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A obra ”Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiésvski, à luz da Psicanálise de Sigmund Freud Élio Braz Mendes Recife, 14 de julho de 2006. Sumário 1.Apresentação 2.O tempo – Uma introdução à obra e aos autores 2.1.Biografia de Dostoiévski 2.2.Biografia de Freud 3.A obra - “Crime e Castigo” 4.A obra – A Psicanálise 5.Crítica de Freud a Dostoievski 5.1.A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos

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√A obra ”Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiésvski, à

luz da Psicanálise de Sigmund Freud

Élio Braz Mendes

Recife, 14 de julho de 2006.

Sumário

 1.Apresentação

   

 2.O tempo – Uma introdução à obra e aos autores

         2.1.Biografia de Dostoiévski

         2.2.Biografia de Freud

          

 3.A obra - “Crime e Castigo”

        

 4.A obra – A Psicanálise

    

 5.Crítica de Freud a Dostoievski

        5.1.A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processos

jurídicos         

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        5.2.Os tipos de caráter, uma classificação da psicologia do

crime

 6.Conclusão- O Direito e a Psicanálise 

  

 7.Referências

  

1. Apresentação

Este trabalho é uma abordagem psicanalítica do romance ”Crime e Castigo”, de Dostoiévsi, e serviu de reflexão ao estudo do Direito Penal na disciplina História das Idéias Penais, ministrada pelo Professor Ricardo Brito, no primeiro semestre de 2006, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco.Um estudo de sala de aula, com apresentação em seminário da disciplina, e que não pretende aprofundar o estudo da Psicanálise, mas apenas reviver a obra literária com sabor de estudo interdisciplinar do Direito e da Psicanálise.É apresentada uma introdução biográfica dos autores das obras literária e psicanalítica, para depois ter lugar à descrição dos personagens e um breve resumo dos complexos da metapsicologia freudiana.A crítica de Freud à obra de Dostoiévski é uma colaboração ao trabalho, e traz respostas a algumas curiosidades sobre os personagens do romance.

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Também é descrita a visita à Universidade de Viena, feita por Freud, em 1906, a convite do cadetrático de jurisprudência, o Professor Löffler, quando ele apresentou uma classificação dos agentes criminosos e descreveu tipos de caráter, um estudo sobre a psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos.A proposta é demonstrar que o Direito e a Psicanálise têm uma história de encontros, e a interdisciplinariedade é uma necessidade para a evolução científica da pesquisa, que é tema de importantes estudos no Brasil e no mundo.                                                                                                     

  

2. O tempo – Uma introdução aos autores

O encontro de Fiódor Mikháilovitch Dostoievski (1821-1881) com Sigmund Freud (1856-1939) não aconteceu no tempo, mas ocorreu nas obras de seus autores, pois a literatura de Dostoiévski antecedeu a psicanálise de Freud em seus complexos através da psicologia dos personagens. De culturas contemporâneas, em plena ascensão do cientificismo natural, encontraram espaço para o homem individualizado em suas potencialidades psicológicas, não adstrito ao bisturi das ciências naturais, que tentava explicar o homem como objeto de uma ciência estática, de causa e efeito.Os personagens de Dostoiévski mudaram a compreensão da sociedade do século XIX sobre o universo psicológico do homem, e a Psicanálise, na virada do século, oportunizou a descoberta de um conteúdo ideativo[1] perturbador, que alterou o sentido da fala e da ação humana.

2.1.Biografia de Dostoiévski

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O romance “Crime e Castigo” foi publicado em 1866, quando o

autor Fiódor Dostoievski, nascido em 30 de outubro de 1821,

contava com 45 anos de idade, e vivia em São Petersburgo na

então Grande Rússia dos Czares.

 O autor havia estreado na literatura russa em 1846 com o

romance “Gente pobre”, refletindo a sua trajetória de vida e a

realidade política da época, e “introduzindo mudanças profundas

nas formas de representação literária até então dominantes e

provocando reações opostas da crítica. Os críticos de esquerda o

saúdam com entusiasmo, os de direita o recebem a pedradas.

Essa relação com a crítica marcaria toda a vida e a obra desse

romancista. (BEZERRRA, p.6, 2006)”.

         Desde criança o autor manteve uma forte ligação afetiva e

literária com o irmão mais velho Mikhail, fundando juntos as

revistas “O Tempo” (1861) e “A Época” (1864), perderam a mãe

em 1837, de tuberculose, e o pai, médico, em 1839, assassinado

por empregados de sua propriedade rural. Toda a sua vida foi

marcada por tragédias e fortes emoções, o que torna a sua obra

um retrato de suas experiências e assim autobiográfica.

Esta característica autobiográfica de seus romances é evidente

em seus personagens, e indica como o autor lançou na literatura a

carga emotiva e psicológica de suas vivências, o que, sem dúvida,

tornou os seus livros uma revolução para os padrões de

comportamento da época.Assim foi o tempo para este grande romancista e criador de um

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novo gênero romanesco, o romance polifônico[2], com religiosidade e profundidade psicológica. Esta é a característica mais marcante em toda a obra do autor, com forte traço autobiográfico, onde seus personagens refletem o mundo pessoal de Dostoiévski.Na política, Dostoiévski participou em 1847, de um grupo de socialistas utópicos[3], época do governo autoritário do czar Nicolau I, e por suas idéias foi condenado à morte, sentença que foi suspensa, mas viveu o exílio, o desespero de relacionamentos tempestuosos e mortes familiares, ainda a bancarrota, jogos de azar e crises de epilepsia até a sua morte em 1881.Na sua vida pessoal destaca-se o casamento com a viúva e tuberculosa Maria Dmítrievna, em 1857. Tem um tempestuoso romance com a jovem Paulina Suslova em Paris, quando envolve-se com jogos de azar e perde tudo o que tinha. Em 1864, morrem a mulher Maria e o irmão Mikhail, em desespero parte para a Europa e perde o que tinha em jogos na roleta de Wiesbaden. Em 1867 casa-se com a jovem Ana Grigoriévna Snitkina, sua estenógrafa e parte mais uma vez para a Europa onde sucumbe no jogo novamente. Em 1868 nasce sua filha Sofia que morre aos três meses de vida. Em 1869 nasce outra filha, Liubóva, e em 1875 nasce o filho Alexei, que morre em 1878 após crise de epilepsia. O escritor com quase 59 anos falece em 28 e janeiro de 1881, pouco depois de publicar seu último romance Os Irmãos Karamazov (1880), e é sepultado com reconhecida notoriedade, embora não tenha alcançado sucesso na vida e viveu afundado em dívidas e crises de epilepsia.Após a sua morte Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski foi aclamado como o maior romancista da literatura russa. A sua obra teve reconhecimento crescente enquanto vivo, suas obras foram O Duplo (1846), Gente pobre (1846), Noites Brancas (1848), Nietótchka Niezvânova (1849), Recordações da casa dos mortos (1860), Humilhados e ofendidos (1861), Recordação da casa dos

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mortos (1862), Notas de inverno sobre impressão do verão (1863), Memórias de subsolo (1864), Crime e castigo (1866), Um jogador (1866), O eterno marido (1869), O mensageiro russo (1868), O idiota (1868), Os demônios (1871), Diário de um escritor (1873), O adolescente (1875), Duas narrativas fantásticas (1876) e Os irmãos Karamazov (1880).Toda a sua obra de caráter complexo e religioso marcou uma narrativa literária de profundidade psicológica definindo uma nova maneira de personagens carregados de multiplicidade emocional, “tudo isso confirma as palavras de Otto Kaus, estudioso alemão do romancista, segundo quem todos os leitores de Dostoievski – o realista, o místico, o utópico, o católico – podem tirar conclusões relacionadas com a sua visão de mundo. Definir Dostoievski apenas como um romancista religioso é altamente complexo. Para alguns adeptos desse tipo de enfoque, Chátov, de Os demônios, é a síntese da religiosidade de seu criador. (Bezerra, p.13, 2006)”.    A religiosidade ficou como traço característico em todos os personagens do autor, pois “todos os romances de Dostoievski versam sobre a relação com Deus. Em“Os irmãos Karamazov, o tema principal é a descida do espírito santo sobre os homens.(STEPANYAN, p.27, 2006)”.Uma obra sem tempo, permitida ao ser humano em sua eternidade, “fala-se da intransitividade da obra, a obra é, diz.(PESSANHA, p.21, 2006)”.

 

2.2.Biografia de Freud

Um dos mais importantes pensadores do século 20, Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856, na cidade de Freiberg, então Império Austríaco, e morreu aos 83 anos, em 1939, na cidade de Londres.

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Em 1882 forma-se em Medicina, e especializando-se em neurologia, passou a receber, como assistente, os pacientes de Dr. Breuer, famoso neurologista da época. Juntos criaram o método catártico[4] para tratar a histeria, a partir do caso Ana O, pseudônimo da paciente Berta Pappenheim, que teve trabalho publicado conjuntamente em 1893.No ano de 1907 Freud pronunciou palestra na Universidade de Viena, em Seminário do Professor Löfler, catedrático de jurisprudência, onde mostrou que as descobertas de Zurique [5]não passavam, na verdade, de aplicações particulares de princípios básicos da psicanálise, indicando o perigo de tirar conclusões apressadas dos resultados dos testes de associação.  Os editores Fülöp-Miller e Eckstein, em 1925, convidaram Freud para escrever sobre Dostoiévski e sua obra “Os irmãos Karamazov”, e apenas em 1928 o ensaio é publicado, tendo Freud considerado Dostoievski como um dos primeiros entre todos os escritores.   Freud através do método de associação livre afirmou que existem desejos inconscientes que são manifestos paulatinamente, segundo vias associativas em uma fala não dirigida e em uma escuta também. O método psicanalítico[6]estava criado e sustentado por uma rede coerente de hipóteses e conceitos a que Freud chamou de metapsicologia.Somente em 1990 é publicado o livro “A interpretação dos sonhos”, no qual descreve o que chama de aparelho psíquico, “retomando hipóteses elaboradas em 1895, descreveu um dispositivo chamado por ele de aparelho psíquico que comporta uma diferenciação espacial de lugares, uma tópica (consciente, pré-consciente e inconsciente), (MENEZES, p.45, 2006).Sem dúvida a obra polêmica de Freud tem relação com as demais ciências e oferece uma possibilidade nova para compreensão da mente humana, e tem colaborado na tentativa de construção de um conhecimento que serve também ao Direito, pois “a

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neuropsicanálise é um desenvolvimento recente que tem permitido diálogo e construção com as ciências humanas de áreas comuns de pesquisa e estudo de conceitos básicos da Psicanálise, assim como as neurociências. Ao mesmo tempo, a interlocução com a Filosofia, a crítica literária, a história e a Antropologia, entre outros saberes, produz novos e estimulantes desenvolvimentos. (ELZIRIK, p. 43, 2006)”.    

   

   

  3. A obra - “Crime e Castigo”O romance tem o personagem principal, Raskólnikov,  um jovem torturado pela idéia de que lhe era permitido cometer um assassinato, desde que a morte da vítima representasse um serviço prestado aos demais. A idéia do jovem assassino é que os indivíduos são divididos em duas categorias, os extraordinários e os ordinários.”Os extraordinários são os portadores da idéia nova, em nome desta podem sacrificar os ordinários, que são a massa, o material de que os extraordinários não só têm o direito, mas o dever de lançar mão para concretizar suas idéias. (BEZERRA, p.6, 2006)”.  O jovem Raskólnikov comete o crime de duplo homicídio, e rouba dinheiro e jóias, dos quais não faz uso, servindo-se da angústia de torturar-se e organizar-se mentalmente para aceitar a sua própria teoria de que matou para fazer um bem à sociedade.Os personagens vivem a idéia de limite e seguem o desespero de Raskólnikov, que perpassa o tema limite da polêmica de ser como Napoleão Bonaparte, que matou muitos em benefício de uma causa maior, que “derramou rios de sangue para consolidar a civilização burguesa, que tem em sua macroestrutura o sistema bancário como símbolo maior. Daí podemos inferir que, se Napoleão cometeu tais crimes e a história o absolveu, por que

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Raskólnikov não pode matar uma mísera velha agiota, que repete na microestrutura da sociedade o que o sistema bancário faz na macroestrutura....Diante do fracasso da sua tentativa de tornar-se Napoleão, ele constata, para sua amargura: “A velhusca foi um absurdo!... vai ver... foi mesmo um erro, mas não é nela que está a questão! A velha foi apenas uma doença... eu queria ultrapassar o  limite o quanto antes...eu não matei uma pessoa, eu matei um princípio!(BEZERRA, p.9, 2006)”.        A questão do crime como consequência de um estado psicológico limite, de uma subjetividade extrema, encontra na teoria psicológica da culpabilidade uma explicação para a motivação psicológica do agente, e segundo seus defensores a culpabilidade reside na relação subjetiva, predominantemente psicológica, entre o fato e o autor.[7] O personagem Raskólnikov desejava um resultado e tinha uma finalidade a ser alcançada, ao dizer que não matou uma pessoa, mas um princípio.Tinha uma motivação psicológica para justificar o ato criminoso, que para ele não constituía um erro a ser punido, mas um ato de coragem extraordinária que merecia reconhecimento de todos.São personagens com linguagem própria e consciência dessa condição, com preservação do núcleo de sua individualidade contra qualquer padronização. Daí a contribuição dostoievskiana para a busca do respeito às diferenciações e diversidades, adverso à massificação que tentava na época imprimir a ciência naturalista, com conseqüências no positivismo criminológico.A descrença e a dúvida são características dos personagens dostoievskianos. Eles vivem no limite psicológico, entre a motivação intra-subjetiva e a ação. É o homem metafísico, privado da consciência, “cujo único equivalente racional é a resolução de parar de se torturar, o indivíduo racional muda para o hedonismo culposo. (BERNADINI, p.22, 2006)”. É nesta seara psicológica que se dá o encontro das obras de

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Freud e de Dostoievski. Na literatura, através dos personagens que mergulham na sua individualização, até os extremos da tortura psicológica e ações limítrofes. Na psicanálise, através da criação do arcabouço teórico, a partir deste mesmo mergulho intra-subjetivo, do método catártico, da fala livre e da associação não dirigida para cessar a angústia e a tortura psicológica.Uma revolução na sociedade tradicional ocidental que tinha a verdade posta nos modelos padronizados e massificadores. “Um universo em que tudo se transforma em sentimento, e os sentimentos são promovidos à categoria de valor e de verdade. O homem é uma entidade espiritual que se debate entre o bem e o mal. (BRÓDSKI apud BERNADINI, p.22, 2006)”. Nunca mais fomos os mesmos.

      4. A obra – A Psicanálise

         A descoberta do inconsciente foi a maior contribuição de Freud para a ciência ocidental, e partir daí uma escuta diferente do homem passou a ser feita em todas as ciências, pois “se radicalizarmos essa perspectiva, poderíamos perguntar se é no erro, na falha, que se encontra o que realmente importa, o essencial para o sujeito que fala e para os que ouvem. A verdade de verdade para ele. Se isso não for apenas uma piada, se for para valer, estaríamos minando o templo da Razão, estaríamos dizendo que a verdade não está onde parece estar, mas onde parece não estar? (MENEZES, p.47, 2006)”.Na metapsicologia de Freud consistem temporalidades diferentes funcionando nas instâncias psíquicas e a memória não existe de forma simples, ela é múltipla, registrada em diferentes variedades de signos, “na psicanálise, o tempo e memória só podem ser considerados no plural. (ALONSO, p. 52, 2006)”. As Tópicas de Freud de organizar o estudo do consciente, pré-

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consciente e inconsciente, e do id, ego e superego, trouxeram mais luz ao que se pretendia explicar para estruturar a teoria psicanalítica. São temas que merecem mais tempo de pesquisa e não são objetos deste trabalho. Mas, enfim a Psicanálise foi e é, uma visão ousada de pesquisar cientificamente a mente humana.Uma nova contribuição para os pesquisadores da verdadeira ciência que nunca se encerra em resultados finais. “Para Freud, toda pretensão à última palavra sobre o sujeito é sempre uma impostura. (COSTA PEREIRA, p. 56, 2006)”.Não temos outra ciência, ou arte, que venha substituir a Psicanálise, e “em nossos tempos de alta tecnologia, de ciência triunfante e de incessantes progressos médicos, genéticos e cibernéticos, a proposta de um método racional de interpretação dos sonhos, tal como formulada por Freud no alvorecer do século 20, pode parecer prosaica e extemporânea. Ela revela, contudo, o caráter insuportável da pretensão de se dizer a última palavra que traduziria integralmente um sujeito, seja um jogo de linguagem neurobiológico, seja em uma retórica psicologizante. Afinal de contas, quem toleraria ser completamente explicado pela razão e pela lógica totalizante do outro? (COSTA PEREIRA, p.59, 2006)”.    

      5. Crítica de Freud a Dostoiévski

A Crítica de Freud a Dostoievski, em seu artigo de 1928, trouxe uma visão rica da personalidade do romancista, que Freud chamou de o artista criador, o neurótico, o  moralista e o pecador, e perguntou como encontrar o caminho nessa desnorteada complexidade.A avaliação literária de Freud era temerária, por não ser um crítico de literatura, mas não poupou elogios afirmando que “o artista

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criador é o menos duvidoso: o lugar de Dostoiévski não se encontra muito atrás de Shakespeare. Os Irmãos Karamassovi são o mais grandioso romance jamais escrito. (FREUD, vol.XXI, p. 205, 1974)”.Freud apontou a neurose do autor e desferiu uma crítica dura ao homem moralista, afirmando que ele sucumbiu ao seu próprio medo[8], e que sua neurose o condenou ao fracasso. É uma análise da pessoa, do homem Dostoiévski, mas também dos personagens, que são autobiográficos. Ao mesmo tempo Freud o considerou fora de análise pela sua complexidade e que nas coisas mínimas era um sádico para com os outros, e nas maiores, um sádico para consigo mesmo, na verdade um masoquista, vale dizer, a pessoa mais branda, bondosa e prestimosa possível, “a extraordinária intensidade de sua vida emocional, sua disposição instintual inata e pervertida, que, inevitavelmente o marcava para ser um sado-masoquista ou um criminoso, e seus dotes artísticos inanalisáveis. Essa combinação poderia muito bem existir sem neurose; há pessoas que são masoquistas completas sem serem neuróticas. (FREUD, vol. XXI, p. 207, 1974)”.A epilepsia de Dostoievski foi tomada por Freud como um sintoma de sua neurose, de uma vida emocional excessiva, via de regra insuficientemente controlada, mas que podem ocorrer em pessoas que apresentam um desenvolvimento mental completo e não apenas em pessoas de impressão obtusa e desenvolvimento interrompido, e assim esta abordagem[9] da doença que o romancista russo tinha foi analisada e apontada de forma objetiva pelo psicanalista vienense.A questão do parricídio na obra do autor é apontada como o trauma mais severo que Dostoievski passou quando da morte violenta de seu pai, que foi assassinado por servos de sua propriedade rural em Daróvoide, em 1839, e constituiu o traço mais forte de sua personalidade, a busca incessante pela figura

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do pai. Vale lembrar que “no campo psicanalítico, a noção de pai é investida de uma conotação bem particular. O pai a que nos referimos permanece, sob certos aspectos, excluído da acepção comum que dele fazemos, de saída e quotidianamente, enquanto agente da paternidadde comum. Neste sentido, por pouco que tenhamos entretanto que considerá-lo como um ser, trata-se menos de um ser encarnado do que de uma entidade essencialmente simbólica que ordena uma função. De fato, a instância do Pai simbólico é antes de mais nada a referência à Lei da proibição do incesto...(DOR, p.14 e 16, 1991)”.Para esclarecimento dos crimes presentes nos romances do autor, e em especial o parricídio em “Os Irmãos Karamázov”, o sentimento de culpa é analisado como um fator determinante dos comportamentos simbólico do autor e de seus personagens, “o parricídio, de acordo com a conceituação bem conhecida, é o crime principal da humanidade, assim como do indivíduo. (Ver meu Totem e Tabu, 1912-13). É, em todo caso, a fonte principal do sentimento de culpa, embora não saibamos se a única; as pesquisas não conseguiram estabelecer com certeza a origem mental da culpa e da necessidade de expiação. (FREUD, vol. XXI, p.211, 1974)”.Os personagens de ”Crime e Castigo” oferecem uma clara evidência de traços de culpa e expiação, o jovem Raskólnikov, após a prática do crime padece de tremores e calafrios, febres intensas até a revelação por ele mesmo do ato criminoso, que para ele representava um ato de um ser extraordinário, de coragem e grande benefício à humanidade, revelando ainda o sentimento de neurose da castração sadomasoquista[10], quando manifesta sentimentos de masoquismo e punição pelo afastamento voluntário da própria família que afirma amar.Estes são os personagens que apresentados nos romances revelam a própria alma do autor, e serviu de verdade psicológica para toda uma geração na virada para o século XX.

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Ainda, na crítica freudiana, é apontada a simpatia de Dostoiévski para o criminoso, ele não se desligava desta temática, e esta figura era um redentor. O próprio escritor em sua vida pessoal, como jogador contumaz e dado ao vício, tinha na origem da masturbação, que leva ao jogo das mãos, a inclinação aos jogos e ao desejo viver limites. Ainda afirmou que a inclinação do autor aos sentimentos de castração era uma demonstração do desequilíbrio psíquico e do ódio que vivenciava pelo pai[11]. Apontou ainda a bissexualidade e os desvios de conduta, até mesmo de uma suposta pedofilia dos personagens, que revelam a instabilidade psíquica do autor.[12].

5.1.A psicanálise e a determinação dos fatos nos processos

jurídicos

             A psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos (Tatbestandsdiagnostik und psychoanalyse) foi o tema de uma palestra dada por Freud, em 1906, na Universidade de Viena, a convite do Professor Löffler, catedrático de jurisprudência daquela escola de Direito.Freud naquela ocasião pretendia apresentar aos participantes do Seminário uma visão da sua teoria da psicanálise, a partir da associação livre e da criação do método catártico criado por ele e Breuer, anos antes em 1893.O ponto mais importante a ser destacado neste trabalho é a afirmação de Freud de que existe falta de fidedignidade nas declarações feitas por testemunhas, sobre as quais, se apóiam tantas condenações nos tribunais e a diferença entre o criminoso e o histérico em relação á sua culpa pelo crime praticado.Para ele, a técnica da associação livre pela indução de uma

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palavra chave e as respostas não induzidas de outras palavras para se chegar ao conteúdo ideativo[13] e conhecer respostas ocultas da consciência, não servem como método para a investigação processual. Afirmando que “gostaria também de assinalar que o teste dos senhores pode estar sujeito a uma complicação que, em virtude de sua própria natureza, não ocorre na psicanálise. Os senhores, em sua investigação, podem ser induzidos a erro por um neurótico que, embora inocente reage como culpado, devido a um oculto sentimento de culpa já existente nele e que se apodera da acusação. (FREUD, vol.IX, p.114, 1976)”.Quanto à classificação de agentes de crimes, em criminosos e neuróticos, ele deixa clara a diferença de suas motivações e ações, e faz uma analogia afirmando: “diante do espanto dos senhores, devo estabelecer primeiro uma analogia entre o criminoso e o histérico. Em ambos defrontamos com um segredo, alguma coisa oculta. Para não incorrer num paradoxo, devo em seguida apontar a diferença. O criminoso conhece e oculta esse segredo, enquanto o histérico não conhece esse segredo, que está oculto para ele mesmo. (FREUD, vol. IX, p.109, 1976)”.Esta classificação estabelece uma relação da consciência da culpabilidade, que nada mais é do que a consciência da antijuridicidade, a capacidade de entender[14] e fazer uma escolha de agir contrário ao Direito, que é uma questão crucial para o Direito Penal. No romance “Crime e Castigo”, o jovem Raskólnikov age como um neurótico, pois a todo tempo afirma ter realizado um bem para a humanidade e sua culpa lhe está oculta, não sendo flagrado nem descoberto pelo aparelho policial e judiciário, mas sim fazendo ele mesmo uma revelação do seu feito, e não como um crime, mas como um fato extraordinário, de um ser extraordinário.Para Freud o neurótico tem uma autêntica ignorância sobre o segredo, a culpa, e o criminoso apenas faz uma simulação de

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ignorância. “Na psicanálise o paciente ajuda a combater sua resistência através de esforços conscientes, porque espera lucrar com essa investigação, isto é, curar-se. O criminoso, ao contrário, não colabora com o trabalho dos senhores; se o fizesse, estaria trabalhando contra todo o seu próprio ego. (FREUD, vol. IX, p. 113, 1976)”.Com esta participação no Seminário na Escola de Direito da Universidade de Viena, em 1906, Freud inaugura, ele mesmo, o encontro entre a Psicanálise e o Direito. E, embora tenha negado a utilidade das técnicas psicanalíticas para o campo das investigações dos fatos nos processos judiciais, deixou uma contribuição valiosa para a compreensão da mente do criminoso, e garantiu a possibilidade de um diálogo entre as duas áreas de atuação das relações intra-subjetivas e inter-subjetivas do homem.    

5.2.Os tipos de caráter, uma classificação da psicologia do crime

Apesar da negativa de Freud de que a técnica psicanalítica não serve à investigação dos fatos nos processos judiciais, ele escreveu sobre alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico, que podem colaborar para a compreensão da psicologia do crime.Os traços de caráter são importantes para a caracterização e tipificação da ação criminosa, e, neste trabalho, Freud trouxe primeiro as exceções de caráter, que são os pacientes que tiveram experiências e sofrimentos desde a primeira infância, e em relação aos quais eles sabiam não ter culpa, podendo encará-los como sendo uma desvantagem injusta a eles imposta.”Os privilégios que reclamavam como resultado dessa injustiça, e a rebeldia que ele engendrava, contribuíram, e não em pequena dose, para intensificar os conflitos que levaram à irrupção de sua

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neurose (FREUD, vol. XIV, p.353, 1974)”.Os demais tipos de caráter são “os arruinados pelo êxito” e “os criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa”.Os tipos de caráter chamados de “os arruinados pelo êxito” encerram uma paradoxal realidade psíquica, pois são aquelas pessoas que carregam uma neurose gerada pela privação de sua energia vital, a libido[15]. E, estas pessoas adoecem quando um desejo profundamente enraizado e de há muito alimentado atinge a realização. Estas pessoas agem como se não fossem capazes de tolerar sua felicidade.Os tipos de caráter chamados de “os criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa” são as pessoas que já carregam um sentimento de culpa antes de uma ação criminosa, e que “o trabalho analítico trouxe então a surpreendente descoberta de que tais ações eram praticadas principalmente por serem proibidas e por sua execução acarretar, para seu autor, um alívio mental. Este sofria de um opressivo sentimento de culpa, cuja origem não conhecia, e, após praticar uma ação má, essa opressão se atenuava. Seu sentimento de culpa estava pelo menos ligado a algo. (FREUD, vol.XIV, p. 375, 1974)”.São estes os tipos de caráter dos criminosos que servem a uma abordagem jurídica, uma compreensão das motivações e ações criminosas, merecendo um estudo mais aprofundado para a criminologia.    O Direito se ocupa das ações humanas, dos valores tutelados e da normatização destas condutas. “Outrora, o juízo de culpa podia até prescindir de qualquer ligação psicológica entre o autor e o evento, mas hoje ele alarga até ao setor da formação do caráter. Fala-se de uma culpa pela condução da vida, de uma culpa não só por cada uma das ações praticadas, mas também pelo teor delituoso que se deu à vida. (BETIOL, p.22, 2003)”.Assim o estudo dos tipos de caráter dos criminosos pela Psicanálise, traz respostas que colaboram com o Direito, em

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especial a criminologia.

  

6.Conclusão -  O Direito e a Psicanálise

       Na Psicanálise, no Direito e na Literatura, o grande significado histórico está em trazer o homem para o centro da investigação e preocupação. Deu-se início a uma busca das possibilidades psicológicas e do futuro deste homem completo. No campo do Direito ”os culturalistas estão mais ligados à concepção da filosofia da consciência do que à filosofia da linguagem. Esta última resulta do movimento analítico da filosofia em que se abrem novas perspectivas de reflexão, tendo por base a análise lingüística e semiótica, caracterizando assim o chamado giro lingüístico da filosofia ocorrente no século XX. A partir daí, a pragmática jurídica ganha destaque com os trabalhos de Wittgeinstein da segunda etapa, Searl, Austin, entre outros.(CAFFÉ, p.116, 2003)”.Sem dúvida a obra polêmica de Freud tem relação com as demais ciências e oferece uma possibilidade nova para compreensão da mente humana, e tem colaborado na tentativa de construção de um conhecimento que serve também ao Direito, pois “a neuropsicanálise é um desenvolvimento recente que tem permitido diálogo e construção com as ciências humanas de áreas comuns de pesquisa e estudo de conceitos básicos da Psicanálise, assim como as neurociências. Ao mesmo tempo, a interlocução com a Filosofia, a crítica literária, a história e a Antropologia, entre outros saberes, produz novos e estimulantes desenvolvimentos.(ELZIRIK, p. 43, 2006)”.   É neste plano da linguagem que encontramos uma linguagem

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do discurso tanto para o Direito como para a Psicanálise, e não é muito simples fazer a interlocução entre ambos os ramos de conhecimento. Também não é este o propósito apresentado, mas sim afirmar esta possibilidade para ilustrar a crítica de Freud à obra de Dostoievski.Como precursores deste encontro do Direito e da Psicanálise, temos o trabalho dos professores Pierre Legendre, professor de Direito Romano na França, e Peter Goodrich, jurista inglês, que em setembro de 1993, realizaram em Nova Iorque um Seminário sobre o tema.No Brasil, dentre outros, temos os trabalhos do Professor Célio Garcia, da Universidade Federal de Minas Gerais, realizado em 1976, e o Encontro Brasileiro de Direito e Psicanálise, em Curitiba no ano de 1994, e ainda em Belo Horizonte, em 1994, a Jornada de Direito e Psicanálise promovida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

    

 7.Referências

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BERNADINI, Aurora Fornoni. IDÉIA E SENTIMENTO. Revista

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2003.

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Revista CULT, Biografia e Crítica, nº 4. São Paulo: Editora

Bregantini, 2006.

 

 Notas: 

[1] Conteúdo ideativo é toda a informação existente no

inconsciente, presente somente no mundo próprio da pessoa

analisada, vindo ao consciente e tornando-se conhecido através

da técnica psicanalítica.[2] “O russo Mikhail Bakthin (1895-1975) criou uma das categorias mais atraentes da teoria literária das últimas décadas do século 20: polifonia. Tomando a palavra de empréstimo da arte musical, isto é, o efeito obtido pela sobreposição de várias linhas melódicas independentes mas harmonicamente relacionadas, Bathkin emprega-a no seu livro sobre Dostoievski, publicado pela primeira vez em 1929, para definir especificamente tanto a obra de Dostoievski quanto o que ele chama de “um novo gênero romanesco”,  o “romance polifônico”.(TEZZA, p.24, 2005)”.

[3] Círculo Petratchévski, que se reuniam em São Petersburgo.

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Dostoiévski é preso em 23 de abril de 1849, sob a acusação de participar das conspirações do círculo de Petratchévski, é condenado à morte em novembro. Em 22 de dezembro, diante do pelotão de fuzilamento, recebe a notícia de que o czar Nicolau I comutara a pena de morte em prisão a Sibéria – cena patética montada pelas autoridades, que esperaram o momento da execução para anunciar que ele havia sido perdoado. Deixa o presídio na Sibéria em fevereiro de 1854, após 4 anos de trabalhos forçados, mas vive o exílio por dez anos, saindo de lá em 1860.[4]“Chegavam, desta maneira, a acontecimentos carregados de emoção e que, uma vez falados, resultavam no progressivo desaparecimento dos sintomas e em uma nítida melhora do estado da paciente. Breuer estava muito envolvido com esse tratamento sem que pudesse imaginar que ele próprio poderia se tornar objeto das fantasias da paciente. A descoberta de transferência só seria feita por Freud por volta de 1895. O fato é que ela (Ana O), acabou se declarando grávida do médico. Assustado com a situação criada, que ameaçava tanto a sua reputação profissional como o seu casamento, interrompeu de imediato e de forma definitiva o atendimento da jovem e viajou com sua mulher para Veneza. Breuer guardava cuidadosas anotações desse estranho tratamento, mas só iria retomá-las uma década depois, por insistência de Freud que percebeu nelas a descoberta de um método revolucionário para o tratamento da histeria (MENEZES, p.42, 2006)”.[5] As descobertas de Zurique, assim ficaram conhecidas as experiências de associação livre, e o seu principal interesse residia na ênfase dada à influência de um determinado fator (complexo ideativo com colorido emocional) sobre as reações.”As primeiras sistemáticas de associação livre foram realizadas por Wundt, e mais tarde foram introduzidas na psiquiatria por Kräpelin e particularmente por Aschffenburg. Sob a direção de Bleuler,

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então diretor do hospital público de Zurique, e de Jung, seu primeiro assistente, foi levada a cabo uma série de experiências análogas, cujas conclusões foram publicadas a partir de 1904. (FREUD, vol. IX, p.102, 1976)”.[6]“Criada por um cientista convicto, a Psicanálise não pode ser considerada ciência no sentido convencional, mas também não é filosofia, nem religião, nem arte. (MENEZES, p. 42, 2006)”.

[7] “Fúndase los partidarios de esta teorías en que la culpabilidad

halla su fundamento en la determinada situación de hecho

predominantemente psicológica. (ASÚA, p.447, 1945)”.[8] “Um homem que alternadamente peca e depois, em seu remorso, erige

altos padrões morais, fica exposto à censura de tornar as coisas fáceis

demais para si. Faz-nos lembrar os bárbaros das grandes migrações, que

matavam e faziam penitência por matarem, até que a penitência se

transformou numa técnica real para permitir que o homicídio fosse cometido.

Esse é o ponto fraco dessa grande personalidade. Dostoiévski jogou fora a

oportunidade de se tornar mestre e libertador da humanidade e se uniu a

seus carcereiros. O futuro da civilização humana pouco terá por que lhe

agradecer.(FREUD, vol. XXI, p.205, 1974)”.

[9] “A ‘reação epiléptica’, como esse elemento comum pode ser chamado, também está indubitavelmente à disposição da neurose, cuja essência reside em livrar-se, através de meios somáticos, de quantidades de excitação com as quais não pode lidar psiquicamente. Assim, a crise epiléptica se transforma num sintoma de histeria, sendo por ela adaptada e modificada, tal como é pelos processos sexuais normais de descarga. É, portanto, inteiramente correto distinguir entre epilepsia orgânica e epilepsia ‘afetiva’. A significação prática disso é a de que uma pessoa que sofre do primeiro tipo tem uma moléstia do cérebro, ao passo que a que padece do segundo é neurótica. No primeiro caso, sua vida mental está sujeita a uma perturbação estranha,

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oriunda de fora; no segundo, o distúrbio é expresso de sua própria vida mental. É extremamente provável que a epilepsia de Dostoievski tenha sido do segundo tipo.(FREUD, vol. XXI, p. 209, 1974)”.[10] ”O superego se tornou sádico e o ego se torna masoquista, isto é, no

fundo, passivo, de uma maneira feminina. Uma grande necessidade de

punição se desenvolve no ego, que em parte se oferece como vítima ao

destino e em parte encontra satisfação nos maus tratos que lhe são dados

pelo superego (isto é, no sentimento de culpa), pois toda punição é, em

última análise, uma castração, e como tal, realização da antiga atitude

passiva para com o pai. (FREUD, vol. XXI, p. 213 e214, 1974)”.          

[11] “O que torna inaceitável o ódio pelo pai é p temor a este; a castração é terrível, seja como punição ou como preço do amor. Dos dois fatores que reprimem o ódio pelo pai, o primeiro, ou seja, o medo direto da punição e da castração, pode ser chamado de anormal; sua intensificação patogênica só parece surgir com o acréscimo do segundo fator, o temor à atitude feminina. Dessa maneira, uma forte disposição bissexual inata se torna uma das pré-condições ou reforços da neurose. (FREUD, vol.XXI, p.212, 1974)”.[12] Em nota 1,vol.XXI, p.206, FREUD, 1974, há referência  ao tema do ataque sexual a uma menina que aparece diversas vezes nas obras de Dostoievski, inclusive em “Crime e Castigo”. [13] Conteúdo ideativo é toda a informação existente no inconsciente, presente somente no mundo próprio da pessoa analisada, vindo ao consciente e tornando-se conhecido através da técnica psicanalítica.[14] “A capacidade de entender e de querer é, portanto, um dos pressupostos de fato que devem ter-se presentes para que possa efetuar-se o juízo de culpabilidade. Mas isso não basta: é também necessário que o sujeito tenha agido com consciência e vontade, isto é, que a sua ação seja dolosa ou negligente, conforme o

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crime exija a forma dolosa ou a negligência para a sua realização. Dolo e negligência não são, portanto, as duas formas psicológicas típicas da culpabilidade, entendida em sentido naturalístico, mas representam as duas formas psicológicas que é o postulado daquele juízo de valor em que consiste a culpabilidade. (BETIOL, p.131, 2003)”.[15] A libido é a energia vital, vinda da pulsão sexual, que impulsiona o homem à vida, e o seu caráter sexual não é restrito à energia dos órgãos genitais e de reprodução, mas sim à própria vitalidade e instinto de vida e de sobrevivência física e psíquica, e tem origem no instinto de vida, o Eros.  “Para que uma neurose seja gerada deve haver um conflito entre os desejos libidinosos de uma pessoa e a parte de sua personalidade que denominamos de ego, que é a expressão do seu instinto de autopreservação e que também abrange os ideais de sua personalidade. Um conflito patogênico dessa espécie só ocorre quando a libido tenta seguir caminhos e objetivos que o ego de há muito superou e condenou, e, portanto, proibiu pata sempre, e isso a libido só faz se for privada da possibilidade de uma satisfação ego-sintônica ideal. Por isso a privação, a frustração de uma situação real é a primeira condição para a geração de uma neurose, embora, na verdade, esteja longe de ser a única. (FREUD, vol. XIV, p. 357, 1974)”.

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