu a marcha.

A lua, em seu quarto crescente, acabava de roçar a ponta do penhasco. As ruelas do povo, as cabanas e as árvores estavam iluminadas por sua chapeada luz. Um coiote solitário ladrava a grande distancia. Todo o resto estava tranqüilo; o ar era fresco, suave e aromático. E no deserto se advertia o encanto mistura da luz da lua, o silêncio e a beleza da paisagem.

Slone seguiu andando, amparando-se na sombra do penhasco, e tomo um caminho por cima do povo, no que não houvesse grande perigo de encontrar a ninguém. Sem embargo, logo teve que abandonar a sombra, para atravessar um espaço iluminado pela luz da lua. Rápido e silencioso como um índio, contínuo seu caminho ocultando-se nas sombras das árvores que encontrava, até que, por fim, chegou à avenida dos álamos. Esta avenida parecia

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um túnel misterioso, atravessado pelas chapeadas lanças da luz lunar. deslizou-se por entre as árvores, detendo-se com freqüência para escutar. O movimento e a realidade lhe devolveram a tranqüilidade e a firmeza, apesar de que nunca em sua vida esteve tão emocionado. A perseguição e a captura de Furacão, que, em outro tempo, foi o maior desejo de seu coração, nada representava ao lado do que sentia. O amor lhe tinha chamado, e também a vida, e compreendeu que a morte se achava no outro pires da balança. Se Bostil lhe surpreendia em união de sua filha, era indubitável que se derramaria sangue. A isso Slone arrepiava, porque às vezes voltava a sentir o mesmo frio e a espantosa opressão que experimentou depois da morte do Sears. Mas tais idéias eram fugitivas e uma só enchia em realidade sua mente : a de que Luzia lhe amava e lhe tinha dirigido estranhas e apaixonadas palavras.

Encontrou o estreito passo cruzado por algumas enfaixa de sombras que alternavam com outras iluminadas pela lua, e com rápidos passos seguiu por ali, com os olhos e os ouvidos atentos, detendo-se cada rumor que ouvia. Conhecia muito bem o banco mencionado por Luzia. Hallábase em um rincão remoto da alameda, sob uns árvores muito altas que havia junto à fonte. Uma vez Slone se figuro ter distinto uma sombra branca. Possivelmente não era mais que um raio de lua. Seguiu avançando e ao chegar à bifurcação do caminho que conduzia à casa, respiro com maior liberdade. A alameda parecia estar deserta. Por fim se viu junto a 11a fonte, percebeu a umidade do musgo e dos agriões, e noto um enorme álamo que dominava a outros.

Uma bandagem de luz lunar fazia brilhar um pequeno claro, precisamente ao lado da sombra intensa projetada pela árvore. Ali estava o banco, mas observo que não o ocupava ninguém.

desvaneceu-se no ato sua exaltação e sentiu um calafrio. Ela não estava ali. Possivelmente lhe tinham impedido de sair. Não a veria. O desencanto e o desengano que sofreu foram horríveis. de repente, uma figura branca e esbelta saiu de atrás do negro tronco da árvore e correu para o. Não produzia nenhum ruído, qual se fosse um espectro, e era rápida como o vento. Sonharia acaso? Aquilo lhe parecia muito estranho. Mas então a forma branca chegou a seu lado e compreendeu que era certo.

Luzia se jogo em seus braços.

- Lin! Lin! OH, que contente estou de lhe ver! -murmurou. Parecia estar sem fôlego, emocionada, muito distinta de antes e em modo algum assustada ou tímida. Slone não pôde fazer a não ser estreitá-la em seus braços. E não teria sido capaz de falar embora lhe tivesse dado a oportunidade-. O se tudo... Se as acusações que dirigem-lhe... O que de você disseram os picadores. E também que meu pai lhe pegou. OH! É um animal... ! Por isso solo lhe odeio. por que não se afasto você de seu caminho? Vão presencio tudo. OH! Também lhe odeio. Disse que se ficou você imóvel no mesmo lugar em que caiu... Querido Lin, esse golpe lhe haverá feito muito dano... e possivelmente lhe produziu grande dor e vergonha por não ter podido pegar a meu pai. Mas também o sentei eu. E a mim mesma tem feito mal. Esse golpe despertou meu coração. Onde, onde lhe golpeio? OH! Muitas vezes lhe vi pegar a um homem. Tem uns punhos terríveis!

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-Não se preocupe, Luzia -murmurou Slone-. Em troca de minha felicidade atual não teria tido inconveniente em que me pegassem um tiro.

O jovem sentiu em seu rosto as suaves mãos da jovem, que apalparam até encontrar o inchaço da boca e do queixo.

-Ah! Lhe pegou. Mas eu... eu o besaremurmuró-. E se os beijos podem curá-lo, curar-lhe.

Aquela jovem parecia muito estranha, selvagem e apaixonada por sua ternura. Levanto o rosto e lhe beijo com suavidade, uma e outra vez, até que o contato doloroso em seus contundidos lábios chego a lhe parecer delicioso. Logo a jovem retrocedeu um pouco, com as mãos postas nos ombros do Slone e com o rosto pálido, de olhos escuros, riu com expressão amorosa e atrevida, como se queria desafiar ao mundo, satisfeita do que acabava de fazer.

-Luzia... Luzia... Pode me pegar mais se quiser -disse Slone em voz baixa e rouca.

-Pois se você me ama, procurará apartar-se de seu caminho-replicó a jovem.

-Sim, a amo? meu deus...! Desde esta manhã hei sentido que meu coração morria um milhar de vezes quando você... quando...

-Eu não o sábia, Lin -interrompeu-lhe com doce e grave veemência-. Mas agora sei já.

E Slone, ao olhá-la, extasiou-se ante a doçura, a eloqüência e o nobre abandono da confissão da jovem, que tanto comovia a ele. Seus temores, sua resignação, sua vergonha, tudo desapareceu com o suspiro de alívio que deu naquele momento. Por primeira vez em sua vida saboreava o néctar da felicidade. Levanto a cabeça, bem resolvido a não incliná-la nunca mais, pois queria ser fiel ao que ela acabava de fazer com ele.

-Venha à sombra - murmurou Slone enquanto rodeava com o braço o talhe da jovem e a guiava para o enorme tronco-. Está você segura aqui? Não corre nenhum perigo? Quanto tempo pode permanecer ausente de sua casa?

-tive uma entrevista com meu pai durante a qual lhe cantei as verdades ; quer dizer, que, pela primeira vez em sua vida, impu-me isso -replicou ela-. Logo fui a minha habitação, fechei a porta por dentro e saí pela janela. Por conseguinte, posso estar aqui todo o tempo que queira. Ninguém saberá.

Palpito o coração do Slone ao ver que aquela mulher era dela. O apertão de suas mãos, o resplendor de seus olhos, o atrevimento que mostrava seu rosto à luz da lua, todo aquilo lhe dava a entender que lhe pertencia. Não podia compreender como era possível, mas não teve mais remedeio que dizer-se que aquilo era certo sem dúvida alguma. Que moça ! Aquele atrevimento era o mesmo de que deu amostras quando correu montada em Furacão, à cabeça dos mais rápidos cavalos de as terras altas.

-me diga você -rogou ele aguçando o olhar à sombra das árvores-. Me diga o que ocorreu.

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-Só pude observar que, por alguma razão que ignoro, já não posso seguir vivendo no Vau do Bostil. E não é possível que isso se deva ao feito de haver pego ao Joel Creech. Já o. compreendi antes de encontrar a seu pai no armazém. Ele me insulto. Logo cruzamos algumas palavras amargas e, ante todos os circunstantes, seu pai não teve reparo em me dizer que toda a roupa que eu levava me tinha dado isso você. Então, eu lhe propus correr contra King e apostei meu cavalo e minha vida contra você mesma.

-Já sei -respondo a jovem com débil murmúrio-. E sabe todo o povo. OH, Lin! Fué uma aposta estupenda. Os picadores me asseguraram que meu pai ruborizou-se de um modo extraordinário. Durante muitos dias não se falará de outra coisa que da possível carreira entre Furacão e King. Com toda segurança não haverá paz no Vau do Bostil até que se celebrou tal encontro.

-Mas, Lucia, é possível que o desejo de seu pai de obter a Furacão e o ódio que me demonstra sejam causas suficientes para me fazer a vida impossível em o Vau?

-Se. Mas ainda há mais, Lin. E não sabe você quanto me dói ter que decirlo-murmurou apaixonada-. Figurava-me que já saberia. Joel Creech jurou que você curto as cordas da embarcação e a sotaque abandonada à corrente.

-Esse imbecil? -exclamou Slone rendo-se a impulsos da cólera e do ridículo-. Mas todo isso não passa de ser uma estupidez própria de um louco.

-Se. Está louco, e se alguma vez se apresenta ante meu, quando for montada no Sarchedon... juro que o...

Sotaque a frase sem terminar e por um momento se apóio no Slone. Este sentiu os batimentos do coração do coração da moça e a forte pressão de suas mãos. Era digna do Bostil e resultava perigoso despertar sua cólera.

-A gente é muito estranha, Lin -seguiu dizendo a jovem com voz mais tranqüila-. Durante compridos anos meu pai impôs sua vontade a todos os habitantes do Vau, de modo que todo mundo vê com seus olhos e fala com sua voz. Joel Creech jurou que seguiu a você e Brackton lhe acreditou, igual a Vão, e o disseram a meu pai. E meu pai... Deus lhe perdoe... apresso-se a dar por boa essa acusação. E agora o povo, como uma só pessoa, acredita que você abandono a embarcação à corrente, com objetivo dos cavalos do Creech não pudessem cruzar o rio nem lhe disputar a vitória na carreira.

-Se eu tivesse sido capaz de fazer isso, Lucia, teria dado amostras de estar tão louco como...-replicou Slone.

-Se. É terrível. Eu sei quem curto os cabos. Holley sabe também e de igual modo meu pai está informado. OH, Lin ! Odeio... odeio a meu pai.

-meu deus! -exclamou Slone, compreendendo então a verdade. Imediatamente pensou em Luzia- me ouça, querida minha. É preciso que não você diga essas coisas -rogou-. É seu pai. E, sem dúvida alguma, é um bom homem quando não se. tráfico de cavalos, porque então o mesmo quase se converte em outro tal. Eu o compreendo muito bem e até lhe

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compadeço. E embora me da culpa de tudo, tem-me sem cuidado. Isso, sem dúvida, deve-se a que eu não quis lhe vender meu cavalo. Pouco importa o que cria a gente, a respeito do que pude fazer para conseguir a vitória. Mas se soubessem que o fez seu pai... e se os cavalos do Creech morrem de fome, isso seria uma desonra para o e para você.

-De modo, Lin Slone, que você aceitaria essa acusação? -murmurou ela com os olhos muito abertos fixos no e as mãos apoiadas em seus ombros.

-Sem duvida-replicó Slone -. Já não posso estar em pior situação.

-É você muito melhor que qualquer deles, amado meu -exclamou a jovem em voz alta e trêmula-. Esta conduta, Lin, aumenta meu amor, se isso fosse possível e, ao mesmo tempo, me causar pena muito. - E dió mostra de querer arrojar-se de novo em seus braços-. Mas não quero que você carregue com a vergonha de tal ato. Não permitirei-o. Direi a meu pai que eu estava com você no momento em que foram cortados os cabos da embarcação. E estou segura de que me acreditará.

-Sim. E me matará - gemeu Slone-. Deus meu ! Não você faça isso, Luzia.

-Farei-o e não lhe matará. você saiba, Lin, que foi muito simpático a meu pai. O se. Ele se figura que lhe odeia, mas no fundo de seu coração não é assim. E se pudesse apoderar-se de Furacão, nunca se acreditaria em paz com você nem lhe pareceria lhe haver recompensado o bastante. Que se figurava? Saiba que lhe disse que você me abraçou e beijo-me o dia da carreira.

-Isso fez você, Luzia? - exclamou Slone, assustado.

-Sim. E sabe você o que me respondeu o? Porque em sua juventude fez o mesmo com minha mãe. Não, Lin. Meu pai não lhe mataria nunca, a não ser em um excesso de cólera e por causa de alguma questão relacionada com os cavalos. Sempre que há sustenido alguma luta foi por esta razão. Os dois homens que o... que... o... -Luzia gaguejou e seu tremor foi em extremo eloqüente para o Slone-. Em ambos os casos a luta se deveu a uma questão de compra ou venda de cavalos.

-Pois 'bem, Luzia. Se alguma vez tiver a desgraça de voltar a me encontrar com seu pai, serei mudo e surdo. E agora me prometa você que não lhe dirá que os duas estávamos juntos aquela noite.

-Se se apresentasse a ocasião, Lin, o direi. Não poderia evitá-lo -replicou Luzia.

-Procure que não se presente este caso-rogó o-, porque assim chegaria o fim do Lin Slone.

-Que podemos fazer?-perguntou Luzia que, ao parecer, tinha perdido o ânimo.

-Acredito que devemos aguardar. Em sua carta me prometeu você me apoiar em tudo e por tudo. -E não se decidiu a repetir a frase, embora recordava perfeitamente as palavras.

-Em caso necessário fugirei com usted-replicou Luzia, de novo animada pela paixão.

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-OH! Fugir com você, Luzia? Tê-la para mim sozinho...? Não me atrevo sequer a pensar nisso. É uma idéia muito egoísta.

-Talvez não tanto como você se figura. Se partisse do Vau, ao mesmo tempo destroçaria meu coração, porque não poderia me consolar.

-Luzia, ama-me você... tanto?

Então voltaram a encontrar-se seus lábios, entrelaçaram-se suas mãos e ficaram em silêncio, olhando-se apaixonadamente. Ele estreitava contra seu corpo a esbelta figura da jovem, tão dúctil e amante, tão plena de vida e com o rosto apoiado em seu peito; logo o jovem Miro por cima da cabeça de Luzia, às trementes sombras das árvores. A noite era tão tranqüila como pode sê-lo no deserto, afastado das habitações dos homens. E ao pareceu que aquela noite era muito mais formosa que qualquer outra das que aconteceu sua vida, ao ar livre, em estranhas terras, povoadas de cavalos, e nas que abundavam os bosques e as altas cúpulas iluminadas pela lua.

-Pois se for necessário fugiremos-dijo Slone com voz rouca-. Mas esperarei e continuarei aqui, aceitando o que me traga a sorte. Assim possivelmente evitarei que você possa ser vítima de alguma outra infâmia.

-Pois eu lhe disse a Vão que me orgulhava de que você me abraçasse aquele día-replicou a jovem enquanto sua risada desafiadora dava a entender o que pensava daquele pretendido insulto.

-De modo que você atormenta a Vão? -observou Slone-. E assim lhe põe entre nós dois. Seria muito melhor lhe deixar tranqüilo.

-Tenho o sangue avivado -disse ela golpeando com o punho o ombro do jovem- E lutarei. Lutarei. Não pude evitar a Vão. Holley me disse que Vão ameaçava a você, e quando lhe encontrei me disse que todo mundo assegurava que você me tinha insultado, que se comportou pior que um cavaleiro bêbado e que ele se dispunha a lhe matar de uma surra. Eu lhe respondi que Joel Creech devia nos haver visto, sem dúvida alguma, mas que ele não pôde observar se eu gostei de ser abraçada daquele modo.

-E o que replicou Vão? -perguntou Slone, entusiasmado.

-partiu com o rabo entre pernas... e por isso eu procurarei que saibam todos.

-E sempre foi você tão... tão sincera, Luzia?

-O que quer você dizer?

-Porque, ao assegurar que gostou de ser abraçada aquele dia... sem dúvida não disse a verdade.

-Precisamente, isso é o que me pôs furiosa-confesó com alguma acanhamento-. Surpreendeu-me que tomasse você em seus braços, e meu coração pulsava com a maior violência. E quando me beijou você... fiquei petrificada. Observei que eu gostava e me enfureci comigo mesma.

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Slone dió um profundo suspiro de satisfação e perguntou

-Quererá você voltar a aceitar a Furacão?

-OH, Lin! Não me você peça isso! -rogou ela.

-Aceite-o e fique também comigo.

-Sendo assim, não há inconveniente. Mas é preciso que, por agora, ninguém saiba.

Então se separaram e Slone, a contra gosto, disse:

-Agora deve você partir. Mas antes me escute me esqueci avisar a você a respeito do Joel Creech. Não lhe permita que se aproxime, porque está louco e animado de más intenções.

-OH, já sei, Lin! Terá muito cuidado, embora, de todos os modos, não me dá medo.

-É forte, Luzia. Vi-lhe levantar pesos que para mim resultam excessivos. Segue você montando a cavalo?

-Cada dia. Se não o fizesse me pareceria que não vivo.

-Não estou tranqüilo -disse Slone, algo nervoso-. Tanto Creech como Cordts lhe ameaçaram.

-Cordts me dá medo -replicou Luzia estremecendo-se-. Deveria você lhe haver visto como me olhava o dia da carreira. Encolerizei-me e ao mesmo tempo senti uma grande debilidade. Papai, entretanto, diz-me que se andar com cuidado não me ameaçará nenhum perigo. E vagilo sem cessar. Quem poderia apoderar-se de mim quando vou montada no Sarchedon?

-Qualquer cavalo pode ser pego por entre a salvia. Você mesma me disse que, em certa ocasião, Joel tratou de jogar o laço ao Sage King. Há-lhe dito isso a seu pai?

-Esqueci-me. Mas logo me alegrei disso. Papai seria capaz de lhe pegar um tiro. De todos os modos, não se preocupe, Lin, porque sempre levo uma arma de fogo.

-Mas, sabe você dirigi-la?

-figura-se que não sei fazer outra coisa que montar a cavalo? -exclamou Luzia renda-se.

Slone recordou então que, segundo Holley lhe havia dito, ensinou a Luzia a atirar e também a montar.

-De todos os modos, deve você ter o major cuidado e vigiar muito -aconselhou.

-Mais tem que procurá-lo você, Slone. E o que fará agora?

-Pois não sairei da cabana que até hoje me figurei possuir.

-Acaso não a comprou? -perguntou Luzia.

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-Acreditei havê-lo feito, mas... enfim, não importa. Talvez não me tirem ainda dela. Quando voltarei a vê-la?

-Todas as noites poderão nos ver aqui mesmo. Você poderia esperar minha chegada-replicó a jovem-. boa noite, Lin.

-OH, sim, esperarei! -exclamou ele com voz emocionada-. Sim, esperarei, Luzia, todos os dias... confiando que desapareçam esses inconvenientes. E esperarei, se for preciso, toda a noite... aguardando sua chegada.

A beijo para despedir-se e fico observando como desaparecia a esbelta figura, às vezes iluminada pela lua e outras sumida na sombra, até que, por fim, já não a viu mais. E fico sozinho na silenciosa alameda.

Logo se voltou para sua cabana, e, extasiado, permaneceu observando as estrelas até hora muito avançada.

Durante todo o dia seguinte logo que fez outra coisa que cuidar e contemplar a seus cavalos, esperando que transcorresse o tempo para entregar-se a seus sonhos a pesar do temor que sentia. Mas ninguém lhe visito, de modo que passado a jornada em completa solidão.

Fez muito calor e estalo uma tormenta de trovões, enquanto rodavam pelo céu umas nuvens negras e amareladas, da região dos canhões. No Vau não choveu, mas, sem dúvida, fez-o pelas cercanias, porque refresco a atmosfera. À posta do sol, Slone observo um arco íris que parecia pôr em contato o tom arroxeado das nuvens com o avermelhado do horizonte.

Mais à frente, e sobre o vale, as nuvens se quebrado, deixando ver algumas mancha de cor azul, e por fim descenderam até ocultar a parte superior dos monumentos, proporcionando um espetáculo magnífico e imponente. Seguiu o crepúsculo e, ao parecer, foi levantando-se para ir ao encontro das escuras nuvens. Logo se debilitou o tom dourado dos raios do astro do dia, desvaneceram-se na sombra os monumentos e no vale começou a reinar a escuridão.

Slone aproveito a hora anterior da saída da lua para dirigir-se, sem ser visto, à alameda, a fim de esperar a Luzia. Esta chego tão logo, que ao jovem apenas lhe pareceu ter estado aguardando-a; e logo o tempo que passo com ela, fugaz, doce e precioso, deu-lhe novas forças para esperá-la ao dia seguinte, para não sentir-se, de novo, mal-humorado e para ter fé em um pouco mais profundo do que o mesmo podia advertir.

Ao dia seguinte quis trabalhar, mas observo que o não fazer nada lhe dava a ilusão de que o tempo passava com mais rapidez, porque assim podia entregar-se a seus sonhos. A Ja sombra dos álamos temblorones encontrou a Luzia, fã desejosa de lhe ver como o mesmo de achar-se a seu lado, tenra, amante e cheia de remorsos, e, enfim, animada por infinitos sentires que, pelo doces e o novos, pareciam- incríveis ao Slone.

Aquela lhe inteiro de que Bostil tinha empreendido a viagem ao Durango, acompanhado de alguns cavaleiros. Isso lhe surpreendeu e de passagem lhe comunico certa

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tranqüilidade, porque Durango se achava a mais de duzentas milhas de distância; de modo que o trajeto, inclusive para uns cavaleiros excelentes, era coisa de vários dias.

-Não deixou ordens com respeito a mim -disse Luzia- à exceção de me encarregar que tenha prudência. Crie que dou agora mostra de ser prudente?-murmurou abraçando-se ao Slone, audaz e atormentadora, como se mostrou antes- Além disso encargo ao Holley que me acompanhasse e cuidasse de mim, em minhas expedições a cavalo. Pobre Holley! Isso é muito divertido, porque, conforme diz, muito a desgosto seu se resolveu trair a meu pai.

-Me alegro de que Holley se encarregou de vigilarte-replicou Slone-. Ontem te vi atravessar as matas de salvia montada no Sarchedon. E me pergunte que faria, Luzia, se Cordts ou esse louco do Creech se apoderassem de ti.

-Lutar.

-Isso é uma tolice, querida Luzia, porque não poderia resistir a nenhum deles.

-Crie que não? Pois te equivoca. Por exemplo, mataria ao Cordts de um balaço ou daria uma surra ao Joel Creech com meu látego. E se se aproximasse muito a mim, faria de modo que Sarchedon lhe atropelasse, pois esse cavalo odeia a morte.

-É muito valente -murmurou Stone-. Mas suponhamos que lhe agarrassem e lhe levassem. Deixaria rastros de seu passo?

-Sem dúvida.

-Luzia, eu sou caçador de cavalos selvagens -continuou pensativo e como se falasse consigo mesmo-. Nunca perdi nenhuma pista e estou seguro de que poderia seguir tris pisa, inclusive sobre as cortadas rochas.

-Tenha a segurança de que dejaria uma pista, de modo que não deve ter medo - replicou -. Mas não se preocupe. Sempre teme por mim. Vale mais que pense em coisas alegres. Ao parecer, meu pai já não se lembra de ti. Possivelmente a situação não é tão malote como nos tínhamos figurado. Não sabe quanto o desejo. Como está meu cavalo Furacão? Tenho muitas vontades de voltar a montar

nele, e logo que posso me conter para não ir buscá-lo.

E assim murmuravam os dois amantes, enquanto o tempo transcorria rapidamente.

Durante a primeira parte da tarde do dia seguinte, Slone, para ouvir o ruído dos cascos de uns ponies sem ferrar, saiu da cabana para ver o que ocorria. Podia divisar claramente parte do beco, e nele penetro o jovem Creech, conduzindo aos ponies mais fracos e esqueleticos que Slone visse em sua vida. E detrás ia um homem que, quanto a magreza, podia sustentar digna comparação com os cavalos.

Aquele espetáculo impressiono ao jovem. Sem dúvida, seriam Joel Creech e seu pai. Slone não tênia provas de que o desconhecido fosse quem se figurava, mas, sem embargo, estava convencido disso.

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Algumas ideia desagradáveis começaram a cruzar sua mente. Creech se inteiraria sem dúvida de que acusavam a ele de ter talhado as amarras da embarcação. O que diria? Se acreditava, como todos os habitantes do povo, na verdade de tal afirmação, não há dúvida de que o Vau do Bostil chegaria a ser um lugar muito insalubre para o Lin Slone. Onde estariam os grandes cavalos de carreiras Blue Roam, Peg e outros puro-sangue? Slone sentiu uma impressão dolorosa ao fazer-se esta pergunta.

-OH! -murmurou-. Não é possível que tenham morrido de fome. Séria espantoso!

Entretanto, tênia quase a convicção de que isso era o ocorrido. Era muito estranho que nunca tivesse pensado na possibilidade de que Creech comparecesse no povo.

-Convém que eu lhe veja bem, antes de que ele observe a meu -disse Slone para se.

Em um momento se ato o cinturão de que pendurava o revolver. Logo descendeu pelo atalho, tomando a direção do armazém do Brackton. Compreendeu que todos os perigos passados não eram nada em comparação com o que lhe ameaçava agora. Teria que confrontar a um homem a quem a fama considerava justo, mas ao mesmo tempo, severo.

antes de que Slone chegasse às cercanias da loja, viu alguns cavaleiros que avançavam Ao encontro dos Creech. E pôde ver, também, que a aquela hora havia mais clientes que de costume em casa do Brackton. O velho lojista se apresento a sua vez e levanto as mãos. Slone pôde ouvir os cavaleiros, que falavam muito excitados e em voz alta. aproximo-se e à medida que o para andava mais de pressa. O instinto lhe indico a conveniência do que se propunha realizar, ou seja apresentar-se ante aquele homem, de cuja ruína acusavam a ele. Os pobres mustangs inclinavam tristemente a cabeça ao chão.

-Esses insetos não são mais que sacos de ossos-dijo um cavaleiro em voz alta.

Então Slone se aproximo do excitado grupo. No centro estava Brackton, gesticulando, e sua voz aguda se ouvia com a maior claridade:

-Creech! Onde estão Peg e Roam? meu deus! Vai você a me dizer que esses cavalos é tudo o que fica dos magníficos exemplares que tênia?

Apenas se ouvia nenhum outro ruído. Todos os cavaleiros estavam imóveis, e Slone cravo os olhos no Creech. Viu um homem fraco, de rosto desencaixado e quase negro de pó, desancado e triste, com olhos muito grandes e de olhar áspero e terrível. Enfim, era um homem sujo e mau vestido, salpicado todo ele de barro seco.

Creech guardava silêncio e a dignidade de seu desespero impressiono dolorosamente o coração do Slone. Seu silêncio era, se por acaso mesmo, uma resposta. Joel Creech interrompeu a pausa geral.

-Não lhes disse eu o que tinha ocorrido? -gritou-. morreram de fome e de sede.

-Que desgraça ! -exclamaram os ouvintes.

Brackton se ponho-se a tremer e seus olhos se cobriram de lágrimas, mas não se envergonhava delas.

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-Assim Deus me ajude; quanto o sinto na alma! -exclamou com voz entrecortada.

Slone se tinha esquecido de se mesmo e da possível revelação que lhe interessasse; mas quando Holley apareceu a seu lado, lhe dirigindo um significativo olhar de aviso, voltou a emprestar atenção ao assunto. Sentiu animado por estranho fogo e pela cólera contra o homem que pudesse ter salvado os cavalos do Creech. E, como Brackton, compadecia-se deste último e tomava parte na dor daquele pobre caballista. Aqueles cavalos, aqueles nobres e mudos animais, fiéis e às vezes carinhosos e generosos, tiveram que sofrer uma morte horrível a causa do egoísmo de um homem.

-Todos desejamos saber o que ocorreu, Creech. conte-nos isso se isso não aumentar sua dor-disse Brackton.

-me dê algo de beber-replicou Creech.

-Em seguida -exclamou Brackton-. Entre, entrem todos, todos, para celebrar a volta do Creech.

Os cavaleiros penetraram no estabelecimento, seguindo ao Brackton e aos Creech. Holley se situou ao lado do Slone e ambos ficaram a costas de outros.

-Pois aquela noite ouvi chegar a advinda-empezó a dizer Creech a seus atentos ouvintes -. Percebi o rugido desde muitas milhas de distância, rio acima. Parecia um trovão, mais intenso que em outro qualquer das avenidas anteriores. E como então eu estava sozinho, custou-me bastante tempo o fazer subir aos cavalos. Se me tivesse acompanhado um índio ou até o mesmo Joel... quem sabe... -Sua voz tremeu um pouco e logo continuou dizendo-: Inclusive quando levar os cavalos ao embarcadero, até então, não era muito tarde. Caso que alguém me tivesse ouvido e se apressasse a vir com a embarcação até onde eu estava, gritei e disparei o revólver várias vezes, mas ninguém me respondeu. O rio crescia com a maior rapidez. E aquele rugido me pôs os cabelos de ponta. Esperei tanto, que me pareceu que fazia já anos que estava ali. Por fim chegou a avenida, negra, tormentosa v horrível. E me custou muito fazer retroceder aos cavalos.

"À manhã seguinte chegaram dois pinte que tinham perdido alguns mustangs entre as rochas. Toda a comida de por ali tinha desaparecido já, de modo que não havia outro remédio a não ser tentar a saída. Pinte-os me disseram que não havia probabilidades para o Norte, e tampouco água ou erva; decidi, pois, ir para o Sul para ver se por ali podíamos sair do canhão. Peg se rompeu uma pata Y... e não tive mais remedeio que lhe pegar um tiro. Mas seguimos subindo com o resto dos cavalos. Eu confiei aos piutes. Viajamos durante cinco dias em direção ao oeste, para procurar a saída do canhão. Não havia erva, a não ser um pouco de água e até salgada. Blue Roam estava tão corajoso como sempre. Então os pinte começaram a ir de um lado a outro, não para procurar a saída a não ser para ver se encontravam um pouco de erva.

Nunca vi um lugar tão estéril como aquele. Um a um caíram os cavalos, mortos de fome e, por fim... por fim não tive ânimos para ver morrer a Bloco de papel Roam... Também tive que lhe pegar um tiro. E o que sinto agora é não Ter tido valor para matá-los antes.

depois destas palavras reinou um comprido silencio e logo Creech continuou:

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-Os piutes serão muito bem pagos se isso depende de mim. Desde não ser por eles, eu mesmo teria morrido de sede. Rodeamos e cruzamos uns vermelhos escarpados; logo uma grande enfaixa de areia vermelha e segui-los pelo interior do canhão. Ao pé de este havia uma praia de areia e junto a ela encontramos a embarcação do Bostil.

-Cómo,Cómo? ? -exclamou Barckton-. A embarcação do Botsil? Acaso Joel não lhe falou que ela?

-Não. Joel não me há dito nada-replicó Creech -.O que ocorreu?

-Porque alguém cortou as amarras, precisamente antes da avenida.

Sem dúvida, Brackton esperava que Creech se surpreendesse, mas não manifestou a menor estranheza.

-Aqui há um caballista chamado Slone, caçador de cavalos selvagens-continuó Brackton-. E Joel jura que esse Slone cortou as amarras da embarcação, a fim de ter mais probabilidades de ganhar a carreira. Joel assegura que viu esse Slone.

Para este o momento era muito emocionante, mas não sentiu nenhum temor. Não necessitava tampouco o empurrão que o dió Holley para que avançasse, pois atravessando o grupo ficou frente a frente do Creech.

-Isso não é certo -disse- E asseguro que eu não cortei as amarras da embarcação.

-.Quem é você? -perguntou Creech.

-Meu nome é Slone. Cheguei aqui com um cavalo selvagem que ganhou a carreira e logo me acusaram que essa indignidade.

Os olhos doloridos e terríveis do Creech pareceram atravessar ao Slone. Seu olhar era duro a mais não poder; mas, entretanto, não ameaçadora.

-Joel lhe acusou?

-Assim dizem. Eu lute com ele e lhe peguei por ter insultado a uma jovem.

-Vêem aqui, Joel - exclamou Creech com a maior seriedade. Ao mesmo tempo, seu enorme, negra e escamosa mão agarro ao jovem pelo ombro, de modo que Joel proferiu uma queixa-. De modo que mentiste? Por que?

Joel demonstrou que seu pai lhe inspirava um grande temor.

-partiu com Luzia e eu lhe surpreendi com ela -murmurou.

-E mentiste para prejudicar ao Slone?

Joel não respondo, embora não era necessário que o fizesse para confessar seu embuste. Parecia não dar-se conta de ter cometido uma falta. Creech o Miro com expressão compassiva e logo o dió um empurrão para lhe fazer retroceder.

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-Moços -disse-, meu filho caluniou a este cavaleiro. Já vêem, pois, que Slone não curto as amarras da embarcação. Além disso, lhes figuram que o fazê-lo foi o maior crime neste caso, mas lhes enganam. O crime consistiu em não expulsar à água a embarcação durante vários dias, quando meus cavalos podiam ter cruzado o rio sem inconveniente.

Slone retrocedeu, ao parecer esquecido de todos, e de uma vez sentiu alegria e pesar. Tinha sido expulso, mas era evidente que Creech, aquele homem duro e taciturno, sabia muito bem onde lhe apertava o sapato, e Slone pensou em Luzia.

-Quem curto, pois, as amarras da embarcação? -perguntou Brackton com acento de incredulidade.

Creech lhe dirigiu um estranho olhar e continuou sua relação:

-Como dizia, encontramos a embarcação enlameiam cada naquele banco de areia. Observe que os cabos tinham sido contados, mas também vi algo mais... Enfim, o rio estava muito crescido e rápido, mas ao outro lado havia um sítio excelente para desembarcar. Metemo-nos no bote, e detrás remar de firme e nos deixar arrastar pela corrente, chegamos ao outro lado com os cavalos. Quando chegamos ao rio tínhamos cinco, mas dois caíram à água. Logo tomamos terra e os piutes foram em busca de alguns navajos e também de alguns cavalos. Eu tomei o caminho do Vau... Acampe duas vezes e Joel me viu chegar.

-E observo você, Creech, algo mais na embarcação? -perguntou Brackton com maior interesse-. Quer dizer, saio nas cordas ou outra coisa qualquer que lhe desse uma idéia de quem pôde ser o que as curto?

Creech não respondo a isso. Seu olhar parecia mais áspera que antes. Ao parecer, tinha um segredo e não confiava em nenhum de seus ouvintes. Todos aqueles homens eram amigos deles, mas se achavam em condições especiais. Seu silêncio era trágico v aquele homem, sem dúvida, respirava vingança.

XVI

Aquela noite não se mostrou a lua, e só algumas estrelas piscaram entre as nuvens que cruzavam devagar o céu. A atmosfera estava pesada, carregada ainda com o calor do dia, que o vento não tinha afastado. No horizonte ameaçava uma tempestade e os raios que cruzavam o céu, por detrás dos negros monumentos, davam uma grandeza especial a aquele lugar deserto.

Luzia Bostil teu que enganar a sua tia para poder sair da casa, v assim a janela, que não tinha necessitado para sair, desde que partiu Bostil, voltou a ser utilizada aquela noite. Ultimamente a tia Jane pareceu estar receosa, v embora Luzia desejava lhe confiar seu

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segredo, não acabava de resolver a isso. Por alguma razão que Luzia não pôde averiguar, Holley resultava bastante difícil de dirigir, especialmente aquele dia. A jovem não desejava que Holley a acompanhasse em suas entrevistas noturnas com o Slone, e trocou seu traje ligeiro, ficando o de montar, que' era muito mais escuro e grosso.

Naquela aventura noturna havia certo caráter de incerteza e de perigo que nada tinha que ver com o amor. O segredo, o ter que burlar a seus guardiães, a escuridão, o silêncio e o mesmo perigo, todo isso despertava nela um instinto profundo e incluso no desenvolvido, e a fazia estremecer de pés a cabeça, lhe proporcionando uma grande excitação e extraordinário atrevimento. Nela sentia correr o sangue dos maiores aventureiros de seu tempo.

Luzia temia haver-se atrasado. depois de acalmar os receios de sua tia, teve que trocar de traje, e isso lhe fez perder algum tempo. A jovem pôs-se a correr com passos menos cautelosos, embora, uma vez na alameda, só tomava precauções por haver o prometido assim ao Slone. Aquela noite esquecimento ou não quis precaver-se como o fizesse em outras ocasiões. As sombras eram muito escuras, mais que em outro qualquer das noites anteriores. Sempre sentiu algum temor pela escuridão, coisa que lhe inspirava um pouco de desdém para si mesmo. Entretanto, não se atrevia nunca a sondar os lugares tenebrosos. E como conhecia o caminho, seguiu avançando, sem produzir mais ruído que o de '.ás folhas que roçava.

de repente se imaginou ouvir passos v se deteve, ficando tão imóvel como o tronco de uma árvore. Não havia nenhuma razão para assustar do ruído de passos. Inclusive sempre a tinha surpreso não encontrar a nenhum lhe passeiem que estivesse fumando tranqüilamente um charuto debaixo das árvores. Disposto ouvido, certifico-se de que equivocou-se e logo contínuo avançando. Mas olhou para trás.

Não se via uma sombra mais escura que as outras, que se movia? Mas solo era uma ilusão. Sentia um pouco de frio. A atmosfera lhe parecia mais opressiva, ou possivelmente no ambiente havia algo intangível e estranho. Contínuo andando e chego ao atalho que atravessava a alameda, mas não cruzo em seguida.

Naquele atalho havia um pouco mais de luz e assim podia ver major distancia.

Enquanto estava ali escutando v emprestando ouvido todas as influências da noite, recebeu uma impressão não originada pela vista nem pelo ouvido. Solo sentiu o contato das folhas e unicamente chegou a seu olfato o aroma destas. Mas adivinho uma presença estranha e indefinível.

Luzia era valente, v aquela sensação. qualquer que fosse, despertou sua irritação. Entro no atalho se dirigiu com ligeireza para o extremo da alameda. Quando encontrava algum atalho em arma-o reto, a jovem apressava o passo. Estava incomodada por ter que confessar ao Slone que se assustou. E ao pensar no jovem, sentiu que a abandonava o temor e a excitação nervosa e que, em troca, despertava a irritação contra si mesmo.

Chegou então a um caminho mais largo, que logo que notou, e seguiu adiante. de repente percebeu um roce repentino e uma rápida sombra. Dois passos mais à frente, e enquanto seu coração dava um salto, uns braços vigorosos a derrubaram ao chão, uma mão dura se poso sobre sua boca e se sentiu transportada velozmente através da escuridão.

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Tratou de lutar, mas apenas se pôde mover um músculo. Uns braços de ferro rodeavam seu corpo com tal força, que se sentiu quase esmagada. Quis gritar, mas não pôde por causa da piano que lhe apertava com força a boca, e dois dedos fortes que cheiravam a cavalo oprimiram o nariz.

A jovem estava indefesa, e assim teve que confessar-lhe em extremo enfurecida. Mas logo fico paralisada de horror. Cordts a tinha pego. Estava segura. E fico quase inanimada e sem forças. A ponto esteve de perder o sentido. aumentou-se a paralisia de suas faculdades, mas não demorou para sentir que a soltavam, que voltava a apoiar os pés no chão e que uma mão arruda a sacudia. Se cambaleio, e de não ter sido por aquela mão se cansado ao chão. Pôde ver, dominando-a, a figura de um homem alto e negro, alguns cavalos a pouca distância e a extensão cinza escura da pendente coberta de salvia. Logo a mão se separou de seu rosto.

-Não grite, menina.

Chegou a seus ouvidos esta ordem em voz baixa e dura. Viu o brilho de um revolver apontando para seu rosto. O medo instintivo despertou suas antigas faculdades, e a debilidade, a confusão e o tremor a abandonaram por completo.

-Não me moverei -gaguejou.

Sabia que o que sempre temeu que seu pai acabava de ocorrer. E embora lhe tinham aconselhado que naquela circunstância não tinha que dar nenhum valor a sua própria vida, não se sentiu com forças para correr. E isso ocorria quando a vida lhe parecia tão doce e quando não tinha forças para sofrer a dor à morte.

O homem retrocedeu um pouco. Era alto, fraco e estava mal vestido, mas não se parecia com o Cordts. A jovem não podia esquecer a figura deste. Olhou ao desconhecido e a débil luz de algumas estrelas reconheceu ao pai do Joel.

- OH, graças a Deus! -murmurou, sentindo um grande alívio-. Figurei-me... que era você... Cordts

-Cale-se! -mandou ele com acento severo, em tanto que lhe dava uma sacudida com sua arruda emano.

Luzia despertou à realidade. Era indubitável que a ameaçava algum mal, apesar de que aquele homem não era Cordts. Sua mente não acabava de compreender o que ocorria, pois estava assombrada e aniquilada. Lutou por falar, embora sem afastar-se daquela ordem que, de uma vez, era um aviso.

-O que significa isto? - perguntou em voz baixa, um pouco emocionada, Luzia.

Não tinha nenhum medo do Creech, pois em um tempo, quando este e seu pai eram amigos, ela foi a menina mimada do Creech. Recordava haver subido muitas vezes a seus joelhos. Entre o Creech e Cordts havia uma distância imensa. E, entretanto, tinha sido colhida com violência, transportada a um lugar deserto e, além disso, ameaçada.

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Creech se inclinou, e seu fraco rosto, iluminado por uns olhos terríveis, obrigou a retroceder a jovem.

-Bostil me arruinou. foi a causa da morte de meus cavalos -murmurou com acento de cólera-. E eu te seqüestro. Conservarei-te como refém em troca de King, do Sarchedon e de todos seus cavalos de carreiras.

-OH! -exclamou Luzia com surpresa e sobressalto, sentindo uma pontada de dor-. OH, Creech...! De modo que não se propõe você me fazer danifico?

Aquele homem se endireitou e por um momento guardou silêncio, como se a pergunta da jovem apresentasse um novo aspecto do caso.

-Luzia Bostil, sou um homem arruinado, selvagem e dominado pelo ódio. Mas Deus sabe muito bem que nunca pensei nisso... quer dizer, em te fazer danifico. Não, menina, não te farei nenhum dano, mas te aconselho que obedeça e me acompanhe resistir, porque me sinto poseído por uma legião de demônios.

-E aonde me levará você? -perguntou ela.

-Seguiremos o curso dos canhões até chegar ao lugar onde ninguém possa me encontrar -disse-. Compreendo que esta viagem será muito dura para ti, mas quero ferir o coração do Bostil do mesmo modo que ele destroçou o meu. Mandarei-lhe um aviso. E lhe direi que se não querer me entregar seus cavalos abandonarei ao Cordts.

-OH, Creech! Você não fará isso! -murmurou a jovem agarrando o braço musculoso daquele homem.

-Se fizesse isso, Luzia, daria provas de ser um criminoso -disse com triste acento-, mas acredito que esta ameaça induzirá ao Bostil a me entregar seus cavalos.

-Temo que não o faça, Creech. Melhor seria que me deixasse você voltar para minha casa. Eu não direi nada. Não lhe guardo rancor, porque acredito que tem você razão. Meu pai é... OH! Não me você faça sofrer. Quando eu era pequena você me tinha carinho.

-É inútil-replicou ele-. Não fale mais. Subida agora esse cavalo e põe-se a andar, me precedendo.

Acompanhou-lhe ao lado de um mustang muito fraco. Luzia subiu a ele e pensou na afortunada coincidência de haver ficado um traje de montar. Este era de cor escura e grosso, e resultava muito cômodo para montar a cavalo.

De haver ficado aquela noite seu traje branco e magro, o mesmo que levava a primeira noite que foi ao encontro do Slone... E ao pensar no jovem, sentiu uma pontada no coração. O pobre a esperaria em vão e voltaria para sua cabana sem saber o que lhe tinha ocorrido a ela.

de repente, Luzia descobriu a outro homem que empunhava a brida de dois mustangs. Este montou a sua vez e lhe adiantou. Luzia reconheceu ao Joel Creech, o qual infundiu-lhe certo temor, mas logo se disse que o pai era muito capaz de dominar a seu filho.

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-Adiante! -disse Creech açoitando na garupa ao cavalo da jovem.

Este avançou em fila a Índia com os dois homens e um cavalo de carga, afastando-se da pendente coberta de salvia. Tomaram a direção dos monumentos, que então pareciam muitos negros à luz dos relâmpagos que cruzavam o céu.

Desde que Luzia tinha completo os dez anos, profetizaram-lhe várias vezes que um dia seria seqüestrada e agora isso acabava de ocorrer. Compreendia que a ameaçava um grande perigo, embora imensamente menor que se o tivesse feito algum outro personagem dos que habitavam naquelas terras altas. Acreditava que se se limitava a obedecer, sem protesto, as ordens do Creech, pelo menos se veria livre de todo dano pessoal. Díjose que aquilo era um golpe desgraçado para seu pai, mas não pior do que merecia. Por fim lhe tinha alcançado o castigo.

Quanto sentiria ter que desprender-se de seus cavalos! Entretanto, Luzia se perguntou se quereria entregar ao King, até para lhe evitar as privações e os perigos. Seu pai era muito mais capaz de seguir seu rastro, em companhia de seus homens, para matar aos Creech, antes de acessar às petições destes. Mas era possível que a ameaça de que a entregariam ao Cordts assustasse a aquele homem velho e de caráter duro.

Os cavalos trotavam e davam a volta pelo pendente, sem dúvida para descrever um grande rodeio em volto do Vau, de modo que, por fim, Luzia dió as costas aos monumentos. Ante ela se estendia o escuro e árido deserto, e através das trevas reinantes não podia divisar coisa alguma. Compreendeu que se encaminhavam para o Norte, para os canhões selvagens e desconhecidos pelos cavaleiros.

Cordts e sua equipe se ocultavam por ali. Que não ocorreria se os Creech ficavam ao alcance do bandido e de seus homens? A confiança de Luzia sofreu um notável descida. Logo recordou que os Creech eram quase como os índios. O que faria Slone? Sem dúvida sairia a cavalo em busca de seus rastros. Luzia temeu por os Creech se Slone chegava a lhes dar alcance. E ao recordar a habilidade daquele caçador de cavalos selvagens e seu costume de seguir toda classe de rastros, sem contar com o rápido e incansável Furacão, ficou convencida de que Creech não podia conservar comprido tempo a seu cativa. Slone seria muito prudente e não daria sinais de sua perseguição. Era quase seguro que cairia sobre os Creech durante as horas da escuridão noturna... e Luzia voltou a estremecer-se. Que horrível morte a do Dick Sears!

Assim, enquanto a jovem seguia avançando, montada a cavalo, tinha a mente ocupada por infinitas idéias. Estava acostumada a montar a cavalo, e o movimento do animal parecia ser algo em harmonia com o de seu próprio corpo. Até agora, curvada por suas preocupações e por seus temores, não esquecia sua astúcia natural e, graças a seu hábito de montar a cavalo, as horas lhe pareciam acontecer muito às pressas. surpreendeu-se ao notar que seus companheiros se detinham, obrigando-a a fazer o mesmo, e que ante ela pudesse divisar alguns montículos de rochas pouco elevados e bastante imprecisos.

-Desmonta -ordenou Creech.

-Onde estamos? -perguntou Luzia.

Page 189:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

-Parece-me que entre umas rochas. Agora procura dormir, porque o necessitará.

Tendeu uma manta no chão, pôs como alma. fada a cadeira de um cavalo e logo estendeu em cima outra manta.

-Queria saber se será preciso te atar ou não -observou Creech-. Se te atar te farei mal, sem contar com que temos que fazer uma Viagem bastante larga.

-Vamos, que quer você saber se tratar de escapar ou não -perguntou Luzia.

-Precisamente.

Luzia ficou pensativa, dizendo-se que naquele! homem rude se advertia certa delicadeza de sentimentos. Queria lhe evitar não só uma dor, mas também a necessidade de vigiá-la continuamente. lhe repugnava ter que dar sua palavra de não escapar se se apresentava uma ocasião favorável. Entretanto, disse-se que uma vez aventuraram-se pelos canhões, coisa que ocorreria ao dia seguinte, quão pior poderia fazer seria fugir. E a lembrança dos olhos cavernosos e cheios de cobiça do Cordts não influiu pouco na decisão que tomou.

-Quererá você me acreditar, Creech, se lhe der palavra de não tentar a fuga? -perguntou.

Creech ficou um instante muito pensativo e logo disse:

-Parece-me que sim.

-Pois, em tal caso, o prometo.

-Faz bem. Agora dorme.

Luzia obedeceu e se cobriu com uma manta. O lugar era triste e solitário. Ouviu o ruído que faziam os mustangs ao pastar a erva e os quedos passados dos dois homens. de repente cessaram os ruídos. Um vento bastante frio foi chocar contra seu rosto e agitou as matas de salvia que a rodeavam. Pouco a pouco diminuiu o frio e sentiu um calor agradável. Seus olhos deram amostras de fadiga. Que lhe tinha ocorrido? Logo, e já dispondo-se a dormir, acreditou por um momento que tudo era um sonho; mas ao sentir sob sua cabeça a cadeira que lhe servia de travesseiro compreendeu que estava muito longe de seu dormitório. Que faria a pobre tia Jane quando, à manhã seguinte, descobrisse sua ausência? Que faria Holley, Quando retornaria seu pai? Tanto podia ocorrer isso breve como demorar o bastante. Assim que ao Slone, Luzia pensava nele com tristeza, porque sem dúvida o jovem a amava com toda sua alma. estremeceu-se ao pensar nele montado a lombos do garanhão selvagem, de seu Furacão. E enquanto sua mente estava ocupada por estas idéias, insensivelmente se converteram estas em sonhos e fico dormida.

Despertou ao amanhecer notando que uma mão doía a causa do frio, porque a tinha ao descoberto. Seu duro leito lhe tinha deixado doloridos todos os membros. Ovo os estalos do fogo, e a seu olfato chegou o aroma da madeira de cedro. E à luz cinza da manhã viu os Creech em volto de uma fogueira.

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levanto-se, e embora os dois homens a viram não fizeram nenhum comentário. Naquele amanhecer frio e cinza compreendeu melhor sua situação. Tinha o cabelo molhado, porque cavalgo quase toda a noite sem chapéu. Não possuía nada absolutamente, além do que levava em cima, mas deu graças ao céu por haver ficado o traje de montar e as botas, porque, de ter levado o do verão e os sapatos, sua situação seria então muito mais desagradável.

-Vêem comer -disse Creech-. É uma moça de sentido comum e já compreenderá a necessidade de te alimentar.

Bostil sustentava sempre em suas discussões que um homem deve comer quanto possa ao empreender uma viagem, com objeto de chegar ao final no melhor estado possível. E Luzia comeu apesar dos temores que sentia. Miro uma vez com curiosidade ao Joel Creech. Sentiu os olhos deste cravados nela, mas o os desviou no ato. E dava amostras de estar mais taciturno e fora de si que outras vezes.

Nem o pai nem o filho se entretiveram no acampamento. Deixaram a Luzia entregue a si mesmo. Aquele lugar parecia uma depressão da qual o deserto se estendia para o rosado Oriente, e as rochas que tinham detrás, quebradas e amarelas, estavam rodeadas de cedros.

-Traz os cavalos-ordeno Creech a Luzia. E enquanto ela obedecia, pôde ouvir que arreganhava a seu filho-: Ouça, você, me faça o favor de deixar tranqüila a essa moça ou, do contrário, te vou castigar.

Luzia trouxe os três mustangs ao acampamento e Creech começou a selá-los. O restante, ou seja o de carga, achava-se entre os cedros e junto à base de uns pequenos escarpados. E quando a jovem o trouxe também ao lado do Creech observou que este dizia a seu filho, que já tinha montado:

-Quando voltar, segue este canhão até o final. Conduz a uma planície coberta de pinheiros. Eu te verei facilmente ou a qualquer que se aproxime, muito antes de que chegue até onde estamos. E não há necessidade de que venha sem os cavalos do Bostil. Já sabe o que tem que lhe dizer se te ameaçar ou se nega a entregar seus cavalos, ou se manda a seus picadores para que me sigam a pista. Isso é tudo. Agora vete.

Joel Creech se afastou para a parte alta daquele árido deserto.

-Agora você e eu continuaremos o viaje-dijo Creech a Luzia.

Quando o teve tudo disposto, ordenou a quão jovem seguisse de perto seus rastros. Penetro então em uma estreita fenda que havia entre as altas rochas, que descrevia algumas curva e tinha o chão cheio de matas de salvia e de pequenos cedros. Luzia, ao passar junto a estes últimos, concebeu a idéia de recolher as diminutas abacaxis e as deixar cair naqueles trechos de seu caminho aonde fora difícil seguir seus rastros. E assim, com a maior prudência, se cheio com elas os bolsos.

Creech seguia andando sem olhar para trás, e, ao parecer, não lhe importava o lugar que pisassem nos cavalos. Luzia se disse que incluso no tinha chegado a ocasião de ocultar seu

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rastro. de repente a estreita fenda foi desembocar em um canhão pouco profundo, cheio de pedaços de rocha procedente dos desmoronamentos de suas próprias paredes e pouco depois chegaram a um canhão principal, no que abundavam os despenhadeiros de uma cor amarelada. Ao parecer se dirigiam para o Norte, e a grande distancia, e por cima dos despenhadeiros e das cristas, divisava-se uma linha larga e negra, como se fosse um horizonte coberto de nuvens.

Creech cruzo aquele largo canhão e penetro em uma das muitas aberturas que havia em suas paredes. Esta se achava cheia de rochas esmiuçadas e de fragmentos de piçarra, de modo que o trajeto era muito penoso, tanto para as pessoas como para os cavalos. Luzia tinha muito cuidado com suas arreios e assim não deixava de ajudar a seu cavalo das mil maneiras que conhece um bom cavaleiro. E apesar de que isso solicitava quase toda sua atenção, não retrocedeu em deixar cair alguma das abacaxis de cedro sobre a terra dura ou as rochas. E se disse que deixava uma boa pista para os agudos olhos do Slone.

Aquele dia foi luzia o em que realizou a viagem mais pesada e rápido de sua vida inteira. À posta do sol, quando Creech se deteve em uma garganta rodeada de altas rochas, Luzia jogou pé a terra e se apressou a tender-se sobre a erva.

Creech lhe dirigiu um olhar impregnado de simpatia e de admiração, mas não disse coisa alguma a respeito da pesada marcha durante aquela jornada. A jovem nunca em sua vida tinha desejado o descanso como então e nunca, tampouco, estimou em tanto a brandura da erva ou a satisfação de ter terminado uma etapa. Estava imóvel e com o corpo dolorido. Creech, depois de soltar os cavalos, ofereceu-lhe um pouco de água fresca, procedente do arroyó que corria a pouca distância.

-Que trajeto percorremos? -perguntou ela.

-Calculou que umas sessenta milhas desde que saímos -replicou-. Mas nem sequer estamos a trinta de nosso último acampamento.

Logo se ocupou em preparar o necessário para acampar. Luzia meneou a cabeça quando Creech lhe ofereceu algo que comer, mas insistiu e por fim a jovem se resignou a aceitar. Creech era homem rude, mas muito bondoso com ela, de modo que assim que a jovem se acostumou a seu rosto durou, fraco e negro, pareceu-lhe advertir nele certa expressão de tristeza. Também notou Luzia que Creech nunca deixava de ajudar a seu cavalo, sempre que fosse possível, pois às vezes se encarapitava a pé ou desmontava nos momentos difíceis.

Logo a noite deixou rodeado de espessas trevas aquele lugar. Luzia, a julgar pelo que divisava, não teria podido assegurar se tinha os olhos abertos ou fechados. Entretanto, estes estavam cheios de mil cenas e aspectos do selvagem e tortuoso canhão e das gargantas junto às quais tinha passado aquele dia. A dor de seus membros e a febre de seu sangue lhe impediam de conciliar o sonho e lhe pareceu que sempre mais experimentaria desagradáveis sensações. Durante doze horas havia montado a cavalo sem pensar sequer na natureza daquele país selvagem; mas assim que se tendeu no chão, para descansar, sua mente lhe ofereceu uma interminável procissão de cenas, de estreitas e vermelhas fissuras cheias de

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vegetação, amarelas gargantas e pendentes acentuadas das rochas alisadas pela inclemência do tempo; aberturas traidoras e cheias de pó, que punham em comunicação os canhões, montões de rocha e de piçarra esmiuçada, milhas e milhas de paredes de linhas sinuosas, amareladas e mais ou menos verticais. E, através de todo aquilo, a jovem foi deixando um rastro.

Ao dia seguinte, Creech se encarapitou pelas paredes, não muito altas, daquele canhão e Luzia contemplou uma extensão deserta e rochosa, atalho por gargantas áridas acostume ou coberta de bandagens verdes e de bosquecillos de cedros. A linha larga e negra que observou o dia antes parecia estar muito mais perto, por cima daquele labirinto formado pelos canhões. Cada meia hora, Creech se hundia em um deles para sair ao pouco momento. E cruzavam lugares arenosos e de terreno durou, assim como grandes extensões de rochas cortadas aonde nem sequer um cavalo ferrado poderia deixar o menor rastro.

Entretanto, aquela etapa não foi tão dura e Luzia não teve que andar a pé com tanta freqüência, de modo que terminou a etapa sem estar tão fatigada como o dia anterior.

Ao seguinte, Creech avançou com as maiores precauções. Numerosas vezes abandonava o caminhou direto, ordenando a Luzia que lhe esperasse, e subia ao bordo de 1s canhões ou a alguma proeminência coberta de cedros e desde aqueles pontos examinava a região. Luzia não demorou para compreender que temia algum encontro e possivelmente que lhe perseguissem. Isso a jovem pareceu estranho, porque não podia esperar-se que tão logo tivesse empreendido alguém a perseguição do Creech.

A estranha conduta de este se acentuou ao terceiro dia, e Luzia chegou a sentir-se dominada pela apreensão. Não podia adivinhar a razão do que ocorria, mas cada vez que Creech se encarapitava a alguma alta crista, que lhe proporcionava um bom observatório da enorme meseta que tinham atravessado, Luzia não podia deixar de descobrir alguns pontos mutáveis a muitos milhas de distância.

-Já saberá o que é isso! -observo Creech.

-Cavalos - replicou ela.

É1 meneio a cabeça com expressão de desgosto e, ao parecer, fico entregue a profundas reflexões.

-Segue-nos alguém? - pergunto Luzia sem poder dominar o tremor de sua voz.

-Sem dúvida. Faz já dois dias. E isso sente saudades.

-Viram-nos já?

-Ainda não nos viram, mas, com toda segurança, seguem-nos.

-Quem?-pergunto ela.

-Sabe-me mal lhe dizer isso moça, mas não tenho outro remédio. É Cordts, a quem acompanham dois de seus homens.

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-OH, não me diga isso! -exclamo Luzia, aterrada.

Antes não a assustava o nome do bandido; mas então voltou a sentir o mesmo temor que no primeiro momento a domino na alameda, a noite em que foi capturada.

-Sim. É Cordts -replicou Creech-. Já sabia antes de lhe haver visto. Faz já duas semanas que vi seu cavalo enquanto pastava no canhão que seguíamos. Por um momento acreditei ter cometido um engano, que alguém nos tivesse visto ou descobrisse nossa pista. Mas, enfim, seja como for, persegue-nos. E o que mais sente saudades é ver com que segurança segue nossos passos. Cordts não foi nunca um bom rastreador. E depois da morte do Dick Sears, em sua equipe não fica nenhum capaz de seguir uma pista. Eu escondi com o major cuidado nossos rastros. Não o compreendo.

-O caso é, Creech, que eu deixei uma pista -confessou Luzia.

-Como?

Então lhe disse que tinha deixado cair algumas abacaxis de cedro e folhas da mesma árvore quando atravessavam os lugares talheres de rochas cortadas.

-A verdade é que... -Creech afogou uma blasfêmia e logo, renda-se, exclamou-: É muito lista. De todos os modos, confesso que não me deu palavra sobre o particular. Enfim, se Cordts te agarrar, você terá a culpa.

-OH! -exclamo Luzia olhando frenética para trás e observando que aquelas manchas diminutas eram cada vez mais visíveis-. Mas como sabe você que me persegue a mim?

-Ignoro este detalhe e possivelmente ele tampouco o conhece. Entretanto, seus cavalos estão descansados, e se não podermos lhe dar esquinazo, não demorará para descobrir a quem persegue.

-Sigamos, sigamos partindo. É preciso lhe enganar não voltarei a fazer isso. Por Deus vivo, Creech, não deixe que esse homem me aproxime!

Então Creech abandonou a meseta para afundar-se de novo nos canhões.

Termino o dia, e a noite muito escura. A saída do sol do dia seguinte encontrou ao Creech prosseguindo sua viagem, sem ter em conta o cansaço de Luzia nem o dos cavalos. Seguia ao trote destes e escolhia o terreno que com mais dificuldade pudesse conservar seus rastros. Roda de pessoas um gamo velho dissimulava às vezes sua pista. Aproveitava toda ocasião de avançar pelo leito de algum arroio, pois na água não ficava nenhum rastro. Aquele dia os mustangs começaram a dar amostras de fadiga.

Os canhões seguiam então uma direção quase paralela e à medida que avançavam eram cada vez mais profundos e estavam mais talheres de vegetação. Aquela noite Luzia se viu no fundo de um abismo. O silêncio impressionante daquele lugar a teve acordada bastante momento, embora, por fim, fico dormida e sonhou que Cordts a capturava e a levava a muitas milhas de distância, por entre aqueles profundos canhões de paredes purpúreas. Logo sonhou com o Slone, que perseguia ao bandido, montado em seu garanhão Furacão, e em uma luta

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selvagem entre os dois homens. E despertou aterrada e sentindo muito frio, quando ainda a rodeava a noite.

Ao dia seguinte, Creech se dirigiu para o Oeste. A Luzia lhe pareceu que se desviavam muito à esquerda da direção que tomassem em primeiro lugar. E a jovem, apesar de seu tremendo cansaço e da necessidade de cuidar de si mesmo e de seu cavalo, não podia deixar de maravilhar-se ante o espetáculo que lhe oferecia aquele canhão selvagem e anti-social. Solo era um tributário do Grande Canhão, conforme acreditava, mas era distinto, estranho e impressionante, porque tudo estava ao alcance da mão, inclusive as desigualdades das rochas, que pareciam enormes insetos que se encarapitassem pelas paredes. E a cada curva do caminho parecia impossível seguir avançando por aquele terreno semeado de rochas soltas. Entretanto, Creech achava sempre o modo de avançar.

Durante muitas horas tiveram que encarapitar-se por toda sorte de pendentes, coisa que até então não se viram obrigados a fazer. Os troncos mortos e quebrados dos cedros rompiam com suas lascas o traje da jovem, que também recebeu mais de um arranhão. Por volta da metade da tarde, Creech a conduziu à última pendente, coberta de cedros e em direção a um terreno plano, no que abundavam os pinheiros e a alta erva descolorida. Ali descansaram.

-enganamos ao Cordts, pode estar segura disso -disse Creech-. É uma moça muito corajosa; mas Por Deus te juro que se tivesse que fazer outra este vez viagem, não me atreveria a tentá-lo.

-OH! Está você seguro de que perdeu nosso rastro? -perguntou Luzia.

-Tão seguro quanto me tenho que morrer. Mas ainda estaremos mais tranqüilos depois de cruzar esta ranhura. Está situada a muita distância do lugar em que havia de esperar ao Joel. Mas não deixaremos rastros de nosso passo.

-Esta erva demonstrará por onde passamos.

-Note nos passos que há entre ela. Estão todos talheres de agulhas de pinheiro, que são suaves e elásticas. Somente um índio seria capaz de chegar a descobrir nosso passo.

Luzia olhou ante ela e por debaixo dos pinheiros. Era um formoso bosque, no qual as árvores estavam bastante separadas um de outro, embora não muito para que seus ramos não se entrelaçassem. Chegou a seu olfato um aroma seco e forte, como o de um perfume concentrado. A seu pesar pensou em um incêndio, em como as chamas prenderiam' em todo aquilo, e recordou a horrível ameaça do Joel Creech. E a jovem se estremeceu e se apressou a esquecer tal idéia.

-Não posso..., não posso seguir adiante-dijo. Creech a olhou compassivo, e então Luzia se fixou em

que ultimamente aquele homem se suavizou muito.

-É preciso -disse-. Por este lado não há água, e mais à frente, e junto à parede do canhão, encontraremo-la abundante.

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Assim, pois, atravessaram o bosque e Luzia observou que, apesar de sua crença, pôde seguir avançando. Os cavalos pisavam em suave e mole e isso facilitava a marcha. Abundavam ali os gamos e os perus, que não demonstravam alarmar-se ao ver os viajantes. Logo acreditou Luzia que chegaria a embriagá-la aquele aroma tão forte, intenso e penetrante. Mas o certo é que, apesar de figurar-se que perderia o sentido por aquela causa, o dió ânimos.

Passou a tarde e o sol atravessou os ramos dos pinheiros com alguns raios de cor dourada; breve o crepúsculo se converteu em noite. As árvores tinham uma aparência espectral na escuridão e o bosque parecia ser mais espesso que nunca. Oían, às vezes, os uivos dos lobos e também se perceberam gritos de mochos e de gatos monteses.

Luzia ficou dormida a lombos de seu cavalo e, por fim, a uma hora avançada da noite, quando Creech a levantou da cadeira e a deixou no chão, ela se estendeu no brando colchão das agulhas de pinheiro e já não se dió conta de nada mais.

Não despertou até a tarde do seguinte dia.

O lugar em que Creech tinha estabelecido seu acampamento final dominava a cena mais selvagem daquela comarca de terras altas. Os pinheiros se disseminaram e agrupado em volto de um formoso parque de erva, que terminava de repente sobre as nuas rochas. Amarelos despenhadeiros se elevavam sobre aquela crista, e por debaixo deles se via uma estreita garganta de azuladas profundidades, que dividia o extremo da grande meseta e se encaminhava diretamente para o começo do canhão, o qual, de acordo com o que Creech dissesse, estendia-se por entre aquela solidão de vermelhas pedras e de verdes fendas. Quando o olhar de Luzia dirigiu-se ao longe quedóse assombrada ante aquelas superfícies nuas, enormes e ondulantes ; cada uma das fendas verdes era, em realidade, um canhão curto que corria em sentido paralelo à major e central. Quebrada-las fissuras e as gargantas mostravam a comunicação que existia entre aqueles canhões, e obrigavam ao olhar a seguir seu curso e a descender gradualmente até a purpúrea e vaga lonjura, em que ainda se divisava a planície ondulante e nua do deserto.

Luzia se limitava a olhar. Aquele dia não teve forças nem desejos de andar nem de comer. Creech ia cessar de um lado a outro, em volto dela, ao parecer arrasado por um remorso que não chegava a exteriorizar com suas palavras.

-Espera você que Joel venha por este enorme canhão?

-Espero que se apresentará algum dia -replicou Creech.

E eu gostaria de muito que se apressasse.

-Conhece o caminho?

-Não. Mas é muito hábil em encontrar rastros. Além disso lhe disse que seguisse sem cessar o canhão principal. Crie que seria capaz de seguir esta crista por espaço de cinqüenta milhas sem jogar pé a terra?

-Parece-me que não é possível.

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-Pois eu o tenho feito. E não quis vir por este caminho, porque teria tido que deixar rastros.

-De modo que se figura você que estamos seguros? Quero dizer, seguros do Cordts?

-Acredito que sim. Ele não sabe seguir rastros.

-Mas suponhamos que encontre as nossas.

-Enfim, caso que fosse assim, até então, e empunhando um revólver, tenho esperança de que acabaria por vencer ao Cordts.

Luzia lhe olhou muito surpreendida.

-Isto é extraordinário -exclamou-. De modo que estaria você disposto a lutar por mim? E, entretanto, levou-me durante dias e dias por entre estas penhas horríveis. Agora me olhe, Creech. Pareço-me muito a Luzia Bostil que você conhecia?

Creech inclinou a cabeça e replicou:

-O certo é que eu me tinha por um homem honrado, mas vejo que em realidade sou um bandido.

-Quando eu era pequena, você me queria, e lembrança que muitas vezes me subiu em seus joelhos.

-Quando dei procuração de ti, Luzia, não recordei essas coisas. Não era mais que um meio para obter um fim. Bostil me odiava e me arruinou. Eu me entreguei à vingança, que somente podia obter graças a ti.

-você saiba, Creech, que não defendo a meu pai.

É... não é nenhum homem bom, assim que se trata de cavalos. Sei que prejudicou a você. Mas por que não lhe esperou para ver-se com ele, cara a cara, como um homem, em vez de me arrastar a mim a esta desgraça?

-O caso é que não me ocorreu. Oxalá tivesse pensado nisso!

A partir de então pareceu estar mais triste que nunca e se sumiu em uma silenciosa vigilância.

Luzia se encontrou muito melhor ao dia seguinte e ofereceu ao Creech lhe ajudar nos trabalhos próprios do acampamento, mas ele não quis permitir-lhe Não terei que fazer mais a não ser descansar, e aquela inacción parecia pesar mais no Creech que em Luzia, pois o primeiro sempre foi homem mais ativo. A jovem adivinhou que a medida que transcorria o tempo aumentavam os remorsos de sua raptor e ela, por sua parte, não procurou impedi-lo, a não ser justamente o contrário. Creech construiu para ela um pente rudimentar, atando algumas pequenas raízes v cortando logo em linha reta os extremos. E Luzia pôde desenredar o cabelo, segundo o sistema índio. Aquele dia Creech pareceu desejoso de ouvir a voz de Luzia, e por esta razão procurou conversar com ela. E em uma ocasião disse muito pensativo

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-Queria recordar algo que ouvi no Vau. Desejo te perguntar... -de repente se voltou para ela com animada expressão, e aquele homem, que esteve tão triste e sombrio, mostrou naquele momento o maior interesse e animação-. Ouvi dizer que venceu King montando um cavalo vermelho e selvagem. Sem dúvida, isso será uma brincadeira como as do Joel.

-Não. É verdade. E meu pai quase teve um ataque.

-Caramba! -exclamou Creech, muito excitado-. Não sente saudades. Sua própria filha! E agora recordo, Luzia, que sempre tinha assegurado que chegaria a vencer ao King... Rogo-te, Por Deus, que me conte todo isso.

Apesar do dolorido que estava aquele homem, experimentava a maior alegria de que outro cavalo, embora não fosse o seu, pudesse ter ganho a carreira. Bosta deveu ter um grande desgosto. Luzia lhe referiu todos os pormenores da carreira e logo teve que falar de Furacão e também do Slone. Ao princípio, tudo o interesse do Creech se concentrou em Furacão e na carreira que realmente não existiu. Fez um centenar de perguntas e, ao parecer, estava tão satisfeito como um moço a quem se refere uma boa história. Uma e outra vez elogiou a Luzia e se regozijou de pensar no desgosto do Bostil. E quando lhe disse que Slone desafiou a seu pai a celebrar outra carreira, oferecendo apostar sua própria vida e seu cavalo contra sua mão, Creech perguntou distraído

-De modo que esse Slone desejava sua mão?

-É um caçador de cavalos selvagens e homem muito capaz de seguir nosso rastro.

-De seguir nosso rastro? Esse Slone? vamos ver, Luzia. Você lhe quer?

Luzia proferiu uma exclamação entrecortada, que teria sido difícil dizer se era risada ou soluço. -Que se lhe quero? Ah!

-E seu pai está contra ele. Como é natural, Bostil odiará a qualquer homem que possua um cavalo rápido. E por que esse parvo não vendeu seu garanhão a você pai?

-Porque antes me tinha agradável Furacão.

-Eu teria feito o mesmo. E que passará agora quando voltar a sua casa?

Luzia meneou a cabeça com ar pesaroso.

-Só Deus sabe. Meu pai não será nunca o dono de Furacão e não me deixará me casar com o Slone. E quando você lhe tenha tirado ao King como meu resgate, então minha vida será um inferno, porque se meu pai sacrifica ao Sage King, odiará-me como causador da perdida do cavalo.

-Compreendo muito bem que tem razão -replicou Creech ficando pensativo.

Luzia podia ler as idéias daquele homem como se ele fosse de cristal. adivinhava-se que não tinha mau fundo e agora, em sua simplicidade, e animado pela simpatia que sentia pela jovem, resultava digno de ser querido e compadecido.

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-Colocamo-nos em uma boa confusão -disse por fim-. E eu não gosto do papel que estou desempenhando. Mas olhe, Luzia, se Bostil não ceder O... suponhamos que, de um modo ou outro, voltasse a ser dono do Sage King, isso não facilitaria seu assunto com o Slone.

-Não sei.

-Será preciso celebrar essa carreira.

-E que bem poderia resultar disso? -exclamou Luzia com lágrimas nos olhos-. Eu não quero que perca

papai. Embora às vezes demonstrou alguns sentimentos baixos, apesar de todo isso, eu lhe quero. E também teria um grande desgosto de que perdesse Lin. Além disso, Furacão pode derrotar ao Sage King, e isso significaria que para jamais deixaria de guardar rancor ao Slone.

-E não poderia o proprietário de Furacão fazer de maneira que King ganhasse?

-Certamente, poderia, mas não quereria.

-E não poderia você rogar-lhe de modo que ele não fosse capaz de lhe negar isso los míos. Pero, de todos modos, en la vida hay algo más... Y eso es lo que me hace comprender que vosotros, los jóvenes, no os queréis lo bastante.

-Certamente, poderia, mas não quero.

Estava tão interessado Creech por aquele assunto, que mais não teria feito para alcançar a felicidade de uma filha dela.

-É possível que, em definitiva, não lhes queiram o bastante. Neste país um cavalo rápido tem a maior importância para um homem. Consta-me porque perdi meus. Mas, de todos os modos, na vida há algo mais... E isso é o que me faz compreender que vós, os jovens, não lhes querem o bastante.

-Sim que nos queremos - exclamou Luzia deixando escapar logo um apaixonado soluço, porque aquela conversação lhe tinha tirado o ânimo.

-Então o único recurso é que Slone minta ao Bostil.

-Como? -exclamou Luzia.

-Porque, de um modo ou outro, celebre-se uma carreira entre os dois cavalos e que Bostil não possa vê-la. Assim lhe será possível lhe enganar, lhe dizendo que King há alcançado a vitória.

Luzia díjose que aquela idéia do Creech não era muito má.

-Esquece você que muito breve meu pai não será já dono do Sage King, do Sarchedon ou do Dusty Ben, nem de nenhum outro cavalo de carreiras. Conforme tenho entendido achará-se na alternativa de ficar sem mim ou sem tosse cavalos. Por esta razão me encontro aqui.

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Trocou então o aspecto do Creech. De seu rosto fugiram a simpatia e a expressão afetuosa. ficou em pé e, de novo, voltou a ser o mesmo homem sombrio que recordava sua perda ao olhar para o canhão. Pouco depois, ele se inclinou e pôs sua mão na cabeça da jovem.

Seu contato foi carinhoso v tenro, comparado com outros anteriores, e isso fez estremecer a Luzia. Não pôde ver seu rosto nem adivinhou que quereria lhe dizer, embora caso que seria algo assombroso, continuou sentada, cheia de ansiedade e tremente.

-Bostil não perderá a sua única filha... nem tampouco seu cavalo favorito. Eu, Luzia, não tive nunca uma filha. Mas não posso se separar de minha lembrança as ocasiões em que te sentei em meus joelhos quando foi pequeñita.

Dito isto, afastou-se em direção ao bosque. Luzia o observou muito comovida e dizendo-se que aquele homem era capaz de esquecer seus desejos de vingança, quando, em troca, seu pai se deixou dominar por suas más intenções, e isso lhe fez sentir uma vergonha muito intensa. Aquele Creech não era um homem mau. Já estava disposto a soltá-la e, inclusive, a devolver os cavalos ao Bostil assim que chegassem. Luzia, , com apaixonada determinação, resolveu que seu pai devia dar uma compensação generosa pela perda sofrida pelo Creech. E se propunha comunicar sua intenção a este último.

Mas quando ele voltou para seu lado, estava de novo tão sombrio e silencioso, que ela não se atreveu a lhe dirigir a palavra. Teria desistido de suas generosas intenções? Luzia sentíase inclinada a acreditá-lo assim. Aqueles velhos negociantes em cavalos eram homens incompreensíveis assim que se referia a estes animais. Ao recordar o interesse intenso que Creech demonstrou por Furacão e pela carreira inevitável que tinha que celebrar-se entre ele e Sage King, Luzia acreditou quase que Creech sacrificaria sua vingança só com o único objeto de ver como o vermelho garanhão vencia ao de pelagem cinza. Se Creech guardava em reféns ao King em troca de Luzia, teria que permanecer muito oculto nos lugares mais abruptos daquela região, cruzada por numerosos canhões, ou abandonar as terras altas, porque Bostil não reconheceria nunca a legitimidade de sua cessão. Como seu mesmo pai, o velho Creech era meio homem e meio cavalo. Seus sentimentos humanos lhe deram alguns remorsos. Sentiu a sorte de Luzia e desejava vê-la de novo em sua casa, para encontrar a sorte, recordando quanto a quis durante sua infância. Mas os outros sentimentos do Creech eram bastante mas complexos.

antes de que terminasse o jantar, Luzia adivinhou que Creech estava turbado e sombrio, porque se tinha resignado a um sacrifício muito mais duro do que lhe pareceu nos primeiros momentos, em que falou impulsionado por seus nobres sentimentos. Mas a jovem vai não duvidava dele. Estava segura por completo. King seria devolvido e ela obrigaria a seu pai a que pagasse ao Creech a importância dos cavalos que tinha perdido. E possivelmente a lição que recebesse Bostil justificaria muito bem todos os dores, esforços e preocupações que houvesse flanco a ela.

Aquela noite, enquanto estava acordada e escutando o rugido do vento entre os pinheiros, teve uma singular premonição, percebeu algo semelhante a uma estranha voz que chegava a seus ouvidos com a segurança de que Slone estava seguindo seus rastros.

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Ao dia seguinte Creech parecia estar algo mais animado. Entretanto, não se mostrava loquaz e se dedicava sem cessar a vigiar de um modo constante.

Luzia começou a tranqüilizar-se. Aquele comprido viaje com o Creech a obrigou a refletir intensamente desde d primeiro dia. Passou muitas horas à sombra de um cedro e em um lugar em que estala protegida contra o sol e contra o vento. Este, especialmente, era difícil de resistir. Soprava com muita força do Oeste e era seco, aromático e contínuo, quando agitava as taças dos pinheiros, ou inclinava a larga erva branda. Aquele dia Creech teve que construir uma barreira de rochas em volto da figueira do acampamento, para que o vento não a disseminasse. A espessa vegetação constituía um perigo constante de incendiar a erva.

Luzia perguntou um dia ao Creech que ocorreria neste último caso.

-Pois acredito que a erva arderia inclusive contra o vento -replicou Creech-. me saberia muito mal que se incendiasse o bosque antes de que venham as lluas. Esta é a seca mais larga que vi em toda minha vida. A não ser por isso, meus cavalos... Este vento sopra do oeste e cada dia é mais forte. Trará-nos a chuva.

Por volta do meio-dia seguinte o vento era mais forte e o calor mais intenso, quando Luzia despertou de uma sesta. Creech estava em pé ante ela e, ao separar o olhar do longínquo canhão, voltou-se para lhe dizer com sorriso de uma vez triunfante e triste:

-Joel está já muito perto com os cavalos. Luzia dió um salto, tremente e agitada. -OH! Onde?

Creech assinalo cuidadosamente, com a mão inclinada como um índio, e Luzia ou não pôde fixar exatamente a direção ou sua vista não alcanço a tanto.

-por aí, junto à base dessa parede vermelha. Há uma linha de cavalos. Parecem formigas. Agora, neste momento, estão-se ocultando a nós.

-OH! Não posso vê-los -exclamo Luzia-. Está você seguro?

-Por completo - disse ele-. Meu filho está já perto e não demorará para chegar. O melhor será que não nos movamos e esperemos a que se presente, porque há erva e água, em tanto que abaixo é escassa.

O tempo pareceu interminável a Luzia, até que viu os cavalos que avançavam em ziguezague. de repente desapareceram e passo comprido momento antes de que se apresentassem de novo junto a uma das paredes contigüas do canhão. A jovem se estremeceu de alegria ao ver o Sage King e ao Sarchedon, embora solo pôde contemplá-los por um instante, porque tinham que passar junto a outra proeminência rochosa antes de subir até ela por meio de uma garganta inclinada que atravessava o canhão e ia parar à planície imediata do bosque. Mas estavam perto, e Luzia se esforçou em esperar com paciência. Creech demonstrou ao princípio o maior interesse, mas logo contínuo dedicando-se a cumprir seus deveres de conservar a fogueira acesa. Todos os dias, enquanto estiveram acampados, ele preparo por si mesmo a comida do meio-dia.

Luzia foi ao que viu primeiro aos cavalos e gritou.

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Creech ficou em pé de um salto, alarmado.

Joel Creech, montado no Sage King e levando ao Sarchedon da brida, avançava ao galope dos cavalos. Outros lhe seguiam.

-Para que esta pressa? -pergunto Luzia-. depois de sair do canhão, Joel não devia ter fatigado aos cavalos.

-Pois se não ter nenhum motivo justificado, vai ouvir -grunhiu Creech-. Os cavalos estão suados.

-você olhe ao Sarchedon. Está furioso. Sempre teve antipatia pelo Joel.

-Isto eu não gosto, Luzia - murmuro Creech saindo ao encontro de seu filho.

Luzia lhe seguiu e só viu o Sage King. O cavalo a descobriu a sua vez, reconheceu-a e relincho, apesar de que Joel o fazia correr. O animal demonstrou a maior alegria ao ver a jovem. Durante a viagem recebeu um trato bastante mau, mas não estava ofegante, a não ser tão solo acalorado e suarento. Ela se fixou nisso e logo se aproximo do inquieto Sarchedon, o qual se tranqüilizo no ato e pôs seu focinho quase em contato com o rosto de Luzia, quem acaricio seu enorme pescoço, que tremia. A jovem ouviu também os outros dois cavalos e reconheceu o relincho do Two Face; a égua, cheia de alegria, disponíase a ir ao lado de sua ama quando a obrigo a estar-se quieta a voz severo do Creech. Logo o pobre animal, ao ver o rosto do Joel, pareceu assustar-se.

-Por que tem feito isso? - pergunto Creech.

-Tinha muito boas razões para obrigar a correr aos cavalos- replicou Joel, que na comissura de seus lábios tinha um pouco de espuma.

-Bom, fala!

-Cordts e Hutchinson...!

-Como? - rugiu Creech agarrando a seu filho pelo ombro e lhe dando uma sacudida.

-Cordts e Hutchinson me seguiam por esse canhão. E inclusive me viram. Então começaram a me perseguir.

Creech examino com a maior atenção o estranho rosto de seu filho. Logo se voltou dizendo:

-me ajude a empacotá-lo tudo. E você também, Luzia. Temos que partimos quanto antes.

Luzia procuro dominar um desalento, que parecia lhe tirar todas suas forças. Entretanto, esforçou-se em ajudar e a necessidade de empreender a ação pareceu lhe emprestar novos ânimos.

Os dois Creech não demoraram para abandonar o acampamento; mas quando foi necessário reunir os cavalos, pareceu que isso lhes ocuparia bastante tempo. Sarchedon tinha

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conduzido ao Dusty Ben e ao Two Face a um lugar abundante em erva. Quando Joel foi agarrar os, os três cavalos começaram a galopar em direção ao bosque e Joel retorno.

-Vá um caballista! -exclamo Creech com expressão de desgosto.

-Quer que monte ao King para ir agarrar a outros, pai?

-Não, deixa ao King.

Creech foi em busca do Plume, mas o excitado e prudente cavalo o evitou.

Então o velho desistiu, recolheu seus próprios mustangs e voltou para acampamento.

-Olhe, Luzia, se Cordts se apoderar do Sarchedon e de outros cavalos, nada lhe custará alcançamos - disse.

Logo estiveram em caminho, em direção do bosque. Creech levava a dianteira. Luzia ia no centro e Joel fechava a marcha, montado no King. Dois mustangs que levavam alguns pacotes precediam ao pequeno grupo.

Creech limitou a carga ao que podiam levar facilmente os cavalos. Avançavam com muita rapidez, pois o terreno, duro e ao mesmo tempo suave, graças a as agulhas dos pinheiros, proporcionava-lhes grandes facilidades para a marcha.

O coração de Luzia voltou a sentir um sobressalto e se perguntou qual seria o fim daquela fuga. Ao observar quão olhadas Creech dirigia para suas costas, sentiu aumentar seu medo. Quão terrível seria que Cordts cumprisse a ameaça que tantas vezes tinha feito, quer dizer, que se apoderasse dela e do King! Luzia perdeu sua confiança no Creech e se absteve de olhar pela segunda vez ao Joel, porque a primeira lhe bastou. Seguia partindo com o coração arrasado. A ansiedade, o temor e seu esforço em fazer conjeturas acabaram por lhe tirar o ânimo. Entretanto, nunca teve uma percepção mais clara das coisas exteriores. O bosque era cada vez mais escuro e tenebroso. Só se divisavam alguns puntitos do azul do céu por entre os ramos entrecruzados das árvores, que produziam um estranho rumor ao ser agitadas pelo vento. Este, que merecia quase o nome de furacão, soprava sobre o rosto de Luzia, e sua secura lhe cortava os lábios.

Saíram do bosque por um suave pendente, cheia de erva, que inclinava o furacão, e penetraram em um canhão. Quão rapidamente cruzaram o bosque!

-Joga pé a terra, Luzia -disse Creech desmontando-. Você, Joel, date pressa e me entregue esses pacotes. Eu vou levar me por aqui a Luzia e ao King. Você, em troca, vete por aí com os cavalos e feixe como se quisie

ras te ocultar, mas sem fazê-lo em realidade. Compreende?

Joel meneou a cabeça. Parecia estar sombrio e carrancudo. Seu pai lhe repetiu as instruções.

-De modo que quer que Cordts siga minha pista? -perguntou Joel.

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-Isso. Seguirá-te um momento, mas você não deve ter medo.

-Não quero fazer isso.

-Por que não? -perguntou Creech elevando a voz.

-Eu irei contigo. Que te propõe fazer obrando assim? Nesta direção acabaria por chegar ao Vau. E deve ter em conta que nos poríamos em salvo em direção contrária.

Era evidente que Creech fazia um esforço para dominar-se.

-vou devolver a Luzia e ao King ao Bostil.

Joel repetiu estas palavras para acabar de compreender seu significado.

-Que vais devolver os? vais devolver a Luzia e ao King?

-Sim. troquei que idéia, Joel, e você...

Mas Creech não acabou a frase, porque seu filho foi presa de um ataque de loucura. Aquele era, o último fio que conservava sua prudência relativa e por fim se rompeu. Seu rosto ficou verde, os olhos quase lhe saíram das órbitas, começou a mover as mandíbulas e sua boca se encheu de espuma. Saltou, ao parecer, com objeto de aproximar-se a seu pai, mas se equivocou de direção. Logo, como se tivesse recuperado a vista, dió meia volta e começou a fazer estranhos gestos, em tanto que proferia confusas maldições. O assombrado rosto de seu pai começou a lhe demonstrar sua repugnância e então uma parte das palavras que pronunciava Joel se fizeram ininteligíveis.

-te cale! - rugiu de repente Creech.

-Não quero! -gritou Joel meneando com fúria a cabeça-. E não quero que leve a esta moça a sua casa... Darei procuração dela... levarei-me isso e você pode devolver os cavalos, se quiser.

-Está louco! -gritou Creech com voz rouca e acento de raiva-. Todos o dizem, mas eu até agora não o tinha acreditado.

-Pois se estiver louco, ela tem a culpa. Sabe o que vou fazer agora? Pois lhe romperei o traje, até deixá-la nua, e logo...

Luzia viu que o velho Creech avançava para pegar a seu filho, e ouviu o golpe que lhe atiro. Joel recife ao chão, mas voltou a incorporar-se com olhos e boca parecidos aos de um cão raivoso. O fato de que por duas vezes levasse as mãos em busca de seu revolver e não pudesse encontrá-lo demonstrou que não estavam já coordenados seus sentidos e seus movimentos.

Creech deu um salto e se agarro com seu filho. Houve então uma luta horrorosa. arrepiaram-se os cabelos do velho e com o rosto furioso continuava amaldiçoando e ordenando. Lutavam pela posse da arma de fogo, mas Joel parecia ter uma força sobre-humana, de modo que por mais que fazia seu pai não podia obter que soltasse a arma. Além

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disso, procurava apontá-la contra o velho. Luzia começou a gritar. E Creech a imito com voz rouca, mas o jovem tinha perdido vai a razão e se achava em uma situação que não era fácil lhe dominar. Luzia lhe viu dobrar o braço, apesar dos esforços se desesperados para seu pai, e disparar a arma. Os rogos que com voz rouca proferia Creech cessaram ao mesmo tempo que a pressão que exercia sobre seu filho. Se cambaleio, levanto os braços com trágico gesto e logo recife. Joel fico lhe olhando, lívido e tremente, mas logo que parecia dar-se conta do que acabava de fazer. Seus atos eram instintivos e habíase convertido em um animal, que solo desejava conquistar a liberdade. Uma prova mais evidente de sua aberração mental a deu quando quis colocar a arma em sua capa, porque apesar de realizar o movimento apropriado para isso, sotaque cair o revolver na erva.

Ao ver cair a arma, Luzia proferiu uma exclamação de horror, que até então tinha contido, obrigada pelo mesmo espanto. de repente, o sangue começou a correr velozmente por suas veias. Mediu a distância que a separava do Sage King. Joel se voltou então e Luzia pôs-se a correr, em direção ao cavalo, alcanço-o e deu um salto. Mas quando estava no ar, o corcel proferiu um ronco e salto a sua vez, de modo que, mesmo que não a obrigo a lhe soltar, impediu-lhe, sem embargo, montar nele. Naquele mesmo instante umas mãos de ferro agarraram a jovem e, como se fosse um saco vazio, fizeram-na cair sobre a erva.

Joel Creech não pronuncio uma só palavra. Seu rosto convulso mostrava o desdém próprio de um ser superior. Luzia estava tendida de costas lhe observando, em tanto que sua mente trabalhava com grande rapidez. Veríase obrigada a lutar por seu corpo e por sua vida. Seu terror habíase convertido em horror. Não tinha nenhum medo daquele louco.

Desejava fugir e calculava como um índio ardiloso, tão corajosa como um gato selvagem que tivesse cansado na armadilha.

Permaneceu imóvel por completo, pois sabia que tinha cansado muito perto do lugar em que se achava o revolver. Se fosse possível apoderar da arma, com ela daria morte ao Joel. Seria obra de um momento. Observo ao Joel enquanto este a vigiava a sua vez, e viu que o louco sujeitava com o pé a corda que rodeava o pescoço do Sage King. A este não gostava das cordas v estava nervoso e agitava a cabeça para livrar-se dela. Creech, que não separava os olhos de Luzia, se inclino para agarrar a corda, obrigo ao cavalo a que se aproximasse e logo desato o nó. King fico imóvel e com a corda pendurando. Não levava nenhuma cadeira, a não ser uma manta que lhe rodeava o corpo.

Pareceu como se Luzia tivesse encontrado o revolver sem separar os olhos do Joel. Reuniu toda sua força, rodou rapidamente pelo chão e, por fim, pôs as mãos sobre a arma, no preciso instante em que Creech saltava para ela, como se fosse uma pantera. O peso de seu corpo obrigo a jovem a tender-se no chão e a força dele o permitiu imobilizá-la. O Quito a arma e Luzia fico tendida de cara, incapaz de mover-se enquanto ele a sujeitava. Logo o louco o deu um golpe, não para atordoá-la, a não ser para dominá-la, como faz o cavaleiro cruel para obrigar a obedecer a suas arreios. O golpe provoco a cólera de Luzia, mas não diminuo sua atenção, mas sim, pelo contrário, o golpe a aumento possivelmente. Este demonstrava a loucura do Joel e assim a jovem se sentiu capaz de burlar ao louco do mesmo modo que um homem cordato, mas de maus sentimentos, a teria dominado a ela.

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Creech se esforçou em obrigá-la a dar meia volta, mas Luzia resistiu. Era forte e vigorosa, e a resistência enfureceu ao Creech, que lhe pego com grande força. Isso piorou a situação, porque ele, com mãos que pareciam garras de aço, rasgo-lhe a blusa.

O contato de suas mãos sobre a carne nua debilito momentaneamente a Luzia e Creech a arrasto até que, ao parecer, fico indefesa ante ele.

Luzia compreendeu que, ao vê-la ele daquele modo, algo se interpôs entre as intenções do louco e sua execução. Em outro tempo ele a amo e a desejo. O louco teve então um olhar vago e acaricio o ombro da jovem. Seus estranhos olhos se abrandaram e logo resplandeceram com luz distinta. Luzia compreendeu que podia dar-se por perdida, se não podia voltar a despertar seu louco furor. Devia reatar aquela luta terrível, em que seu melhor esperança consistia, precisamente, em que a matasse quanto antes.

Rápida e malintencionada como um gato, cravo-lhe os dentes em um braço. Mordeu com quanta força pôde e seguiu sujeitando ao louco com seus dentes. Quis livrar-se dela e luto com este objeto. Logo a levanto, e o balanço do corpo da jovem arranco a carne do braço do louco, que assim fico livre de sua inimizade. Luzia incorporo-se em parte, arrastou-se e começou a procurar o revolver. Agarrou-o por fim, mas no ato Creech o dió uma patada na mão. Foi intenso a dor que produziu-lhe aquela voz brutal, mas solo quando ele a golpeio nas costas nua com a corda proferiu a jovem um grito. Ligeira e rápida dió um salto e jogo a correr, mas foi em vão, porque Joel a alcanço em seguida e a agarro. Luzia recife sobre o cadáver do pai, isso não lhe fez perder o ânimo, pois estava dominada pela ferocidade do selvagem que se criou no deserto.

Creech começou a desenrolar a corda. Não queria jogar o laço a jovem. Luzia agarro com força o comprido cabelo de seu inimigo, mas ele, dando um alarido, endireito a cabeça e a levanto do chão. Em um momento Luzia se sentiu levada de um lado a outro; tudo o viu de um modo confuso e sentiu uma grande dor nas bonecas, nas que o louco cravava as unhas. E quando ele pôde conseguir libertar-se, nas mãos de Luzia havia um punhado de cabelos.

Voltou a cair e já não teve força para ficar em pé. Creech parecia estar raivoso e apenas se se podia compreender alguma palavra solta das que pronunciava. A sujeito com um de seus joelhos e logo cortou a corda.

Com rapidez, ato um extremo de uma corda no tornozelo e o de outra corda na boneca da jovem. Levantando-se, agarrou os extremos livres de ambas as cordas, e com rápido movimento se apodero da brida do Sage King.

Creech fez uma pausa considerando-se triunfador, e em seus estranhos olhos apareceu uma expressão zombadora. Por fim estava a ponto de obter a horrível vingança que, desde tanto tempo atrás, acariciasse em sua loucura, e se apresso a levar o cavalo ao lado de Luzia.

inclino-se com a maior prudência, pois não sabia se estava já esgotada a força da jovem e temia que lhe pudesse escapar. Com mãos duras e rápidas se apodero dela, levanto-a e a pôs a lombos do King, obrigando-a a tender-se sobre o cavalo.

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A resistência de Luzia era a única salvação possível para ela, porque obrigava ao louco a rio lembrar-se de nada mais que de sua antiga ameaça. Resistiu quanto pôde. Ele a obrigo a rodear com seus braços o pescoço do cavalo e logo os ato. Feito isto, atirou com força da corda sujeita ao tornozelo e, por debaixo do ventre do cavalo, ato-a ao outro tornozelo que ainda estava livre.

Luzia compreendeu que estava muito bem sujeita. Creech tinha completo uma grande parte de sua ameaça e em sua mente a esperança da morte, que antes tivesse, se converteu na esperança de viver, caso que isto fora possível.

Toda sua influência sobre o King ficava reduzida a sua voz. Se Creech queria tirar a brida ou se o cavalo tivesse liberdade para correr...!

Luzia pôde voltar o rosto o bastante para ver o Creech, quem se mostrava muito satisfeito pelo que acabava de fazer. de repente ele recolheu o revolver e com voz rouca exclamo

-Olhe!

Sem deixar de contemplá-la e sonriendo de um modo horrível, deu uns passos para um lugar aonde a larga erva não tinha sido pisada nem dobrada. O vento que saía do canhão soprava ainda com a maior fúria. Creech aproximo a arma à erva e disparo.

Sage King deu um salto, mas não era animal que temesse os disparos das armas de fogo, de modo que se tranqüilizo no ato, embora chute com força. Então Luzia pôde olhar outra vez. Começou a desprender-se da erva uma linha de fumaça amarelada, logo surgiu uma llamita que se retorcia como diminuta serpente e, por fim, ressonou um rangido que, ao mesmo tempo, tinha um pouco de assobio. E assim que o vento agarrou a chama por sua conta, inicio-se um rápido e crescente rugido. O fogo, de um modo mágico, saltava e se estendia ante o vento e em direção ao bosque.

Luzia tinha esquecido que Creech a muito ameno também rodeando a de fogo, e o horror que isso lhe causo lhe fez perder quase o sentido. A impressão que sofreu, o temor insconciente e a agonia que experimentava a deixaram por um momento quase surda e cega. Mas as duras mãos do Creech lhe devolveram seus sentidos. Pôde lhe ver então, embora não com muita claridade. Seu rosto não tinha nada de humano, pois estava contorsionado e era de cor cinza. Com as mãos o dió uns quantos puxões nos braços, como última precaução para observar se estava bem maça. Logo, com os hábeis dedos de um caballista, tirou a brida do Sage King.

Luzia não resolvia a acreditar o que estava vendo. Por que estava King tão imóvel? Este endireito as orelhas.

Creech dió um passo atrás e pôs uma mão violenta no traje de Luzia. Esta se dobro, retorceu o pescoço para lhe olhar, mas não pôde obter que se esclarecesse seu visão. Entretanto, compreendeu que seu inimigo se propunha despi-la e, em efeito, preparo-se para atirar com força de seu traje. Seus dentes amarelos se cravaram em seu lábio inferior e seus olhos de distinta cor se iluminaram com alegria própria de um demente.

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Mas não dió nenhum puxão. Algo lhe distraiu. Miro e sem dúvida viu alguma coisa que voltou a lhe converter em homem, e foi em parte para que desaparecesse sua loucura. Seus cinzentos lábios proferiram um grito contido e terrível.

Luzia sentiu que ao King tremiam todos os músculos e compreendeu que tinha medo. Esperava seu leve ronco e já estava preparada para ele, no momento em que o animal se dispusera a pôr-se a correr. dentro de um segundo saltaria, e a jovem, que estava convencida, emociono-se. Trato de chamar o louco, mas seus lábios eram débeis. Creech parecia estar paralisado. King troco de posição e a última visão que Luzia teve do Creech foi tal que nunca mais poderia esquecê-la.

Então King relinchou e começou a retroceder. Luzia ouviu uns passos rápidos e vigorosos, os de um cavalo que se aproximava correndo. Sentiu um estremecimento de júbilo e seu sangue, seus ossos e seus músculos pareciam palpitar a um tempo. de repente ressonou um relincho selvagem que Luzia reconheceu no ato.

-Furacão! -exclamou fora de si.

King deu um capitalista e convulsivo salto de terror, porque ele também conhecia aquele relincho. E depois de dar outro grande salto ponho-se a correr, disposto, ao parecer, a atravessar a bandagem de erva que estava ardendo. Luzia sentiu o aguilhão das chamas e que a fumaça a cegava deixando-a quase asfixiada. Logo um vento claro, seco e agudo assobio em seus ouvidos e lhe revolveu o cabelo. A luz se obscureceu a seu redor. King habíase dirigido aos pinheiros, e o forte rugido do furacão, que agitava as taças das árvores, infundio a Luzia um temor novo e torturante. Sage King, por primeira vez em sua vida, fugia sem brida; a suas costas ficava o incêndio que avançava em asas do vento.

XVII

Também por primeira vez em sua vida, Bostil observou que seu negócio de compra-venta de cavalos começava a lhe resultar desagradável. Aquele viaje ao Durango foi um fracasso. Ocorria algo que não acabava de explicar-se. Estas idéias cruzavam por sua mente, mas ele se esforçava em não lhes fazer caso. E durante os cinco dias da viagem de volta voltou a apoderar-se do aquele humor estranho.

O último dia, tanto ele como seus companheiros percorreram mais de cinqüenta milhas e chegaram ao Vau a altas horas da noite. Ninguém os esperava, e somente os que estavam de guarda nos currais puderam inteirar-se de sua volta. Bostil, muito satisfeito de ver-se de novo em sua casa, deitou-se e ficou dormido.

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despertou bastante tarde, contra o que tinha por costume. Uma vez se teve vestido e saiu à cozinha, soube que sua irmã estava já inteirada de sua volta e que, por conseguinte, já tinha o café da manhã preparado.

-Onde está a menina? -perguntou Bostil.

-Não se levantou ainda - respondeu a tia Jane.

-Como?

-Luzia e eu tivemos uma disputa ontem à noite, e ela, muito zangada, meteu-se em sua habitação. -Não é coisa estranha nela.

-Ao Holley e nos há flanco bastante o governá-la. Ten em conta.

-Bom -disse Bostil renda-se-. vá chamar a e lhe diga que estou em casa.

Tia Jane fez o que lhe mandava seu irmão, quem terminou seu café da manhã. Luzia não compareceu.

Bostil começou a sentir saudades e indo à porta de Luzia chamou. Não obteve resposta. Em vista disso derrubou a porta de um empurrão, mas uma vez dentro da estadia não viu nem sequer rastros de sua filha, embora a habitação não estava tão ordenada como de costume. Observou que em cima da cama, que até estava sem desfazer, tinha arrojado seu traje branco. Bostil olhou a seu redor, sentindo uma estranha opressão em seu coração, e se alarmou. Logo viu uma cadeira junto à janela aberta. Esta era bastante alta e Luzia teria posto a cadeira ao lado para olhar ao exterior ou para sair. Bostil, olhou fora e na terra avermelhada que havia ao pé da janela divisou rastros recentes das botas de Luzia. Então deu um rugido e chamou o Jane.

Chegou esta correndo, mas apesar das furiosas perguntas do Bostil e das respostas excitadas que ela deu não puderam descobrir coisa alguma.

Logo a tia observou o traje branco, e imediatamente se aproximou do armário, e depois de examinar seu conteúdo, voltou para o Bostil seu pálido rosto.

-pôs-se o traje de montar -observou tia Juana.

-Isso importa pouco. Onde está agora? -perguntou.

-fugiu-se com o Slone.

Bostil não teria sofrido mais se lhe tivessem parecido uma faca.

Quedóse olhando a sua irmã e exclamou

-Assim é como a vigiaste?

-Vigiado? Não era possível. Já sabe que é tão rebelde como você mesmo. De todos os modos, isso não me surpreende, porque já sabia eu que Luzia amava a esse moço.

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Bostil saiu da estadia e da casa. encaminhou-se para a alameda e tomando logo o atalho continuou avançando para a cabana do Slone. Estava desocupada, como já esperava Bostil. Viu levantadas as trancas do curral e que tinham desaparecido os cavalos, mas Bostil não demorou para observar que Nagger estava no pasto do Brackton.

Ante a casa de este havia vários cavaleiros. Todos falavam de uma vez com o Bostil, quem unicamente se limitou a chamar o dono. Por fim o ancião acudiu alarmado.

-Onde está Slone? -perguntou Bostil.

-Slone? -exclamou Brackton-. Assim me matem como que não sei. Não está em sua casa?

-Não. E deixou seu cavalo negro na de você.

-Isto já sabia. Nestes últimos dias Slone se levou de um modo muito estranho. - Brackton parecia não encontrar palavras apropriadas-. Talvez se partiu por causa do que ocorreu ontem à noite. Agora, Joel, Creech Y... Y...

Bostil não se deteve ouvir nada mais. O que lhe importava o idiota do Creech? Pôs-se a andar em direção aos currais, aonde encontrou ao Farlane, a Vão e a outros picadores, que, como de costume, não tinham nada que fazer.

Então apareceu Holley, que saía do palheiro, e seu aspecto era também tranqüilo, natural e aprazível. Nenhum daqueles homens suspeitava sequer que houvesse ocorrido algo desagradável. Mas no ato troco a expressão de todos, porque Bostil empunhou um revólver exclamando

-Me dá vontade de te matar de um tiro, Holley.

O picador de olhos de gavião não se comoveu nem empalideceu.

-por que? -perguntou.

-Encarreguei-te que vigiasse a Luzia... E desapareceu.

Holley demonstrou a maior surpresa e pesadumbre a um tempo. Outros picadores repetiram as últimas palavras do Bostil e este deixou de apontar com sua arma.

-O único que te salva é sua habilidade em descobrir os rastros, porque quero que encontre o desse maldito Slone.

Holley não deu amostras de nenhuma surpresa, mas outros ficaram atônitos.

-Luzia se escapou com o Slone -acrescentou Bostil.

-Pois bem, se se foram os dois, obraram com a maior astúcia -replicou Holley levantando as mãos-. E, em tal caso, Luzia me enganou quão mesmo a você, porque me prometio continuar fielmente em sua casa.

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-Isso é uma estupidez! -rugiu Bostil-. Está apaixonada por esse caçador de cavalos selvagens. E se viu com o ontem à noite.

-Eu não podia evitá-lo -replico Holley-. Além disso, tinha confiança em Luzia.

Bostil se retorceu, raivoso, as mãos, não porque temesse que se demorasse para encontrar a Luzia, a não ser por causa de que sua filha tinha contrariado sua vontade.

Vão abandono o grupo de picadores e disse ao Bostil:

-Logo que faz uma hora vi o Slone sair sozinho e montado em seu cavalo rolo.

-O que importa isso? -exclamo Bostil-. Sem dúvida, ela o estava esperando em alguma parte. Não são tão parvos para sair juntos. Selem, moços, e logo...

-Escute, Bostil. Consta-me que Slone não viu ontem à noite a Luzia -interrompeu Holley.

-Bom, te explique de uma vez.

-Eu tinha confiança em Luzia -disse Holley-; mas, de todos os modos, como sabia que estava apaixonada, queria averiguar se era capaz de cumprir sua palavra. Por isso, ao anoitecer, dirigi-me à alameda e esperei ao Slone. Não demorei para lhe ver. dirigiu-se ao extremo mais longínquo e lhe segui. foi sentar se no banco que há ao lado do álamo grande e ali fico aguardando comprido momento. Mas Luzia não acudiu. Ele a espero possivelmente até as doze e logo parto. Eu, enquanto isso, observei que voltava-se para sua cabana.

-Bom, pois se ela não foi a seu encontro, onde estaria? Certamente, não se achava em sua habitação.

Bostil Miro ao Holley, e a outros picadores e, de novo, fixo os olhos no primeiro. O que ocorria a este? Bostil não o tinha visto nunca com uma expressão tão estranha. Todo aquele assunto começava a adquirir caracteres estranhos e escuros. Bostil sentiu certo pressentimento desagradável. Não parecia mas sim a mente de Holley tivesse encontrado um obstáculo, que lhe impedisse de refletir. de repente, mudança o semblante do velho picador, desapareceu sua cor bronzeada, ficou cinza e por fim muito pálido.

-Bostil, talvez não sabe você ainda... que ontem chego esse Creech... perdeu todos seus cavalos. E teu que pegar um tiro ao Peg e a Roam.

Para ouvir estas palavras se interromperam os tristes pensamentos do Bostil. Logo, ao compreender o que lhe diziam, teu um sobressalto para o qual se havia preparado já.

-Seriamente? E o que disse?

Holley sorriu de um modo significativo.

-Creech disse muitas coisas. Mas, no momento, deixemos isso. você venha comigo.

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Holley saiu com rápidos passos para a rua e Bostil lhe seguiu, ouvindo que os picadores punham-se a andar atrás deles. deu procuração se dele uma idéia horrível, que não podia conter, mas que refreava sua impaciência e sua cólera.

Holley se encaminho para a parte exterior da janela de Luzia e uma vez ali se ajoelho para examinar os rastros.

-Foram feitas doze horas antes -disse rapidamente-. Luzia levava suas botas, mas não esporas. vamos ver agora para onde se encaminho.

Holley seguiu os rastros de Luzia ao longo da alameda, assinalando de vez em quando algum indício. Logo andou com maior rapidez, de tal maneira que Bostil teu que apressar-se para lhe seguir.

Holley parecia então um cão de bom olfato.

-deteve-se aqui -disse-, possivelmente para escutar. Ao parecer queria cruzar o atalho, mas não o fez. Aqui reato a marcha com passos mais vivos.

Holley chego a um caminho que cruzava a alameda e, de repente, deteve-se assinalando uns largos rastros que havia no pó.

-meu deus! você olhe isto, Bostil.

Este sentiu um tremor doloroso; mas logo voltou a ser o de antes, ao ver-se ante o perigo que corria sua filha amada. Ao lado daqueles rastros, enormes, descobriu as muito ligeiras dos pés de Luzia. Aquela era a última prova de seu passo, e resultava bastante eloqüente.

-Estes não são os rastros do Slone, Bostil -disse Holley.

-Certamente. Pertencem a um homem mais corpulento - replico Bostil.

Outros picadores, que andavam por ali com as cabeças inclinadas ao chão, diziam-se uns aos outros que Slone não podia ter deixado aqueles rastros.

-E quem quer que fosse que se apodero de Luzia, deveu levar-lhe Não é assim? -pergunto Bostil.

-Isso é tão claro como a luz do sol -exclamou Holley enquanto seus olhos de gavião despediam faíscas.

- Cordts 1 - exclamo Bostil com voz rouca.

-Pode ser ! Mas eu imagino outra coisa. Sigamos!

Holley ia tão às pressas que quase corria, de modo que se adianto ao Bostil. Por fim, e a vários centenares de metros se deteve entre as matas de salvia e de novo voltou a cair de joelhos. Bostil e os picadores lhe rodearam.

-Que se afaste todo mundo! Não vão apagar os rastros com os pés.

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Logo, como um homem que procura pó de ouro entre a areia e a erva, começou a registrar o chão. Bostil se impacientava ao observar sua tardança. Quando levanto-se, seu rosto demonstrava uma absoluta certeza e graças a ela Bostil esteve seguro de que a Luzia lhe tinha acontecido o pior.

-Quatro mustangs e dois homens, ontem à noite -disse Holley com rapidez-. Aqui voltaram a deixar a Luzia no chão e logo a fizeram montar a cavalo. Além disso há rastros de outro homem, mas são desta manhã.

Bostil se endireito e Miro ao Holley, como disposto a escutar uma notícia horrível.

-Sem dúvida estes últimos rastros serão do Slone -disse.

-Sim. Reconheci-as -replicou Holley.

-E as outras, a quem pertencem?

-Ao Creech e a seu filho.

Bostil se sentiu como arrebatado por algo brilhante como uma chama. Ao voltar em si se viu tendido no palheiro e à sombra do abrigo. Estava tendido sobre o cheiroso feno. Tinha perdido a força e até a cólera, e só sentia uma dor apagada. Não fico sequer seu ânimo lutador, pois estava quebrantado moral e materialmente. E examino o negro abismo de sua alma.

Os picadores se aproximaram dele, agarraram-lhe entre vários e lhe tiraram.

Ele se apresso a despedi-los e fico em pé respirando com lentidão. O ar lhe reanimo e refresco seu cérebro ardente e cansado. Não lhe surpreendeu ver o Joel Creech, que se amparava detrás do Holley.

Bostil levanto uma mão, desejando que alguém lhe falasse, e Holley deu um passo para ele. Seu rosto estava desencaixado, mas tinha desaparecido já sua palidez.

-Bostil -começou dizendo com voz rouca-. tem que mandar você ao King, ao Sarchedon, ao Ben, ao Two Face e ao Plume para resgatar a Luzia. Se não o fizer você, Creech venderá a jovem ao Cordts.

Que estranho olhar apareceu nos rostos dos picadores! figuravam-se, acaso, que lhe importava mais a carne de cavalo que sua própria carne e sua própria sangue?

-Mandem ao King e tudo o que queiram. E digam ao Creech que volte para Vau... lhe comuniquem que conforme hei dito... agora pago as conseqüências de meu pecado.

Bostil observo ao Joel Creech montado no King no momento de descender pelo pendente e levando diante outros cavalos. Sage King queria correr e Sarchedon mostrava-se rebelde. Mas ao fim se perderam de vista e então Bostil se voltou para seus silenciosos picadores.

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-O ver o King tomar esse caminho, não me importa grande coisa, moços. O único que me apura é o saber se isso será suficiente para que devolvam a minha filha.

-Deus sabe ! -replico Holley -. Talvez não. Isto é o mais possível. Mas não você esqueça, Holley, que Slone está seguindo o rastro de Luzia. antecipou-se ao Joel. E Slone é um caçador de cavalos selvagens e o mais inteligente, possivelmente, de quantos conheci. você crie que Creech é capaz de lhe fazer seguir uma pista falsa? Matará ao Creech e quando, à volta, encontre ao Joel também dará morte. E estou seguro de que voltará aqui com Luzia e com o King.

-Holley, figura-te acaso que esse cavalo vermelho do Slone não avantajará ao King?

Holley se ponho-se a rir, como se a pergunta do Bostil fosse uma coisa muito estranha naquele dia angustiante.

-Não. Slone esperará ao Joel e lhe jogará o laço como fez com o Dick Sears.

-Compreendo, Holley, que vê neste assunto muito mais claro que eu -disse Bostil-. Não parece mas sim nunca houvesse eu tido nenhuma pena, porque estou destroçado. Não me atrevo a conservar a esperança. Luzia desapareceu e nós não podemos fazer mais que esperar.

-Isso. Nada mais que esperar. Se saíssemos seguindo ao Joel, diminuiríamos a esperança de que Creech cumprisse sua palavra. Além disso, malograríamos os esforços do Slone. E não quero lhe obrigar a que siga meus rastros.

XVIII

O dia em que o velho Creech repreendeu a seu filho por ter mentido, Slone saiu de casa do Brackton e tomo o caminho de sua cabana.

Começou a sentir-se mal-humorado, como se as coisas não partissem como se figurou. Que tinha ocorrido para apartar a taça de seus lábios? Acaso lamentava o ver-se livre de toda culpa ante os olhos dos habitantes do povo ou que as suspeitas recaíssem então no pai de Luzia? Não. Sentia-o pela jovem, mas não pelo Bostil. Não era, pois, o novo aspecto da situação no Vau o que lhe apurava.

Seguiu a pista de suas vagas sensações até chegar ao débil sobressalto que sentiu ao olhar o rosto sombrio e áspero do Creech. Era como o semblante de uma Némesis. Naquele homem todo respirava força silenciosa e vingativa. Slone quis averiguar a razão de que aquilo lhe causasse certa opressão e assim se disse que quando o velho Creech queria vingar-se do Bostil o faria por meio de sua filha e de seus cavalos.

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Slone, pois, e graças ao amor que sentia por Luzia, adivinho tudo o que ia ocorrer. Nem por um momento pensou, como o fizesse antes da volta do Creech, que este quereria matar ao Bostil. A morte não seria nenhuma vingança. O melhor seria que Creech roubasse ao King e o deixasse morrer de fome ou que fizesse o mesmo ou pior com Luzia. Assim refletia Slone ao recordar o rosto daquele homem.

antes de obscurecer, Slone viu sair aos Creech, pai e filho, em direção ao campo de salvia, sem dúvida desejosos de afastar do Vau. Isto pareceu lhe tranqüilizar, mas solo por um momento. Talvez o que os Creech pareciam fazer então não tivesse nenhum significado. E, de ter permanecido no povo, o os teria vigiado com tanta atenção como se suspeitasse seu propósito de lhe roubar a Furacão.

Janto, cuido dos cavalos e, ao obscurecer, encaminho-se para a alameda, a fim de ir à entrevista que tinha com Luzia. Isto sempre o fazia palpitar o coração, mas aquela noite estava muito excitado. A alameda parecia estar cheia de fugitivas sombras, cada uma das quais lhe parecia ser Luzia. Ao chegar ao enorme álamo, trato de serenar-se e de esperar com paciência, sentando-se no banco. Mas lhe pareceu impossível recuperar a tranqüilidade. A noite era muito quieta e o silêncio ficava interrompido sozinho pelos grilos e pelo manso sussurro das folhas. Slone tinha então um ouvido como o do cavalo selvagem que se imagina ouvir coisas que em realidade não ocorrem. mais de uma noite solitária, que passo emboscado e esperando junto a um poço ou cisterna, aonde acudiam os cavalos a beber, ouviu suaves passos só existentes em sua imaginação. Por este motivo aquela noite, que estava muito excitado, imagino ver vir a Luzia quando, em realidade, não ocorreu tal coisa. Esta foi a causa de que lhe parecesse ouvir passos cautelosos.

Espero, mas Luzia não se deixo ver. Mas como até então nunca tinha faltado, estava seguro de que, ao fim, compareceria. A espera lhe fez difícil. Desejava retroceder, com objeto de ir para a casa e encontrá-la em seu caminho. Entretanto, fico em seu posto, vigilante, com o ouvido atento e o coração angustiado. Trato de raciocinar para afastar seu estranho temor e seu pressentimento de que era preciso precipitar-se. Por uns momentos o conseguiu, recordando a doçura da jovem, seu valor e seu amor. Em tais sonhos tinha passado muitas horas. Um daqueles, em particular, sempre lhe fascinava. Era o de quando viu a jovem montada em Furacão e conseguindo a vitória em uma grande carreira. Outro sonho tão fascinante como este, mas, ao mesmo tempo, tão doloroso que sempre se apressava a afastá-lo de sua mente, era aquele em que Luzia sozinha, e em situação perigosa, lutava contra Cordts ou contra Joel Creech, por um pouco mais importante que sua vida. Estes vagos sonhos demonstravam que Slone tinha a maior fé no valor e no ânimo de sua amada. Era filha do Bostil. Não conhecia o medo, e quando fosse preciso saberia lutar. E embora Slone se estremecia de orgulho, às vezes também tremia de medo.

Em outras ocasiões sonhava coisas distintas a respeito de Luzia; quer dizer, nos momentos em que ela mesma se abandonava para converter-se em um vento do deserto, a fim de rodear o de toda sua doçura. Mas nem sequer isso bastava para acalmar a impaciência do Slone. Começou a andar de um lado para outro, junto ao enorme árvore. Esperou comprido momento, perguntando-se o que a teria detido. Interiormente riu da idéia de que Holley ou tia Jane pudessem havê-la obrigado a permanecer na casa quando ela tivesse o propósito de, sair

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a seu encontro. Entretanto, Luzia sempre lhe disse que em alguma ocasião poderia ver-se obrigada a não ir à entrevista, porque algo o impedisse. Em realidade não havia razão alguma para que Slone se alarmasse. Confundia suas emoções, sua excitação, seu amor e seu desengano com algo que, em realidade, não existia. Não obstante, não podia evitá-lo. quanto mais esperava, mais aumentavam as sombras debaixo dos álamos e mais ruídos débeis parecíale ouvir.

Espero comprido momento e, por fim, convenceu-se de que ela não acudiria. Ao empreender seu caminho de volta chego a um ponto em que seus temores irreais e filhos de a imaginação se interromperam de repente. Acabava de ouvir passos. deteve-se como antes, e nas sombras profundas viu um homem, cuja figura se desenhava fracamente. Um dos picadores esteve lhe observando e também lhe seguiu. Slone sempre tinha esperado tal coisa, e o mesmo pensava Luzia. Por fim tinha ocorrido, mas ela dió prova de sua maior astúcia não comparecendo aquela noite. Descobriu sem dúvida ao espião, ou suspeito do e quis lhe enganar. Slone tinha razões para sentir-se orgulhoso de sua amada e, já tranqüilo, retorno a sua cabana.

Entretanto, antes de deitar-se ouviu na rua o ruído de alguns cavalos. Sem dúvida alguma os animais estavam fatigados. Díjose que pertenciam a uns cavaleiros que retornavam, mas no ato se corrigiu, dizendo-se que isso ocorria muito poucas vezes. Mas logo pensou que talvez teria retornado Bostil. Também poderiam ser os Creech. Slone sentiu então novos temores, mas eles não lhe impediram de conciliar o sonho, embora decidiu antes que o primeiro que faria à manhã seguinte seria seguir a pista dos Creech, para ver aonde conduzia. E ficou dormido.

Uma vez teve chegado a manhã, a brilhante luz do dia fez que Slone considerasse as coisas de um modo distinto. Seus temores da véspera desapareceram com a noite.

Entretanto, sentia certa curiosidade por averiguar algo a respeito dos Creech, e assim que teve terminado suas ocupações da manhã empreendeu o caminho em busca de seus rastros. Não foram difíceis de seguir no beco porque não passaram por ali outros cavalos do momento em que o fizeram os do Creech.

Uma vez na dilatada e ventosa pendente, Slone sintiose atraído pelo espaço, pela cor e pelo aroma, e começou a seguir aqueles rastros sem outro objeto que o de praticar uma habilidade que desde fazia muito tempo não tinha exercitado. Meia milha mais à frente, a pista parecia tomar o caminho do Durango, mas não contínuo pelo, mas sim, pelo contrário, se interno por entre a salvia, e então Slone sentiu aumentar sua curiosidade.

Seguiu rastreando até um montão de rochas, aonde os Creech fizeram uma fogueira. Isto resultava estranho a uma milha de distância do Vau, pois Brackton e outras pessoas lhes teriam dado albergue sem dificuldade. Mas o mais estranho era que o rastro tomava ali a direção do Sul e logo dava a volta em volto do povo.

Começou a pulsar com violência o coração do Slone, mas se esforçou em pensar somente nos rastros que seguia e não no significado que pudessem ter. Seguiu aquele rastro

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até um degrau do pendente, a poucos centenares de metros da alameda do Bostil, e ali foi evidente que tanto os Creech como os cavalos que levavam estiveram parados.

Ali Slone não pôde já seguir contendo suas conjeturas e seus temores. Procuro um e a outro lado, ajoelho-se para observar melhor, e andou arrastando-se por entre a salvia e ao redor daquele pequeno espaço pisoteado pelos cascos dos cavalos. de repente sentiu uma pontada no coração, pois acabava de encontrar os rastros de Luzia na branda terra. Deu um salto para ficar em pé, animado pela raiva e pela ferocidade, e, sem precisar inteirar-se de outra coisa alguma, ponho-se a correr para sua cabana. Não pensou sequer no Bostil, no Holley nem em nada mais, à exceção da história que revelavam os rastros daquelas pequenas botas. Encheu algumas alforjas de carne e bolacha, tomo um frasco de tecido impermeável cheio de água, e depois de desprender o rifle saiu em direção ao curral. Primeiro levo ao Nagger ao pasto do Brackton e o deixou ali, e ao voltar se dirigiu ao feroz garanhão, como não o tinha feito em muitos dias, sujeitou-o com uma corda, o selou, montou nele e ponho-se a correr, com a firme certeza de que a salvação de Luzia dependia de Furacão.

Quatro horas mais tarde, Slone interrompeu seu caminho no alto de uma crista amparando-se em alguns cedros disseminados e observo uma concha enorme, cinza e árida, que se estendia para uma meseta quebrada e muito rugosa.

Esperava encontrar ao Joel Creech de volta e tinha tomado a precaução de avançar deixando a um lado os rastros que ia seguindo. Não queria que Joel pudesse cruzar sua pista, pois Slone estava já perfeitamente informado da razão da fuga dos Creech. Utilizariam a Luzia para obrigar ao Bostil a que lhes entregasse os cavalos, e era muito mais que provável que não permitissem a volta da jovem. Mas o fato de que a tivessem em seu poder era mais que suficiente para o Slone, que se sentia animado por implacáveis sentimentos de vingança.

Não fazia muito momento que os olhos do caçador de cavalos selvagens estavam fixos naquele terreno baixo quando descobriram um ponto que não era uma rocha ou um cedro, a não ser um cavalo. Slone observou enquanto aumentava de tamanho e, bem oculto por sua parte, continuou em seu posto até reconhecer que aquele cavaleiro era Joel Creech, fez retroceder seu próprio cavalo e o atou a um arbusto de salvia, em um lugar em que a erva era bastante escassa. Logo voltou a observar. Ao parecer, Creech subia para a costa, em cujo topo se achava Slone e a alguma distância. Então Joel correu sério perigo, porque Slone havia resolvido matá-lo. Mas desistiu, ao compreender que Joel ia comunicar ao Bostil o rapto de Luzia e podia ocorrer que isso resultasse muito conveniente.

Tremia Slone de pés a cabeça quando o jovem Creech passo a curta distância dele, e se desvaneceu quase em seguida, animado como estava por uma paixão de vingança que nunca até então tinha conhecido. Espero, dominou-se pouco a pouco e, por fim, foi de novo em busca de Furacão.

A partir de então seguiu atrevidamente os rastros. Calculo que o velho Creech levaria a Luzia a algum selvagem esconderijo nos canhões e que ali esperaria a volta de seu filho com os cavalos. Era indubitável que o velho Creech teria contínuo sua marcha e que não suspeitaria que alguém lhe seguisse a pista a tão curta distância. Slone seguiu avançando e viu um entalhe escuro e desce na parede rochosa e a certa distância. A partir daquele momento já não dedico

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mais atenção a escolher bom terreno para Furacão, a não ser a seguir a pista. O garanhão estava muito mais amigável do que Slone visse jamais. Era evidente que o magnífico animal gostava de correr em um lugar tão espaçoso como aquele e aspirava com delícia o aroma da salvia e das demais planta silvestres. E seguiu avançando com seu magnífico passo que, ao parecer, não lhe custava nenhum esforço e mediante o qual parecia devorar a distância sem a menor dificuldade. Slone estava obcecado pelas idéias que lhe inspirava Luzia e assim o tempo e a distância para ele eram dois fatores apenas significativos.

O sol, avermelhado, afundou-se já no dourado Ocidente, quando Slone chegou ao muro de rochas e à fenda em que os rastros do Creech e também de Luzia indicaram o lugar em que tinham acampado. Slone nem sequer desmontou; meteu-se por aquela fenda e assim foi parar a um canhão que conduzia a outro major, em onde observo que Luzia recordou seu conselho de deixar uma pista. Então se aventuro em uma abertura da alta muralha indo parar a outro canhão de traçado irregular. O sol se pôs já, mas Slone continuou partindo enquanto foi possível divisar aqueles rastros, e até mais adiante, até que, ao encontrar um canhão por que os fugitivos podiam haver-se internado, acreditou conveniente deter-se até a aurora seguinte.

Havia ali muito boa erva e excelente água para seu cavalo. Embora ele não tinha fome, comeu e dormiu também, apesar de não estar fatigado nem sonolento. Ao amanhecer voltou a montar em Furacão para reatar a perseguição. Nos lugares rochosos encontrou as abacaxis de cedro que Luzia tinha deixado, e embora se alegrou das ver em realidade não as necessitava. Aquele Creech era incapaz de ocultar sua pista a um caçador de cavalos selvagens como ele, de maneira que o jovem seguiu avançando ao trote rápido de suas arreios. Se alguma vez perdia a pista, seguia adiante sem equivocar-se nunca sobre o lugar em que voltaria a encontrar rastros. Havia uma enorme diferencia entre a astúcia do Creech e a de um cavalo selvagem. E também existia outra igual entre a marcha e a resistência dos mustangs do Creech e Furacão. Slone adivinhava que a salvação de Luzia dependia deste último. O caminho era cada vez mais íngreme, duro e difícil, mas o garanhão continuava partindo com a maior rapidez e a igual passo que sempre. Quando chegavam a alguma parte reta do canhão ou a um lugar elevado, Slone não deixava nunca de olhar para frente, esperando ver os mustangs do Creech. E inclusive esperava isso, até sabendo que estava muito atrás. de repente, no terreno arenoso de um canhão secundário, que abria-se no principal que estava seguindo, descobriu rastros de três cavalos, um deles ferrado.

A surpresa lhe deixo atônito. Por um momento fico olhando, sentido saudades, aqueles rastros tão estranhos. Quem as tinha deixado? Acaso Creech encontrou algum inimigo? Era isso provável, quando aquele homem não os tinha? Refletindo sobre o caso, Slone contínuo avançando devagar, compreendendo que acabava de apresentar um elemento novo e desagradável. Logo, quando estes novos rastros se confundiram com as que deixasse Creech, observo que aqueles desconhecidos estavam tão interessados em seguir ao Creech como ele mesmo. Depois noto na areia os rastros de seu calçado e as que deixaram as mãos de um homem que se ajoelho para examinar a pista do Creech.

Slone levava da brida a seu cavalo e seguia andando cada vez mais preocupado. Ao chegar a um piso rochoso do canhão, aonde não havia a menor quantidade de areia, já não

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pôde encontrar mais abacaxis de cedro. Tinham sido recolhidas. No extremo oposto daquela bandagem de rochas encontrou algumas partes de abacaxis de cedro disseminadas em um ponto, como se tivessem sido arrojadas ali por alguém que tivesse compreendido seu significado.

Este descobrimento desalentou ao Slone. Isso era em extremo eloqüente, e se ainda tivesse ficado alguma dúvida a respeito dos quais eram quão desconhecidos seguiam aquela pista a pouca distância, não teria podido já continuar em sua incerteza. Era indubitável que estavam seguindo ao Creech. de repente, Slone dió um salto que sobressalto a

Furacão.

-Cordts! -murmurou, enquanto seu corpo se banhava de suor frio.

Aqueles canhões eram o esconderijo do cuatrero. É1 e dois de seus homens encontraram por acaso a pista do Creech e possivelmente puderam adivinhar os motivos que este teve para viajar por lá. E embora não o tivessem descoberto, não demorariam para averiguá-lo. Esta circunstância justificava muito mais o empenho do Slone. Por um momento experimentou amargura e desalento, mas não demoro para sentir-se mais animado que nunca. Tinha mais inimigos que matar. A isto se reduzia tudo. Aqueles cavaleiros das terras altas não usavam rifle, e disso estava seguro Slone. quanto antes encontrasse ao Cordts, melhor seria. Então foi quando deixo que Furacão escolhesse a marcha que melhor lhe conviesse. ficou o sol, chego o crepúsculo e a noite, mas Slone seguia avançando. Enquanto não encontrasse canhões ou fendas que interrompessem as paredes do canhão que estava seguindo e que, por conseguinte, oferecessem a possibilidade de que Creech se aventurou por eles, Slone não tinha nenhuma necessidade de interromper a marcha. E assim, quando se deteve era já uma hora muito avançada da noite.

Ao dia seguinte, cedo, saiu das quebradas e abandono as rochas por uma meseta coberta de cedros. Slone viu certa distância outra meseta maior e bordeada de negro. Todos aqueles canhões de sinuoso curso se dirigiam sem dúvida alguma para aquela longínqua e dilatada meseta.

Aquele dia percebeu os rastros de dois cavalos. Não observo a mudança durante um bom momento, nem se fixo em que se dividiu o grupo que perseguia o Creech. Logo já foi muito tarde para retornar a fim de fazer averiguações, mesmo que isso tivesse sido prudente. Seguiu partindo e tratando de averiguar se lhe haviam descoberto ou não, e se corria o perigo de cair em uma emboscada ou de ser açoitado. Díjose que talvez Cordts teria dividido sua força, e uma parte continuaria perseguindo o Creech, em tanto que os outros dariam um ligeiro rodeio para antecipar-se. Sem dúvida, Cordts conhecia muito bem a comarca e sabia para onde se dirigia Creech e o modo de interceptar seu caminho.

A incerteza lhe resultava muito desagradável. Estava muito aborrecido v não tinha tempo para seguir avançando com cautela. Era preciso ser o primeiro em chegar junto ao Creech. Por esta razão continuou seguindo a pista e avançou com quanta rapidez lhe permitiu a natureza do terreno, embora temendo a cada momento que pegassem-lhe um tiro desde

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qualquer dos grupos de cedros que encontrava em seu caminho. A pista descendia até um estreito canhão de paredes baixas, e Slone pôs toda sua atenção no que se achava ante ele.

de repente, Furacão deteve o passo e levantou a cabeça, profiriendo um ronco, e logo que demorou um segundo em ouvir o som de um rifle. Slone compreendeu que acabavam de lhe disparar um tiro, embora não sentiu nem ouviu a bala. Tampouco pôde ver de onde procedia o disparo, porque Furacão se assustou e seu cavaleiro teve que lhe dedicar toda sua atenção. Correu por espaço de uma milha e logo Slone pôde olhar a seu redor. Dispararam contra ele de detrás ou de acima? Era-lhe impossível averiguá-lo, embora isto importava pouco, porque o perigo não se achava ante ele. Continuou vigiando quanto pôde e, ao cabo de pouco momento, distinguiu no alto do muro do canhão, ou seja a quinhentos pés de altura, um cavalo baio montado por um homem que empunhava um rifle. Era, pois, evidente que se equivocou a respeito daqueles homens e de suas armas. Entretanto, não acreditou conveniente deter-se para disparar contra aquele perseguidor e esporeou a Furacão no preciso instante em que ressonava uma detonação. A bala foi chocar contra o chão e a poucos pés de distância dele. Logo, percorrendo um caminho muito difícil e com um cavalo quase impossível de dominar, Slone teve que receber numerosos tiros. Era evidente que seu inimigo, que se achava sobre a muralha do canhão, tinha muito bom terreno diante de seu cavalo, porque com a maior facilidade podia conservar-se na dianteira do Slone. Mas, em troca, não foi possível ferir este. Por fortuna para o cavaleiro de Furacão, umas rochas impediram a seu inimigo seguir disparando contra ele, e já não voltou a lhe ver.

Foi muito agradável o observar que a pista do Creech se aventurava por um canhão que havia a emano esquerda, e uma vez ali, com o sol já baixo, Slone começou a observar grupos de cedros e montões de rochas. Mas não caiu em nenhuma emboscada. Veio a escuridão e, como já estava cansado, dispunha-se a deter-se para passar a noite; mas, de repente, descobriu o brilho de uma fogueira. Também a divisou o garanhão, mas não proferiu nenhum ronco. Slone desmontou e levando o da brida avançou com cautela e empunhando o rifle.

O canhão se alargava em um lugar em que havia duas fissuras, e ali abundavam os cedros e os pinheiros. Slone, julgando pela presença daquelas árvores e também pela atmosfera, menos densa, compreendeu que tinha chegado a um lugar mais elevado. Aquela fogueira devia pertencer ao Cordts ou ao homem que tomou a dianteira. Slone avançou atrevidamente e não teve necessidade de decidir-se a respeito do que convinha fazer. Mas lhe assombrou por várias formas escuras que foram de um lado a outro ante a brilhante fogueira, e então se conteve de repente. Refletindo, díjose que convinha observar a aqueles indivíduos. Por esta razão atou a Furacão e, encaminhando-se ao lugar mais escuro do canhão, avançou com a maior cautela.

A distância era considerável, como já tinha calculado. Entretanto, logo descobriu a vários cavalos que pastavam livremente. aproximou-se à parede do canhão para que aqueles animais não lhe vissem, e por sorte a brisa noturna soprava para ele. Com a maior prudência e silêncio seguiu avançando, amparado pelas profundas sombras do muro e por debaixo dos cedros, até que chegou frente à fogueira, e então se voltou para ela. aproximou-se devagar,

Page 220:  · Web viewPor uma parte sentia um doce agradecimento pela plenitude de vida que gozava no Vau do Bostil, e por outra, experimentava, ao mesmo tempo, uma invencível nostalgia que

cuidadosamente e sem fazer ruído, e por fim se arrastou por entre umas matas de salvia e chegou a outro grupo de cedros que se achavam iluminados já pela luz do fogo.

antes de levantar-se para olhar ouviu algumas vozes gruñonas que lhe serviram para calcular a distância. Estava muito perto, quase muito, mas como se havia acurrucado em um lugar sombrio e não havia cavalos a pouca distância, não temeu ser descoberto.

Ao aparecer a cara, a primeira coisa que reteve seu rápido olhar foi a esbelta figura de uma jovem. Slone afogou uma exclamação em sua garganta. Acreditou reconhecer a Luzia e, assombrado a mais não poder, voltou a tender-se no chão, com as mãos sustentando o rifle. fico por um momento sem saber o que fazer, muito emocionado, até que se refez. Teria visto em realidade a Luzia? Algumas vozes ouviu falar de alguma moça que acompanhava aos homens em seus acampamentos, especialmente ao Cordts. Também era possível que Creech tivesse encontrado a alguns camaradas. Mas, não, naqueles lugares não teria podido ter mais companheiros que os cuatreros, e Creech estava muito por cima deles. Se este se achava ali, devia ter sido pego pelo Cordts; e se Luzia estava sozinha com a equipe, era indubitável que já tinham dado morte ao Creech.

Slone teve que esforçar-se em olhar de novo. A jovem tinha trocado de situação, mas a luz, em troca, brilhava sobre os homens. Creech não era nenhum daqueles três, nem tampouco Cordts ou qualquer que Slone conhecesse. A julgar por seus olhares malignos e duros, era indubitável que não se tratava de pessoas honradas. Slone fico indeciso e compreendeu que perdia o domínio de si mesmo. De novo se acurrucó e espero. Ouviu a palavra "Durango" e também "cavalos" e "já é o bastante", cujo significado era muito vago. Logo a moça riu e Slone tremeu de alegria porque, sem dúvida alguma, aquela risada não podia ser de Luzia.

Retrocedeu do mesmo modo que tinha chegado, alcanço a sombra da parede do canhão e seguiu retirando-se devagar até que acreditou poder fazê-lo com rapidez. Ao chegar ao lugar em que esperava encontrar a Furacão não pôde vê-lo. Miro a um lado e a outro, e se disse que possivelmente tinha julgado mal a distância e o lugar a causa da escuridão. Entretanto, nunca cometia enganos desta classe. Procuro a seu redor até encontrar a parte de cedro ao que tinha pacote o laço. Na escuridão não pôde vê-lo, mas ao chegar a seu lado se convenceu de que Furacão tinha desaparecido.

deixo-se cair ao chão, desalentado a mais não poder. amaldiçoou-se por ter sido tão descuidado, mesmo que lhe constava que nunca foi com um cavalo. Que haveria ocorrido? Ignorava-o, mas Furacão tinha desaparecido e isso equivalia à perda de Luzia e também de si mesmo. E se sentiu talher de suor. Logo, enquanto inclinava-se, tremendo e suarento, contra o tronco do cedro, chego a seus ouvidos um ruído muito conhecido, o dos dentes de um cavalo que pastava e mordia erva. Furacão estava muito perto. Slone então descreveu um curto círculo em volto do tronco e não demoro para encontrar o nó do laço. E por meio daquela corda, poucos momentos despues se viu junto ao cavalo, impossível de distinguir por causa da escuridão lhe reinem

-Caramba! -murmurou secando o suor do rosto-. Meu deus! Vá um susto!

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Não lhe custo muito decidir-se a seguir andando para situar-se no canhão e ao lado oposto do em que tinham acampado aqueles desconhecidos. Era preciso tomar a dianteira, e se disse que não os temia nem de noite nem de dia. Por outra parte, não tinha esperanças de passar inadvertido, de modo que tudo o que desejava era poder chegar a bastante distancia para que não lhe impedissem o passo. Os cavalos que pastavam cheirariam sem dúvida a Furacão ou este se daria conta de sua presença.

Por exemplo estranho, Furacão se deixo levar com tanta docilidade como se tivesse sido o velho e fiel Nagger. Slone não pôde seguir muito momento ao longo da parede do canhão por causa dos cedros; mas, de todos os modos, conseguiu avançar, amparado pela sombra que projetava a parede. Furacão cheirou aos cavalos, deteve-se e levanto a cabeça, mas por alguma razão que seu amo ignorava não rouco nem relincho. E como conhecia furacão, podia haveracreditado o bastante inteligente e vingativo para fazer traição a seu amo.

Um dos cavalos dos desconhecidos relincho para dar o alarme no momento em que Slone se achava quase junto ao acampamento, e não teve tempo sequer de pôr o pé no estribo, mas sim salto à cadeira e deu rédea solta ao cavalo. ouviram-se em seguida alguns gritos roucos e ressonaram vários disparos. Slone ouviu zumbir as balas e temeu por Furacão. Mas este seguiu correndo na escuridão. Seu cavaleiro não pôde ver se o terreno era quebrado ou unido, mas abandono este cuidado de suas arreios. A sorte os favoreceu, e Slone se sentiu já seguro, embora lamento não ter tido a oportunidade de disparar um tiro contra o acampamento.

depois de afastar-se durante uma hora, acreditou que podia arriscar-se a acampar ali. antes de amanhecer estava já em pé e esquentando seu sorvete corpo por meio de violentos movimentos. Logo se obrigo a comer.

A crista da parede ocidental do canhão se converteu de cinza em avermelhada. Um pássaro zombador começou a cantar. Um coiote se afasto fugindo da luz do dia, e então Slone encontrou os rastros que deixaram os mustangs do Creech e o cavalo do homem do Cordts. Este último não devia estar muito longe. Logo chego Slone a um grupo de cedros aonde aquele homem tinha acampado coisa de uma hora antes.

O canhão estava desembaraçado, tinha o estou acostumado a nivelado e dividido por um profundo sulco. Slone fez galopar a Furacão e não teve necessidade de excitá-lo nem de contê-lo. Pouco depois viu um cavaleiro que se achava a um quarto de milha de distância, e foi descoberto por este quase ao mesmo tempo. Aquele indivíduo demonstrou de uma vez surpresa e medo. Pôs seu cavalo rapidamente, mas em comparação com Furacão logo que parecia avançar. Slone o teria Alcançado muito em breve de não ter observado uma mudança na configuração do terreno. O canhão começava a subir e todas as gargantas, topos e sulcos se dirigiam a uma meseta cheia de pinheiros, que solo estava a umas quantas milhas de distância.

A marcha dos cavalos teve que reduzir-se ao trote e logo ao passo. O homem a quem perseguia Slone ia depois da pista do Creech e se aventurou por uma fissura lateral. Slone se convenceu de que logo poderia alcançá-lo e por isso contínuo pelo mesmo caminho que tomasse Creech. Logo se viu obrigado a subir. Furacão era tão superior ao cavalo do outro, e seu cavaleiro tão prático em escolher os melhores pontos, que muito em breve o teria

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alcançado de não ter achado o caminho talhado por uma depressão infranqueável. depois de um rápido exame, Slone abandono a perseguição direta e, dando a volta a aquele obstáculo, chegou a um ponto aonde o cuatrero passaria junto à base da parede do canhão e ali Slone o teria ao alcance de seu rifle.

Aquele homem, desejoso de sair do canhão, recife na armadilha que Slone lhe tinha preparado, aproximando-se de um centenar de metros de este, quem, no ato, se mostrou a pé e empunhando o rifle. O corte do caminho lhe impedia de avançar, mas, em troca, seu rifle dominava a situação.

-Alto! -exclamou lhe avisando.

-você vá ao diabo! -gritou o outro assustado e detendo seu cavalo.

Miro para baixo e com toda evidência compreendeu muito bem a situação.

Slone se tinha proposto matar a aquele homem sem pronunciar palavra, mas quando se viu no transe de fazê-lo não resolveu. Entretanto, aponto-lhe com seu rifle.

- Tenho-te pego! - disse.

-É verdade. Mas...

-E posso te pegar um tiro com a maior facilidade.

-Reconheço-o.

-Muito bem. Agora responde depressa. Pertence à equipe do Cordts?

-Sim.

-Por que está sozinho?

-Porque separamos a pouca distância daqui.

-Sabia que eu te perseguia?

-Não. Se o tivesse sabido não me teria alcançado você.

-E a quem segue?

-Ao velho Creech e a quão jovem seqüestrou. Slone se sobressaltou para ouvir estas palavras; tremeram-lhe as mãos, e com voz rouca perguntou.

-Quem é? -A filha do Bostil.

-E por que se separou Cordts de ti?

-Pois porque ele e Hutchinson foram a procurar uns companheiros com objeto de adiantar-se ao Joel Creech quando voltar com os cavalos do Bostil.

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Slone se surpreendeu ao notar com quanta exatidão tinham adivinhado a verdade os ladrões de cavalos. Entretanto, ao pensar de novo nisso, uma vez reconhecidos os Creech, a coisa parecia já muito singela.

-E você, que te propunha? -perguntou.

-Eu seguia ao Creech para saber aonde esconderia a essa moça.

-E que se propõe Cordts depois de ter surpreso ao Joel Creech?

-Apoderar-se da jovem.

Slone não tinha necessidade de que lhe dissessem todo isso,

mas as palavras que pronunciava aquele homem, que pertencia à equipe do Cordts, provavam melhor ainda o perigo que corria Luzia Bostil. E, entretanto, Slone, não podia resolver a matar a aquele homem a sangue frio. Tento-o, mas foi em vão.

-Tem um rifle? -gritou com voz rouca.

-Sim.

-Bom, pois parte quanto antes e procura me perder de vista, porque, do contrário, você Mato.

Aquele homem ficou olhando muito assombrado, e Slone viu que a cor voltava para seu pálido rosto. Logo fez dar meia volta a seu cavalo, e tomando a direção oposta se perdeu de vista. Slone lhe ouviu enquanto fazia rodar ante ele as pedras soltas da levantada pendente; e assim que esteve seguro de que o ladrão de cavalos tinha tomado uma boa dianteira voltou a montar a Furacão com objeto de empreender a perseguição daquele homem.

Este não voltou a seguir os rastros de Luzia, nem tampouco pôde afastar-se.

Mas Slone, assim que termino aquele dia fatigante, que emprego na perseguição daquele bandido, viu-se extraviado nos canhões. Então amaldiçoou de uma vez sua debilidade por não ter morrido a aquele tuno assim que lhe viu e também seu decidido empenho de lhe seguir com propósito implacável, porque seu desejo de ser correto e de dar a aquele indivíduo a oportunidade de salvar sua vida, fez-lhe perder os rastros de Luzia. Este fato lhe desespero e passado uma noite de insônia e sumida em as maiores tortura.

Durante todo o dia seguinte andou como um louco de um lado a outro, subindo e baixando impulsionado por um propósito e arrasado pelo temor e !a impaciência. Aquela noite ato a Furacão perto da água e da erva, e ele mesmo dormiu desancado.

Chego a manhã, mas não a esperança. Slone se achava em uma situação espantosa. Parecíale que tinham acontecido muitos dias e noite horrorosas, enquanto ele estava sumido em tão inúteis pesadelos.

Descendeu a um canhão de paredes inclinadas e abruptas, como todas as demais que haviam naquela grande meseta e que tanto parecido tinham entre si. Aquela região estava

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abundantemente cruzada deles, de modo que o mundo parecia ser um labirinto de canhões, no qual se extraviou. Que teria sido de Luzia? Todos seus pensamentos conduziam a esta pergunta, que era terrível e a que não podia responder.

Logo, de repente, fico extasiado e com os olhos fixos nos rastros conhecidos que deixavam os mustangs do Creech. Eram muito antigas, mas não as tinha seguido ninguém.

XIX

Aqueles rastros seguiam o estreito canhão até a base da meseta. Slone, para não fatigar a suas arreios, subiu a pé, detendo-se, de vez em quando, a descansar. A última parte do canhão embora resultava muito dente, não era, entretanto, tão infranqueável como parecia de abaixo. E naquela altura o vento, absorvido por os canhões, soprava com força e se retorcia com violência.

Por fim Slone conduziu a Furacão ao alto do pendente e se deteve para respirar. Ante ele havia uma ligeira pendente coberta de erva e que levava a sombrio bosque de pinheiros do qual parecia proceder o forte vento. Aos pés do Slone se estendiam os selvagens canhões, maravilhosos por seu número, escavados na rocha cortada e que tinham reflexos vermelhos, amarelos e dourados, e cujas profundidades estavam quase ocultas por algo que parecia uma cortina de fumaça.

Furacão farejou o vento e deu um ronco. Slone se voltou algo inquieto ao ver que o corcel lhe deu o alarme. Como um raio monto a cavalo e no ato percebeu um débil grito gasto pelo vento. parecia-se com outro que ouviu em sonhos. Mas estava tão fatigado que não tinha segurança de coisa alguma.

À esquerda havia uns cedros que quase lhe impediam a vista por aquele lado, para o qual assinalavam as orelhas e o nariz de Furacão. Slone se aproximo do trote, com objeto de poder ver além das árvores, mas até antes de chegar diviso uma coisa azul e movediça que parecia surgir do chão.

-Fumaça! -murmuro, pensando mais no perigo de que o fogo se desenvolvesse naquela ventosa altura que no que pudesse significar para ele mesmo.

Como resultava difícil conter a Furacão, dió a volta aos cedros e logo pôde ver uma bandagem de chamas coroadas de fumaça, a erva incendiada... cavalos... e um homem.

Furacão relincho de um modo agudo para expressar seu ódio, sua ameaça e seu desafio dirigido a outro cavalo.

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Aquele homem se voltou para olhar, e Slone distinguiu ao Joel Creech, ao Sage King e a Luzia semidesnuda e maça sobre o lombo do cavalo.

A alegria, a agonia e o terror que se apoderaram do Slone com a rapidez do raio lhe deixaram imóvel, mas Furacão seguiu correndo.

Sage King retrocedeu assustado e se dispôs a correr. Logo, dando um salto magnífico, atravessou a linha de fogo.

Slone, mais por costume que por resultado de uma reflexão, procuro pegar-se à cadeira. E alguns passos largos de Furacão apressaram o curso do sangue de seu cavaleiro. Então Creech se moveu a sua vez : despertando de sua extremada surpresa, empunho um revolver e disparo. Slone diviso a chama e as nubecillas de fumaça; mas, em troca, não ouviu nada, porque a corrente de seu próprio sangue, que corria veloz por suas veias, enchia seus ouvidos por completo e não lhe deixava perceber coisa alguma.

Guiou ao garanhão, e este, depois de percorrer alguns passos, foi chocar contra Creech, de modo que Slone pôde adivinhar por um instante o horrível rosto de aquele homem. O choque foi tremendo. Creech vióse despedido pelo ar e se desabo sobre uma rocha, na qual sua cabeça se abriu como se fosse um melão.

Slone observo depois que King ia correndo em direcció ao bosque. Viu o pobre corpo de Luzia pacote ao cavalo e de um olhar compreendeu que o grande corcel cinza se tinha desbocado. Então o ódio desapareceu dele para deixá-lo sumido na ansiedade e no terror.

Furacão chego aos pinheiros, e então Slone pôde ver que o cavalo cinza corria fugindo por entre os troncos. Furacão o viu também e lanço um ronco, mas King estava cem metros mais à frente.

-Por fim chegou a carreira, Furacão! -exclamou Slone.

Mas não pôde ouvir sua própria voz. Enchia o ar um tremendo rugido ensurdecedor. O vento! O vento!

Entretanto, aquele rugido não conseguia apagar quão rangidos ressonavam a suas costas. Furacão saltava assustado e Slone se voltou. As chamas tinham aceso em um pinheiro que estalava como se o tronco estivesse cheio de pólvora.

-meu deus! Uma carreira com o fogo! Luzia Luzia!

Ao gritar assim, Slone compreendeu o estranho destino que decidiu a inevitável carreira entre Furacão e King; exteriorizo seu amor desesperado por Luzia e a aceitação da morte por ela e também por ele. Não existia cavalo algum capaz de adiantar-se ao fogo impulsionado pelo vento impetuoso em um bosque de pinheiros secos. Slone não abrigava nenhuma esperança. Com quanta perfeição e exatidão se encontraram os cavalos, ele mesmo e sua amada! Slone amaldiçoou a alma daquele louco de Joel Creech. Era odioso pensar que sua estúpida ameaça resultava certa e isso com um furacão que soprava agitando as taças dos pinheiros. Slone acreditou que esta idéia tinha-lhe feito envelhecer, e logo tudo o que ocorria lhe pareceu um sonho. Mas o ar seco e carregado do aroma dos pinheiros fazia difícil a

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respiração ; o cavalo cinza, que levava aquela figura esbelta e semidesnuda, branca na sombra do bosque, alargava seu passo e sua carreira; o movimento de Furacão, tão fácil, suave e rápido, e os ferozes movimentos de sua cabeça demonstrando que desejava ir ainda mais de pressa, todo isso lhe provava que não se tratava de nenhum sonho.

O caos mental do Slone veía atravessado às vezes pelas perguntas que ele mesmo se dirigia. Que faria? Derrubar ao King? Expor a que esmagasse a Luzia? Salvar a da horrível morte do fogo?

O cavalo vermelho não pôde avantajar um só metro ao de cor cinza. Slone, que era um bom juiz pelas distâncias, observo-o e pela primeira vez duvido de que Furacão fosse capaz de vencer ao King. Certamente, não o obteria com a carga que levava. Não havia nenhuma esperança.

voltou-se para olhar para trás. Não viu fogo nem fumaça, a não ser solo os troncos de cor escura e a massa de folhagem verde que se agitava de um modo violento contra o céu azul. Isto lhe comunico uma débil esperança. Se podia avançar algumas milhas, antes de que o fogo começasse a saltar de uma a outra taça de árvore, talvez seria possível alelarse do bosque se este não era muito largo. Logo parecio acentuá-la esperança. Furacão ia avantajando lentamente ao King. Slone examino o pendente que fazia o bosque e da qual cada vez estava mais perto. Perdeu a esperança, logo voltou a recuperá-la e, por fim, esporeou a seu cavalo. Furacão odiava tanto o ser esporeado como odiava ao Slone, mas isso não lhe fez apressar sua marcha. Certamente não corria quanto lhe era possível, pois a um cavalo como ele, terei que lhe deixar que escolhesse seu passo; mas, de todos os modos, era provável que aumentasse sua velocidade.

O sangue de caballista do Slone não se excito ao presenciar aquela carreira, porque então tinha outras coisas em que pensar. Sentíase apavorado cada vez que atrevia-se a olhar adiante e à branca figura de Luzia. Logo que podia suportar este espetáculo; mas, entretanto, e a seu pesar, cravava às vezes a vista nele. Observo que King não levava nenhuma cadeira, de modo que o corpo da jovem logo que constituía uma carga sensível para ele. Era seguro que com tão pouco peso seria capaz de correr todo o dia. Furacão, em troca, levava uma cadeira pesada, umas alforjas, um odre de tecido impermeável para água e além disso um fuzil. Slone desato as alforjas e as sotaque cair. Disponíase a fazer o mesmo com a garrafa de água, mas se conteve e também conservo o rifle. Que importavam umas quantas onças mais para aquele garanhão do deserto em sua última carreira? Em efeito, Slone, estava seguro de que aquela era a maior e também a última carreira de Furacão.

de repente os ouvidos do cavaleiro perceberam um rugido terrível que, por um instante, pareceu lhe deixar sem forças, tanto que teve que agarrar-se ao pomo da cadeira. Mas logo, os anos de sua vida no deserto responderam a uma chamada mais que humana.

Era preciso correr contra o fogo, vencer ao incêndio para salvar à mulher que amava. Havia muitas milhas de bosque seco e tão inflamável como se fosse pólvora, e o fogo, impulsionado pelo furacão, podia incendiar as árvores com muita maior rapidez que a carreira de qualquer cavalo. Possivelmente não poderia salvar a Luzia e o destino lhe dava uma ocasião de celebrar uma carreira terrível. Mas se juro vencer às chamas. A paixão do caballista falo por

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ele e despertou uma selvagem e terrível violência de sua alma e de seu coração. Tinha aceito a morte e não tinha nenhum medo. Quão único queria fazer, lo,que mais lhe importava então era vencer em a carreira ao King. Como se envaideceria de poder salvar a jovem, embora isso lhe custasse o morrer abrasado dentro daquele bosque!

Esporeio ao cavalo e logo Miro para trás.

Através dos claros do bosque viu algo estranho, confuso e brilhante em alguns pontos, que se movia como se estivesse vivo e trocava continuamente de forma. Com segurança era o vento, o calor que precede ao fogo. Acreditou poder olhar através dele, mas mais à frente só diviso umas nuvens misteriosas. Algumas baforadas de calor foram chocar contra seu rosto, e seus olhos começaram a sentir alguma irritação. Doíam-lhe os ouvidos e, à medida que passava o •tempo, percebia os sons com maior dificuldade. O tumulto se parecia com o rugido de muitas avalanches, ou do mesmo mar, ou o que pudesse causar o naufrágio das terras altas ou a ruína do mundo. E o rugido chego :.a ser tão intenso, que já não o ouvia e lhe pareceu estar rodeado de silêncio.

Então Miro para diante. O garanhão corria com toda,su alma. As taças dos pinheiros se inclinavam ante o vento e Furacão saltava rápido por entre o bosque, mas não se ouvia nada. Frente a Slone, e por debaixo das árvores, estendendo-se sobre o King, que corria, flutuava com rapidez algo que parecia um véu transparente. Não era fumaça nem ar. Arrastava uns diminutos pontos luminosos, umas centelhas que apreciam átomos de pó brilhando à luz do sol. Era uma quebra de onda de calor impulsionada pela tempestade do fogo. Slone não sentia nenhum calor; mas, em troca, teve a sensação de que se estava secando. Luzia devia sofrer também naqueles momentos. Slone voltou a esporear ao garanhão, hiriendo seus flancos. Furacão respondo com um grito e aumento a velocidade. Tudo, à exceção de Luzia e Sage King e também de Furacão, parecia ser estranho e pouco real; a carreira rápida entre os pinheiros, que já pareciam espectros à escassa luz lhe reinem, a sensação de ser açoitado por uma força invencível e, do mesmo modo, o ver-se rodeado por um silêncio absoluto.

Slone lutou contra o desejo de olhar para trás, mas não pôde resisti-lo. Sentíase dominado por uma horrível fascinação. Viu que a suas costas todo tinha trocado.

Um vento ardente, como o que sai pela boca de um forno, arrastava consigo algumas partículas incendiadas que foram chocar contra seu rosto. O fogo corria com a maior velocidade pelas taças das árvores, quanto mais abaixo continuava como antes. Uma rápida chama que saltava invadiu os pinheiros. Era algo branco, de uma rapidez inconcebível, e dotado de um milhar de línguas ardentes. Viajava por cima do fogo e era tão transparente, que ele pôde ver os ramos através e detrás das acesas nuvens. Aquilo seguia avançando e oferecia um espetáculo sublime e espantoso. Slone não pôde dizer-se a que se parecia. Era fogo liberado, que tinham solto as vísceras da terra, tremendo e devorador. Aquele era, pois, o significado do fogo e aquele, também, o horrível destino que lhe havia cabido a Luzia.

Mas não. Díjose que era preciso não deixar-se vencer. Lutaria por Luzia contra aquelas chamas. Sentiu a perda de algo, de alguma sensação que devesse haver tido. Entretanto, corria quanto lhe era possível e a uma velocidade desconhecida para salvar a sua amada. Contínuo

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sustentando-se na cadeira, tratando de evitar as ramos baixos e dirigindo seu enlouquecido cavalo pelo caminho mais curto, pois também King corria em linha reta.

Nenhum cavalo dió jamais uma carreira tão magnífica como aquela. Furacão adiantava ao vento e fogo e, a pesar do desvantagem que tinha que vencer, não perdia terreno contra o melhor dos cavalos de carreiras das terras altas.

Mas então não corria para matar ao King, a não ser impulsionado pelo terror. Durante milhas inteiras sustentou aquele passo rápido, comprido e maravilhoso, sem interromper-se um só instante. Corria para sua morte, tanto se conseguia avantajar ao fogo como se não. Nada podia já lhe deter, mais que o estalo de seu próprio coração.

Slone desprendeu seu laço e o preparou. Estava quase ao alcance do King. Assim que pudesse arrojá-lo, derrubaria sem dúvida ao cavalo e Luzia logo que sofreria coisa alguma, porque o golpe seria repentino. Logo Slone se pergunto, apenadísimo, se poderia matar a aquela mulher, se seria capaz de destroçar aquela cabeça adorada. Não poderia; mas, entretanto, era preciso. Nos ombros da jovem viu uma linha larga, curva e vermelha. O que seria? Golpeio-a alguma ramo? Não pôde ver seu rosto. Sem dúvida, não estava morta nem deprimida, porque apesar de ver-se atada era evidente que estimulava a seu cavalo.

Furacão estava cada vez mais perto e, ao parecer, corria muito mais que o vento de fogo. O ar era muito denso para a respiração e podia acreditar-se que tinha um peso apreciável; era como se empurrasse aos cavalos e aos cavaleiros como se fossem palhas impulsionadas pelo vento.

De novo Slone voltou a olhar atrás e noto que o espetáculo voltava a ser distinto. Havia uma fúria branca e dourada das chamas, que cegavam a quem as olhava, e por debaixo e mais atrás tirava o chapéu um inferno de fogo brilhante, cruzado, às vezes, de negro, no qual abundavam os estalos v as correntes de fumaça amarela. Entre os troncos dos nos diga a fumaça simulava umas cavernas confusas, movediças e estranhas. Slone observo que o fogo saltava das taças das árvores a seus troncos, os quais estalavam às vezes uns momentos depois. Pelo chão do bosque pareciam saltar as chamas. Os olhos do Slone estavam irritados e por fim a cena se fez confusa.

Furacão alcançava pouco a pouco ao King. O grande cavalo cinza não havia disminuído sua velocidade, mas era evidente que começava a perder as forças. Slone sentiu um horrível entusiasmo quando começou a voltear o laço em volto de sua cabeça. King estava vai ao alcance da corda, mas Slone se conteve e não a arrojou porque isso seria já o final. E, enquanto vacilava, Furacão deu um agudo relincho.

Slone Miro e viu que ante ele aparecia uma luz. Diviso um espaço branco v aberto, cheio de erva. Um prado? Não, o extremo do bosque. Furacão, como um demônio, seguiu correndo, embora não com a mesma ligeireza anterior, pois, ao parecer, começava também a perder forças.

Da garganta do Slone surgiu um grito, mas não o ouviu, dado o rugido intenso que reinava no bosque. Mas aquele grito era de vida e não de morte. Tanto Sage King como Furacão conseguiriam vencer ao fogo...

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Logo, e quando vai tinha diante o espaço aberto, Slone sentiu uma quebra de onda de ar quente que rodava sobre ele. Distinguiu as chamas velozes que inflamavam os pinheiros, cuja ramagem se estendia sobre sua cabeça. Detrás fim a tempestade de fogo lhe tinha alcançado e lhe avantajava. Slone corria então sob um dossel de fogo. A seu redor caíam incendiadas as abacaxis e experimentava uma intensa sufocação, como se o mesmo ar se converteu em chamas.

Então Furacão, com o focinho junto ao flanco do Sage King, saiu de entre os pinheiros ao espaço livre. Slone viu uma suave e ampla pendente coberta de erva, que terminava em uma sima.

O ar claro e puro encheu seus pulmões e lhe emprestou nova vida. King corria cego para a morte e Furacão não podia deter-se, impulsionado pela velocidade que levava.. Ao parecer, todos estavam condenados à morte.

Slone arrojo o laço ao King e, sustentando com força o extremo oposto, esperou o final. Ambos os cavalos corriam embora diminuindo a velocidade. Slone pensou em que• seria necessário derrubar ao cavalo cinza, porque estava perigosamente perto do abismo; mas naquele momento, Sage King caiu sobre seus joelhos.

Slone saltou ao chão no instante em que Furacão caía,. a sua vez, e observou que a queda tinha quebrado a corda. que sujeitava a Luzia, que, molhada como estava a causa do suor e da espuma do cavalo, jogou-se nos braços do Slone. Este não pôde fazer outra coisa que pronunciar seu nome. Ouviria-o pesar do rugido que ainda ressonava no bosque? Das bonecas da jovem penduravam ainda as cordas, e Slone viu os cardeais ensangüentados que lhe tinham causado. de repente, ela caiu, sobre ele. Estaria morta? Seu coração se contraiu ao observar a extremada palidez de sua amada, mas em seguida observou que se inchava seu peito v então ele gritou impulsionado por intensa alegria. Estava viva e não tinha recebido nenhuma ferida perigosa! A jovem se moveu e se agarrou a ele com força, estreitando-o em seus braços. Logo Slone pôde ouvir sua voz quebrada, mas vigorosa

-me ponha... você... jaqueta.

Slone se estremeceu e envergonhado, observou que tinha esquecido o fato de que ela estivesse quase nua. E imediatamente se tirou a jaqueta e com o rodeou os ombros.

-Lin! Lin! -exclamou a jovem.

-Luzia! OH! Está...? -replicou ele com voz rouca.

-Não estou ferida. Estou bem.

-Mas e aquele bandido do Joel? Vi que...

-Matou a seu pai... um minuto antes... de que chegasse... Eu lutei com ele... OH! Mas me encontro bem... Acaso você...?

-Furacão o derrubou e o destroçou... Luzia... Isto parece que não pode ser certo... Entretanto, tenho a meu lado... Obrigado, Meu deus! ...

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Com sua mão livre, Luzia lhe devolveu o abraço. Parecia estar corajosa, e aquele momento foi vara Slone o mais precioso de sua vida, pois tinha obtido algo que estava muito por cima de todos seus sonhos.

-me deixe um momento -disse a jovem-. Quero me pôr sua jaqueta.

riu assim que ele a teve solto, e Slone se sentiu emocionado e penetrado da maior doçura para ouvir aquela risada.

voltou-se sentindo uma rajada de ar, logo um golpe de uma força invisível que lhe fez cambalear e, ao mesmo tempo, uma dor viva na carne. Imediatamente chegou a seus ouvidos a detonação de uma arma de fogo.

Slone caiu. Dióse conta de que lhe tinham pego um tiro, e no ato de sentir a viva dor da carne rasgada, teve que sofrer como uma intensa queimadura. Isso ocorreu na parte superior do ombro, mas pôde afogar o temor que momentaneamente sentiu por sua vida.

Luzia ficou lhe olhando, sem compreender, e empalideceu. Com suas mãos sujeito a jaqueta em volto do corpo. Slone a olhava então, viu as nuvens de fumaça do incêndio e, além da garganta, dois homens, um dos quais se dispunha a apontar um rifle fumegante.

Se antes Slone emprestou pouca atenção ao que lhe rodeava, em troca lhe eletrizou o descobrimento do Cordts.

-Luzia, te jogue ao chão. Em seguida!

-O que ocorreu?

-Pegaram-me um tiro. te jogue no chão. Ponha atrás do cavalo e agarra meu rifle.

-Um tiro? -exclamou Luzia.

-Sim. Sim... meu deus ! Luzia! vai disparar outra vez.

Então Luzia Bostil viu o Cordts através da sima. Não estava nem a cinqüenta metros de distância e era possível reconhecer sua figura alta, fraca e sardônica. Sustentava a arma de fogo como se esperasse para disparar outra vez. Habíase posto à espreita e as nuvens de fumaça rodavam

por cima de sua cabeça, ocultando as desigualdades do terreno.

-Cordts! - O sangue do Bostil falo no agudo grito da jovem.

-Ao chão, Luzia! Ao chão! -gritou Slone-. Tira meu rifle. Minha ferida não vale nada. Depressa! vai disparar!

Um novo estampido interrompeu ao Slone. A bala não dió no branco, mas o jovem fingiu ter sido ferido, pois dió um salto sobre si mesmo e fico imóvel.

-Agarra o rifle em seguida! -disse.

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Mas Luzia não compreendeu sua astúcia para encanar ao Cordts, mas sim se figuro que lhe tinham ferido outra vez. Então ponho-se a correr junto ao cansado Furacão e saco o rifle da capa.

Cordts tinha começado a subir em volto de uma rocha, que sem dúvida era um atalho para baixar ao fundo v subir logo. Hutchinson viu o rifle e deu um grito ao Cordts. O cuatrero se deteve e com rosto sombrio Miro a Luzia.

Quando esta ficou em pé, cavo a jaqueta de seus nus ombros e Slone, que a observava, deixo de pensar no perigo que ela corria e proferiu um grito de desafio e de entusiasmo.

A Jovem começou a pôr o rifle em posição horizontal. mas a arma não ficava fixa em suas mãos. Hutchinson se achava a maior altura que Cordts e este, chegando-se até ele, pediu-lhe auxílio. Hutchinson parecia aborrecido. Mas logo lhe domino uma força maior E. inclinando-se, cozeu ao Cordts pelas mãos v tiro dele. Hutchinson tirito com voz rouca e Cordts o Miro muito pálido, achando dificuldades em apoiar o pé na rocha. Movíase com lentidão.

Slone quis recomendar a Luzia que atirasse baixo, mas não foi possível. Logo viu que seus brancos v redondos ombros se inclinavam, em tanto que seu pálido rosto dobrava-se sobre a arma e os braços esbeltos e trementes foram cobrando firmeza e o cabelo dourado e revolto era agitado pelo vento.

Então disparo.

Slone desviou o olhar e não viu que a bala levantasse pó algum. As figuras dos dois homens continuaram na mesma posição. Hutchinson sustentava ao Cordts. Mas

não. Cordts não era o mesmo. Em sua figura se advertia uma mudança estranha. Entretanto, seguiu movendo-se.

Hutchinson obrava também de um modo muito estranho. Gritava, esforçava-se e lutava. Levanto um pouco ao Cordts, fazendo um violento esforço, e logo pareceu como se fosse perder o equilíbrio.

Cordts se apóio na rocha, e Slone compreendeu que Luzia tinha ferido gravemente ao cuatrero. E era evidente que não soltaria ao Hutchinson. Este escorrego e enquanto isso Cordts perdeu pé e fico sustenido tão somente por seu tremente camarada.

Hutchinson proferiu um grito terrível. Fez o último esforço convulsivo, mas isso foi a causa de sua perdição. Lentamente perdeu o equilíbrio. O semblante escuro e maligno do Cordts deu meia volta. Os dois homens perderam a força e deram um grande escorregão. Logo se separaram e junto a eles surgiram dois nubecillas de pó. Ao fim os dois corpos iniciaram a queda. Cordts ia diante em linha reta e Hutchinson recife de cabeça, movendo os braços até que se desvaneceu em as profundidades. Não se ouviu nenhum outro ruído. Uma pequena coluna de pó amarelo se levanto no bordo daquele precipício fatal e ao ser agarrada pelo vento foi confundir se com as flutuantes nuvens de fumaça.

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XX

Momentaneamente, Slone se sentiu rodeado de uma escuridão estranha, semelhante à produzida pelas nuvens de fumaça, e que logo se afasto, restituindo-lhe claridade de sua visão. Luzia estava inclinada sobre ele, lhe enfaixando o ombro com uma tira de tecido e lhe dizendo com a maior veemência:

-Não é nada, Lin. A ferida não te interessou nenhum osso.

Slone se sentou e observo que a fumaça se esclarecia. Ao longo da crista ardia ainda a erva. Então ele estendeu uma mão para agarrar a Luzia, recordando, de repente, ocorrido-o e assinalou à rocha que havia ao outro lado do abismo.

-cansado-se! -exclamou Luzia com estranha e profunda voz. Ao mesmo tempo se estremeceu com violência, mas não apartou os olhos do Slone.

-Furacão! Sage King! -acrescentou ele com voz rouca. -Ambos estavam faz um momento onde caíram.

OH! Dá-me medo olhar. Além disso vi que Sarchedon, Two Face, Ben e Plume passaram por aí.

Pronunciou estas palavras volta de costas ao abismo, mas o assinalou sem olhar a ele.

Slone ficou em pé, embora teve certa dificuldade em fazê-lo e sentindo ao mesmo tempo uma dor apagada.

-Sarchedon voltou para casa e outros lhe seguirão - disse Luzia-. Chegaram aqui mesmo conduzidos pelo Joel. O fogo os arrojou do bosque. Sarchedon voltará para casa, e graças a isso virão a procuramos os picadores de meu pai.

-Não os necessitaríamos se Furacão e Sage King... Slone se interrompeu e dando um suspiro de pena se voltou para os cavalos.

Foi realmente estranho que ele se aproximasse do King, em tanto que Luzia ia ao lado de Furacão.

Sage King era um cavalo fatigado e derrotado, mas até viveria para correr em outra carreira.

Luzia estava ajoelhada ao lado de Furacão e chorando exclamou:

-Furacão! OH, Furacão!

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O corpo de este era branco, à exceção dos lugares em que estava tingido de vermelho, mas não pela cor de seu cabelo. Naquele momento sofreu uma terrível convulsão muscular, como se se devesse a um colapso interno. Entretanto, asfixiado, cego e moribundo, incapaz de dar um passo mais, Furacão ouviu a voz de Luzia.

-OH, Lin! OH, Lin! -exclamou a jovem.

Enquanto os dois estavam ajoelhados junto ao cavalo, as violentas convulsões de este se converteram em lentos suspiros.

-venceu ao King, apesar de que levava um peso muito superior! -murmurou Slone acariciando com mão tremente o úmido pescoço do corcel.

-OH! venceu ao King? -exclamou Luzia-. Não lhe diga isso a papai!

-Porque lhe diremos?

-O que me recomendou o velho Creech.

Naquele momento, no corpo do grande garanhão

pareceu produzir uma mudança corporal e espiritual ao mesmo tempo.

- Furacão! Furacão!

De novo o cavaleiro chamou a seu cavalo em voz baixa e penetrante, mas Furacão já não lhe ouviu.

O sol da manhã brilhava esplendoroso sobre a ondulante salvia, que do Vau se estendia como se fosse muito cor cinza.

Bostil estava sentado no soportal de sua casa, como homem que perdeu o vigor e o ânimo. Olhava para a névoa azul do Norte, por onde poucos dias atrás se desvaneceu quanto ele amava.

Todos os dias, do amanhecer até pôr-do-sol, tinha permanecido sentado ali mesmo, esperando e vigiando. Seus picadores estavam agrupados perto dele, silenciosos, cheios de pasmo ante sua agonia e esperando ordens que nunca chegavam.

Por detrás de uma rocha surgiu uma débil coluna de fumaça. Bostil a divisou e sentiu um sobressalto. por cima da salvia apareceu logo um objeto negro que movia-se. Era a cabeça de um cavalo e pouco depois foi visível também seu corpo.

-Sarchedon! -exclamou Bostil.

Fazendo ressonar as esporas, os picadores se agruparam atrás dele.

-Aí vem Plume -disse Farlane.

-E Two Face -acrescentou Vão.

-E Dusty Ben -disse outro.

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-E todos sem cavaleiro -disse a sua vez Bostil.

Todos ficaram imóveis, observando como os cavalos de carreira se aproximavam do trote e em fila ao longo da crista de rochas. O agudo relincho do Sarchedon deixou-se ouvir desde aquela distância, e dos campos e os currais responderam as vozes de centenares de cavalos...

Sarchedon e seus companheiros tomaram o trote comprido, logo começaram a galopar e muito em breve seus duros cascos ressonaram no pátio lajeado. Como enxame de abelhas, os picadores rodearam aos cavalos, agarraram-nos e os levaram ao Bostil.

No pescoço do Sarchedon descobriram uma mancha seca e de cor avermelhada. Holley, o cavaleiro dos olhos de gavião, apressou-se a examiná-la.

-Isto, sem dúvida, é o sinal de uma bala -disse.

-Quem disparou contra ele? -perguntou Bostil. Holley meneou sua cabeça cinza.

-Cheira a fumaça- observou Farlane, que se tinha ajoelhado junto às patas do cavalo-. correu atravessando fogo. vocês notem-se em que tem muitos cabelos chamuscados.

Os picadores se olharam com grave expressão.

-Parece que tenha atravessado o inferno -murmurou Holley.

Alguns dos picadores conduziram aos cavalos até os currais.

Bostil voltou a fixar seu olhar para o Norte. Estava pálido e com o cenho franzido e os dentes apertados.

Os picadores foram de um lado a outro, mas Bostil continuou de sentinela. Passaram as horas, chegou a tarde, esta transcorreu a sua vez e, ao fim, o sol perdeu seu brilhantismo e o céu se tingiu de vermelho.

De novo, como fumaça avermelhada sobre a crista, surgiram outras nuvens de pó, e pouco depois apareceu sobre a salvia um cavalo que levava uma figura grosa e de cor escura.

Bostil dió um salto e com voz insegura exclamou:

-É esse um cavalo cinza, ou estou cego?

Os cavaleiros não se atreveram a responder, pois queriam certificar-se antes. Fecharam quase os olhos para olhar e o silêncio foi intenso.

Holley amparou seus agudos olhos com a mão.

-Em efeito, é cinza, Bostil, cinza como a salvia. E assim me mora se não ser King.

-Sim, é King! -exclamaram muito agitados os outros picadores-. Não há dúvida! Com segurança é King. Não é possível equivocar-se.

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Bostil se estremeceu, esfregou-se os olhos como se com eles não pudesse ver e logo voltou a olhar -Quem o monta?

-Slone. Nunca vi ninguém que montasse como ele -replicou Holley.

-E o que leva? -perguntou Bostil com voz rouca.

Os agudos olhos daqueles homens distinguiram perfeitamente o brilho do cabelo dourado de Luzia, mas ninguém mais que Holley se atreveu a responder:

-É Luzia. Faz um momento que a vejo.

Um estranho olhar de alegria morreu nos olhos do Bostil. Aquela mudança impôs silêncio em seus homens. Todos observaram ao King enquanto trotava por entre a salvia. Levava a cabeça inclinada, sua pelagem era mais cinza que nunca e coxeava, mas seguia sendo Sage King, esplêndido como sempre e mais precioso para os olhos dos picadores, precisamente por haver-se o créído perdido. E avançou, apressando o passo, para ouvir as vozes de bem-vinda que surgiam dos currais.

Holley adiantou a mão com rapidez e disse

-Bostil, a menina vive e está sonriendo!

Os picadores observavam ao Bostil. Slone penetrou no pátio. Estava pálido e fatigado, e se cambaleava na cadeira. Levava um trapo ensangüentado que lhe enfaixava o ombro. Entre seus braços sujeitava a Luzia, a qual levava a jaqueta dele, mas, entretanto, um débil sorriso cruzava seu fatigado rosto.

Bostil proferiu algumas blasfêmias com voz que parecia um trovão longínquo e logo exclamou

-Luzia! Não está ferida gravemente?

E, ao responder, ninguém recordava ter ouvido nunca aquele tom de voz.

-Estou bem... papai-disse deixando-se deslizar pelo corpo do cavalo e caindo nos braços de seu pai.

Este beijou seu pálido rosto e a abraçou como se ainda fosse uma menina. Logo a levou a porta da casa e dió um par de rugidos à tia Jane.

Ao reaparecer viu que os picadores se dispunham a afastar-se do Slone, mas Bostil não via outra coisa que King. O cavalo estava talher de pó e de barro, cheio de arranhões; com as crinas enredadas, fatigado, mas, entretanto, seguia sendo formoso. Levantou a inclinada cabeça e se aproximou de seu amo com um olhar tão suave, profunda e eloqüente como pudesse ter sido a de uma mulher.

Nenhum cavaleiro dos ali pressente sentiu as dúvidas e as esperanças do Bostil. Tinha sido derrotado King? A glória e o orgulho do Bostil lutavam então com o amor. E apesar de que este era grande, sentiu o temor da derrota.

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Lentamente, seu olhar se afastou do Sage King para fixar-se na lonjura como se esperasse ver outro cavalo. Mas não apareceu nenhum mais. Por fim seus olhos duros fixaram-se no pálido rosto do Slone.

-foi uma viagem dura?-pergunto com voz entrecortada, embora todos compreenderam que não era esta a pergunta que queria fazer.

-Muito duro, fui-contesto Slone, que dava amostras de estar cansado e de ter poucas vontades de falar.

-E os Creech? -pergunto Bostil.

-Mortos.

Por entre os picadores correu um murmúrio e todos se aproximaram.

-Os dois?

-Sim. Joel Mato a seu pai lutando por apoderar-se de Luzia... E eu fiz que Furacão atropelasse ao Joel, que fico destroçado.

-Sinto-o pelo pobre velho -replicou Bostil com voz rouca-. Propunha-me lhe dar uma compensação. Mas quanto a aquele imbecil de moço... Observo, Slone, que tem você mancha de sangue.

Deu um passo para aproximar-se e retiro o trapo que cobria a ferida. Mostrábase curioso e animado por bondosos sentimentos, como se não tivesse mais remedeio que fazê-lo assim.

-Pegaram a você um tiro, né? Mas, enfim, a ferida não parece má e o celebro. Quem o fez?

- Cordts!

-Cordts? -exclamou Bostil com feroz interesse.

-Sim, Cordts. Ele e sua gente encontraram os rastros do Creech e logo nos vimos frente a frente. Agora não posso explicar o que aconteceu. Enfim, tivemos... maldito seja ! Mas Cordts morreu e o mesmo pode dizer-se do Hutchinson e do outro cupincha. Já nunca mais lhe tirarão o sonho, Bostil.

Slone pronuncio estas palavras com estranha severidade, que quase parecia amargura.

Bostil levanto seus dois enormes punhos. O sangue inchava seu grosso pescoço, dominado como estava por outra paixão.

Tão somente um violento esforço para dominar sua emoção lhe impediu de dar um abraço ao Slone. Por fim se abriram seus punhos e moveu os grandes dedos.

-Devo entender que fez você com o Cordts e com o Hutchinson quão mesmo com o Sears? - grito.

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-morreram, Isto Bostil basta -replicou Slone.

Holley estendeu sua mão moréia, até que esteve perto do rosto do Bostil, e lhe gritou:

-Que lhe disse? Não lhe aconselhei esperar?

Bostil se esforçou por esquecer a fúria da paixão e, ao parecer, não fico nele outra coisa que uma muda e invencível admiração. Seguiu um momento de silêncio e lospicadores ficaram observando o fatigado rosto do Slone, enquanto Bostil se inclinava para ele.

-Onde está o garanhão vermelho? -perguntou por fim fazendo aquela pergunta que lhe resultava tão difícil. Slone levanto os olhos com expressão de dor; mas, sem embargo, cintilaram ao olhar ao Bostil.

-Furacão morreu!

-morreu? -exclamo Bostil.

Seguiu um momento de silêncio, cheio de ansiedade.

-De um tiro? -contínuo.

-Não.

-Pois quem o Mato?

-King. Venceu-lhe na carreira.

Começaram a tremer os músculos do rosto do Bostil e também sua mão se poso, insegura, sobre as crinas do Sage King, pois aquela era a primeira vez que tocava-o desde que seu favorito havia tornado.

-Como foi isso, Slone?-disse com voz insegura e ao mesmo tempo suave, enquanto se transfigurava seu rosto.

-Salte King arrebentou a Furacão. Fué uma carreira magnífica, Bostil. Mas Furacão morreu e aqui trago para o King. Agora não pergunte mais, porque desejo esquecer.

Bostil rodeio com seu braço os ombros do jovem.

-Slone, nenhum caballista da terra compreenderá seus sentimentos se eu não me fizer cargo da dor que tem que lhe haver produzido a perda de um cavalo tão estupendo. Moços, lhe acompanhem todos a casa e lhe cuidem o melhor que possam!

Bostil queria ficar solo para dar a bem-vinda ao King e devolvê-lo ao curral, possivelmente para ocultar aos olhos de tuda a mudança de sentimentos que em adiante não lhe permitiriam prejudicar a outro homem.

Poucos dias depois, as últimas chuvas chegaram como por arte de magia; a salvia ficou verde, lustrosa e fresca, e o cinza se converteu em púrpura.

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Cada manhã o sol se elevava branco e ardente em um céu azul e espaçoso. Mas em seguida a delineia do horizonte aparecia coberta de nuvens amareladas que se estendiam pelo firmamento, obscurecendo-o. Cada tarde havia uma tormenta e logo aparecia o arco íris, que mostrava a beleza de suas cores. Às vezes, a negrume das nuvens tempestuosas ficava atravessada pelo fulgurante cintilação de um raio, e o trovão rodava pelo firmamento retumbando como o Avermelhado na época das enchentes.

O vento era aromático, carregado com os eflúvios da salvia, e na sombra já não era seco e ardente, a não ser fresco e úmido.

Slone e Luzia, em seus passeios a cavalo, nunca foram além dos majestosos monumentos, embora estes lhes recordavam não só costure doces, mas também também amargas e tristes. Luzia não montava ao King. Em este estava acostumado a cavalgar Slone, que, pouco a pouco, foi cobrando carinho. Além disso, Luzia já não queria competir com ninguém à carreira. Quando Slone tratava de despertar nela suas antigas afeições, por toda resposta não recebia mais que um movimento de cabeça ou uma gargalhada, que ocultava a verdadeira razão ou a desculpa de que ainda não se curaram seus tornozelos por causa das cordas que neles atasse Joel Creech. A jovem se sentia em extremo feliz, mas era muito possível que nunca mais queria montar um cavalo para uma carreira.

Cavalgava no Sarchedon e gostava de trotar ao lado do Slone, enquanto ambos, com as mãos entrelaçadas, contemplavam o longínquo horizonte. Mas os olhares de ela se dirigiam ao norte, 'a aquela região longínqua, cruzada por ásperos canhões que foram parar à imensa meseta coberta de pinheiros.

-Não quererá alguma vez que vamos ao lugar em que eu estava acostumado a te esperar? -perguntou Slone.

-Algum día-respondia ela com suave acento.

-Quando?

-Quando voltarmos do Durango -replicou ela desviando o olhar e ruborizando-se.

E Slone ficou silencioso, porque aquela projetado viagem ao Durango, aonde tinha que receber um precioso dom, dilatava seu coração.

E assim, naquele dia, enquanto ante eles brilhava o arco íris, rodeado de nuvens tempestuosas, em tanto que sobre suas cabeças o céu estava azul e sereno, os dois jovens se encaminharam ao vale. Uma vez ali, e antes de que se dispor a retornar, viram pouca distância os monumentos, que pareciam mais grandiosos que nunca, tendo em segundo término as rochas de cor purpúrea e uma nuvem luminosa de luz dourada. Pareciam sentinelas, guardiães de um grande e formoso amor, nascido ao pé de suas majestosas formas, no solitário silêncio do dia e nas sombras da noite, só iluminadas pelas estrelas. E aquelas rochas eram como aquele amor, e presidiam o de Luzia e Slone, a quem via todos os dias, lhes proporcionando um aprazível contente e obrigando-os a ser fiéis ao amor, à enorme extensão coberta pela salvia, a aquela vida ao ar livre e a aquele lugar, situado nas desabitadas terras altas.

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FIM

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2 Librodot Furacão Zane Grei

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