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EIXO TEMÁTICO 2: Estratégias, Materiais e Recursos Didáticos na Educação em Ciências e BiologiaMODALIDADE: PÔSTER – PO.44
ANÁLISE DE “MINÚSCULOS: O FILME” À LUZ DA BIOLOGIA ANIMAL.
Luci Boa Nova Coelho, Depto. Zoologia, Instituto de Biologia-UFRJ,
Elidiomar Ribeiro Da-Silva, Depto. Zoologia, Instituto de Biociências-UNIRIO,
RESUMODidaticamente falando, os filmes podem ser utilizados em todos os níveis e disciplinas acadêmicos. Em matérias ligadas à História Natural e à Ciência, seu uso é particularmente interessante, posto que estudos indicam que a assimilação do conhecimento científico é mais efetiva quando se usa elementos da vida cotidiana do aluno. Visando exemplificar o uso de elementos da cultura pop na sala de aula, é apresentada uma análise da obra cinematográfica Minúsculos: O Filme. Com base no filme, muitos conceitos biológicos podem ser trabalhados em aulas regulares. Os temas vão desde os mais específicos, ligados à Zoologia (caracterização morfológica) até conceitos biológicos gerais (alimentação, predação, competição, mutualismo, colonialismo, reprodução, ciclo de vida).Palavras-chave: ciência, educação ambiental, cultura pop
ABSTRACTDidactically, we can use films at all levels and academic disciplines. In matters relating to Natural History and Science, its use is particularly interesting, since studies indicate that the assimilation of scientific knowledge is most effective when it uses elements of everyday student life. In order to exemplify the use of pop culture elements in the classroom, we present an analysis of the cinematographic film Minuscule - La Vallée des Fourmis Perdues. Based on the movie, we can work many biological concepts into regular classes. Topics range from the more specific, related to Zoology (morphological characterization) to general biological concepts (food, predation, competition, mutualism, colonialism, reproduction, life cycle). Key words: science, environmental education, pop culture
INTRODUÇÃO
A incorporação de elementos da cultura pop às produções acadêmicas vem ganhando
destaque recentemente (NEMÉSIO et al., 2013; DA-SILVA et al., 2014a, 2014b;
CASTANHEIRA et al., 2015). Importante elemento da cultura popular, as produções
cinematográficas vêm sendo mais e mais utilizadas na escola, embora ainda existam poucos
estudos sobre a sua aplicação no ambiente escolar. Os filmes possuem potencialidade
pedagógica especial e podem dar suporte a novas modalidades educativas, com possibilidades
de utilização em todos os níveis e disciplinas. Material cultural acessível e de fácil aceitação,
os filmes fazem parte da vida cultural das crianças e adolescentes, sendo uma ótima ponte
entre os saberes do aluno e o conhecimento sistematizado. Desse modo, a valorização desse
material em atividades didáticas torna-se relevante. Segundo Martins et al. (2005), além da
indiscutível importância das figuras como recurso para a visualização e aprendizagem, uma
vez que são mais facilmente lembradas do que suas correspondentes representações verbais,
elas também desempenham um papel fundamental na constituição das ideias científicas e na
sua conceptualização. Estudos realizados em diversos países demonstram o quão importante é
o conhecimento científico ser trabalhado já nos primeiros anos do processo educacional, uma
vez que, inicialmente, os estudantes apreciam a Ciência, mas no decorrer de sua vida escolar
começam a perder o interesse. O ensino de Ciências desperta interesse nos alunos quando os
ajuda a compreender seu próprio mundo. Obviamente, isso quer dizer que, para que os
modelos científicos que lhes são impostos tenham sentido, tais padrões deveriam relacionar-
se, de alguma forma, à história e ao mundo desses alunos (CARDOSO et al., 2013). Diante de
tal cenário, a utilização de filmes para fins didáticos é natural e proveitosa.
O FILME
A série televisiva francesa, “Minúsculos” (“Minuscule”, no original), criada e dirigida
por Thomas Szabo e Hélène Giraud, e produzida pela Futurikon, é uma animação cujos
protagonistas são insetos, contando também com a presença de outros artrópodes, moluscos
répteis, anfíbios e peixes. Cada um dos seus 78 episódios, produzidos de 25 de outubro de
2006 a 2008, tem em média cinco minutos de duração, combinando animação 3D e imagens
de paisagens naturais, sem diálogos ou comentários. Com grande sucesso no mercado
internacional, é exibida em mais de 80 países. Decorrente desse sucesso da série, em 2013
Szabo, Giraud e o produtor Philippe Delarue levaram para as telas de cinema o longa-
metragem franco-belga, “Minúsculos - O Filme” (“Minuscule - La Vallée des Fourmis
Perdues”, no original) (Fig. 1). Mantendo todas as características técnicas da série, tendo
como locais das filmagens os Parques Nacionais de Écrins e o Mercantour (França), o filme
reúne alguns dos conhecidos personagens em uma aventura cotidiana, apresentando uma
visão profunda e alegre do curioso mundo desses pequenos animais, em 89 min de duração.
Em linhas gerais, o filme conta a história de uma joaninha, perdida de sua família, que
faz amizade com pacíficas formigas pretas, que encontraram restos de guloseimas de um
piquenique. O grande tesouro encontrado é uma lata com torrões de açúcar, a qual as formigas
pretas se organizam para transportar até seu formigueiro. Em companhia da joaninha, rumam
em um longo e tortuoso percurso, protegendo seu tesouro das investidas de um grupo de
bélicas e obstinadas formigas vermelhas. A preocupação com a riqueza de detalhes para um
público leigo de todas as idades e a proposta de uma visão mais intimista e minuciosa de
situações, a princípio, tão comuns, fazem do filme um objeto de reflexão, abrindo
possibilidade para vários estudos.
OS PERSONAGENS PRINCIPAIS
Os três personagens principais do filme são insetos comuns em bosques e jardins
europeus: uma joaninha (Fig. 2) e duas formigas (Figs. 3-4). A joaninha pertence à espécie
Coccinella septempunctata Linnaeus, 1758 (Coleoptera: Coccinellidae) e representa o papel
de “herói épico” da trama. As duas formigas lideram grupos antagonistas. As que representam
o papel de “mocinhos” na trama são as pretas, pertencentes à espécie Lasius niger (Linnaeus,
1758), ao passo que as “vilãs” são as vermelhas, da espécie Formica rufa Linnaeus, 1761
(Hymenoptera: Formicidae).
ANÁLISE BIOLÓGICA
A maioria dos animais é muito bem caracterizada, com as licenças poéticas de praxe,
como os olhos grandes, com íris e pálpebras. Esse tipo de estratégia é bastante comum em
filmes (CASTANHEIRA et al., 2015), conferindo aos animais um aspecto mais expressivo.
No filme há muitas cenas bucólicas apresentando insetos e outros invertebrados. Muitas
borboletas e abelhas voam ao sol, por entre as flores. Uma libélula (Fig. 5) da subordem
Zygoptera (Odonata) aparece nas margens de um rio, ambiente comum para o grupo. Isso
constitui uma excelente oportunidade para se apresentar aos alunos os grupos de insetos que
habitam ambientes dulçaquícolas.
Figura 1 – Reprodução parcial do pôster (em francês) de “Minúsculos: o Filme” (Fonte: Google Imagens).
Logo no início do filme, um casal de joaninhas aparece junto a três ovos (Fig. 15), dos
quais eclodem joaninhas pequenas (Fig. 16), miniaturas exatas dos adultos (Figs. 17-18). Mais
para o final do filme, outra postura de joaninhas tem cinco ovos. Logo depois do nascimento,
as pequenas joaninhas já estão voando, após um breve aprendizado. Nesse ponto, seria
possível abordar com os alunos aspectos do ciclo biológico das joaninhas e dos insetos de
forma geral. Sendo insetos holometábolos, o ciclo de vida desses pequenos besouros inclui
ovo, larvas de sucessivos estádios, pupa e adulto. Como detalhe adicional, também o filhote
de mosca (que aparece mais adiante no filme) é uma cópia fiel em miniatura dos adultos (Fig.
19). Na espécie Coccinella septenpunctata, de modo geral a postura é feita em pequenos
grupos de ovos, variando numericamente entre oito e cem ovos por grupo (SINGH e SINGH,
2014). Já as asas, somente aparecem na fase adulta dos insetos. O fato dos recém-nascidos
terem asas é uma das duas maiores incorreções biológicas do filme, juntamente com a
regeneração de uma asa posterior perdida pela joaninha. Insetos, ao contrário de alguns outros
artrópodos (aracnídeos e crustáceos, por exemplo), não fazem ecdise após adultos, não
podendo regenerar partes anatômicas perdidas. Partindo do pressuposto que, por ter asas, a
jovem joaninha seria classificada como estando no estágio adulto, a asa perdida não seria
regenerada. Insetos que não sofrem metamorfose completa, como os hemimetábolos, passam
pelos estágios de ovo, ninfas em progressivos estádios e adulto. Na fase de ninfa, um apêndice
eventualmente perdido pode ser reposto durante a ecdise para o estádio subsequente. Mas isso
não acontece com os adultos. E a recomposição não é gradual, como a mostrada no filme.
Além disso, asa posterior da joaninha é retratada em tamanho bem menor que o real.
As formigas apresentam antenas geniculadas (Fig. 20), uma notória característica da
família Formicidae, que são usadas para a função sensorial. As aranhas presentes no filme
estão entre os poucos animais mal caracterizados morfologicamente. Uma das aranhas não
tem a divisão de cefalotórax e abdome definida, além de não apresentar pedipalpos e
quelíceras (Fig. 8). Outra espécie (Fig. 9), além de também não ter pedipalpos e quelíceras,
tem padrão de olhos que remete à família Lycosidae (cf. LEHTINEN e HIPPA, 1979), mas
está em uma teia orbicular. Ressalve-se que os Lycosidae, popularmente conhecidos como
aranhas-lobo ou tarântulas, não fazem teia. Em voo, a joaninha e algumas moscas danificaram
a teia dessa última aranha. Isso poderia constituir um ponto de partida para uma conversa com
os alunos, discutindo a teia como instrumento de caça e a necessidade constante que a aranha
tem de fazer sua manutenção. O padrão de movimentação dos animais presentes no filme é
bastante fiel à realidade. Os élitros das joaninhas, por exemplo, estão em posição perfeita
durante o voo (Fig. 2). Em algumas cenas, porém, a joaninha para no ar, em voo, o que não
acontece na realidade. Uma lagarta da família Geometridae (Lepidoptera) aparece se
deslocando com seu característico movimento “mede palmos”.
É bastante sabido que restos orgânicos deixados atraem insetos e outros invertebrados.
E acontece exatamente isso quando um casal de humanos deixa restos de seu piquenique no
bosque (Fig. 7). Nesse ponto, é interessante abordar com os alunos a importância de se
proteger o meio ambiente e cuidar adequadamente do lixo, como forma de evitar a presença
de pragas. Pode-se também abordar como tema o tempo de degradação de diferentes materiais
na natureza. Em uma situação, a joaninha vai até o abrigo de uma pequena aranha, que está
localizado dentro de uma tubulação. Lá se observa grande quantidade de materiais de uso
humano, que formam uma barreira de contenção ao escoamento da água (Fig. 24). Tal cena
mostra claramente o problema da poluição, podendo ser abordadas, em sala de aula, as
consequências da obstrução das águas pluviais e redes de esgoto, por despejo de lixo.
Dentre os insetos atraídos pelo “banquete”, aparecem ninfas de percevejo (Hemiptera)
(Fig. 7). Face à sua dieta hídrica, os percevejos não se interessariam por sobras de um
piquenique. Em determinados momentos do filme, a joaninha sorve líquido de uma frutinha
vermelha. Alguns Coccinellidae só completam o seu desenvolvimento quando consomem sua
presa preferencial. Entretanto, em casos de escassez de presas, certas espécies podem se
alimentar de fontes alternativas, como néctar extrafloral e pólen, para garantir a sobrevivência
(LIXA, 2008). Dentro da licença poética de uma obra de ficção, os invertebrados (tanto os
voadores quanto os reptantes) carregam um peso muito superior ao que realmente
conseguiriam. Alguns piolhos-de-cobra (Myriapoda: Diplopoda) aparece no filme (Fig. 7),
provavelmente pertence à família Julidae, bastante comum nos bosques europeus. As
formigas pretas levam o alimento obtido para ser estocado no formigueiro, fazendo uso de seu
notório trabalho de equipe. Depois é mostrada a tentativa de saque por parte de uma outra
espécie de formiga, vermelha. Guerras e invasões entre formigueiros de diferentes espécies
são eventos comuns. Fato bastante interessante é que as formigas invasoras têm uma rígida
organização marcial (Fig. 21), realçando o caráter belicoso dos vilões.
Joaninhas são ótimos exemplos de organismos aposemáticos, em que padrões vistosos
de coloração (no caso, o vermelho e preto) indicam que aquele animal é potencialmente
perigoso, venenoso, peçonhento ou tem gosto ruim. No caso a joaninha exala das articulações
das pernas um líquido, à base do alcaloide coccinelina, como mecanismo de defesa contra
predadores (HOLLOWAY et al., 1991). Essa situação é bem representada quando em uma
cena a joaninha pulveriza um líquido verde nas formigas. Sinais de alerta manipulam o
comportamento de caça dos predadores, que evitam atacar presas com uma determinada
característica chamativa, que pode ser uma cor distinta, um odor ou algum comportamento.
Aos sentidos do predador, aquela presa não é palatável. O predador passa então a procurar
uma presa que valha mais à pena. Basicamente, esse é o princípio do aposematismo
(MAPPES et al., 2005).
Em um determinado momento, o grupo formado pelas formigas pretas e a joaninha foi
atacado por um lagarto (Fig. 11), provavelmente da espécie Lacerta viridis (Laurenti, 1768)
(Reptilia: Lacertidae). Em outro trecho, a joaninha foi atacada por uma rã e impôs resistência
à língua do predador (Fig. 24), o que seria impossível ante à disparidade de tamanho e força.
Tanto anfíbios quanto lagartos estão entre os principais predadores de insetos (SLOGGETT,
2012; MOLLOV et al., 2012). Estudos apontam que a presença de joaninhas no trato
digestivo de rãs e sapos (Lissamphibia: Anura) pode chegar a 15% do conteúdo
(SLOGGETT, 2012). Em outro momento, a joaninha caiu em um riacho, sendo atacada por
um peixe (Fig. 12), aparentemente um juvenil do gênero Esox Linnaeus, 1758
(Actinopterygii: Esocidae), notório predador dos rios europeus (DENYS et al., 2014). Juvenis
de Esox lucius Linnaeus, 1758 têm insetos entre seus itens alimentares (HUNT e CARBINE,
1951).
Como insetos coloniais, as duas espécies de formigas que aparecem no filme têm suas
castas mostradas. As fêmeas reprodutoras (rainhas) são excessivamente grandes (Figs. 13-14),
bem maiores que o tamanho real, mostrando uma fisiogastria exagerada. Na colônia, à medida
que a rainha produz ovos, eles são levados pelas operárias para uma câmara específica. Nesse
ponto, pode-se abordar com os alunos os insetos de hábito colonial, enfatizando a divisão de
tarefas.
Após perseguirem a joaninha, moscas são atropeladas por um carro na estrada. No
mundo real, muitos insetos são atingidos por carros em estradas, geralmente ficando grudados
no para-brisa ou em outras partes do veículo (cf. BERENBAUM, 2002). Tal fato traz uma
interessante oportunidade para se abordar a problemática dos animais que são vítimas de
atropelamento, tanto em áreas urbanas quanto em reservas naturais cortadas por estradas.
Rodovias proporcionam inegáveis melhorias na qualidade de vida, desenvolvimento social e
econômico de uma região, incentivando a geração de empregos, distribuição de renda e
valorização da terra. No entanto, como qualquer empreendimento humano que resulta na
alteração de ecossistemas, as rodovias trazem impactos ambientais negativos resultantes da
fragmentação de áreas naturais, reconhecidos hoje como as principais ameaças à conservação
da biodiversidade. Um desses impactos diretos é a questão dos atropelamentos da fauna, que
ocorrem em função de vários fatores, sendo a fragmentação da área, que interfere no
deslocamento natural das espécies, e a disponibilidade de alimentos ao longo das rodovias os
principais aspectos. Nesse último caso, a presença de alimentos (grãos, sementes, frutas,
plantas herbáceas, entre outros) na pista ou próxima dela, atua como atrativo para os animais
silvestres, podendo resultar no atropelamento do animal, cuja carcaça pode atrair a presença
de outros animais carnívoros, criando-se um ciclo de atropelamentos (SANTOS et al., 2012).
Isso é uma importantíssima questão de educação ambiental. Deve-se ressaltar, ainda, que
também animais domésticos (em áreas urbanas) são vítimas frequentes de atropelamentos
(ANDRADE et al., 2011; SEIXAS, 2012).
No filme, as joaninhas e as moscas são mostradas como tendo um núcleo familiar,
composto por adultos e filhotes. Muitos insetos têm comportamento de cuidado parental, em
geral por parte de apenas um dos genitores. Mas isso não ocorre com moscas e joaninhas, que
não formam casais (exceto para o acasalamento) nem cuidam da prole. Ao contrário, sob
determinadas condições, os Coccinellidae podem até apresentar um comportamento canibal.
Os integrantes da família Coccinellidae são, na sua grande maioria, predadores efetivos, sendo
que os pulgões (Hemiptera: Aphididae) estão entre suas presas preferenciais. Como os
pulgões podem ser pragas agrícolas de destaque, as joaninhas são utilizadas em programas de
controle biológico (JAFARI, 2013). Diferentes tipos de pragas são encontrados na natureza,
afetando a vida e rendimento de culturas naturais e cultivares agrícolas. Os cientistas estão
tentando desenvolver e aplicar diferentes técnicas para controlar e reduzir a perda resultante
da ação dessas pragas na agricultura e na jardinagem. Métodos químicos são comumente
utilizados para tal, pois são a forma mais fácil, rápida e direta de matar ou repelir as pragas de
culturas. Mas é relatado em muitos experimentos que tais compostos químicos podem não só
ter efeitos perigosos sobre a vida humana, mas também impacto indireto na saúde dos
ecossistemas. Diante disso, muitos defendem o uso de métodos de controle biológico, em que
um predador natural é utilizado para controlar o tamanho populacional da praga (ASHRAF et
al., 2010). A interação entre formigas e insetos que se alimentam de pulgões é obviamente
conflituosa. Formigas predam os inimigos naturais dos pulgões como parte de sua própria
dieta. Mais ainda, as formigas criam verdadeiras colônias de pulgões, dos quais retiram
exsudados açucarados (honeydew), uma rica fonte de carboidratos, e defendem ferozmente
tais colônias (SLOGGETT et al., 1998). Como uma licença poética, no filme as próprias
formigas conduzem a joaninha ao interior do formigueiro, onde pulgões (Fig. 6) caminham
livremente (Fig. 13). De qualquer forma, isso poderia ser um gancho para interessantes
discussões com os alunos, incluindo temas como predação, mutualismo e outras relações
ecológicas interespecíficas. No filme fica clara a animosidade nutrida pelas formigas
vermelhas em relação à joaninha. De fato, na realidade a Formica rufa é um dos predadores
naturais de Coccinellidae (SLOGGETT et al., 1999).
Ainda sobre a questão ambiental, durante o ataque e guerra entre as formigas, nota-se
a diversidade de materiais estocados no formigueiro preto (Figs. 23, 25) e, igualmente, a
variedade do arsenal utilizado pelas formigas vermelhas (Fig. 22). Apesar de se utilizarem de
elementos da natureza, como galhos, folhas e sementes, a grande maioria do material exposto
nas cenas, é instrumental humano, certamente recolhido e estocado pelas formigas após
despejo ou esquecimento, o que pode-se abordar como poluição do meio ambiente. Tanto
nesse caso, como naquele citado acima sobre o abrigo da aranha na tubulação, pode-se abrir
uma ampla discussão sobre reciclagem dos diferentes tipos de materiais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da observação do filme muitos conceitos interessantes do campo das Ciências
Naturais podem ser trabalhados em aulas regulares. Com a devida adequação de nível de
profundidade, há conteúdos passíveis de aplicação tanto no ensino superior quanto nos
ensinos médio e fundamental. Os temas vão desde os mais específicos, ligados à Zoologia
(caracterização morfológica) até conceitos biológicos gerais (alimentação, predação,
competição, mutualismo, colonialismo, reprodução, ciclo de vida) e aplicados (controle
biológico, conservação ambiental).
Todos esses conceitos e temas podem ser utilizados para enriquecer as aulas,
transmitir conteúdos e despertar o interesse dos alunos. Mas isso, sempre, com os devidos
cuidados e ajustes. Como obras ficcionais, os filmes não estão obrigatoriamente
compromissados em abordar conteúdos de Ciências Naturais da forma que é considerada
correta pela comunidade científica (CARVALHO & MARTINS, 2009). E é aí que deve entrar
o grau de discernimento do professor, ao ministrar os conhecimentos e conduzir
adequadamente as atividades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Figuras 2-14 – Personagens e cenas de “Minúsculos: o Filme” (Fonte: Google Imagens): 2, a joaninha; 3, a formiga preta; 4, a formiga vermelha; 5, libélula; 6, pulgões; 7, cena dos artrópodos recolhendo os restos de piquenique, com destaque para o piolho-de-cobra; 8, aranha; 9, outra aranha; 10, ninfas de percevejo disputando uma guloseima; 11, o lagarto em caça e a formiga preta se escondendo; 12, o peixe predador; 13, formigas pretas e a joaninha, junto à rainha e os pulgões; 14, formigas vermelhas e sua rainha.
Figuras 15-25 – Personagens e cenas de “Minúsculos: o Filme” (Fonte: Google Imagens): 15, ovos de joaninha; 16, nascimento das joaninhas; 17, joaninhas recém-nascidas, caídas no solo; 18, joaninha adulta e seus filhotes; 19, moscas (adultos e filhote) hostilizando a joaninha; 20, formigas pretas travando contato com a joaninha; 21, organização marcial das formigas vermelhas; 22, formigas vermelhas partindo para a guerra, carregando artefatos artificiais; 23, o almoxarifado das formigas pretas, repleto de bugigangas; 24, rã atacando a joaninha (que está dentro da casa), em um cenário repleto de lixo; 25, armamentos de defesa das formigas pretas.